Comentários de Texto Teoria Geral do Estado

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE DIREITO TEORIA GERAL DO ESTADO DOCENTE: Cloves Araújo DISCENTE: Jobervan Rios Evangelista Filho COMENTÁRIOS DE TEXTO Texto 1. Resenha Crítica. FLORENZANO, Modesto. Sobre as origens e o desenvolvimento do estado moderno no ocidente. São Paulo: Lua Nova, 2007. PDF. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n71/01.pdf> . Acesso em: 27 de outubro de 2014. Modesto Florenzano é professor de história moderna na Universidade de São Paulo. Nascido na Itália em 1949, graduou-se em história pela mesma universidade em que leciona, além de ter se especializado em história do pensamento político e nos processos revolucionários ocorridos no Ocidente entre os séculos XIV e XIX. É dentro desta área que se situa a obra em questão, ao tratar sobre as origens do Estado Moderno. Como dito acima, Florenzano tem por escopo apresentar uma análise sobre o surgimento e o desenvolvimento do chamado Estado Moderno, em especial no Ocidente. Coloca-se

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Algumas anotações, resumos e ideias principais de textos selecionados cujo tema geral versa sobre a Teoria Geral do Estado.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANADEPARTAMENTO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADASCURSO DE DIREITOTEORIA GERAL DO ESTADODOCENTE: Cloves ArajoDISCENTE: Jobervan Rios Evangelista FilhoCOMENTRIOS DE TEXTO Texto 1. Resenha Crtica.FLORENZANO, Modesto. Sobre as origens e o desenvolvimento do estado moderno no ocidente. So Paulo: Lua Nova, 2007. PDF. Disponvel em: . Acesso em: 27 de outubro de 2014.Modesto Florenzano professor de histria moderna na Universidade de So Paulo. Nascido na Itlia em 1949, graduou-se em histria pela mesma universidade em que leciona, alm de ter se especializado em histria do pensamento poltico e nos processos revolucionrios ocorridos no Ocidente entre os sculos XIV e XIX. dentro desta rea que se situa a obra em questo, ao tratar sobre as origens do Estado Moderno.Como dito acima, Florenzano tem por escopo apresentar uma anlise sobre o surgimento e o desenvolvimento do chamado Estado Moderno, em especial no Ocidente. Coloca-se em pauta o quando e onde do nascimento deste fenmeno cultural, abordando aspectos como a origem do uso do termo Estado em sua acepo moderna, alm dos pensadores e instituies que contriburam para a cristalizao deste aparato de poder como instituio poltica dotada de soberania e legitimidade, resultando na forma Estado estabelecida na sociedade contempornea. Para esta anlise, Florenzano divide o texto em quatro partes: na primeira delas, faz uso de uma abordagem sociolgica, apontando o pensamento de alguns expoentes da sociologia; na segunda parte, o autor enfatiza uma anlise histrica do desenvolvimento do Estado; e nas duas ltimas partes, traz uma anlise que aponta a Itlia como bero deste processo, em especial as cidades de Florena e Veneza, apontando tambm o desenvolvimento do Estado consubstanciado nas experincias polticas da Inglaterra e da Frana.No tocante ao estudo das cincias sociais sobre o fenmeno do Estado, Florenzano destaca o pensamento de Marx e Weber, grandes nomes da sociologia. Karl Marx elabora seu pensamento de acordo s lutas de classe, tomando o Estado como um instrumento de explorao usado por aquelas dominantes. J Weber analisa o funcionalismo burocrtico do Estado, o que rende, seugundo o autor, uma teoria do Estado, em particular, e uma teoria do poder, em geral. (p. 4). Florenzano deixa claro a importncia de ambas as anlises, incluindo ainda um contraponto a estas teorias consagradas, qual seja, o pensamento de Pierre Clastres, segundo o qual algumas sociedades teriam escolhido no se organizar em uma instituio poltico-administrativa como o Estado moderno. Apesar disso, taxa o autor esta ltima teoria de fantasiosa, alm de ressaltar a importncia para a compreenso do funcionamento do Estado proporcionada pela teoria weberiana.Ao abordar as anlises feitas pela historiografia, Florenzano mostra como a monarquia e o absolutismo so fatores indissolveis da formao do Estado moderno. Apesar deste consenso quanto aos fatores intrnsecos ao surgimento do Estado, mostra o autor que questes como o momento, o nome e por qu desse surgimento no so pacficas. De acordo ao autor, a maioria dos historiadores definem o aparecimento do Estado em meados do sculo XVI, dando s cidades-nao italianas daquela poca o mrito desta realizao. Quanto ao por qu, vrios elementos so considerados como propulsores desse desenvolvimento, como a luta de classes, a religio, ou a prpria poltica. Entretanto, um ponto marcante nesta anlise elencado por Florenzano o fator absoluto do poder na constiuio do Estado, seja sob o ponto de vista positivo do absolutismo (como na perspectiva civilizadora de Norbert Elias), seja sob o ponto de vista negativo do mesmo (de acordo perspectiva de Foucault sobre a dominao dos corpos).Passa Florenzano, ento, a tratar do processo de desenvolvimento do Estado. O autor destaca mais uma vez que nas cidades-nao italianas operava-se uma maneira de fazer poltica distinta do restante do territrio europeu, o que ocasionou a transformao do Estado de um poder orgnico e feudal para um poder-mquina, tipicamente moderno. (p.11). Essa transformao se deu em virtude de alguns elementos essenciais presentes nestes Estados, especialmente em Veneza e sua estabilidade poltica e em Florena com sua conscincia e riqueza culturais. So tais os elementos: uma diplomacia permanente, um exrcito constitudo e funcionrios especializados. Florenzano mostra ento que bastava s demais naes europeias em formao uma olhada por cima do ombro para imitar estes avanos tcnicos, o que desencadeou a constituio dos demais Estados europeus. Pode-se dizer que o argumento central e constante neste texto que a constituio do Estado moderno se iniciou nos Estados italianos do sculo XVI, porm no foi ali que se efetivou. Florenzano aponta ento alguns fatores que explicam sua tese: por ser constitudo de diferentes naes, o territrio italiano no possua uma potncia capaz de unific-lo; inexistia poca um sentimento de patriotismo, pois, como mostra o autor ao se basear nos escritos de Maquiavel, se tratava de um patriotismo essencialmente municipalista; e, por fim, ressalta Florenzano a particularidade do tecido social das grandes monarquias europias, como a francesa, que permitiram a unificao de grandes territrios e a formao de Estados monumentais.Quanto a este ltimo aspecto, o autor destaca que a Monarquia Francesa foi responsvel por desenvolver os ingredientes essenciais do poder absoluto, sendo eles: a autonomia financeira; a constituio de um exrcito permanente; uma burocracia instituda; e uma Igreja nacional. Com isso, Florenzano ratifica sua tese de que foram nas grandes monarquias absolutas europeias que se deu a formao do Estado Moderno.Tm-se ento uma obra de extrema relevncia para a compreenso do fenmeno do Estado. Ao fazer uma anlise baseada em concepes sociolgicas e histricas, Florenzano fundamenta sua tese de maneira coerente e convincente, na medida em que parte tanto da anlise de autores contemporneos quanto da anlise do pensamento de autores que viveram poca do surgimento e desenvolvimento do Estado. neste sentido que se destaca outro fator de suma importncia na obra: Florenzano mostra como a etimologia da palavra Estado salutar para corroborar a sua tese. De acordo ao autor, s aps a trade Maquiavel-Bodin-Hobbes que se pode falar no surgimento da acepo moderna da palavra. Deste modo, relaciona de forma direta a produo terica destes autores com as transformaes poltico-institucionais que se processavam no mbito estatal.Aps delinear sua tese e fundamentar os argumentos supracitados, Florenzano finaliza a obra fazendo uma relao entre os Estados italianos do sculo XVI (Florena e Veneza) e os Estados modernos europeus (Inglaterra e Frana). Deixa claro que a semelhana entre a Inglaterra e Veneza salta aos olhos (p.25), em virtude da constituio de um complexo aparato burocrtico-estatal em ambos os Estados.Entretanto, ao sugerir a relao entre Frana e Florena que se percebe a originalidade do autor. Florenzano aponta que no h registro de tal relao, e mesmo a despeito de Florena ter vivido uma experincia de governo misto (o que no ocorreu na Frana), fundamenta esta relao argumentando que tanto Florena (entre os sculos XIII e XVI) quanto a Frana (entre os sculos XVI e XIX) foram laboratrios polticos onde todas as constituies foram experimentadas, sendo a trajetria histrica de ambas resultado do conflito de classes. Por todo o exposto torna-se claro quo rica e relevante tal obra de Florenzano. Alm de todo o levantamento histrico do processo de formao e desenvolvimento do Estado, observa-se tambm a originalidade do autor ao fazer relaes coerentes e inovadoras, alm do dilogo entre as mais variadas correntes das cincias sociais quanto ao fenmeno abordado. Por fim, e fazendo uso das palavras do autor, pode-se dizer que, quanto ao Estado moderno, os italianos o criaram, os franceses e ingleses o desenvolveram e aos alemes restou o consolo de o interpretarem. (p. 27).

Texto 2. Resumo.GERSTER, Thomas Fleiner. Teoria Geral do Estado. Parte 1: O ESTADO, UMA COMUNIDADE DE HOMENS. Captulo 1: A origem da comunidade estatal. So Paulo: Martins Fontes, 2006. P. 19-52.Neste primeiro captulo da obra Teoria Geral do Estado, Thomas Gerster prope tratar sobre a origem da comunidade estatal. Para isso, inicia sua teorizao partindo da necessidade intrnseca ao homem de formar comunidades.Gerster traz a noo de que nem sempre houve um governo, um Estado estabelecido, e que ele s se forma a partir de um determinado momento, seja a partir de uma guerra, uma revoluo, dentre muitas outras causas. As justificativas dadas existncia do Estado tambm variam, podendo ser teolgicas, antropolgicas ou filosficas, alm de, na maioria dos casos, possurem aspectos fictcios (contratualismo) difceis de serem separados dos fatos. Porm, o que importa para o autor saber como o Estado estabeleceu a dominao.Gerster parte do pressuposto de que todas as sociedades possuem uma ideia mais ou menos formada sobre a origem de sua comunidade estatal, e para validar esta afirmao, d sequncia exposio do captulo se referindo a peculiaridades da cultura chinesa, associando-as com os tradicionais pontos de vista ocidentais. Por exemplo: cita os pensamentos de Han Fei, Kuan Tze e do rabe Ibn Khaldn, associando-os doutrina hobbesiana, para mostrar que ambos veem o surgimento do Estado, ou governo, como uma necessidade natural da tribo se proteger dos perigos.A partir de ento o autor elenca alguns pontos comuns presentes no desenvolvimento estatal das mais diferentes comunidades arcaicas: nestas sociedades os problemas eram resolvidos no mbito da famlia, tais grupos prescindiam de instituies complexas e burocrticas; as instituies suprafamiliares s surgem com o aumento do grau de diviso do trabalho; as intituies centralizadas se formam, geralmente, por vias democrticas ou oligrquicas; sempre se espera uma governaa voltada para os interesses da tribo; tanto tribos nmades quanto sedentrias se sentem ligadas a determinado territrio; o homem est sempre voltado para a vida em comunidade; e, por fim, o culto aos ancestrais como formador de instituies de dominao.Aps o levantamento destes pontos que ajudam a entender a formao do Estado, Thomas Gerster passa a tratar dos estgios de desenvolvimento do mesmo. Como ponto de partida, aponta o autor a diviso do trabalho como fator determinante para o surgimento das comunidades estatais, na medida em que desenvolve o sentimento de pertencimento e tambm a necessidade de dependncia mtua. Ainda nesta abordagem, mostra o autor que o Estado uma caracterstica essencialmente humana, criada pelo homem e voltada para si.Feita tal constatao, o autor demonstra que j nas sociedades de coletores e caadores se observava o surgimento de comunidades interfamiliares. Fundadas numa incipiente diviso do trabalho, desencadearam o surgimento de pequenas assemblias democrticas e algumas normas jurdicas pautadas na religio e na moral. Sem deixar de ser pouco estruturadas, tratava-se, ainda, de uma democracia anrquica.O segundo estgio de desenvolvimento estatal determinado pela introduo da agricultura, pelo cultivo do solo que permitiu a instaurao de territrios delimitados. nesse estgio que se observa o surgimento de estruturas polticas estveis, em decorrncia da maior complexidade social e maior diviso do trabalho. Gerster, citando Thomas Mommsen, alega que este estgio pode ser visto como o ponto de partida para o desenvolvimento do Estado moderno. sobre a consolidao deste ltimo que se trata a terceira fase do desenvolvimento estatal. Neste estgio, a fundao das cidades de suma importncia, pois retira o foco das relaes familiares para coloc-lo na constituio de um povo cada vez mais dependente de um governo que se tornava centralizado e essencialmente burocrtico. So resultado desta fase de desenvolvimento: o surgimento de uma conscincia comunitria; um aumento sensvel de poder; o surgimento de uma verdadeira legiferao; e uma ordem social cada vez mais complexa, alm de uma diviso hierrquica em estamentos sociais.Observa-se ento que o quarto estgio de desenvolvimento do Estado referente realidade atual. Tal fase caracterizada pelos avanos industriais, pela diviso poltica em partidos e pela atuao legiferante do Estado, como mostra Gerster. Trata-se tambm de um acirramento das contradies sociais, uma vez que a industrializao e crescente urbanizao trouxe males marcantes para o tecido social. nesse sentido que o Estado passa ento a acumular novas funes at ento no vinculadas a ele nos estgios precedentes: alm de fornecer proteo aos sditos, precisa fornec-los os meios para se atingir a liberdade e uma vida digna. A famlia suprimida em detrimento da dependncia do povo s polticas pblicas. Isto ocasiona uma sobrecarga no aparato administrativo, e, consequentemente, um aumento nas desigualdades sociais, na corrupo, e na capacidade do Estado de solucionar os problemas que lhe cabem resolver. a que ser posta em xeque a legitimidade e autonomia do Estado moderno, alm da sua capacidade de responder s novas e crescentes demandas de uma sociedade que muda numa velocidade desenfreada. este o tema abordado no ltimo estgio de evoluo do Estado proposto por Gerster. O autor determina a exploso demogrfica e a rarefao das matrias-primas como os principais problemas da contemporaneidade. Mostra que lidar com estes problemas, especialmente com a preservao da natureza, modifica a forma de atuao do Estado, exigindo mudanas em prol de um desenvolvimento sustentvel.Finalizando sua abordagem desta linha da evoluo estatal, e tomando como base o que foi dito no pargrafo supra, Gerster aponta que no se sabe ainda em que direo ruma o desenvolvimento do Estado. Mostra que a autonomia dos Estados nacionais vem sendo reduzida em detrimento dos poderes internacionais, o que se observa nas constantes unies aduaneiras e na influncia de rgos supranacionais. Como contraponto a esta perspectiva, mostra tambm que a sociedade tende a desafogar o Estado de suas funes acumuladas, procurando resolver os problemas comunitrios nas pequenas organizaes sociais, o que apontaria para um recrudescimento da autonomia das pequenas comunidades. Seja qual o ponto de vista que se sobressaia na realidade contempornea, ambos constituem a base da anlise de Thomas Gerster, segundo a qual, ao longo da origem e do desenvolvimento da comunidade estatal, vive-se uma verdadeira incgnita quanto ao ponto de chegada do desenvolvimento desta instituio.

Texto 3. Resumo.GERSTER, Thomas Fleiner. Teoria Geral do Estado. Parte 1: O ESTADO, UMA COMUNIDADE DE HOMENS. Captulo 2: A imagem do homem e do Estado: ponto de partida das teorias do Estado. So Paulo: Martins Fontes, 2006. P. 53-91Thomas Fleiner-Gerster inicia este captulo traando uma relao entre as diferentes concepes de homem e a teoria do Estado. Seja o homem tomado como naturalmente bom, naturalmente mau ou dotado de razo crtica, Gerster mostra que em todas as concepes abordadas nota-se a influncia do pensamento cristo.A primeira concepo levantada pelo autor a advinda do pensamento de Hobbes, segundo o qual o estado de natureza seria um estado de barbrie, uma constante guerra de todos contra todos. Buscando defender interesses universais, como a segurana e a paz, alm evitar uma morte sbita, o homem celebrar um contrato no qual dar legitimidade para que um poder soberano seja constitudo. a imagem hobbesiana do homem naturalmente violento legitimando o poder absoluto.Marx, diferente de Hobbes, v no estado natural do homem uma condio pardisaca. Gerster mostra como Marx defende que a acumulao primitiva pode ser vista como o pecado original da economia, o que desencadeou a apropriao dos meios de produo pela classe dominante e a expropriao da classe subjugada. A partir da, Marx atenta para uma constante luta de classes, dentro da qual o Estado tem papel determinante como instrumento de explorao. Desta forma, a evoluo social s se dar com a extino do mesmo. a imagem do homem paradisaco oferecida por Marx e a crena na restaurao deste estado que objetiva a supresso do Estado.A prxima imagem do homem levantada por Gerster a da perspectiva do direito natural do Iluminismo. John Locke um dos pensadores desta vertente: para ele, os homens so naturalmente livres, iguais e independentes; entretanto, delegam a uma maioria o poder de govern-los buscando garantir a segurana dos direitos naturais por meio das leis e do Estado. Outro pensador desta vertente Kant: segundo Gerster, no foi objetivo dele indagar sobre o estado natural do homem, mas unicamente notar um constante perigo de conflitos, o que levou os homens a instituir uma coletividade no poder respaldada por leis jurdicas. Trata-se aqui da imagem do homem racional que faz uso de seus direitos naturais como pretexto para a instituio do Estado.Gerster finaliza esta srie de abordagens com a influncia da teologia crist na imagem do homem. Para isso, cita o pensamento de Agostinho e Lutero, segundo os quais haveria uma diviso entre o mundo divino e o mundo terreno, cabendo este (repleto de males e conflitos) aos no-cristos, enquanto aquele, dotado de uma realidade paradisaca, estaria reservado aos cristos. A viso de Toms de Aquino, baseada no pensamento aristotlico do homem como naturalmente comunitrio, tambm levantada por Thomas Gerster. Neste ponto, trata-se da imagem crist do homem legitimando a dominao estatal, na medida em que o poder do governante seria oriundo do poder supremo e divino de Deus.Aps levantar tais teorias que veem no Estado um produto direto do ser humano e da sua imagem, Gerster prope uma anlise da imagem do Estado em si mesmo, tomando-o como algo dissociado da natureza humana, acima dos homens.. Nesse sentido, o autor aponta que o Estado no to somente algo abstrato: nele se corporificam os anseios de um povo; este com aquele se identifica. Entre a concepo de Estado da Antiguidade e a concepo moderna, Gerster toma a primeira como ponto de partida para introduzir o pensamento de autores modernos que analisam o Estado enquanto emancipado do homem: Hegel, com o Estado absolutizado e superior; e Rousseau, que toma o Estado consubstanciado no bem comum, na vontade geral.Para apresentar a noo do Estado como um ser supremo, Gerster toma o pensamento de Hegel, segundo o qual a histria uma evoluo que ruma para a espiritualidade, moralidade, liberdade e razo superiores. Para Hegel, o Estado seria o ponto culminante desta evoluo, uma vez que constitudo de uma comunidade de homens sob o domnio da razo, que levaria a sociedade para o caminho da liberdade. Ao tomar o Estado como entidade suprema e portadora do caminho da asceno espiritual e moral, Hegel defende a submisso do povo ao governo institudo, vendo nesta obedincia a verdadeira liberdade. Thomas Gerster argumenta que a emancipao do homem frente ao Estado algo natural e recorrente na histria. Entretanto, faz uma crtica a tamanha supervalorizao encontrada no pensamento hegeliano, pois isto poderia levar a um conflito entre a soberania exacerbada e valores como o bem comum e a justia.Ao contrrio de Hegel, que absolutiza a lei como ponto culminante da realizao moral e espiritual, Rousseau absolutiza a vontade geral como ser supremo ao qual deve o povo se submeter. neste aspecto que se delineia o pensamento de Rousseau, usado por Gerster para fundamentar uma nova imagem do Estado. Rousseau distingue a vontade de todos (soma dos interesses particulares) da vontade geral (o bem comum, convergncia dos interesses da sociedade). a vontade geral o fundamento de validade da instituio do Estado, segundo Rousseau, na medida em que promove a realizao de bens tidos como comuns em uma sociedade. Por ser a vontade do Estado baseada na vontade geral que os sditos devem obedec-la. Como mostra Gerster, esse pensamento de Rousseau um marco na constituio de Estados democrticos, fundados na participao cidad.Quanto imagem estatal fornecida por Rousseau, Gerster analisa que o que comum, o que benfico para a sociedade como um corpo unificado, no pode ser institudo por um simples ato de vontade do Estado. O autor aponta o desenvolvimento social e econmico como a fonte deste bem comum, que por sua vez deve ser levado em conta pela instituio estatal, de maneira a respeitar os desenvolvimentos e necessidades sociais, sem escravizar os cidados mediante uma emancipao total do Estado.O ltimo ponto abordado neste captulo dois a respeito da legitimidade da dominao do Estado. Aps analisar a influncia das teorias que viam na imagem do homem um fator determinante para a compreenso do Estado e das teorias que emancipavam o mesmo frente ao homem, Thomas Gerster analisa o que legitima este rgo de histrico conturbado.Inicialmente, Gerster assevera que o Estado no surge de um nico ato deliberado, como um contrato social. Pelo contrrio, sua constituio se d de maneira gradual e fundamentada em alguns aspectos determinantes, dentre os quais destaca: a crescente diviso do trabalho; a interdependncia dos homens em uma comunidade; o surgimento de relaes de poder que pressupem um aparato de dominao e regulamentao; alm do sentido comunitrio e da capacidade de organizao humana.Determinados tais pressupostos para a formao do Estado, Gerster indica que esta dominao s ser legtima na medida em que for voltada para a constiuio da justia social e manuteno do bem comum, sempre guiadas pelo uso da razo e pelo interesse da comunidade. Como no poderia ser diferente, o autor aponta tambm os excessos intrnsecos natureza humana, que corrompem esta funo pressuposta do Estado e acarretam catstrofes sociais marcantes. Como soluo a este fator, Gerster aponta a limitao e controle deste poder por meio de poderes contrrios.Mais uma vez, o autor rejeita a fundamentao de uma teoria do Estado nas teorias unilaterais, tericas e irreais de determinadas imagens do homem, o que levaria a erros de grande alcance, alm daquelas fundamentadas em um contrato fictcio com ares de norma fundamental. Neste nterim, Gerster aproveita para ressaltar que a legitimidade do Estado s pode ser baseada numa governana voltada para a comunidade e o bem comum dos indivduos dela pertencentes. O respeito da sociedade pelo poder institudo no se d por documentos ou declaraes expressas ou somente pelo medo das sanes, mas sim na medida em que so obedecidas as normas estatais por um sentimento de obrigao legtimo. Para Gerster, a melhor forma de legitimidade o exerccio justo da dominao.Para por fim esta reflexo acerca da legitimidade da dominao estatal, Gerster argumenta que o poder do soberano no est acima, mas inserido no direito. Alm disso, o uso da razo de suma importncia para o combate aos excessos do uso do poder. A no observncia destes dois preceitos bsicos para a dominao legtima (justia e racionalidade) descaracterizam a funo do Estado e o tornam um empecilho ao desenvolvimento da sociedade. Thomas Gerster conclui ento que o Estado acima de tudo uma ordem racional a servio da paz, pautada nos valores da liberdade e da justia.

Texto 4. Resumo.BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: Para uma teoria geral da poltica. 13 Ed. So Paulo: Editora Paz e Terra, 2007.No livro Estado, Governo e Sociedade, Norberto Bobbio prope uma abordagem sobre aspectos determinantes para uma posterior obra de teoria geral da poltica, como afirmado no prefcio da obra. Para isso, divide o livro em quatro partes, quais sejam: I. A grande dicotomia: pblico/privado; II. A sociedade civil; III. Estado, poder e governo; e IV. Democracia e ditadura. Estas partes so divididas e tais divises subdivididas em reflexes mais detalhadas acerca de cada ponto abordado.Quanto parte I do livro, inicialmente Bobbio traa as caractersticas desta grande dicotomia do pblico e do privado, mostrando que os dois termos podem ser definidos independentemente um do outro ou podem se condicionar reciprocamente. Bobbio mostra que a esfera do pblico, tradicionalmente, se sobressai esfera do privado, como se observa da definio deste ltimo como sendo o no pblico. Quando uma esfera se expande, a outra necessariamente cede espao.Em seguida, Bobbio traa uma srie de dicotomias que esto contidas ou se referem diretamente grande dicotomia analisada do pblico/privado. A primeira delas se trata da dicotomia sociedade de iguais/sociedade de desiguais, sendo aquela correspondente esfera do privado (relaes de coordenao) e esta correspondente esfera pblica (relaes de subordinao). A segunda diz respeito lei e ao contrato, respectivamente fontes do direito pblico (enquanto posta pelo soberano e dotada de fora vinculatria) e do direito privado (o negcio jurdico dotado de reciprocidade). A ltima destas distines referente grande dicotomia trata-se da ligao da justia comutativa (tpica da sociedade de iguais) esfera do privado e da justia distributiva (o todo regula as partes) esfera do pblico.O autor passa ento para uma anlise valorativa desta grande dicotomia, que separada no primado do privado e no primado do pblico. A primeira caracterstica do primado do privado apontada por Bobbio a influncia do direito romano no Ocidente, pautado na famlia, na propriedade e no contrato; alm disso, apontado tambm, por meio do pensamento de Marx e Kelsen, que historicamente o direito privado foi o direito por excelncia. Cita-se ainda como indicadores do primado do privado a influncia do direito privado sobre a constituio do direito pblico e a intolerncia ingerncia do mbito pblico nas relaes privadas. Quanto ao primado do pblico, Bobbio destaca o declnio da convico de sucesso depositada no estado mnimo, o crescente privilgio dado ao bem coletivo em detrimento dos interesses individuais e a atuao direta do Estado na sociedade civil. Bobbio mostra que ao pblico se relaciona esfera poltica e o privado esfera econmica, para numa anlise conjunta determinar que o Estado o campo de conflito destes dois processos paralelos e compenetrados: a publicizao do privado e a privatizao do pblico.Ainda tratando desta primeira parte, Norberto Bobbio demonstra que existe um segundo significado da grande dicotomia: entender-se o pblico como o mbito que acessvel a todos. Mostra ento que no esta a abordagem primeira da grande dicotomia, e que o poder poltico um poder pblico mesmo quando no dotado de carter pblico no sentido de acessibilidade. Por fim, Bobbio traz uma abordagem da publicidade e da invisibilidade do poder poltico, mostrando como esta ltima caracterstica era fundamental para a efetividade do poder soberano e autoritrio e a primeira fundamental para o funcionamento das repblicas democrticas. O poder visvel est em constante luta contra o poder invisvel, sendo que este se faz presente mesmo nas democracias modernas e dotado de legitimidade, uma vez que os grandes Estados punem segredos revelados ao pblico de maneira ostensiva. Na parte II, Norberto Bobbio passa a analisar a sociedade civil. Em primeiro lugar, trata das vrias acepes dadas a este termo. A primeira delas v a sociedade civil como o mbito das relaes sociais no reguladas pelo aparato coativo do Estado; trata-se do mbito do direito privado, dos direitos naturais do homem, do no-estatal. Bobbio mostra que dentro desta acepo ampla podem ser destrinchadas trs acepes mais especficas: a sociedade civil como pr-estatal, a pr-condio do Estado, num sentido cronolgico; como antiestatal, ou uma anttese do Estado, num sentido axiolgico; e como o ps-estatal, a dissoluo do Estado, num sentido cronolgico e axiolgico. Para uma acepo positiva da sociedade civil, Bobbio destaca que esta se constitui como mbito de conflito das classes sociais e das associaes com diversos fins, alm do lugar onde se processam a deslegitimao e relegitimao, o lugar da opinio pblica.Em seguida, feita uma anlise da interpretao de Marx sobre o termo, na qual evidenciado que o uso de sociedade civil como indissoluvelmente ligada ao Estado uma influncia marxiana direta. Marx associa o estado de natureza jusnaturalista ao termo sociedade civil, vendo nesta o local onde se processam as relaes econmicas e interindividuais, a infraestrutura que serve de base superestrutura jurdica e poltica, o que caracteriza a acepo de sociedade civil como fenmeno pr-estatal. Ressalta-se tambm a concepo marxiana de sociedade civil como essencialmente burguesa. Para demonstrar a falta de unicidade dentro do pensamento marxiano, Bobbio destaca a concepo de Gramsci sobre sociedade civil, segundo a qual esta estaria contida no campo da superestrutura; a sociedade civil seria o mbito do consenso, to necessrio quanto o uso da fora integrante da legitimidade estatal.A prxima abordagem sobre a sociedade civil a feita por Hegel. Bobbio demonstra que para este pensador a constituio definitiva do Estado se d em um momento culminante de eticidade; para Hegel, a sociedade civil no seria um momento pr-estatal, mas sim uma forma incipiente de Estado, um primeiro estgio de consolidao do mesmo. Esta sociedade civil hegeliana teria por caractersticas e funes principais regular um aparato jurdico e administrativo. Bobbio mostra que a sociedade civil hegeliana faz parte de um fato histrico, mas mesmo assim o ponto culminante do esprito objetivo continua sendo o Estado, e no a sociedade civil, com caracteres distintos daquele.O ltimo entendimento de sociedade civil alado por Bobbio concerne tradio jusnaturalista. Neste ponto, o autor levanta a concepo aristotlica de sociedade civil, segundo a qual esta seria um prolongamento das associaes familiares, uma sociedade natural no sentido de que o homem naturalmente um ser poltico. A outra concepo levantada a dos contratualistas, como Hobbes, segundo a qual a sociedade civil seria entendida como uma contraposio ao estado de natureza. Esta ltima concepo se trata da prevalecente no campo jusnaturalista, onde a sociedade civil corresponde ao Estado firmado por um contrato social. Outra concepo de sociedade civil aquela que a v como distinta da sociedade religiosa, numa distino entre o mbito de atuao poltica do Estado e o mbito de atuao religiosa.Norberto Bobbio traz ainda a noo de sociedade civil vista como sociedade civilizada, usando para isto apontamentos do pensamento de Adam Ferguson e Adam Smith. Mostra tambm que esta perspectiva est presente no pensamento de Hegel e Hobbes, mesmo que de forma implcita. Desta forma, a sociedade civil, na presente noo, no seria a anttese da sociedade domstica (Aristteles) ou da sociedade natural (jusnaturalismo), mas uma contraposio s sociedades primitivas.Fechando esta segunda parte, Bobbio retoma todas as concepes de sociedade civil supramencionadas para tratar do debate atual acerca da mesma. Nesse sentido, mostra que o entendimento de sociedade civil como contraposto ao Estado predominante, de maneira que hoje difcil imaginar que a sociedade civil foi, durante sculos, designada como o que hoje sua anttese: o Estado. Esta distino hoje predominante fruto do pensamento moderno, pois, como mostra Bobbio, tradicionalmente o Estado foi visto como uma forma de sociedade, o que explica o uso de sociedade civil de outrora como correspondente ao Estado; este panorama mudou a partir do momento em que a economia se emancipava do governo da casa e o aparato estatal se aperfeioava; so fautores desta mudana Maquiavel com a noo do Estado-mquina e a ascenso da sociedade burguesa. Por fim, Bobbio mostra que mesmo sendo predominante a distino entre sociedade civil/Estado, nos ltimos anos ps-se em xeque a validade da mesma, uma vez que se observam fenmenos mtuos que revelam a interdependncia destes dois campos, intitulados, de um lado, como a estatalizao da sociedade, e de outro, como a socializao do Estado.A parte III do livro intitula-se Estado, poder e governo. Inicialmente, Bobbio traa apontamentos voltados para o estudo do Estado, sendo que as principais fontes para isto so a histria das doutrinas polticas e a histria das instituies polticas, esta consubstanciada no estudo das leis. Alm deste estudo histrico, o Estado analisado tambm em si mesmo, de acordo principalmente s disciplinas da filosofia poltica (melhor forma, fundamento e essncia do Estado) e da cincia poltica (verificao, razo e avaloratividade). Bobbio traz tambm a perspectiva das doutrinas jurdica (campo do dever-ser; validade ideal das normas) e sociolgica (campo do ser, validade emprica das normas) introduzidas pelo pensamento de Jellinek e desenvolvidas por Weber, com a criao da sociologia jurdica. Dentro das doutrinas sociolgicas, Bobbio cita duas antagnicas que se destacam no campo de estudo do Estado: a marxista, pautada na ruptura, mudana e conflitos; e a funcionalista, pautada na ordem, conservao e integrao; fica demonstrado que hodiernamente se sobressai a concepo sistmica, que abrange as duas doutrinas anteriores analisando o funcionamento do Estado. Na relao entre Estado e sociedade, o autor mostra que diferente do pensamento clssico (que via o todo, o Estado, regulando as partes, os grupos sociais), hoje o sistema social integra o Estado, sendo que este tomado como uma parte daquele. Bobbio traz como ltima perspectiva para um estudo do Estado a dicotomia da parte dos governantes/parte dos governados, mostrando que foi predominante em tal estudo a perspectiva dos governantes (sujeito ativo) sobre a dos governados (sujeito passivo), acontecendo, porm, uma inverso a partir da idade moderna e dos direitos naturais, que ps a sociedade civil em primeiro plano.Na sequncia, Bobbio faz uma anlise da origem do nome Estado, associando a Maquiavel o mrito de ter introduzido este termo como correspondente a uma instituio poltica dominante, acepo at hoje vigente. Alm disso, mostra tambm que o surgimento de Estado na concepo moderna indicava no s uma adaptao lexical, mas tambm e principalmente o surgimento de um fenmeno novo, nunca antes experimentado. Trata-se de um dos argumentos em favor da descontinuidade, que v o Estado como algo novo. Bobbio levanta o pensamento de Weber como um desses argumentos, segundo o qual a instituio de um aparato administrativo e o monoplio legtimo da fora seriam caractersticas exclusivas do Estado moderno. Em favor da continuidade, Bobbio traz os argumentos de que a teoria poltica de Aristteles, as relaes entre os estados da Grcia antiga e da repblica romana so ainda hoje fontes inexaurveis de conhecimento para a anlise do Estado moderno; desta forma, no teria ocorrido uma ruptura tamanha como se supunha com o advento do Estado moderno, mesmo a despeito do novo nome ser somente a ele referente. ento que o autor passa a analisar quando surgiu o Estado. Um primeiro posicionamento aquele que v o surgimento do Estado na ruptura das relaes primitivas e na constituio de comunidades suprafamiliares, voltadas ao sustento e defesa. Bobbio cita tambm o pensamento de Engels estritamente voltado para a economia e para a luta de classes. Esse debate, porm, possui maior riqueza quando se proposto a anlise do surgimento do Estado nas sociedades primitivas, tentando distinguir quais podem ser chamadas de Estado; quais podem ser vistas apenas como organizaes polticas; e ainda aquelas que apesar de possuir um chefe, no fazem uso do poder coativo, no podendo ser, portanto, consideradas sociedades polticas.A prxima problemtica tratada a do Estado e poder. Bobbio mostra que o que o Estado e a poltica tm em comum justamente a referncia ao poder, alm de que a teoria do Estado est contida na teoria da poltica, que por sua vez est contida na teoria do poder; mostra tambm as trs teorias fundamentais do poder elaboradas pela filosofia poltica: a substancialista (meio); a subjetivista (capacidade); e a relacional (relao entre sujeitos). Em seguida procura distinguir o poder poltico das demais formas de poder, mostrando que as concepes clssicas de Locke e Aristteles das formas de poder no so eficazes para distingui-las, pois se tratam de teorias axiolgicas. Somente com a problematizao da soberania na Idade Mdia (consubstanciada na relao Estado/Igreja) o poder poltico comea a se identificar com a fora coativa; entretanto, apesar do uso da fora ser a condio necessria do poder poltico, somente o uso exclusivo da mesma ser alm de necessria a condio suficiente. Bobbio, fazendo uso do critrio do meio, divide as formas de poder em: poder poltico (fora); poder ideolgico (saber); e poder econmico (riqueza). Mostra que esta distino a mais recorrente, exemplificando com as teorias de Marx e Gramsci, para ento destacar que em se tratando do Estado moderno, deve-se falar no primado da poltica, seja pela oposio ao primado do poder ideolgico (Idade Mdica) e do poder econmico (ascenso da burguesia); seja pela constituio da chamada razo de Estado, insubordinada aos preceitos morais.Aps analisar as formas, Bobbio traz a anlise do fundamento do poder. Nesta anlise no se deve confundir as respostas dadas ao problema da legitimidade quelas dadas ao da efetividade. Fica demonstrado que a justificao do poder poltico no se d somente pela instituio da fora coativa, mas se faz necessria uma valorao tica e jurdica do poder institudo para sua legitimao. Neste sentido, Norberto Bobbio apresenta seis princpios de legitimidade contidos em trs princpios unificadores: a Vontade (poder designado pela vontade de Deus/poder designado pela vontade do povo); a Natureza (natureza como fora originria/natureza como ordem racional); e a Histria (legitimao na fora da tradio, passado/legitimao na fora do novo, futuro). Torna-se claro que estas formas de legitimidade so essenciais para garantir a obedincia e obrigao polticas, alm de que parte destas formas servem manuteno do status quo, enquanto outras servem mudana. Afora estas formas de legitimidade pautadas em valoraes ticas, Bobbio traz tona o pensamento positivista que v a legitimidade como produto direto da efetividade (Kelsen) e a anlise de Weber sobre os fundamentos reais (e, portanto, no ideais) do poder poltico, sendo eles o tradicional, o carismtico e o racional-legal.Faz-se ento uma anlise do Estado e Direito. Nesta, fala-se dos limites do poder, destacados por Bobbio como fruto do pensamento jurdico, sendo eles: o povo (limite de validade pessoal do direito do Estado); o territrio (limite de validade espacial do direito do Estado); e a soberania. Alm destes, o autor destaca tambm outros limites elencados por Hans Kelsen, quais sejam: os limites de validade temporal e material das normas jurdicas. Bobbio apresenta ainda o problema advindo da relao entre direito e poder de saber se melhor um governo dos homens ou um governo das leis; este ltimo possui primazia, uma vez que os cdigos no so passveis de paixes e humores humanos, sendo a lei vista como a razo materializada. Quanto ao fundamento das leis postas pelos prprios governantes, mostrado que so obedecidas seja pela obedincia ao direito natural e comunitrio, seja pelo mito do grande legislador. Isto no quer dizer que poder soberano no tenha limites. Como limites internos citados pelo autor tm-se: o direito natural ou divino; as leis positivadas; a repulsa ingerncia do Estado no mbito privado; a autonomia relativa de corpos intermedirios representantes de setores sociais; a separao dos poderes; e os direitos fundamentais do homem e do cidado. Por outro lado, Bobbio mostra que a soberania possui tambm limites externos, pautados nas relaes entre os Estados. So eles: os costumes internacionais e os tratados internacionais. Postos os limites da soberania, fica demonstrado que estes dois processos se relacionam, na medida em que quanto mais um Estado se afirma internamente, mais se expande para o exterior.Quanto s formas de governo, Bobbio comea por apresentar as tipologias tradicionais, destacando as formuladas por Aristteles (monarquia, aristocracia e democracia); Maquiavel (monarquia e repblica); e Montesquieu (monarquia, repblica e despotismo); alm da inovadora tipologia kelseniana (produo heternoma e autnoma do ordenamento jurdico). Dentre elas, a que se consolidou no tempo foi a maquiaveliana, uma vez que os grandes Estados territoriais se constituram como monarquias no Ocidente. Entretanto, esta distino vem perdendo respaldo j que as monarquias atuais no possuem a mesma estrutura daquelas poca de Maquiavel, assim como o republicanismo atual admite a figura de um rei. Como formas de governo formalmente reconhecidas hoje, Bobbio cita a parlamentar e a presidencial, ressaltando, porm, a importncia dos partidos polticos na dinmica estrutural destas formas. Como outras tipologias so citadas as propostas por Gaetano Mosca (toda sociedade oligrquica e essencialmente classista) e por Almond and Powell (diferenciao dos papis e autonomia dos subsistemas). ressaltada ainda a importncia da tipologia tradicional na medida em que um grande nmero de pensadores v no governo misto (que rene caractersticas das formas tpicas) a melhor forma de governo. ento que Bobbio passa a tratar das formas de Estado. Aqui, privilegia-se o critrio histrico, segundo o qual tais formas seguem a seguinte ordem: Estado feudal, Estado estamental, Estado absoluto, Estado representativo. Bobbio d especial nfase ao Estado estamental, demonstrando sua importncia como transio entre os Estados feudal e absoluto. A ltima forma deste critrio, o Estado representativo, desenvolve-se at hoje, e como apontado pelo autor tem por fundamento os direitos individuais do homem e por caracterstica a constante resoluo de conflitos por meio de acordos entre as partes antagnicas que compem a sociedade, como nas disputas de poder realizadas pelos partidos polticos representantes de classes especficas. Um ponto fora da curva dos Estados representativos, que so usados at para justificar a instaurao de governos ditatoriais, so os Estados socialistas, aos quais Bobbio liga a estrutura monopartidria como pedra angular. Fala-se tambm dos Estados totalitrios como aqueles que renem em si o poder poltico, religioso e ideolgico, de maneira que no h espao para o no-Estado; este, porm, comea a ser delineado com a consolidao da Igreja como instituio autnoma detentora do poder religioso e com a ascenso da burguesia enquanto causa da separao entre a esfera poltica da econmica, na qual esta se sobrepe quela: trata-se do domnio do no-Estado sobre o Estado, da instrumentalizao do poder poltico (poder coativo) em favor do poder econmico. Alm do critrio histrico desenvolvido no incio do pargrafo, por fim Bobbio apresenta o critrio do nvel de interferncia do Estado sobre a sociedade civil. Neste aspecto, pode-se classificar como Estado mximo aqueles que so confessionais (mbito religioso) e intervencionistas (mbito econmico); e como Estado mnimo aqueles que so laicos (mbito religioso) e abstencionistas (mbito econmico).A ltima abordagem desta parte III (Estado, poder e governo), a referente ao fim do Estado. Para ela, Bobbio comea por distinguir o fenmeno da crise do Estado (que seja pelo vis conservador, seja pelo vis socialista, trata-se da crise de um tipo de Estado) do fenmeno do fim do Estado (diretamente ligado valorao dada ao mesmo, se negativa ou positiva). Aqueles que veem o Estado como algo positivo acreditam na constante melhoria e evoluo do aparelho estatal (a repblica tima) e na consolidao de um futuro e possvel Estado universal. Os que veem o Estado como algo negativo se dividem naqueles que o veem como um mal necessrio e aqueles que o veem como mal no necessrio. O primeiro grupo no cr no fim do Estado, mas o toma como necessrio seja pelo ponto de vista religioso (propagao do medo como subordinador do homem), seja pelo da sociedade civil (o Estado mnimo como garantidor da segurana e das relaes privadas). Apenas o segundo grupo promove o fim do Estado: aqueles que veem o Estado como mal no necessrio creem na possibilidade de vida sem a necessidade de um aparelho de coero. Bobbio demonstra que a teoria mais engenhosa acerca do fim do Estado a de Marx e Engels, sem, contudo, diminuir a relevncia de outras, como a perspectiva religiosa de uma sociedade comunitria e pacfica. Alm disso, o anarquismo o movimento smbolo defensor do fim do Estado.Chega-se ento ltima parte do livro: IV. Democracia e ditadura. Bobbio demonstra que a democracia est contida no estudo das formas de governo, e, portanto, deve ser estudada em relao s demais. Nesse sentido, aponta que a anlise desta forma de governo passa pelos mtodos descritivo (ou sistemtico), prescritivo (ou axiolgico) e histrico. No critrio descritivo ou sistemtico, faz-se uso da classificao e tipologia das formas de governo historicamente existentes. Um dos critrios mais recorrentes o que analisa as formas de governo de acordo ao nmero dos governantes. Este critrio tem maior relevo no pensamento dos clssicos, que ao governo de muitos (democracia) opunham o governo de um s (monarquia) e o governo de poucos (aristocracia). Entretanto, comum a substituio dessa tripartio por uma bipartio, como o caso da acepo moderna que divide as formas de governo entre democracia e autocracia; esta diviso tem por fundamento o pensamento de Kelsen, segundo o qual aquela seria uma forma autnoma e esta uma forma heternoma de governar.No uso prescritivo ou axiolgico, feita uma srie de julgamentos de valor, posicionamentos quanto se a democracia positiva e recomendvel, ou negativa, devendo ser evitada. Bobbio traz a viso de Tucdides, para o qual a democracia uma forma de governo boa, na medida em que nela a lei igual para todos, trata-se de um governo de muitos e a lei respeitada seja no mbito pblico seja no privado. Traz tambm a viso de Plato, segundo o qual a democracia seria uma forma degenerada de governar por ser no um governo de muitos, mas um governo dos pobres contra os ricos; alm da viso de Aristteles, para o qual o governo de muitos pode ser um bom governo (politia) ou um mau governo (democracia). Alm de considerada em si mesma como boa ou m, a democracia tambm classificada numa tipologia que a relaciona num ordenamento valorativo com as demais formas de governo. Filsofos e pensadores tambm se posicionavam quanto melhor maneira de governar, como Hobbes, que defendia a monarquia absoluta e Spinoza, que defendia a democracia; a anlise destes autores se baseava na medida em que se punham defendendo o lado dos governantes (ex parte principis) ou o lado dos governados (ex parte populis). Bobbio define ainda os dois argumentos que fundamentam a supremacia da democracia frente monarquia: o poltico, segundo o qual o povo no pode abusar do poder, uma vez que o faria contra si mesmo; e o utilitrio, segundo o qual o povo seria o mais apto a governar uma vez que ele mesmo o destinatrio do governo constitudo.O uso histrico das formas de governo trata de uma sucesso cronolgica que denota a passagem necessria de uma forma outra. Desta forma, proposto definir que ponto a democracia ocupa nesse desenvolvimento histrico. A filosofia da histrica pode se dividir em: regressiva, na qual a democracia geralmente ocupa a ltima posio e, portanto, possui aspecto negativo; a progressiva, na qual a democracia possui um aspecto positivo e ocupa as ltimas posies do desenvolvimento histrico; e a cclica, na qual se entende que as formas de governo esto sempre se desestruturando e se reerguendo no curso histrico. Bobbio cita ainda a filosofia da histria de Hegel como o ponto final de uma poca que via na monarquia o ponto mximo do desenvolvimento cronolgico das formas de governo.A despeito da crena dos antigos de que uma verdadeira democracia s se realizaria em um Estado de pequenas dimenses, Bobbio mostra que os Estados Unidos da Amrica nasceu para invalidar esta afirmao. Quanto democracia na modernidade, ela se apresenta e parece se fazer possvel somente como a repblica representativa, uma forma trabalhada na realidade social dos grandes Estados atuais. Em contraposio democracia dos antigos (democracia direta por excelncia), a democracia dos modernos se caracteriza por ser pluralista e com institutos intermedirios entre o povo e o poder.Bobbio demonstra que a democracia representativa se consolidou ao longo do tempo como forma de governo predominante nos grandes Estados territoriais. Para isso, destacou as caractersticas principais da democracia americana levantados por Tocqueville, quais sejam, o princpio da soberania do povo e a tendncia associativa daquela nao. Destacou tambm alguns aspectos que consolidaram a democracia representativa no geral, como a consolidao do sufrgio universal e a instituio e reconhecimento do poder de influncia dos partidos polticos nesse sistema. A despeito desta consolidao da democracia representativa, a democracia direta no foi extinta do pensamento sociopoltico. Como fica evidenciado, muitos pensadores definem a democracia representativa como um desmembramento desvirtuado da democracia direta, mas, mesmo desvirtuada, como modelo de governo mais adequado ao estado de condies atual. Bobbio define ainda trs formas de democracia direta: o governo do povo propriamente dito; o governo da assembleia; e o referendum.Norberto Bobbio traz ainda uma anlise segundo a qual nas democracias modernas e mais desenvolvidas observa-se um fenmeno caracterizado pela transformao da democracia estritamente poltica para uma democracia social. Isto quer dizer que a forma poltica da democracia cada vez mais se insere no campo da sociedade civil, na qual os cidados so alocados nas decises polticas de maneira a se considerar como extremamente relevante sua condio social (pai, estudante, professor, mdico etc.). O autor observa que este fenmeno vlido na medida em que possvel existirem sociedades democrticas sem que suas instituies o sejam. Desta, forma, fala-se em uma democratizao da sociedade.Outro ponto destacado neste ltimo captulo da obra sobre a relao entre democracia formal (aquela que possui as caractersticas formais do conceito de democracia como governo do povo) e democracia substancial (a que de fato voltada para a objetivao das demandas e incluso da sociedade, o governo para o povo). Bobbio demonstra que acredita-se que a forma ideal de democracia seria aquela que abarcaria a democracia formal e a substancial, mas no contexto atual esta crena se torna invivel.Aps a anlise positiva da democracia sob o cunho do uso prescritivo da anlise, que a definiu como a melhor forma de governo, Bobbio demonstra que na contemporaneidade o termo ditadura consolidou-se como o contrassenso de democracia, como todo governo no democrtico e portanto com uma acepo negativa. A despeito disso, e tratando da ditadura dos antigos, o autor demonstra que na antiguidade clssica a ditadura era vista como perfeitamente benfica ao governo, na medida em que era instituda em estado de necessidade, possua plenos poderes e unicidade de comando, alm da temporaneidade do cargo. esta ltima caracterstica a responsvel pela valorao positiva da ditadura pelo pensamento clssico, visto que uma vez no delimitada no tempo, esta forma de governo desembocaria em outras de fato negativas poca, como a tirania e o despotismo.Ao tratar das ditaduras modernas, essencialmente valoradas de maneira negativa, Bobbio as define como soberanas, em contraposio concepo clssica de ditadura, aqui chamadas de comissrias, de acordo ao pensamento de Carl Schmitt. Para melhor definir as ditaduras modernas, o autor faz uso da comparao desta com a concepo clssica. Um dos fatores que as distingue que as ditaduras modernas deixam de ser essencialmente monocrticas como o eram as clssicas, como se observa na terminologia marxiana de ditadura do proletariado, por exemplo. Entretanto, o fator determinante que as distingue e, portanto, melhor situa o entendimento moderno de ditadura que as clssicas possuam apenas a interveno no poder executivo, no interferindo na legiferao, enquanto que as modernas alm do executivo detm o poder legislativo, modificando a estrutura constitucional das naes de maneira a adequar sua dominao a um aspecto legtimo, mesmo que apenas do ponto de vista formal.A ltima abordagem deste captulo quarto e que, portanto, fecha o livro a referente ditadura revolucionria. Bobbio cita como precursores desta denominao (alm de base para o ulterior desenvolvimento do pensamento marxista de governo transitrio) Babeuf e principalmente Buonarroti. Segundo eles, a sociedade de iguais, to almejada por todos, s seria possvel com a instaurao de um governo de transio, um governo provisrio de poucos indivduos que tinha como objetivo expurgar os indcios e influncias das formas de governo precedentes. Um governo provisrio e necessrio, tendo em vista suas caractersticas e aspectos excepcionais. Desta forma, esta concepo de ditadura, retomando a clssica, possui uma acepo positiva. Como fica exposto, no pensamento de Marx ditadura no possui um aspecto valorativo relevante, uma vez que todo governo seria uma ditadura na medida em que se constituem como formas de dominao de classe. Bobbio finaliza seu pensamento demonstrando que o entendimento atual de ditadura como essencialmente negativa se deve mudana de entendimento da mesma no como uma forma de explorao classista, mas sim como mais uma dentre as formas de governo.Por todo o exposto, torna-se claro a riqueza e profundidade de anlise da obra Estado, governo e sociedade. Norberto Bobbio, com arguta capacidade analtica, apresenta uma obra que serve de verdadeiro arcabouo intelectual para a anlise e compreenso do fenmeno do Estado, desde os pontos de vista histrico, axiolgico, comparativo, tipolgico, dentre tantos outros.