Comentário: 3º Domingo do Advento - Ano B

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JESUS É A LUZ PARA A ALEGRIA DOS POBRES BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 3° DOMINGO DO ADVENTO – COR: ROXO / LILAS I. INTRODUÇÃO GERAL 1. A missão profética nos é apresentada, também neste tempo de preparação à chegada do Salvador, como algo fundamental. Ser pro- feta é fazer valer os direitos dos pobres e anunciar-lhes uma boa notí- cia, é denunciar as estruturas que estão distorcendo os caminhos de Deus e propor uma atitude de mudança, na liberdade de quem cresce a cada dia e respeita a vocação profética característica de cada cristão. A proximidade do Natal não nos convida a lamentar os desafios e di- ficuldades da missão, mas a nos alegrar sempre, pois Deus, em seu Filho, continua vindo sempre a nós, caminhando conosco e dando forças na construção da liberdade e da alegria dos pobres. II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1ª leitura (Is 61,1-2a.10-11): Ungidos por Deus para dar a boa no- tícia aos pobres 2. Os quatro versículos propostos pela liturgia são o início e o final do cap. 61 de Isaías, considerado por muitos como o centro de todo o terceiro livro de Isaías. Nesse terceiro livro (Is 56-66), originário do período pós-exílico, encontramos a profecia num tempo de tensões: os que tinham voltado do exílio estavam entusiasmados com as novas possibilidades de reconstruir a vida em Israel, mas esse entusiasmo vai cedendo às desilusões e conflitos entre os que voltaram do exílio e os que permaneceram na terra; a situação, como sempre, é de injus- tiça — rejeição do domínio persa e esperança de uma libertação por parte de Javé, de um lado, e subserviência ao domínio estrangeiro e conformismo por parte das autoridades políticas e religiosas judaicas, de outro. O cap. 66, apresentando a missão do profeta dirigida aos po- bres e alimentando a esperança, anuncia a libertação desse povo in- justiçado. 3. Os vv. 1-2a apresentam a missão profética com os dois traços fundamentais: o profeta é enviado para proclamar a palavra de Deus, ou seja, evangelizar, anunciar a boa notícia, que não é boa notícia ge- nérica dirigida a todos, mas aos pobres. Deus envia o profeta para proclamar aos pobres que coisas boas estão acontecendo em favor de- les. Vêm, então, as outras características dessa missão, que não se li- mita ao anúncio com palavras, mas se expressa na prática: curar os corações feridos e pôr em liberdade os prisioneiros. Que o anúncio profético só tem sentido com a prática profética vemos no paralelis- mo sinonímico do v. 1: “proclamar a libertação dos escravos” e “pôr em liberdade os prisioneiros”. Nesse sentido deve ser lida a missão de “anunciar o ano da graça de Javé”. O verbo hebraico qara’, aliás, é corretamente traduzido pela Bíblia Pastoral como “promulgar”, pois não se trata de simples anúncio, mas de fazer valer, com o anúncio e a prática profética, o ano da graça, que na Bíblia se refere ao ano jubi- lar (a cada 50 anos) e ao ano sabático (a cada sete anos), quando, en- tre outras coisas, deveriam ser perdoadas todas as dívidas e libertados todos os escravos, para que a justiça fosse restabelecida. 4. A missão profética, em tempos de injustiça, consiste em fazer valer os direitos dos pobres, dos injustiçados, dos que são vítimas de uma estrutura social em que poucos são privilegiados e a grande mai- oria massacrada. Os pobres de Isaías são os judeus pobres que sofrem a exploração do império estrangeiro, escravos na própria terra, e que sofrem, ao mesmo tempo, a opressão por parte das autoridades judai- cas, que fazem o jogo do império persa. Opressão interna e externa, que continua ainda hoje, aumentando o número de miseráveis e ex- cluídos, naquilo que chamamos de globalização: globalização da mi- séria, não das riquezas, que estão sempre mais concentradas em pou- cos países. 5. O que autoriza e sustenta a missão profética é o “espírito do Se- nhor Javé”, que está sobre o profeta porque este foi ungido. Na Bí- blia, a unção era feita geralmente a reis e sumos sacerdotes, em vista de uma missão em nome de Deus. Agora, o profeta é o ungido, pois tantas unções a reis e sacerdotes não se expressaram na prática como serviço ao povo de Deus, mas como autoridade e domínio em vista de privilégios pessoais. O profeta é o ungido de Deus para agir e falar em seu nome, e tal unção divina não conseguirá ser anulada por ne- nhuma outra autoridade humana. 6. Jesus aplica a si essa mesma missão profética, quando, no início de sua atividade pública na sinagoga de Nazaré, em Lc 4,18-19, lê es- ses versículos de Isaías e os toma como programa para a sua vida: Je- sus é o profeta ungido e enviado para trazer libertação aos pobres, e com ele todos os seus seguidores, que herdam a mesma missão profé- tica. 7. Os vv. 10-11 concluem o capítulo com um agradecimento do povo, que reconhece as ações de Deus em seu favor. O povo dos po- bres está unido e se expressa em primeira pessoa, usando a imagem dos noivos que se preparam para o casamento para manifestar a pró- pria alegria: como o turbante e as jóias dos noivos, a salvação e a jus- tiça são as vestes que preparam o povo para o casamento com Deus. E as imagens da terra que faz brotar uma nova planta e do jardim que faz germinar suas sementes servem para manifestar o favor de Deus pelo seu povo, mediante a justiça. 8. Deus doa seu espírito aos profetas e, por meio deles, alimenta a esperança no seu povo. Se, na mentalidade bíblica, gerar filhos e ter descendência era o bem mais precioso, agora o que conta é gerar jus- tiça, para que os filhos vivam, de fato, livres. Para tanto, também a esperança e a capacidade de transformar as relações de injustiça são o grande presente de Deus. Evangelho (Jo 1,6-8.19-28): João é a testemunha da luz 9. O início da pregação de João Batista coincide com uma grande expectativa messiânica por parte dos judeus. Esperava-se a vinda do Messias a qualquer hora, o Messias que iria restaurar a Aliança e des- tituir as autoridades por sua infidelidade. Não é de estranhar, portan- to, que as autoridades judaicas de Jerusalém enviem sacerdotes e levi- tas para saber notícias a respeito de João Batista e sua atividade. 10. Os vv. 6-8, que pertencem ao prólogo do evangelho, apresentam João como o enviado por Deus para dar testemunho da luz. E, para desfazer as crenças existentes a respeito de João como Messias, diz- se que “ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz”, Jesus, a luz verdadeira que ilumina a todos e que estava chegando ao mundo. 11. As autoridades de Jerusalém, com medo de um movimento po- pular que pusesse em risco seu poder, querem saber quem, de fato, é João. O evangelista, apresentando três respostas negativas de João, afasta toda e qualquer identidade messiânica para o Batista. O v. 20, aliás, manifesta isso com a redundância: João “confessou e não negou e confessou”. João sabe muito bem das preocupações das autoridades de Jerusalém e nega de antemão: “Eu não sou o Messias”. Uma nega- ção que desconcerta os enviados, que precisam encontrar uma justifi- cativa para a missão de João. Daí a pergunta: “Quem é você? Elias?”. E a negação: “Não sou”. E por fim: “Você é o Profeta?”. E a última negativa, rápida e seca: “Não”. 12. No tempo de Jesus, acreditava-se que a vinda do Messias seria precedida pelo envio de Elias, que prepararia o povo para a chegada do Salvador, restaurando a Lei de Moisés (cf. Ml 3,22ss). João não é profeta como Elias, pois rompe completamente com a instituição ju- daica e se move fora dos círculos políticos e religiosos judaicos do seu tempo: ele vem preparar a chegada da Luz que libertará o povo da Lei, transmitindo a vida plena. 13. Acreditava-se também que um segundo Moisés apareceria nos últimos tempos (cf. Dt 18,15-18: “Deus suscitará um profeta como eu no meio de ti”). João não é sucessor de Moisés, pois não olha para o passado da Lei e da tradição, mas para o futuro completamente novo do Messias que inaugurará uma nova Aliança.

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Comentário bíblico: 3° Domingo do Advento - Ano B - Tema: "JESUS É A LUZ PARA A ALEGRIA DOS POBRES" - LEITURAS BÍBLICAS (PERÍCOPES): http://pt.slideshare.net/josejlima3/3-domingo-do-advento-ano-b-2014-odt - TEMAS E COMENTÁRIOS: AUTORIA: Pe. José; Bortolini, Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C Festas e Solenidades, Editora Paulus, 3ª edição, 2007 - OUTROS: http://www.dehonianos.org/portal/liturgia_dominical_ver.asp?liturgiaid=335 SOBRE LECIONÁRIOS: - LUTERANOS: http://www.luteranos.com.br/conteudo/o-lecionario-ecumenico - LECIONÁRIO PARA CRIANÇAS (Inglês/Espanhol): http://sermons4kids.com - LECIONÁRIO COMUM REVISADO (Inglês): http://www.lectionary.org/ http://www.commontexts.org/history/members.html ; http://lectionary.library.vanderbilt.edu/ - ESPANHOL: http://www.isedet.edu.ar/publicaciones/eeh.htm (Less)

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JESUS É A LUZ PARA A ALEGRIA DOS POBRESBORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007

* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 3° DOMINGO DO ADVENTO – COR: ROXO / LILAS

I. INTRODUÇÃO GERAL

1. A missão profética nos é apresentada, também neste tempo depreparação à chegada do Salvador, como algo fundamental. Ser pro-feta é fazer valer os direitos dos pobres e anunciar-lhes uma boa notí-cia, é denunciar as estruturas que estão distorcendo os caminhos deDeus e propor uma atitude de mudança, na liberdade de quem crescea cada dia e respeita a vocação profética característica de cada cristão.A proximidade do Natal não nos convida a lamentar os desafios e di-ficuldades da missão, mas a nos alegrar sempre, pois Deus, em seuFilho, continua vindo sempre a nós, caminhando conosco e dandoforças na construção da liberdade e da alegria dos pobres.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1ª leitura (Is 61,1-2a.10-11): Ungidos por Deus para dar a boa no-tícia aos pobres

2. Os quatro versículos propostos pela liturgia são o início e o finaldo cap. 61 de Isaías, considerado por muitos como o centro de todo oterceiro livro de Isaías. Nesse terceiro livro (Is 56-66), originário doperíodo pós-exílico, encontramos a profecia num tempo de tensões:os que tinham voltado do exílio estavam entusiasmados com as novaspossibilidades de reconstruir a vida em Israel, mas esse entusiasmovai cedendo às desilusões e conflitos entre os que voltaram do exílioe os que permaneceram na terra; a situação, como sempre, é de injus-tiça — rejeição do domínio persa e esperança de uma libertação porparte de Javé, de um lado, e subserviência ao domínio estrangeiro econformismo por parte das autoridades políticas e religiosas judaicas,de outro. O cap. 66, apresentando a missão do profeta dirigida aos po-bres e alimentando a esperança, anuncia a libertação desse povo in-justiçado.

3. Os vv. 1-2a apresentam a missão profética com os dois traçosfundamentais: o profeta é enviado para proclamar a palavra de Deus,ou seja, evangelizar, anunciar a boa notícia, que não é boa notícia ge-nérica dirigida a todos, mas aos pobres. Deus envia o profeta paraproclamar aos pobres que coisas boas estão acontecendo em favor de-les. Vêm, então, as outras características dessa missão, que não se li-mita ao anúncio com palavras, mas se expressa na prática: curar oscorações feridos e pôr em liberdade os prisioneiros. Que o anúncioprofético só tem sentido com a prática profética vemos no paralelis-mo sinonímico do v. 1: “proclamar a libertação dos escravos” e “pôrem liberdade os prisioneiros”. Nesse sentido deve ser lida a missão de“anunciar o ano da graça de Javé”. O verbo hebraico qara’, aliás, écorretamente traduzido pela Bíblia Pastoral como “promulgar”, poisnão se trata de simples anúncio, mas de fazer valer, com o anúncio e aprática profética, o ano da graça, que na Bíblia se refere ao ano jubi-lar (a cada 50 anos) e ao ano sabático (a cada sete anos), quando, en-tre outras coisas, deveriam ser perdoadas todas as dívidas e libertadostodos os escravos, para que a justiça fosse restabelecida.

4. A missão profética, em tempos de injustiça, consiste em fazervaler os direitos dos pobres, dos injustiçados, dos que são vítimas deuma estrutura social em que poucos são privilegiados e a grande mai-oria massacrada. Os pobres de Isaías são os judeus pobres que sofrema exploração do império estrangeiro, escravos na própria terra, e quesofrem, ao mesmo tempo, a opressão por parte das autoridades judai-cas, que fazem o jogo do império persa. Opressão interna e externa,que continua ainda hoje, aumentando o número de miseráveis e ex-cluídos, naquilo que chamamos de globalização: globalização da mi-séria, não das riquezas, que estão sempre mais concentradas em pou-cos países.

5. O que autoriza e sustenta a missão profética é o “espírito do Se-nhor Javé”, que está sobre o profeta porque este foi ungido. Na Bí-blia, a unção era feita geralmente a reis e sumos sacerdotes, em vistade uma missão em nome de Deus. Agora, o profeta é o ungido, poistantas unções a reis e sacerdotes não se expressaram na prática comoserviço ao povo de Deus, mas como autoridade e domínio em vista de

privilégios pessoais. O profeta é o ungido de Deus para agir e falarem seu nome, e tal unção divina não conseguirá ser anulada por ne-nhuma outra autoridade humana.

6. Jesus aplica a si essa mesma missão profética, quando, no iníciode sua atividade pública na sinagoga de Nazaré, em Lc 4,18-19, lê es-ses versículos de Isaías e os toma como programa para a sua vida: Je-sus é o profeta ungido e enviado para trazer libertação aos pobres, ecom ele todos os seus seguidores, que herdam a mesma missão profé-tica.

7. Os vv. 10-11 concluem o capítulo com um agradecimento dopovo, que reconhece as ações de Deus em seu favor. O povo dos po-bres está unido e se expressa em primeira pessoa, usando a imagemdos noivos que se preparam para o casamento para manifestar a pró-pria alegria: como o turbante e as jóias dos noivos, a salvação e a jus-tiça são as vestes que preparam o povo para o casamento com Deus.E as imagens da terra que faz brotar uma nova planta e do jardim quefaz germinar suas sementes servem para manifestar o favor de Deuspelo seu povo, mediante a justiça.

8. Deus doa seu espírito aos profetas e, por meio deles, alimenta aesperança no seu povo. Se, na mentalidade bíblica, gerar filhos e terdescendência era o bem mais precioso, agora o que conta é gerar jus-tiça, para que os filhos vivam, de fato, livres. Para tanto, também aesperança e a capacidade de transformar as relações de injustiça são ogrande presente de Deus.

Evangelho (Jo 1,6-8.19-28): João é a testemunha da luz

9. O início da pregação de João Batista coincide com uma grandeexpectativa messiânica por parte dos judeus. Esperava-se a vinda doMessias a qualquer hora, o Messias que iria restaurar a Aliança e des-tituir as autoridades por sua infidelidade. Não é de estranhar, portan-to, que as autoridades judaicas de Jerusalém enviem sacerdotes e levi-tas para saber notícias a respeito de João Batista e sua atividade.

10. Os vv. 6-8, que pertencem ao prólogo do evangelho, apresentamJoão como o enviado por Deus para dar testemunho da luz. E, paradesfazer as crenças existentes a respeito de João como Messias, diz-se que “ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz”, Jesus, aluz verdadeira que ilumina a todos e que estava chegando ao mundo.

11. As autoridades de Jerusalém, com medo de um movimento po-pular que pusesse em risco seu poder, querem saber quem, de fato, éJoão. O evangelista, apresentando três respostas negativas de João,afasta toda e qualquer identidade messiânica para o Batista. O v. 20,aliás, manifesta isso com a redundância: João “confessou e não negoue confessou”. João sabe muito bem das preocupações das autoridadesde Jerusalém e nega de antemão: “Eu não sou o Messias”. Uma nega-ção que desconcerta os enviados, que precisam encontrar uma justifi-cativa para a missão de João. Daí a pergunta: “Quem é você? Elias?”.E a negação: “Não sou”. E por fim: “Você é o Profeta?”. E a últimanegativa, rápida e seca: “Não”.

12. No tempo de Jesus, acreditava-se que a vinda do Messias seriaprecedida pelo envio de Elias, que prepararia o povo para a chegadado Salvador, restaurando a Lei de Moisés (cf. Ml 3,22ss). João não éprofeta como Elias, pois rompe completamente com a instituição ju-daica e se move fora dos círculos políticos e religiosos judaicos doseu tempo: ele vem preparar a chegada da Luz que libertará o povo daLei, transmitindo a vida plena.

13. Acreditava-se também que um segundo Moisés apareceria nosúltimos tempos (cf. Dt 18,15-18: “Deus suscitará um profeta como euno meio de ti”). João não é sucessor de Moisés, pois não olha para opassado da Lei e da tradição, mas para o futuro completamente novodo Messias que inaugurará uma nova Aliança.

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14. João nega, portanto, ser o Messias, Elias e o Profeta, sobretudoporque essas três figuras serão representadas por Jesus, a luz que eleveio testemunhar. De fato, ao longo do evangelho, as figuras de Eliase do Profeta se fundirão, e Jesus será apresentado como o Profeta quedevia vir ao mundo, rejeitado pelos seus (cf. 4,4; 6,9.14). ComoElias/Profeta, Jesus não restaurará a Lei, mas doará o Espírito que cri-ará uma nova humanidade.

15. Depois de três negações, vem a afirmação sobre a identidade deJoão. Ele não usa a expressão “eu sou”, que, na Bíblia, tem fortesatributos divinos. No grego, temos a expressão ego phoné, ou seja:“eu voz”. João responde: “Eu, voz que grita no deserto”, e, citando Is40,3, denuncia e critica as autoridades judaicas por terem distorcido ocaminho do Senhor. João chama a atenção das autoridades não para asua pessoa, mas para a sua pregação, que é séria crítica aos podero-sos.

16. Os fariseus querem saber com qual autoridade ou por qual moti-vo João, portanto, batiza. Também aqui se estabelece uma distinção,agora entre o batismo de João e o de Jesus. O batismo de João, comágua (v. 26a), usando um elemento da natureza, atinge somente o físi-co das pessoas. É o batismo que procura levar à consciência das tre-vas e sujeiras presentes na ordem social injusta e suscitar o desejo derenovação, limpeza, mudança. Porém, João anuncia alguém que che-ga depois dele e que já está presente (vv. 26b-27). Jesus batizará como Espírito, um elemento novo que só ele pode transmitir e que atingi-rá a intimidade das pessoas e, transmitindo-lhes a vida, as tornará ca-pazes de construir novas relações, de liberdade e vida.

17. Por fim, João diz não ser digno de “desamarrar as correias dassandálias” daquele que vem depois dele. Essa expressão, muitas ve-zes interpretada como um gesto de humildade de João Batista, aludeno entanto, claramente, à lei judaica do levirato. Segundo essa lei,quando alguém morria sem deixar filhos, um parente próximo deviacasar-se com a viúva para dar filhos ao falecido e garantir-lhe, assim,uma descendência. Se quem tinha o direito e a obrigação de fazê-lonão o fazia, um outro podia ocupar o seu lugar, numa cerimônia emque se declarava a perda desse direito e que consistia em desamarraras sandálias (cf. Dt 25,5-10; Rt 4,6-7). João está afirmando que Jesusé quem tem o direito de tomar a humanidade como esposa e garantir-lhe uma herança de filhos. João tem consciência de ser a testemunhada luz, e não a luz: não pode tomar o lugar daquele que, por direito,será o esposo da humanidade.

18. João, batizando com água, manifesta o rompimento com as es-truturas políticas e religiosas de seu tempo, que aprisionavam o povonuma situação de trevas e morte. Jesus, o Messias que vem, batizandocom o Espírito, a partir do rompimento manifestado por João e res-pondendo aos anseios do povo, conduzindo-o para fora das estruturasde dominação e morte, construirá com a humanidade uma nova histó-ria, inaugurando uma nova criação.

2ª leitura (1Ts 5,16-24): “Examinem tudo e fiquem com o que ébom”

19. A primeira carta aos Tessalonicenses é o primeiro escrito doNovo Testamento. De Atenas ou Corinto, no ano 50 ou 51, Paulo es-creve à comunidade que teve de deixar às pressas, para escapar à per-seguição. Quando Timóteo e Silas, que ele enviara para saber notíciasda comunidade, retornam com boas notícias, Paulo e seus colabora-dores escrevem esta carta cheia de alegria pela perseverança dos cris-tãos de Tessalônica e aproveitam para dar conselhos práticos para a

vida comunitária. Os versículos da liturgia de hoje são parte dessesconselhos para que a comunidade permaneça firme e continue cres-cendo.

20. Antes de tudo, é preciso notar que Paulo não exerce poder auto-ritário sobre as comunidades: ele não ordena, mas aconselha; nãoolha o negativo e insiste sobre ele, mas considera o positivo e anima amelhorar e continuar progredindo. Uma metodologia válida sobrema-neira para nossos tempos e nossas lideranças na pastoral...

21. A comunidade é convidada a viver em contínua alegria e oração(vv. 16-17). A oração, que é relacionamento constante da comunidadecom Deus, e a alegria, que é consciência de estar vivendo uma novadinâmica, que é histórica e transcende a história, são as novas rela-ções do evangelho. Estar sempre alegres, portanto, não tem nada quever com atitudes abobadas, românticas ou resignadas, tal como ser o“inocente útil” da história...

22. Paulo e seus colaboradores convidam a comunidade a agradecersempre a Deus, não somente nos momentos bons, mas “em todas ascircunstâncias”, também nos momentos difíceis (v. 18). A comunida-de que constrói novas relações enfrenta oposições e tribulações, e es-tar consciente disso, sabendo que seguir fielmente a Jesus é o que im-porta, leva a agradecer a Deus também pelas tribulações que demons-tram a fidelidade a essa mesma missão.

23. Os vv. 19-22 deixam entrever como Paulo, o fariseu “converti-do”, não admitia nas comunidades nenhum legalismo. E não é paramenos: basta considerar seu árduo trabalho de libertar os seguidoresde Jesus da Lei judaica e de todo e qualquer legalismo, para que oscristãos vivessem de fato a liberdade para a qual Jesus os libertara.Numa cidade como Tessalônica, importante pelo comércio e local deencontro de tantos pensadores com as filosofias e doutrinas as maisdiversas, Paulo enuncia o princípio ético fundamental: “Examinemtudo e fiquem com o que é bom” (v. 21). A comunidade que não sedeixa escravizar pelo legalismo, que não está aprisionada pela rotina,pelas regras e pelo que está estabelecido, pode crescer, ser espontâneae criativa. Quando os cristãos são adultos, têm a capacidade de exa-minar tudo e ficar somente com o que é bom, ou seja, com aquilo queé bom para a comunidade e constrói fraternidade. Quando os cristãossão adultos, não precisam que tudo seja decidido pelos outros, pelosque são chamados, sim, a animar e servir a comunidade, mas não adar respostas prontas.

24. Daí os conselhos: “não extingam o Espírito” e “não desprezemas profecias”. Extinguir o Espírito seria banir da comunidade a liber-dade que Jesus nos conquistou, liberdade que nos dá o direito de errare crescer aprendendo, em vez de ser eternos e infantis observantes deleis e regras fixadas que muitas vezes não nos permitem ser fiéis aoevangelho — exatamente porque fidelidade exige criatividade. Des-prezar as profecias, a esse respeito, é rejeitar a voz da liberdade doEspírito. É rejeitar de antemão a insegurança da novidade para ficarna segurança do estabelecido. E aqui o critério é examinar as profeci-as, para discernir quais delas contribuem para o bem da comunidade.Se não contribuem para o bem, não são verdadeiras profecias, e porlevarem ao mal devem ser afastadas (v. 22).

25. Paulo e os colaboradores expressam sua comunhão com a comu-nidade suplicando por ela a Deus, na confiança de que a santidade édom do Deus fiel que chama, conserva e realiza o prometido (vv. 23-24).

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

26. Em que medida a missão profética está transformando a sociedade e as relações dentro de nossas comunidades?Que libertação somos chamados a "promulgar" hoje?

27. João Batista é a testemunha que não se põe no lugar do Messias, não chama a atenção para si, mas aponta para"aquele que vem". Isso é iluminador, ao pensarmos no papel das lideranças hoje. Testemunhar Jesus e preparar sua che-gada, endireitando seus caminhos, significa romper com as estruturas de injustiça e de morte. Como é o nosso testemu-nho?

28. O que seria hoje "extinguir o Espírito" e "desprezar as profecias"? O princípio ético: "examinem tudo e fiquem como que é bom" exige maturidade — que desafios ele nos apresenta? Nossas relações nos levam a crescer na fé e ser res-ponsáveis?