COMENTÁRIOS A ARISTÓTELES DO CURSO JESUÍTA CONIMBRICENSE ...

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Curso Jesuíta Conimbricense. Antologia 1 COMENTÁRIOS A ARISTÓTELES DO CURSO JESUÍTA CONIMBRICENSE (1592-1606) ANTOLOGIA DE TEXTOS Introdução de Mário Santiago de Carvalho Traduções de A. Banha de Andrade Maria da Conceição Camps Amândio A. Coxito Paula Barata Dias Filipa Medeiros LIF – Linguagem, Interpretação e Filosofia Coimbra 2010

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Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 1

COMENTAacuteRIOS A ARISTOacuteTELES DO CURSO JESUIacuteTA CONIMBRICENSE

(1592-1606)ANTOLOGIA DE TEXTOS

Introduccedilatildeode

Maacuterio Santiago de Carvalho

Traduccedilotildees deA Banha de Andrade

Maria da Conceiccedilatildeo CampsAmacircndio A CoxitoPaula Barata DiasFilipa Medeiros

LIF ndash Linguagem Interpretaccedilatildeo e Filosofia

Coimbra

2010

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 2

Introduccedilatildeo

ldquoUm esquecimento secularenvolveu o pensamento

filosoacutefico conimbricensehelliprdquo(M Baptista Pereira Ser e Pessoa)

ldquoQuem adere agraves opiniotildees de um filoacutesofo por maior que seja o seu engenho e excelente a sua doutrina natildeo se afastando dele nem uma unha expotildee-se a ser considerado como algueacutem que natildeo pretende explorar a verdade da doutrina mas sim seguir a

preconcebida autoridade do mestre (doctor) Nada eacute mais alheio ao verdadeiro filoacutesofo a saber a quem pesquisa a verdadeira sabedoria do que ser mais amigo de Platatildeo do

que amigo da verdaderdquo(Manuel de Goacuteis In de Gen I iv 27 2)

1 Nos seacuteculos XVI e XVII ndash o tempo em que foram publicados em

Coimbra e em Lisboa todos os textos que integram esta Antologia ndash

Santo Agostinho natildeo era o uacutenico filoacutesofo da moda Aristoacuteteles aparecia

tambeacutem como um verdadeiro ldquomaicirctre agrave penserrdquo contando-se por isso

entre os filoacutesofos eleitos ou objectos de estudo em qualquer escola

europeia que se prezasse fosse ela luterana calvinista ou catoacutelica

Fazer filosofia era sobretudo aiacute entendido como estudar e comentar

Aristoacuteteles e a sua imensa obra Natildeo se deve pensar no entanto que

comentar Aristoacuteteles equivalia a repetir o Filoacutesofo Nada aliaacutes o

permitiria tantos os seacuteculos que separavam as duas obras tanta a

distacircncia geograacutefica histoacuterica linguiacutestica cultural e social entre o

macedoacutenio Aristoacuteteles e os conimbricenses Jesuiacutetas

Os professores da Companhia de Jesus (SI) que tomaram posse

do Coleacutegio Real das Artes de Coimbra a partir de 1555 passando por

isso a chamar-se Coleacutegio de Jesus inauguraram uma empresa filosoacutefica

de cariz europeu1 Nesse contexto esta participaccedilatildeo ou contribuiccedilatildeo

portuguesa (sobretudo originada em Coimbra e em Eacutevora) para a

1 Cf A M Martins ldquoThe Conimbricensesrdquo in Mordf C Pacheco et J Meirinhos (ed) Intellect et imagination dans la Philosophie Meacutedieacutevale Intellect and Imagination in Medieval Philosophy Intelecto e Imaginaccedilatildeo na Filosofia Medieval Turnhout 2006 101-117 ver-se-aacute tambeacutem a Nota que este mesmo autor publicou in httpsaavedrafajardoumesWEBarchivosConimbricenses_Presentacionpdf veja-se por fim a Bibliografia que encerra a Introduccedilatildeo do volume citado infra nota 27

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 3

Filosofia europeia conheceu um sucesso tremendo Em pouco tempo os

oito volumes dos Comentaacuterios a Aristoacuteteles do Curso Jesuiacuteta

Conimbricense expandiram-se do Atlacircntico aos Urais (o seu leitor mais

famoso deve ter sido o francecircs Descartes) Mais ainda o sucesso

estendeu-se agrave Ameacuterica do Sul e agrave China e natildeo seraacute meacuterito menor do

Curso portuguecircs o facto de se tratar da primeira obra de filosofia

ocidental a ser ldquotraduzidardquo para chinecircs2 O facto eacute relevante e pode

orgulhar-nos num tempo como o nosso marcado pelo multiculturalismo

e acalentando um verdadeiro diaacutelogo de civilizaccedilotildees

Com maior ou menor sucesso e ultrapassando a dimensatildeo

geograacutefica tecircm-se tentado rastrear as marcas e influecircncias destes

conspiacutecuos textos ou ldquomanuais mais avanccediladosrdquo de filosofia no

pensamento europeu3 Aleacutem do mencionado Descartes as figuras mais

citadas ou sob esse aspecto estudadas satildeo as de Joatildeo Poinsot

Christoph Scheibler G Leibniz B Espinosa Thomas Hobbes o jovem

John Locke Agostinho Lourenccedilo (pregador de Catarina de Braganccedila

sereniacutessima Rainha da Gratilde-Bretanha) e Charles S Peirce este uacuteltimo

seguramente um dos maiores filoacutesofos norte-americanos4 Estamos no

entanto em crer que esta lista iraacute ser cada vez mais alargada e

sobretudo aprofundada como conveacutem

2 Em dois textos sobretudo o Estagirita havia delineado a sua

versatildeo de um ldquosistemardquo Num deles lia-se o seguinte ldquoAnteriormente

trataacutemos das causas primeiras da natureza de tudo o que diz respeito 2 Cf R Wardy Aristotle in China Language Categories and Translation Cambridge 2000 Este assunto ainda permanece em aberto e sobre certos tiacutetulos aristoteacutelicos dever-se-ia falar antes em ldquoadaptaccedilatildeordquo em vez de ldquotraduccedilatildeordquo ndash para jaacute natildeo falar mesmo de ldquotexto originalrdquo tal como a nosso ver acontece por exemplo com o De anima da autoria de Francesco Sambiasi (1582-1649) ou melhor a Humilde discussatildeo sobre questotildees da alma vd Isabelle Duceux La introduccioacuten del aristotrelismo en China a traveacutes del lsquoDe animarsquo Siglos XVI-XVII Meacutexico 20093 Cf C Leijenhorst The Mechanisation of Aristotelianism The Late Aristotelian Setting of Thomas Hobbesrsquo Natural Philosophy Leiden-Boston-Koln 2002 191 para a expressatildeo entre aspas4 Cf JP Doyle ldquoIntroductionrdquo in The Conimbricenses Some Questions on Signs Translated with Introduction and Notes by John P Doyle Milwaukee 2001 20-21 especialmente para a recepccedilatildeo da Loacutegica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 4

ao movimento natural [sc Physica] da translaccedilatildeo ordenada dos astros

na regiatildeo superior [sc De Coelo I-II] dos elementos corpoacutereos do seu

nuacutemero das suas qualidades das suas reciacuteprocas transformaccedilotildees e

por fim da geraccedilatildeo e da corrupccedilatildeo consideradas sob o seu aspecto geral

[sc De Coelo III-IV e De Generatione et Corruptione] Neste programa de

investigaccedilotildees resta examinar a parte que nos autores que nos

precederam recebeu o nome de meteorologia [sc Meteororum] (hellip) Uma

vez estudados estes temas teremos de ver se podemos utilizar o mesmo

meacutetodo para dar conta dos animais e das plantas consideradas em geral

e em particular [tratados zooloacutegicos e De plantis]rdquo5

A citaccedilatildeo eacute ilustrativa de algum pendor organizado

eventualmente arquitectoacutenico com que o Estagirita articulava a filosofia

natural A seguir voltaremos ao segundo dos textos mas pode jaacute ver-se

que aqueles comentadores que no futuro pensaram e ensinaram

Aristoacuteteles segundo um programa articulado natildeo podiam estar muito

afastados de uma ou outra indicaccedilatildeo do proacuteprio Filoacutesofo Se a obra

aristoteacutelica como bem sabemos hoje esteve longe do caraacutecter

sistemaacutetico que os seus seguidores lhe atribuiacuteram eacute indubitaacutevel que na

histoacuteria do peripatetismo ndash o devir de Aristoacuteteles ndash dominam as

apresentaccedilotildees sistemaacuteticas O mesmo aconteceraacute com os textos de

Coimbra natildeo obstante a sua atribulada publicaccedilatildeo6

Isto significa que vamos publicar a seguir os textos natildeo pela

ordem (acidental) da sua ediccedilatildeo7 tanto mais que privilegiaacutemos

sobretudo a traduccedilatildeo dos Proeacutemios mas da sua sistematicidade ou

5 Aristoacuteteles Meteoroloacutegicos I 1 338a-339a9 a respeito da Fiacutesica Os parecircnteses rectos satildeo evidentemente da nossa responsabilidade O outro texto seraacute As Partes dos Animais I 1 639a1-642b4 a respeito da organizaccedilatildeo da Biologia Sobre este assunto vd A P Mesquita Obras Completas de Aristoacuteteles Introduccedilatildeo Geral Lisboa 2005 256 2586 Cf sobre o assunto M S de Carvalho ldquoIntroduccedilatildeo Geralrdquo in Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus Sobre os trecircs livros do Tratado Da Alma de Aristoacuteteles Estagirita Lisboa 2010 9 e sg7 Foi a seguinte a ordem acidental da publicaccedilatildeo Physica (1592) De Coelo Meteororum Parva Naturalia Ethica (1593) De Generatione et Corruptione (1597) De Anima (1598) Dialectica (1606) sobre este assunto veja-se o estudo citado na nota imediatamente anterior

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 5

arquitectoacutenica O motivo que presidiu agrave escolha principal dos textos a

traduzir estaacute assim facilmente justificado Pela sua proacutepria natureza na

maior parte dos casos os Proeacutemios fornecem uma indicaccedilatildeo preciosa

sobre os conteuacutedos das obras e o modo como os seus autores as

dividiam ou viam Abrem entatildeo a seacuterie os textos da Loacutegica da autoria

de Sebastiatildeo do Couto seguindo-se coerentemente os textos de Manuel

de Goacuteis pela seguinte ordem Physica de Coelo de Generatione et

Corruptione Meteororum De Anima e Parva Naturalia Pelas razotildees que

adiante se indicaratildeo eacute mester que a Ethica seja o uacuteltimo dos tiacutetulos do

sistema que deveraacute por isso constituir-se num todo integrando as

seguintes etapas que respeitam os textos que efectivamente saiacuteram dos

prelos loacutegica ldquofiacutesicardquo ldquobiologiardquo e eacutetica Tambeacutem pelas razotildees de todos

conhecidas ndash dado ocupar-se da forma do raciociacutenio a ldquoanaliacuteticardquo natildeo

tem lugar entre as ciecircncias constituindo-se como mero organon ou

instrumento da pesquisa ndash a loacutegica (tambeacutem denominada dialeacutectica)

teria de ser a primeira das mateacuterias Sabemos mesmo que ela era talvez

excessivamente exaustiva na pedagogia jesuiacuteta coimbratilde

Apresentemos entatildeo primeiro o responsaacutevel pelo volume da

Dialeacutectica Sebastiatildeo do Couto (1567-1639) nasceu em Olivenccedila e

ingressou na Companhia de Jesus em Eacutevora aos quinze anos de idade

onde naturalmente seguiu os vaacuterios cursos do curriacuteculo desde as

Humanidades agrave Teologia passando pela Filosofia Faleceu em Montes

Claros com cinquenta e sete anos de idade Embora tivesse passado a

maior parte da sua vida acadeacutemica (ateacute 1620) ensinando na

Universidade de Eacutevora Couto leu (com soiacutea dizer-se entatildeo) isto eacute

ensinou um curso completo de Filosofia no Coleacutegio de Coimbra (1597-

1601) Cada curso de Filosofia tinha a duraccedilatildeo de quatro anos lectivos8

8 Entre 1552 e 1565 o curriculum era assim organizado (embora natildeo se deva depreender que era seguido tal e qual 1ordm ano 1ordm trimestre De terminorum introductione Dialectica Porphyrius Isagoge 2ordm trimestre In Aristotelis Praedicamenta Perihermeneias Topica (iniacutecio) 3ordm trimestre Topica (ateacute VII) I-IV Ethicorum 2ordm ano 1ordm trimestre Analytica Priora VIII Topicorum Analytica Posteriora (iniacutecio) 2ordm trimestre Analytica Posteriora (continuaccedilatildeo e conclusatildeo) V-VI Ethicorum 3ordm trimestre VII-X Ethicorum De sophisticis elenchis I-II Physicorum 3ordm ano 1ordm trimestre

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 6

Teraacute sido durante o periacuteodo coimbratildeo que Couto redigiu o seu

comentaacuterio agrave Dialeacutectica ndash na sequecircncia aliaacutes de um episoacutedio com o seu

quecirc de rocambolesco ou mesmo de policial ligado ao ldquofurtordquo de um

Comentaacuterio agrave Loacutegica que veio a ser editado no centro da Europa em

1604 ndash assim fechando a publicaccedilatildeo do Curso (1606) Posteriormente

Couto ter-se-aacute envolvido numa poleacutemica sobre o estatuto da

matemaacutetica Enquanto nas suas muito aplaudidas liccedilotildees coimbratildes

Cristoacutevatildeo Borri defendia a cientificidade dessa mateacuteria Couto negava-a

pelo que procurou inviabilizar a publicaccedilatildeo das mesmas contra o

parecer dos seus colegas de Coimbra e de Lisboa9 Importa notar que a

Loacutegica ou Dialeacutectica integrava os seguintes livros comentados

irregularmente de Porfiacuterio a Isagoge e de Aristoacuteteles todos os tiacutetulos

componentes do chamado Organon ou seja Categorias (Categoriarium)

A Interpretaccedilatildeo (de Interpretatione) Primeiros Analiacuteticos (de Priori

Resolutione) Segundos Analiacuteticos (librum Posteriorum) Toacutepicos (librum

Topicorum) e Elencos Sofiacutesticos (libros Elenchorum) Para os comentar e

como era usanccedila Couto teve que sobretudo compilar afeiccediloando agrave sua

maneira os cursos manuscritos preexistentes que circulavam entre

Eacutevora e Coimbra Isto mesmo jaacute o havia feito o outro o principal

responsaacutevel pelos restantes volumes os primeiros a saiacuterem do prelo

Vinte e quatro anos mais velho do que Sebastiatildeo do Couto

Manuel de Goacuteis (1543-1597) nasceu em Portel e faleceu em Coimbra

Tendo ingressado na Companhia de Jesus com dezassete anos uma vez

concluiacutedos os estudos leccionou no Coleacutegio de Jesus da cidade do

Mondego dois cursos completos (1574-78 e 1578-82) Apoacutes o abandono

por Pedro da Fonseca (1528-1599) da organizaccedilatildeo da impressatildeo do

II-VIII Physicorum 2ordm trimestre De coelo et mundo De generatione et corruptione Metaphysica (iniacutecio) 3ordm trimestre I-IV Meteororum I-II De Anima Metaphysica (continuaccedilatildeo) 4ordm ano III De Anima Parva naturalia Metaphysica (conclusatildeo) Depois de 1565 o curriculum passou a ser assim definido 1ordm ano Dialeacutectica 2ordm ano Loacutegica Fiacutesica e Eacutetica 3ordm ano Metafiacutesica Pequenos Naturais 4ordm ano (um semestre) A Alma9 Cf WGL Randles ldquoLe ciel chez les jeacutesuites espagnols et portugais (1590-1651)rdquo in L Giard (dir) Les Jeacutesuites agrave la Renaissance Systegraveme Eacuteducatif et Production du savoir Paris 1995 139

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 7

Curso Filosoacutefico Conimbricense Manuel de Goacuteis tomou rapidamente a

seu cargo assaz ingente tarefa responsabilizando-se assim pela quase

totalidade dos oito volumes a saber a Fiacutesica (1592) o Ceacuteu os

Meteoroloacutegicos os Pequenos Naturais e a Eacutetica (1593) A Geraccedilatildeo e a

Corrupccedilatildeo (1597) e A Alma (1598) Cabe acrescentar que este uacuteltimo

volume pode ter contado com a colaboraccedilatildeo editorial de Cosme de

Magalhatildees (1551-1624) ndash tratava-se afinal de um ediccedilatildeo poacutestuma ndash e

que tambeacutem o jesuiacuteta Baltasar Aacutelvares (1560-1630) pode ter dado a sua

contribuiccedilatildeo redactorial aos dois apecircndices desse mesmo volume um

sobre A Alma Separada (cujo Proeacutemio seraacute adiante traduzido) outro

sobre o pseudo-aristoteacutelico Problemas relativos aos Cinco Sentidos

(excepcionalmente traduzido em versatildeo integral) Uma nota mais e uma

lembranccedila a de que o volume sobre O Ceacuteu publica tambeacutem um

apecircndice atinente aos quatro elementos do Mundo e que os chamados

Pequenos Naturais integram a seacuterie seguinte de oito tiacutetulos Memoacuteria e

Reminiscecircncia Sono e Vigiacutelia Sono Adivinhaccedilatildeo pelos Sonhos

Respiraccedilatildeo Juventude e Velhice Vida e Morte Longueza e Brevidade da

Vida

3 Uma palavra adicional sobre o desenho ou a arquitectoacutenica do

sistema jesuiacuteta conimbricense Nada haacute a fazer notar quanto ao facto de

a loacutegica ou dialeacutectica representarem o princiacutepio ou o iniacutecio dessa

enciclopeacutedia filosoacutefica Aleacutem do caraacutecter propedecircutico ou instrumental

da disciplina conforme o havia definido Aristoacuteteles e jaacute o recordaacutemos a

loacutegica conforme referido por um dos melhores conhecedores dos textos

dos nossos Jesuiacutetas deveria funcionar tambeacutem ldquocomo propedecircutica da

teologia e como suporte racional da estrutura sistemaacutetica destardquo10 Natildeo

soacute porque o dogma catoacutelico por um lado e a superaccedilatildeo do cepticismo

por outro forccedilavam ldquoa inserccedilatildeo no campo da loacutegica de questotildees

metafiacutesicasrdquo mas sobretudo porque ldquoo fim proacuteximo da loacutegica ou a sua

10 A Coxito Estudos sobre a Filosofia em Portugal no seacuteculo XVI Lisboa 2005 170

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 8

funccedilatildeo consiste em indicar a via e as normas de discorrerrdquo enquanto ldquoo

seu fim remoto ou mediato eacute a proacutepria actividade discursivardquo11 Neste

sentido os nossos jesuiacutetas dividem a loacutegica em pura ou teoacuterica (docens)

e aplicada (utens) tratando a primeira ldquoas leis e as formas gerais do

pensamento loacutegico independentemente de qualquer conteuacutedordquo e a

segunda visando a anaacutelise dos ldquoprocessos do pensamento aplicados a

esta ou agravequela ciecircnciardquo12 Enquanto ciecircncia autoacutenoma e praacutetica (na

acepccedilatildeo de Aristoacuteteles) ndash no fim de contas ela ensina-nos a discorrer

correctamente e sem erro ndash mas parte integrante da filosofia a loacutegica

tem um estatuto proacuteprio aleacutem de ser condiccedilatildeo preacutevia para o estudo das

outras disciplinas13 O leitor encontraraacute adiante a traduccedilatildeo da

totalidade dos Proeacutemios dos vaacuterios livros que compotildeem a Dialectica e

ainda de alguns toacutepicos filosoacuteficos mais sensiacuteveis como uma introduccedilatildeo

agrave semioacutetica (o sinal e a significaccedilatildeo) um excerto sobre o famigerado

problema dos universais e o tratamento do grave problema da induccedilatildeo

Segue-se a ldquofiacutesicardquo na qual evidentemente temos de

compreender a metafiacutesica mateacuteria aliaacutes ndash importa frisaacute-lo ndash sobre as

qual natildeo obstante algumas promessas feitas (nomeadamente por Goacuteis

e Couto) jamais se deu agrave estampa qualquer volume Aleacutem da

metafiacutesica a fiacutesica ou filosofia natural devia explorar a matemaacutetica

Sobre esta disciplina pouco ou nada se encontra nos volumes do nosso

Curso ndash o Coleacutegio de Santo Antatildeo em Lisboa seria nesta mateacuteria

muitiacutessimo superior14 ndash mas apesar de tudo os autores preconizam que

se comecem os estudos de filosofia natural pela matemaacutetica (da

geometria agrave aritmeacutetica) dada a sua maior simplicidade didaacutectica e se

concluam com a metafiacutesica ldquoa rainha de todas as ciecircnciasrdquo

Independentemente da sua nobreza teoreacutetica epistemoloacutegica e

11 Id ibid 17212 Id ibid 17213 Cf Id ibid 169-8514 Cf H Leitatildeo A Ciecircncia na ldquoAula da Esferardquo no Coleacutegio de Santo Antatildeo 1590-1759 Lisboa 2007 Sphaera Mundi A ciecircncia na Aula da Esfera Manuscritos cientiacuteficos do Coleacutegio de Santo Antatildeo nas colecccedilotildees da BNP Lisboa 2008 passim

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 9

ontoloacutegica a metafiacutesica soacute pode ser estudada a seguir agrave fiacutesica pois esta

ndash cuja autonomia tambeacutem se reivindica de modo veemente ndash dado

conviver com a substacircncia material comeccedila pela experiecircncia sensiacutevel

sempre mais acessiacutevel para noacutes15 Entenda-se evidentemente que ao

metafiacutesico caberia estudar a primeira causa as inteligecircncias e tudo o

que nem eacute material nem inclui a mateacuteria como base da sua

constituiccedilatildeo E por fim que a fiacutesica ou filosofia natural sendo tambeacutem

uma ciecircncia contemplativa (isto eacute natildeo praacutetica na acepccedilatildeo de

Aristoacuteteles) manteacutem a sua dignidade proacutepria incoacutelume ao estudar a

substacircncia material tudo enfim que eacute sujeito agrave transformaccedilatildeo Sobre

todos estes domiacutenios poderaacute ler-se nesta Antologia algumas paacuteginas

Natildeo menos problemaacuteticas seratildeo finalmente as componentes da

ldquobiologiardquo e da eacutetica (e poliacutetica) A primeira que evidentemente pertence

agrave fiacutesica por direito proacuteprio dada a sua relaccedilatildeo por exemplo com a

psicologia ou a ligaccedilatildeo com os pequenos tratados de naturalibus A

eacutetica depois porque no proacuteprio texto Goacuteis discute amplamente o seu

lugar no sistema (ordo) e a sua relaccedilatildeo com os demais saberes16 Ora

em As Partes dos Animais ndash o segundo dos dois textos de Aristoacuteteles a

que comeccedilaacutemos por nos referir ndash o Filoacutesofo consagrara uma passagem

agraves vaacuterias maneiras de se construir uma ciecircncia da alma O excerto

punha em questatildeo se a fiacutesica se devia ocupar da alma no seu todo ou

apenas de certas partes da alma17 Entrando em diaacutelogo com algumas

15 Cf MS de Carvalho ldquoA questatildeo do comeccedilo do saber numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia do seacuteculo XVI portuguecircsrdquo in AAVV Razatildeo e Liberdade Homenagem a Manuel Joseacute do Carmo Ferreira Lisboa 2010 993-100916 Cf Id Psicologia e Eacutetica no Curso Jesuiacuteta Conimbricense Lisboa 201017 Aristoacuteteles De Part An I 1 641a 32 b8 ldquoO que ficou dito levanta a questatildeo de saber se eacute toda a alma ou apenas uma parte dela cuja consideraccedilatildeo cabe no campo da ciecircncia natural Ora bem se for da alma toda que ela deve tratar entatildeo natildeo haacute lugar para qualquer outra filosofia mais aleacutem daquela Dado que pertence em todos os casos a uma e a mesma ciecircncia tratar dos temas correspondentes ndash uma e a mesma ciecircncia por exemplo trata da sensaccedilatildeo e do objecto do sentido ndash e como portanto haacute uma correspondecircncia entre a alma intelectiva e os objectos do intelecto eles devem pertencer a uma e a mesma ciecircncia segue-se que a ciecircncia natural teraacute de incluir tudo no seu campo Mas talvez natildeo seja toda a alma nem todas as suas partes em conjunto que constitui o princiacutepio do movimento mas agrave semelhanccedila das plantas pode haver uma parte que eacute o princiacutepio do crescimento outra a saber a parte sensitiva princiacutepio da mudanccedila qualitativa e outra ainda que natildeo eacute a parte

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 10

teorias propaladas no seu tempo os Jesuiacutetas de Coimbra entendem que

o De Anima natildeo aborda o estudo do corpo dotado de animaccedilatildeo ou

movimento (assim havia ensinado por exemplo o filoacutesofo Paulo de

Veneza no seacuteculo XV) mas da alma na sua integralidade No caso de se

acompanhar a tese de Veneto As Partes dos Animais deveriam ser

preacutevias ao De Anima mas na posiccedilatildeo que os Jesuiacutetas adoptam o livro

do De Anima deve seguir-se imediatamente ao livro dos Meteoroloacutegicos

Operava-se naquele livro de facto a transiccedilatildeo para o que hoje

chamamos ldquobiologiardquo Os nossos autores querem dizer assim que a

ldquopsicologiardquo parte do orgacircnico na sua expressatildeo mais basilar

Comeccedilando no estudo da alma em geral (o orgacircnico-vegetativo) acabar-

se-aacute por chegar agrave alma intelectiva ou actividade do pensamento a qual

se vecirc por isso integrada desde a sua raiz no seio da proacutepria fiacutesica

Leia-se adiante a questatildeo traduzida do volume sobre A Alma texto aliaacutes

de que tambeacutem damos uma versatildeo parcial da outra componente textual

dos volumes ie aleacutem da ldquoquaestiordquo a ldquoexplanatiordquo ajudando assim a

ver melhor talvez natildeo soacute o elevado padratildeo filoloacutegico e filosoacutefico dos

volumes como quiccedilaacute o seu perfil ldquohipertextualrdquo18

Eacute assaz diferente a situaccedilatildeo da eacutetica e da poliacutetica Apesar de nada

terem escrito sobre poliacutetica ndash diferentemente aliaacutes do que muitos outros

distintos Jesuiacutetas fizeram em outros quadrantes geograacuteficos (ou mesmo

Luiacutes de Molina em Eacutevora)19 ndash os portugueses vatildeo retrogradamente

submeter a poliacutetica agrave eacutetica Mais do que sublinharem a maturidade

necessaacuteria ao estudo da eacutetica eles evidenciavam a necessidade desta

intelectiva o princiacutepio de locomoccedilatildeo Porque outros animais aleacutem do Homem tecircm a faculdade da locomoccedilatildeo embora em nenhum haja o intelecto Eacute entatildeo manifesto que natildeo eacute da alma toda que devemos tratarrdquo18 Cf S Wakuacutelenko ldquoEnciclopedismo e Hipertextualidade nos lsquoCommentarii Collegii Conimbricensis in Universam Dialecticam Aristotelis Stagiritae (Coimbra 1606)rdquo in O Pombo et al (ed) Enciclopeacutedia e Hipertexto Lisboa 2006 302-35719 Cf I Borges-Duarte (org) Luiacutes de Molina regressa a Eacutevora Eacutevora 1998 passim CA de Moura R Zeron ldquoO debate sobre a escravidatildeo ameriacutendia e africana nas Universidades de Salamanca e Eacutevorardquo in LM Carolino e C Z Camenietzski (coord) Jesuiacutetas Ensino e Ciecircncia Seacuteculos XVI-XVIII Casal de Cambra 2005 205-26 poderaacute ver-se ainda Francisco Suaacuterez De Legibus Livro I Da Lei em Geral Apresentaccedilatildeo MC Henriques Introd e trad G Moita trad L Cerqueira Lisboa 2004

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 11

para que algueacutem se possa dotar dos conhecimentos provenientes das

demais ciecircncias mormente das ciecircncias da natureza Admitindo

embora que um ldquocientistardquo dominado pela eacutetica investigaria melhor o

saber da moral agrave semelhanccedila do saber da loacutegica eacute de caraacutecter praacutetico

razatildeo pela qual aquela deve ser sempre uma ciecircncia inferior a qualquer

uma das contemplativas ndash matemaacutetica fiacutesica e metafiacutesica (isto era mais

uma vez doutrina de Aristoacuteteles) ndash natildeo obstante reconhecerem a sua

inegaacutevel utilidade para a ldquosociedade civilrdquo conforme diriacuteamos hoje

Compreende-se desta maneira a particularidade do volume da Eacutetica no

quadro dos restantes volumes do Curso mas importaria acrescentar

que os alunos voltariam agrave mateacuteria eacutetica de novo nos seus estudos de

Teologia entatildeo sob o prisma dos chamados ldquoCasos de Consciecircnciardquo

Acabaacutemos por justificar a ordem da publicaccedilatildeo dos textos desta

Antologia

4 Tanto quanto nos eacute dado saber satildeo pouquiacutessimas as traduccedilotildees

modernas dos textos dos nossos Jesuiacutetas Contaacutemos primeiro a

traduccedilatildeo portuguesa do volume da Eacutetica contendo tambeacutem uma versatildeo

parcial da Introduccedilatildeo agrave Fiacutesica pela matildeo do erudito Antoacutenio Banha de

Andrade Publicada em 1957 a ediccedilatildeo encontra-se hoje totalmente

esgotada20 e os textos aqui reproduzidos deste tradutor portuguecircs com

a devida veacutenia provecircm dessa mesma ediccedilatildeo Soacute em 1997 eacute que se

traduziu para inglecircs uma pequena parte ndash a disputa III ndash do volume da

Eacutetica21 A sua autora Jill Kraye parece justificar o seu trabalho

sobretudo destacando no artigo 2 respeitante agrave beatitude sobrenatural

na vida futura o combate contra o voluntarismo (especialmente o

franciscano) e tambeacutem ldquocontra aqueles que argumentavam que o

intelecto e a vontade estatildeo simultaneamente envolvidos na beatituderdquo

20 Curso Conimbricense I Pe Manuel de Goacuteis Moral a Nicoacutemaco de Aristoacuteteles Introduccedilatildeo estabelecimento do texto e traduccedilatildeo de Antoacutenio Alberto de Andrade Lisboa 195721 Cambridge Translations of Renaissance Philosophical Texts I Moral Philosophy Ed by J Kraye Cambridge 1997 81-87

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 12

aleacutem de ser sensiacutevel ao largo e ecleacutectico espectro de fontes citadas pelos

nossos autores22 No mesmo idioma John P Doyle traduziu em 2001 o

primeiro livro da secccedilatildeo da Loacutegica dedicada ao livro drsquoA Interpretaccedilatildeo

(De Interpretatione)23 Verdadeiramente entusiasmado com aquela

secccedilatildeo centrada sobretudo na semioacutetica o tradutor e anotador

reconhecia que ldquothese pages of the Conimbricenses represent the first

really major seventeenth treatise on signsrdquo E acrescentava a respeito

da questatildeo 5 ldquoSuch discussion and others like it show the

Conimbricenses to be aware of many epistemological psychological

metaphysical and theological questions which can be raised with

regard to signs and signification In this they also display an

understanding of the breadth and scope of semiotics itselfrdquo24 Talvez

tenha sido a descoberta de Doyle a justificar a tentativa de Serhii

Wakuacutelenko primeiro natildeo de traduccedilatildeo mas de uma paraacutefrase na nossa

liacutengua de uma secccedilatildeo da teoria dos signos25 Agrave semelhanccedila do trabalho

de J Kraye e dada importacircncia actual do tema Filipa Medeiros

assinou em 2009 uma nova versatildeo da disputa III da Eacutetica26 Por fim

assinale-se a monumental traduccedilatildeo do Comentaacuterio sobre A Alma da

autoria de Maria da Conceiccedilatildeo Camps27

Tanto quanto nos eacute dado saber nada mais se divulgou Tivemos

tambeacutem noacutes com um absoluto lamento de renunciar ao projecto de

traduccedilatildeo integral do Curso outrora acalentado por Banha de Andrade e

por Arnaldo de Miranda Barbosa Natildeo quisemos poreacutem privar o puacuteblico 22 Ibid 8023 The Conimbricenses Some Questions on Signs Translated with Introduction and Notes by John P Doyle Milwaukee 200124 ldquoIntroductionrdquo in The Conimbricenses Some Questions on Signs 17 e 18 respectivamente25 S Wakuacutelenko ldquoEnciclopedismo e Hipertextualidade nos lsquoCommentarii Collegii Conimbricensis in Universam Dialecticam Aristotelis Stagiritae (Coimbra 1606)rdquo in O Pombo et al (ed) Enciclopeacutedia e Hipertexto Lisboa 2006 302-35726 Manuel de Goacuteis SJ Tratado da Felicidade Disputa III do lsquoComentaacuterio aos Livros das Eacuteticas a Nicoacutemacorsquo Estudo e Introduccedilatildeo complementar de Maacuterio S de Carvalho nova traduccedilatildeo do original latino e notas de F Medeiros Lisboa 200927Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus Sobre os trecircs livros do Tratado Da Alma de Aristoacuteteles Estagirita Traduccedilatildeo do original latino por Maria da Conceiccedilatildeo Camps Introd geral agrave Traduccedilatildeo Apecircndices e Bibliografia de Maacuterio Santiago de Carvalho Lisboa 2010

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 13

leitor mais curioso e inquieto da possibilidade de pelo menos ficar a

conhecer algumas parcelas desta tatildeo importante iniciativa filosoacutefica

nacional e internacional Talvez a maior da nossa histoacuteria filosoacutefica

mas seguramente a mais internacional de todas as produccedilotildees filosoacuteficas

portuguesas Ficaacutemo-nos assim por uma Antologia decerto incompleta

ndash somos noacutes proacuteprio a confessaacute-lo ndash a qual poderaacute ser progressivamente

aumentada melhorada ateacute que num futuro qualquer a consciecircncia

nacional seja merecedora de uma ediccedilatildeo integral Natildeo podemos ignorar

que face agrave crescente ignoracircncia do latim arriscamo-nos a perder

definitivamente estes textos contemplando-os como se fossem

curiosidades para bizarros e cada vez mais exoacuteticos especialistas Os

tradutores dos textos a seguir satildeo por isso credores da nossa fraterna

estima e profundo agradecimento e a sua superior responsabilidade

autoral apareceraacute identificada em nota da seguinte maneira por ordem

alfabeacutetica Alberto Banha de Andrade (ABA) Maria da Conceiccedilatildeo

Camps (MCC) Amacircndio A Coxito (AC) Paula Barata Dias (PBD) e

Filipa Medeiros (FM) A esta uacuteltima se fica tambeacutem a dever o cuidado

preparatoacuterio da Antologia que o Leitor tem agora no seu monitor28

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 31 de Dezembro de 2010

Maacuterio Santiago de Carvalho

28 FM eacute ainda responsaacutevel pelo trabalho de fixaccedilatildeo da totalidade das notas que no texto latino aparecem agrave margem e que agora por razotildees editoriais oacutebvias ou foram dispostas em peacute de paacutegina (casos sobretudo de citaccedilotildees bibliograacuteficas ou autorais) ou aparecem no proacuteprio texto assinaladas a itaacutelico (normalmente iacutendices ou toacutepicos de facilitaccedilatildeo da leitura)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 14

SUMAacuteRIO DAS TRADUCcedilOtildeES

- DialeacutecticaDialectica (1606)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus a Toda a Dialeacutectica

de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis e Societate Iesu In universam Dialecticam Aristotelis Stagiritaebull As artes quem as inventou e em que eacutepocabull Sobre as seitas daqueles que ao longo dos tempos ensinaram as artes liberais e

a filosofia sobretudo a Itaacutelica e a Ioacutenicabull Da seita dos Acadeacutemicos e dos Estoacuteicosbull Da seita dos peripateacuteticos Do engenho e do ensino de Aristoacutetelesbull Proeacutemio do Comentaacuterio agrave Isagoge de Porfiacuterio Sobre o autor o objectivo o

tiacutetulo a organizaccedilatildeo e a utilidade desta obrabull Proeacutemio do Comentaacuterio aos Livros das Categorias de Aristoacuteteles Estagirita

Sobre o autor e o tiacutetulo deste livro Mateacuteria utilidade e disposiccedilatildeo deste livrobull Proeacutemio aos Livros da Interpretaccedilatildeo de Aristoacuteteles Sobre o escopo e o

objectivo desta obra Sobre a organizaccedilatildeo o tiacutetulo e outras coisas deste tipobull Proeacutemio ao Segundo Livro da Interpretaccedilatildeobull Comentaacuterios aos Livros de Aristoacuteteles Estagirita sobre Os Primeiros Analiacuteticos

Sobre o tiacutetulo o assunto a divisatildeo e a organizaccedilatildeo destes livros Sobre a organizaccedilatildeo e a divisatildeo destes livros

bull Proeacutemio ao Primeiro Livro dos Primeiros Analiacuteticos de Aristoacutetelesbull Comentaacuterios aos Livros de Aristoacuteteles Estagirita sobre os Segundos Analiacuteticos

Tiacutetulo e meacutetodo destes livros etcbull Proeacutemio ao Primeiro Livro dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Livro Segundo dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesbull Comentaacuterios ao Primeiro Livro dos Toacutepicos de Aristoacuteteles Estagirita Sobre o

autor a mateacuteria a ordem e a utilidade desta obrabull Proeacutemio do Comentaacuterio aos Dois Livros dos Elencos de Aristoacuteteles Estagiritabull Outros textos de Loacutegica Sinal e Significaccedilatildeo Os Universais A Induccedilatildeo

- FiacutesicaPhysica (1592)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Oito Livros da

Fiacutesica de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemio aos oito livros da Fiacutesica de Aristoacuteteles Sobre a designaccedilatildeo e a

definiccedilatildeo de filosofiabull Sobre a dupla organizaccedilatildeo da Filosofiabull Questatildeo I Se eacute correcto dividir a filosofia contemplativa em Metafiacutesica

Fisiologia e Matemaacuteticabull Artigo 1ordm Natildeo parece correcto dividir-sebull Artigo 2ordm Refere-se as diversas posiccedilotildees dos Autores e estabelece-se qual delas

eacute a verdadeira

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 15

bull Artigo 3ordm Pode-se distinguir correctamente as partes da Filosofia Contemplativa de acordo com a variedade das abstracccedilotildees em relaccedilatildeo agrave mateacuteria e ao movimento

bull Artigo 4ordm Nas disciplinas matemaacuteticas natildeo haacute apenas um tipo de abstracccedilatildeo da mateacuteria

bull Artigo 5ordm Explicaccedilatildeo de algumas duacutevidas para esclarecer melhor o que se disse anteriormente

bull Artigo 6ordm Dissolvem-se os argumentos apresentados no iniacutecio da questatildeobull Questatildeo II Seraacute a Filosofia natural verdadeira e propriamente uma ciecircncia ou

natildeobull Artigo 1ordm O que pensaram alguns dos Antigos sobre a questatildeo apresentada e

argumentos a favor da sua opiniatildeobull Artigo 2ordm A Fiacutesica eacute verdadeira e propriamente uma ciecircnciabull Artigo 3ordm Refuta-se os Acadeacutemicos para quem tanto na Fiacutesica como nas

restantes mateacuterias tudo era duacutevida e incertezabull Artigo 4ordm Dissoluccedilatildeo dos argumentos do primeiro artigobull Questatildeo III A Filosofia Natural eacute uma ciecircncia contemplativa ou praacuteticabull Artigo 1ordm Argumentos que parecem provar que eacute praacuteticabull Artigo 2ordm Estabelece-se a posiccedilatildeo verdadeira e dissolve-se os trecircs argumentos

da parte contraacuteriabull Artigo 3ordm Dilui-se o uacuteltimo argumento do primeiro artigo e investiga-se se a arte

de curar eacute contemplativabull Questatildeo IV O ente moacutevel seraacute um assunto da Fisiologiabull Artigo 1ordm Dissoluccedilatildeo da questatildeobull Artigo 2ordm Argumentos contra o que se concluiu no artigo anteriorbull Artigo 3ordm Responde-se aos argumentos do artigo anteriorbull Questatildeo V Que ordem ou lugar cabe agrave Filosofia Natural no conjunto das

restantes disciplinasbull Artigo 1ordm Sobre a hierarquia dos saberesbull Artigo 2ordm Com que argumentos se contesta as conclusotildees do artigo anteriorbull Artigo 3ordm Explicaccedilatildeo dos argumentos anterioresbull Artigo 4ordm Sobre a hierarquia da dignidade entre a Fiacutesica e as outras partes da

Filosofiabull Sobre a divisatildeo da Filosofia em Aristoacutetelesbull Por que motivo os livros da Fiacutesica se intitulam Περὶ τῆς φυθσικῆς ακροάσεως

ou seja Sobre a auscultaccedilatildeo naturalbull Sobre a ordenaccedilatildeo e a mateacuteria dos livros da Auscultaccedilatildeo Fiacutesicabull Proeacutemio ao Primeiro Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Segundo Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Terceiro Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Quarto Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Quinto Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Sexto Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Seacutetimo Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Oitavo Livro da Fiacutesica de Aristoacuteteles

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 16

bull Outros textos da Fiacutesica Fiacutesica versus Metafiacutesica A luz inata do intelecto O conceito de ldquonaturezardquo Natureza e Arte O Acaso Natureza e Finalidade Como os seres naturais atingem os seus fins

- O CeacuteuDe Coelo (1593)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Quatro Livros

Sobre O Ceacuteu de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In Quatuor libros de Coelo Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemio aos quatro Livros Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao primeiro Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao segundo Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao terceiro Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao quarto Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Tratado de alguns Problemas sobre aspectos relativos aos quatro elementos do

Mundo distribuiacutedos pelo mesmo nuacutemero de secccedilotildees Proeacutemio

- A Geraccedilatildeo e a CorrupccedilatildeoDe Generatione et Corruptione (1597)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Dois Livros

Sobre a A Geraccedilatildeo e a Corrupccedilatildeo de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In duos libros De Generatione et Corruptione Aristotelis Stagiritaebull Sobre a organizaccedilatildeo do ensino sobre o assunto o tiacutetulo e a divisatildeo desta obrabull Proeacutemio ao primeiro livro bull Proeacutemio ao segundo livro

- MeteoroloacutegicosMeteororum (1593)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Livros dos

Meteoroloacutegicos de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In libros Meteororum Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemiobull Tratado III Acerca dos Cometas bull Capiacutetulo I Algumas consideraccedilotildees dos filoacutesofos quanto agrave mateacuteria e agrave

natureza dos cometasbull Capiacutetulo II Refutaccedilatildeo das afirmaccedilotildees anterioresbull Capiacutetulo III Explicaccedilatildeo de Aristoacuteteles e declaraccedilotildees verdadeiras quanto agrave

mateacuteria e agrave natureza dos cometasbull Capiacutetulo IV Acerca da localizaccedilatildeo da inflamaccedilatildeo da durabilidade do

movimento e das cores dos cometasbull Capiacutetulo V O que anunciam os cometasbull Capiacutetulo VI Quanto agraves figuras e diversidades dos cometasbull Capiacutetulo VII Quanto agrave estrela que brilhou aos Magos quando Cristo nasceu

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 17

- A AlmaDe Anima (1598)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Trecircs Livros

Sobre A Alma de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In tres libros de Anima Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemio aos Trecircs Livros do Tratado Sobre a Alma de Aristoacuteteles Utilidade

ordem mateacuteria tratada e particcedilatildeo destes Livrosbull Questatildeo Uacutenica Se o estudo da alma intelectiva respeita agrave doutrina da fisiologia

ou natildeobull Artigo 2ordm Resoluccedilatildeo de toda a questatildeobull A Alma de Aristoacuteteles ndash Livro I Explicaccedilatildeo do Capiacutetulo Ibull Proeacutemio do Livro Segundo do Tratado Da Alma de Aristoacutetelesbull Proeacutemio do Terceiro Livro do Tratado Da Alma de Aristoacutetelesbull Livro II Capiacutetulo I Questatildeo 6ordf Se a alma intelectiva eacute verdadeira forma do

Homem ou natildeo Artigo II Natildeo pode negar-se que a alma intelectiva eacute verdadeira e propriamente forma do Homem

bull Tratado da Alma Separada Proeacutemiobull Tratado sobre alguns Problemas relativos aos cinco sentidos divididos pelo

mesmo nuacutemero de secccedilotildees bull Primeira secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos agrave faculdade de verbull Segunda secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos agrave audiccedilatildeobull Terceira secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao som e agrave vozbull Quarta secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao olfactobull Quinta secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao paladarbull Sexta secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao tacto

- Pequenos NaturaisParva Naturalia (1593)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Livros de

Aristoacuteteles intitulados Os Pequenos Naturais Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In libros Aristotelis qui Parva Naturalia appellanturbull Proeacutemio

- EacuteticaEthica (1593) Algumas Disputas do Curso Conimbricense sobre os Livros da Eacutetica a Nicoacutemaco de Aristoacuteteles integrando certos preciacutepuos capiacutetulos da disciplina de Eacutetica In libros Ethicorum Aristotelis ad Nicomachum aliquot Conimbricensis Cursus Disputationes in quibus praecipua quaedam Ethicae disciplinae capita continenturbull Proeacutemiobull Acerca dos livros morais de Aristoacuteteles particularmente da Moral a

Nicoacutemacobull 1ordf Disputa Acerca do Bembull 2ordf Disputa Acerca do Fimbull 3ordf Disputa Da Felicidadebull 4ordf Disputa Dos trecircs princiacutepios dos actos humanos vontade intelecto e

apetite sensitivobull 5ordf Disputa Da bondade e da maliacutecia das acccedilotildees humanas em geral

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 18

bull 6ordf Disputa Dos estados da alma que se chamam paixotildeesbull 7ordf Disputa Das virtudes em geralbull 8ordf Disputa Da prudecircnciabull 9ordf Disputa Das restantes virtudes moraisbull 1ordf Questatildeo Da Justiccedilabull 2ordf Questatildeo Da Fortalezabull 3ordf Questatildeo Da Temperanccedila

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 19

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus a Toda a Dialeacutectica de Aristoacuteteles

Estagirita

Lisboa 1606

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 20

PROEacuteMIO

AS ARTES QUEM AS INVENTOU E EM QUE EacutePOCA29

Os Gregos vangloriam-se de ter inventado as artes Os Caldeus proclamam o

mesmo a seu respeito Quem teratildeo sido os primeiros a inventar as artes eacute assunto

frequentemente discutido por muitos autores Os Gregos tal como reivindicavam para si

o nome e a fama da sabedoria como coisa proacutepria assim se vangloriavam de terem sido

os inventores das artes Os Caldeus pelo contraacuterio proclamavam que muitos seacuteculos

antes de a Greacutecia ter comeccedilado quer a aprender quer a ensinar jaacute tinha surgido entre

eles o conhecimento dos temas maiores

A Antiguidade venerou muitos baacuterbaros como os primeiros inventores das

artes Na verdade eacute agora manifestamente evidente que nos tempos antigos a sabedoria

natildeo floresceu apenas entre os Gregos e que muitos daqueles que a Antiguidade venerou

em nome de uma doutrina singular como os primeiros fundadores das ciecircncias eram

maioritariamente oriundos de povos baacuterbaros visto que deixando outros de lado Tales

era de origem feniacutecia Mercuacuterio egiacutepcio Zoroastro persa Atlas liacutebio ou friacutegio Anacaacutersis

cita e Ferecides siacuterio E deste modo se torna claro que tal como em outros pontos

tambeacutem neste Epicuro delirou ao dizer que ningueacutem excepto os gregos foi capaz de

filosofar

Os Gregos aprenderam muito com os outros Aleacutem disso os mais conceituados

autores atestam que os gregos aprenderam muito com os estrangeiros nomeadamente

Euseacutebio nos livros 9 e 10 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica Cirilo no livro 1 Contra Juliano

Clemente no primeiro das Tapeccedilarias Justino Maacutertir na Parenese aos povos Josefo nos

dois livros Contra Aacutepion entre outros

Estabelece-se Deus como autor das artes De facto se quisermos ser justos

avaliadores das coisas devemos estabelecer que as artes liberais natildeo foram inventadas

em primeiro lugar nem pelos gregos nem pelos baacuterbaros pelo contraacuterio a sua origem

teraacute sido muito mais antiga e mais nobre Com efeito Deus o criador de toda a

realidade precisamente no iniacutecio da formaccedilatildeo do mundo atribuiu aos primeiros pais do

geacutenero humano entre outros dons da natureza e da graccedila o claro conhecimento natildeo

apenas das coisas divinas mas tambeacutem das humanas e das naturais Pois natildeo convinha

29 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 21

que os priacutencipes e criadores de tatildeo grande famiacutelia recebessem a alma com se fosse uma

taacutebua rasa como noacutes mas adornada pela matildeo do divino artiacutefice e polida pelas imagens

das coisas inteligiacuteveis e pelas luzes das ciecircncias em relaccedilatildeo a toda a excelecircncia e

variedade da beleza Foi de Deus portanto como fonte primeira que emanaram as artes

liberais e depois de Adatildeo para os seus filhos e deles para os descendentes e ao fim de

uma longa seacuterie de anos como eacute evidente a partir dos documentos dos escritores antigos

derivaram para os Hebreus para os Caldeus para os Egiacutepcios para os Gregos para os

Latinos e para as outras naccedilotildees do orbe terrestre De seguida floresceram os Magos dos

Assiacuterios e dos Persas os sacerdotes dos Egiacutepcios os semaneus dos Bactros os bracircmanes

e os gimnosofistas dos Indianos os druidas dos Gauleses os saacutebios Gregos os doutores

Latinos bem como outros homens engrandecidos pelo particular louvor da ciecircncia

E natildeo obsta ao que dizemos ou seja agrave transmissatildeo hereditaacuteria das ciecircncias desde

os primoacuterdios do mundo agraves idades subsequentes o facto de alguns serem reconhecidos

como os primeiros inventores das artes Na verdade como a maioria delas pela injuacuteria

dos tempos ou pela negligecircncia dos homens natildeo soacute perderam o esplendor primitivo

como foram extintas ou por completo ou quase houve alguns homens eminentes pelo

seu engenho que as salvaram do desaparecimento ou as tornaram mais ilustres graccedilas a

novas descobertas a quem por isso foi atribuiacuteda a sua invenccedilatildeo e assim se conservou a

memoacuteria de que o inventor da Dialeacutectica foi Zenatildeo de Eleia o da Filosofia Natural Tales

de Mileto o da disciplina Moral Soacutecrates o da Astrologia Atlante e muitos outros

exemplos Porque se quisermos tambeacutem falar das artes que tratam do modo de fazer uma

obra extrema consta que algumas delas absolutamente desconhecidas numa dada eacutepoca

foram descobertas alguns seacuteculos mais tarde como a Calcografia e aquela que inventou

o poacute das maacutequinas de guerra

Visto que os antigos ao procurar com todo o empenho e assiacuteduo labor a

verdade secreta e escondida das artes liberais natildeo caminharam todos pela mesma via

nem seguiram os mesmos princiacutepios nem sequer os mesmos mestres mas divididos

pela rivalidade das facccedilotildees repartiram-se em vaacuterias seitas quase como famiacutelias natildeo

seraacute de modo nenhum adverso ao que se estabeleceu reduzir ao miacutenimo essas seitas os

seus mentores e seguidores e colocaacute-las de certa maneira sob um soacute ponto de vista de

modo a que a menccedilatildeo destas coisas no curriacuteculo da filosofia seja recorrente e assim

sejam evidentes e conhecidas pelos ouvintes

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 22

SOBRE AS SEITAS DAQUELES QUE AO LONGO DOS TEMPOS ENSINARAM AS ARTES LIBERAIS E

A FILOSOFIA SOBRETUDO A ITAacuteLICA E A IOacuteNICA

O que motivou a designaccedilatildeo atribuiacuteda agraves seitas dos filoacutesofos A designaccedilatildeo das

seitas dos Filoacutesofos como Amoacutenio as colige no proeacutemio agraves Categorias de Aristoacuteteles

foi-lhes atribuiacuteda por vaacuterios motivos Por causa da escola como os Acadeacutemicos e os

Estoacuteicos por causa de alguma actividade nomeadamente pela deambulaccedilatildeo como os

Peripateacuteticos por causa do mestre como os Pitagoacutericos de Pitaacutegoras por causa da sua

paacutetria como os Cirenaicos de Cirene paacutetria de Aristipo por causa do estilo de vida

como os Ciacutenicos assim chamados por serem mordazes nos seus gracejos contra os viacutecios

como eacute costume dos catildees por causa da finalidade da Filosofia por exemplo os

Hedonistas isto eacute os voluptuosos como os Epicuristas por causa do modo de pensar

como os Efeacutecticos os Ceacutepticos e os Pirroacutenicos isto eacute os inibidores os pesquisadores e

os hesitantes que inibiam qualquer juiacutezo sobre qualquer questatildeo e nada estabeleciam

mas ocupavam-se sempre das tarefas de pesquisa e observaccedilatildeo e discutiam sobre tudo

Isto relativamente aos nomes das seitas

Das duas seitas principais provieram as outras Depois cumpre saber que

existiram essencialmente duas seitas de filoacutesofos antigos a partir das quais se

propagaram as restantes como referem S Agostinho no livro 8 da Cidade de Deus

capiacutetulo 2 e Plutarco no livro 1 das Sentenccedilas capiacutetulo 3 entre outros autores

O mentor da Itaacutelica foi Pitaacutegoras O mentor da Itaacutelica foi Pitaacutegoras que incitado por

uma incriacutevel dedicaccedilatildeo agrave ciecircncia depois de ter escutado com atenccedilatildeo o siacuterio Ferecides o

filoacutesofo de maior renome e autoridade entre os saacutebios do seu tempo deambulou para

conhecer os lugares mais longiacutenquos da terra e depois de iniciado em quase todos os

misteacuterios Gregos e baacuterbaros chegou agravequela parte da Itaacutelia a que chamam Magna Greacutecia

e nessa sede escolhida ensinou Filosofia com grande afluecircncia e nobreza de ouvintes

entre os habitantes de Crotona e chamou agrave sua escola Pitagoacuterica por causa de si mesmo

e Itaacutelica pela regiatildeo

Natildeo haacute consenso sobre a eacutepoca Sobre a sua eacutepoca haacute um dissiacutedio espantoso entre os

autores Todavia a partir dos escritos parece poder concluir-se com maior probabilidade

que atingiu o auge no periacuteodo que vai da sexageacutesima agrave septuageacutesima Olimpiacuteada A

propoacutesito desta questatildeo Clemente de Alexandria no livro 1 das Tapeccedilarias S

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 23

Agostinho no livro 18 da Cidade de Deus capiacutetulo 37 Liacutevio no livro 1 deacutecada

primeira e Dioniacutesio de Halicarnasso livro 2

Enumeram-se os seguidores de Pitaacutegoras Enumeram-se entre os seguidores de

Pitaacutegoras o seu filho Telauges Empeacutedocles Epicarmo Arquitas de Tarento Alcmeacuteon

de Crotona Hiacutepaso de Metaponto e Filolau Mas no que diz respeito agrave evoluccedilatildeo da seita

as coisas deram-se deste modo a Pitaacutegoras sucedeu o filho Telauges a este Xenoacutefanes a

ele Parmeacutenides a Parmeacutenides Zenatildeo de Eleia a Zenatildeo Leucipo e Demoacutecrito a

Demoacutecrito muitos outros entre os quais Nausiacutefanes e Naucides a quem depois sucedeu

Epicuro Advirta-se poreacutem que alguns distinguiram a seita Eleaacutetica sob Teleauges

filho de Pitaacutegoras da Ioacutenica como se fosse uma terceira que alguns fizeram depender

da Itaacutelica

Os Epicuristas natildeo tanto como filoacutesofos mas como gado dos Filoacutesofos Sobre o grupo

dos Epicuristas nada diremos no momento presente porque estes natildeo foram

propriamente Filoacutesofos mas φίλοσωμαδοϊ ou seja como diz S Jeroacutenimo o gado dos

filoacutesofos visto que constituiacuteram o sumo bem do homem num soacute prazer do corpo

negando a providecircncia de Deus e a imortalidade das almas e por isso satildeo indignos de

serem contados entre os filoacutesofos

O fundador da escola ioacutenica foi Tales O primeiro dos sete saacutebios Sobre a sua

eacutepoca Quem lhe sucedeu O fundador da escola ioacutenica foi Tales como referem Leandro

e Heroacutedoto de nacionalidade feniacutecia e como outros consideraram mais correctamente

mileacutesio da nobiliacutessima cidade ioacutenica de Mileto Daiacute que (como refere Euseacutebio segundo

Taciano na Preparaccedilatildeo Evangeacutelica cap 3) tenha sido o primeiro dos sete saacutebios e

como afianccedilou Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 3 foi o primeiro a instituir

a Filosofia Natural Atingiu o apogeu por volta da quinquageacutesima olimpiacuteada como

afirma Clemente de Alexandria no primeiro livro das Tapeccedilarias Sucederam-lhe por

ordem Anaximandro Anaxiacutemenes e Anaxaacutegoras de Clazoacutemenas que transferiu a

escola da Ioacutenia para Atenas e teve como sucessor Arquelau preceptor de Soacutecrates que

os oraacuteculos da Piacutetia consideraram o mais saacutebio de todos Os seus mais nobres alunos

foram Aristipo fundador da seita Cirenaica Antiacutestenes da Ciacutenica e Platatildeo da

Acadeacutemica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 24

DA SEITA DOS ACADEacuteMICOS E DOS ESTOacuteICOS

Em que tempo viveu Platatildeo Na eacutepoca de Platatildeo que foi entre a octogeacutesima

oitava e a centeacutesima oitava olimpiacuteada existiram muitos homens importantes em todo o

tipo de ciecircncias

Contemporacircneos de Platatildeo Seus elogios Na histoacuteria Xenofonte na Astrologia

Eudoxo na Retoacuterica Isoacutecrates na filosofia pitagoacuterica Arquitas de Tarento na Ciacutenica

Dioacutegenes No entanto o proacuteprio Platatildeo brilhou entre os restantes com um resplendor mais

forte e mais vasto como se fosse a luz mais cintilante de todas as ciecircncias De facto tinha

tal riqueza oratoacuteria e tal encanto como atesta Ciacutecero no De claris oratoribus que alguns

disseram que se Juacutepiter falasse grego natildeo haveria de usar outro discurso senatildeo o de

Platatildeo o que as abelhas pareceram anunciar-lhe quando na infacircncia pousaram sobre a

sua boca

Descodificou o texto sagrado Aleacutem disso escreveu tanto e de forma tatildeo hermeacutetica sobre

as coisas divinas que facilmente se mostra o que alguns autores deram a conhecer que

ele deslindou os textos sagrados como um inteacuterprete aplicado e dessas fontes irrigou os

seus pequenos jardins Refere pois Clemente de Alexandria no livro 1 das Tapeccedilarias e

Euseacutebio no livro 9 capiacutetulo 3 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica que Aristoacutebulo Judeu

Peripateacutetico de cognome nos comentaacuterios aos livros de Moiseacutes editados por ele mesmo

que enviou ao rei Ptolomeu Filometor do Egipto afirmou que os escritos de Moiseacutes

tinham sido traduzidos para a liacutengua grega antes do impeacuterio de Alexandre e dos Persas e

que tinham sido lidos por Pitaacutegoras e por Platatildeo Ora Platatildeo na Academia que era um

verdejante espaccedilo suburbano situado a mil passos de Atenas ensinou Filosofia daiacute que

os seus disciacutepulos fossem chamados Acadeacutemicos por causa do lugar

Os sucessores de Platatildeo Teve como sucessores Xenoacutecrates Paleacutemon Crantor e Crates

Gostavam de dissimular a sua sabedoria e natildeo aderir obstinadamente a nenhuma das

posiccedilotildees em disputa

Por que eacute que Arcesilau eacute o mestre da ignoracircncia Seguiu-se depois Arcesilau de Piacutetane

disciacutepulo de Crates fundador da Academia meacutedia ou nova a quem Lactacircncio com

pleno direito apelidou de mestre da ignoracircncia no livro 3 capiacutetulo 5 pois foi o

primeiro na Academia a negar publicamente que existisse qualquer coisa que pudesse

ser conhecida Depois de Arcesilau apoacutes algumas interposiccedilotildees brilhou Carneacuteades de

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 25

Cirene que alguns afirmam ter sido o mentor de outra Academia ou seja da terceira

porque concordava parcialmente com Arcesilau e parcialmente com Espeusipo

De onde veio o nome dos Estoacuteicos Os Estoacuteicos tambeacutem tiraram o nome do

local ἀποτῆς στοᾶς isto eacute do Poacutertico Houve de facto em Atenas um poacutertico de

notaacutevel riqueza pintado por Polignato onde eles costumavam reunir-se para as suas

disputas Zenatildeo o fundador desta seita chamado Ciacutetio seguramente por ser de Ciacutetio em

Chipre presidiu agrave escola com cinquenta e oito anos e tal era a sua notoriedade junto dos

Atenienses que o ornaram com uma coroa de ouro e uma estaacutetua de bronze

Grave dissiacutedio entre os Acadeacutemicos e os Estoacuteicos Houve poreacutem um grave e perpeacutetuo

dissiacutedio entre Acadeacutemicos e Estoacuteicos Os primeiros eram a tal ponto versaacuteteis na

disputa que persistiam apenas na leveza e na inconstacircncia Os outros agarraram-se com

teimosia contra muitos paradoxos e mais ainda contra muitas opiniotildees que os Poetas

asseveraram e natildeo atingiram o meio-termo em nenhuma questatildeo todas reduziram agrave

necessidade e agrave inflexibilidade

Cleantes o Estoacuteico de nobre linhagem Depois de Zenatildeo houve insignes Estoacuteicos como

Cleantes entre outros a que Ciacutecero chama o Estoacuteico de grande linhagem Dioacutegenes

Babiloacutenico Crisipo filho de Apoloacutenio insigne pelo elogio da Dialeacutectica e escritor de

inuacutemeros livros de quem se disse ter amparado e sustentado nos seus ombros o poacutertico

dos Estoacuteicos e tambeacutem Paneacutecio que Ciacutecero confessa imitar nos livros dos Deveres E

depois jaacute no impeacuterio de Nero o filoacutesofo Seacuteneca seu preceptor e Epicteto oriundo de

Hieraacutepolis cidade da Friacutegia cuja admiraccedilatildeo pela sua vida tatildeo longa sobressaiu entre os

demais como relata Luciano Siacuterio que a lanterna de barro de Epicteto se tinha vendido

por trecircs mil dracmas por causa da sua notoriedade

DA SEITA DOS PERIPATEacuteTICOS DO ENGENHO E DO ENSINO DE ARISTOacuteTELES

Aristoacuteteles foi o mentor dos Peripateacuteticos O mentor dos Peripateacuteticos e o mais

importante de todos foi Aristoacuteteles filho de Nicoacutemaco seguramente de Estagira da

Macedoacutenia pelo que foi chamado Estagirita

Em que tempo viveu Nasceu por volta do ano 381 antes do parto da Virgem Mas quando

decorria o deacutecimo seacutetimo ano da sua vida tendo previamente escutado as liccedilotildees de

Soacutecrates por trecircs anos dedicou-se agrave disciplina de Platatildeo e entregou-se ao seu Ginaacutesio

por volta dos vinte anos Depois de regressar da delegaccedilatildeo com a qual tinha sido enviado

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 26

pelos Atenienses ao rei Filipe ao ver que na sua ausecircncia Xenoacutecrates tinha presidido agrave

escola da Academia escolheu o Liceu onde viria a ensinar Filosofia

Disputava enquanto caminhava E porque de facto disputava enquanto caminhava

rodeado pela turba dos alunos ele proacuteprio foi chamado Peripateacutetico e os seus seguidores

Peripateacuteticos

Encoacutemios de Aristoacuteteles Sobre o admiraacutevel engenho de Aristoacuteteles e a sua

agudeza de espiacuterito tanto nas descobertas como nos juiacutezos e nas disposiccedilotildees sobre a

sua singular dedicaccedilatildeo agrave ciecircncia sobre a absoluta perfeiccedilatildeo em todo o tipo de doutrina

haacute muitos encoacutemios nos textos dos escritores Platatildeo ora lhe chamava lsquoLeitorrsquo porque

se dedicava agrave leitura dos filoacutesofos antigos com uma dedicaccedilatildeo incansaacutevel ora lsquoFiloacutesofo

da verdadersquo ora lsquomente da Academiarsquo Isto porque certa vez ao entrar no ginaacutesio

como natildeo estava laacute Aristoacuteteles conta-se que teraacute dito απεσιτῆς ἀλήθειας φιλόσοφον

isto eacute ldquofalta o filoacutesofo da verdaderdquo E depois tendo faltado de novo disse ουκ ἰλθε

νοῦς ou seja ldquoa mente natildeo veiordquo E Quintiliano sobre o mesmo assunto diz ldquoE

quanto a Aristoacuteteles Duvido se hei-de consideraacute-lo mais notaacutevel pelo conhecimento

das mateacuterias pela riqueza dos escritos pelo encanto do discurso pela agudeza das

descobertas ou pela diversidade das obrasrdquo Pliacutenio por seu lado tanto o apelida de

ldquohomem supremo em todas as ciecircnciasrdquo como ldquohomem de uma subtileza imensardquo Jaacute

Averroacuteis afirma que ele eacute um exemplo apresentado para que nele todos os homens

possam compreender e admirar quanto a mente dos mortais eacute capaz de perceber e

quanto eacute permitido progredir ao engenho humano

Estaacutetua erigida em sua honra Pausacircnias no livro 6 escreve que lhe foi dedicada uma

estaacutetua o que tambeacutem ele proacuteprio tinha procurado erigir ao seu preceptor Platatildeo

Seus sucessores Sucederam a Aristoacuteteles nobres Peripateacuteticos para aleacutem de

outros Teofrasto Estraacuteton de Lacircmpsaco fiacutesico de cognome Demeacutetrio de Falero

Jeroacutenimo Cratipo Boeto e muitos outros em diferentes eacutepocas

Inteacuterpretes gregos Teve tambeacutem ilustres inteacuterpretes como Alexandre de Afrodiacutesia

Porfiacuterio Temiacutestio Simpliacutecio Pselo Amoacutenio Plutarco e Filoacutepono Entre eles deixando

de lado os restantes Alexandre que foi contemporacircneo de Justino Maacutertir e do meacutedico

Galeno estudou quase todos os livros de Aristoacuteteles com tanto conhecimento que

nenhum Aristoteacutelico haveria que natildeo fosse Alexandrino

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 27

Inteacuterpretes Latinos Tambeacutem os Latinos esclareceram dignamente as obras de Aristoacuteteles

com os seus comentaacuterios nomeadamente Severino Boeacutecio que consta ter vivido na eacutepoca

de S Bento e com ele ter estabelecido amizade Depois Averroacuteis que por causa da sua

diligente explanaccedilatildeo obteve o epiacuteteto de Comentador e posteriormente Alberto Magno

seguido de imediato por S Tomaacutes priacutencipe da Teologia escolaacutestica

Mas o que mais valoriza Aristoacuteteles e lhe concilia a gloacuteria imortal eacute o facto de

estando as seitas de outros filoacutesofos jaacute quase extintas e sepultadas a famiacutelia peripateacutetica

crescer de dia para dia e florescer Natildeo soacute abraccedilaram a sua doutrina nos tempos antigos

aqueles a quem ainda natildeo tinha aparecido a luz da disciplina celeste com o supremo

estudo como tambeacutem os Filoacutesofos e os eruditos Teoacutelogos iluminados pelo brilho da

divina feacute hatildeo-de servir-se dela muitas vezes ao longo de vaacuterios seacuteculos a partir de

agora para explicar as questotildees maiores e mais importantes e natildeo apenas na Fiacutesica e na

Dialeacutectica como tambeacutem nas questotildees de ordem moral e nas divinas

Ora costuma perguntar-se por que razatildeo tatildeo grande filoacutesofo a quem natildeo

faltava nem a forccedila do engenho nem a riqueza do discurso para explicar claramente o

que tinha apreendido com o intelecto por que razatildeo repito eacute tantas vezes obscuro a

ponto de dificilmente poder ser entendido sobretudo naqueles livros a que chamam

Acroamaacuteticos que satildeo de doutrina mais importante e de feitura mais polida Cumpre

saber que antes de Aristoacuteteles houve duas razotildees para obscurecer a filosofia a

primeira daqueles que filosofaram poeticamente a outra daqueles que filosofaram por

hieroacuteglifos os primeiros teceram os princiacutepios das artes liberais e os segredos da

natureza atraveacutes de faacutebulas os outros por enigmas e figuras Isto era deliberadamente

feito por eles (como notaram Fiacutelon Judeu no livro intitulado Quod omnis probus sit

liber e Laeacutercio no Pitaacutegoras) para que os misteacuterios da filosofia natildeo fossem objecto de

desprezo para o vulgo e para a multidatildeo ignorante e tambeacutem por isto para desviarem

do seu estudo remetendo-as para outras coisas consentacircneas as inteligecircncias retardadas

e inaptas para filosofar Embora o objectivo deles natildeo desagradasse a Aristoacuteteles este

ingressou entatildeo por outra via de dissimulaccedilatildeo E assim seguiu a brevidade Hipocraacutetica

na Acroamaacutetica escreveu num estilo sinteacutetico conciso e por esse motivo obscuro Por

vezes quanto mais difiacuteceis satildeo as controveacutersias tanto mais disputa de forma obscura

porque natildeo tendo a convicccedilatildeo suficiente quanto agrave parte onde residia a verdade como

tinha engenho haacutebil e prudente envolvia de propoacutesito a sua opiniatildeo na ambiguidade

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 28

das palavras A estas razotildees da obscuridade acresceram ainda outras De facto depois

de Aristoacuteteles ter chegado ao fim da sua vida os seus livros jazeram muito tempo

enterrados na terra daiacute que estivessem corroiacutedos pela putrefacccedilatildeo em muitos locais e

quando foram extraiacutedos um tal de Apeacutelicon de Teos por seu livre arbiacutetrio preencheu

mal aqueles locais e emendou-os Sobre esta questatildeo escreveu Estrabatildeo no deacutecimo

terceiro livro da sua Geografia nestes termos ldquoAristoacuteteles deixou a biblioteca e a

escola a Teofrasto o primeiro de todos os que conhecemos a congregar os livros e a

ensinar a sua ordem aos responsaacuteveis pela biblioteca do Egipto Teofrasto transmitiu-a a

Neleu e Neleu levou-a para Ceacutepsis e doou-a aos descendentes homens sem preparaccedilatildeo

que tinham os livros fechados e negligentemente arrumados Tendo conhecimento do

desejo dos reis das vestes de ouro30 que os governavam no sentido de recolher os livros

para guarnecer a biblioteca que era a de Peacutergamo esconderam-nos numa cova debaixo

da terra onde foram molestados pelos vermes e pela humidade e por fim jaacute nesse

estado entregaram-nos a Apeacutelicon de Teos a troco de muita prata Apeacutelicon como era

mais dedicado aos livros do que agrave sabedoria querendo reparar as corrosotildees mandou-os

transcrever embora a escrita natildeo fosse correctamente complementada Por isso

publicou os livros cheios de errosrdquo Eacute o que diz Estrabatildeo Tambeacutem as versotildees latinas

aumentaram a obscuridade de Aristoacuteteles Enquanto algumas transcrevem muito

escrupulosamente palavra por palavra copiam a sintaxe grega e espalham as trevas

sobre Aristoacuteteles de tal modo que nem parece falar grego nem latim e por vezes torna-

se difiacutecil de perceber outras poreacutem usam de excessiva liberdade na versatildeo na medida

em que agem mais como parafrastas do que como tradutores procuram a afectaccedilatildeo das

palavras e o ornato do discurso fogem ao contexto31 e afastam-se muito da opiniatildeo de

Aristoacuteteles de tal modo que por causa disso os que se agarram a essas versotildees

castigam Aristoacuteteles repreendendo com repugnacircncia grande parte da sua obra

30 Rei Ptolomeu II do Egipto (Cf Estrabatildeo Geografia XIII) N T 31 Extra chorum uagantur

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 29

PROEacuteMIO DO COMENTAacuteRIO Agrave ISAGOGE DE PORFIacuteRIO

SOBRE O AUTOR O OBJECTIVO O TIacuteTULO A ORGANIZACcedilAtildeO E A UTILIDADE DESTA OBRA

Acautelou-se por lei que entre os Areopagitas ningueacutem usasse do proeacutemio

ao discursar Foi instituiacutedo por lei entre os Areopagitas ndash segundo refere Aristoacuteteles no

iniacutecio da Retoacuterica a Teodecto ndash que os advogados das causas natildeo pudessem de modo

nenhum usar do proeacutemio isto para que natildeo gastassem o tempo numa longa divagaccedilatildeo

de palavras e em tortuosos meandros Agia-se por isso com prudecircncia no Areoacutepago e

nos processos forenses No entanto no Liceu e no ensino das artes liberais haacute outra

norma Nestes domiacutenios quando se pretende narrar alguma coisa de forma apurada e de

acordo com o meacutetodo filosoacutefico conveacutem fazer uma apresentaccedilatildeo preacutevia de modo a que

os espiacuteritos se preparem para aprender Isso eacute o que noacutes vamos fazer nesta primeira

abordagem ao comentaacuterio mas com muito menos palavras do que os inteacuterpretes

costumavam fazer

Nacionalidade origem vida e ensinamentos de Porfiacuterio Assim sendo

comecemos pelo que acontece em primeiro lugar O autor desta obra foi Malco

cognominado Porfiacuterio de nacionalidade feniacutecia originaacuterio de Tiro ou (como Baroacutenio

afirma por certo no tomo II dos seus Anais) de nacionalidade judia nascido na

Batacircnia que eacute uma cidade da Judeia Quanto aos ensinamentos natildeo era tatildeo aristoteacutelico

como platoacutenico conforme demonstram os seus escritos Viveu durante o impeacuterio de

Aureliano Diocleciano e depois de Constantino Teve como preceptores Plotino e

Longino Criacutetico foi condisciacutepulo de Oriacutegenes como lembra Eunaacutepio na Vida de

Porfiacuterio Teve como aluno entre outros Crisaoacuterio patriacutecio Romano a pedido de quem

publicou esta obra Isto porque Crisaoacuterio que vivia em Roma tendo debruccedilado a sua

atenccedilatildeo sobre as Categorias de Aristoacuteteles sem conseguir compreendecirc-las pediu por

carta ao seu preceptor que entatildeo segundo parece estaria junto do Lilibeu o

promontoacuterio da Siciacutelia ocupado a compor a histoacuteria da erupccedilatildeo do Etna e conseguiu

que o mestre compusesse especialmente para si este livrinho εἰσαγογικόν sobre As

Categorias de Aristoacuteteles

Porfiacuterio maacutegico desertor e opositor da feacute cristatilde De facto Porfiacuterio natildeo soacute foi

adepto das supersticcedilotildees das artes maacutegicas como tambeacutem um desertor e um opositor

muito insolente da religiatildeo cristatilde segundo atestam S Jeroacutenimo na Epiacutestola aos

Gaacutelatas S Agostinho no livro 19 da Cidade de Deus capiacutetulo 23 bem como Suidas e

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 30

outros autores Natildeo seraacute verdadeiramente indigno de ser contabilizado entre os

Filoacutesofos apesar de ser lido nas escolas

Por que razatildeo se lecirc nas escolas Lecirc-se poreacutem natildeo soacute porque as mateacuterias que

compila neste livro tirou-as em grande parte das fontes da doutrina de Platatildeo e de

Aristoacuteteles mas tambeacutem porque tal como o povo Hebreu enriquecia com o ouro dos

Egiacutepcios desprezando as imagens dos deuses que nesse material tinham sido moldadas

assim a filosofia cristatilde enriquece de bom grado com as doutrinas de quaisquer outros

mesmo dos adversaacuterios (se poreacutem nada tecircm que falte agrave verdade) A isso reporta o dito

de S Agostinho no livro 2 da Doutrina Cristatilde capiacutetulo 40 ldquoos que satildeo chamados

filoacutesofos se por acaso disseram o que eacute verdade e se adequa agrave nossa feacute sobretudo os

platoacutenicos natildeo soacute natildeo se devem temer mas aleacutem disso devem-lhe ser reivindicadas

essas verdades enquanto injustos possuidores para que noacutes as possamos utilizarrdquo

Tiacutetulo da obra O tiacutetulo da obra eacute εἰσαγωγῆ isto eacute lsquointroduccedilatildeorsquo que natildeo eacute mais

do que o princiacutepio pelo qual algueacutem comeccedila a ser instruiacutedo desde os primeiros

elementos em alguma arte ou doutrina Ciacutecero no Luculo chama-lhe primeira instruccedilatildeo

Aulo Geacutelio no livro 16 capiacutetulo 8 diz ldquoQuerendo noacutes seguir e aprender as disciplinas

dialeacutecticas foi necessaacuterio procurar e conhecer aquelas a que os Dialeacutecticos chamam

εἰσαγωγᾶςrdquo

Razatildeo deste tiacutetulo Mas perguntam e bem os inteacuterpretes por que razatildeo este

tratado tomou um nome comum como proacuteprio pois natildeo se intitula lsquointroduccedilatildeo agrave

Dialeacutecticarsquo mas ambiguamente lsquointroduccedilatildeorsquo Importa pensar que a razatildeo eacute o facto de a

Dialeacutectica anteceder as restantes partes da filosofia na ordenaccedilatildeo do ensino e com todo

o direito era a introduccedilatildeo que preparava para a aprendizagem e por isso devia chamar-

se por esse nome como se fosse proacuteprio por antonomaacutesia na qualidade de primeira de

todas como proeacutemio comum a toda a filosofia Isto foi notado por Simpliacutecio Boeacutecio

Alberto Magno e outros comentadores

O objectivo de Porfiacuterio eacute tratar dos cinco conceitos universais O objectivo de

Porfiacuterio eacute tratar dos cinco conceitos Geacutenero Espeacutecie Diferenccedila Proacuteprio e Acidente os

quais se designam com o termo comum de Universais ou Predicaacuteveis Todavia caiu em

controveacutersia entre os autores qual seria de facto o assunto desta obra

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 31

Primeira posiccedilatildeo sobre o assunto deste tratado Na verdade Amoacutenio no prefaacutecio a

Porfiacuterio e Boeacutecio no diaacutelogo primeiro coluna 2 bem como Averroacuteis no grande

proacutelogo aos Posteriores aleacutem de outros asseguram que o assunto satildeo esses tais cinco

conceitos na medida em que satildeo uacuteteis para conhecer a doutrina das Categorias

Segunda opiniatildeo No entanto Escoto na questatildeo 7 sobre este livro bem como os seus

seguidores e os Lovanienses pensam ser o Universal Tanto uns como outros recorrem

a argumentos plausiacuteveis

Argumentos a favor da primeira opiniatildeo Eis os argumentos dos que defendem

a primeira opiniatildeo

Primeiro O objecto de uma obra eacute aquele que o autor se propotildee explanar mas Porfiacuterio

afirma que vai explicar estes cinco conceitos logo estes conceitos satildeo a mateacuteria tratada

Segundo Crisaoacuterio pediu a explanaccedilatildeo desses mesmos conceitos para compreender as

Categorias de Aristoacuteteles logo se Porfiacuterio correspondeu ao pedido indicou esse

mesmo assunto

Terceiro Toda a loacutegica eacute sobre a linguagem este livro eacute parte da Loacutegica logo a sua

mateacuteria eacute a linguagem e em particular nada mais do que estes cinco conceitos

Argumentos a favor da segunda posiccedilatildeo Os outros argumentam assim

Primeiro O assunto deste tratado na medida em que isso pode ser feito conveacutem ser

uno ora aqueles cinco universais natildeo tecircm unidade a natildeo ser no Universal em geral

natildeo soacute se supotildee que o Universal estaacute presente neste tratado como satildeo demonstradas as

sus espeacutecies e tudo o que se predica sobre as espeacutecies excepto o que lhes diz respeito

segundo as razotildees proacuteprias eacute atribuiacutedo ao Universal estas satildeo as condiccedilotildees do assunto

logo o assunto da Isagoge eacute o Universal

Segundo A explicaccedilatildeo do Universal pertence agrave Loacutegica natildeo haacute poreacutem outra parte desta

ciecircncia em que se trate abertamente e numa perspectiva geral logo deve atribuir-se a

esta obra como assunto proacuteprio

Conciliam-se as opiniotildees anteriores Se estas duas posiccedilotildees contecircm alguma

diferenccedila deve preferir-se a segunda com a tal moderaccedilatildeo que vamos aplicar

Dissemos se satildeo diferentes porque eacute provaacutevel que uns e outros autores pensem o

mesmo Porque os que constituem os conceitos como assunto natildeo os tomam na acepccedilatildeo

material enquanto sons nem apenas como significados que dizem respeito ao

gramaacutetico mas como um certo conhecimento das coisas em si mesmas na medida em

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 32

que servem para compreender as Categorias e os modos de construir o discurso Mas

isto equivale a considerar que estes universais na medida em que conduzem agraves outras

partes da Dialeacutectica satildeo mateacuteria do presente tratado Todavia como tudo converge

numa uacutenica razatildeo comum do Universal considera-se e bem que o assunto eacute o proacuteprio

universal O que uns aceitam por ser uno e outros por compreender claramente as suas

partes

O Universal como eacute predicaacutevel constitui o assunto desta obra Porque se natildeo

quiserem chegar a acordo os autores da primeira posiccedilatildeo dizemos com Escoto que o

Universal eacute o assunto desta obra natildeo tanto de acordo com a razatildeo do Universal como

do Predicaacutevel Visto que a Dialeacutectica direcciona de facto todas as suas forccedilas para a

verdade ou falsidade necessidade ou contingecircncia das proposiccedilotildees em qualquer

circunstacircncia presta mais atenccedilatildeo ao modo de predicar do que ao modo de ser (como

iremos explicar de forma mais alargada na questatildeo sobre a divisatildeo dos Universais) E

como o modo de ser diz respeito ao Universal enquanto Universal o modo de predicar

pelo contraacuterio diz respeito ao mesmo enquanto predicaacutevel segundo esta razatildeo nesta

obra disserta-se essencialmente sobre o Universal

Objecta-se De onde se pode resolver a instacircncia que contra esta posiccedilatildeo

costuma levantar-se nestes termos perscrutar o que eacute o Universal compete ao primeiro

filoacutesofo pois este considera a ordem e a distinccedilatildeo dos superiores e dos inferiores a

unidade formal e numeacuterica e sem o conhecimento destas coisas dificilmente se

distingue o Universal Sobre isto disserta Aristoacuteteles em parte no livro 4 e em parte no

livro 7 a partir do capiacutetulo 13

Responde-se Mas respondemos que a consideraccedilatildeo do Universal enquanto Universal

compete ao Metafiacutesico embora a sua consideraccedilatildeo enquanto predicaacutevel seja

especulaccedilatildeo Loacutegica proacutepria desta obra Na verdade nos Toacutepicos disserta-se pouco

sobre os Universais e apenas o modo como se aplicam agraves questotildees dialeacutecticas

Dissolvem-se os argumentos da primeira posiccedilatildeo Os argumentos a favor da

posiccedilatildeo que constitui os conceitos como assunto da Isagoge satildeo faacuteceis de esclarecer

Primeiro Ao primeiro respondemos que Porfiacuterio designou neste lugar todas as espeacutecies

do geacutenero para indicar de forma mais precisa a mateacuteria de que iria tratar

Segundo Ao segundo que talvez Porfiacuterio respondesse agrave demanda de forma mais cabal

do que tinha sido proposto por Crisaoacuterio porque natildeo seria verosiacutemil que o filoacutesofo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 33

romano tivesse duacutevidas apenas sobre o sentido das palavras Um e outro pretendiam

pois uma explicaccedilatildeo dos universais Um fez o pedido o outro fez a exposiccedilatildeo

Terceiro Relativamente ao terceiro noacutes natildeo negamos que a linguagem seja o assunto

desta parte da Dialeacutectica tal como se diz que a linguagem eacute o assunto das restantes

partes Na verdade esta eacute essencialmente interna e favoraacutevel agrave razatildeo comum do

Universal De facto do mesmo modo que no objecto significado estaacute o Universal e

estatildeo as espeacutecies sob ele contidas assim nos signos internos estaacute o Uno proacuteprio do

Universal em si e outras coisas que dizem directamente respeito agraves espeacutecies Mas sobre

este ponto diremos mais nos Antepredicamentos

Demonstra-se que o ensino destes conceitos universais pertence agrave Dialeacutectica

E assim torna-se evidente que este ensino pertence agrave Dialeacutectica e faz parte dela ainda

que Boeacutecio o tenha negado com aquela conjectura por que razatildeo se chamava introduccedilatildeo

agrave Loacutegica Deixa-se levar poreacutem por um leve indiacutecio pois natildeo eacute inconveniente haver

uma ordem entre as inuacutemeras partes de uma mesma ciecircncia para que uma prepare o

caminho que leva a outra Porfiacuterio natildeo disse que esta Isagoge conduzia agrave Dialeacutectica

mas agraves categorias divisotildees definiccedilotildees etc de modo a que natildeo parecesse excluiacute-la do

conjunto das partes da Dialeacutectica

Estrutura da obra A estrutura da obra resume-se a duas partes a primeira

delas conteacutem o prefaacutecio a outra o comentaacuterio aos cinco conceitos Mas esta segunda eacute

bipartida Na primeira parte revela-se cada um dos universais em separado Na uacuteltima

comparam-se todos entre si para que se torne visiacutevel o que tecircm de comum de proacuteprio e

de peculiar Sobre a sua utilidade com Porfiacuterio dispensamo-nos de a referir

PROEacuteMIO DO COMENTAacuteRIO AOS LIVROS DAS CATEGORIAS DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA32

SOBRE O AUTOR E O TIacuteTULO DESTE LIVRO

Alguns negaram que Aristoacuteteles fosse o autor deste livro O que nesta primeira

abordagem aos livros de Aristoacuteteles parecia dever dizer-se tanto sobre a razatildeo de os

ensinar como de os escrever foi genericamente insinuado em parte no iniacutecio da

Dialeacutectica em parte no proeacutemio da Fiacutesica Pelo que na explanaccedilatildeo de cada uma das

obras falta apenas este trabalho de demonstrar quem eacute o seu autor e qual o seu

objectivo particular

32 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 34

Boeacutecio demonstra atraveacutes de trecircs argumentos que Aristoacuteteles foi o autor deste livro

Ora o facto de Aristoacuteteles Estagirita ser o autor deste livro embora Jacircmblico tenha

duvidado (da autoria de Boeacutecio) e alguns autores de menor importacircncia o tenham

negado eacute todavia ponto assente entre todos os Peripateacuteticos o que confirma Boeacutecio

atraveacutes de trecircs argumentos sobre este ponto Primeiro porque Aristoacuteteles nas restantes

obras em tudo concorda consigo mesmo nesta obra Segundo porque a brevidade e a

subtileza do estilo levam a identificar Aristoacuteteles Terceiro porque de outro modo teria

elaborado uma obra incompleta se com a intenccedilatildeo de escrever sobre os silogismos

tivesse omitido as proposiccedilotildees de que derivam directamente ou os simples conceitos

de forma mais indirecta

Demonstra-se que haacute vaacuterias obras de variados autores sobre os predicados

Existiram pois muitas obras semelhantes sobre os predicados elaboradas por outros

autores que muitas vezes chegaram a dar lugar a enganos De facto ainda que

omitamos Arquitas de Tarento que foi o primeiro de todos a distribuir o ente em dez

classes e cuja obra escrita em liacutengua doacuterica Mirandula afirma ter perdurado ateacute ao

momento no livro 4 De examine vaniitatis Teofrasto Eudemo e Facircnias de Eacutereso

disciacutepulos de Aristoacuteteles escreveram seguindo o seu exemplo sobre os dez geacuteneros

supremos e Adrasto de Afrodiacutesia publicou um outro livro sobre o mesmo assunto que

costuma ser apresentado como de matriz aristoteacutelica Tambeacutem na Biblioteca de

Filadelfo foram encontrados dois cujo autor eacute Amoacutenio que afirma que um deles eacute de

Aristoacuteteles

Verdadeiro tiacutetulo da obra O tiacutetulo da obra da autoria de Porfiacuterio ainda que se

afirme muitas outras coisas foi todavia vulgarizado e aceite como Categorias de

Aristoacuteteles

De onde vem o nome de Categorias Porfiacuterio acreditou que este vocaacutebulo fora trazido

por Aristoacuteteles do uso forense para as escolas κατηγορία significa de facto aquele

discurso de acusaccedilatildeo que se executa nos julgamentos para incriminar pois κατηγορὼ

significa lsquoacusorsquo E natildeo eacute invulgar ndash diz Porfiacuterio ndash que os grandes filoacutesofos quando

descobrem algo desconhecido ou inventem vocaacutebulos ou transfiram alguns do uso

corrente que revestem de nova significaccedilatildeo

O nome de Categorias ou Predicados eacute entendido de vaacuterios modos Μais

fecunda poreacutem eacute a interpretaccedilatildeo de outros que por entenderem que o verbo κατηγορέω

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 35

significa o mesmo que lsquopredicorsquo ou lsquoenunciorsquo consideram que κατηγορίαν eacute o mesmo

que lsquoa enunciaccedilatildeo de algo sobre outra coisarsquo e por isso dispotildeem as coisas nestas dez

classes de tal modo que as superiores sejam afirmadas sobre as inferiores de acordo

com a ordem da natureza e com razatildeo essas mesmas classes satildeo designadas em grego

por lsquoCategoriasrsquo e em latim por lsquoPredicadosrsquo um vocaacutebulo cujo autor entre os latinos

parece ter sido Boeacutecio Admite-se todavia seja lsquoCategoriasrsquo seja lsquoPredicadosrsquo por

vezes em relaccedilatildeo a toda a seacuterie constituiacuteda pelos superiores e inferiores outras vezes

apenas em relaccedilatildeo ao geacutenero supremo de cada predicado Ora o que significa

formalmente o predicado eacute o que vamos apreciar nas questotildees

MATEacuteRIA ORDEM UTILIDADE E DISPOSICcedilAtildeO DESTE LIVRO

Sobre a mateacuteria deste livro haacute duas posiccedilotildees Tatildeo certo eacute entre todos os

inteacuterpretes que neste livro se trata dos predicados como eacute entre eles ambiacuteguo se a

mateacuteria principal satildeo os conceitos ou as coisas

Primeira posiccedilatildeo Averroacuteis e Caetano neste livro bem como Avicena no iniacutecio da sua

Loacutegica afirmam que satildeo as coisas

1ordm argumento Primeiro porque se disserta sobre os aspectos a partir dos quais os

predicados se desenvolvem pois eacute um tratado sobre os predicados mas os predicados

apenas se desenvolvem a partir das coisas as coisas e natildeo os conceitos eacute que se dizem

geacuteneros espeacutecies e indiviacuteduos

2ordm argumento Em segundo lugar trata-se principalmente daquilo cujas propriedades se

transmitem mas as propriedades que satildeo atribuiacutedas a cada um dos predicados dizem

respeito agraves coisas e natildeo aos conceitos portanto as coisas satildeo o assunto principal

2ordf posiccedilatildeo Alexandre Simpliacutecio Amoacutenio Porfiacuterio Siriano e Boeacutecio ensinam o

contraacuterio ou seja que a mateacuteria mais importante satildeo os conceitos o que parece ter

querido dizer Aristoacuteteles no capiacutetulo 4 desta obra quando ao distinguir os predicados o

faz atraveacutes dos conceitos e assim afirma que ldquoaqueles que se dizem natildeo ter qualquer

composiccedilatildeo significam os singulares ou a substacircncia ou a quantidade ou a qualidade

etcrdquo

Opta-se pela segunda posiccedilatildeo A uacuteltima posiccedilatildeo eacute muito mais verdadeira desde

que natildeo negue que na presente obra tambeacutem se disputa sobre as coisas que constituem os

predicados embora com uma importacircncia secundaacuteria

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 36

1ordf razatildeo Fundamenta-se a primeira parte desta resoluccedilatildeo Primeiro porque a Dialeacutectica eacute

uma ciecircncia totalmente linguiacutestica portanto todas as suas partes enquanto tal dizem

especial respeito agrave linguagem sobretudo interior

2ordf razatildeo Aleacutem disso neste livro daacute-se a conhecer os princiacutepios para constituir

proposiccedilotildees e silogismos e como as proposiccedilotildees e os silogismos satildeo constituiacutedos por

palavras significantes e natildeo por coisas significadas logo as palavras satildeo o principal

assunto tratado nesta obra Segunda parte de onde se torna evidente por que razatildeo nem as

palavras enquanto significativas podem ser suficientemente inteligidas sem alguma

revelaccedilatildeo das coisas significadas nem Aristoacuteteles as revelou de outro modo nos capiacutetulos

seguintes na verdade pela explicaccedilatildeo da substacircncia da quantidade etc expocircs o que

eram os vocaacutebulos simples que exprimem o seu significado

Resolvem-se os argumentos da primeira posiccedilatildeo Daqui se torna manifesta a

resposta aos argumentos da primeira posiccedilatildeo na medida em que contrariam a segunda

Em relaccedilatildeo ao primeiro embora possamos admitir que nos Predicados se coloca em

primeiro lugar as coisas negamos todavia que este tratado seja sobre o que se potildee em

primeiro lugar nos Predicados mas sobre os signos pelos quais se exprimem e que

tambeacutem tecircm a designaccedilatildeo dos geacuteneros das espeacutecies etc Quanto agrave segunda deve negar-

se que se trate em primeiro lugar as coisas cujas propriedades se explicam pois como as

palavras simples satildeo mais evidentes os seus significados satildeo explicados natildeo soacute pelas

partes essenciais mas tambeacutem pelas propriedades Acrescente-se que natildeo soacute as

propriedades das coisas mas tambeacutem das palavras satildeo tratadas nesta obra pois no

capiacutetulo 5 Aristoacuteteles afirma que eacute proacuteprio das substacircncias significar algo que apenas se

pode adequar agraves palavras

Que lugar na ordem das artes cabe a este livro No que diz respeito agrave ordem

este livro pode ser comparado quer a outras partes da filosofia quer agraves restantes partes

da Loacutegica se for considerado no primeiro modo natildeo falta quem lhe impute o uacuteltimo

lugar ou seja o mesmo que atribuem agrave Metafiacutesica (da qual alguns autores acreditam

fazer parte este livro)

Muitos negam que tenha um lugar certo e provam-nos com argumentos Outros natildeo lhe

concedem um lugar definido na ordem das artes mas asseveram que pertence

simultaneamente a todas as artes Os primeiros recorrem a estes argumentos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 37

1ordm argumento De todas as ciecircncias proacuteprias soacute a Metafiacutesica considera o ente como

objecto proporcionado logo soacute ela deve considerar a imediata divisatildeo do ente em dez

geacuteneros que nesta obra se estudam aprofundadamente pois a ela compete explicar uma

certa natureza da qual eacute proacuteprio perscrutar uma divisatildeo semelhante nos inferiores

2ordm Argumento Os modos de predicar a partir dos quais Aristoacuteteles e os outros filoacutesofos

coligem os Predicados neste livro fundam-se nos modos do ser como foi dito em

Porfiacuterio mas os modos de ser pertencem ao Metafiacutesico natildeo ao Loacutegico logo os modos

de predicar tambeacutem lhe dizem respeito aleacutem disso as artes progridem na ordem do

ensino se a forma for explicada pela primeira arte e o fundamento sem o qual esta

forma natildeo pode ser inteligida perfeitamente pela uacuteltima

3ordm Argumento O Dialeacutectico natildeo considera quais satildeo os materiais predicados mas quais

e quantos satildeo os modos formais de predicar e separados de toda a mateacuteria logo inquire

quantos satildeo os geacuteneros das coisas o que eacute predicado natildeo lhe diz minimamente respeito

mas ao Metafiacutesico

Alguns autores consideram que o estudo dos Predicados natildeo diz respeito a

nenhum filoacutesofo33 em particular Quem nega que a explicaccedilatildeo dos Predicados diga

respeito a um determinado filoacutesofo argumenta deste modo Natildeo haacute ciecircncia nem arte que

se debruce sobre todos os geacuteneros de coisas mas cada uma assume o encargo de

ponderar uma determinada parte logo o trabalho de explicar todas as Categorias que

contecircm todas as coisas natildeo haacute-de pertencer apenas a uma mas a todas as artes em

simultacircneo

Os Predicados dizem respeito ao Metafiacutesico e ao Loacutegico por razotildees diferentes

Todavia a posiccedilatildeo comum de todos os inteacuterpretes importantes eacute de que os Predicados

dizem respeito simultaneamente ao Metafiacutesico e ao Loacutegico por diferentes razotildees

porque para que se torne manifesto e se satisfaccedila as opiniotildees contraacuterias deve advertir-

se que as coisas que se colocam nos predicados podem ser encaradas de trecircs maneiras

As coisas que se colocam nos predicados podem ser consideradas de trecircs modos

Primeiro enquanto naturezas delas proacuteprias como se na primeira categoria se

considerasse a natureza da substacircncia do corpo etc Segundo na medida em que satildeo

universais e particulares no ser ou seja na medida em que os particulares incluem os

comuns mas por eles natildeo satildeo incluiacutedos Terceiro porque satildeo capazes de ser sujeito e

33 Artifex

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 38

ser predicado numa enunciaccedilatildeo Na verdade o primeiro modo de considerar natildeo eacute

proacuteprio de nenhuma ciecircncia determinada mas de todas as reais e a segunda opiniatildeo

apenas o comprova de onde poreacutem natildeo resulta que a doutrina dos Predicados diga

respeito a todas as ciecircncias porque o predicado natildeo eacute apenas a natureza da coisa mas

envolve a seacuterie O segundo modo eacute totalmente metafiacutesico como comprovam os

argumentos da primeira opiniatildeo O terceiro deve com razatildeo ser adscrito agrave Loacutegica Na

verdade toda a consideraccedilatildeo que eacute instituiacuteda para as predicaccedilotildees eacute Dialeacutectica pois

ningueacutem nega que a terceira da qual tratamos eacute deste tipo o que se descobre pela

proacutepria declaraccedilatildeo

Dissolvem-se as razotildees da parte contraacuteria Responde-se agraves razotildees em

contraacuterio Agrave primeira razatildeo da primeira posiccedilatildeo nada obstamos Agrave segunda responde-se

que muitas vezes eacute preciso explicar no que diz respeito agrave ordem correcta do ensino

qual eacute a capacidade e a funccedilatildeo de alguma forma atraveacutes de um fundamento natildeo

explicado mas suposto ou porque aparece aos rapazes nas noccedilotildees elementares tal

como se ensina a virtude e o poder das letras ignorando a natureza delas assim os

Loacutegicos conhecem a forccedila dos predicados estando suposto o seu fundamento exposto

pelos Metafiacutesicos Agrave terceira responde-se que o Dialeacutectico precisa de conhecer todos os

geacuteneros de coisas quanto agrave razatildeo de ser predicado e de ser sujeito natildeo para que compare

por si o conhecimento das coisas mas para que esteja provido de meios para tratar a

fundo qualquer questatildeo sobre a mateacuteria proposta O argumento da segunda jaacute foi

resolvido

Dispotildeem-se os vaacuterios tratados da Loacutegica de acordo com as vaacuterias actividades

do intelecto Basta sobre a ordem deste tratado em relaccedilatildeo agraves outras disciplinas falemos

agora sobre aquilo que diz respeito agraves outras partes da Loacutegica de Aristoacuteteles e isto eacute

tambeacutem o que se observa nas operaccedilotildees da mente De facto esta doutrina dos

predicados responde agrave primeira operaccedilatildeo que apreende os simples em que os nomes

simples satildeo reduzidos a classes Agrave segunda pela qual compomos e dividimos adaptam-

se os livros Da interpretaccedilatildeo nos quais se disputa sobre a enunciaccedilatildeo Agrave terceira pela

qual raciocinamos correspondem os Analiacuteticos e os Toacutepicos em que satildeo produzidos as

consequecircncias os argumentos e os silogismos

Esta doutrina eacute muito necessaacuteria a toda a praacutetica dialeacutectica A vantagem e a

utilidade desta doutrina satildeo vastiacutessimas para todo o uso dialeacutectico pois fornece mateacuteria

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 39

expedita para concretizar as divisotildees e as definiccedilotildees ao distinguir os Geacuteneros as

Espeacutecies e as Diferenccedilas De facto abrange todas as naturezas e todas as propriedades

para constituir a argumentaccedilatildeo sobre qualquer assunto

O tratado dos Predicados divide-se em trecircs partes A divisatildeo da obra faz-se em trecircs

partes a que vem antes dos predicados os predicados e a que vem depois dos

Predicados A primeira conteacutem quatro capiacutetulos A segunda que eacute a principal os cinco

seguintes A terceira e uacuteltima tanto na ordem como na utilidade e na dignidade tem

outros tantos no final

[PROEacuteMIO] AOS LIVROS DA INTERPRETACcedilAtildeO DE

ARISTOacuteTELES34

SOBRE O ESCOPO E O OBJECTIVO DESTA OBRA SOBRE A ORGANIZACcedilAtildeO O TIacuteTULO E OUTRAS

COISAS DESTE TIPO

Demonstra-se que o autor deste livro foi Aristoacuteteles Natildeo se deve dar muita

importacircncia a um tal Andronico de Rodes que Amoacutenio refere no prefaacutecio desta obra de

modo a que por causa dele se ponha em duacutevida o autor destes livros ndash se teraacute sido

Aristoacuteteles ou qualquer outro como o proacuteprio opina ndash dado que o modo grave de falar

bem como a delicadeza e austeridade do estilo revelam como autor o priacutencipe dos

Peripateacuteticos como consideraram S Tomaacutes Boeacutecio Amoacutenio e outros seus seguidores

Nem a razatildeo que se usa eacute mais importante do que quem a usa [Andronico] diz

que o autor desta obra no capiacutetulo 1 chama paixotildees aos conceitos e afirma tecirc-lo

explicado no livro Sobre a Alma o que Aristoacuteteles natildeo fez nesse lugar Mas natildeo leu os

textos 3 e 13 do primeiro livro Sobre a Alma onde se designa com o nome de paixotildees

as operaccedilotildees da alma nem o texto 155 e seguintes do livro I2 nos quais ensina

repetidamente que a imaginaccedilatildeo eacute uma paixatildeo e muitas vezes chama paixatildeo35 ao sentir

e ao inteligir Ainda que neste ponto natildeo tenha dito que explicou noutro lado de que

modo os conceitos satildeo paixotildees todavia os conceitos ou disposiccedilotildees satildeo esclarecidos

como fora estabelecido nos livros Sobre a Alma Por fim para que natildeo se possa

duvidar a passagem do livro 2 desta obra capiacutetulo 1 que trata das proposiccedilotildees do

34 Trad FM35 Pati

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 40

terceiro adjacente afirma que o proacuteprio autor tratou delas nas anaacutelises que tecircm lugar no

fim do primeiro livro dos Primeiros [Analiacuteticos] que eacute reconhecidamente aristoteacutelico

Portanto o autor destes livros depois de ter explicado os geacuteneros e o poder dos

vocaacutebulos simples no opuacutesculo das dez Categorias e de os ter classificado por ordem

orienta-se agora para a primeira composiccedilatildeo deste tipo de termos

Que ordem conserva Aristoacuteteles nestes livros Da Interpretaccedilatildeo Esta composiccedilatildeo ou

nexo como constitui uma enunciaccedilatildeo faz com que nestes livros disserte sobre a

enunciaccedilatildeo como se fosse uma mateacuteria subjacente Explora primeiro os seus

princiacutepios por assim dizer os seus constituintes elementares ou seja o nome e o verbo

Depois as espeacutecies que satildeo a afirmaccedilatildeo e a negaccedilatildeo Por fim as disposiccedilotildees ou

propriedades isto eacute as incompatibilidades e as oposiccedilotildees pelas quais as proposiccedilotildees

debatem entre si e as equivalecircncias pelas quais se associam mutuamente

Que razotildees parecem apontar o significativo como assunto desta obra Todavia

poder-se-aacute duvidar justamente se se deve constituir como assunto o significativo comum

ao Nome ao Verbo e ao Discurso Natildeo soacute porque Aristoacuteteles explica todas estas coisas

no capiacutetulo 1ordm o significativo no geral no 2ordm o Nome no 3ordm o Verbo no 4ordm o

Discurso que subdivide em Enunciaccedilatildeo etc Mas tambeacutem porque Boeacutecio e Alberto

Magno consideram que por vezes se chama interpretaccedilatildeo ao vocaacutebulo simples E natildeo

deixam de ter razatildeo pois por isso se diz que a interpretaccedilatildeo eacute sobre a enunciaccedilatildeo

porque divulga os conceitos internos da alma mas qualquer vocaacutebulo ainda que

simples indica um conceito latente como neste capiacutetulo ensina Aristoacuteteles Tambeacutem

noacutes na questatildeo 2 falaremos disso logo eacute correcto dizer-se interpretaccedilatildeo e estes livros

satildeo sobre a interpretaccedilatildeo no geral logo etc

Ora se se responder que sobre os vocaacutebulos simples se disputou no tratado dos

Predicados totalmente constituiacutedo para orientar a primeira operaccedilatildeo da mente e que

por isso natildeo se pode tratar neste lugar por si mesmo como mateacuteria proacutepria certamente

natildeo se poderaacute dar nenhuma razatildeo convincente pela qual se dispute de novo sobre o

mesmo assunto na presente obra ou pelo menos pela qual o Discurso natildeo seja o assunto

no geral visto que natildeo se trata noutro lado e requer uma investigaccedilatildeo proacutepria

A enunciaccedilatildeo eacute o assunto desta obra Deve todavia dizer-se partilhando a

opiniatildeo comum de S Tomaacutes de Amoacutenio de Simpliacutecio e de outros inteacuterpretes que nem

o vocaacutebulo simples nem o Discurso satildeo por si soacute o assunto desta obra Tambeacutem por

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 41

esta razatildeo porque este tratado estaacute entre os Predicados e os Analiacuteticos onde se disserta

sobre a primeira e a terceira operaccedilatildeo do intelecto Por isso a ordem regular postula que

se estabeleccedila este sobre a segunda mas nem o vocaacutebulo simples nem o Discurso satildeo

em si segunda operaccedilatildeo como demonstraremos no 4ordm capiacutetulo logo natildeo constituem

por si o assunto

Agrave conjectura produzida por Boeacutecio e Alberto ao considerarem que o vocaacutebulo

simples se pode designar interpretaccedilatildeo responde o mesmo Boeacutecio ldquoo tiacutetulo do livro eacute

mais universal do que o estudo mas esse natildeo eacute um impedimento de maiorrdquo Alexandre

afirma que se deve subentender interpretaccedilatildeo filosoacutefica Esta eacute sem duacutevida a posiccedilatildeo

de S Tomaacutes e de Amoacutenio ao ensinar que a interpretaccedilatildeo deve ser assumida como

Enunciaccedilatildeo apenas a que revela o parecer da alma De acordo com esta doutrina deve

negar-se que os vocaacutebulos simples e o Discurso natildeo enunciativo sejam interpretaccedilatildeo

porque embora revelem os conceitos todavia natildeo revelam os assentimentos e opiniotildees

que soacute podem ser designados por linguagem interna De onde se constata ser falso o que

se presumiu que o Discurso exige um tratamento particular pois natildeo eacute em si mesmo

uma operaccedilatildeo distinta da primeira

Por que razatildeo se disputa sobre os vocaacutebulos simples aqui nos livros dos

Predicados e nos Primeiros Analiacuteticos Poder-se-aacute entatildeo perguntar por que razatildeo se

volta de novo ao estudo dos simples concluiacutedo no livro dos Predicados S Tomaacutes daacute a

resposta na passagem em que afirma que a consideraccedilatildeo do Nome e do Verbo deve ser

tripla uma enquanto significam coisas simples outra porque satildeo partes a partir das

quais a Enunciaccedilatildeo se desenvolve a terceira pelo modo como se apresentam nos

silogismos como extremo maior ou menor ou como termo meacutedio Assim sendo S

Tomaacutes afirma que Aristoacuteteles nas Categorias dissertou sobre os vocaacutebulos simples

vistos do primeiro modo neste livro poreacutem trata-se deles perspectivados no segundo

modo e por essa razatildeo recebem a designaccedilatildeo de Nome e de Verbo Por fim nos livros

dos Primeiros Analiacuteticos deve disputar-se sobre eles quando considerados do terceiro

modo No estudo da Enunciaccedilatildeo foi entatildeo conveniente disputar sobre o Nome e o

Verbo na medida em que constroem essa mesma Enunciaccedilatildeo pois eacute um preceito do

proacuteprio Aristoacuteteles no livro 1 da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica capiacutetulo 1 ldquono iniacutecio de cada

ciecircncia deve-se transmitir os seus aspectos elementares bem como os do seu assuntordquo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 42

Que a Enunciaccedilatildeo eacute o assunto desta obra Ora tendo-se claramente constatado

que a Enunciaccedilatildeo eacute a mateacuteria destes livros permanece todavia um dissiacutedio seraacute apenas

a Enunciaccedilatildeo simples ou antes a Enunciaccedilatildeo no geral que compreende tanto a simples

como a complexa Alguns abraccedilam esta uacuteltima parte Primeiro porque Aristoacuteteles no

capiacutetulo 4 tambeacutem trata da complexa Segundo porque tem uma verdade e uma

qualidade proacuteprias que se devem explicar individualmente

Aristoacuteteles neste livro trata apenas da Enunciaccedilatildeo simples por si mesma Poreacutem eacute

mais provaacutevel a primeira posiccedilatildeo de Boeacutecio de S Tomaacutes e de Amoacutenio pois Aristoacuteteles

trata neste lugar da Enunciaccedilatildeo que haacute-de ser uacutetil posteriormente para a explicaccedilatildeo dos

silogismos mas Aristoacuteteles transmite apenas os categoacutericos logo natildeo explica aqui a

Enunciaccedilatildeo hipoteacutetica por si mesma sobretudo quando esta facilmente conduz aos

simples pelos quais eacute composta Ora se Aristoacuteteles se lembrou disso ao longo do

processo fecirc-lo por acaso e apenas na divisatildeo depois nada tratou sobre a complexa Mas

a sua verdade e qualidade (que objectava ao segundo lugar) eacute facilmente percebida a

partir da simples introduziu quanto eacute preciso para a disputa futura ora por uma ora por

outra para deduzir a demonstraccedilatildeo ao impossiacutevel como iraacute constar do capiacutetulo 1 livro

10 dos Posteriores

Tiacutetulo da obra O tiacutetulo do livro eacute περὶ ερμηνείας isto eacute Da Interpretaccedilatildeo

Ora a designaccedilatildeo de lsquoInterpretaccedilatildeorsquo segundo aprendemos com S Tomaacutes Escoto

Alberto Amoacutenio e Alexandre significa natildeo soacute o vocaacutebulo simples mas a Enunciaccedilatildeo

Todavia Aristoacuteteles rejeita o Discurso optativo vocativo e depreciativo porque

indicam mais um afecto da alma do que um pensamento e por isso como se atesta no

capiacutetulo 4 pertencem aos Oradores natildeo aos Loacutegicos que se apresentam apenas como

investigadores da verdade Do que foi dito facilmente qualquer um poderaacute perceber

que quando Aristoacuteteles progride do Nome e do Verbo para a Enunciaccedilatildeo e depois da

Enunciaccedilatildeo para o silogismo conserva tanto a ordem da natureza como do

ensinamento Da natureza porque avanccedila das partes que satildeo mais antigas na origem e

na natureza em direcccedilatildeo ao todo Do ensinamento porque a noccedilatildeo das partes eacute

necessaacuteria para a compreensatildeo absoluta do todo

Estrutura da obra Esta obra para os gregos compreende apenas um livro

para os Latinos tem dois A sua doutrina divide-se entre o prefaacutecio e o proacuteprio tratado

O prefaacutecio apresenta uma espeacutecie de suacutemula dos aspectos que devem ser tratados e estaacute

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 43

contido no primeiro capiacutetulo O tratado ocupa a parte restante dissertando

paulatinamente sobre cada aspecto De facto no iniacutecio eacute sobre as partes da Enunciaccedilatildeo

depois sobre a proacutepria Enunciaccedilatildeo suas disposiccedilotildees quantidade qualidade e oposiccedilatildeo

que investiga especialmente nas proposiccedilotildees sobre o acontecimento futuro Estas

questotildees ocupam por completo o livro primeiro O segundo dedica-se agrave explicaccedilatildeo das

Enunciaccedilotildees Absolutas e Modais a maior parte das quais iremos remeter para o livro

dos Princiacutepios

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO DA INTERPRETACcedilAtildeO36

O que tratou no primeiro livro e o que vai tratar no segundo A obra Da

Interpretaccedilatildeo para os Gregos eacute soacute uma dividida em trecircs secccedilotildees das quais esta eacute a

uacuteltima para os Latinos divide-se em dois livros no primeiro dos quais Aristoacuteteles

tratou da enunciaccedilatildeo simples e das suas partes recordando o geacutenero as propriedades e

algumas divisotildees Neste segundo livro introduz outras divisotildees dessa mesma

enunciaccedilatildeo simples Para que estas sejam evidentes segundo o proacuteprio Aristoacuteteles no

capiacutetulo 2 do primeiro livro dos Primeiros Analiacuteticos eacute preciso saber que de entre as

enunciaccedilotildees simples algumas satildeo absolutas as quais se designam lsquosobre o serrsquo porque

nada ensinam a natildeo ser que o predicado estaacute no sujeito como lsquoo homem eacute justo o

homem natildeo eacute justorsquo e que outras satildeo modais como acontece a lsquoo homem estaacute sentadorsquo

As simples sobre o ser transmitidas sem divisotildees no livro primeiro podem ser

repartidas de dois modos

Quais satildeo as enunciaccedilotildees infinitas e quais as finitas Primeiro em infinitas e finitas as

infinitas satildeo define Aristoacuteteles as que satildeo constituiacutedas por um nome infinito (entenda-

se ou por um verbo independentemente do que os Lovanienses reclamam com Boeacutecio)

por exemplo lsquoo homem eacute natildeo justorsquo ou lsquonatildeo homem eacute justo as finitas satildeo as que nada

tecircm de infinito como lsquoo homem eacute justorsquo lsquoo homem natildeo eacute justorsquo Segundo em

enunciaccedilotildees de extremo complexo como lsquoSoacutecrates eacute um homem justorsquo e de extremo

natildeo complexo ou como dizem dividido tais como lsquo Soacutecrates eacute homem Soacutecrates eacute

justorsquo Aristoacuteteles portanto nos dois primeiros capiacutetulos deste livro disserta sobre as

proposiccedilotildees do ser segundo uma e outra divisatildeo No terceiro sobre as modais No

quarto responde a uma duacutevida levantada pelo que foi dito S Tomaacutes Alberto e outros

36 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 44

inteacuterpretes natildeo consideram que estas condiccedilotildees finito e infinito complexo e diviso etc

sejam diferenccedilas que dividam a enunciaccedilatildeo mas acidentes que modificam o predicado

ou o sujeito ou o verbo embora entendam que natildeo satildeo diferenccedilas essenciais natildeo

negam que sejam acidentais o que para noacutes eacute suficiente Pareceu-nos bem apresentaacute-las

entatildeo de acordo com as divisotildees para que este ensinamento seja consentacircneo com

aquele que se transmite no terceiro livro dos Princiacutepios desta Academia

COMENTAacuteRIOS AOS LIVROS DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA

SOBRE OS PRIMEIROS ANALIacuteTICOS 37

SOBRE O TIacuteTULO O ASSUNTO A DIVISAtildeO E A ORGANIZACcedilAtildeO DESTES LIVROS

Nota acerca do tiacutetulo Estes dois livros e os outros dois que se seguem satildeo

designados por Aristoacuteteles com o nome comum de ἄναλυτικὰ isto eacute lsquoanaliacuteticosrsquo ou

lsquolivros analiacuteticosrsquo como se constata a partir do capiacutetulo 1 do livro 2 Da Interpretaccedilatildeo

bem como do capiacutetulo 2 do livro 1 dos Elencos do 3ordm do livro 6 da Eacutetica a Nicoacutemaco e

do 12ordm do livro 7 da Metafiacutesica aleacutem de outras passagens Distinguem-se entatildeo entre

si porque os dois primeiros intitulam-se ἄναλυτικῶν προτέρων isto eacute lsquodos primeiros

analiacuteticosrsquo ou lsquoda primeira anaacutelisersquo E os outros dois ἄναλυτικῶν ύστέρων isto eacute lsquodos

segundos analiacuteticosrsquo ou lsquo da segunda anaacutelisersquo

No entanto esta distinccedilatildeo do tiacutetulo natildeo parece ter sido aplicada por Aristoacuteteles

mas pelos seus inteacuterpretes como notou Galeno no livro em que faz uma recensatildeo das

suas obras De facto Aristoacuteteles quando faz menccedilatildeo destes livros em separado chama

aos dois primeiros lsquodo raciociacuteniorsquo e aos segundos lsquoda demonstraccedilatildeorsquo como se torna

evidente no primeiro dos Segundos Analiacuteticos capiacutetulo 3

O que eacute a Anaacutelise Ora para que se entenda qual a razatildeo deste tiacutetulo dever-se-aacute ter em

conta que segundo Aristoacuteteles no livro III da Fiacutesica capiacutetulo 5 texto 45 bem como

Alexandre e Filoacutepono no mesmo ponto a anaacutelise nada eacute senatildeo a reconversatildeo de alguma

coisa agraves suas partes ou princiacutepios como quando uma casa eacute decomposta nas pedras

madeiras cal e restantes mateacuterias com que foi construiacuteda se natildeo de verdade pelo

menos pela mente e pela cogitaccedilatildeo E quando a geraccedilatildeo eacute dividida em mateacuteria privaccedilatildeo

e forma

37 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 45

Dois tipos de reconversatildeo Ora esta reconversatildeo eacute variada e largamente

evidente nos ensinamentos como verificaram S Damasceno no capiacutetulo 1 da sua

Filosofia Filoacutepono nesta obra Eustraacutecio no iniacutecio do livro II dos Segundos Os

dialeacutecticos poreacutem transmitem dois geacuteneros que lhe satildeo proacuteprios e peculiares um da

consequecircncia a que Eustraacutecio chama silogiacutestico o outro do consequente

O que eacute a anaacutelise da consequecircncia A anaacutelise da consequecircncia eacute a reduccedilatildeo da

consequecircncia aos seus princiacutepios Ora os princiacutepios da consequecircncia satildeo os termos e as

proposiccedilotildees adequada e congruentemente colocados segundo a forma para inferir algo

Dissolver a consequecircncia eacute mostrar a sua qualidade E assim dizemos entatildeo

que decompomos a consequecircncia quando demonstramos a sua qualidade porque eacute

constituiacuteda pelos termos e proposiccedilotildees adequadamente dispostos pelas regras da arte e

segundo os modos e figuras para tirar conclusotildees

O que eacute a anaacutelise do consequente Quais os princiacutepios do consequente A anaacutelise do

consequente eacute a reduccedilatildeo do consequente aos seus princiacutepios Na verdade os princiacutepios

do consequente satildeo os termos e as proposiccedilotildees com conclusatildeo que se produzem quando

estatildeo devidamente associadas e coerentes segundo a mateacuteria Logo dir-se-aacute que

decompotildee o consequente quem por exemplo demonstrar que a conclusatildeo inferida se

deduz dos princiacutepios que contecircm em si a causa da verdade da conclusatildeo

Decompor o consequente eacute demonstrar a conclusatildeo inferida dos princiacutepios

verdadeiros De onde se compreende que a Dialeacutectica natildeo soacute decompotildee a ponto de se

deter na descoberta e observaccedilatildeo das partes como julga acerca de todos os assuntos e

pondera a sua exactidatildeo do mesmo modo que os pedreiros medem os comprimentos da

obra com reacutegua e fio de prumo as alturas com o niacutevel e os acircngulos com o esquadro

Por que se designam livros analiacuteticos Ora como estes quatro livros expotildeem a

doutrina das duas anaacutelises satildeo designados lsquoanaliacuteticosrsquo ou lsquoda decomposiccedilatildeorsquo Os

primeiros satildeo sobre a primeira decomposiccedilatildeo os outros dois sobre a segunda porque

nuns se trata da decomposiccedilatildeo da consequecircncia que eacute anterior e nos outros da

decomposiccedilatildeo do consequente que vem depois para que de facto a verdade e a ilaccedilatildeo

do consequente se mostre como deve ser conveacutem que primeiro se constante a qualidade

da consequecircncia

Por que eacute estes livros se designam lsquosobre a decomposiccedilatildeorsquo Todavia poderaacute

algueacutem perguntar e com razatildeo tendo em conta que nestes livros natildeo soacute se ensina a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 46

decomposiccedilatildeo mas tambeacutem a composiccedilatildeo e a estrutura a que os gregos chamam

σύνθησις por que razatildeo o seu nome foi dado preferencialmente a partir da

decomposiccedilatildeo e natildeo da composiccedilatildeo Respondemos que a causa eacute o facto de as partes

que constituem o silogismo e a demonstraccedilatildeo chegarem de forma mais distinta agrave

observaccedilatildeo da mente atraveacutes da decomposiccedilatildeo porque se escondem na proacutepria

composiccedilatildeo por estarem agrupadas e misturadas E depois porque eacute mais faacutecil

completar um raciociacutenio do que dividir um jaacute feito nos vaacuterios elementos a partir dos

quais se desenvolveu o primeiro processo faz-se muitas vezes pelo engenho o outro

natildeo se faz senatildeo pelos preceitos E assim quem sabe decompor sabe tambeacutem compor

mas natildeo o contraacuterio como dissemos na introduccedilatildeo com o apoio de Eustraacutecio

Primeira posiccedilatildeo sobre o assunto destes livros No que diz respeito ao assunto

destes livros haveraacute talvez quem considere com Clichthove e Marsiacutelio que eacute a

argumentaccedilatildeo porque neles se disserta sobre todas as suas partes nomeadamente do

Raciociacutenio do Entimema da Induccedilatildeo e do Exemplo

Segunda Outros haveraacute que com Averroacuteis e Alexandre pensem que eacute a demonstraccedilatildeo

porque Aristoacuteteles no iniacutecio deste primeiro livro promete que vai tratar da

demonstraccedilatildeo

A terceira que eacute a verdadeira ensina que eacute o silogismo simples Todavia deve abraccedilar-

se a posiccedilatildeo de Alberto Magno de Egiacutedio de Filoacutepono dos comentadores de Lovaina e

de outros inteacuterpretes que acreditam que o assunto atribuiacutedo aos Primeiros analiacuteticos eacute o

silogismo simples apreciado segundo a forma isto eacute sem considerar nenhuma razatildeo de

alguma mateacuteria particular em que se desenvolva e de facto nestes livros trata-se destas

coisas de acordo com o objectivo instituiacutedo e natildeo se disserta sobre o entimema nem

sobre outras partes da argumentaccedilatildeo a natildeo ser por causa do silogismo

Haacute dois tipos de silogismos Dissemos o silogismo simples e natildeo um qualquer

porque como haacute dois tipos de silogismos ndash um simples constituiacutedo a partir de

enunciaccedilotildees simples e outro hipoteacutetico que eacute formado pelas complexas e associadas ndash

Aristoacuteteles tratou apenas o primeiro tipo e natildeo o segundo pelo menos natildeo

separadamente nas obras conhecidas ateacute agora mas de passagem nos Toacutepicos ao

explicar os lugares pelos antecedentes e consequentes e pela comparaccedilatildeo como se pode

ver no segundo e no terceiro livros desta obra Ora Teofrasto e Eudemo Peripateacuteticos

escreveram algo sobre este silogismo e foram imitados por Boeacutecio Filoacutepono tambeacutem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 47

neste livro nos comentaacuterios ao capiacutetulo 22 aflora sumariamente o que tinha sido

transmitido por eles sobre o mesmo assunto Alguns aspectos refere tambeacutem Dioacutegenes

Laeacutercio na Vida de Zenatildeo Ciacutetio cujos alunos colocaram muito empenho neste tipo de

silogismos

Qual eacute o principal assunto destes livros e por que se adequa Nada obsta agrave

nossa posiccedilatildeo sobre o assunto destes livros o que Aristoacuteteles diz na primeira abordagem

desta obra sobre a intenccedilatildeo de tratar da demonstraccedilatildeo Faacute-lo por isto para mostrar que

o principal assunto ao qual a doutrina das duas anaacutelises se refere como escopo eacute a

demonstraccedilatildeo o que natildeo impede que o principal mas tambeacutem o assunto particular

destes dois livros seja o raciociacutenio como ele proacuteprio indicou claramente no capiacutetulo 4

do livro 1 onde anuncia que vai tratar do raciociacutenio E se algueacutem objectar que o

silogismo eacute o assunto de toda a Dialeacutectica conforme foi transmitida por Aristoacuteteles e

que por isso natildeo pode ser o assunto atribuiacutedo a estes livros responder-se-aacute que o

silogismo pode ser entendido de dois modos ou segundo a forma e a mateacuteria em

simultacircneo ndash e considerando em particular que esta eacute demonstrativa provaacutevel sofiacutestica

apoacutecrifa ou segundo a forma e a mateacuteria passiacutevel de ser provada mas no geral e sem

avaliar nenhuma em particular Na primeira acepccedilatildeo o silogismo eacute assunto de toda a

Dialeacutectica aristoteacutelica Na segunda poreacutem apenas destes livros

SOBRE A ORGANIZACcedilAtildeO E A DIVISAtildeO DESTES LIVROS

Apresenta-se a opiniatildeo dos modernos A Dialeacutectica estaacute distribuiacuteda em trecircs

partes segundo os Estoacuteicos Sobre o lugar que estes livros reivindicam entre os

restantes segundo a organizaccedilatildeo do ensino haacute um dissiacutedio Isto porque alguns dos

filoacutesofos modernos consideram que os Primeiros Analiacuteticos natildeo antecedem os Toacutepicos

levados pelo argumento de que a Dialeacutectica segundo a posiccedilatildeo dos Estoacuteicos que os

Peripateacuteticos natildeo desmentem se distribui em inuentio iudicium e dispositio A inuentio

eacute por natureza anterior agrave dispositio como atesta Marco Tuacutelio nos Toacutepicos E

demonstra-o com um exemplo da Arquitectura Se algueacutem decide construir uma casa

comeccedila por preparar as pedras as madeiras a cal e outros materiais deste tipo depois

de trabalhadas todas estas coisas e polidas pela arte reuacutene-as adequadamente entre si e

coloca cada uma no seu lugar Ora a inuentio eacute semelhante agravequela primeira preparaccedilatildeo

da futura obra e a dispositio agrave sua adequada construccedilatildeo E por isso tendo Aristoacuteteles

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 48

estudado a inuentio nos livros dos Toacutepicos e a dispositio nos Analiacuteticos parece que os

Toacutepicos devem explicar-se antes dos Analiacuteticos de acordo com a convencionada ordem

da disciplina

Rejeita-se a posiccedilatildeo anterior No entanto natildeo se pode admitir esta opiniatildeo

Mais precisamente que a inuentio eacute anterior ao iudicium e agrave dispositio isto deve

entender-se apenas quando estas duas partes versam sobre uma uacutenica e mesma coisa o

que na mateacuteria tratada natildeo acontece De facto a inventio nos Toacutepicos e a dispositio nos

Analiacuteticos natildeo dizem respeito agrave mesma coisa visto que nos Toacutepicos se explica somente

a inuentio dos argumentos provaacuteveis como se torna evidente no desenvolvimento dessa

obra nos Primeiros Analiacuteticos transmite-se indiscriminadamente a dispositio ou a

colocaccedilatildeo de todos os argumentos segundo a forma No entanto como notou Boeacutecio

nos Toacutepicos de Ciacutecero quando se divide a Dialeacutectica em razatildeo da definiccedilatildeo da divisatildeo

e da argumentaccedilatildeo em qualquer uma destas partes a inuentio e o iudicium tecircm lugar E

natildeo eacute uma qualquer acumulaccedilatildeo dos conceitos que produz a definiccedilatildeo a divisatildeo e a

argumentaccedilatildeo mas tem de ser determinada e constrangida por determinadas leis E

assim conveacutem investigar primeiro e inventariar as partes da definiccedilatildeo e depois dispocirc-

las adequadamente o que acontece de forma semelhante na divisatildeo e na argumentaccedilatildeo

Nestes livros estatildeo contidos simultaneamente a inuentio e o iudicium

Certamente nos Analiacuteticos e nos Toacutepicos natildeo eacute soacute a inuentio nem soacute a dispositio mas

satildeo ambas que se transmitem abertamente Pois Aristoacuteteles estuda na primeira secccedilatildeo

dos Primeiros Analiacuteticos a estrutura das figuras e os modos dos silogismos que

pertencem agrave dispositio e ao iudicium na segunda a inuentio geral do argumento ou do

meio e na terceira de novo o iudicium jaacute do raciociacutenio constituiacutedo De igual modo no

livro 1 dos Segundos Analiacuteticos disserta sobre a composiccedilatildeo e o iudicium da

demonstraccedilatildeo e no segundo sobre a inuentio da definiccedilatildeo que eacute meio da demonstraccedilatildeo

E nos Toacutepicos quer no 1ordm quer no 8ordm livro investiga a dispositio e nos restantes seis a

inuentio Em relaccedilatildeo a isto embora a inuentio seja anterior agrave dispositio no costume da

arte ndash pois conveacutem inventariar antes e depois dispor o que foi inventariado ndash todavia

natildeo eacute preciso que se ensine sempre primeiro a inuentio Acontece por vezes transmitir-

se antes a dispositio naturalmente quando a inuentio natildeo pode ser perfeitamente

inteligida sem a noccedilatildeo preacutevia da dispositio Este meacutetodo de ensino seguiu Aristoacuteteles na

maior parte dos dois livros Analiacuteticos como se constata do que foi dito

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 49

Quem pensa que a disputa dos Toacutepicos eacute anterior agrave dos Analiacuteticos Por isso

alguns Dialeacutecticos modernos assumindo o argumento pela precedecircncia da inuentio

provam erradamente que a disputa dos Toacutepicos eacute anterior agrave dos Analiacuteticos e natildeo tecircm

uma opiniatildeo correcta Pois postula a razatildeo da doutrina exacta como adverte Aristoacuteteles

no capiacutetulo 4 deste livro bem como no iniacutecio da Fiacutesica e no primeiro livro das Partes

dos animais capiacutetulo 4 que noacutes progredimos do mais comum para o menos comum e

dos geacuteneros para a espeacutecie Esta razatildeo da ciecircncia que se deve ensinar comprova-a

Soacutecrates no Fedro de Platatildeo e diz que foi transmitida por Hipoacutecrates como tinha

recomendado anteriormente no livrinho Da Natureza humana E por isso tendo tratado

nestes dois livros do raciociacutenio dialeacutectico que eacute dessa espeacutecie daiacute resulta que esta

disputa deva ser lanccedilada antes dos Toacutepicos

Transmite-se a posiccedilatildeo verdadeira E assim esta obra vem depois dos livros

Da Interpretaccedilatildeo e imediatamente antes dos livros dos Segundos Analiacuteticos porque

depois da explicaccedilatildeo dos conceitos simples e dos enunciados a partir dos quais se

constitui o raciociacutenio simples eacute o que se segue para que se dispute do silogismo

simples e sucede a esta disputa o tratado analiacutetico da demonstraccedilatildeo que eacute a espeacutecie

mais importante do silogismo simples

Sobre o nuacutemero dos livros Analiacuteticos Filoacutepono nesta obra e Mirandula no

livro 4 De examine uanitatis capiacutetulo 4 referem terem existido quarenta livros

analiacuteticos sob o nome de Aristoacuteteles descobertos outrora na Biblioteca de Filadelfo

Ptolomeu rei do Egipto Consta que teriam sido naturalmente compostos por Eudemo

Teofrasto e Facircnias por imitaccedilatildeo do seu mestre Aristoacuteteles alguns livros sobre as

Categorias e a interpretaccedilatildeo bem como analiacuteticos De entre eles eacute provaacutevel que muitos

tenham sido apresentados ao rei com a esperanccedila de obter lucros sob o tiacutetulo de

Aristoacuteteles para aumentar a magnificecircncia da sua copiosa biblioteca Laeacutercio na Vida

de Aristoacuteteles enumera nove livros dos Primeiros Analiacuteticos para aleacutem de dois sobre o

silogismo Na verdade o cataacutelogo de Laeacutercio natildeo corresponde satisfatoriamente aos

livros de Aristoacuteteles que chegaram ateacute noacutes Ora bem no que diz respeito aos que temos

sobre a mateacuteria tratada nos primeiros dois ndash que Alexandre Filoacutepono Galeno e outros

inteacuterpretes esclareceram com comentaacuterios ndash estaacute contida a doutrina da primeira anaacutelise

e no primeiro para falarmos em traccedilos gerais Aristoacuteteles disserta sobre a natureza do

raciociacutenio No segundo revela as suas faculdades bem como as disposiccedilotildees e os viacutecios

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 50

que nelas se encontram Quatildeo grande eacute de facto a necessidade desta arte atesta-o

Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica capiacutetulo 4 texto 9 quando chama ao seu

desconhecimento απαιδευσία por excelecircncia isto eacute lsquorudeza ou ignoracircnciarsquo

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO DOS PRIMEIROS ANALIacuteTICOS DE

ARISTOacuteTELES38

Os Analiacuteticos como algumas outras obras de Aristoacuteteles estatildeo divididos em

secccedilotildees Mas a divisatildeo em capiacutetulos natildeo eacute da responsabilidade de Aristoacuteteles nem dos

inteacuterpretes gregos Portanto se tivermos em atenccedilatildeo as secccedilotildees a que Aristoacuteteles chama

στῆματα este livro conteacutem trecircs secccedilotildees

Divisatildeo dos Analiacuteticos em secccedilotildees Na primeira depois de transmitido o objectivo

principal bem como a mateacuteria de toda a disciplina da decomposiccedilatildeo e lanccedilados os seus

fundamentos explica-se por que artifiacutecio se deve construir o raciociacutenio tanto a partir

das proposiccedilotildees sobre o ser como das modais Na segunda ensina-se de que modo se

descobre o meio para raciocinar Na terceira de que forma os silogismos construiacutedos

para uma determinada figura e modo devem ser decompostos e examinados

Sua divisatildeo em capiacutetulos Se pelo contraacuterio olharmos para os capiacutetulos do primeiro ateacute

ao vigeacutesimo primeiro inclusive trata-se da referida estrutura e composiccedilatildeo dos

silogismos Do vigeacutesimo primeiro ao trigeacutesimo segundo inclusive transmite-se a razatildeo

para descobrir o meio e preparar a abundacircncia de proposiccedilotildees para raciocinar Do

trigeacutesimo segundo ao quadrageacutesimo segundo que eacute o uacuteltimo capiacutetulo deste livro

disserta-se sobre a decomposiccedilatildeo e o exame dos silogismos E nestes quarenta e dois

capiacutetulos dividiu Boeacutecio o primeiro livro que outros dispuseram em menos

COMENTAacuteRIOS AOS LIVROS DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA SOBRE OS

SEGUNDOS ANALIacuteTICOS39

TIacuteTULO E MEacuteTODO DESTES LIVROS ETC

O que havia para explicar neste ponto sobre o tiacutetulo e o meacutetodo destes livros

consta claramente dos aspectos que aprofundaacutemos no iniacutecio dos livros dos Primeiros

38 Trad FM39 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 51

Analiacuteticos e a partir daiacute qualquer um poderaacute facilmente compreender qual eacute a mateacuteria

subjacente a esta obra

A anaacutelise eacute dupla Qual diz respeito a este livro Na verdade como a anaacutelise eacute dupla ndash

uma relativa agrave forma a outra agrave mateacuteria ndash e como a primeira foi tratada naquele lugar daiacute

resulta que a outra tenha sido reservada para este livro

A mateacuteria subjacente a esta obra eacute o silogismo demonstrativo Assim sendo Aristoacuteteles

ensina nestes livros a desfazer e decompor o silogismo na mateacuteria natildeo numa qualquer

mas na mais importante de todas a que eacute necessaacuteria e demonstrativa por isso se torna

evidente que o assunto destes livros eacute o silogismo demonstrativo cuja anaacutelise se transmite

nele em particular como eacute posiccedilatildeo comum dos inteacuterpretes Gregos e Latinos e tambeacutem do

proacuteprio Aristoacuteteles no livro 1 dos Primeiros capiacutetulo 4 onde afirma que o seu propoacutesito

eacute tratar da demonstraccedilatildeo nesta obra

Argumenta-se que o assunto eacute tambeacutem a definiccedilatildeo Todavia Averroacuteis neste

local bem como o Lincolniense seguindo Alexandre e Teofrasto pensam que nestes

livros natildeo se considera apenas a demonstraccedilatildeo mas tambeacutem a definiccedilatildeo em si mesma e

de tal modo que a sua mateacuteria conteacutem natildeo soacute a demonstraccedilatildeo mas tambeacutem a definiccedilatildeo

O que tambeacutem se pode confirmar pelo facto de no segundo livro desta obra Aristoacuteteles

tratar da inventio da definiccedilatildeo E aleacutem disso porque como a definiccedilatildeo faz parte do

modo de dissertar esse estudo pertenceraacute ao Loacutegico ora uma vez que Aristoacuteteles em

nenhum lugar para aleacutem do referido dissertou sobre essa mateacuteria conclui-se que o

assunto desta obra compreende natildeo soacute a demonstraccedilatildeo como tambeacutem a definiccedilatildeo em si

mesma Natildeo teraacute ecircxito quem responder que a definiccedilatildeo pertence agrave doutrina dos Toacutepicos

pois Aristoacuteteles natildeo ensina a construir a definiccedilatildeo nos Toacutepicos mas examina-a jaacute

construiacuteda como notou Alexandre no mesmo lugar

Defende-se a verdadeira posiccedilatildeo e responde-se ao fundamento da outra Ora

estes argumentos nada produzem contra a posiccedilatildeo que aprovaacutemos Pois em relaccedilatildeo ao

primeiro deve dizer-se com Eustraacutecio no iniacutecio do livro segundo desta obra e Egiacutedio

no proeacutemio do primeiro livro dos Primeiros Analiacuteticos que Aristoacuteteles no lugar citado

natildeo pretendeu40 por princiacutepio tratar da definiccedilatildeo mas apenas da demonstraccedilatildeo Em

relaccedilatildeo ao segundo haacute quem responda que Aristoacuteteles natildeo quis escrever separadamente

40 Obseruit parece forma de obseruire que o dicionaacuterio natildeo regista Talvez corruptela de obseruare ou seruire

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 52

sobre a definiccedilatildeo por ter considerado que nela havia menos dificuldade e assim

dedicou-se por completo agrave argumentaccedilatildeo e ao esclarecimento das suas partes

Obras em que Aristoacuteteles teraacute tratado da definiccedilatildeo Todavia parece-nos provaacutevel a

posiccedilatildeo de Alberto Magno no primeiro tratado da sua Loacutegica capiacutetulo 5 quando

pondera que esta parte da Dialeacutectica natildeo foi negligenciada nem esquecida por

Aristoacuteteles mas sacrificada pela injuacuteria dos tempos e que sobre ela teriam existido

escritos da sua autoria certamente registados no cataacutelogo em que estatildeo os livros da

Loacutegica editados por Aristoacuteteles entre os que natildeo satildeo conhecidos enumeram-se cinco

livros das definiccedilotildees e um livro das divisotildees que talvez contivessem essa doutrina

Qual eacute a ordem destes livros em relaccedilatildeo aos outros dialeacutecticos Sobre a ordem

destes livros natildeo deixam de discutir os inteacuterpretes Pois para natildeo repetir o que

escrevemos no iniacutecio dos Primeiros sobre essa questatildeo Filoacutepono e Avicena que Averroacuteis

recorda no proacutelogo deste livro pensam que os Toacutepicos devem ser interpostos entre os

livros da primeira e estes da segunda decomposiccedilatildeo O que Filoacutepono justifica alegando

que tal como a mente se dispotildee e se prepara para o conhecimento demonstrativo e para a

ciecircncia com os argumentos mais provaacuteveis assim a doutrina dos provaacuteveis que se

transmite nos Toacutepicos se deve explicar antes da demonstrativa O mesmo confirma

Avicena com este fundamento deve avanccedilar-se dos mais comuns para os menos comuns

mas os provaacuteveis de que se trata nos Toacutepicos satildeo mais comuns do que os demonstrativos

que se explicam nesta obra pois afirma todos os demonstrativos satildeo provaacuteveis mas natildeo

o contraacuterio logo os Toacutepicos devem antepor-se a estes livros

Estes livros precedem os Toacutepicos Deve todavia defender-se a opiniatildeo

contraacuteria que Alexandre segue no primeiro dos Elencos capiacutetulo quarto bem como

Alberto Magno no primeiro tratado deste livro capiacutetulo primeiro e ainda Algazel e

Alfarabi como atesta o proacuteprio Alberto no capiacutetulo segundo do mesmo tratado S

Tomaacutes e Averroacuteis no proeacutemio deste livro bem como outros Autores asseveram que

estes livros estatildeo proximamente ligados aos que tratam da primeira decomposiccedilatildeo O

que demonstra suficientemente a sequecircncia da doutrina e se pode concluir de

Aristoacuteteles no livro 1 dos Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo 4 onde disse ter estabelecido

para si mesmo estudar a fundo a demonstraccedilatildeo No entanto conveacutem comeccedilar pelo

silogismo porque se deve explicar primeiro o que eacute mais comum e depois o que eacute

menos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 53

Responde-se aos fundamentos dos outros Ao argumento de Filoacutepono deve

responder-se que embora para se provar algo se admita primeiro as razotildees provaacuteveis se

elas forem suficientes e depois se costume de facto apresentar as demonstrativas todavia

as coisas datildeo-se de outro modo no ensino da disciplina do silogismo demonstrativo e

provaacutevel quando a razatildeo do meacutetodo e a ordem como consta do que jaacute foi dito pedem que

dissertemos primeiro sobre umas e depois sobre as outras Ao argumento de Avicena deve

conceder-se o que assume mas negar-se que os provaacuteveis como mais comuns contecircm em

si os demonstrativos pois satildeo elementos opostos entre si como se torna evidente da

divisatildeo do silogismo em Demonstrativo e Dialeacutectico Apoacutecrifo e Sofiacutestico a partir dos

quais se constitui o dialeacutectico dos provaacuteveis e o demonstrativo dos necessaacuterios e assim

natildeo os provaacuteveis mas os probatoacuterios isto eacute aptos e idoacuteneos para comprovar mostram-se

mais abrangentes que os demonstrativos porque estes requerem uma mateacuteria determinada

e definitiva sem duacutevida necessaacuteria e os outros existem indiscriminadamente em relaccedilatildeo a

toda a mateacuteria pela qual se pode provar alguma coisa

Quando se deve comeccedilar pelos mais comuns Porque se algueacutem chamar mais

comuns na questatildeo proposta agravequeles por assim dizer comuns de direito que circulam

pela maioria ou por quase todas as ciecircncias e que deste modo se consideram os

provaacuteveis entatildeo teraacute de se contestar que se deve comeccedilar pelos que se dizem mais

comuns neste sentido Na verdade quando Hipoacutecrates Platatildeo Aristoacuteteles e outros

Filoacutesofos afirmam que noacutes devemos comeccedilar pelos mais comuns chamam mais comuns

agravequeles que ao predicar se mostram mais abrangentes e natildeo aos que por qualquer outro

modo servem para vaacuterias disciplinas

Maacutexima importacircncia deste tratado entre os escritos dialeacutecticos Entatildeo tendo

avaliado a nobreza da doutrina principalmente por duas razotildees que satildeo a importacircncia e a

veracidade da mateacuteria abordada como ensina Aristoacuteteles no iniacutecio dos livros Sobre a

Alma se considerarmos a primeira causa eacute evidente que esta parte da Loacutegica deve ser

anteposta agraves restantes como Alberto Magno adverte no primeiro capiacutetulo deste livro visto

que entre os restantes modos de dissertar o silogismo obteacutem o lugar principal e entre os

silogismos a demonstraccedilatildeo pois o necessaacuterio e o demonstrativo satildeo muito mais nobres do

que o provaacutevel Daiacute que Ptolomeu no primeiro do Almagesto recomende que natildeo

procuremos os provaacuteveis mas os demonstrativos que satildeo invariaacuteveis e perpeacutetuos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 54

Tambeacutem em funccedilatildeo da segunda causa esta parte da Dialeacutectica obteacutem grande dignidade

pois eacute sobre a mateacuteria estaacutevel e determinada tal como a natureza da demonstraccedilatildeo

Mas Aristoacuteteles cultivou-a de forma tatildeo subtil e apurada que Alexandre de

Afrodiacutesia teraacute dito justamente que ele ensinou a demonstrar demonstrando Todavia

Temiacutestio no proeacutemio da sua Paraacutefrase a este livro lamenta a obscuridade desta obra

pois geralmente ndash diz ndash todos os escritos de Aristoacuteteles quanto agrave composiccedilatildeo se

encontram por assim dizer cobertos e repletos de um certo fumo o que se percebe

sobretudo nesta obra tanto por causa do proacuteprio tipo de elocuccedilatildeo que aqui (porventura

em qualquer parte) eacute o mais conciso e preciso possiacutevel como por causa dos capiacutetulos

que parecem dispostos sem qualquer ordenaccedilatildeo

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO DOS SEGUNDOS ANALIacuteTICOS DE

ARISTOacuteTELES41

Na demonstraccedilatildeo podemos observar quatro aspectos principais mateacuteria

forma fim e meio de demonstrar sobre o uacuteltimo disserta o Filoacutesofo no livro seguinte

neste livro estuda os trecircs primeiros pela mesma ordem com que os apresentaacutemos

Disposiccedilatildeo do primeiro livro E assim do primeiro capiacutetulo ateacute ao deacutecimo explica a

mateacuteria da demonstraccedilatildeo Do undeacutecimo ateacute ao 22ordm expotildee qual a figura mais adequada agrave

demonstraccedilatildeo Do capiacutetulo 23ordm ateacute ao fim do livro disputa longamente sobre a ciecircncia

que eacute o efeito e o fim da demonstraccedilatildeo e ora compara as ciecircncias entre si ora com os

outros haacutebitos da alma Aleacutem do mais porque nos artefactos tanto a mateacuteria como a

forma se adaptam ao mesmo fim explica brevemente no iniacutecio do livro de que tipo

seraacute a ciecircncia que eacute o fim da demonstraccedilatildeo

PROEacuteMIO AO LIVRO SEGUNDO DOS SEGUNDOS ANALIacuteTICOS DE

ARISTOacuteTELES42

Posiccedilotildees vaacuterias sobre a mateacuteria deste livro Relativamente ao intuito de

Aristoacuteteles neste livro nem todos tecircm igual parecer pois Teofrasto e Alexandre

acreditam que a definiccedilatildeo se apresentou como escopo a Aristoacuteteles pelo facto de ser um

41 Trad FM42 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 55

outro modo de conhecer pela demonstraccedilatildeo que conveacutem explicar em si mesma S

Tomaacutes acredita que a mateacuteria eacute o princiacutepio da demonstraccedilatildeo como se abstrai do simples

e do complexo e eacute conduzido por esse argumento que o Filoacutesofo disserta no uacuteltimo

capiacutetulo sobre os princiacutepios complexos e nos precedentes sobre as causas e a definiccedilatildeo

que natildeo satildeo complexas

Refutaccedilatildeo Afinal nenhuma posiccedilatildeo eacute satisfatoacuteria A primeira natildeo porque o proacuteprio

Aristoacuteteles no capiacutetulo quarto do livro 1 dos Primeiros afirma que estes livros se

dedicam agrave demonstraccedilatildeo e que por causa disso neste natildeo explica a definiccedilatildeo por

princiacutepio mas apenas em funccedilatildeo da razatildeo pela qual estaacute sujeita agrave demonstraccedilatildeo e na

verdade Alberto no tratado 1 sobre a Loacutegica capiacutetulo 1 considera que falta o seu

estudo proacuteprio A segunda tambeacutem natildeo porque se disputou sobre os princiacutepios

complexos em si mesmos no livro primeiro e em breve descobriremos por que razatildeo se

faz menccedilatildeo delas no presente livro

O meio demonstrativo eacute a mateacuteria Logo a verdadeira posiccedilatildeo que transmitem

Simpliacutecio Eustraacutecio e Alberto assevera que o escopo deste livro eacute dar a conhecer a

inuentio do meio demonstrativo natildeo seria pois exacta a explicaccedilatildeo da demonstraccedilatildeo se

natildeo se transmitisse publicamente o meio em que ela deve estabelecer-se porque como

ensinou o proacuteprio Aristoacuteteles no livro 2 dos Primeiros capiacutetulo 28 natildeo basta conhecer

a estrutura do silogismo se natildeo se chegar agrave capacidade de os realizar que eacute concedida

pela inuentio do meio Entatildeo tendo-se explanado no livro anterior que a demonstraccedilatildeo

eacute um tipo de silogismo bem como as suas partes propriedades e efeitos daiacute resulta que

neste livro se dispute sobre o seu meio

Divisatildeo de todo o livro Divide-se entatildeo o livro em duas partes Na primeira que

compreende dez capiacutetulos porque a definiccedilatildeo eacute o meio mais importante da

demonstraccedilatildeo disputa-se largamente sobre ela na segunda que conteacutem os restantes

oito capiacutetulos demonstra-se que natildeo soacute a definiccedilatildeo mas todas as causas podem ser

meios de demonstrar No entanto uma vez que o meio estaacute contido nos princiacutepios faz-

se uma digressatildeo no uacuteltimo capiacutetulo para mostrar de que modo se teriam gerado os

princiacutepios da demonstraccedilatildeo

Mas na verdade embora consideremos a doutrina deste livro extremamente

uacutetil para o conhecimento perfeito da demonstraccedilatildeo todavia ou por ser conspiacutecua em si

ou por a termos transmitido na sua maior parte no livro anterior uma uacutenica questatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 56

sobre o meio constitui a mateacuteria de todo o livro Satisfeitos vamos abster-nos de

comentaacuterios mais longos porque quanto mais fazemos algo de boa vontade tanto mais

vemos o mesmo feito pelos outros Aleacutem disso estamos a compor um manual para a

escola que natildeo queremos aumentar de mais com coisas menos necessaacuterias

COMENTAacuteRIOS AO PRIMEIRO LIVRO DOS TOacutePICOS DE

ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA43

SOBRE O AUTOR A MATEacuteRIA A ORDEM E A UTILIDADE DESTA OBRA

O proacuteprio Aristoacuteteles afastou a ambiguidade da primeira questatildeo no livro 2 Do

Peri hermeneias capiacutetulo 2 e no livro 1 dos Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo 2 lugares

em que atribui a si proacuteprio a autoria desta obra No que diz respeito agrave mateacuteria sendo o

silogismo uacutetil de qualquer modo para confirmar ou refutar alguma coisa divide-se em

quatro tipos a saber Demonstrativo Apoacutecrifo Dialeacutectico e Sofiacutestico e como se

disputou nos dois uacuteltimos livros sobre o Demonstrativo e Apoacutecrifo resta apenas que

nos livros seguintes se disserte sobre os outros dois o que Aristoacuteteles dispocircs de modo a

disputar nestes oito livros sobre o Dialeacutectico ou provaacutevel e no uacuteltimo que entre os

Latinos foi dividido em dois livros de Elencos estuda o Sofiacutestico

Qual o assunto desta parte Logo se procurarmos qual o assunto de toda esta parte da

Dialeacutectica haacute-de ser o silogismo que abrange o Dialeacutectico e o Sofiacutestico se apenas o

assunto destes livros que se denominam Toacutepicos seraacute o Dialeacutectico cuja disposiccedilatildeo

proacutepria eacute formar opiniatildeo De resto como para o elaborar satildeo precisas duas coisas

primeiro descobrir argumentos adequados a provar ou desaprovar a questatildeo segundo

dispor correctamente os argumentos encontrados Aristoacuteteles preserva esse meacutetodo

pois no livro primeiro lanccedila por assim dizer alguns fundamentos comuns agrave inuentio e agrave

dispositio depois estuda a inuentio nos seis livros seguintes e no oitavo somente a

dispositio

Tiacutetulo e ordem da obra Considere-se agora natildeo soacute a mateacuteria e a disposiccedilatildeo da

obra mas tambeacutem o tiacutetulo e a ordem relativamente aos restantes livros da Dialeacutectica Na

verdade pelo facto de a maior parte deles se dedicar a transmitir lsquolugaresrsquo isto eacute as

lsquoposiccedilotildees dos argumentosrsquo satildeo chamados Toacutepicos isto eacute lsquolocaisrsquoE uma vez que de

43 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 57

facto o silogismo Dialeacutectico eacute posterior na ordem da natureza e da dignidade ao

Demonstrativo com toda a razatildeo os livros dos Segundos (independentemente do que

reclama Boeacutecio) satildeo apresentados antes destes Tamanha eacute a sua utilidade que

Aristoacuteteles teraacute julgado que devia anunciar a tiacutetulo de recomendaccedilatildeo o seu objectivo

loacutegico de ensinar a discutir no Ginaacutesio mas vamos ouvi-lo dissertar sobre estas coisas

nos primeiros capiacutetulos

PROEacuteMIO DO COMENTAacuteRIO AOS DOIS LIVROS DOS ELENCOS

DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA44

Tal como aqueles que dissertam sobre os costumes para aperfeiccediloar a vontade

natildeo consideram ter cumprido a sua funccedilatildeo se tiverem estudado todos os tipos de

virtudes e as disposiccedilotildees de cada uma e indicado as leis pelas quais se podem comparar

mas sem introduzirem a natureza dos viacutecios que se lhes opotildeem bem como a razatildeo e o

meacutetodo de lhes fugir assim os que observam abertamente as acccedilotildees pelas quais o

intelecto se aperfeiccediloa natildeo devem apenas considerar as que conduzem agrave compreensatildeo

da verdade mas tambeacutem as que as desviam para os perigos dos erros Com este

conselho Aristoacuteteles depois de dissertar aturadamente nos anteriores livros dos

Toacutepicos sobre o silogismo dialeacutectico para que nada falte ao conjunto desta obra passa a

explicar as argumentaccedilotildees falaciosas e vatildes dos sofistas e ensina de que modo as

realizam para que as possamos dissolver diligentemente

O silogismo sofiacutestico eacute a mateacuteria desta obra Por isso a mateacuteria desta obra

(que entre os Gregos estaacute contida num livro uacutenico mas que os Latinos dividiram em

dois por conveniecircncia) eacute o silogismo sofiacutestico cuja elaboraccedilatildeo se estuda no primeiro

livro e a sua desconstruccedilatildeo no segundo Os livros intitulam-se Dos elencos sofiacutesticos

isto eacute das aparentes ou das fantaacutesticas refutaccedilotildees natildeo porque a disputa que haacute-de vir

nestes livros seja apenas sobre a replicaccedilatildeo (trata-se de muitos outros sofismas) mas

porque entre os objectivos a que o sofista se propotildee no desejo de simular a sabedoria a

replicaccedilatildeo obteacutem o primeiro lugar

Fica entatildeo estabelecido que estes livros omissa a explanaccedilatildeo do contexto

lembram uma breve suma natildeo soacute para que possam ser totalmente assimilados pelos

44 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 58

Dialeacutecticos num tempo determinado mas porque acreditamos que se deve vir a perceber

uma utilidade maior do que se prolongarmos a mateacuteria por si muito capciosa e

intrincada com comentaacuterios prolixos

OUTROS TEXTOS DE LOacuteGICA

SINAL E SIGNIFICACcedilAtildeO45

1 Definiccedilatildeo e natureza do sinal

Definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo transmitida por Santo Agostinho As coisas que Aristoacuteteles

ensinou sumaacuteria e sucintamente no capiacutetulo anterior satildeo o fundamento do que ele expotildee

no decurso da obra Por conseguinte eacute necessaacuterio examinar com atenccedilatildeo e esclarecer

este assunto principiando pela definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo que Santo Agostinho no livro 2

capiacutetulo 1 de Sobre a Doutrina Cristatilde estabelece deste modo ldquo O sinal eacute aquilo que

manifesta aos sentidos algo diferente dele mesmo originando o seu conhecimentordquo

Com acepccedilatildeo semelhante ele afirma no livro Sobre os Princiacutepios da Dialeacutectica

capiacutetulo 5 que o sinal eacute aquilo que se manifesta aos sentidos representando aleacutem de si

proacuteprio algo ao espiacuterito Ou seja diz-se ldquosinalrdquo o que percepcionado pelos sentidos eacute a

causa em virtude da sua capacidade de significar do conhecimento de uma coisa

diferente

Definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo inventada pelos dialeacutecticos posteriores a Santo Agostinho

Reconhecendo poreacutem os dialeacutecticos posteriores que estas definiccedilotildees eram apenas

adequadas para os sinais instrumentais e natildeo para todos estabeleceram outra mais

extensiva que actualmente se considera a mais veriacutedica e que eacute a seguinte ldquoO sinal eacute

aquilo que representa algo agrave potecircncia cognoscitivardquo Para se tornar evidente que esta

definiccedilatildeo se distingue de ambas as definiccedilotildees de Agostinho devem fazer-se algumas

consideraccedilotildees

Reconhece-se em primeiro lugar que o sinal pode entender-se em duas acepccedilotildees

Em primeiro lugar a palavra ldquosinalrdquo pode entender-se em duas acepccedilotildees numa acepccedilatildeo

restrita e segundo a primeira instituiccedilatildeo e numa acepccedilatildeo lata e consoante o uso dos

filoacutesofos No primeiro caso o sinal inclui apenas o que eacute percepcionado pelos sentidos

45 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 59

Com efeito dado que todo o conhecimento se origina nos sentidos e o sinal eacute aquilo

pelo qual somos induzidos a conhecer uma coisa resulta que os seres humanos

denominam ldquosinalrdquo o que manifesta algo aos sentidos No segundo caso a ideia de

ldquosinalrdquo inclui tanto os sinais sensiacuteveis como os inteligiacuteveis (hellip)

Reconhece-se em segundo lugar que o sinal diz respeito natildeo soacute agrave potecircncia

cognoscitiva mas tambeacutem ao objecto significado Para melhor esclarecimento deste

assunto deve referir-se que segundo Satildeo Boaventura [nos Comentaacuterios agraves Sentenccedilas]

livro 4 distinccedilatildeo 1 questatildeo 1 existem em qualquer sinal duas relaccedilotildees uma com o

objecto significado outra com a potecircncia cognoscitiva agrave qual o objecto eacute dado a

conhecer Por exemplo o fumo se natildeo estiver em relaccedilatildeo com um fogo oculto que o

produz e que tenha capacidade de manifestaacute-lo agrave potecircncia cognoscitiva de modo algum

leva ao conhecimento do objecto que eacute causa do fumo E isto estaacute expresso natildeo apenas

nas definiccedilotildees de Santo Agostinho mas tambeacutem na definiccedilatildeo comum dos dialeacutecticos

quando afirmam que o sinal eacute aquilo que imprime nos sentidos a imagem de si proacuteprio

originando o conhecimento de uma coisa diferente Ou entatildeo eacute aquilo que torna algo

presente agrave potecircncia (In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 1 artigo 1 pp 5-6)46

2 Divisatildeo dos sinais

Sinais rememorativos demonstrativos e de prognoacutestico Natildeo eacute invulgar entre os

escolaacutesticos a divisatildeo dos sinais em rememorativos demonstrativos e de prognoacutestico

(hellip) Os rememorativos satildeo os que trazem agrave memoacuteria um acontecimento passado

Assim quando Deus no Geacutenesis capiacutetulo 6 desejou erigir o arco-iacuteris disse ldquoIrei

colocar o meu arco nas nuvens do ceacuteu e recordar-me-ei da minha alianccedilardquo Os

demonstrativos satildeo os que datildeo a conhecer coisas presentes como o fumo que eacute sinal de

ldquofogordquo Os de prognoacutestico satildeo os que prenunciam o futuro por exemplo as diferentes

cores do ceacuteu ao pocircr-do-sol conforme o verso do poeta ldquoO ceacuteu azul pressagia chuva o

da cor do fogo vento de lesterdquo

A referida divisatildeo dos sinais natildeo eacute por espeacutecies Esta divisatildeo natildeo corresponde

propriamente a diferentes espeacutecies de sinais visto que os sinais podem ter segundo o

mesmo modo de significar aquela diversidade de significaccedilotildees a respeito do presente

46 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 60

do passado e do futuro como eacute manifesto nos dois uacuteltimos exemplos Com efeito o

fumo e a cor do ceacuteu concorrem do mesmo modo para o conhecimento dos seus

significados em virtude da sua capacidade natural e se o sinal for conhecido Poreacutem a

significaccedilatildeo segundo a diversidade de tempos eacute totalmente acidental como tambeacutem

acontece nas palavras que significam por convenccedilatildeo pois umas tecircm a significaccedilatildeo de

tempo presente e outras de tempo futuro (hellip)

Alguns sinais satildeo naturais outros convencionais uns satildeo formais outros

instrumentais Satildeo dignas de nota as seguintes divisotildees dos sinais naturais e

convencionais e formais e instrumentais Os primeiros satildeo referidos por quase todos os

inteacuterpretes de Aristoacuteteles neste lugar [nos livros Sobre a Interpretaccedilatildeo] Os escolaacutesticos

referem-nos baseando-se no Mestre das Sentenccedilas livro 4 distinccedilatildeo 1 e seguindo Santo

Agostinho no livro 2 capiacutetulo 2 da sua obra Sobre a Doutrina Cristatilde

Demonstra-se sucintamente a suficiecircncia da divisatildeo dos sinais em naturais e

convencionais Define-se ldquosinais naturaisrdquo e ldquoconvencionaisrdquo A suficiecircncia desta

divisatildeo que em seguida vai ser examinada demonstra-se deste modo qualquer coisa

que represente uma coisa diferente ou possui a capacidade de representaacute-la pela sua

natureza ou em virtude de outra (com efeito natildeo pode conceber-se outra forma) Se a

possuir pela sua natureza eacute um sinal natural se em virtude de uma imposiccedilatildeo eacute um

sinal convencional ou como o designa Santo Agostinho um sinal atribuiacutedo e de acordo

com outros ldquoarbitraacuteriordquo ou ldquoartificialrdquo Os sinais naturais satildeo aqueles que significam o

mesmo para todos ou preferentemente os que pela sua natureza tecircm a capacidade de

significar uma coisa diferente Ao inveacutes os sinais convencionais satildeo aqueles que

significam segundo a vontade dos homens e por assim dizer segundo uma convenccedilatildeo

como pode confirmar-se pela obra Instituiccedilotildees Dialeacutecticas livro 1 capiacutetulo 8

A divisatildeo dos sinais em formais e instrumentais natildeo passou despercebida aos

filoacutesofos antigos A segunda divisatildeo natildeo convenceu os antigos quiccedilaacute por pensarem que

os sinais formais satildeo impropriamente sinais Mas natildeo hesitaraacute denominaacute-los ldquosinaisrdquo

quem reflectir sobre a definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo exposta na questatildeo anterior Satildeo de facto

sinais todas as coisas que representam algo distinto delas mesmas agrave potecircncia

cognoscitiva Poreacutem as espeacutecies impressas nas potecircncias tornam presentes os objectos

que representam por conseguinte devem ser incluiacutedas com razatildeo nos sinais Nem isso

passou despercebido a Aristoacuteteles quando incluiu os conceitos nos sinais Emite a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 61

mesma opiniatildeo Alberto Magno na Eacutetica livro 4 tratado 3 capiacutetulo 2 onde designa pelo

nome de ldquosinaisrdquo as espeacutecies inteligiacuteveis E Satildeo Tomaacutes no Opuacutesculo 9 [sic] questatildeo 2

denomina as concepccedilotildees da mente ldquorepresentaccedilotildees da essecircncia de Deusrdquo Ele exprime-

se de modo semelhante na Suma contra os Gentios livro 2 capiacutetulo 98 e no comentaacuterio

ao capiacutetulo 1 da epiacutestola aos Hebreus e na obra Sobre a Verdade questatildeo 4 artigo 1

afirma com maior clareza que a significaccedilatildeo reside mais propriamente no verbo mental

que no oral (hellip) Referimos este assunto para natildeo parecer que foi exposta sem a

aprovaccedilatildeo dos antigos a divisatildeo dos sinais em ldquoformaisrdquo e ldquoinstrumentaisrdquo Portanto os

formais satildeo imagens e similitudes das coisas os quais formando-se no iacutentimo da

potecircncia levam ao conhecimento do objecto Os instrumentais satildeo aqueles que

apreendidos cognitivamente originam o conhecimento de uma coisa diferente

Que esta divisatildeo seja adequada demonstra-o Egiacutedio [no Comentaacuterio agraves

Sentenccedilas] livro 1 distinccedilatildeo 3 questatildeo principal 2 artigo 3 Tudo aquilo por meio do

qual conhecemos algo diferente ou deve ser primeiramente conhecido enquanto objecto

ou natildeo

Define-se ldquosinal formalrdquo e ldquoinstrumentalrdquo Se deve ser primeiramente conhecido

eacute um sinal instrumental de contraacuterio eacute formal Por isso diz-se ldquoformalrdquo porque

determina o conhecimento configurando a potecircncia cognoscitiva quer em relaccedilatildeo a um

fim quer a um princiacutepio como em seguida iremos referir Damos preferecircncia a estas

divisotildees porque se realizam segundo diferenccedilas caracteriacutesticas e intriacutensecas dos sinais e

inteiramente opostas Na verdade significar de acordo com a natureza e por convenccedilatildeo

satildeo modos incompatiacuteveis Da mesma forma significar com o conhecimento do sinal

como objecto e sem o conhecimento do conceito que satildeo respectivamente diferenccedilas

especiacuteficas do sinal instrumental e do formal opotildeem-se totalmente entre si(In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 2 artigo 1 pp 12-13)47

3 A significaccedilatildeo das palavras

As palavras pronunciadas satildeo sinais dos conceitos e as escritas sinais das

pronunciadas Entre as coisas que Aristoacuteteles exprime neste capiacutetulo a primeira eacute a

47 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 62

seguinte ldquoAs palavras pronunciadas satildeo sinais dos conceitos e as escritas sinais das

pronunciadasrdquo A respeito da primeira parte existem trecircs opiniotildees

Opiniatildeo de Escoto e de Gabriel os conceitos natildeo satildeo significados pelas palavras

pronunciadas A primeira eacute a de Escoto [no Comentaacuterio agraves Sentenccedilas] livro 1

distinccedilatildeo 27 questatildeo 3 e questatildeo 1 desta obra [Super Perihermeneias] e tambeacutem de

Gabriel [no Comentaacuterio agraves Sentenccedilas] livro 1 distinccedilatildeo 22 questatildeo uacutenica artigo 3

bem como de autores mais recentes que afirmam que as palavras pronunciadas estatildeo

em lugar dos conceitos do intelecto mas que natildeo os significam excepto se forem

algumas palavras peculiares impostas para significarem conceitos como os termos

ldquoconceitordquo e ldquopalavrardquo [isto eacute ldquopalavra mentalrdquo] Eles demonstram que as palavras

pronunciadas estatildeo em lugar dos conceitos por nos servirmos delas para dar a conhecer

as coisas apreendidas pela mente e que natildeo podemos significar pelos proacuteprios conceitos

Aliaacutes se pudeacutessemos conversar mentalmente natildeo profeririacuteamos as palavras

Comprova-se com argumentos Demonstra-se poreacutem em primeiro lugar que os

conceitos natildeo satildeo significados pelas palavras dado que se assim fosse resultaria que

todas as proposiccedilotildees seriam falsas Na verdade servimo-nos das palavras na proposiccedilatildeo

em vez dos seus significados pelo que se significassem conceitos o sentido da

proposiccedilatildeo ldquoo homem eacute animalrdquo seria ldquoo conceito de acutehomemacute eacute o conceito de acuteanimalacute

rdquo Mas natildeo existe maior falsidade

Em segundo lugar seguir-se-ia que todas as palavras satildeo equiacutevocas

Efectivamente se a palavra ldquohomemrdquo for anaacuteloga agrave que exprime o conceito ldquohomemrdquo e

agrave que representa a imagem de um homem pintado num quadro natildeo seraacute anaacuteloga agravequela

que nos representamos na mente

Em terceiro lugar a palavra significa aquilo que o ouvinte entende mas quem

ouve o falante percepciona as coisas e natildeo os conceitos (a natildeo ser que reflicta de caso

pensado sobre eles) e portanto ela natildeo significa os conceitos Isto eacute confirmado por

Aristoacuteteles nos capiacutetulos terceiro e seguinte [da obra Sobre a Interpretaccedilatildeo] onde

afirma que as palavras significam por estabelecerem os conceitos do ouvinte ou seja

por incutirem nele o conhecimento Poreacutem esses conceitos como afirmei satildeo conceitos

de coisas

Em quarto lugar satildeo muitas as palavras a que natildeo correspondem conceitos por

isso natildeo eacute em absoluto verdadeiro que as palavras signifiquem por meio de conceitos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 63

O antecedente demonstra-se em primeiro lugar pela autoridade de Santo Agostinho na

obra Sobre a Trindade livro 5 capiacutetulo 3 o qual afirma que a muitas palavras

significantes proferidas oralmente natildeo corresponde nenhum conceito na mente E ele

acrescenta que as coisas divinas natildeo se dizem como se pensam nem se pensam como se

dizem Portanto segundo a sua opiniatildeo servimo-nos por vezes de palavras a que natildeo

correspondem conceitos (hellip)

Opiniatildeo de Boeacutecio apenas os conceitos satildeo significados pelas palavras A

segunda opiniatildeo eacute a de Boeacutecio na segunda ediccedilatildeo desta obra [comentaacuterio ao Sobre a

Interpretaccedilatildeo] que criticou de tal modo a primeira opiniatildeo que adoptou uma totalmente

oposta considerando que apenas os conceitos satildeo significados pelas palavras Ela eacute

tambeacutem defendida por Porfiacuterio que assevera ser essa a opiniatildeo de Aristoacuteteles como

pode concluir-se do capiacutetulo em que ele afirma que as palavras satildeo apenas sinais dos

conceitos

Argumentos que corroboram a uacuteltima opiniatildeo Demonstra-se em primeiro lugar

esta opiniatildeo com fundamento em que as palavras foram impostas para substituir os

conceitos pelo que elas significam somente conceitos A consequecircncia eacute evidente pois

ao significarem os conceitos representam-nos ao espiacuterito para eles realizarem a sua

funccedilatildeo Portanto se as palavras foram inventadas para substituir os conceitos apenas

elas devem daacute-los a conhecer Isto estaacute expresso em Santo Agostinho na obra Sobre a

Ordem livro 2 capiacutetulo 12 onde afirma que a razatildeo criou a linguagem dado que sem

ela os seres humanos natildeo poderiam comunicar os seus pensamentos E eacute tambeacutem

manifesto nos anjos aos quais todos recusam uma linguagem externa admitindo

poreacutem que eles podem conversar servindo-se de conceitos

Demonstra-se em segundo lugar porque os vocaacutebulos ldquohircocervordquo ldquoquimerardquo e

outros semelhantes apenas significam concepccedilotildees do espiacuterito como ensina Egiacutedio [no

comentaacuterio agraves Sentenccedilas] livro 2 distinccedilatildeo 2 questatildeo 3 artigo1 Portanto deve dizer-

se o mesmo dos outros vocaacutebulos dado possuiacuterem idecircntico modo de significar Pode

afirmar-se a mesma coisa dos sincategoremas por exemplo da palavra ldquoserdquo nesta frase

ldquoSe os boatos fossem verdadeirosrdquo (hellip)

Aristoacuteteles eacute de opiniatildeo que as palavras significam tanto os conceitos como as

coisas Prova-se com passagens das suas obras A terceira opiniatildeo que eacute intermeacutedia

em relaccedilatildeo agraves outras sustenta que as palavras significam tanto os conceitos como as

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 64

coisas Ela estaacute expressa em Aristoacuteteles neste livro [Sobre a Interpretaccedilatildeo] Com efeito

no primeiro capiacutetulo ele afirma que os sons emitidos pela voz satildeo sinais dos estados de

alma isto eacute dos conceitos e no uacuteltimo ensina que pelo facto de o objecto existir ou natildeo

existir a proposiccedilatildeo eacute verdadeira ou falsa natildeo dependendo poreacutem a verdade da

proposiccedilatildeo do objecto a natildeo ser que a palavra o decirc a conhecer por meio do conceito

(hellip)

Demonstra-se uma parte a saber que as palavras significam as coisas Que as

palavras signifiquem as coisas torna-se evidente pela Sagrada Escritura no segundo

capiacutetulo do Geacutenesis onde ela ensina que Deus conduziu todos os animais agrave presenccedila de

Adatildeo para ele lhes atribuir os seus nomes E Adatildeo designou com os seus nomes todos

os animais Aleacutem disso no capiacutetulo 17 do Geacutenesis mudando-lhe o nome Deus chamou

a Abratildeo ldquoAbraatildeordquo E no capiacutetulo 32 chamou a Jacob ldquoIsraelrdquo E Cristo Senhor em

Joatildeo capiacutetulo 1 impocircs o nome a Pedro ldquoHaacutes-de chamar-te acuteCefasacute rdquo ndash disse ele

Tambeacutem Santo Agostinho em Sobre a Trindade livro 7 capiacutetulo 3 escreveu ldquoAs

palavras manifestam aleacutem de si proacuteprias aquilo de que falamos mas noacutes falamos das

coisasrdquo (In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 3 artigo 1 pp 26-28 artigo 2 pp 28-31)48

Sem duacutevida ambas as opiniotildees tanto a de Escoto como a de Boeacutecio satildeo

convincentes Quando ouvimos as palavras imediatamente o nosso espiacuterito eacute impelido

para a percepccedilatildeo de coisas determinadas certificando-se ao mesmo tempo das

concepccedilotildees do falante deste modo ouvidas as palavras apercebemo-nos dos juiacutezos e

dos conhecimentos dos homens acerca das coisas Deve portanto reconhecer-se

forccedilosamente que quer as coisas quer os conceitos satildeo significados pelas palavras pois

aquilo mediante o qual somos induzidos ao conhecimento de uma coisa eacute sinal dela

Em segundo lugar e em especial que as palavras signifiquem as coisas demonstra-

o o primeiro argumento em defesa da opiniatildeo de Escoto certamente se natildeo as

significassem todas as proposiccedilotildees seriam falsas

Em terceiro lugar os conceitos satildeo tambeacutem significados pelas palavras de acordo

com o primeiro argumento em defesa da opiniatildeo de Boeacutecio que se exprime deste modo

as palavras significam em virtude de uma imposiccedilatildeo voluntaacuteria e intencional portanto

48 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 65

significam tudo aquilo que essa intenccedilatildeo alcanccedila Mas a intenccedilatildeo dos homens na

imposiccedilatildeo das palavras foi manifestar os conceitos por isso as palavras satildeo sinais dos

conceitos Os antecedentes satildeo manifestos e demonstra-se a menor a linguagem

humana foi instituiacuteda tendo em vista as relaccedilotildees e a convivecircncia entre os homens como

depois de Platatildeo no Craacutetilo ensina Aristoacuteteles na Poliacutetica Mas esta convivecircncia

consiste sobretudo na comunicaccedilatildeo dos pensamentos que se realiza pela linguagem

externa segundo Santo Agostinho em Sobre a Ordem livro 2 capiacutetulo 12 (hellip)

Em quarto lugar se as palavras natildeo fossem sinais dos conceitos natildeo seria possiacutevel

a mentira pois ldquomentirrdquo de acordo com a proacutepria etimologia do vocaacutebulo quer dizer

ldquocontra mentem irerdquo o que natildeo parece ser outra coisa senatildeo exprimir o que natildeo existe

na mente Disto resulta segundo Satildeo Tomaacutes [na Suma Teoloacutegica] segunda parte da

segunda parte questatildeo 110 artigo 3 que a mentira eacute intrinsecamente um mal dado que

sendo as palavras por natureza sinais dos conceitos isto eacute impostas por natureza para

manifestarmos aos outros os nossos pensamentos eacute iniacutequo dar a entender que existe na

mente o que realmente natildeo existe Na verdade dado que a palavra como declara Santo

Agostinho no Segundo Sermatildeo sobre a Natividade de Joatildeo Baptista eacute veiacuteculo do verbo

interior e se interiormente natildeo existe verbo (coisa que no entanto se dissimula estar

associada ao veiacuteculo) entatildeo estaacute-se enganando claramente os outros

Se as palavras significam de modo imediato as coisas e os conceitos Haacute um tema

de difiacutecil resoluccedilatildeo na opiniatildeo comum se as palavras significam em primeiro lugar e de

modo imediato os conceitos segundo a mesma significaccedilatildeo e secundariamente as

coisas ou ao inveacutes em primeiro lugar as coisas e secundariamente os conceitos ou

por uacuteltimo as coisas e os conceitos de modo imediato e consoante diferentes

significaccedilotildees

Primeira opiniatildeo a palavra significa primeira e imediatamente o conceito e de

modo mediato as coisas Escoto embora considere mais provaacutevel a opiniatildeo que depois

defende no Comentaacuterio agraves Sentenccedilas livro 1 ou seja que as palavras significam apenas

as coisas sustenta no entanto de acordo com o parecer de alguns autores que os

conceitos satildeo significados primeira e imediatamente e as coisas de modo mediato e

segundo a mesma significaccedilatildeo (hellip)

Segunda opiniatildeo a palavra daacute a conhecer primeiramente as coisas e depois os

conceitos Alguns opinam que as palavras datildeo a conhecer primeiramente as coisas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 66

segundo a mesma significaccedilatildeo e mediante as coisas os conceitos Esta opiniatildeo embora

ningueacutem a exponha com clareza pode atribuir-se a Escoto que ensina que pelas

palavras satildeo significadas as coisas enquanto conhecidas Ele poreacutem adverte que natildeo eacute

significado um conjunto (as coisas conhecidas) pois tratar-se-ia de um significado

composto acidental Contudo ele afirma que eacute dada a conhecer uma coisa enquanto

objecto de conhecimento Isso natildeo parece poder ser explicado de maneira mais simples

do que dizer que com uma uacutenica significaccedilatildeo eacute dada a conhecer em primeiro lugar a

coisa e em seguida o seu conceito (hellip)

Terceira opiniatildeo a palavra pela dupla significaccedilatildeo atinge imediatamente a

coisa e o conceito Por uacuteltimo a terceira opiniatildeo declara que existem diferentes

significaccedilotildees das palavras uma a respeito dos conceitos e outra das coisas (hellip)

Demonstraccedilatildeo a significaccedilatildeo ou eacute a proacutepria imposiccedilatildeo da palavra (o que

preferentemente aprovamos) ou se fundamenta nela e com ela se multiplica Mas a

imposiccedilatildeo para significar os conceitos eacute diferente da imposiccedilatildeo para significar as coisas

portanto etc Demonstra-se a menor os seres humanos desejaram primeiramente

comunicar os seus pensamentos de acordo com um impulso comum e expliacutecito e em

seguida procuraram descobrir o modo apropriado para essa comunicaccedilatildeo Esse modo

consistiu na imposiccedilatildeo das palavras para significarem as coisas portanto estatildeo

presentes duas actividades e mesmo duas imposiccedilotildees O antecedente deste argumento eacute

demonstrado por Agostinho e Platatildeo ao corroborarem a segunda opiniatildeo E tambeacutem

insinuam a distinccedilatildeo entre essas imposiccedilotildees (hellip)

Prefere-se a terceira opiniatildeo e responde-se aos argumentos da primeira opiniatildeo

Entre estas opiniotildees a terceira parece-nos mais evidente (hellip) Contudo que as palavras

sejam em primeiro lugar sinais dos conceitos natildeo deve entender-se de modo

significativo como se primeiramente fossem significados os conceitos mas de modo

impositivo (por assim dizer) dado que eacute necessaacuterio que entre as coisas e as palavras ao

serem impostas medeiem os conceitos E como afirma o Filoacutesofo a condiccedilatildeo

imprescindiacutevel para que uma palavra signifique uma coisa eacute o conceito Na verdade

uma coisa natildeo eacute significada como ela eacute em si mesma mas segundo o nosso modo de

conhecer(In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 3 artigo 2 pp 28-31)49

49 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 67

O UNIVERSAL

1 Definiccedilatildeo e acepccedilotildees

Entendido na acepccedilatildeo comum o universal eacute uma coisa que se refere a muitas Por

exemplo o vocaacutebulo ldquohomemrdquo que significa todos os homens e o ceacuteu que origina

muitas coisas

Universal simples e complexo O universal divide-se em primeiro lugar em

complexo e simples O uso de um e de outro eacute frequente entre os filoacutesofos Denomina-

se ldquouniversal complexordquo uma proposiccedilatildeo da qual se deduzem vaacuterias outras como ldquoo

todo eacute maior que a sua parterdquo ou qualquer proposiccedilatildeo com o sinal da universalidade

como ldquotodo o homem eacute mentirosordquo A respeito deste universal iremos discorrer nos

livros do Perihermeneias e dos Segundos Analiacuteticos O universal simples eacute o que se

refere a muitas coisas e natildeo possui a complexidade da proposiccedilatildeo Costuma dividir-se

segundo quatro modos como causa (in causando) como significante (in significando)

como existente (in essendo) e como predicado (in praedicando)

Definiccedilatildeo do universal in causando in significando in essendo e in praedicando

Os universais in causando satildeo as causas comuns das coisas como Deus Magnificente

os espiacuteritos celestiais e os orbes celestes Os universais in significando satildeo por

exemplo os cometas que prenunciam a iminecircncia de muitas moleacutestias e as palavras

pronunciadas as escritas e os conceitos que datildeo a conhecer natildeo apenas uma coisa mas

muitas como a palavra ldquohomemrdquo quer emitida pela voz quer escrita quer representada

na mente Com efeito ela natildeo significa apenas ldquoSoacutecratesrdquo ou ldquoPlatatildeordquo mas a natureza

comum ao ser humano e por conseguinte todos os homens singulares Os universais in

essendo satildeo as naturezas comuns existentes em muitos inferiores como ldquohomemrdquo e

ldquocavalordquo Eles satildeo efectivamente naturezas comuns e existem nos seus singulares

porque em Soacutecrates e Platatildeo existe realmente a natureza humana e em Buceacutefalo a

natureza equina Os universais in praedicando satildeo aqueles que se afirmam de muitas

coisas Por exemplo ldquohomemrdquo de todos os homens e ldquocavalordquo de todos os cavalos

O universal in causando natildeo eacute um verdadeiro universal Entre estes universais os

que satildeo in causando todos os autores os excluem do nuacutemero dos verdadeiros universais

Na verdade Deus Magnificente os orbes celestes e outras causas que denominamos

ldquouniversaisrdquo satildeo simplesmente e de modo absoluto entes singulares como eacute evidente E

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 68

nada eacute mais incompatiacutevel com um universal que um singular visto ser o seu oposto O

mesmo argumento demonstra que os universais in significando natildeo satildeo efectivamente

universais por serem tambeacutem entes singulares e apenas como nomes se consideram

universais E porque os nominalistas porfiam que natildeo existem aleacutem dos sinais

universais in essendo e in praedicando apenas atribuem aos nomes aquela

denominaccedilatildeo(In Isagogem Porphyrii questatildeo 1 artigo 1 pp 60-61)50

2 O tema da relaccedilatildeo da aptidatildeo e da unidade

O universal interpreta-se de trecircs modos Deve advertir-se que o universal pode

interpretar-se de trecircs modos Em primeiro lugar pela coisa que se denomina ldquouniversalrdquo

e se diz ldquosubstratordquo como ldquohomemrdquo ldquoanimalrdquo e coisas semelhantes Em segundo lugar

pela aptidatildeo e capacidade dessa coisa Em terceiro lugar pela relaccedilatildeo aos particulares

que resulta de tal capacidade (hellip)

Duvida-se de que modo deve entender-se o universal na definiccedilatildeo No entanto os

autores mais recentes puseram em duacutevida de que modo deve entender-se o universal

como agora foi interpretado segundo a unidade e a aptidatildeo ou segundo a relaccedilatildeo aos

particulares Ambas as acepccedilotildees satildeo formais e a ambas pode ajustar-se a definiccedilatildeo do

universal

A opiniatildeo comum afirma que deve interpretar-se como relativo Demonstra-se De

acordo com a opiniatildeo comum dos filoacutesofos o universal deve interpretar-se como

ldquorelativordquo o que Porfiacuterio ensinou com muita clareza na capiacutetulo sobre a espeacutecie ao

afirmar que coagido pela necessidade definiu o geacutenero pela espeacutecie e vice-versa pois

apenas os relativos se definem necessariamente de modo reciacuteproco Demonstra-se

primeiramente que eacute um relativo formalmente na sua verdadeira acepccedilatildeo o universal eacute

uma relaccedilatildeo de razatildeo mas neste lugar ele eacute entendido formalmente portanto deve

interpretar-se como relativo A premissa menor e a consequecircncia satildeo evidentes (hellip)

Contudo a opiniatildeo mais verosiacutemil parece ser a que afirma que o universal deve

interpretar-se como um absoluto implicando aptidatildeo para existir nos particulares Ela eacute

defendida pelo mestre Fonseca na Metafiacutesica livro 5 e na Isagoge Filosoacutefica que a

considera comum a todos os autores E isso conclui-se primeiramente da proacutepria

50 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 69

definiccedilatildeo do universal na qual natildeo se refere a relaccedilatildeo mas apenas a aptidatildeo e a

unidade Por outro lado natildeo eacute verosiacutemil que os filoacutesofos tenham pretendido definir a

relaccedilatildeo e que em nenhuma parte a tenham explicado Conclui-se em segundo lugar em

virtude da semelhanccedila com a causa anteriormente referida visto que ao defini-la natildeo

foi mencionada a sua relaccedilatildeo com o efeito mas apenas a causalidade Conclui-se em

terceiro lugar porque a propriedade especiacutefica do universal eacute a aptidatildeo e a capacidade

para existir ou para se predicar dos seus inferiores como opina Paulo Veneto no

proeacutemio da Loacutegica questatildeo 1 no qual natildeo refere a relaccedilatildeo Com efeito o universal

consiste formalmente numa certa comunidade e extensatildeo pelas quais a natureza comum

se torna extensiva a muitas coisas Poreacutem tal comunidade resulta sobretudo da referida

capacidade e natildeo da relaccedilatildeo portanto a natureza do universal reside juntamente na

aptidatildeo e na unidade Em quarto lugar e por uacuteltimo isso eacute confirmado pelos actos dos

universais Com efeito o acto de existir em muitos singulares e o acto de se predicar a

respeito deles satildeo actos do universal enquanto universal mas a esses actos corresponde

a aptidatildeo e a unidade e natildeo a relaccedilatildeo Portanto a aptidatildeo constitui formalmente o

universal

(In Isagogem Porphyrii questatildeo 1 artigo 5 pp 69-70) 51

Que unidade eacute exigida ao universal Uno per se e per accidens Devemos ainda

examinar com diligecircncia as trecircs condiccedilotildees do universal 1 eacute uno 2 tem aptidatildeo para se

predicar 3 acerca de muitos A respeito de cada uma delas vamos expor algumas

consideraccedilotildees No que se refere agrave unidade ldquounordquo eacute idecircntico a ldquoindivisordquo como ensina

Aristoacuteteles na Metafiacutesica livro 5 capiacutetulo 6 e no livro 10 capiacutetulo 1 Ele exprime-se

no primeiro lugar deste modo ldquoEm geral aquilo que eacute indivisiacutevel em virtude de ser

indivisiacutevel diz-se acuteunoacute rdquo No mesmo lugar Aristoacuteteles divide o uno em ldquouno per serdquo

(ldquopor essecircnciardquo) e per accidens (ldquopor acidenterdquo) em seguida divide ambos os membros

em vaacuterias subdivisotildees embora natildeo decirc a conhecer com definiccedilotildees mas com exemplos

cada uma delas e entre as unidades essenciais refira algumas que natildeo possuem em

absoluto essa natureza

Definiccedilatildeo de uno per accidens O uno per accidens eacute o que eacute constituiacutedo por partes

natildeo unidas segundo um nexo fiacutesico ou que eacute constituiacutedo por partes que embora estejam

51 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 70

unidas fisicamente satildeo nas suas espeacutecies entes completos Tal uniatildeo ou unidade realiza-

se entre a substacircncia e os seus acidentes entre dois acidentes existentes na mesma

substacircncia como se verifica no leite em relaccedilatildeo agrave sua brancura e na brancura e na

doccedilura relativamente ao leite Aleacutem disso entre as coisas que existem no mesmo lugar

ou no mesmo tempo Dizemos assim que um montatildeo eacute uno por ser um conjunto de

coisas existentes no mesmo lugar e que satildeo uno Aquiles e Heitor por terem vivido no

mesmo tempo Eacute igualmente uno o que estaacute unido com um viacutenculo externo ou segundo

uma ordem motivo por que denominamos uma coisa ldquofeixerdquo por causa do viacutenculo e

outra ldquotaacutebuardquo ou ldquocasardquo em virtude de substacircncias conglutinantes e ainda outras

ldquoEstadordquo e ldquoexeacutercitordquo em virtude da ordem (hellip)

Definiccedilatildeo de uno per se Unidade per se formal e numeacuterica O uno per se eacute o que

possui uma determinada essecircncia relativamente a um soacute geacutenero ou a uma soacute espeacutecie

quer seja simples (como Deus Magnificente e os geacuteneros supremos) quer composto

(como os corpos fiacutesicos e as espeacutecies metafiacutesicas) (hellip) Esta unidade divide-a

Aristoacuteteles no mesmo lugar em geneacuterica especiacutefica e individual Noacutes em virtude da

clareza dividimo-la com Caetano no opuacutesculo Sobre o Ente e a Essecircncia capiacutetulo 4

questatildeo 6 deste modo entre as unidades per se ou ldquode essecircnciardquo uma eacute formal outra

numeacuterica A formal eacute aquela que corresponde agrave natureza comum dividindo-se em

geneacuterica e especiacutefica segundo a natureza em que se realiza e a numeacuterica eacute proacutepria dos

indiviacuteduos A primeira define-se como a indivisatildeo da natureza comum em si mesma e a

numeacuterica como a indivisatildeo da natureza singular em si proacutepria Segundo aquela diz-se

que o homem e a besta constituem uma unidade em relaccedilatildeo a ldquoanimalrdquo e Platatildeo e

Soacutecrates em relaccedilatildeo a ldquohomemrdquo Segundo esta Soacutecrates eacute idecircntico a si proacuteprio (hellip)

Acrescenta-se a unidade de precisatildeo das naturezas comuns Aleacutem das unidades

ateacute agora referidas existe uma outra que eacute relativa agraves naturezas comuns em si mesmas

quando natildeo realizadas nos seus inferiores (quer ela lhes convenha em virtude de uma

actividade do intelecto quer por si proacutepria) Irei examinaacute-la pouco depois Esta unidade

eacute apenas a indivisatildeo da natureza comum nos seus inferiores devendo poreacutem afirmar-se

que aleacutem de estar firmemente estabelecido por todos os autores mais penetrantes isso

se demonstra deste modo ldquounidaderdquo eacute idecircntico a ldquoindivisordquo mas a natureza comum em

virtude da prioridade pela qual precede a realizaccedilatildeo nos seus inferiores (quer isso

aconteccedila por si mesma quer pela actividade do intelecto) eacute indivisa possui portanto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 71

por isso mesmo outra unidade denominada ldquode precisatildeordquo porque natildeo conveacutem agrave

natureza [comum] a natildeo ser enquanto prescinde dos seus inferiores e como que se

liberta deles (hellip)

A unidade de precisatildeo participa da condiccedilatildeo das duas unidades per se Poreacutem em

qual das unidades deve incluir-se a unidade de precisatildeo Respondemos que com

propriedade e rigorosamente em nenhuma delas Contudo ela participa da condiccedilatildeo de

ambas mas sobretudo da condiccedilatildeo da unidade numeacuterica Demonstra-se em primeiro

lugar que ela natildeo eacute formal nem numeacuterica visto que a formal por ser uma propriedade

do ente eacute indissociaacutevel da natureza comum mesmo quando realizada nos inferiores

mas a unidade de precisatildeo conveacutem agrave natureza apenas no estado de abstracccedilatildeo Aleacutem

disso esta unidade recusa a possibilidade de divisatildeo nos inferiores a formal recusa a

impossibilidade de divisatildeo em qualquer grau do ente e a numeacuterica conveacutem aos entes

singulares atribuindo-lhes natildeo apenas a indivisatildeo mas tambeacutem a indivisibilidade Ao

contraacuterio aquela de que nos ocupaacutemos [a de precisatildeo] conveacutem somente agraves naturezas

comuns conferindo-lhes apenas a indivisatildeo e natildeo a indivisibilidade Ela tem no

entanto semelhanccedila com as outras com a formal porque conveacutem agraves naturezas comuns

e com a numeacuterica porque natildeo eacute passiva de divisatildeo nas substacircncias Por este motivo

acrescentamos que a referida unidade se assemelha mais agrave numeacuterica que agrave formal Com

efeito a caracteriacutestica peculiar da unidade numeacuterica eacute tornar a substacircncia

incomunicaacutevel o que tambeacutem realiza a unidade de precisatildeo

(In Isagogem Porphyrii questatildeo 2 artigo 1 pp 73-75) 52

A INDUCcedilAtildeO

Disserta-se sobre a induccedilatildeo Duas espeacutecies de induccedilatildeo Eacute mais dificultoso

discorrer sobre a induccedilatildeo Averroacuteis distinguiu neste livro [Comentaacuterios aos Primeiros

Analiacuteticos] capiacutetulo 29 duas espeacutecies de induccedilatildeo a demonstrativa e a dialeacutectica Ele

denomina ldquodemonstrativardquo a que incide sobre mateacuteria necessaacuteria como neste exemplo

ldquoPedro eacute capaz de rir Paulo eacute capaz de rir portanto todo o homem eacute capaz de rirrdquo

Nesta induccedilatildeo ndash afirma ele ndash natildeo eacute necessaacuterio enumerar todos os indiviacuteduos mas

conhecer que nalguns deles existe uma propriedade essencial com base na qual se

52 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 72

conclui necessariamente que ela existe na natureza comum Com efeito o que existe

como essecircncia nos singulares conveacutem primeiramente ao universal E ele denomina

ldquoinduccedilatildeo dialeacutecticardquo a que incide sobre mateacuteria provaacutevel como neste caso ldquoEsta matildee

ama o filho aquela matildee ama o filho portanto toda a matildee etcrdquo Nesta induccedilatildeo para

concluir convenientemente devem enumerar-se todos os singulares de contraacuterio se

algum fosse omitido dado que o predicado das premissas eacute contingente poderia suceder

que natildeo conviesse a esse singular e seria afirmado falsamente de toda a espeacutecie Esta

doutrina de Averroacuteis foi interpretada como se ambas as induccedilotildees concluiacutessem

formalmente a primeira por todos no decurso dos tempos a segunda por muito poucos

(hellip)

A induccedilatildeo natildeo eacute consequecircncia formal Portanto a induccedilatildeo possibilita por vezes

uma conclusatildeo necessaacuteria quando infere indutivamente uma conclusatildeo universal se

forem enumerados todos os particulares de uma natureza comum Mas ela eacute apenas uma

consequecircncia material por natildeo possuir uma forma determinada em virtude de poder ser

maior ou menor o nuacutemero de premissas consoante o nuacutemero de singulares por meio dos

quais se estabelece a induccedilatildeo Por exemplo para estabelecer uma induccedilatildeo sobre os

movimentos celestes satildeo suficientes dez premissas sobre a ordem dos elementos

quatro e sobre o aquecimento produzido pelo fogo satildeo necessaacuterias infinitas

Relativamente agrave induccedilatildeo em mateacuteria necessaacuteria que Averroacuteis denomina

ldquodemonstrativardquo propomo-nos discorrer sobre ela no iniacutecio dos Segundos Analiacuteticos

(In Primum Librum Priorum Aristotelis capiacutetulo 1 questatildeo 2 artigo 3 pp 195-196) 53

Quatro espeacutecies de argumentaccedilatildeo Embora eu tenha exposto este tema [da

reduccedilatildeo das argumentaccedilotildees ao silogismo] na terceira questatildeo do capiacutetulo primeiro do

livro anterior tanto quanto o exigia o esclarecimento da doutrina contudo com

Aristoacuteteles e outros inteacuterpretes vou apresentaacute-lo agora com maior clareza Como se

conclui do que foi referido existem apenas quatro espeacutecies de argumentaccedilatildeo a induccedilatildeo

o exemplo o entimema e o silogismo Entre estas somente a uacuteltima eacute uma

argumentaccedilatildeo formal ou seja infere em qualquer mateacuteria em virtude da sua forma e da

disposiccedilatildeo dos termos se as premissas forem verdadeiras uma conclusatildeo verdadeira

Poreacutem as outras espeacutecies se natildeo forem reduzidas ao silogismo do qual adquirem a

53 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 73

capacidade de inferir formalmente de modo algum inferem uma conclusatildeo evidente As

regras para realizar essa reduccedilatildeo seratildeo expostas posteriormente com desenvolvimento

quando tivermos examinado as caracteriacutesticas e a natureza dessas espeacutecies (hellip)

A induccedilatildeo natildeo gera propriamente ciecircncia Dado que a induccedilatildeo progride das partes

para o todo eacute necessaacuterio que no antecedente natildeo seja omitida nenhuma parte ou que natildeo

seja enumerada de modo confuso embora em mateacuteria necessaacuteria natildeo se exija tanta

diligecircncia visto que se reconhece que o predicado conveacutem por essecircncia a alguns

inferiores sendo por isso atribuiacutedo sem erro [na conclusatildeo] agrave natureza comum Isto deu

ensejo a Averroacuteis para dividir a induccedilatildeo em ldquodialeacutecticardquo e ldquodemonstrativardquo Mas

nenhuma delas origina propriamente ciecircncia como foi demonstrado noutro lugar Elas

satildeo no entanto uacuteteis para persuadir e para proceder ao exame dos primeiros princiacutepios

[verificando a posteriori a sua verdade] Daiacute que Vitorino na obra Sobre a Invenccedilatildeo

livro 1 tenha considerado que esta espeacutecie de argumentaccedilatildeo foi denominada ldquoinduccedilatildeordquo

porque induz o espiacuterito do ouvinte a dar creacutedito a uma conclusatildeo

(In Secundum Librum Priorum Aristotelis Summa doctrinae pp 281-282) 54

54 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 74

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de

Jesus aos Oito Livros da Fiacutesica de Aristoacuteteles Estagirita

Coimbra 1592

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 75

PROEacuteMIO AOS OITO LIVROS DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES55

SOBRE A DESIGNACcedilAtildeO E A DEFINICcedilAtildeO DE FILOSOFIA

Platatildeo no Protaacutegoras enumera os seus princiacutepios Os Gregos designavam por

σοφοὺς isto eacute lsquosaacutebiosrsquo todos aqueles que na Antiguidade pareciam distinguir-se dos

restantes pela intelecccedilatildeo e pelo conhecimento das grandes questotildees

A designaccedilatildeo de filoacutesofo e de Filosofia foi inventada por Pitaacutegoras Esta

designaccedilatildeo que na verdade se revestia de uma espeacutecie de arrogacircncia e era para muitos

motivo de inveja foi alterada por intervenccedilatildeo de Pitaacutegoras que natildeo soacute quis chamar-se

filoacutesofo como foi o primeiro a aplicar o termo lsquofilosofiarsquo Tendo discorrido com

sabedoria e eloquecircncia na corte de Leocircncio rei de Fliunte este perguntou-lhe que arte

ensinava e em que mateacuteria era mais saacutebio Diz-se que teraacute respondido que natildeo sabia arte

alguma e que natildeo era σοφόν ou seja lsquosaacutebiorsquo mas φιλόσοφον ou seja lsquoamigo da

sabedoriarsquo A novidade deste termo agradou natildeo soacute porque atenuava a velha inveja dos

saacutebios como atestava a dignidade singular da sabedoria Desde entatildeo espalhou-se por

todo o lado a designaccedilatildeo de Filoacutesofo e de Filosofia foi usado com igual aprovaccedilatildeo natildeo

soacute pelos Pitagoacutericos mas tambeacutem pelos Platoacutenicos e muitos outros bem como por

todos os que se seguiram Santo Agostinho recorda este assunto no livro 14 Sobre a

Trindade capiacutetulo 1 tal como Clemente de Alexandria no primeiro das Tapeccedilarias

Jacircmblico no De secta Pythagorica 1 e muitos outros56

Primeira definiccedilatildeo de Filosofia No entanto nem todos definiram a Filosofia

do mesmo modo Assim para alguns a Filosofia eacute lsquoo amor pela sabedoriarsquo Esta

definiccedilatildeo poreacutem como adverte Hugo de S Viacutetor no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 1

revela a etimologia do nome mas natildeo a natureza da mateacuteria tratada visto que a

sabedoria natildeo reside na vontade de que eacute proacuteprio o amar mas no intelecto de que eacute

proacuteprio o pensar e o saber Ainda assim eacute possiacutevel afirmar o que se disse pois a

Filosofia eacute definida como amor pela sabedoria porque eacute evidente que o verdadeiro

conhecimento das coisas natildeo existe de modo algum sem o amor A isso se refere

aquele passo do livro Sobre a mais secreta sabedoria segundo os Egiacutepcios ldquoo Amor 55 Trad FM56 Lactacircncio no livro 4 cap 2 Plutarco no livro 1 Sobre as sentenccedilas cap 3 Ciacutecero nos livros 1 e 5 das Questotildees Tusculanas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 76

acompanha os que pensam porque sem ele o intelecto como se estivesse colocado em

isolamento e silecircncio nada pode compreenderrdquo

Segunda definiccedilatildeo Outros disseram que a Filosofia era o conhecimento e a

ciecircncia das coisas humanas e divinas57 Esses entenderam pela designaccedilatildeo de coisas

humanas aquelas que estatildeo dependentes da materialidade dos corpos e que nos satildeo mais

familiares e por divinas as que natildeo se ligam agrave mateacuteria por nexo algum e as que se

escondem nos recessos da Natureza Ou entatildeo como eacute opiniatildeo de outros por coisas

humanas quiseram referir as que dizem respeito aos deveres de conservaccedilatildeo da vida e agrave

sociedade civil por divinas poreacutem quiseram dizer todas as outras nomeadamente a

contemplaccedilatildeo intelectual que afasta o filoacutesofo dos homens comuns e o torna mais

divino do que os restantes mortais Esta definiccedilatildeo tenha ela nascido no poacutertico de

Zenatildeo ou na Academia de Platatildeo perpassou por muitas escolas filosoacuteficas Platatildeo

refere-a no Teeteto e no Feacutedon Ciacutecero no livro 4 das Questotildees Tusculanas Fiacutelon Judeu

no livro Sobre o modo de alcanccedilar a erudiccedilatildeo Todavia ela natildeo se ajusta a cada uma

das partes da Filosofia mas a todas elas tomadas no seu conjunto pois nenhuma delas

considera simultaneamente o humano e o divino

Terceira definiccedilatildeo Aleacutem disso Platatildeo no diaacutelogo Sobre a sabedoria introduz

uma outra descriccedilatildeo que afirma decorrer da doutrina de Pitaacutegoras58 S Jeroacutenimo na

Apologia contra Rufino [diz] ldquoa Filosofia eacute a contemplaccedilatildeo da morterdquo

Dois tipos de morte Ora para que se possa compreender esta definiccedilatildeo eacute preciso saber

que haacute dois tipos de morte a que consiste no separaccedilatildeo do espiacuterito em relaccedilatildeo ao corpo

e a outra pela qual a mente permanece ainda no corpo mas afasta-se de todos os maus

desejos para que livre dos grilhotildees dos viacutecios medite nas coisas celestes e divinas De

facto como Soacutecrates debateu no Feacutedon nada eacute tatildeo contraacuterio ao homem que quer ver a

luz da verdade como o contacto com o corpo e a armadilha do prazer que engana com

falsas imagens a mente mergulhada em densas trevas e natildeo permite que escape da turba

e da confusatildeo dos sentidos para observar o mundo e examinar a natureza das coisas

Opiniatildeo de Mercuacuterio Trismegisto sobre o modo como se deve filosofar Daiacute que o tal

Mercuacuterio cujo conhecimento de muacuteltiplas coisas motivou o nome de Trismegisto

exorte no Ascleacutepio todo aquele que aspira agrave Filosofia a que ponha de lado o corpo

57 S Damasceno no livro 1 da Fiacutesica Seacuteneca nas Epiacutestolas 15 Ciacutecero no livro 2 Dos deveres58 Sobre esta definiccedilatildeo Clemente de Alexandria 4 Tapeccedilarias Fiacutelon Judeu no livro De mundi opificio Ciacutecero Tusculanas 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 77

tanto quanto possiacutevel como se fosse uma veste e dispa esse manto de ignoracircncia

ligaccedilatildeo agrave ruiacutena morte viva cadaacutever que sente sepulcro moacutevel ladratildeo da proacutepria casa

dado que ele odeia ao mesmo tempo que acaricia e ao odiar enterra a mente no seu

depoacutesito terreno e envolve-a com essa lama para que natildeo experimente a inteligecircncia

que vem do ceacuteu

Razatildeo pela qual a Filosofia eacute contemplaccedilatildeo da morte Entatildeo dado que ensina

a procurar esta separaccedilatildeo do corpo como uma espeacutecie de morte e com isto se glorifica

ao maacuteximo a Filosofia por causa desta missatildeo tatildeo nobre ora eacute chamada contemplaccedilatildeo

da morte ora libertaccedilatildeo do espiacuterito em relaccedilatildeo ao corpo outras vezes desejo de morte

ou entatildeo treino para morrer Para saber mais sobre esta opiniatildeo veja-se Xenofonte

livro 4 Sobre os ditos de Soacutecrates Proclo no livro Sobre a alma e o demoacutenio Alcino

no livro Sobre a Doutrina de Platatildeo Apuleio no livro Sobre a Filosofia

Transmitem tambeacutem outras definiccedilotildees de Filosofia Lactacircncio no livro 4

capiacutetulo 2 Justino filoacutesofo e maacutertir no Diaacutelogo com Triacutefon e ainda outros

Quarta definiccedilatildeo deduzida sobretudo de Aristoacuteteles Mas aquela que nos

parece a melhor de todas eacute a que refere S Damasceno no livro IV da sua Dialeacutectica e

Amoacutenio no iniacutecio dos Predicaacuteveis a partir dos antigos sobretudo de Aristoacuteteles no

livro X da Metafiacutesica capiacutetulo 3 a saber ldquoa Filosofia eacute o conhecimento das coisas tal

como satildeordquo Aquelas palavras ndash ldquocomo satildeordquo ndash tecircm o mesmo valor de ldquopelas suas

causasrdquo se as tiverem pois do mesmo modo que as coisas cujas causas se investigam

conseguem existir pelas causas assim se diz serem percebidas ldquocomo satildeordquo quando por

elas se conhecem Ora torna-se por isso evidente que a Filosofia deve perceber as

causas porque desse mesmo modo a partir do espanto isto eacute da percepccedilatildeo dos efeitos e

da ignoracircncia das causas comeccedilaram os homens a filosofar isto eacute a procurar as causas

como ensina Platatildeo no Teeteto e Aristoacuteteles no livro I da Metafiacutesica capiacutetulo 2 Posto

isto eacute justo considerar Filoacutesofo ou saacutebio por completo quem alcanccedilar o conhecimento

das causas Todavia agraves vezes entende-se por filosofia a aparente e imperfeita intelecccedilatildeo

das coisas o que acontece em Platatildeo no Banquete e outras vezes apenas pela primeira

filosofia nomeadamente em Aristoacuteteles no livro IV da Metafiacutesica capiacutetulo 2 texto 5

Noacutes poreacutem no desenvolvimento desta obra vamos consideraacute-la preferivelmente agrave luz

da noccedilatildeo que foi definida por uacuteltimo segundo a qual se afirma que eacute o conhecimento

das coisas tal como satildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 78

SOBRE A DUPLA ORGANIZACcedilAtildeO DA FILOSOFIA

Na Antiguidade foram difundidas vaacuterias divisotildees da Filosofia entre as quais

vamos examinar atentamente duas que se consideram mais ceacutelebres e de maior

relevacircncia para o nosso objectivo59

Primeira divisatildeo da Filosofia A primeira eacute aquela que organiza a Filosofia em Natural

Moral e Dialeacutectica Neste contexto poreacutem a Natural (como eacute evidente a partir do lato

significado de natureza de onde proveacutem a designaccedilatildeo) compreende natildeo soacute a Fisiologia

mas tambeacutem a Metafiacutesica e as disciplinas Matemaacuteticas

Quem a tornou ceacutelebre Ora este tipo de disposiccedilatildeo que natildeo reuacutene a concordacircncia de

todos os escritores quanto ao seu autor foi recomendada por Platatildeo como atesta Alcino

no livro sobre a sua doutrina capiacutetulo 3 e Euseacutebio de Cesareia no iniacutecio do livro 11 da

Preparaccedilatildeo Evangeacutelica A mesma disposiccedilatildeo seguiram tambeacutem Aristoacuteteles no livro 1

dos Toacutepicos capiacutetulo 12 Crisipo Eudromo Xenoacutecrates e outros que Laeacutercio recorda

na Vida de Zenatildeo seguindo Plutarco livro 1 Das Sentenccedilas capiacutetulo 1

Razatildeo que a comprova Que esta forma de dividir a Filosofia eacute adequada e

perfeita pode demonstrar-se do modo seguinte a Filosofia orienta-se para a felicidade

humana (como de facto assegura Santo Agostinho seguindo Platatildeo no livro 19 da

Cidade de Deus capiacutetulo 1 ldquoo homem natildeo tem nenhum outro motivo para se dedicar agrave

Filosofia senatildeo o de querer ser felizrdquo)60 A felicidade humana no entanto segundo

afirma Aristoacuteteles nos capiacutetulos 7 e 8 do primeiro livro da Eacutetica a Nicoacutemaco consiste

por um lado na acccedilatildeo consentacircnea agrave virtude por outro na contemplaccedilatildeo da verdade Eacute

preciso entatildeo que exista uma ciecircncia que contenha a razatildeo da honestidade e que

eduque com vista agrave virtude e agrave probidade dos costumes Esta eacute na verdade a Filosofia

Moral E aleacutem desta uma outra que perscrute os misteacuterios escondidos da natureza e se

dedique em exclusivo agrave tarefa de conhecer a verdade a esta se chama Fiacutesica

Posteriormente a aquisiccedilatildeo e o uso deste tipo de ciecircncias evidenciam-se pelo modo de

dissertar mas neste domiacutenio a mente iludida pelo erro tem muitas vezes alucinaccedilotildees

Deve pois instituir-se uma terceira arte que traga a luz e habilmente tome providecircncias

59 Referem esta divisatildeo S Agostinho A Cidade de Deus 8 cap 4 Lactacircncio no livro 3 cap 13 Alcino no livro Sobre a Doutrina de Platatildeo e Isidoro no livro Dialogi decem auctorem60 Leia-se Platatildeo no Goacutergias e no Teeteto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 79

para que a falsidade natildeo ocupe o lugar da verdade esta eacute entatildeo designada por

Dialeacutectica E por conseguinte haacute precisamente o mesmo nuacutemero de partes da Filosofia

Confirmaccedilatildeo Isto mesmo confirma S Tomaacutes no iniacutecio da Eacutetica a Nicoacutemaco

mais ou menos por esta razatildeo a principal preocupaccedilatildeo do saacutebio diz respeito agrave ordem

uma vez que como se pode ver no capiacutetulo 2 do livro primeiro da Metafiacutesica ao saacutebio

compete primeiro que tudo ordenar ora a ordem das coisas que se apresentam agrave

consideraccedilatildeo da filosofia eacute triacuteplice

Ordem triacuteplice das coisas Em primeiro lugar aquela que a razatildeo natildeo produz

mas apenas observa e pondera deste tipo eacute a ordem das coisas fiacutesicas Em segundo

aquela que a razatildeo apresenta a si mesma quando dispotildee de forma ordenada entre si as

suas noccedilotildees e raciociacutenios Em terceiro aquela que a razatildeo prescreve agrave vontade para que

ela instruiacuteda pela virtude procure seguir o que for correcto e honesto A primeira

requer a ciecircncia natural a segunda a racional a terceira a moral Portanto a Filosofia

nem precisa de mais nem pode contentar-se com menos partes

Esclarecimento pelo siacutemile Santo Agostinho em parte no livro 8 capiacutetulo 4

da Cidade de Deus em parte no livro 11 capiacutetulo 25 explica a razatildeo desta tripartida

variedade por intermeacutedio de um siacutemile mais ou menos nestes termos tal como satildeo trecircs

as condiccedilotildees que em qualquer artiacutefice se exigem para que faccedila alguma coisa ndash natureza

saber e praacutetica ndash das quais a primeira eacute avaliada pelo engenho a segunda pela ciecircncia e

a terceira pelo produto assim tiveram os filoacutesofos de instituir uma triacuteplice disciplina

natural por causa da natureza racional por causa do saber moral por causa da praacutetica

E dado que o homem foi criado por Deus de tal modo que por intermeacutedio do que nele eacute

superior alcance aquilo que eacute superior a tudo pela ciecircncia deste modo tripartido

alcanccedila Deus uno verdadeiro e oacuteptimo sem o qual nenhuma natureza subsiste nenhum

saber instrui nenhuma praacutetica pode ser uacutetil Existem assim segundo a opiniatildeo de Santo

Agostinho estas trecircs partes da Filosofia como se fossem trecircs graus atraveacutes dos quais

quem for saacutebio por completo aspirando agrave aura celeste procura o ponto mais elevado e

consegue aproximar-se da semelhanccedila a Deus E por isso algueacutem as designou com uma

certa razatildeo trecircs dons singulares atraveacutes dos quais as mentes humanas se iluminam

purificam e aperfeiccediloam seguindo o exemplo da hierarquia celeste61 De facto a

61 De acordo com a doutrina de S Dioniacutesio no 3ordm cap da Caelestis Hierarchia que S Tomaacutes explica na Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 106 art 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 80

Dialeacutectica ao distinguir o verdadeiro do falso pelo artifiacutecio da discussatildeo ilumina o

espiacuterito espalhando sobre ele a luz da verdade a Filosofia Moral ao disciplinar os

costumes arranca as fibras dos viacutecios e assim purifica a Natural ao adornar a mente

com uma intelecccedilatildeo mais elevada das coisas ocultas aperfeiccediloa Podem encontrar-se

outros siacutemiles e razotildees para ilustrar esta questatildeo em Fiacutelon Judeu no livro Sobre a

Agricultura e em Laeacutercio no Zenatildeo Ciacutetico Veja-se tambeacutem Plotino no livro 3 das

Eneacuteadas capiacutetulo 1 sobre a triacuteplice subida ao mundo inteligiacutevel

Segunda divisatildeo A outra disposiccedilatildeo da filosofia eacute aquela em que natildeo se divide a

Filosofia na sua globalidade mas apenas a parte que reside na contemplaccedilatildeo ou seja a

Metafiacutesica a Fisiologia e as disciplinas Matemaacuteticas No entanto uma vez que esta

divisatildeo conteacutem muitas dificuldades relativamente agraves quais seraacute uacutetil e interessante

apresentar uma explicaccedilatildeo vamos dissertar sobre ela de forma mais desenvolvida e

organizada em artigos

QUESTAtildeO I

SE Eacute CORRECTO DIVIDIR A FILOSOFIA CONTEMPLATIVA EM METAFIacuteSICA FISIOLOGIA E

MATEMAacuteTICA

ARTIGO 1ordm

NAtildeO PARECE CORRECTO DIVIDIR-SE

Que aquela tripartida disposiccedilatildeo da filosofia contemplativa que foi transmitida

natildeo eacute muito vaacutelida parece poder demonstrar-se deste modo

Primeiro argumento a partir de Aristoacuteteles e Platatildeo Aristoacuteteles no capiacutetulo 2

do livro 4 da Metafiacutesica afirma que satildeo tantas as partes da Filosofia quantos os geacuteneros

de substacircncias Logo como a Matemaacutetica estuda natildeo uma substacircncia mas a quantidade

eacute evidente que Aristoacuteteles natildeo a enumera nas partes da Filosofia Aleacutem disso Platatildeo

nos Amadores62 onde traccedila o perfil do verdadeiro e legiacutetimo filoacutesofo considera digno

do nome de filoacutesofo apenas aquele que se destaca na maneira de tratar as questotildees

subjacentes agrave disciplina da vida social e dos costumes e pensa por isso que soacute a

doutrina moral eacute a verdadeira Filosofia

Segundo argumento Tal como a Matemaacutetica se empenha em conhecer a

quantidade e as suas disposiccedilotildees assim eacute preciso haver uma ciecircncia que perscrute a

62 scilicet Banquete (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 81

relaccedilatildeo a qualidade e os outros acidentes uma vez que estas coisas nem satildeo menos

difiacuteceis de entender nem deixam de exigir uma explicaccedilatildeo especiacutefica por causa da

dissemelhanccedila de naturezas Logo satildeo muito mais as partes da filosofia

Terceiro argumento Do mesmo modo que a essecircncia do ente moacutevel antecede

pela origem o movimento e as restantes propriedades que a acompanham assim pode

conhecer-se sem eles e encarada deste prisma natildeo diz respeito ao matemaacutetico que se

ocupa apenas da quantidade nem ao ldquoprimeiro filoacutesofordquo que abstrai a sua reflexatildeo da

mateacuteria nem sequer ao fiacutesico pois ele natildeo examina a natureza sem movimento Deve

procurar-se entatildeo uma outra ciecircncia que tome em consideraccedilatildeo a essecircncia do ente

moacutevel quando entendida dessa forma

Quarto argumento Pelo contraacuterio basta uma soacute ciecircncia para contemplar o ente

em geral e todas as suas partes Logo a multiplicidade de ciecircncias eacute supeacuterflua O

antecedente pode comprovar-se de duas maneiras Primeiro porque tal como tudo o que

conhecemos pela luz da revelaccedilatildeo divina diz respeito a uma ciecircncia transcendente ou

seja agrave Teologia assim tudo aquilo que apreendemos por noacutes proacuteprios pelo impulso da

luz inata pode ser reduzido a uma soacute ciecircncia natural visto que em ambos os casos a

razatildeo eacute igual Em segundo lugar porque como todas as coisas satildeo unas enquanto entes

por unidade anaacuteloga nada impede que no seu conjunto obtenham o modo de uma soacute

ciecircncia Porque se algueacutem se opuser dizendo que para fundamentar ou demonstrar a

razatildeo de uma ciecircncia una natildeo basta a unidade anaacuteloga dado que a unidade das ciecircncias

eacute pretendida com base na unidade das abstracccedilotildees abstracccedilotildees essas que satildeo no miacutenimo

trecircs contra isto pode jaacute objectar-se deste modo com os argumentos expostos em

seguida

Trecircs abstracccedilotildees filosoacuteficas Quinto argumento Aquelas trecircs partes principais

da Filosofia ndash Matemaacutetica Fiacutesica e primeira Filosofia ndash ou pelo menos duas delas

consideram apenas um objecto que eacute o mesmo Por conseguinte natildeo dizem respeito agraves

tais diferentes abstracccedilotildees da mateacuteria entre as quais se distinguem como ciecircncias

diversas visto que a mesma coisa natildeo parece de modo nenhum poder alcanccedilar a tal

triacuteplice variedade das abstracccedilotildees Explica-se assim o antecedente De facto o

matemaacutetico considera a quantidade como se sabe

O metafiacutesico considera os geacuteneros supremos Mas o metafiacutesico tambeacutem a deve

contemplar uma vez que contempla os geacuteneros supremos que dividem o ente na

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 82

primeira seriaccedilatildeo bem como o Fiacutesico dado que eacute uma das principais disposiccedilotildees do

ente moacutevel Para aleacutem disso o Fiacutesico disserta sobre o movimento e toda a substacircncia

que estaacute sujeita ao nascimento e agrave morte ora o primeiro filoacutesofo trata das mesmas

questotildees como se pode ver em Aristoacuteteles livros 7 8 e 12 da Metafiacutesica63 Por fim o

ldquoprimeiro filoacutesofordquo toma em consideraccedilatildeo as mentes livres da ligaccedilatildeo agrave mateacuteria sobre

as quais tambeacutem o filoacutesofo natural discute como se mostra no livro 8 desta obra Torna-

se entatildeo evidente que as mesmas coisas satildeo levadas em consideraccedilatildeo pelas diferentes

partes da filosofia contemplativa e ateacute sob a mesma abstracccedilatildeo

Sexto argumento A abstracccedilatildeo relativamente agrave mateacuteria acontece por mais de

trecircs modos logo se as ciecircncias se distinguem pela abstracccedilatildeo desse tipo entatildeo hatildeo-de

ser mais do que trecircs os membros da Filosofia Comprova-se o antecedente Com efeito

os atributos comuns a todas as coisas a que se chama transcendentes e tambeacutem os

geacuteneros supremos existem na realidade em parte na proacutepria mateacuteria em parte fora

dela Esta abstracccedilatildeo difere das trecircs vulgares como se torna manifesto a quem leve isto

em consideraccedilatildeo Aleacutem disso as inteligecircncias embora estejam completamente livres de

mateacuteria fiacutesica como podem no entanto receber em si novos acidentes participam

ainda sem qualquer duacutevida no poder ou como lhe chamam na potencialidade que eacute

um certo geacutenero da mateacuteria tomada de forma improacutepria Daiacute que no livro Das Causas

na nona proposiccedilatildeo se diga que as inteligecircncias tecircm a sua ὔλην Mas Deus oacuteptimo e

maacuteximo como eacute um acto e por isso absolutamente puro estaacute completamente afastado

de todo o tipo de mateacuteria

A mateacuteria existe numa determinada proporccedilatildeo ateacute nas coisas imateriais Exige

portanto outro tipo de abstracccedilatildeo totalmente diversa daquela que conveacutem agraves

inteligecircncias Deve assim instituir-se uma ciecircncia relativa ao transcendente e aos

geacuteneros supremos uma outra sobre Deus e ainda outra para as restantes mentes pois

nem todas estas coisas se poderatildeo incluir apenas na Metafiacutesica a natildeo ser que esta sob o

mesmo nome se possa dividir pela muacuteltipla variedade de trecircs ciecircncias

63 Livro 7 da Metafiacutesica cap 2 6 7 81217 livro 8 da Metafiacutesica a partir do cap 1 e livro 12 da Metafiacutesica cap 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 83

ARTIGO 2ordm

REFERE-SE AS DIVERSAS POSICcedilOtildeES DOS AUTORES E ESTABELECE-SE QUAL DELAS Eacute A

VERDADEIRA

Primeira opiniatildeo Nesta questatildeo nunca houve desacordo entre os antigos

Peripateacuteticos64 Mas na verdade o assunto tem sido abordado pelas opiniotildees de alguns

filoacutesofos modernos e divide-se em posiccedilotildees contraacuterias Haacute entatildeo quem defenda que

existe apenas uma ciecircncia que percorre todo o domiacutenio do ente e considera especiacutefica e

distintamente todas as suas partes Pelos Filoacutesofos poreacutem foi dividida naqueles trecircs

ramos jaacute conhecidos para facilidade dos aprendizes porque natildeo se pode aprender ao

mesmo tempo tatildeo numerosos e tatildeo diversos geacuteneros de coisas compreendidos num soacute

E de facto o quarto argumento do artigo anterior daacute-lhes razatildeo

Refutaccedilatildeo No entanto este parecer natildeo eacute satisfatoacuterio natildeo soacute por ser inovador

mas tambeacutem por mostrar fraca aparecircncia de probabilidade Eacute de facto inovador porque

nunca passou pela cabeccedila de nenhum dos Filoacutesofos reduzir todas as ciecircncias a uma soacute

Quem disserta sobre a variedade das ciecircncias seja em que contexto for fala sobre elas

como coisas distintas no que diz respeito agrave sua natureza e agrave sua espeacutecie O que se pode

ver sobretudo em Platatildeo entre outros no diaacutelogo Sobre o reino65 no Filebo no Sofista

no livro 10 da Repuacuteblica E tambeacutem em Aristoacuteteles no livro 1 dos Analiacuteticos

Posteriores capiacutetulos 19 e 23 no livro 8 dos Toacutepicos capiacutetulo 2 no primeiro livro

Sobre a Alma capiacutetulo 1 no livro 3 capiacutetulo 8 e em muitas outras passagens

Escurece o brilho da Filosofia Um parecer deste tipo eacute tambeacutem por si proacuteprio menos

provaacutevel porque como eacute natural escurece muito o brilho da Filosofia na medida em

que a lanccedila e aprisiona no aglomerado de um soacute corpo confuso como se fosse na

ὀμοιομερίαν de Anaxaacutegoras E depois quem pode fazer com que uma tatildeo vasta

miscelacircnea de coisas e uma variedade tatildeo grande de naturezas opostas se adapte agrave

compreensatildeo de uma soacute ciecircncia

Conclui-se o distinto e evidente conhecimento das mateacuterias que caem sob o

escopo das ciecircncias Com igual razatildeo poderia talvez dizer-se que toda a mateacuteria ou

objectos de todas as virtudes pertencem a uma soacute virtude O que poderia haver de mais

absurdo na doutrina Moral Aleacutem disso pode demonstrar-se que a distinccedilatildeo das 64 Sobre este assunto veja-se Mirandulano no livro 13 De singulari certamine secccedilotildees 6 e 7 e no iniacutecio do livro 1465 O Poliacutetico

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 84

ciecircncias natildeo nasceu apenas da comodidade mas tambeacutem da proacutepria natureza porque ndash

como ensinam Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 23 bem como Platatildeo no

diaacutelogo Sobre o furor poeacutetico e os restantes filoacutesofos reiteradamente ndash as ciecircncias

distinguem-se entre si pelas mateacuterias que lhes sujeitam e atribuem a que se chamam

sujeitos de atribuiccedilatildeo e do mesmo modo acontece com as potecircncias atraveacutes dos

objectos Por conseguinte como eacute tambeacutem voz comum dos que filosofam uma vez que

as potecircncias ndash por exemplo de nutrir de sentir de inteligir ndash diferem entre si num ponto

essencial de forma igualmente inequiacutevoca hatildeo-de as ciecircncias distinguir-se umas das

outras Resumindo a diferenccedila entre os princiacutepios que cada uma utiliza e os modos

completamente diversos de observar e de abordar os objectos atestam claramente que

esta distinccedilatildeo entre as ciecircncias eacute intriacutenseca e natural

Segunda opiniatildeo que tambeacutem se rejeita Diversa eacute a opiniatildeo de quem afirma

que para aleacutem daquelas trecircs partes da Filosofia devem ser criadas muitas outras de tal

modo que a Metafiacutesica contenha na sua designaccedilatildeo e no seu seio pelo menos trecircs

ciecircncias diversas quanto ao geacutenero uma que contemple a divindade outra que trate das

inteligecircncias e uma terceira que discorra sobre o transcendente e os geacuteneros supremos

Com esta opiniatildeo concorda o sexto argumento do artigo anterior mas nem dizem a

verdade nem seguem Aristoacuteteles como se haacute-de tornar evidente no desenvolvimento

desta discussatildeo

Terceira opiniatildeo correspondente agrave verdade A terceira posiccedilatildeo ndash a que

devemos abraccedilar ndash pertence agravequeles que pensam que nem a ciecircncia eacute apenas uma nem

satildeo diversas as metafiacutesicas mas apenas uma Metafiacutesica uma Fisiologia e vaacuterias

Matemaacuteticas e que satildeo todas elas entre si de tal modo diferentes pela natureza e difusas

pela amplitude que dessa diferenccedila entre elas floresce toda a Filosofia que se dedica agrave

contemplaccedilatildeo

Comprova-se pelo testemunho dos filoacutesofos66 Confirma esta afirmaccedilatildeo em primeiro

lugar a autoridade de Platatildeo no livro Sobre a doutrina platoacutenica de Alcino capiacutetulo 6

e tambeacutem vaacuterios testemunhos de Aristoacuteteles como por exemplo no livro 6 da

Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 2 e no livro 11 capiacutetulo 6 Eacute seguido por S Damasceno no

primeiro capiacutetulo da sua Fisiologia por Boeacutecio no livro Sobre a trindade capiacutetulo 2

66 Temiacutestio e Filoacutepono neste passo Eustraacutecio no iniacutecio da Eacutetica S Tomaacutes no livro 11 da Metafiacutesica liccedilatildeo 7 Alberto Magno no livro 1da Metafiacutesica cap1 Escoto no livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 85

por Avicena no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 Algazel no iniacutecio da sua Filosofia

Ptolomeu no Almagesto livro 1 capiacutetulo 1 e pela escola comum dos Peripateacuteticos

ARTIGO 3ordm

PODE-SE DISTINGUIR CORRECTAMENTE AS PARTES DA FILOSOFIA CONTEMPLATIVA DE

ACORDO COM A VARIEDADE DAS ABSTRACCcedilOtildeES EM RELACcedilAtildeO Agrave MATEacuteRIA E AO MOVIMENTO

Razatildeo das abstracccedilotildees nas ciecircncias Ora para que a verdade apareccedila com toda

a clareza eacute preciso ter em conta segundo afirma S Tomaacutes67 no Opuacutesculo 70 questatildeo 3

artigo 1ordm bem como noutros locais que ao objecto que cai sob a observaccedilatildeo da ciecircncia

convecircm por assim dizer dois atributos um em virtude da potecircncia intelectiva que

aperfeiccediloa e complementa o outro por causa do haacutebito da ciecircncia pelo qual se chega a

ela Em funccedilatildeo da primeira causa compete-lhe ser algo de imaterial visto que a

faculdade de inteligir eacute desprovida de mateacuteria Pela segunda natildeo pode deixar de obter

certeza e imutabilidade visto que a ciecircncia se faz acerca de coisas necessaacuterias e eacute

preciso que tudo o que eacute necessaacuterio seja seguro e imutaacutevel Mas aquilo que estaacute sujeito

ao movimento enquanto tal tanto o pode ser como natildeo segundo diz Aristoacuteteles no

livro 9 da Metafiacutesica capiacutetulo 9 texto 17 Assim sendo eacute preciso que tudo aquilo que

caia sob a contemplaccedilatildeo da ciecircncia exija a si mesmo uma certa abstracccedilatildeo da mateacuteria e

do movimento

De que modo se determina o nuacutemero das artes contemplativas Feitas estas

advertecircncias jaacute se poderaacute provar o nosso intuito deste modo tantas satildeo as ciecircncias

contemplativas quantas as abstracccedilotildees da mateacuteria e do movimento Ora estas satildeo trecircs

no total logo outras tantas seratildeo as ciecircncias contemplativas Fundamenta-se a

proposiccedilatildeo maior porque estas abstracccedilotildees satildeo necessariamente acompanhadas por

modos diversos ndash chamam-lhes lsquocognoscibilidadesrsquo68 ndash sob as quais as ciecircncias atingem

por si mesmas as coisas sujeitas e cada uma delas produz uma distinccedilatildeo entre as

proacuteprias ciecircncias Daiacute que Aristoacuteteles no livro 6 capiacutetulo 1 texto 2 da Metafiacutesica e

tambeacutem no livro 12 capiacutetulo 6 bem como no primeiro livro Sobre a Alma capiacutetulo 1

texto 17 e ainda noutros locais tenha estabelecido o nuacutemero das ciecircncias em funccedilatildeo da

variedade das abstracccedilotildees Consta que Platatildeo teraacute feito o mesmo pelo que conta Alcino

67 Em Questotildees sobre a verdade questatildeo 2 artigo 6 nota 1 no Proacutelogo da Metafiacutesica no livro 6 liccedilatildeo 1 e no princiacutepio desta obra68 Scibilitates (NT)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 86

no livro sobre a sua doutrina capiacutetulo 7 A proposiccedilatildeo menor explica-se pelo facto de

existir uma abstracccedilatildeo da mateacuteria sensiacutevel apenas singular uma outra da mateacuteria

sensiacutevel tambeacutem comum que natildeo eacute real mas racional e uma de toda a mateacuteria

simultaneamente real e racional

Adaptaccedilatildeo das abstracccedilotildees agraves ciecircncias A primeira delas diz respeito ao

Filoacutesofo Natural a segunda ao Matemaacutetico a uacuteltima ao Metafiacutesico De facto o Filoacutesofo

Natural toma em consideraccedilatildeo por exemplo o homem na medida em que eacute constituiacutedo

pela alma e pelo corpo afeito a qualidades que caem sob o domiacutenio dos sentidos a que

se chama mateacuteria sensiacutevel mas natildeo perscruta a mateacuteria singular uma vez que o

singular por si mesmo natildeo diz respeito agrave ciecircncia O Matemaacutetico contempla as

disposiccedilotildees dos triacircngulos e outras do mesmo geacutenero mas apesar de elas estarem de

facto ligadas agrave mateacuteria sensiacutevel natildeo as avalia enquanto existentes desse modo na

mateacuteria O Metafiacutesico dedica-se ao conhecimento da causa primeira e tambeacutem das

inteligecircncias e das outras coisas que natildeo consistem na mateacuteria nem a incluem na sua

constituiccedilatildeo Por conseguinte o que dissemos sobre a abstracccedilatildeo da mateacuteria deve ser

entendido do mesmo modo quanto agrave separaccedilatildeo do movimento Torna-se entatildeo evidente

que haacute trecircs tipos de abstracccedilotildees e por isso outras tantas partes da Filosofia

especulativa e natildeo eacute preciso acrescentar-lhe outras para aleacutem destas porque tudo o que

se submete agrave contemplaccedilatildeo da ciecircncia eacute percepcionado pelo intelecto atraveacutes de uma

das trecircs noccedilotildees mencionadas Ora esta razatildeo eacute brevemente aflorada por S Tomaacutes no

lugar citado

No entanto nas mencionadas abstracccedilotildees ainda que por vezes natildeo se avalie

como moacutevel nem como material o que eacute na realidade moacutevel ou estaacute unido agrave mateacuteria

mesmo assim poreacutem a falsidade natildeo interveacutem porque nem se atribui a uma coisa que a

natildeo tenha nem se nega agrave que a tem pelo contraacuterio o pensamento soacute separa e abstrai a

mateacuteria daquilo a que na verdade ela se une Ao abstraiacute-la poreacutem69 como ensina

Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo 2 texto 18 e no livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo

11 texto 3 natildeo haacute lugar para a mentira nem para o erro a capacidade de abstrair

considera quanto for possiacutevel o que estaacute unido em separado o que eacute material sem a

mateacuteria e o que eacute moacutevel sem o movimento

69 Leia-se S Tomaacutes Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 85 artigo 1 ao 1ordm

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 87

ARTIGO 4ordm

NAS DISCIPLINAS MATEMAacuteTICAS NAtildeO HAacute APENAS UM TIPO DE ABSTRACCcedilAtildeO DA MATEacuteRIA

Mas noacutes quando indicamos uma abstracccedilatildeo triacuteplice da mateacuteria entendemos

triacuteplice parcialmente na espeacutecie parcialmente no geacutenero Pois na verdade embora a

Fisiologia tenha uma abstracccedilatildeo na espeacutecie e a Metafiacutesica do mesmo modo apenas

uma na espeacutecie as Matemaacuteticas poreacutem requerem uma no geacutenero e duas na espeacutecie

Para que isto se torne claro natildeo se pode ignorar que a mateacuteria estaacute bipartida sem

duacutevida nenhuma em sensiacutevel e inteligiacutevel

De que modo se divide a mateacuteria no seu sentido mais lato A mateacuteria sensiacutevel

eacute a mateacuteria-prima envolvida pelos acidentes que movem os sentidos Mas quanto agrave

inteligiacutevel eacute controverso o que se possa dizer S Tomaacutes na Suma Teoloacutegica 1ordf parte

questatildeo 85 artigo 1 acredita que eacute a mesma mateacuteria-prima mas encarada apenas na

medida em que estaacute sujeita agrave quantidade Com S Tomaacutes concorda o Ferrariense no

livro 2 desta obra questatildeo 2 e Soncinas no livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 11 No

entanto muitos outros natildeo aprovam esta opiniatildeo Na verdade como se diz na opiniatildeo

comum dos filoacutesofos que o geoacutemetra natildeo abstrai a cogniccedilatildeo da mateacuteria inteligiacutevel se a

mateacuteria inteligiacutevel fosse mateacuteria prima entatildeo a reflexatildeo matemaacutetica poderia chegar agrave

substacircncia Mas Aristoacuteteles nega-o no livro 12 da Metafiacutesica capiacutetulo 8 texto 44 e com

ele todos os inteacuterpretes gregos em parte no livro 2 desta obra desde o texto 18 em

parte no livro 1 Sobre a Alma texto 17 E isto pode demonstrar-se a partir desta razatildeo

os Matemaacuteticos nem quando definem nem quando demonstram fazem qualquer

menccedilatildeo da mateacuteria ou de outra substacircncia E com toda a razatildeo visto que as disposiccedilotildees

matemaacuteticas natildeo precisam de uma menccedilatildeo desse tipo como aquelas que convecircm agrave

quantidade tomada em si mesma sem qualquer ordem para a substacircncia como ser igual

ou desigual ser divisiacutevel ter proporccedilatildeo ou qualquer outra deste tipo Asseguram entatildeo

estes autores que a mateacuteria inteligiacutevel eacute uma grandeza isto eacute uma linha uma superfiacutecie

um corpo e que se diz mateacuteria por causa da semelhanccedila ou da analogia que tem com a

mateacuteria-prima (tal como esta recebe as formas substanciais assim a outra recebe as

acidentais agrave sua maneira) No entanto eacute designada por inteligiacutevel porque dizendo

respeito ao Matemaacutetico natildeo eacute pelos sentidos que pode ser percebida mas pelo intelecto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 88

Opiniatildeo de Alexandre Esta uacuteltima posiccedilatildeo parece mais verosiacutemil e foi seguida por

Alexandre de Afrodiacutesia no livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo 10 sobre o texto 55 por S

Tomaacutes no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 23 e ainda por muitos outros autores70

A abstracccedilatildeo Matemaacutetica eacute dupla E assim feitas estas explicaccedilotildees

estabelecemos que a abstracccedilatildeo Matemaacutetica natildeo eacute una na espeacutecie mas dupla De facto

as coisas matemaacuteticas ou se afastam atraveacutes do pensamento apenas da mateacuteria

sensiacutevel ou simultaneamente tambeacutem da inteligiacutevel Se for do primeiro modo dizem

respeito ao Geoacutemetra se for do segundo ao Aritmeacutetico Entatildeo o Geoacutemetra como

testemunha Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo 2 texto 20 e no livro 1 da

Retoacuterica a Teodectes capiacutetulo 2 deve contemplar as disposiccedilotildees da grandeza e o

Aritmeacutetico por seu lado deve ocupar-se das propriedades do nuacutemero

Por que eacute que as Matemaacuteticas satildeo vaacuterias a Fiacutesica soacute uma e a metafiacutesica

tambeacutem apenas uma Tendo em conta o que foi dito torna-se claro por que eacute que as

matemaacuteticas satildeo vaacuterias e a Fisiologia pelo contraacuterio eacute soacute uma bem como a Metafiacutesica

Evidentemente porque qualquer uma destas exige apenas uma abstracccedilatildeo enquanto as

primeiras exigem duas No entanto ateacute aqui noacutes trataacutemos apenas daquelas Matemaacuteticas

que se consideram simples e puras Existem poreacutem outras para aleacutem destas que se

designam por mistas porque se situam no meio entre a Fisiologia e as Matemaacuteticas no

seu estado puro daiacute que os seus objectos digam respeito em parte ao Filoacutesofo Natural

e em parte ao Aritmeacutetico ou ao Geoacutemetra como por exemplo a Muacutesica e a Perspectiva

De facto o nuacutemero sonoro de que se ocupa a Muacutesica pela sua dimensatildeo numeacuterica eacute

algo de aritmeacutetico pela sua dimensatildeo sonora eacute algo de fiacutesico Sobre este assunto [leia-

se] Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo 2 e tambeacutem os seus inteacuterpretes sobre os

textos 18 e 19 bem como no livro 3 a propoacutesito do texto 7171 De toda a disposiccedilatildeo das

artes Matemaacuteticas tratam tambeacutem Proclo no livro 1 do Euclides Alcino no livro Sobre

a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 6 e Hugo de Satildeo Victor no capiacutetulo 2 do Didascalion a

partir do capiacutetulo 7

70 Leia-se Vicomercato no cap 2 do livro 2 do comentaacuterio a esta obra Teoacutefilo Zimara no livro 1 Da Alma no texto 17 e Antoacutenio Zimara propos 8 nos Teoremas71 Leia-se tambeacutem Escaliacutegero nas Exercitaccedilotildees exoteacutericas exercitaccedilotildees 321 e 322

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 89

ARTIGO 5ordm

EXPLICACcedilAtildeO DE ALGUMAS DUacuteVIDAS PARA ESCLARECER MELHOR O QUE SE DISSE

ANTERIORMENTE

Para que se torne mais claro o que discorremos sobre a variedade e a distinccedilatildeo

das abstracccedilotildees devemos explicar algumas duacutevidas que a muitos dos filoacutesofos

sobretudo modernos parecem inexplicaacuteveis na nossa posiccedilatildeo Em primeiro lugar dizem

natildeo compreender de que modo o Metafiacutesico afasta o pensamento da mateacuteria tanto de

forma real como racional visto que natildeo soacute trata de todas as coisas que subsistem

totalmente fora da mateacuteria mas tambeacutem dos transcendentes e dos geacuteneros supremos

alguns dos quais existem parcialmente na mateacuteria como por exemplo a substacircncia e a

qualidade outros estatildeo por completo imersos na mateacuteria nomeadamente a situaccedilatildeo e o

haacutebito E ainda mais dado que contempla tambeacutem a proacutepria mateacuteria-prima como

consta do livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo 3

Certos predicados metafiacutesicos estatildeo em parte separados da mateacuteria e em

parte ligados a ela Para dissolvermos esta dificuldade deve entender-se que entre os

predicados que directamente e por si mesmos dizem respeito ao assunto da primeira

Filosofia haacute alguns que satildeo pura Metafiacutesica ou seja nenhuma parte deles por si

mesma eacute tratada como assunto por qualquer outro especialista em Artes como por

exemplo as inteligecircncias outros haacute que natildeo satildeo pura Metafiacutesica satildeo daqueles que

implicam mateacuteria em alguns inferiores mas em outros isso natildeo acontece como por

exemplo a substacircncia o bom o uno e outros deste tipo Eacute por isso que embora no

tribunal da ldquoPrimeira Filosofiardquo todos estes se considerem verdadeiramente separados

da mateacuteria poreacutem isso natildeo se verifica sempre do mesmo modo ora os primeiros eacute

porque natildeo tecircm qualquer contacto com a mateacuteria os outros porque natildeo a incluem no

seu conceito e quando satildeo considerados em si mesmos natildeo mostram qualquer diferenccedila

para que na realidade se encontrem fora dela A esta abstracccedilatildeo chama S Tomaacutes no

livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 bem como muitos outros na senda de Avicena livro 1

da sua Metafiacutesica capiacutetulo 2 abstracccedilatildeo segundo a indiferenccedila72

Pergunta Perguntam todavia os defensores da opiniatildeo contraacuteria que razatildeo

haveraacute entatildeo para que as coisas que existem parcialmente na mateacuteria e parcialmente

fora dela se considerem mais afastadas do que ligadas agrave mateacuteria visto que natildeo parece

72 Leia-se Soncinas 12 Metafiacutesica q 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 90

poder apresentar-se qualquer razatildeo idoacutenea para que se diga uma coisa em detrimento da

outra

Resposta Queremos responder-lhes que natildeo dissemos isto sem uma excelente

razatildeo E na verdade o mesmo se aplica nos termos jaacute enunciados ndash ldquoser algo abstraiacutedo

da mateacuteriardquo e ldquoser-lhe indiferenterdquo ou ldquonatildeo a reivindicar para si por naturezardquo como

explica S Tomaacutes no lugar citado Por isso tal como afirmamos com toda a verdade que

o animal em si mesmo eacute indiferente ao grau do racional mesmo que esteja de facto

parcialmente unido a ele na medida em que estaacute contido no ser humano e parcialmente

separado pois estaacute incluiacutedo nas bestas De igual modo afirmamos com legitimidade que

a substacircncia estaacute afastada e separada da mateacuteria ou seja eacute independente e indiferente a

ela ainda que por um lado esteja livre da mateacuteria pois estaacute naturalmente contida nas

inteligecircncias por outro estaacute imersa nela na medida em que se encontra nas substacircncias

dotadas de corpo

Mas no que se refere aos outros geacuteneros supremos que nem simplesmente

nem pela indiferenccedila estatildeo separados da mateacuteria esses natildeo dizem respeito por completo

ao Metafiacutesico mas somente enquanto cogniccedilatildeo divisiva na medida em que lhe

compete em termos gerais dividir o ente nas suas partes

De que modo o Metafiacutesico deve considerar a mateacuteria Por isso uma vez que

nesta divisatildeo tambeacutem ocorrem geacuteneros deste tipo daiacute resulta que tem igualmente de os

conhecer na medida em que os investiga para perceber toda a amplitude do ser embora

esta seja uma cogniccedilatildeo imperfeita e quase perfunctoacuteria Do mesmo modo tambeacutem o

ldquoPrimeiro Filoacutesofordquo considera a mateacuteria porque nela incide tendo em conta que o ente

se reparte em acto e potecircncia cujo principal indiacutecio eacute a mateacuteria E assim as coisas que

natildeo subsistem de forma alguma fora da mateacuteria natildeo as trata o Metafiacutesico senatildeo de

passagem e quase por acidente apenas por acaso dado que lhe compete pela sua

funccedilatildeo como presidente comum de todos os filoacutesofos73 instituir e preservar a Repuacuteblica

das ciecircncias e atribuir a cada disciplina a mateacuteria proacutepria e especiacutefica a que se deve

dedicar74 Por esta razatildeo com todo o seu direito e dignidade transpotildee livremente as

metas do proacuteprio objecto formal como se haacute-de dizer noutro lugar de forma mais

73 Artifices (N do T)74 Sobre o modo como o Metafiacutesico deve considerar a mateacuteria discorrem Averroacuteis na digressatildeo ao texto 9 livro 7 da Metafiacutesica Egiacutedio no proeacutemio desta obra Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 15 e Janduno no livro 12 da Metafiacutesica questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 91

pormenorizada A partir do que foi dito torna-se evidente a resoluccedilatildeo da dificuldade

apresentada e se for tida em atenccedilatildeo seraacute uacutetil para dissolver muitas outras duacutevidas que

ocorrem frequentemente nesta mateacuteria

Duacutevida acerca das abstracccedilotildees Matemaacuteticas Subsiste ainda uma outra duacutevida

acerca das abstracccedilotildees da Matemaacutetica que natildeo podemos deixar envolver no silecircncio a

saber como haacute-de ser possiacutevel que o Aritmeacutetico e o Geoacutemetra na contemplaccedilatildeo natildeo

faccedilam uso da mateacuteria-prima uma vez que a quantidade como atesta Aristoacuteteles no livro

6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1 bem como noutros locais depende enquanto ser da

substacircncia corpoacuterea e de tal modo que natildeo pode ser entendida sem a mateacuteria

Explicaccedilatildeo da duacutevida Deve responder-se poreacutem que a quantidade segundo a

sua essecircncia com conhecimento perfeito de todos os nuacutemeros natildeo pode ser

verdadeiramente entendida sem o expliacutecito conceito da natureza corpoacuterea no entanto

natildeo compete agrave Aritmeacutetica nem agrave Geometria o conhecimento deste tipo de quantidade75

Ora aquelas disposiccedilotildees dos nuacutemeros e das grandezas natildeo persistem ateacute ao ponto de

explorarem claramente a sua natureza chegando mesmo a perscrutar a sua ligaccedilatildeo

essencial agrave mateacuteria Salientam este aspecto para aleacutem de outros Filoacutepono Temiacutestio

Simpliacutecio e Averroacuteis natildeo soacute no primeiro livro 1 Sobre a Alma no texto 35 como

tambeacutem em outros locais e do mesmo modo Alense no proeacutemio da Metafiacutesica se eacute

realmente sua aquela obra

ARTIGO 6ordm

DISSOLVEM-SE OS ARGUMENTOS APRESENTADOS NO INIacuteCIO DA QUESTAtildeO

Cumpre agora dissolver os argumentos que colocaacutemos no iniacutecio da questatildeo

Em relaccedilatildeo ao primeiro deve dizer-se que Aristoacuteteles utilizou naquele contexto o

termo lsquoFilosofiarsquo numa acepccedilatildeo um pouco mais restrita certamente apenas como

ciecircncia que discorre sobre as coisas que subsistem por si mesmas E que Platatildeo nos

Amadores76 ou falou por hipeacuterbole para amplificar o sentido ou entatildeo natildeo exprimiu a

sua maneira de pensar mas a de Soacutecrates a quem daacute voz nesse diaacutelogo

75 Leia-se sobre este assunto o que diz Alberto Magno no livro 5 da Metafiacutesica tratado 3 cap2 Antonio Andreas no livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 3 Teoacutefilo Zimara no livro 1 Sobre a Alma no texto 17 Antoacutenio Zimara nos Teoremas 776 scilicet Banquete

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 92

Soacutecrates direccionou toda a filosofia para os costumes Consta que Soacutecrates

direccionou toda a Filosofia para o objectivo de bem viver e para a formaccedilatildeo dos

costumes Natildeo foi decerto somente dele mas tambeacutem de outros o juiacutezo acerca da

Filosofia Moral Os estoacuteicos poreacutem ornavam-na somente com o tiacutetulo de Filosofia daiacute

que a definissem como sabedoria ciecircncia dos bons e dos maus e arte de gerir a vida

Sobre este assunto se quiserem leiam Epicteto no Enchiridion capiacutetulo 67 e Plutarco

no opuacutesculo An seni gerenda sit Respublica77

Ao segundo respondemos que a qualidade a relaccedilatildeo e os outros acidentes natildeo

satildeo considerados pelo Filoacutesofo senatildeo sob alguma daquelas trecircs abstracccedilotildees e por isso

pertencem necessariamente a alguma das trecircs ciecircncias Por exemplo as cores uma vez

que com razatildeo se consideram apenas em relaccedilatildeo agrave mateacuteria sensiacutevel pertencem ao

Fiacutesico os triacircngulos uma vez que se afastam da mateacuteria sensiacutevel e natildeo da inteligiacutevel

pertencem ao Geoacutemetra as ciecircncias uma vez que satildeo independentes da mateacuteria

pertencem ao Metafiacutesico

A quem compete o estudo das relaccedilotildees E o mesmo se deve dizer tambeacutem das

relaccedilotildees porque por exemplo a desigualdade entre duas espeacutecies de anjos compete ao

Metafiacutesico a proporccedilatildeo entre dois nuacutemeros ao Aritmeacutetico a relaccedilatildeo da fonte de calor

com aquilo que vai aquecer ao Fiacutesico E observando desta perspectiva o que dissemos

mais atraacutes natildeo seraacute difiacutecil atribuir a cada ciecircncia o que estaacute contido em cada uma das

categorias

Explicaccedilatildeo mais pormenorizada deste argumento Se todavia ainda houver

algueacutem que natildeo se considere satisfeito com este argumento e defenda que para aleacutem da

quantidade haacute muitos outros acidentes materiais cujo conhecimento como acontece

com a quantidade o Filoacutesofo procura tirar da mateacuteria sensiacutevel de tal modo que possa e

deva ateacute encontrar uma nova ciecircncia sobre eles distinta da Fisiologia e das

Matemaacuteticas esse algueacutem haacute-de entender que enfim embora admitamos que os

acidentes deste tipo se podem considerar desse modo natildeo se deve valorizar poreacutem essa

consideraccedilatildeo ao ponto de uma outra ciecircncia ter de se ocupar dela com toda a dignidade

No entanto as coisas datildeo-se de outro modo no que diz respeito agrave quantidade que por

causa da recocircndita fecundidade das muacuteltiplas afeiccedilotildees que reivindica para si na medida

em que se abstrai da mateacuteria sensiacutevel natildeo criou apenas uma mas vaacuterias disciplinas

77 Seraacute que a Repuacuteblica deve ser governada por um anciatildeo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 93

O ente moacutevel considerado em si mesmo compete ao estudo da Fiacutesica

Relativamente ao terceiro ponto cumpre negar que a essecircncia do ente moacutevel

considerada em si mesma e antecedendo pela origem todas as suas propriedades natildeo

pertenccedila ao Fiacutesico Nem tampouco se deve dizer que ele natildeo observa a natureza sem

movimento por tambeacutem natildeo contemplar a proacutepria essecircncia do ente moacutevel tomada em si

mesma mas sim por natildeo excluir do seu estudo o movimento enquanto movimento

como fazem as outras ciecircncias Muito pelo contraacuterio aplica a maior parte do seu esforccedilo

na investigaccedilatildeo e na explicaccedilatildeo do movimento

Relativamente ao quarto deve negar-se a proposiccedilatildeo antecedente e dizer-se

quanto agrave sua primeira confirmaccedilatildeo que as coisas conhecidas pela luz natural da razatildeo

humana natildeo podem dizer respeito a uma soacute ciecircncia natural pelo simples facto de as

coisas conhecidas pela luz da divina revelaccedilatildeo e da feacute pertencerem a uma soacute ciecircncia

transnatural porque a luz natural do intelecto natildeo eacute mais do que a proacutepria faculdade e a

forccedila do entendimento que para o acto da ciecircncia concorre apenas de forma eficiente e

por si proacuteprio natildeo se orienta mais para este acto do que para o inteligiacutevel mais para

uma do que para outra intelecccedilatildeo

Razatildeo pela qual natildeo se retira a distinccedilatildeo das ciecircncias a partir da luz inata do

intelecto Assim sendo embora natildeo possamos partindo dessa luz demonstrar

cabalmente a unidade das ciecircncias o mesmo natildeo acontece com a luz da divina

revelaccedilatildeo Antes de mais porque natildeo eacute a proacutepria potecircncia mas reveste-se de potecircncia

atraveacutes de um dom celeste e impele-a para determinados actos Depois porque natildeo

concorre para o consentimento apenas de modo eficiente mas tambeacutem objectivo e ateacute

formal dado que a razatildeo formal do objecto da Teologia que se diz passiacutevel de

revelaccedilatildeo eacute dominada por essa luz que eacute como a razatildeo de atingirmos os pensamentos a

que damos assentimento Mas uma vez que se deve pedir a unidade e a distinccedilatildeo das

ciecircncias agrave razatildeo formal do objecto78 e a razatildeo formal de tudo o que nesta condiccedilatildeo de

vida se conhece pela luz da revelaccedilatildeo divina eacute una tal como eacute una a luz de onde

descende acontece entatildeo que temos apenas uma ciecircncia sobrenatural e vaacuterias naturais

E assim torna-se claro que nada se pode concluir do primeiro argumento pelo qual se

confirmava a proposiccedilatildeo antecedente Mas agrave uacuteltima jaacute se respondeu devidamente

78 Consulte-se Capreacuteolo no proacutelogo agraves Sentenccedilas questatildeo 3 ateacute ao fim e Caetano 1ordf parte Suma Teoloacutegica questatildeo 1 art 3

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 94

Que filoacutesofos79 e com que variedade examinam a quantidade Relativamente ao

quinto deve negar-se o que foi previamente afirmado e para sua confirmaccedilatildeo declara-

se que a Matemaacutetica a Fisiologia e a Metafiacutesica consideram a quantidade mas cada

uma delas em funccedilatildeo do seu domiacutenio isto eacute sob a sua abstracccedilatildeo proacutepria80 A

matemaacutetica considera-a como eacute evidente no acircmbito de algumas relaccedilotildees que dizem

absolutamente respeito agrave quantidade enquanto quantidade Satildeo deste tipo o igual e o

desigual o excesso e o defeito a simetria e a proporccedilatildeo bem como muitas outras

enumeradas por Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica capiacutetulo 2 texto 5 A Fisiologia

considera-a na medida em que a quantidade eacute uma propriedade do ente moacutevel e

fundamento de todos os acidentes sensiacuteveis A Metafiacutesica porque eacute inevitaacutevel que o

ldquoprimeiro Filoacutesofordquo pelo menos quando o ente se divide pelos dez geacuteneros incorra na

quantidade Relativamente ao resto deste argumento por uma razatildeo semelhante se deve

admitir que o Metafiacutesico trata da substacircncia que estaacute sujeita a nascimento e morte e

tambeacutem do movimento sem contemplar as naturezas destas coisas como mateacuteria que

lhe eacute proacutepria e particular mas na medida em que dizem respeito ao conhecimento

divisivo da substacircncia ou do acto em geral ou entatildeo (o que tambeacutem se pode dizer da

quantidade) segundo uns certos conceitos geneacutericos ou por fim porque assim o

determina o encargo comum com que a ldquoPrimeira Filosofiardquo preside agraves restantes artes

como atraacutes lembraacutemos81

Em que medida a Fisiologia deve considerar as substacircncias afastadas do

contacto com a mateacuteria Deve admitir-se tambeacutem que o Fiacutesico toca alguns aspectos das

substacircncias materiais natildeo como se perscrutasse a natureza delas considerada em si

mesma mas na medida em que mostra a sua eficiecircncia relativamente aos movimentos

dos corpos celestes e prova que natildeo se daacute um progresso infinito nas coisas que se

movem para que tambeacutem sejam movidas82 E assim embora o que se aduz no

argumento natildeo incida apenas numa soacute parte da Filosofia natildeo se deve por isso pensar

que isso acontece sob a mesma abstracccedilatildeo ou que nas ciecircncias se confundem ou

79 Artifices (N do T)80 Janduno livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 381 S Tomaacutes livro 1-2 questatildeo 66 artigo 5 ao 1ordm e livro 3 da Metafiacutesica liccedilatildeo 482 Sobre esta questatildeo veja-se Avicena no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 Egiacutedio no livro 1 do comentaacuterio ao De generatione questatildeo 14 Javelo livro 12 da Metafiacutesica Soncinas livro 12 da Metafiacutesica questatildeo 1 Zimara no Teorema 53 Escaliacutegero Exercit 6 n 3 Averroacuteis no livro 12 da Metafiacutesica texto 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 95

misturam as abstracccedilotildees da mateacuteria como seraacute manifesto a quem prestar atenccedilatildeo ao que

dissemos

Ao sexto jaacute eacute bastante evidente o que se deve responder no que aos geacuteneros

supremos e transcendentes diz respeito No entanto o que se contrapotildee relativamente a

Deus e agraves inteligecircncias exige uma explicaccedilatildeo mais difiacutecil Mas pode ser desenleada

deste modo Como se diz que a abstracccedilatildeo da mateacuteria preside agrave distinccedilatildeo das ciecircncias

natildeo se deve assumir o nome de mateacuteria numa acepccedilatildeo tatildeo ampla que se espalhe por tudo

aquilo que de alguma forma se ligue agrave mateacuteria mas de modo a que compreenda apenas

a mateacuteria sensiacutevel e inteligiacutevel A causa disto eacute o facto de como expusemos

anteriormente as ciecircncias serem distinguidas pelas abstracccedilotildees da mateacuteria uma vez que

natildeo satildeo conduzidas por si mesmas aos seus objectos a natildeo ser enquanto de algum

modo se afastam da mateacuteria e devem por isso mesmo ser afastadas da mateacuteria para

que pelo seu modo proacuteprio se ajustem ao intelecto que vatildeo aperfeiccediloando

A nossa alma na sua origem primitiva eacute uma taacutebua rasa Ora mostra-se

claramente que para conciliar um ajustamento deste tipo natildeo eacute preciso que o objecto da

ciecircncia seja reivindicado pela potencialidade que de certo modo se diz mateacuteria visto

que o intelecto natildeo eacute de modo algum alheio a ela como aquele que desde a sua

primitiva razatildeo estaacute todo em potecircncia agrave semelhanccedila de uma taacutebua em que a matildeo do

artiacutefice ainda natildeo induziu qualquer cor natildeo imprimiu qualquer imagem Torna-se

assim evidente que embora Deus esteja tatildeo livre da mateacuteria que afaste de si ateacute mesmo

a potencialidade a que chamam mateacuteria Metafiacutesica poreacutem o grau desta abstracccedilatildeo

maior natildeo basta para que se institua uma Filosofia sobre Deus e outra sobre as

inteligecircncias uma vez que este tipo de abstracccedilatildeo por si mesma natildeo faz nada pela

ciecircncia

De acordo com o que foi dito ningueacutem haacute-de concluir que a ciecircncia que se

considera sobre Deus na medida em que o Teoacutelogo ascende agrave sua contemplaccedilatildeo ou

seja a sagrada Teologia natildeo eacute distinta da ldquoprimeira Filosofiardquo Pelo contraacuterio eacute

realmente distinta tal como a razatildeo formal que o objecto dela introduz e a luz pela

qual eacute atingida esta mesma luz do mesmo modo que eacute infundida nas nossas mentes

pelo sopro da divindade celeste tambeacutem natildeo trata da abstracccedilatildeo das coisas de que se

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 96

ocupa83 Mas de facto como esta divina Filosofia ainda natildeo tinha revelado o seu brilho

aos antigos filoacutesofos foi por eles omitida na reparticcedilatildeo das ciecircncias

QUESTAtildeO II

SERAacute A FILOSOFIA NATURAL VERDADEIRA E PROPRIAMENTE UMA CIEcircNCIA OU NAtildeO

ARTIGO 1ordm

O QUE PENSARAM ALGUNS DOS ANTIGOS SOBRE A QUESTAtildeO APRESENTADA E ARGUMENTOS A FAVOR DA

SUA OPINIAtildeO

A opiniatildeo antiga foi a de Heraclito de Eacutefeso e do seu disciacutepulo Craacutetilo (como

atestam Platatildeo no Teeteto e Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica capiacutetulo 4) ou seja

que a Filosofia Natural natildeo era uma ciecircncia O mesmo afirmou Pitaacutegoras84 asseverando

que toda a compreensatildeo da subtileza da Fiacutesica estava contida nas opiniotildees Tambeacutem

Soacutecrates85 depois de ter aplicado toda a sua capacidade intelectual agrave investigaccedilatildeo dos

segredos da natureza ndash das realidades naturais como ele dizia ndash foi dissuadido pela sua

mutabilidade e inconstacircncia e porque estabeleceu para si mesmo que nessas mateacuterias

nada pode saber-se ao certo dedicou-se agrave Filosofia Moral Mas jaacute os professores da

Nova Academia natildeo soacute negavam a ciecircncia das coisas Fiacutesicas como diziam tambeacutem que

todas as coisas satildeo incertas e duvidosas e que a proacutepria verdade se esconde encoberta

ou confusa seja por causa de algumas trevas da natureza seja por causa da similitude

das coisas a tal ponto que nada de verdadeiro se pode conhecer mas apenas o que eacute

verosiacutemil E uma opiniatildeo deste tipo como afirma S Agostinho no livro 3 Contra os

Acadeacutemicos beberam-na os Acadeacutemicos86 das fontes de Platatildeo mas o proacuteprio Platatildeo foi

receptaacuteculo por um lado de outros mais antigos por outro de Soacutecrates seu professor

que primeiro nos misteacuterios da natureza como dissemos e depois tambeacutem nas questotildees

que dizem respeito agrave vida comum e aos costumes ridicularizava com a sua ironia

acutilante aqueles que se arrogavam saber alguma coisa

83 Sobre esta questatildeo leia-se S Tomaacutes Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 1 artigo 1 e no 3ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 33 questatildeo 1 artigo 2 Henrique de Gand Suma Teoloacutegica 1ordf parte artigo 3 questotildees 3 e 4 Alense Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 1 parte 2 e os restantes doutores no proacutelogo84 Sobre Pitaacutegoras Laeacutercio na sua Vida e Tertuliano no De Anima85 Sobre Soacutecrates Teodoreto no livro Sobre a mateacuteria e o mundo e Xenofonte no livro 1 de Ditos e feitos memoraacuteveis de Soacutecrates86 Sobre os acadeacutemicos veja-se Ciacutecero nas Questotildees Acadeacutemicas S Agostinho 19 Cidade de Deus cap 4 e no livro Contra os Acadeacutemicos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 97

Os mundos platoacutenicos Platatildeo ensinava pois que havia dois mundos87 o

inteligiacutevel no qual habitava a proacutepria Verdade e o sensiacutevel que noacutes percepcionamos

pela visatildeo e pelo tacto e de cuja contemplaccedilatildeo se ocupam os Fiacutesicos O primeiro eacute

verdadeiro o outro verosiacutemil sobre o primeiro produzem-se verdades sobre o outro

apenas opiniotildees E com estas palavras Platatildeo parece de facto ter concedido apenas a

opiniatildeo ao Filoacutesofo Natural

Enfim foi esta a discussatildeo comum sobre a Verdade entre os antigos filoacutesofos

porque parecia fugir de tal maneira ao acesso da mente humana que os mortais natildeo

conseguiam de modo algum chegar ateacute ela e soacute perdiam o seu tempo a procuraacute-la

O poccedilo de Demoacutecrito88 E por isso Demoacutecrito como escreve Lactacircncio no capiacutetulo 3 do

livro 3 a procurava submersa num poccedilo sem fundo Anaxaacutegoras declarava-a envolta em

trevas e Empeacutedocles afirmava serem estreitas as vias dos sentidos pelas quais o

conhecimento entra no espiacuterito

Alguns mestres da ignoracircncia dos filoacutesofos Neste caso especiacutefico alguns filoacutesofos da

Antiguidade ensinavam a quem os ouvia natildeo tanto o que sabiam mas o que natildeo sabiam

e esforccedilavam-se por persuadi-los de que nada se podia considerar certo ou evidente

sobretudo na investigaccedilatildeo da verdade Fiacutesica89 E de facto natildeo faltam argumentos pelos

quais pareccedila comprovar-se esta sentenccedila

1ordm argumento O primeiro seraacute a ciecircncia eacute um haacutebito absolutamente certo uma

vez que se manifesta sobre coisas certas e perpeacutetuas como ensina Platatildeo no Caacutermides

e tambeacutem Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 2 e no livro 6 da Eacutetica

capiacutetulo 3 bem como em muitos outros lugares mas a Filosofia Natural natildeo se pode

considerar nestes termos Logo natildeo eacute uma ciecircncia Comprova-se esta proposiccedilatildeo

porque a Filosofia Natural considera os elementos e os corpos formados a partir deles

que indistintamente nascem e morrem e contempla tambeacutem o movimento das esferas

celestes a influecircncia dos astros o eclipse do Sol e da Lua e muitas outras coisas do

mesmo geacutenero que natildeo satildeo perpeacutetuas nem sequer mantecircm sempre o mesmo estado

enquanto existem A forccedila deste argumento eacute ainda corroborada por outro segundo o

qual se diz que o nosso intelecto para comparar a ciecircncia das coisas abstrai a sua 87 Sobre estes mundos Plotino no livro 4 das Eneacuteadas 6 Ficino no mesmo livro e no Conviacutevio de Platatildeo Eugubino livro 3 Sobre a Filosofia perene cap 8 Clemente de Alexandria no livro 5 de Tapeccedilarias Euseacutebio de Cesareia no livro 2 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica cap 1288 Puteus Democriticus (N do T)89 Sobre isto fala de forma mais satisfatoacuteria Mirandula no livro 2 De examine vanitatis

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 98

consideraccedilatildeo das condiccedilotildees da mateacuteria e do tempo mas as coisas que nascem e morrem

estatildeo imersas na mateacuteria e caem sob a medida do tempo por isso dele dependem como

ensina Aristoacuteteles no quarto livro desta obra

Segundo argumento toda a verdadeira e perfeita ciecircncia conteacutem a natureza

comprovada do objecto que lhe estaacute sujeito e aleacutem disso natildeo conhece bem as

propriedades que dela dimanam como assegura Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica

capiacutetulo 1 texto 1 poreacutem no que diz respeito agrave natureza das coisas constantes sobre as

quais trata o Filoacutesofo Natural soacute o Metafiacutesico penetra na sua essecircncia como tambeacutem

afirma Aristoacuteteles tanto no lugar citado como no livro 4 da mesma obra capiacutetulo 2

texto 5 Por conseguinte a Filosofia Natural natildeo pode verdadeira e perfeitamente ser

uma ciecircncia Houve quem dissesse que talvez Aristoacuteteles falasse nessas passagens ou

da essecircncia no sentido geral enquanto essecircncia e esta consideraccedilatildeo pertence ao

Metafiacutesico ou da essecircncia das coisas materiais natildeo no seu todo mas apenas enquanto

predicados comuns tanto agraves coisas naturais como agraves que satildeo desprovidas de mateacuteria tais

como o ser e a substacircncia considerada de forma absoluta90 O conhecimento destes

predicados eacute de facto proacuteprio do Metafiacutesico Mas o que teraacute dito ateacute agora natildeo escapa agrave

forccedila do argumento E se o Metafiacutesico reivindicou para si o conceito de substacircncia

como ningueacutem pode conhecer perfeitamente a essecircncia de alguma coisa que pertenccedila agrave

categoria da substacircncia sem conhecer o conceito de substacircncia isto faz com que o

Fiacutesico natildeo consiga compreender perfeitamente a essecircncia de qualquer ente natural

enquanto se mantiver dentro dos seus limites

Terceiro argumento o Filoacutesofo Natural estuda a mateacuteria sensiacutevel (como

afirma Aristoacuteteles no livro 2 Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo no capiacutetulo 1 texto 6 e

como se torna evidente de todo o desenvolvimento da disciplina Fiacutesica) mas a mateacuteria

sensiacutevel eacute um ente por acidente visto natildeo ser mais do que a mateacuteria-prima disposta

pelos acidentes que movem o sentido no entanto a ciecircncia natildeo se faz sobre um ser por

acidente como se torna evidente a partir do capiacutetulo 2 do livro 6 da Metafiacutesica texto 4

e do capiacutetulo 7 do livro 11

90 Assim S Tomaacutes no Opuacutesculo 70 Escoto no proacutelogo das Sentenccedilas questatildeo 1 Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 11 Javelo no 1ordm tambeacutem da Metafiacutesica questatildeo 9 Janduno na Metafiacutesica questatildeo 3

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 99

Quarto a Magia91 faz parte da Fiacutesica e todavia natildeo eacute ciecircncia logo a Fiacutesica

natildeo pode ser simplesmente denominada de ciecircncia A proposiccedilatildeo maior prova-se pela

proacutepria definiccedilatildeo de Magia que se estabelece nestes termos a Magia eacute a parte da

Fisiologia que a partir da muacutetua e oportuna conjugaccedilatildeo de forccedilas naturais ensina a

produzir efeitos para aleacutem de tudo o que possa imaginar92 Justifica-se a menor porque

como ensina Aristoacuteteles no livro 1 dos Magna Moralia capiacutetulo 1 e no livro 1 da

Eacutetica capiacutetulos 1 e 4 toda a doutrina existe por causa de algo bom e a Magia foi

inventada para a desgraccedila dos homens

Quinto a Fisiologia como eacute evidente para quem folheia os livros dos

Filoacutesofos estaacute cheia de muacuteltiplos erros e ensina a cada passo inuacutemeras coisas contraacuterias

agrave feacute catoacutelica Daiacute aquele comentaacuterio de Tertuliano no livro Sobre as prescriccedilotildees dos

hereacuteticos de que as heresias satildeo sustentadas pela Filosofia e o outro de S Jeroacutenimo no

livro Contra os Pelagianos de que todos os venenos dos hereacuteticos emanaram das fontes

dos filoacutesofos e diz muito bem que alguns dos nossos filoacutesofos satildeo patriarcas dos

hereacuteticos93 Logo como a ciecircncia deve ser o mais possiacutevel alheia a toda a falsidade e

erro natildeo nos parece neste contexto que a Fisiologia possa considerar-se uma ciecircncia

Sexto (este seraacute a favor dos Acadeacutemicos) toda a nossa capacidade cognitiva

tem iniacutecio nos sentidos mas os sentidos como ensina a experiecircncia erram muitas

vezes iludidos pela vatilde espeacutecie das coisas Por conseguinte nenhum conhecimento certo

pode chegar ao intelecto e assim a ciecircncia pura e simplesmente natildeo existe Os

Peripateacuteticos negam esta conclusatildeo mas os Acadeacutemicos comprovam-na Pois se os

sentidos que satildeo os mensageiros e os inteacuterpretes da verdade anunciam mentiras como

eacute que o intelecto poderaacute distinguir o verdadeiro do falso E a que juiz da verdade haacute-de

recorrer A si proacuteprio Ele que pela sua origem primitiva estaacute desprovido de toda a

ciecircncia e nem sequer tem qualquer noccedilatildeo de verdade induzida pela natureza A outro

Mas a condiccedilatildeo de todos os outros eacute semelhante agrave sua Entatildeo seraacute muito melhor recusar

o assentimento a todas as coisas do que afirmar categoricamente o que quer que seja

correndo o perigo de errar E seraacute tambeacutem mais prudente natildeo pensar nada do que

confiar o espiacuterito ao naufraacutegio da falsa opiniatildeo do saacutebio sobretudo na doutrina Fiacutesica 91 A respeito desta definiccedilatildeo de Magia consulte-se Francisco de Victoria no Relectiones de arte magica questatildeo 3 Ceacutelio no livro 6 das Liccedilotildees Antigas capiacutetulo 12 e Juacutelio Escaliacutegero nas Exercitaccedilotildees exoteacutericas exercitaccedilatildeo 32792 Extra omnem admirationem captum lit ldquotoda a capacidade de admiraccedilatildeordquo (N do T)93 Tertuliano no livro Contra Hermoacutegenes

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 100

cujo conhecimento natildeo soacute parte das coisas que caem nos sentidos como tambeacutem volta

a elas numa alternacircncia reciacuteproca e nelas se conclui

ARTIGO 2ordm

A FIacuteSICA Eacute VERDADEIRA E PROPRIAMENTE UMA CIEcircNCIA

Os princiacutepios da Filosofia balbuciante Nos primeiros tempos a dignidade e a

perfeiccedilatildeo da Fiacutesica natildeo eram suficientemente evidentes para que obtivesse o estatuto de

ciecircncia natildeo soacute numa eacutepoca menos culta quando a Filosofia era muito nova e ainda

balbuciava como tambeacutem depois quando os grupos de Filoacutesofos discutiam e lutavam

entre si de tal modo que natildeo chegavam a acordo entre eles sobre praticamente nada94

Confirmaccedilatildeo do seu estatuto Apesar disso depois que a teimosia desses

tempos chegou ao fim foi como se a Filosofia salva das tempestades alcanccedilasse bom

porto foi entatildeo considerado como dado adquirido confirmado pelo reconhecimento e

pelo consenso de todos que a Fiacutesica devia ser integrada no conjunto das ciecircncias

Conclusatildeo da questatildeo Logo podemos concluir que a Fiacutesica eacute verdadeira e

propriamente uma ciecircncia O que se comprova em primeiro lugar por aquela divisatildeo

vulgarizada que acima mencionaacutemos na qual a Filosofia ou seja a Sabedoria se divide

em ciecircncia Fiacutesica Dialeacutectica e Moral Eacute tambeacutem confirmado pelo testemunho de

Aristoacuteteles no terceiro livro desta obra capiacutetulo 4 texto 24 no primeiro Sobre as

partes dos animais capiacutetulo 1 e no segundo da Metafiacutesica capiacutetulo 3 texto 3 onde

chama agrave Filosofia ciecircncia natural bem como no livro 4 tambeacutem da Metafiacutesica capiacutetulo

5 texto 23 onde contradiz Heraclito e Craacutetilo defensores da parte contraacuteria ou seja da

ignoracircncia e acaba por os refutar por completo

E talvez natildeo tivessem uma opiniatildeo diferente aqueles grandes filoacutesofos que

mencionaacutemos atraacutes sobretudo Pitaacutegoras Soacutecrates e Platatildeo Eacute pois provaacutevel que

quando os dois primeiros repetiam que nada podiam saber pelo menos na disciplina

Fiacutesica quisessem dizer que a aquisiccedilatildeo da sabedoria era tatildeo difiacutecil que o que sabemos

comparado com o que ignoramos eacute quase nada Mas na verdade o seu intuito natildeo era

tanto confessar a ignoracircncia mas dissimular a ciecircncia com a modeacutestia de modo a

94 Sobre este dissiacutedio entre os filoacutesofos Platatildeo no Sofista Euseacutebio de Cesareia no livro 14 da Preparaccedilatildeo evangeacutelica S Agostinho no livro 18 da Cidade de Deus capiacutetulo 41 e Tertuliano no livro Sobre a Alma

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 101

reprimir a insolecircncia dos que embora estivessem muito longe da verdadeira e clara

sabedoria se arrogavam o nome de saacutebios sem qualquer fundamento95

A modeacutestia de Soacutecrates que afirmava nada saber quando os outros

proclamavam nada desconhecer Por isso foi neste geacutenero recomendada em primeiro

lugar a modeacutestia socraacutetica e isso foi motivo de louvor para Pitaacutegoras porque pela sua

autoridade como anteriormente narraacutemos foi mudada a designaccedilatildeo de saacutebio para

Filoacutesofo

Mas relativamente a Platatildeo como se atesta nos seus escritos96 natildeo haacute duacutevida

de que pensou criar uma ciecircncia para as vaacuterias mateacuterias e que a Filosofia Natural devia

ser contabilizada entre as ciecircncias

Comentaacuterio de Platatildeo sobre as ciecircncias inatas e a reminiscecircncia Embora

inserisse nesta afirmaccedilatildeo muitas outras coisas erradas97 disse ele que nas nossas almas

antes de elas se submeterem agrave prisatildeo deste concreto e terreno corpo havia formas

inteligiacuteveis de todas as coisas e que eram inatas como se fossem noccedilotildees inscritas

depois adormecidas pelo contacto do corpo como se bebecircssemos o veneno do

esquecimento mas que podem ser posteriormente estimuladas por um estudo que delas

se aproxime e pela acccedilatildeo dos fantasmas E assim afirma de novo que nenhuma ciecircncia

pode ser adquirida nem o aprender pode ser outra coisa senatildeo um recordar como

consta do Meacutenon do Fedro e de outras obras suas

Platatildeo por vezes com a designaccedilatildeo de Dialeacutectica quer dizer Metafiacutesica Por

isso eacute que afirma no Filebo e no livro 7 da Repuacuteblica que apenas a Dialeacutectica ndash e sob

esta denominaccedilatildeo como advertem Alcino e outros Platoacutenicos compreende a ldquoPrimeira

Filosofiardquo ndash dizia eu que soacute a Dialeacutectica eacute digna da designaccedilatildeo de ciecircncia mas nem por

isso nega que a Fisiologia deve ser contabilizada entre as ciecircncias Fala tambeacutem nesse

lugar sobre a ciecircncia de um modo tatildeo conciso que apenas lhe conveacutem a faculdade de ser

suportada pelas restantes como se presidisse a partir da sua posiccedilatildeo superior o que eacute

proacuteprio da ldquoPrimeira Filosofiardquo98 No entanto aquela sua opiniatildeo sobre os dois mundos

95 Ciacutecero atesta-o no livro 5 das Questotildees Tusculanas segundo Heraclides do Ponto96 Especialmente no Epinoacutemides97 Aristoacuteteles refuta este erro no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 7 e noutros locais S Ireneu no livro 2 Contra os hereges a partir do capiacutetulo 60 S Agostinho no livro 12 Sobre a Trindade capiacutetulo 15 S Tomaacutes na 1ordf parte da Suma questatildeo 84 artigo 3 e no livro 2 Contra os gentios capiacutetulo 83 Alberto Magno no livro 1 da Metafiacutesica tratado 1 capiacutetulo 8 98 Leia-se Alcino no livro Sobre a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 6 Ficino no livro 7 da Repuacuteblica e Teoacutefilo no 1ordm livro capiacutetulo 1 Sobre a Alma

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 102

continha alguns outros misteacuterios de uma disciplina mais confidencial que hatildeo-de ser

referidos num outro momento mais oportuno Mas independentemente do que eles

possam ter pensado a verdade da nossa afirmaccedilatildeo eacute garantida por estes argumentos

Primeiro argumento Considera-se que possui conhecimentos todo aquele que

conhece um efeito necessaacuterio pela causa necessaacuteria e como o Filoacutesofo Natural conhece

muacuteltiplos efeitos atraveacutes das causas necessaacuterias logo haacute-de considerar-se que ele

possui conhecimentos A proposiccedilatildeo maior eacute incontestaacutevel e torna-se evidente a partir

da definiccedilatildeo de ciecircncia difundida por Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 2

Prova-se a menor O Filoacutesofo Natural sabe entatildeo por exemplo que todo o corpo eacute

divisiacutevel porque eacute contiacutenuo que a mateacuteria natildeo pode por forccedila da natureza subsistir

sem alguma forma porque eacute uma potecircncia pura que o homem eacute capaz de dominar as

disciplinas cientiacuteficas porque eacute dotado de uma alma possuidora de razatildeo e muitas

outras coisas deste geacutenero Ora que este conhecimento dos efeitos ou das disposiccedilotildees se

faz atraveacutes das causas ningueacutem poderaacute negar No entanto mesmo que os adversaacuterios

neguem que a necessidade nelas se revela satildeo plenamente convencidos por esse

argumento uma vez que quando a realidade natildeo pode ser de forma diferente eacute porque

estaacute presente a imutabilidade e a necessidade E que estas coisas natildeo podem ser de

forma diferente facilmente depreende quem observa o que eacute contiacutenuo e o que eacute uma

pura potecircncia

Segundo argumento natildeo eacute menos certo e necessaacuterio o facto de o homem ser

capaz de dominar as disciplinas do que o facto de o triacircngulo ter trecircs acircngulos iguais a

dois rectos E como isto pode ser demonstrado nas disciplinas matemaacuteticas eacute

compreendido como verdadeira e perfeita ciecircncia logo como a outra afirmaccedilatildeo pode

ser demonstrada no acircmbito da Fiacutesica e visto que em ambos os casos a condiccedilatildeo eacute

semelhante natildeo pode produzir-se uma razatildeo idoacutenea pela qual uma certa e determinada

disposiccedilatildeo necessariamente se espalhe mais pela natureza do triacircngulo do que do

homem99

Terceiro argumento se algo impedisse que se pudesse estabelecer uma ciecircncia

sobre as coisas naturais seria a mutabilidade e a inconstacircncia delas e estas natildeo levantam

impedimentos por isso nada o pode fazer Comprova-se esta proposiccedilatildeo Primeiro

porque nem todas as coisas naturais satildeo fluidas e mutaacuteveis visto que a natureza das

99 Euclides no livro 1 dos Elementos proposiccedilatildeo 32

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 103

proacuteprias esferas celestes as defende da morte Depois porque embora os corpos

sublunares se dissolvam todavia nunca se desviam do grau da sua natureza e da sua

essecircncia nem perdem as capacidades que por perpeacutetuo e invariaacutevel nexo reivindicam

para si mesmas Puderam por isso as propriedades desse tipo ser expostas por uma

demonstraccedilatildeo a seu respeito atraveacutes da sua essecircncia e definiccedilatildeo como se fosse uma

causa e na verdade esta demonstraccedilatildeo haacute-de gerar uma verdadeira e perfeita ciecircncia

Natildeo se pode entatildeo negar que a Filosofia Natural eacute verdadeira e propriamente uma

ciecircncia

Uacuteltimo argumento ainda que as realidades fiacutesicas fossem tatildeo mutaacuteveis como

pensava Heraclito mesmo assim devia haver uma ciecircncia sobre elas que pudesse

realmente demonstrar apenas isto relativamente a elas que satildeo de facto mutaacuteveis mas

conservam na sua mutabilidade uma constacircncia estaacutevel Injustamente negavam entatildeo

qualquer estatuto de ciecircncia ao Filoacutesofo Natural Leia-se S Tomaacutes 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 84 onde a partir da doutrina de Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica

capiacutetulo 5 texto 22 revela a fonte do erro de Heraclito

ARTIGO 3ordm

REFUTA-SE OS ACADEacuteMICOS PARA QUEM TANTO NA FIacuteSICA COMO NAS RESTANTES

MATEacuteRIAS TUDO ERA DUacuteVIDA E INCERTEZA

Primeira razatildeo pela qual se demonstra o caraacutecter absurdo da Filosofia da

Academia No que diz respeito aos Acadeacutemicos que suprimiam toda a confirmaccedilatildeo a

que os Gregos chamam συγκατάθεσιν e asseveravam que nada podemos saber (o que

tambeacutem defenderam os filoacutesofos Pirroacutenicos a que os Gregos chamavam σκεπτικός

como se fossem lsquoobservadoresrsquo) com poucas palavras se desmente o dogma deles deste

modo a natureza como cada um de noacutes sabe por experiecircncia incutiu a todos os homens

o apetite de investigar e conhecer a verdade100 Por conseguinte podem conhecer

alguma verdade De outro modo um apetite deste tipo existiria em vatildeo visto que como

eacute opiniatildeo comum da Filosofia nem Deus nem a natureza criam o que quer que seja em

vatildeo

100 Sobre esta questatildeo Ciacutecero livro 2 Sobre os fins e no livro 2 das Questotildees Acadeacutemicas Laeacutercio no livro 9 e Sexto Pompeio Pirroacutenicos 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 104

2ordf razatildeo Seguinte cada ser procura atingir a perfeiccedilatildeo para a qual eacute

direccionado por natureza ora o saber eacute uma perfeiccedilatildeo para a qual a natureza ou

melhor Deus o autor da natureza direccionou o homem visto que a felicidade humana

como sabiamente ensina Aristoacuteteles no livro 10 da Eacutetica capiacutetulos 7 e 8 foi colocada

no conhecimento e na contemplaccedilatildeo E por conseguinte uma parte da ciecircncia pode ser

alcanccedilada pelo homem

3ordf razatildeo Prossigamos Desde aquele tempo em que principalmente os Homens

abandonando a sua vida errante e agreste se uniram para formar uma cultura e uma

sociedade civil quase em todos os seacuteculos houve alguns homens de excelente engenho

que empenharam todo o estudo de uma vida no exerciacutecio das artes liberais e dedicaram-

se a inquirir e a afirmar a verdade Ora natildeo eacute provaacutevel que fossem inuacuteteis e vatildeos todos

estes esforccedilos dos homens Logo uma parte do verdadeiro e evidente saber por eles

exercido foi divulgada pelas geraccedilotildees posteriores

4ordf razatildeo Aleacutem disso como argumenta S Agostinho no livro Sobre a

verdadeira religiatildeo ainda que algueacutem duvide que possa chegar a saber alguma coisa

natildeo duvida que duvida pelo contraacuterio estaacute certo disso Poreacutem natildeo estaacute certo senatildeo

disso que sabe logo tem de admitir que ele proacuteprio que duvida que sabe sabe pelo

menos isso Por conseguinte natildeo eacute possiacutevel nada saber

5ordf razatildeo Do mesmo modo como adverte o mesmo S Agostinho no livro 2

Contra os Acadeacutemicos quando os Acadeacutemicos afirmam que natildeo podemos conhecer

nada de verdadeiro mas apenas o que eacute verosiacutemil natildeo prestam atenccedilatildeo ao que dizem

Se de facto natildeo conhecemos o verdadeiro em si torna-se inevitaacutevel que ignoremos o

que eacute verosiacutemil do mesmo modo que natildeo pode acontecer que Crisipo saiba que eacute

semelhante a Soacutecrates se ele proacuteprio natildeo conhecer Soacutecrates de alguma forma

6ordf razatildeo E mais diz Arcesilau o principal autor da nova Academia e mestre

da ignoracircncia ldquose o saacutebio nada aprovar natildeo se expotildee ao perigo da falsa asserccedilatildeordquo Eacute

preciso entatildeo que o saacutebio esteja sempre a dormir ou que abandone todos os encargos

Se de facto a razatildeo humana natildeo pode estabelecer sem um traccedilo de incerteza o que se

deve abraccedilar ou evitar certamente que nem sequer a vontade que segue a razatildeo poderaacute

amar ou odiar o que quer que seja sem essa mesma incerteza Entatildeo para que o saacutebio

natildeo aja irreflectidamente haacute-de afastar-se de todas as actividades da vida comum Pode

imaginar-se algo mais idiota ou mais adverso ao bom senso

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 105

7ordf razatildeo A feacute ortodoxa condena a escola dos Acadeacutemicos Por fim visto que

este erro potildee em causa toda a certeza e constacircncia da verdade e o proacuteprio estatuto de

uma vida honesta a Igreja de Deus tatildeo conhecedora dos preceitos da disciplina celeste

condena-o como verdadeira loucura como persuade S Agostinho no livro 19 da

Cidade de Deus capiacutetulo 18101 E o mesmo reflecte sobre esta questatildeo com maior

detenccedila no livro 3 Contra os Acadeacutemicos bem como S Damasceno na sua

Dialeacutectica capiacutetulo 3 S Epifacircnio no livro 1 tomo 1 e no livro 3 tomo 2 e Tertuliano

no livro Sobre a Alma

ARTIGO 4ordm

DISSOLUCcedilAtildeO DOS ARGUMENTOS DO PRIMEIRO ARTIGO

Resta-nos agora responder aos argumentos apresentados no iniacutecio

As ideias de Platatildeo Ora Platatildeo foi precisamente vencido pela dificuldade do

primeiro mesmo que afirmasse todavia a dignidade da Fiacutesica e percebesse que eacute uma

ciecircncia no Timeu no Fedro e em muitos outros lugares introduziu as ideias isto eacute

aquelas formas separadas do contacto com a mateacuteria e da multiplicidade de todas as

coisas que nascem e morrem sobre as quais se pode estabelecer uma ciecircncia No

entanto esta afirmaccedilatildeo estaacute muito longe da verdade Pois as ideias natildeo existem deste

modo como foi demonstrado por Aristoacuteteles mais que uma vez a natildeo ser que talvez

Platatildeo (o que ponderamos noutro lugar) fale sobre aquelas ideias que segundo ensinam

os Teoacutelogos existem na mente divina como exemplo eterno do que se deve fazer Mas

natildeo eacute preciso que o filoacutesofo a elas recorra quando compotildee as suas demonstraccedilotildees

como se torna evidente no livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo 6 texto 20 bem como na

doutrina dos livros dos Segundos Analiacuteticos e que claramente explica S Tomaacutes 1ordf

parte da Suma Teoloacutegica questatildeo 84 artigo 1

Dissoluccedilatildeo do 1ordm argumento Relativamente ao argumento tendo aceitado a

proposiccedilatildeo maior no que diz respeito agrave menor deve negar-se que a Fiacutesica natildeo trata de

coisas certas e perpeacutetuas Primeiro porque as conexotildees entre os assuntos fiacutesicos e os

predicados essenciais bem como as disposiccedilotildees que estatildeo ligadas agrave natureza dos

assuntos por um viacutenculo indissoluacutevel satildeo certas e perpeacutetuas Depois porque embora os

elementos e todas as coisas que se formaram integralmente da mateacuteria celeste possam

101 Tambeacutem Escoto no livro 1 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 4

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 106

ser corrompidos todavia cada um deles suporta essa corrupccedilatildeo sozinho por si mesmo

enquanto as naturezas comuns sobre as quais incide propriamente a ciecircncia natildeo eacute

apenas por acidente mas tambeacutem por causa dos singulares em que se encontram Por

isso acontece que as naturezas deste tipo pela sua proacutepria capacidade quando

consideradas em si mesmas satildeo estaacuteveis e constantes trata-se obviamente daquela

constacircncia a que os Filoacutesofos chamam negativa porque como se costuma explicar no

livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 7 natildeo morrem nem se transformam por si mesmas

Para aleacutem de outros desenvolvem esta questatildeo S Tomaacutes na 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 86 artigo 3 e nas Questotildees sobre a verdade questatildeo 1 artigo 5 bem

como Alexandre no livro 1 das Questotildees Naturais capiacutetulo 3 Mas deve tambeacutem notar-

se que existem para aleacutem disso algumas disposiccedilotildees das coisas naturais que natildeo lhe

pertencem por acaso nem tatildeo pouco por modo necessaacuterio mas por um modo

intermeacutedio certamente por uma necessidade a que chamam Fiacutesica porque se ligam de

tal modo agraves naturezas das coisas que exigem a sua existecircncia e deste modo se

considera por comparaccedilatildeo o movimento das esferas celestes bem como o eclipse em

relaccedilatildeo agrave lua e outras coisas deste tipo que se encontram se natildeo num estado certo pelo

menos na sua maior parte ou depois de afastados os impedimentos Logo

reconhecemos que elas natildeo convecircm agrave demonstraccedilatildeo perfeita em todos os aspectos

Em relaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo da mateacuteria proposta exige-se a exactidatildeo Na verdade

nem em todos a subtileza e a exactidatildeo devem ser exigidas mas na medida em que a

natureza da coisa submetida o permite como advertem Lincolniense Janduno e muitos

outros no mesmo ponto a partir de Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulos 3 e 7 bem

como no livro 2 da Metafiacutesica capiacutetulo 3 texto 16

Relativamente agrave restante parte deste argumento deve afirmar-se com S

Tomaacutes no livro 3 Contra os gentios capiacutetulo 84 que por isso se diz que o intelecto

abstrai a sua observaccedilatildeo do tempo e tambeacutem do lugar porque observa as naturezas

comuns que satildeo delimitadas em relaccedilatildeo a um determinado tempo e a um determinado

lugar102 como declara Platatildeo no Parmeacutenides e Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores

capiacutetulo 24 texto 43 E diz-se tambeacutem que se abstrai da mateacuteria porque a ciecircncia natildeo se

debruccedila sobre a mateacuteria singular

102 Sobre o sentido daquela afirmaccedilatildeo que o intelecto se abstrai da mateacuteria reflecte largamente Zimara nos Teoremas proposiccedilatildeo 99

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 107

Dissoluccedilatildeo do 2ordm argumento No que se refere ao segundo argumento depois

de aceite a proposiccedilatildeo maior deve negar-se a afirmaccedilatildeo cuja aprovaccedilatildeo se estava a

dissolver correctamente Agrave desaprovaccedilatildeo desta dissoluccedilatildeo deve responder-se que o

Filoacutesofo Natural pode conhecer perfeitamente as coisas fiacutesicas no seu geacutenero isto eacute no

geacutenero Fiacutesico desde que compreenda a mateacuteria e a forma bem como todos os

predicados que incluem a mateacuteria no seu conceito De resto natildeo pode chegar ateacute elas

em todos os seus aspectos atraveacutes de um conhecimento absoluto se natildeo souber o que eacute

o ente e o que eacute a substacircncia como bem comprova o argumento todavia o

conhecimento destes predicados pertence de facto ao Metafiacutesico Por conseguinte

quem quiser conhecer a fundo as definiccedilotildees das coisas naturais ateacute ao uacuteltimo predicado

teraacute de pedir ao Metafiacutesico a sua compreensatildeo ou melhor ainda adoptar nesta questatildeo

o papel do Metafiacutesico E natildeo se deve pensar que a Filosofia Natural perde um pouco da

sua dignidade por nesta mateacuteria solicitar a ajuda da ldquoprimeira Filosofiardquo porque a ela

que eacute rainha de todas as ciecircncias se deve submeter todas as honras

Explicaccedilatildeo do terceiro Relativamente ao terceiro argumento diga-se que o

filoacutesofo Natural natildeo soacute contempla a mateacuteria e o modo como eacute disposta pelos acidentes

mas tambeacutem a outra parte do composto fiacutesico de que modo o ente subsiste por si

mesmo e igualmente o proacuteprio composto que dela se desenvolve Acrescente-se que

nem todos os seres por acidente satildeo completamente eliminados pelas ciecircncias (como se

torna evidente no nuacutemero harmoacutenico e na linha visual que estatildeo sujeitos agrave Muacutesica e agrave

Perspectiva) mas apenas aqueles que natildeo podem ser decompostos nas causas

determinadas nem originam disposiccedilotildees que sejam consideradas nas ciecircncias como o

muacutesico branco o tesouro descoberto por acaso e outras coisas deste tipo

Explicaccedilatildeo do quarto Relativamente ao quarto argumento para que seja

evidente o que se deve responder cumpre advertir que a Magia eacute duacuteplice103 aquela a

que os Gregos chamam γοητείαν eacute maleacutefica visto que consta na sua maior parte de

artimanhas e feiticcedilos para dissimular a verdade para desviar os homens da sua

estabilidade mental e para executar muitos outros crimes deste tipo e por causa destas

ligaccedilotildees com os demoacutenios eacute funesta a outra eacute denominada pelos gregos com a

designaccedilatildeo especiacutefica de μαγείαν e aquela sua parte a que chamam Fiacutesica difere da

103 Sobre estas magias S Tomaacutes questatildeo 16 Sobre o mal e no livro 3 Contra os gentios capiacutetulo 104 Alense 3ordf parte da Suma questatildeo 16 parte 3 Francisco de Vitoria no Relectiones de arte magica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 108

Fisiologia porque a partir do conhecimento das coisas naturais que ela transmite ensina

como interligar convenientemente muacutetuos acordos da natureza bem como forccedilas

escondidas e a proporcionar efeitos que causam grande admiraccedilatildeo S Boaventura

escreveu alguns exemplos desta questatildeo no segundo livro das Sentenccedilas distinccedilatildeo 9

questatildeo 3 bem como Guilherme Parisiense na sua obra Sobre o Universo corpoacutereo e

espiritual capiacutetulo 21 e assegura S Justino que muitos outros exemplos do mesmo

geacutenero teraacute produzido Apoloacutenio nas Questotildees que as pessoas propunham questatildeo 24

Deve admitir-se entatildeo que a primeira magia natildeo faz parte da disciplina Fiacutesica nem

sequer eacute uma arte mas um abuso da arte como se conclui pelo argumento e ensina S

Tomaacutes no Quodlibet livro 4 questatildeo 9 artigo 1 bem como Alberto Magno no livro 1

da Eacutetica tratado 3 capiacutetulo 2 Daiacute que a jurisprudecircncia quer da lei das Doze Taacutebuas

quer de muitas outras a tenha punido104 A outra pelo contraacuterio deve afirmar-se como

uma arte e uma ciecircncia muito estimada pelos antigos filoacutesofos como se torna evidente a

partir do que Platatildeo ensina no primeiro Alcibiacuteades e depois Ciacutecero no livro 1 Sobre a

adivinhaccedilatildeo Pliacutenio no iniacutecio do livro 30 Tertuliano no livro Sobre a Idolatria e

Fiacutelon no livro Sobre as leis especiais Esta eacute entatildeo uma ciecircncia praacutetica que encara a

praxis como um fim como consta do que foi dito Daiacute que natildeo seja proacutepria e

intrinsecamente uma parte da Fisiologia que eacute uma ciecircncia especulativa como vamos

explicar na questatildeo seguinte mas eacute como um riacho derivado das suas fontes Por isso

naquela definiccedilatildeo que era afirmada no argumento segundo alguns se o nome de uma

parte ou a proacutepria Fisiologia for utilizado deve ser entendido numa acepccedilatildeo mais

vasta

Dissoluccedilatildeo do quinto Relativamente ao quinto argumento deve dizer-se que

os erros que mancharam os livros dos filoacutesofos natildeo satildeo da Filosofia mas foram

erradamente introduzidos por falha ou por descuido dos que se dedicam a filosofar Daiacute

que Satildeo Gregoacuterio Nisseno explique claramente na Vida de Moiseacutes que os frutos da

Filosofia Natural natildeo satildeo diferentes dos filhos que Moiseacutes teve de uma esposa indiacutegena

os quais Deus mandou circuncidar atraveacutes de um anjo enviado a persegui-lo antes que

Moiseacutes conduzisse o divino legado para o Egipto De forma semelhante diz ele devem

ser eliminadas dos fundamentos da Filosofia Natural todas as coisas que natildeo nasceram

104 No direito civil nos coacutedigos sobre os malefiacutecios L Nemo L Nullus L Culpa Tambeacutem no direito canoacutenico 26 questatildeo 5 Leia-se tambeacutem o decreto de Tibeacuterio contra os magos em Dioacuten livro 5 da Histoacuteria de Roma

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 109

dos princiacutepios da proacutepria arte que eacute verdadeira mas das opiniotildees dos homens privados

da luz da feacute e que satildeo falsas e contraacuterias agrave feacute como se fossem impurezas da descrenccedila

Dissoluccedilatildeo do sexto Relativamente ao sexto argumento deve confessar-se que

o nosso conhecimento proveacutem dos sentidos e que por vezes nos induzem em erro mas

isto natildeo obsta a que possamos atingir uma compreensatildeo certa de muitas coisas e ateacute

uma ciecircncia Em primeiro lugar porque como consta da doutrina de Aristoacuteteles no

livro 2 Sobre a Alma capiacutetulo 6 texto 63 haacute muitas coisas em que os sentidos nunca se

enganam De facto natildeo podem falhar acerca do proacuteprio sensiacutevel considerado segundo a

razatildeo comum E depois embora por vezes errem satildeo frequentemente corrigidos pelo

intelecto que apesar de natildeo possuir nenhuma espeacutecie nem ciecircncia incutidas pela

natureza possui todavia uma luz inata pela qual daacute o seu assentimento aos princiacutepios

mais gerais sem qualquer perigo de erro ou de incerteza e atraveacutes da qual deduz pelo

raciociacutenio muitas coisas a partir de outras quer seja com toda a clareza e certeza quer

seja com mera probabilidade e por vezes tambeacutem apreende uma coisa sem discorrer

apenas com a observaccedilatildeo

Os Acadeacutemicos satildeo caluniadores da divina providecircncia Sobre esta questatildeo S

Tomaacutes na 1ordf parte da Suma Teoloacutegica questatildeo 84 artigo 6 e Escoto no livro 1 das

Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 4 Leia-se tambeacutem Tertuliano no livro Sobre a Alma

onde refuta a cegueira dos Acadeacutemicos porque negando aos sentidos qualquer tipo de

confianccedila perturbaram a ordem da natureza e censuraram a providecircncia do proacuteprio

Deus como se ela entregasse o encargo de inteligir e administrar as coisas a

intermediaacuterios falaciosos e ilusoacuterios

QUESTAtildeO III

A FILOSOFIA NATURAL Eacute UMA CIEcircNCIA CONTEMPLATIVA OU PRAacuteTICA

ARTIGO 1ordm

ARGUMENTOS QUE PARECEM PROVAR QUE Eacute PRAacuteTICA

Vai-se tentar provar que a Filosofia Natural eacute uma ciecircncia praacutetica e natildeo

contemplativa com estes argumentos Em primeiro lugar a ciecircncia contemplativa

contenta-se com a simples observaccedilatildeo das coisas mas a Filosofia Natural natildeo eacute assim

por isso natildeo eacute contemplativa A proposiccedilatildeo maior aparece em Aristoacuteteles no livro 1 da

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 110

Metafiacutesica capiacutetulo 1 e no livro 3 Sobre a Alma capiacutetulo 10 texto 49 Prova-se a

menor

A semelhanccedila eacute a grande intermediaacuteria do amor De facto a Filosofia Natural

tende para o amor de Deus e se como explicam Alcino no livro Sobre a doutrina de

Platatildeo capiacutetulo 30 e S Tomaacutes no livro 1 Contra os Gentios capiacutetulo 2 toda a

inteligecircncia das coisas secretas conduz a mente humana a uma maior semelhanccedila com a

natureza divina entatildeo a semelhanccedila segundo o testemunho de Aristoacuteteles no livro 3

dos Magna Moralia capiacutetulo 11 e em muitos outros locais eacute a grande intermediaacuteria do

amor Por este motivo Salomatildeo no Livro da Sabedoria 7 afirma que muitos foram

recebidos na amizade de Deus por benefiacutecio da sabedoria Por conseguinte a Filosofia

Natural tende para o amor de Deus e como o amor eacute uma acccedilatildeo ou uma obra da nossa

alma inclina-se entatildeo para uma obra A isto se deve que a filosofia atraveacutes de uma

forccedila silenciosa alicie ao desprezo das coisas humanas como ensina a experiecircncia bem

como os exemplos manifestos de muitos filoacutesofos os quais foram de tal modo tomados

pela repugnacircncia das coisas humanas graccedilas ao estudo da sabedoria que recusaram o

convite de todas as riquezas e voluacutepias da vida como contam muitos escritores nas

memoacuterias de Soacutecrates Dioacutegenes Empeacutedocles Anaxarco Heraclito de Eacutefeso e muitos

outros105 Por isso natildeo parece que a Filosofia Natural se limite apenas agrave observaccedilatildeo da

verdade

2ordm argumento E depois a Filosofia Natural natildeo eacute livre logo natildeo pode ser

contemplativa Esta conclusatildeo parece ser devidamente compreendida uma vez que no

acircmbito dos saberes designa-se lsquolivrersquo o que investiga por si proacuteprio e deste modo se

considera toda a ciecircncia contemplativa como consta do capiacutetulo 2 do primeiro livro da

Metafiacutesica Comprova-se esta afirmaccedilatildeo Se a Filosofia Natural fosse de facto uma arte

livre seria entatildeo liberal Mas demonstra-se que natildeo eacute liberal por este motivo porque

natildeo eacute uma daquelas sete que satildeo enumeradas na conhecida divisatildeo das artes liberais

3ordm argumento Aleacutem do mais a ciecircncia que Deus estipula sobre as realidades

fiacutesicas eacute tatildeo praacutetica como especulativa como explica S Tomaacutes na 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 14 artigo 16 logo tambeacutem aquela que noacutes estabelecemos sobre as

mesmas mateacuterias natildeo haacute-de ser apenas especulativa mas tambeacutem praacutetica

105 Plutarco no livro Sobre o Exiacutelio Laeacutercio na Vida de Soacutecrates Ceacutelio no livro 19 das Liccedilotildees de Filosofia antiga Fiacutelon Judeu no livro Sobre a vida contemplativa e Teodoreto discurso 6 Sobre a providecircncia

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 111

4ordm argumento Acrescente-se que sobretudo aquela parte da Fisiologia que

considera as acccedilotildees da vontade humana natildeo parece ter menos justificaccedilatildeo para ser

enumerada entre as praacuteticas do que aquela parte da doutrina Eacutetica que trata de examinar

as mesmas mateacuterias106 visto que ambas se ocupam da actividade que eacute dirigida pela

razatildeo ou seja da praxis

5ordm argumento Finalmente a arte de curar faz parte da ciecircncia Fiacutesica visto que

trata do corpo humano enquanto dependente da sauacutede e da doenccedila e porque uma

determinada parte estaacute sujeita ao ser moacutevel mas a arte de curar eacute praacutetica eacute natural que

se aplique agraves indicaccedilotildees necessaacuterias para tratar os corpos e que concentre toda a sua

forccedila na conservaccedilatildeo e na recuperaccedilatildeo da sauacutede Por conseguinte a Fiacutesica haacute-de ser

praacutetica porque estando uma parte sujeita a um geacutenero o todo natildeo pode pertencer a

outro

6ordm argumento Acresce que Aristoacuteteles chamava irmatildes agrave Filosofia e agrave Medicina

e achava que uma devia ser definida pela outra dizendo que a Medicina era a Filosofia

do corpo e a Filosofia pelo contraacuterio a medicina da alma E o mesmo teraacute pensado

Demoacutecrito antes de Aristoacuteteles como refere Clemente de Alexandria no Pedagogo

capiacutetulo 2 bem como S Isidoro Pelusiota no livro 1 das Epiacutestolas epiacutestola 437

Parece portanto que os filoacutesofos juntaram estas duas disciplinas da natureza pela sua

ligaccedilatildeo e conformidade Por isso acontece que se a Medicina for incluiacuteda no nuacutemero

das artes praacuteticas a Fisiologia deve estar no mesmo grupo

ARTIGO 2ordm

ESTABELECE-SE A POSICcedilAO VERDADEIRA E DISSOLVE-SE OS TREcircS ARGUMENTOS DA PARTE

CONTRAacuteRIA

A Fisiologia eacute uma ciecircncia contemplativa Deve confirmar-se entatildeo que a

Filosofia Natural eacute uma ciecircncia contemplativa como opinam Aristoacuteteles no livro 6 da

Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1 e no undeacutecimo tambeacutem da Metafiacutesica capiacutetulo 6 Platatildeo

citado por Alcino no livro Sobre a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 7 S Agostinho no

livro 8 da Cidade de Deus capiacutetulo 4 Boeacutecio na obra Sobre a Trindade e Hugo de S

Victor no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 2 bem como muitos outros filoacutesofos em

consenso unacircnime Acrescente-se agrave autoridade a razatildeo Na verdade as disciplinas

106 Nos livros Sobre a Alma quando se trata das potecircncias e suas funccedilotildees

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 112

contemplativas diferem das praacuteticas neste ponto eacute que as praacuteticas como indica o

proacuteprio nome de praxis dizem respeito por natureza a uma obra qualquer e

consequentemente direccionam a potecircncia de modo a concretizar essa obra transmitem

as regras e os preceitos da operaccedilatildeo as contemplativas pelo contraacuterio apresentam

como finalidade apenas a verdade isto eacute somente a proacutepria observaccedilatildeo das coisas

sobre as quais discorrem Posto isto qualquer um percebe facilmente que a Filosofia

Natural eacute contemplativa visto que se dedica apenas a explicar a natureza das realidades

fiacutesicas e natildeo revela quaisquer regras para executar uma obra como se percebe pela

observaccedilatildeo do seu objectivo e do seu meacutetodo E natildeo interessa que alguns a procurem

obter bem como a outras ciecircncias especulativas por causa da honra e da riqueza No

entanto a distinccedilatildeo das artes e das ciecircncias natildeo se deve presumir pelo fim que algueacutem

estabelece pelo seu arbiacutetrio mas pela finalidade a que elas por si mesmas se entregam

Dissoluccedilatildeo do primeiro argumento pela parte contraacuteria Relativamente ao

primeiro argumento dos que impugnavam a nossa afirmaccedilatildeo sendo aceite a proposiccedilatildeo

maior deve negar-se a menor E quanto agrave sua aprovaccedilatildeo deve dizer-se que a Filosofia

se inclina para o amor de Deus e para o menosprezo das voluacutepias e das honrarias

todavia natildeo em termos praacuteticos como se desse ensinamentos nesse sentido mas quer

pelo motivo que eacute aduzido no argumento quer porque a divina bondade que reluz nas

coisas criadas eacute reconhecida pelo filoacutesofo e depois de conhecida eacute amada Identifica

tambeacutem a falsa vaidade das coisas vatildes e depois de a identificar despreza-a

Dissoluccedilatildeo do segundo Relativamente ao segundo deve negar-se a proposiccedilatildeo

antecedente cuja confirmaccedilatildeo eacute desmentida afirmando que a Fiacutesica eacute de facto liberal

ou independente visto que cultiva o espiacuterito uma parte livre e independente do homem

Todavia natildeo estaacute contida naquela habitual reparticcedilatildeo das artes liberais porque como

adverte Hugo de S Viacutetor no livro 3 do Didascalion nem todas as disciplinas liberais

satildeo nela referidas mas apenas aquelas a que chamavam Enciclopeacutedicas por serem

integradas no ciacuterculo de estudos ou populares pelas quais era costume que os

adolescentes fossem instruiacutedos antes de chegarem agrave Fiacutesica pelo que se costumava citar

muito mais vezes as artes do que as ciecircncias como atesta S Tomaacutes na Suma Teoloacutegica

1ordf parte da 2ordf questatildeo 57 artigo 3

Dissoluccedilatildeo do terceiro Relativamente ao terceiro argumento dir-se-aacute como o

mesmo S Tomaacutes na 1ordf parte questatildeo 15 artigo 3 e nas Questotildees sobre a verdade

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 113

questatildeo 3 artigo 3 que Deus intelige as realidades fiacutesicas quer pela via especulativa

quer pela praacutetica De forma especulativa porque considera em absoluto as suas

naturezas e afeiccedilotildees Na praacutetica porque as pondera com razatildeo de modo a que se

transformem de acordo com a sua proacutepria regra e praxis seja em acto seja em potecircncia

A ciecircncia divina sobre as realidades fiacutesicas eacute simultaneamente praacutetica e especulativa E

por isso a cogniccedilatildeo divina embora seja em si mesma una e simpliciacutessima todavia

quando se inclina para as coisas fiacutesicas quer pela sua eminente e excelente dignidade

quer pelo modo diverso e pela ordem que as realidades deste tipo tecircm em comparaccedilatildeo a

outras obteacutem o estatuto de uma ciecircncia simultaneamente praacutetica e contemplativa

A nossa natildeo eacute igual Mas a nossa Fisiologia estabelece-se de modo muito diferente De

facto como as coisas naturais natildeo dependem de todo da sua regra e praxis acontece que

de um soacute modo haacute-de ser levada a cabo ou seja atraveacutes da observaccedilatildeo daiacute que seja

apenas especulativa107

Dissoluccedilatildeo do quarto E com efeito o que se objectou sobre as acccedilotildees da vontade natildeo

tem importacircncia Pois deve considerar-se que nem todas as acccedilotildees provenientes da

vontade contecircm a razatildeo da praxis mas apenas aquelas que satildeo dirigidas pelo juiacutezo

praacutetico do intelecto

Que acccedilotildees obtecircm a razatildeo da praxis E assim a sua consideraccedilatildeo natildeo diz respeito

directamente agrave Fisiologia mas agraves artes a que pertence este juiacutezo ou ditame como por

exemplo agrave doutrina Moral que transmite a correcta norma de vida e de modo

semelhante agraves outras artes que prescrevem de que modo a sua mateacuteria deve ser tratada

ARTIGO 3ordm

DILUI-SE O UacuteLTIMO ARGUMENTO DO PRIMEIRO ARTIGO E INVESTIGA-SE SE A ARTE DE CURAR

Eacute CONTEMPLATIVA

Para satisfazer plenamente ao uacuteltimo argumento seraacute preciso esclarecer neste

artigo se a Medicina deve ser considerada entre as ciecircncias praacuteticas ou contemplativas

Nesta mateacuteria apresentam-se duas opiniotildees

1ordf opiniatildeo Sua confirmaccedilatildeo A primeira eacute dos que pensam que natildeo se pode

dizer que eacute simplesmente praacutetica nem contemplativa mas parcialmente uma e outra

107 Leia-se Capreacuteolo na questatildeo 2 do proacutelogo na dissoluccedilatildeo do argumento de Gregoacuterio contra a 1ordf conclusatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 114

coisa108 Primeiro porque eacute bem conhecido de todos que os Meacutedicos dividem a Medicina

entre praacutetica e teoacuterica e desta divisatildeo fazem menccedilatildeo Avicena no iniacutecio da sua

Metafiacutesica e Galeno nas Finitiones Medicae Depois porque a arte de curar natildeo soacute

ensina que medicamentos se devem aplicar a cada doenccedila de cujo geacutenero trata a

doutrina dos Aforismos de Hipoacutecrates que se refere toda ela agrave praacutetica como tambeacutem

considera atraveacutes da observaccedilatildeo a estrutura do corpo humano a composiccedilatildeo e outras

coisas deste tipo E assim a arte de curar tanto parece ser praacutetica como especulativa

2ordf opiniatildeo Sua confirmaccedilatildeo A outra opiniatildeo que nos parece mais aceitaacutevel

foi abraccedilada por Hugo de S Victor no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 21 por S

Tomaacutes no Comentaacuterio agrave Trindade de Boeacutecio questatildeo 5 artigo 1 por Escoto questatildeo 4

no proacutelogo das Sentenccedilas por Isidoro no primeiro livro da Eacutetica por Averroacuteis

Collectio livro 6 capiacutetulo 1 e no livro 1 do Comentaacuterio ao De Anima 17 bem como

por muitos outros109 para quem obviamente se deve considerar a Medicina

simplesmente praacutetica Isto pode explicar-se deste modo a ciecircncia natildeo deve ser

considerada contemplativa nem praacutetica a partir dos objectos particulares de cada um dos

haacutebitos que a constituem mas a partir do que costumam chamar o seu sujeito de

atribuiccedilatildeo e a partir da finalidade de toda a sua arte

Mateacuteria tratada pela arte meacutedica e sua finalidade Ora o sujeito de atribuiccedilatildeo

da Medicina eacute o corpo humano na medida em que eacute passiacutevel de boa ou maacute sauacutede a sua

finalidade eacute por outro lado restituir a sauacutede se tiver faltado ou conservaacute-la se natildeo

tiver faltado e todas estas coisas como eacute sabido dizem respeito agrave praacutetica Logo a arte

meacutedica deve considerar-se simplesmente praacutetica A proposiccedilatildeo menor pertence aos

meacutedicos110 e a Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 7 e no livro 1 da Retoacuterica a

Teodeto capiacutetulo 2 Prova-se a maior Primeiro porque eacute conveniente que qualquer arte

ou ciecircncia tome o nome e a razatildeo do objectivo para o qual dirige todos os seus

pensamentos e todo o seu desenvolvimento como se fosse para uma mira Depois

porque muitas outras artes absolutamente praacuteticas se deviam ter declarado natildeo tatildeo

absolutamente praacuteticas Por exemplo a doutrina Moral se natildeo atendecircssemos agrave sua

108 Como Lemosio no primeiro dos seus Commentaria in Galeno de morbidus medendis e tambeacutem Aponensis nas Differentiae 4 embora diga que toda a Medicina pode dizer-se especulativa109 Como Turisano no Micrologus Galeno no livro 1 Ferneacutelio no iniacutecio da sua Fisiologia Amoacutenio no proeacutemio ao livro In quinque voces Porphyrii e Galeno Epidemiae 6110 Leia-se Galeno 1 Aforismos aforismo 1 e o livro 1 Sobre o engenho da sauacutede capiacutetulo 2 e tambeacutem Averroacuteis no livro 1 de Colliget capiacutetulo 1 Haliabas no livro 1 da Theorica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 115

principal finalidade que eacute uma espeacutecie de obra a saber o correcto fundamento da vida e

a conformidade dos costumes ningueacutem diria que eacute absolutamente praacutetica visto que natildeo

satildeo poucos os seus haacutebitos contemplativos ou seja que tomados em si mesmos natildeo

traduzem qualquer regra de actuaccedilatildeo como por exemplo os que se ocupam daquelas

proposiccedilotildees ldquoque a justiccedila eacute superior agrave coragemrdquo ldquoque as virtudes estatildeo interligadas

entre sirdquo e muitas outras O mesmo eacute tambeacutem evidente na Dialeacutectica111 na qual

ocorrem a cada passo haacutebitos muito semelhantes Para aprovarmos o que foi dito a

exposiccedilatildeo eacute um discurso que exprime o verdadeiro ou o falso a demonstraccedilatildeo eacute um

silogismo constituiacutedo pelas verdades as primeiras e as outras

A ciecircncia Moral e a Dialeacutectica satildeo apenas praacuteticas Logo visto que nada obsta a que a

doutrina Moral como ensina Aristoacuteteles no livro 2 da Eacutetica capiacutetulo 2 e a Dialeacutectica

como indica no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 2 visto que nada obsta dizia eu

a que estas artes sejam contabilizadas apenas entre as praacuteticas eacute razoaacutevel que a

Medicina deva ser integralmente colocada entre elas

Dissoluccedilatildeo dos argumentos em favor da parte contraacuteria Ora os argumentos

que foram aduzidos pela parte contraacuteria tecircm facilmente explicaccedilatildeo No que diz respeito

agravequela reparticcedilatildeo da Medicina entre praacutetica e teoacuterica deve responder-se como S

Tomaacutes e Avicena no lugar citado que o praacutetico e o especulativo se assumem de um

modo quando as ciecircncias se distinguem reciprocamente por si mesmas e de outro modo

quando se divide a arte meacutedica entre praacutetica e teoacuterica Assim de acordo com a primeira

reflexatildeo a distinccedilatildeo da ciecircncia extrai-se da sua finalidade uacuteltima de forma a que se

considere praacutetica aquela que tende para a acccedilatildeo como a sua uacuteltima e principal

finalidade De acordo com a outra toma-se em consideraccedilatildeo natildeo a uacuteltima mas a

finalidade primaacuteria de qualquer arte no entanto eacute a mesma coisa que dizermos que uma

parte da Medicina estaacute mais longe da acccedilatildeo e da praacutetica pois a que trata de

determinados teoremas tirados das fontes da Filosofia Natural e por instantes natildeo se

ocupa directamente das regras para curar podemos de certa maneira chamar-lhe

teoacuterica mas a outra parte provoca a acccedilatildeo e segue de perto a proacutepria praxis que se

ocupa expressa e claramente de fornecer preceitos esta eacute a praacutetica E porque a Medicina

se divide deste modo em teoacuterica e praacutetica nada impede que se diga absolutamente

praacutetica como se torna evidente daquilo que haacute pouco expusemos

111 Leia-se Capreacuteolo no livro 1 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 35 questatildeo 2 art 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 116

Explicaccedilatildeo do 5ordm argumento do primeiro artigo E assim tendo em conta o que

explicaacutemos jaacute estaacute agrave vista o que se tem de responder ao uacuteltimo argumento do primeiro

artigo e por causa do seu esclarecimento comeccedilamos por dizer isto Deve entatildeo negar-

se que a arte de curar faz parte da Fisiologia112 e dizer-se para sua aprovaccedilatildeo que

embora o corpo humano do qual se ocupa o meacutedico seja parte sujeita ao ente moacutevel se

ambos se estabelecem materialmente ou seja como coisa que existe entatildeo natildeo eacute uma

parte sujeita a ele se avaliarmos a razatildeo formal de cada um e o modo pelo qual chegam

agrave consideraccedilatildeo de quem os estuda113 O Meacutedico atende pois ao corpo humano na

medida em que pelo benefiacutecio e induacutestria da sua arte pode combater um estado de

sauacutede adverso e manter o favoraacutevel o Fisioacutelogo atraveacutes de um estudo exclusivo da

procura da verdade observa a essecircncia do ente moacutevel as suas afeiccedilotildees e tambeacutem (como

testemunha Aristoacuteteles no iniacutecio do livro Sobre o sentido e o sensiacutevel) as causas da

sauacutede e da doenccedila dado que derivam da natureza E estas razotildees satildeo diferentes entre si

Do que foi dito tambeacutem se torna claro que aquela parte da arte meacutedica que

considera alguns teoremas retirados da Filosofia Natural ainda que se adapte agrave sua

realidade natildeo faz parte da Filosofia Natural e como esta mesma consideraccedilatildeo eacute

orientada para a praacutetica pelo fundamento e pela intencionalidade de toda a arte a natildeo

ser que algueacutem prefira dizer que ela deriva da Filosofia Natural natildeo eacute tratada pelo

Meacutedico enquanto Meacutedico mas pelo Meacutedico que assume a funccedilatildeo de Fisioacutelogo e deste

modo natildeo eacute directamente incluiacuteda na arte Meacutedica nem pelo seu regulamento e pela sua

disposiccedilatildeo pode dizer respeito agrave praacutetica Todavia agrada-nos mais a primeira opiniatildeo a

de S Tomaacutes e Avicena

Dissoluccedilatildeo do sexto Em que sentido se pode dizer que a Filosofia e a

Medicina satildeo irmatildes Ao que se objectava a partir do pensamento de Demoacutecrito e de

Aristoacuteteles respondemos que eles chamaram irmatildes agrave Medicina e agrave Filosofia isto eacute agrave

sabedoria natildeo porque se aproximam entre si por afinidade da praacutetica ou da

contemplaccedilatildeo mas porque ambas curam a primeira o espiacuterito a outra o corpo114

Acrescente-se que a afinidade em particular entre a Fisiologia e a arte Meacutedica natildeo eacute

pouca dado que uma estuda a natureza e a outra extrai das leis da natureza os preceitos

112 Leia-se Zimara nos Teoremas prop 21 onde refuta o Conciliator 113 Artifex (N do T)114 Leia-se Ciacutecero ateacute ao fim da primeira Tusculana Plutarco no livro Sobre a conservaccedilatildeo da boa sauacutede

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 117

para curar a primeira dedica-se ao grande universo a outra ao pequeno e por fim a

primeira acaba onde a outra comeccedila como diz Aristoacuteteles no livro Sobre o sentido e o

sensiacutevel

QUESTAtildeO IV

O ENTE MOacuteVEL SERAacute OU NAtildeO O ASSUNTO DA FISIOLOGIA

ARTIGO 1ordm

DISSOLUCcedilAtildeO DA QUESTAtildeO

Opiniotildees sobre o assunto da Fisiologia115 Haacute nove posiccedilotildees que tratam mais

ou menos da mateacuteria ou do assunto desta disciplina nas escolas de Filoacutesofos Trecircs delas

tornaram-se mais ceacutelebres

1ordf opiniatildeo A primeira eacute partilhada por Avicena no primeiro livro das

Sufficientiae por Algazel no livro Sobre a divisatildeo das ciecircncias por Magno Alberto no

iniacutecio desta obra por Lincolniense por Egiacutedio e por muitos outros defensores de que o

assunto eacute o corpo moacutevel ou o corpo natural

2ordf opiniatildeo A segunda pertence a Francisco Toledo e a Joatildeo Maior nesta obra

e a muitos outros que asseveram ser o ente natural

3ordf opiniatildeo A terceira eacute a de Averroacuteis de Simpliacutecio e de S Tomaacutes que seguem

o Ferrariense na questatildeo 2 deste livro Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 10 e

Caetano no opuacutesculo em que disserta sobre esta questatildeo com a devida detenccedila Estes

estabelecem que o assunto eacute o ente moacutevel Na verdade embora os autores destas

facccedilotildees se oponham entre si de modo algum se contradizem

Os filoacutesofos nesta questatildeo concordam nas ideias mas discordam nas

palavras De facto se nos dispusermos a prestar atenccedilatildeo com espiacuterito neutro facilmente

se haacute-de revelar que este dissiacutedio natildeo eacute tanto de ideias como de palavras visto que em

boa verdade o ente moacutevel o corpo moacutevel ou natural e o ente natural satildeo precisamente a

mesma coisa Pelo que Averroacuteis atendendo natildeo tanto agraves palavras como agrave verdade da

posiccedilatildeo umas vezes chama ao assunto da Fisiologia ente moacutevel como no local citado e

no livro 4 da Metafiacutesica comentaacuterio 1 outras vezes corpo moacutevel como no comentaacuterio

115 Parte destas posiccedilotildees satildeo referidas por Caetano no opuacutesculo De subiecto Phisiologiae e a outra parte por Janduno nesta obra questatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 118

5 do livro 12 da mesma obra e tambeacutem corpo natural como no comentaacuterio 5 do livro

7

Diferentes usos do termo moacutevel E entatildeo para que a verdade brilhe ainda mais

cumpre notar que de acordo com Alberto Magno na questatildeo 2 deste livro o vocaacutebulo

lsquomoacutevelrsquo pode ser usado pelos filoacutesofos em dois sentidos por um lado para designar

uma aptidatildeo para o movimento que eacute uma propriedade do ente natural por outro para

significar o princiacutepio no qual tem origem este tipo de aptidatildeo isto eacute a mateacuteria e a forma

substancial que satildeo os princiacutepios do movimento tomando a acepccedilatildeo mais lata deste

termo visto que compreende na sua definiccedilatildeo aquelas seis espeacutecies que Aristoacuteteles

enumerou no livro das Categorias no capiacutetulo sobre as espeacutecies do movimento

O que existe entre o ente natural e o ente segundo a natureza Para aleacutem disso

natildeo se pode ignorar o que foi transmitido por Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo

1 texto 4 onde se diz que o ente natural eacute constituiacutedo de mateacuteria e de forma mas o ente

segundo a natureza de raiz mais vasta e completa natildeo eacute apenas o ente natural mas

tambeacutem qualquer uma das suas afeiccedilotildees como por exemplo a capacidade de ser

movido a forma de existir a delimitaccedilatildeo num espaccedilo e outras deste tipo

O corpo diz-se triacuteplice E finalmente ficamos a saber por S Tomaacutes no livro 1

das Sentenccedilas distinccedilatildeo 25 questatildeo uacutenica artigo 1 e por Henrique de Gand no livro 4

do Quodlibet questatildeo 14 que o corpo eacute triacuteplice Matemaacutetico Metafiacutesico e Fiacutesico116

Matemaacutetico pois eacute uma das espeacutecies da quantidade contiacutenua e tem trecircs dimensotildees

longitude latitude e profundidade Metafiacutesico porque pela sua natureza de composiccedilatildeo

metafiacutesica eacute constituiacutedo pelo geacutenero e pela diferenccedila ou seja pela substacircncia e pelo

corpoacutereo aleacutem disso enquanto composiccedilatildeo fiacutesica deriva da mateacuteria e da forma e

posiciona-se na categoria da substacircncia Por fim fiacutesico pois eacute mateacuteria-prima uma parte

do composto natural jaacute depois de ter obtido uma utilizaccedilatildeo visto que natildeo se considera

corpo uma mateacuteria-prima qualquer mas apenas a que foi destinada pelos instrumentos a

executar as funccedilotildees vitais ou a que eacute uma parte do ser vivo

Em que sentido se diz que o ente moacutevel eacute o assunto da Fisiologia Posto isto

quando dizemos que o ente moacutevel o corpo moacutevel ou natural e o ente natural valem o

mesmo utilizamos o termo lsquomoacutevelrsquo no seu uacuteltimo significado pois o corpo moacutevel

tomado como corpo resume-se ao segundo modo De onde se torna claro que nem a

116 Leia-se Caetano sobre o artigo 3 questatildeo 7 da 1ordf parte

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 119

mateacuteria-prima embora esteja sujeita agrave geraccedilatildeo nem as mentes privadas de massa

corpoacuterea mesmo que se movam do seu lugar estatildeo compreendidas na designaccedilatildeo de

ente moacutevel visto que natildeo satildeo constituiacutedas de mateacuteria e de forma Eacute tambeacutem evidente

que alguns seguidores de Escoto censuram sem razatildeo a opiniatildeo de S Tomaacutes como se

tivesse estabelecido que o assunto da Fisiologia eacute o composto por acidente Na verdade

o ente moacutevel natildeo eacute composto por acidente nem uma ligaccedilatildeo de facto mas apenas de

vocaacutebulo visto que vale o mesmo que o corpo para a categoria da substacircncia

Conclusatildeo 1ordf razatildeo Logo seraacute esta a conclusatildeo o ente moacutevel eacute o assunto da

Filosofia Natural E assim se comprova O ente moacutevel sendo conhecido pela luz da

razatildeo humana e tendo sido demonstradas algumas propriedades sobre ele de qualquer

modo haacute-de necessariamente pertencer a uma ciecircncia e natildeo a outra como se percebeu

pela induccedilatildeo Portanto eacute agrave Filosofia Natural

2ordf razatildeo Em segundo lugar o ente moacutevel eacute o assunto de uma ciecircncia cuja

natureza e afeiccedilotildees se explicam directamente no seu acircmbito como se percebe do que

transmite Aristoacuteteles no livro 1 dos Segundos Analiacuteticos capiacutetulos 8 e 9 Ora eacute assim

que se estabelece o ente moacutevel em relaccedilatildeo a esta ciecircncia como se torna claro a quem

observar o seu fundamento e o desenvolvimento da sua doutrina Logo ele eacute o assunto

da Filosofia Natural

3ordf razatildeo Em terceiro lugar todas as condiccedilotildees requeridas por consenso dos

filoacutesofos quanto aos assuntos das artes estatildeo reunidas no ente moacutevel em relaccedilatildeo agrave

Fisiologia Logo deve necessariamente ser-lhe atribuiacutedo como assunto proacuteprio

Comprova-se a afirmaccedilatildeo Primeiro porque a distingue das outras ciecircncias como

qualquer um perceberaacute facilmente a partir do que discutimos mais atraacutes117 Depois

porque eacute proacuteprio de uma natureza una visto que pertence directamente agrave categoria da

substacircncia Por fim porque todas as coisas que cabem no debate da Fiacutesica se referem a

ele

4ordf razatildeo Confirma-se ainda esta afirmaccedilatildeo pelo facto de o assunto de qualquer

ciecircncia se considerar aquele que de acordo com as regras costuma colocar-se na

definiccedilatildeo da afeiccedilatildeo proacutepria e especiacutefica que nela se observa ora na definiccedilatildeo de

movimento que eacute a principal das propriedades estudadas pelo Fiacutesico estaacute colocado o

117 Na questatildeo 1 deste proeacutemio

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 120

ente moacutevel E assim se define pois o movimento no terceiro livro desta obra capiacutetulo

2 texto 16 O movimento eacute o acto do ente moacutevel enquanto moacutevel

5ordf razatildeo Por uacuteltimo Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1

parece ter claramente aprovado esta opiniatildeo com estas palavras ldquoa faculdade natural eacute

de facto a ciecircncia contemplativa do que pode ser activado pelo movimentordquo

Resposta agrave objecccedilatildeo E para que natildeo queira algueacutem forccedilar as palavras para

colher desta passagem a opiniatildeo de outros que no iniacutecio da questatildeo afirmaacutemos ser de

facto discrepante da nossa e contraacuteria agrave doutrina aristoteacutelica No mesmo ponto diz

Aristoacuteteles que a Fiacutesica assenta no conhecimento da substacircncia que tem em si mesma o

princiacutepio do movimento e do repouso isto eacute da substacircncia moacutevel para que facilmente

se demonstre o que anteriormente advertimos ndash que na disciplina peripateacutetica o ente

moacutevel a substacircncia moacutevel e os semelhantes valem absolutamente o mesmo Daiacute que

sejam utilizados indiscriminadamente no livro 10 da Metafiacutesica sumaacuterio 2 capiacutetulo 2 e

no livro 11 sumaacuterio 7 capiacutetulo 1 bem como no livro 1 Sobre o Ceacuteu capiacutetulo 1 texto 1

e no livro 3 capiacutetulo e texto 1 Por isso natildeo eacute preciso que depois de explorada e

constituiacuteda a mateacuteria componhamos como alguns incorrectamente fazem uma questatildeo

mais longa do que esta passagem sobre os vocaacutebulos

Conveacutem que a reflexatildeo filosoacutefica seja sobre ideias e natildeo sobre palavras Platatildeo

afirmou e com toda a razatildeo que ldquo se desprezarmos as palavras quando eacute preciso

seremos mais ricos em factosrdquo e Galeno ldquoos homens comeccedilaram a desprezar as

verdadeiras coisas precisamente quando com excessos de minuacutecia transferiram as

controveacutersias para os nomesrdquo

ARTIGO 2ordm

ARGUMENTOS CONTRA O QUE SE CONCLUIU NO ARTIGO ANTERIOR

1ordm argumento Opotildee-se poreacutem algumas coisas que parecem destruir a opiniatildeo

sobre o assunto da Fiacutesica que ateacute agora apresentaacutemos Antes de mais seraacute permitido

argumentar assim Na Fiacutesica o ente segundo a natureza estabelece-se em relaccedilatildeo ao

ente natural do mesmo modo que na ldquoPrimeira Filosofiardquo o ente no geral em relaccedilatildeo agrave

substacircncia ora o assunto da ldquoPrimeira Filosofiardquo natildeo eacute a substacircncia mas o ente no

geral como estabeleceu Aristoacuteteles no iniacutecio do livro 4 da Metafiacutesica logo o sujeito da

Fiacutesica natildeo seraacute o ente natural mas o ente segundo a natureza

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 121

2ordm argumento Se natildeo houvesse substacircncias privadas de mateacuteria como

pensavam os Fiacutesicos antigos a Fisiologia seria a ldquoPrimeira Filosofiardquo como atesta

Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 3 e no livro 11 capiacutetulo 6 logo a

ldquoPrimeira Filosofiardquo distingue-se da Fisiologia apenas pela observaccedilatildeo das substacircncias

imateriais e por isso o Metafiacutesico natildeo estuda o acidente nem a substacircncia entendida no

geral No entanto como elas natildeo se devem deixar incoacutegnitas nem haacute de facto outro

filoacutesofo118 para aleacutem do Fiacutesico a quem tenhamos de confiar por direito o seu

conhecimento conclui-se obviamente que o Fiacutesico tambeacutem se ocupa dessas coisas a

ponto de natildeo circunscrever de modo algum o assunto da Fisiologia aos limites das

coisas naturais

3ordm argumento Nenhuma ciecircncia potildee agrave prova o seu assunto mas assume-o

como conhecido como se pode concluir do livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 1 onde

Aristoacuteteles diz que se deve pressupor que haacute um preacute-conceito sobre o assunto Ora no

livro 6 desta obra capiacutetulo 3 texto 32 potildee agrave prova o que eacute o corpo moacutevel Por

conseguinte de modo nenhum pode dizer-se que o corpo moacutevel eacute o assunto da Fiacutesica

Antecipaccedilatildeo E se algueacutem contestar que no local citado natildeo se prova o que eacute o

corpo moacutevel mas que todo o moacutevel eacute um corpo Caetano na sua contestaccedilatildeo sobre o

assunto da Filosofia Natural insiste e persiste neste ponto

Compete agrave Metafiacutesica distribuir os assuntos pelas outras disciplinas

Absolutamente nenhuma das artes cujo assunto seja complexo ou complexamente

conhecido potildee agrave prova a junccedilatildeo das partes de onde proveacutem o proacuteprio assunto ela jaacute

teria de qualquer modo estabelecido e definido o seu assunto o que natildeo eacute concedido a

qualquer ciecircncia particular (pois todas aceitam que lhes seja transmitido pela ciecircncia

comum rainha de todas as artes) no entanto o Fiacutesico como reconhecem os

adversaacuterios potildee agrave prova a ligaccedilatildeo do moacutevel ao corpo Logo natildeo pode reivindicar o

corpo moacutevel como seu assunto

4ordm argumento Se o ente moacutevel fosse o assunto da Fiacutesica seguir-se-ia que o

Filoacutesofo Natural natildeo abstraiacutesse o seu pensamento da mateacuteria mas ele abstrai visto que

nos livros Sobre a Alma se observa a natureza da alma racional que natildeo depende da

mateacuteria Por conseguinte deve procurar-se outro assunto para a Fiacutesica que como eacute

118 Artifex (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 122

evidente por um lado seja livre da concreccedilatildeo da mateacuteria mas por outro esteja

necessariamente ligado a ela

5ordm argumento O Astroacutelogo disserta sobre o ente moacutevel enquanto moacutevel logo

o ente moacutevel natildeo distingue a Fiacutesica das outras disciplinas Comprova-se esta afirmaccedilatildeo

porque como se constata tanto dos princiacutepios ensinados na Astrologia como de

Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 7 texto 19 e no livro 10 da Metafiacutesica

capiacutetulo 2 texto 4 bem como de Proclo no primeiro livro dos Comentaacuterios a Euclides

o Astroacutelogo natildeo soacute observa a figura dos corpos celestes e a distacircncia da terra como

tambeacutem o movimento E por isso o Astroacutelogo tambeacutem estuda o ente moacutevel enquanto

moacutevel natildeo na sua totalidade mas em parte

6ordm argumento O movimento natildeo eacute uma disposiccedilatildeo proacutepria do ente moacutevel logo

eacute falso o que dissemos atraacutes para confirmar a conclusatildeo Prova-se o antecedente porque

a quantidade eacute movida fora da mateacuteria a que estaacute ligada por vontade divina como se

torna evidente na divina Eucaristia e os anjos tambeacutem mudam de lugar mas estas

disposiccedilotildees natildeo se mantecircm sob o ente moacutevel porque natildeo satildeo constituiacutedas por mateacuteria e

por forma

7ordm argumento A quantidade e o repouso parecem ser as propriedades mais

fortes do ente moacutevel pois a primeira eacute o fundamento dos restantes acidentes materiais e

a outra eacute o fim do movimento pelo menos local no entanto todo o fim eacute superior ao

que se dirige para o fim como se demonstra a partir do que ensina Aristoacuteteles no livro

2 desta obra capiacutetulo 3 texto 31 Acrescente-se que os Pitagoacutericos colocaram a

estabilidade ou o repouso no geacutenero dos bens e o movimento no dos males Por

conseguinte natildeo afirmaacutemos correctamente que o movimento eacute a principal disposiccedilatildeo do

ente moacutevel

ARTIGO 3ordm

RESPONDE-SE AOS ARGUMENTOS DO ARTIGO ANTERIOR

Resoluccedilatildeo do 1ordm Satildeo entatildeo estes os argumentos que nos devem de alguma

forma dissuadir da opiniatildeo sustentada sobre o assunto da Fisiologia Deste modo

respondemos ao primeiro que embora o ente no geral diga respeito agrave substacircncia e o ente

segundo a natureza esteja ligado ao ente moacutevel tecircm entre si uma certa razatildeo de

semelhanccedila na medida em que qualquer um eacute superior a outro com que se compare

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 123

todavia no que diz respeito ao propoacutesito do argumento satildeo muito diferentes entre si

De facto as principais disposiccedilotildees da Metafiacutesica como o uno o verdadeiro e outras

deste tipo competem primeiro natildeo agrave substacircncia mas ao ente no geral E as

propriedades da Fiacutesica como a sujeiccedilatildeo ao movimento a disposiccedilatildeo pela quantidade a

delimitaccedilatildeo no espaccedilo e outras do mesmo tipo estatildeo mais de acordo com o ente

natural do que com o ente segundo a natureza Sendo assim visto que deve considerar-

se o assunto de qualquer ciecircncia aquilo em que incidem primeiro que tudo as principais

disposiccedilotildees que nela se estudam consequentemente o assunto da ldquoprimeira Filosofiardquo

haacute-de correctamente constituir-se o ente em geral e o da Fisiologia o ente natural natildeo o

ente segundo a natureza

Resoluccedilatildeo do 2ordm Ao segundo argumento deve confessar-se com Aristoacuteteles

no lugar citado que se natildeo existissem substacircncias absolutamente imateriais natildeo

existiria uma ldquoprimeira Filosofiardquo e natildeo pelo facto de o Metafiacutesico observar apenas as

substacircncias livres da mateacuteria nem por se distinguir do Filoacutesofo Natural somente pela

observaccedilatildeo delas mas porque se este tipo de substacircncias fosse definitivamente afastado

da natureza das coisas o ente moacutevel iria trocar com a substacircncia no geral e iria encerrar

em si mesmo todos os acidentes e toda a amplitude do ente

Os antigos inteacuterpretes da natureza natildeo distinguiram a Fisiologia da

Metafiacutesica Posto isto jaacute nada restaria ao estudo da ldquoprimeira Filosofiardquo daiacute que entre

os Fiacutesicos antigos que nada de concreto reconheciam para aleacutem da mateacuteria se dissesse

que a Filosofia Natural era a ldquoprimeira Filosofiardquo Torna-se entatildeo evidente que a partir

do que foi dito Aristoacuteteles natildeo considerava de modo algum que o conceito geral de

substacircncia ou de ente dizia respeito ao Filoacutesofo Natural

Resoluccedilatildeo do 3ordm Relativamente ao terceiro argumento admitida a proposiccedilatildeo

maior (cuja explicaccedilatildeo mais profiacutecua se encontra em Escoto no livro 1 da Metafiacutesica

questatildeo 1 e em Ferrariense no capiacutetulo 12 do livro 1 Contra os Gentios)119 deve negar-

se que Aristoacuteteles provou no livro 6 que o corpo moacutevel se produz na natureza das

coisas ou que tudo o que se move eacute um corpo mas apenas que todo o moacutevel eacute

constituiacutedo por partes e divisiacutevel o que tinha sido negado pelos antigos Na verdade

Leucipo e Demoacutecrito introduziram uns pequenos corpos indivisiacuteveis e simultaneamente

119 O mesmo em Antoacutenio Andreas no livro 1 da Metafiacutesica Zimara nos Teoremas prop 53 Averroacuteis no uacuteltimo comentaacuterio deste livro

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 124

moacuteveis a partir dos quais todas as coisas foram consolidadas Haacute tambeacutem no lugar

citado o que chamamos uma finalidade de comprovaccedilatildeo aristoteacutelica que os adversaacuterios

natildeo contestam e que facilmente veraacute quem examinar com atenccedilatildeo o fio daquele debate

onde Aristoacuteteles conclui uma longa seacuterie de argumentos com estas palavras φανερὸν

ὦν ὅτι πᾶν τὸ μεταβὰλλον ἒζαι διαιρετὸν ou seja ldquotorna-se verdadeiramente manifesto

que tudo o que se move eacute divisiacutevelrdquo

Objecccedilatildeo Se algueacutem objectar entatildeo (o que pode acontecer relativamente a

quase todas as posiccedilotildees sobre o assunto da Fisiologia) que Aristoacuteteles no primeiro livro

desta obra explica que em qualquer composto satildeo considerados pelo Fiacutesico dois

componentes principais a saber a mateacuteria e a forma e que tambeacutem potildee agrave prova as

partes do ente moacutevel ou do ente natural de onde se conclui que natildeo se pode supor que

o assunto seja o ente moacutevel ou o ente natural

Resoluccedilatildeo E porque o fazem tambeacutem outros artiacutefices quanto aos assuntos das

suas artes dever-se-aacute responder que na verdade Aristoacuteteles prova que no local citado

satildeo consideradas a mateacuteria e a forma a partir das quais se constitui o ente moacutevel e

ataca os que demoliam os princiacutepios da natureza e assumindo verdadeiramente a funccedilatildeo

do Metafiacutesico como ele proacuteprio aconselha no texto 8 capiacutetulo 2 bem como Avicena

no livro 1 dos Sufficientia capiacutetulo 2 Deste modo Aristoacuteteles natildeo nega que isso deve

acontecer e natildeo eacute desadequado ao costume dos Filoacutesofos demonstrar qual eacute o assunto

da ciecircncia de que se ocupam tal como adverte para aleacutem de muitos outros Caetano

nos Comentaacuterios 1ordf parte no artigo 3 questatildeo 2

Resoluccedilatildeo do 4ordm Observaccedilatildeo muacuteltipla da alma racional Relativamente ao

quarto argumento para podermos responder-lhe eacute preciso ter em conta que na

observaccedilatildeo da alma racional manifestam-se trecircs dimensotildees a saber120 a proacutepria

essecircncia da alma considerada em absoluto o seu estatuto no corpo e o seu estatuto fora

do corpo Remetendo para a discussatildeo mais alongada desta questatildeo no primeiro livro

Sobre a Alma respondemos entretanto com poucas palavras que o conhecimento da

alma racional tomada de modo tripartido eacute proacuteprio do ldquoprimeiro Filoacutesofordquo a quem

compete estudar as inteligecircncias e ao seu modo transfere-se para o estado delas

algures por laacute quando se separa do corpo Mas a primeira e a segunda observaccedilotildees

120 Leia-se Averroacuteis no livro 3 Sobre a Alma comentaacuterio 17 Alberto Magno no livro 1 Sobre a Alma tratado 1 e Janduno no mesmo livro questatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 125

pertencem com toda a propriedade e de acordo com a sua tarefa ao Filoacutesofo Natural A

primeira natildeo soacute porque a alma sobretudo a racional tem de facto segundo a sua

quididade uma relaccedilatildeo com a mateacuteria mas tambeacutem porque compete ao Fiacutesico

descortinar a essecircncia do homem que natildeo pode ser entendida se natildeo for conhecida a

natureza da alma A segunda por um lado porque a alma neste estado da vida eacute parte

do homem em acto e precisa da mateacuteria tanto para a tarefa de tomar forma como para

executar as suas acccedilotildees Por conseguinte relativamente ao argumento aceita-se a

proposiccedilatildeo maior mas nega-se a menor e quanto agrave sua aprovaccedilatildeo deve dizer-se que

embora a alma racional possa por si mesma subsistir separadamente depende poreacutem

da mateacuteria do modo que dissemos e tambeacutem tem uma ordem de acordo com a sua

natureza e em relaccedilatildeo ao corpo de que eacute forma E isto eacute suficiente para que natildeo se diga

que o Filoacutesofo Natural se abstrai da mateacuteria quando se dedica ao estudo da alma visto

que na verdade observa a mateacuteria relativamente agrave qual eacute determinada aquela ligaccedilatildeo

da alma

Resoluccedilatildeo do 5ordm A teoria do movimento celeste eacute proacutepria do filoacutesofo121 Em

relaccedilatildeo ao quinto argumento deve negar-se o que se assume pois embora o Astroacutelogo

estude o movimento celeste natildeo eacute como ser moacutevel enquanto moacutevel que o considera

O Astroacutelogo natildeo estuda o movimento como sendo um acto do ente em potecircncia

Primeiro porque pouco lhe interessa a essecircncia e as causas dos corpos celestes depois

porque natildeo analisa o movimento como acto do ente em potecircncia mas de acordo com

razotildees matemaacuteticas como por exemplo os nuacutemeros a igualdade a medida a

proximidade e outros atributos deste tipo Sobre esta questatildeo leia-se Simpliacutecio no

livro 2 desta obra no texto 16 Alcino no livro Sobre a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 6

Averroacuteis no livro 2 Sobre o ceacuteu comentaacuterio 57 e no livro 1 da Metafiacutesica comentaacuterio

9 e ainda Gregoacuterio no livro 1 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 24 questatildeo 2 artigo 2

Resoluccedilatildeo do 6ordm Relativamente ao sexto argumento deve dizer-se que a

quantidade que subsiste fora do corpo atraveacutes de faculdade divina pode mover-se por si

mesma no entanto natildeo obteacutem isso pela sua proacutepria natureza mas por acccedilatildeo da forccedila de

um prodiacutegio precedente atraveacutes do qual consegue existir por si mesma Mas quando noacutes

dizemos que o movimento apenas conveacutem ao ente moacutevel falamos somente de uma

conveniecircncia natural Ora no que diz respeito agrave movimentaccedilatildeo dos anjos deve-se

121 Artifex (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 126

afirmar que ela natildeo eacute um movimento Fiacutesico de que se trate neste livro visto que os

anjos satildeo desprovidos de massa corpoacuterea sem a qual no acircmbito da Fiacutesica nada pode

mover-se como ensina Aristoacuteteles no livro 6 desta obra

Resoluccedilatildeo do 7ordm Ao seacutetimo deve responder-se que embora a quantidade

permanente quando tomada em si proacutepria seja superior ao movimento os Filoacutesofos

poreacutem devem atribuir ao movimento um lugar principal entre as disposiccedilotildees do ente

natural porque como se pode ver no livro 8 desta obra no capitulo 3 texto 22 tem de

ser uma caracteriacutestica mais fiacutesica dado que se habituaram a inquirir e explicar atraveacutes

dela a essecircncia o grau e a espeacutecie das coisas naturais de tal modo que o movimento eacute

considerado o mestre de quase toda a cogniccedilatildeo filosoacutefica Mas quanto ao que se

objectou sobre a quietude temos de dizer que a designaccedilatildeo de quietude como notaram

Escoto no livro 4 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 48 capiacutetulo 2 e Durando na questatildeo 3 da

mesma obra pode ser usada com duas acepccedilotildees uma delas simplesmente como

privaccedilatildeo de movimento a outra como existecircncia moacutevel em sede paterna e natural

como se fosse por um certo prazer e tranquilidade que nela se obteacutem visto que se

manteacutem melhor laacute e natildeo soacute tem uniformidade no seu modo de ser como conserva a

ordem e a beleza do universo tanto quanto lhe seja possiacutevel Por conseguinte se a

quietude for entendida neste uacuteltimo sentido (assim falavam dela os Pitagoacutericos) pode

admitir-se que ela seja a finalidade do movimento e mais perfeita do que ele mas na

verdade isto de modo nenhum obsta a que ainda assim o movimento seja a disposiccedilatildeo

mais fiacutesica por aquele motivo que haacute pouco referimos E por isso eacute que natildeo foi a

quantidade nem a quietude nem o lugar nem o tempo nem qualquer outra disposiccedilatildeo

deste tipo que deu o nome ao assunto da Fisiologia mas apenas e soacute o movimento

QUESTAtildeO V

QUE ORDEM OU LUGAR CABE Agrave FILOSOFIA NATURAL NO CONJUNTO DAS RESTANTES DISCIPLINAS

ARTIGO 1ordm

SOBRE A HIERARQUIA DOS SABERES

Visto que a Filosofia Natural tanto na hierarquia de saberes122 como da

dignidade pode ser comparada agraves outras ciecircncias e como o entendimento desta

122 Sobre a hierarquia de transmissatildeo dos saberes escreveu Boeacutecio no livro Sobre a doutrina escolar Plutarco no livro Sobre as contrariedades estoacuteicas Fiacutelon Judeu no livro Sobre a agricultura e S Agostinho no livro Sobre a ordem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 127

comparaccedilatildeo eacute muito uacutetil para filosofar de acordo com as regras natildeo seraacute minimamente

desadequado ao nosso intento reflectir tambeacutem agora sobre esta questatildeo Deixando de

lado as outras artes comparemos a Filosofia Natural somente com a Matemaacutetica a

Moral e a Metafiacutesica

1ordf Conclusatildeo A primeira conclusatildeo seraacute a Matemaacutetica na hierarquia dos

saberes estaacute antes da Filosofia Natural Esta eacute a opiniatildeo de Hugo de S Viacutetor no

proacutelogo da Hierarquia Celeste e no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 18 bem como de

S Tomaacutes no Opuacutesculo 70 questatildeo 5 artigo 1 e no 8ordm capiacutetulo do livro 6 da Eacutetica Eacute

tambeacutem a de Henrique de Gand na Suma Teoloacutegica artigo 7 questatildeo 7 de Simpliacutecio

neste lugar e de muitos outros bem como de Aristoacuteteles segundo parece no livro 6 da

Eacutetica capiacutetulo 8 onde diz que qualquer rapaz pode tornar-se Matemaacutetico ou saacutebio mas

Fiacutesico natildeo Isto mesmo confirma o costume dos antigos no modo como se deve

transmitir os saberes

Platatildeo afastava do Museu quem natildeo conhecia a matemaacutetica Na verdade

Platatildeo (para natildeo falarmos dos outros) mantinha afastados do Ginaacutesio todos aqueles que

natildeo tivessem sido instruiacutedos nas Matemaacuteticas e sobretudo os que natildeo se tivessem jaacute

exercitado no poacute geomeacutetrico nas portas da Academia estavam precisamente inscritas

estas palavras μηδείς ἀγεωμέτρητος εἰσίτω isto eacute ldquonatildeo entre aqui quem natildeo conhece a

Geometriardquo Eacute tambeacutem por isto que o mesmo Platatildeo no livro 7 da Repuacuteblica chama

προπαιδείας por assim dizer instruccedilotildees preliminares aquelas em que os espiacuteritos dos

adolescentes se deviam previamente exercitar e aperfeiccediloar para os outros niacuteveis de

conhecimento

As Matemaacuteticas ajudam a perceber outras artes Estabelece-se por fim uma

conclusatildeo pelo facto de haver menos dificuldade na aprendizagem das Matemaacuteticas e

daiacute que por causa dessa facilidade de serem aprendidas adoptem como seu o nome

comum das disciplinas entre os Gregos A Fiacutesica como perscruta a energia escondida

da natureza e depende em grande parte da informaccedilatildeo vaga e erroacutenea dos sentidos

requer observaccedilatildeo e experiecircncia de longa duraccedilatildeo pelo que eacute muito mais difiacutecil e

laboriosa

2ordf conclusatildeo A segunda conclusatildeo seraacute a Fiacutesica na hierarquia dos saberes

estaacute antes da Filosofia Moral Esta foi abraccedilada por Crisipo Arquedemo Boeto

Sidoacutenio e Eudemo como referem Laeacutercio na Vida de Zenatildeo e Amoacutenio no proeacutemio agraves

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 128

Categorias E ainda S Tomaacutes no capiacutetulo 8 do livro 6 da Eacutetica liccedilatildeo 7 Justifica-se

antes de mais por esta razatildeo porque nos aspectos que dizem respeito agrave disciplina de

vida agrave regulaccedilatildeo e agrave moderaccedilatildeo das vontades dos homens a experiecircncia eacute muito mais

falaz e incerta e tambeacutem muito mais aacuterdua do que nas Fiacutesicas e eacute preciso um juiacutezo

muito mais maduro para o entendimento das coisas que devem estabelecer os costumes

orientar a famiacutelia e sustentar a Repuacuteblica

Eacute preciso um raciociacutenio mais maduro para a Moral do que para a Fiacutesica A

isto diz respeito a afirmaccedilatildeo de Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 3 que o jovem

de modo nenhum eacute um ouvinte idoacuteneo da disciplina Moral porque seguramente no

reino das perturbaccedilotildees natildeo pode ser firme o juiacutezo sobre as atitudes que se devem tomar

enquanto o espiacuterito flutua no turbilhatildeo ondulante das paixotildees natildeo percebe de que modo

deve dominar os viacutecios soacute depois de ter conseguido uma certa estabilidade haacute-de ser

prudente e consciente como ensinou Aristoacuteteles no livro 7 desta obra capiacutetulo 3 texto

20 imitando Platatildeo no Craacutetilo Confirma-se tambeacutem esta conclusatildeo pelo que

aconselham Alexandre Simpliacutecio e Averroacuteis no iniacutecio desta obra e tambeacutem

Aristoacuteteles no uacuteltimo capiacutetulo do primeiro livro da Eacutetica ou seja que para a Filosofia

Moral tecircm necessariamente de se solicitar muitos conhecimentos agraves fontes da natureza e

ao estudo da verdade Fiacutesica como por exemplo o que eacute a alma

A Filosofia Moral eacute a medicina do espiacuterito Na verdade como afirma Platatildeo no

Primeiro Alcibiacuteades natildeo podemos saber de que modo se deve tratar alguma coisa se

natildeo tivermos o conhecimento e o exame preacutevios da sua natureza e a Filosofia Moral eacute a

terapeuta da alma Conveacutem por isso que o Filoacutesofo Moral obtenha do Natural quais satildeo

as faculdades da alma para que possa ensinar quais satildeo as que se devem submeter e

quais satildeo aquelas em cuja acccedilatildeo se situa a felicidade Por conseguinte Aristoacuteteles ao

formar a ciecircncia dos costumes apresenta muitas vezes a Fisiologia como se fosse pai

dela e Platatildeo no uacuteltimo local citado estabelece que se deve avanccedilar para a

jurisprudecircncia a partir da Filosofia

3ordf conclusatildeo A Metafiacutesica na hierarquia dos saberes eacute a uacuteltima de todas as

ciecircncias Esta conclusatildeo deve ser entendida apenas sobre as ciecircncias que podem ser

aprendidas pela faculdade do engenho humano Foi entatildeo transmitida por Avicena no

primeiro livro da sua Metafiacutesica capiacutetulo 3 por S Tomaacutes no livro 1 Contra os gentios

capiacutetulo 4 por Egiacutedio no proeacutemio desta obra por Alberto Magno no livro 1 da

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 129

Metafiacutesica tratado 2 capiacutetulo 10 e por muitos outros geralmente Peripateacuteticos de

comum acordo

Confirmaccedilatildeo E facilmente se comprova pelo facto de a hierarquia dos saberes

postular que como esta ciecircncia considera as coisas mais ocultas e afastadas do contacto

dos sentidos ela deve ser aprendida em uacuteltimo lugar e ningueacutem desconhece que a

Metafiacutesica se encontra nesse patamar visto que ela se ocupa do estudo das coisas

transcendentes como indica o seu proacuteprio nome e atesta Aristoacuteteles no livro 1 da

Metafiacutesica capiacutetulo 2 e no primeiro Sobre as partes dos animais capiacutetulo 5

O filoacutesofo ascende gradativamente agrave Metafiacutesica atraveacutes das outras ciecircncias

Resta acrescentar que a aprendizagem das mateacuterias que satildeo tratadas noutras ciecircncias

prepara e aguccedila o espiacuterito para a divina Filosofia como explica S Agostinho no livro 2

Sobre a ordem afirmando que a razatildeo humana como aspira a conhecer o que existe

acima da natureza para que natildeo realize a sua subida em vatildeo nem caia do alto deve

considerar as disciplinas inferiores a si como um degrau equivalente a um asse

ARTIGO 2ordm

COM QUE ARGUMENTOS SE CONTESTA AS CONCLUSOtildeES DO ARTIGO ANTERIOR

Qualquer uma das conclusotildees que acabaacutemos de estabelecer tem os seus

opositores A primeira tem Alberto Magno neste livro Amoacutenio no iniacutecio dos

Predicaacuteveis e outros mais antigos Plotino e Boeacutecio defensores de que a Matemaacutetica

na hierarquia das ciecircncias devia ser posterior agrave Filosofia Natural

1ordf objecccedilatildeo contra a 1ordf conclusatildeo O parecer deles eacute fundamentado por estes

argumentos De um extremo ao outro natildeo pode haver passagem senatildeo pelo meio mas a

Matemaacutetica eacute intermeacutedia entre a Fisiologia e a Metafiacutesica logo tem de ser totalmente

aprendida entre uma e outra Comprova-se a afirmaccedilatildeo porque a Matemaacutetica reivindica

para si uma abstracccedilatildeo intermeacutedia visto que o Fisioacutelogo considera o que nem real nem

racionalmente se abstrai da mateacuteria o Metafiacutesico o que se abstrai racional e realmente e

o Matemaacutetico o que se abstrai natildeo real mas racionalmente e deste modo a abstracccedilatildeo

da Matemaacutetica eacute em parte diferente das outras duas e em parte semelhante a elas tal

como o meio com os extremos Com isto se relaciona o facto de os Pitagoacutericos e

tambeacutem Platatildeo eacutemulo da sua doutrina terem colocado as disciplinas matemaacuteticas a

meio caminho entre as divinas e as naturais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 130

2ordf objecccedilatildeo E depois discutem nestes termos como toda a nossa cogniccedilatildeo tem

origem nos sentidos deve adquirir-se em primeiro lugar a ciecircncia que trata das coisas

proacuteximas dos sentidos e a Fiacutesica eacute deste tipo visto que trata das coisas que caem em

primeiro lugar no domiacutenio dos sentidos Logo deveraacute ser aprendida antes das ciecircncias

matemaacuteticas

Tambeacutem impugnaram a segunda conclusatildeo Temiacutestio no iniacutecio desta obra e

Eustraacutecio no livro 1 dos Comentaacuterios agrave Eacutetica de Aristoacuteteles e antes deles Zenatildeo e

Dioacutegenes Babiloacutenico foram de opiniatildeo que natildeo convinha nada que quem segue os

estudos de Filosofia acomodasse o espiacuterito primeiro agrave ciecircncia da natureza e soacute depois agrave

dos costumes

Objecccedilatildeo contra a 2ordf conclusatildeo Em defesa desta sentenccedila poderia arranjar-se

um argumento deste tipo ningueacutem pode filosofar correctamente se natildeo estiver provido

da honestidade dos costumes mas eacute a disciplina Moral que nos ensina e prepara para

ela Por isso deve ser procurada em primeiro lugar Explica-se a proposiccedilatildeo maior

porque como ensina a experiecircncia e declaram os Filoacutesofos de comum acordo os viacutecios

espalham a cegueira e as trevas pela mente e servem de impedimento a que veja a luz da

verdade Daiacute que Platatildeo afirme no Feacutedon que ningueacutem pode filosofar se natildeo conseguir

afastar-se tanto quanto possiacutevel das afeiccedilotildees E Seacuteneca assegura que o homem

enquanto serve as letras eacute escravo das paixotildees e dos viacutecios natildeo pode tornar-se filoacutesofo

mas filoacutelogo isto eacute sofista um vil serviccedilal da aura popular

1ordf objecccedilatildeo contra a 3ordf Por uacuteltimo alguns dos Filoacutesofos Neoteacutericos rejeitam a

terceira conclusatildeo asseverando que a Metafiacutesica na hierarquia dos saberes eacute pura e

simplesmente anterior a todas as outras disciplinas123 Primeiro porque estuda as causas

supremas das coisas nomeadamente Deus e as inteligecircncias bem como os geacuteneros

supremos e a transcendecircncia cujo conhecimento total eacute necessaacuterio para perceber

distintamente o assunto de todas as outras ciecircncias visto que segundo dizem ningueacutem

possui uma inteligecircncia perfeita de qualquer coisa sem inteligir as causas de que

depende e os seus predicados comuns

2ordf objecccedilatildeo E depois porque as outras ciecircncias satildeo subalternas da Metafiacutesica

como exprime Platatildeo no livro 7 da Repuacuteblica e Proclo no livro 1 do Comentaacuterio a

Euclides bem como outros respeitaacuteveis Peripateacuteticos como S Tomaacutes no Tratado sobre

123 Como Mirandulano no livro 10 De singulari Certamine parte 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 131

a natureza do geacutenero se eacute dele essa obra Por isso como a ciecircncia subordinante na

ordem de aprendizagem eacute naturalmente anterior agraves subordinadas uma vez que os

princiacutepios destas dependem dos princiacutepios da outra parece-nos claro que a Metafiacutesica

na hierarquia dos saberes deve ser a primeira de todas as ciecircncias

ARTIGO 3ordm

EXPLICACcedilAtildeO DOS ARGUMENTOS ANTERIORES

Resoluccedilatildeo da 1ordf objecccedilatildeo contra a 1ordf conclusatildeo Ainda que os argumentos

propostos sejam provaacuteveis na espeacutecie no entanto natildeo satildeo conclusivos Por isso

respondemos ao primeiro que a abstracccedilatildeo da Matemaacutetica eacute intermeacutedia porque conveacutem

agrave abstracccedilatildeo da Fiacutesica e da Metafiacutesica tal como o meio aos extremos como prova o

argumento todavia natildeo a ponto de se concluir que a disciplina Matemaacutetica na

hierarquia de aprendizagem deva ser colocada entre a Fiacutesica e a ldquoprimeira Filosofiardquo

do mesmo modo que pelo facto de se situar a cor puacutenica entre o branco e o negro natildeo

se poder concluir de imediato que o corpo anteriormente coberto pela cor puacutenica deva

preferencialmente tornar-se branco E deste modo podem as artes matemaacuteticas dizer-se

meacutedias quanto agrave abstracccedilatildeo visto que Platatildeo e os Pitagoacutericos as chamaram meacutedias

todavia natildeo eacute de acordo com a hierarquia dos saberes de que se trata

Resoluccedilatildeo da 2ordf Relativamente agrave segunda objecccedilatildeo cumpre dizer que se as

coisas que em primeiro lugar se mostram aos sentidos satildeo as mais difiacuteceis de explicar e

as que requerem mais experiecircncia e como deste modo se estabelecem as coisas Fiacutesicas

quando comparadas com as Matemaacuteticas logo a disciplina das coisas deste tipo natildeo

pode ser adquirida antes mas depois daquelas que se afastam muito mais dos sentidos

Acrescente-se ainda que nem todos os entes Fiacutesicos estatildeo mais perto dos sentidos do

que os Matemaacuteticos ainda que a essecircncia do ente moacutevel que antecede a quantidade

pela origem seja uma coisa Fiacutesica todavia estaacute mais distante da percepccedilatildeo dos sentidos

e mais escondido nas entranhas da natureza do que a quantidade matemaacutetica

Resoluccedilatildeo da objecccedilatildeo contra a 2ordf conclusatildeo Relativamente ao argumento

que se opunha agrave segunda conclusatildeo deve responder-se que embora natildeo se deva negar

que a probidade de vida contribui muito para a compreensatildeo das disciplinas na medida

em que purga a mente das afeiccedilotildees que prejudicam o espiacuterito para que ela possa pensar

todavia natildeo se conclui necessariamente por isso que a disciplina Moral precede a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 132

Fisiologia Primeiro porque muitas pessoas contaminadas pelos viacutecios aprendem as

ciecircncias depois porque nem soacute a probidade dos costumes permite chegar aos princiacutepios

da Filosofia mas tambeacutem e sobretudo pelo esforccedilo individual pela disciplina

domeacutestica pelo exemplo dos outros e por muitos outros meios dispostos para esse

objectivo a que se acrescenta a intervenccedilatildeo divina

Resoluccedilatildeo do 1ordm argumento contra a 3ordf conclusatildeo Quanto agraves objecccedilotildees

levantadas contra a terceira conclusatildeo vamos dissolvecirc-las deste modo Agrave primeira

respondemos que a perfeita aquisiccedilatildeo da ciecircncia eacute dupla uma eacute perfeita apenas no seu

geacutenero a outra eacute absoluta e excelente em todos os geacuteneros e sob todos os aspectos Por

conseguinte se falarmos desta uacuteltima acepccedilatildeo admitimos que a Metafiacutesica na

hierarquia dos saberes precede tanto a Fiacutesica como as restantes partes da Filosofia

como comprova o argumento e confessa S Tomaacutes no iniacutecio desta obra Se tomarmos

como referecircncia a primeira acepccedilatildeo temos de negar o que inteligia a nossa conclusatildeo e

para uma explicaccedilatildeo mais detalhada deste ponto leia-se o que expusemos na primeira

questatildeo deste proeacutemio124 Mas visto que a Metafiacutesica de acordo com aquela uacuteltima

perspectiva eacute a primeira de todas as disciplinas com razatildeo haacute-de algueacutem perguntar por

que eacute que a nossa conclusatildeo a proclamou natildeo a primeira mas a uacuteltima em absoluto

Responde-se agrave duacutevida A esta duacutevida deve responder-se que foi por causa disto

porque os filoacutesofos falam quase sempre do primeiro geacutenero do saber que eacute muito mais

comum e frequente E depois porque a ciecircncia que na hierarquia dos saberes eacute

considerada em absoluto no primeiro lugar eacute a que trata as coisas que nos satildeo

francamente mais evidentes e mais faacuteceis de entender de modo a que o seu

entendimento nos prepare para o entendimento das seguintes e nos construa uma espeacutecie

de caminho e do que foi dito se conclui que a Matemaacutetica e a Fiacutesica se posicionam

deste modo em comparaccedilatildeo com a ldquoprimeira Filosofiardquo

Resoluccedilatildeo do 2ordm argumento contra a 3ordf conclusatildeo Relativamente agrave segunda

objecccedilatildeo contra a mesma conclusatildeo o discurso seraacute sobre a idecircntica e perfeita

subordinaccedilatildeo tal como costuma ser descrita no capiacutetulo 10 do livro 1 dos Posteriores

Cumpre afirmar que a Metafiacutesica natildeo subordina as outras ciecircncias Como correctamente

debate Egiacutedio neste local Herveu no proacutelogo das Sentenccedilas questatildeo 6 e Soncinas no

livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 9 toda a ciecircncia proacutepria e perfeitamente subordinada tira

124 Leia-se Escoto no 1ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 2 sect 2ordm

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 133

da subordinante os princiacutepios das suas conclusotildees como atesta Aristoacuteteles no livro 1

dos Posteriores no ponto citado Ora ningueacutem desconhece que as outras disciplinas

possuem muitos princiacutepios proacuteprios e especiacuteficos que natildeo tomam da ldquoprimeira

Filosofiardquo125 O mesmo se conclui de novo pelo facto de os princiacutepios que as ciecircncias

subordinadas usam costumarem ser atestados por uma demonstraccedilatildeo ostensiva e pela

causa nos subordinantes mas nas outras ciecircncias natildeo satildeo poucos os princiacutepios imediatos

que por isso natildeo passam por qualquer demonstraccedilatildeo deste tipo

As outras ciecircncias satildeo de certo modo subordinadas agrave Metafiacutesica Natildeo

negamos poreacutem que as outras ciecircncias satildeo de certo modo subordinadas agrave Metafiacutesica

quer por causa da finalidade uma vez que o ldquoprimeiro Filoacutesofordquo reflecte sobre a

finalidade suprema para a qual se orientam afinal todas as ciecircncias inferiores quer

tambeacutem em funccedilatildeo dos princiacutepios visto que de certo modo lhe compete refutar os que

negam os princiacutepios das disciplinas com o empenho da eloquecircncia sofiacutestica e se for

preciso demonstrar que a proacutepria demonstraccedilatildeo desses princiacutepios conduz agrave desgraccedila

Ora os autores citados no argumento falaram deste tipo de subordinaccedilatildeo que todavia

natildeo submete as outras ciecircncias agrave primeira Filosofia de tal modo que se deva pensar que

os seus princiacutepios dependem em absoluto dos princiacutepios dela E por isso natildeo se pode

concluir que de acordo com a referida subordinaccedilatildeo na hierarquia dos saberes a

Metafiacutesica realmente precede as outras disciplinas

ARTIGO 4ordm

SOBRE A HIERARQUIA DA DIGNIDADE ENTRE A FIacuteSICA E AS OUTRAS PARTES DA FILOSOFIA

Se observarmos a hierarquia do saber e o proacuteprio meacutetodo percebe-se que a

Fiacutesica de certo modo antecede as outras partes da Filosofia como tornaacutemos claro na

discussatildeo anterior o proacuteximo passo eacute explicar qual eacute o estatuto que entre elas ocupa no

que diz respeito agrave dignidade Vai-se entatildeo distinguir a dignidade de uma ciecircncia

contemplativa tanto em comparaccedilatildeo com as que impelem para a acccedilatildeo como com as

que consistem na proacutepria contemplaccedilatildeo Mesmo entre as contemplativas quer pela

importacircncia da mateacuteria abordada quer pela certeza e pela evidecircncia do que

125 Trombeta no livro 11 da Metafiacutesica questatildeo 1 Nifo no proacutelogo desta obra e Javelo no livro 1 da Metafiacutesica questatildeo 2 apresentam esta mesma razatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 134

demonstram haacute umas que superam as outras como ensina Aristoacuteteles no livro 8 dos

Toacutepicos capiacutetulo 2 e no iniacutecio dos livros Sobre a Alma

1ordf conclusatildeo Eis entatildeo a primeira conclusatildeo Se a Fiacutesica for comparada com

as disciplinas praacuteticas deve simplesmente ser superior a elas pela sua dignidade

Comprova-se primeiro porque as ciecircncias contemplativas e entre elas a Fiacutesica como

se dedicam apenas agrave observaccedilatildeo das coisas satildeo procuradas por causa de si mesmas

como se conclui do livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 2 aleacutem disso o que se procura por

causa de si mesmo eacute mais importante e honroso como se torna evidente a partir do livro

1 da Eacutetica capiacutetulo 7 porque natildeo tem a razatildeo da sua dignidade dependente de outrem

Comprova-se tambeacutem porque as ciecircncias meditativas chegam muito perto da felicidade

especulativa do homem que Aristoacuteteles prefere por completo agrave praacutetica no livro 1 da

Eacutetica capiacutetulos 6 7 e 8 Tambeacutem no livro 12 da Metafiacutesica capiacutetulo 7 texto 39 e em

muitos outros locais seguindo Platatildeo no Filebo e no livro 5 da Repuacuteblica persuade a

que a contemplaccedilatildeo seja preferida agrave acccedilatildeo bem como por outras palavras no livro 6 da

Metafiacutesica capiacutetulos 1 e 2 onde depois de ter dado a conhecer a divisatildeo das ciecircncias

entre contemplativas agentes e eficientes atribuiu o primeiro lugar agraves contemplativas

Objecccedilatildeo E se algueacutem objectar que a ciecircncia Moral estaacute incumbida de corrigir

o modo de vida que eacute uma funccedilatildeo tanto mais uacutetil e necessaacuteria do que a contemplaccedilatildeo

quanto para noacutes eacute mais importante viver honestamente do que contemplar

correctamente Por isso como atesta Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 2 a

Poliacutetica orienta as outras artes e orientar eacute proacuteprio de uma faculdade superior

Dissoluccedilatildeo Dever-se-aacute responder que a funccedilatildeo da doutrina Moral como prova

o argumento e confessa Aristoacuteteles no livro 6 da Eacutetica capiacutetulo 7 eacute mais uacutetil agrave

sociedade humana e mais necessaacuteria agrave vida no entanto natildeo eacute por isso mais honrosa

nem de todo mais importante para a razatildeo da ciecircncia De facto a honra e a dignidade de

uma ciecircncia enquanto ciecircncia natildeo devem ser avaliadas pelo fruto ou pela necessidade

mas pelo modo com que atinge o seu objecto e a sua finalidade E esse modo como se

depreende do que foi dito eacute mais eminente nas ciecircncias contemplativas do que nas

praacuteticas No que diz respeito agrave Poliacutetica importa dizer que ela natildeo orienta as outras

ciecircncias como se lhes prescrevesse quer a mateacuteria de que tratam quer o meacutetodo de

investigaccedilatildeo (isto eacute proacuteprio da Filosofia suprema) mas apenas as dispotildee para o uso e

utilidade civis estabelecendo as artes que devem ser aprendidas ou exercitadas em que

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 135

momento e por quem como explica Aristoacuteteles no mesmo local Mas esta prerrogativa

de orientaccedilatildeo natildeo vale a ponto de por causa dela se dever julgar a Poliacutetica mais nobre

que as outras disciplinas visto que nela eacute preponderante a razatildeo de atingir a finalidade e

o objecto E de momento basta sobre a comparaccedilatildeo da Fiacutesica com as artes praacuteticas

Vamos agora cotejaacute-la com as contemplativas

2ordf conclusatildeo Se tivermos em conta a importacircncia do assunto abordado a

primeira em dignidade eacute a Metafiacutesica a segunda a Filosofia Natural por uacuteltimo a

Matemaacutetica126 Faz feacute a esta afirmaccedilatildeo pela comparaccedilatildeo da Fiacutesica com a Metafiacutesica

aquele dito aristoteacutelico do livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 3 ldquose as substacircncias

separadas natildeo existissem a Fiacutesica seria a primeira Filosofiardquo e tambeacutem aquele outro

do seacutetimo livro da mesma obra capiacutetulo 11 texto 39 ldquoa Fiacutesica eacute a segunda Filosofiardquo

Em seguida comprova-se por completo a conclusatildeo por esta razatildeo De facto como a

substacircncia ocupa no plano das coisas a primeira categoria consideram-se mais

importantes as ciecircncias que se dedicam agrave substacircncia do que as que se dedicam aos

acidentes e entre as ciecircncias do primeiro geacutenero aquelas que observam as substacircncias

livres de mateacuteria e por isso colocadas no grau mais elevado da realidade brilham mais

do que as que estudam as que se misturam com a mateacuteria e assim a Matemaacutetica

compreende a quantidade a Fiacutesica as substacircncias materiais e a ldquoPrimeira Filosofiardquo as

substacircncias desprovidas de mateacuteria

3ordf conclusatildeo Se ponderarmos com cuidado a certeza e a evidecircncia da

demonstraccedilatildeo o primeiro lugar em dignidade eacute devido agrave Matemaacutetica o segundo agrave

Filosofia Natural e o terceiro agrave Metafiacutesica Esta opiniatildeo eacute defendida por S Tomaacutes no

opuacutesculo 70 Sobre a Trindade de Boeacutecio questatildeo uacuteltima artigo 1 e por muitos

outros127 Deve entender-se por comparaccedilatildeo sobre a certeza do nosso intelecto

Confirma satisfatoriamente a primeira parte desta conclusatildeo a opiniatildeo comum dos

filoacutesofos afirmando que as demonstraccedilotildees das Matemaacuteticas satildeo as mais soacutelidas de

todas como atesta Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 3 e no livro 2 da

Metafiacutesica capiacutetulo 3 bem como Averroacuteis no mesmo lugar e Ptolomeu no proeacutemio da

126 Sobre a supremacia da Metafiacutesica entre as outras ciecircncias Platatildeo no Filebo e no livro 7 da Repuacuteblica Aristoacuteteles no capiacutetulo 2 do livro 1 da Metafiacutesica Proclo no capiacutetulo 4 do livro 1 do Comentaacuterio a Euclides Simpliacutecio no texto 8 livro 1 da Fiacutesica Averroacuteis no livro 1 Sobre a Alma comentaacuterio 1 127 Eacute tambeacutem a de Panfilo na Quaestio de certitudine scientiae em parte a de Egiacutedio no proacutelogo desta obra e na questatildeo 24 do livro 1 da Metafiacutesica em parte a de Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 14 e a de Liconiense nos Posteriores cap 23

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 136

grandiosa Compositio Corrobora-se igualmente toda a conclusatildeo porque a consideraccedilatildeo

matemaacutetica apesar de natildeo ter dificuldade e de quase natildeo precisar de experiecircncia eacute livre

da mateacuteria sensiacutevel e do movimento e assim menos incerta A Natural coloca todo o

seu empenho no que eacute constituiacutedo por mateacuteria e sujeito a transformaccedilatildeo cujas afeiccedilotildees

satildeo mais recocircnditas de tal modo que natildeo costumamos conseguir percebecirc-las para aleacutem

da ambiguidade das opiniotildees

O brilho da mente humana enfraquece com o fulgor das coisas mais sublimes

Quanto agrave Metafiacutesica como existe em noacutes (e assim falamos sempre na presenccedila dela)

oferece uma certeza menor que as duas anteriores o que se conclui porque as coisas que

caem sob a sua observaccedilatildeo ainda que tomadas em si mesmas alcanccedilam um grau mais

elevado de certeza visto que estatildeo livres de mateacuteria e de toda a mutaccedilatildeo no entanto na

nossa condiccedilatildeo de vida satildeo percebidas a muito custo atraveacutes de um longo estudo e

algumas delas satildeo de natureza tatildeo excelente que diante delas o brilho da nossa mente

enfraquece como o olho da coruja diante do esplendor do sol O que afirma Aristoacuteteles

no livro 2 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1 e no primeiro Sobre as partes dos animais

capiacutetulo 5 e muito bem explica Platatildeo no Feacutedon e no Teeteto

Dissoluccedilatildeo de uma duacutevida Entatildeo se algueacutem perguntar qual das duas

Matemaacuteticas a Aritmeacutetica e a Geometria eacute a mais distinta Responderemos a

Aritmeacutetica De facto se tivermos em conta a certeza da sua demonstraccedilatildeo ela eacute mais

certa como prova Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 2 porque discute sobre

o que eacute mais elementar e mais simples isto eacute sobre os nuacutemeros que satildeo percebidos

sem a disposiccedilatildeo das partes a Geometria por seu lado discute sobre a grandeza que

natildeo se daacute a conhecer sem esse tipo de disposiccedilatildeo Se atendermos poreacutem agrave dignidade do

assunto percebe-se entatildeo a maior importacircncia da Aritmeacutetica porque se debruccedila sobre

o nuacutemero e como este se afasta mais da mateacuteria vence assim a grandeza no que diz

respeito agrave distinccedilatildeo128 aleacutem disso porque conhecer as subtilezas as proporccedilotildees e os

misteacuterios dos nuacutemeros eacute uma obra notaacutevel do engenho humano de tal modo que Platatildeo

no Epinoacutemides e no livro 7 da Repuacuteblica disse que quem afasta a Aritmeacutetica afasta

toda a prudecircncia e toda a humanidade Leia-se o que escreveu Aristoacuteteles sobre esta

sentenccedila nos Problemas secccedilatildeo 30 problema 5

128 Leia-se Bessarion no livro 1 Contra os Caluniadores de Platatildeo cap 8 onde antepotildee a Geometria a todas as matemaacuteticas pela certeza o que natildeo estaacute correcto como prova tambeacutem Escaliacutegero na exercitaccedilatildeo 321 do Comentaacuterio sobre Cardano

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 137

Explicaccedilatildeo de outra duacutevida Nesta discussatildeo resta por fim explicar aquela

duacutevida uma vez que as ciecircncias contemplativas na hierarquia da distinccedilatildeo se precedem

reciprocamente de modo diverso e tanto umas como outras tecircm a sua graccedila e beleza

quais delas devem em absoluto estar agrave frente das outras Deve responder-se que na

verdade a Metafiacutesica pelo esplendor da sua dignidade eleva-se acima de todas segue-

a a Fisiologia e abaixo estatildeo as Matemaacuteticas Por conseguinte visto que a importacircncia

do assunto eacute mais soacutelida e ilustre ela prepondera pela proacutepria natureza da sua certeza

como se conclui do que ensina Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 2

e no livro 11 capiacutetulo 6 aleacutem disso se o estatuto de uma ciecircncia fosse absolutamente

concluiacutedo pela certeza do que demonstra a informaccedilatildeo certa do assunto mais

desprezado devia merecer mais valor e consideraccedilatildeo do que o conhecimento menos

certo de um assunto mais nobre o que eacute absurdo dizer-se e contraacuterio agrave opiniatildeo de

Aristoacuteteles que no primeiro livro Sobre as partes dos animais capiacutetulo 1 assegura que

a ciecircncia das coisas transitoacuterias eacute mais certa mas menos digna que a ciecircncia das coisas

eternas

SOBRE A DIVISAtildeO DA FILOSOFIA EM ARISTOacuteTELES

Quase todos os filoacutesofos que antes da eacutepoca de Aristoacuteteles atingiram o apogeu

com louvor do seu engenho e da sua ciecircncia direccionaram o espiacuterito apenas para uma

ou outra parte da Filosofia em que se destacassem Deste modo a contemplaccedilatildeo

exclusiva da natureza deteve Tales Anaxiacutemeno e Anaxaacutegoras Piacutetaco Periandro Soacutelon

Licurgo e outros como eles escreveram sobre o governo da repuacuteblica Zenatildeo e com ele

toda a escola eleaacutetica dedicou-se aos preceitos da Dialeacutectica Aristoacuteteles pelo contraacuterio

praticamente natildeo deixou uma uacutenica parte da Filosofia que com maacuteximo empenho natildeo

tivesse investigado compreendido e esclarecido nos seus escritos129 E assim deixou os

mais antigos a uma longa distacircncia atraacutes de si e ateacute aos seus mestres Soacutecrates e Platatildeo

tatildeo admirados no seu seacuteculo e por toda a posteridade conseguiu superar Soacutecrates de

facto (aleacutem de tudo um grande filoacutesofo sobre o qual quase todas as escolas de filoacutesofos

fazem recair o iniacutecio da sua disciplina nomeadamente os Platoacutenicos os Acadeacutemicos os

129 Sobre a supremacia da doutrina e do engenho de Aristoacuteteles veja-se Laeacutercio na Vida de Aristoacuteteles Ciacutecero no livro 2 do Orador Averroacuteis no proeacutemio da Fiacutesica Pliacutenio no livro 8 cap 16 e no livro 18 cap 34 Apolodoro no Chronicle Lucreacutecio no livro 3 Ceacutelio no livro 17 cap 17 das Liccedilotildees Antigas e no livro 29 cap 8 Fonseca no proeacutemio da Metafiacutesica a partir do cap 3

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 138

Cirenaicos os Ciacutenicos os Peripateacuteticos os Megaacutericos e os Estoacuteicos) sem qualquer

organizaccedilatildeo por disciplinas como refere Plutarco na Vida de Aristoacuteteles discorria ora

num sentido ora noutro e mais parecia rebater as opiniotildees dos outros do que expor o

que pensava Tambeacutem Platatildeo por outro lado homem de singular e divino engenho bem

como de vasto e profundo saber como geralmente punha os outros a discutir

conservava o costume socraacutetico de dissimular a sua sabedoria e distrair os espiacuteritos dos

leitores com a ambiguidade Por isso acontece que (como afirma S Agostinho no livro

8 da Cidade de Deus capiacutetulo 4) dificilmente algueacutem seraacute capaz de discernir o que ele

proacuteprio pensava E assim para resumir nem Soacutecrates nem Platatildeo deixaram um tipo de

saber certo ou perfeito em rigorosamente todos os aspectos nem tatildeo pouco explicado

por uma exposiccedilatildeo certa e constante Aristoacuteteles pelo contraacuterio abordou natildeo soacute a

Loacutegica e a Fiacutesica como tambeacutem a Eacutetica e qualquer outra faculdade Tendo orientado o

encadeamento da doutrina desde os primoacuterdios das coisas ateacute ao seu fim com uma

ordem de admiraacutevel elegacircncia preparou perfeitamente cada ouvinte no seu geacutenero pelo

que eacute designado de pleno direito pai das artes liberais e pedra liacutedia dos Filoacutesofos

Obras de Aristoacuteteles Quanto aos livros de Aristoacuteteles Laeacutercio refere-os na

Vida dele e eleva aos quatrocentos a soma total daqueles em relaccedilatildeo aos quais natildeo haacute

qualquer duacutevida de autoria130 mas a maior parte desapareceu por acccedilatildeo da injusticcedila dos

tempos de tal modo que agora natildeo restam mais que cento e vinte

Breve divisatildeo das obras As mateacuterias neles tratadas podem ser reduzidas a

cinco geacuteneros ou capiacutetulos Uma parte conteacutem o processo de escrita das cartas da

Poeacutetica e da Retoacuterica Outra os preceitos da discussatildeo A terceira a doutrina civil e

moral A quarta a ciecircncia das coisas naturais E a quinta a das transcendentes

Deixando de lado as restantes neste ponto vamos dar uma breve vista de olhos ao

conjunto das coisas que satildeo proacuteprias da Fiacutesica

Aristoacuteteles era um aceacuterrimo investigador da natureza Aristoacuteteles calcorreou

esta parte com tanta diligecircncia e com uma riqueza de aspectos inovadores tatildeo

impressionante que nada lhe parece ter escapado seja na terra no mar ou no ceacuteu Daiacute

que embora muitos o considerassem inferior a Platatildeo na compreensatildeo das coisas

130 Sobre os livros de Aristoacuteteles leia-se Plutarco na Vida dele Sobre a sua biblioteca Estrabatildeo no livro 13 das suas Geografias

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 139

divinas contudo no entendimento da natureza obteve o primeiro lugar na avaliaccedilatildeo de

todos

Por que motivo chamaram demoacutenio a Aristoacuteteles O que esteve na origem de

tanto os Platoacutenicos como os Peripateacuteticos lhe terem chamado demoacutenio foi o facto de ter

tratado com maacuteximo rigor e detalhe as mateacuterias naturais sujeitas ao orbe da lua onde

diziam habitar o geacutenero dos Demoacutenios131

Divisatildeo da Fisiologia de Aristoacuteteles A Fisiologia aristoteacutelica distribui-se

entatildeo por cerca de dez partes

Livros da Fiacutesica A primeira estaacute contida nos oito livros da Fiacutesica e disserta

genericamente sobre os princiacutepios e as causas das coisas naturais e das suas disposiccedilotildees

comuns

Livros do Ceacuteu A segunda compreendida nos livros do Ceacuteu desce agraves partes

sujeitas ao ente moacutevel e trata da estrutura e da composiccedilatildeo de todo o universo bem

como dos cinco corpos simples ndash ou seja do ceacuteu e dos quatro elementos conhecidos ndash

visto que sofrem mutaccedilotildees de lugar e requerem uma morada definida no mundo

Livros da Geraccedilatildeo A terceira que se daacute a conhecer nos livros Sobre a

geraccedilatildeo explica o que universalmente conveacutem agraves coisas dissoluacuteveis e transitoacuterias e

deste tipo satildeo a geraccedilatildeo a corrupccedilatildeo a alteraccedilatildeo o acreacutescimo e a mistura

Livros dos Meteoros A quarta que os livros Sobre os meteoros abrangem

expotildee os conhecimentos sobre os compostos imperfeitos a que se chama lsquoMeteorosrsquo

como por exemplo a neve o gelo o granizo o cometa e os que aparecem graccedilas agrave

reflexatildeo da luz como o arco-iacuteris Aqui devia acrescentar-se o tratado sobre os metais as

pedras e as outras coisas que se geram no seio da terra mas este natildeo subsistiu embora

se possa ler algumas coisas sobre esse assunto ainda que esparsas em parte nos livros

Sobre os Meteoros em parte noutros livros132

Livro de Teofrasto sobre as pedras e os metais Teofrasto por seu lado

escreveu dois livros sobre metais e um sobre pedras Tambeacutem sobre metais fala Pliacutenio

nos livros 33 e 34 da Histoacuteria Natural e sobre pedras nos livros 36 e 37 O mesmo

tema trata Alberto Magno na sua obra Sobre os Minerais

131 Leia-se Bessarion no livro 1 Contra os caluniadores de Platatildeo capiacutetulos 3 e 7 Carpentaacuterio no Comentaacuterio a Alcino e Ceacutelio Rodogino no livro 2 capiacutetulo 11 132 Entre as obras de Aristoacuteteles Laeacutercio refere um livro sobre pedras

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 140

Livros Sobre a Alma A quinta parte nos livros Sobre a Alma investiga as

causas e as razotildees tanto da alma em geral como da que foi provida de razatildeo e de

inteligecircncia

Livros dos Pequenos Naturais A sexta que eacute uma espeacutecie de acrescento aos

livros Sobre a Alma discorre em parte sobre as disposiccedilotildees gerais algumas de todos os

seres vivos outras apenas de alguns deles como por exemplo sobre a sensaccedilatildeo e o

sensiacutevel o sono e a vigiacutelia a vida e a morte e outras deste tipo

Livros da Histoacuteria dos Animais A seacutetima que se designa Histoacuteria dos

Animais recorda muitas coisas sobre a variedade e as caracteriacutesticas dos seres

animados Esta obra como natildeo foi entretecida com as arguacutecias das demonstraccedilotildees

subtis mas pelo simples fio de uma narraccedilatildeo aproxima-se mais da histoacuteria que do

registo cientiacutefico

Livros das Partes dos Animais Da geraccedilatildeo dos animais da locomoccedilatildeo dos

animais e do movimento dos animais Seguem-se por fim as outras trecircs partes a

primeira das quais disserta e tem o tiacutetulo Sobre as partes dos animais a outra Sobre a

geraccedilatildeo dos animais e a uacuteltima Sobre a locomoccedilatildeo dos animais e o movimento dos

animais quase no mesmo estilo Os Gregos chamam a toda a doutrina sobre os animais

lsquoos livros dos oitenta talentosrsquo porque foi essa a quantia que Alexandre teraacute gasto para

salvaguardar as coisas que neles satildeo abordadas133

Livro das Plantas Aristoacuteteles teraacute ainda prometido no iniacutecio dos Meteoros

que iria ocupar-se das plantas o que afirma ter cumprido no livro 5 da Histoacuteria dos

animais capiacutetulo 1 mas esses livros por injusticcedila dos tempos natildeo chegaram ateacute noacutes e

nem sequer a Alexandre de Afrodiacutesia como o proacuteprio testemunha no capiacutetulo 4 do livro

Sobre a sensaccedilatildeo e o sensiacutevel De facto aqueles que por toda a parte circulam com o

nome de Aristoacuteteles natildeo tecircm o sabor das aacuteguas da fonte aristoteacutelica e a proacutepria

explicaccedilatildeo do saber denuncia a falsidade do tiacutetulo Teofrasto investigou esta mateacuteria em

nove livros que ainda se conservam na iacutentegra sobre a histoacuteria das plantas e outros seis

sobre as causas das plantas e tambeacutem Pliacutenio desde o livro 12 ao vigeacutesimo

Livro do mundo para Alexandre Ora no que diz respeito ao Livro do mundo

para Alexandre advertimos que natildeo estaacute provado se eacute ou natildeo de Aristoacuteteles Muitos

133 Sobre esta questatildeo veja-se Pliacutenio no livro 8 da Histoacuteria Natural capiacutetulo 16 e Budeu no livro 2 De asse (Segundo os testemunhos teriam sido de facto oitocentos talentos N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 141

citam-no como aristoteacutelico nomeadamente Justino Filoacutesofo na sua Pareacutenese

Bessarion no livro 3 Contra o caluniador de Platatildeo capiacutetulo 10 Ferneacutelio no livro 3

Das ocultas causas das coisas Eugubino no livro 4 da Filosofia Perene Joatildeo Picco

della Mirandola no livro 4 De examine vanitatis capiacutetulo 1 Outros haacute que embora

admitam que seja peripateacutetico negam poreacutem que seja aristoteacutelico para aleacutem de outros

motivos porque o seu discurso eacute mais burilado e mais floreado a ponto de por vezes

se aproximar das deliacutecias poeacuteticas o que eacute totalmente alheio agrave gravidade e agrave brevidade

de Aristoacuteteles E por isso mesmo P Viacutetor julga ser Nicolau Damasceno o seu autor

mas estaacute claramente enganado pois Nicolau viveu nos tempos de Augusto e aquele

livro foi escrito muito antes para Alexandre da Macedoacutenia Consideram outros que foi

escrito por Teofrasto Quanto a noacutes parece-nos melhor nesta questatildeo absolutamente

duacutebia suspender a opiniatildeo do que afirmar o que quer que seja

Por fim advertimos tambeacutem que entre os inteacuterpretes de Aristoacuteteles natildeo parece

ser pequena a dissensatildeo sobre a relaccedilatildeo e a ordem dos livros que enumeraacutemos134 no

entanto julgamos preferiacutevel natildeo dizer nada sobre essa questatildeo neste momento

POR QUE MOTIVO OS LIVROS DA FIacuteSICA SE INTITULAM Περὶ τῆς φυσικῆς ακροάσεως OU

SEJA SOBRE A AUSCULTACcedilAtildeO NATURAL

A diversidade do tiacutetulo destes livros Adrasto nos seus livros sobre a ordenaccedilatildeo

dos tratados de Aristoacuteteles refere que esta obra eacute designada por uns Sobre os princiacutepios

e por outros Sobre a audiccedilatildeo fiacutesica e ainda que outros intitularam os primeiros cinco

volumes Sobre os princiacutepios e outros trecircs Sobre o movimento Eacute evidente que

Aristoacuteteles se serviu por vezes deste tipo de variaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo do tiacutetulo135 No

entanto o tiacutetulo mais comum e mais divulgado de toda esta obra eacute Sobre a audiccedilatildeo

fiacutesica ou Sobre a auscultaccedilatildeo natural

Eacute poreacutem evidente por que razatildeo se chama Fiacutesica a este tratado porque

abrange o conhecimento e a explicaccedilatildeo daquelas coisas que dizem respeito agrave natureza

universal Sobre o motivo pelo qual teraacute recebido o nome de lsquoauscultaccedilatildeorsquo natildeo haacute

acordo entre os comentadores como se pode ver em Averroacuteis Filoacutepono e Egiacutedio neste

proeacutemio e em Alberto no tratado 1 capiacutetulo 4 Mas deixando de lado estas 134 Sobre esta questatildeo Teoacutefilo Zimara no proeacutemio ao livro Sobre a Alma135 Como no livro 1 do Ceacuteu capiacutetulo 5 texto 38 e no capiacutetulo 6 texto 54 bem como no livro 3 da mesma obra capiacutetulo 1 texto 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 142

controveacutersias observaram para aleacutem de muitos outros Simpliacutecio neste local Plutarco

na Vida de Alexandre Ciacutecero no livro 5 Sobre os fins e ainda Clemente de Alexandria

no livro 5 das Tapeccedilarias que Aristoacuteteles deu a conhecer dois tipos de livros (Ciacutecero

no local acima citado e Galeno no fragmento Faculdades Naturais referem que

Teofrasto tambeacutem seguiu este meacutetodo de escrever)

Livros exoteacutericos de Aristoacuteteles O primeiro tipo inclui os que designou

ἐξωτερικοὺς isto eacute lsquoexternosrsquo ou lsquopopularesrsquo a que ele proacuteprio faz menccedilatildeo no livro 1

Sobre os costumes para Eudemo capiacutetulo 5 e no primeiro Sobre a Alma capiacutetulo 4

texto 54136

Os livros acroamaacuteticos O segundo tipo inclui os que chamou ἀκροαματικοὺς

isto eacute lsquoauscultatoacuteriosrsquo que igualmente recorda na Epiacutestola a Alexandre referida por

Geacutelio no livro 20 capiacutetulo 4 acrescentando que Aristoacuteteles tinha o costume de atribuir

o horaacuterio matutino no Liceu agrave exercitaccedilatildeo da disciplina auscultatoacuteria e por sua vez o

da tarde agrave exoteacuterica

Diferenccedila entre eles De facto os primeiros livros contecircm um meacutetodo de

escrita mais faacutecil e menos elaborado satildeo desse tipo aqueles em que se divulga os

princiacutepios da Poeacutetica e da Retoacuterica bem como a histoacuteria dos animais E por isso se

designam exoteacutericos ou externos porque se podem adaptar ao senso comum e agrave

capacidade intelectual do vulgo e natildeo requerem tanto a voz de um inteacuterprete Os outros

livros poreacutem envolvem o conhecimento da Filosofia mais subtil do que o modo vulgar

de filosofar e oposto ao saber popular deste modo satildeo chamados lsquoAuscultatoacuteriosrsquo

precisamente porque os alunos devem escutaacute-los com maior empenho e atenccedilatildeo

enquanto os professores devem explicaacute-los com maior cuidado Assim sendo estatildeo

nesta secccedilatildeo todos os livros Metafiacutesicos e sobre a alma para aleacutem de outros e destes

cuja explicaccedilatildeo agora empreendemos De acordo com isto torna-se clara a razatildeo do jaacute

mencionado tiacutetulo

Por que motivo os livros da Fiacutesica assumem a designaccedilatildeo preferencial de

acroamaacuteticos Por que motivo entatildeo eacute que estes livros entre todos os acroamaacuteticos

satildeo preferencialmente assinalados por este tiacutetulo A causa parece ser porque servem de 136 Sobre estes livros Amoacutenio no prefaacutecio agraves Categorias Eustraacutecio no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo uacuteltimo e entre os mais modernos Vicomercato neste passo e no iniacutecio dos Meteoros Carpentaacuterio na Disputa sobre a ordem das partes da Filosofia e no capiacutetulo 5 livro 1 De secretiore parte divinae sapientiae secundum Aegyptios e ainda Ludovico Vives na Censura de Aristotelis operibus

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 143

introduccedilatildeo a toda a Fiacutesica e encerram em si mesmos os seus primeiros fundamentos e

muitas questotildees difiacuteceis e tambeacutem porque como neste passo adverte Pselo devem ser

ouvidos da boca do professor com particular atenccedilatildeo

Queixa de Alexandre a Aristoacuteteles Simpliacutecio por outro lado considera que

estes livros satildeo aqueles sobre cuja ediccedilatildeo Alexandre da Macedoacutenia se queixou a

Aristoacuteteles atraveacutes de carta137 visto que pretendia ultrapassar todos os mortais natildeo soacute

pelo impeacuterio e pela gloacuteria da arte beacutelica mas tambeacutem pela ciecircncia e pensava que este

louvor lhe tinha sido roubado pela divulgada explicaccedilatildeo das mateacuterias mais secretas que

nesta obra estatildeo contidas Plutarco na Vida de Alexandre explica o queixume do rei

todavia natildeo a propoacutesito destes livros mas da Metafiacutesica

SOBRE A ORDENACcedilAtildeO E A MATEacuteRIA DOS LIVROS DA AUSCULTACcedilAtildeO FIacuteSICA

Opiniatildeo dos que pensam que os oito livros da Fiacutesica satildeo da Metafiacutesica Natildeo

faltou entre os filoacutesofos mais recentes138 quem insistisse que a Fiacutesica comeccedila nos

livros Sobre o Ceacuteu e que se deve atribuir os oito livros da Fiacutesica agrave ldquoprimeira Filosofiardquo

sendo colocados no comeccedilo da Filosofia natildeo como parte directamente ligada agrave Fiacutesica

mas como uacuteteis e necessaacuterios em primeiro lugar agrave disciplina Natural

Razotildees dessa opiniatildeo Os seus principais argumentos satildeo os seguintes porque

nesta obra se trata da substacircncia e da natureza sobre as quais discorre a ldquoprimeira

Filosofiardquo E depois porque a funccedilatildeo do Metafiacutesico eacute demonstrar que as formas

platoacutenicas que por si mesmas subsistem fora do individual natildeo existem mas sim outras

tambeacutem isoladas da mateacuteria ainda que singulares o que tambeacutem demonstra Aristoacuteteles

no livro 8 desta obra quando explica que deve chegar-se agrave substacircncia una livre de

mutaccedilatildeo e da massa corpoacuterea da qual todo o movimento deriva Por fim porque o

iniacutecio dos livros Sobre o Ceacuteu conteacutem um exoacuterdio claramente comum a toda a Fisiologia

Contestaccedilatildeo da posiccedilatildeo anterior No entanto a opiniatildeo contraacuteria que todos os

inteacuterpretes tanto Gregos como Latinos bem como a escola comum dos Peripateacuteticos

abraccedilam eacute absolutamente verdadeira e pode ser abundantemente confirmada pelo

testemunho de Aristoacuteteles que na primeira entrada desta obra afirma para si proacuteprio

que deve dissertar sobre os princiacutepios da Fisiologia o que concretiza claramente no

137 Leia-se Temiacutestio neste passo Geacutelio no local citado e Bessarion no prefaacutecio agrave Metafiacutesica138 Antoacutenio Mirandulano livro 15 Monomachia a partir da secccedilatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 144

desenvolvimento do livro 1 E tambeacutem porque nos textos 8 e 12 ensina que natildeo eacute

proacuteprio desta disciplina demonstrar os dogmas de Parmeacutenides e de Melisso mas de algo

superior isto eacute da primeira e divina Filosofia Acrescenta-se a clara razatildeo de que em

toda esta obra se disserta sobre princiacutepios e disposiccedilotildees do ente moacutevel As que satildeo

trazidas pela parte contraacuteria natildeo tecircm importacircncia

Esclarecimento das razotildees E assim a explicaccedilatildeo da primeira e da segunda

razotildees torna-se suficientemente evidente a partir do que ensinaacutemos mais atraacutes na

questatildeo 1 artigos 5 e 6 O mais importante eacute que o Fiacutesico e o Metafiacutesico colaborem

algumas vezes no tratamento da mesma mateacuteria embora cada um de acordo com a

abstracccedilatildeo proacutepria

Relativamente agrave terceira cumpre dizer por isso que Aristoacuteteles apresentou

aquele notaacutevel exoacuterdio nos livros Sobre o Ceacuteu porque depois de explicado o ente moacutevel

no geral encetava novo tratado que natildeo devia comeccedilar ex abrupto

E assim deve estabelecer-se que estes oito livros satildeo da Fiacutesica auscultaccedilatildeo

que precede as outras disciplinas fisioloacutegicas na hierarquia dos conhecimentos Contecircm

de facto os princiacutepios comuns em que repousa toda a Filosofia Natural e a explicaccedilatildeo

do ente moacutevel considerado em absoluto Todavia deve haver uma hierarquia no ensino

das disciplinas (como ensina Aristoacuteteles no proeacutemio desta obra e no iniacutecio do livro

Sobre as partes dos animais) de modo a que se tratem primeiro as que satildeo mais gerais e

depois cada uma eacute exposta em particular nos devidos momentos

Assunto dos oito livros da Fiacutesica Por isso seraacute agora faacutecil entender que a

mateacuteria abordada nesta obra eacute o ente moacutevel no geral numa suposiccedilatildeo simples ou seja

separado das suas partes e observado apenas em si mesmo Por este motivo distingue-se

do assunto de toda a Fiacutesica que eacute o ente moacutevel em suposiccedilatildeo absoluta isto eacute

considerado quer em si mesmo quer segundo as suas partes como reconheceram S

Tomaacutes e outros inteacuterpretes

Organizaccedilatildeo desta obra O assunto que seraacute tratado por cada livro aqui o

tendes em poucas palavras No primeiro trata-se dos trecircs princiacutepios das coisas fiacutesicas

mateacuteria forma e privaccedilatildeo No segundo da natureza e das causas das coisas naturais No

terceiro do movimento e do infinito No quarto do lugar do vaacutecuo e do tempo No

quinto das espeacutecies da unidade e da oposiccedilatildeo dos movimentos No sexto da divisatildeo do

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 145

movimento nas suas partes constituintes No seacutetimo e finalmente no oitavo investiga-

se o primeiro movimento e os seus atributos

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES139

Aristoacuteteles foi um diligentiacutessimo respeitador da ordem Do mesmo modo que

em toda a natureza nada se pode encontrar mais divino ou mais belo para a espeacutecie do

que a ordem140 assim nada existe que assegure maior esplendor e dignidade a uma

disciplina do que a ordem e a disposiccedilatildeo das mateacuterias que nela se transmitem Quando

estas faltam todas as coisas jazem como um corpo sem nervos e sem articulaccedilatildeo

dissolvendo-se numa confusatildeo fuacutetil e conturbada Daiacute aquele encadeamento contiacutenuo na

Fisiologia de Aristoacuteteles e a harmonia de todas as partes convenientemente organizadas

entre si como se fosse a estrutura de um corpo uno Certamente por isso o Filoacutesofo

que eacute em qualquer obra mas sobretudo nos livros Acroamaacuteticos pouco inclinado agrave

clareza conseguiu admiravelmente moderar a dificuldade das coisas com uma

artificiosa destreza no seu tratamento como se as tivesse iluminado com a difusatildeo de

uma luz

Meacutetodo de ensino Por conseguinte expotildee Aristoacuteteles o meacutetodo e o

encadeamento do seu ensino na primeira parte deste livro que conteacutem o prefaacutecio e se

completa num soacute capiacutetulo A segunda por sua vez que estaacute compreendida nos oito

capiacutetulos restantes dedica-a toda aos princiacutepios de investigaccedilatildeo das coisas fiacutesicas de

modo a indagar em primeiro lugar o nuacutemero dos princiacutepios claramente aduzidos dos

pareceres dos antigos filoacutesofos sobre esta mateacuteria para depois explicar entatildeo quais satildeo

eles De facto Alexandre de Afrodiacutesia no iniacutecio do livro segundo da Metafiacutesica

defendeu que esse livro eacute um proeacutemio comum a toda a filosofia contemplativa e por isso

pertence a este lugar Todavia noacutes aprovamos por completo a posiccedilatildeo contraacuteria que

todos os inteacuterpretes gregos e latinos abraccedilaram sobretudo porque as mateacuterias sobre as

quais Aristoacuteteles dissertou nesse livro dizem respeito natildeo agrave Fiacutesica mas agrave ldquoprimeira

Filosofiardquo como se tornaraacute claro para o leitor

139 Trad FM140 Leia-se S Agostinho no livro Da natureza do bem cap 3 e nos livros Da ordem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 146

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES141

Alguns dos filoacutesofos modernos142 chamam menor ao livro da Metafiacutesica que eacute

o segundo para os latinos e para os Gregos A τὸ ἔλαττον isto eacute o primeiro pois satildeo de

opiniatildeo que pertence a esta obra sobre a auscultaccedilatildeo natural e que eacute o seu proeacutemio mas

teria sido afastado deste lugar como uma cabeccedila do restante corpo por um erro dos

antigos Todavia o consenso comum aos inteacuterpretes Gregos e Latinos rejeitou esta

posiccedilatildeo e com razatildeo Eles nem deslocam do lugar o segundo livro da Metafiacutesica nem

comeccedilam com ele essa obra

Objectivo de Aristoacuteteles Eacute poreacutem objectivo de Aristoacuteteles tratar aqui natildeo soacute

da mateacuteria e da forma como pensa Filoacutepono mas tambeacutem da finalidade e do eficiente

pelo menos como pensa Simpliacutecio mas tanto da forma e da mateacuteria enquanto

naturezas como de todos os quatro geacuteneros de causas em geral Nestes aspectos se

consome de facto toda a explicaccedilatildeo deste livro

Lanccedilam-se neste livro os fundamentos da Fisiologia Mas nem neste livro

onde como diz Averroacuteis se lanccedilam os fundamentos de toda a Filosofia Natural

Aristoacuteteles foi obrigado a deixar de lado essa variedade quadripartida pois antes da sua

observaccedilatildeo e conhecimento nem a forccedila das coisas naturais nem a essecircncia nem a

mutaccedilatildeo fiacutesica a cuja investigaccedilatildeo o Fisioacutelogo se dedica com tanto empenho podem ser

inteligidas143 E se algueacutem perguntar com que direito o Filoacutesofo Natural disserta sobre as

causas pois esta contemplaccedilatildeo parece ser proacutepria do Metafiacutesico deve responder-se que

eacute proacuteprio do Metafiacutesico tratar das causas no geral enquanto causas e perscrutar a tiacutetulo

particular as que estatildeo separadas da mateacuteria embora considere tambeacutem a proacutepria

mateacuteria ao seu modo como dissemos noutro lado144 Eacute verdade por isso que cada um

dos outros artiacutefices trata as causas em funccedilatildeo da sua arte De facto o Dialeacutectico trata

delas para demonstrar que satildeo adequadas e idoacuteneas O Fiacutesico porque dizem respeito a

coisas naturais e tecircm uma orientaccedilatildeo para o movimento Os outros por fim na medida

em que dizem respeito agrave inteligecircncia das coisas que satildeo proacuteprias da sua faculdade

141 Trad FM142 Francisco Beato no livro 2 da Metafiacutesica seguiu o cardeal Sadoleto 143 Leia-se Alberto Magno 3 Metafiacutesica tratado 3 cap 1 Averroacuteis 2 da Metafiacutesica comentaacuterio 6 144 No proeacutemio desta obra questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 147

PROEacuteMIO AO TERCEIRO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES145

Depois de Aristoacuteteles ter dissertado nos dois livros anteriores sobre os

princiacutepios e as causas das coisas naturais em termos gerais ocupa-se agora de perscrutar

as suas afeiccedilotildees

Quanto eacute importante na filosofia o estudo do movimento E antes de mais

institui que vai tratar do movimento cujo estudo eacute de capital importacircncia na filosofia

Primeiro porque as partes da filosofia contemplativa distinguem-se entre si pela diversa

abstracccedilatildeo do movimento como dissertaacutemos no proeacutemio desta obra Segundo porque o

movimento estaacute presente em todas as coisas naturais como uma espeacutecie de princiacutepio

vital De facto ensina Platatildeo no livro 10 das Leis que tal como aqueles que contecircm em

si o princiacutepio da locomoccedilatildeo e que se dizem mover-se por si proacuteprios vivem assim

participam de certo modo na vida aqueles que de alguma forma satildeo passiacuteveis de

movimento Terceiro porque a forma e a mateacuteria sobre as quais Aristoacuteteles tratou em

parte no livro 1 e em parte no livro 2 foram investigadas e percebidas pelo movimento

e a noccedilatildeo do movimento foi a tal ponto associada ao conhecimento da natureza que este

natildeo pode ser obtido sem a intervenccedilatildeo dela Quarto porque a contemplaccedilatildeo do

movimento demonstra em grande parte o caminho para ver as causas latentes e

escondidas dos efeitos naturais bem como a forccedila a espeacutecie o grau e a perfeiccedilatildeo dessas

mesmas causas Quinto porque a Filosofia partiu do movimento tanto para a

investigaccedilatildeo das mentes que circundam as esferas celestes como tambeacutem da uacuteltima

causa isso eacute de Deus para o qual como fonte e princiacutepio de todas as coisas eacute preciso

que se direccione todo o movimento Portanto por todas estas razotildees Aristoacuteteles

dedica-se com particular empenho ao estudo do movimento De resto dado que eacute algo

de contiacutenuo pois pode ser infinitamente dividido em partes separadas mas natildeo pode ser

inteligido perfeitamente sem a noccedilatildeo do infinito por isso mesmo depois da explicaccedilatildeo

do movimento promete tratar do infinito O que executa de forma apurada e com o

proveito das outras artes visto que a Geometria a Astronomia a Cosmografia a

Geografia e todas as que se ocupam da maacutequina do mundo exigem da Fisiologia que

rejeite a mole infinita porque representam e descrevem o universo conhecido e finito

145 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 148

Organizaccedilatildeo do livro Eacute assim bipartida a organizaccedilatildeo deste livro Na primeira

parte explica-se o que eacute o movimento e em que consiste na outra disserta-se sobre o

infinito

PROEacuteMIO AO QUARTO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES146

Ensino tripartido deste livro Depois de transmitir a doutrina do movimento e

do infinito no uacuteltimo livro Aristoacuteteles expotildee as restantes propriedades das coisas

fiacutesicas Conteacutem entatildeo este livro uma explicaccedilatildeo tripartida do lugar do vaacutecuo e do

tempo sobre os quais compete ao filoacutesofo natural saber e dissertar Sobre o lugar natildeo

soacute porque conveacutem que as coisas constituiacutedas de mateacuteria estejam contidas e circunscritas

a um determinado lugar mas tambeacutem porque o corpo natildeo existe sem o lugar Sobre o

vaacutecuo porque muitos dos antigos pouco o distinguiram do lugar e foram da opiniatildeo de

que o lugar e o vaacutecuo satildeo absolutamente o mesmo e que o lugar natildeo se pode considerar

sem o vazio Sobre o tempo porque todo o movimento acontece no tempo e tudo o que

nasce e morre estaacute sujeito ao tempo e eacute delimitado pela sua medida

Por que eacute que Aristoacuteteles natildeo tratou do lugar antes do movimento Todavia Aristoacuteteles

trata primeiro do lugar como notou Simpliacutecio porque o lugar estaacute primeiro do que o

tempo e ateacute do que o movimento No entanto natildeo dissertou sobre o lugar antes do

movimento porque do mesmo modo que ao abordar as causas das coisas naturais tratou

primeiro das que satildeo intriacutensecas e que constituem a essecircncia da coisa isto eacute da mateacuteria

e da forma e soacute depois das externas ou seja do fim e da causa eficiente assim julgou

adequado investigar inicialmente as afeiccedilotildees que satildeo inerentes agraves coisas fiacutesicas e o

movimento eacute desse tipo para depois debater aquelas que estatildeo fora entre a quais o

lugar

PROEacuteMIO AO QUINTO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES147

Do mesmo modo que a razatildeo do movimento se funda de forma vastiacutessima nas

coisas da natureza assim a sua contemplaccedilatildeo na Fisiologia eacute variada e envolta em

muitas dificuldades

146 Trad FM147 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 149

Escopo do livro Eacute por isso que neste livro e tambeacutem naqueles que se seguem

Aristoacuteteles trata desse assunto Na verdade tendo deixado explicado no livro terceiro o

que eacute o movimento e em que tipo de sujeito incide investiga agora os outros aspectos

respeitantes agrave sua observaccedilatildeo

Organizaccedilatildeo Assim sendo na primeira parte deste livro transmite as espeacutecies

do movimento na segunda explica a sua unidade e diversidade na terceira disserta

sobre a sua oposiccedilatildeo

PROEacuteMIO AO SEXTO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES148

Os antigos Peripateacuteticos como no proeacutemio deste livro e do anterior atesta

Simpliacutecio dividiam toda a obra da Auscultaccedilatildeo fiacutesica em duas partes asseverando que

nos primeiros cinco ndash ou como parecia melhor a Porfiacuterio e a alguns outros nos

primeiros quatro livros ndash estatildeo contidas as proposiccedilotildees comuns a todas as coisas da

natureza nos restantes pelo contraacuterio trata-se do movimento Natildeo que tambeacutem nos

outros excepto no primeiro e no segundo natildeo se tenha disputado sobre o movimento

mas porque nesses o tratamento do infinito do lugar do vaacutecuo e do tempo tinha

reivindicado a maior parte nestes poreacutem os aspectos que dizem respeito ao movimento

satildeo tratados individualmente e com mais delonga Aristoacuteteles portanto na primeira

parte deste livro demonstra que o movimento eacute constituiacutedo por partes divisiacuteveis natildeo

por indivisiacuteveis como opinaram alguns Filoacutesofos que introduziram os aacutetomos isto eacute as

partiacuteculas inseparaacuteveis Na segunda parte ensina de quantos modos se pode dividir o

movimento Na terceira qual eacute tambeacutem a divisatildeo da quietude Na uacuteltima ataca Zenatildeo e

dissolve alguns argumentos deste e de outros filoacutesofos

PROEacuteMIO AO SEacuteTIMO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES149

Alguns inteacuterpretes de Aristoacuteteles rejeitaram este livro por ser apoacutecrifo ou

supeacuterfluo Mas reconhecem que eacute aristoteacutelico pois o estilo e a razatildeo da doutrina satildeo

claramente consentacircneos com a restante obra como afirmam Simpliacutecio Averroacuteis S

Tomaacutes e outros Nem causa obstaacuteculos que o argumento e o objectivo deste livro sejam

148 Trad FM149 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 150

praticamente os mesmos do livro oitavo Aristoacuteteles parece neste livro ter esboccedilado a

obra futura a traccedilos rudimentares como fazem os pintores para que compreendecircssemos

depois mais facilmente cada aspecto instruiacutedos por uma certa noccedilatildeo preacutevia do que no

livro oitavo seria tratado com mais detalhe Este livro foi entatildeo dividido em duas

partes A primeira conteacutem alguns teoremas sobre o princiacutepio do movimento e debruccedila-

se essencialmente sobre essa questatildeo para que demonstre como se produz na natureza

das coisas o primeiro movimento que eacute uno o primeiro motor A outra compara entre si

as coisas que movem e as que satildeo movidas no que diz respeito agrave velocidade e agrave lentidatildeo

do movimento Natildeo deve poreacutem causar admiraccedilatildeo a ningueacutem o facto de Aristoacuteteles ter

neste livro um discurso sobre Deus primeiro princiacutepio das coisas cuja contemplaccedilatildeo e

conhecimento parecem ser proacuteprias do primeiro filoacutesofo que escrutina as causas

supremas das coisas e os princiacutepios mais universais Com efeito o Metafiacutesico e o

Fisioacutelogo com diferentes abordagens disputam sobre a causa primeira Um considera a

natureza da causa primeira e os atributos que natildeo dizem respeito ao movimento o outro

ocupa-se da contemplaccedilatildeo do mesmo ateacute certo ponto na medida em que produz a

locomoccedilatildeo celeste e confina em si a anaacutelise de todas as causas naturais

PROEacuteMIO AO OITAVO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES150

Este oitavo livro como eacute o uacuteltimo de todos os da Auscultaccedilatildeo fiacutesica conteacutem

uma doutrina extremamente cuidada e a mais digna para o Filoacutesofo De facto nele

Aristoacuteteles ascende da variedade e inconstacircncia das coisas caducas e materiais agrave

contemplaccedilatildeo e conhecimento de Deus Ora como ensina S Dioniacutesio no capiacutetulo

segundo da Teologia miacutestica e no seacutetimo capiacutetulo De diuinis nominibus o nosso

intelecto avanccedila das coisas criadas para a noccedilatildeo de Deus por trecircs caminhos certamente

por via da superioridade da negaccedilatildeo e da causalidade151 Trecircs coisas que se podem

observar em qualquer criatura abrem este caminho triplo A criatura eacute um ente formado

a partir do nada por algo O ente indica uma perfeiccedilatildeo e quanto a isto conhecemos

Deus por via da superioridade na medida em que a ele atribuiacutemos tudo o que nas coisas

se eleva e sobressai depois de suprimidas todas as marcas da imperfeiccedilatildeo

150 Trad FM151 Leia-se S Damasceno no livro 1 da Feacute Ortodoxa cap 4 S Tomaacutes no 1ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 35 questatildeo 1 art 1 Henrique de Gand na 1ordf parte da Suma art 24 e Durando no 1ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 151

nomeadamente a vida a sabedoria e a bondade A partir do nada porque o vazio que

entretanto afastamos completamente da natureza divina eacute importante para aceder ao

conhecimento de Deus como se diz por via da negaccedilatildeo Por algo denota a causalidade

segundo a qual conhecemos Deus pelos seus efeitos e por outros modos de causas

Todavia Aristoacuteteles neste livro progride nesta terceira via tal como demonstra pelo

movimento e pela ordem subordinada das causas moventes que devem confluir para

uma primeira causa e um primeiro motor Deus que estaacute isento de toda a mutaccedilatildeo

corpoacuterea e de toda a mole assim procura demonstrar que a rotaccedilatildeo do ceacuteu que faltava

no princiacutepio foi produzida por ele e natildeo teraacute fim em nenhum momento dos seacuteculos

OUTROS TEXTOS DA FIacuteSICA

O CONCEITO DE ldquoNATUREZArdquo

Primeira acepccedilatildeo de ldquonaturezardquo O grande nuacutemero de vocaacutebulos para exprimir a

definiccedilatildeo de ldquonaturezardquo talvez obstrua o caminho como escolhos que nele aparecem

para expor convenientemente as diferentes acepccedilotildees da palavra ldquonaturezardquo152 Em

primeiro lugar como afirma Hugo de Satildeo Viacutetor no Didascalion livro 1 capiacutetulo 11

entende-se por ldquonaturezardquo o proacuteprio Deus criador de todas as coisas Poreacutem certos

autores amantes da filosofia mas natildeo da latinidade chamaram a Deus ldquonatura

naturansrdquo [ldquonatureza de que provecircm outras naturezasrdquo] Serve-se desta expressatildeo entre

os estoacuteicos o subtiliacutessimo Seacuteneca no De Officiis livro 4 onde afirma que a natureza eacute

apenas Deus e tambeacutem Santo Agostinho na obra Sobre a Trindade livro 15 capiacutetulo 1

onde escreve que acima da nossa natureza existe uma natureza natildeo criada mas criadora

ou seja Deus Assim se originou a divisatildeo da natureza em ldquouniversalrdquo e ldquoparticularrdquo

designando-se por ldquonatureza universalrdquo mormente Deus que conteacutem e conserva todas as

naturezas e por ldquonatureza particularrdquo que alguns denominam ldquonatura naturatardquo as

outras coisas

Segunda acepccedilatildeo Em segundo lugar entende-se por ldquonaturezardquo a quididade ou

essecircncia Eacute segundo esta acepccedilatildeo que a feacute ensina que as trecircs pessoas divinas constituem

uma uacutenica natureza153 e que se realizou a uniatildeo da natureza divina e da humana na

152 Sobre a significaccedilatildeo de ldquonaturezardquo ver Aristoacuteteles Metafiacutesica livro 5 cap 4 Boeacutecio De Duabus Naturis Temiacutestio e Simpliacutecio nesta obra comentaacuterios aos textos 7 e 16 Avicena Sufficientiae livro 1 cap 6 Averroacuteis Epitome in Metaphysicam153 Credo de Atanaacutesio

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 152

unidade da pessoa do Verbo encarnado154 Costuma tambeacutem dizer-se que a definiccedilatildeo eacute

uma enunciaccedilatildeo que exprime a natureza de um objecto Contudo se nos exprimirmos

com propriedade existe uma distinccedilatildeo entrerdquoessecircnciardquo ldquoquididaderdquo e ldquonaturezardquo a

essecircncia eacute aquilo que faz com que uma coisa seja o que eacute a quididade eacute a essecircncia

enquanto significada pela definiccedilatildeo e a natureza eacute a essecircncia enquanto princiacutepio de

acccedilatildeo

Em terceiro lugar entende-se por ldquonaturezardquo a totalidade dos seres criados Foi

segundo esta acepccedilatildeo que Aristoacuteteles escreveu na Metafiacutesica livro 12 capiacutetulo 7 que a

natureza depende de um primeiro princiacutepio E tambeacutem dizemos que o milagre

transcende todas as forccedilas da natureza155

Propriedades da natureza Em quarto lugar entende-se por ldquonaturezardquo as causas

naturais enquanto operam segundo uma tendecircncia que lhes eacute proacutepria Foi de acordo com

esta acepccedilatildeo que os filoacutesofos atribuiacuteram agrave natureza diversas propriedades por exemplo

nada faz em vatildeo156 realiza o que eacute melhor157 odeia o supeacuterfluo158 os seus efeitos satildeo do

domiacutenio do necessaacuterio159 natildeo consente que algo esteja imoacutevel ou em repouso160 tem

horror ao vaacutecuo161 eacute justa e reparte por cada um o que lhe eacute devido natildeo em partes

iguais segundo uma proporccedilatildeo aritmeacutetica mas geomeacutetrica162 aleacutem disso as suas

operaccedilotildees satildeo obra de uma inteligecircncia163

Significaccedilatildeo principal e proacutepria de ldquonaturezardquo Por fim omitindo outras

significaccedilotildees do vocaacutebulo que satildeo imensas entende-se por ldquonaturezardquo a geraccedilatildeo dos

seres vivos denominada ldquonascimentordquo Esta acepccedilatildeo eacute a principal e a mais verdadeira

tanto entre os Latinos como entre os Gregos Com efeito para os Latinos natura

[ldquonaturezardquo] proveacutem de nasci [ldquonascerrdquo] e para os Gregos physis [ldquonaturezardquo] proveacutem

de phuocirc que significa ldquonascerrdquo Mas porque a geraccedilatildeo se origina num princiacutepio

intriacutenseco a palavra ldquonaturezardquo foi imposta para significar o princiacutepio intriacutenseco de

todas as coisas do qual cada uma delas adquire a capacidade de se mover quer se

154 Conciacutelio de Chale no siacutembolo da feacute155 Satildeo Tomaacutes Suma 1ordfparte questatildeo 10 artigo 7 Quodlibet 4 artigo 5156 Aristoacuteteles Poliacutetica livro 1 cap 2 Sobre a Geraccedilatildeo dos Animais livro 2 cap 4 157 Sobre o Ceacuteu livro 2 cap 5 texto 34 Sobre a Juventude e a Velhice cap 2 158 Sobre a Geraccedilatildeo dos Animais livro 2 cap 4159 Sobre a Alma livro 3 cap 9 texto 41 160 Eacutetica livro 1 cap 7 Sobre o Ceacuteu livro 2 cap 3 texto 17161 Fiacutesica livro 4 a partir do cap 6162 Galeno De Vsu Partium livro 5 cap 9163 Temiacutestio Sobre o Ceacuteu livro 1 cap 2 Averroacuteis Metafiacutesica livro 12 comentaacuterio 18

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 153

considerem os seres viventes quer os desprovidos de vida (Commentarii Collegii

Conimbricensis in Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritae livro 2 capiacutetulo 1

questatildeo 1 artigo 1 pp 217-218)164

NATUREZA E ARTE

Visto que pela comparaccedilatildeo entre natureza e arte se alcanccedila um conhecimento mais

claro da natureza vamos comparaacute-las neste lugar Elas concordam admiravelmente

entre si e tambeacutem diferem Concordam primeiramente porque as operaccedilotildees da natureza

do mesmo modo que a actividade humana na produccedilatildeo artiacutestica se realizam segundo

uma prescriccedilatildeo de modo regular e com ordem (hellip)

As formas artificiais tecircm primeiramente o ser na mente do artiacutefice Em segundo

lugar elas concordam porque do mesmo modo que um agente natural origina um efeito

com ele relacionado e que lhe eacute semelhante em razatildeo da forma pela qual eacute constituiacutedo

tambeacutem o artiacutefice produz uma obra cuja forma corresponde em proporccedilatildeo e semelhanccedila

agrave forma intencional e exemplar por ele concebida Assim como as formas naturais tecircm

o seu primeiro ser no agente de um modo virtual e em seguida na mateacuteria igualmente as

formas dos artefactos obtecircm primeiramente o ser na mente do artiacutefice que se diz

ldquoidealrdquo e em seguida na mateacuteria que o artiacutefice aperfeiccediloa

Que graus existem na produccedilatildeo das coisas Em terceiro lugar elas concordam

porque do mesmo modo que a arte implica a existecircncia da natureza tambeacutem a natureza

implica a existecircncia de Deus165 Ou seja do mesmo modo que a arte nada produz se natildeo

lhe for subministrado um composto fiacutesico no qual realize uma forma engenhosa

igualmente a natureza nada cria se natildeo existir previamente uma mateacuteria criada por Deus

na qual ela origine uma forma natural Deste modo existem trecircs graus na produccedilatildeo das

coisas Deus produz do nada a natureza do ente em potecircncia a arte do ente jaacute

aperfeiccediloado ou determinado positivamente Deus criando a natureza gerando a arte

compondo e dispondo

A natureza e a arte progridem paulatinamente Em quarto lugar elas concordam

porque tanto a arte como a natureza progridem gradualmente e caminham do mais

imperfeito para o mais perfeito A respeito da arte por exemplo um pintor esboccedila em

164 Trad AC165 Leia-se Santo Agostinho livro das Oitenta e Trecircs Questotildees Escoto Sentenccedilas livro 4 distinccedilatildeo 1 questatildeo 1 Egiacutedio Quodlibet 5 questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 154

primeiro lugar ao de leve a sua obra em seguida daacute-lhe paulatinamente uma forma mais

definida aplicando vaacuterias cores e por fim aperfeiccediloa-a E a arte de tocar um

instrumento musical prescreve que antes da execuccedilatildeo da obra o muacutesico se exercite

previamente Tambeacutem a natureza por exemplo na formaccedilatildeo de um feto (como costuma

suceder noutras coisas) produz inicialmente uma coisa informe na qual natildeo se distingue

a existecircncia de membros em seguida aperfeiccediloa-a pouco a pouco ateacute que apareccedila um

ser vivo com traccedilos fisionoacutemicos perfeitos segundo uma aparecircncia harmoniosa no

tempo por ela estabelecido (hellip)

A natureza eacute a medida da arte a arte eacute a medida dos artefactos Em quinto lugar

elas concordam porque assim como a natureza eacute a medida da arte tambeacutem a arte eacute a

medida dos artefactos E assim como a natureza procura imitar a arte divina tambeacutem a

arte humana procura imitar a natureza tanto quanto lhe eacute possiacutevel166 Por conseguinte a

arte divina eacute causa exemplar da natureza e a natureza eacute uma manifestaccedilatildeo do arqueacutetipo

divino e diz-se simultaneamente causa exemplar da arte humana Eis aqui a razatildeo pela

qual costuma chamar-se agrave arte humana uma segunda natureza ou imitadora da natureza

por imitar muitas coisas da natureza Por exemplo a observaccedilatildeo das sombras deu ensejo

agrave pintura de um quadro a de uma caverna agrave construccedilatildeo de uma casa a do voo das aves

agrave fabricaccedilatildeo da vela as barbatanas dos peixes sugeriram a construccedilatildeo do remo e a

cauda a do leme (hellip)

Em sexto lugar elas concordam porque assim como nos seres naturais tem lugar o

acaso isso tambeacutem acontece nos que satildeo feitos com arte Nos naturais ocorrem a cada

passo muitos exemplos Quanto aos que satildeo feitos com arte foram divulgados dois

exemplos muito semelhantes pelos escritores que Pliacutenio refere na Histoacuteria Natural

livro 35 capiacutetulo 10167

Artes deliberativas e natildeo deliberativas Em seacutetimo lugar elas concordam porque

como ensina Aristoacuteteles nesta obra [Fiacutesica] livro 2 capiacutetulo 8 nem na natureza (ele

considera a natureza como distinta da alma racional) nem na arte existe deliberaccedilatildeo o

que no entanto natildeo deve entender-se de toda a arte visto que na medicina na arte de

navegar e em muitas outras deste geacutenero haacute deliberaccedilatildeo Poreacutem como o proacuteprio

Aristoacuteteles esclarece na Eacutetica livro 3 capiacutetulo 3 natildeo acontece o mesmo nas artes que

166 Sobre o modo como a arte imita a natureza ver Hugo Didascalion livro 1167 Leia-se tambeacutem Plutarco no pequeno livro Sobre a Fortuna

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 155

atingem os seus fins por meios constantes e rotineiros como na arte de danccedilar e na de

escrever as letras o que tambeacutem Temiacutestio exprimiu com estas palavras ldquoNatildeo se

interroga o carpinteiro se em primeiro lugar deve serrar a madeira ou aplainaacute-la nem o

gramaacutetico de que modo devem ser escritas as letras do alfabeto por exemplo A ou B

nem quando Cleacuteon escreve pensa como deve dispor a primeira e a segunda letra e

tambeacutem o arquitecto natildeo se interroga se deve primeiramente construir os alicerces ou as

paredes do edifiacutecio ou pocircr o tecto Igualmente o tecelatildeo e o canteiro enquanto

executam a sua tarefa natildeo deliberam maduramente tendo no entanto cada um deles

como certo e definido que natildeo desconhecem a finalidade da sua obrardquo (Commentarii

Collegii Conimbricensis in Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritae livro 2

capiacutetulo 1 questatildeo 5 artigo 1 pp 230-232)168

Poreacutem a arte e a natureza diferem em muitos aspectos Em primeiro lugar a arte

natildeo produz coisas verdadeiras como uma aacutervore verdadeira mas imitadoras do

verdadeiro e como algueacutem disse com razatildeo realmente falsas por simular com a

aparecircncia de verdadeiro aquilo que efectivamente natildeo eacute Por outro lado ela natildeo pode

igualar a natureza razatildeo pela qual alguns chamaram agraves pinturas ldquosonhos de pessoas

acordadasrdquo pelo facto de natildeo representarem as coisas como elas satildeo mas serem apenas

imitaccedilotildees delas

Elas diferem em segundo lugar porque todas as vezes que a arte e a natureza

convergem para produzir uma obra a arte aperfeiccediloa a natureza como ensina Aristoacuteteles

no capiacutetulo 8 deste livro [livro 2 da Fiacutesica] Aleacutem disso a arte eacute em muitos casos guia e

de norma da natureza e a natureza eacute modelada e dirigida por ela como eacute manifesto no

canto Natildeo deve poreacutem afirmar-se que a arte supera a natureza como adverte Plotino

nas Eneacuteadas IV livro 1 ainda que no canto e na danccedila a natureza seja regulada pelas

prescriccedilotildees da arte

As formas artificiais natildeo datildeo origem a outras Em terceiro lugar elas diferem

porque como afirma Satildeo Tomaacutes no Contra os Gentios livro 2 capiacutetulo 76 as formas

dos objectos artificiais natildeo datildeo origem a outras ao contraacuterio do que sucede com as dos

seres naturais Com efeito uma casa natildeo gera outra casa mas um cavalo gera outro

cavalo A razatildeo desta dissemelhanccedila estaacute em que as formas naturais tecircm o mesmo modo

168 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 156

de ser no progenitor e nas coisas geradas mas o que eacute artificial tem um modo de ser na

mente do artista e outro no objecto feito com arte (hellip)

As formas produzidas pela arte natildeo tecircm forccedila activa Em sexto lugar elas diferem

porque as formas naturais satildeo activas e quase vivas ao passo que as produzidas pela

arte satildeo por assim dizer mortas e inertes visto serem apenas composiccedilatildeo disposiccedilatildeo e

figura ou modos da quantidade como eacute evidente por aquilo que ensinou Aristoacuteteles no

livro primeiro desta obra [Fiacutesica] capiacutetulo 5 Por isso do mesmo modo que a

quantidade eacute pela sua natureza destituiacuteda de actividade e ineficaz e foi concedida agrave

natureza como se fosse uma mateacuteria para sustentar os acidentes tambeacutem as formas

produzidas pela arte natildeo possuem nenhuma eficaacutecia Por conseguinte os seres naturais

podem ter em si um princiacutepio de movimento e de repouso poreacutem com as coisas feitas

com arte acontece de modo diferente como ensina Aristoacuteteles natildeo apenas neste livro

[livro 2 da Fiacutesica] capiacutetulo 1 mas tambeacutem na Eacutetica livro 6 capiacutetulo 4 e na Metafiacutesica

livro 12 capiacutetulo 3 (Idem artigo 2 pp 232-233)169

O ACASO

Razatildeo pela qual os pagatildeos atribuiacuteram um poder divino agrave fortuna Os pagatildeos por

estarem impregnados por inumeraacuteveis supersticcedilotildees atribuiacuteram agrave fortuna um poder

divino e natildeo soacute os poetas que inventaram muitas falsidades mas tambeacutem alguns

filoacutesofos E alguns deles ao desejarem ser saacutebios proferindo ineacutepcias mudaram o sexo

agrave fortuna natildeo a chamando ldquodeusardquo como os poetas mas ldquodeusrdquo Eles foram induzidos a

cometer este erro por terem presenciado certos eventos misteriosos e inopinados cuja

causa desconheciam e natildeo se persuadindo de que natildeo existia nenhuma consideraram

que existia um poder divino oculto no qual esses eventos se tinham originado isto eacute

instituiacuteram a fortuna Daiacute o dito de Ciacutecero ldquoO desconhecimento das coisas e das suas

causas atribuiu o nome agrave fortunardquo

Representaccedilatildeo da fortuna e seu significado O filoacutesofo Cebes e outros antigos

representaram a fortuna cega semelhante a um louco pendente de um rochedo rolante

Com essa representaccedilatildeo eles pretendiam significar que a fortuna imperava sobre todas

as coisas ao acaso e com um iacutempeto cego e natildeo segundo um desiacutegnio e com

discernimento que mudava indiferentemente o destino da vida humana que

169 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 157

atormentava iniquamente sempre propensa ao mal e natildeo ao bem variaacutevel e inconstante

Eacute adequado referir o que Boeacutecio afirmou na obra Sobre a Consolaccedilatildeo pela Filosofia

livro 2 ldquoJogamos um jogo contiacutenuo vivemos numa roda da fortuna voluacutevel

regozijamo-nos em mudar incessantementerdquo

Outra representaccedilatildeo da fortuna Mas os pagatildeos tambeacutem representavam a fortuna de

outros modos para significarem o seu poder soberano Com efeito Buacutepalo como afirma

Pausacircnias no livro 4 foi o primeiro entre os habitantes de Esmirna a realizar uma

estaacutetua da fortuna com a cabeccedila em forma de Estrela Polar e com uma das matildeos em

forma de cornucoacutepia como se realizasse a estaacutetua de uma soberana

Que a opiniatildeo dos pagatildeos sobre o poder e a natureza divina da fortuna seja

absurda e risiacutevel demonstra-o aleacutem de outros Santo Agostinho na Cidade de Deus

livro 4 capiacutetulo 18 e Lactacircncio nas Instituiccedilotildees Divinas livro 3 capiacutetulos 28 e 29

Estabelecemos por isso duas conclusotildees Primeira natildeo deve recusar-se que existe

realmente a fortuna se por ldquofortunardquo se entender uma causa acidental relativamente agraves

coisas que podem ser produzidas em funccedilatildeo de uma finalidade Esta conclusatildeo foi

reconhecida como verdadeira por Aristoacuteteles no capiacutetulo 5 deste livro [livro 2 da

Fiacutesica] e natildeo eacute necessaacuterio corroboraacute-la com argumentos

Quem negou em absoluto o acaso e a fortuna Contudo natildeo deixaram de existir alguns

filoacutesofos posteriores na eacutepoca de Alberto Magno que pensaram e afirmaram que natildeo

pode admitir-se de modo algum o acaso ou a fortuna

Segunda conclusatildeo relativamente a Deus Pontiacutefice Maacuteximo nada pode suceder

por acaso ou de modo fortuito Isto eacute afirmado por Santo Agostinho na obra Sobre a

Trindade livro 3 capiacutetulo 4 deste modo ldquoTudo o que acontece por acaso acontece sem

razatildeo tudo o que acontece sem razatildeo acontece sem a intervenccedilatildeo da Providecircncia mas

nada acontece se natildeo for prescrito por uma lei da providecircncia divina portanto

relativamente a Deus nada pode suceder sem razatildeo ou de modo fortuitordquo Na verdade se

em relaccedilatildeo a Deus algo pudesse suceder fortuitamente ele seria uma causa acidental das

coisas o que eacute contraditoacuterio (Commentarrii Collegii Conimbricensis in Octo Libros

Physicorum Aristotelis Stagiritae livro 2 capiacutetulo 6 questatildeo 1 artigo 1 pp 254-

255)170

170 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 158

NATUREZA E FINALIDADE

Os que pensaram que a natureza opera sem nenhuma finalidade atribuiacuteram a

origem de todas as coisas apenas agrave fatalidade da mateacuteria como Anaxaacutegoras e

Empeacutedocles E Demoacutecrito e Epicuro afirmaram que a causa das coisas consiste na

mistura das partes unidas entre si por acaso171 Poreacutem Platatildeo no Timeu no Feacutedon no

Filebo e no Poliacutetico critica esta opiniatildeo tatildeo absurda e abominada pelo juiacutezo comum dos

filoacutesofos e tambeacutem Aristoacuteteles nos uacuteltimos capiacutetulos desta obra [Fiacutesica] no livro 2 de

Sobre a Vida e a Morte e no livro 1 capiacutetulo 1 de Acerca das Partes dos Animais

Refuta-se pela beleza da natureza Natildeo referindo a filosofia refuta igualmente tal

opiniatildeo a beleza da natureza que se manifesta espontaneamente aos olhos de todos e a

admiraacutevel conformidade que a diversidade harmoniosa das coisas dissemelhantes

evidencia de tal modo que natildeo poderia evidenciaacute-la se natildeo tivesse sido prescrita uma

finalidade Com efeito a diversidade sem conformidade e proporccedilatildeo natildeo origina beleza

A finalidade das coisas eacute a ordem e a observacircncia das leis da natureza Nem em

tanta diversidade de seres naturais existiria um acordo consistente e diuturno se as

coisas fiacutesicas natildeo estivessem todas elas em consonacircncia nalgum bem comum que eacute

necessaacuterio que se realize em virtude de uma finalidade Ora este bem eacute a observacircncia

das leis da natureza e da sua ordem O seu pendor natural e a sua propensatildeo coiacutebe no

Universo a falta de moderaccedilatildeo das partes mais vigorosas estimula a debilidade das mais

deacutebeis refreia o iacutempeto das contraacuterias e por fim suscita em todas as coisas o

comedimento e a moderaccedilatildeo de modo a que natildeo pareccedila estarem em desacordo mas em

harmonia numa alianccedila comum e em simpatia

Razatildeo que comprova que a natureza natildeo opera por acaso mas de acordo com

uma finalidade Isto pode aliaacutes demonstrar-se dado que ou os fenoacutemenos naturais

sucedem por acaso ou por um determinado desiacutegnio da natureza Natildeo por acaso porque

em primeiro lugar qualquer coisa sucederia indiscriminadamente em qualquer operaccedilatildeo

da natureza Desta forma todas as coisas seriam criadas indistintamente e tendo apenas

nelas o seu fundamento sem necessidade de um princiacutepio realizando-se assim o dito

de Lucreacutecio no primeiro dos seus poemas que jaacute noutro lugar referimos172 ldquoNo mar

poderiam nascer os homens na terra as espeacutecies escamosas e do ceacuteu irromper as

171 O erro de Anaxaacutegoras de Empeacutedocles de Demoacutecrito e de Epicuro foi pensar que a natureza natildeo opera relativamente a um fim172 Livro 1 desta obra cap 9 questatildeo 3 artigo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 159

espeacutecies aladasrdquo Em segundo lugar porque o que acontece por acaso raramente

acontece apenas de um modo costumando ocorrer de diversos modos Apercebemo-

nos poreacutem de que certos efeitos especiacuteficos resultam de causas peculiares certamente

de um princiacutepio segundo uma ordem invariaacutevel e sempre ou quase sempre conforme a

mesma razatildeo Portanto nas suas operaccedilotildees os seres naturais movem-se por um certo

impulso e um desiacutegnio da natureza repousando por uacuteltimo no Absoluto Mas o que eacute

isto senatildeo operar de acordo com uma finalidade

Os membros dos animais Por outro lado isso demonstra-o com clareza o grande

nuacutemero de membros nos animais dispostos com tanta ordem e sabiamente e a

disposiccedilatildeo de tantas partes natildeo apenas adequadas para seu ornamento mas tambeacutem para

fazerem uso delas e o aparato de tatildeo grande nuacutemero de oacutergatildeos de tantas forccedilas e

potecircncias de tantos instrumentos num conjunto multiforme173 Quem recusar que tudo

isto foi concedido para operar e mais ainda por causa de um fim eacute louco E o que pode

ser mais incompatiacutevel com a razatildeo do que pensar que aquilo que foi criado pela arte

humana de acordo com uma finalidade (como um navio para navegar e uma casa para

impedir os rigores celestes) ndash que eacute realmente perfeito com tatildeo admiraacutevel artifiacutecio e tatildeo

eminente e divina proporccedilatildeo ndash foi realizado segundo um movimento fortuito e

inconstante da natureza vacilante e natildeo por causa de um fim

Dedicaccedilatildeo dos irracionais na procriaccedilatildeo dos filhos Manifestam a mesma coisa a

dedicaccedilatildeo dos irracionais na procriaccedilatildeo dos filhos a induacutestria na construccedilatildeo dos ninhos

o empenho na procura de alimentos a diligecircncia em defenderem-se a si proacuteprios e em

preservar a sua espeacutecie as armas e a forccedila com que acometem e repelem os inimigos e

os estratagemas com os quais os evitam Dado que tudo isto foi feito por eles com tanta

veemecircncia e vigor da sua natureza eacute evidente que foi realizado em virtude de um bem

e por conseguinte de um fim (hellip)

A Terra estaacute situada no centro do mundo E o que dizer da mole da Terra Natildeo eacute

verdade que ela manifesta um desiacutegnio da providecircncia divina pela sua grandeza pela

sua proporccedilatildeo pela sua beleza e pela sua utilidade Ela estaacute imoacutevel firmemente

suspensa no centro do mundo sempre com o mesmo peso sempre redonda e diacutespar nas

suas formas com vales profundos encostas iacutengremes montanhas alcantiladas irrigada

por rios e por fontes que irrompem do solo sempre a mesma sempre diferente Num

173 Leia-se Santo Agostinho livro 22

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 160

momento como que debilitada e desfalecida com o rigor do solstiacutecio do Inverno

noutro renascida com as floraccedilotildees da Primavera cobrindo-se de vaacuterias cores

Generosidade e riqueza da terra Nenhuma das suas partes eacute desprovida de utilidade e

nenhuma eacute infecunda No subsolo eacute rica como uma deusa em diamantes ouro prata e

outros metais agrave superfiacutecie apresenta-se revestida de flores de arbustos de aacutervores e de

frutos cuja extraordinaacuteria abundacircncia soacute pode comparar-se agrave sua indescritiacutevel

variedade Em tamanha magnificecircncia da natureza manifesta-se de modo admiraacutevel a

providecircncia divina sendo por isso evidente a existecircncia de uma finalidade

Grandiosidade dos oceanos bela e fecunda Esta finalidade evidencia-se ainda na

imensidade dos oceanos tatildeo bela para o olhar tatildeo fecunda na procriaccedilatildeo de seres vivos

tatildeo abundante em peixes e outros animais aquaacuteticos E eles natildeo satildeo menos dignos de

admiraccedilatildeo pelos movimentos de avanccedilo e de recuo das ondas e pelas tempestades que se

precipitam sem temerem a costa sobre a areia dentro de limites prefixados como se

contivessem dentro de si uma lei escrita e agrave semelhanccedila de um cavalo indomaacutevel que

refreado pelo cavaleiro com o azorrague flecte o pescoccedilo elas recuam Quem atribuir

isto ao acaso desconhece o que seja o acaso pois o que sucede por acaso de modo

algum se realiza segundo uma lei e uma ordem mas acontece desordenadamente

Amplitude beneficecircncia e beleza do orbe celeste Por uacuteltimo essa finalidade

manifesta-se com muito maior evidecircncia pela maacutequina do mundo celeste que sustenta e

conteacutem o mundo inferior num estreito abraccedilo Nela resplandecem as estrelas brilhantes

nas noites liacutempidas e tecircm lugar as revoluccedilotildees de tantas esferas celestes com uma

celeridade inconcebiacutevel assim como o curso dos planetas regressando ao seu lugar

natural e o movimento do Sol com a sua aproximaccedilatildeo e o seu afastamento que

determinam a sucessatildeo dos anos e com o seu nascimento e ocaso dos dias e das noites

Esfera de Arquimedes Portanto se aqueles que tinham visto a esfera construiacuteda por

Arquimedes natildeo duvidaram de que esse artefacto tinha sido realizado por um engenho

eminente quem eacute de tal modo ignorante que recuse que tatildeo admiraacutevel obra foi criada

pela inteligecircncia e pela arte divina em funccedilatildeo de uma finalidade Em suma para

concluir em poucas palavras mesmo que a mateacuteria fosse infinita a totalidade do

Universo seria natildeo apenas uma criaccedilatildeo divina mas tambeacutem proclamaria que lhe foi

estabelecida uma finalidade Com efeito seria improacutepria da sapiecircncia de um tatildeo grande

artiacutefice uma obra tatildeo admiraacutevel embora feita com arte e engenhosamente se ele tivesse

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 161

operado em vatildeo Teria poreacutem operado em vatildeo se natildeo lhe houvesse estabelecido uma

finalidade (Commentarii Collegii Conimbricensis in Octo Libros Physicorum Aristotelis

Stagiritae livro 2 capiacutetulo 9 questatildeo 1 artigo 1 pp 350-352)174

Vamos agora expor os argumentos em que se baseiam os defensores do acaso para

demonstrarem que a natureza natildeo opera em funccedilatildeo de um fim mas que realiza todas as

coisas ao acaso e de modo fortuito Primeiro argumento se a natureza operasse em

funccedilatildeo de um fim ter-se-ia mostrado mais magnacircnima para com os homens do que a

respeito dos irracionais mas natildeo foi isso que sucedeu dado que se comportou em

relaccedilatildeo a estes como uma matildee e com aqueles como uma madrasta portanto ela natildeo

operou em funccedilatildeo de um fim A premissa maior eacute evidente pois a razatildeo de quem age

tendo em vista um fim sobretudo se for dirigida por uma causa primeira exige que

aquilo que eacute mais excelente ocupe um lugar superior

A natureza outorgou armas agraves bestas aguerridas e concedeu agraves tiacutemidas outro

expediente Demonstra-se a premissa menor pois a natureza concedeu agraves bestas o

agasalho mas o homem nasceu nu como um naacuteufrago lanccedilado agrave costa175 e outorgou-

lhes tambeacutem meios de defesa e de ataque com os quais ficam mais fortes e aguerridas

e concedeu agraves mais tiacutemidas astuacutecia agilidade e capacidade de fuga Mas deixou o

homem desarmado para o combate na arena mais lento para fugir dos perigos e mais

deacutebil para poder defender-se

Definiccedilatildeo de ldquohomemrdquo colhida em Aristoacuteteles Por uacuteltimo omitindo outras coisas o

homem estaacute exposto no decurso da vida aos mais penosos infortuacutenios e agraves maiores

calamidades razatildeo por que se diz que Aristoacuteteles apresentou a seguinte definiccedilatildeo de

ldquohomemrdquo ldquoO homem eacute o exemplo da debilidade o despojo do tempo o joguete da

fortuna a imagem da inconstacircncia e da desventura o resiacuteduo o muco e a biacutelis da

naturezardquo (hellip)176

As condiccedilotildees atmosfeacutericas mudam Segundo argumento o que acontece em

funccedilatildeo de um fim acontece ordenadamente mas na natureza existem muitas coisas

adversas e sem ordem portanto etc Demonstra-se a premissa menor porque por vezes

as condiccedilotildees atmosfeacutericas mudam intempestivamente com invernos quentes e verotildees

174 Trad AC175 Leia-se Pliacutenio livro 7 cap 1 176 Leia-se Estobeu Sermones 96 sobre a brevidade da vida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 162

frios E outras vezes haacute no Universo muitas ocorrecircncias desordenadas como confirmam

as inundaccedilotildees dos rios e dos oceanos as erupccedilotildees vulcacircnicas o sopro desregrado dos

ventos os terramotos e outros fenoacutemenos deste geacutenero Mais que isso tambeacutem os

eclipses do Sol e da Lua no firmamento parecem sem ordem (hellip)

Terceiro argumento o que existe de acordo com um fim tem utilidade e eacute

profiacutecuo existem poreacutem na natureza muitas coisas totalmente inuacuteteis como certos

animais muito pequenos e muitas outras que natildeo apenas natildeo satildeo profiacutecuas mas ao

contraacuterio causam dano como certas ervas nocivas e certos animais venenosos

portanto nem tudo o que a natureza realiza eacute realizado de acordo com um bem e uma

finalidade (Idem artigo 2 pp 352-353)177

Resposta ao primeiro argumento Superioridade do homem Natildeo haacute no entanto

razatildeo para algueacutem ficar perturbado com os argumentos anteriores pois natildeo eacute de modo

nenhum difiacutecil a sua refutaccedilatildeo Relativamente ao primeiro concede-se a proposiccedilatildeo

maior e nega-se a menor Com efeito Deus agiu muito melhor para com o homem do

que a respeito dos irracionais dado lhe ter concedido muitos e excelentes dons e

benefiacutecios tanto naturais como sobrenaturais E como lhe ofereceu em abundacircncia

todas as coisas como num festim comum tornou tambeacutem toda a natureza sua tributaacuteria

como eloquentemente declara Satildeo Damasceno em A Exposiccedilatildeo da Feacute Ortodoxa livro 2

capiacutetulo 10 e Teodoreto no segundo discurso da obra Sobre a Providecircncia

A razatildeo foi dada ao homem em vez do agasalho e das armas Agravequilo que foi

objectado a respeito do agasalho e dos meios de defesa e de ataque dos animais

responde Lactacircncio na obra De Opificio Dei capiacutetulo 2 que o homem foi criado nu e

desarmado porque a natureza podia muni-lo da arma da inteligecircncia e dotaacute-lo com a

vestimenta da razatildeo Eacute quase idecircntica a resposta de outros autores178 Na verdade em

vez do agasalho e dos meios de defesa e de ataque recebeu o homem da natureza a

excelecircncia da mente e um engenho penetrante e fecundo com o qual pudesse inventar e

dispor todas as coisas

As matildeos como oacutergatildeo de todos os instrumentos E ele foi tambeacutem munido das

matildeos como um oacutergatildeo comum e o instrumento de todos os instrumentos do qual pudesse

servir-se para realizar aquelas coisas (hellip)

177 Trad AC178 Como Galeno De Vsu Partium 8

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 163

Igualmente a objecccedilatildeo acerca das adversidades da vida humana facilmente se

soluciona afirmando em primeiro lugar que a culpa eacute do homem por ter decaiacutedo do

estado de felicidade em que Deus o tinha criado Aleacutem disso elas datildeo ensejo a que o

homem pratique e aperfeiccediloe a virtude Por outro lado tambeacutem permitem distinguir o

homem dos irracionais como eacute evidente pelo que foi exposto (hellip)

A respeito dos eclipses ningueacutem pode afirmar que existe neles uma falta de

ordem dado que em virtude da sua regularidade na esfera celeste e da sua uniformidade

invariaacutevel (que foram estabelecidas para ornamento do mundo) eacute necessaacuterio que

ocorram com intervalos de tempo definidos

Ao terceiro argumento deve responder-se que nada eacute inuacutetil para Deus ou que as

coisas foram criadas sem uma finalidade embora pareccedila aos ignorantes de modo

diferente como se algueacutem numa oficina de um artiacutefice pensasse que os instrumentos

foram multiplicados sem necessidade por ignorar o seu uso

Os animais muito pequenos natildeo satildeo de maneira nenhuma supeacuterfluos

Particularmente que os animais muito pequenos natildeo devem considerar-se inuacuteteis

evidencia-se porque sendo belos cada um deles no seu geacutenero manifestam algum

encanto no conjunto das coisas como numa repuacuteblica que realiza um fim comum

conforme reconhece entre outros Aristoacuteteles na obra Acerca das Partes dos Animais

livro 1 capiacutetulo 5 Na verdade o divino artiacutefice se foi magnacircnimo nas coisas grandes

natildeo o foi menos nas pequenas e nas aparentemente despreziacuteveis

A natureza apenas se realiza totalmente nas coisas muito pequenas E Pliacutenio

escreveu com razatildeo na Histoacuteria Natural livro 11 capiacutetulo 2 que a ordem na natureza

apenas se realiza totalmente nas coisas muito pequenas Quanto a Santo Agostinho

afirma na obra Cidade de Deus livro 22 capiacutetulo 24 que satildeo mais dignas de admiraccedilatildeo

as coisas diminutas que as de grande volume Na verdade causa-nos maior espanto a

induacutestria de uma formiga e de uma abelha que o corpo gigantesco de uma baleia

Os animais venenosos natildeo satildeo supeacuterfluos no mundo Nem os animais venenosos

satildeo supeacuterfluos ou inuacuteteis quer por causa daquilo que pouco antes afirmaacutemos quer

porque como escreve Santo Agostinho no De Genesi contra Manichaeos livro 1

capiacutetulo 16 eles natildeo devem ser temidos por essa razatildeo porquanto nos advertem que

devemos amar uma vida melhor na qual existe a mais elevada tranquilidade de espiacuterito

Tambeacutem as coisas nocivas se nos servirmos delas de modo conveniente e sabiamente

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 164

costumam proporcionar muito proveito como declaram Satildeo Jeroacutenimo no Contra

Joviano livro 6 capiacutetulo 6 Satildeo Joatildeo Damasceno em A Exposiccedilatildeo da Feacute Ortodoxa

livro 2 capiacutetulo 10 e ainda outros Aleacutem disso como escreve Lactacircncio nas

Instituiccedilotildees Divinas livro 6 capiacutetulo 4 eles natildeo devem ser temidos porque foi uacutetil

proporcionar aos seres humanos coisas profiacutecuas e coisas nocivas para fazerem uso da

sua razatildeo evitando estas e apetecendo aquelas (Idem artigo 3 pp 353-355)179

COMO OS SERES NATURAIS ATINGEM OS SEUS FINS

Trecircs modos de alcanccedilar um fim Para poder entender-se de que forma os seres

naturais atingem os seus fins deve advertir-se que existem trecircs modos de alcanccedilar um

fim O primeiro e principal eacute o dos entes que natildeo soacute entendem o fim como um bem e

uma conveniecircncia mas tambeacutem conhecem a natureza e a conformidade dos meios para

atingi-lo Apenas a respeito destes pode afirmar-se que agem em funccedilatildeo de um fim

porque como eacute evidente soacute eles operam com discernimento e deliberaccedilatildeo ordenando

para esse fim os seus actos Nesta categoria estatildeo apenas incluiacutedas as substacircncias

dotadas de inteligecircncia O segundo180 eacute o dos entes que quando muito tecircm

conhecimento dos fins materialmente isto eacute como um bem e uma conveniecircncia como

quando um cavalo sequioso se movimenta para a aacutegua natildeo tendo poreacutem consciecircncia

do caminho para chegar agrave aacutegua nem da aacutegua para matar a sede nem da natureza e da

ordem das coisas Estatildeo neste caso os irracionais que para atingirem os seus fins agem

por instinto e imaginaccedilatildeo e natildeo conscientemente O terceiro e uacuteltimo eacute o dos entes que

de modo algum conhecem os fins como sucede com aqueles que estatildeo desprovidos de

inteligecircncia e sensibilidade Por isso soacute aos entes da primeira espeacutecie foi atribuiacutedo o

perfeito conhecimento do fim como fim dado que apenas eles podem deliberar com

discernimento a respeito das coisas pois os restantes satildeo estimulados pelo impulso da

natureza para actividades definidas que natildeo necessitam de deliberaccedilatildeo (hellip)

As coisas desprovidas de conhecimento satildeo dirigidas para um fim pelo autor da

natureza Natildeo deve poreacutem causar admiraccedilatildeo que as coisas totalmente desprovidas do

conhecimento dos fins operem em conformidade com eles Na verdade elas satildeo

dirigidas para um fim por uma causa superior e mais excelente ou seja pelo proacuteprio

179 Trad AC180 Sobre este segundo grau ver Satildeo Tomaacutes Suma 1ordfparte questatildeo 19 artigo 1 Ferrariense Contra os Gentios livro 3 caps 16 e 31

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 165

criador da natureza que conhece a finalidade de todas as coisas atribuindo-lhes a

propensatildeo e a capacidade para alcanccedilaacute-la como declaram Alberto Magno neste lugar

[na Fiacutesica] e Satildeo Tomaacutes no Contra os Gentios primeira parte questatildeo 103 artigo 1181

uma flecha embora ignorando o seu movimento dirige-se para um fim em virtude do

impulso e da direcccedilatildeo que lhe imprimiu o arqueiro Aleacutem disso deve considerar-se a

sentenccedila bem conhecida dos filoacutesofos referida por Temiacutestio na obra Sobre a Alma livro

1 comentaacuterio 23 e na Fiacutesica livro 1 texto 81 e por Averroacuteis na Metafiacutesica livro 12

comentaacuterio 18 ldquoAs operaccedilotildees da natureza satildeo operaccedilotildees de uma inteligecircncia isto eacute

quando a natureza opera eacute posta em movimento por uma razatildeo superior ou seja por

Deus como se ela fosse um instrumento da arte divina e dirigida pela inteligecircncia do

criador do mundordquo (Commentarii Collegii Conimbricensis in Octo Libros Physicorum

Aristotelis Stagiritae livro 2 capiacutetulo 9 questatildeo 2 artigo 2 pp 357-358)182

181 E tambeacutem Satildeo Tomaacutes Contra os Gentios livro 3 cap 24182 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 166

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Quatro Livros Sobre O Ceacuteu de

Aristoacuteteles Estagirita

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 167

PROEacuteMIO AOS QUATRO LIVROS SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES183

Sobre a organizaccedilatildeo do saber Sendo natildeo soacute um defensor como tambeacutem um

diligentiacutessimo cumpridor da ordem e do meacutetodo na transmissatildeo dos saberes Aristoacuteteles

depois de ter dissertado nos oito livros da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica sobre todos os tipos de

corpos naturais dos seus princiacutepios causas e disposiccedilotildees em termos gerais procura

agora deixar essa disputa geneacuterica para passar a explicar pormenorizadamente as partes

e os membros de cada ente moacutevel E natildeo se deve aprovar a opiniatildeo de alguns jaacute noutro

lugar por noacutes refutada184 que pensam que os livros da Fiacutesica pertencem agrave Metafiacutesica

pelo contraacuterio a Fisiologia comeccedila pelos livros Sobre o Ceacuteu

Primeira opiniatildeo sobre o assunto desta obra Haacute poreacutem sobre a mateacuteria

tratada nesta obra alguns dissiacutedios Jacircmblico e Siriano consideram que eacute sobre aquilo

que daacute o tiacutetulo a todo o tratado isto eacute o ceacuteu pois natildeo se trata aqui de outros corpos

nem por si mesmos nem abertamente mas somente porque o conhecimento deles

conduz agrave intelecccedilatildeo da natureza dos corpos celestes ou porque o ceacuteu os influencia

Segunda opiniatildeo Alexandre a quem S Tomaacutes daacute o seu assentimento acredita que [o

assunto] eacute o universo pelo facto de nesta obra como consta do desenvolvimento do

primeiro livro serem transmitidas as propriedades do universo nomeadamente o ser

perfeito uno ingeacutenito e indissoluacutevel

Terceira Simpliacutecio e alguns outros pensam que eacute o corpo simples que

compreende o ceacuteu e os habituais quatro elementos considerado poreacutem em funccedilatildeo da

razatildeo de se movimentar no espaccedilo na medida em que as partes a ele sujeitas obtecircm uma

posiccedilatildeo definida e um lugar no mundo

Qual delas satisfaz Esta opiniatildeo eacute satisfatoacuteria natildeo soacute porque na verdade

Aristoacuteteles no primeiro e no segundo livros trata do quinto corpo simples enquanto no

terceiro e no quarto trata dos elementos segundo as referidas disposiccedilotildees como tambeacutem

porque natildeo discute em nenhum outro lugar na sua Fisiologia sobre os corpos simples

vistos deste modo ainda que este estudo dada a grande importacircncia para os filoacutesofos

exija uma obra particular Este eacute entatildeo o escopo destes livros esta a mateacuteria sobre a qual 183 Trad FM184 Refutada no proeacutemio da Fiacutesica defendida por Mirandulano no livro 15 De singulari certamine a partir da secccedilatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 168

se debruccedila Aristoacuteteles de tal maneira que insere outras coisas tambeacutem a ela atinentes no

decorrer deste tratado e desenvolve-as de forma cuidada e diligente Poreacutem natildeo se

devia tratar dos corpos compostos em geral na medida em que estatildeo sujeitos ao

movimento no espaccedilo mas separadamente porque sendo conhecidos os movimentos

dos elementos era faacutecil investigar as deslocaccedilotildees para cada um dos compostos porque

se desenvolvem a partir dos elementos visto que eles natildeo se deslocam senatildeo pela forccedila

do elemento dominante Na verdade nada obsta agrave nossa opiniatildeo sobre o assunto desta

obra o tiacutetulo dela pois os livros costumam ser por vezes designados em funccedilatildeo da

mateacuteria que eacute mais importante Ora entre os corpos simples os celestes ocupam o lugar

principal

De que modo se pode conciliar a segunda e a terceira opiniotildees Todavia

temos de advertir o que tambeacutem notou Simpliacutecio que a opiniatildeo de Alexandre em nada

discorda da nossa se Alexandre entender o universo como aquilo que compreende

apenas todos os corpos simples que satildeo as partes maiores e mais visiacuteveis a partir das

quais eacute imediatamente restabelecido Destes corpos trata Aristoacuteteles em exclusivo

nesta obra como consta do seu desenvolvimento e adverte S Tomaacutes no comentaacuterio ao

texto 5

Sobre a importacircncia deste conhecimento Assim sendo o valor desta parte da

filosofia torna-se evidente em funccedilatildeo da importacircncia do objecto sobretudo desta parte

que discute sobre o ceacuteu porque se o considerarmos um estado nada pode haver de

mais firme se for uma ordem nada mais certo se for um tipo de beleza nada mais

elegante

Sobre o prazer desse mesmo conhecimento E de facto quatildeo grande eacute o prazer

que proporciona agraves nossas almas esta contemplaccedilatildeo tanto o ensina a proacutepria

experiecircncia como o que escreveu Fiacutelon Judeu no livro De mundi opificio ao afirmar

que o homem foi introduzido por Deus no mundo como se entrasse num banquete e

num teatro o primeiro guarnecido pela riquiacutessima abundacircncia de todas as coisas que a

terra os rios o mar e o ar provecircem simultaneamente para seu usufruto e contentamento

o outro repleto de variados espectaacuteculos que o orbe celeste imenso pela sua

magnitude impetuoso pelos seus percursos e luminoso pelo seu esplendor exibe todos

os dias quando avanccedila pela noite limpa com serena graccedila reluzindo pela diversidade

das estrelas como se fossem joacuteias intermitentes ou quando mostra o nascimento a vida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 169

e a morte dos astros que se movem nos sete globos inferiores e cujo percurso se diz

errante (embora vagueiem sem qualquer erracircncia pelo contraacuterio prosseguem de acordo

com uma ordenaccedilatildeo invariaacutevel por itineraacuterios ciacuteclicos) ou quando por si soacute conduz

tantas danccedilas de constelaccedilotildees como se fossem levadas pela matildeo as quais rodopiam ao

longo da oacuterbita do seu jugo e assim de uma e outra parte conduz inuacutemeros rebanhos de

estrelas menores ao firmamento185 como se fosse um agradaacutevel campo

Sobre a utilidade Por fim quanta utilidade e frutos podem resultar desta

disciplina em prol da educaccedilatildeo dos costumes e do desprezo pelas coisas caducas

ensina-o Seacuteneca com estas palavras no exoacuterdio agraves Questotildees Naturais ldquoA mente

quando estaacute entre os proacuteprios astros diverte-se a rir dos pavimentos dos ricos e de toda

a terra com o seu ouro natildeo digo apenas aquele que ela produziu e entregou para cunhar

moedas mas tambeacutem o que conserva em segredo por causa da avareza das geraccedilotildees

futuras E natildeo eacute capaz de desprezar as portas e os tectos resplandecentes de marfim e de

ouro nem os jardins aparados e os rios desviados para junto das casas antes de circular

por todo o ceacuteu e olhando do alto o estreito orbe terreno (em grande parte coberto pelo

mar e tambeacutem na parte que resta largamente esquaacutelido ou seco ou gelado) dizer de si

para si laquoEacute este afinal o ponto que divide todos os povos pelo ferro e pelo fogo Oh

quatildeo ridiacuteculas satildeo as limitaccedilotildees dos mortais Eacute apenas o pequeno espaccedilo em que

navegamos em que lutamos em que instituiacutemos os reinosraquordquo Seacuteneca profere estas

palavras e outras que apontam para a mesma posiccedilatildeo

Sobre a organizaccedilatildeo Toda a obra estaacute entatildeo disposta em quatro livros No

primeiro demonstra-se que se deve considerar um outro corpo o quinto de natureza

mais elevada jaacute referido que juntamente com os quatro elementos constitui este mundo

visiacutevel e sobrepotildee-se a todos os corpos simples pela dignidade e superioridade da sua

natureza explica-se simultaneamente alguns atributos do universo No segundo trata-se

particularmente do ceacuteu em si mesmo No terceiro e no quarto dos elementos Mas estas

mateacuterias estatildeo expostas mais detalhadamente no frontispiacutecio e no iniacutecio de cada livro

185 Aplane do grego aplanes que significa lsquosem errorsquo para designar a parte fixa da esfera celeste (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 170

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES186

No iniacutecio deste livro Aristoacuteteles prova em primeiro lugar que o universo eacute

perfeito e absoluto em todas as suas partes Depois se falarmos em termos gerais deve-

se contabilizar apenas trecircs movimentos simples o que existe a partir do centro o que

existe em direcccedilatildeo ao centro e o que existe agrave volta do centro e o uacuteltimo deles conveacutem a

um corpo que se deve constituir necessariamente na natureza das coisas ou seja ao ceacuteu

Prova tambeacutem que o corpo celeste natildeo eacute um dos quatro elementos nem eacute composto a

partir deles mas de outra natureza que natildeo a sublunar de composiccedilatildeo simples que eacute o

primeiro quanto agrave ordem quase divino no geacutenero e inviolaacutevel de condiccedilatildeo pois natildeo eacute

pesado nem leve nem pode ser gerado nem morrer nem diminuir nem aumentar e

por fim que natildeo lhe conveacutem nenhum movimento para aleacutem do circular Comprova

depois que o mundo eacute delimitado por fronteiras certas e que nenhum corpo infinito

pode estar sujeito ao movimento nem existir na natureza e ainda que os mundos natildeo

podem ser em nuacutemero infinito nem mais do que um e que fora do acircmbito do ceacuteu natildeo

pode existir nem um corpo nem o vaacutecuo Por fim esforccedila-se por persuadir que a

universalidade do mundo eacute livre de corrupccedilatildeo e que natildeo teve origem nem poderaacute ser

destruiacuteda em nenhum momento dos seacuteculos que hatildeo-de vir

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES187

A discussatildeo deste livro estaacute dividida em trecircs partes Primeiro trata-se do ceacuteu no

seu todo o qual entre as restantes partes do universo consideradas por Aristoacuteteles nesta

obra obteacutem a hegemonia Depois sobre os astros Em terceiro lugar da terra natildeo tanto

da razatildeo da terra como do ceacuteu pois foi difundida por todo o lado No que diz respeito agrave

primeira parte repete-se nela o que Aristoacuteteles tinha exposto no livro anterior e que eacute

comum ao ceacuteu em si mesmo e ao grande corpo ou seja ao universo como o facto de o

ceacuteu natildeo nascer natildeo morrer e ser eterno Depois ensina as seis especificidades de lugar

que se lhe adequam em cima em baixo diante atraacutes agrave direita e agrave esquerda E tambeacutem

que os movimentos dos corpos celestes satildeo muitos embora equivalentes e semelhantes

entre si Posto isto resolve a outra parte do tratado em trecircs questotildees a saber qual a

natureza das estrelas qual o seu movimento qual a sua configuraccedilatildeo Por fim emprega

186 Trad FM187 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 171

a terceira parte a explicar por que razatildeo a terra se situa no centro do universo por que

estaacute parada e por que tem uma configuraccedilatildeo redonda Parece-nos necessaacuterio advertir

neste ponto que ningueacutem se deve deixar perturbar pelo facto de nem no uacuteltimo livro

nem nos que se seguem se encontrarem as mesmas coisas que estatildeo em alguns outros

coacutedices os iniacutecios dos capiacutetulos e as divisotildees dos textos visto que nestes detalhes os

exemplares diferem imenso

PROEacuteMIO AO TERCEIRO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES188

Visto que a mateacuteria tratada nesta obra como no iniacutecio anunciaacutemos eacute o corpo

simples considerado como algo que pode mover-se no espaccedilo e que requer uma sede

certa e definida no mundo depois de Aristoacuteteles ter dissertado no primeiro livro sobre

alguns dos atributos do universo cuja concepccedilatildeo foi desenvolvida a partir dos corpos

simples no segundo tratou detalhadamente da configuraccedilatildeo e dos movimentos do ceacuteu e

dos astros bem como de outras disposiccedilotildees deste tipo

Passa-se agora agrave discussatildeo sobre os outros corpos simples isto eacute sobre os

quatro elementos na medida em que satildeo pesados ou leves e tecircm movimento em

direcccedilatildeo aos locais que lhes satildeo convenientes segundo a ordem do universo Conteacutem

entatildeo sete partes a exposiccedilatildeo deste livro Na primeira para que se compreenda com

mais clareza e exactidatildeo o que se deve dizer sobre os elementos recenseia Aristoacuteteles

os pareceres dos antigos sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo das coisas De facto uns fizeram

depender do centro toda a geraccedilatildeo de substacircncia como Xenofonte de Coacutelofon

Parmeacutenides e Melisso Outros consideraram que todas as coisas satildeo geradas Entre eles

Heraclito de Eacutefeso estabeleceu que todas as coisas fluem e evoluem nada eacute estaacutevel

excepto o princiacutepio uno a partir do qual todas as coisas satildeo criadas o que natildeo

desagradava aos Pitagoacutericos que concebiam todo o corpo a partir das superfiacutecies e dos

planos e enunciavam que toda a mole corpoacuterea se devia reduzir ao mesmo Na segunda

parte contesta Platatildeo e Timeu defensores deste dogma e conclui que natildeo existe

geraccedilatildeo de todos os corpos nem de nenhum Na terceira evidencia que alguns dos

movimentos naturais se devem aos quatro elementos sobretudo aos dois extremos ou

seja agrave terra e ao fogo refuta ainda Demoacutecrito e Leucipo que natildeo atribuiacuteam qualquer

movimento certo a estes corpos bem como Timeu que acreditou que antes da criaccedilatildeo

188 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 172

do mundo os elementos agitavam-se num movimento ocasional e desordenado Na

quarta demonstra que as faculdades motoras competem aos elementos refiro-me ao

peso e agrave leveza e natildeo existe nenhum no grupo dos quatro elementos que natildeo requeira

estas disposiccedilotildees mas os restantes compostos a partir destes satildeo conduzidos pelo

elemento dominante Na quinta para que se torne patente que alguns corpos satildeo

passiacuteveis de geraccedilatildeo (pois natildeo haacute geraccedilatildeo de todos nem de nenhum) ensina em

primeiro lugar o que eacute um elemento e depois estabelece que os elementos estatildeo

contidos nos compostos circunscritos a uma certa quantidade e necessariamente apenas

um Na sexta adverte que os elementos natildeo estatildeo imunes agrave destruiccedilatildeo pelo contraacuterio

satildeo pereciacuteveis nem se constituem a partir do outro elemento o quinto mas na verdade

circulam alternadamente entre si Na uacuteltima parte aprecia trecircs opiniotildees sobre o modo de

gerar dos elementos uma de Empeacutedocles outra de Demoacutecrito e a terceira dos

Pitagoacutericos depois ainda uma outra a partir das quais refuta algumas no momento

presente

PROEacuteMIO AO QUARTO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES189

Escopo do livro Aristoacuteteles neste livro prossegue a disputa sobre os

conhecidos quatro elementos do mundo anteriormente instituiacuteda e de todo necessaacuteria

para o completo esclarecimento desta disciplina E do mesmo modo que no iniacutecio do

primeiro livro ensinou a partir da propriedade do movimento circular o que eacute o ceacuteu e

demonstrou a sua natureza e disposiccedilotildees assim deduz agora para o conhecimento dos

elementos a partir das especificidades do movimento recto De facto visto que a

natureza como se torna evidente do segundo livro da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica natildeo eacute senatildeo o

princiacutepio do movimento e do repouso em que assenta nenhum meacutetodo pode ser mais

conveniente ao filoacutesofo natural na contemplaccedilatildeo das realidades fiacutesicas do que aquele

que investiga a forccedila de cada corpo natural a partir do movimento que pela lei da

natureza lhe foi atribuiacutedo Ora dado que o movimento natural pelo qual se vai para

cima e para baixo natildeo conveacutem aos elementos a natildeo ser na medida em que satildeo leves ou

pesados sem a intervenccedilatildeo da leveza e do peso por isso mesmo trata Aristoacuteteles neste

livro sobre o leve e o pesado de forma aberta e cuidada

189 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 173

Organizaccedilatildeo do livro Ora em primeiro lugar declara simplesmente o que eacute

ser pesado e ser leve e quais satildeo as coisas que se chamam por comparaccedilatildeo a outras ora

pesadas ora leves Depois submete a um exame as opiniotildees dos antigos sobre o peso e

a leveza Posteriormente inquire as causas pelas quais uns tendem sempre para cima e

outros para baixo Em quarto lugar estabelece a diferenccedila entre os dois elementos

extremos ndash a terra e o fogo ndash e os dois intermeacutedios ndash a aacutegua e o ar Por fim resolve

algumas outras questotildees respeitantes ao movimento desses elementos

TRATADO DE ALGUNS PROBLEMAS SOBRE ASPECTOS RELATIVOS AOS QUATRO ELEMENTOS DO

MUNDO DISTRIBUIacuteDOS PELO MESMO NUacuteMERO DE SECCcedilOtildeES

PROEacuteMIO 190

O valor desta obra ndash jaacute o apreciaacutemos noutro local no fim destes livros em que

Aristoacuteteles tratou dos quatro elementos ndash seraacute o de apresentar uma breve e resumida

explicaccedilatildeo de alguns problemas sobre assuntos relativos aos quatro elementos O que

tambeacutem fizeram parcialmente nesta e parcialmente noutras mateacuterias diferentes

Aristoacuteteles Plutarco Alexandre de Afrodiacutesia e alguns outros autores natildeo sem o

proveito e a utilidade de uma profiacutecua erudiccedilatildeo A nossa consideraccedilatildeo no tratamento

destes problemas dos elementos seraacute todavia um pouco mais livre do que aquela sob a

qual satildeo estudados na doutrina dos livros Sobre o ceacuteu onde Aristoacuteteles dissertou sobre

eles apenas na medida em que se movem no espaccedilo e obtecircm um lugar certo no mundo

como noutro local advertimos Na verdade natildeo reunimos neste tratado todos os

problemas do argumento proposto mas reservaacutemos propositadamente muitos para os

livros dos Meteoros e Sobre a geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo que tambeacutem tocam a disciplina dos

elementos

190 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 174

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus Sobre A Geraccedilatildeo e a

Corrupccedilatildeo de Aristoacuteteles Estagirita

Coimbra 1597

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 175

SOBRE A GERACcedilAtildeO E A CORRUPCcedilAtildeO

SOBRE A ORDENACcedilAtildeO DO SABER O ASSUNTO O TIacuteTULO E A DIVISAtildeO DESTA OBRA191

Depois dos ensinamentos dos livros Sobre o Ceacuteu nestes que vecircm

imediatamente depois Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo Aristoacuteteles ocupa-se do

tratamento aprofundado de algumas das principais afeiccedilotildees dos corpos que nascem e

morrem e de tal modo que disserta sobre elas apenas em termos gerais na maior parte

da obra porque depois haacute-de explicar pormenorizadamente essas mesmas afeiccedilotildees no

restante desenvolvimento da sua Fisiologia

A hierarquia dos saberes De facto a hierarquia dos saberes assim o postula

bem como o proacuteprio Aristoacuteteles no proeacutemio da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica e no livro 1 Sobre

as Partes dos animais capiacutetulo 1 Hipoacutecrates no livro Sobre a natureza humana e

Soacutecrates no Fedro de Platatildeo advertem que devemos avanccedilar do confuso para o

evidente do geral para o menos geral

Vaacuterias opiniotildees sobre o assunto Existe poreacutem um dissiacutedio entre os autores

sobre a mateacuteria abordada nesta obra Alberto Magno no comentaacuterio a este livro no

primeiro tratado capiacutetulo 1 afirma que eacute o corpo simples ou seja o elemento enquanto

moacutevel ou mutaacutevel em relaccedilatildeo agrave forma substancial ou acidental natildeo a externa tal como

eacute o lugar mas a interna isto eacute no interior da proacutepria coisa aquela a que se chama

lsquorecebidarsquo Concordam com esta opiniatildeo Alexandre no livro 1 dos Meteoroloacutegicos e

Averroacuteis no livro 1 Sobre o Ceacuteu comentaacuterio 3 e tambeacutem Aristoacuteteles parece ser-lhe

favoraacutevel no livro 1 Sobre a sensaccedilatildeo e o sensiacutevel capiacutetulo 4 onde chama a esta obra

Tratado sobre os elementos e no livro 2 Sobre a Alma capiacutetulo 11 texto 117 onde

anuncia ter aqui estudado os elementos mais precisamente no segundo livro no qual

disserta sobre a transmutaccedilatildeo reciacuteproca e a origem dos elementos

Platatildeo censurado por Aristoacuteteles No entanto este parecer natildeo nos agrada

porque nestes livros como notou Filoacutepono Aristoacuteteles disputa cuidadosamente natildeo soacute

sobre os elementos mas tambeacutem sobre as afeiccedilotildees dos compostos que geralmente

seguem os corpos sujeitos agrave geraccedilatildeo Eacute o que promete fazer no primeiro e no segundo

capiacutetulo do primeiro livro e nesse mesmo capiacutetulo segundo censura Platatildeo por ter

apenas abrangido a geraccedilatildeo dos simples e natildeo de todos os corpos tambeacutem dos

191 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 176

compostos Por essa razatildeo Aristoacuteteles natildeo pocircde prescindir destes ensinamentos com

aquela amplitude que requeria a Platatildeo Mas o que foi aduzido a favor da parte contraacuteria

natildeo eacute conclusivo Decerto Aristoacuteteles no local citado chama a esta obra Tratado sobre

os elementos por ter sobre eles dissertado neste livro segundo mas de facto essa

discussatildeo natildeo eacute suficiente para que por causa dela se deva considerar o elemento como

o assunto de toda a obra uma vez que nela tambeacutem se trata aprofundadamente das

propriedades comuns dos compostos e das afeiccedilotildees de acordo com o estabelecido

como haacute pouco advertimos

Verdadeira posiccedilatildeo sobre o assunto Deve portanto determinar-se juntamente

com S Tomaacutes Egiacutedio Marsiacutelio Veneto e outros relativamente a esta questatildeo que o

primeiro ou principal assunto desta obra ou eacute o corpo passiacutevel de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo

ou entatildeo o que vai dar no mesmo o corpo mutaacutevel na medida em que pode mudar de

acordo com a sua forma substancial Isto eacute portanto o que requer a parte mais

significativa deste trabalho e a maior atenccedilatildeo como eacute evidente para os leitores

O movimento local dos corpos simples pertence aos livros Sobre o Ceacuteu E

porque aqui se trata explicitamente da alteraccedilatildeo do aumento da diminuiccedilatildeo do

crescimento e da mistura em simultacircneo deve dizer-se que se natildeo falarmos apenas do

assunto principal mas do que a ele se adequa ou quase se adequa o assunto eacute o corpo

moacutevel natildeo apenas porque pode comportar uma geraccedilatildeo substancial mas tambeacutem outros

geacuteneros comuns de mudanccedilas com excepccedilatildeo do movimento local que como conveacutem

aos corpos simples foi explicado nos livros Sobre o Ceacuteu E o modo como se daacute nos

animais eacute detalhadamente tratado nos livros Sobre a locomoccedilatildeo dos animais e Sobre o

movimento dos animais Mas o tipo de deslocaccedilatildeo que se adapta aos compostos

desprovidos de alma exige uma consideraccedilatildeo particular e de algum modo distinta da que

eacute proacutepria dos livros Sobre o ceacuteu porque tais compostos natildeo se movimentam senatildeo pela

capacidade ou pela forccedila do elemento dominante segundo a natureza Alguns a partir

dos autores acima referidos chamam ao mencionado sujeito lsquocorpo moacutevel inerente agrave

formarsquo para excluir a deslocaccedilatildeo das espeacutecies que compreendem as restantes mutaccedilotildees

pois dizem que ela tende apenas para a forma externa ou seja para o lugar e natildeo reside

no corpo moacutevel mas no corpo envolvente Noacutes poreacutem abstivemo-nos dessa designaccedilatildeo

porque no livro 3 da Fiacutesica192 aprovaacutemos o parecer dos que consideram que a

192 Capiacutetulo 3 questatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 177

deslocaccedilatildeo natildeo se daacute no corpo envolvente mas naquele que eacute transferido pelo proacuteprio

movimento e natildeo requer como fim uma forma externa por si mesma mas interna ou

seja que se encontra no proacuteprio corpo moacutevel

Tiacutetulo da obra Intitula-se entatildeo esta obra Sobre a Geraccedilatildeo e a Corrupccedilatildeo

uma designaccedilatildeo tomada como por vezes acontece a partir do mais importante Visto

que a geraccedilatildeo como havemos de expor no devido local se estabelece como a

disposiccedilatildeo mais importante dos corpos pereciacuteveis

Divisatildeo Todo este tratado que se resume a dois livros conteacutem no entanto

uma explanaccedilatildeo tripartida Nos quatro capiacutetulos iniciais do primeiro livro trata-se da

geraccedilatildeo e da morte bem como da alteraccedilatildeo na restante parte desse mesmo livro fala-se

do aumento do contacto da acccedilatildeo da paixatildeo e da mistura Todo o segundo livro por

sua vez se ocupa da reflexatildeo sobre os quatro elementos natildeo apenas na medida em que

se originam e se destroem a si proacuteprios mas tambeacutem porque estimulam os ciclos de

nascimento e de morte a outros corpos constituiacutedos pela mistura com eles

Opiniatildeo de Alexandre e de outros sobre o quarto livro dos Meteoroloacutegicos

Alguns autores entre os quais Alexandre de Afrodiacutesia consideram que o quarto livro

dos Meteoroloacutegicos devia ser anexado a estes dois e esta questatildeo foi de facto

veementemente debatida por alguns filoacutesofos modernos com argumentos aduzidos em

favor de uma e outra parte Em nosso entender se a opiniatildeo de Alexandre parece

perfeitamente provaacutevel a contraacuteria poreacutem apoiada por Olimpiodoro Filoacutepono S

Tomaacutes Alberto Magno e muitos outros agrada-nos mais e tem a seu favor a conhecida

disposiccedilatildeo e organizaccedilatildeo destes livros que segundo consta eacute muito antiga a tal ponto

que teraacute vigorado antes dos tempos de Alexandre como aliaacutes testemunha o proacuteprio E

assim consideramos que o tal livro quarto nem deve ser adicionado a esta obra nem

separado da Meteorologia De facto o que os adversaacuterios objectam dizendo que o seu

ensinamento e escopo (porque como eacute evidente nele se transmite a forccedila e a eficiecircncia

das quatro qualidades primaacuterias) parece ser estranho agrave Meteorologia natildeo eacute tanto assim

Na verdade como nos trecircs primeiros livros dos Meteoroloacutegicos Aristoacuteteles tinha

dissertado sobre as disposiccedilotildees dos elementos e tambeacutem tinha ensinado de que modo os

compostos imperfeitos satildeo geradas na sublime regiatildeo do ar tal como os metais as

pedras e todas as outras coisas no seio da terra achou uacutetil para ilustrar melhor a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 178

mateacuteria mostrar no quarto livro dessa mesma obra o que eacute visto como comum na

origem de tais realidades

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO

SOBRE A GERACcedilAtildeO E A CORRUPCcedilAtildeO DE ARISTOacuteTELES193

Os ensinamentos deste livro estatildeo organizados deste modo nos dois primeiros

capiacutetulos previamente conhecido o objectivo de toda a obra Aristoacuteteles recorda as

opiniotildees dos antigos sobre o nascimento e a morte das coisas e tambeacutem a distinccedilatildeo

entre geraccedilatildeo e alteraccedilatildeo

Quanto eacute uacutetil que as opiniotildees dos antigos sejam trazidas agrave consideraccedilatildeo Eacute que

muitos autores conseguiram distinguir-se no tratamento destas mateacuterias controversas

natildeo sem grande proveito e utilidade para a disputa suscitada Primeiro porque muitas

vezes recorremos ao testemunho deles cuja autoridade eacute aceite em virtude da sua

antiguidade para dizer o que merece confianccedila Natildeo eacute sem razatildeo que se diz que a

sabedoria estaacute nos antigos194 Aleacutem do mais isso foi de tal forma instigado e infundido

nas almas dos homens que na maior parte das vezes os que condenam os mais antigos

e se esforccedilam por espetar os olhos das gralhas ndash com diz o proveacuterbio ndash descobrindo

novas opiniotildees ao quererem ser admirados em funccedilatildeo dessa novidade acabam por ser

rebaixados Segundo porque como ensina Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a Alma capiacutetulo

5 texto 85 o homem recto eacute juiz do seu e do contraacuterio Para avaliar correctamente

conveacutem natildeo soacute examinar a verdade mas tambeacutem distinguir o que os outros dizem de

falso E assim a verdade bilha ainda mais e na presenccedila dela a falsidade desvanece-se

como uma neacutevoa diante do raio do sol Em terceiro lugar porque natildeo eacute justo condenar

os outros por uma razatildeo inexplicaacutevel e como afirma Aristoacuteteles no livro 1 Sobre o

Ceacuteu capiacutetulo 10 texto 101 o que se deve dizer torna-se mais crediacutevel depois de terem

sido previamente ouvidas as razotildees daquelas opiniotildees que satildeo chamadas agrave controveacutersia

sobretudo por ser conveniente que os que julgam a verdade natildeo sejam adversaacuterios mas

sim aacuterbitros Por estas razotildees portanto Aristoacuteteles nos capiacutetulos que dissemos

apresenta e pondera as opiniotildees e os argumentos dos outros Depois no terceiro e no

quarto capiacutetulos trata da geraccedilatildeo e da corrupccedilatildeo das coisas de acordo com o seu

193 Trad FM194 Livro de Job capiacutetulo 12

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 179

proacuteprio parecer e declara por que motivo a geraccedilatildeo eacute diferente da alteraccedilatildeo e

seguidamente por que razatildeo a alteraccedilatildeo se distingue dos outros movimentos Entatildeo no

capiacutetulo quinto disserta sobre o aumento e a diminuiccedilatildeo os quais demonstra serem

diferentes dos outros movimentos E porque nem a geraccedilatildeo nem a alteraccedilatildeo nem o

aumento nem a diminuiccedilatildeo podem existir sem o contacto a acccedilatildeo e a paixatildeo disputa

sobre eles ateacute ao capiacutetulo nono inclusive Por fim no capiacutetulo deacutecimo aborda

detalhadamente o que eacute passiacutevel de mistura o que eacute a mistura a que coisas se adequa e

de que modo se pode estabelecer

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO

SOBRE A GERACcedilAtildeO E A CORRUPCcedilAtildeO DE ARISTOacuteTELES195

Escopo deste livro O objectivo de Aristoacuteteles neste livro eacute dissertar sobre os

conhecidos quatro elementos do mundo Embora tenha abordado este assunto no

terceiro e no quarto livros Sobre o Ceacuteu todavia a perspectiva nesta obra eacute outra Isto

porque os elementos podem ser vistos como tendo uma sede certa e definida no mundo

para a qual satildeo direccionados por uma propensatildeo inata ou por um movimento proacuteprio

ou entatildeo como sendo os primeiros corpos passiacuteveis de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo que

proporcionam a todos os outros corpos sublunares a causa do nascimento e da morte

Apreciaccedilatildeo dos elementos neste livro Logo o primeiro tipo de apreciaccedilatildeo foi

empreendido naqueles dois livros Sobre o Ceacuteu o outro foi relegado para este livro e

exprime-se sobretudo em trecircs questotildees A primeira delas eacute qual a natureza dos

elementos a segunda se satildeo perpeacutetuos ou sujeitos ao nascimento e agrave morte pelo menos

em parte a terceira uma vez que satildeo sujeitos a geraccedilatildeo se todos se formam por si

mesmos sem distinccedilatildeo numa alternacircncia ciacuteclica ou se um deles se forma e a partir

dele na qualidade de primeiro satildeo gerados os restantes

195 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 180

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Livros dos Meteoroloacutegicos de

Aristoacuteteles Estagirita

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 181

PROEacuteMIO196

A ordem da doutrina Depois de Aristoacuteteles ter exposto a doutrina comum aos

elementos e agraves outras substacircncias passiacuteveis de dissoluccedilatildeo nos livros Sobre a Geraccedilatildeo e

de ter tratado da transformaccedilatildeo do nascimento da corrupccedilatildeo e da composiccedilatildeo dedica-

se nesta obra agrave investigaccedilatildeo pormenorizada da natureza dos compostos Isto porque

dentro do conjunto de coisas que satildeo originadas pela composiccedilatildeo algumas soacute satildeo

compostas segundo as qualidades como o orvalho o gelo e a geada ou seja aquelas

que por reterem a forma proacutepria de um elemento obtecircm as quatro qualidades primaacuterias

o calor o frio a humidade e a secura Outras satildeo compostas segundo a substacircncia que

para aleacutem da mistura das quatro qualidades requer uma forma proacutepria distinta dos

elementos pela espeacutecie e de novo dentro deste uacuteltimo tipo uns satildeo compostos

animados como algumas raccedilas de animais outros satildeo desprovidos de alma como as

pedras e os metais197

Assunto Assim sendo Aristoacuteteles divide a explicaccedilatildeo destas mateacuterias de

modo a que nestes quatro livros Sobre os meteoroloacutegicos transmita a disciplina dos

que natildeo tecircm alma tanto dos imperfeitos como dos perfeitos E por outro lado nas

restantes obras de Fisiologia que jaacute se conhecem disserte sobre os compostos perfeitos

e animados numa longa e pormenorizada seacuterie de estudos Por isso o proacuteprio autor no

exoacuterdio deste primeiro livro a todos anuncia o que jaacute tinha discutido sobre a Fiacutesica e o

que ainda faltava tratar abrangendo tudo isso num breve epiacutelogo Daiacute se torna desde

logo evidente de acordo com a ordem estabelecida quais satildeo as partes da Filosofia

natural que vecircm antes e depois desta obra

Tiacutetulo Ora no que diz respeito ao tiacutetulo designam-se estes livros de τῶν

μετεώρων ou de μετεωρολογικῶν pelo facto de versarem sobre as coisas que tecircm

origem na regiatildeo atmosfeacuterica do mundo sublunar Μετέωρoν designa de facto toda a

atmosfera e μετεωρολογία a razatildeo e a ciecircncia dos fenoacutemenos atmosfeacutericos Mas

como Aristoacuteteles trata abertamente neste local tambeacutem as coisas que nasceram nos

lugares subterracircneos e nas profundezas da terra com todo o direito poderia algueacutem 196 Trad FM197 Disserta-se sobre as mesmas mateacuterias no livro Do mundo para Alexandre e do mesmo tratou esparsamente Pliacutenio nos livros da Histoacuteria Natural bem como Alberto Magno nos seus Meteoroloacutegicos Georgius Agricola em muitos livros Seacuteneca no livro das Questotildees Naturais e muitos outros

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 182

perguntar por que razatildeo todo o tratado recebe o nome apenas em funccedilatildeo do que se passa

na atmosfera

Justificaccedilatildeo do tiacutetulo Diversas satildeo as justificaccedilotildees para este facto asseveradas

pelos autores Primeiro porque Aristoacuteteles disserta em primeiro lugar dos fenoacutemenos

atmosfeacutericos Segundo porque eles ocupam uma parte maior do estudo do que as

realidades subterracircneas Embora a natureza das pedras e dos metais seja complexa e a

sua consideraccedilatildeo no acircmbito da filosofia seja largamente evidente Aristoacuteteles poreacutem

natildeo explorou nesta obra o conhecimento absoluto e apurado dessas mateacuterias Em

terceiro lugar porque a maioria ou a totalidade das realidades aqui tratadas possuem

em vez de mateacuteria vapor ou uma exalaccedilatildeo que se manteacutem na atmosfera por si proacutepria

Por uacuteltimo pelo facto de as coisas que aparecem na atmosfera provocarem mais

admiraccedilatildeo em quem as observa

Divisatildeo Divide-se entatildeo os Meteoroloacutegicos aristoteacutelicos em quatro livros No

primeiro dos quais trata-se sobretudo dos fenoacutemenos iacutegneos no segundo e no terceiro

dos aquaacuteticos e aeacutereos no quarto dos terrestres mas grande parte dele eacute dedicada agrave

discussatildeo sobre as quatro qualidades primaacuterias

Algumas opiniotildees sobre o quarto livro dos Meteoroloacutegicos Daiacute que Alexandre

e Amoacutenio tenham considerado que se devia juntar aos livros Sobre a geraccedilatildeo e a

corrupccedilatildeo aos quais diz respeito a contemplaccedilatildeo das disposiccedilotildees elementares Ainda

que esta opiniatildeo que lembraacutemos noutro lugar seja provaacutevel eacute todavia mais verosiacutemil a

que seguem Olimpiodoro e Filoacutepono que incluem este livro nos Meteoroloacutegicos em

quarto lugar Isto pelo facto de Aristoacuteteles ter tratado exaustivamente nesse livro as

qualidades primaacuterias dos elementos mas fecirc-lo pelo seguinte para que o conhecimento

dos metais e das outras realidades deste tipo sobre o qual tinha dissertado tanto nesse

como nos trecircs primeiros livros se tornasse mais claro e mais exacto associado agrave

explicaccedilatildeo das referidas qualidades por obra e intervenccedilatildeo das quais se formam os

fenoacutemenos meteoroloacutegicos

Razatildeo da brevidade que acompanha estes comentaacuterios Decidimos entatildeo ndash

pelo motivo de reconhecermos a brevidade como absolutamente necessaacuteria para os

alunos de Filosofia que devem completar o curriacuteculo das artes no tempo predefinido ndash

decidimos dizia eu nesta obra o que tambeacutem fizemos nos livros dos Pequenos

naturais omitir a explanaccedilatildeo do contexto aristoteacutelico e por vezes tambeacutem como eacute

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 183

nosso costume discutir as questotildees numa e noutra perspectiva A partir do que eacute

esparsamente transmitido por Aristoacuteteles vamos escolher o que for mais digno e mais

importante num soacute ponto e juntar ao mesmo princiacutepio as outras observaccedilotildees pertinentes

para apresentar tudo aos leitores de acordo com a nossa perspectiva resumidamente

dividido em capiacutetulos de modo a que a explicaccedilatildeo destas mateacuterias que satildeo por

natureza muito agradaacuteveis possa ser tambeacutem mais agradaacutevel e mais proveitosa Vamos

deixar de lado algumas questotildees sobre o movimento dos astros e a dependecircncia do

mundo sublunar em relaccedilatildeo ao ceacuteu que costumam ser tratadas por alguns neste livro

mas que noacutes explicaacutemos de forma suficientemente copiosa nos livros Sobre o Ceacuteu

OUTROS TEXTOS DOS METEOROLOacuteGICOS

TRATADO III198

ACERCA DOS COMETAS

CAPIacuteTULO I

ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES DOS FILOacuteSOFOS QUANTO Agrave MATEacuteRIA E Agrave NATUREZA DOS COMETAS

Tecircm os cometas um lugar fundamental entre os corpos iacutegneos pois atraem sobre

si os olhares de todos e natildeo haacute quem natildeo deseje saber o que satildeo Tal como afirma

Seacuteneca nas Questotildees Naturais livro sete capiacutetulo um esquecido dos outros interroga-

se quanto ao fenoacutemeno sem saber se deve ser admirado ou temido Deste modo sobre

eles foram muitas as questotildees discutidas pelos filoacutesofos e tambeacutem muitos tratados e

escritos foram produzidos por outros autores Por essa razatildeo tambeacutem noacutes acerca deles

vamos discutir com profundidade

Em primeiro lugar a sua mateacuteria e natureza Foram apresentadas vaacuterias posiccedilotildees

quanto a esta questatildeo que Aristoacuteteles transmite no livro primeiro no capiacutetulo sexto e

Plutarco no De Placitis livro 3 cap 2 Alguns satildeo de opiniatildeo de que os cometas satildeo

constituiacutedos de mateacuteria celeste199 e que pertencem ao nuacutemero das estrelas errantes tal

como Apoloacutenio de Mindo afirmava ter sido visto pelos Caldeus junto de quem tinha

estudado

Eacute certo que Demoacutecrito e Anaxaacutegoras que conduziram esta questatildeo para outro

domiacutenio julgaram que o cometa natildeo eacute mais do que a conjunccedilatildeo dos vaacuterios planetas em 198 Trad PBD199 Que os cometas satildeo de mateacuteria celeste afirma Tadeu Hagecius na obra Dialexis de novae et prius incognitae stellae apparitione

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 184

nuacutemero de sete os mesmos que satildeo considerados pela astrologia Isto eacute vaacuterios planetas

aproximam-se uns dos outros de tal modo que formam a aparecircncia de um corpo mais

longo fundido numa soacute luz indistinta E assim acontece porque devido agrave alteraccedilatildeo da

sua posiccedilatildeo e da distacircncia de uns aos outros eles se manifestam umas vezes maiores

outras menores e se prestam agrave observaccedilatildeo ora com um aspecto ora com outro

Os Pitagoacutericos e Hipoacutecrates - natildeo o de Coacutes o Pai da medicina mas o outro o

natural de Quios - este e o seu disciacutepulo Eacutesquilo julgaram que todos os cometas eram

uma soacute e a mesma estrela errante distinta dos sete conhecidos porque os vemos brilhar

nada mais do que em longos intervalos dos tempos e como acompanha sempre o sol

dada a proximidade se oculta sob o seu brilho e natildeo se deixa contemplar mesmo

quando dele se afasta

Estes filoacutesofos tambeacutem discordaram entre si jaacute que os Pitagoacutericos disseram que a

cauda ou a cabeleira do cometa fazia parte do seu corpo ou dele emanava Hipoacutecrates e

Eacutesquilo todavia achavam que era um outro corpo celeste que a ele se agregava a partir

das emanaccedilotildees gasosas desencadeadas na parte superior Porque as emissotildees gasosas

recebem o brilho do sol como se fossem um espelho do mesmo modo o reflectem e eacute

esse o motivo que os faz emitirem luz E como satildeo influenciados pelas estrelas por cuja

forccedila satildeo atraiacutedos tambeacutem as vemos a inclinarem-se para um lado e assim noacutes

observamos estrelas com cabeleira

Apoloacutenio de Mindo estabeleceu que o cometa eacute uma estrela errante que se

distingue de outras sete natildeo sempre a mesma mas muitas que separadamente e em

tempos distintos saem agrave vista dos mortais enquanto fenoacutemenos constantes e que tecircm

um movimento distinto do trajecto dos outros planetas e atravessam num trajecto

bastante longo as regiotildees mais afastadas do mundo celeste movendo-se ora para cima

ora para baixo Eacute justamente quando vem no fim do seu trajecto que o cometa aparece

No livro citado Seacuteneca daacute razatildeo a Apoloacutenio naquele ponto em que afirma ser o

cometa uma estrela errante Distingue-se todavia ao afirmar que dado que ele se

desloca em trajectos diferentes o seu movimento eacute em todos os domiacutenios impossiacutevel de

prever De facto estaacute convencido de que existem vaacuterios tipos de estrelas vagantes entre

as quais o cometa eacute uma categoria para aleacutem das referenciadas pelos astroacutelogos

Argumento De facto o fixo e imoacutevel povo a quem satildeo reveladas no mais vasto e

no mais belo corpo celeste isto eacute o ceacuteu por entre estrelas incontaacuteveis que iluminam a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 185

noite segundo uma disposiccedilatildeo diversa algumas que permanecem pouco tempo na

quietude do ar e outras que de facto aiacute se fixam porque natildeo conveacutem que exerccedilam sobre

si proacuteprias o menor estiacutemulo de movimento

Resoluccedilatildeo da duacutevida E seraacute essa a razatildeo que levou a estabelecer que muitas

constituiacuteam planetas em nuacutemero de sete Quando se pergunta por que razatildeo natildeo se

considera tambeacutem correcta a classificaccedilatildeo dos cometas entre o grupo destas estrelas

errantes Respondemos que muitas que se manifestam o satildeo agora ignoramos quais eacute

que exactamente o satildeo

A concoacuterdia do mundo a partir dos contraacuterios Do mesmo modo se algueacutem

argumentar que as estrelas se apresentam em forma de esfera ao passo que o cometa

exibe uma cabeleira e uma barba surge no capiacutetulo vinte e sete do mesmo livro que tal

natildeo deve ser visto como alvo de admiraccedilatildeo porque como a concoacuterdia do mundo se

estabelece a partir de vaacuterios contraacuterios e como a natureza natildeo apresenta a sua obra

numa forma uacutenica antes se exibe a si proacutepria como diversa separou os cometas do

restante grupo e atribuiu-lhes uma face diferente

Por estas razotildees de facto se prova que devem os cometas ser colocados entre as

criaccedilotildees eternas da natureza e que natildeo resultam de modo algum da congregaccedilatildeo de

outras criaccedilotildees aeacutereas porque tudo o que o ar cria eacute breve quando eacute gerado a partir de

uma mateacuteria fugaz e mutaacutevel Assim nem pode de modo duraacutevel alguma coisa nele

permanecer pois eacute de tal modo versaacutetil que nunca permanece o mesmo durante muito

tempo e num momento breve parte para outro estado O que tambeacutem transparece no

exemplo das nuvens que satildeo entidades muito proacuteximas do ar a tal ponto que nelas ele

se adensa e a partir delas se rarefaz agrave medida que estas ora se agregam ora se fundem

sem nunca estarem quietas

Esta eacute a razatildeo por que natildeo eacute possiacutevel que um fogo constante se fixe num corpo

vago e nele se sustente de modo firme Verifica-se que se os cometas se alimentam a

partir das exalaccedilotildees e da reuniatildeo do ar apresentariam um movimento descendente

sempre que o ar se apresentasse mais pesado e quanto maior fosse a proximidade da

terra Todavia nunca nenhum cometa foi visto no horizonte ateacute desaparecer ou a

aproximar-se do solo Para aleacutem disso se o cometa fosse um fogo compoacutesito tornar-se-

ia em dias alternados maior e menor o que a experiecircncia nega Depois natildeo eacute possiacutevel

que fogos aeacutereos se desloquem no orbe celeste tal como os que vemos sob o ceacuteu

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 186

Portanto estabelece-se que os cometas satildeo corpos [pesados] e da mesma natureza que a

dos corpos celestes

CAPIacuteTULO II

REFUTACcedilAtildeO DAS AFIRMACcedilOtildeES ANTERIORES

As afirmaccedilotildees que trouxemos agrave lembranccedila no capiacutetulo anterior na medida em

que estabelecem que os cometas participam da natureza celeste desviaram-se da

verdade quer em conjunto quer individualmente consideradas

O cometa natildeo eacute resultado da conjunccedilatildeo de muitos planetas Em primeiro lugar

aquela que estabeleceu que o cometa eacute resultado da conjunccedilatildeo de muitos planetas eacute

vencida pelo argumento de que os planetas do universo numa altura determinada se

repeliram uns pelos outros e todos ou quase todos satildeo visiacuteveis em simultacircneo sobre o

horizonte ao passo que o cometa aparece de vez em quando e a presenccedila de corpos

errantes foi documentada natildeo apenas entre os planetas mas tambeacutem quando viajam a

grandes distacircncias como ensina Aristoacuteteles no capiacutetulo sexto em cujo tempo nenhum

cometa parece ter sido avistado Em segundo lugar porque os planetas natildeo viajam para

aleacutem do Zodiacuteaco ao passo que os cometas satildeo observados noutras regiotildees do ceacuteu Em

terceiro lugar porque a conjunccedilatildeo de um soacute planeta com outro dura um breve espaccedilo de

tempo como estaacute patente na lua nova e no crepuacutesculo Agora os cometas com

frequecircncia podem contemplar-se pelo espaccedilo de seis meses Em quarto lugar porque

seria de certo modo conveniente que essa chegada sucedesse segundo uma determinada

disciplina e segundo um nuacutemero definido de anos Ora os cometas natildeo cumprem estas

exigecircncias Em quinto lugar porque no reinado de Aacutetalo um cometa brilhou

percorrendo toda a Via Laacutectea na sua totalidade e se este se tivesse formado a partir da

conjunccedilatildeo de planetas nem todos os planetas que agora satildeo visiacuteveis nem todos os

outros tinham sido suficientes para perfazer a sua grandeza

Quanto agrave opiniatildeo dos pitagoacutericos Hipoacutecrates e Eacutesquilo que afirmaram que os

cometas satildeo uma e a mesma estrela errante distinta das outras estrelas comuns

contrapotildee-se o argumento seguinte dela decorre que nunca dois cometas satildeo avistados

ao mesmo tempo facto que a experiecircncia ensina como o contraacuterio segundo testemunho

de Aristoacuteteles livro um capiacutetulo sexto Escaliacutegero tambeacutem o manifesta nas

Exercitationes in Cardanum 70 e afirma ter visto dois cometas ao mesmo tempo em

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 187

diferentes latitudes durante vaacuterios dias um ao nascer do sol outro ao pocircr do sol E

tambeacutem porque se os cometas permanecem ocultos devido agrave proximidade do sol e se se

tornam mais visiacuteveis quando dele se afastam natildeo poderatildeo deixar de ser vistos no

movimento contraacuterio nem quando retornam ao sol de que se haviam afastado tal como

a lua apoacutes a lua nova que quanto mais se afasta do sol maior e mais luminosa se nos

mostra e em continuidade quanto mais proacuteximo se chega a ele mais o seu tamanho se

reduz e eacute ocultada pelo sol ateacute que por fim a imagem se desvanece

Ora quanto aos cometas eacute evidente que a questatildeo eacute outra uma vez que estes vatildeo

desaparecendo agrave medida que aumenta a distacircncia do sol

Os cometas natildeo satildeo estrelas errantes Por fim o facto de os cometas natildeo serem

estrelas errantes da maneira que Apoloacutenio e Seacuteneca imaginaram acerca dessa questatildeo

pode concluir-se que sempre que o ceacuteu se apresente leve e transluacutecido natildeo poderatildeo eles

ocultar-se dos nossos olhos e por esse motivo se tornam permanentemente visiacuteveis

Mas entre todas as afirmaccedilotildees acima apresentadas a de que os cometas satildeo

compostos a partir de mateacuteria celeste acerca dela seraacute explicitada a mais nobre

refutaccedilatildeo no capiacutetulo seguinte quando expusermos que os cometas satildeo gerados abaixo

da lua a partir da agregaccedilatildeo de elementos

Resoluccedilatildeo dos argumentos Na verdade a estes argumentos de Seacuteneca deve

responder-se que embora o ar seja de certo modo voluacutevel e inconstante isso natildeo

impede todavia que o cometa natildeo possa chamar a si durante um certo nuacutemero de

meses muita mateacuteria viscosa e bem ligada entretanto acompanhando o movimento do

proacuteprio ar para cima e com ele igualmente descendo sobre o orbe Tambeacutem as nuvens

porque satildeo compostas de mateacuteria leve e fraacutegil se dissipam num curto intervalo de

tempo

Por que eacute que os cometas natildeo descem De facto o cometa natildeo desce porque vai

seguindo o alimento ateacute aquele ar proacuteximo das terras e quanto mais pesado estiver na

regiatildeo superior uma vez que o cometa natildeo se incendeia a natildeo ser que haja grande

abundacircncia de gazes viscosos pode tanto mais adensar-se e inflamar-se na regiatildeo mais

elevada como exporemos adiante

Tambeacutem natildeo desce pelo seu proacuteprio movimento porque natildeo desceraacute enquanto

estiver dominado pela leveza das chamas (Jaacute que tambeacutem a densidade da sua mateacuteria

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 188

pode ser superior agrave leveza do ar) e enquanto estiver sob influecircncia da forccedila de atracccedilatildeo

de algum outro corpo

Tambeacutem natildeo eacute aceitaacutevel que o cometa sofra em cada dia um aumento ou uma

diminuiccedilatildeo de tamanho nem a tiacutetulo excepcional porque uma vez que eacute lento a arder a

mateacuteria acesa pode em alguns casos conservar-se no mesmo estado o tempo suficiente

ateacute que o possamos ver ou eventualmente ser-lhe fornecida vinda de outras partes a

quantidade de combustiacutevel que ele consome

Depois o facto de se deslocar no ceacuteu constitui um argumento fraacutegil para provar

que o cometa tem uma natureza celeste porque segundo esse juiacutezo tambeacutem o fogo e a

parte superior do ar que estatildeo abaixo da lua se moveriam e noacutes dizemos que o cometa eacute

capturado pelo movimento circular destes

CAPIacuteTULO III

EXPLICACcedilAtildeO DE ARISTOacuteTELES E DECLARACcedilOtildeES VERDADEIRAS QUANTO Agrave MATEacuteRIA E Agrave NATUREZA DOS

COMETAS

A afirmaccedilatildeo de Aristoacuteteles no livro primeiro capiacutetulo sete que Ptolomeu e

Albumazar usaram no livro Acerca das Conjunccedilotildees e tambeacutem Alberto no livro

primeiro tratado trecircs capiacutetulo cinco Avicena Algazel Alexandre Filoacutepono Averroacuteis

e outros entre os Peripateacuteticos eacute de que o cometa natildeo participa da natureza celeste mas

sim da sublunar e que tem por mateacuteria vapor abundante viscosa espessa e constante

uma vez bem coaguladas nas suas partes constituintes Pois o que o forma eacute o mesmo

capaz de iniciar a chama e de a conservar acesa durante muito tempo De modo

contraacuterio se a mateacuteria for pouca facilmente se dispersa e nesse caso se extingue o

aglomerado das restantes substacircncias inflamaacuteveis

Argumenta-se que bem distinta da celeste eacute a mateacuteria do cometa uma vez que

quando os cometas fazem a sua apariccedilatildeo eacute costume verificar-se um sopro dos ventos

em turbulecircncia e uma secura extrema certamente porque uma grande quantidade de

vapor terrestre migrou para o espaccedilo aeacutereo Isso mesmo se pode encontrar nos

Fenoacutemenos de Arator

Em anos especialmente secos verificam-se muitos cometas de cabeleira e satildeo

muitos os exemplos a apresentar desse facto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 189

Um enorme cometa No tempo de Anaxaacutegoras um cometa enorme ardeu durante

setenta e cinco dias ininterruptos a ele se seguiu uma tatildeo grande tempestade de ventos

que teria arrancado da encosta uma pedra com o tamanho de um carro e uma vez solta

rolaria com uma enorme velocidade ateacute cair no rio Aegos na Traacutecia Assim o conta

Aristoacuteteles no livro primeiro capiacutetulo sete O mesmo ocorre no reinado de Nicoacutemaco

Priacutencipe dos atenienses quando um cometa foi visto a brilhar perto do Ciacuterculo

Equinocial ventos fortiacutessimos se abateram sobre a cidade de Corinto

Para aleacutem disso a experiecircncia mostra que os cometas se transformam de tempos a

tempos ora de pequenos para grandes ora novamente de grandes para pequenos mas

todos se extinguem E de vez em quando avista-se um cometa que ainda haacute pouco se

tinha destacado do horizonte de repente se dissipa diante dos olhos e por fim

desapareceu

Com efeito estes fenoacutemenos que se dilatam e se contraem podem sofrer queda

mas de modo nenhum podem extinguir-se em substacircncias celestes as quais estatildeo isentas

de sofrer qualquer dano Pois o que eacute afirmado que os cometas natildeo se apagam mas soacute

se escondem foi refutado no capiacutetulo anterior Depois os Matemaacuteticos usando

instrumentos astronoacutemicos para calcular a distacircncia da lua perceberam que os cometas

se posicionam abaixo da lua Portanto participam natildeo do mundo celeste mas do mundo

dos elementos Acerca ainda desta medida da distacircncia dos cometas que se consulte o

Regiomontano no tratado Acerca do Cometa e tambeacutem Joatildeo Vogel no opuacutesculo Acerca

do Cometa que foi publicado no ano de 1527

Objecccedilatildeo Alguns dos mais recentes filoacutesofos e astroacutenomos todavia levantam

objecccedilotildees negando que os cometas natildeo satildeo vistos a surgir tambeacutem na regiatildeo eteacuterea jaacute

que a experiecircncia comprova o facto Assim Albumazar revelou uma nova estrela que

de vez em quando eacute vista sobre a esfera de Veacutenus e Hali afirma ter visto uma outra no

Commentum super Quadripartito Ptolomaei 2 capiacutetulo 9 no deacutecimo quinto grau de

Escorpiatildeo quando o sol se apresenta em cima do grau e no signo seu oposto ou seja no

deacutecimo quinto grau do Touro E na nossa Era no ano 1572 apareceu na Constelaccedilatildeo de

Cassiopeia um novo corpo de magnitude exemplar para grande espanto dos que o

contemplavam mas que desapareceu no ano de 1574

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 190

Resposta Noacutes contudo somos de opiniatildeo que desse assunto e quanto ao que diz

respeito agraves das estrelas e se eacute verdade que elas podem ser observadas na regiatildeo celeste

deve ser ouvido aquilo que expusemos no livro primeiro Acerca do Ceacuteu

CAPIacuteTULO IV

ACERCA DA LOCALIZACcedilAtildeO DA INFLAMACcedilAtildeO DA DURABILIDADE DO MOVIMENTO E DAS CORES

DOS COMETAS

Localizaccedilatildeo A regiatildeo mais elevada dos ares eacute o lugar dos cometas Assim eles

natildeo se originam nem na inferior nem na meacutedia como o seu movimento desde o Oriente

ateacute ao Ocaso pode primeiramente confirmar e porque retornam soacute de uma vez no ar jaacute

que o dito movimento natildeo se suspende na regiatildeo intermeacutedia Em segundo lugar a

distacircncia destes mesmos confirma-o Assim a regiatildeo intermeacutedia natildeo atravessa os

montes mais altos e alguns deles satildeo mesmo mais elevados do que ela pelo que talvez

se possa concluir que abaixo destes se manifestam os ventos as nuvens e as chuvas

Ora verifica-se recorrendo aos instrumentos de altimetria que a distacircncia dos cometas

agrave terra eacute muito maior segundo o princiacutepio de que Pedro Nunes escreveu no livro Acerca

dos Crepuacutesculos e em Viteacutelio no livro 10 proposiccedilatildeo sessenta

Por esse motivo a baixa temperatura do lugar natildeo lhes torna favoraacutevel a

permanecircncia na regiatildeo meacutedia jaacute que a sua chama a arder e a conservar-se viva natildeo

ocorreria de modo tatildeo permanente Tambeacutem refulgem os cometas nas regiotildees mais

longiacutenquas do ar num trajecto de vez em quando mais elevado e de outras vezes mais

baixo

Satildeo apesar de tudo contemplados com frequecircncia fora dos troacutepicos ou seja fora

dos Ciacuterculos Solsticiais tanto no Setentriatildeo como no Austro como afirma Aristoacuteteles

no livro primeiro no capiacutetulo seis da jaacute citada obra porque o excessivo calor que

percorre os territoacuterios que se situam abaixo dos troacutepicos dissolve a mateacuteria dos cometas

De facto muitas vezes satildeo avistados entre os troacutepicos tal como aquele que brilhou por

um curto nuacutemero de dias em torno do Ciacuterculo Equinocial durante o reinado de

Nicoacutemaco

Inflamaccedilatildeo A inflamaccedilatildeo dos cometas produz-se ou devido ao movimento a

partir do qual a regiatildeo mais elevada do ar se transforma em fogo ou quando passam

como alguns defendem da igniccedilatildeo dos elementos para a total submissatildeo dos gases agraves

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 191

chamas ou tambeacutem quando um raio ocasional vibra na atmosfera superior a partir de

alguma nuvem

Natildeo eacute tanto de facto a parte mais interior e carregada de uma nuvem mas sim a

parte mais superficial a que frequentemente se abre e oferece a visatildeo de um fogo a

irromper Haacute os que pensam que o cometa natildeo se incendeia a partir do fogo nem nele

haacute nenhum gaacutes inflamaacutevel mas sim um sopro de mateacuteria mista assim como o fumo ou

a fuligem que eacute libertada e espalhada pela forccedila de algum corpo no interior da nossa

regiatildeo e tendo absorvido em si os raios de sol e reflectindo-os e por esse motivo se

torna visiacutevel

Refute-se todavia esta opiniatildeo uma vez que se o cometa apresentar uma luz

derivada do fogo solar deduzir-se-ia que ele podia sofrer um eclipse no trajecto de

interposiccedilatildeo agrave terra quando entra na sombra dele facto que ateacute agora natildeo foi observado

Durabilidade A durabilidade dos cometas natildeo estaacute de modo algum estabelecida

Nascem com muita frequecircncia no Outono porque o calor da Primavera natildeo eacute suficiente

para que se produza a agregaccedilatildeo daquele vapor viscoso O frio do Inverno bem como a

sua humidade e o fervor do se encontrar retido dispersa-a e anula a sua manifestaccedilatildeo

Todavia a experiecircncia ensinou que natildeo existe uma altura do ano que lhe corresponda

na qual sem ser por acaso os cometas sejam gerados Assim tambeacutem nos meses de

Inverno quando tudo estaacute colado pelo gelo eacute possiacutevel avistaacute-los como refere

Aristoacuteteles naquele livro primeiro capiacutetulo seis

Pliacutenio no capiacutetulo 25 do livro segundo afirma num curto excerto que a partir do

momento em que os cometas satildeo vislumbrados eles satildeo perceptiacuteveis num periacuteodo que

vai desde sete dias ateacute ao maacuteximo de oitenta Seacuteneca no livro sete das Questotildees

Naturais capiacutetulo doze estabelece o maacuteximo de seis meses para a duraccedilatildeo dos cometas

Eacute verdadeira a afirmaccedilatildeo de que o tempo de duraccedilatildeo dos cometas natildeo estaacute definido

segundo uma regra exacta apesar de raramente serem vistos num periacuteodo superior a seis

meses De facto Josefo no livro sete capiacutetulo quarenta e quatro de A Guerra Judaica

conta que um cometa esteve suspenso sobre os ceacuteus da cidade durante um ano inteiro

antes da queda de Jerusaleacutem

Assim os cometas duram em primeiro lugar o tempo que durar o fornecimento

de mateacuterias gasosas das quais se alimentam Em segundo lugar porque o fogo que

devora a tal substacircncia viscosa eacute moderado e lento apresentando uma dimensatildeo com

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 192

ela condizente Em terceiro lugar porque o alimento eacute produzido a partir da terra que

neles estaacute contida a partir do influxo e da atracccedilatildeo dos corpos que geram pressatildeo sobre

ela

Movimento O movimento dos cometas natildeo eacute uno mas muacuteltiplo O primeiro do

Oriente ateacute ao Ocaso quando em simultacircneo rodam com as esferas celestes com o fogo

e com o limite extremo do ar

O segundo do Ocaso para o Oriente que natildeo constitui propriamente um

movimento mas um retardar do movimento anterior feita a comparaccedilatildeo com o ponto

especiacutefico do ceacuteu a que se dirigia o cometa acabado de surgir Consta de facto que o

cometa que Aplanis previa ser na noite seguinte um corpo postado sobre si poucos

dias depois se tinha afastado alguma distacircncia para Oriente Na verdade este atraso

proveacutem dele mesmo porque o fogo e o ar ao serem corpos dinacircmicos natildeo retiram

completa eficaacutecia da forccedila dos movimentos celestes mas tambeacutem natildeo eacute capaz de seguir

devido agrave sua massa e ao seu peso a velocidade do ar pela qual o cometa eacute arrastado e

por isso opotildee resistecircncia ao movimento que o arrasta

O terceiro movimento ocorre ora ateacute ao Setentriatildeo ora ateacute ao Austro ou para

outros diferentes lugares Este movimento nasce assim quer motivado pela gravidade

de algum corpo que exerccedila influecircncia no cometa ou porque porventura o cometa se

deixa levar pela mateacuteria que o convida e aos poucos se inclina para aquela direcccedilatildeo que

ela lhe indica

O quarto eacute quando parece que ele se desloca ou para cima quando na parte mais

baixa lhe falta mateacuteria ou para baixo porque ela abunda na parte mais baixa ou

tambeacutem porque um outro corpo qualquer o atrai para um lugar mais elevado ou porque

tornando-se mais pesado tomba levando consigo alguma massa

Cores Os cometas satildeo de muitas e variadas cores (na verdade natildeo satildeo

verdadeiras porque natildeo as tecircm mas fugazes e aparentes) Alguns brilham com uma luz

transparente e quase prateada Noutros haacute um rubor sem luminosidade nenhuma Para

outros luz uma chama em nada uniforme e suave mas que faz girar em seu torno

bastante fumo e labareda e satildeo estes os mais crueacuteis e ameaccediladores com um aspecto em

muito mais turvo e aterrador do que os outros Esta variedade nasce da diversidade da

mateacuteria que os compotildee assim como pode ver-se a partir da chama quanto mais

rarefeita for a sua composiccedilatildeo tanto mais apresenta uma cor uniforme e branca e

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 193

quanto mais pesado e com fuligem estiver mais exibe uma cor baccedila E nos outros casos

manteacutem este tipo de comportamento

CAPIacuteTULO V

O QUE ANUNCIAM OS COMETAS

No que diz respeito ao significado dos cometas muitos filosofaram acerca dessa

questatildeo e muito pensam prever (como notou Pliacutenio no livro dois capiacutetulo vinte e

cinco) em que regiotildees ele se lanccedilaraacute ou de que estrela receberaacute as forccedilas ou quais as

semelhanccedilas que apresentaraacute e em que lugares brilharaacute Tambeacutem haacute os que como no

demais procuram fazer interpretaccedilotildees a partir de tudo o que tem a ver com os cometas

Os cometas prenunciam o sopro dos ventos Em primeiro lugar o sopro vigoroso

dos ventos Pois quando o cometa se eleva ateacute agraves regiotildees mais elevadas do ar sem que

haja um fornecimento generoso de gazes natildeo consegue incendiar-se Eacute necessaacuterio que

uma grande confluecircncia de correntes de ar capazes de gerar os ventos seja deixada na

faixa meacutedia e mais baixa do ar

Tempestades Em segundo lugar as tempestades mariacutetimas que satildeo provocadas

pelo despertar dos ventos

Seca e infertilidadeEm terceiro lugar a seca e a infertilidade que se formam

quando da terra eacute aspirada a humidade e o ar

Terramotos Quarto os terramotos porque as exalaccedilotildees satildeo atraiacutedas e procuram

uma saiacuteda livre no seio da terra sucede que ao chocarem umas contra as outras a terra

sofre abalos de um lado para o outro

Intempeacuteries atmosfeacutericas Quinto as intempeacuteries atmosfeacutericas induzidas por um

sopro seco e venenoso principalmente junto a lugares pantanosos e carregados de

humidade nos quais a humidade apodrece ressequida em lama

Doenccedilas Sexto as doenccedilas tanto mais que as substacircncias secas e quentes geram

robustez

Mortes dos reis Eacute sobejamente conhecido de facto que os cometas anunciam as

mortes dos priacutencipes como se pode ver naquele livro terceiro do oraacuteculo sibilino

Quando o sol toca o Ocaso um cometa se manifestaBrilharaacute uma estrela sinal da espada para os mortaisE da fome e da morte e de homens ilustresDe grandes e nobres priacutencipes eacute o fim

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 194

A profecia de um cometa pode ser interpretada em dois sentidos Aleacutem disso esta

profecia pode ser interpretada em dois sentidos num caso que os cometas anunciam a

morte dos reis tal como se a divindade enviasse disso sinais noutro caso que satildeo

responsaacuteveis pelas causas das doenccedilas A primeira explicaccedilatildeo deste sentido encontra-se

em S Damasceno livro segundo da Feacute Ortodoxa no capiacutetulo vinte e sete que jaacute

tivemos a oportunidade de evocar antes A seguinte eacute bem mais difiacutecil de aceitar

Porque de facto aquilo que afirmam que os reis vivem de modo mais delicado e

tecircm os humores mais leves razatildeo pela qual satildeo mais facilmente derrubados do seu

estado de sauacutede pela perturbaccedilatildeo do ar eacute um argumento fraacutegil pois as crianccedilas de tenra

idade e muitos homens anoacutenimos de todas as idades satildeo mais deacutebeis do que os

priacutencipes e a estes todavia os cometas natildeo provocam nem anunciam a morte Mas

como eacute em absoluto mais notada a morte de um homem poderoso do que a de um

homem vulgar julgaram por essa razatildeo que a morte dos reis eacute por eles predita tal

como expotildee Alberto Magno no primeiro livro tratado trecircs capiacutetulo onze Ou talvez

porque esta opiniatildeo tenha ocupado as mentes dos homens por os cometas como S

Damasceno estabelece trazerem da divina instituiccedilatildeo a notiacutecia morte para os reis

Ptolomeu alega que os cometas que se avistam de manhatilde sejam sinal da morte do

rei quando se posicionam sobre o seu signo uma vez que ele tambeacutem sobe por ocasiatildeo

do nascimento de algum rei ou quando assume o poder do reino Haacute ateacute quem diga que

se o cometa se apresentar no meio do ceacuteu iluminado pelos raios do sol ou de Marte

pode mais provavelmente significar o progresso do reino do que a morte do rei

Mas estes assuntos e outros da sua famiacutelia acerca das profecias dos cometas que

satildeo discutidos pelos astroacutelogos quando se encontram sobre este ou aquele signo

observando-se o nascimento deste ou daquele homem natildeo devem ser minimamente

escutados porque divulgam falsidades infinitas e a maior parte deles soacute conteacutem

supersticcedilatildeo Acerca do estabelecido quanto a esta questatildeo dissertaacutemos

aprofundadamente no livro Acerca do Ceacuteu

CAPIacuteTULO VI

QUANTO AgraveS FIGURAS E DIVERSIDADE DOS COMETAS

Agora trataremos das figuras que com mais basta frequecircncia satildeo assumidas pelas

manifestaccedilotildees de cometas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 195

Aristoacuteteles no livro primeiro capiacutetulo sete apresentou a sua estranha diversidade

afirmando a saber que ele era ou em forma de globo porque tem a cabeleira agrave sua

volta e espalhada por todo o firmamento ou se expande no sentido do comprimento e

leva agregada a si uma barba ou uma cauda Haacute pelo contraacuterio outros cometas que se

observam com caracteriacutesticas uacutenicas e exclusivas outros que oscilam com o seu corpo

ora em movimento ora fixo e no interior deles mesmos haacute agitaccedilatildeo

Os primeiros pertencem agrave classe dos verdadeiros cometas Os uacuteltimos jaacute natildeo

porque formam a sua cabeleira a partir da massa incendiada E aqueles que costumam

gerar-se quando a exalaccedilatildeo localizada debaixo de um corpo determinado se inflama de

tal modo que entre ela e o dito corpo natildeo existe nenhum intervalo a ponto de segundo a

avaliaccedilatildeo visual um e outro estarem reunidos num soacute corpo e na mesma superfiacutecie Pela

mesma ordem quando noacutes perscrutamos o horizonte parece que a terra e o ceacuteu se

continuam mutuamente Tambeacutem deste modo acontece quando uma determinada

estrela brilha como se tivesse uma crina ou com os halos que se formam abaixo da lua

ou do sol devido ao vapor de aacutegua Tal como eles satildeo vistos a rodear a lua e o sol

apesar de estarem afastados em muitiacutessimos peacutes quer de um quer do outro Tambeacutem a

exalaccedilatildeo iacutegnea eacute observada como se ela se sustivesse apoiada no dito corpo estando ela

na regiatildeo aeacuterea ou seja faz parte do mundo celeste

Cometas de cabeleira de barba e de cauda Assim sendo os cometas dividem-se

em trecircs categorias os de cabeleira os de barba e os de cauda Se desta forma a

exalaccedilatildeo for mais pesada no centro e tambeacutem nas partes extremas ela apresenta-se

mais rarefeita e mais leve de tal modo que a chama em seu torno se solta como se

fossem cabelos diz-se que eacute um de cabeleira Se a exalaccedilatildeo se inclinar para uma soacute

parte e se prolonga para longe diz-se que eacute um de cauda Mas se se espalhar a uma

menor distacircncia diz-se que eacute um de barba Os astroacutelogos consideram haver nove

espeacutecies de cometas Numera cinco Alberto Magno no livro primeiro tratado trecircs

capiacutetulo dez e Pliacutenio numera dez no livro dois capiacutetulo vinte e cinco

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 196

CAPIacuteTULO VII

QUANTO Agrave ESTRELA QUE BRILHOU AOS MAGOS QUANDO CRISTO NASCEU

O esplendor da famosa estrela que refulgiu no Oriente quando Cristo nasceu e

conduziu os magos ateacute ao berccedilo do divino rei convida-nos a que tambeacutem acerca dela

dissertemos

Em primeiro lugar deve saber-se que este corpo apareceu aos magos nos limites

do Oriente (tendo em comparaccedilatildeo a regiatildeo da Palestina) e que eles instigados pela mais

secreta inspiraccedilatildeo do sinal do ceacuteu o tomaram como se ele falasse a liacutengua do ceacuteu

dispondo-se a segui-lo ateacute chegarem agrave cidade de Beleacutem

Muito antes estes factos tambeacutem a Sibila Eritreia no livro oitavo dos Oraacuteculos jaacute

havia anunciado

E eacute surgida a nova estrela divina do mago a brilhar

Deteacutem-se sobre o preseacutepio e o menino de Deus se mostra aos que a seguem

Com efeito a explicaccedilatildeo por que Deus teria chamado os magos com um

fenoacutemeno desta natureza eacute trazida por Teofilacto no segundo capiacutetulo de Mateus

certamente porque sendo os magos astroacutelogos como Tertuliano relata no livro Acerca

da Idolatria receberam enquanto sinal um que lhes era familiar tal como tambeacutem

Pedro o pescador foi chamado para capturar uma grande multidatildeo de peixes para

Cristo

Ora eacute costume tambeacutem perguntar-se se aquela estrela faria parte do nuacutemero dos

astros celestes Vaacuterios autores entre os que recorda o Abulense no citado capiacutetulo de

Mateus 2 questatildeo 11 satildeo de opiniatildeo de que ela eacute um dos corpos errantes ou um dos

planetas Esta opiniatildeo eacute reprovada pelo comum consenso dos Padres como ensina S

Tomaacutes na parte 3 questatildeo 36 artigo 7 Tambeacutem tal eacute refutado com perspicazes

argumentos por S Basiacutelio no livro Acerca da Geraccedilatildeo Humana de Cristo por S Joatildeo

Crisoacutestomo na Homilia Sexta Acerca do Evangelho de S Mateus por S Joatildeo

Damasceno livro segundo capiacutetulo sete por Santo Agostinho no livro Contra o Luxo

livro dois capiacutetulo cinco e por tantos outros

E de facto os astros em cada dia nascem e desaparecem Mas a dita estrela

oferecia-se permanentemente agrave contemplaccedilatildeo Em segundo lugar dado que a luz do dia

deixa na sombra e oculta os astros mas essa estrela brilhava durante o dia com tal

esplendor que vencia as outras luminaacuterias do ceacuteu tal como Santo Inaacutecio avoca na

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 197

Deacutecima quarta Epiacutestola aos Efeacutesios Em terceiro lugar porque ela se ocultava quando

tal era necessaacuterio como quando depois de ter conduzido os reis ateacute Jerusaleacutem aiacute se

apagou durante algum tempo ateacute novamente permitir deixar-se ver Em quarto lugar

porque se manteve proacutexima da terra e assim parou sobre a gruta na qual estava o

Divino Infante e aiacute se mostrou agrave vista de todos

Portanto dado que a afamada estrela natildeo fez parte dos corpos da regiatildeo eteacuterea

questionar-se-aacute algueacutem sobre se ela deve de facto ser considerada um cometa

A nossa resposta eacute de que nem ela foi um cometa como facilmente veraacute todo o

que analisar os argumentos que ateacute agora expusemos quanto agrave natureza e origem dos

cometas quanto ao seu movimento quanto ao seu desaparecimento diante da

luminosidade do dia e quanto agrave sua distacircncia da terra Aduzem-se detalhadamente em

seguida todos os argumentos que convergem para que ela natildeo seja de modo nenhum

considerada uma estrela

A referida estrela foi portanto um irrepetiacutevel e inusitado meteoro formado natildeo

pela natural mas pela virtude angeacutelica ou divina a partir de mateacuteria sub-celeste e

aspergido pelo fulgor da exiacutemia luz que se revela natildeo por sua proacutepria determinaccedilatildeo

mas pela acccedilatildeo de um anjo De facto S Joatildeo Crisoacutestomo na Homilia 6 capiacutetulo dois

dedicada ao Evangelho de S Mateus o sermatildeo de Fulgecircncio Acerca da Epifania e

Gregoacuterio de Nissa no diaacutelogo Acerca da Alma pensam que foi um anjo que apareceu em

figura de estrela

Com efeito eacute facto que foi quanto se aproximavam da cidade de Jerusaleacutem que

ela manifestou poder para se ocultar Eacute multiacuteplice seja porque Deus a subtraiu

absolutamente ao acesso de todos de modo a que ela natildeo transmitisse a sua imagem aos

seus olhos ou porque nesse tempo intermeacutedio lhe bloqueou o brilho ou ainda por

qualquer outro modo tais como os que revela Abulense acima citado no dito capiacutetulo

questatildeo 41

Conveacutem lembrar contudo que alguns ponderaram que esta estrela foi avistada

pelos magos uma uacutenica vez somente no Oriente e que logo desapareceu entatildeo quando

estes saiacuteram de Jerusaleacutem apareceu novamente e daiacute os conduziu ateacute ao preseacutepio

Trata-se pois de uma afirmaccedilatildeo diferente daquela que estabeleceu que ela acompanhou

os magos durante todo o caminho e que muitos dos Padres antigos seguem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 198

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Trecircs Livros Sobre A Alma de

Aristoacuteteles Estagirita

Coimbra 1598

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 199

PROEacuteMIO AOS TREcircS LIVROS DO TRATADO SOBRE A ALMA DE ARISTOacuteTELES 200

UTILIDADE ORDEM MATEacuteRIA TRATADA E PARTICcedilAtildeO DESTES LIVROS

A partir do que Aristoacuteteles nos ensinaraacute a seguir tornar-se-aacute evidente como a

ciecircncia da alma sobressai de entre as outras partes da Filosofia quer pelo seu rigor

demonstrativo quer pela mateacuteria sobre que versa quer pela sua nobreza e como ela eacute

uacutetil tanto para regular e gerir honestamente a vida como para um completo

conhecimento da verdade

Utilidade desta ciecircncia porque leva aquele que a pratica a conhecer-se

melhor Mas o mesmo particularmente no que diz respeito agrave utilidade pode ser

ilustrado e mais amplamente recomendado porque de acordo com o que advertia

aquela ceacutelebre maacutexima de Quilatildeo de Feacutemon ou de Tales ou quem quer que tenha sido

o autor inscrita nas portas do templo de Delfos por Anfictiatildeo cada um deve acima de

tudo procurar conhecer-se a si mesmo No entanto ningueacutem se pode conhecer a menos

que tenha examinado atentamente a dignidade e a natureza da sua alma201 Porque jaacute

Marco Tuacutelio no livro 1 das Disputas Tusculanas Plotino no livro 3 da quarta Eneacuteada

capiacutetulo 1ordm depois de Platatildeo em Alcibiacuteades I consideraram que aquela inscriccedilatildeo deacutelfica

natildeo exortava a outra coisa senatildeo a conhecermos a natureza da alma Isto porque quem

quer que atinja a notaacutevel e superior capacidade da sua mente compreenderaacute que natildeo

deve deter-se nos bens incertos e caducos mas nas coisas sempiternas e divinas com

todo o cuidado e empenho de conhecer com que os filoacutesofos verdadeiros e legiacutetimos

edificam as principais gloacuterias

A sua importacircncia para a ciecircncia moral Esta doutrina tambeacutem eacute muito uacutetil

para aqueles que discutem sobre a vida comum e os costumes como consta do livro 1

da Eacutetica capiacutetulo 13ordm e do livro 6 capiacutetulo 1ordm Com efeito eacute necessaacuterio que eles

recebam do filoacutesofo natural o modo como a razatildeo deteacutem a suma eminecircncia da alma em

ordem a sujeitar a si a faculdade apetitiva e a irasciacutevel e a moderar os movimentos que

se erguem contra uma certa norma Tambeacutem eacute preciso que recebam dela o princiacutepio das

acccedilotildees nas quais reside a felicidade da vida humana e ainda a divisatildeo das faculdades

usadas para explicar os afectos e as virtudes A isto se refere a advertecircncia de 200 Trad MCC201 Acerca da afirmaccedilatildeo Laeacutercio livro 1 Pliacutenio livro 7 cap 32 Macroacutebio 1 Saturnalia cap 6 Xenofonte 4 Com Clemente de Alexandria no Pedagogo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 200

Aristoacuteteles no uacuteltimo capiacutetulo do livro 1 da Eacutetica que diz que tal como os meacutedicos que

receitam remeacutedios para curarem os corpos a fim de desempenharem bem o seu ofiacutecio

colocam muito cuidado no conhecimento das almas assim por maioria de razatildeo o

filoacutesofo da moral que cuida de sanar as enfermidades da alma deve examinar o que

concerne agrave ciecircncia da alma

Tambeacutem para a metafiacutesica Na verdade a ciecircncia da alma comunica

admiravelmente com a filosofia primeira pois por uma certa analogia e semelhanccedila

atingimos pelo nosso intelecto as substacircncias inteligiacuteveis e livres da mateacuteria e a mente

humana transformando-se para aleacutem de si mesma eacute chamada para a natureza divina

donde proveio202 O que quer que nela exista de perfeiccedilatildeo encontra-se em Deus fonte de

todas as perfeiccedilotildees nela ainda mais bem conhecida quando toda a imperfeiccedilatildeo se afasta

Tambeacutem para toda a filosofia Por uacuteltimo por uma razatildeo comum a todas as

partes da filosofia eacute oportuna esta meditaccedilatildeo sobre a alma porque a alma participa da

razatildeo e da prudecircncia (como afirma Trismegisto no Ascleacutepio) como que Orizon da

eternidade e do tempo do inteligiacutevel e do nexo da natureza corpoacuterea e dos limites203

Ou como outros disseram suma de todo o mundo pois a natureza intermeacutedia

representa as extremas a superior como imagem a inferior como exemplar

A nossa alma eacute intermediaacuteria entre o eterno e o efeacutemero Acontece que a

doutrina da alma existe como um compecircndio de ciecircncia das coisas humanas e divinas e

prepara-nos para todo um outro conhecimento da verdade Mostra tambeacutem o brilhante

fruto desta contemplaccedilatildeo aquilo que Santo Agostinho afirma no livro 2 de A Ordem

capiacutetulo 8ordm Sem duacutevida que haacute duas questotildees principais em filosofia uma acerca da

alma outra acerca de Deus A primeira faz com que nos conheccedilamos a noacutes mesmos a

outra que conheccedilamos a nossa origem Aquela eacute-nos mais agradaacutevel esta eacute mais

gloriosa aquela torna-nos dignos de uma vida feliz esta torna-nos bem-aventurados

As coisas escritas acerca desta mateacuteria mostram agrave evidecircncia que a reflexatildeo

sobre a alma eacute proacutepria da grande estatura tanto dos Padres como dos filoacutesofos gentios

Com efeito Satildeo Dioniacutesio no capiacutetulo 4ordm de Os Nomes Divinos recorda que tinha

escrito acerca da alma S Justino filoacutesofo e maacutertir fez um livro sobre este mesmo

202 Lede cap7 lib12 da Metafiacutesica203 S Gregoacuterio de Nissa livro 1 De Homine cap 5 Plotino Eneacuteadas 4 livro 6 cap 3 S Tomaacutes livro 2 Contra os gentios cap 68 e livro 4 cap 55 Ficino livro 3 De immortalitate animae cap 2 Bessarion livro 2 Contra os Caluniadores cap 7 Pico no Heptaplo cap7

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 201

tema como refere S Jeroacutenimo no livro Escritores Eclesiaacutesticos Santo Agostinho

escreveu o livro A Imortalidade da Alma um outro A Grandeza da Alma e quatro livros

Sobre a Alma e a Sua Origem Satildeo Gregoacuterio de Nissa recordou uma longa disputa em

cartas trocadas entre si e Soror Macrina sobre A Alma e a Ressurreiccedilatildeo Tertuliano

compilou um livro sobre A Alma Na verdade jaacute os autores pagatildeos tinham escrito muita

coisa acerca dela Trismegisto Platatildeo Teofrasto Plotino Calciacutedio Proclo Jacircmblico

Tuacutelio e o autor da obra De sapientia secundum Aegyptios Aleacutem destes trecircs livros

Aristoacuteteles tambeacutem deixou outro sobre questotildees da alma que a iniquidade do tempo

destruiu

Testemunho de Temiacutestio sobre o valor dos livros de Aristoacuteteles sobre A Alma

Temiacutestio testemunha o grande cuidado com que esta obra foi elaborada e concluiacuteda por

Aristoacuteteles com as palavras seguintes do seu Proeacutemio uma vez que todos os escritos de

Aristoacuteteles satildeo de tal modo apreciados que a sua superioridade se torna motivo de

admiraccedilatildeo faacutecil natildeo existe nenhuma reflexatildeo na qual Aristoacuteteles tenha igualmente

mostrado a sublimidade e a forccedila do seu engenho como naquela em que aborda a noccedilatildeo

de alma quer se inquira uma infinidade de questotildees quer uma quantidade de coisas

beliacutessimas quer a subtileza da doutrina Os livros Sobre a Alma satildeo de tal modo assim

que parece que todas as coisas constantes do texto que respeitam a este geacutenero

existiram e foram feitas por um soacute homem

Duacutevida sobre a ordem destes livros entre as restantes partes da Fisiologia

Opotildee-se neste ponto que deve ser investigado em primeiro lugar o que eacute discutido

pelas opiniotildees dos inteacuterpretes que discordam quanto a saber que lugar esta ciecircncia

reclama entre as restantes partes da fisiologia pela ordem e pelo meacutetodo da doutrina

Resoluccedilatildeo Mas omitida disputa mais longa deve estabelecer-se com

Teofrasto segundo Temiacutestio livro 3 desta obra capiacutetulo 39ordm da sua Paraacutefrase e com

Satildeo Tomaacutes que os mais recentes geralmente adoptam que a ciecircncia da alma segue os

livros dos Meteoroloacutegicos e antecede toda a disciplina atinente aos seres animados Na

verdade como Satildeo Tomaacutes e Teoacutefilo advertiram no Proeacutemio desta obra tal como a

Fiacutesica eacute o exoacuterdio de toda a fisiologia porque conteacutem a explicaccedilatildeo integral dos

princiacutepios naturais eacute conveniente que o iniacutecio da reflexatildeo sobre os seres animados seja

o estudo da alma que eacute o princiacutepio comum dos animais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 202

Opiniatildeo de outros No entanto Alexandre de Afrodiacutesia no seu primeiro livro

sobre A Alma e Averroacuteis no livro 4 dos Meteoroloacutegicos trataram em primeiro lugar As

Partes dos Animais Primeiro porque a observaccedilatildeo da mateacuteria antecede a observaccedilatildeo da

forma com efeito as partes ou oacutergatildeos satildeo a mateacuteria e o substrato da alma Segundo

porque a alma eacute definida a partir do corpo orgacircnico foi preciso que Aristoacuteteles

declarasse em primeiro lugar por que eacute que a definiccedilatildeo progride a partir do

desconhecido

Refutaccedilatildeo Mas estes argumentos natildeo concluem Com efeito as partes

orgacircnicas dos animais de que Aristoacuteteles trata no livro As Partes dos Animais

respeitam em parte agrave mateacuteria visto que recebem em si as funccedilotildees corpoacutereas da alma e

as disposiccedilotildees satildeo necessaacuterias para a introduccedilatildeo da alma como expusemos no seu lugar

Mas como as partes orgacircnicas satildeo mais facilmente conhecidas do que a alma cuja

natureza eacute secreta e recocircndita natildeo deve avanccedilar-se em primeiro lugar sobre elas mas

antes sobre a alma como haacute pouco pretendiacuteamos dizer e como Aristoacuteteles chama a

atenccedilatildeo no primeiro capiacutetulo do livro primeiro da Fiacutesica e nos capiacutetulos 1ordm e 3ordm do livro

primeiro de As Partes dos Animais depois de Platatildeo no Fedro e de Hipoacutecrates no livro

A Natureza Humana

O que eacute geral deve ser tratado em primeiro lugar Em toda a disciplina

correctamente estabelecida devem ser primeiramente tratadas aquelas coisas que se

estendem de modo mais amplo em que haacute mais coisas gerais para natildeo sermos levados

a repetir as mesmas coisas muitas vezes Na verdade considera-se a alma mais ampla

do que as partes dos animais uma vez que estas apenas estatildeo nos animais e ela estaacute

presente em todos os seres vivos O exame da mateacuteria precede o exame da forma Se

algo postula a razatildeo da doutrina eacute que natildeo se defina a alma atraveacutes do corpo orgacircnico

do animal mas do corpo orgacircnico do ser vivo em geral Natildeo foi preciso que isto fosse

declarado por Aristoacuteteles antes da doutrina da alma visto que para compreender a

definiccedilatildeo de alma natildeo se requer um conhecimento distinto e absoluto do corpo orgacircnico

bastando um conhecimento pouco claro que possa ser facilmente comparado Na

verdade natildeo se exige menos a ciecircncia da alma para o conhecimento do corpo orgacircnico

do que o conhecimento do corpo orgacircnico para a ciecircncia da alma Por isso na definiccedilatildeo

a alma tambeacutem se acrescenta ao corpo orgacircnico uma vez que ele se define como aquilo

que foi afectado aos oacutergatildeos adequados para ir ao encontro das funccedilotildees da alma Pelo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 203

que eacute evidente que o argumento se algum peso tiver pode ser retorquido contra os

adversaacuterios

Primeira afirmaccedilatildeo sobre objecto destes livros Primeiro argumento Agora

examinemos qual eacute o objecto destes livros Veneto neste ponto e alguns do grupo de

filoacutesofos mais recentes estabelecem que natildeo eacute a alma mas o corpo animado Provam-

no em primeiro lugar porque esta doutrina eacute uma certa parte da fisiologia Eacute assim

necessaacuterio que a sua mateacuteria seja de maneira a que acerca dela se enuncie o objecto de

toda a fisiologia como uma parte inferior e menos extensamente evidente Poreacutem eacute

evidente que o ente moacutevel eacute assim chamado por causa do corpo animado e natildeo da alma

Depois porque ou foi aqui que Aristoacuteteles discutiu sobre o corpo animado ou

natildeo foi em lado nenhum Eacute absurdo que natildeo se tenha ocupado em lado nenhum Na

verdade tatildeo notaacutevel espeacutecie de ente natural natildeo pocircde ficar envolta em silecircncio por parte

do Filoacutesofo Portanto ocupou-se dessa espeacutecie nesta obra e por isso o corpo animado eacute

o objecto da obra

Terceiro Porque o objecto de cada disciplina eacute aquele em que primeiro e por

si convecircm as afecccedilotildees que nela satildeo investigadas Ora alimentar-se sentir mover-se

querer pensar e outras afecccedilotildees desta natureza sobre as quais se discute nestes livros

dizem respeito primeiro e por si natildeo agrave alma mas ao corpo animado uns em geral

outros no que lhe estaacute mais abaixo como diz Aristoacuteteles no capiacutetulo 4ordm do primeiro

livro texto 54 Por isso natildeo parece que se deva negar que o objecto desta obra eacute o

corpo animado

2ordf Afirmaccedilatildeo Mas alguns nobiliacutessimos peripateacuteticos Simpliacutecio Filoacutepono

Alexandre Temiacutestio Satildeo Tomaacutes Alberto Magno Egiacutedio Teoacutefilo Janduno Caetano o

Ferrariense e muitos outros seguem neste ponto a parte adversaacuteria em consenso comum

e consideram que o objecto destes livros eacute a alma204

1ordm Argumento O que em primeiro lugar se comprova porque conforme se

conclui do livro 1 dos Analiacuteticos Posteriores capiacutetulos 1ordm e 9ordm estabelece-se

rigorosamente como objecto de qualquer ciecircncia aquele cuja definiccedilatildeo eacute nela

investigado e tratado De facto Aristoacuteteles nesta obra interrogou-se sobre a definiccedilatildeo

natildeo de corpo animado mas de alma e assinalou que ele mesmo tinha dito no Proeacutemio

204 Apolinaacuterio Flandrense Toledo Javelo o Tienense

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 204

que fora essa a sua intenccedilatildeo Tambeacutem no livro sobre O Sentido e o Sensiacutevel gloria-se de

o ter realizado

2ordm Depois porque se o objecto desta disciplina fosse o corpo animado uma

vez que ele eacute uma categoria mais baixa da substacircncia o animal seria mais nobre do que

o corpo animado Seguir-se-ia indevidamente que esta ciecircncia em virtude da

excelecircncia do objecto e principalmente por causa da excelecircncia da alma racional seria

anteposta por Aristoacuteteles agraves restantes partes da fisiologia visto que com essa

designaccedilatildeo deveria ser preferida a ciecircncia que trata dos animais

3ordm Por uacuteltimo o tiacutetulo da proacutepria obra eacute favoraacutevel a esta afirmaccedilatildeo Com

efeito estes livros satildeo designados Пερι Ψυχης isto eacute Sobre a Alma

O que se deve afirmar Na duacutevida devemos afirmar que os livros Sobre a

Alma parece poderem ser vistos de duas formas Por si separadamente ou junto com os

chamados Pequenos Naturais que satildeo como que um seu complemento Se forem vistos

do primeiro modo a alma eacute o seu objecto se do segundo eacute o corpo animado205

Satildeo trecircs os livros sobre A Alma que estatildeo sobretudo consagrados a examinar e

a explicar por si a natureza da alma Satildeo atentamente examinadas as afecccedilotildees e as

propriedades dos seres vivos segundo a razatildeo da sua origem que provecircm da alma como

fonte e consoante servem para o seu conhecimento Tambeacutem na obra dos Pequenos

Naturais elas satildeo apresentadas agrave medida que o corpo e os seus oacutergatildeos satildeo objecto de

observaccedilatildeo Acontece deste modo que esta obra e os trecircs livros sobre A Alma expotildeem

o tratado inteiro do corpo animado

Responde-se aos argumentos da primeira afirmaccedilatildeo Ao 1ordm Os argumentos dos

adversaacuterios que tendiam a provar que os livros Sobre a Alma tomados por si tinham

como objecto o corpo animado satildeo facilmente afastados Ao primeiro deve negar-se

que seja necessaacuterio que o objecto da disciplina toda seja afirmado sobre os objectos das

partes De outro modo dir-se-ia que o ente moacutevel de sobre O Sentido e o Sensiacutevel e

tambeacutem de sobre A Respiraccedilatildeo e de sobre O Movimento dos Animais integra as

mateacuterias particulares de certos opuacutesculos da fisiologia aristoteacutelica Igualmente seria

necessaacuterio que a proposiccedilatildeo dos filoacutesofos que eacute objecto de toda a Loacutegica fosse exposta

simplesmente sobre o termo que eacute o objecto das Categorias E assim eacute suficiente que

205 Assim pensou Apolinaacuterio na mesma obra q2 a2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 205

os objectos das partes de cada ciecircncia estejam incluiacutedos de algum modo no objecto de

toda ela natildeo eacute necessaacuterio que estejam contidos nesse objecto numa ordem directa

Ao segundo deve dizer-se que Aristoacuteteles natildeo omitiu a explicaccedilatildeo sobre o

corpo animado mas que nos trecircs livros que escreveu sobre A Alma tratou do que a ela

diz respeito Sobre o corpo tratou como pocircde nos Pequenos Naturais

Ao terceiro argumento que as afecccedilotildees tratadas nos livros da Alma dizem

respeito primeiramente e por si agrave alma como sua fonte e origem ainda que como

Aristoacuteteles no ponto citado quer dizer somente satildeo enunciadas acerca de todo o

composto de acordo com o objecto principal

Avanccedilam-se argumentos para a 2ordf afirmaccedilatildeo Se todavia parecesse vantajoso

examinar a primeira afirmaccedilatildeo que embora pareccedila contraacuteria ao pensar comum natildeo eacute

improvaacutevel responda-se com os argumentos aduzidos contra a parte contraacuteria

1ordm Embora Aristoacuteteles nestes livros tenha investigado muito cuidadosamente a

definiccedilatildeo de alma e a tenha transmitido natildeo pendeu para isso sobretudo por causa da

alma mas por causa do corpo animado que ele examina como escopo da obra toda

Com efeito ele natildeo observou as faculdades da alma somente quanto ao seu princiacutepio

mas do modo como equipam todo o composto isto eacute o corpo animado Mais

2ordm A doutrina da alma eacute superior agraves restantes partes da filosofia natildeo porque

verse precisamente acerca do corpo animado em geral mas porque discute acerca da

alma racional que supera na dignidade da natureza as restantes formas da consideraccedilatildeo

fiacutesica

3ordm Por fim escreveu estes livros Sobre a Alma natildeo como sendo ela o seu

objecto principal mas a sua parte principal que por isso se pode chamar o objecto tal

como o corpo animado eacute o objecto conforme certos filoacutesofos dizem

Divisatildeo da obra Eis o que respeita agrave divisatildeo da obra No primeiro livro

Aristoacuteteles fala acerca da essecircncia da alma contra as opiniotildees dos antigos A partir da

sua proacutepria opiniatildeo nos capiacutetulos 1ordm e 2ordm do livro segundo a parte restante deste livro

trata das potecircncias da alma em geral das faculdades relativas agrave alma vegetativa dos

sentidos externos Trata do sentido interno nos primeiros trecircs capiacutetulos do livro

terceiro do intelecto do capiacutetulo quarto ao nono daiacute ateacute ao fim do livro trata do

movimento e de certas afecccedilotildees que dizem respeito agrave totalidade dos seres animados

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 206

QUESTAtildeO UacuteNICA

SE O ESTUDO DA ALMA INTELECTIVA RESPEITA Agrave DOUTRINA DA FISIOLOGIA OU NAtildeO

ARTIGO II

RESOLUCcedilAtildeO DE TODA A QUESTAtildeO

Trecircs consideraccedilotildees sobre a alma racional Para dar satisfaccedilatildeo agrave questatildeo

proposta deve notar-se que se pode considerar que a alma participa da razatildeo de trecircs

maneiras Uma quando se une ao corpo e nele executa as suas funccedilotildees Outra

consoante os atributos que lhe pertencem separada da mateacuteria como o estar no seu

preciso lugar o receber as espeacutecies do influxo superior da luz o pensar sem recurso aos

fantasmas e outras coisas desta natureza Terceira quanto agrave sua proacutepria natureza e

essecircncia

1ordf Conclusatildeo Posto isto eis a primeira conclusatildeo Nenhuma das trecircs

consideraccedilotildees anteriores sobre a alma diz respeito a uma uacutenica ciecircncia intermeacutedia entre

a filosofia primeira e a natural

Prova Esta conclusatildeo recomenda-se porque natildeo existe intermeacutedio naquele

geacutenero de filosofar pois a ciecircncia contemplativa divide-se perfeitamente em Natural

Metafiacutesica e Matemaacutetica como no Proeacutemio da Fiacutesica amplamente discutimos Nos seus

livros Aristoacuteteles natildeo fez menccedilatildeo alguma a uma disciplina intermeacutedia

Natildeo haacute uma abstracccedilatildeo meacutedia entre a fiacutesica e a metafiacutesica A isto natildeo obsta

que a alma seja o limite do ser corpoacutereo e do mundo inteligiacutevel como que um certo elo

Com efeito natildeo haacute qualquer meio entre estas duas extremas para que se reclame uma

abstracccedilatildeo meacutedia distinta daquelas que produzem uma variedade tripartida de filosofia

contemplativa como mostraacutemos no lugar citado

2ordf Conclusatildeo Eis a segunda conclusatildeo O primeiro modo de consideraccedilatildeo da

alma pertence por obrigaccedilatildeo agrave filosofia natural

1ordf Confirmaccedilatildeo Aprova-se esta conclusatildeo porque respeita ao fiacutesico examinar

o ente natural Respeita-lhe examinar o todo e as partes e a alma entendida deste modo

eacute parte do ente natural em acto do homem

2ordf Confirmaccedilatildeo Aleacutem disso porque as operaccedilotildees que a alma executa quando

estaacute no corpo dependem da mateacuteria e como tecircm conexatildeo com ela apenas recaem sob a

observaccedilatildeo do especialista que disserta sobre a mateacuteria isto eacute do fisioacutelogo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 207

3ordf Conclusatildeo A alma racional eacute a suprema entre as formas Eis a terceira

conclusatildeo A observaccedilatildeo da alma tomada do segundo modo transcende os fins da

fisiologia e pertence ao metafiacutesico Para compreender esta conclusatildeo deve observar-se

que a alma racional eacute a suprema entre as formas existentes na mateacuteria e conforme o

testemunho de Satildeo Dioniacutesio no capiacutetulo 7ordm de Os Nomes Divinos a parte mais elevada

do mais baixo toca na parte mais baixa do mais alto Quando se afasta do corpo ela

passa a seu modo para o estado das substacircncias separadas em conformidade com

aquelas afecccedilotildees que acima recordaacutemos as quais natildeo possuem comeacutercio com a

mateacuteria Este estado como ensina S Tomaacutes 1ordf parte da Suma Teoloacutegica questatildeo 79

artigo 1ordm natildeo lhe eacute natural mas preternatural Donde resulta que a discussatildeo sobre a

alma racional nesta acepccedilatildeo deve pertencer agrave mesma ciecircncia das inteligecircncias

completamente livres da contaminaccedilatildeo da mateacuteria

Prova da 3ordf conclusatildeo A conclusatildeo jaacute proposta demonstra-se porque

examinar as coisas que estatildeo separadas da mateacuteria real e racionalmente diz respeito

somente ao filoacutesofo primeiro Ora as afecccedilotildees que concernem agrave alma na medida

precisamente em que ela subsiste fora da mateacuteria satildeo deste modo como seraacute evidente

ao observador

4ordf Conclusatildeo Eis a quarta conclusatildeo Investigar a natureza e a essecircncia da

alma que era o terceiro exerciacutecio acerca da alma respeita ao filoacutesofo natural

1ordf Prova A verdade desta conclusatildeo convence porque a alma pela sua noccedilatildeo e

natureza eacute a forma do corpo daiacute que seja explicada por definiccedilatildeo essencial quando eacute

chamada acto primeiro do corpo orgacircnico Donde acontece que para o seu

conhecimento requer necessariamente a mateacuteria As realidades que a possuem

integram-se nos limites da investigaccedilatildeo fiacutesica tal como a proacutepria mateacuteria como ensina

Aristoacuteteles no livro segundo da Fiacutesica capiacutetulo 2ordm texto 22 que examinar a forma e a

mateacuteria compete ao mesmo especialista porque eacute evidente que se requerem

mutuamente como consta do mesmo livro e capiacutetulo texto 26

2ordf Estabelece-se a mesma conclusatildeo depois porque uma vez que o homem eacute

uma parte integrante do ente moacutevel cujo conhecimento o fiacutesico daacute a conhecer e uma

vez que a essecircncia do homem natildeo pode ser conhecida a natildeo ser que se chegue ao

conhecimento da alma atraveacutes da qual ele se constitui no seu proacuteprio grau e espeacutecie

pretende-se que indagar a essecircncia da alma diga respeito agrave filosofia natural

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 208

3ordf Eacute assim porque se crecirc que aquela definiccedilatildeo indistintamente divulgada de

homem lsquoo homem eacute um animal constituiacutedo por um corpo e uma alma que participa da

razatildeorsquo natildeo foi transmitida e inventada por outrem senatildeo pelo filoacutesofo natural

Duacutevida Perguntar-se-aacute na perspectiva em que se examina a alma como algo

de imaterial subsistente por si inteligiacutevel que atributos satildeo de tal modo intriacutensecos agrave

alma que tanto na mateacuteria como fora dela lhe correspondam Perguntar-se-aacute digo se

uma consideraccedilatildeo desse tipo eacute fiacutesica ou antes eacute metafiacutesica

Responde-se agrave duacutevida A esta duacutevida deve responder-se que se estes

predicados forem tomados natildeo em toda a sua amplitude mas restritos ao grau proacuteprio e

especiacutefico da alma racional de tal modo que sejam reciacuteprocos com ela sem duacutevida que

o estudo do imaterial do subsistente por si e do inteligiacutevel pertence agrave fiacutesica visto que

conhecer a natureza proacutepria e particular da alma racional pertence agrave doutrina da

fisiologia como a seguir consideramos Se poreacutem forem tomados de maneira comum

que tanto se adequacuteem agrave alma como agraves inteligecircncias entatildeo eacute metafiacutesica Porque incumbe

ao metafiacutesico examinar a substacircncia a relaccedilatildeo a qualidade e as paixotildees do ente como

conceitos comuns e gerais tal como mostraacutemos no ponto citado Eacute por isso que eles

embora em parte estejam presentes na mateacuteria satildeo todavia em si indiferentes ainda

que estejam na mateacuteria Assim tambeacutem conhecer o inteligiacutevel por si subsistente e

imaterial em comum eacute da competecircncia do metafiacutesico Porque ainda que esses

predicados digam respeito agrave alma racional cujo conhecimento da essecircncia proacutepria e

reciacuteproca pertence ao fisioacutelogo em si eles dizem respeito indiscriminadamente agrave alma e

agraves inteligecircncias que natildeo possuem nenhuma conjunccedilatildeo com a mateacuteria

A ALMA DE ARISTOacuteTELES

LIVRO I

EXPLICACcedilAtildeO DO CAPIacuteTULO I206

a cum omnem ndash 402 a1- As coisas que suscitam o apetite de saber Existem

acima de tudo duas coisas que tornam as almas dos homens mais inclinadas a aprender e

as despertam de maneira veemente a dignidade da ciecircncia e o meacutetodo correcto de

ensinar A dignidade da ciecircncia inclui por sua vez mais trecircs A certeza a superioridade

do objecto e a utilidade Aristoacuteteles expotildee-nas todas neste Proeacutemio Natildeo passou

206 Trad MCC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 209

entretanto em silecircncio a dificuldade da mateacuteria acolhida quer porque ela tambeacutem

impele o observador a natildeo permanecer no oacutecio como advertem os inteacuterpretes Gregos

quer para que ningueacutem exija maior evidecircncia em mateacuteria difiacutecil e profunda como a

semelhante de que a natureza do assunto padece quer finalmente para ordenar desde o

iniacutecio aos espiacuteritos que natildeo sejam rudes e indolentes

Por que razatildeo os Filoacutesofos escreveram obscuramente acerca da natureza Por isso os

velhos mestres da filosofia tiveram isso fortemente em vista de maneira que em virtude

da insuficiecircncia das palavras envolveram os misteacuterios da natureza nos veacuteus dos

enigmas considerando o valor da obra que produzem se com aquele argumento

afastarem os vagarosos e os pouco aptos a ouvir da indagaccedilatildeo das coisas excelentes e

ocultas

b Bonam ac honorabilem ndash 402 a1 A noccedilatildeo de bem e de excelente O bem e o

excelente convecircm na realidade e diferem pela razatildeo conforme Simpliacutecio escreveu Na

verdade o que concerne ao apetite eacute chamado bom tal como o que concerne agrave

excelecircncia excelente e por isso desejamos as coisas boas e temos por excelente as

superiores

Um e outro pertencem agrave ciecircncia Daacute-se a conveniecircncia entre eles mas a noccedilatildeo do bem

pertence a toda a ciecircncia porque o bem no primeiro livro da Eacutetica capiacutetulo 1ordm eacute aquilo

que todas as coisas desejam Mas em todos os homens eacute inato o desejo da ciecircncia livro

1 da Metafiacutesica capiacutetulo 1ordm Pertence tambeacutem agrave ciecircncia a noccedilatildeo de excelente porque os

homens se elevam e satildeo superiores no ofiacutecio da ciecircncia quer aos animais quer uns aos

outros entre si como no livro 4 da Poliacutetica capiacutetulo 4ordm Aristoacuteteles ensina quando

enumera a ciecircncia entre as espeacutecies da nobreza

Objecccedilatildeo Mas haacute quem objecte que Aristoacuteteles parece ter mudado de opiniatildeo Na

verdade no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 12ordm afirma que a excelecircncia somente eacute devida agraves

coisas divinas mas que o louvor eacute devido agrave virtude e aos feitos excelentes Mas neste

ponto tambeacutem cede agrave doutrina apresentando a excelecircncia

Soluccedilatildeo Deve responder-se que na Eacutetica se ocupou com a excelecircncia de maneira

diferente da maneira em que o faz aqui Na Eacutetica fala da excelecircncia de forma

inteiramente concisa como conveacutem agraves coisas mais elevadas natildeo por comparaccedilatildeo mas

em absoluto como satildeo as coisas divinas E aqui fala acerca daquilo que se refere aos

assuntos humanos consoante a sua respectiva maior ou menor superioridade

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 210

(hellip)

g At vero ndash 402 a 10 ndash A modeacutestia de Aristoacuteteles ao escrever Diz acerca da

alma ser muito difiacutecil estabelecer aquilo que ela possui de certo e seguro Nisso

conforme escreveu Teoacutefilo imita a modeacutestia de Platatildeo que dizia que natildeo havia de trazer

as palavras exactas sobre o mundo nem como aqueles que diziam que sabiam todas as

coisas nem como aqueles que natildeo concordavam que pudessem saber alguma coisa mas

no caminho intermeacutedio que anda entre a confianccedila e a desconfianccedila Aristoacuteteles diz

pois que eacute dificiacutelimo estabelecer alguma coisa acerca da natureza da alma porque

primeiro sobre o proacuteprio meacutetodo de investigar a definiccedilatildeo pela qual se declara a

essecircncia da coisa subsiste uma questatildeo embora comum a outras doutrinas A questatildeo

ambiacutegua consiste em saber se este meacutetodo eacute a uacutenica via e razatildeo de demonstraccedilatildeo ou se

haacute mais

Trecircs caminhos de investigar a definiccedilatildeo Se for uacutenico eacute difiacutecil dele natildeo se afastar Se

forem vaacuterios natildeo seraacute menos laborioso para cada coisa distinguir convenientemente a

que eacute proacutepria visto que discernir os geacuteneros e as diferenccedilas das coisas singulares eacute feito

com grande labor Aleacutem disso Platatildeo estabeleceu a divisatildeo como meacutetodo de encontrar a

definiccedilatildeo no Sofista Aristoacuteteles no segundo dos Analiacuteticos Posteriores sobretudo a

composiccedilatildeo e Hipoacutecrates a argumentaccedilatildeo Nesta mateacuteria natildeo deve analisar-se por que

se deteacutem neste ponto porque esse eacute o trabalho do dialeacutectico

PROEacuteMIO DO LIVRO SEGUNDO

DO TRATADO DA ALMA DE ARISTOacuteTELES207

Rebatidas no final do primeiro livro as opiniotildees dos filoacutesofos antigos

Aristoacuteteles passa a explicar o seu pensamento acerca desse assunto Executa-o

acuradamente parte neste livro parte no terceiro Divide-se o presente livro em quatro

partes A primeira discute a natureza da alma e a sua essecircncia nos capiacutetulos primeiro e

segundo A segunda a divisatildeo comum e a primeira divisatildeo das faculdades da alma no

capiacutetulo terceiro A terceira as funccedilotildees e as faculdades da alma vegetativa no capiacutetulo

4ordm A uacuteltima as potecircncias e funccedilotildees da alma sensitiva do quinto ao uacuteltimo capiacutetulo

207 Trad MCC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 211

PROEacuteMIO DO TERCEIRO LIVRO

DO TRATADO DA ALMA DE ARISTOacuteTELES208

Apoacutes ter indagado no primeiro livro com base na opiniatildeo dos filoacutesofos

antigos natildeo tanto o que eles pensavam mas o que se deveria pensar sobre a natureza da

alma e de no segundo ter proposto a definiccedilatildeo de alma coligida e descoberta por si e

ter dissertado acuradamente acerca das suas potecircncias e funccedilotildees Aristoacuteteles investiga

agora natildeo com menos diligecircncia e cuidado neste livro que se encontra dividido em

quatro partes as questotildees concernentes agrave divisatildeo do assunto

Divisatildeo deste livro em quatro partes Na primeira que se perfaz num soacute

capiacutetulo trata do nuacutemero dos sentidos externos acerca dos quais disputou um a um no

livro anterior Na segunda contida em dois capiacutetulos aborda o tratado dos sentidos

internos Na terceira discute sobre o intelecto desde o quarto ateacute ao oitavo capiacutetulos

Na quarta do capiacutetulo nono ateacute ao fim do livro aprofunda o princiacutepio da marcha dos

animais

Dissiacutedio sobre o exoacuterdio do terceiro livro Entre os comentadores subsiste

muita discussatildeo acerca do exoacuterdio deste livro Na verdade Averroacuteis Alberto Magno

Egiacutedio e Caetano pretendem que os trecircs primeiros capiacutetulos concernem ao segundo

livro iniciando-se este no quarto capiacutetulo Filoacutepono Temiacutestio Simpliacutecio Boeacutecio Satildeo

Tomaacutes Teoacutefilo Argiroacutepolo e outros seguem a nossa divisatildeo que eacute a preferida pelos

exemplares gregos e que eacute hoje em dia vulgarmente acolhida

LIVRO II CAPIacuteTULO IQUESTAtildeO VI

SE A ALMA INTELECTIVA Eacute VERDADEIRA FORMA DO HOMEM OU NAtildeO209

ARTIGO II

NAtildeO PODE NEGAR-SE QUE A ALMA INTELECTIVA Eacute VERDADEIRA E PROPRIAMENTE FORMA DO

HOMEM

Afirmaccedilatildeo de Platatildeo Sobre esta questatildeo temos primeiro a afirmaccedilatildeo de

Platatildeo210 em Alcibiacuteades I dizendo que a alma intelectiva natildeo se junta ao corpo como

uma forma agrave mateacuteria mas apenas como o motor para o moacutevel e que a alma de Soacutecrates

208 Trad MCC209 Trad MCC210 Sobre esta afirmaccedilatildeo de Platatildeo Aristoacuteteles neste livro cap 1 texto 21 Temiacutestio cap 2 Filoacutepono cap 1 S Gregoacuterio Nisseno livro 2 Sobre a Alma cap 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 212

estaacute para Soacutecrates como o piloto para o navio visto que o governa com o artifiacutecio da

razatildeo e da inteligecircncia move o corpo como que um leme inflecte e modera as suas

acccedilotildees (embora natildeo falte quem afirme que Platatildeo natildeo nega que a alma intelectiva eacute

forma do corpo mas que enforma o corpo como as restantes formas que estatildeo de tal

modo unidas aos corpos que natildeo podem existir fora deles)

Reconduzido ao bom-senso por alguns Parece que Anaxaacuterco pensou como Platatildeo uma

vez que Fiacutelon o Judeu lembra no livro que intitulou Quod omnis probus liber est que

ele foi arremessado para um almofariz de rocha por Nacreonte tirano de Chipre e aiacute

por diversas vezes esmagado com martelos de ferro de novo o ataca e esmaga esmaga o

invoacutelucro de Anaxaacuterco mas sem esmagar Anaxaacuterco Com aquelas palavras indica que o

corpo externo que o homem eacute natildeo pertence agrave sua natureza

Quem negou que a alma fosse forma do homem segundo qualquer grau Depois

Simpliacutecio livro 1 no texto seacutetimo desta obra afirma que a alma natildeo eacute forma do

homem tambeacutem Filoacutepono texto 11 Temiacutestio livro 2 capiacutetulo 27ordm Averroacuteis livro 3

comentaacuterio 5 um certo Pedro Joatildeo referido por Guido Carmelita no seu livro De

haeresibus Parece que alguns consideram o mesmo por volta do ano 1300 da nossa

salvaccedilatildeo como se compreende do Conciacutelio de Viena sob Clemente V o que eacute referido

na Clementina lsquoAd nostrum de summa Trinitate et fide Catholicarsquo Tambeacutem noutra data

Leatildeo X como indica o Conciacutelio de Latratildeo sob o mesmo sessatildeo 8

Quem negou que o fosse apenas segundo o grau intelectivo Finalmente houve quem

pensasse que a alma do homem segundo o grau intelectivo natildeo eacute forma do corpo mas

apenas dada a disposiccedilatildeo uma faculdade de nutrir e de sentir cujas funccedilotildees dependem

directamente da mateacuteria e lhe satildeo inerentes Caetano parece ser claro nisto 1ordf parte da

Suma Teoloacutegica questatildeo 76 artigo 1ordm na resposta ao 1ordm

Primeira conclusatildeo Seja no entanto nesta discussatildeo a primeira conclusatildeo

Natildeo pode negar-se que a alma intelectiva eacute verdadeira e proacutepria forma do homem e do

seu corpo que enforma Esta conclusatildeo demonstra-se com os seguintes argumentos Eacute

necessaacuterio que o princiacutepio das operaccedilotildees de qualquer coisa natural seja a sua forma mas

qualquer de noacutes experimenta que intelige que sente e que produz outras funccedilotildees deste

geacutenero Portanto eacute preciso que exista em noacutes uma forma pela qual persistam as

referidas operaccedilotildees Essa forma natildeo eacute outra senatildeo a alma intelectiva visto que no

mesmo composto natildeo podem existir vaacuterias formas substanciais como mostraacutemos no

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 213

livro 1 de A Geraccedilatildeo e a Corrupccedilatildeo211 Logo a alma intelectiva eacute a verdadeira forma do

homem

Nada age a natildeo ser enquanto estaacute em acto A premissa maior eacute evidente

porque nada age a natildeo ser enquanto estaacute em acto e de facto uma coisa natildeo estaacute em

acto nas coisas fiacutesicas a natildeo ser atraveacutes da forma natural visto que a mateacuteria eacute pura

potecircncia e natildeo possui nenhuma faculdade efectivadora Este argumento quase foi

acolhido por Aristoacuteteles no capiacutetulo 2ordm daquele livro Satildeo Tomaacutes na 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 76 artigo 1ordm e Durando no 2ordm livro das Sentenccedilas distinccedilatildeo 17

questatildeo 1 crecircem que nenhum argumento pode ser mais eficazmente produzido para

confirmar o assunto proposto a partir das fontes da filosofia

Segundo argumento Confirma-se o mesmo deste modo A verdadeira forma

de uma coisa eacute o que constitui a coisa numa certa espeacutecie e a separa das outras Assim eacute

a alma intelectiva no que respeita ao homem Eacute portanto a sua verdadeira forma

Prova-se a premissa menor Com efeito o homem tem a mateacuteria em comum com os

animais e outros compostos sublunares e natildeo pode mercecirc da mateacuteria distinguir-se deles

em espeacutecie ou obter uma certa espeacutecie Resta entatildeo que isso cabe justamente agrave alma

intelectiva

Contra Platatildeo Terceiro Que a alma intelectiva natildeo existe para o corpo apenas

como motor mas como seu acto e forma demonstra-se assim O moacutevel natildeo recebe o ser

do motor mas soacute o movimento Portanto se a alma se une ao corpo somente como

motor o corpo seraacute seguramente movimentado por ela mas natildeo recebe dela o ser Por

isso como viver eacute um certo ser da coisa viva o corpo natildeo vive atraveacutes da alma o que eacute

claramente falso Outro Embora o navio se corrompa o marinheiro todavia conserva

ilesas as operaccedilotildees do homem Tambeacutem a nossa alma largamente afecta ao corpo natildeo

pratica as suas acccedilotildees sem erro e sem viacutecio como acontece agrave vista nos eacutebrios e

freneacuteticos Portanto a alma natildeo estaacute para o corpo como o marinheiro para o navio

Acrescente-se que o homem eacute gerado com a junccedilatildeo da alma e morre com o seu

afastamento o que de modo algum acontece com o contacto do marinheiro com o

navio e do motor com a coisa movida e igualmente com o seu afastamento

Segundo a doutrina de Aristoacuteteles a alma intelectiva eacute a forma do homem

Quarto Pode demonstrar-se que segundo a doutrina de Aristoacuteteles a alma intelectiva eacute a

211 Cap 4 questatildeo 25

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 214

verdadeira forma do homem Primeiro porque na definiccedilatildeo pela qual define a alma

como o acto ou forma do corpo compreende a alma em geral como ele proacuteprio aiacute

declara e portanto tambeacutem a intelectiva Tambeacutem porque demonstraraacute no capiacutetulo a

seguir que a alma eacute acto ou forma do corpo por ser aquilo por que primeiramente

vivemos nos movemos localmente e inteligimos Incluiu neste raciociacutenio a alma

intelectiva com palavras claras pois somente atraveacutes dela inteligimos Ele natildeo o quis

dizer de forma menos clara no livro 12 da Metafiacutesica capiacutetulo 3ordm texto 17 no momento

em que levantava a questatildeo sobre o modo como a causa formal natildeo precede aquilo de

que eacute causa e por isso natildeo subsiste quando isso perece Responde que natildeo parece

obstar que subsista em alguns como na alma que participa do intelecto E assim

enumera a alma humana entre as formas Acontece que segundo a sua opiniatildeo uma

pessoa eacute formada de corpo e de alma como eacute evidente a partir do que ensinou no

capiacutetulo primeiro deste livro texto 7 inequivocamente dissertando a respeito de toda a

alma que da alma intelectiva e do corpo natildeo se faria um a natildeo ser que ela fosse a forma

e o acto do corpo conservando assim ambos entre si a proporccedilatildeo que eacute medianeira da

unidade

Quinto Para natildeo disputarmos com razotildees somente fiacutesicas que a alma do

homem eacute a sua verdadeira e proacutepria forma ensina-o a feacute ortodoxa mais certa do que

toda a filosofia O conciacutelio Vienense definiu-o primeiro sob Clemente V cujo decreto

lemos na Clementina uacutenica De summa Trinitate sect 2 com as palavras a seguir

Condenamos e reprovamos toda a doutrina ou posiccedilatildeo que afirma sem razatildeo e

tendendo para a duacutevida que a substacircncia da alma racional ou intelectiva

verdadeiramente e por si natildeo eacute forma do corpo humano como erroacutenea inimiga da

verdade catoacutelica conforme aprovou o referido sagrado Conciacutelio definindo que quem

antecipadamente ousou anunciou ou pertinazmente susteve que a alma racional ou

intelectiva natildeo eacute forma do corpo humano por si essencialmente deve ser declarado

hereacutetico Donde o proacuteprio Conciacutelio de Latratildeo sob Leatildeo X estabeleceu o seguinte na

sessatildeo 8 onde estatildeo escritas as seguintes palavras Condenamos e reprovamos todos os

que afirmam que a alma intelectiva eacute mortal e uma soacute para todos os homens e os que

potildeem em duacutevida estas afirmaccedilotildees visto que ela existe verdadeiramente por si natildeo soacute

essencialmente como forma do corpo humano verdadeiro e imortal mas tambeacutem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 215

multiplicaacutevel singularmente pela multiplicidade dos corpos em que eacute infundida Natildeo soacute

foi multiplicada mas deve multiplicar-se

Segunda conclusatildeo A alma humana natildeo soacute quanto ao grau sensitivo e

vegetativo e aos restantes superiores mas tambeacutem quanto ao grau intelectivo eacute

verdadeira e propriamente forma do homem Prova-se isto porque dado que

compreendemos as formas das coisas por meio das operaccedilotildees e eacute proacuteprio do homem

inteligir e raciocinar eacute necessaacuterio que a alma racional mostre tambeacutem quanto agravequele

grau do qual provecircm essas acccedilotildees que eacute verdadeira e proacutepria forma do homem

Segundo porque a alma intelectiva no presente estado da vida experimenta todo o

conhecimento atraveacutes dos sentidos e no que diz respeito tambeacutem ao uso das espeacutecies

pelo menos da maior parte depende do corpo pois eacute necessaacuterio que o que intelige

considere os fantasmas O que certamente natildeo aconteceria se natildeo houvesse tambeacutem

quanto ao grau intelectivo uma relaccedilatildeo com o corpo enformando-o de facto pois essa

dependecircncia quanto agrave operaccedilatildeo somente tem origem no nexo natural entre a alma e o

corpo Terceiro Porque se a alma humana no referido grau natildeo estivesse ligada ao

corpo como sua forma nada conduziria a composiccedilatildeo do corpo ateacute agrave perspicaacutecia do

espiacuterito e a experimentar as acccedilotildees da intelecccedilatildeo cujo contraacuterio a experiecircncia ensina

como acima argumentaacutevamos Quarto O mesmo se estabelece porque tal como os

Conciacutelios de Viena e de Latratildeo decretaram de modo inequiacutevoco a alma intelectiva eacute

verdadeiramente e por si forma do corpo humano no grau de inteligir a alma

intelectiva obteve o seu ser proacuteprio e particular sendo inquestionaacutevel que este decreto

acerca da alma deve ser compreendido nestes termos no que toca a esse grau

Contestaccedilatildeo a alguns filoacutesofos mais recentes que pensam incorrectamente

Terceira conclusatildeo Natildeo soacute foi ratificado pela feacute mas tambeacutem se conclui pela razatildeo

natural que a alma intelectiva eacute verdadeiramente e por si forma do corpo

Estabelecemos esta conclusatildeo contra certos filoacutesofos mais recentes que afirmam

incorrectamente que apenas pela feacute se sustenta que a alma racional eacute forma do corpo e

que ela eacute ao mesmo tempo imortal como se de facto com base nas opiniotildees da

filosofia natildeo pudesse nenhuma forma do corpo subsistir fora da mateacuteria Compreende-

se o seu engano porque no que respeita agrave imortalidade o Conciacutelio de Latratildeo

estabeleceu claramente que a alma humana tambeacutem eacute imortal segundo a filosofia o que

mostramos de caminho com argumentos filosoacuteficos Aleacutem disso no que respeita agrave

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 216

noccedilatildeo de forma eacute evidente a partir da discussatildeo anterior que tambeacutem sem a luz da feacute

naturalmente se conclui e se convence com base no que dissemos que a alma intelectiva

eacute desde logo forma do corpo humano

TRATADO DA ALMA SEPARADA

Proeacutemio212

Uma vez que nos livros anteriores Aristoacuteteles natildeo disse nada acerca da alma

separada relativamente agrave qual versam muitas e graves questotildees entre os filoacutesofos e os

teoacutelogos cuja explicaccedilatildeo e entendimento natildeo eacute menos necessaacuterio quanto interessante

consideramos que o meacuterito da obra justifica agora esta disputa ainda que a consideraccedilatildeo

do que precisamente diz respeito agrave alma enquanto estaacute fora do corpo pertenccedila mais ao

metafiacutesico do que ao fiacutesico como realccedilaacutemos no Proeacutemio do primeiro livro

Qual eacute o escopo desta obra Dado que a ciecircncia da alma natildeo poderia ficar

concluiacuteda sem este tratado como que suplementar e talvez nos livros da Filosofia

Primeira de Aristoacuteteles este comentaacuterio natildeo tenha lugar oportuno decidimos assim

acrescentar um tratado deste tipo aos livros anteriores em vez de o rejeitar

Disputaremos as questotildees que dizem respeito a ambos os estados da alma a saber os

que respeitam indiferentemente agrave separaccedilatildeo e agrave enformaccedilatildeo tais como se porventura as

almas racionais satildeo subsistentes se satildeo criadas por Deus ou se o satildeo do modo como

foram analisadas no capiacutetulo primeiro do livro segundo desta obra

O assunto deste tratado Adiante estatildeo agrave disposiccedilatildeo o objecto e a mateacuteria deste

tratado a que chamam o assunto em consideraccedilatildeo nomeadamente a alma racional

examinada segundo a separabilidade do corpo a qual como razatildeo formal decerto as

restantes ciecircncias particulares relativamente agraves suas mateacuterias natildeo acrescentam mas

supotildeem Na verdade comum a todas eacute a metafiacutesica agrave qual sobretudo diz respeito este

tratado como haacute pouquinho dissemos quer a si quer agraves outras que investiguem acerca

do assunto Sendo assim demonstremos a separabilidade da alma na primeira disputa a

seguir A paixatildeo na verdade consiste em poder ser operada sem o corpo Natildeo eacute de

admirar se por uma dada parte positiva natildeo se daacute a paixatildeo ao contraacuterio eacute necessaacuterio que

212 Trad MCC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 217

ela se decirc porque o seu sujeito encontra-se particularizado pela parte da razatildeo formal

isto eacute da separaccedilatildeo como se depreende do que se segue

Divisatildeo Este tratado divide-se em seis disputas A primeira diz propriamente respeito agrave

natureza da alma dado que nela se discute a imortalidade e a sua distinccedilatildeo das outras

substacircncias separadas A segunda afirma o modo como a alma existe fora do corpo

referem-se as outras para explicar a operaccedilatildeo A terceira discute sobre as disposiccedilotildees

das potecircncias cognoscentes suas espeacutecies e haacutebitos A quarta sobre o proacuteprio acto de

conhecer A quinta sobre o objecto do conhecimento A sexta sobre o movimento local

TRATADO SOBRE ALGUNS PROBLEMAS RELATIVOS AOS CINCO SENTIDOS DIVIDIDO PELO MESMO

NUacuteMERO DE SECCcedilOtildeES213

PRIMEIRA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS Agrave FACULDADE DE VER

Depois do estudo de cada um dos sentidos vamos explorar brevemente alguns

problemas a eles relativos como fizemos noutros passos dos nossos comentaacuterios

quando era necessaacuterio E assim comeccedilando pela visatildeo perguntamos

1ordm problema Por que razatildeo eacute que de todas as partes do feto os olhos satildeo os

uacuteltimos a aperfeiccediloar-se

Resposta Porque a natureza costuma traccedilar em primeiro lugar por assim

dizer os contornos dos membros (embora natildeo de todos ao mesmo tempo como

dissertaacutemos abertamente nos livros Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo) e soacute depois forma

distintamente cada um deles tal como os pintores gizam um primeiro esboccedilo com

linhas que depois matizam com cores e aperfeiccediloam Ensina de facto Aristoacuteteles no

segundo livro Sobre a geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 4 que os olhos satildeo finalizados em

uacuteltimo lugar214 Mas a causa dessa circunstacircncia que aduzimos na questatildeo eacute porque o

oacutergatildeo dos olhos eacute no iniacutecio huacutemido e frio e soacute ao fim de longo tempo amadurece

consolida e estabiliza Por isso os olhos no iniacutecio satildeo maiores em proporccedilatildeo agrave sua

dimensatildeo futura mas depois vatildeo-se contraindo paulatinamente no que diz respeito agraves

espeacutecies da terra da aacutegua e do ar como afirma Aristoacuteteles Comprova-se relativamente

213 Trad FM Na verdade satildeo cinco sentidos e seis secccedilotildees uma vez que se introduz um capiacutetulo sobre a voz e os sons (N do T)214 Pliacutenio no livro 2 cap 37 ensina que os olhos se formam muito mais tarde e morrem primeiro

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 218

agrave evoluccedilatildeo da natureza que o seu autor eacute Deus que se gerou a si proacuteprio no universo

tal como formou muito depois as luzes do ceacuteu e do mesmo modo haacute-de fazer-se

desaparecer antes do ocaso do proacuteprio mundo

2 O olho eacute ou natildeo de natureza iacutegnea

Resposta Que eacute de natureza iacutegnea foi a opiniatildeo de Platatildeo no Timeu de

Calciacutedio nos comentaacuterios a esse mesmo livro de Ficino no livro Sobre a vontade

capiacutetulo 4 e de Galeno no livro 10 De usu partium E isto pode ser demonstrado

porque o olho participa na luz que eacute de natureza celeste e iacutegnea Por outro lado a

posiccedilatildeo contraacuteria que afirma que o olho eacute de natureza aquosa e natildeo iacutegnea eacute

Peripateacutetica como consta dos locais que daqui a pouco vamos apresentar e os humores

a partir dos quais se desenvolve atestam a sua verdade porque se aproximam mais do

caraacutecter da aacutegua bem como o defluxo das laacutegrimas do temperamento huacutemido e frio

Sobre isto falaremos depois E natildeo levantam qualquer obstaacuteculo a luz e a transparecircncia

ingeacutenitas pois estas natildeo satildeo companheiras apenas da natureza iacutegnea como se torna

evidente no cristal e noutros casos Leia-se tambeacutem Aristoacuteteles na secccedilatildeo 31 dos

Problemas 23 e sobre este problema mais largamente Scaliacutegero na Exercitaccedilatildeo 297

nuacutemero 3

3 Por que eacute que a pupila eacute de natureza aquosa quando mais parecia dever ser

aeacuterea visto que o ar eacute mais transparente e mais adequado para receber as espeacutecies das

coisas visiacuteveis

Resposta Que eacute de natureza aquosa ensina Aristoacuteteles no livro Sobre o

sentido e o sensiacutevel capiacutetulo 2 e no livro 2 Sobre as partes dos animais capiacutetulo 10

bem como no livro 1 Sobre a Geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 6 e de facto conveacutem que

assim seja Pois como o ar se dissipa mais facilmente natildeo se funde adequadamente e

natildeo chega a ser apropriado para conservar as espeacutecies por isso a pupila deve ser

preferivelmente aquosa e natildeo aeacuterea para que natildeo [as] receba com dificuldade e [as]

retenha de forma conveniente

4 Por que motivo a uacutevea coacuternea se apresenta a seguir ao humor cristalino

Resposta Porque ela eacute opaca e densa e sendo opaca conserva natildeo soacute pelas

imagens que reteacutem mas tambeacutem pelas que reproduz numa repercussatildeo ponderada De

facto eacute evidente que as imagens ressaltam do olho visto que cada um se revecirc no olho

do outro como num espelho

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 219

5 Por que razatildeo o humor cristalino natildeo tem uma forma perfeitamente esfeacuterica

mas no que diz respeito agrave pupila eacute mais compacto e mais plano

Resposta Para que natildeo seja facilmente extraiacuteda do humor viacutetreo por golpes ou

choques violentos como adverte Galeno no livro 10 De usu partium De facto a

conexatildeo e o posicionamento nas coisas absolutamente redondas satildeo mais falaciosos do

que naquelas que tecircm uma forma mais plana

6 Por que eacute que os peixes pelo menos grande parte deles tecircm os olhos

imoacuteveis

Resposta Eacute possiacutevel distinguir e admirar uma grande variedade de olhos que

vai desde a seacuterie privada de vista que existe nas ostras ateacute aos olhos da aacuteguia Em

alguns animais estatildeo de facto descobertos como nos caranguejos em outros ora estatildeo

fechados ora estatildeo abertos como nos homens Em alguns satildeo duros como nas lagostas

Em outros satildeo moles como acontece na maioria Em alguns satildeo voluacuteveis como em

quase todos os casos mas em outros estatildeo imobilizados dentro das suas oacuterbitas como

nos peixes Eacute evidente que o autor da natureza procurou esta variedade em funccedilatildeo da

beleza do mundo onde nada existe sem cuidado nem providecircncia Natildeo foi necessaacuterio

aos peixes mover os olhos no seu elemento onde estatildeo menos expostos a agressotildees

Nem foi preciso conferir uma igual condiccedilatildeo a todos os animais para que cumprissem a

sua funccedilatildeo

7 Por que motivo o branco do olho que estaacute cheio de sangue eacute viscoso e

espesso

Resposta Para que possa (diz Aristoacuteteles no livro Sobre o sentido e o sensiacutevel

capiacutetulo 2) conservar-se distendido Eacute tambeacutem por esta razatildeo porque o olho entre todas

as partes do corpo eacute o mais indiferente ao frio como tambeacutem se afirma na secccedilatildeo 31

dos Problemas 23 pois essa viscosidade impede o ingresso do ar penetrante De facto

os animais exangues tecircm uma pele mais dura nos olhos atraveacutes da qual se protegem dos

danos

8 Eacute ou natildeo por causa dos olhos que a cabeccedila se situa na parte mais alta [do

corpo]

Resposta Galeno no oitavo livro De usu partium seguiu a parte afirmativa e

o fundamento desta opiniatildeo eacute o facto de a elevaccedilatildeo da cabeccedila natildeo parecer necessaacuteria

para nenhum outro uso a natildeo ser para que os olhos nela colocados tudo observem do

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 220

alto A opiniatildeo contraacuteria sustenta Averroacuteis no livro segundo da Collectanea bem como

muitos outros o que pode ser demonstrado pelo facto de a importacircncia do ceacuterebro ser

tatildeo grande que compete com o coraccedilatildeo em dignidade e ateacute seria mais nobre se se

considerasse a razatildeo das potecircncias sensitivas que em si conteacutem como mostraacutemos nos

livros Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo Parece absurdo considerar que a cabeccedila tivesse

sido constituiacuteda desse modo mais por causa dos olhos do que por causa do ceacuterebro

Assim sendo eacute evidente que esta controveacutersia tem de resolver-se para que digamos de

uma vez por todas se a vantagem da posiccedilatildeo mais elevada se deve considerar em

funccedilatildeo do uso do membro e da operaccedilatildeo que mais a requer ou ateacute que ponto eacute mais por

causa dos olhos do que causa do ceacuterebro porque ainda que o ceacuterebro natildeo estivesse no

local mais alto mas no toacuterax poderia perfeitamente discorrer a partir daiacute todavia seria

conveniente que os olhos se fixassem em espelhos para conseguirem ver Se poreacutem

considerarmos a razatildeo natildeo da vantagem da operaccedilatildeo mas da dignidade do proacuteprio

membro entatildeo como o ceacuterebro eacute mais importante do que os olhos e como num animal

o lugar mais alto eacute o mais nobre tal como o lugar do ceacuteu no mundo deve estabelecer-se

que a altura da cabeccedila natildeo eacute tanto por causa dos olhos como por causa do ceacuterebro Por

isso deve negar-se relativamente agrave razatildeo da primeira sentenccedila que a elevaccedilatildeo da

cabeccedila natildeo serve para mais nada senatildeo para ver mais longe De facto contribui acima

de tudo para a dignidade que na estrutura do corpo humano se deve ao ceacuterebro Na

verdade o argumento da segunda opiniatildeo comprova que no que diz respeito agrave

observada supremacia do membro a posiccedilatildeo elevada da cabeccedila eacute mais por causa do

ceacuterebro do que por causa dos olhos tal como afirmaacutemos

10 Por que eacute que os olhos satildeo dois

Resposta A razatildeo eacute comum pelo mesmo motivo que as orelhas satildeo duas e

outros que tais Evidentemente que eacute para que no caso de se perder uma parte do oacutergatildeo

sensitivo a outra subsista incoacutelume Mas nos olhos haacute uma razatildeo especiacutefica ndash diz

Galeno no livro 10 De usu partium ndash para que como vecircem apenas o que se lhes opotildee

em linha recta possam ver tudo com um simples girar de olhos Ora eacute conhecido o que

alguns escreveram sobre os Ciclopes que tinham apenas um olho no meio da testa cujo

recocircndito sentido explica o inteacuterprete de Hesiacuteodo na Teogonia Diz tambeacutem a tradiccedilatildeo

que existiam Etiacuteopes que tinham trecircs ou quatro pares de olhos no peito No que a isto

diz respeito veja-se Pliacutenio no livro 5 capiacutetulo 8 no livro 6 capiacutetulo 30 e no livro 7

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 221

capiacutetulo 2 bem como Estrabatildeo no livro 1 e no 7 e ainda Aulo Geacutelio no livro 9

capiacutetulo 4 Aleacutem disso S Anselmo no livro 1 De Imagine mundi capiacutetulo 10 e S

Agostinho na obra dos Sermones ad fratres no sermatildeo 37 bem como noutros passos

isto eacute no livro 16 da Cidade de Deus capiacutetulo 8 refutam esse facto por ser imaginaacuterio

Acrescente-se que esta obra dos Sermones ad fratres natildeo eacute autecircntica nem da autoria de

S Agostinho como vulgarmente se acredita

11 De que tipo eacute o temperamento dos olhos

Resposta Galeno no livro 7 De placitis capiacutetulo 13 diz que eacute iacutegneo e o

mesmo parecer tiveram Empeacutedocles e Timeu Aristoacuteteles todavia quando fala segundo

a sua posiccedilatildeo pessoal (na verdade quer em outros lugares quer na secccedilatildeo 31 dos

Problemas escreve por fim que de acordo com o senso comum a visatildeo proveacutem do

fogo e a audiccedilatildeo do ar) como no livro Sobre o sentido e o sensiacutevel capiacutetulo 2 afirma

que eacute aquoso e tem razatildeo visto que o frio e o huacutemido predominam nos olhos como eacute

natural visto que se desenvolvem a partir das membranas da gordura e dos humores

que satildeo todos friacutegidos

12 Por que eacute que os olhos satildeo extremamente moacuteveis sendo friacutegido o seu

temperamento

Resposta A causa eacute dupla em primeiro lugar a abundacircncia de espiacuteritos que

para eles defluem a partir do ceacuterebro depois a multiplicidade de muacutesculos que neles

obedecem ao movimento Todavia esta mobilidade dos olhos natildeo se aplica a todos os

animais visto que muitos deles os tecircm imoacuteveis como se constata do que foi dito

13 Por que eacute que eacute sobretudo quem tem duas pupilas em cada um dos olhos

que consegue ter a capacidade de fascinar

Resposta Que este poder eacute de facto inerente em alguns homens foi o que

demonstraacutemos na Fiacutesica Mas do mesmo modo que acontece terem duas pupilas por

causa de um defeito da natureza assim este outro mal isto eacute o veneno que os olhos

fascinantes projectam proveacutem tambeacutem de um defeito da natureza Todavia a razatildeo

desta ligaccedilatildeo eacute o facto de muitas vezes a causa prejudicial daquela qualidade que

emitem por si proacuteprios atraveacutes de um sopro maleacutefico se aproximar daquela que incute

as duas pupilas

14 Por que eacute que se diz que os olhos satildeo os indicadores da alma a ponto de se

admitir que a alma neles habita

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 222

Resposta Nenhuma parte do corpo revela mais as coisas que se escondem na

alma do que os olhos visto que admitem diferentes formas de olhar para mostrar os

pensamentos ferozes ameaccediladores ardentes graves submissos ternos Brilham

afirmam-se fecham-se sorriem riem temem zangam-se ameaccedilam prometem E

assim em alguns olhos vemos modeacutestia clemecircncia mansidatildeo alegria misericoacuterdia e

amor noutros pelo contraacuterio vemos orgulho arrogacircncia astuacutecia tristeza oacutedio e

indignaccedilatildeo215 Mas como ensina Aristoacuteteles no livro citado capiacutetulos 9 e 10 os que

tecircm os olhos pequenos ou muito negros consideram-se por esse sinal tiacutemidos e

pusilacircnimes os que os tecircm a fugir para o amarelado consideram-se boas almas os que

os tecircm cocircncavos dizem-se maleacuteficos os salientes estuacutepidos os iacutegneos descarados Mas

quem tem daqueles moderadamente pestanejantes diz ele ser indiacutecio de

comportamentos dignos de louvor no primeiro livro Sobre a histoacuteria dos animais

capiacutetulo 10 Eacute suficientemente evidente que existe tambeacutem nos olhos uma grande

capacidade natildeo apenas para indicar a natureza e os pensamentos da alma mas tambeacutem

para a promoccedilatildeo dos afectos Daiacute que os Atenienses tivessem o costume de ir de noite

ateacute ao Areoacutepago na colina de Marte para tomar decisotildees sobre os crimes naturalmente

para natildeo serem coagidos a faltar agrave justiccedila pelo olhar dos indiviacuteduos que se lamentam

Nem eacute diferente disto aquele dito de Seacuteneca sobre os remeacutedios do acaso ldquoNatildeo

compreendes que a cegueira faz parte da inocecircnciardquo Daiacute que os olhos decircem a conhecer

o adulteacuterio o incesto a casa que cobiccedilam bem como a cidade e todos os males Os

olhos satildeo de facto estiacutemulo para os viacutecios e guias para os feitos criminosos

15 Por que eacute que os olhos para os meacutedicos ocupam o primeiro lugar na

determinaccedilatildeo do prognoacutestico como no primeiro livro do Praesagium 13

Resposta Porque como ensina Aristoacuteteles nos Problemas secccedilatildeo 7 problema

7 de entre todos os membros satildeo os que mais se transformam tanto por um factor

externo como por um interno dado que satildeo naturalmente huacutemidos e liacutempidos

facilmente recebem e revelam essa impressatildeo

16 Por que eacute que os olhos de muitos animais como os gatos brilham e

irradiam nas trevas

Resposta Sosiacutegenes preceptor de Alexandre expocircs em termos gerais no

terceiro volume do tratado Sobre a visatildeo os motivos pelos quais alguns corpos reluzem

215 Galeno livro 6 do Commentarius in Hippocratis Epidemias secccedilatildeo 4

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 223

nas trevas diante de noacutes Afirma que estes satildeo inflamados na medida em que participam

da natureza do eacuteter e do quinto elemento e por causa desse parentesco acontece que

iluminam o ar que se aproxima deles ou algum corpo transparente216 E fazem-no

sobretudo de noite pela razatildeo de que nesse momento haacute menos luz Pelo contraacuterio se

acontecesse durante o dia seria de tal modo que a luz dos mais pequenos quase se

perderia e iria ofuscar-se na maior Logo como refulgem durante a noite iluminam

levemente o ar envolvente que estaacute mais proacuteximo natildeo de modo a que tambeacutem se possa

ver as outras coisas mas apenas para que se defendam das trevas Eacute isto o que faz a

exiguidade da sua dimensatildeo de onde proveacutem e emana a luz Na verdade tambeacutem o

proacuteprio fogo ainda que emita o seu brilho de forma mais lata e difusa a tal ponto que se

comunica a outros corpos todavia se estiver mais afastado os olhos natildeo vecircem as outras

coisas e ele proacuteprio mal consegue fazer-se ver Tendo isto em conta facilmente

qualquer um poderaacute perceber por que eacute que os olhos dos animais de que trataacutemos

refulgem de noite Obviamente porque obtecircm uma luz inata que embora seja exiacutegua

como acontece aos seus semelhantes deixa-se obscurecer na luz do dia e esconde-se

Mas a natureza atribui esta luz aos animais para que vejam a presa durante o periacuteodo

nocturno quando se lanccedilam para ela Entatildeo tambeacutem se vecirc que haacute alguns corpos que

durante a noite parecem transparentes e durante o dia coloridos porque a luz deles natildeo eacute

suficiente para mostrar as cores de noite mas de dia nem ela proacutepria se mostra

abscocircndita pela luz mais forte

17 Qual eacute entatildeo nos olhos a melhor constituiccedilatildeo dos humores de acordo

com a sua morfologia

Resposta Como ensina Aristoacuteteles no livro 5 Sobre a Geraccedilatildeo dos animais

capiacutetulo 1 eacute aquela que se manteacutem moderada entre o excesso e a falta de humor Deste

modo nem o humor eacute facilmente perturbado pela sua exiguidade nem eacute dificilmente

movido por causa da sua abundacircncia Se se perguntar qual das duas mais se recomenda

ndash a escassez ou a grandeza ndash devemos responder que se a grandeza tiver por

acompanhante a beleza preferimos a abundacircncia natildeo soacute porque a beleza tem meacuterito por

si mesma mas tambeacutem porque uma abundacircncia bela atesta a presenccedila da virtude que a

enforma a qual pocircde atrair uma grande quantidade de mateacuteria e dar-lhe forma com

elegacircncia Hipoacutecrates no livro segundo De moribus popularibus secccedilatildeo 6 ao discutir

216 Sobre a luz presente nos olhos Averroacuteis na paraacutefrase agrave obra Sobre o sentido e o sensiacutevel

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 224

sobre a noccedilatildeo dos indiacutecios afirma que os olhos grandes e amarelados isto eacute os que se

dizem de cor intermeacutedia entre o amarelo e o esverdeado satildeo proacuteprios de um homem

devidamente equilibrado obviamente porque nascem de uma excelente mistura de

qualidades Alberto Magno afirma que os olhos grandes brilhantes e claros significam

um homem justo doce e prudente como se diz que os teve Soacutecrates considerado pelo

oraacuteculo o mais saacutebio de todos

18 Por que eacute que os olhos dos bebeacutes satildeo esverdeados imediatamente a seguir

ao parto mas depois transformam-se na sua natureza futura o que evidentemente natildeo

acontece nos outros animais

Os olhos esverdeados das crianccedilas217 Resposta Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a

histoacuteria dos animais capiacutetulo 10 e no livro 5 Sobre a geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 1

identifica a causa dizendo que como os olhos dos outros animais de acordo com a

espeacutecie de cada um satildeo maioritariamente unicolores nomeadamente negros os dos

bois pardos os das ovelhas e os dos outros ou completamente vermelhos ou

esverdeados ou da cor das cabras ou amarelados assim sendo natildeo se tornam distintos

de si mesmos pelo contraacuterio conservam posteriormente a mesma cor que apresentam

no nascimento De modo diferente acontece aos homens pois os seus olhos satildeo de certo

modo versicolores uns esverdeados outros amarelados outros avermelhados etc e

assim mudam a cor no decurso da idade Ensina tambeacutem Aristoacuteteles que os bebeacutes os

tecircm esverdeados porque assim se considera o humor dos olhos e dos rios cor esta que

se existir em grande quantidade se torna opaca e escurece porque natildeo pode ser

transparente se for pouca aparece esverdeada se for em quantidade mediana exibe

uma cor intermeacutedia Por conseguinte visto que os olhos dos bebeacutes pela sua pequenez

contecircm pouca quantidade de humor afirma que neles se revela a cor esverdeada E pelo

mesmo motivo eacute precisamente esta cor que estaacute presente nos olhos dos velhos nos

quais como nos outros membros tambeacutem os humores dos olhos se fixam Pode ler-se

outras causas desta circunstacircncia se houver interesse em Averroacuteis no livro 4 da

Colectacircnea 3 em Avicena no livro 3 tratado 3 capiacutetulo 34 ou em Vesaacutelio no livro 3

capiacutetulo 14

19 Por que eacute que alguns dos seres animados sobretudo os homens tecircm apenas

um olho esverdeado

217 No original esta nota aparece colocada na questatildeo anterior provavelmente por lapso (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 225

Resposta Porque quando a natureza suporta perfeitamente em ambos os olhos

o humor que acompanha a cor esverdeada daacute-se a passagem para outra cor ainda que

apenas em um conservando-se o esverdeado no outro

20 Por que eacute que de entre todos os animais praticamente soacute ao homem

acontece ter os olhos de esguelha

Resposta Acontece tambeacutem a outros seres animados embora natildeo com tanta

frequecircncia porque estatildeo menos expostos a lesotildees e o desvio natildeo se percebe tatildeo

facilmente neles como no homem que de acordo com a sua anatomia tem os olhos

extremamente proacuteximos

21 Qual eacute a constituiccedilatildeo dos olhos mais favoraacutevel agrave visatildeo

Resposta Cumpre ajuizar em primeiro lugar em relaccedilatildeo agrave cor a melhor

segundo ensina Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a histoacuteria dos animais capiacutetulo 10 eacute

considerada a cor de cabra ou seja aquela que se observa nos olhos das cabras

intermeacutedia entre o glauco e o negro

Qual a constituiccedilatildeo dos olhos mais favoraacutevel agrave visatildeo Depois em relaccedilatildeo ao

posicionamento De facto os olhos mais escondidos na profundidade dos globos vecircem

as coisas mais distantes de forma mais exacta E ainda relativamente agrave constituiccedilatildeo dos

espiacuteritos ou seja agrave sua quantidade e qualidade De facto o espiacuterito muacuteltiplo ajuda a

fixar a vista nas coisas mais remotas e o puro a discernir os detalhes E por fim no que

se refere agrave disposiccedilatildeo da tuacutenica que recobre a pupila conveacutem que seja brilhante e teacutenue

Brilhante porque o negro natildeo pode ser transluacutecido e tambeacutem para que as lanternas que

satildeo feitas de uma membrana deste tipo possam reluzir Teacutenue para que receba

prontamente as imagens das coisas que se precipitam sobre elas Sobre isto deve

interrogar-se isoladamente

22 Pode ou natildeo acontecer que por assim dizer pela falta dos espiacuteritos a visatildeo

diminua tal como eacute enfraquecida pela sua multiplicidade

Resposta Tomaacutes de Veiga trata profundamente desta questatildeo no comentaacuterio ao

livro quarto de Galeno De locis affectis estabelecendo a parte negativa que desenvolve

a partir de Galeno o qual em lugar nenhum tomou a abundacircncia dos espiacuteritos como a

causa da visatildeo defeituosa mas antes a carecircncia E a partir de Avicena que no livro De

medicina cordis capiacutetulo 4 afirma que a visatildeo eacute tanto mais veemente quanto mais

desenvolvido estiver o espiacuterito ou seja os espiacuteritos satildeo de tal forma teacutenues e tatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 226

beneacutefica a sua forccedila que nem se acumulam em excesso nem prejudicam Parece-nos

entatildeo que isto deve ser entendido no estado normal E por isso mesmo com a

transpiraccedilatildeo temporariamente impedida natildeo poderatildeo acumular-se ateacute ao ponto de os

olhos se inflamarem em excesso e serem lesados

23 Por que eacute que a maior parte dos animais nocturnos tem os olhos

encovados

Resposta Para que desse modo a luz interna que tecircm inserida nos olhos ao

progredir em linha mais recta ilumine melhor o meio

24 Por que eacute que quem tem olhos espiotildees e salientes vecirc mal e quem os tem

cavos e profundos vecirc com precisatildeo

Resposta Porque para aleacutem de as espeacutecies emitidas pelos objectos se unirem

menos aos primeiros tambeacutem os proacuteprios espiacuteritos fogem mais pelo contraacuterio as

espeacutecies ligam-se mais aos segundos e os espiacuteritos conservam-se mais tempo

aglomerados e constrangidos pelo que administram uma capacidade de visatildeo mais

intensa Isto acontece de forma semelhante agravequeles que para afinar a vista fecham um

pouco os olhos

Os olhos cavos vecircem com precisatildeo E natildeo eacute por motivo diferente que

enxergamos melhor com um olho fechado confluindo para um soacute lugar os espiacuteritos que

se deveriam dividir por dois embora por outro lado digamos que com apenas um olho

vemos com dificuldade porque desse modo o nosso espiacuterito estaacute menos disposto a ver

como adverte Aristoacuteteles na secccedilatildeo 31 dos Problemas 10 Leia-se na mesma secccedilatildeo

dos Problemas as questotildees 2 4 16 e 21 bem como o livro 5 Sobre a geraccedilatildeo dos

animais capiacutetulo 1

25 Por que eacute que a estreiteza da pupila quando eacute inata desde o nascimento se

acomoda normalmente agrave visatildeo e quando eacute acidental eacute-lhe prejudicial

Resposta Porque na primeira situaccedilatildeo essa qualidade estando concentrada eacute

mais reforccedilada dado que a natureza atribui ao homem uma pupila mais estreita em

comparaccedilatildeo aos restantes animais No segundo caso poreacutem uma vez que proveacutem de

um defeito do humor branco ou da coacuternea rebaixada ou de outra falha deste tipo a

faculdade eacute impedida de actuar correctamente Por vezes pode acontecer que esta falha

seja contraiacuteda desde o proacuteprio nascimento por um acidente natural

26 Por que motivo eacute que os velhos vecircem mal

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 227

Resposta Natildeo soacute pela debilidade dos espiacuteritos vitais que diminuem de dia para

dia com a perda de calor causada pela idade mas tambeacutem porque nos velhos tal como

a pele das restantes partes se contrai em rugas assim acontece com a cuacutetis e a

membrana dos olhos que para conseguir ver deve ser leve e teacutenue como

anteriormente advertimos Um outro motivo eacute o facto de a exercitaccedilatildeo excessiva do

corpo prejudicar muitas vezes a acuidade dos olhos naturalmente porque torna o

sangue mais seco assim como o resto do corpo e a secura por sua vez endurece a

cuacutetis

27 Por que eacute que embora tanto os luscos como os velhos vejam mal os

primeiros aproximam o objecto visiacutevel e os outros afastam-no um pouco

Resposta Galeno afirma que a causa disso eacute o facto de os velhos tendo jaacute

pouco do brilho interno nos olhos precisarem de luz externa e por isso afastam o

objecto para que tenha mais luz Os luscos pelo contraacuterio naturalmente providos de

olhos claros tecircm luz interna em abundacircncia e para evitarem a externa desviam um

pouco o visiacutevel da luz para que a abundacircncia de luz externa que se junta agrave interna natildeo

prejudique a visatildeo Todavia os velhos natildeo costumam afastar muito os objectos de

outro modo natildeo receberiam deles as espeacutecies na medida em que conveacutem E assim

reconstituem o objecto agrave distacircncia em que consegue estar convenientemente iluminado e

emitir a espeacutecie adequada Aristoacuteteles tambeacutem tinha indicado a causa deste problema na

secccedilatildeo 31 dos Problemas 26218 deste modo ldquoos velhos uma vez que pela sua

debilidade natildeo conseguem ver onde se juntam menos raios desviam o objecto que

querem ver para onde tecircm melhor capacidade de visatildeo pois os raios costumam reunir-se

ao longerdquo Os luscos podem na verdade ver o objecto ao perto mas natildeo conseguem

discernir ao longe quais os cavos e quais os salientes

28 Por que eacute que os humores concretos se podem ver nos derrames junto agrave

coacuternea se a visatildeo natildeo se daacute sem o meio iluminado

Resposta A visatildeo tambeacutem nesse caso se daacute atraveacutes de um meio transparente e

iluminado mas eacute o interno que se esconde dentro do olho ou seja atraveacutes do humor

aquoso ou branco intermediaacuterio entre a pupila e o humor glacial219 atraveacutes do qual

contudo os sensiacuteveis externos que se aproximam dos olhos natildeo podem ver visualizados

218 Na verdade a explicaccedilatildeo surge no problema 25 (N do T)219 Ou cristalino (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 228

porque espalham as trevas sobre ele Pelo que acontece tambeacutem que se aquele humor

concreto ocupar toda a pupila nos olhos com derrames natildeo se deixaraacute ver a ele proacuteprio

nem a nada porque obscurece verdadeiramente o interior transparente e impede que as

espeacutecies visuais possam chegar ao humor glacial Haacute poreacutem quem pense que isto de

facto natildeo se pode ver mas eacute uma alucinaccedilatildeo da fantasia pela qual julgamos ver esse tal

humor ou vapor naquela parte do olho onde ele natildeo estaacute No entanto embora por vezes

possa acontecer deste modo todavia natildeo eacute por isso que o devemos atribuir sempre a

uma ilusatildeo visto que nada impede que efectivamente se possa ver de vez em quando

um humor desse tipo ou um vapor que exista no olho Leia-se Filoacutepono livro 2 Sobre a

alma relativamente ao texto 74 e Teofrasto sobre o texto 16

29 Por que eacute que quando estamos num lugar obscuro vemos o que estaacute na luz

como nos mais profundos poccedilos vemos as estrelas em pleno dia todavia quando

estamos na luz natildeo avistamos o que estaacute nas trevas

Resposta Se o local em que estamos estaacute absolutamente desprovido de

qualquer luz independentemente da grandeza do objecto iluminado natildeo o vemos

porque eacute preciso luz para transportar a espeacutecie ateacute ao olho E assim eacute precisa luz tanto

da parte do objecto como da parte do olho mas mais da parte do objecto que deve

conduzir a espeacutecie em primeiro lugar

30 Quando o olho estaacute fechado e se desloca nas trevas para caacute e para laacute por

que eacute que aparece um certo brilho interno

Resposta Aristoacuteteles dissolve esta duacutevida no livro Sobre o sentido e o sensiacutevel

capiacutetulo 2 quando supondo que todos os corpos satildeo liacutempidos brilhantes e luminosos

diz que a coacuternea eacute da mesma qualidade e por isso refulge embora aquele esplendor natildeo

apareccedila enquanto a pupila permanece no seu lugar porque o que vecirc deve ser diferente

daquilo que eacute visto tornando-se diferente por assim dizer dois a partir de um quando a

pupila se afasta

31 Por que eacute que algumas pessoas ao despertar do sono vecircem tudo nas trevas

como se estivessem em plena luz O que anteriormente recordaacutemos que costumava

acontecer a Tibeacuterio de acordo com o testemunho de Suetoacutenio Tranquilo na sua Vida

capiacutetulo 48 e de Pliacutenio no livro 11 capiacutetulo 37

Resposta Seraacute porque como eacute doutrina de muitos os espiacuteritos animais que

defluem do ceacuterebro para os olhos satildeo brilhantes

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 229

Alguns espiacuteritos satildeo brilhantes Por conseguinte pode acontecer que em alguns

homens obtenham um pouco de luz graccedilas a uma propriedade oculta ou entatildeo que

possam iluminar toda a divisatildeo com a grande quantidade de luz que emitem dos olhos

tendo acumulado uma tal abundacircncia enquanto os olhos estiveram fechados que ela

proacutepria irrompe logo que se abrem

32 Se natildeo se pode discernir as cores a natildeo ser quando se mostram numa

superfiacutecie por que eacute que quando vemos uma pedra transluacutecida temos a sensaccedilatildeo de as

contemplarmos em profundidade

Resposta Porque quando as espeacutecies passam atraveacutes da profundidade do corpo

fazem com que a profundidade apareccedila embebida da mesma cor que a superfiacutecie de

fundo do mesmo modo que o vidro transparente e brilhante quando olhamos para

alguma coisa verde atraveacutes dele se apresenta agrave nossa vista quase revestido da mesma

cor

33 Por que motivo o visiacutevel simples nem sempre parece duplo ainda que

envie aos olhos uma espeacutecie duplicada

Resposta Haacute quem transmita uma razatildeo diferente para esta circunstacircncia

Ciruelo no livro 1 da Perspectiva Viteacutelio no livro 3 e muitos outros relacionam-na

com a convergecircncia do nervo oacuteptico onde os dois olhos juntam as espeacutecies no mesmo

ponto No entanto noacutes jaacute anteriormente refutaacutemos esta opiniatildeo porque se descobriu

pela experiecircncia que embora os nervos se dissociem como por vezes acontece o

simples natildeo se vecirc em duplicado Outros relacionam-na com o sentido comum onde

segundo dizem se completa o acto de ver Mas tambeacutem impugnaacutemos esta opiniatildeo no

que foi dito atraacutes quando demonstraacutemos que o acto de ver se perfaz no humor

cristalino Logo para que se perceba a razatildeo duplicada desta circunstacircncia devemos ter

isto em conta a visatildeo como ensinam os mestres da Perspectiva220 daacute-se atraveacutes de uma

piracircmide cuja base estaacute na coisa vista e o respectivo veacutertice no centro do olho Aleacutem

disso entre as linhas que produzem a piracircmide visual haacute outra que se estende em linha

recta desde o olho ateacute ao objecto visiacutevel designada eixo da cogniccedilatildeo Por conseguinte

embora as imagens visuais sejam determinadas atraveacutes de uma dupla piracircmide em

direcccedilatildeo aos dois olhos todavia como as linhas rectas dos olhos se estendem em

220 Leia-se o Cantuariense no livro 1 da Perspectiva cap 3 conclusatildeo 6 e cap 7 conclusatildeo 2 bem como Viteacutelio no livro 3 da Perspectiva teorema 45

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 230

direcccedilatildeo ao objecto segundo o mesmo ponto a partir do qual as espeacutecies comeccedilam a

dividir-se para cada um dos olhos isso faz com que nenhum objecto simples apareccedila em

duplicado Logo embora sejam dois os eixos dos olhos ambos satildeo orientados para o

mesmo ponto do objecto visiacutevel de modo a que as linhas rectas se prolonguem a partir

desse ponto ateacute ao centro dos dois olhos No entanto quando os eixos se desalinham ou

pela compressatildeo dos olhos ou por qualquer outro motivo os eixos deixam de ser

uniformes como acontece quando algueacutem eleva a pupila de um olho com o dedo e o

objecto simples aparece em duplicado E assim quando o posicionamento dos olhos eacute

dissemelhante porque foi deslocado sucede que um objecto uno se mostra muacuteltiplo Haacute

mais sobre este assunto no proacuteximo problema

34 Por que eacute que um objecto visiacutevel simples por vezes aparece como muacuteltiplo

O simples por vezes aparece como muacuteltiplo Resposta As razotildees desta

circunstacircncia se forem explicitadas com detalhe satildeo vaacuterias221 Todas elas dizem

respeito a uma razatildeo comum ou seja o defeito da condiccedilatildeo necessaacuteria para que o

objecto apareccedila como uacutenico que eacute a uniformidade dos eixos Todavia essas razotildees

particulares costumam ser reduzidas a trecircs tipos tendo em conta o posicionamento dos

olhos o posicionamento do objecto visiacutevel e os raios visuais Por causa do

posicionamento dos olhos uma lanterna pode parecer duas como por exemplo quando

algueacutem levanta um olho estando o outro rebaixado ou quando o nervo oacuteptico relaxado

por uma grande quantidade de vinho natildeo susteacutem a equidade das pupilas e daiacute adveacutem o

que cantou Horaacutecio

Quando se bebe uma concha entatildeo jaacute o tecto anda agrave rodaE a mesa parece-nos ter duas lanternasQuanto ao posicionamento do objecto visiacutevel por exemplo quando por causa

da celeridade do movimento um objecto parece de repente ocupar um espaccedilo muito

maior do que verdadeiramente ocupa isso corresponde a uma certo modo do objecto

ampliado pela contiacutenua circulaccedilatildeo Deste modo um baacuteculo rodopiado a toda a pressa

parece um ciacuterculo Ou entatildeo por causa dos raios visuais quando pela refracccedilatildeo das

imagens que se daacute em algumas coisas para as quais olhamos atentamente e que tecircm

vaacuterias saliecircncias adornadas com quadradinhos ou outras figuras deste tipo aparecem

coisas multiplicadas em vaacuterias posiccedilotildees de acordo com o nuacutemero das imagens que se

221 Leia-se Galeno no livro 10 De usu partium cap 12 Aristoacuteteles secccedilatildeo 3 Problemas 9 10 20 e 29 bem como secccedilatildeo 31 Problemas 11 e 18

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 231

multiplicam com a refracccedilatildeo E tambeacutem deste modo estando um espelho partido e

alterado o posicionamento das partes por causa do reflexo variado das espeacutecies que

nascem entatildeo da diversidade desse posicionamento aparece o mesmo objecto em

diferentes posiccedilotildees do espelho

35 Por que eacute que nos espelhos esfeacutericos mas natildeo nos planos as coisas

aparecem na sua maior parte menores do que satildeo

Resposta Porque nos planos o reflexo daacute-se numa superfiacutecie maior visto que

os raios reflectidos a partir das superfiacutecies convexas se desagregam mais do que nas

planas por causa da declinaccedilatildeo do ciacuterculo a partir do qual o reflexo se daacute Logo para

que os raios acorram agrave visatildeo eacute preciso que a reflexatildeo se faccedila numa superfiacutecie mais

pequena e que por conseguinte se mostre um objecto menor O que todavia se deve

entender sobretudo porque nestes espelhos acontece por vezes que um objecto em

qualquer posicionamento apareccedila do mesmo tamanho como se comprova no livro 6 da

Perspectiva

36 Por que eacute que as coisas que vemos atraveacutes da reflexatildeo das espeacutecies nos

espelhos aparecem muito mais debilmente do que as que contemplamos por observaccedilatildeo

directa

Resposta Porque as espeacutecies reflectidas satildeo mais deacutebeis e tecircm um movimento

teacutenue de tal modo que a sua representaccedilatildeo eacute menos exacta E por isso mesmo

facilmente se esquece da sua forma quem a vecirc no espelho

37 Uma vez perdida a faculdade de ver pode ou natildeo ser restituiacuteda por forccedila da

natureza

Resposta Existem alguns animais segundo afirma Aristoacuteteles no livro 2 Sobre

a geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 4 que parem as crias cegas nomeadamente os catildees os

leotildees as raposas os lobos e os lobos cervais222 seguramente porque neles o oacutergatildeo se vai

aperfeiccediloando paulatinamente ateacute que se torna capaz de ver No entanto no caso de

algueacutem perder essa capacidade jaacute depois de adquirida nada consta sobre o modo de a

conseguir recuperar atraveacutes de medicamentos ou de outra faculdade da arte ou da

natureza Pliacutenio no livro 11 da Histoacuteria Natural capiacutetulo 37 afirma que os olhos das

serpentes e os olhos das andorinhas voltam a nascer se algueacutem os arrancar enquanto satildeo

novas Tambeacutem sobre as crias das andorinhas Aristoacuteteles no livro 6 Sobre a Histoacuteria

222 Designaccedilatildeo comum do lince-ibeacuterico (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 232

dos animais capiacutetulo 5 escreveu assim ldquoos olhos das crias da andorinha quando ainda

satildeo novas se algueacutem os ferir com uma pancada cicatrizam e recuperam depois por

completo a capacidade de verrdquo No entanto eacute opiniatildeo comum dos filoacutesofos que a

cegueira ndash total entenda-se ndash eacute a uacutenica das privaccedilotildees a partir da qual natildeo se pode dar

pela natureza um regresso ao estado anterior E de facto se os humores dos olhos se

evaporarem por completo e desaparecerem eacute faacutecil atribuir-lhe o motivo dado que natildeo

podem evidentemente voltar a unir-se Embora de facto nos jovens possa acontecer

que alguns membros se regenerem todavia a morfologia dos olhos eacute tatildeo laboriosa que

natildeo estaacute ao alcance da natureza restauraacute-la depois de entrar em colapso Porque se

subsistindo na iacutentegra a substacircncia dos humores a faculdade de ver se perde apenas por

causa da dissoluccedilatildeo do temperamento dever-se-aacute dizer tambeacutem que a combinaccedilatildeo quer

das qualidades primaacuterias quer da flexibilidade do brilho da transparecircncia e de todas as

qualidades deste tipo a partir das quais se forma o temperamento em que se funda a

potecircncia de ver eacute de tal qualidade que depois de se perder uma vez natildeo pode ser

novamente desenvolvida pela forccedila da natureza Porque se tanto os humores como o

temperamento deste tipo pudessem ser reparados espalhar-se-iam imediatamente da

alma para o oacutergatildeo embora a faculdade visual natildeo fosse exactamente a mesma mas

antes uma outra da mesma espeacutecie Na verdade as palavras de Aristoacuteteles sobre as crias

das andorinhas natildeo deveratildeo ser entendidas assim quase como se pretendesse recuperar

a potecircncia depois de extraiacutedos os olhos ou estando o temperamento destruiacutedo quase ao

ponto da total aniquilaccedilatildeo dessa potecircncia mas apenas na circunstacircncia de estarem os

olhos ligeiramente feridos para que embora natildeo cumpram a sua funccedilatildeo por algum

tempo possam recuperar a sauacutede e a capacidade de ver

SEGUNDA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS Agrave AUDICcedilAtildeO

1 Eacute ou natildeo grande a variedade nas orelhas dos animais

A resposta eacute antes de mais como ensina Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a Histoacuteria

dos Animais capiacutetulo 11 ldquode entre os que tecircm o sentido da audiccedilatildeo uns tecircm orelhas e

outros natildeo estes mostram os proacuteprios canais auditivos e as pequenas aberturas como

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 233

acontece naqueles que estatildeo cobertos de penas de uma casca ou de escamas223 E todos

os que geram um outro ser tecircm ouvidos excepto a foca o golfinho os outros

cartilaginosos e as serpentesrdquo224 Pliacutenio todavia no livro 6 da Histoacuteria Natural diz que

na comunidade dos Sambros225 nenhum dos quadruacutepedes tem orelhas nem mesmo os

elefantes Diz tambeacutem Aristoacuteteles que ldquoalgumas orelhas satildeo lisas outras peludas outras

estatildeo no meio-termo e estas satildeo as melhores para ouvir Aleacutem disso umas satildeo grandes

outras pequenas outras medianas muito pouco ou relativamente salientesrdquo Refere

ainda Pliacutenio no livro 4 capiacutetulo 13 que ldquohaacute homens que tecircm as orelhas tatildeo grandes que

cobrem todo o seu corpo completamente nurdquo como se fossem vestes Chamam-lhes

Faneacutesios ou Satmalos como Pompoacutenio226 mas os Gregos entre eles o escritor Estrabatildeo

dizem ἐνωτοκοῖτους porque quando dormem usam as orelhas como leito Os homens

geralmente tecircm orelhas imoacuteveis daiacute o cognome dos Flacos entre os Romanos cujas

orelhas contrariando a natureza de todos os outros homens eram viradas para baixo e

podiam mover-se O que ainda agora acontece a algumas pessoas Tambeacutem Vesaacutelio no

livro De humani corporis fabrica capiacutetulo 13 afirma que isso eacute provocado pela

intervenccedilatildeo de um certo muacutesculo que intercepta a raiz das orelhas e penetra entatildeo ateacute agraves

fibras da carne de modo a que se possa mover as orelhas

2 Seraacute a orelha a sede da memoacuteria

Que o interior da orelha eacute a sede da memoacuteria escreveu Pliacutenio no livro 11

capiacutetulo 45 O que natildeo se deve aceitar dessa forma como se a memoacuteria estivesse de

facto instalada no ouvido pois se for sensitiva reside no ceacuterebro se for intelectiva na

substacircncia da alma

223 Traduccedilatildeo portuguesa de M Faacutetima Silva Histoacuteria dos Animais vol 1 Lisboa 2006 68 ldquouns tecircm orelhas e outros natildeo estes tecircm apenas um canal visiacutevel contando-se neste nuacutemero os que tecircm penas ou escamas coacuterneasrdquo No comentaacuterio de Coimbra lecirc-se ldquoaliis aures sunt aliis desunt patentque ipsi auditorii meatus et cavernacula ut in his quae penna aut cortice squamave integunturrdquo pelo que o manual parece seguir a versatildeo de Teodoro de Gaza que parece repetir indevidamente neste ponto os trecircs termos que usa na traduccedilatildeo de uma passagem semelhante do livro 3 Sobre as partes dos animais cap 8 (cf Opera quae quidem extant omnia latinitate uel iam olim uel nunc recens agrave uiris doctissimis donata amp graecum ad exemplar diligentissimegrave recognita Accesserunt in singulos libros optimis ex autoribus argumenta co[m]mentarij uice studiosis futura Volume 1 Basileae 1538 577 e 725) (N do T)224 Aristoacuteteles refere apenas ldquoreliquis ita cetariisrdquo como se verifica na ediccedilatildeo citada na nota anterior (N do T)225 ldquoSambrirdquo ou ldquoSesambrirdquo povo das margens do Nilo identificado por Pliacutenio Histoacuteria Natural livro 6 cap 35 (N do T)226 Miacutetico povo com orelhas gigantes que habitava as ilhas do Norte sendo vulgarmente conhecidos por Panotos como esclarece S Isidoro Etimologias II 3 Veja-se os passos citados Pompoacutenio Mela De situ orbis 3 6 e Estrabatildeo Geographia livro 15 (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 234

Por que razatildeo se diz que o ouvido eacute a sede da memoacuteria Mas tal como

antigamente a fronte era consagrada ao Geacutenio os dedos a Minerva e os joelhos agrave

Misericoacuterdia assim a orelha era consagrada agrave deusa Memoacuteria Daiacute que de acordo com

um ritual antigo quando algueacutem era chamado a tribunal tocavam-lhe na orelha para

pedir o seu depoimento pois queriam que ela recordasse como se fosse uma

testemunha e diziam ldquoSecirc instrumento da memoacuteriardquo Por isso tambeacutem ao Sileno aludiu

Virgiacutelio naquele poema227

Tendo eu cantado os reis e as batalhas Ciacutentio puxou-me a orelha advertindo ldquoo pastor Tiacutetiro deve apascentar ovelhas gordas e cantar poemas simplesrdquo3 De onde provecircm os vaacuterios sons dentro das orelhas dos doentes O sibilo o

tinido o estreacutepito e o zumbido

Resposta Na verdade estes sons nascem do movimento e da actividade dos

humores que ocupam o interior do ouvido e a variedade por sua vez tem origem na

diversidade dos humores e na variaccedilatildeo do impulso O sibilo no teacutenue sopro que desliza

subtilmente o tinido no curso ininterrupto desse sopro o estreacutepito no impulso vigoroso

e o zumbido na agitaccedilatildeo do humor Leia-se Ferneacutelio no livro 5 De partium morbis ac

symptomatibus capiacutetulo 5

4 Pode ou natildeo atribuir-se agraves orelhas alguns sinais indicativos do caraacutecter

Resposta Pode Na verdade segundo o testemunho de Aristoacuteteles no lugar

citado as orelhas meacutedias satildeo consideradas sinal de oacuteptimo caraacutecter as que satildeo grandes

e demasiado espetadas pelo contraacuterio satildeo indiacutecios de estupidez e tagarelice Leia-se

tambeacutem o capiacutetulo nono do livro Sobre a Fisionomia

5 Por que eacute que o sentido da audiccedilatildeo pela sua natureza original pode

facilmente ser ofendido e de facto as crianccedilas ateacute com uma bofetada podem muitas

vezes ficar meio surdas

Resposta O objecto e a potecircncia estatildeo geralmente sujeitos agrave mesma condiccedilatildeo

por isso sendo o som efeacutemero tambeacutem a proacutepria faculdade da audiccedilatildeo ocupa um oacutergatildeo

facilmente dissoluacutevel certamente uma substacircncia tatildeo teacutenue e dissipaacutevel que pode

verdadeiramente chamar-se lsquoar interiorrsquo De acordo com Aristoacuteteles secccedilatildeo 11 dos

Problemas 1

227 Eacutecloga 6

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 235

6 Por que razatildeo os surdos de nascenccedila costumam produzir a voz atraveacutes do

nariz

Resposta Quem eacute surdo por natureza tambeacutem eacute mudo ou pouco lhe falta para

ser mudo os mudos poreacutem como tecircm a boca comprimida expelem o ar pelo nariz

Acrescente-se que respiram predominantemente pelo nariz o que faz com que as

narinas se tornem mais largas concedendo assim agrave voz uma saiacuteda facilitada Veja-se a

mesma secccedilatildeo dos Problemas 2

7 Por que eacute que quando bocejamos natildeo temos vontade de coccedilar a orelha

Resposta Porque as pregas das orelhas tambeacutem satildeo infladas pelo ar inspirado

por isso tal como oferecem resistecircncia ao sonante ar externo para que natildeo entre (e

disso eacute indiacutecio o facto de ouvirmos mal quando bocejamos) assim impedem que se coce

a orelha e natildeo permitem que possa facilmente acontecer uma lesatildeo Daiacute que as orelhas

dos mergulhadores costumem estalar porque estatildeo infladas pelo ar retido e a aacutegua ao

penetrar como eacute por natureza bastante dura tende a estalar natildeo do mesmo modo que o

ar se por acaso contivermos a respiraccedilatildeo agrave semelhanccedila dos mergulhadores Tambeacutem

por isso os mergulhadores introduzem previamente oacuteleo nas orelhas para que a aacutegua

que se vai intrometendo ressalte de modo a natildeo atacar o tiacutempano Leia-se Aristoacuteteles

Problemas 2 11 e 13228

8 Por que eacute que as orelhas enrubescem com a vergonha

Resposta Talvez porque para essas partes acorre nos momentos de vergonha

um veacuteu natural pois elas estatildeo muito desprovidas de sangue na verdade as orelhas satildeo

extremamente exangues todavia ele acorre facilmente porque o calor eacute estimulado pelo

pudor e facilmente dissolve e liquefaz o sangue

9 Por que eacute que quando os ouvidos ressoam no interior este zumbido se anula

com um estreacutepito externo

Resposta Porque o estreacutepito mais amplo dissipa e aniquila o som mais fraco

10 Por que eacute que mesmo quando a aacutegua penetra nos ouvidos eacute melhor ter

infundido o oacuteleo para que ela dali escorra

Resposta Porque o oacuteleo adere agrave aacutegua e arrasta-a consigo E tambeacutem porque o

oacuteleo torna o percurso luacutebrico para que a aacutegua facilmente escorregue pelo caminho

untado e salte para fora Mas ndash poderatildeo perguntar ndash o oacuteleo natildeo vai aderir agraves orelhas

228 Esta remissatildeo natildeo corresponde ao texto aristoteacutelico (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 236

Resposta Nada importa pois o oacuteleo natildeo eacute nocivo para as orelhas porque satildeo cognatos

por natureza dado que satildeo ambos aeacutereos e moderadamente friacutegidos

11 Por que eacute que nos divertimos mais ouvindo do que lendo E daiacute por que eacute

que o admiraacutevel divertimento provocado pelas faacutebulas produzidas no teatro natildeo eacute

poreacutem o mesmo se aprendermos essas mesmas faacutebulas pelos escritos dos livros

Por que eacute que por vezes a audiccedilatildeo deleita mais do que a visatildeo Cardano na

Exercitaccedilatildeo 308 de Escaliacutegero pretende resolver a questatildeo com uma soacute razatildeo porque

pela abundacircncia de livros elas tornam-se mais divulgadas do que as que satildeo narradas e

por isso lidas e relidas com menos curiosidade e menos deleite os narradores

sobretudo os bons satildeo mais raros Mas Escaliacutegero opotildee-se natildeo soacute porque os bons livros

satildeo tatildeo raros como os bons narradores mas tambeacutem porque natildeo eacute proacuteprio do ser

humano mas de um caraacutecter invejoso considerar mais estimaacutevel e mais prazenteiro o

que os outros ignoram Logo Escaliacutegero aduz muitas outras razotildees para o problema

Primeira porque apreendemos o que ouvimos com menor esforccedilo do que o que lemos

Segunda porque a voz desperta maior afeiccedilatildeo pela sua entoaccedilatildeo na leitura pelo

contraacuterio o narrador eacute mudo Terceira porque o que ouvimos eacute mais marcante porque eacute

quase real por intermeacutedio da voz enquanto o que vemos eacute sempre abstracto e de resto

a visatildeo eacute realizada de modo muito mais teacutenue e raacutepido do que a audiccedilatildeo daiacute que

necessariamente a primeira se prenda menos agrave mente de acordo com aquela passagem

ldquoolhou-se no espelho foi-se embora e imediatamente se esqueceu de como erardquo 229 nem

causa impedimento o que diz o Poeta230

Impressiona muito mais o espiacuterito o que se transmite pelos ouvidosDo que as imagens colocadas diante dos olhos fieacuteisDe facto isto eacute verdade quanto agraves coisas em que acreditamos soacute pela audiccedilatildeo

mas natildeo se as percebermos pelo conhecimento intuitivo Quarta porque na narraccedilatildeo haacute

tambeacutem lugar para a companhia que eacute muito consentacircnea agrave natureza humana a leitura

por sua vez daacute-se na solidatildeo Quinta porque muitas vezes o pudor e o respeito para

com o narrador apuram mais a faculdade de ouvir pelo contraacuterio ao ler daacute-se um

relaxamento do espiacuterito e uma certa indiferenccedila ao castigo E em boa verdade tira-se

maior gozo de uma actividade diligente do que de uma actividade descuidada Sexta haacute

no locutor a capacidade de perguntar e investigar e por isso uma maior facilidade de

229 Jacob 1230 Horaacutecio Ars Poetica 180 (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 237

perceber de onde adveacutem um maior prazer Seacutetima porque aos livros natildeo eacute permitido

afastar-se do plano inicial como aos narradores visto que no ambiente descontraiacutedo

dos diaacutelogos tem o direito de chamar a intervir algumas personagens improvisadas Por

isso eacute como se atraveacutes destes condimentos se predispusesse o prazer para a audiccedilatildeo

pelo contraacuterio o estilo uniforme dos escritores e a continuidade das sentenccedilas conduz o

leitor ao fastio

TERCEIRA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO SOM E Agrave VOZ

1 Por que motivo alguns sons satildeo agudos e outros satildeo graves

(Na verdade os que satildeo produzidos por um tom meacutedio atingem uma certa

moderaccedilatildeo entre aqueles extremos) Aristoacuteteles nos Problemas secccedilatildeo 11 mais que

uma vez ensina que o caraacutecter agudo dos sons proveacutem da velocidade do ar deslocado e

que este se desloca mais velozmente por ser exiacuteguo ou entatildeo por ser deacutebil a forccedila que o

impele daiacute que accione uma exiacutegua porccedilatildeo de ar como acontece aos doentes ou aos

velhos ou aos que gritam de muito longe (pois o ar movido estaacute mais afastado e por

isso se desloca menos como se uma pedra projectada afirma Aristoacuteteles se dissipasse

em partes cada vez mais pequenas ou entatildeo como se uma determinado nuacutemero ou uma

certa grandeza fossem reduzidos ateacute agrave extinccedilatildeo o primeiro transformar-se-aacute em unidade

indivisiacutevel a outra numa soacute linha) ou ainda porque o aparelho fonador abrange uma

pequena quantidade de ar como eacute costume das crianccedilas e dos animais mais novos das

fecircmeas dos eunucos dos que choram e dos que produzem uma voz falsa ndash seja

dissimulada seja quando gritam ndash e por fim dos medrosos pois em todos eles os

oacutergatildeos do som vibram mais tal como nas flautas e nas cordas mais graciosas Portanto

a resposta eacute comum a Aristoacuteteles no problema 34 nestes mesmos termos em relaccedilatildeo

ao caraacutecter agudo da voz A fraqueza do instrumento move o ar exiacuteguo e o ar exiacuteguo

desloca-se com mais velocidade e porque se desloca velozmente eacute agudo Ora se

algumas coisas por terem mais forccedila tecircm uma capacidade maior para impulsionar o ar

como por exemplo os homens e as maacutequinas de guerra embora produzam um som mais

grave nada obsta ao motivo apresentado natildeo soacute porque accionam uma grande

quantidade de ar que eacute preciso deslocar de forma mais lenta pela sua grandeza e por

isso soa mais grave mas tambeacutem porque o barulho grandioso de um som igualmente

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 238

grandioso que eacute grave por natureza resulta dessa mesma causa Por conseguinte tal

como o tom agudo dos sons proveacutem da velocidade assim o tom grave proveacutem da

lentidatildeo do ar deslocado Desloca-se lentamente por norma porque eacute abundante como

acontece aos instrumentos mais espessos sejam flautas sejam cordas ou mesmo aos

que se riem pois dilatam a arteacuteria vocal e abrem a boca enquanto riem e tambeacutem aos

que tecircm frio que seja por causa do tempo invernoso ou por causa da congestatildeo nasal

movem entatildeo um ar mais denso Acontece por uacuteltimo aos que perdem as noites e aos

que tremem de medo Aos primeiros por causa da quantidade de humor acumulado que

impede a raacutepida deslocaccedilatildeo do ar daiacute que necessariamente soe mais grave aos

segundos porque subindo o calor para o alto por causa do sofrimento de quem teme

liberta-se muito ar que se desloca lentamente pois eacute muito E se os bezerros emitem um

som mais grave do que os bois isso acontece porque afirma Aristoacuteteles as suas matildees

tambeacutem mugem mais grave do que costumam mugir as matildees231 pois a proacutepria natureza

tudo prepara de modo a que os animais receacutem-nascidos sejam mais parecidos agrave matildee do

que ao pai

2 Por que motivo o som se repete quando embate em certos corpos (fenoacutemeno

a que chamam Eco) e noutros natildeo antes pelo contraacuterio enfraquece

Resposta Eacute possiacutevel reproduzir alguns sons bem como conter e dissipar

outros pois alguns corpos duros lisos e bem compactos quase natildeo dispersam o ar

impelido contra eles e reenviam-no integralmente de onde nasce o Eco mas os outros

cheios de hiatos moles aacutesperos huacutemidos e irregulares refractem e separam o ar contra

eles impelido em vez de o reenviar em bom estado Daiacute que as aboacutebadas de uma casa

recentemente revestidas as talhas as bilhas e as margens de rios calmos por causa da

brandura das aacuteguas e do cocircncavo bronze faccedilam muito eco pelo contraacuterio uma

orquestra com junco espalhado uma divisatildeo revestida a tapetes as florestas a arteacuteria

vocal irritada pelo humor ou pelo calor excessivo ndash tal como o sente quem estaacute a arder

em febre ndash ecoam muito pouco Por conseguinte do mesmo modo que a luz e a espeacutecie

visiacutevel impelida contra um corpo polido se fizer reflectida um acircngulo como tinha feito

a directa geralmente eacute semelhante num e noutro lado assim tambeacutem o ar que produz

eco se torna semelhante ao primeiro se tocar corpos em que natildeo se refracta e haacute-de

regressar com um iacutempeto quase integral

231 No original lsquomaresrsquo em vez de lsquomatresrsquo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 239

3 Por que eacute que quando inspiramos natildeo conseguimos produzir a voz e quando

expiramos jaacute conseguimos

Talvez porque o ar inspirado eacute frio e durante esse momento condensa o ar

interior pelo que seria necessaacuterio expandi-lo para que se formasse o som o ar expirado

pelo contraacuterio como eacute impulsionado pelo calor jaacute pode soar Assim afirma Aristoacuteteles

na secccedilatildeo 11 dos Problemas 13 Porque se a aacutegua fria quando entorna provoca mais

estreacutepito do que a quente isso acontece porque a fria eacute mais grave bate mais forte e faz

mais barulho Mas uma vez que para formar a voz nem a inspiraccedilatildeo nem a expiraccedilatildeo

satildeo necessaacuterias por si mesmas mas sim o ar na arteacuteria vocal e dentro da boca como se

percebe da doutrina dos Teoacutelogos que ensinam os corpos que hatildeo-de formar as vozes

dos beatos embora nesse estado o uso da respiraccedilatildeo e da expiraccedilatildeo natildeo possa acontecer

e assim para dar nova satisfaccedilatildeo ao problema proposto a voz natildeo pode ser formada por

qualquer embate do ar contra um corpo mas a partir do ar que se dirige para os oacutergatildeos

proacuteprios e adequados o que soacute pode acontecer quando expiramos e natildeo quando

inspiramos

4 Por que eacute que ouvimos menos quando bocejamos

Resposta Ao bocejar expelimos das pregas da garganta um sopro entorpecido

que tambeacutem chega aos ouvidos preenche-os e provoca um estreacutepito assim esse som

extriacutenseco acaba por ofuscar o que entra Precisamente pela mesma razatildeo se duas

pessoas falam ao mesmo tempo ouvem-se menos pela convergecircncia e repercussatildeo do

som que se atropela mutuamente por isso quando queremos ouvir com precisatildeo

retemos a inspiraccedilatildeo Acrescente-se tambeacutem que os buracos dos ouvidos satildeo

comprimidos quando as mandiacutebulas ao bocejar se afastam e deste modo estatildeo menos

abertas para deixar entrar o ar

5 Existem ou natildeo inuacutemeros defeitos da liacutengua

Resposta Existem de facto Uns gaguejam ou seja natildeo conseguem juntar uma

siacutelaba agrave outra logo de seguida conforme exige o vocaacutebulo e detecircm-se algum tempo na

anterior Por isso acontece igualmente que mesmo que se esforcem natildeo consigam falar

baixinho como diz o Filoacutesofo autor dos Problemas no 35ordm da secccedilatildeo 11 A gaguez no

entanto como tambeacutem acrescenta no problema 54 pode ser provocada pelo frio que

deixa o oacutergatildeo da fala atoacutenito por isso depois de aquecido pela exercitaccedilatildeo ou pelo

vinho jaacute consegue formar um discurso com mais desembaraccedilo como acontece aos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 240

grifos e aos estorninhos pois tornam-se mais faladores se comerem um bocado de carne

ensopado em vinho Portanto praticamente soacute o homem eacute que sofre com o defeito da

gaguez porque de entre todos os animais soacute ele produz uma linguagem verbal a gaguez

constitui entatildeo uma interrupccedilatildeo da articulaccedilatildeo ao falar Leia-se os problemas 55 e 56

da secccedilatildeo citada Aleacutem disso haacute outros que balbuciam ou seja que deixam passar uma

letra ou uma siacutelaba como se dissessem confusamente lsquoConstantoplarsquo e lsquoNpolesrsquo em vez

de lsquoConstantinoplarsquo e lsquoNaacutepolesrsquo Haacute ainda outros que satildeo blesos isto eacute que natildeo

conseguem articular uma determinada letra e assim pronunciam por exemplo lsquoflutorsquo

em vez de lsquofrutorsquo lsquoCapidoacuteliorsquo por lsquoCapitoacuteliorsquo e lsquolapazinhorsquo por lsquorapazinhorsquo

6 Por que eacute que a voz dos medrosos e dos irados treme tal como o queixo

Resposta Porque o coraccedilatildeo eacute fortemente perturbado pelo calor que emana e

por isso se produzem muitos batimentos tal como nas cordas lassas

7 Por que eacute que quem estaacute dentro de casa ouve melhor o som provocado no

exterior mas pelo contraacuterio quem estaacute fora percebe menos o som dentro de casa

Resposta Porque nesta uacuteltima situaccedilatildeo o ar dissipa-se quando se precipita para

o exterior que eacute um espaccedilo mais abrangente e assim o som enfraquece na primeira

pelo contraacuterio ao entrar em casa o ar compacta-se daiacute que necessariamente se ouccedila

melhor Uma razatildeo semelhante parece avanccedilar no que diz respeito agrave visatildeo pois tambeacutem

quando estamos dentro de casa vemos o que estaacute laacute fora melhor do que vemos o que se

passa em casa quando estamos laacute fora Assim eacute pois as espeacutecies que chegam a casa

vindas de fora compactam-se e reuacutenem-se pelo contraacuterio quando se lanccedilam para fora a

partir de casa afastam-se dos olhos Logo quando as recebem no exterior vecircem pior se

for no interior vecircem melhor Acrescente-se que a luz agrave volta dos olhos distrai a visatildeo

para que natildeo possa fixar-se num soacute lugar

8 Por que eacute que se ouve melhor em baixo quem fala numa divisatildeo superior do

que se ouve em cima os que falam numa divisatildeo inferior dado que a voz tal como o ar

tem tendecircncia inata para ascender

Resposta Porque o ar natildeo eacute emitido por quem fala sem um determinado

humor e o humor poreacutem tende a descer Mas natildeo seraacute esta razatildeo particular se nem

todo o som se difunde com o humor Resposta O som ouve-se melhor quando a

disposiccedilatildeo entre ele e a potecircncia eacute mais conveniente ou seja quando o ar natildeo soa

abaixo dos peacutes antes de chegar aos ouvidos mas quando parte de um lugar mais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 241

elevado entatildeo esses mesmos ouvidos que estatildeo elevados por natureza apanham o

referido ar de forma mais conveniente

9 Por que eacute que a noite eacute mais favoraacutevel agrave audiccedilatildeo do que o dia

Talvez seja como afirma Anaxaacutegoras porque o ar aquecido pelo Sol durante o

dia provoca um barulho estridente e perturba durante a noite estaacute em repouso porque

todo o calor desapareceu e entatildeo tudo pode ouvir-se melhor quando natildeo haacute qualquer

estreacutepito Ou porque a faculdade de ouvir se torna mais ampla num meio mais vazio do

que num meio mais cheio E como o ar de dia eacute mais denso porque se enche de luz e de

raios enquanto o nocturno eacute mais raro pois o fogo e os raios deixaram o que se pode

dizer serem corpos A soluccedilatildeo mais perspicaz do problema eacute todavia dada por

Aristoacuteteles pois durante o dia a dedicaccedilatildeo da alma agrave visatildeo agrave intelecccedilatildeo e a tudo o mais

que fazemos diminui a sua atenccedilatildeo para ouvir e na verdade quando o sentido se separa

da inteligecircncia tem menos trabalho de outro modo tem mais por isso se disse afirma

Aristoacuteteles que a mente lsquovecircrsquo e que a mente lsquoouversquo porque assiste a todas as funccedilotildees dos

sentidos e por presidir a todas elas distrai-se Portanto de noite a alma livre da

concorrecircncia da visatildeo pode receber melhor os sons E tambeacutem por esta razatildeo acontece

que de noite sentimos mais a dor porque a alma pouco ocupada com os outros

sentidos aplica-se agrave funccedilatildeo do tacto como escreveu Alexandre no livro 1 dos

Problemas problema 118

10 Seraacute que muitos sons em simultacircneo se fazem ouvir mais longe do que

qualquer um deles em separado

Reposta A questatildeo eacute duacutebia em Aristoacuteteles De facto na secccedilatildeo 19 dos

Problemas 2 escreve mais ou menos assim ldquopor que eacute que a mesma pessoa com a

mesma voz se faz ouvir mais longe quando canta ou grita com outras pessoas do que

sozinhordquo Talvez porque quando se reuacutenem forccedilas natildeo eacute tatildeo difiacutecil fazer uma coisa

como individualmente pois todos os compostos tecircm mais forccedila do que os singulares

por isso quando a voz eacute produzida por um conjunto de bocas torna-se una e empurra o

ar em simultacircneo para conseguir mostrar-se mais forte A experiecircncia e o exemplo

confirmam a opiniatildeo de Aristoacuteteles A experiecircncia porque constatamos que ouvimos um

exeacutercito vociferante mais longe do que um soacute militar ainda que este clamasse com a

mesma intensidade com que vociferava juntamente com os outros e tambeacutem ouvimos

mais longe o murmurinho dos homens nos mercados e no foacuterum do que apenas a voz de

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 242

um ainda que fale mais alto que os outros E por exemplo muitas lucernas do mesmo

esplendor emitem uma luz muito mais lata do que uma soacute e as areias amontoadas podem

ser avistadas de muito longe na praia no entanto soacute de muito perto e com grande custo

se pode discernir cada uma delas Entatildeo por que motivo o que toca ao objecto visiacutevel

natildeo haacute-de servir para o audiacutevel Embora as espeacutecies das vozes singulares natildeo se unam

todavia produz-se uma outra pelo seu conjunto global para que possa chegar mais

longe Mas o mesmo Filoacutesofo na secccedilatildeo 11 dos Problemas 52 conturbou

profundamente esta resposta ao afirmar ldquoPor isso quando muita gente emite a sua voz

ao mesmo tempo em uniacutessono essa voz conjunta mostra-se mais forte do que seria a

voz de cada um todavia natildeo chega mais longe por causa de serem muitos Talvez

porque esse conjunto de pessoas natildeo impele o mesmo ar em simultacircneo mas um

diverso do mesmo modo que se muita gente atirar uma pedra para um alvo diferente

natildeo se vai afastar mais por causa disso do que se um soacute o projectasserdquo E por isso se

torna evidente o quanto eacute duacutebia a dissoluccedilatildeo do problema proposto no texto do Filoacutesofo

A noacutes poreacutem agrada-nos a primeira resposta sobretudo porque foi posteriormente

registada por Aristoacuteteles Ora se algueacutem colocar a posterior agrave prova responderaacute agrave

experiecircncia e ao exemplo apresentados haacute pouco que os sons natildeo se unem no mesmo ar

pelo contraacuterio mantecircm o seu caraacutecter individual nem emitem uma terceira espeacutecie por

conseguinte natildeo eacute por isso que ouvimos a voz ou qualquer outro som mais longe se

for isolado ou mais forte se for produzido com outros semelhantes Ora a experiecircncia

demonstra que de facto a maior quantidade de sons natildeo se faz ouvir mais longe e

assim acontece talvez nas espeacutecies das areias (pois natildeo parece provaacutevel que elas se

unam num todo conjunto) pois eacute obvio que a espeacutecie de cada uma chega aonde todas

chegam em conjunto embora cada uma por si natildeo satisfaccedila tanto a capacidade de ver

nem a ponto de poder ser discernida como o fazem todas ao mesmo tempo sob uma

certa confusatildeo Por outro lado as luzes das lucernas convergem numa soacute por isso natildeo eacute

de admirar se o esplendor chegar agraves partes mais remotas Por fim Aristoacuteteles naquele

problema 2 da secccedilatildeo 19 parece contentar-se com a resposta mais comum

11 Por que eacute que a voz no homem acaba de se formar mais tarde do que nos

outros animais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 243

Resposta Os outros poucas ou nenhumas letras distinguem na voz o homem

pelo contraacuterio inuacutemeras o que eacute mais difiacutecil e exige mais tempo Leia-se tambeacutem

Alexandre no livro 1 dos Problemas 148

12 Por que eacute que a voz pode formar-se mais ou menos intensa embora

conserve a mesma espeacutecie como quando cantamos uma coisa no mesmo tom mas umas

vezes baixinho outras com mais intensidade

Resposta Porque do mesmo modo que uma figura maior pode tornar-se menor

ndash por exemplo o quadrado maior pode tornar-se menor se subtrairmos de todos os lados

partes iguais embora se mantenha dentro da mesma espeacutecie assim a voz ainda que se

torne mais baixa todavia seraacute do mesmo tom do que quando era produzida com mais

energia

13 Por que eacute que os velhos tecircm uma voz treacutemula

Resposta Porque natildeo conseguem conter a voz como costuma acontecer aos

neacutescios e agraves crianccedilas Ao agarrar numa taacutebua muito comprida numa ponta o outro

extremo oscila de facto porque natildeo conseguem suportar e dominar o que tecircm na matildeo e

deve acreditar-se que o mesmo motivo traz a causa da voz treacutemula aos homens

nervosos aos medrosos e aos que tecircm frio Quando algueacutem emite assim a voz eacute porque

a maior parte do seu calor compelido por aquelas afeiccedilotildees estaacute preso dentro de si e o

que resta eacute pouco para conseguir conter a voz por isso ela oscila e estremece daiacute que

os professores de artes liberais232 sabendo que se costumam enervar comecem por falar

com voz branda enquanto se acalmam e estabilizam pois podem mais facilmente

dominar e conter a voz baixa

14 Por que eacute que na trageacutedia se usa a mutaccedilatildeo e a variedade no cantar

Resposta Porque somos influenciados pela diversidade da muacutesica que ora

exalta o excesso ora reprime as tristezas e vai-se adaptando agrave dimensatildeo da calamidade

ou da afliccedilatildeo pelo contraacuterio o que eacute igual e contiacutenuo torna-se menos impressionante

quando chega aos ouvidos

15 Por que eacute que ouvimos com mais agrado se conhecermos a cantilena do que

se a ignorarmos

232 Note-se mais uma vez a fidelidade a Teodoro de Gaza que traduz τεχνικοί por lsquoartium liberales professoresrsquo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 244

Resposta Porque assim chegamos ao fim mas quando natildeo a conhecemos eacute

como se nos perdecircssemos a meio porque ouvir de novo eacute aprender e o aprender gera

alegria Por isso costumamos ouvir com mais agrado as cantilenas solitaacuterias quando satildeo

cantadas com uma soacute flauta ou lira porque compreendemos mais facilmente o que se

canta Uma cantilena acompanhada por muitas liras eacute ofuscada e apaga-se quase por

completo

16 Por que eacute que apesar de a voz do homem ser mais agradaacutevel do que a

flauta todavia natildeo agrada mais ouvi-la quando soa ao modo da flauta apesar de nos

agradar mais ouvirmos o homem que canta do que a flauta que eacute contudo mais

agradaacutevel do que o homem que trauteia233

Resposta Porque o natural tem um resultado mais agradaacutevel do que o artificial

E assim quando o homem canta sobre o som da flauta acrescenta-lhe a articulaccedilatildeo das

palavras por isso natildeo eacute de admirar que se ouccedila com mais prazer quando trauteia pelo

contraacuterio ouve-se com menos prazer do que a flauta porque a imita

17 Por que motivo quem canta com voz grave se desafinar pode mais

facilmente ser apanhado do que quem canta em agudo e assim acontece nos caacutelculos

pois um erro eacute mais evidente se for cometido numa escala maior

Resposta Porque o som grave demora mais tempo daiacute que consiga ser

totalmente percebido pelos ouvidos o agudo poreacutem eacute mais veloz e mais facilmente

escapa e consegue esconder-se

18 Por que motivo quando satildeo muitos a cantar em coro podem manter melhor

os ritmos harmoacutenicos do que quando satildeo poucos

Resposta Porque quando satildeo muitos seguem o seu liacuteder isto eacute o corifeu de

forma mais segura e comeccedilam mais devagar ao acelerar eacute que se estaacute mais propenso a

errar

19 Por que eacute que nos agrada mais ouvir uma cantilena acompanhada da flauta

do que com a lira

Resposta Porque cada um dos sons eacute percebido de forma mais distinta e ambos

se misturam melhor pois tanto a voz humana como o som da flauta satildeo obtidos atraveacutes

de um sopro interno todavia natildeo eacute assim o som da lira Acrescente-se que a flauta pelo

233 Note-se que lsquoteretantemrsquo reconstitui a forma de particiacutepio presente de um verbo natildeo atestado que parece transliterar o grego lsquoτερετίζωrsquo (teretizo) de natureza onomatopaica que significa lsquochilrear palrar trautearrsquo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 245

seu som e natureza oculta muitos erros da cantilena O som da lira sendo teacutenue torna-

se menos capaz de se aliar agrave voz ele manifesta-se isoladamente e ao manter o seu

caraacutecter singelo evidencia todos os erros da cantilena como uma espeacutecie de referecircncia

normativa Ora tendo cometido muitas falhas ao cantar eacute necessariamente inferior

porque o conjunto deriva directamente desse mau desempenho

20 Uma vez que haacute um canal pelo qual a comida e a bebida circulam e outro

pelo qual respiramos por que eacute que nos engasgamos quando comemos um bocado

maior

Resposta Porque como a arteacuteria vocal estaacute junto agrave outra pela qual os alimentos

satildeo ingeridos ela fica necessariamente apertada quando comemos um bocado mais

largo que o normal daiacute que seja preciso denegar caminho agrave respiraccedilatildeo

21 Por que razatildeo entre os sensiacuteveis proacuteprios soacute o som pode ser moralmente

designado bom ou mau pois dizemos que o discurso eacute irasciacutevel jocoso lascivo

prudente ou enganador mas com a cor o odor o sabor ou o frio natildeo eacute assim

Talvez porque o som eacute produzido pelo movimento e a acccedilatildeo faz parte dos

costumes Acrescente-se que os objectos dos outros sentidos natildeo estatildeo sujeitos agrave nossa

liberdade como a voz e estas duas respostas significam o mesmo Na verdade tambeacutem

por vezes nos viramos para o viacutecio porque algum odor nos incentiva ou porque surge

intempestivamente uma lucerna etc Peca-se por causa de uma aproximaccedilatildeo local natildeo

por uma alteraccedilatildeo de odor ou de luz e essa aproximaccedilatildeo como eacute um movimento local

estaacute sujeita agrave nossa liberdade

22 Por que razatildeo quando algo eacute percutido ao longe vemos imediatamente o

gesto e soacute mais tarde ouvimos o estreacutepito ainda que o gesto e o estreacutepito tenham origem

simultaneamente

Porque temos uma visatildeo mais subtil e aacutegil do que a audiccedilatildeo Logo a visatildeo

pode antecipar-se porque eacute mais aacutegil o ouvido como eacute mais pesado desempenha a sua

funccedilatildeo mais lentamente Eacute por esta mesma razatildeo que quando se daacute a fricccedilatildeo e o choque

das nuvens natildeo percepcionamos ao mesmo tempo o trovatildeo e o relacircmpago mas vemos

primeiro o relacircmpago e depois ouvimos o trovatildeo embora o trovatildeo se decirc ao mesmo

tempo que o relacircmpago Seguramente a visatildeo por ser mais aacutegil e mais subtil leva

vantagem e antecipa-se a audiccedilatildeo como eacute mais pesada e mais lenta soacute sente pouco

tempo depois Assim Alexandre no livro 1 dos Problemas na reposta ao problema 38

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 246

parece considerar que o acto de ver se concretiza por uma emissatildeo a partir dos olhos o

que natildeo eacute assim Logo a soluccedilatildeo exacta deste problema seraacute embora tanto a acccedilatildeo de

ver como a de ouvir possam produzir-se no mesmo momento todavia as espeacutecies

auditivas chegam agrave potecircncia com o movimento e por isso mais tarde do que as visuais

que abrem caminho instantaneamente porque ainda que natildeo tenham oposiccedilatildeo as

reacuteplicas deslocam-se no espaccedilo e por isso natildeo seraacute de admirar se demorarem a

aproximar-se

23 Por que eacute que as crianccedilas quando ouvem muacutesicas primeiro param de

chorar e depois adormecem

Resposta Alexandre no livro 1 dos Problemas 121 escreve assim porque a

muacutesica eacute introduzida nas almas pela natureza como as outras ciecircncias e natildeo eacute pelo

ensino mas pela reminiscecircncia que a adquirimos como garantiu Platatildeo Portanto

sempre que a alma sente uma sinfonia mais rebuscada a reminiscecircncia e a repeticcedilatildeo

levam a que a crianccedila sossegue e adormeccedila agrave medida que vai acalmando ateacute que

finalmente se abstrai do mundo envolvente Mas esta eacute a perspectiva platoacutenica Logo

mais correcta eacute a de Aristoacuteteles na secccedilatildeo 19 dos Problemas 38 Diz ele ldquoPor que eacute

que todos se costumam divertir com os ritmos as melodias e enfim todos os tipos de

canto Talvez porque tudo foi pensado e ordenado de acordo com a natureza para que

justamente nos possa divertir e disso indiacutecio eacute que quando trabalhamos bebemos e

comemos de forma ordenada conservamos e aumentamos a natureza e as nossas forccedilas

quando agimos desordenadamente daacute-se o contraacuterio Ora a sinfonia eacute uma mistura ou

seja a combinaccedilatildeo ordenada dos contraacuterios que mantecircm entre si uma relaccedilatildeo

reciacuteprocardquo E assim Aristoacuteteles pretende que o conjunto das vozes recreie os ouvidos

porque eacute regulado por certas leis exigidas pela natureza dessa realidade o que tambeacutem

costuma acontecer com outros objectos dos sentidos e se assim natildeo fosse as cores natildeo

encantavam os olhos numa pintura nem os sabores na comida que eacute temperada de um

modo preciso Acrescenta poreacutem Aristoacuteteles que tambeacutem os modos improvisados dos

cacircnticos isto eacute aqueles que natildeo satildeo criados pela arte tambeacutem deleitam se nos

habituarmos a eles seguramente porque o costume obteacutem a mesma forccedila da natureza

24 Por que razatildeo os que satildeo surdos por natureza desde o nascimento tambeacutem

satildeo mudos toda a vida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 247

Resposta Os que nunca ouviram tambeacutem natildeo podem falar Ora os meacutedicos

satildeo de opiniatildeo que se trata do mesmo par de nervos em que uma parte se estende para a

liacutengua e outra para os ouvidos e assim daacute-se necessariamente um efeito comum Na

verdade negam que aqueles que ensurdecem por doenccedila se tornam mudos porque

apenas uma parte ou seja a que foi confiada agrave funccedilatildeo de ouvir teraacute perdido as suas

forccedilas e confirmam igualmente que os que ficam mudos pela mesma causa tambeacutem natildeo

se tornam surdos porque se daacute apenas a lesatildeo de um dos nervos o que diz respeito agrave

liacutengua

QUARTA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO OLFACTO

Sobre a estrutura do nariz falou-se no livro 2 Sobre a alma capiacutetulo 9 ao

longo de vaacuterias questotildees Aristoacuteteles na secccedilatildeo 33 dos Problemas expotildee algumas

qualidades do nariz bem como dos oacutergatildeos e dos sentidos que se seguem sobretudo

sobre a causa pela qual a natureza destes trecircs eacute mais densa daiacute que nem forneccedilam ao

intelecto um conhecimento pleno de si mesmos ou dos objectos nem apresentem tanta

mateacuteria de ensino como os dois anteriores Por esse motivo iremos tratar deles de forma

mais concisa

1 Por que eacute que todos os rapazes tecircm o nariz achatado sobretudo os que tecircm

cabelo crespo o que se verifica especialmente na raccedila dos Etiacuteopes nos quais pouco se

eleva o nariz

Certamente porque o nariz eacute uma cartilagem que tem a mesma natureza dos

ossos no entanto nos corpos mais quentes como os rapazes e os de cabelo crespo a

mateacuteria eacute mais densa e menos aproveitaacutevel e como eacute esta que se transforma em ossos

cresce menos

2 Por que motivo espirramos

Certamente porque o sopro e o vapor satildeo extraiacutedos dos humores atraveacutes do

calor E de facto o ar eacute colhido no exterior por uma forccedila que o arrasta atraveacutes das

narinas e depois repleto de vapores eacute expelido para fora atraveacutes da forccedila expulsiva

libertando a cabeccedila Por isso natildeo espirramos enquanto dormimos graccedilas ao calor

impelido para o interior das nossas entranhas nem tatildeo pouco quando esfregamos os

olhos pois nesse momento o calor maior que adveacutem da fricccedilatildeo sobrepotildee-se ao menor

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 248

que causava a vontade de espirrar ou entatildeo o humor que deveria sair com o espirro sai

com a laacutegrima Pelo contraacuterio espirramos ao olharmos para o sol porque quando essa

luz chega aos olhos ou quando satildeo tocados por uma pena aquecem mais facilmente

Por uacuteltimo por que eacute que o facto de o espirro provir do calor faz com que

suprima o soluccedilo Eacute tambeacutem o soluccedilo uma agitaccedilatildeo de ar que tenta sair do pulmatildeo daiacute

que lhe cause uma distensatildeo do mesmo modo que o arroto eacute ar que sai do estocircmago

Aleacutem disso entre os animais o homem eacute quem mais espirra porque em proporccedilatildeo tem

o ceacuterebro maior onde se concentra a mateacuteria do espirro e narinas mais largas para

empurrar o ar para o exterior daiacute que os velhos espirrem com mais dificuldade porque

tecircm por natureza as narinas mais comprimidas Por fim o espirro produz-se

geralmente em duplicado ou mais mas nunca um soacute Satildeo boas as narinas em que a veia

se divide e atraveacutes dela o sopro circula

QUINTA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO GOSTO

1 Por que eacute que as crianccedilas e as mulheres graacutevidas desejam avidamente coisas

desagradaacuteveis sobretudo ateacute ao terceiro mecircs

Resposta Porque a qualidade do viacutecio arrasta-se para o interior do ventre com

o sangue menstrual e excita a apetecircncia da qualidade cognata Deste modo se o interior

do ventre eacute infestado pela atrabiacutelis deseja carvotildees tijolos cozidos e este tipo de objectos

de barro Se estaacute imbuiacutedo da aacutecida pituiacuteta apetece-lhe os sabores aacutecidos etc Este viacutecio

no entanto geralmente natildeo se prolonga para aleacutem do terceiro mecircs porque o feto

quando eacute maior pode fazer desaparecer por completo a abundacircncia de sangue

menstrual e por isso natildeo seraacute de admirar se as crianccedilas que se alimentam do referido

sangue tambeacutem desejarem aquelas coisas que dissemos Leia-se Alexandre no livro 2

problema 74

2 Por que eacute que embora as coisas doces sejam mais agradaacuteveis que as aacutecidas

noacutes nos saturamos mais rapidamente das primeiros do que das outras

Resposta Porque a fome ou a apetecircncia de comida dura tanto tempo quanto

natildeo soacute o estocircmago mas tambeacutem os membros estatildeo privados de alimento e como todos

os doces satildeo geralmente nutritivos o que natildeo acontece com os aacutecidos e por isso os

primeiros extinguem mais rapidamente a fome do que os outros ora sem fome o

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 249

estocircmago e a gula nada podem aceitar Aleacutem disso haacute algumas pessoas sobretudo a

maior parte dos doentes que aborrecem os doces mesmo antes de comer e apetece-lhes

os aacutecidos O motivo eacute o facto de estes destruiacuterem o humor quente ou seja a biacutelis

amarela Logo nesta mateacuteria a natureza fica satisfeita

3 Por que eacute que quando comemos um fruto podre sentimos um amargor mais

forte depois de ter bebido vinho do que antes

Resposta Porque o amargor levado pelo vinho e excitado pelo proacuteprio calor do

vinho penetra mais facilmente no oacutergatildeo do gosto e assim sente-se com mais veemecircncia

4 Por que eacute que o patildeo o queijo e a maioria das coisas quando arrefecem sabem

pior e quando requentadas sabem melhor

Resposta Porque o sabor nos alimentos frios condensa e ganha consistecircncia

poreacutem nos aquecidos dilui-se assim o sabor ganha um travo agradaacutevel Mas como os

doces quentes se saboreiam menos que os frios certamente o oacutergatildeo do gosto tem tacto

Entatildeo o calor como se sente mais ofusca o acto de tomar o gosto e tambeacutem porque o

sabor doce eacute quente e assim a sensaccedilatildeo de doccedilura deixa-se perturbar um pouco quando

aquecida pelo calor que se lhe junta

5 Por que eacute que os figos embora sejam moles e doces ofendem os dentes

Resposta Porque aderem agraves gengivas pela sua viscosidade e quando penetram

nos dentes rapidamente os fazem apodrecer pelo calor inserido aleacutem disso tambeacutem

pela dureza dos gratildeos prejudicam os dentes

6 Por que eacute que a bebida se torna mais agradaacutevel depois de comer qualquer

coisa azeda

Resposta Porque os contraacuterios quando dispostos uns ao peacute dos outros tornam-

se mais notoacuterios Do mesmo modo que o descanso depois do trabalho eacute mais agradaacutevel

embora natildeo seja melhor em si proacuteprio do que depois de outro periacuteodo de descanso e

assim por diante

7 Por que eacute que a liacutengua pode tornar-se e sentir-se amarga salgada ou aacutecida

mas natildeo doce

Resposta Porque aquelas qualidades satildeo corrupccedilotildees da natureza enquanto a

doccedilura eacute natural e ningueacutem pode sentir a sua proacutepria natureza segundo Aristoacuteteles

secccedilatildeo 34 dos Problemas 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 250

SEXTA SECCcedilAtildeO

SOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO TACTO

1 Por que eacute quem se magoa de forma raacutepida e inadvertida sofre menos do que

quem o faz propositadamente

Resposta Porque os primeiros tecircm o espiacuterito ocupado e como este estaacute

distraiacutedo com outras ocupaccedilotildees aplica-se menos agrave percepccedilatildeo da ferida Os outros

concentram-se no membro ferido e por isso sofrem ainda mais pelo mesmo motivo

quem carrega pesos ou se entrega por completo ao trabalho vai-se distraindo com o

canto porque o espiacuterito presta atenccedilatildeo agrave suavidade dos ritmos e assim esquece-se do

trabalho como se costuma dizer Eacute tambeacutem por isso que devemos recorrer a flautas e

tambores nos momentos de luto e para os que lamentam a morte de um familiar ou

estatildeo doentes devemos preparar uma reuniatildeo de amigos seguramente o espiacuterito acaba

por distrair-se com as conversas variadas e livra-se do desgosto Leia-se Alexandre no

livro 1 dos Problemas 77 e 78 E tambeacutem porque se os golpes forem previstos como

diz Gregoacuterio Magno magoam menos e isto eacute por vezes verdade na medida em que

preparamos um remeacutedio e uma forma de distracccedilatildeo graccedilas ao conhecimento preacutevio de

um mal iminente

2 Por que eacute que quando nos tocam sobretudo se for agraves escondidas e com

maliacutecia arrepiamo-nos mais ou faz-nos mais coacutecegas do que se fossemos tocados por

noacutes proacuteprios ou por outrem mas agrave vista de todos

Resposta Porque sentimos menos o que nos eacute natural e inato Assim a liacutengua

sente menos o sabor doce que lhe eacute inato do que o acre ou o amargo aleacutem disso o que

algueacutem faz agrave vista de todos eacute para noacutes quase natural E tambeacutem porque o que se faz agrave

traiccedilatildeo ocorre de forma mais terriacutevel e assim o medo e ateacute o horror satildeo estimulados

por um arrepio E por conseguinte isto tambeacutem se aplica ao riso porque a surpresa e a

maliacutecia satildeo objectos do riso E do mesmo modo temos mais coacutecegas nas axilas nas

plantas dos peacutes e nas orelhas porque o toque destas partes eacute mais insoacutelito e para aleacutem

disso porque tecircm a cuacutetis mais teacutenue daiacute que sejam os laacutebios o ponto onde temos mais

coacutecegas

3 Por que eacute que toda a gente se arrepia da mesma forma mas natildeo pelos

mesmos motivos pois um eacute pelo rasgar das vestes outro pelo aguccedilar da serra ou pelo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 251

puxar quando se corta outro pelo partir da pedra-pomes outro ainda pelo seixo

quebrado pelo moinho outros por verem comidas fastidiosas

Resposta Tal como nem todos gostam das mesmas coisas mas antes de acordo

com o diferente temperamento do corpo assim por causa dessa mesma variedade natildeo se

deixam incomodar pelos mesmos motivos mas por aquilo que eacute mais estranho ao

caraacutecter de cada um

4 Por que eacute que tambeacutem quando somos salpicados pela aacutegua quente

estremecemos com esse contacto

Resposta Porque tememos o que existe por natureza na aacutegua ou seja o frio

Logo ainda que ela esteja quente mesmo assim eacute-nos sugerida a sua disposiccedilatildeo natural

5 Por que eacute que os dentes sentem mais o frio do que o quente e com a carne

acontece o contraacuterio

Resposta Porque os dentes estatildeo ligados por canais mais teacutenues e dotados de

menos calor E assim tecircm menos resistecircncia contra o frio A carne pelo contraacuterio eacute

quente e por isso menos afectada pelo frio e mais pelo calor como se o fogo se juntasse

ao fogo Veja-se Aristoacuteteles secccedilatildeo 34 dos Problemas 3

6 Por que eacute que classificamos os homens como moderados apenas em funccedilatildeo

destes dois sentidos ou seja do tacto e do gosto e natildeo dos outros

Resposta Porque os prazeres comuns aos homens e agraves bestas satildeo administrados

por estes sentidos logo desprezamos tudo o que eacute desse tipo temos vergonha disso e

procuramos reprimi-lo Veja-se Aristoacuteteles secccedilatildeo 28 dos Problemas 2 e 3

E agora basta sobre os problemas que dizem respeito agraves potecircncias externas da

alma Todavia natildeo prosseguimos com um projecto sobre as outras faculdades dessa

mesma alma porque os conhecimentos do senso comum a que Aristoacuteteles costuma

recorrer nos Problemas natildeo fornecem mateacuteria suficiente Resta apenas que este

trabalho que o Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus graccedilas a um esforccedilo

comum inseriu na ediccedilatildeo do curso de toda a Filosofia possa agradar a Deus que desde

o princiacutepio o protegeu e impulsionou para a finalidade pretendida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 252

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Livros de Aristoacuteteles intitulados

Os Pequenos Naturais

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 253

PROEacuteMIO234

Mateacuteria tratada na obra Os livros de Aristoacuteteles que os nossos filoacutesofos

intitulam Pequenos Naturais isto eacute pequenos opuacutesculos sobre mateacuterias naturais satildeo

uma espeacutecie de suplemento aos livros Sobre a Alma Contecircm pois uma explicaccedilatildeo de

certas disposiccedilotildees que ou satildeo comuns a todos os seres vivos como a morte e a vida ou

soacute aos animais como a vigiacutelia o sono e a respiraccedilatildeo Seguimos entatildeo nesta obra o

mesmo meacutetodo e organizaccedilatildeo de escrita que nos Meteoroloacutegicos pelos motivos que aiacute

expusemos Poreacutem no que diz respeito aos livros Sobre o Sentido e o Sensiacutevel em que

Aristoacuteteles disserta em particular sobre os oacutergatildeos dos sentidos e seus objectos

decidimos nada comentar sobre eles nesta obra porque toda essa discussatildeo foi por noacutes

largamente tratada e ilustrada nos livros Sobre a Alma que com a Graccedila de Deus

havemos de publicar em breve juntamente com os livros Sobre a Geraccedilatildeo e a

Corrupccedilatildeo

234 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 254

Algumas Disputas do Curso Conimbricense sobre os

Livros da Eacutetica a Nicoacutemaco de Aristoacuteteles integrando

certos preciacutepuos capiacutetulos da disciplina de Eacutetica

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 255

PROEacuteMIO235

Que ningueacutem pode sair perfeito Filoacutesofo sem estar imbuiacutedo dos preceitos da

ciecircncia moral indica-o agrave saciedade quer aquela conhecida divisatildeo em que os Antigos

distribuiacuteam a Filosofia ndash em Dialeacutectica Natural e Moral236ndash quer porque para se

filosofar rectamente tal como para se viver bem e felizmente se torna necessaacuterio ver o

que eacute honesto o que eacute desonesto o que se deve aceitar ou repelir Este conhecimento

pertence agrave Filosofia Moral

Por esta razatildeo aos que se dedicam agrave carreira das boas artes esta disciplina ndash

porque natildeo se pode explicar integral e absolutamente aos que tendem para outras coisas

ndash costuma e deve ensinar-se ao menos em parte A fim de que isso seja facilmente

possiacutevel julgaacutemos nosso dever redigir umas tantas disputas em que reuniacutessemos com

ordem e em suma algumas das melhores questotildees que foram tratadas dispersamente por

Aristoacuteteles nos livros da Moral a Nicoacutemaco

Omitimos poreacutem como nos livros dos Meteoros e dos Pequenos Naturais a

interpretaccedilatildeo do contexto aristoteacutelico natildeo por imaginarmos que deva ser desprezado

mas porque atendemos natildeo ao que foi por outros escrito ou o possa ser por noacutes mas ao

que eacute possiacutevel explicar aos alunos de Filosofia no espaccedilo determinado dos anos que

lhes estaacute prescrito

Finalidade desta disciplina Portanto o desiacutegnio e fim da ciecircncia moral eacute

ensinar o modo de viver honestamente instruir na probidade dos costumes e levar ao

feliz estado da vida

Divisatildeo E porque o homem enquanto deste modo se pode regular e instruir

ou se considera em si mesmo sem relaccedilatildeo agrave multidatildeo a que aliaacutes pertence por ser

animal social ou enquanto eacute parte da comunidade domeacutestica ou enquanto eacute como que

membro de toda a Repuacuteblica ndash segue-se daiacute que esta ciecircncia conteacutem trecircs partes a Moral

ou Monaacutestica a Economia ou Familiar a Poliacutetica ou Civil A primeira regula os

costumes do homem considerado absolutamente em si a segunda ensina a disciplina

domeacutestica e prepara para o governo da proacutepria famiacutelia a terceira estabelece a Repuacuteblica

235 Trad ABA236 Sobre esta divisatildeo Aristoacuteteles livro 1 dos Toacutepicos cap 12 Santo Agostinho no livro 8 Da Cidade de Deus cap 4 Alcino no livro Da doutrina de Platatildeo Euseacutebio no princiacutepio do livro 11 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 256

ideal e dirige o homem para que realize com acerto o que respeita agrave conservaccedilatildeo de todo

o reino e ao bem universal

Sobre esta divisatildeo Alcino no livro Da Doutrina de Platatildeo cap 4 Filatildeo Judeu

no livro Da Embriaguecircs Satildeo Tomaacutes na Suma 1ordf 2ordf questatildeo 48 artigo 2 e iniacutecio do

livro 1 da Moral

Sujeito O sujeito de toda a ciecircncia moral (que do exposto jaacute facilmente se

colige) eacute o homem enquanto actua livremente e se pode aperfeiccediloar com os bons

costumes e alcanccedilar a felicidade humana considerado poreacutem debaixo daquela triacuteplice

variedade de que falaacutemos haacute pouco Da Moral a que pertencem como diremos em

breve os livros da Moral eacute sujeito o homem tomado no primeiro sentido

Ordem Expusemos na Fiacutesica237 o lugar que toda esta disciplina ocupa entre as

demais quer na ordem da doutrina quer na da dignidade Das trecircs partes dela a Moral

precede as outras duas natildeo soacute na ordem da doutrina como da natureza porque disputa

acerca de coisa mais simples a saber da conformaccedilatildeo do homem individual Isto eacute mais

simples do que a famiacutelia que proveacutem de cada um dos homens e do que o reino que se

forma com o conjunto das famiacutelias e cidades E ainda porque eacute necessaacuterio antes de

mais regular a proacutepria vida do que atender ao governo da famiacutelia ou da Repuacuteblica

Por essa razatildeo tambeacutem Aristoacuteteles pocircs no princiacutepio da Moral a Nicoacutemaco um

Proeacutemio comum a toda a doutrina moral e no fim da mesma prometeu disputar a seguir

acerca da Repuacuteblica e da maneira de elaborar leis

ACERCA DOS LIVROS MORAIS DE ARISTOacuteTELES

PARTICULARMENTE DA MORAL A NICOacuteMACO

Como os antigos Filoacutesofos apenas se ocupavam da investigaccedilatildeo e ciecircncia das

coisas naturais diz-se que Soacutecrates como testemunha Xenofonte no livro dos seus

ditos e Ciacutecero no livro 1 das Questotildees Acadeacutemicas238 foi o primeiro que fez derivar o

labor filosoacutefico para a morigeraccedilatildeo da vida e que colocou nas cidades e nos lares a

doutrina dos costumes como saiacuteda do Ceacuteu

Sobre o mesmo assunto escreveram depois admiravelmente os seus muito

ilustres disciacutepulos Platatildeo e Aristoacuteteles De Platatildeo subsistem alguns Diaacutelogos que dizem

237 No proeacutemio de toda a obra238 Lede Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica cap 6 e no livro 13 cap 4 e das Partes dos animais cap 1 Santo Agostinho livro 8 Da Cidade de Deus cap 3 Lactacircncio livro 3 cap 13

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 257

respeito aos costumes particulares como o Meacutenon o Eutiacutefron o Filebo o Criacuteton

outros que concernem aos costumes puacuteblicos como as Leis e a Repuacuteblica Aristoacuteteles

poreacutem encerrou todas as partes desta ciecircncia em vaacuterias obras quer dizer em cerca de

cento e setenta e oito livros de que chegaram ateacute noacutes os dez livros da Moral a

Nicoacutemaco os sete a Eudemo os dois que se dizem ἠθικά μεγάλα isto eacute a Grande

Moral De disciplina domeacutestica dois que se chamam Econoacutemicos do governo da

Repuacuteblica oito que se denominam Poliacuteticos239

Divergecircncia acerca do autor da Moral a Nicoacutemaco Omitindo agora outras

questotildees advertimos que haacute dissensatildeo acerca do autor dos livros da Moral a Nicoacutemaco

de que eacute tirado em grande parte o que reunimos nestas disputas Com efeito Tuacutelio no

livro 5 dos Fins imagina que foram compostos por Nicoacutemaco filho de Aristoacuteteles

Favorece esta opiniatildeo que teve outros seguidores o proacuteprio tiacutetulo do livro Chamam-se

efectivamente ἠθικῶν Νικομαχέιον isto eacute dos Morais nicoacutemacos Estas palavras

significam claramente que satildeo de Nicoacutemaco isto eacute escritos por Nicoacutemaco

Deve poreacutem afirmar-se com a opiniatildeo comum de outros inteacuterpretes que estes

livros satildeo aristoteacutelicos como o justifica a harmonia da doutrina a brevidade e o peso

das sentenccedilas o aguilhatildeo dos argumentos o contexto da dicccedilatildeo e todo o modo de

ensinar Igualmente porque no fim desta obra o Autor remete o leitor para os seus livros

da Repuacuteblica ou da Poliacutetica e no livro sexto capiacutetulo 3 para os seus Analiacuteticos ndash obra

esta que consta ser aristoteacutelica Denominam-se pois esses livros nicoacutemacos natildeo

porque tenham sido compostos por Nicoacutemaco mas porque satildeo de Nicoacutemaco isto eacute natildeo

soacute intitulados a Nicoacutemaco mas tambeacutem presenteados pela afeiccedilatildeo paternal

Distribuiccedilatildeo da doutrina da Moral a Nicoacutemaco Esta obra distribui-se em dez

livros No primeiro trata-se do fim a que se dirigem as acccedilotildees humanas No segundo

das virtudes em geral No terceiro dos princiacutepios das acccedilotildees honestas em que tambeacutem

comeccedila a explicaccedilatildeo de cada uma das virtudes No quarto continua-se a tratar das

mesmas virtudes No quinto disserta-se acerca da justiccedila No sexto dos cinco haacutebitos do

intelecto No seacutetimo da virtude heroacuteica da continecircncia e da incontinecircncia No oitavo

da amizade e suas espeacutecies No nono ensinam-se algumas coisas pertencentes agrave

amizade No deacutecimo disputa-se da beatitude contemplativa

239 Lede Dioacutegenes Laeacutercio e Plutarco na Vida de Aristoacuteteles

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 258

1ordf DISPUTA

ACERCA DO BEM

Como o objecto da Filosofia Moral consiste em conduzir o homem agrave

felicidade a qual felicidade eacute um bem e o fim uacuteltimo da vida humana trataremos um

pouco adiante da felicidade e do que a ela conduz Antes poreacutem dissertaremos do bem

e do fim mas raacutepida e brevemente Com desenvolvimento escrevemos do fim e da sua

multiplicidade e do poder de causar no livro segundo da Fiacutesica Auscultaccedilatildeo do bem

trataremos propositadamente no livro quarto da Metafiacutesica

2ordf DISPUTA

ACERCA DO FIM

Depois do tratado do bem segue-se disputar acerca do fim E primeiramente

mostra-se a parte negativa da controveacutersia pelo facto de o bem enquanto bem significar

relaccedilatildeo de conveniecircncia e o fim enquanto fim supor relaccedilatildeo de causa final

3ordf DISPUTA

DA FELICIDADE

Nesta discussatildeo deve saber-se antes de mais que a felicidade natildeo eacute senatildeo o

sumo bem do homem Boeacutecio no livro 3 da Consolaccedilatildeo prosa 2 define-a lsquoestado

perfeito que encerra todos os bensrsquo e Tuacutelio 3 das Questotildees Tusculanas lsquouniatildeo de bens

que compreende todos os secretos malesrsquo

Acerca de nenhuma coisa poreacutem se debateu com tanta variedade de opiniotildees

entre os Filoacutesofos como a respeito da felicidade do homem

4ordf DISPUTA

DOS TREcircS PRINCIacutePIOS DOS ACTOS HUMANOS

VONTADE INTELECTO E APETITE SENSITIVO

Visto que a principal consideraccedilatildeo da ciecircncia moral se ocupa dos actos

humanos com os quais se estabelece ou nos quais consiste a felicidade humana pede a

natureza da doutrina que depois de termos tratado da felicidade disputemos dos actos

humanos e primeiramente dos principais da vontade do intelecto e do apetite sensitivo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 259

5ordf DISPUTA

DA BONDADE E DA MALIacuteCIA DAS ACCcedilOtildeES HUMANAS EM GERAL

Trataacutemos dos princiacutepios dos actos humanos Agora disputaremos dos proacuteprios

actos humanos natildeo absolutamente pois semelhante consideraccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do

Filoacutesofo Moral mas quanto agrave sua bondade e maliacutecia na medida em que atingem a

felicidade humana levando-nos para ela ou impedindo-nos a sua consecuccedilatildeo

6ordf DISPUTA

DOS ESTADOS DA ALMA QUE SE CHAMAM PAIXOtildeES

A natureza da doutrina pede que antes de tratarmos das virtudes dissertemos

acerca das paixotildees Com efeito como algumas virtudes morais estatildeo inerentes ao apetite

sensitivo e se destinam a moderar-lhe e coibir-lhe as inclinaccedilotildees sem a noccedilatildeo destas

natildeo se pode explicar comodamente a natureza e o poder das virtudes

7ordf DISPUTA

DAS VIRTUDES EM GERAL

Falta-nos falar das virtudes E primeiramente delas em geral depois em

particular Esta disputa tem grande interesse na Filosofia Moral porque eacute com as

virtudes que nos tornamos bons e por elas as acccedilotildees ficam honestas e sem elas natildeo se

pode alcanccedilar a felicidade que eacute o alvo da ciecircncia moral

8ordf DISPUTA

DA PRUDEcircNCIA

Agora vai-se dissertar de cada uma das virtudes morais e em primeiro lugar da

prudecircncia que tem entre elas o primeiro lugar jaacute por residir no intelecto que eacute mais

nobre que o apetite jaacute porque dirige as outras Por isso Satildeo Gregoacuterio no livro 2 de

Ezequiel hom 22 ensina que as outras virtudes se natildeo fazem prudentemente o que

fazem de forma nenhuma podem ser virtudes e Platatildeo reduzia todas as virtudes agrave

prudecircncia dizendo que sem o apoio dela eram como que estaacutetuas de Deacutedalo partidas

fugazes e instaacuteveis240

240 Estobeu Sermones 1 e 4

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 260

9ordf DISPUTA

DAS RESTANTES VIRTUDES MORAIS

1ordf QUESTAtildeO

DA JUSTICcedilA

Dignidade da justiccedila Entre as virtudes absolutamente morais tem lugar

principal a justiccedila quer em razatildeo do sujeito quer em razatildeo do objecto Em razatildeo do

sujeito porque como as outras virtudes morais inerem no apetite sensitivo ela reside no

apetite racional isto eacute na vontade para moderar e reprimir as perturbaccedilotildees daquele

como ensina Aristoacuteteles no livro 5 da Moral capiacutetulo 1 Em razatildeo do objecto as outras

virtudes morais tratam por si somente e por finalidade proacutepria do bem daquilo em que

estatildeo Mas segundo a justiccedila cada um comporta-se bem para com os outros

proporcionando-lhes a equidade Por isso Aristoacuteteles no lugar citado diz que a justiccedila

eacute um bem de outro As virtudes poreacutem que para os outros satildeo honestiacutessimas satildeo

consideradas utiliacutessimas como o mesmo assevera no livro 1 da Retoacuterica capiacutetulo 9

2ordf QUESTAtildeO

DA FORTALEZA

Da fortaleza disputa Platatildeo no livro 21 que se intitula Laques Aristoacuteteles no

livro 3 da Moral desde o capiacutetulo 6 Santo Ambroacutesio no livro 1 Das Obrigaccedilotildees desde

o capiacutetulo 35 Santo Agostinho no livro da Vida Feliz Filatildeo Judeu no livro 1 Legum

Allegoria Satildeo Tomaacutes na Suma 2ordf 2ordf q 123

Adverte antes de mais que a fortaleza se toma de dois modos De um

enquanto causa certa firmeza e constacircncia de alma para empreender acccedilotildees honestas

nesta razatildeo estaacute a comum condiccedilatildeo de qualquer virtude porque como ensina Aristoacuteteles

no livro 2 da Moral capiacutetulo 4 eacute proacuteprio da virtude proceder firmemente e

pacificamente Segundo esta acepccedilatildeo trata Satildeo Gregoacuterio acerca da fortaleza livro 7 dos

Morais capiacutetulo 9

De outro modo toma-se fortaleza enquanto designa firmeza de alma em

suportar os perigos e tolerar os trabalhos Deste modo eacute virtude especial reclamando

conforme o objecto o temor e a audaacutecia que existem nas ditas coisas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 261

3ordf QUESTAtildeO

DA TEMPERANCcedilA

(hellip) Da mesma forma que a fortaleza trata do temor e da audaacutecia e

principalmente dos perigos da morte tambeacutem a temperanccedila se estabelece na moderaccedilatildeo

dos prazeres dos sentidos e das dores especialmente em regular os prazeres do tacto e

do gosto que satildeo os maiores

Page 2: COMENTÁRIOS A ARISTÓTELES DO CURSO JESUÍTA CONIMBRICENSE ...

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 2

Introduccedilatildeo

ldquoUm esquecimento secularenvolveu o pensamento

filosoacutefico conimbricensehelliprdquo(M Baptista Pereira Ser e Pessoa)

ldquoQuem adere agraves opiniotildees de um filoacutesofo por maior que seja o seu engenho e excelente a sua doutrina natildeo se afastando dele nem uma unha expotildee-se a ser considerado como algueacutem que natildeo pretende explorar a verdade da doutrina mas sim seguir a

preconcebida autoridade do mestre (doctor) Nada eacute mais alheio ao verdadeiro filoacutesofo a saber a quem pesquisa a verdadeira sabedoria do que ser mais amigo de Platatildeo do

que amigo da verdaderdquo(Manuel de Goacuteis In de Gen I iv 27 2)

1 Nos seacuteculos XVI e XVII ndash o tempo em que foram publicados em

Coimbra e em Lisboa todos os textos que integram esta Antologia ndash

Santo Agostinho natildeo era o uacutenico filoacutesofo da moda Aristoacuteteles aparecia

tambeacutem como um verdadeiro ldquomaicirctre agrave penserrdquo contando-se por isso

entre os filoacutesofos eleitos ou objectos de estudo em qualquer escola

europeia que se prezasse fosse ela luterana calvinista ou catoacutelica

Fazer filosofia era sobretudo aiacute entendido como estudar e comentar

Aristoacuteteles e a sua imensa obra Natildeo se deve pensar no entanto que

comentar Aristoacuteteles equivalia a repetir o Filoacutesofo Nada aliaacutes o

permitiria tantos os seacuteculos que separavam as duas obras tanta a

distacircncia geograacutefica histoacuterica linguiacutestica cultural e social entre o

macedoacutenio Aristoacuteteles e os conimbricenses Jesuiacutetas

Os professores da Companhia de Jesus (SI) que tomaram posse

do Coleacutegio Real das Artes de Coimbra a partir de 1555 passando por

isso a chamar-se Coleacutegio de Jesus inauguraram uma empresa filosoacutefica

de cariz europeu1 Nesse contexto esta participaccedilatildeo ou contribuiccedilatildeo

portuguesa (sobretudo originada em Coimbra e em Eacutevora) para a

1 Cf A M Martins ldquoThe Conimbricensesrdquo in Mordf C Pacheco et J Meirinhos (ed) Intellect et imagination dans la Philosophie Meacutedieacutevale Intellect and Imagination in Medieval Philosophy Intelecto e Imaginaccedilatildeo na Filosofia Medieval Turnhout 2006 101-117 ver-se-aacute tambeacutem a Nota que este mesmo autor publicou in httpsaavedrafajardoumesWEBarchivosConimbricenses_Presentacionpdf veja-se por fim a Bibliografia que encerra a Introduccedilatildeo do volume citado infra nota 27

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 3

Filosofia europeia conheceu um sucesso tremendo Em pouco tempo os

oito volumes dos Comentaacuterios a Aristoacuteteles do Curso Jesuiacuteta

Conimbricense expandiram-se do Atlacircntico aos Urais (o seu leitor mais

famoso deve ter sido o francecircs Descartes) Mais ainda o sucesso

estendeu-se agrave Ameacuterica do Sul e agrave China e natildeo seraacute meacuterito menor do

Curso portuguecircs o facto de se tratar da primeira obra de filosofia

ocidental a ser ldquotraduzidardquo para chinecircs2 O facto eacute relevante e pode

orgulhar-nos num tempo como o nosso marcado pelo multiculturalismo

e acalentando um verdadeiro diaacutelogo de civilizaccedilotildees

Com maior ou menor sucesso e ultrapassando a dimensatildeo

geograacutefica tecircm-se tentado rastrear as marcas e influecircncias destes

conspiacutecuos textos ou ldquomanuais mais avanccediladosrdquo de filosofia no

pensamento europeu3 Aleacutem do mencionado Descartes as figuras mais

citadas ou sob esse aspecto estudadas satildeo as de Joatildeo Poinsot

Christoph Scheibler G Leibniz B Espinosa Thomas Hobbes o jovem

John Locke Agostinho Lourenccedilo (pregador de Catarina de Braganccedila

sereniacutessima Rainha da Gratilde-Bretanha) e Charles S Peirce este uacuteltimo

seguramente um dos maiores filoacutesofos norte-americanos4 Estamos no

entanto em crer que esta lista iraacute ser cada vez mais alargada e

sobretudo aprofundada como conveacutem

2 Em dois textos sobretudo o Estagirita havia delineado a sua

versatildeo de um ldquosistemardquo Num deles lia-se o seguinte ldquoAnteriormente

trataacutemos das causas primeiras da natureza de tudo o que diz respeito 2 Cf R Wardy Aristotle in China Language Categories and Translation Cambridge 2000 Este assunto ainda permanece em aberto e sobre certos tiacutetulos aristoteacutelicos dever-se-ia falar antes em ldquoadaptaccedilatildeordquo em vez de ldquotraduccedilatildeordquo ndash para jaacute natildeo falar mesmo de ldquotexto originalrdquo tal como a nosso ver acontece por exemplo com o De anima da autoria de Francesco Sambiasi (1582-1649) ou melhor a Humilde discussatildeo sobre questotildees da alma vd Isabelle Duceux La introduccioacuten del aristotrelismo en China a traveacutes del lsquoDe animarsquo Siglos XVI-XVII Meacutexico 20093 Cf C Leijenhorst The Mechanisation of Aristotelianism The Late Aristotelian Setting of Thomas Hobbesrsquo Natural Philosophy Leiden-Boston-Koln 2002 191 para a expressatildeo entre aspas4 Cf JP Doyle ldquoIntroductionrdquo in The Conimbricenses Some Questions on Signs Translated with Introduction and Notes by John P Doyle Milwaukee 2001 20-21 especialmente para a recepccedilatildeo da Loacutegica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 4

ao movimento natural [sc Physica] da translaccedilatildeo ordenada dos astros

na regiatildeo superior [sc De Coelo I-II] dos elementos corpoacutereos do seu

nuacutemero das suas qualidades das suas reciacuteprocas transformaccedilotildees e

por fim da geraccedilatildeo e da corrupccedilatildeo consideradas sob o seu aspecto geral

[sc De Coelo III-IV e De Generatione et Corruptione] Neste programa de

investigaccedilotildees resta examinar a parte que nos autores que nos

precederam recebeu o nome de meteorologia [sc Meteororum] (hellip) Uma

vez estudados estes temas teremos de ver se podemos utilizar o mesmo

meacutetodo para dar conta dos animais e das plantas consideradas em geral

e em particular [tratados zooloacutegicos e De plantis]rdquo5

A citaccedilatildeo eacute ilustrativa de algum pendor organizado

eventualmente arquitectoacutenico com que o Estagirita articulava a filosofia

natural A seguir voltaremos ao segundo dos textos mas pode jaacute ver-se

que aqueles comentadores que no futuro pensaram e ensinaram

Aristoacuteteles segundo um programa articulado natildeo podiam estar muito

afastados de uma ou outra indicaccedilatildeo do proacuteprio Filoacutesofo Se a obra

aristoteacutelica como bem sabemos hoje esteve longe do caraacutecter

sistemaacutetico que os seus seguidores lhe atribuiacuteram eacute indubitaacutevel que na

histoacuteria do peripatetismo ndash o devir de Aristoacuteteles ndash dominam as

apresentaccedilotildees sistemaacuteticas O mesmo aconteceraacute com os textos de

Coimbra natildeo obstante a sua atribulada publicaccedilatildeo6

Isto significa que vamos publicar a seguir os textos natildeo pela

ordem (acidental) da sua ediccedilatildeo7 tanto mais que privilegiaacutemos

sobretudo a traduccedilatildeo dos Proeacutemios mas da sua sistematicidade ou

5 Aristoacuteteles Meteoroloacutegicos I 1 338a-339a9 a respeito da Fiacutesica Os parecircnteses rectos satildeo evidentemente da nossa responsabilidade O outro texto seraacute As Partes dos Animais I 1 639a1-642b4 a respeito da organizaccedilatildeo da Biologia Sobre este assunto vd A P Mesquita Obras Completas de Aristoacuteteles Introduccedilatildeo Geral Lisboa 2005 256 2586 Cf sobre o assunto M S de Carvalho ldquoIntroduccedilatildeo Geralrdquo in Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus Sobre os trecircs livros do Tratado Da Alma de Aristoacuteteles Estagirita Lisboa 2010 9 e sg7 Foi a seguinte a ordem acidental da publicaccedilatildeo Physica (1592) De Coelo Meteororum Parva Naturalia Ethica (1593) De Generatione et Corruptione (1597) De Anima (1598) Dialectica (1606) sobre este assunto veja-se o estudo citado na nota imediatamente anterior

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 5

arquitectoacutenica O motivo que presidiu agrave escolha principal dos textos a

traduzir estaacute assim facilmente justificado Pela sua proacutepria natureza na

maior parte dos casos os Proeacutemios fornecem uma indicaccedilatildeo preciosa

sobre os conteuacutedos das obras e o modo como os seus autores as

dividiam ou viam Abrem entatildeo a seacuterie os textos da Loacutegica da autoria

de Sebastiatildeo do Couto seguindo-se coerentemente os textos de Manuel

de Goacuteis pela seguinte ordem Physica de Coelo de Generatione et

Corruptione Meteororum De Anima e Parva Naturalia Pelas razotildees que

adiante se indicaratildeo eacute mester que a Ethica seja o uacuteltimo dos tiacutetulos do

sistema que deveraacute por isso constituir-se num todo integrando as

seguintes etapas que respeitam os textos que efectivamente saiacuteram dos

prelos loacutegica ldquofiacutesicardquo ldquobiologiardquo e eacutetica Tambeacutem pelas razotildees de todos

conhecidas ndash dado ocupar-se da forma do raciociacutenio a ldquoanaliacuteticardquo natildeo

tem lugar entre as ciecircncias constituindo-se como mero organon ou

instrumento da pesquisa ndash a loacutegica (tambeacutem denominada dialeacutectica)

teria de ser a primeira das mateacuterias Sabemos mesmo que ela era talvez

excessivamente exaustiva na pedagogia jesuiacuteta coimbratilde

Apresentemos entatildeo primeiro o responsaacutevel pelo volume da

Dialeacutectica Sebastiatildeo do Couto (1567-1639) nasceu em Olivenccedila e

ingressou na Companhia de Jesus em Eacutevora aos quinze anos de idade

onde naturalmente seguiu os vaacuterios cursos do curriacuteculo desde as

Humanidades agrave Teologia passando pela Filosofia Faleceu em Montes

Claros com cinquenta e sete anos de idade Embora tivesse passado a

maior parte da sua vida acadeacutemica (ateacute 1620) ensinando na

Universidade de Eacutevora Couto leu (com soiacutea dizer-se entatildeo) isto eacute

ensinou um curso completo de Filosofia no Coleacutegio de Coimbra (1597-

1601) Cada curso de Filosofia tinha a duraccedilatildeo de quatro anos lectivos8

8 Entre 1552 e 1565 o curriculum era assim organizado (embora natildeo se deva depreender que era seguido tal e qual 1ordm ano 1ordm trimestre De terminorum introductione Dialectica Porphyrius Isagoge 2ordm trimestre In Aristotelis Praedicamenta Perihermeneias Topica (iniacutecio) 3ordm trimestre Topica (ateacute VII) I-IV Ethicorum 2ordm ano 1ordm trimestre Analytica Priora VIII Topicorum Analytica Posteriora (iniacutecio) 2ordm trimestre Analytica Posteriora (continuaccedilatildeo e conclusatildeo) V-VI Ethicorum 3ordm trimestre VII-X Ethicorum De sophisticis elenchis I-II Physicorum 3ordm ano 1ordm trimestre

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 6

Teraacute sido durante o periacuteodo coimbratildeo que Couto redigiu o seu

comentaacuterio agrave Dialeacutectica ndash na sequecircncia aliaacutes de um episoacutedio com o seu

quecirc de rocambolesco ou mesmo de policial ligado ao ldquofurtordquo de um

Comentaacuterio agrave Loacutegica que veio a ser editado no centro da Europa em

1604 ndash assim fechando a publicaccedilatildeo do Curso (1606) Posteriormente

Couto ter-se-aacute envolvido numa poleacutemica sobre o estatuto da

matemaacutetica Enquanto nas suas muito aplaudidas liccedilotildees coimbratildes

Cristoacutevatildeo Borri defendia a cientificidade dessa mateacuteria Couto negava-a

pelo que procurou inviabilizar a publicaccedilatildeo das mesmas contra o

parecer dos seus colegas de Coimbra e de Lisboa9 Importa notar que a

Loacutegica ou Dialeacutectica integrava os seguintes livros comentados

irregularmente de Porfiacuterio a Isagoge e de Aristoacuteteles todos os tiacutetulos

componentes do chamado Organon ou seja Categorias (Categoriarium)

A Interpretaccedilatildeo (de Interpretatione) Primeiros Analiacuteticos (de Priori

Resolutione) Segundos Analiacuteticos (librum Posteriorum) Toacutepicos (librum

Topicorum) e Elencos Sofiacutesticos (libros Elenchorum) Para os comentar e

como era usanccedila Couto teve que sobretudo compilar afeiccediloando agrave sua

maneira os cursos manuscritos preexistentes que circulavam entre

Eacutevora e Coimbra Isto mesmo jaacute o havia feito o outro o principal

responsaacutevel pelos restantes volumes os primeiros a saiacuterem do prelo

Vinte e quatro anos mais velho do que Sebastiatildeo do Couto

Manuel de Goacuteis (1543-1597) nasceu em Portel e faleceu em Coimbra

Tendo ingressado na Companhia de Jesus com dezassete anos uma vez

concluiacutedos os estudos leccionou no Coleacutegio de Jesus da cidade do

Mondego dois cursos completos (1574-78 e 1578-82) Apoacutes o abandono

por Pedro da Fonseca (1528-1599) da organizaccedilatildeo da impressatildeo do

II-VIII Physicorum 2ordm trimestre De coelo et mundo De generatione et corruptione Metaphysica (iniacutecio) 3ordm trimestre I-IV Meteororum I-II De Anima Metaphysica (continuaccedilatildeo) 4ordm ano III De Anima Parva naturalia Metaphysica (conclusatildeo) Depois de 1565 o curriculum passou a ser assim definido 1ordm ano Dialeacutectica 2ordm ano Loacutegica Fiacutesica e Eacutetica 3ordm ano Metafiacutesica Pequenos Naturais 4ordm ano (um semestre) A Alma9 Cf WGL Randles ldquoLe ciel chez les jeacutesuites espagnols et portugais (1590-1651)rdquo in L Giard (dir) Les Jeacutesuites agrave la Renaissance Systegraveme Eacuteducatif et Production du savoir Paris 1995 139

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 7

Curso Filosoacutefico Conimbricense Manuel de Goacuteis tomou rapidamente a

seu cargo assaz ingente tarefa responsabilizando-se assim pela quase

totalidade dos oito volumes a saber a Fiacutesica (1592) o Ceacuteu os

Meteoroloacutegicos os Pequenos Naturais e a Eacutetica (1593) A Geraccedilatildeo e a

Corrupccedilatildeo (1597) e A Alma (1598) Cabe acrescentar que este uacuteltimo

volume pode ter contado com a colaboraccedilatildeo editorial de Cosme de

Magalhatildees (1551-1624) ndash tratava-se afinal de um ediccedilatildeo poacutestuma ndash e

que tambeacutem o jesuiacuteta Baltasar Aacutelvares (1560-1630) pode ter dado a sua

contribuiccedilatildeo redactorial aos dois apecircndices desse mesmo volume um

sobre A Alma Separada (cujo Proeacutemio seraacute adiante traduzido) outro

sobre o pseudo-aristoteacutelico Problemas relativos aos Cinco Sentidos

(excepcionalmente traduzido em versatildeo integral) Uma nota mais e uma

lembranccedila a de que o volume sobre O Ceacuteu publica tambeacutem um

apecircndice atinente aos quatro elementos do Mundo e que os chamados

Pequenos Naturais integram a seacuterie seguinte de oito tiacutetulos Memoacuteria e

Reminiscecircncia Sono e Vigiacutelia Sono Adivinhaccedilatildeo pelos Sonhos

Respiraccedilatildeo Juventude e Velhice Vida e Morte Longueza e Brevidade da

Vida

3 Uma palavra adicional sobre o desenho ou a arquitectoacutenica do

sistema jesuiacuteta conimbricense Nada haacute a fazer notar quanto ao facto de

a loacutegica ou dialeacutectica representarem o princiacutepio ou o iniacutecio dessa

enciclopeacutedia filosoacutefica Aleacutem do caraacutecter propedecircutico ou instrumental

da disciplina conforme o havia definido Aristoacuteteles e jaacute o recordaacutemos a

loacutegica conforme referido por um dos melhores conhecedores dos textos

dos nossos Jesuiacutetas deveria funcionar tambeacutem ldquocomo propedecircutica da

teologia e como suporte racional da estrutura sistemaacutetica destardquo10 Natildeo

soacute porque o dogma catoacutelico por um lado e a superaccedilatildeo do cepticismo

por outro forccedilavam ldquoa inserccedilatildeo no campo da loacutegica de questotildees

metafiacutesicasrdquo mas sobretudo porque ldquoo fim proacuteximo da loacutegica ou a sua

10 A Coxito Estudos sobre a Filosofia em Portugal no seacuteculo XVI Lisboa 2005 170

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 8

funccedilatildeo consiste em indicar a via e as normas de discorrerrdquo enquanto ldquoo

seu fim remoto ou mediato eacute a proacutepria actividade discursivardquo11 Neste

sentido os nossos jesuiacutetas dividem a loacutegica em pura ou teoacuterica (docens)

e aplicada (utens) tratando a primeira ldquoas leis e as formas gerais do

pensamento loacutegico independentemente de qualquer conteuacutedordquo e a

segunda visando a anaacutelise dos ldquoprocessos do pensamento aplicados a

esta ou agravequela ciecircnciardquo12 Enquanto ciecircncia autoacutenoma e praacutetica (na

acepccedilatildeo de Aristoacuteteles) ndash no fim de contas ela ensina-nos a discorrer

correctamente e sem erro ndash mas parte integrante da filosofia a loacutegica

tem um estatuto proacuteprio aleacutem de ser condiccedilatildeo preacutevia para o estudo das

outras disciplinas13 O leitor encontraraacute adiante a traduccedilatildeo da

totalidade dos Proeacutemios dos vaacuterios livros que compotildeem a Dialectica e

ainda de alguns toacutepicos filosoacuteficos mais sensiacuteveis como uma introduccedilatildeo

agrave semioacutetica (o sinal e a significaccedilatildeo) um excerto sobre o famigerado

problema dos universais e o tratamento do grave problema da induccedilatildeo

Segue-se a ldquofiacutesicardquo na qual evidentemente temos de

compreender a metafiacutesica mateacuteria aliaacutes ndash importa frisaacute-lo ndash sobre as

qual natildeo obstante algumas promessas feitas (nomeadamente por Goacuteis

e Couto) jamais se deu agrave estampa qualquer volume Aleacutem da

metafiacutesica a fiacutesica ou filosofia natural devia explorar a matemaacutetica

Sobre esta disciplina pouco ou nada se encontra nos volumes do nosso

Curso ndash o Coleacutegio de Santo Antatildeo em Lisboa seria nesta mateacuteria

muitiacutessimo superior14 ndash mas apesar de tudo os autores preconizam que

se comecem os estudos de filosofia natural pela matemaacutetica (da

geometria agrave aritmeacutetica) dada a sua maior simplicidade didaacutectica e se

concluam com a metafiacutesica ldquoa rainha de todas as ciecircnciasrdquo

Independentemente da sua nobreza teoreacutetica epistemoloacutegica e

11 Id ibid 17212 Id ibid 17213 Cf Id ibid 169-8514 Cf H Leitatildeo A Ciecircncia na ldquoAula da Esferardquo no Coleacutegio de Santo Antatildeo 1590-1759 Lisboa 2007 Sphaera Mundi A ciecircncia na Aula da Esfera Manuscritos cientiacuteficos do Coleacutegio de Santo Antatildeo nas colecccedilotildees da BNP Lisboa 2008 passim

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 9

ontoloacutegica a metafiacutesica soacute pode ser estudada a seguir agrave fiacutesica pois esta

ndash cuja autonomia tambeacutem se reivindica de modo veemente ndash dado

conviver com a substacircncia material comeccedila pela experiecircncia sensiacutevel

sempre mais acessiacutevel para noacutes15 Entenda-se evidentemente que ao

metafiacutesico caberia estudar a primeira causa as inteligecircncias e tudo o

que nem eacute material nem inclui a mateacuteria como base da sua

constituiccedilatildeo E por fim que a fiacutesica ou filosofia natural sendo tambeacutem

uma ciecircncia contemplativa (isto eacute natildeo praacutetica na acepccedilatildeo de

Aristoacuteteles) manteacutem a sua dignidade proacutepria incoacutelume ao estudar a

substacircncia material tudo enfim que eacute sujeito agrave transformaccedilatildeo Sobre

todos estes domiacutenios poderaacute ler-se nesta Antologia algumas paacuteginas

Natildeo menos problemaacuteticas seratildeo finalmente as componentes da

ldquobiologiardquo e da eacutetica (e poliacutetica) A primeira que evidentemente pertence

agrave fiacutesica por direito proacuteprio dada a sua relaccedilatildeo por exemplo com a

psicologia ou a ligaccedilatildeo com os pequenos tratados de naturalibus A

eacutetica depois porque no proacuteprio texto Goacuteis discute amplamente o seu

lugar no sistema (ordo) e a sua relaccedilatildeo com os demais saberes16 Ora

em As Partes dos Animais ndash o segundo dos dois textos de Aristoacuteteles a

que comeccedilaacutemos por nos referir ndash o Filoacutesofo consagrara uma passagem

agraves vaacuterias maneiras de se construir uma ciecircncia da alma O excerto

punha em questatildeo se a fiacutesica se devia ocupar da alma no seu todo ou

apenas de certas partes da alma17 Entrando em diaacutelogo com algumas

15 Cf MS de Carvalho ldquoA questatildeo do comeccedilo do saber numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia do seacuteculo XVI portuguecircsrdquo in AAVV Razatildeo e Liberdade Homenagem a Manuel Joseacute do Carmo Ferreira Lisboa 2010 993-100916 Cf Id Psicologia e Eacutetica no Curso Jesuiacuteta Conimbricense Lisboa 201017 Aristoacuteteles De Part An I 1 641a 32 b8 ldquoO que ficou dito levanta a questatildeo de saber se eacute toda a alma ou apenas uma parte dela cuja consideraccedilatildeo cabe no campo da ciecircncia natural Ora bem se for da alma toda que ela deve tratar entatildeo natildeo haacute lugar para qualquer outra filosofia mais aleacutem daquela Dado que pertence em todos os casos a uma e a mesma ciecircncia tratar dos temas correspondentes ndash uma e a mesma ciecircncia por exemplo trata da sensaccedilatildeo e do objecto do sentido ndash e como portanto haacute uma correspondecircncia entre a alma intelectiva e os objectos do intelecto eles devem pertencer a uma e a mesma ciecircncia segue-se que a ciecircncia natural teraacute de incluir tudo no seu campo Mas talvez natildeo seja toda a alma nem todas as suas partes em conjunto que constitui o princiacutepio do movimento mas agrave semelhanccedila das plantas pode haver uma parte que eacute o princiacutepio do crescimento outra a saber a parte sensitiva princiacutepio da mudanccedila qualitativa e outra ainda que natildeo eacute a parte

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 10

teorias propaladas no seu tempo os Jesuiacutetas de Coimbra entendem que

o De Anima natildeo aborda o estudo do corpo dotado de animaccedilatildeo ou

movimento (assim havia ensinado por exemplo o filoacutesofo Paulo de

Veneza no seacuteculo XV) mas da alma na sua integralidade No caso de se

acompanhar a tese de Veneto As Partes dos Animais deveriam ser

preacutevias ao De Anima mas na posiccedilatildeo que os Jesuiacutetas adoptam o livro

do De Anima deve seguir-se imediatamente ao livro dos Meteoroloacutegicos

Operava-se naquele livro de facto a transiccedilatildeo para o que hoje

chamamos ldquobiologiardquo Os nossos autores querem dizer assim que a

ldquopsicologiardquo parte do orgacircnico na sua expressatildeo mais basilar

Comeccedilando no estudo da alma em geral (o orgacircnico-vegetativo) acabar-

se-aacute por chegar agrave alma intelectiva ou actividade do pensamento a qual

se vecirc por isso integrada desde a sua raiz no seio da proacutepria fiacutesica

Leia-se adiante a questatildeo traduzida do volume sobre A Alma texto aliaacutes

de que tambeacutem damos uma versatildeo parcial da outra componente textual

dos volumes ie aleacutem da ldquoquaestiordquo a ldquoexplanatiordquo ajudando assim a

ver melhor talvez natildeo soacute o elevado padratildeo filoloacutegico e filosoacutefico dos

volumes como quiccedilaacute o seu perfil ldquohipertextualrdquo18

Eacute assaz diferente a situaccedilatildeo da eacutetica e da poliacutetica Apesar de nada

terem escrito sobre poliacutetica ndash diferentemente aliaacutes do que muitos outros

distintos Jesuiacutetas fizeram em outros quadrantes geograacuteficos (ou mesmo

Luiacutes de Molina em Eacutevora)19 ndash os portugueses vatildeo retrogradamente

submeter a poliacutetica agrave eacutetica Mais do que sublinharem a maturidade

necessaacuteria ao estudo da eacutetica eles evidenciavam a necessidade desta

intelectiva o princiacutepio de locomoccedilatildeo Porque outros animais aleacutem do Homem tecircm a faculdade da locomoccedilatildeo embora em nenhum haja o intelecto Eacute entatildeo manifesto que natildeo eacute da alma toda que devemos tratarrdquo18 Cf S Wakuacutelenko ldquoEnciclopedismo e Hipertextualidade nos lsquoCommentarii Collegii Conimbricensis in Universam Dialecticam Aristotelis Stagiritae (Coimbra 1606)rdquo in O Pombo et al (ed) Enciclopeacutedia e Hipertexto Lisboa 2006 302-35719 Cf I Borges-Duarte (org) Luiacutes de Molina regressa a Eacutevora Eacutevora 1998 passim CA de Moura R Zeron ldquoO debate sobre a escravidatildeo ameriacutendia e africana nas Universidades de Salamanca e Eacutevorardquo in LM Carolino e C Z Camenietzski (coord) Jesuiacutetas Ensino e Ciecircncia Seacuteculos XVI-XVIII Casal de Cambra 2005 205-26 poderaacute ver-se ainda Francisco Suaacuterez De Legibus Livro I Da Lei em Geral Apresentaccedilatildeo MC Henriques Introd e trad G Moita trad L Cerqueira Lisboa 2004

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 11

para que algueacutem se possa dotar dos conhecimentos provenientes das

demais ciecircncias mormente das ciecircncias da natureza Admitindo

embora que um ldquocientistardquo dominado pela eacutetica investigaria melhor o

saber da moral agrave semelhanccedila do saber da loacutegica eacute de caraacutecter praacutetico

razatildeo pela qual aquela deve ser sempre uma ciecircncia inferior a qualquer

uma das contemplativas ndash matemaacutetica fiacutesica e metafiacutesica (isto era mais

uma vez doutrina de Aristoacuteteles) ndash natildeo obstante reconhecerem a sua

inegaacutevel utilidade para a ldquosociedade civilrdquo conforme diriacuteamos hoje

Compreende-se desta maneira a particularidade do volume da Eacutetica no

quadro dos restantes volumes do Curso mas importaria acrescentar

que os alunos voltariam agrave mateacuteria eacutetica de novo nos seus estudos de

Teologia entatildeo sob o prisma dos chamados ldquoCasos de Consciecircnciardquo

Acabaacutemos por justificar a ordem da publicaccedilatildeo dos textos desta

Antologia

4 Tanto quanto nos eacute dado saber satildeo pouquiacutessimas as traduccedilotildees

modernas dos textos dos nossos Jesuiacutetas Contaacutemos primeiro a

traduccedilatildeo portuguesa do volume da Eacutetica contendo tambeacutem uma versatildeo

parcial da Introduccedilatildeo agrave Fiacutesica pela matildeo do erudito Antoacutenio Banha de

Andrade Publicada em 1957 a ediccedilatildeo encontra-se hoje totalmente

esgotada20 e os textos aqui reproduzidos deste tradutor portuguecircs com

a devida veacutenia provecircm dessa mesma ediccedilatildeo Soacute em 1997 eacute que se

traduziu para inglecircs uma pequena parte ndash a disputa III ndash do volume da

Eacutetica21 A sua autora Jill Kraye parece justificar o seu trabalho

sobretudo destacando no artigo 2 respeitante agrave beatitude sobrenatural

na vida futura o combate contra o voluntarismo (especialmente o

franciscano) e tambeacutem ldquocontra aqueles que argumentavam que o

intelecto e a vontade estatildeo simultaneamente envolvidos na beatituderdquo

20 Curso Conimbricense I Pe Manuel de Goacuteis Moral a Nicoacutemaco de Aristoacuteteles Introduccedilatildeo estabelecimento do texto e traduccedilatildeo de Antoacutenio Alberto de Andrade Lisboa 195721 Cambridge Translations of Renaissance Philosophical Texts I Moral Philosophy Ed by J Kraye Cambridge 1997 81-87

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 12

aleacutem de ser sensiacutevel ao largo e ecleacutectico espectro de fontes citadas pelos

nossos autores22 No mesmo idioma John P Doyle traduziu em 2001 o

primeiro livro da secccedilatildeo da Loacutegica dedicada ao livro drsquoA Interpretaccedilatildeo

(De Interpretatione)23 Verdadeiramente entusiasmado com aquela

secccedilatildeo centrada sobretudo na semioacutetica o tradutor e anotador

reconhecia que ldquothese pages of the Conimbricenses represent the first

really major seventeenth treatise on signsrdquo E acrescentava a respeito

da questatildeo 5 ldquoSuch discussion and others like it show the

Conimbricenses to be aware of many epistemological psychological

metaphysical and theological questions which can be raised with

regard to signs and signification In this they also display an

understanding of the breadth and scope of semiotics itselfrdquo24 Talvez

tenha sido a descoberta de Doyle a justificar a tentativa de Serhii

Wakuacutelenko primeiro natildeo de traduccedilatildeo mas de uma paraacutefrase na nossa

liacutengua de uma secccedilatildeo da teoria dos signos25 Agrave semelhanccedila do trabalho

de J Kraye e dada importacircncia actual do tema Filipa Medeiros

assinou em 2009 uma nova versatildeo da disputa III da Eacutetica26 Por fim

assinale-se a monumental traduccedilatildeo do Comentaacuterio sobre A Alma da

autoria de Maria da Conceiccedilatildeo Camps27

Tanto quanto nos eacute dado saber nada mais se divulgou Tivemos

tambeacutem noacutes com um absoluto lamento de renunciar ao projecto de

traduccedilatildeo integral do Curso outrora acalentado por Banha de Andrade e

por Arnaldo de Miranda Barbosa Natildeo quisemos poreacutem privar o puacuteblico 22 Ibid 8023 The Conimbricenses Some Questions on Signs Translated with Introduction and Notes by John P Doyle Milwaukee 200124 ldquoIntroductionrdquo in The Conimbricenses Some Questions on Signs 17 e 18 respectivamente25 S Wakuacutelenko ldquoEnciclopedismo e Hipertextualidade nos lsquoCommentarii Collegii Conimbricensis in Universam Dialecticam Aristotelis Stagiritae (Coimbra 1606)rdquo in O Pombo et al (ed) Enciclopeacutedia e Hipertexto Lisboa 2006 302-35726 Manuel de Goacuteis SJ Tratado da Felicidade Disputa III do lsquoComentaacuterio aos Livros das Eacuteticas a Nicoacutemacorsquo Estudo e Introduccedilatildeo complementar de Maacuterio S de Carvalho nova traduccedilatildeo do original latino e notas de F Medeiros Lisboa 200927Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus Sobre os trecircs livros do Tratado Da Alma de Aristoacuteteles Estagirita Traduccedilatildeo do original latino por Maria da Conceiccedilatildeo Camps Introd geral agrave Traduccedilatildeo Apecircndices e Bibliografia de Maacuterio Santiago de Carvalho Lisboa 2010

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 13

leitor mais curioso e inquieto da possibilidade de pelo menos ficar a

conhecer algumas parcelas desta tatildeo importante iniciativa filosoacutefica

nacional e internacional Talvez a maior da nossa histoacuteria filosoacutefica

mas seguramente a mais internacional de todas as produccedilotildees filosoacuteficas

portuguesas Ficaacutemo-nos assim por uma Antologia decerto incompleta

ndash somos noacutes proacuteprio a confessaacute-lo ndash a qual poderaacute ser progressivamente

aumentada melhorada ateacute que num futuro qualquer a consciecircncia

nacional seja merecedora de uma ediccedilatildeo integral Natildeo podemos ignorar

que face agrave crescente ignoracircncia do latim arriscamo-nos a perder

definitivamente estes textos contemplando-os como se fossem

curiosidades para bizarros e cada vez mais exoacuteticos especialistas Os

tradutores dos textos a seguir satildeo por isso credores da nossa fraterna

estima e profundo agradecimento e a sua superior responsabilidade

autoral apareceraacute identificada em nota da seguinte maneira por ordem

alfabeacutetica Alberto Banha de Andrade (ABA) Maria da Conceiccedilatildeo

Camps (MCC) Amacircndio A Coxito (AC) Paula Barata Dias (PBD) e

Filipa Medeiros (FM) A esta uacuteltima se fica tambeacutem a dever o cuidado

preparatoacuterio da Antologia que o Leitor tem agora no seu monitor28

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 31 de Dezembro de 2010

Maacuterio Santiago de Carvalho

28 FM eacute ainda responsaacutevel pelo trabalho de fixaccedilatildeo da totalidade das notas que no texto latino aparecem agrave margem e que agora por razotildees editoriais oacutebvias ou foram dispostas em peacute de paacutegina (casos sobretudo de citaccedilotildees bibliograacuteficas ou autorais) ou aparecem no proacuteprio texto assinaladas a itaacutelico (normalmente iacutendices ou toacutepicos de facilitaccedilatildeo da leitura)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 14

SUMAacuteRIO DAS TRADUCcedilOtildeES

- DialeacutecticaDialectica (1606)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus a Toda a Dialeacutectica

de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis e Societate Iesu In universam Dialecticam Aristotelis Stagiritaebull As artes quem as inventou e em que eacutepocabull Sobre as seitas daqueles que ao longo dos tempos ensinaram as artes liberais e

a filosofia sobretudo a Itaacutelica e a Ioacutenicabull Da seita dos Acadeacutemicos e dos Estoacuteicosbull Da seita dos peripateacuteticos Do engenho e do ensino de Aristoacutetelesbull Proeacutemio do Comentaacuterio agrave Isagoge de Porfiacuterio Sobre o autor o objectivo o

tiacutetulo a organizaccedilatildeo e a utilidade desta obrabull Proeacutemio do Comentaacuterio aos Livros das Categorias de Aristoacuteteles Estagirita

Sobre o autor e o tiacutetulo deste livro Mateacuteria utilidade e disposiccedilatildeo deste livrobull Proeacutemio aos Livros da Interpretaccedilatildeo de Aristoacuteteles Sobre o escopo e o

objectivo desta obra Sobre a organizaccedilatildeo o tiacutetulo e outras coisas deste tipobull Proeacutemio ao Segundo Livro da Interpretaccedilatildeobull Comentaacuterios aos Livros de Aristoacuteteles Estagirita sobre Os Primeiros Analiacuteticos

Sobre o tiacutetulo o assunto a divisatildeo e a organizaccedilatildeo destes livros Sobre a organizaccedilatildeo e a divisatildeo destes livros

bull Proeacutemio ao Primeiro Livro dos Primeiros Analiacuteticos de Aristoacutetelesbull Comentaacuterios aos Livros de Aristoacuteteles Estagirita sobre os Segundos Analiacuteticos

Tiacutetulo e meacutetodo destes livros etcbull Proeacutemio ao Primeiro Livro dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Livro Segundo dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesbull Comentaacuterios ao Primeiro Livro dos Toacutepicos de Aristoacuteteles Estagirita Sobre o

autor a mateacuteria a ordem e a utilidade desta obrabull Proeacutemio do Comentaacuterio aos Dois Livros dos Elencos de Aristoacuteteles Estagiritabull Outros textos de Loacutegica Sinal e Significaccedilatildeo Os Universais A Induccedilatildeo

- FiacutesicaPhysica (1592)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Oito Livros da

Fiacutesica de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemio aos oito livros da Fiacutesica de Aristoacuteteles Sobre a designaccedilatildeo e a

definiccedilatildeo de filosofiabull Sobre a dupla organizaccedilatildeo da Filosofiabull Questatildeo I Se eacute correcto dividir a filosofia contemplativa em Metafiacutesica

Fisiologia e Matemaacuteticabull Artigo 1ordm Natildeo parece correcto dividir-sebull Artigo 2ordm Refere-se as diversas posiccedilotildees dos Autores e estabelece-se qual delas

eacute a verdadeira

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 15

bull Artigo 3ordm Pode-se distinguir correctamente as partes da Filosofia Contemplativa de acordo com a variedade das abstracccedilotildees em relaccedilatildeo agrave mateacuteria e ao movimento

bull Artigo 4ordm Nas disciplinas matemaacuteticas natildeo haacute apenas um tipo de abstracccedilatildeo da mateacuteria

bull Artigo 5ordm Explicaccedilatildeo de algumas duacutevidas para esclarecer melhor o que se disse anteriormente

bull Artigo 6ordm Dissolvem-se os argumentos apresentados no iniacutecio da questatildeobull Questatildeo II Seraacute a Filosofia natural verdadeira e propriamente uma ciecircncia ou

natildeobull Artigo 1ordm O que pensaram alguns dos Antigos sobre a questatildeo apresentada e

argumentos a favor da sua opiniatildeobull Artigo 2ordm A Fiacutesica eacute verdadeira e propriamente uma ciecircnciabull Artigo 3ordm Refuta-se os Acadeacutemicos para quem tanto na Fiacutesica como nas

restantes mateacuterias tudo era duacutevida e incertezabull Artigo 4ordm Dissoluccedilatildeo dos argumentos do primeiro artigobull Questatildeo III A Filosofia Natural eacute uma ciecircncia contemplativa ou praacuteticabull Artigo 1ordm Argumentos que parecem provar que eacute praacuteticabull Artigo 2ordm Estabelece-se a posiccedilatildeo verdadeira e dissolve-se os trecircs argumentos

da parte contraacuteriabull Artigo 3ordm Dilui-se o uacuteltimo argumento do primeiro artigo e investiga-se se a arte

de curar eacute contemplativabull Questatildeo IV O ente moacutevel seraacute um assunto da Fisiologiabull Artigo 1ordm Dissoluccedilatildeo da questatildeobull Artigo 2ordm Argumentos contra o que se concluiu no artigo anteriorbull Artigo 3ordm Responde-se aos argumentos do artigo anteriorbull Questatildeo V Que ordem ou lugar cabe agrave Filosofia Natural no conjunto das

restantes disciplinasbull Artigo 1ordm Sobre a hierarquia dos saberesbull Artigo 2ordm Com que argumentos se contesta as conclusotildees do artigo anteriorbull Artigo 3ordm Explicaccedilatildeo dos argumentos anterioresbull Artigo 4ordm Sobre a hierarquia da dignidade entre a Fiacutesica e as outras partes da

Filosofiabull Sobre a divisatildeo da Filosofia em Aristoacutetelesbull Por que motivo os livros da Fiacutesica se intitulam Περὶ τῆς φυθσικῆς ακροάσεως

ou seja Sobre a auscultaccedilatildeo naturalbull Sobre a ordenaccedilatildeo e a mateacuteria dos livros da Auscultaccedilatildeo Fiacutesicabull Proeacutemio ao Primeiro Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Segundo Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Terceiro Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Quarto Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Quinto Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Sexto Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Seacutetimo Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Oitavo Livro da Fiacutesica de Aristoacuteteles

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 16

bull Outros textos da Fiacutesica Fiacutesica versus Metafiacutesica A luz inata do intelecto O conceito de ldquonaturezardquo Natureza e Arte O Acaso Natureza e Finalidade Como os seres naturais atingem os seus fins

- O CeacuteuDe Coelo (1593)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Quatro Livros

Sobre O Ceacuteu de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In Quatuor libros de Coelo Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemio aos quatro Livros Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao primeiro Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao segundo Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao terceiro Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao quarto Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Tratado de alguns Problemas sobre aspectos relativos aos quatro elementos do

Mundo distribuiacutedos pelo mesmo nuacutemero de secccedilotildees Proeacutemio

- A Geraccedilatildeo e a CorrupccedilatildeoDe Generatione et Corruptione (1597)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Dois Livros

Sobre a A Geraccedilatildeo e a Corrupccedilatildeo de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In duos libros De Generatione et Corruptione Aristotelis Stagiritaebull Sobre a organizaccedilatildeo do ensino sobre o assunto o tiacutetulo e a divisatildeo desta obrabull Proeacutemio ao primeiro livro bull Proeacutemio ao segundo livro

- MeteoroloacutegicosMeteororum (1593)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Livros dos

Meteoroloacutegicos de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In libros Meteororum Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemiobull Tratado III Acerca dos Cometas bull Capiacutetulo I Algumas consideraccedilotildees dos filoacutesofos quanto agrave mateacuteria e agrave

natureza dos cometasbull Capiacutetulo II Refutaccedilatildeo das afirmaccedilotildees anterioresbull Capiacutetulo III Explicaccedilatildeo de Aristoacuteteles e declaraccedilotildees verdadeiras quanto agrave

mateacuteria e agrave natureza dos cometasbull Capiacutetulo IV Acerca da localizaccedilatildeo da inflamaccedilatildeo da durabilidade do

movimento e das cores dos cometasbull Capiacutetulo V O que anunciam os cometasbull Capiacutetulo VI Quanto agraves figuras e diversidades dos cometasbull Capiacutetulo VII Quanto agrave estrela que brilhou aos Magos quando Cristo nasceu

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 17

- A AlmaDe Anima (1598)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Trecircs Livros

Sobre A Alma de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In tres libros de Anima Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemio aos Trecircs Livros do Tratado Sobre a Alma de Aristoacuteteles Utilidade

ordem mateacuteria tratada e particcedilatildeo destes Livrosbull Questatildeo Uacutenica Se o estudo da alma intelectiva respeita agrave doutrina da fisiologia

ou natildeobull Artigo 2ordm Resoluccedilatildeo de toda a questatildeobull A Alma de Aristoacuteteles ndash Livro I Explicaccedilatildeo do Capiacutetulo Ibull Proeacutemio do Livro Segundo do Tratado Da Alma de Aristoacutetelesbull Proeacutemio do Terceiro Livro do Tratado Da Alma de Aristoacutetelesbull Livro II Capiacutetulo I Questatildeo 6ordf Se a alma intelectiva eacute verdadeira forma do

Homem ou natildeo Artigo II Natildeo pode negar-se que a alma intelectiva eacute verdadeira e propriamente forma do Homem

bull Tratado da Alma Separada Proeacutemiobull Tratado sobre alguns Problemas relativos aos cinco sentidos divididos pelo

mesmo nuacutemero de secccedilotildees bull Primeira secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos agrave faculdade de verbull Segunda secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos agrave audiccedilatildeobull Terceira secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao som e agrave vozbull Quarta secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao olfactobull Quinta secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao paladarbull Sexta secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao tacto

- Pequenos NaturaisParva Naturalia (1593)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Livros de

Aristoacuteteles intitulados Os Pequenos Naturais Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In libros Aristotelis qui Parva Naturalia appellanturbull Proeacutemio

- EacuteticaEthica (1593) Algumas Disputas do Curso Conimbricense sobre os Livros da Eacutetica a Nicoacutemaco de Aristoacuteteles integrando certos preciacutepuos capiacutetulos da disciplina de Eacutetica In libros Ethicorum Aristotelis ad Nicomachum aliquot Conimbricensis Cursus Disputationes in quibus praecipua quaedam Ethicae disciplinae capita continenturbull Proeacutemiobull Acerca dos livros morais de Aristoacuteteles particularmente da Moral a

Nicoacutemacobull 1ordf Disputa Acerca do Bembull 2ordf Disputa Acerca do Fimbull 3ordf Disputa Da Felicidadebull 4ordf Disputa Dos trecircs princiacutepios dos actos humanos vontade intelecto e

apetite sensitivobull 5ordf Disputa Da bondade e da maliacutecia das acccedilotildees humanas em geral

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 18

bull 6ordf Disputa Dos estados da alma que se chamam paixotildeesbull 7ordf Disputa Das virtudes em geralbull 8ordf Disputa Da prudecircnciabull 9ordf Disputa Das restantes virtudes moraisbull 1ordf Questatildeo Da Justiccedilabull 2ordf Questatildeo Da Fortalezabull 3ordf Questatildeo Da Temperanccedila

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 19

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus a Toda a Dialeacutectica de Aristoacuteteles

Estagirita

Lisboa 1606

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 20

PROEacuteMIO

AS ARTES QUEM AS INVENTOU E EM QUE EacutePOCA29

Os Gregos vangloriam-se de ter inventado as artes Os Caldeus proclamam o

mesmo a seu respeito Quem teratildeo sido os primeiros a inventar as artes eacute assunto

frequentemente discutido por muitos autores Os Gregos tal como reivindicavam para si

o nome e a fama da sabedoria como coisa proacutepria assim se vangloriavam de terem sido

os inventores das artes Os Caldeus pelo contraacuterio proclamavam que muitos seacuteculos

antes de a Greacutecia ter comeccedilado quer a aprender quer a ensinar jaacute tinha surgido entre

eles o conhecimento dos temas maiores

A Antiguidade venerou muitos baacuterbaros como os primeiros inventores das

artes Na verdade eacute agora manifestamente evidente que nos tempos antigos a sabedoria

natildeo floresceu apenas entre os Gregos e que muitos daqueles que a Antiguidade venerou

em nome de uma doutrina singular como os primeiros fundadores das ciecircncias eram

maioritariamente oriundos de povos baacuterbaros visto que deixando outros de lado Tales

era de origem feniacutecia Mercuacuterio egiacutepcio Zoroastro persa Atlas liacutebio ou friacutegio Anacaacutersis

cita e Ferecides siacuterio E deste modo se torna claro que tal como em outros pontos

tambeacutem neste Epicuro delirou ao dizer que ningueacutem excepto os gregos foi capaz de

filosofar

Os Gregos aprenderam muito com os outros Aleacutem disso os mais conceituados

autores atestam que os gregos aprenderam muito com os estrangeiros nomeadamente

Euseacutebio nos livros 9 e 10 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica Cirilo no livro 1 Contra Juliano

Clemente no primeiro das Tapeccedilarias Justino Maacutertir na Parenese aos povos Josefo nos

dois livros Contra Aacutepion entre outros

Estabelece-se Deus como autor das artes De facto se quisermos ser justos

avaliadores das coisas devemos estabelecer que as artes liberais natildeo foram inventadas

em primeiro lugar nem pelos gregos nem pelos baacuterbaros pelo contraacuterio a sua origem

teraacute sido muito mais antiga e mais nobre Com efeito Deus o criador de toda a

realidade precisamente no iniacutecio da formaccedilatildeo do mundo atribuiu aos primeiros pais do

geacutenero humano entre outros dons da natureza e da graccedila o claro conhecimento natildeo

apenas das coisas divinas mas tambeacutem das humanas e das naturais Pois natildeo convinha

29 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 21

que os priacutencipes e criadores de tatildeo grande famiacutelia recebessem a alma com se fosse uma

taacutebua rasa como noacutes mas adornada pela matildeo do divino artiacutefice e polida pelas imagens

das coisas inteligiacuteveis e pelas luzes das ciecircncias em relaccedilatildeo a toda a excelecircncia e

variedade da beleza Foi de Deus portanto como fonte primeira que emanaram as artes

liberais e depois de Adatildeo para os seus filhos e deles para os descendentes e ao fim de

uma longa seacuterie de anos como eacute evidente a partir dos documentos dos escritores antigos

derivaram para os Hebreus para os Caldeus para os Egiacutepcios para os Gregos para os

Latinos e para as outras naccedilotildees do orbe terrestre De seguida floresceram os Magos dos

Assiacuterios e dos Persas os sacerdotes dos Egiacutepcios os semaneus dos Bactros os bracircmanes

e os gimnosofistas dos Indianos os druidas dos Gauleses os saacutebios Gregos os doutores

Latinos bem como outros homens engrandecidos pelo particular louvor da ciecircncia

E natildeo obsta ao que dizemos ou seja agrave transmissatildeo hereditaacuteria das ciecircncias desde

os primoacuterdios do mundo agraves idades subsequentes o facto de alguns serem reconhecidos

como os primeiros inventores das artes Na verdade como a maioria delas pela injuacuteria

dos tempos ou pela negligecircncia dos homens natildeo soacute perderam o esplendor primitivo

como foram extintas ou por completo ou quase houve alguns homens eminentes pelo

seu engenho que as salvaram do desaparecimento ou as tornaram mais ilustres graccedilas a

novas descobertas a quem por isso foi atribuiacuteda a sua invenccedilatildeo e assim se conservou a

memoacuteria de que o inventor da Dialeacutectica foi Zenatildeo de Eleia o da Filosofia Natural Tales

de Mileto o da disciplina Moral Soacutecrates o da Astrologia Atlante e muitos outros

exemplos Porque se quisermos tambeacutem falar das artes que tratam do modo de fazer uma

obra extrema consta que algumas delas absolutamente desconhecidas numa dada eacutepoca

foram descobertas alguns seacuteculos mais tarde como a Calcografia e aquela que inventou

o poacute das maacutequinas de guerra

Visto que os antigos ao procurar com todo o empenho e assiacuteduo labor a

verdade secreta e escondida das artes liberais natildeo caminharam todos pela mesma via

nem seguiram os mesmos princiacutepios nem sequer os mesmos mestres mas divididos

pela rivalidade das facccedilotildees repartiram-se em vaacuterias seitas quase como famiacutelias natildeo

seraacute de modo nenhum adverso ao que se estabeleceu reduzir ao miacutenimo essas seitas os

seus mentores e seguidores e colocaacute-las de certa maneira sob um soacute ponto de vista de

modo a que a menccedilatildeo destas coisas no curriacuteculo da filosofia seja recorrente e assim

sejam evidentes e conhecidas pelos ouvintes

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 22

SOBRE AS SEITAS DAQUELES QUE AO LONGO DOS TEMPOS ENSINARAM AS ARTES LIBERAIS E

A FILOSOFIA SOBRETUDO A ITAacuteLICA E A IOacuteNICA

O que motivou a designaccedilatildeo atribuiacuteda agraves seitas dos filoacutesofos A designaccedilatildeo das

seitas dos Filoacutesofos como Amoacutenio as colige no proeacutemio agraves Categorias de Aristoacuteteles

foi-lhes atribuiacuteda por vaacuterios motivos Por causa da escola como os Acadeacutemicos e os

Estoacuteicos por causa de alguma actividade nomeadamente pela deambulaccedilatildeo como os

Peripateacuteticos por causa do mestre como os Pitagoacutericos de Pitaacutegoras por causa da sua

paacutetria como os Cirenaicos de Cirene paacutetria de Aristipo por causa do estilo de vida

como os Ciacutenicos assim chamados por serem mordazes nos seus gracejos contra os viacutecios

como eacute costume dos catildees por causa da finalidade da Filosofia por exemplo os

Hedonistas isto eacute os voluptuosos como os Epicuristas por causa do modo de pensar

como os Efeacutecticos os Ceacutepticos e os Pirroacutenicos isto eacute os inibidores os pesquisadores e

os hesitantes que inibiam qualquer juiacutezo sobre qualquer questatildeo e nada estabeleciam

mas ocupavam-se sempre das tarefas de pesquisa e observaccedilatildeo e discutiam sobre tudo

Isto relativamente aos nomes das seitas

Das duas seitas principais provieram as outras Depois cumpre saber que

existiram essencialmente duas seitas de filoacutesofos antigos a partir das quais se

propagaram as restantes como referem S Agostinho no livro 8 da Cidade de Deus

capiacutetulo 2 e Plutarco no livro 1 das Sentenccedilas capiacutetulo 3 entre outros autores

O mentor da Itaacutelica foi Pitaacutegoras O mentor da Itaacutelica foi Pitaacutegoras que incitado por

uma incriacutevel dedicaccedilatildeo agrave ciecircncia depois de ter escutado com atenccedilatildeo o siacuterio Ferecides o

filoacutesofo de maior renome e autoridade entre os saacutebios do seu tempo deambulou para

conhecer os lugares mais longiacutenquos da terra e depois de iniciado em quase todos os

misteacuterios Gregos e baacuterbaros chegou agravequela parte da Itaacutelia a que chamam Magna Greacutecia

e nessa sede escolhida ensinou Filosofia com grande afluecircncia e nobreza de ouvintes

entre os habitantes de Crotona e chamou agrave sua escola Pitagoacuterica por causa de si mesmo

e Itaacutelica pela regiatildeo

Natildeo haacute consenso sobre a eacutepoca Sobre a sua eacutepoca haacute um dissiacutedio espantoso entre os

autores Todavia a partir dos escritos parece poder concluir-se com maior probabilidade

que atingiu o auge no periacuteodo que vai da sexageacutesima agrave septuageacutesima Olimpiacuteada A

propoacutesito desta questatildeo Clemente de Alexandria no livro 1 das Tapeccedilarias S

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 23

Agostinho no livro 18 da Cidade de Deus capiacutetulo 37 Liacutevio no livro 1 deacutecada

primeira e Dioniacutesio de Halicarnasso livro 2

Enumeram-se os seguidores de Pitaacutegoras Enumeram-se entre os seguidores de

Pitaacutegoras o seu filho Telauges Empeacutedocles Epicarmo Arquitas de Tarento Alcmeacuteon

de Crotona Hiacutepaso de Metaponto e Filolau Mas no que diz respeito agrave evoluccedilatildeo da seita

as coisas deram-se deste modo a Pitaacutegoras sucedeu o filho Telauges a este Xenoacutefanes a

ele Parmeacutenides a Parmeacutenides Zenatildeo de Eleia a Zenatildeo Leucipo e Demoacutecrito a

Demoacutecrito muitos outros entre os quais Nausiacutefanes e Naucides a quem depois sucedeu

Epicuro Advirta-se poreacutem que alguns distinguiram a seita Eleaacutetica sob Teleauges

filho de Pitaacutegoras da Ioacutenica como se fosse uma terceira que alguns fizeram depender

da Itaacutelica

Os Epicuristas natildeo tanto como filoacutesofos mas como gado dos Filoacutesofos Sobre o grupo

dos Epicuristas nada diremos no momento presente porque estes natildeo foram

propriamente Filoacutesofos mas φίλοσωμαδοϊ ou seja como diz S Jeroacutenimo o gado dos

filoacutesofos visto que constituiacuteram o sumo bem do homem num soacute prazer do corpo

negando a providecircncia de Deus e a imortalidade das almas e por isso satildeo indignos de

serem contados entre os filoacutesofos

O fundador da escola ioacutenica foi Tales O primeiro dos sete saacutebios Sobre a sua

eacutepoca Quem lhe sucedeu O fundador da escola ioacutenica foi Tales como referem Leandro

e Heroacutedoto de nacionalidade feniacutecia e como outros consideraram mais correctamente

mileacutesio da nobiliacutessima cidade ioacutenica de Mileto Daiacute que (como refere Euseacutebio segundo

Taciano na Preparaccedilatildeo Evangeacutelica cap 3) tenha sido o primeiro dos sete saacutebios e

como afianccedilou Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 3 foi o primeiro a instituir

a Filosofia Natural Atingiu o apogeu por volta da quinquageacutesima olimpiacuteada como

afirma Clemente de Alexandria no primeiro livro das Tapeccedilarias Sucederam-lhe por

ordem Anaximandro Anaxiacutemenes e Anaxaacutegoras de Clazoacutemenas que transferiu a

escola da Ioacutenia para Atenas e teve como sucessor Arquelau preceptor de Soacutecrates que

os oraacuteculos da Piacutetia consideraram o mais saacutebio de todos Os seus mais nobres alunos

foram Aristipo fundador da seita Cirenaica Antiacutestenes da Ciacutenica e Platatildeo da

Acadeacutemica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 24

DA SEITA DOS ACADEacuteMICOS E DOS ESTOacuteICOS

Em que tempo viveu Platatildeo Na eacutepoca de Platatildeo que foi entre a octogeacutesima

oitava e a centeacutesima oitava olimpiacuteada existiram muitos homens importantes em todo o

tipo de ciecircncias

Contemporacircneos de Platatildeo Seus elogios Na histoacuteria Xenofonte na Astrologia

Eudoxo na Retoacuterica Isoacutecrates na filosofia pitagoacuterica Arquitas de Tarento na Ciacutenica

Dioacutegenes No entanto o proacuteprio Platatildeo brilhou entre os restantes com um resplendor mais

forte e mais vasto como se fosse a luz mais cintilante de todas as ciecircncias De facto tinha

tal riqueza oratoacuteria e tal encanto como atesta Ciacutecero no De claris oratoribus que alguns

disseram que se Juacutepiter falasse grego natildeo haveria de usar outro discurso senatildeo o de

Platatildeo o que as abelhas pareceram anunciar-lhe quando na infacircncia pousaram sobre a

sua boca

Descodificou o texto sagrado Aleacutem disso escreveu tanto e de forma tatildeo hermeacutetica sobre

as coisas divinas que facilmente se mostra o que alguns autores deram a conhecer que

ele deslindou os textos sagrados como um inteacuterprete aplicado e dessas fontes irrigou os

seus pequenos jardins Refere pois Clemente de Alexandria no livro 1 das Tapeccedilarias e

Euseacutebio no livro 9 capiacutetulo 3 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica que Aristoacutebulo Judeu

Peripateacutetico de cognome nos comentaacuterios aos livros de Moiseacutes editados por ele mesmo

que enviou ao rei Ptolomeu Filometor do Egipto afirmou que os escritos de Moiseacutes

tinham sido traduzidos para a liacutengua grega antes do impeacuterio de Alexandre e dos Persas e

que tinham sido lidos por Pitaacutegoras e por Platatildeo Ora Platatildeo na Academia que era um

verdejante espaccedilo suburbano situado a mil passos de Atenas ensinou Filosofia daiacute que

os seus disciacutepulos fossem chamados Acadeacutemicos por causa do lugar

Os sucessores de Platatildeo Teve como sucessores Xenoacutecrates Paleacutemon Crantor e Crates

Gostavam de dissimular a sua sabedoria e natildeo aderir obstinadamente a nenhuma das

posiccedilotildees em disputa

Por que eacute que Arcesilau eacute o mestre da ignoracircncia Seguiu-se depois Arcesilau de Piacutetane

disciacutepulo de Crates fundador da Academia meacutedia ou nova a quem Lactacircncio com

pleno direito apelidou de mestre da ignoracircncia no livro 3 capiacutetulo 5 pois foi o

primeiro na Academia a negar publicamente que existisse qualquer coisa que pudesse

ser conhecida Depois de Arcesilau apoacutes algumas interposiccedilotildees brilhou Carneacuteades de

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 25

Cirene que alguns afirmam ter sido o mentor de outra Academia ou seja da terceira

porque concordava parcialmente com Arcesilau e parcialmente com Espeusipo

De onde veio o nome dos Estoacuteicos Os Estoacuteicos tambeacutem tiraram o nome do

local ἀποτῆς στοᾶς isto eacute do Poacutertico Houve de facto em Atenas um poacutertico de

notaacutevel riqueza pintado por Polignato onde eles costumavam reunir-se para as suas

disputas Zenatildeo o fundador desta seita chamado Ciacutetio seguramente por ser de Ciacutetio em

Chipre presidiu agrave escola com cinquenta e oito anos e tal era a sua notoriedade junto dos

Atenienses que o ornaram com uma coroa de ouro e uma estaacutetua de bronze

Grave dissiacutedio entre os Acadeacutemicos e os Estoacuteicos Houve poreacutem um grave e perpeacutetuo

dissiacutedio entre Acadeacutemicos e Estoacuteicos Os primeiros eram a tal ponto versaacuteteis na

disputa que persistiam apenas na leveza e na inconstacircncia Os outros agarraram-se com

teimosia contra muitos paradoxos e mais ainda contra muitas opiniotildees que os Poetas

asseveraram e natildeo atingiram o meio-termo em nenhuma questatildeo todas reduziram agrave

necessidade e agrave inflexibilidade

Cleantes o Estoacuteico de nobre linhagem Depois de Zenatildeo houve insignes Estoacuteicos como

Cleantes entre outros a que Ciacutecero chama o Estoacuteico de grande linhagem Dioacutegenes

Babiloacutenico Crisipo filho de Apoloacutenio insigne pelo elogio da Dialeacutectica e escritor de

inuacutemeros livros de quem se disse ter amparado e sustentado nos seus ombros o poacutertico

dos Estoacuteicos e tambeacutem Paneacutecio que Ciacutecero confessa imitar nos livros dos Deveres E

depois jaacute no impeacuterio de Nero o filoacutesofo Seacuteneca seu preceptor e Epicteto oriundo de

Hieraacutepolis cidade da Friacutegia cuja admiraccedilatildeo pela sua vida tatildeo longa sobressaiu entre os

demais como relata Luciano Siacuterio que a lanterna de barro de Epicteto se tinha vendido

por trecircs mil dracmas por causa da sua notoriedade

DA SEITA DOS PERIPATEacuteTICOS DO ENGENHO E DO ENSINO DE ARISTOacuteTELES

Aristoacuteteles foi o mentor dos Peripateacuteticos O mentor dos Peripateacuteticos e o mais

importante de todos foi Aristoacuteteles filho de Nicoacutemaco seguramente de Estagira da

Macedoacutenia pelo que foi chamado Estagirita

Em que tempo viveu Nasceu por volta do ano 381 antes do parto da Virgem Mas quando

decorria o deacutecimo seacutetimo ano da sua vida tendo previamente escutado as liccedilotildees de

Soacutecrates por trecircs anos dedicou-se agrave disciplina de Platatildeo e entregou-se ao seu Ginaacutesio

por volta dos vinte anos Depois de regressar da delegaccedilatildeo com a qual tinha sido enviado

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 26

pelos Atenienses ao rei Filipe ao ver que na sua ausecircncia Xenoacutecrates tinha presidido agrave

escola da Academia escolheu o Liceu onde viria a ensinar Filosofia

Disputava enquanto caminhava E porque de facto disputava enquanto caminhava

rodeado pela turba dos alunos ele proacuteprio foi chamado Peripateacutetico e os seus seguidores

Peripateacuteticos

Encoacutemios de Aristoacuteteles Sobre o admiraacutevel engenho de Aristoacuteteles e a sua

agudeza de espiacuterito tanto nas descobertas como nos juiacutezos e nas disposiccedilotildees sobre a

sua singular dedicaccedilatildeo agrave ciecircncia sobre a absoluta perfeiccedilatildeo em todo o tipo de doutrina

haacute muitos encoacutemios nos textos dos escritores Platatildeo ora lhe chamava lsquoLeitorrsquo porque

se dedicava agrave leitura dos filoacutesofos antigos com uma dedicaccedilatildeo incansaacutevel ora lsquoFiloacutesofo

da verdadersquo ora lsquomente da Academiarsquo Isto porque certa vez ao entrar no ginaacutesio

como natildeo estava laacute Aristoacuteteles conta-se que teraacute dito απεσιτῆς ἀλήθειας φιλόσοφον

isto eacute ldquofalta o filoacutesofo da verdaderdquo E depois tendo faltado de novo disse ουκ ἰλθε

νοῦς ou seja ldquoa mente natildeo veiordquo E Quintiliano sobre o mesmo assunto diz ldquoE

quanto a Aristoacuteteles Duvido se hei-de consideraacute-lo mais notaacutevel pelo conhecimento

das mateacuterias pela riqueza dos escritos pelo encanto do discurso pela agudeza das

descobertas ou pela diversidade das obrasrdquo Pliacutenio por seu lado tanto o apelida de

ldquohomem supremo em todas as ciecircnciasrdquo como ldquohomem de uma subtileza imensardquo Jaacute

Averroacuteis afirma que ele eacute um exemplo apresentado para que nele todos os homens

possam compreender e admirar quanto a mente dos mortais eacute capaz de perceber e

quanto eacute permitido progredir ao engenho humano

Estaacutetua erigida em sua honra Pausacircnias no livro 6 escreve que lhe foi dedicada uma

estaacutetua o que tambeacutem ele proacuteprio tinha procurado erigir ao seu preceptor Platatildeo

Seus sucessores Sucederam a Aristoacuteteles nobres Peripateacuteticos para aleacutem de

outros Teofrasto Estraacuteton de Lacircmpsaco fiacutesico de cognome Demeacutetrio de Falero

Jeroacutenimo Cratipo Boeto e muitos outros em diferentes eacutepocas

Inteacuterpretes gregos Teve tambeacutem ilustres inteacuterpretes como Alexandre de Afrodiacutesia

Porfiacuterio Temiacutestio Simpliacutecio Pselo Amoacutenio Plutarco e Filoacutepono Entre eles deixando

de lado os restantes Alexandre que foi contemporacircneo de Justino Maacutertir e do meacutedico

Galeno estudou quase todos os livros de Aristoacuteteles com tanto conhecimento que

nenhum Aristoteacutelico haveria que natildeo fosse Alexandrino

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 27

Inteacuterpretes Latinos Tambeacutem os Latinos esclareceram dignamente as obras de Aristoacuteteles

com os seus comentaacuterios nomeadamente Severino Boeacutecio que consta ter vivido na eacutepoca

de S Bento e com ele ter estabelecido amizade Depois Averroacuteis que por causa da sua

diligente explanaccedilatildeo obteve o epiacuteteto de Comentador e posteriormente Alberto Magno

seguido de imediato por S Tomaacutes priacutencipe da Teologia escolaacutestica

Mas o que mais valoriza Aristoacuteteles e lhe concilia a gloacuteria imortal eacute o facto de

estando as seitas de outros filoacutesofos jaacute quase extintas e sepultadas a famiacutelia peripateacutetica

crescer de dia para dia e florescer Natildeo soacute abraccedilaram a sua doutrina nos tempos antigos

aqueles a quem ainda natildeo tinha aparecido a luz da disciplina celeste com o supremo

estudo como tambeacutem os Filoacutesofos e os eruditos Teoacutelogos iluminados pelo brilho da

divina feacute hatildeo-de servir-se dela muitas vezes ao longo de vaacuterios seacuteculos a partir de

agora para explicar as questotildees maiores e mais importantes e natildeo apenas na Fiacutesica e na

Dialeacutectica como tambeacutem nas questotildees de ordem moral e nas divinas

Ora costuma perguntar-se por que razatildeo tatildeo grande filoacutesofo a quem natildeo

faltava nem a forccedila do engenho nem a riqueza do discurso para explicar claramente o

que tinha apreendido com o intelecto por que razatildeo repito eacute tantas vezes obscuro a

ponto de dificilmente poder ser entendido sobretudo naqueles livros a que chamam

Acroamaacuteticos que satildeo de doutrina mais importante e de feitura mais polida Cumpre

saber que antes de Aristoacuteteles houve duas razotildees para obscurecer a filosofia a

primeira daqueles que filosofaram poeticamente a outra daqueles que filosofaram por

hieroacuteglifos os primeiros teceram os princiacutepios das artes liberais e os segredos da

natureza atraveacutes de faacutebulas os outros por enigmas e figuras Isto era deliberadamente

feito por eles (como notaram Fiacutelon Judeu no livro intitulado Quod omnis probus sit

liber e Laeacutercio no Pitaacutegoras) para que os misteacuterios da filosofia natildeo fossem objecto de

desprezo para o vulgo e para a multidatildeo ignorante e tambeacutem por isto para desviarem

do seu estudo remetendo-as para outras coisas consentacircneas as inteligecircncias retardadas

e inaptas para filosofar Embora o objectivo deles natildeo desagradasse a Aristoacuteteles este

ingressou entatildeo por outra via de dissimulaccedilatildeo E assim seguiu a brevidade Hipocraacutetica

na Acroamaacutetica escreveu num estilo sinteacutetico conciso e por esse motivo obscuro Por

vezes quanto mais difiacuteceis satildeo as controveacutersias tanto mais disputa de forma obscura

porque natildeo tendo a convicccedilatildeo suficiente quanto agrave parte onde residia a verdade como

tinha engenho haacutebil e prudente envolvia de propoacutesito a sua opiniatildeo na ambiguidade

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 28

das palavras A estas razotildees da obscuridade acresceram ainda outras De facto depois

de Aristoacuteteles ter chegado ao fim da sua vida os seus livros jazeram muito tempo

enterrados na terra daiacute que estivessem corroiacutedos pela putrefacccedilatildeo em muitos locais e

quando foram extraiacutedos um tal de Apeacutelicon de Teos por seu livre arbiacutetrio preencheu

mal aqueles locais e emendou-os Sobre esta questatildeo escreveu Estrabatildeo no deacutecimo

terceiro livro da sua Geografia nestes termos ldquoAristoacuteteles deixou a biblioteca e a

escola a Teofrasto o primeiro de todos os que conhecemos a congregar os livros e a

ensinar a sua ordem aos responsaacuteveis pela biblioteca do Egipto Teofrasto transmitiu-a a

Neleu e Neleu levou-a para Ceacutepsis e doou-a aos descendentes homens sem preparaccedilatildeo

que tinham os livros fechados e negligentemente arrumados Tendo conhecimento do

desejo dos reis das vestes de ouro30 que os governavam no sentido de recolher os livros

para guarnecer a biblioteca que era a de Peacutergamo esconderam-nos numa cova debaixo

da terra onde foram molestados pelos vermes e pela humidade e por fim jaacute nesse

estado entregaram-nos a Apeacutelicon de Teos a troco de muita prata Apeacutelicon como era

mais dedicado aos livros do que agrave sabedoria querendo reparar as corrosotildees mandou-os

transcrever embora a escrita natildeo fosse correctamente complementada Por isso

publicou os livros cheios de errosrdquo Eacute o que diz Estrabatildeo Tambeacutem as versotildees latinas

aumentaram a obscuridade de Aristoacuteteles Enquanto algumas transcrevem muito

escrupulosamente palavra por palavra copiam a sintaxe grega e espalham as trevas

sobre Aristoacuteteles de tal modo que nem parece falar grego nem latim e por vezes torna-

se difiacutecil de perceber outras poreacutem usam de excessiva liberdade na versatildeo na medida

em que agem mais como parafrastas do que como tradutores procuram a afectaccedilatildeo das

palavras e o ornato do discurso fogem ao contexto31 e afastam-se muito da opiniatildeo de

Aristoacuteteles de tal modo que por causa disso os que se agarram a essas versotildees

castigam Aristoacuteteles repreendendo com repugnacircncia grande parte da sua obra

30 Rei Ptolomeu II do Egipto (Cf Estrabatildeo Geografia XIII) N T 31 Extra chorum uagantur

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 29

PROEacuteMIO DO COMENTAacuteRIO Agrave ISAGOGE DE PORFIacuteRIO

SOBRE O AUTOR O OBJECTIVO O TIacuteTULO A ORGANIZACcedilAtildeO E A UTILIDADE DESTA OBRA

Acautelou-se por lei que entre os Areopagitas ningueacutem usasse do proeacutemio

ao discursar Foi instituiacutedo por lei entre os Areopagitas ndash segundo refere Aristoacuteteles no

iniacutecio da Retoacuterica a Teodecto ndash que os advogados das causas natildeo pudessem de modo

nenhum usar do proeacutemio isto para que natildeo gastassem o tempo numa longa divagaccedilatildeo

de palavras e em tortuosos meandros Agia-se por isso com prudecircncia no Areoacutepago e

nos processos forenses No entanto no Liceu e no ensino das artes liberais haacute outra

norma Nestes domiacutenios quando se pretende narrar alguma coisa de forma apurada e de

acordo com o meacutetodo filosoacutefico conveacutem fazer uma apresentaccedilatildeo preacutevia de modo a que

os espiacuteritos se preparem para aprender Isso eacute o que noacutes vamos fazer nesta primeira

abordagem ao comentaacuterio mas com muito menos palavras do que os inteacuterpretes

costumavam fazer

Nacionalidade origem vida e ensinamentos de Porfiacuterio Assim sendo

comecemos pelo que acontece em primeiro lugar O autor desta obra foi Malco

cognominado Porfiacuterio de nacionalidade feniacutecia originaacuterio de Tiro ou (como Baroacutenio

afirma por certo no tomo II dos seus Anais) de nacionalidade judia nascido na

Batacircnia que eacute uma cidade da Judeia Quanto aos ensinamentos natildeo era tatildeo aristoteacutelico

como platoacutenico conforme demonstram os seus escritos Viveu durante o impeacuterio de

Aureliano Diocleciano e depois de Constantino Teve como preceptores Plotino e

Longino Criacutetico foi condisciacutepulo de Oriacutegenes como lembra Eunaacutepio na Vida de

Porfiacuterio Teve como aluno entre outros Crisaoacuterio patriacutecio Romano a pedido de quem

publicou esta obra Isto porque Crisaoacuterio que vivia em Roma tendo debruccedilado a sua

atenccedilatildeo sobre as Categorias de Aristoacuteteles sem conseguir compreendecirc-las pediu por

carta ao seu preceptor que entatildeo segundo parece estaria junto do Lilibeu o

promontoacuterio da Siciacutelia ocupado a compor a histoacuteria da erupccedilatildeo do Etna e conseguiu

que o mestre compusesse especialmente para si este livrinho εἰσαγογικόν sobre As

Categorias de Aristoacuteteles

Porfiacuterio maacutegico desertor e opositor da feacute cristatilde De facto Porfiacuterio natildeo soacute foi

adepto das supersticcedilotildees das artes maacutegicas como tambeacutem um desertor e um opositor

muito insolente da religiatildeo cristatilde segundo atestam S Jeroacutenimo na Epiacutestola aos

Gaacutelatas S Agostinho no livro 19 da Cidade de Deus capiacutetulo 23 bem como Suidas e

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 30

outros autores Natildeo seraacute verdadeiramente indigno de ser contabilizado entre os

Filoacutesofos apesar de ser lido nas escolas

Por que razatildeo se lecirc nas escolas Lecirc-se poreacutem natildeo soacute porque as mateacuterias que

compila neste livro tirou-as em grande parte das fontes da doutrina de Platatildeo e de

Aristoacuteteles mas tambeacutem porque tal como o povo Hebreu enriquecia com o ouro dos

Egiacutepcios desprezando as imagens dos deuses que nesse material tinham sido moldadas

assim a filosofia cristatilde enriquece de bom grado com as doutrinas de quaisquer outros

mesmo dos adversaacuterios (se poreacutem nada tecircm que falte agrave verdade) A isso reporta o dito

de S Agostinho no livro 2 da Doutrina Cristatilde capiacutetulo 40 ldquoos que satildeo chamados

filoacutesofos se por acaso disseram o que eacute verdade e se adequa agrave nossa feacute sobretudo os

platoacutenicos natildeo soacute natildeo se devem temer mas aleacutem disso devem-lhe ser reivindicadas

essas verdades enquanto injustos possuidores para que noacutes as possamos utilizarrdquo

Tiacutetulo da obra O tiacutetulo da obra eacute εἰσαγωγῆ isto eacute lsquointroduccedilatildeorsquo que natildeo eacute mais

do que o princiacutepio pelo qual algueacutem comeccedila a ser instruiacutedo desde os primeiros

elementos em alguma arte ou doutrina Ciacutecero no Luculo chama-lhe primeira instruccedilatildeo

Aulo Geacutelio no livro 16 capiacutetulo 8 diz ldquoQuerendo noacutes seguir e aprender as disciplinas

dialeacutecticas foi necessaacuterio procurar e conhecer aquelas a que os Dialeacutecticos chamam

εἰσαγωγᾶςrdquo

Razatildeo deste tiacutetulo Mas perguntam e bem os inteacuterpretes por que razatildeo este

tratado tomou um nome comum como proacuteprio pois natildeo se intitula lsquointroduccedilatildeo agrave

Dialeacutecticarsquo mas ambiguamente lsquointroduccedilatildeorsquo Importa pensar que a razatildeo eacute o facto de a

Dialeacutectica anteceder as restantes partes da filosofia na ordenaccedilatildeo do ensino e com todo

o direito era a introduccedilatildeo que preparava para a aprendizagem e por isso devia chamar-

se por esse nome como se fosse proacuteprio por antonomaacutesia na qualidade de primeira de

todas como proeacutemio comum a toda a filosofia Isto foi notado por Simpliacutecio Boeacutecio

Alberto Magno e outros comentadores

O objectivo de Porfiacuterio eacute tratar dos cinco conceitos universais O objectivo de

Porfiacuterio eacute tratar dos cinco conceitos Geacutenero Espeacutecie Diferenccedila Proacuteprio e Acidente os

quais se designam com o termo comum de Universais ou Predicaacuteveis Todavia caiu em

controveacutersia entre os autores qual seria de facto o assunto desta obra

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 31

Primeira posiccedilatildeo sobre o assunto deste tratado Na verdade Amoacutenio no prefaacutecio a

Porfiacuterio e Boeacutecio no diaacutelogo primeiro coluna 2 bem como Averroacuteis no grande

proacutelogo aos Posteriores aleacutem de outros asseguram que o assunto satildeo esses tais cinco

conceitos na medida em que satildeo uacuteteis para conhecer a doutrina das Categorias

Segunda opiniatildeo No entanto Escoto na questatildeo 7 sobre este livro bem como os seus

seguidores e os Lovanienses pensam ser o Universal Tanto uns como outros recorrem

a argumentos plausiacuteveis

Argumentos a favor da primeira opiniatildeo Eis os argumentos dos que defendem

a primeira opiniatildeo

Primeiro O objecto de uma obra eacute aquele que o autor se propotildee explanar mas Porfiacuterio

afirma que vai explicar estes cinco conceitos logo estes conceitos satildeo a mateacuteria tratada

Segundo Crisaoacuterio pediu a explanaccedilatildeo desses mesmos conceitos para compreender as

Categorias de Aristoacuteteles logo se Porfiacuterio correspondeu ao pedido indicou esse

mesmo assunto

Terceiro Toda a loacutegica eacute sobre a linguagem este livro eacute parte da Loacutegica logo a sua

mateacuteria eacute a linguagem e em particular nada mais do que estes cinco conceitos

Argumentos a favor da segunda posiccedilatildeo Os outros argumentam assim

Primeiro O assunto deste tratado na medida em que isso pode ser feito conveacutem ser

uno ora aqueles cinco universais natildeo tecircm unidade a natildeo ser no Universal em geral

natildeo soacute se supotildee que o Universal estaacute presente neste tratado como satildeo demonstradas as

sus espeacutecies e tudo o que se predica sobre as espeacutecies excepto o que lhes diz respeito

segundo as razotildees proacuteprias eacute atribuiacutedo ao Universal estas satildeo as condiccedilotildees do assunto

logo o assunto da Isagoge eacute o Universal

Segundo A explicaccedilatildeo do Universal pertence agrave Loacutegica natildeo haacute poreacutem outra parte desta

ciecircncia em que se trate abertamente e numa perspectiva geral logo deve atribuir-se a

esta obra como assunto proacuteprio

Conciliam-se as opiniotildees anteriores Se estas duas posiccedilotildees contecircm alguma

diferenccedila deve preferir-se a segunda com a tal moderaccedilatildeo que vamos aplicar

Dissemos se satildeo diferentes porque eacute provaacutevel que uns e outros autores pensem o

mesmo Porque os que constituem os conceitos como assunto natildeo os tomam na acepccedilatildeo

material enquanto sons nem apenas como significados que dizem respeito ao

gramaacutetico mas como um certo conhecimento das coisas em si mesmas na medida em

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 32

que servem para compreender as Categorias e os modos de construir o discurso Mas

isto equivale a considerar que estes universais na medida em que conduzem agraves outras

partes da Dialeacutectica satildeo mateacuteria do presente tratado Todavia como tudo converge

numa uacutenica razatildeo comum do Universal considera-se e bem que o assunto eacute o proacuteprio

universal O que uns aceitam por ser uno e outros por compreender claramente as suas

partes

O Universal como eacute predicaacutevel constitui o assunto desta obra Porque se natildeo

quiserem chegar a acordo os autores da primeira posiccedilatildeo dizemos com Escoto que o

Universal eacute o assunto desta obra natildeo tanto de acordo com a razatildeo do Universal como

do Predicaacutevel Visto que a Dialeacutectica direcciona de facto todas as suas forccedilas para a

verdade ou falsidade necessidade ou contingecircncia das proposiccedilotildees em qualquer

circunstacircncia presta mais atenccedilatildeo ao modo de predicar do que ao modo de ser (como

iremos explicar de forma mais alargada na questatildeo sobre a divisatildeo dos Universais) E

como o modo de ser diz respeito ao Universal enquanto Universal o modo de predicar

pelo contraacuterio diz respeito ao mesmo enquanto predicaacutevel segundo esta razatildeo nesta

obra disserta-se essencialmente sobre o Universal

Objecta-se De onde se pode resolver a instacircncia que contra esta posiccedilatildeo

costuma levantar-se nestes termos perscrutar o que eacute o Universal compete ao primeiro

filoacutesofo pois este considera a ordem e a distinccedilatildeo dos superiores e dos inferiores a

unidade formal e numeacuterica e sem o conhecimento destas coisas dificilmente se

distingue o Universal Sobre isto disserta Aristoacuteteles em parte no livro 4 e em parte no

livro 7 a partir do capiacutetulo 13

Responde-se Mas respondemos que a consideraccedilatildeo do Universal enquanto Universal

compete ao Metafiacutesico embora a sua consideraccedilatildeo enquanto predicaacutevel seja

especulaccedilatildeo Loacutegica proacutepria desta obra Na verdade nos Toacutepicos disserta-se pouco

sobre os Universais e apenas o modo como se aplicam agraves questotildees dialeacutecticas

Dissolvem-se os argumentos da primeira posiccedilatildeo Os argumentos a favor da

posiccedilatildeo que constitui os conceitos como assunto da Isagoge satildeo faacuteceis de esclarecer

Primeiro Ao primeiro respondemos que Porfiacuterio designou neste lugar todas as espeacutecies

do geacutenero para indicar de forma mais precisa a mateacuteria de que iria tratar

Segundo Ao segundo que talvez Porfiacuterio respondesse agrave demanda de forma mais cabal

do que tinha sido proposto por Crisaoacuterio porque natildeo seria verosiacutemil que o filoacutesofo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 33

romano tivesse duacutevidas apenas sobre o sentido das palavras Um e outro pretendiam

pois uma explicaccedilatildeo dos universais Um fez o pedido o outro fez a exposiccedilatildeo

Terceiro Relativamente ao terceiro noacutes natildeo negamos que a linguagem seja o assunto

desta parte da Dialeacutectica tal como se diz que a linguagem eacute o assunto das restantes

partes Na verdade esta eacute essencialmente interna e favoraacutevel agrave razatildeo comum do

Universal De facto do mesmo modo que no objecto significado estaacute o Universal e

estatildeo as espeacutecies sob ele contidas assim nos signos internos estaacute o Uno proacuteprio do

Universal em si e outras coisas que dizem directamente respeito agraves espeacutecies Mas sobre

este ponto diremos mais nos Antepredicamentos

Demonstra-se que o ensino destes conceitos universais pertence agrave Dialeacutectica

E assim torna-se evidente que este ensino pertence agrave Dialeacutectica e faz parte dela ainda

que Boeacutecio o tenha negado com aquela conjectura por que razatildeo se chamava introduccedilatildeo

agrave Loacutegica Deixa-se levar poreacutem por um leve indiacutecio pois natildeo eacute inconveniente haver

uma ordem entre as inuacutemeras partes de uma mesma ciecircncia para que uma prepare o

caminho que leva a outra Porfiacuterio natildeo disse que esta Isagoge conduzia agrave Dialeacutectica

mas agraves categorias divisotildees definiccedilotildees etc de modo a que natildeo parecesse excluiacute-la do

conjunto das partes da Dialeacutectica

Estrutura da obra A estrutura da obra resume-se a duas partes a primeira

delas conteacutem o prefaacutecio a outra o comentaacuterio aos cinco conceitos Mas esta segunda eacute

bipartida Na primeira parte revela-se cada um dos universais em separado Na uacuteltima

comparam-se todos entre si para que se torne visiacutevel o que tecircm de comum de proacuteprio e

de peculiar Sobre a sua utilidade com Porfiacuterio dispensamo-nos de a referir

PROEacuteMIO DO COMENTAacuteRIO AOS LIVROS DAS CATEGORIAS DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA32

SOBRE O AUTOR E O TIacuteTULO DESTE LIVRO

Alguns negaram que Aristoacuteteles fosse o autor deste livro O que nesta primeira

abordagem aos livros de Aristoacuteteles parecia dever dizer-se tanto sobre a razatildeo de os

ensinar como de os escrever foi genericamente insinuado em parte no iniacutecio da

Dialeacutectica em parte no proeacutemio da Fiacutesica Pelo que na explanaccedilatildeo de cada uma das

obras falta apenas este trabalho de demonstrar quem eacute o seu autor e qual o seu

objectivo particular

32 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 34

Boeacutecio demonstra atraveacutes de trecircs argumentos que Aristoacuteteles foi o autor deste livro

Ora o facto de Aristoacuteteles Estagirita ser o autor deste livro embora Jacircmblico tenha

duvidado (da autoria de Boeacutecio) e alguns autores de menor importacircncia o tenham

negado eacute todavia ponto assente entre todos os Peripateacuteticos o que confirma Boeacutecio

atraveacutes de trecircs argumentos sobre este ponto Primeiro porque Aristoacuteteles nas restantes

obras em tudo concorda consigo mesmo nesta obra Segundo porque a brevidade e a

subtileza do estilo levam a identificar Aristoacuteteles Terceiro porque de outro modo teria

elaborado uma obra incompleta se com a intenccedilatildeo de escrever sobre os silogismos

tivesse omitido as proposiccedilotildees de que derivam directamente ou os simples conceitos

de forma mais indirecta

Demonstra-se que haacute vaacuterias obras de variados autores sobre os predicados

Existiram pois muitas obras semelhantes sobre os predicados elaboradas por outros

autores que muitas vezes chegaram a dar lugar a enganos De facto ainda que

omitamos Arquitas de Tarento que foi o primeiro de todos a distribuir o ente em dez

classes e cuja obra escrita em liacutengua doacuterica Mirandula afirma ter perdurado ateacute ao

momento no livro 4 De examine vaniitatis Teofrasto Eudemo e Facircnias de Eacutereso

disciacutepulos de Aristoacuteteles escreveram seguindo o seu exemplo sobre os dez geacuteneros

supremos e Adrasto de Afrodiacutesia publicou um outro livro sobre o mesmo assunto que

costuma ser apresentado como de matriz aristoteacutelica Tambeacutem na Biblioteca de

Filadelfo foram encontrados dois cujo autor eacute Amoacutenio que afirma que um deles eacute de

Aristoacuteteles

Verdadeiro tiacutetulo da obra O tiacutetulo da obra da autoria de Porfiacuterio ainda que se

afirme muitas outras coisas foi todavia vulgarizado e aceite como Categorias de

Aristoacuteteles

De onde vem o nome de Categorias Porfiacuterio acreditou que este vocaacutebulo fora trazido

por Aristoacuteteles do uso forense para as escolas κατηγορία significa de facto aquele

discurso de acusaccedilatildeo que se executa nos julgamentos para incriminar pois κατηγορὼ

significa lsquoacusorsquo E natildeo eacute invulgar ndash diz Porfiacuterio ndash que os grandes filoacutesofos quando

descobrem algo desconhecido ou inventem vocaacutebulos ou transfiram alguns do uso

corrente que revestem de nova significaccedilatildeo

O nome de Categorias ou Predicados eacute entendido de vaacuterios modos Μais

fecunda poreacutem eacute a interpretaccedilatildeo de outros que por entenderem que o verbo κατηγορέω

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 35

significa o mesmo que lsquopredicorsquo ou lsquoenunciorsquo consideram que κατηγορίαν eacute o mesmo

que lsquoa enunciaccedilatildeo de algo sobre outra coisarsquo e por isso dispotildeem as coisas nestas dez

classes de tal modo que as superiores sejam afirmadas sobre as inferiores de acordo

com a ordem da natureza e com razatildeo essas mesmas classes satildeo designadas em grego

por lsquoCategoriasrsquo e em latim por lsquoPredicadosrsquo um vocaacutebulo cujo autor entre os latinos

parece ter sido Boeacutecio Admite-se todavia seja lsquoCategoriasrsquo seja lsquoPredicadosrsquo por

vezes em relaccedilatildeo a toda a seacuterie constituiacuteda pelos superiores e inferiores outras vezes

apenas em relaccedilatildeo ao geacutenero supremo de cada predicado Ora o que significa

formalmente o predicado eacute o que vamos apreciar nas questotildees

MATEacuteRIA ORDEM UTILIDADE E DISPOSICcedilAtildeO DESTE LIVRO

Sobre a mateacuteria deste livro haacute duas posiccedilotildees Tatildeo certo eacute entre todos os

inteacuterpretes que neste livro se trata dos predicados como eacute entre eles ambiacuteguo se a

mateacuteria principal satildeo os conceitos ou as coisas

Primeira posiccedilatildeo Averroacuteis e Caetano neste livro bem como Avicena no iniacutecio da sua

Loacutegica afirmam que satildeo as coisas

1ordm argumento Primeiro porque se disserta sobre os aspectos a partir dos quais os

predicados se desenvolvem pois eacute um tratado sobre os predicados mas os predicados

apenas se desenvolvem a partir das coisas as coisas e natildeo os conceitos eacute que se dizem

geacuteneros espeacutecies e indiviacuteduos

2ordm argumento Em segundo lugar trata-se principalmente daquilo cujas propriedades se

transmitem mas as propriedades que satildeo atribuiacutedas a cada um dos predicados dizem

respeito agraves coisas e natildeo aos conceitos portanto as coisas satildeo o assunto principal

2ordf posiccedilatildeo Alexandre Simpliacutecio Amoacutenio Porfiacuterio Siriano e Boeacutecio ensinam o

contraacuterio ou seja que a mateacuteria mais importante satildeo os conceitos o que parece ter

querido dizer Aristoacuteteles no capiacutetulo 4 desta obra quando ao distinguir os predicados o

faz atraveacutes dos conceitos e assim afirma que ldquoaqueles que se dizem natildeo ter qualquer

composiccedilatildeo significam os singulares ou a substacircncia ou a quantidade ou a qualidade

etcrdquo

Opta-se pela segunda posiccedilatildeo A uacuteltima posiccedilatildeo eacute muito mais verdadeira desde

que natildeo negue que na presente obra tambeacutem se disputa sobre as coisas que constituem os

predicados embora com uma importacircncia secundaacuteria

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 36

1ordf razatildeo Fundamenta-se a primeira parte desta resoluccedilatildeo Primeiro porque a Dialeacutectica eacute

uma ciecircncia totalmente linguiacutestica portanto todas as suas partes enquanto tal dizem

especial respeito agrave linguagem sobretudo interior

2ordf razatildeo Aleacutem disso neste livro daacute-se a conhecer os princiacutepios para constituir

proposiccedilotildees e silogismos e como as proposiccedilotildees e os silogismos satildeo constituiacutedos por

palavras significantes e natildeo por coisas significadas logo as palavras satildeo o principal

assunto tratado nesta obra Segunda parte de onde se torna evidente por que razatildeo nem as

palavras enquanto significativas podem ser suficientemente inteligidas sem alguma

revelaccedilatildeo das coisas significadas nem Aristoacuteteles as revelou de outro modo nos capiacutetulos

seguintes na verdade pela explicaccedilatildeo da substacircncia da quantidade etc expocircs o que

eram os vocaacutebulos simples que exprimem o seu significado

Resolvem-se os argumentos da primeira posiccedilatildeo Daqui se torna manifesta a

resposta aos argumentos da primeira posiccedilatildeo na medida em que contrariam a segunda

Em relaccedilatildeo ao primeiro embora possamos admitir que nos Predicados se coloca em

primeiro lugar as coisas negamos todavia que este tratado seja sobre o que se potildee em

primeiro lugar nos Predicados mas sobre os signos pelos quais se exprimem e que

tambeacutem tecircm a designaccedilatildeo dos geacuteneros das espeacutecies etc Quanto agrave segunda deve negar-

se que se trate em primeiro lugar as coisas cujas propriedades se explicam pois como as

palavras simples satildeo mais evidentes os seus significados satildeo explicados natildeo soacute pelas

partes essenciais mas tambeacutem pelas propriedades Acrescente-se que natildeo soacute as

propriedades das coisas mas tambeacutem das palavras satildeo tratadas nesta obra pois no

capiacutetulo 5 Aristoacuteteles afirma que eacute proacuteprio das substacircncias significar algo que apenas se

pode adequar agraves palavras

Que lugar na ordem das artes cabe a este livro No que diz respeito agrave ordem

este livro pode ser comparado quer a outras partes da filosofia quer agraves restantes partes

da Loacutegica se for considerado no primeiro modo natildeo falta quem lhe impute o uacuteltimo

lugar ou seja o mesmo que atribuem agrave Metafiacutesica (da qual alguns autores acreditam

fazer parte este livro)

Muitos negam que tenha um lugar certo e provam-nos com argumentos Outros natildeo lhe

concedem um lugar definido na ordem das artes mas asseveram que pertence

simultaneamente a todas as artes Os primeiros recorrem a estes argumentos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 37

1ordm argumento De todas as ciecircncias proacuteprias soacute a Metafiacutesica considera o ente como

objecto proporcionado logo soacute ela deve considerar a imediata divisatildeo do ente em dez

geacuteneros que nesta obra se estudam aprofundadamente pois a ela compete explicar uma

certa natureza da qual eacute proacuteprio perscrutar uma divisatildeo semelhante nos inferiores

2ordm Argumento Os modos de predicar a partir dos quais Aristoacuteteles e os outros filoacutesofos

coligem os Predicados neste livro fundam-se nos modos do ser como foi dito em

Porfiacuterio mas os modos de ser pertencem ao Metafiacutesico natildeo ao Loacutegico logo os modos

de predicar tambeacutem lhe dizem respeito aleacutem disso as artes progridem na ordem do

ensino se a forma for explicada pela primeira arte e o fundamento sem o qual esta

forma natildeo pode ser inteligida perfeitamente pela uacuteltima

3ordm Argumento O Dialeacutectico natildeo considera quais satildeo os materiais predicados mas quais

e quantos satildeo os modos formais de predicar e separados de toda a mateacuteria logo inquire

quantos satildeo os geacuteneros das coisas o que eacute predicado natildeo lhe diz minimamente respeito

mas ao Metafiacutesico

Alguns autores consideram que o estudo dos Predicados natildeo diz respeito a

nenhum filoacutesofo33 em particular Quem nega que a explicaccedilatildeo dos Predicados diga

respeito a um determinado filoacutesofo argumenta deste modo Natildeo haacute ciecircncia nem arte que

se debruce sobre todos os geacuteneros de coisas mas cada uma assume o encargo de

ponderar uma determinada parte logo o trabalho de explicar todas as Categorias que

contecircm todas as coisas natildeo haacute-de pertencer apenas a uma mas a todas as artes em

simultacircneo

Os Predicados dizem respeito ao Metafiacutesico e ao Loacutegico por razotildees diferentes

Todavia a posiccedilatildeo comum de todos os inteacuterpretes importantes eacute de que os Predicados

dizem respeito simultaneamente ao Metafiacutesico e ao Loacutegico por diferentes razotildees

porque para que se torne manifesto e se satisfaccedila as opiniotildees contraacuterias deve advertir-

se que as coisas que se colocam nos predicados podem ser encaradas de trecircs maneiras

As coisas que se colocam nos predicados podem ser consideradas de trecircs modos

Primeiro enquanto naturezas delas proacuteprias como se na primeira categoria se

considerasse a natureza da substacircncia do corpo etc Segundo na medida em que satildeo

universais e particulares no ser ou seja na medida em que os particulares incluem os

comuns mas por eles natildeo satildeo incluiacutedos Terceiro porque satildeo capazes de ser sujeito e

33 Artifex

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 38

ser predicado numa enunciaccedilatildeo Na verdade o primeiro modo de considerar natildeo eacute

proacuteprio de nenhuma ciecircncia determinada mas de todas as reais e a segunda opiniatildeo

apenas o comprova de onde poreacutem natildeo resulta que a doutrina dos Predicados diga

respeito a todas as ciecircncias porque o predicado natildeo eacute apenas a natureza da coisa mas

envolve a seacuterie O segundo modo eacute totalmente metafiacutesico como comprovam os

argumentos da primeira opiniatildeo O terceiro deve com razatildeo ser adscrito agrave Loacutegica Na

verdade toda a consideraccedilatildeo que eacute instituiacuteda para as predicaccedilotildees eacute Dialeacutectica pois

ningueacutem nega que a terceira da qual tratamos eacute deste tipo o que se descobre pela

proacutepria declaraccedilatildeo

Dissolvem-se as razotildees da parte contraacuteria Responde-se agraves razotildees em

contraacuterio Agrave primeira razatildeo da primeira posiccedilatildeo nada obstamos Agrave segunda responde-se

que muitas vezes eacute preciso explicar no que diz respeito agrave ordem correcta do ensino

qual eacute a capacidade e a funccedilatildeo de alguma forma atraveacutes de um fundamento natildeo

explicado mas suposto ou porque aparece aos rapazes nas noccedilotildees elementares tal

como se ensina a virtude e o poder das letras ignorando a natureza delas assim os

Loacutegicos conhecem a forccedila dos predicados estando suposto o seu fundamento exposto

pelos Metafiacutesicos Agrave terceira responde-se que o Dialeacutectico precisa de conhecer todos os

geacuteneros de coisas quanto agrave razatildeo de ser predicado e de ser sujeito natildeo para que compare

por si o conhecimento das coisas mas para que esteja provido de meios para tratar a

fundo qualquer questatildeo sobre a mateacuteria proposta O argumento da segunda jaacute foi

resolvido

Dispotildeem-se os vaacuterios tratados da Loacutegica de acordo com as vaacuterias actividades

do intelecto Basta sobre a ordem deste tratado em relaccedilatildeo agraves outras disciplinas falemos

agora sobre aquilo que diz respeito agraves outras partes da Loacutegica de Aristoacuteteles e isto eacute

tambeacutem o que se observa nas operaccedilotildees da mente De facto esta doutrina dos

predicados responde agrave primeira operaccedilatildeo que apreende os simples em que os nomes

simples satildeo reduzidos a classes Agrave segunda pela qual compomos e dividimos adaptam-

se os livros Da interpretaccedilatildeo nos quais se disputa sobre a enunciaccedilatildeo Agrave terceira pela

qual raciocinamos correspondem os Analiacuteticos e os Toacutepicos em que satildeo produzidos as

consequecircncias os argumentos e os silogismos

Esta doutrina eacute muito necessaacuteria a toda a praacutetica dialeacutectica A vantagem e a

utilidade desta doutrina satildeo vastiacutessimas para todo o uso dialeacutectico pois fornece mateacuteria

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 39

expedita para concretizar as divisotildees e as definiccedilotildees ao distinguir os Geacuteneros as

Espeacutecies e as Diferenccedilas De facto abrange todas as naturezas e todas as propriedades

para constituir a argumentaccedilatildeo sobre qualquer assunto

O tratado dos Predicados divide-se em trecircs partes A divisatildeo da obra faz-se em trecircs

partes a que vem antes dos predicados os predicados e a que vem depois dos

Predicados A primeira conteacutem quatro capiacutetulos A segunda que eacute a principal os cinco

seguintes A terceira e uacuteltima tanto na ordem como na utilidade e na dignidade tem

outros tantos no final

[PROEacuteMIO] AOS LIVROS DA INTERPRETACcedilAtildeO DE

ARISTOacuteTELES34

SOBRE O ESCOPO E O OBJECTIVO DESTA OBRA SOBRE A ORGANIZACcedilAtildeO O TIacuteTULO E OUTRAS

COISAS DESTE TIPO

Demonstra-se que o autor deste livro foi Aristoacuteteles Natildeo se deve dar muita

importacircncia a um tal Andronico de Rodes que Amoacutenio refere no prefaacutecio desta obra de

modo a que por causa dele se ponha em duacutevida o autor destes livros ndash se teraacute sido

Aristoacuteteles ou qualquer outro como o proacuteprio opina ndash dado que o modo grave de falar

bem como a delicadeza e austeridade do estilo revelam como autor o priacutencipe dos

Peripateacuteticos como consideraram S Tomaacutes Boeacutecio Amoacutenio e outros seus seguidores

Nem a razatildeo que se usa eacute mais importante do que quem a usa [Andronico] diz

que o autor desta obra no capiacutetulo 1 chama paixotildees aos conceitos e afirma tecirc-lo

explicado no livro Sobre a Alma o que Aristoacuteteles natildeo fez nesse lugar Mas natildeo leu os

textos 3 e 13 do primeiro livro Sobre a Alma onde se designa com o nome de paixotildees

as operaccedilotildees da alma nem o texto 155 e seguintes do livro I2 nos quais ensina

repetidamente que a imaginaccedilatildeo eacute uma paixatildeo e muitas vezes chama paixatildeo35 ao sentir

e ao inteligir Ainda que neste ponto natildeo tenha dito que explicou noutro lado de que

modo os conceitos satildeo paixotildees todavia os conceitos ou disposiccedilotildees satildeo esclarecidos

como fora estabelecido nos livros Sobre a Alma Por fim para que natildeo se possa

duvidar a passagem do livro 2 desta obra capiacutetulo 1 que trata das proposiccedilotildees do

34 Trad FM35 Pati

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 40

terceiro adjacente afirma que o proacuteprio autor tratou delas nas anaacutelises que tecircm lugar no

fim do primeiro livro dos Primeiros [Analiacuteticos] que eacute reconhecidamente aristoteacutelico

Portanto o autor destes livros depois de ter explicado os geacuteneros e o poder dos

vocaacutebulos simples no opuacutesculo das dez Categorias e de os ter classificado por ordem

orienta-se agora para a primeira composiccedilatildeo deste tipo de termos

Que ordem conserva Aristoacuteteles nestes livros Da Interpretaccedilatildeo Esta composiccedilatildeo ou

nexo como constitui uma enunciaccedilatildeo faz com que nestes livros disserte sobre a

enunciaccedilatildeo como se fosse uma mateacuteria subjacente Explora primeiro os seus

princiacutepios por assim dizer os seus constituintes elementares ou seja o nome e o verbo

Depois as espeacutecies que satildeo a afirmaccedilatildeo e a negaccedilatildeo Por fim as disposiccedilotildees ou

propriedades isto eacute as incompatibilidades e as oposiccedilotildees pelas quais as proposiccedilotildees

debatem entre si e as equivalecircncias pelas quais se associam mutuamente

Que razotildees parecem apontar o significativo como assunto desta obra Todavia

poder-se-aacute duvidar justamente se se deve constituir como assunto o significativo comum

ao Nome ao Verbo e ao Discurso Natildeo soacute porque Aristoacuteteles explica todas estas coisas

no capiacutetulo 1ordm o significativo no geral no 2ordm o Nome no 3ordm o Verbo no 4ordm o

Discurso que subdivide em Enunciaccedilatildeo etc Mas tambeacutem porque Boeacutecio e Alberto

Magno consideram que por vezes se chama interpretaccedilatildeo ao vocaacutebulo simples E natildeo

deixam de ter razatildeo pois por isso se diz que a interpretaccedilatildeo eacute sobre a enunciaccedilatildeo

porque divulga os conceitos internos da alma mas qualquer vocaacutebulo ainda que

simples indica um conceito latente como neste capiacutetulo ensina Aristoacuteteles Tambeacutem

noacutes na questatildeo 2 falaremos disso logo eacute correcto dizer-se interpretaccedilatildeo e estes livros

satildeo sobre a interpretaccedilatildeo no geral logo etc

Ora se se responder que sobre os vocaacutebulos simples se disputou no tratado dos

Predicados totalmente constituiacutedo para orientar a primeira operaccedilatildeo da mente e que

por isso natildeo se pode tratar neste lugar por si mesmo como mateacuteria proacutepria certamente

natildeo se poderaacute dar nenhuma razatildeo convincente pela qual se dispute de novo sobre o

mesmo assunto na presente obra ou pelo menos pela qual o Discurso natildeo seja o assunto

no geral visto que natildeo se trata noutro lado e requer uma investigaccedilatildeo proacutepria

A enunciaccedilatildeo eacute o assunto desta obra Deve todavia dizer-se partilhando a

opiniatildeo comum de S Tomaacutes de Amoacutenio de Simpliacutecio e de outros inteacuterpretes que nem

o vocaacutebulo simples nem o Discurso satildeo por si soacute o assunto desta obra Tambeacutem por

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 41

esta razatildeo porque este tratado estaacute entre os Predicados e os Analiacuteticos onde se disserta

sobre a primeira e a terceira operaccedilatildeo do intelecto Por isso a ordem regular postula que

se estabeleccedila este sobre a segunda mas nem o vocaacutebulo simples nem o Discurso satildeo

em si segunda operaccedilatildeo como demonstraremos no 4ordm capiacutetulo logo natildeo constituem

por si o assunto

Agrave conjectura produzida por Boeacutecio e Alberto ao considerarem que o vocaacutebulo

simples se pode designar interpretaccedilatildeo responde o mesmo Boeacutecio ldquoo tiacutetulo do livro eacute

mais universal do que o estudo mas esse natildeo eacute um impedimento de maiorrdquo Alexandre

afirma que se deve subentender interpretaccedilatildeo filosoacutefica Esta eacute sem duacutevida a posiccedilatildeo

de S Tomaacutes e de Amoacutenio ao ensinar que a interpretaccedilatildeo deve ser assumida como

Enunciaccedilatildeo apenas a que revela o parecer da alma De acordo com esta doutrina deve

negar-se que os vocaacutebulos simples e o Discurso natildeo enunciativo sejam interpretaccedilatildeo

porque embora revelem os conceitos todavia natildeo revelam os assentimentos e opiniotildees

que soacute podem ser designados por linguagem interna De onde se constata ser falso o que

se presumiu que o Discurso exige um tratamento particular pois natildeo eacute em si mesmo

uma operaccedilatildeo distinta da primeira

Por que razatildeo se disputa sobre os vocaacutebulos simples aqui nos livros dos

Predicados e nos Primeiros Analiacuteticos Poder-se-aacute entatildeo perguntar por que razatildeo se

volta de novo ao estudo dos simples concluiacutedo no livro dos Predicados S Tomaacutes daacute a

resposta na passagem em que afirma que a consideraccedilatildeo do Nome e do Verbo deve ser

tripla uma enquanto significam coisas simples outra porque satildeo partes a partir das

quais a Enunciaccedilatildeo se desenvolve a terceira pelo modo como se apresentam nos

silogismos como extremo maior ou menor ou como termo meacutedio Assim sendo S

Tomaacutes afirma que Aristoacuteteles nas Categorias dissertou sobre os vocaacutebulos simples

vistos do primeiro modo neste livro poreacutem trata-se deles perspectivados no segundo

modo e por essa razatildeo recebem a designaccedilatildeo de Nome e de Verbo Por fim nos livros

dos Primeiros Analiacuteticos deve disputar-se sobre eles quando considerados do terceiro

modo No estudo da Enunciaccedilatildeo foi entatildeo conveniente disputar sobre o Nome e o

Verbo na medida em que constroem essa mesma Enunciaccedilatildeo pois eacute um preceito do

proacuteprio Aristoacuteteles no livro 1 da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica capiacutetulo 1 ldquono iniacutecio de cada

ciecircncia deve-se transmitir os seus aspectos elementares bem como os do seu assuntordquo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 42

Que a Enunciaccedilatildeo eacute o assunto desta obra Ora tendo-se claramente constatado

que a Enunciaccedilatildeo eacute a mateacuteria destes livros permanece todavia um dissiacutedio seraacute apenas

a Enunciaccedilatildeo simples ou antes a Enunciaccedilatildeo no geral que compreende tanto a simples

como a complexa Alguns abraccedilam esta uacuteltima parte Primeiro porque Aristoacuteteles no

capiacutetulo 4 tambeacutem trata da complexa Segundo porque tem uma verdade e uma

qualidade proacuteprias que se devem explicar individualmente

Aristoacuteteles neste livro trata apenas da Enunciaccedilatildeo simples por si mesma Poreacutem eacute

mais provaacutevel a primeira posiccedilatildeo de Boeacutecio de S Tomaacutes e de Amoacutenio pois Aristoacuteteles

trata neste lugar da Enunciaccedilatildeo que haacute-de ser uacutetil posteriormente para a explicaccedilatildeo dos

silogismos mas Aristoacuteteles transmite apenas os categoacutericos logo natildeo explica aqui a

Enunciaccedilatildeo hipoteacutetica por si mesma sobretudo quando esta facilmente conduz aos

simples pelos quais eacute composta Ora se Aristoacuteteles se lembrou disso ao longo do

processo fecirc-lo por acaso e apenas na divisatildeo depois nada tratou sobre a complexa Mas

a sua verdade e qualidade (que objectava ao segundo lugar) eacute facilmente percebida a

partir da simples introduziu quanto eacute preciso para a disputa futura ora por uma ora por

outra para deduzir a demonstraccedilatildeo ao impossiacutevel como iraacute constar do capiacutetulo 1 livro

10 dos Posteriores

Tiacutetulo da obra O tiacutetulo do livro eacute περὶ ερμηνείας isto eacute Da Interpretaccedilatildeo

Ora a designaccedilatildeo de lsquoInterpretaccedilatildeorsquo segundo aprendemos com S Tomaacutes Escoto

Alberto Amoacutenio e Alexandre significa natildeo soacute o vocaacutebulo simples mas a Enunciaccedilatildeo

Todavia Aristoacuteteles rejeita o Discurso optativo vocativo e depreciativo porque

indicam mais um afecto da alma do que um pensamento e por isso como se atesta no

capiacutetulo 4 pertencem aos Oradores natildeo aos Loacutegicos que se apresentam apenas como

investigadores da verdade Do que foi dito facilmente qualquer um poderaacute perceber

que quando Aristoacuteteles progride do Nome e do Verbo para a Enunciaccedilatildeo e depois da

Enunciaccedilatildeo para o silogismo conserva tanto a ordem da natureza como do

ensinamento Da natureza porque avanccedila das partes que satildeo mais antigas na origem e

na natureza em direcccedilatildeo ao todo Do ensinamento porque a noccedilatildeo das partes eacute

necessaacuteria para a compreensatildeo absoluta do todo

Estrutura da obra Esta obra para os gregos compreende apenas um livro

para os Latinos tem dois A sua doutrina divide-se entre o prefaacutecio e o proacuteprio tratado

O prefaacutecio apresenta uma espeacutecie de suacutemula dos aspectos que devem ser tratados e estaacute

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 43

contido no primeiro capiacutetulo O tratado ocupa a parte restante dissertando

paulatinamente sobre cada aspecto De facto no iniacutecio eacute sobre as partes da Enunciaccedilatildeo

depois sobre a proacutepria Enunciaccedilatildeo suas disposiccedilotildees quantidade qualidade e oposiccedilatildeo

que investiga especialmente nas proposiccedilotildees sobre o acontecimento futuro Estas

questotildees ocupam por completo o livro primeiro O segundo dedica-se agrave explicaccedilatildeo das

Enunciaccedilotildees Absolutas e Modais a maior parte das quais iremos remeter para o livro

dos Princiacutepios

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO DA INTERPRETACcedilAtildeO36

O que tratou no primeiro livro e o que vai tratar no segundo A obra Da

Interpretaccedilatildeo para os Gregos eacute soacute uma dividida em trecircs secccedilotildees das quais esta eacute a

uacuteltima para os Latinos divide-se em dois livros no primeiro dos quais Aristoacuteteles

tratou da enunciaccedilatildeo simples e das suas partes recordando o geacutenero as propriedades e

algumas divisotildees Neste segundo livro introduz outras divisotildees dessa mesma

enunciaccedilatildeo simples Para que estas sejam evidentes segundo o proacuteprio Aristoacuteteles no

capiacutetulo 2 do primeiro livro dos Primeiros Analiacuteticos eacute preciso saber que de entre as

enunciaccedilotildees simples algumas satildeo absolutas as quais se designam lsquosobre o serrsquo porque

nada ensinam a natildeo ser que o predicado estaacute no sujeito como lsquoo homem eacute justo o

homem natildeo eacute justorsquo e que outras satildeo modais como acontece a lsquoo homem estaacute sentadorsquo

As simples sobre o ser transmitidas sem divisotildees no livro primeiro podem ser

repartidas de dois modos

Quais satildeo as enunciaccedilotildees infinitas e quais as finitas Primeiro em infinitas e finitas as

infinitas satildeo define Aristoacuteteles as que satildeo constituiacutedas por um nome infinito (entenda-

se ou por um verbo independentemente do que os Lovanienses reclamam com Boeacutecio)

por exemplo lsquoo homem eacute natildeo justorsquo ou lsquonatildeo homem eacute justo as finitas satildeo as que nada

tecircm de infinito como lsquoo homem eacute justorsquo lsquoo homem natildeo eacute justorsquo Segundo em

enunciaccedilotildees de extremo complexo como lsquoSoacutecrates eacute um homem justorsquo e de extremo

natildeo complexo ou como dizem dividido tais como lsquo Soacutecrates eacute homem Soacutecrates eacute

justorsquo Aristoacuteteles portanto nos dois primeiros capiacutetulos deste livro disserta sobre as

proposiccedilotildees do ser segundo uma e outra divisatildeo No terceiro sobre as modais No

quarto responde a uma duacutevida levantada pelo que foi dito S Tomaacutes Alberto e outros

36 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 44

inteacuterpretes natildeo consideram que estas condiccedilotildees finito e infinito complexo e diviso etc

sejam diferenccedilas que dividam a enunciaccedilatildeo mas acidentes que modificam o predicado

ou o sujeito ou o verbo embora entendam que natildeo satildeo diferenccedilas essenciais natildeo

negam que sejam acidentais o que para noacutes eacute suficiente Pareceu-nos bem apresentaacute-las

entatildeo de acordo com as divisotildees para que este ensinamento seja consentacircneo com

aquele que se transmite no terceiro livro dos Princiacutepios desta Academia

COMENTAacuteRIOS AOS LIVROS DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA

SOBRE OS PRIMEIROS ANALIacuteTICOS 37

SOBRE O TIacuteTULO O ASSUNTO A DIVISAtildeO E A ORGANIZACcedilAtildeO DESTES LIVROS

Nota acerca do tiacutetulo Estes dois livros e os outros dois que se seguem satildeo

designados por Aristoacuteteles com o nome comum de ἄναλυτικὰ isto eacute lsquoanaliacuteticosrsquo ou

lsquolivros analiacuteticosrsquo como se constata a partir do capiacutetulo 1 do livro 2 Da Interpretaccedilatildeo

bem como do capiacutetulo 2 do livro 1 dos Elencos do 3ordm do livro 6 da Eacutetica a Nicoacutemaco e

do 12ordm do livro 7 da Metafiacutesica aleacutem de outras passagens Distinguem-se entatildeo entre

si porque os dois primeiros intitulam-se ἄναλυτικῶν προτέρων isto eacute lsquodos primeiros

analiacuteticosrsquo ou lsquoda primeira anaacutelisersquo E os outros dois ἄναλυτικῶν ύστέρων isto eacute lsquodos

segundos analiacuteticosrsquo ou lsquo da segunda anaacutelisersquo

No entanto esta distinccedilatildeo do tiacutetulo natildeo parece ter sido aplicada por Aristoacuteteles

mas pelos seus inteacuterpretes como notou Galeno no livro em que faz uma recensatildeo das

suas obras De facto Aristoacuteteles quando faz menccedilatildeo destes livros em separado chama

aos dois primeiros lsquodo raciociacuteniorsquo e aos segundos lsquoda demonstraccedilatildeorsquo como se torna

evidente no primeiro dos Segundos Analiacuteticos capiacutetulo 3

O que eacute a Anaacutelise Ora para que se entenda qual a razatildeo deste tiacutetulo dever-se-aacute ter em

conta que segundo Aristoacuteteles no livro III da Fiacutesica capiacutetulo 5 texto 45 bem como

Alexandre e Filoacutepono no mesmo ponto a anaacutelise nada eacute senatildeo a reconversatildeo de alguma

coisa agraves suas partes ou princiacutepios como quando uma casa eacute decomposta nas pedras

madeiras cal e restantes mateacuterias com que foi construiacuteda se natildeo de verdade pelo

menos pela mente e pela cogitaccedilatildeo E quando a geraccedilatildeo eacute dividida em mateacuteria privaccedilatildeo

e forma

37 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 45

Dois tipos de reconversatildeo Ora esta reconversatildeo eacute variada e largamente

evidente nos ensinamentos como verificaram S Damasceno no capiacutetulo 1 da sua

Filosofia Filoacutepono nesta obra Eustraacutecio no iniacutecio do livro II dos Segundos Os

dialeacutecticos poreacutem transmitem dois geacuteneros que lhe satildeo proacuteprios e peculiares um da

consequecircncia a que Eustraacutecio chama silogiacutestico o outro do consequente

O que eacute a anaacutelise da consequecircncia A anaacutelise da consequecircncia eacute a reduccedilatildeo da

consequecircncia aos seus princiacutepios Ora os princiacutepios da consequecircncia satildeo os termos e as

proposiccedilotildees adequada e congruentemente colocados segundo a forma para inferir algo

Dissolver a consequecircncia eacute mostrar a sua qualidade E assim dizemos entatildeo

que decompomos a consequecircncia quando demonstramos a sua qualidade porque eacute

constituiacuteda pelos termos e proposiccedilotildees adequadamente dispostos pelas regras da arte e

segundo os modos e figuras para tirar conclusotildees

O que eacute a anaacutelise do consequente Quais os princiacutepios do consequente A anaacutelise do

consequente eacute a reduccedilatildeo do consequente aos seus princiacutepios Na verdade os princiacutepios

do consequente satildeo os termos e as proposiccedilotildees com conclusatildeo que se produzem quando

estatildeo devidamente associadas e coerentes segundo a mateacuteria Logo dir-se-aacute que

decompotildee o consequente quem por exemplo demonstrar que a conclusatildeo inferida se

deduz dos princiacutepios que contecircm em si a causa da verdade da conclusatildeo

Decompor o consequente eacute demonstrar a conclusatildeo inferida dos princiacutepios

verdadeiros De onde se compreende que a Dialeacutectica natildeo soacute decompotildee a ponto de se

deter na descoberta e observaccedilatildeo das partes como julga acerca de todos os assuntos e

pondera a sua exactidatildeo do mesmo modo que os pedreiros medem os comprimentos da

obra com reacutegua e fio de prumo as alturas com o niacutevel e os acircngulos com o esquadro

Por que se designam livros analiacuteticos Ora como estes quatro livros expotildeem a

doutrina das duas anaacutelises satildeo designados lsquoanaliacuteticosrsquo ou lsquoda decomposiccedilatildeorsquo Os

primeiros satildeo sobre a primeira decomposiccedilatildeo os outros dois sobre a segunda porque

nuns se trata da decomposiccedilatildeo da consequecircncia que eacute anterior e nos outros da

decomposiccedilatildeo do consequente que vem depois para que de facto a verdade e a ilaccedilatildeo

do consequente se mostre como deve ser conveacutem que primeiro se constante a qualidade

da consequecircncia

Por que eacute estes livros se designam lsquosobre a decomposiccedilatildeorsquo Todavia poderaacute

algueacutem perguntar e com razatildeo tendo em conta que nestes livros natildeo soacute se ensina a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 46

decomposiccedilatildeo mas tambeacutem a composiccedilatildeo e a estrutura a que os gregos chamam

σύνθησις por que razatildeo o seu nome foi dado preferencialmente a partir da

decomposiccedilatildeo e natildeo da composiccedilatildeo Respondemos que a causa eacute o facto de as partes

que constituem o silogismo e a demonstraccedilatildeo chegarem de forma mais distinta agrave

observaccedilatildeo da mente atraveacutes da decomposiccedilatildeo porque se escondem na proacutepria

composiccedilatildeo por estarem agrupadas e misturadas E depois porque eacute mais faacutecil

completar um raciociacutenio do que dividir um jaacute feito nos vaacuterios elementos a partir dos

quais se desenvolveu o primeiro processo faz-se muitas vezes pelo engenho o outro

natildeo se faz senatildeo pelos preceitos E assim quem sabe decompor sabe tambeacutem compor

mas natildeo o contraacuterio como dissemos na introduccedilatildeo com o apoio de Eustraacutecio

Primeira posiccedilatildeo sobre o assunto destes livros No que diz respeito ao assunto

destes livros haveraacute talvez quem considere com Clichthove e Marsiacutelio que eacute a

argumentaccedilatildeo porque neles se disserta sobre todas as suas partes nomeadamente do

Raciociacutenio do Entimema da Induccedilatildeo e do Exemplo

Segunda Outros haveraacute que com Averroacuteis e Alexandre pensem que eacute a demonstraccedilatildeo

porque Aristoacuteteles no iniacutecio deste primeiro livro promete que vai tratar da

demonstraccedilatildeo

A terceira que eacute a verdadeira ensina que eacute o silogismo simples Todavia deve abraccedilar-

se a posiccedilatildeo de Alberto Magno de Egiacutedio de Filoacutepono dos comentadores de Lovaina e

de outros inteacuterpretes que acreditam que o assunto atribuiacutedo aos Primeiros analiacuteticos eacute o

silogismo simples apreciado segundo a forma isto eacute sem considerar nenhuma razatildeo de

alguma mateacuteria particular em que se desenvolva e de facto nestes livros trata-se destas

coisas de acordo com o objectivo instituiacutedo e natildeo se disserta sobre o entimema nem

sobre outras partes da argumentaccedilatildeo a natildeo ser por causa do silogismo

Haacute dois tipos de silogismos Dissemos o silogismo simples e natildeo um qualquer

porque como haacute dois tipos de silogismos ndash um simples constituiacutedo a partir de

enunciaccedilotildees simples e outro hipoteacutetico que eacute formado pelas complexas e associadas ndash

Aristoacuteteles tratou apenas o primeiro tipo e natildeo o segundo pelo menos natildeo

separadamente nas obras conhecidas ateacute agora mas de passagem nos Toacutepicos ao

explicar os lugares pelos antecedentes e consequentes e pela comparaccedilatildeo como se pode

ver no segundo e no terceiro livros desta obra Ora Teofrasto e Eudemo Peripateacuteticos

escreveram algo sobre este silogismo e foram imitados por Boeacutecio Filoacutepono tambeacutem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 47

neste livro nos comentaacuterios ao capiacutetulo 22 aflora sumariamente o que tinha sido

transmitido por eles sobre o mesmo assunto Alguns aspectos refere tambeacutem Dioacutegenes

Laeacutercio na Vida de Zenatildeo Ciacutetio cujos alunos colocaram muito empenho neste tipo de

silogismos

Qual eacute o principal assunto destes livros e por que se adequa Nada obsta agrave

nossa posiccedilatildeo sobre o assunto destes livros o que Aristoacuteteles diz na primeira abordagem

desta obra sobre a intenccedilatildeo de tratar da demonstraccedilatildeo Faacute-lo por isto para mostrar que

o principal assunto ao qual a doutrina das duas anaacutelises se refere como escopo eacute a

demonstraccedilatildeo o que natildeo impede que o principal mas tambeacutem o assunto particular

destes dois livros seja o raciociacutenio como ele proacuteprio indicou claramente no capiacutetulo 4

do livro 1 onde anuncia que vai tratar do raciociacutenio E se algueacutem objectar que o

silogismo eacute o assunto de toda a Dialeacutectica conforme foi transmitida por Aristoacuteteles e

que por isso natildeo pode ser o assunto atribuiacutedo a estes livros responder-se-aacute que o

silogismo pode ser entendido de dois modos ou segundo a forma e a mateacuteria em

simultacircneo ndash e considerando em particular que esta eacute demonstrativa provaacutevel sofiacutestica

apoacutecrifa ou segundo a forma e a mateacuteria passiacutevel de ser provada mas no geral e sem

avaliar nenhuma em particular Na primeira acepccedilatildeo o silogismo eacute assunto de toda a

Dialeacutectica aristoteacutelica Na segunda poreacutem apenas destes livros

SOBRE A ORGANIZACcedilAtildeO E A DIVISAtildeO DESTES LIVROS

Apresenta-se a opiniatildeo dos modernos A Dialeacutectica estaacute distribuiacuteda em trecircs

partes segundo os Estoacuteicos Sobre o lugar que estes livros reivindicam entre os

restantes segundo a organizaccedilatildeo do ensino haacute um dissiacutedio Isto porque alguns dos

filoacutesofos modernos consideram que os Primeiros Analiacuteticos natildeo antecedem os Toacutepicos

levados pelo argumento de que a Dialeacutectica segundo a posiccedilatildeo dos Estoacuteicos que os

Peripateacuteticos natildeo desmentem se distribui em inuentio iudicium e dispositio A inuentio

eacute por natureza anterior agrave dispositio como atesta Marco Tuacutelio nos Toacutepicos E

demonstra-o com um exemplo da Arquitectura Se algueacutem decide construir uma casa

comeccedila por preparar as pedras as madeiras a cal e outros materiais deste tipo depois

de trabalhadas todas estas coisas e polidas pela arte reuacutene-as adequadamente entre si e

coloca cada uma no seu lugar Ora a inuentio eacute semelhante agravequela primeira preparaccedilatildeo

da futura obra e a dispositio agrave sua adequada construccedilatildeo E por isso tendo Aristoacuteteles

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 48

estudado a inuentio nos livros dos Toacutepicos e a dispositio nos Analiacuteticos parece que os

Toacutepicos devem explicar-se antes dos Analiacuteticos de acordo com a convencionada ordem

da disciplina

Rejeita-se a posiccedilatildeo anterior No entanto natildeo se pode admitir esta opiniatildeo

Mais precisamente que a inuentio eacute anterior ao iudicium e agrave dispositio isto deve

entender-se apenas quando estas duas partes versam sobre uma uacutenica e mesma coisa o

que na mateacuteria tratada natildeo acontece De facto a inventio nos Toacutepicos e a dispositio nos

Analiacuteticos natildeo dizem respeito agrave mesma coisa visto que nos Toacutepicos se explica somente

a inuentio dos argumentos provaacuteveis como se torna evidente no desenvolvimento dessa

obra nos Primeiros Analiacuteticos transmite-se indiscriminadamente a dispositio ou a

colocaccedilatildeo de todos os argumentos segundo a forma No entanto como notou Boeacutecio

nos Toacutepicos de Ciacutecero quando se divide a Dialeacutectica em razatildeo da definiccedilatildeo da divisatildeo

e da argumentaccedilatildeo em qualquer uma destas partes a inuentio e o iudicium tecircm lugar E

natildeo eacute uma qualquer acumulaccedilatildeo dos conceitos que produz a definiccedilatildeo a divisatildeo e a

argumentaccedilatildeo mas tem de ser determinada e constrangida por determinadas leis E

assim conveacutem investigar primeiro e inventariar as partes da definiccedilatildeo e depois dispocirc-

las adequadamente o que acontece de forma semelhante na divisatildeo e na argumentaccedilatildeo

Nestes livros estatildeo contidos simultaneamente a inuentio e o iudicium

Certamente nos Analiacuteticos e nos Toacutepicos natildeo eacute soacute a inuentio nem soacute a dispositio mas

satildeo ambas que se transmitem abertamente Pois Aristoacuteteles estuda na primeira secccedilatildeo

dos Primeiros Analiacuteticos a estrutura das figuras e os modos dos silogismos que

pertencem agrave dispositio e ao iudicium na segunda a inuentio geral do argumento ou do

meio e na terceira de novo o iudicium jaacute do raciociacutenio constituiacutedo De igual modo no

livro 1 dos Segundos Analiacuteticos disserta sobre a composiccedilatildeo e o iudicium da

demonstraccedilatildeo e no segundo sobre a inuentio da definiccedilatildeo que eacute meio da demonstraccedilatildeo

E nos Toacutepicos quer no 1ordm quer no 8ordm livro investiga a dispositio e nos restantes seis a

inuentio Em relaccedilatildeo a isto embora a inuentio seja anterior agrave dispositio no costume da

arte ndash pois conveacutem inventariar antes e depois dispor o que foi inventariado ndash todavia

natildeo eacute preciso que se ensine sempre primeiro a inuentio Acontece por vezes transmitir-

se antes a dispositio naturalmente quando a inuentio natildeo pode ser perfeitamente

inteligida sem a noccedilatildeo preacutevia da dispositio Este meacutetodo de ensino seguiu Aristoacuteteles na

maior parte dos dois livros Analiacuteticos como se constata do que foi dito

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 49

Quem pensa que a disputa dos Toacutepicos eacute anterior agrave dos Analiacuteticos Por isso

alguns Dialeacutecticos modernos assumindo o argumento pela precedecircncia da inuentio

provam erradamente que a disputa dos Toacutepicos eacute anterior agrave dos Analiacuteticos e natildeo tecircm

uma opiniatildeo correcta Pois postula a razatildeo da doutrina exacta como adverte Aristoacuteteles

no capiacutetulo 4 deste livro bem como no iniacutecio da Fiacutesica e no primeiro livro das Partes

dos animais capiacutetulo 4 que noacutes progredimos do mais comum para o menos comum e

dos geacuteneros para a espeacutecie Esta razatildeo da ciecircncia que se deve ensinar comprova-a

Soacutecrates no Fedro de Platatildeo e diz que foi transmitida por Hipoacutecrates como tinha

recomendado anteriormente no livrinho Da Natureza humana E por isso tendo tratado

nestes dois livros do raciociacutenio dialeacutectico que eacute dessa espeacutecie daiacute resulta que esta

disputa deva ser lanccedilada antes dos Toacutepicos

Transmite-se a posiccedilatildeo verdadeira E assim esta obra vem depois dos livros

Da Interpretaccedilatildeo e imediatamente antes dos livros dos Segundos Analiacuteticos porque

depois da explicaccedilatildeo dos conceitos simples e dos enunciados a partir dos quais se

constitui o raciociacutenio simples eacute o que se segue para que se dispute do silogismo

simples e sucede a esta disputa o tratado analiacutetico da demonstraccedilatildeo que eacute a espeacutecie

mais importante do silogismo simples

Sobre o nuacutemero dos livros Analiacuteticos Filoacutepono nesta obra e Mirandula no

livro 4 De examine uanitatis capiacutetulo 4 referem terem existido quarenta livros

analiacuteticos sob o nome de Aristoacuteteles descobertos outrora na Biblioteca de Filadelfo

Ptolomeu rei do Egipto Consta que teriam sido naturalmente compostos por Eudemo

Teofrasto e Facircnias por imitaccedilatildeo do seu mestre Aristoacuteteles alguns livros sobre as

Categorias e a interpretaccedilatildeo bem como analiacuteticos De entre eles eacute provaacutevel que muitos

tenham sido apresentados ao rei com a esperanccedila de obter lucros sob o tiacutetulo de

Aristoacuteteles para aumentar a magnificecircncia da sua copiosa biblioteca Laeacutercio na Vida

de Aristoacuteteles enumera nove livros dos Primeiros Analiacuteticos para aleacutem de dois sobre o

silogismo Na verdade o cataacutelogo de Laeacutercio natildeo corresponde satisfatoriamente aos

livros de Aristoacuteteles que chegaram ateacute noacutes Ora bem no que diz respeito aos que temos

sobre a mateacuteria tratada nos primeiros dois ndash que Alexandre Filoacutepono Galeno e outros

inteacuterpretes esclareceram com comentaacuterios ndash estaacute contida a doutrina da primeira anaacutelise

e no primeiro para falarmos em traccedilos gerais Aristoacuteteles disserta sobre a natureza do

raciociacutenio No segundo revela as suas faculdades bem como as disposiccedilotildees e os viacutecios

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 50

que nelas se encontram Quatildeo grande eacute de facto a necessidade desta arte atesta-o

Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica capiacutetulo 4 texto 9 quando chama ao seu

desconhecimento απαιδευσία por excelecircncia isto eacute lsquorudeza ou ignoracircnciarsquo

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO DOS PRIMEIROS ANALIacuteTICOS DE

ARISTOacuteTELES38

Os Analiacuteticos como algumas outras obras de Aristoacuteteles estatildeo divididos em

secccedilotildees Mas a divisatildeo em capiacutetulos natildeo eacute da responsabilidade de Aristoacuteteles nem dos

inteacuterpretes gregos Portanto se tivermos em atenccedilatildeo as secccedilotildees a que Aristoacuteteles chama

στῆματα este livro conteacutem trecircs secccedilotildees

Divisatildeo dos Analiacuteticos em secccedilotildees Na primeira depois de transmitido o objectivo

principal bem como a mateacuteria de toda a disciplina da decomposiccedilatildeo e lanccedilados os seus

fundamentos explica-se por que artifiacutecio se deve construir o raciociacutenio tanto a partir

das proposiccedilotildees sobre o ser como das modais Na segunda ensina-se de que modo se

descobre o meio para raciocinar Na terceira de que forma os silogismos construiacutedos

para uma determinada figura e modo devem ser decompostos e examinados

Sua divisatildeo em capiacutetulos Se pelo contraacuterio olharmos para os capiacutetulos do primeiro ateacute

ao vigeacutesimo primeiro inclusive trata-se da referida estrutura e composiccedilatildeo dos

silogismos Do vigeacutesimo primeiro ao trigeacutesimo segundo inclusive transmite-se a razatildeo

para descobrir o meio e preparar a abundacircncia de proposiccedilotildees para raciocinar Do

trigeacutesimo segundo ao quadrageacutesimo segundo que eacute o uacuteltimo capiacutetulo deste livro

disserta-se sobre a decomposiccedilatildeo e o exame dos silogismos E nestes quarenta e dois

capiacutetulos dividiu Boeacutecio o primeiro livro que outros dispuseram em menos

COMENTAacuteRIOS AOS LIVROS DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA SOBRE OS

SEGUNDOS ANALIacuteTICOS39

TIacuteTULO E MEacuteTODO DESTES LIVROS ETC

O que havia para explicar neste ponto sobre o tiacutetulo e o meacutetodo destes livros

consta claramente dos aspectos que aprofundaacutemos no iniacutecio dos livros dos Primeiros

38 Trad FM39 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 51

Analiacuteticos e a partir daiacute qualquer um poderaacute facilmente compreender qual eacute a mateacuteria

subjacente a esta obra

A anaacutelise eacute dupla Qual diz respeito a este livro Na verdade como a anaacutelise eacute dupla ndash

uma relativa agrave forma a outra agrave mateacuteria ndash e como a primeira foi tratada naquele lugar daiacute

resulta que a outra tenha sido reservada para este livro

A mateacuteria subjacente a esta obra eacute o silogismo demonstrativo Assim sendo Aristoacuteteles

ensina nestes livros a desfazer e decompor o silogismo na mateacuteria natildeo numa qualquer

mas na mais importante de todas a que eacute necessaacuteria e demonstrativa por isso se torna

evidente que o assunto destes livros eacute o silogismo demonstrativo cuja anaacutelise se transmite

nele em particular como eacute posiccedilatildeo comum dos inteacuterpretes Gregos e Latinos e tambeacutem do

proacuteprio Aristoacuteteles no livro 1 dos Primeiros capiacutetulo 4 onde afirma que o seu propoacutesito

eacute tratar da demonstraccedilatildeo nesta obra

Argumenta-se que o assunto eacute tambeacutem a definiccedilatildeo Todavia Averroacuteis neste

local bem como o Lincolniense seguindo Alexandre e Teofrasto pensam que nestes

livros natildeo se considera apenas a demonstraccedilatildeo mas tambeacutem a definiccedilatildeo em si mesma e

de tal modo que a sua mateacuteria conteacutem natildeo soacute a demonstraccedilatildeo mas tambeacutem a definiccedilatildeo

O que tambeacutem se pode confirmar pelo facto de no segundo livro desta obra Aristoacuteteles

tratar da inventio da definiccedilatildeo E aleacutem disso porque como a definiccedilatildeo faz parte do

modo de dissertar esse estudo pertenceraacute ao Loacutegico ora uma vez que Aristoacuteteles em

nenhum lugar para aleacutem do referido dissertou sobre essa mateacuteria conclui-se que o

assunto desta obra compreende natildeo soacute a demonstraccedilatildeo como tambeacutem a definiccedilatildeo em si

mesma Natildeo teraacute ecircxito quem responder que a definiccedilatildeo pertence agrave doutrina dos Toacutepicos

pois Aristoacuteteles natildeo ensina a construir a definiccedilatildeo nos Toacutepicos mas examina-a jaacute

construiacuteda como notou Alexandre no mesmo lugar

Defende-se a verdadeira posiccedilatildeo e responde-se ao fundamento da outra Ora

estes argumentos nada produzem contra a posiccedilatildeo que aprovaacutemos Pois em relaccedilatildeo ao

primeiro deve dizer-se com Eustraacutecio no iniacutecio do livro segundo desta obra e Egiacutedio

no proeacutemio do primeiro livro dos Primeiros Analiacuteticos que Aristoacuteteles no lugar citado

natildeo pretendeu40 por princiacutepio tratar da definiccedilatildeo mas apenas da demonstraccedilatildeo Em

relaccedilatildeo ao segundo haacute quem responda que Aristoacuteteles natildeo quis escrever separadamente

40 Obseruit parece forma de obseruire que o dicionaacuterio natildeo regista Talvez corruptela de obseruare ou seruire

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 52

sobre a definiccedilatildeo por ter considerado que nela havia menos dificuldade e assim

dedicou-se por completo agrave argumentaccedilatildeo e ao esclarecimento das suas partes

Obras em que Aristoacuteteles teraacute tratado da definiccedilatildeo Todavia parece-nos provaacutevel a

posiccedilatildeo de Alberto Magno no primeiro tratado da sua Loacutegica capiacutetulo 5 quando

pondera que esta parte da Dialeacutectica natildeo foi negligenciada nem esquecida por

Aristoacuteteles mas sacrificada pela injuacuteria dos tempos e que sobre ela teriam existido

escritos da sua autoria certamente registados no cataacutelogo em que estatildeo os livros da

Loacutegica editados por Aristoacuteteles entre os que natildeo satildeo conhecidos enumeram-se cinco

livros das definiccedilotildees e um livro das divisotildees que talvez contivessem essa doutrina

Qual eacute a ordem destes livros em relaccedilatildeo aos outros dialeacutecticos Sobre a ordem

destes livros natildeo deixam de discutir os inteacuterpretes Pois para natildeo repetir o que

escrevemos no iniacutecio dos Primeiros sobre essa questatildeo Filoacutepono e Avicena que Averroacuteis

recorda no proacutelogo deste livro pensam que os Toacutepicos devem ser interpostos entre os

livros da primeira e estes da segunda decomposiccedilatildeo O que Filoacutepono justifica alegando

que tal como a mente se dispotildee e se prepara para o conhecimento demonstrativo e para a

ciecircncia com os argumentos mais provaacuteveis assim a doutrina dos provaacuteveis que se

transmite nos Toacutepicos se deve explicar antes da demonstrativa O mesmo confirma

Avicena com este fundamento deve avanccedilar-se dos mais comuns para os menos comuns

mas os provaacuteveis de que se trata nos Toacutepicos satildeo mais comuns do que os demonstrativos

que se explicam nesta obra pois afirma todos os demonstrativos satildeo provaacuteveis mas natildeo

o contraacuterio logo os Toacutepicos devem antepor-se a estes livros

Estes livros precedem os Toacutepicos Deve todavia defender-se a opiniatildeo

contraacuteria que Alexandre segue no primeiro dos Elencos capiacutetulo quarto bem como

Alberto Magno no primeiro tratado deste livro capiacutetulo primeiro e ainda Algazel e

Alfarabi como atesta o proacuteprio Alberto no capiacutetulo segundo do mesmo tratado S

Tomaacutes e Averroacuteis no proeacutemio deste livro bem como outros Autores asseveram que

estes livros estatildeo proximamente ligados aos que tratam da primeira decomposiccedilatildeo O

que demonstra suficientemente a sequecircncia da doutrina e se pode concluir de

Aristoacuteteles no livro 1 dos Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo 4 onde disse ter estabelecido

para si mesmo estudar a fundo a demonstraccedilatildeo No entanto conveacutem comeccedilar pelo

silogismo porque se deve explicar primeiro o que eacute mais comum e depois o que eacute

menos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 53

Responde-se aos fundamentos dos outros Ao argumento de Filoacutepono deve

responder-se que embora para se provar algo se admita primeiro as razotildees provaacuteveis se

elas forem suficientes e depois se costume de facto apresentar as demonstrativas todavia

as coisas datildeo-se de outro modo no ensino da disciplina do silogismo demonstrativo e

provaacutevel quando a razatildeo do meacutetodo e a ordem como consta do que jaacute foi dito pedem que

dissertemos primeiro sobre umas e depois sobre as outras Ao argumento de Avicena deve

conceder-se o que assume mas negar-se que os provaacuteveis como mais comuns contecircm em

si os demonstrativos pois satildeo elementos opostos entre si como se torna evidente da

divisatildeo do silogismo em Demonstrativo e Dialeacutectico Apoacutecrifo e Sofiacutestico a partir dos

quais se constitui o dialeacutectico dos provaacuteveis e o demonstrativo dos necessaacuterios e assim

natildeo os provaacuteveis mas os probatoacuterios isto eacute aptos e idoacuteneos para comprovar mostram-se

mais abrangentes que os demonstrativos porque estes requerem uma mateacuteria determinada

e definitiva sem duacutevida necessaacuteria e os outros existem indiscriminadamente em relaccedilatildeo a

toda a mateacuteria pela qual se pode provar alguma coisa

Quando se deve comeccedilar pelos mais comuns Porque se algueacutem chamar mais

comuns na questatildeo proposta agravequeles por assim dizer comuns de direito que circulam

pela maioria ou por quase todas as ciecircncias e que deste modo se consideram os

provaacuteveis entatildeo teraacute de se contestar que se deve comeccedilar pelos que se dizem mais

comuns neste sentido Na verdade quando Hipoacutecrates Platatildeo Aristoacuteteles e outros

Filoacutesofos afirmam que noacutes devemos comeccedilar pelos mais comuns chamam mais comuns

agravequeles que ao predicar se mostram mais abrangentes e natildeo aos que por qualquer outro

modo servem para vaacuterias disciplinas

Maacutexima importacircncia deste tratado entre os escritos dialeacutecticos Entatildeo tendo

avaliado a nobreza da doutrina principalmente por duas razotildees que satildeo a importacircncia e a

veracidade da mateacuteria abordada como ensina Aristoacuteteles no iniacutecio dos livros Sobre a

Alma se considerarmos a primeira causa eacute evidente que esta parte da Loacutegica deve ser

anteposta agraves restantes como Alberto Magno adverte no primeiro capiacutetulo deste livro visto

que entre os restantes modos de dissertar o silogismo obteacutem o lugar principal e entre os

silogismos a demonstraccedilatildeo pois o necessaacuterio e o demonstrativo satildeo muito mais nobres do

que o provaacutevel Daiacute que Ptolomeu no primeiro do Almagesto recomende que natildeo

procuremos os provaacuteveis mas os demonstrativos que satildeo invariaacuteveis e perpeacutetuos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 54

Tambeacutem em funccedilatildeo da segunda causa esta parte da Dialeacutectica obteacutem grande dignidade

pois eacute sobre a mateacuteria estaacutevel e determinada tal como a natureza da demonstraccedilatildeo

Mas Aristoacuteteles cultivou-a de forma tatildeo subtil e apurada que Alexandre de

Afrodiacutesia teraacute dito justamente que ele ensinou a demonstrar demonstrando Todavia

Temiacutestio no proeacutemio da sua Paraacutefrase a este livro lamenta a obscuridade desta obra

pois geralmente ndash diz ndash todos os escritos de Aristoacuteteles quanto agrave composiccedilatildeo se

encontram por assim dizer cobertos e repletos de um certo fumo o que se percebe

sobretudo nesta obra tanto por causa do proacuteprio tipo de elocuccedilatildeo que aqui (porventura

em qualquer parte) eacute o mais conciso e preciso possiacutevel como por causa dos capiacutetulos

que parecem dispostos sem qualquer ordenaccedilatildeo

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO DOS SEGUNDOS ANALIacuteTICOS DE

ARISTOacuteTELES41

Na demonstraccedilatildeo podemos observar quatro aspectos principais mateacuteria

forma fim e meio de demonstrar sobre o uacuteltimo disserta o Filoacutesofo no livro seguinte

neste livro estuda os trecircs primeiros pela mesma ordem com que os apresentaacutemos

Disposiccedilatildeo do primeiro livro E assim do primeiro capiacutetulo ateacute ao deacutecimo explica a

mateacuteria da demonstraccedilatildeo Do undeacutecimo ateacute ao 22ordm expotildee qual a figura mais adequada agrave

demonstraccedilatildeo Do capiacutetulo 23ordm ateacute ao fim do livro disputa longamente sobre a ciecircncia

que eacute o efeito e o fim da demonstraccedilatildeo e ora compara as ciecircncias entre si ora com os

outros haacutebitos da alma Aleacutem do mais porque nos artefactos tanto a mateacuteria como a

forma se adaptam ao mesmo fim explica brevemente no iniacutecio do livro de que tipo

seraacute a ciecircncia que eacute o fim da demonstraccedilatildeo

PROEacuteMIO AO LIVRO SEGUNDO DOS SEGUNDOS ANALIacuteTICOS DE

ARISTOacuteTELES42

Posiccedilotildees vaacuterias sobre a mateacuteria deste livro Relativamente ao intuito de

Aristoacuteteles neste livro nem todos tecircm igual parecer pois Teofrasto e Alexandre

acreditam que a definiccedilatildeo se apresentou como escopo a Aristoacuteteles pelo facto de ser um

41 Trad FM42 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 55

outro modo de conhecer pela demonstraccedilatildeo que conveacutem explicar em si mesma S

Tomaacutes acredita que a mateacuteria eacute o princiacutepio da demonstraccedilatildeo como se abstrai do simples

e do complexo e eacute conduzido por esse argumento que o Filoacutesofo disserta no uacuteltimo

capiacutetulo sobre os princiacutepios complexos e nos precedentes sobre as causas e a definiccedilatildeo

que natildeo satildeo complexas

Refutaccedilatildeo Afinal nenhuma posiccedilatildeo eacute satisfatoacuteria A primeira natildeo porque o proacuteprio

Aristoacuteteles no capiacutetulo quarto do livro 1 dos Primeiros afirma que estes livros se

dedicam agrave demonstraccedilatildeo e que por causa disso neste natildeo explica a definiccedilatildeo por

princiacutepio mas apenas em funccedilatildeo da razatildeo pela qual estaacute sujeita agrave demonstraccedilatildeo e na

verdade Alberto no tratado 1 sobre a Loacutegica capiacutetulo 1 considera que falta o seu

estudo proacuteprio A segunda tambeacutem natildeo porque se disputou sobre os princiacutepios

complexos em si mesmos no livro primeiro e em breve descobriremos por que razatildeo se

faz menccedilatildeo delas no presente livro

O meio demonstrativo eacute a mateacuteria Logo a verdadeira posiccedilatildeo que transmitem

Simpliacutecio Eustraacutecio e Alberto assevera que o escopo deste livro eacute dar a conhecer a

inuentio do meio demonstrativo natildeo seria pois exacta a explicaccedilatildeo da demonstraccedilatildeo se

natildeo se transmitisse publicamente o meio em que ela deve estabelecer-se porque como

ensinou o proacuteprio Aristoacuteteles no livro 2 dos Primeiros capiacutetulo 28 natildeo basta conhecer

a estrutura do silogismo se natildeo se chegar agrave capacidade de os realizar que eacute concedida

pela inuentio do meio Entatildeo tendo-se explanado no livro anterior que a demonstraccedilatildeo

eacute um tipo de silogismo bem como as suas partes propriedades e efeitos daiacute resulta que

neste livro se dispute sobre o seu meio

Divisatildeo de todo o livro Divide-se entatildeo o livro em duas partes Na primeira que

compreende dez capiacutetulos porque a definiccedilatildeo eacute o meio mais importante da

demonstraccedilatildeo disputa-se largamente sobre ela na segunda que conteacutem os restantes

oito capiacutetulos demonstra-se que natildeo soacute a definiccedilatildeo mas todas as causas podem ser

meios de demonstrar No entanto uma vez que o meio estaacute contido nos princiacutepios faz-

se uma digressatildeo no uacuteltimo capiacutetulo para mostrar de que modo se teriam gerado os

princiacutepios da demonstraccedilatildeo

Mas na verdade embora consideremos a doutrina deste livro extremamente

uacutetil para o conhecimento perfeito da demonstraccedilatildeo todavia ou por ser conspiacutecua em si

ou por a termos transmitido na sua maior parte no livro anterior uma uacutenica questatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 56

sobre o meio constitui a mateacuteria de todo o livro Satisfeitos vamos abster-nos de

comentaacuterios mais longos porque quanto mais fazemos algo de boa vontade tanto mais

vemos o mesmo feito pelos outros Aleacutem disso estamos a compor um manual para a

escola que natildeo queremos aumentar de mais com coisas menos necessaacuterias

COMENTAacuteRIOS AO PRIMEIRO LIVRO DOS TOacutePICOS DE

ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA43

SOBRE O AUTOR A MATEacuteRIA A ORDEM E A UTILIDADE DESTA OBRA

O proacuteprio Aristoacuteteles afastou a ambiguidade da primeira questatildeo no livro 2 Do

Peri hermeneias capiacutetulo 2 e no livro 1 dos Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo 2 lugares

em que atribui a si proacuteprio a autoria desta obra No que diz respeito agrave mateacuteria sendo o

silogismo uacutetil de qualquer modo para confirmar ou refutar alguma coisa divide-se em

quatro tipos a saber Demonstrativo Apoacutecrifo Dialeacutectico e Sofiacutestico e como se

disputou nos dois uacuteltimos livros sobre o Demonstrativo e Apoacutecrifo resta apenas que

nos livros seguintes se disserte sobre os outros dois o que Aristoacuteteles dispocircs de modo a

disputar nestes oito livros sobre o Dialeacutectico ou provaacutevel e no uacuteltimo que entre os

Latinos foi dividido em dois livros de Elencos estuda o Sofiacutestico

Qual o assunto desta parte Logo se procurarmos qual o assunto de toda esta parte da

Dialeacutectica haacute-de ser o silogismo que abrange o Dialeacutectico e o Sofiacutestico se apenas o

assunto destes livros que se denominam Toacutepicos seraacute o Dialeacutectico cuja disposiccedilatildeo

proacutepria eacute formar opiniatildeo De resto como para o elaborar satildeo precisas duas coisas

primeiro descobrir argumentos adequados a provar ou desaprovar a questatildeo segundo

dispor correctamente os argumentos encontrados Aristoacuteteles preserva esse meacutetodo

pois no livro primeiro lanccedila por assim dizer alguns fundamentos comuns agrave inuentio e agrave

dispositio depois estuda a inuentio nos seis livros seguintes e no oitavo somente a

dispositio

Tiacutetulo e ordem da obra Considere-se agora natildeo soacute a mateacuteria e a disposiccedilatildeo da

obra mas tambeacutem o tiacutetulo e a ordem relativamente aos restantes livros da Dialeacutectica Na

verdade pelo facto de a maior parte deles se dedicar a transmitir lsquolugaresrsquo isto eacute as

lsquoposiccedilotildees dos argumentosrsquo satildeo chamados Toacutepicos isto eacute lsquolocaisrsquoE uma vez que de

43 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 57

facto o silogismo Dialeacutectico eacute posterior na ordem da natureza e da dignidade ao

Demonstrativo com toda a razatildeo os livros dos Segundos (independentemente do que

reclama Boeacutecio) satildeo apresentados antes destes Tamanha eacute a sua utilidade que

Aristoacuteteles teraacute julgado que devia anunciar a tiacutetulo de recomendaccedilatildeo o seu objectivo

loacutegico de ensinar a discutir no Ginaacutesio mas vamos ouvi-lo dissertar sobre estas coisas

nos primeiros capiacutetulos

PROEacuteMIO DO COMENTAacuteRIO AOS DOIS LIVROS DOS ELENCOS

DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA44

Tal como aqueles que dissertam sobre os costumes para aperfeiccediloar a vontade

natildeo consideram ter cumprido a sua funccedilatildeo se tiverem estudado todos os tipos de

virtudes e as disposiccedilotildees de cada uma e indicado as leis pelas quais se podem comparar

mas sem introduzirem a natureza dos viacutecios que se lhes opotildeem bem como a razatildeo e o

meacutetodo de lhes fugir assim os que observam abertamente as acccedilotildees pelas quais o

intelecto se aperfeiccediloa natildeo devem apenas considerar as que conduzem agrave compreensatildeo

da verdade mas tambeacutem as que as desviam para os perigos dos erros Com este

conselho Aristoacuteteles depois de dissertar aturadamente nos anteriores livros dos

Toacutepicos sobre o silogismo dialeacutectico para que nada falte ao conjunto desta obra passa a

explicar as argumentaccedilotildees falaciosas e vatildes dos sofistas e ensina de que modo as

realizam para que as possamos dissolver diligentemente

O silogismo sofiacutestico eacute a mateacuteria desta obra Por isso a mateacuteria desta obra

(que entre os Gregos estaacute contida num livro uacutenico mas que os Latinos dividiram em

dois por conveniecircncia) eacute o silogismo sofiacutestico cuja elaboraccedilatildeo se estuda no primeiro

livro e a sua desconstruccedilatildeo no segundo Os livros intitulam-se Dos elencos sofiacutesticos

isto eacute das aparentes ou das fantaacutesticas refutaccedilotildees natildeo porque a disputa que haacute-de vir

nestes livros seja apenas sobre a replicaccedilatildeo (trata-se de muitos outros sofismas) mas

porque entre os objectivos a que o sofista se propotildee no desejo de simular a sabedoria a

replicaccedilatildeo obteacutem o primeiro lugar

Fica entatildeo estabelecido que estes livros omissa a explanaccedilatildeo do contexto

lembram uma breve suma natildeo soacute para que possam ser totalmente assimilados pelos

44 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 58

Dialeacutecticos num tempo determinado mas porque acreditamos que se deve vir a perceber

uma utilidade maior do que se prolongarmos a mateacuteria por si muito capciosa e

intrincada com comentaacuterios prolixos

OUTROS TEXTOS DE LOacuteGICA

SINAL E SIGNIFICACcedilAtildeO45

1 Definiccedilatildeo e natureza do sinal

Definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo transmitida por Santo Agostinho As coisas que Aristoacuteteles

ensinou sumaacuteria e sucintamente no capiacutetulo anterior satildeo o fundamento do que ele expotildee

no decurso da obra Por conseguinte eacute necessaacuterio examinar com atenccedilatildeo e esclarecer

este assunto principiando pela definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo que Santo Agostinho no livro 2

capiacutetulo 1 de Sobre a Doutrina Cristatilde estabelece deste modo ldquo O sinal eacute aquilo que

manifesta aos sentidos algo diferente dele mesmo originando o seu conhecimentordquo

Com acepccedilatildeo semelhante ele afirma no livro Sobre os Princiacutepios da Dialeacutectica

capiacutetulo 5 que o sinal eacute aquilo que se manifesta aos sentidos representando aleacutem de si

proacuteprio algo ao espiacuterito Ou seja diz-se ldquosinalrdquo o que percepcionado pelos sentidos eacute a

causa em virtude da sua capacidade de significar do conhecimento de uma coisa

diferente

Definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo inventada pelos dialeacutecticos posteriores a Santo Agostinho

Reconhecendo poreacutem os dialeacutecticos posteriores que estas definiccedilotildees eram apenas

adequadas para os sinais instrumentais e natildeo para todos estabeleceram outra mais

extensiva que actualmente se considera a mais veriacutedica e que eacute a seguinte ldquoO sinal eacute

aquilo que representa algo agrave potecircncia cognoscitivardquo Para se tornar evidente que esta

definiccedilatildeo se distingue de ambas as definiccedilotildees de Agostinho devem fazer-se algumas

consideraccedilotildees

Reconhece-se em primeiro lugar que o sinal pode entender-se em duas acepccedilotildees

Em primeiro lugar a palavra ldquosinalrdquo pode entender-se em duas acepccedilotildees numa acepccedilatildeo

restrita e segundo a primeira instituiccedilatildeo e numa acepccedilatildeo lata e consoante o uso dos

filoacutesofos No primeiro caso o sinal inclui apenas o que eacute percepcionado pelos sentidos

45 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 59

Com efeito dado que todo o conhecimento se origina nos sentidos e o sinal eacute aquilo

pelo qual somos induzidos a conhecer uma coisa resulta que os seres humanos

denominam ldquosinalrdquo o que manifesta algo aos sentidos No segundo caso a ideia de

ldquosinalrdquo inclui tanto os sinais sensiacuteveis como os inteligiacuteveis (hellip)

Reconhece-se em segundo lugar que o sinal diz respeito natildeo soacute agrave potecircncia

cognoscitiva mas tambeacutem ao objecto significado Para melhor esclarecimento deste

assunto deve referir-se que segundo Satildeo Boaventura [nos Comentaacuterios agraves Sentenccedilas]

livro 4 distinccedilatildeo 1 questatildeo 1 existem em qualquer sinal duas relaccedilotildees uma com o

objecto significado outra com a potecircncia cognoscitiva agrave qual o objecto eacute dado a

conhecer Por exemplo o fumo se natildeo estiver em relaccedilatildeo com um fogo oculto que o

produz e que tenha capacidade de manifestaacute-lo agrave potecircncia cognoscitiva de modo algum

leva ao conhecimento do objecto que eacute causa do fumo E isto estaacute expresso natildeo apenas

nas definiccedilotildees de Santo Agostinho mas tambeacutem na definiccedilatildeo comum dos dialeacutecticos

quando afirmam que o sinal eacute aquilo que imprime nos sentidos a imagem de si proacuteprio

originando o conhecimento de uma coisa diferente Ou entatildeo eacute aquilo que torna algo

presente agrave potecircncia (In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 1 artigo 1 pp 5-6)46

2 Divisatildeo dos sinais

Sinais rememorativos demonstrativos e de prognoacutestico Natildeo eacute invulgar entre os

escolaacutesticos a divisatildeo dos sinais em rememorativos demonstrativos e de prognoacutestico

(hellip) Os rememorativos satildeo os que trazem agrave memoacuteria um acontecimento passado

Assim quando Deus no Geacutenesis capiacutetulo 6 desejou erigir o arco-iacuteris disse ldquoIrei

colocar o meu arco nas nuvens do ceacuteu e recordar-me-ei da minha alianccedilardquo Os

demonstrativos satildeo os que datildeo a conhecer coisas presentes como o fumo que eacute sinal de

ldquofogordquo Os de prognoacutestico satildeo os que prenunciam o futuro por exemplo as diferentes

cores do ceacuteu ao pocircr-do-sol conforme o verso do poeta ldquoO ceacuteu azul pressagia chuva o

da cor do fogo vento de lesterdquo

A referida divisatildeo dos sinais natildeo eacute por espeacutecies Esta divisatildeo natildeo corresponde

propriamente a diferentes espeacutecies de sinais visto que os sinais podem ter segundo o

mesmo modo de significar aquela diversidade de significaccedilotildees a respeito do presente

46 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 60

do passado e do futuro como eacute manifesto nos dois uacuteltimos exemplos Com efeito o

fumo e a cor do ceacuteu concorrem do mesmo modo para o conhecimento dos seus

significados em virtude da sua capacidade natural e se o sinal for conhecido Poreacutem a

significaccedilatildeo segundo a diversidade de tempos eacute totalmente acidental como tambeacutem

acontece nas palavras que significam por convenccedilatildeo pois umas tecircm a significaccedilatildeo de

tempo presente e outras de tempo futuro (hellip)

Alguns sinais satildeo naturais outros convencionais uns satildeo formais outros

instrumentais Satildeo dignas de nota as seguintes divisotildees dos sinais naturais e

convencionais e formais e instrumentais Os primeiros satildeo referidos por quase todos os

inteacuterpretes de Aristoacuteteles neste lugar [nos livros Sobre a Interpretaccedilatildeo] Os escolaacutesticos

referem-nos baseando-se no Mestre das Sentenccedilas livro 4 distinccedilatildeo 1 e seguindo Santo

Agostinho no livro 2 capiacutetulo 2 da sua obra Sobre a Doutrina Cristatilde

Demonstra-se sucintamente a suficiecircncia da divisatildeo dos sinais em naturais e

convencionais Define-se ldquosinais naturaisrdquo e ldquoconvencionaisrdquo A suficiecircncia desta

divisatildeo que em seguida vai ser examinada demonstra-se deste modo qualquer coisa

que represente uma coisa diferente ou possui a capacidade de representaacute-la pela sua

natureza ou em virtude de outra (com efeito natildeo pode conceber-se outra forma) Se a

possuir pela sua natureza eacute um sinal natural se em virtude de uma imposiccedilatildeo eacute um

sinal convencional ou como o designa Santo Agostinho um sinal atribuiacutedo e de acordo

com outros ldquoarbitraacuteriordquo ou ldquoartificialrdquo Os sinais naturais satildeo aqueles que significam o

mesmo para todos ou preferentemente os que pela sua natureza tecircm a capacidade de

significar uma coisa diferente Ao inveacutes os sinais convencionais satildeo aqueles que

significam segundo a vontade dos homens e por assim dizer segundo uma convenccedilatildeo

como pode confirmar-se pela obra Instituiccedilotildees Dialeacutecticas livro 1 capiacutetulo 8

A divisatildeo dos sinais em formais e instrumentais natildeo passou despercebida aos

filoacutesofos antigos A segunda divisatildeo natildeo convenceu os antigos quiccedilaacute por pensarem que

os sinais formais satildeo impropriamente sinais Mas natildeo hesitaraacute denominaacute-los ldquosinaisrdquo

quem reflectir sobre a definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo exposta na questatildeo anterior Satildeo de facto

sinais todas as coisas que representam algo distinto delas mesmas agrave potecircncia

cognoscitiva Poreacutem as espeacutecies impressas nas potecircncias tornam presentes os objectos

que representam por conseguinte devem ser incluiacutedas com razatildeo nos sinais Nem isso

passou despercebido a Aristoacuteteles quando incluiu os conceitos nos sinais Emite a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 61

mesma opiniatildeo Alberto Magno na Eacutetica livro 4 tratado 3 capiacutetulo 2 onde designa pelo

nome de ldquosinaisrdquo as espeacutecies inteligiacuteveis E Satildeo Tomaacutes no Opuacutesculo 9 [sic] questatildeo 2

denomina as concepccedilotildees da mente ldquorepresentaccedilotildees da essecircncia de Deusrdquo Ele exprime-

se de modo semelhante na Suma contra os Gentios livro 2 capiacutetulo 98 e no comentaacuterio

ao capiacutetulo 1 da epiacutestola aos Hebreus e na obra Sobre a Verdade questatildeo 4 artigo 1

afirma com maior clareza que a significaccedilatildeo reside mais propriamente no verbo mental

que no oral (hellip) Referimos este assunto para natildeo parecer que foi exposta sem a

aprovaccedilatildeo dos antigos a divisatildeo dos sinais em ldquoformaisrdquo e ldquoinstrumentaisrdquo Portanto os

formais satildeo imagens e similitudes das coisas os quais formando-se no iacutentimo da

potecircncia levam ao conhecimento do objecto Os instrumentais satildeo aqueles que

apreendidos cognitivamente originam o conhecimento de uma coisa diferente

Que esta divisatildeo seja adequada demonstra-o Egiacutedio [no Comentaacuterio agraves

Sentenccedilas] livro 1 distinccedilatildeo 3 questatildeo principal 2 artigo 3 Tudo aquilo por meio do

qual conhecemos algo diferente ou deve ser primeiramente conhecido enquanto objecto

ou natildeo

Define-se ldquosinal formalrdquo e ldquoinstrumentalrdquo Se deve ser primeiramente conhecido

eacute um sinal instrumental de contraacuterio eacute formal Por isso diz-se ldquoformalrdquo porque

determina o conhecimento configurando a potecircncia cognoscitiva quer em relaccedilatildeo a um

fim quer a um princiacutepio como em seguida iremos referir Damos preferecircncia a estas

divisotildees porque se realizam segundo diferenccedilas caracteriacutesticas e intriacutensecas dos sinais e

inteiramente opostas Na verdade significar de acordo com a natureza e por convenccedilatildeo

satildeo modos incompatiacuteveis Da mesma forma significar com o conhecimento do sinal

como objecto e sem o conhecimento do conceito que satildeo respectivamente diferenccedilas

especiacuteficas do sinal instrumental e do formal opotildeem-se totalmente entre si(In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 2 artigo 1 pp 12-13)47

3 A significaccedilatildeo das palavras

As palavras pronunciadas satildeo sinais dos conceitos e as escritas sinais das

pronunciadas Entre as coisas que Aristoacuteteles exprime neste capiacutetulo a primeira eacute a

47 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 62

seguinte ldquoAs palavras pronunciadas satildeo sinais dos conceitos e as escritas sinais das

pronunciadasrdquo A respeito da primeira parte existem trecircs opiniotildees

Opiniatildeo de Escoto e de Gabriel os conceitos natildeo satildeo significados pelas palavras

pronunciadas A primeira eacute a de Escoto [no Comentaacuterio agraves Sentenccedilas] livro 1

distinccedilatildeo 27 questatildeo 3 e questatildeo 1 desta obra [Super Perihermeneias] e tambeacutem de

Gabriel [no Comentaacuterio agraves Sentenccedilas] livro 1 distinccedilatildeo 22 questatildeo uacutenica artigo 3

bem como de autores mais recentes que afirmam que as palavras pronunciadas estatildeo

em lugar dos conceitos do intelecto mas que natildeo os significam excepto se forem

algumas palavras peculiares impostas para significarem conceitos como os termos

ldquoconceitordquo e ldquopalavrardquo [isto eacute ldquopalavra mentalrdquo] Eles demonstram que as palavras

pronunciadas estatildeo em lugar dos conceitos por nos servirmos delas para dar a conhecer

as coisas apreendidas pela mente e que natildeo podemos significar pelos proacuteprios conceitos

Aliaacutes se pudeacutessemos conversar mentalmente natildeo profeririacuteamos as palavras

Comprova-se com argumentos Demonstra-se poreacutem em primeiro lugar que os

conceitos natildeo satildeo significados pelas palavras dado que se assim fosse resultaria que

todas as proposiccedilotildees seriam falsas Na verdade servimo-nos das palavras na proposiccedilatildeo

em vez dos seus significados pelo que se significassem conceitos o sentido da

proposiccedilatildeo ldquoo homem eacute animalrdquo seria ldquoo conceito de acutehomemacute eacute o conceito de acuteanimalacute

rdquo Mas natildeo existe maior falsidade

Em segundo lugar seguir-se-ia que todas as palavras satildeo equiacutevocas

Efectivamente se a palavra ldquohomemrdquo for anaacuteloga agrave que exprime o conceito ldquohomemrdquo e

agrave que representa a imagem de um homem pintado num quadro natildeo seraacute anaacuteloga agravequela

que nos representamos na mente

Em terceiro lugar a palavra significa aquilo que o ouvinte entende mas quem

ouve o falante percepciona as coisas e natildeo os conceitos (a natildeo ser que reflicta de caso

pensado sobre eles) e portanto ela natildeo significa os conceitos Isto eacute confirmado por

Aristoacuteteles nos capiacutetulos terceiro e seguinte [da obra Sobre a Interpretaccedilatildeo] onde

afirma que as palavras significam por estabelecerem os conceitos do ouvinte ou seja

por incutirem nele o conhecimento Poreacutem esses conceitos como afirmei satildeo conceitos

de coisas

Em quarto lugar satildeo muitas as palavras a que natildeo correspondem conceitos por

isso natildeo eacute em absoluto verdadeiro que as palavras signifiquem por meio de conceitos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 63

O antecedente demonstra-se em primeiro lugar pela autoridade de Santo Agostinho na

obra Sobre a Trindade livro 5 capiacutetulo 3 o qual afirma que a muitas palavras

significantes proferidas oralmente natildeo corresponde nenhum conceito na mente E ele

acrescenta que as coisas divinas natildeo se dizem como se pensam nem se pensam como se

dizem Portanto segundo a sua opiniatildeo servimo-nos por vezes de palavras a que natildeo

correspondem conceitos (hellip)

Opiniatildeo de Boeacutecio apenas os conceitos satildeo significados pelas palavras A

segunda opiniatildeo eacute a de Boeacutecio na segunda ediccedilatildeo desta obra [comentaacuterio ao Sobre a

Interpretaccedilatildeo] que criticou de tal modo a primeira opiniatildeo que adoptou uma totalmente

oposta considerando que apenas os conceitos satildeo significados pelas palavras Ela eacute

tambeacutem defendida por Porfiacuterio que assevera ser essa a opiniatildeo de Aristoacuteteles como

pode concluir-se do capiacutetulo em que ele afirma que as palavras satildeo apenas sinais dos

conceitos

Argumentos que corroboram a uacuteltima opiniatildeo Demonstra-se em primeiro lugar

esta opiniatildeo com fundamento em que as palavras foram impostas para substituir os

conceitos pelo que elas significam somente conceitos A consequecircncia eacute evidente pois

ao significarem os conceitos representam-nos ao espiacuterito para eles realizarem a sua

funccedilatildeo Portanto se as palavras foram inventadas para substituir os conceitos apenas

elas devem daacute-los a conhecer Isto estaacute expresso em Santo Agostinho na obra Sobre a

Ordem livro 2 capiacutetulo 12 onde afirma que a razatildeo criou a linguagem dado que sem

ela os seres humanos natildeo poderiam comunicar os seus pensamentos E eacute tambeacutem

manifesto nos anjos aos quais todos recusam uma linguagem externa admitindo

poreacutem que eles podem conversar servindo-se de conceitos

Demonstra-se em segundo lugar porque os vocaacutebulos ldquohircocervordquo ldquoquimerardquo e

outros semelhantes apenas significam concepccedilotildees do espiacuterito como ensina Egiacutedio [no

comentaacuterio agraves Sentenccedilas] livro 2 distinccedilatildeo 2 questatildeo 3 artigo1 Portanto deve dizer-

se o mesmo dos outros vocaacutebulos dado possuiacuterem idecircntico modo de significar Pode

afirmar-se a mesma coisa dos sincategoremas por exemplo da palavra ldquoserdquo nesta frase

ldquoSe os boatos fossem verdadeirosrdquo (hellip)

Aristoacuteteles eacute de opiniatildeo que as palavras significam tanto os conceitos como as

coisas Prova-se com passagens das suas obras A terceira opiniatildeo que eacute intermeacutedia

em relaccedilatildeo agraves outras sustenta que as palavras significam tanto os conceitos como as

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 64

coisas Ela estaacute expressa em Aristoacuteteles neste livro [Sobre a Interpretaccedilatildeo] Com efeito

no primeiro capiacutetulo ele afirma que os sons emitidos pela voz satildeo sinais dos estados de

alma isto eacute dos conceitos e no uacuteltimo ensina que pelo facto de o objecto existir ou natildeo

existir a proposiccedilatildeo eacute verdadeira ou falsa natildeo dependendo poreacutem a verdade da

proposiccedilatildeo do objecto a natildeo ser que a palavra o decirc a conhecer por meio do conceito

(hellip)

Demonstra-se uma parte a saber que as palavras significam as coisas Que as

palavras signifiquem as coisas torna-se evidente pela Sagrada Escritura no segundo

capiacutetulo do Geacutenesis onde ela ensina que Deus conduziu todos os animais agrave presenccedila de

Adatildeo para ele lhes atribuir os seus nomes E Adatildeo designou com os seus nomes todos

os animais Aleacutem disso no capiacutetulo 17 do Geacutenesis mudando-lhe o nome Deus chamou

a Abratildeo ldquoAbraatildeordquo E no capiacutetulo 32 chamou a Jacob ldquoIsraelrdquo E Cristo Senhor em

Joatildeo capiacutetulo 1 impocircs o nome a Pedro ldquoHaacutes-de chamar-te acuteCefasacute rdquo ndash disse ele

Tambeacutem Santo Agostinho em Sobre a Trindade livro 7 capiacutetulo 3 escreveu ldquoAs

palavras manifestam aleacutem de si proacuteprias aquilo de que falamos mas noacutes falamos das

coisasrdquo (In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 3 artigo 1 pp 26-28 artigo 2 pp 28-31)48

Sem duacutevida ambas as opiniotildees tanto a de Escoto como a de Boeacutecio satildeo

convincentes Quando ouvimos as palavras imediatamente o nosso espiacuterito eacute impelido

para a percepccedilatildeo de coisas determinadas certificando-se ao mesmo tempo das

concepccedilotildees do falante deste modo ouvidas as palavras apercebemo-nos dos juiacutezos e

dos conhecimentos dos homens acerca das coisas Deve portanto reconhecer-se

forccedilosamente que quer as coisas quer os conceitos satildeo significados pelas palavras pois

aquilo mediante o qual somos induzidos ao conhecimento de uma coisa eacute sinal dela

Em segundo lugar e em especial que as palavras signifiquem as coisas demonstra-

o o primeiro argumento em defesa da opiniatildeo de Escoto certamente se natildeo as

significassem todas as proposiccedilotildees seriam falsas

Em terceiro lugar os conceitos satildeo tambeacutem significados pelas palavras de acordo

com o primeiro argumento em defesa da opiniatildeo de Boeacutecio que se exprime deste modo

as palavras significam em virtude de uma imposiccedilatildeo voluntaacuteria e intencional portanto

48 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 65

significam tudo aquilo que essa intenccedilatildeo alcanccedila Mas a intenccedilatildeo dos homens na

imposiccedilatildeo das palavras foi manifestar os conceitos por isso as palavras satildeo sinais dos

conceitos Os antecedentes satildeo manifestos e demonstra-se a menor a linguagem

humana foi instituiacuteda tendo em vista as relaccedilotildees e a convivecircncia entre os homens como

depois de Platatildeo no Craacutetilo ensina Aristoacuteteles na Poliacutetica Mas esta convivecircncia

consiste sobretudo na comunicaccedilatildeo dos pensamentos que se realiza pela linguagem

externa segundo Santo Agostinho em Sobre a Ordem livro 2 capiacutetulo 12 (hellip)

Em quarto lugar se as palavras natildeo fossem sinais dos conceitos natildeo seria possiacutevel

a mentira pois ldquomentirrdquo de acordo com a proacutepria etimologia do vocaacutebulo quer dizer

ldquocontra mentem irerdquo o que natildeo parece ser outra coisa senatildeo exprimir o que natildeo existe

na mente Disto resulta segundo Satildeo Tomaacutes [na Suma Teoloacutegica] segunda parte da

segunda parte questatildeo 110 artigo 3 que a mentira eacute intrinsecamente um mal dado que

sendo as palavras por natureza sinais dos conceitos isto eacute impostas por natureza para

manifestarmos aos outros os nossos pensamentos eacute iniacutequo dar a entender que existe na

mente o que realmente natildeo existe Na verdade dado que a palavra como declara Santo

Agostinho no Segundo Sermatildeo sobre a Natividade de Joatildeo Baptista eacute veiacuteculo do verbo

interior e se interiormente natildeo existe verbo (coisa que no entanto se dissimula estar

associada ao veiacuteculo) entatildeo estaacute-se enganando claramente os outros

Se as palavras significam de modo imediato as coisas e os conceitos Haacute um tema

de difiacutecil resoluccedilatildeo na opiniatildeo comum se as palavras significam em primeiro lugar e de

modo imediato os conceitos segundo a mesma significaccedilatildeo e secundariamente as

coisas ou ao inveacutes em primeiro lugar as coisas e secundariamente os conceitos ou

por uacuteltimo as coisas e os conceitos de modo imediato e consoante diferentes

significaccedilotildees

Primeira opiniatildeo a palavra significa primeira e imediatamente o conceito e de

modo mediato as coisas Escoto embora considere mais provaacutevel a opiniatildeo que depois

defende no Comentaacuterio agraves Sentenccedilas livro 1 ou seja que as palavras significam apenas

as coisas sustenta no entanto de acordo com o parecer de alguns autores que os

conceitos satildeo significados primeira e imediatamente e as coisas de modo mediato e

segundo a mesma significaccedilatildeo (hellip)

Segunda opiniatildeo a palavra daacute a conhecer primeiramente as coisas e depois os

conceitos Alguns opinam que as palavras datildeo a conhecer primeiramente as coisas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 66

segundo a mesma significaccedilatildeo e mediante as coisas os conceitos Esta opiniatildeo embora

ningueacutem a exponha com clareza pode atribuir-se a Escoto que ensina que pelas

palavras satildeo significadas as coisas enquanto conhecidas Ele poreacutem adverte que natildeo eacute

significado um conjunto (as coisas conhecidas) pois tratar-se-ia de um significado

composto acidental Contudo ele afirma que eacute dada a conhecer uma coisa enquanto

objecto de conhecimento Isso natildeo parece poder ser explicado de maneira mais simples

do que dizer que com uma uacutenica significaccedilatildeo eacute dada a conhecer em primeiro lugar a

coisa e em seguida o seu conceito (hellip)

Terceira opiniatildeo a palavra pela dupla significaccedilatildeo atinge imediatamente a

coisa e o conceito Por uacuteltimo a terceira opiniatildeo declara que existem diferentes

significaccedilotildees das palavras uma a respeito dos conceitos e outra das coisas (hellip)

Demonstraccedilatildeo a significaccedilatildeo ou eacute a proacutepria imposiccedilatildeo da palavra (o que

preferentemente aprovamos) ou se fundamenta nela e com ela se multiplica Mas a

imposiccedilatildeo para significar os conceitos eacute diferente da imposiccedilatildeo para significar as coisas

portanto etc Demonstra-se a menor os seres humanos desejaram primeiramente

comunicar os seus pensamentos de acordo com um impulso comum e expliacutecito e em

seguida procuraram descobrir o modo apropriado para essa comunicaccedilatildeo Esse modo

consistiu na imposiccedilatildeo das palavras para significarem as coisas portanto estatildeo

presentes duas actividades e mesmo duas imposiccedilotildees O antecedente deste argumento eacute

demonstrado por Agostinho e Platatildeo ao corroborarem a segunda opiniatildeo E tambeacutem

insinuam a distinccedilatildeo entre essas imposiccedilotildees (hellip)

Prefere-se a terceira opiniatildeo e responde-se aos argumentos da primeira opiniatildeo

Entre estas opiniotildees a terceira parece-nos mais evidente (hellip) Contudo que as palavras

sejam em primeiro lugar sinais dos conceitos natildeo deve entender-se de modo

significativo como se primeiramente fossem significados os conceitos mas de modo

impositivo (por assim dizer) dado que eacute necessaacuterio que entre as coisas e as palavras ao

serem impostas medeiem os conceitos E como afirma o Filoacutesofo a condiccedilatildeo

imprescindiacutevel para que uma palavra signifique uma coisa eacute o conceito Na verdade

uma coisa natildeo eacute significada como ela eacute em si mesma mas segundo o nosso modo de

conhecer(In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 3 artigo 2 pp 28-31)49

49 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 67

O UNIVERSAL

1 Definiccedilatildeo e acepccedilotildees

Entendido na acepccedilatildeo comum o universal eacute uma coisa que se refere a muitas Por

exemplo o vocaacutebulo ldquohomemrdquo que significa todos os homens e o ceacuteu que origina

muitas coisas

Universal simples e complexo O universal divide-se em primeiro lugar em

complexo e simples O uso de um e de outro eacute frequente entre os filoacutesofos Denomina-

se ldquouniversal complexordquo uma proposiccedilatildeo da qual se deduzem vaacuterias outras como ldquoo

todo eacute maior que a sua parterdquo ou qualquer proposiccedilatildeo com o sinal da universalidade

como ldquotodo o homem eacute mentirosordquo A respeito deste universal iremos discorrer nos

livros do Perihermeneias e dos Segundos Analiacuteticos O universal simples eacute o que se

refere a muitas coisas e natildeo possui a complexidade da proposiccedilatildeo Costuma dividir-se

segundo quatro modos como causa (in causando) como significante (in significando)

como existente (in essendo) e como predicado (in praedicando)

Definiccedilatildeo do universal in causando in significando in essendo e in praedicando

Os universais in causando satildeo as causas comuns das coisas como Deus Magnificente

os espiacuteritos celestiais e os orbes celestes Os universais in significando satildeo por

exemplo os cometas que prenunciam a iminecircncia de muitas moleacutestias e as palavras

pronunciadas as escritas e os conceitos que datildeo a conhecer natildeo apenas uma coisa mas

muitas como a palavra ldquohomemrdquo quer emitida pela voz quer escrita quer representada

na mente Com efeito ela natildeo significa apenas ldquoSoacutecratesrdquo ou ldquoPlatatildeordquo mas a natureza

comum ao ser humano e por conseguinte todos os homens singulares Os universais in

essendo satildeo as naturezas comuns existentes em muitos inferiores como ldquohomemrdquo e

ldquocavalordquo Eles satildeo efectivamente naturezas comuns e existem nos seus singulares

porque em Soacutecrates e Platatildeo existe realmente a natureza humana e em Buceacutefalo a

natureza equina Os universais in praedicando satildeo aqueles que se afirmam de muitas

coisas Por exemplo ldquohomemrdquo de todos os homens e ldquocavalordquo de todos os cavalos

O universal in causando natildeo eacute um verdadeiro universal Entre estes universais os

que satildeo in causando todos os autores os excluem do nuacutemero dos verdadeiros universais

Na verdade Deus Magnificente os orbes celestes e outras causas que denominamos

ldquouniversaisrdquo satildeo simplesmente e de modo absoluto entes singulares como eacute evidente E

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 68

nada eacute mais incompatiacutevel com um universal que um singular visto ser o seu oposto O

mesmo argumento demonstra que os universais in significando natildeo satildeo efectivamente

universais por serem tambeacutem entes singulares e apenas como nomes se consideram

universais E porque os nominalistas porfiam que natildeo existem aleacutem dos sinais

universais in essendo e in praedicando apenas atribuem aos nomes aquela

denominaccedilatildeo(In Isagogem Porphyrii questatildeo 1 artigo 1 pp 60-61)50

2 O tema da relaccedilatildeo da aptidatildeo e da unidade

O universal interpreta-se de trecircs modos Deve advertir-se que o universal pode

interpretar-se de trecircs modos Em primeiro lugar pela coisa que se denomina ldquouniversalrdquo

e se diz ldquosubstratordquo como ldquohomemrdquo ldquoanimalrdquo e coisas semelhantes Em segundo lugar

pela aptidatildeo e capacidade dessa coisa Em terceiro lugar pela relaccedilatildeo aos particulares

que resulta de tal capacidade (hellip)

Duvida-se de que modo deve entender-se o universal na definiccedilatildeo No entanto os

autores mais recentes puseram em duacutevida de que modo deve entender-se o universal

como agora foi interpretado segundo a unidade e a aptidatildeo ou segundo a relaccedilatildeo aos

particulares Ambas as acepccedilotildees satildeo formais e a ambas pode ajustar-se a definiccedilatildeo do

universal

A opiniatildeo comum afirma que deve interpretar-se como relativo Demonstra-se De

acordo com a opiniatildeo comum dos filoacutesofos o universal deve interpretar-se como

ldquorelativordquo o que Porfiacuterio ensinou com muita clareza na capiacutetulo sobre a espeacutecie ao

afirmar que coagido pela necessidade definiu o geacutenero pela espeacutecie e vice-versa pois

apenas os relativos se definem necessariamente de modo reciacuteproco Demonstra-se

primeiramente que eacute um relativo formalmente na sua verdadeira acepccedilatildeo o universal eacute

uma relaccedilatildeo de razatildeo mas neste lugar ele eacute entendido formalmente portanto deve

interpretar-se como relativo A premissa menor e a consequecircncia satildeo evidentes (hellip)

Contudo a opiniatildeo mais verosiacutemil parece ser a que afirma que o universal deve

interpretar-se como um absoluto implicando aptidatildeo para existir nos particulares Ela eacute

defendida pelo mestre Fonseca na Metafiacutesica livro 5 e na Isagoge Filosoacutefica que a

considera comum a todos os autores E isso conclui-se primeiramente da proacutepria

50 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 69

definiccedilatildeo do universal na qual natildeo se refere a relaccedilatildeo mas apenas a aptidatildeo e a

unidade Por outro lado natildeo eacute verosiacutemil que os filoacutesofos tenham pretendido definir a

relaccedilatildeo e que em nenhuma parte a tenham explicado Conclui-se em segundo lugar em

virtude da semelhanccedila com a causa anteriormente referida visto que ao defini-la natildeo

foi mencionada a sua relaccedilatildeo com o efeito mas apenas a causalidade Conclui-se em

terceiro lugar porque a propriedade especiacutefica do universal eacute a aptidatildeo e a capacidade

para existir ou para se predicar dos seus inferiores como opina Paulo Veneto no

proeacutemio da Loacutegica questatildeo 1 no qual natildeo refere a relaccedilatildeo Com efeito o universal

consiste formalmente numa certa comunidade e extensatildeo pelas quais a natureza comum

se torna extensiva a muitas coisas Poreacutem tal comunidade resulta sobretudo da referida

capacidade e natildeo da relaccedilatildeo portanto a natureza do universal reside juntamente na

aptidatildeo e na unidade Em quarto lugar e por uacuteltimo isso eacute confirmado pelos actos dos

universais Com efeito o acto de existir em muitos singulares e o acto de se predicar a

respeito deles satildeo actos do universal enquanto universal mas a esses actos corresponde

a aptidatildeo e a unidade e natildeo a relaccedilatildeo Portanto a aptidatildeo constitui formalmente o

universal

(In Isagogem Porphyrii questatildeo 1 artigo 5 pp 69-70) 51

Que unidade eacute exigida ao universal Uno per se e per accidens Devemos ainda

examinar com diligecircncia as trecircs condiccedilotildees do universal 1 eacute uno 2 tem aptidatildeo para se

predicar 3 acerca de muitos A respeito de cada uma delas vamos expor algumas

consideraccedilotildees No que se refere agrave unidade ldquounordquo eacute idecircntico a ldquoindivisordquo como ensina

Aristoacuteteles na Metafiacutesica livro 5 capiacutetulo 6 e no livro 10 capiacutetulo 1 Ele exprime-se

no primeiro lugar deste modo ldquoEm geral aquilo que eacute indivisiacutevel em virtude de ser

indivisiacutevel diz-se acuteunoacute rdquo No mesmo lugar Aristoacuteteles divide o uno em ldquouno per serdquo

(ldquopor essecircnciardquo) e per accidens (ldquopor acidenterdquo) em seguida divide ambos os membros

em vaacuterias subdivisotildees embora natildeo decirc a conhecer com definiccedilotildees mas com exemplos

cada uma delas e entre as unidades essenciais refira algumas que natildeo possuem em

absoluto essa natureza

Definiccedilatildeo de uno per accidens O uno per accidens eacute o que eacute constituiacutedo por partes

natildeo unidas segundo um nexo fiacutesico ou que eacute constituiacutedo por partes que embora estejam

51 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 70

unidas fisicamente satildeo nas suas espeacutecies entes completos Tal uniatildeo ou unidade realiza-

se entre a substacircncia e os seus acidentes entre dois acidentes existentes na mesma

substacircncia como se verifica no leite em relaccedilatildeo agrave sua brancura e na brancura e na

doccedilura relativamente ao leite Aleacutem disso entre as coisas que existem no mesmo lugar

ou no mesmo tempo Dizemos assim que um montatildeo eacute uno por ser um conjunto de

coisas existentes no mesmo lugar e que satildeo uno Aquiles e Heitor por terem vivido no

mesmo tempo Eacute igualmente uno o que estaacute unido com um viacutenculo externo ou segundo

uma ordem motivo por que denominamos uma coisa ldquofeixerdquo por causa do viacutenculo e

outra ldquotaacutebuardquo ou ldquocasardquo em virtude de substacircncias conglutinantes e ainda outras

ldquoEstadordquo e ldquoexeacutercitordquo em virtude da ordem (hellip)

Definiccedilatildeo de uno per se Unidade per se formal e numeacuterica O uno per se eacute o que

possui uma determinada essecircncia relativamente a um soacute geacutenero ou a uma soacute espeacutecie

quer seja simples (como Deus Magnificente e os geacuteneros supremos) quer composto

(como os corpos fiacutesicos e as espeacutecies metafiacutesicas) (hellip) Esta unidade divide-a

Aristoacuteteles no mesmo lugar em geneacuterica especiacutefica e individual Noacutes em virtude da

clareza dividimo-la com Caetano no opuacutesculo Sobre o Ente e a Essecircncia capiacutetulo 4

questatildeo 6 deste modo entre as unidades per se ou ldquode essecircnciardquo uma eacute formal outra

numeacuterica A formal eacute aquela que corresponde agrave natureza comum dividindo-se em

geneacuterica e especiacutefica segundo a natureza em que se realiza e a numeacuterica eacute proacutepria dos

indiviacuteduos A primeira define-se como a indivisatildeo da natureza comum em si mesma e a

numeacuterica como a indivisatildeo da natureza singular em si proacutepria Segundo aquela diz-se

que o homem e a besta constituem uma unidade em relaccedilatildeo a ldquoanimalrdquo e Platatildeo e

Soacutecrates em relaccedilatildeo a ldquohomemrdquo Segundo esta Soacutecrates eacute idecircntico a si proacuteprio (hellip)

Acrescenta-se a unidade de precisatildeo das naturezas comuns Aleacutem das unidades

ateacute agora referidas existe uma outra que eacute relativa agraves naturezas comuns em si mesmas

quando natildeo realizadas nos seus inferiores (quer ela lhes convenha em virtude de uma

actividade do intelecto quer por si proacutepria) Irei examinaacute-la pouco depois Esta unidade

eacute apenas a indivisatildeo da natureza comum nos seus inferiores devendo poreacutem afirmar-se

que aleacutem de estar firmemente estabelecido por todos os autores mais penetrantes isso

se demonstra deste modo ldquounidaderdquo eacute idecircntico a ldquoindivisordquo mas a natureza comum em

virtude da prioridade pela qual precede a realizaccedilatildeo nos seus inferiores (quer isso

aconteccedila por si mesma quer pela actividade do intelecto) eacute indivisa possui portanto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 71

por isso mesmo outra unidade denominada ldquode precisatildeordquo porque natildeo conveacutem agrave

natureza [comum] a natildeo ser enquanto prescinde dos seus inferiores e como que se

liberta deles (hellip)

A unidade de precisatildeo participa da condiccedilatildeo das duas unidades per se Poreacutem em

qual das unidades deve incluir-se a unidade de precisatildeo Respondemos que com

propriedade e rigorosamente em nenhuma delas Contudo ela participa da condiccedilatildeo de

ambas mas sobretudo da condiccedilatildeo da unidade numeacuterica Demonstra-se em primeiro

lugar que ela natildeo eacute formal nem numeacuterica visto que a formal por ser uma propriedade

do ente eacute indissociaacutevel da natureza comum mesmo quando realizada nos inferiores

mas a unidade de precisatildeo conveacutem agrave natureza apenas no estado de abstracccedilatildeo Aleacutem

disso esta unidade recusa a possibilidade de divisatildeo nos inferiores a formal recusa a

impossibilidade de divisatildeo em qualquer grau do ente e a numeacuterica conveacutem aos entes

singulares atribuindo-lhes natildeo apenas a indivisatildeo mas tambeacutem a indivisibilidade Ao

contraacuterio aquela de que nos ocupaacutemos [a de precisatildeo] conveacutem somente agraves naturezas

comuns conferindo-lhes apenas a indivisatildeo e natildeo a indivisibilidade Ela tem no

entanto semelhanccedila com as outras com a formal porque conveacutem agraves naturezas comuns

e com a numeacuterica porque natildeo eacute passiva de divisatildeo nas substacircncias Por este motivo

acrescentamos que a referida unidade se assemelha mais agrave numeacuterica que agrave formal Com

efeito a caracteriacutestica peculiar da unidade numeacuterica eacute tornar a substacircncia

incomunicaacutevel o que tambeacutem realiza a unidade de precisatildeo

(In Isagogem Porphyrii questatildeo 2 artigo 1 pp 73-75) 52

A INDUCcedilAtildeO

Disserta-se sobre a induccedilatildeo Duas espeacutecies de induccedilatildeo Eacute mais dificultoso

discorrer sobre a induccedilatildeo Averroacuteis distinguiu neste livro [Comentaacuterios aos Primeiros

Analiacuteticos] capiacutetulo 29 duas espeacutecies de induccedilatildeo a demonstrativa e a dialeacutectica Ele

denomina ldquodemonstrativardquo a que incide sobre mateacuteria necessaacuteria como neste exemplo

ldquoPedro eacute capaz de rir Paulo eacute capaz de rir portanto todo o homem eacute capaz de rirrdquo

Nesta induccedilatildeo ndash afirma ele ndash natildeo eacute necessaacuterio enumerar todos os indiviacuteduos mas

conhecer que nalguns deles existe uma propriedade essencial com base na qual se

52 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 72

conclui necessariamente que ela existe na natureza comum Com efeito o que existe

como essecircncia nos singulares conveacutem primeiramente ao universal E ele denomina

ldquoinduccedilatildeo dialeacutecticardquo a que incide sobre mateacuteria provaacutevel como neste caso ldquoEsta matildee

ama o filho aquela matildee ama o filho portanto toda a matildee etcrdquo Nesta induccedilatildeo para

concluir convenientemente devem enumerar-se todos os singulares de contraacuterio se

algum fosse omitido dado que o predicado das premissas eacute contingente poderia suceder

que natildeo conviesse a esse singular e seria afirmado falsamente de toda a espeacutecie Esta

doutrina de Averroacuteis foi interpretada como se ambas as induccedilotildees concluiacutessem

formalmente a primeira por todos no decurso dos tempos a segunda por muito poucos

(hellip)

A induccedilatildeo natildeo eacute consequecircncia formal Portanto a induccedilatildeo possibilita por vezes

uma conclusatildeo necessaacuteria quando infere indutivamente uma conclusatildeo universal se

forem enumerados todos os particulares de uma natureza comum Mas ela eacute apenas uma

consequecircncia material por natildeo possuir uma forma determinada em virtude de poder ser

maior ou menor o nuacutemero de premissas consoante o nuacutemero de singulares por meio dos

quais se estabelece a induccedilatildeo Por exemplo para estabelecer uma induccedilatildeo sobre os

movimentos celestes satildeo suficientes dez premissas sobre a ordem dos elementos

quatro e sobre o aquecimento produzido pelo fogo satildeo necessaacuterias infinitas

Relativamente agrave induccedilatildeo em mateacuteria necessaacuteria que Averroacuteis denomina

ldquodemonstrativardquo propomo-nos discorrer sobre ela no iniacutecio dos Segundos Analiacuteticos

(In Primum Librum Priorum Aristotelis capiacutetulo 1 questatildeo 2 artigo 3 pp 195-196) 53

Quatro espeacutecies de argumentaccedilatildeo Embora eu tenha exposto este tema [da

reduccedilatildeo das argumentaccedilotildees ao silogismo] na terceira questatildeo do capiacutetulo primeiro do

livro anterior tanto quanto o exigia o esclarecimento da doutrina contudo com

Aristoacuteteles e outros inteacuterpretes vou apresentaacute-lo agora com maior clareza Como se

conclui do que foi referido existem apenas quatro espeacutecies de argumentaccedilatildeo a induccedilatildeo

o exemplo o entimema e o silogismo Entre estas somente a uacuteltima eacute uma

argumentaccedilatildeo formal ou seja infere em qualquer mateacuteria em virtude da sua forma e da

disposiccedilatildeo dos termos se as premissas forem verdadeiras uma conclusatildeo verdadeira

Poreacutem as outras espeacutecies se natildeo forem reduzidas ao silogismo do qual adquirem a

53 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 73

capacidade de inferir formalmente de modo algum inferem uma conclusatildeo evidente As

regras para realizar essa reduccedilatildeo seratildeo expostas posteriormente com desenvolvimento

quando tivermos examinado as caracteriacutesticas e a natureza dessas espeacutecies (hellip)

A induccedilatildeo natildeo gera propriamente ciecircncia Dado que a induccedilatildeo progride das partes

para o todo eacute necessaacuterio que no antecedente natildeo seja omitida nenhuma parte ou que natildeo

seja enumerada de modo confuso embora em mateacuteria necessaacuteria natildeo se exija tanta

diligecircncia visto que se reconhece que o predicado conveacutem por essecircncia a alguns

inferiores sendo por isso atribuiacutedo sem erro [na conclusatildeo] agrave natureza comum Isto deu

ensejo a Averroacuteis para dividir a induccedilatildeo em ldquodialeacutecticardquo e ldquodemonstrativardquo Mas

nenhuma delas origina propriamente ciecircncia como foi demonstrado noutro lugar Elas

satildeo no entanto uacuteteis para persuadir e para proceder ao exame dos primeiros princiacutepios

[verificando a posteriori a sua verdade] Daiacute que Vitorino na obra Sobre a Invenccedilatildeo

livro 1 tenha considerado que esta espeacutecie de argumentaccedilatildeo foi denominada ldquoinduccedilatildeordquo

porque induz o espiacuterito do ouvinte a dar creacutedito a uma conclusatildeo

(In Secundum Librum Priorum Aristotelis Summa doctrinae pp 281-282) 54

54 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 74

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de

Jesus aos Oito Livros da Fiacutesica de Aristoacuteteles Estagirita

Coimbra 1592

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 75

PROEacuteMIO AOS OITO LIVROS DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES55

SOBRE A DESIGNACcedilAtildeO E A DEFINICcedilAtildeO DE FILOSOFIA

Platatildeo no Protaacutegoras enumera os seus princiacutepios Os Gregos designavam por

σοφοὺς isto eacute lsquosaacutebiosrsquo todos aqueles que na Antiguidade pareciam distinguir-se dos

restantes pela intelecccedilatildeo e pelo conhecimento das grandes questotildees

A designaccedilatildeo de filoacutesofo e de Filosofia foi inventada por Pitaacutegoras Esta

designaccedilatildeo que na verdade se revestia de uma espeacutecie de arrogacircncia e era para muitos

motivo de inveja foi alterada por intervenccedilatildeo de Pitaacutegoras que natildeo soacute quis chamar-se

filoacutesofo como foi o primeiro a aplicar o termo lsquofilosofiarsquo Tendo discorrido com

sabedoria e eloquecircncia na corte de Leocircncio rei de Fliunte este perguntou-lhe que arte

ensinava e em que mateacuteria era mais saacutebio Diz-se que teraacute respondido que natildeo sabia arte

alguma e que natildeo era σοφόν ou seja lsquosaacutebiorsquo mas φιλόσοφον ou seja lsquoamigo da

sabedoriarsquo A novidade deste termo agradou natildeo soacute porque atenuava a velha inveja dos

saacutebios como atestava a dignidade singular da sabedoria Desde entatildeo espalhou-se por

todo o lado a designaccedilatildeo de Filoacutesofo e de Filosofia foi usado com igual aprovaccedilatildeo natildeo

soacute pelos Pitagoacutericos mas tambeacutem pelos Platoacutenicos e muitos outros bem como por

todos os que se seguiram Santo Agostinho recorda este assunto no livro 14 Sobre a

Trindade capiacutetulo 1 tal como Clemente de Alexandria no primeiro das Tapeccedilarias

Jacircmblico no De secta Pythagorica 1 e muitos outros56

Primeira definiccedilatildeo de Filosofia No entanto nem todos definiram a Filosofia

do mesmo modo Assim para alguns a Filosofia eacute lsquoo amor pela sabedoriarsquo Esta

definiccedilatildeo poreacutem como adverte Hugo de S Viacutetor no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 1

revela a etimologia do nome mas natildeo a natureza da mateacuteria tratada visto que a

sabedoria natildeo reside na vontade de que eacute proacuteprio o amar mas no intelecto de que eacute

proacuteprio o pensar e o saber Ainda assim eacute possiacutevel afirmar o que se disse pois a

Filosofia eacute definida como amor pela sabedoria porque eacute evidente que o verdadeiro

conhecimento das coisas natildeo existe de modo algum sem o amor A isso se refere

aquele passo do livro Sobre a mais secreta sabedoria segundo os Egiacutepcios ldquoo Amor 55 Trad FM56 Lactacircncio no livro 4 cap 2 Plutarco no livro 1 Sobre as sentenccedilas cap 3 Ciacutecero nos livros 1 e 5 das Questotildees Tusculanas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 76

acompanha os que pensam porque sem ele o intelecto como se estivesse colocado em

isolamento e silecircncio nada pode compreenderrdquo

Segunda definiccedilatildeo Outros disseram que a Filosofia era o conhecimento e a

ciecircncia das coisas humanas e divinas57 Esses entenderam pela designaccedilatildeo de coisas

humanas aquelas que estatildeo dependentes da materialidade dos corpos e que nos satildeo mais

familiares e por divinas as que natildeo se ligam agrave mateacuteria por nexo algum e as que se

escondem nos recessos da Natureza Ou entatildeo como eacute opiniatildeo de outros por coisas

humanas quiseram referir as que dizem respeito aos deveres de conservaccedilatildeo da vida e agrave

sociedade civil por divinas poreacutem quiseram dizer todas as outras nomeadamente a

contemplaccedilatildeo intelectual que afasta o filoacutesofo dos homens comuns e o torna mais

divino do que os restantes mortais Esta definiccedilatildeo tenha ela nascido no poacutertico de

Zenatildeo ou na Academia de Platatildeo perpassou por muitas escolas filosoacuteficas Platatildeo

refere-a no Teeteto e no Feacutedon Ciacutecero no livro 4 das Questotildees Tusculanas Fiacutelon Judeu

no livro Sobre o modo de alcanccedilar a erudiccedilatildeo Todavia ela natildeo se ajusta a cada uma

das partes da Filosofia mas a todas elas tomadas no seu conjunto pois nenhuma delas

considera simultaneamente o humano e o divino

Terceira definiccedilatildeo Aleacutem disso Platatildeo no diaacutelogo Sobre a sabedoria introduz

uma outra descriccedilatildeo que afirma decorrer da doutrina de Pitaacutegoras58 S Jeroacutenimo na

Apologia contra Rufino [diz] ldquoa Filosofia eacute a contemplaccedilatildeo da morterdquo

Dois tipos de morte Ora para que se possa compreender esta definiccedilatildeo eacute preciso saber

que haacute dois tipos de morte a que consiste no separaccedilatildeo do espiacuterito em relaccedilatildeo ao corpo

e a outra pela qual a mente permanece ainda no corpo mas afasta-se de todos os maus

desejos para que livre dos grilhotildees dos viacutecios medite nas coisas celestes e divinas De

facto como Soacutecrates debateu no Feacutedon nada eacute tatildeo contraacuterio ao homem que quer ver a

luz da verdade como o contacto com o corpo e a armadilha do prazer que engana com

falsas imagens a mente mergulhada em densas trevas e natildeo permite que escape da turba

e da confusatildeo dos sentidos para observar o mundo e examinar a natureza das coisas

Opiniatildeo de Mercuacuterio Trismegisto sobre o modo como se deve filosofar Daiacute que o tal

Mercuacuterio cujo conhecimento de muacuteltiplas coisas motivou o nome de Trismegisto

exorte no Ascleacutepio todo aquele que aspira agrave Filosofia a que ponha de lado o corpo

57 S Damasceno no livro 1 da Fiacutesica Seacuteneca nas Epiacutestolas 15 Ciacutecero no livro 2 Dos deveres58 Sobre esta definiccedilatildeo Clemente de Alexandria 4 Tapeccedilarias Fiacutelon Judeu no livro De mundi opificio Ciacutecero Tusculanas 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 77

tanto quanto possiacutevel como se fosse uma veste e dispa esse manto de ignoracircncia

ligaccedilatildeo agrave ruiacutena morte viva cadaacutever que sente sepulcro moacutevel ladratildeo da proacutepria casa

dado que ele odeia ao mesmo tempo que acaricia e ao odiar enterra a mente no seu

depoacutesito terreno e envolve-a com essa lama para que natildeo experimente a inteligecircncia

que vem do ceacuteu

Razatildeo pela qual a Filosofia eacute contemplaccedilatildeo da morte Entatildeo dado que ensina

a procurar esta separaccedilatildeo do corpo como uma espeacutecie de morte e com isto se glorifica

ao maacuteximo a Filosofia por causa desta missatildeo tatildeo nobre ora eacute chamada contemplaccedilatildeo

da morte ora libertaccedilatildeo do espiacuterito em relaccedilatildeo ao corpo outras vezes desejo de morte

ou entatildeo treino para morrer Para saber mais sobre esta opiniatildeo veja-se Xenofonte

livro 4 Sobre os ditos de Soacutecrates Proclo no livro Sobre a alma e o demoacutenio Alcino

no livro Sobre a Doutrina de Platatildeo Apuleio no livro Sobre a Filosofia

Transmitem tambeacutem outras definiccedilotildees de Filosofia Lactacircncio no livro 4

capiacutetulo 2 Justino filoacutesofo e maacutertir no Diaacutelogo com Triacutefon e ainda outros

Quarta definiccedilatildeo deduzida sobretudo de Aristoacuteteles Mas aquela que nos

parece a melhor de todas eacute a que refere S Damasceno no livro IV da sua Dialeacutectica e

Amoacutenio no iniacutecio dos Predicaacuteveis a partir dos antigos sobretudo de Aristoacuteteles no

livro X da Metafiacutesica capiacutetulo 3 a saber ldquoa Filosofia eacute o conhecimento das coisas tal

como satildeordquo Aquelas palavras ndash ldquocomo satildeordquo ndash tecircm o mesmo valor de ldquopelas suas

causasrdquo se as tiverem pois do mesmo modo que as coisas cujas causas se investigam

conseguem existir pelas causas assim se diz serem percebidas ldquocomo satildeordquo quando por

elas se conhecem Ora torna-se por isso evidente que a Filosofia deve perceber as

causas porque desse mesmo modo a partir do espanto isto eacute da percepccedilatildeo dos efeitos e

da ignoracircncia das causas comeccedilaram os homens a filosofar isto eacute a procurar as causas

como ensina Platatildeo no Teeteto e Aristoacuteteles no livro I da Metafiacutesica capiacutetulo 2 Posto

isto eacute justo considerar Filoacutesofo ou saacutebio por completo quem alcanccedilar o conhecimento

das causas Todavia agraves vezes entende-se por filosofia a aparente e imperfeita intelecccedilatildeo

das coisas o que acontece em Platatildeo no Banquete e outras vezes apenas pela primeira

filosofia nomeadamente em Aristoacuteteles no livro IV da Metafiacutesica capiacutetulo 2 texto 5

Noacutes poreacutem no desenvolvimento desta obra vamos consideraacute-la preferivelmente agrave luz

da noccedilatildeo que foi definida por uacuteltimo segundo a qual se afirma que eacute o conhecimento

das coisas tal como satildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 78

SOBRE A DUPLA ORGANIZACcedilAtildeO DA FILOSOFIA

Na Antiguidade foram difundidas vaacuterias divisotildees da Filosofia entre as quais

vamos examinar atentamente duas que se consideram mais ceacutelebres e de maior

relevacircncia para o nosso objectivo59

Primeira divisatildeo da Filosofia A primeira eacute aquela que organiza a Filosofia em Natural

Moral e Dialeacutectica Neste contexto poreacutem a Natural (como eacute evidente a partir do lato

significado de natureza de onde proveacutem a designaccedilatildeo) compreende natildeo soacute a Fisiologia

mas tambeacutem a Metafiacutesica e as disciplinas Matemaacuteticas

Quem a tornou ceacutelebre Ora este tipo de disposiccedilatildeo que natildeo reuacutene a concordacircncia de

todos os escritores quanto ao seu autor foi recomendada por Platatildeo como atesta Alcino

no livro sobre a sua doutrina capiacutetulo 3 e Euseacutebio de Cesareia no iniacutecio do livro 11 da

Preparaccedilatildeo Evangeacutelica A mesma disposiccedilatildeo seguiram tambeacutem Aristoacuteteles no livro 1

dos Toacutepicos capiacutetulo 12 Crisipo Eudromo Xenoacutecrates e outros que Laeacutercio recorda

na Vida de Zenatildeo seguindo Plutarco livro 1 Das Sentenccedilas capiacutetulo 1

Razatildeo que a comprova Que esta forma de dividir a Filosofia eacute adequada e

perfeita pode demonstrar-se do modo seguinte a Filosofia orienta-se para a felicidade

humana (como de facto assegura Santo Agostinho seguindo Platatildeo no livro 19 da

Cidade de Deus capiacutetulo 1 ldquoo homem natildeo tem nenhum outro motivo para se dedicar agrave

Filosofia senatildeo o de querer ser felizrdquo)60 A felicidade humana no entanto segundo

afirma Aristoacuteteles nos capiacutetulos 7 e 8 do primeiro livro da Eacutetica a Nicoacutemaco consiste

por um lado na acccedilatildeo consentacircnea agrave virtude por outro na contemplaccedilatildeo da verdade Eacute

preciso entatildeo que exista uma ciecircncia que contenha a razatildeo da honestidade e que

eduque com vista agrave virtude e agrave probidade dos costumes Esta eacute na verdade a Filosofia

Moral E aleacutem desta uma outra que perscrute os misteacuterios escondidos da natureza e se

dedique em exclusivo agrave tarefa de conhecer a verdade a esta se chama Fiacutesica

Posteriormente a aquisiccedilatildeo e o uso deste tipo de ciecircncias evidenciam-se pelo modo de

dissertar mas neste domiacutenio a mente iludida pelo erro tem muitas vezes alucinaccedilotildees

Deve pois instituir-se uma terceira arte que traga a luz e habilmente tome providecircncias

59 Referem esta divisatildeo S Agostinho A Cidade de Deus 8 cap 4 Lactacircncio no livro 3 cap 13 Alcino no livro Sobre a Doutrina de Platatildeo e Isidoro no livro Dialogi decem auctorem60 Leia-se Platatildeo no Goacutergias e no Teeteto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 79

para que a falsidade natildeo ocupe o lugar da verdade esta eacute entatildeo designada por

Dialeacutectica E por conseguinte haacute precisamente o mesmo nuacutemero de partes da Filosofia

Confirmaccedilatildeo Isto mesmo confirma S Tomaacutes no iniacutecio da Eacutetica a Nicoacutemaco

mais ou menos por esta razatildeo a principal preocupaccedilatildeo do saacutebio diz respeito agrave ordem

uma vez que como se pode ver no capiacutetulo 2 do livro primeiro da Metafiacutesica ao saacutebio

compete primeiro que tudo ordenar ora a ordem das coisas que se apresentam agrave

consideraccedilatildeo da filosofia eacute triacuteplice

Ordem triacuteplice das coisas Em primeiro lugar aquela que a razatildeo natildeo produz

mas apenas observa e pondera deste tipo eacute a ordem das coisas fiacutesicas Em segundo

aquela que a razatildeo apresenta a si mesma quando dispotildee de forma ordenada entre si as

suas noccedilotildees e raciociacutenios Em terceiro aquela que a razatildeo prescreve agrave vontade para que

ela instruiacuteda pela virtude procure seguir o que for correcto e honesto A primeira

requer a ciecircncia natural a segunda a racional a terceira a moral Portanto a Filosofia

nem precisa de mais nem pode contentar-se com menos partes

Esclarecimento pelo siacutemile Santo Agostinho em parte no livro 8 capiacutetulo 4

da Cidade de Deus em parte no livro 11 capiacutetulo 25 explica a razatildeo desta tripartida

variedade por intermeacutedio de um siacutemile mais ou menos nestes termos tal como satildeo trecircs

as condiccedilotildees que em qualquer artiacutefice se exigem para que faccedila alguma coisa ndash natureza

saber e praacutetica ndash das quais a primeira eacute avaliada pelo engenho a segunda pela ciecircncia e

a terceira pelo produto assim tiveram os filoacutesofos de instituir uma triacuteplice disciplina

natural por causa da natureza racional por causa do saber moral por causa da praacutetica

E dado que o homem foi criado por Deus de tal modo que por intermeacutedio do que nele eacute

superior alcance aquilo que eacute superior a tudo pela ciecircncia deste modo tripartido

alcanccedila Deus uno verdadeiro e oacuteptimo sem o qual nenhuma natureza subsiste nenhum

saber instrui nenhuma praacutetica pode ser uacutetil Existem assim segundo a opiniatildeo de Santo

Agostinho estas trecircs partes da Filosofia como se fossem trecircs graus atraveacutes dos quais

quem for saacutebio por completo aspirando agrave aura celeste procura o ponto mais elevado e

consegue aproximar-se da semelhanccedila a Deus E por isso algueacutem as designou com uma

certa razatildeo trecircs dons singulares atraveacutes dos quais as mentes humanas se iluminam

purificam e aperfeiccediloam seguindo o exemplo da hierarquia celeste61 De facto a

61 De acordo com a doutrina de S Dioniacutesio no 3ordm cap da Caelestis Hierarchia que S Tomaacutes explica na Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 106 art 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 80

Dialeacutectica ao distinguir o verdadeiro do falso pelo artifiacutecio da discussatildeo ilumina o

espiacuterito espalhando sobre ele a luz da verdade a Filosofia Moral ao disciplinar os

costumes arranca as fibras dos viacutecios e assim purifica a Natural ao adornar a mente

com uma intelecccedilatildeo mais elevada das coisas ocultas aperfeiccediloa Podem encontrar-se

outros siacutemiles e razotildees para ilustrar esta questatildeo em Fiacutelon Judeu no livro Sobre a

Agricultura e em Laeacutercio no Zenatildeo Ciacutetico Veja-se tambeacutem Plotino no livro 3 das

Eneacuteadas capiacutetulo 1 sobre a triacuteplice subida ao mundo inteligiacutevel

Segunda divisatildeo A outra disposiccedilatildeo da filosofia eacute aquela em que natildeo se divide a

Filosofia na sua globalidade mas apenas a parte que reside na contemplaccedilatildeo ou seja a

Metafiacutesica a Fisiologia e as disciplinas Matemaacuteticas No entanto uma vez que esta

divisatildeo conteacutem muitas dificuldades relativamente agraves quais seraacute uacutetil e interessante

apresentar uma explicaccedilatildeo vamos dissertar sobre ela de forma mais desenvolvida e

organizada em artigos

QUESTAtildeO I

SE Eacute CORRECTO DIVIDIR A FILOSOFIA CONTEMPLATIVA EM METAFIacuteSICA FISIOLOGIA E

MATEMAacuteTICA

ARTIGO 1ordm

NAtildeO PARECE CORRECTO DIVIDIR-SE

Que aquela tripartida disposiccedilatildeo da filosofia contemplativa que foi transmitida

natildeo eacute muito vaacutelida parece poder demonstrar-se deste modo

Primeiro argumento a partir de Aristoacuteteles e Platatildeo Aristoacuteteles no capiacutetulo 2

do livro 4 da Metafiacutesica afirma que satildeo tantas as partes da Filosofia quantos os geacuteneros

de substacircncias Logo como a Matemaacutetica estuda natildeo uma substacircncia mas a quantidade

eacute evidente que Aristoacuteteles natildeo a enumera nas partes da Filosofia Aleacutem disso Platatildeo

nos Amadores62 onde traccedila o perfil do verdadeiro e legiacutetimo filoacutesofo considera digno

do nome de filoacutesofo apenas aquele que se destaca na maneira de tratar as questotildees

subjacentes agrave disciplina da vida social e dos costumes e pensa por isso que soacute a

doutrina moral eacute a verdadeira Filosofia

Segundo argumento Tal como a Matemaacutetica se empenha em conhecer a

quantidade e as suas disposiccedilotildees assim eacute preciso haver uma ciecircncia que perscrute a

62 scilicet Banquete (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 81

relaccedilatildeo a qualidade e os outros acidentes uma vez que estas coisas nem satildeo menos

difiacuteceis de entender nem deixam de exigir uma explicaccedilatildeo especiacutefica por causa da

dissemelhanccedila de naturezas Logo satildeo muito mais as partes da filosofia

Terceiro argumento Do mesmo modo que a essecircncia do ente moacutevel antecede

pela origem o movimento e as restantes propriedades que a acompanham assim pode

conhecer-se sem eles e encarada deste prisma natildeo diz respeito ao matemaacutetico que se

ocupa apenas da quantidade nem ao ldquoprimeiro filoacutesofordquo que abstrai a sua reflexatildeo da

mateacuteria nem sequer ao fiacutesico pois ele natildeo examina a natureza sem movimento Deve

procurar-se entatildeo uma outra ciecircncia que tome em consideraccedilatildeo a essecircncia do ente

moacutevel quando entendida dessa forma

Quarto argumento Pelo contraacuterio basta uma soacute ciecircncia para contemplar o ente

em geral e todas as suas partes Logo a multiplicidade de ciecircncias eacute supeacuterflua O

antecedente pode comprovar-se de duas maneiras Primeiro porque tal como tudo o que

conhecemos pela luz da revelaccedilatildeo divina diz respeito a uma ciecircncia transcendente ou

seja agrave Teologia assim tudo aquilo que apreendemos por noacutes proacuteprios pelo impulso da

luz inata pode ser reduzido a uma soacute ciecircncia natural visto que em ambos os casos a

razatildeo eacute igual Em segundo lugar porque como todas as coisas satildeo unas enquanto entes

por unidade anaacuteloga nada impede que no seu conjunto obtenham o modo de uma soacute

ciecircncia Porque se algueacutem se opuser dizendo que para fundamentar ou demonstrar a

razatildeo de uma ciecircncia una natildeo basta a unidade anaacuteloga dado que a unidade das ciecircncias

eacute pretendida com base na unidade das abstracccedilotildees abstracccedilotildees essas que satildeo no miacutenimo

trecircs contra isto pode jaacute objectar-se deste modo com os argumentos expostos em

seguida

Trecircs abstracccedilotildees filosoacuteficas Quinto argumento Aquelas trecircs partes principais

da Filosofia ndash Matemaacutetica Fiacutesica e primeira Filosofia ndash ou pelo menos duas delas

consideram apenas um objecto que eacute o mesmo Por conseguinte natildeo dizem respeito agraves

tais diferentes abstracccedilotildees da mateacuteria entre as quais se distinguem como ciecircncias

diversas visto que a mesma coisa natildeo parece de modo nenhum poder alcanccedilar a tal

triacuteplice variedade das abstracccedilotildees Explica-se assim o antecedente De facto o

matemaacutetico considera a quantidade como se sabe

O metafiacutesico considera os geacuteneros supremos Mas o metafiacutesico tambeacutem a deve

contemplar uma vez que contempla os geacuteneros supremos que dividem o ente na

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 82

primeira seriaccedilatildeo bem como o Fiacutesico dado que eacute uma das principais disposiccedilotildees do

ente moacutevel Para aleacutem disso o Fiacutesico disserta sobre o movimento e toda a substacircncia

que estaacute sujeita ao nascimento e agrave morte ora o primeiro filoacutesofo trata das mesmas

questotildees como se pode ver em Aristoacuteteles livros 7 8 e 12 da Metafiacutesica63 Por fim o

ldquoprimeiro filoacutesofordquo toma em consideraccedilatildeo as mentes livres da ligaccedilatildeo agrave mateacuteria sobre

as quais tambeacutem o filoacutesofo natural discute como se mostra no livro 8 desta obra Torna-

se entatildeo evidente que as mesmas coisas satildeo levadas em consideraccedilatildeo pelas diferentes

partes da filosofia contemplativa e ateacute sob a mesma abstracccedilatildeo

Sexto argumento A abstracccedilatildeo relativamente agrave mateacuteria acontece por mais de

trecircs modos logo se as ciecircncias se distinguem pela abstracccedilatildeo desse tipo entatildeo hatildeo-de

ser mais do que trecircs os membros da Filosofia Comprova-se o antecedente Com efeito

os atributos comuns a todas as coisas a que se chama transcendentes e tambeacutem os

geacuteneros supremos existem na realidade em parte na proacutepria mateacuteria em parte fora

dela Esta abstracccedilatildeo difere das trecircs vulgares como se torna manifesto a quem leve isto

em consideraccedilatildeo Aleacutem disso as inteligecircncias embora estejam completamente livres de

mateacuteria fiacutesica como podem no entanto receber em si novos acidentes participam

ainda sem qualquer duacutevida no poder ou como lhe chamam na potencialidade que eacute

um certo geacutenero da mateacuteria tomada de forma improacutepria Daiacute que no livro Das Causas

na nona proposiccedilatildeo se diga que as inteligecircncias tecircm a sua ὔλην Mas Deus oacuteptimo e

maacuteximo como eacute um acto e por isso absolutamente puro estaacute completamente afastado

de todo o tipo de mateacuteria

A mateacuteria existe numa determinada proporccedilatildeo ateacute nas coisas imateriais Exige

portanto outro tipo de abstracccedilatildeo totalmente diversa daquela que conveacutem agraves

inteligecircncias Deve assim instituir-se uma ciecircncia relativa ao transcendente e aos

geacuteneros supremos uma outra sobre Deus e ainda outra para as restantes mentes pois

nem todas estas coisas se poderatildeo incluir apenas na Metafiacutesica a natildeo ser que esta sob o

mesmo nome se possa dividir pela muacuteltipla variedade de trecircs ciecircncias

63 Livro 7 da Metafiacutesica cap 2 6 7 81217 livro 8 da Metafiacutesica a partir do cap 1 e livro 12 da Metafiacutesica cap 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 83

ARTIGO 2ordm

REFERE-SE AS DIVERSAS POSICcedilOtildeES DOS AUTORES E ESTABELECE-SE QUAL DELAS Eacute A

VERDADEIRA

Primeira opiniatildeo Nesta questatildeo nunca houve desacordo entre os antigos

Peripateacuteticos64 Mas na verdade o assunto tem sido abordado pelas opiniotildees de alguns

filoacutesofos modernos e divide-se em posiccedilotildees contraacuterias Haacute entatildeo quem defenda que

existe apenas uma ciecircncia que percorre todo o domiacutenio do ente e considera especiacutefica e

distintamente todas as suas partes Pelos Filoacutesofos poreacutem foi dividida naqueles trecircs

ramos jaacute conhecidos para facilidade dos aprendizes porque natildeo se pode aprender ao

mesmo tempo tatildeo numerosos e tatildeo diversos geacuteneros de coisas compreendidos num soacute

E de facto o quarto argumento do artigo anterior daacute-lhes razatildeo

Refutaccedilatildeo No entanto este parecer natildeo eacute satisfatoacuterio natildeo soacute por ser inovador

mas tambeacutem por mostrar fraca aparecircncia de probabilidade Eacute de facto inovador porque

nunca passou pela cabeccedila de nenhum dos Filoacutesofos reduzir todas as ciecircncias a uma soacute

Quem disserta sobre a variedade das ciecircncias seja em que contexto for fala sobre elas

como coisas distintas no que diz respeito agrave sua natureza e agrave sua espeacutecie O que se pode

ver sobretudo em Platatildeo entre outros no diaacutelogo Sobre o reino65 no Filebo no Sofista

no livro 10 da Repuacuteblica E tambeacutem em Aristoacuteteles no livro 1 dos Analiacuteticos

Posteriores capiacutetulos 19 e 23 no livro 8 dos Toacutepicos capiacutetulo 2 no primeiro livro

Sobre a Alma capiacutetulo 1 no livro 3 capiacutetulo 8 e em muitas outras passagens

Escurece o brilho da Filosofia Um parecer deste tipo eacute tambeacutem por si proacuteprio menos

provaacutevel porque como eacute natural escurece muito o brilho da Filosofia na medida em

que a lanccedila e aprisiona no aglomerado de um soacute corpo confuso como se fosse na

ὀμοιομερίαν de Anaxaacutegoras E depois quem pode fazer com que uma tatildeo vasta

miscelacircnea de coisas e uma variedade tatildeo grande de naturezas opostas se adapte agrave

compreensatildeo de uma soacute ciecircncia

Conclui-se o distinto e evidente conhecimento das mateacuterias que caem sob o

escopo das ciecircncias Com igual razatildeo poderia talvez dizer-se que toda a mateacuteria ou

objectos de todas as virtudes pertencem a uma soacute virtude O que poderia haver de mais

absurdo na doutrina Moral Aleacutem disso pode demonstrar-se que a distinccedilatildeo das 64 Sobre este assunto veja-se Mirandulano no livro 13 De singulari certamine secccedilotildees 6 e 7 e no iniacutecio do livro 1465 O Poliacutetico

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 84

ciecircncias natildeo nasceu apenas da comodidade mas tambeacutem da proacutepria natureza porque ndash

como ensinam Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 23 bem como Platatildeo no

diaacutelogo Sobre o furor poeacutetico e os restantes filoacutesofos reiteradamente ndash as ciecircncias

distinguem-se entre si pelas mateacuterias que lhes sujeitam e atribuem a que se chamam

sujeitos de atribuiccedilatildeo e do mesmo modo acontece com as potecircncias atraveacutes dos

objectos Por conseguinte como eacute tambeacutem voz comum dos que filosofam uma vez que

as potecircncias ndash por exemplo de nutrir de sentir de inteligir ndash diferem entre si num ponto

essencial de forma igualmente inequiacutevoca hatildeo-de as ciecircncias distinguir-se umas das

outras Resumindo a diferenccedila entre os princiacutepios que cada uma utiliza e os modos

completamente diversos de observar e de abordar os objectos atestam claramente que

esta distinccedilatildeo entre as ciecircncias eacute intriacutenseca e natural

Segunda opiniatildeo que tambeacutem se rejeita Diversa eacute a opiniatildeo de quem afirma

que para aleacutem daquelas trecircs partes da Filosofia devem ser criadas muitas outras de tal

modo que a Metafiacutesica contenha na sua designaccedilatildeo e no seu seio pelo menos trecircs

ciecircncias diversas quanto ao geacutenero uma que contemple a divindade outra que trate das

inteligecircncias e uma terceira que discorra sobre o transcendente e os geacuteneros supremos

Com esta opiniatildeo concorda o sexto argumento do artigo anterior mas nem dizem a

verdade nem seguem Aristoacuteteles como se haacute-de tornar evidente no desenvolvimento

desta discussatildeo

Terceira opiniatildeo correspondente agrave verdade A terceira posiccedilatildeo ndash a que

devemos abraccedilar ndash pertence agravequeles que pensam que nem a ciecircncia eacute apenas uma nem

satildeo diversas as metafiacutesicas mas apenas uma Metafiacutesica uma Fisiologia e vaacuterias

Matemaacuteticas e que satildeo todas elas entre si de tal modo diferentes pela natureza e difusas

pela amplitude que dessa diferenccedila entre elas floresce toda a Filosofia que se dedica agrave

contemplaccedilatildeo

Comprova-se pelo testemunho dos filoacutesofos66 Confirma esta afirmaccedilatildeo em primeiro

lugar a autoridade de Platatildeo no livro Sobre a doutrina platoacutenica de Alcino capiacutetulo 6

e tambeacutem vaacuterios testemunhos de Aristoacuteteles como por exemplo no livro 6 da

Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 2 e no livro 11 capiacutetulo 6 Eacute seguido por S Damasceno no

primeiro capiacutetulo da sua Fisiologia por Boeacutecio no livro Sobre a trindade capiacutetulo 2

66 Temiacutestio e Filoacutepono neste passo Eustraacutecio no iniacutecio da Eacutetica S Tomaacutes no livro 11 da Metafiacutesica liccedilatildeo 7 Alberto Magno no livro 1da Metafiacutesica cap1 Escoto no livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 85

por Avicena no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 Algazel no iniacutecio da sua Filosofia

Ptolomeu no Almagesto livro 1 capiacutetulo 1 e pela escola comum dos Peripateacuteticos

ARTIGO 3ordm

PODE-SE DISTINGUIR CORRECTAMENTE AS PARTES DA FILOSOFIA CONTEMPLATIVA DE

ACORDO COM A VARIEDADE DAS ABSTRACCcedilOtildeES EM RELACcedilAtildeO Agrave MATEacuteRIA E AO MOVIMENTO

Razatildeo das abstracccedilotildees nas ciecircncias Ora para que a verdade apareccedila com toda

a clareza eacute preciso ter em conta segundo afirma S Tomaacutes67 no Opuacutesculo 70 questatildeo 3

artigo 1ordm bem como noutros locais que ao objecto que cai sob a observaccedilatildeo da ciecircncia

convecircm por assim dizer dois atributos um em virtude da potecircncia intelectiva que

aperfeiccediloa e complementa o outro por causa do haacutebito da ciecircncia pelo qual se chega a

ela Em funccedilatildeo da primeira causa compete-lhe ser algo de imaterial visto que a

faculdade de inteligir eacute desprovida de mateacuteria Pela segunda natildeo pode deixar de obter

certeza e imutabilidade visto que a ciecircncia se faz acerca de coisas necessaacuterias e eacute

preciso que tudo o que eacute necessaacuterio seja seguro e imutaacutevel Mas aquilo que estaacute sujeito

ao movimento enquanto tal tanto o pode ser como natildeo segundo diz Aristoacuteteles no

livro 9 da Metafiacutesica capiacutetulo 9 texto 17 Assim sendo eacute preciso que tudo aquilo que

caia sob a contemplaccedilatildeo da ciecircncia exija a si mesmo uma certa abstracccedilatildeo da mateacuteria e

do movimento

De que modo se determina o nuacutemero das artes contemplativas Feitas estas

advertecircncias jaacute se poderaacute provar o nosso intuito deste modo tantas satildeo as ciecircncias

contemplativas quantas as abstracccedilotildees da mateacuteria e do movimento Ora estas satildeo trecircs

no total logo outras tantas seratildeo as ciecircncias contemplativas Fundamenta-se a

proposiccedilatildeo maior porque estas abstracccedilotildees satildeo necessariamente acompanhadas por

modos diversos ndash chamam-lhes lsquocognoscibilidadesrsquo68 ndash sob as quais as ciecircncias atingem

por si mesmas as coisas sujeitas e cada uma delas produz uma distinccedilatildeo entre as

proacuteprias ciecircncias Daiacute que Aristoacuteteles no livro 6 capiacutetulo 1 texto 2 da Metafiacutesica e

tambeacutem no livro 12 capiacutetulo 6 bem como no primeiro livro Sobre a Alma capiacutetulo 1

texto 17 e ainda noutros locais tenha estabelecido o nuacutemero das ciecircncias em funccedilatildeo da

variedade das abstracccedilotildees Consta que Platatildeo teraacute feito o mesmo pelo que conta Alcino

67 Em Questotildees sobre a verdade questatildeo 2 artigo 6 nota 1 no Proacutelogo da Metafiacutesica no livro 6 liccedilatildeo 1 e no princiacutepio desta obra68 Scibilitates (NT)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 86

no livro sobre a sua doutrina capiacutetulo 7 A proposiccedilatildeo menor explica-se pelo facto de

existir uma abstracccedilatildeo da mateacuteria sensiacutevel apenas singular uma outra da mateacuteria

sensiacutevel tambeacutem comum que natildeo eacute real mas racional e uma de toda a mateacuteria

simultaneamente real e racional

Adaptaccedilatildeo das abstracccedilotildees agraves ciecircncias A primeira delas diz respeito ao

Filoacutesofo Natural a segunda ao Matemaacutetico a uacuteltima ao Metafiacutesico De facto o Filoacutesofo

Natural toma em consideraccedilatildeo por exemplo o homem na medida em que eacute constituiacutedo

pela alma e pelo corpo afeito a qualidades que caem sob o domiacutenio dos sentidos a que

se chama mateacuteria sensiacutevel mas natildeo perscruta a mateacuteria singular uma vez que o

singular por si mesmo natildeo diz respeito agrave ciecircncia O Matemaacutetico contempla as

disposiccedilotildees dos triacircngulos e outras do mesmo geacutenero mas apesar de elas estarem de

facto ligadas agrave mateacuteria sensiacutevel natildeo as avalia enquanto existentes desse modo na

mateacuteria O Metafiacutesico dedica-se ao conhecimento da causa primeira e tambeacutem das

inteligecircncias e das outras coisas que natildeo consistem na mateacuteria nem a incluem na sua

constituiccedilatildeo Por conseguinte o que dissemos sobre a abstracccedilatildeo da mateacuteria deve ser

entendido do mesmo modo quanto agrave separaccedilatildeo do movimento Torna-se entatildeo evidente

que haacute trecircs tipos de abstracccedilotildees e por isso outras tantas partes da Filosofia

especulativa e natildeo eacute preciso acrescentar-lhe outras para aleacutem destas porque tudo o que

se submete agrave contemplaccedilatildeo da ciecircncia eacute percepcionado pelo intelecto atraveacutes de uma

das trecircs noccedilotildees mencionadas Ora esta razatildeo eacute brevemente aflorada por S Tomaacutes no

lugar citado

No entanto nas mencionadas abstracccedilotildees ainda que por vezes natildeo se avalie

como moacutevel nem como material o que eacute na realidade moacutevel ou estaacute unido agrave mateacuteria

mesmo assim poreacutem a falsidade natildeo interveacutem porque nem se atribui a uma coisa que a

natildeo tenha nem se nega agrave que a tem pelo contraacuterio o pensamento soacute separa e abstrai a

mateacuteria daquilo a que na verdade ela se une Ao abstraiacute-la poreacutem69 como ensina

Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo 2 texto 18 e no livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo

11 texto 3 natildeo haacute lugar para a mentira nem para o erro a capacidade de abstrair

considera quanto for possiacutevel o que estaacute unido em separado o que eacute material sem a

mateacuteria e o que eacute moacutevel sem o movimento

69 Leia-se S Tomaacutes Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 85 artigo 1 ao 1ordm

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 87

ARTIGO 4ordm

NAS DISCIPLINAS MATEMAacuteTICAS NAtildeO HAacute APENAS UM TIPO DE ABSTRACCcedilAtildeO DA MATEacuteRIA

Mas noacutes quando indicamos uma abstracccedilatildeo triacuteplice da mateacuteria entendemos

triacuteplice parcialmente na espeacutecie parcialmente no geacutenero Pois na verdade embora a

Fisiologia tenha uma abstracccedilatildeo na espeacutecie e a Metafiacutesica do mesmo modo apenas

uma na espeacutecie as Matemaacuteticas poreacutem requerem uma no geacutenero e duas na espeacutecie

Para que isto se torne claro natildeo se pode ignorar que a mateacuteria estaacute bipartida sem

duacutevida nenhuma em sensiacutevel e inteligiacutevel

De que modo se divide a mateacuteria no seu sentido mais lato A mateacuteria sensiacutevel

eacute a mateacuteria-prima envolvida pelos acidentes que movem os sentidos Mas quanto agrave

inteligiacutevel eacute controverso o que se possa dizer S Tomaacutes na Suma Teoloacutegica 1ordf parte

questatildeo 85 artigo 1 acredita que eacute a mesma mateacuteria-prima mas encarada apenas na

medida em que estaacute sujeita agrave quantidade Com S Tomaacutes concorda o Ferrariense no

livro 2 desta obra questatildeo 2 e Soncinas no livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 11 No

entanto muitos outros natildeo aprovam esta opiniatildeo Na verdade como se diz na opiniatildeo

comum dos filoacutesofos que o geoacutemetra natildeo abstrai a cogniccedilatildeo da mateacuteria inteligiacutevel se a

mateacuteria inteligiacutevel fosse mateacuteria prima entatildeo a reflexatildeo matemaacutetica poderia chegar agrave

substacircncia Mas Aristoacuteteles nega-o no livro 12 da Metafiacutesica capiacutetulo 8 texto 44 e com

ele todos os inteacuterpretes gregos em parte no livro 2 desta obra desde o texto 18 em

parte no livro 1 Sobre a Alma texto 17 E isto pode demonstrar-se a partir desta razatildeo

os Matemaacuteticos nem quando definem nem quando demonstram fazem qualquer

menccedilatildeo da mateacuteria ou de outra substacircncia E com toda a razatildeo visto que as disposiccedilotildees

matemaacuteticas natildeo precisam de uma menccedilatildeo desse tipo como aquelas que convecircm agrave

quantidade tomada em si mesma sem qualquer ordem para a substacircncia como ser igual

ou desigual ser divisiacutevel ter proporccedilatildeo ou qualquer outra deste tipo Asseguram entatildeo

estes autores que a mateacuteria inteligiacutevel eacute uma grandeza isto eacute uma linha uma superfiacutecie

um corpo e que se diz mateacuteria por causa da semelhanccedila ou da analogia que tem com a

mateacuteria-prima (tal como esta recebe as formas substanciais assim a outra recebe as

acidentais agrave sua maneira) No entanto eacute designada por inteligiacutevel porque dizendo

respeito ao Matemaacutetico natildeo eacute pelos sentidos que pode ser percebida mas pelo intelecto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 88

Opiniatildeo de Alexandre Esta uacuteltima posiccedilatildeo parece mais verosiacutemil e foi seguida por

Alexandre de Afrodiacutesia no livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo 10 sobre o texto 55 por S

Tomaacutes no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 23 e ainda por muitos outros autores70

A abstracccedilatildeo Matemaacutetica eacute dupla E assim feitas estas explicaccedilotildees

estabelecemos que a abstracccedilatildeo Matemaacutetica natildeo eacute una na espeacutecie mas dupla De facto

as coisas matemaacuteticas ou se afastam atraveacutes do pensamento apenas da mateacuteria

sensiacutevel ou simultaneamente tambeacutem da inteligiacutevel Se for do primeiro modo dizem

respeito ao Geoacutemetra se for do segundo ao Aritmeacutetico Entatildeo o Geoacutemetra como

testemunha Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo 2 texto 20 e no livro 1 da

Retoacuterica a Teodectes capiacutetulo 2 deve contemplar as disposiccedilotildees da grandeza e o

Aritmeacutetico por seu lado deve ocupar-se das propriedades do nuacutemero

Por que eacute que as Matemaacuteticas satildeo vaacuterias a Fiacutesica soacute uma e a metafiacutesica

tambeacutem apenas uma Tendo em conta o que foi dito torna-se claro por que eacute que as

matemaacuteticas satildeo vaacuterias e a Fisiologia pelo contraacuterio eacute soacute uma bem como a Metafiacutesica

Evidentemente porque qualquer uma destas exige apenas uma abstracccedilatildeo enquanto as

primeiras exigem duas No entanto ateacute aqui noacutes trataacutemos apenas daquelas Matemaacuteticas

que se consideram simples e puras Existem poreacutem outras para aleacutem destas que se

designam por mistas porque se situam no meio entre a Fisiologia e as Matemaacuteticas no

seu estado puro daiacute que os seus objectos digam respeito em parte ao Filoacutesofo Natural

e em parte ao Aritmeacutetico ou ao Geoacutemetra como por exemplo a Muacutesica e a Perspectiva

De facto o nuacutemero sonoro de que se ocupa a Muacutesica pela sua dimensatildeo numeacuterica eacute

algo de aritmeacutetico pela sua dimensatildeo sonora eacute algo de fiacutesico Sobre este assunto [leia-

se] Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo 2 e tambeacutem os seus inteacuterpretes sobre os

textos 18 e 19 bem como no livro 3 a propoacutesito do texto 7171 De toda a disposiccedilatildeo das

artes Matemaacuteticas tratam tambeacutem Proclo no livro 1 do Euclides Alcino no livro Sobre

a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 6 e Hugo de Satildeo Victor no capiacutetulo 2 do Didascalion a

partir do capiacutetulo 7

70 Leia-se Vicomercato no cap 2 do livro 2 do comentaacuterio a esta obra Teoacutefilo Zimara no livro 1 Da Alma no texto 17 e Antoacutenio Zimara propos 8 nos Teoremas71 Leia-se tambeacutem Escaliacutegero nas Exercitaccedilotildees exoteacutericas exercitaccedilotildees 321 e 322

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 89

ARTIGO 5ordm

EXPLICACcedilAtildeO DE ALGUMAS DUacuteVIDAS PARA ESCLARECER MELHOR O QUE SE DISSE

ANTERIORMENTE

Para que se torne mais claro o que discorremos sobre a variedade e a distinccedilatildeo

das abstracccedilotildees devemos explicar algumas duacutevidas que a muitos dos filoacutesofos

sobretudo modernos parecem inexplicaacuteveis na nossa posiccedilatildeo Em primeiro lugar dizem

natildeo compreender de que modo o Metafiacutesico afasta o pensamento da mateacuteria tanto de

forma real como racional visto que natildeo soacute trata de todas as coisas que subsistem

totalmente fora da mateacuteria mas tambeacutem dos transcendentes e dos geacuteneros supremos

alguns dos quais existem parcialmente na mateacuteria como por exemplo a substacircncia e a

qualidade outros estatildeo por completo imersos na mateacuteria nomeadamente a situaccedilatildeo e o

haacutebito E ainda mais dado que contempla tambeacutem a proacutepria mateacuteria-prima como

consta do livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo 3

Certos predicados metafiacutesicos estatildeo em parte separados da mateacuteria e em

parte ligados a ela Para dissolvermos esta dificuldade deve entender-se que entre os

predicados que directamente e por si mesmos dizem respeito ao assunto da primeira

Filosofia haacute alguns que satildeo pura Metafiacutesica ou seja nenhuma parte deles por si

mesma eacute tratada como assunto por qualquer outro especialista em Artes como por

exemplo as inteligecircncias outros haacute que natildeo satildeo pura Metafiacutesica satildeo daqueles que

implicam mateacuteria em alguns inferiores mas em outros isso natildeo acontece como por

exemplo a substacircncia o bom o uno e outros deste tipo Eacute por isso que embora no

tribunal da ldquoPrimeira Filosofiardquo todos estes se considerem verdadeiramente separados

da mateacuteria poreacutem isso natildeo se verifica sempre do mesmo modo ora os primeiros eacute

porque natildeo tecircm qualquer contacto com a mateacuteria os outros porque natildeo a incluem no

seu conceito e quando satildeo considerados em si mesmos natildeo mostram qualquer diferenccedila

para que na realidade se encontrem fora dela A esta abstracccedilatildeo chama S Tomaacutes no

livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 bem como muitos outros na senda de Avicena livro 1

da sua Metafiacutesica capiacutetulo 2 abstracccedilatildeo segundo a indiferenccedila72

Pergunta Perguntam todavia os defensores da opiniatildeo contraacuteria que razatildeo

haveraacute entatildeo para que as coisas que existem parcialmente na mateacuteria e parcialmente

fora dela se considerem mais afastadas do que ligadas agrave mateacuteria visto que natildeo parece

72 Leia-se Soncinas 12 Metafiacutesica q 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 90

poder apresentar-se qualquer razatildeo idoacutenea para que se diga uma coisa em detrimento da

outra

Resposta Queremos responder-lhes que natildeo dissemos isto sem uma excelente

razatildeo E na verdade o mesmo se aplica nos termos jaacute enunciados ndash ldquoser algo abstraiacutedo

da mateacuteriardquo e ldquoser-lhe indiferenterdquo ou ldquonatildeo a reivindicar para si por naturezardquo como

explica S Tomaacutes no lugar citado Por isso tal como afirmamos com toda a verdade que

o animal em si mesmo eacute indiferente ao grau do racional mesmo que esteja de facto

parcialmente unido a ele na medida em que estaacute contido no ser humano e parcialmente

separado pois estaacute incluiacutedo nas bestas De igual modo afirmamos com legitimidade que

a substacircncia estaacute afastada e separada da mateacuteria ou seja eacute independente e indiferente a

ela ainda que por um lado esteja livre da mateacuteria pois estaacute naturalmente contida nas

inteligecircncias por outro estaacute imersa nela na medida em que se encontra nas substacircncias

dotadas de corpo

Mas no que se refere aos outros geacuteneros supremos que nem simplesmente

nem pela indiferenccedila estatildeo separados da mateacuteria esses natildeo dizem respeito por completo

ao Metafiacutesico mas somente enquanto cogniccedilatildeo divisiva na medida em que lhe

compete em termos gerais dividir o ente nas suas partes

De que modo o Metafiacutesico deve considerar a mateacuteria Por isso uma vez que

nesta divisatildeo tambeacutem ocorrem geacuteneros deste tipo daiacute resulta que tem igualmente de os

conhecer na medida em que os investiga para perceber toda a amplitude do ser embora

esta seja uma cogniccedilatildeo imperfeita e quase perfunctoacuteria Do mesmo modo tambeacutem o

ldquoPrimeiro Filoacutesofordquo considera a mateacuteria porque nela incide tendo em conta que o ente

se reparte em acto e potecircncia cujo principal indiacutecio eacute a mateacuteria E assim as coisas que

natildeo subsistem de forma alguma fora da mateacuteria natildeo as trata o Metafiacutesico senatildeo de

passagem e quase por acidente apenas por acaso dado que lhe compete pela sua

funccedilatildeo como presidente comum de todos os filoacutesofos73 instituir e preservar a Repuacuteblica

das ciecircncias e atribuir a cada disciplina a mateacuteria proacutepria e especiacutefica a que se deve

dedicar74 Por esta razatildeo com todo o seu direito e dignidade transpotildee livremente as

metas do proacuteprio objecto formal como se haacute-de dizer noutro lugar de forma mais

73 Artifices (N do T)74 Sobre o modo como o Metafiacutesico deve considerar a mateacuteria discorrem Averroacuteis na digressatildeo ao texto 9 livro 7 da Metafiacutesica Egiacutedio no proeacutemio desta obra Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 15 e Janduno no livro 12 da Metafiacutesica questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 91

pormenorizada A partir do que foi dito torna-se evidente a resoluccedilatildeo da dificuldade

apresentada e se for tida em atenccedilatildeo seraacute uacutetil para dissolver muitas outras duacutevidas que

ocorrem frequentemente nesta mateacuteria

Duacutevida acerca das abstracccedilotildees Matemaacuteticas Subsiste ainda uma outra duacutevida

acerca das abstracccedilotildees da Matemaacutetica que natildeo podemos deixar envolver no silecircncio a

saber como haacute-de ser possiacutevel que o Aritmeacutetico e o Geoacutemetra na contemplaccedilatildeo natildeo

faccedilam uso da mateacuteria-prima uma vez que a quantidade como atesta Aristoacuteteles no livro

6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1 bem como noutros locais depende enquanto ser da

substacircncia corpoacuterea e de tal modo que natildeo pode ser entendida sem a mateacuteria

Explicaccedilatildeo da duacutevida Deve responder-se poreacutem que a quantidade segundo a

sua essecircncia com conhecimento perfeito de todos os nuacutemeros natildeo pode ser

verdadeiramente entendida sem o expliacutecito conceito da natureza corpoacuterea no entanto

natildeo compete agrave Aritmeacutetica nem agrave Geometria o conhecimento deste tipo de quantidade75

Ora aquelas disposiccedilotildees dos nuacutemeros e das grandezas natildeo persistem ateacute ao ponto de

explorarem claramente a sua natureza chegando mesmo a perscrutar a sua ligaccedilatildeo

essencial agrave mateacuteria Salientam este aspecto para aleacutem de outros Filoacutepono Temiacutestio

Simpliacutecio e Averroacuteis natildeo soacute no primeiro livro 1 Sobre a Alma no texto 35 como

tambeacutem em outros locais e do mesmo modo Alense no proeacutemio da Metafiacutesica se eacute

realmente sua aquela obra

ARTIGO 6ordm

DISSOLVEM-SE OS ARGUMENTOS APRESENTADOS NO INIacuteCIO DA QUESTAtildeO

Cumpre agora dissolver os argumentos que colocaacutemos no iniacutecio da questatildeo

Em relaccedilatildeo ao primeiro deve dizer-se que Aristoacuteteles utilizou naquele contexto o

termo lsquoFilosofiarsquo numa acepccedilatildeo um pouco mais restrita certamente apenas como

ciecircncia que discorre sobre as coisas que subsistem por si mesmas E que Platatildeo nos

Amadores76 ou falou por hipeacuterbole para amplificar o sentido ou entatildeo natildeo exprimiu a

sua maneira de pensar mas a de Soacutecrates a quem daacute voz nesse diaacutelogo

75 Leia-se sobre este assunto o que diz Alberto Magno no livro 5 da Metafiacutesica tratado 3 cap2 Antonio Andreas no livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 3 Teoacutefilo Zimara no livro 1 Sobre a Alma no texto 17 Antoacutenio Zimara nos Teoremas 776 scilicet Banquete

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 92

Soacutecrates direccionou toda a filosofia para os costumes Consta que Soacutecrates

direccionou toda a Filosofia para o objectivo de bem viver e para a formaccedilatildeo dos

costumes Natildeo foi decerto somente dele mas tambeacutem de outros o juiacutezo acerca da

Filosofia Moral Os estoacuteicos poreacutem ornavam-na somente com o tiacutetulo de Filosofia daiacute

que a definissem como sabedoria ciecircncia dos bons e dos maus e arte de gerir a vida

Sobre este assunto se quiserem leiam Epicteto no Enchiridion capiacutetulo 67 e Plutarco

no opuacutesculo An seni gerenda sit Respublica77

Ao segundo respondemos que a qualidade a relaccedilatildeo e os outros acidentes natildeo

satildeo considerados pelo Filoacutesofo senatildeo sob alguma daquelas trecircs abstracccedilotildees e por isso

pertencem necessariamente a alguma das trecircs ciecircncias Por exemplo as cores uma vez

que com razatildeo se consideram apenas em relaccedilatildeo agrave mateacuteria sensiacutevel pertencem ao

Fiacutesico os triacircngulos uma vez que se afastam da mateacuteria sensiacutevel e natildeo da inteligiacutevel

pertencem ao Geoacutemetra as ciecircncias uma vez que satildeo independentes da mateacuteria

pertencem ao Metafiacutesico

A quem compete o estudo das relaccedilotildees E o mesmo se deve dizer tambeacutem das

relaccedilotildees porque por exemplo a desigualdade entre duas espeacutecies de anjos compete ao

Metafiacutesico a proporccedilatildeo entre dois nuacutemeros ao Aritmeacutetico a relaccedilatildeo da fonte de calor

com aquilo que vai aquecer ao Fiacutesico E observando desta perspectiva o que dissemos

mais atraacutes natildeo seraacute difiacutecil atribuir a cada ciecircncia o que estaacute contido em cada uma das

categorias

Explicaccedilatildeo mais pormenorizada deste argumento Se todavia ainda houver

algueacutem que natildeo se considere satisfeito com este argumento e defenda que para aleacutem da

quantidade haacute muitos outros acidentes materiais cujo conhecimento como acontece

com a quantidade o Filoacutesofo procura tirar da mateacuteria sensiacutevel de tal modo que possa e

deva ateacute encontrar uma nova ciecircncia sobre eles distinta da Fisiologia e das

Matemaacuteticas esse algueacutem haacute-de entender que enfim embora admitamos que os

acidentes deste tipo se podem considerar desse modo natildeo se deve valorizar poreacutem essa

consideraccedilatildeo ao ponto de uma outra ciecircncia ter de se ocupar dela com toda a dignidade

No entanto as coisas datildeo-se de outro modo no que diz respeito agrave quantidade que por

causa da recocircndita fecundidade das muacuteltiplas afeiccedilotildees que reivindica para si na medida

em que se abstrai da mateacuteria sensiacutevel natildeo criou apenas uma mas vaacuterias disciplinas

77 Seraacute que a Repuacuteblica deve ser governada por um anciatildeo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 93

O ente moacutevel considerado em si mesmo compete ao estudo da Fiacutesica

Relativamente ao terceiro ponto cumpre negar que a essecircncia do ente moacutevel

considerada em si mesma e antecedendo pela origem todas as suas propriedades natildeo

pertenccedila ao Fiacutesico Nem tampouco se deve dizer que ele natildeo observa a natureza sem

movimento por tambeacutem natildeo contemplar a proacutepria essecircncia do ente moacutevel tomada em si

mesma mas sim por natildeo excluir do seu estudo o movimento enquanto movimento

como fazem as outras ciecircncias Muito pelo contraacuterio aplica a maior parte do seu esforccedilo

na investigaccedilatildeo e na explicaccedilatildeo do movimento

Relativamente ao quarto deve negar-se a proposiccedilatildeo antecedente e dizer-se

quanto agrave sua primeira confirmaccedilatildeo que as coisas conhecidas pela luz natural da razatildeo

humana natildeo podem dizer respeito a uma soacute ciecircncia natural pelo simples facto de as

coisas conhecidas pela luz da divina revelaccedilatildeo e da feacute pertencerem a uma soacute ciecircncia

transnatural porque a luz natural do intelecto natildeo eacute mais do que a proacutepria faculdade e a

forccedila do entendimento que para o acto da ciecircncia concorre apenas de forma eficiente e

por si proacuteprio natildeo se orienta mais para este acto do que para o inteligiacutevel mais para

uma do que para outra intelecccedilatildeo

Razatildeo pela qual natildeo se retira a distinccedilatildeo das ciecircncias a partir da luz inata do

intelecto Assim sendo embora natildeo possamos partindo dessa luz demonstrar

cabalmente a unidade das ciecircncias o mesmo natildeo acontece com a luz da divina

revelaccedilatildeo Antes de mais porque natildeo eacute a proacutepria potecircncia mas reveste-se de potecircncia

atraveacutes de um dom celeste e impele-a para determinados actos Depois porque natildeo

concorre para o consentimento apenas de modo eficiente mas tambeacutem objectivo e ateacute

formal dado que a razatildeo formal do objecto da Teologia que se diz passiacutevel de

revelaccedilatildeo eacute dominada por essa luz que eacute como a razatildeo de atingirmos os pensamentos a

que damos assentimento Mas uma vez que se deve pedir a unidade e a distinccedilatildeo das

ciecircncias agrave razatildeo formal do objecto78 e a razatildeo formal de tudo o que nesta condiccedilatildeo de

vida se conhece pela luz da revelaccedilatildeo divina eacute una tal como eacute una a luz de onde

descende acontece entatildeo que temos apenas uma ciecircncia sobrenatural e vaacuterias naturais

E assim torna-se claro que nada se pode concluir do primeiro argumento pelo qual se

confirmava a proposiccedilatildeo antecedente Mas agrave uacuteltima jaacute se respondeu devidamente

78 Consulte-se Capreacuteolo no proacutelogo agraves Sentenccedilas questatildeo 3 ateacute ao fim e Caetano 1ordf parte Suma Teoloacutegica questatildeo 1 art 3

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 94

Que filoacutesofos79 e com que variedade examinam a quantidade Relativamente ao

quinto deve negar-se o que foi previamente afirmado e para sua confirmaccedilatildeo declara-

se que a Matemaacutetica a Fisiologia e a Metafiacutesica consideram a quantidade mas cada

uma delas em funccedilatildeo do seu domiacutenio isto eacute sob a sua abstracccedilatildeo proacutepria80 A

matemaacutetica considera-a como eacute evidente no acircmbito de algumas relaccedilotildees que dizem

absolutamente respeito agrave quantidade enquanto quantidade Satildeo deste tipo o igual e o

desigual o excesso e o defeito a simetria e a proporccedilatildeo bem como muitas outras

enumeradas por Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica capiacutetulo 2 texto 5 A Fisiologia

considera-a na medida em que a quantidade eacute uma propriedade do ente moacutevel e

fundamento de todos os acidentes sensiacuteveis A Metafiacutesica porque eacute inevitaacutevel que o

ldquoprimeiro Filoacutesofordquo pelo menos quando o ente se divide pelos dez geacuteneros incorra na

quantidade Relativamente ao resto deste argumento por uma razatildeo semelhante se deve

admitir que o Metafiacutesico trata da substacircncia que estaacute sujeita a nascimento e morte e

tambeacutem do movimento sem contemplar as naturezas destas coisas como mateacuteria que

lhe eacute proacutepria e particular mas na medida em que dizem respeito ao conhecimento

divisivo da substacircncia ou do acto em geral ou entatildeo (o que tambeacutem se pode dizer da

quantidade) segundo uns certos conceitos geneacutericos ou por fim porque assim o

determina o encargo comum com que a ldquoPrimeira Filosofiardquo preside agraves restantes artes

como atraacutes lembraacutemos81

Em que medida a Fisiologia deve considerar as substacircncias afastadas do

contacto com a mateacuteria Deve admitir-se tambeacutem que o Fiacutesico toca alguns aspectos das

substacircncias materiais natildeo como se perscrutasse a natureza delas considerada em si

mesma mas na medida em que mostra a sua eficiecircncia relativamente aos movimentos

dos corpos celestes e prova que natildeo se daacute um progresso infinito nas coisas que se

movem para que tambeacutem sejam movidas82 E assim embora o que se aduz no

argumento natildeo incida apenas numa soacute parte da Filosofia natildeo se deve por isso pensar

que isso acontece sob a mesma abstracccedilatildeo ou que nas ciecircncias se confundem ou

79 Artifices (N do T)80 Janduno livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 381 S Tomaacutes livro 1-2 questatildeo 66 artigo 5 ao 1ordm e livro 3 da Metafiacutesica liccedilatildeo 482 Sobre esta questatildeo veja-se Avicena no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 Egiacutedio no livro 1 do comentaacuterio ao De generatione questatildeo 14 Javelo livro 12 da Metafiacutesica Soncinas livro 12 da Metafiacutesica questatildeo 1 Zimara no Teorema 53 Escaliacutegero Exercit 6 n 3 Averroacuteis no livro 12 da Metafiacutesica texto 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 95

misturam as abstracccedilotildees da mateacuteria como seraacute manifesto a quem prestar atenccedilatildeo ao que

dissemos

Ao sexto jaacute eacute bastante evidente o que se deve responder no que aos geacuteneros

supremos e transcendentes diz respeito No entanto o que se contrapotildee relativamente a

Deus e agraves inteligecircncias exige uma explicaccedilatildeo mais difiacutecil Mas pode ser desenleada

deste modo Como se diz que a abstracccedilatildeo da mateacuteria preside agrave distinccedilatildeo das ciecircncias

natildeo se deve assumir o nome de mateacuteria numa acepccedilatildeo tatildeo ampla que se espalhe por tudo

aquilo que de alguma forma se ligue agrave mateacuteria mas de modo a que compreenda apenas

a mateacuteria sensiacutevel e inteligiacutevel A causa disto eacute o facto de como expusemos

anteriormente as ciecircncias serem distinguidas pelas abstracccedilotildees da mateacuteria uma vez que

natildeo satildeo conduzidas por si mesmas aos seus objectos a natildeo ser enquanto de algum

modo se afastam da mateacuteria e devem por isso mesmo ser afastadas da mateacuteria para

que pelo seu modo proacuteprio se ajustem ao intelecto que vatildeo aperfeiccediloando

A nossa alma na sua origem primitiva eacute uma taacutebua rasa Ora mostra-se

claramente que para conciliar um ajustamento deste tipo natildeo eacute preciso que o objecto da

ciecircncia seja reivindicado pela potencialidade que de certo modo se diz mateacuteria visto

que o intelecto natildeo eacute de modo algum alheio a ela como aquele que desde a sua

primitiva razatildeo estaacute todo em potecircncia agrave semelhanccedila de uma taacutebua em que a matildeo do

artiacutefice ainda natildeo induziu qualquer cor natildeo imprimiu qualquer imagem Torna-se

assim evidente que embora Deus esteja tatildeo livre da mateacuteria que afaste de si ateacute mesmo

a potencialidade a que chamam mateacuteria Metafiacutesica poreacutem o grau desta abstracccedilatildeo

maior natildeo basta para que se institua uma Filosofia sobre Deus e outra sobre as

inteligecircncias uma vez que este tipo de abstracccedilatildeo por si mesma natildeo faz nada pela

ciecircncia

De acordo com o que foi dito ningueacutem haacute-de concluir que a ciecircncia que se

considera sobre Deus na medida em que o Teoacutelogo ascende agrave sua contemplaccedilatildeo ou

seja a sagrada Teologia natildeo eacute distinta da ldquoprimeira Filosofiardquo Pelo contraacuterio eacute

realmente distinta tal como a razatildeo formal que o objecto dela introduz e a luz pela

qual eacute atingida esta mesma luz do mesmo modo que eacute infundida nas nossas mentes

pelo sopro da divindade celeste tambeacutem natildeo trata da abstracccedilatildeo das coisas de que se

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 96

ocupa83 Mas de facto como esta divina Filosofia ainda natildeo tinha revelado o seu brilho

aos antigos filoacutesofos foi por eles omitida na reparticcedilatildeo das ciecircncias

QUESTAtildeO II

SERAacute A FILOSOFIA NATURAL VERDADEIRA E PROPRIAMENTE UMA CIEcircNCIA OU NAtildeO

ARTIGO 1ordm

O QUE PENSARAM ALGUNS DOS ANTIGOS SOBRE A QUESTAtildeO APRESENTADA E ARGUMENTOS A FAVOR DA

SUA OPINIAtildeO

A opiniatildeo antiga foi a de Heraclito de Eacutefeso e do seu disciacutepulo Craacutetilo (como

atestam Platatildeo no Teeteto e Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica capiacutetulo 4) ou seja

que a Filosofia Natural natildeo era uma ciecircncia O mesmo afirmou Pitaacutegoras84 asseverando

que toda a compreensatildeo da subtileza da Fiacutesica estava contida nas opiniotildees Tambeacutem

Soacutecrates85 depois de ter aplicado toda a sua capacidade intelectual agrave investigaccedilatildeo dos

segredos da natureza ndash das realidades naturais como ele dizia ndash foi dissuadido pela sua

mutabilidade e inconstacircncia e porque estabeleceu para si mesmo que nessas mateacuterias

nada pode saber-se ao certo dedicou-se agrave Filosofia Moral Mas jaacute os professores da

Nova Academia natildeo soacute negavam a ciecircncia das coisas Fiacutesicas como diziam tambeacutem que

todas as coisas satildeo incertas e duvidosas e que a proacutepria verdade se esconde encoberta

ou confusa seja por causa de algumas trevas da natureza seja por causa da similitude

das coisas a tal ponto que nada de verdadeiro se pode conhecer mas apenas o que eacute

verosiacutemil E uma opiniatildeo deste tipo como afirma S Agostinho no livro 3 Contra os

Acadeacutemicos beberam-na os Acadeacutemicos86 das fontes de Platatildeo mas o proacuteprio Platatildeo foi

receptaacuteculo por um lado de outros mais antigos por outro de Soacutecrates seu professor

que primeiro nos misteacuterios da natureza como dissemos e depois tambeacutem nas questotildees

que dizem respeito agrave vida comum e aos costumes ridicularizava com a sua ironia

acutilante aqueles que se arrogavam saber alguma coisa

83 Sobre esta questatildeo leia-se S Tomaacutes Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 1 artigo 1 e no 3ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 33 questatildeo 1 artigo 2 Henrique de Gand Suma Teoloacutegica 1ordf parte artigo 3 questotildees 3 e 4 Alense Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 1 parte 2 e os restantes doutores no proacutelogo84 Sobre Pitaacutegoras Laeacutercio na sua Vida e Tertuliano no De Anima85 Sobre Soacutecrates Teodoreto no livro Sobre a mateacuteria e o mundo e Xenofonte no livro 1 de Ditos e feitos memoraacuteveis de Soacutecrates86 Sobre os acadeacutemicos veja-se Ciacutecero nas Questotildees Acadeacutemicas S Agostinho 19 Cidade de Deus cap 4 e no livro Contra os Acadeacutemicos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 97

Os mundos platoacutenicos Platatildeo ensinava pois que havia dois mundos87 o

inteligiacutevel no qual habitava a proacutepria Verdade e o sensiacutevel que noacutes percepcionamos

pela visatildeo e pelo tacto e de cuja contemplaccedilatildeo se ocupam os Fiacutesicos O primeiro eacute

verdadeiro o outro verosiacutemil sobre o primeiro produzem-se verdades sobre o outro

apenas opiniotildees E com estas palavras Platatildeo parece de facto ter concedido apenas a

opiniatildeo ao Filoacutesofo Natural

Enfim foi esta a discussatildeo comum sobre a Verdade entre os antigos filoacutesofos

porque parecia fugir de tal maneira ao acesso da mente humana que os mortais natildeo

conseguiam de modo algum chegar ateacute ela e soacute perdiam o seu tempo a procuraacute-la

O poccedilo de Demoacutecrito88 E por isso Demoacutecrito como escreve Lactacircncio no capiacutetulo 3 do

livro 3 a procurava submersa num poccedilo sem fundo Anaxaacutegoras declarava-a envolta em

trevas e Empeacutedocles afirmava serem estreitas as vias dos sentidos pelas quais o

conhecimento entra no espiacuterito

Alguns mestres da ignoracircncia dos filoacutesofos Neste caso especiacutefico alguns filoacutesofos da

Antiguidade ensinavam a quem os ouvia natildeo tanto o que sabiam mas o que natildeo sabiam

e esforccedilavam-se por persuadi-los de que nada se podia considerar certo ou evidente

sobretudo na investigaccedilatildeo da verdade Fiacutesica89 E de facto natildeo faltam argumentos pelos

quais pareccedila comprovar-se esta sentenccedila

1ordm argumento O primeiro seraacute a ciecircncia eacute um haacutebito absolutamente certo uma

vez que se manifesta sobre coisas certas e perpeacutetuas como ensina Platatildeo no Caacutermides

e tambeacutem Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 2 e no livro 6 da Eacutetica

capiacutetulo 3 bem como em muitos outros lugares mas a Filosofia Natural natildeo se pode

considerar nestes termos Logo natildeo eacute uma ciecircncia Comprova-se esta proposiccedilatildeo

porque a Filosofia Natural considera os elementos e os corpos formados a partir deles

que indistintamente nascem e morrem e contempla tambeacutem o movimento das esferas

celestes a influecircncia dos astros o eclipse do Sol e da Lua e muitas outras coisas do

mesmo geacutenero que natildeo satildeo perpeacutetuas nem sequer mantecircm sempre o mesmo estado

enquanto existem A forccedila deste argumento eacute ainda corroborada por outro segundo o

qual se diz que o nosso intelecto para comparar a ciecircncia das coisas abstrai a sua 87 Sobre estes mundos Plotino no livro 4 das Eneacuteadas 6 Ficino no mesmo livro e no Conviacutevio de Platatildeo Eugubino livro 3 Sobre a Filosofia perene cap 8 Clemente de Alexandria no livro 5 de Tapeccedilarias Euseacutebio de Cesareia no livro 2 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica cap 1288 Puteus Democriticus (N do T)89 Sobre isto fala de forma mais satisfatoacuteria Mirandula no livro 2 De examine vanitatis

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 98

consideraccedilatildeo das condiccedilotildees da mateacuteria e do tempo mas as coisas que nascem e morrem

estatildeo imersas na mateacuteria e caem sob a medida do tempo por isso dele dependem como

ensina Aristoacuteteles no quarto livro desta obra

Segundo argumento toda a verdadeira e perfeita ciecircncia conteacutem a natureza

comprovada do objecto que lhe estaacute sujeito e aleacutem disso natildeo conhece bem as

propriedades que dela dimanam como assegura Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica

capiacutetulo 1 texto 1 poreacutem no que diz respeito agrave natureza das coisas constantes sobre as

quais trata o Filoacutesofo Natural soacute o Metafiacutesico penetra na sua essecircncia como tambeacutem

afirma Aristoacuteteles tanto no lugar citado como no livro 4 da mesma obra capiacutetulo 2

texto 5 Por conseguinte a Filosofia Natural natildeo pode verdadeira e perfeitamente ser

uma ciecircncia Houve quem dissesse que talvez Aristoacuteteles falasse nessas passagens ou

da essecircncia no sentido geral enquanto essecircncia e esta consideraccedilatildeo pertence ao

Metafiacutesico ou da essecircncia das coisas materiais natildeo no seu todo mas apenas enquanto

predicados comuns tanto agraves coisas naturais como agraves que satildeo desprovidas de mateacuteria tais

como o ser e a substacircncia considerada de forma absoluta90 O conhecimento destes

predicados eacute de facto proacuteprio do Metafiacutesico Mas o que teraacute dito ateacute agora natildeo escapa agrave

forccedila do argumento E se o Metafiacutesico reivindicou para si o conceito de substacircncia

como ningueacutem pode conhecer perfeitamente a essecircncia de alguma coisa que pertenccedila agrave

categoria da substacircncia sem conhecer o conceito de substacircncia isto faz com que o

Fiacutesico natildeo consiga compreender perfeitamente a essecircncia de qualquer ente natural

enquanto se mantiver dentro dos seus limites

Terceiro argumento o Filoacutesofo Natural estuda a mateacuteria sensiacutevel (como

afirma Aristoacuteteles no livro 2 Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo no capiacutetulo 1 texto 6 e

como se torna evidente de todo o desenvolvimento da disciplina Fiacutesica) mas a mateacuteria

sensiacutevel eacute um ente por acidente visto natildeo ser mais do que a mateacuteria-prima disposta

pelos acidentes que movem o sentido no entanto a ciecircncia natildeo se faz sobre um ser por

acidente como se torna evidente a partir do capiacutetulo 2 do livro 6 da Metafiacutesica texto 4

e do capiacutetulo 7 do livro 11

90 Assim S Tomaacutes no Opuacutesculo 70 Escoto no proacutelogo das Sentenccedilas questatildeo 1 Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 11 Javelo no 1ordm tambeacutem da Metafiacutesica questatildeo 9 Janduno na Metafiacutesica questatildeo 3

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 99

Quarto a Magia91 faz parte da Fiacutesica e todavia natildeo eacute ciecircncia logo a Fiacutesica

natildeo pode ser simplesmente denominada de ciecircncia A proposiccedilatildeo maior prova-se pela

proacutepria definiccedilatildeo de Magia que se estabelece nestes termos a Magia eacute a parte da

Fisiologia que a partir da muacutetua e oportuna conjugaccedilatildeo de forccedilas naturais ensina a

produzir efeitos para aleacutem de tudo o que possa imaginar92 Justifica-se a menor porque

como ensina Aristoacuteteles no livro 1 dos Magna Moralia capiacutetulo 1 e no livro 1 da

Eacutetica capiacutetulos 1 e 4 toda a doutrina existe por causa de algo bom e a Magia foi

inventada para a desgraccedila dos homens

Quinto a Fisiologia como eacute evidente para quem folheia os livros dos

Filoacutesofos estaacute cheia de muacuteltiplos erros e ensina a cada passo inuacutemeras coisas contraacuterias

agrave feacute catoacutelica Daiacute aquele comentaacuterio de Tertuliano no livro Sobre as prescriccedilotildees dos

hereacuteticos de que as heresias satildeo sustentadas pela Filosofia e o outro de S Jeroacutenimo no

livro Contra os Pelagianos de que todos os venenos dos hereacuteticos emanaram das fontes

dos filoacutesofos e diz muito bem que alguns dos nossos filoacutesofos satildeo patriarcas dos

hereacuteticos93 Logo como a ciecircncia deve ser o mais possiacutevel alheia a toda a falsidade e

erro natildeo nos parece neste contexto que a Fisiologia possa considerar-se uma ciecircncia

Sexto (este seraacute a favor dos Acadeacutemicos) toda a nossa capacidade cognitiva

tem iniacutecio nos sentidos mas os sentidos como ensina a experiecircncia erram muitas

vezes iludidos pela vatilde espeacutecie das coisas Por conseguinte nenhum conhecimento certo

pode chegar ao intelecto e assim a ciecircncia pura e simplesmente natildeo existe Os

Peripateacuteticos negam esta conclusatildeo mas os Acadeacutemicos comprovam-na Pois se os

sentidos que satildeo os mensageiros e os inteacuterpretes da verdade anunciam mentiras como

eacute que o intelecto poderaacute distinguir o verdadeiro do falso E a que juiz da verdade haacute-de

recorrer A si proacuteprio Ele que pela sua origem primitiva estaacute desprovido de toda a

ciecircncia e nem sequer tem qualquer noccedilatildeo de verdade induzida pela natureza A outro

Mas a condiccedilatildeo de todos os outros eacute semelhante agrave sua Entatildeo seraacute muito melhor recusar

o assentimento a todas as coisas do que afirmar categoricamente o que quer que seja

correndo o perigo de errar E seraacute tambeacutem mais prudente natildeo pensar nada do que

confiar o espiacuterito ao naufraacutegio da falsa opiniatildeo do saacutebio sobretudo na doutrina Fiacutesica 91 A respeito desta definiccedilatildeo de Magia consulte-se Francisco de Victoria no Relectiones de arte magica questatildeo 3 Ceacutelio no livro 6 das Liccedilotildees Antigas capiacutetulo 12 e Juacutelio Escaliacutegero nas Exercitaccedilotildees exoteacutericas exercitaccedilatildeo 32792 Extra omnem admirationem captum lit ldquotoda a capacidade de admiraccedilatildeordquo (N do T)93 Tertuliano no livro Contra Hermoacutegenes

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 100

cujo conhecimento natildeo soacute parte das coisas que caem nos sentidos como tambeacutem volta

a elas numa alternacircncia reciacuteproca e nelas se conclui

ARTIGO 2ordm

A FIacuteSICA Eacute VERDADEIRA E PROPRIAMENTE UMA CIEcircNCIA

Os princiacutepios da Filosofia balbuciante Nos primeiros tempos a dignidade e a

perfeiccedilatildeo da Fiacutesica natildeo eram suficientemente evidentes para que obtivesse o estatuto de

ciecircncia natildeo soacute numa eacutepoca menos culta quando a Filosofia era muito nova e ainda

balbuciava como tambeacutem depois quando os grupos de Filoacutesofos discutiam e lutavam

entre si de tal modo que natildeo chegavam a acordo entre eles sobre praticamente nada94

Confirmaccedilatildeo do seu estatuto Apesar disso depois que a teimosia desses

tempos chegou ao fim foi como se a Filosofia salva das tempestades alcanccedilasse bom

porto foi entatildeo considerado como dado adquirido confirmado pelo reconhecimento e

pelo consenso de todos que a Fiacutesica devia ser integrada no conjunto das ciecircncias

Conclusatildeo da questatildeo Logo podemos concluir que a Fiacutesica eacute verdadeira e

propriamente uma ciecircncia O que se comprova em primeiro lugar por aquela divisatildeo

vulgarizada que acima mencionaacutemos na qual a Filosofia ou seja a Sabedoria se divide

em ciecircncia Fiacutesica Dialeacutectica e Moral Eacute tambeacutem confirmado pelo testemunho de

Aristoacuteteles no terceiro livro desta obra capiacutetulo 4 texto 24 no primeiro Sobre as

partes dos animais capiacutetulo 1 e no segundo da Metafiacutesica capiacutetulo 3 texto 3 onde

chama agrave Filosofia ciecircncia natural bem como no livro 4 tambeacutem da Metafiacutesica capiacutetulo

5 texto 23 onde contradiz Heraclito e Craacutetilo defensores da parte contraacuteria ou seja da

ignoracircncia e acaba por os refutar por completo

E talvez natildeo tivessem uma opiniatildeo diferente aqueles grandes filoacutesofos que

mencionaacutemos atraacutes sobretudo Pitaacutegoras Soacutecrates e Platatildeo Eacute pois provaacutevel que

quando os dois primeiros repetiam que nada podiam saber pelo menos na disciplina

Fiacutesica quisessem dizer que a aquisiccedilatildeo da sabedoria era tatildeo difiacutecil que o que sabemos

comparado com o que ignoramos eacute quase nada Mas na verdade o seu intuito natildeo era

tanto confessar a ignoracircncia mas dissimular a ciecircncia com a modeacutestia de modo a

94 Sobre este dissiacutedio entre os filoacutesofos Platatildeo no Sofista Euseacutebio de Cesareia no livro 14 da Preparaccedilatildeo evangeacutelica S Agostinho no livro 18 da Cidade de Deus capiacutetulo 41 e Tertuliano no livro Sobre a Alma

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 101

reprimir a insolecircncia dos que embora estivessem muito longe da verdadeira e clara

sabedoria se arrogavam o nome de saacutebios sem qualquer fundamento95

A modeacutestia de Soacutecrates que afirmava nada saber quando os outros

proclamavam nada desconhecer Por isso foi neste geacutenero recomendada em primeiro

lugar a modeacutestia socraacutetica e isso foi motivo de louvor para Pitaacutegoras porque pela sua

autoridade como anteriormente narraacutemos foi mudada a designaccedilatildeo de saacutebio para

Filoacutesofo

Mas relativamente a Platatildeo como se atesta nos seus escritos96 natildeo haacute duacutevida

de que pensou criar uma ciecircncia para as vaacuterias mateacuterias e que a Filosofia Natural devia

ser contabilizada entre as ciecircncias

Comentaacuterio de Platatildeo sobre as ciecircncias inatas e a reminiscecircncia Embora

inserisse nesta afirmaccedilatildeo muitas outras coisas erradas97 disse ele que nas nossas almas

antes de elas se submeterem agrave prisatildeo deste concreto e terreno corpo havia formas

inteligiacuteveis de todas as coisas e que eram inatas como se fossem noccedilotildees inscritas

depois adormecidas pelo contacto do corpo como se bebecircssemos o veneno do

esquecimento mas que podem ser posteriormente estimuladas por um estudo que delas

se aproxime e pela acccedilatildeo dos fantasmas E assim afirma de novo que nenhuma ciecircncia

pode ser adquirida nem o aprender pode ser outra coisa senatildeo um recordar como

consta do Meacutenon do Fedro e de outras obras suas

Platatildeo por vezes com a designaccedilatildeo de Dialeacutectica quer dizer Metafiacutesica Por

isso eacute que afirma no Filebo e no livro 7 da Repuacuteblica que apenas a Dialeacutectica ndash e sob

esta denominaccedilatildeo como advertem Alcino e outros Platoacutenicos compreende a ldquoPrimeira

Filosofiardquo ndash dizia eu que soacute a Dialeacutectica eacute digna da designaccedilatildeo de ciecircncia mas nem por

isso nega que a Fisiologia deve ser contabilizada entre as ciecircncias Fala tambeacutem nesse

lugar sobre a ciecircncia de um modo tatildeo conciso que apenas lhe conveacutem a faculdade de ser

suportada pelas restantes como se presidisse a partir da sua posiccedilatildeo superior o que eacute

proacuteprio da ldquoPrimeira Filosofiardquo98 No entanto aquela sua opiniatildeo sobre os dois mundos

95 Ciacutecero atesta-o no livro 5 das Questotildees Tusculanas segundo Heraclides do Ponto96 Especialmente no Epinoacutemides97 Aristoacuteteles refuta este erro no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 7 e noutros locais S Ireneu no livro 2 Contra os hereges a partir do capiacutetulo 60 S Agostinho no livro 12 Sobre a Trindade capiacutetulo 15 S Tomaacutes na 1ordf parte da Suma questatildeo 84 artigo 3 e no livro 2 Contra os gentios capiacutetulo 83 Alberto Magno no livro 1 da Metafiacutesica tratado 1 capiacutetulo 8 98 Leia-se Alcino no livro Sobre a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 6 Ficino no livro 7 da Repuacuteblica e Teoacutefilo no 1ordm livro capiacutetulo 1 Sobre a Alma

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 102

continha alguns outros misteacuterios de uma disciplina mais confidencial que hatildeo-de ser

referidos num outro momento mais oportuno Mas independentemente do que eles

possam ter pensado a verdade da nossa afirmaccedilatildeo eacute garantida por estes argumentos

Primeiro argumento Considera-se que possui conhecimentos todo aquele que

conhece um efeito necessaacuterio pela causa necessaacuteria e como o Filoacutesofo Natural conhece

muacuteltiplos efeitos atraveacutes das causas necessaacuterias logo haacute-de considerar-se que ele

possui conhecimentos A proposiccedilatildeo maior eacute incontestaacutevel e torna-se evidente a partir

da definiccedilatildeo de ciecircncia difundida por Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 2

Prova-se a menor O Filoacutesofo Natural sabe entatildeo por exemplo que todo o corpo eacute

divisiacutevel porque eacute contiacutenuo que a mateacuteria natildeo pode por forccedila da natureza subsistir

sem alguma forma porque eacute uma potecircncia pura que o homem eacute capaz de dominar as

disciplinas cientiacuteficas porque eacute dotado de uma alma possuidora de razatildeo e muitas

outras coisas deste geacutenero Ora que este conhecimento dos efeitos ou das disposiccedilotildees se

faz atraveacutes das causas ningueacutem poderaacute negar No entanto mesmo que os adversaacuterios

neguem que a necessidade nelas se revela satildeo plenamente convencidos por esse

argumento uma vez que quando a realidade natildeo pode ser de forma diferente eacute porque

estaacute presente a imutabilidade e a necessidade E que estas coisas natildeo podem ser de

forma diferente facilmente depreende quem observa o que eacute contiacutenuo e o que eacute uma

pura potecircncia

Segundo argumento natildeo eacute menos certo e necessaacuterio o facto de o homem ser

capaz de dominar as disciplinas do que o facto de o triacircngulo ter trecircs acircngulos iguais a

dois rectos E como isto pode ser demonstrado nas disciplinas matemaacuteticas eacute

compreendido como verdadeira e perfeita ciecircncia logo como a outra afirmaccedilatildeo pode

ser demonstrada no acircmbito da Fiacutesica e visto que em ambos os casos a condiccedilatildeo eacute

semelhante natildeo pode produzir-se uma razatildeo idoacutenea pela qual uma certa e determinada

disposiccedilatildeo necessariamente se espalhe mais pela natureza do triacircngulo do que do

homem99

Terceiro argumento se algo impedisse que se pudesse estabelecer uma ciecircncia

sobre as coisas naturais seria a mutabilidade e a inconstacircncia delas e estas natildeo levantam

impedimentos por isso nada o pode fazer Comprova-se esta proposiccedilatildeo Primeiro

porque nem todas as coisas naturais satildeo fluidas e mutaacuteveis visto que a natureza das

99 Euclides no livro 1 dos Elementos proposiccedilatildeo 32

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 103

proacuteprias esferas celestes as defende da morte Depois porque embora os corpos

sublunares se dissolvam todavia nunca se desviam do grau da sua natureza e da sua

essecircncia nem perdem as capacidades que por perpeacutetuo e invariaacutevel nexo reivindicam

para si mesmas Puderam por isso as propriedades desse tipo ser expostas por uma

demonstraccedilatildeo a seu respeito atraveacutes da sua essecircncia e definiccedilatildeo como se fosse uma

causa e na verdade esta demonstraccedilatildeo haacute-de gerar uma verdadeira e perfeita ciecircncia

Natildeo se pode entatildeo negar que a Filosofia Natural eacute verdadeira e propriamente uma

ciecircncia

Uacuteltimo argumento ainda que as realidades fiacutesicas fossem tatildeo mutaacuteveis como

pensava Heraclito mesmo assim devia haver uma ciecircncia sobre elas que pudesse

realmente demonstrar apenas isto relativamente a elas que satildeo de facto mutaacuteveis mas

conservam na sua mutabilidade uma constacircncia estaacutevel Injustamente negavam entatildeo

qualquer estatuto de ciecircncia ao Filoacutesofo Natural Leia-se S Tomaacutes 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 84 onde a partir da doutrina de Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica

capiacutetulo 5 texto 22 revela a fonte do erro de Heraclito

ARTIGO 3ordm

REFUTA-SE OS ACADEacuteMICOS PARA QUEM TANTO NA FIacuteSICA COMO NAS RESTANTES

MATEacuteRIAS TUDO ERA DUacuteVIDA E INCERTEZA

Primeira razatildeo pela qual se demonstra o caraacutecter absurdo da Filosofia da

Academia No que diz respeito aos Acadeacutemicos que suprimiam toda a confirmaccedilatildeo a

que os Gregos chamam συγκατάθεσιν e asseveravam que nada podemos saber (o que

tambeacutem defenderam os filoacutesofos Pirroacutenicos a que os Gregos chamavam σκεπτικός

como se fossem lsquoobservadoresrsquo) com poucas palavras se desmente o dogma deles deste

modo a natureza como cada um de noacutes sabe por experiecircncia incutiu a todos os homens

o apetite de investigar e conhecer a verdade100 Por conseguinte podem conhecer

alguma verdade De outro modo um apetite deste tipo existiria em vatildeo visto que como

eacute opiniatildeo comum da Filosofia nem Deus nem a natureza criam o que quer que seja em

vatildeo

100 Sobre esta questatildeo Ciacutecero livro 2 Sobre os fins e no livro 2 das Questotildees Acadeacutemicas Laeacutercio no livro 9 e Sexto Pompeio Pirroacutenicos 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 104

2ordf razatildeo Seguinte cada ser procura atingir a perfeiccedilatildeo para a qual eacute

direccionado por natureza ora o saber eacute uma perfeiccedilatildeo para a qual a natureza ou

melhor Deus o autor da natureza direccionou o homem visto que a felicidade humana

como sabiamente ensina Aristoacuteteles no livro 10 da Eacutetica capiacutetulos 7 e 8 foi colocada

no conhecimento e na contemplaccedilatildeo E por conseguinte uma parte da ciecircncia pode ser

alcanccedilada pelo homem

3ordf razatildeo Prossigamos Desde aquele tempo em que principalmente os Homens

abandonando a sua vida errante e agreste se uniram para formar uma cultura e uma

sociedade civil quase em todos os seacuteculos houve alguns homens de excelente engenho

que empenharam todo o estudo de uma vida no exerciacutecio das artes liberais e dedicaram-

se a inquirir e a afirmar a verdade Ora natildeo eacute provaacutevel que fossem inuacuteteis e vatildeos todos

estes esforccedilos dos homens Logo uma parte do verdadeiro e evidente saber por eles

exercido foi divulgada pelas geraccedilotildees posteriores

4ordf razatildeo Aleacutem disso como argumenta S Agostinho no livro Sobre a

verdadeira religiatildeo ainda que algueacutem duvide que possa chegar a saber alguma coisa

natildeo duvida que duvida pelo contraacuterio estaacute certo disso Poreacutem natildeo estaacute certo senatildeo

disso que sabe logo tem de admitir que ele proacuteprio que duvida que sabe sabe pelo

menos isso Por conseguinte natildeo eacute possiacutevel nada saber

5ordf razatildeo Do mesmo modo como adverte o mesmo S Agostinho no livro 2

Contra os Acadeacutemicos quando os Acadeacutemicos afirmam que natildeo podemos conhecer

nada de verdadeiro mas apenas o que eacute verosiacutemil natildeo prestam atenccedilatildeo ao que dizem

Se de facto natildeo conhecemos o verdadeiro em si torna-se inevitaacutevel que ignoremos o

que eacute verosiacutemil do mesmo modo que natildeo pode acontecer que Crisipo saiba que eacute

semelhante a Soacutecrates se ele proacuteprio natildeo conhecer Soacutecrates de alguma forma

6ordf razatildeo E mais diz Arcesilau o principal autor da nova Academia e mestre

da ignoracircncia ldquose o saacutebio nada aprovar natildeo se expotildee ao perigo da falsa asserccedilatildeordquo Eacute

preciso entatildeo que o saacutebio esteja sempre a dormir ou que abandone todos os encargos

Se de facto a razatildeo humana natildeo pode estabelecer sem um traccedilo de incerteza o que se

deve abraccedilar ou evitar certamente que nem sequer a vontade que segue a razatildeo poderaacute

amar ou odiar o que quer que seja sem essa mesma incerteza Entatildeo para que o saacutebio

natildeo aja irreflectidamente haacute-de afastar-se de todas as actividades da vida comum Pode

imaginar-se algo mais idiota ou mais adverso ao bom senso

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 105

7ordf razatildeo A feacute ortodoxa condena a escola dos Acadeacutemicos Por fim visto que

este erro potildee em causa toda a certeza e constacircncia da verdade e o proacuteprio estatuto de

uma vida honesta a Igreja de Deus tatildeo conhecedora dos preceitos da disciplina celeste

condena-o como verdadeira loucura como persuade S Agostinho no livro 19 da

Cidade de Deus capiacutetulo 18101 E o mesmo reflecte sobre esta questatildeo com maior

detenccedila no livro 3 Contra os Acadeacutemicos bem como S Damasceno na sua

Dialeacutectica capiacutetulo 3 S Epifacircnio no livro 1 tomo 1 e no livro 3 tomo 2 e Tertuliano

no livro Sobre a Alma

ARTIGO 4ordm

DISSOLUCcedilAtildeO DOS ARGUMENTOS DO PRIMEIRO ARTIGO

Resta-nos agora responder aos argumentos apresentados no iniacutecio

As ideias de Platatildeo Ora Platatildeo foi precisamente vencido pela dificuldade do

primeiro mesmo que afirmasse todavia a dignidade da Fiacutesica e percebesse que eacute uma

ciecircncia no Timeu no Fedro e em muitos outros lugares introduziu as ideias isto eacute

aquelas formas separadas do contacto com a mateacuteria e da multiplicidade de todas as

coisas que nascem e morrem sobre as quais se pode estabelecer uma ciecircncia No

entanto esta afirmaccedilatildeo estaacute muito longe da verdade Pois as ideias natildeo existem deste

modo como foi demonstrado por Aristoacuteteles mais que uma vez a natildeo ser que talvez

Platatildeo (o que ponderamos noutro lugar) fale sobre aquelas ideias que segundo ensinam

os Teoacutelogos existem na mente divina como exemplo eterno do que se deve fazer Mas

natildeo eacute preciso que o filoacutesofo a elas recorra quando compotildee as suas demonstraccedilotildees

como se torna evidente no livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo 6 texto 20 bem como na

doutrina dos livros dos Segundos Analiacuteticos e que claramente explica S Tomaacutes 1ordf

parte da Suma Teoloacutegica questatildeo 84 artigo 1

Dissoluccedilatildeo do 1ordm argumento Relativamente ao argumento tendo aceitado a

proposiccedilatildeo maior no que diz respeito agrave menor deve negar-se que a Fiacutesica natildeo trata de

coisas certas e perpeacutetuas Primeiro porque as conexotildees entre os assuntos fiacutesicos e os

predicados essenciais bem como as disposiccedilotildees que estatildeo ligadas agrave natureza dos

assuntos por um viacutenculo indissoluacutevel satildeo certas e perpeacutetuas Depois porque embora os

elementos e todas as coisas que se formaram integralmente da mateacuteria celeste possam

101 Tambeacutem Escoto no livro 1 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 4

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 106

ser corrompidos todavia cada um deles suporta essa corrupccedilatildeo sozinho por si mesmo

enquanto as naturezas comuns sobre as quais incide propriamente a ciecircncia natildeo eacute

apenas por acidente mas tambeacutem por causa dos singulares em que se encontram Por

isso acontece que as naturezas deste tipo pela sua proacutepria capacidade quando

consideradas em si mesmas satildeo estaacuteveis e constantes trata-se obviamente daquela

constacircncia a que os Filoacutesofos chamam negativa porque como se costuma explicar no

livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 7 natildeo morrem nem se transformam por si mesmas

Para aleacutem de outros desenvolvem esta questatildeo S Tomaacutes na 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 86 artigo 3 e nas Questotildees sobre a verdade questatildeo 1 artigo 5 bem

como Alexandre no livro 1 das Questotildees Naturais capiacutetulo 3 Mas deve tambeacutem notar-

se que existem para aleacutem disso algumas disposiccedilotildees das coisas naturais que natildeo lhe

pertencem por acaso nem tatildeo pouco por modo necessaacuterio mas por um modo

intermeacutedio certamente por uma necessidade a que chamam Fiacutesica porque se ligam de

tal modo agraves naturezas das coisas que exigem a sua existecircncia e deste modo se

considera por comparaccedilatildeo o movimento das esferas celestes bem como o eclipse em

relaccedilatildeo agrave lua e outras coisas deste tipo que se encontram se natildeo num estado certo pelo

menos na sua maior parte ou depois de afastados os impedimentos Logo

reconhecemos que elas natildeo convecircm agrave demonstraccedilatildeo perfeita em todos os aspectos

Em relaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo da mateacuteria proposta exige-se a exactidatildeo Na verdade

nem em todos a subtileza e a exactidatildeo devem ser exigidas mas na medida em que a

natureza da coisa submetida o permite como advertem Lincolniense Janduno e muitos

outros no mesmo ponto a partir de Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulos 3 e 7 bem

como no livro 2 da Metafiacutesica capiacutetulo 3 texto 16

Relativamente agrave restante parte deste argumento deve afirmar-se com S

Tomaacutes no livro 3 Contra os gentios capiacutetulo 84 que por isso se diz que o intelecto

abstrai a sua observaccedilatildeo do tempo e tambeacutem do lugar porque observa as naturezas

comuns que satildeo delimitadas em relaccedilatildeo a um determinado tempo e a um determinado

lugar102 como declara Platatildeo no Parmeacutenides e Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores

capiacutetulo 24 texto 43 E diz-se tambeacutem que se abstrai da mateacuteria porque a ciecircncia natildeo se

debruccedila sobre a mateacuteria singular

102 Sobre o sentido daquela afirmaccedilatildeo que o intelecto se abstrai da mateacuteria reflecte largamente Zimara nos Teoremas proposiccedilatildeo 99

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 107

Dissoluccedilatildeo do 2ordm argumento No que se refere ao segundo argumento depois

de aceite a proposiccedilatildeo maior deve negar-se a afirmaccedilatildeo cuja aprovaccedilatildeo se estava a

dissolver correctamente Agrave desaprovaccedilatildeo desta dissoluccedilatildeo deve responder-se que o

Filoacutesofo Natural pode conhecer perfeitamente as coisas fiacutesicas no seu geacutenero isto eacute no

geacutenero Fiacutesico desde que compreenda a mateacuteria e a forma bem como todos os

predicados que incluem a mateacuteria no seu conceito De resto natildeo pode chegar ateacute elas

em todos os seus aspectos atraveacutes de um conhecimento absoluto se natildeo souber o que eacute

o ente e o que eacute a substacircncia como bem comprova o argumento todavia o

conhecimento destes predicados pertence de facto ao Metafiacutesico Por conseguinte

quem quiser conhecer a fundo as definiccedilotildees das coisas naturais ateacute ao uacuteltimo predicado

teraacute de pedir ao Metafiacutesico a sua compreensatildeo ou melhor ainda adoptar nesta questatildeo

o papel do Metafiacutesico E natildeo se deve pensar que a Filosofia Natural perde um pouco da

sua dignidade por nesta mateacuteria solicitar a ajuda da ldquoprimeira Filosofiardquo porque a ela

que eacute rainha de todas as ciecircncias se deve submeter todas as honras

Explicaccedilatildeo do terceiro Relativamente ao terceiro argumento diga-se que o

filoacutesofo Natural natildeo soacute contempla a mateacuteria e o modo como eacute disposta pelos acidentes

mas tambeacutem a outra parte do composto fiacutesico de que modo o ente subsiste por si

mesmo e igualmente o proacuteprio composto que dela se desenvolve Acrescente-se que

nem todos os seres por acidente satildeo completamente eliminados pelas ciecircncias (como se

torna evidente no nuacutemero harmoacutenico e na linha visual que estatildeo sujeitos agrave Muacutesica e agrave

Perspectiva) mas apenas aqueles que natildeo podem ser decompostos nas causas

determinadas nem originam disposiccedilotildees que sejam consideradas nas ciecircncias como o

muacutesico branco o tesouro descoberto por acaso e outras coisas deste tipo

Explicaccedilatildeo do quarto Relativamente ao quarto argumento para que seja

evidente o que se deve responder cumpre advertir que a Magia eacute duacuteplice103 aquela a

que os Gregos chamam γοητείαν eacute maleacutefica visto que consta na sua maior parte de

artimanhas e feiticcedilos para dissimular a verdade para desviar os homens da sua

estabilidade mental e para executar muitos outros crimes deste tipo e por causa destas

ligaccedilotildees com os demoacutenios eacute funesta a outra eacute denominada pelos gregos com a

designaccedilatildeo especiacutefica de μαγείαν e aquela sua parte a que chamam Fiacutesica difere da

103 Sobre estas magias S Tomaacutes questatildeo 16 Sobre o mal e no livro 3 Contra os gentios capiacutetulo 104 Alense 3ordf parte da Suma questatildeo 16 parte 3 Francisco de Vitoria no Relectiones de arte magica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 108

Fisiologia porque a partir do conhecimento das coisas naturais que ela transmite ensina

como interligar convenientemente muacutetuos acordos da natureza bem como forccedilas

escondidas e a proporcionar efeitos que causam grande admiraccedilatildeo S Boaventura

escreveu alguns exemplos desta questatildeo no segundo livro das Sentenccedilas distinccedilatildeo 9

questatildeo 3 bem como Guilherme Parisiense na sua obra Sobre o Universo corpoacutereo e

espiritual capiacutetulo 21 e assegura S Justino que muitos outros exemplos do mesmo

geacutenero teraacute produzido Apoloacutenio nas Questotildees que as pessoas propunham questatildeo 24

Deve admitir-se entatildeo que a primeira magia natildeo faz parte da disciplina Fiacutesica nem

sequer eacute uma arte mas um abuso da arte como se conclui pelo argumento e ensina S

Tomaacutes no Quodlibet livro 4 questatildeo 9 artigo 1 bem como Alberto Magno no livro 1

da Eacutetica tratado 3 capiacutetulo 2 Daiacute que a jurisprudecircncia quer da lei das Doze Taacutebuas

quer de muitas outras a tenha punido104 A outra pelo contraacuterio deve afirmar-se como

uma arte e uma ciecircncia muito estimada pelos antigos filoacutesofos como se torna evidente a

partir do que Platatildeo ensina no primeiro Alcibiacuteades e depois Ciacutecero no livro 1 Sobre a

adivinhaccedilatildeo Pliacutenio no iniacutecio do livro 30 Tertuliano no livro Sobre a Idolatria e

Fiacutelon no livro Sobre as leis especiais Esta eacute entatildeo uma ciecircncia praacutetica que encara a

praxis como um fim como consta do que foi dito Daiacute que natildeo seja proacutepria e

intrinsecamente uma parte da Fisiologia que eacute uma ciecircncia especulativa como vamos

explicar na questatildeo seguinte mas eacute como um riacho derivado das suas fontes Por isso

naquela definiccedilatildeo que era afirmada no argumento segundo alguns se o nome de uma

parte ou a proacutepria Fisiologia for utilizado deve ser entendido numa acepccedilatildeo mais

vasta

Dissoluccedilatildeo do quinto Relativamente ao quinto argumento deve dizer-se que

os erros que mancharam os livros dos filoacutesofos natildeo satildeo da Filosofia mas foram

erradamente introduzidos por falha ou por descuido dos que se dedicam a filosofar Daiacute

que Satildeo Gregoacuterio Nisseno explique claramente na Vida de Moiseacutes que os frutos da

Filosofia Natural natildeo satildeo diferentes dos filhos que Moiseacutes teve de uma esposa indiacutegena

os quais Deus mandou circuncidar atraveacutes de um anjo enviado a persegui-lo antes que

Moiseacutes conduzisse o divino legado para o Egipto De forma semelhante diz ele devem

ser eliminadas dos fundamentos da Filosofia Natural todas as coisas que natildeo nasceram

104 No direito civil nos coacutedigos sobre os malefiacutecios L Nemo L Nullus L Culpa Tambeacutem no direito canoacutenico 26 questatildeo 5 Leia-se tambeacutem o decreto de Tibeacuterio contra os magos em Dioacuten livro 5 da Histoacuteria de Roma

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 109

dos princiacutepios da proacutepria arte que eacute verdadeira mas das opiniotildees dos homens privados

da luz da feacute e que satildeo falsas e contraacuterias agrave feacute como se fossem impurezas da descrenccedila

Dissoluccedilatildeo do sexto Relativamente ao sexto argumento deve confessar-se que

o nosso conhecimento proveacutem dos sentidos e que por vezes nos induzem em erro mas

isto natildeo obsta a que possamos atingir uma compreensatildeo certa de muitas coisas e ateacute

uma ciecircncia Em primeiro lugar porque como consta da doutrina de Aristoacuteteles no

livro 2 Sobre a Alma capiacutetulo 6 texto 63 haacute muitas coisas em que os sentidos nunca se

enganam De facto natildeo podem falhar acerca do proacuteprio sensiacutevel considerado segundo a

razatildeo comum E depois embora por vezes errem satildeo frequentemente corrigidos pelo

intelecto que apesar de natildeo possuir nenhuma espeacutecie nem ciecircncia incutidas pela

natureza possui todavia uma luz inata pela qual daacute o seu assentimento aos princiacutepios

mais gerais sem qualquer perigo de erro ou de incerteza e atraveacutes da qual deduz pelo

raciociacutenio muitas coisas a partir de outras quer seja com toda a clareza e certeza quer

seja com mera probabilidade e por vezes tambeacutem apreende uma coisa sem discorrer

apenas com a observaccedilatildeo

Os Acadeacutemicos satildeo caluniadores da divina providecircncia Sobre esta questatildeo S

Tomaacutes na 1ordf parte da Suma Teoloacutegica questatildeo 84 artigo 6 e Escoto no livro 1 das

Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 4 Leia-se tambeacutem Tertuliano no livro Sobre a Alma

onde refuta a cegueira dos Acadeacutemicos porque negando aos sentidos qualquer tipo de

confianccedila perturbaram a ordem da natureza e censuraram a providecircncia do proacuteprio

Deus como se ela entregasse o encargo de inteligir e administrar as coisas a

intermediaacuterios falaciosos e ilusoacuterios

QUESTAtildeO III

A FILOSOFIA NATURAL Eacute UMA CIEcircNCIA CONTEMPLATIVA OU PRAacuteTICA

ARTIGO 1ordm

ARGUMENTOS QUE PARECEM PROVAR QUE Eacute PRAacuteTICA

Vai-se tentar provar que a Filosofia Natural eacute uma ciecircncia praacutetica e natildeo

contemplativa com estes argumentos Em primeiro lugar a ciecircncia contemplativa

contenta-se com a simples observaccedilatildeo das coisas mas a Filosofia Natural natildeo eacute assim

por isso natildeo eacute contemplativa A proposiccedilatildeo maior aparece em Aristoacuteteles no livro 1 da

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 110

Metafiacutesica capiacutetulo 1 e no livro 3 Sobre a Alma capiacutetulo 10 texto 49 Prova-se a

menor

A semelhanccedila eacute a grande intermediaacuteria do amor De facto a Filosofia Natural

tende para o amor de Deus e se como explicam Alcino no livro Sobre a doutrina de

Platatildeo capiacutetulo 30 e S Tomaacutes no livro 1 Contra os Gentios capiacutetulo 2 toda a

inteligecircncia das coisas secretas conduz a mente humana a uma maior semelhanccedila com a

natureza divina entatildeo a semelhanccedila segundo o testemunho de Aristoacuteteles no livro 3

dos Magna Moralia capiacutetulo 11 e em muitos outros locais eacute a grande intermediaacuteria do

amor Por este motivo Salomatildeo no Livro da Sabedoria 7 afirma que muitos foram

recebidos na amizade de Deus por benefiacutecio da sabedoria Por conseguinte a Filosofia

Natural tende para o amor de Deus e como o amor eacute uma acccedilatildeo ou uma obra da nossa

alma inclina-se entatildeo para uma obra A isto se deve que a filosofia atraveacutes de uma

forccedila silenciosa alicie ao desprezo das coisas humanas como ensina a experiecircncia bem

como os exemplos manifestos de muitos filoacutesofos os quais foram de tal modo tomados

pela repugnacircncia das coisas humanas graccedilas ao estudo da sabedoria que recusaram o

convite de todas as riquezas e voluacutepias da vida como contam muitos escritores nas

memoacuterias de Soacutecrates Dioacutegenes Empeacutedocles Anaxarco Heraclito de Eacutefeso e muitos

outros105 Por isso natildeo parece que a Filosofia Natural se limite apenas agrave observaccedilatildeo da

verdade

2ordm argumento E depois a Filosofia Natural natildeo eacute livre logo natildeo pode ser

contemplativa Esta conclusatildeo parece ser devidamente compreendida uma vez que no

acircmbito dos saberes designa-se lsquolivrersquo o que investiga por si proacuteprio e deste modo se

considera toda a ciecircncia contemplativa como consta do capiacutetulo 2 do primeiro livro da

Metafiacutesica Comprova-se esta afirmaccedilatildeo Se a Filosofia Natural fosse de facto uma arte

livre seria entatildeo liberal Mas demonstra-se que natildeo eacute liberal por este motivo porque

natildeo eacute uma daquelas sete que satildeo enumeradas na conhecida divisatildeo das artes liberais

3ordm argumento Aleacutem do mais a ciecircncia que Deus estipula sobre as realidades

fiacutesicas eacute tatildeo praacutetica como especulativa como explica S Tomaacutes na 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 14 artigo 16 logo tambeacutem aquela que noacutes estabelecemos sobre as

mesmas mateacuterias natildeo haacute-de ser apenas especulativa mas tambeacutem praacutetica

105 Plutarco no livro Sobre o Exiacutelio Laeacutercio na Vida de Soacutecrates Ceacutelio no livro 19 das Liccedilotildees de Filosofia antiga Fiacutelon Judeu no livro Sobre a vida contemplativa e Teodoreto discurso 6 Sobre a providecircncia

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 111

4ordm argumento Acrescente-se que sobretudo aquela parte da Fisiologia que

considera as acccedilotildees da vontade humana natildeo parece ter menos justificaccedilatildeo para ser

enumerada entre as praacuteticas do que aquela parte da doutrina Eacutetica que trata de examinar

as mesmas mateacuterias106 visto que ambas se ocupam da actividade que eacute dirigida pela

razatildeo ou seja da praxis

5ordm argumento Finalmente a arte de curar faz parte da ciecircncia Fiacutesica visto que

trata do corpo humano enquanto dependente da sauacutede e da doenccedila e porque uma

determinada parte estaacute sujeita ao ser moacutevel mas a arte de curar eacute praacutetica eacute natural que

se aplique agraves indicaccedilotildees necessaacuterias para tratar os corpos e que concentre toda a sua

forccedila na conservaccedilatildeo e na recuperaccedilatildeo da sauacutede Por conseguinte a Fiacutesica haacute-de ser

praacutetica porque estando uma parte sujeita a um geacutenero o todo natildeo pode pertencer a

outro

6ordm argumento Acresce que Aristoacuteteles chamava irmatildes agrave Filosofia e agrave Medicina

e achava que uma devia ser definida pela outra dizendo que a Medicina era a Filosofia

do corpo e a Filosofia pelo contraacuterio a medicina da alma E o mesmo teraacute pensado

Demoacutecrito antes de Aristoacuteteles como refere Clemente de Alexandria no Pedagogo

capiacutetulo 2 bem como S Isidoro Pelusiota no livro 1 das Epiacutestolas epiacutestola 437

Parece portanto que os filoacutesofos juntaram estas duas disciplinas da natureza pela sua

ligaccedilatildeo e conformidade Por isso acontece que se a Medicina for incluiacuteda no nuacutemero

das artes praacuteticas a Fisiologia deve estar no mesmo grupo

ARTIGO 2ordm

ESTABELECE-SE A POSICcedilAO VERDADEIRA E DISSOLVE-SE OS TREcircS ARGUMENTOS DA PARTE

CONTRAacuteRIA

A Fisiologia eacute uma ciecircncia contemplativa Deve confirmar-se entatildeo que a

Filosofia Natural eacute uma ciecircncia contemplativa como opinam Aristoacuteteles no livro 6 da

Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1 e no undeacutecimo tambeacutem da Metafiacutesica capiacutetulo 6 Platatildeo

citado por Alcino no livro Sobre a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 7 S Agostinho no

livro 8 da Cidade de Deus capiacutetulo 4 Boeacutecio na obra Sobre a Trindade e Hugo de S

Victor no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 2 bem como muitos outros filoacutesofos em

consenso unacircnime Acrescente-se agrave autoridade a razatildeo Na verdade as disciplinas

106 Nos livros Sobre a Alma quando se trata das potecircncias e suas funccedilotildees

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 112

contemplativas diferem das praacuteticas neste ponto eacute que as praacuteticas como indica o

proacuteprio nome de praxis dizem respeito por natureza a uma obra qualquer e

consequentemente direccionam a potecircncia de modo a concretizar essa obra transmitem

as regras e os preceitos da operaccedilatildeo as contemplativas pelo contraacuterio apresentam

como finalidade apenas a verdade isto eacute somente a proacutepria observaccedilatildeo das coisas

sobre as quais discorrem Posto isto qualquer um percebe facilmente que a Filosofia

Natural eacute contemplativa visto que se dedica apenas a explicar a natureza das realidades

fiacutesicas e natildeo revela quaisquer regras para executar uma obra como se percebe pela

observaccedilatildeo do seu objectivo e do seu meacutetodo E natildeo interessa que alguns a procurem

obter bem como a outras ciecircncias especulativas por causa da honra e da riqueza No

entanto a distinccedilatildeo das artes e das ciecircncias natildeo se deve presumir pelo fim que algueacutem

estabelece pelo seu arbiacutetrio mas pela finalidade a que elas por si mesmas se entregam

Dissoluccedilatildeo do primeiro argumento pela parte contraacuteria Relativamente ao

primeiro argumento dos que impugnavam a nossa afirmaccedilatildeo sendo aceite a proposiccedilatildeo

maior deve negar-se a menor E quanto agrave sua aprovaccedilatildeo deve dizer-se que a Filosofia

se inclina para o amor de Deus e para o menosprezo das voluacutepias e das honrarias

todavia natildeo em termos praacuteticos como se desse ensinamentos nesse sentido mas quer

pelo motivo que eacute aduzido no argumento quer porque a divina bondade que reluz nas

coisas criadas eacute reconhecida pelo filoacutesofo e depois de conhecida eacute amada Identifica

tambeacutem a falsa vaidade das coisas vatildes e depois de a identificar despreza-a

Dissoluccedilatildeo do segundo Relativamente ao segundo deve negar-se a proposiccedilatildeo

antecedente cuja confirmaccedilatildeo eacute desmentida afirmando que a Fiacutesica eacute de facto liberal

ou independente visto que cultiva o espiacuterito uma parte livre e independente do homem

Todavia natildeo estaacute contida naquela habitual reparticcedilatildeo das artes liberais porque como

adverte Hugo de S Viacutetor no livro 3 do Didascalion nem todas as disciplinas liberais

satildeo nela referidas mas apenas aquelas a que chamavam Enciclopeacutedicas por serem

integradas no ciacuterculo de estudos ou populares pelas quais era costume que os

adolescentes fossem instruiacutedos antes de chegarem agrave Fiacutesica pelo que se costumava citar

muito mais vezes as artes do que as ciecircncias como atesta S Tomaacutes na Suma Teoloacutegica

1ordf parte da 2ordf questatildeo 57 artigo 3

Dissoluccedilatildeo do terceiro Relativamente ao terceiro argumento dir-se-aacute como o

mesmo S Tomaacutes na 1ordf parte questatildeo 15 artigo 3 e nas Questotildees sobre a verdade

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 113

questatildeo 3 artigo 3 que Deus intelige as realidades fiacutesicas quer pela via especulativa

quer pela praacutetica De forma especulativa porque considera em absoluto as suas

naturezas e afeiccedilotildees Na praacutetica porque as pondera com razatildeo de modo a que se

transformem de acordo com a sua proacutepria regra e praxis seja em acto seja em potecircncia

A ciecircncia divina sobre as realidades fiacutesicas eacute simultaneamente praacutetica e especulativa E

por isso a cogniccedilatildeo divina embora seja em si mesma una e simpliciacutessima todavia

quando se inclina para as coisas fiacutesicas quer pela sua eminente e excelente dignidade

quer pelo modo diverso e pela ordem que as realidades deste tipo tecircm em comparaccedilatildeo a

outras obteacutem o estatuto de uma ciecircncia simultaneamente praacutetica e contemplativa

A nossa natildeo eacute igual Mas a nossa Fisiologia estabelece-se de modo muito diferente De

facto como as coisas naturais natildeo dependem de todo da sua regra e praxis acontece que

de um soacute modo haacute-de ser levada a cabo ou seja atraveacutes da observaccedilatildeo daiacute que seja

apenas especulativa107

Dissoluccedilatildeo do quarto E com efeito o que se objectou sobre as acccedilotildees da vontade natildeo

tem importacircncia Pois deve considerar-se que nem todas as acccedilotildees provenientes da

vontade contecircm a razatildeo da praxis mas apenas aquelas que satildeo dirigidas pelo juiacutezo

praacutetico do intelecto

Que acccedilotildees obtecircm a razatildeo da praxis E assim a sua consideraccedilatildeo natildeo diz respeito

directamente agrave Fisiologia mas agraves artes a que pertence este juiacutezo ou ditame como por

exemplo agrave doutrina Moral que transmite a correcta norma de vida e de modo

semelhante agraves outras artes que prescrevem de que modo a sua mateacuteria deve ser tratada

ARTIGO 3ordm

DILUI-SE O UacuteLTIMO ARGUMENTO DO PRIMEIRO ARTIGO E INVESTIGA-SE SE A ARTE DE CURAR

Eacute CONTEMPLATIVA

Para satisfazer plenamente ao uacuteltimo argumento seraacute preciso esclarecer neste

artigo se a Medicina deve ser considerada entre as ciecircncias praacuteticas ou contemplativas

Nesta mateacuteria apresentam-se duas opiniotildees

1ordf opiniatildeo Sua confirmaccedilatildeo A primeira eacute dos que pensam que natildeo se pode

dizer que eacute simplesmente praacutetica nem contemplativa mas parcialmente uma e outra

107 Leia-se Capreacuteolo na questatildeo 2 do proacutelogo na dissoluccedilatildeo do argumento de Gregoacuterio contra a 1ordf conclusatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 114

coisa108 Primeiro porque eacute bem conhecido de todos que os Meacutedicos dividem a Medicina

entre praacutetica e teoacuterica e desta divisatildeo fazem menccedilatildeo Avicena no iniacutecio da sua

Metafiacutesica e Galeno nas Finitiones Medicae Depois porque a arte de curar natildeo soacute

ensina que medicamentos se devem aplicar a cada doenccedila de cujo geacutenero trata a

doutrina dos Aforismos de Hipoacutecrates que se refere toda ela agrave praacutetica como tambeacutem

considera atraveacutes da observaccedilatildeo a estrutura do corpo humano a composiccedilatildeo e outras

coisas deste tipo E assim a arte de curar tanto parece ser praacutetica como especulativa

2ordf opiniatildeo Sua confirmaccedilatildeo A outra opiniatildeo que nos parece mais aceitaacutevel

foi abraccedilada por Hugo de S Victor no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 21 por S

Tomaacutes no Comentaacuterio agrave Trindade de Boeacutecio questatildeo 5 artigo 1 por Escoto questatildeo 4

no proacutelogo das Sentenccedilas por Isidoro no primeiro livro da Eacutetica por Averroacuteis

Collectio livro 6 capiacutetulo 1 e no livro 1 do Comentaacuterio ao De Anima 17 bem como

por muitos outros109 para quem obviamente se deve considerar a Medicina

simplesmente praacutetica Isto pode explicar-se deste modo a ciecircncia natildeo deve ser

considerada contemplativa nem praacutetica a partir dos objectos particulares de cada um dos

haacutebitos que a constituem mas a partir do que costumam chamar o seu sujeito de

atribuiccedilatildeo e a partir da finalidade de toda a sua arte

Mateacuteria tratada pela arte meacutedica e sua finalidade Ora o sujeito de atribuiccedilatildeo

da Medicina eacute o corpo humano na medida em que eacute passiacutevel de boa ou maacute sauacutede a sua

finalidade eacute por outro lado restituir a sauacutede se tiver faltado ou conservaacute-la se natildeo

tiver faltado e todas estas coisas como eacute sabido dizem respeito agrave praacutetica Logo a arte

meacutedica deve considerar-se simplesmente praacutetica A proposiccedilatildeo menor pertence aos

meacutedicos110 e a Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 7 e no livro 1 da Retoacuterica a

Teodeto capiacutetulo 2 Prova-se a maior Primeiro porque eacute conveniente que qualquer arte

ou ciecircncia tome o nome e a razatildeo do objectivo para o qual dirige todos os seus

pensamentos e todo o seu desenvolvimento como se fosse para uma mira Depois

porque muitas outras artes absolutamente praacuteticas se deviam ter declarado natildeo tatildeo

absolutamente praacuteticas Por exemplo a doutrina Moral se natildeo atendecircssemos agrave sua

108 Como Lemosio no primeiro dos seus Commentaria in Galeno de morbidus medendis e tambeacutem Aponensis nas Differentiae 4 embora diga que toda a Medicina pode dizer-se especulativa109 Como Turisano no Micrologus Galeno no livro 1 Ferneacutelio no iniacutecio da sua Fisiologia Amoacutenio no proeacutemio ao livro In quinque voces Porphyrii e Galeno Epidemiae 6110 Leia-se Galeno 1 Aforismos aforismo 1 e o livro 1 Sobre o engenho da sauacutede capiacutetulo 2 e tambeacutem Averroacuteis no livro 1 de Colliget capiacutetulo 1 Haliabas no livro 1 da Theorica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 115

principal finalidade que eacute uma espeacutecie de obra a saber o correcto fundamento da vida e

a conformidade dos costumes ningueacutem diria que eacute absolutamente praacutetica visto que natildeo

satildeo poucos os seus haacutebitos contemplativos ou seja que tomados em si mesmos natildeo

traduzem qualquer regra de actuaccedilatildeo como por exemplo os que se ocupam daquelas

proposiccedilotildees ldquoque a justiccedila eacute superior agrave coragemrdquo ldquoque as virtudes estatildeo interligadas

entre sirdquo e muitas outras O mesmo eacute tambeacutem evidente na Dialeacutectica111 na qual

ocorrem a cada passo haacutebitos muito semelhantes Para aprovarmos o que foi dito a

exposiccedilatildeo eacute um discurso que exprime o verdadeiro ou o falso a demonstraccedilatildeo eacute um

silogismo constituiacutedo pelas verdades as primeiras e as outras

A ciecircncia Moral e a Dialeacutectica satildeo apenas praacuteticas Logo visto que nada obsta a que a

doutrina Moral como ensina Aristoacuteteles no livro 2 da Eacutetica capiacutetulo 2 e a Dialeacutectica

como indica no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 2 visto que nada obsta dizia eu

a que estas artes sejam contabilizadas apenas entre as praacuteticas eacute razoaacutevel que a

Medicina deva ser integralmente colocada entre elas

Dissoluccedilatildeo dos argumentos em favor da parte contraacuteria Ora os argumentos

que foram aduzidos pela parte contraacuteria tecircm facilmente explicaccedilatildeo No que diz respeito

agravequela reparticcedilatildeo da Medicina entre praacutetica e teoacuterica deve responder-se como S

Tomaacutes e Avicena no lugar citado que o praacutetico e o especulativo se assumem de um

modo quando as ciecircncias se distinguem reciprocamente por si mesmas e de outro modo

quando se divide a arte meacutedica entre praacutetica e teoacuterica Assim de acordo com a primeira

reflexatildeo a distinccedilatildeo da ciecircncia extrai-se da sua finalidade uacuteltima de forma a que se

considere praacutetica aquela que tende para a acccedilatildeo como a sua uacuteltima e principal

finalidade De acordo com a outra toma-se em consideraccedilatildeo natildeo a uacuteltima mas a

finalidade primaacuteria de qualquer arte no entanto eacute a mesma coisa que dizermos que uma

parte da Medicina estaacute mais longe da acccedilatildeo e da praacutetica pois a que trata de

determinados teoremas tirados das fontes da Filosofia Natural e por instantes natildeo se

ocupa directamente das regras para curar podemos de certa maneira chamar-lhe

teoacuterica mas a outra parte provoca a acccedilatildeo e segue de perto a proacutepria praxis que se

ocupa expressa e claramente de fornecer preceitos esta eacute a praacutetica E porque a Medicina

se divide deste modo em teoacuterica e praacutetica nada impede que se diga absolutamente

praacutetica como se torna evidente daquilo que haacute pouco expusemos

111 Leia-se Capreacuteolo no livro 1 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 35 questatildeo 2 art 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 116

Explicaccedilatildeo do 5ordm argumento do primeiro artigo E assim tendo em conta o que

explicaacutemos jaacute estaacute agrave vista o que se tem de responder ao uacuteltimo argumento do primeiro

artigo e por causa do seu esclarecimento comeccedilamos por dizer isto Deve entatildeo negar-

se que a arte de curar faz parte da Fisiologia112 e dizer-se para sua aprovaccedilatildeo que

embora o corpo humano do qual se ocupa o meacutedico seja parte sujeita ao ente moacutevel se

ambos se estabelecem materialmente ou seja como coisa que existe entatildeo natildeo eacute uma

parte sujeita a ele se avaliarmos a razatildeo formal de cada um e o modo pelo qual chegam

agrave consideraccedilatildeo de quem os estuda113 O Meacutedico atende pois ao corpo humano na

medida em que pelo benefiacutecio e induacutestria da sua arte pode combater um estado de

sauacutede adverso e manter o favoraacutevel o Fisioacutelogo atraveacutes de um estudo exclusivo da

procura da verdade observa a essecircncia do ente moacutevel as suas afeiccedilotildees e tambeacutem (como

testemunha Aristoacuteteles no iniacutecio do livro Sobre o sentido e o sensiacutevel) as causas da

sauacutede e da doenccedila dado que derivam da natureza E estas razotildees satildeo diferentes entre si

Do que foi dito tambeacutem se torna claro que aquela parte da arte meacutedica que

considera alguns teoremas retirados da Filosofia Natural ainda que se adapte agrave sua

realidade natildeo faz parte da Filosofia Natural e como esta mesma consideraccedilatildeo eacute

orientada para a praacutetica pelo fundamento e pela intencionalidade de toda a arte a natildeo

ser que algueacutem prefira dizer que ela deriva da Filosofia Natural natildeo eacute tratada pelo

Meacutedico enquanto Meacutedico mas pelo Meacutedico que assume a funccedilatildeo de Fisioacutelogo e deste

modo natildeo eacute directamente incluiacuteda na arte Meacutedica nem pelo seu regulamento e pela sua

disposiccedilatildeo pode dizer respeito agrave praacutetica Todavia agrada-nos mais a primeira opiniatildeo a

de S Tomaacutes e Avicena

Dissoluccedilatildeo do sexto Em que sentido se pode dizer que a Filosofia e a

Medicina satildeo irmatildes Ao que se objectava a partir do pensamento de Demoacutecrito e de

Aristoacuteteles respondemos que eles chamaram irmatildes agrave Medicina e agrave Filosofia isto eacute agrave

sabedoria natildeo porque se aproximam entre si por afinidade da praacutetica ou da

contemplaccedilatildeo mas porque ambas curam a primeira o espiacuterito a outra o corpo114

Acrescente-se que a afinidade em particular entre a Fisiologia e a arte Meacutedica natildeo eacute

pouca dado que uma estuda a natureza e a outra extrai das leis da natureza os preceitos

112 Leia-se Zimara nos Teoremas prop 21 onde refuta o Conciliator 113 Artifex (N do T)114 Leia-se Ciacutecero ateacute ao fim da primeira Tusculana Plutarco no livro Sobre a conservaccedilatildeo da boa sauacutede

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 117

para curar a primeira dedica-se ao grande universo a outra ao pequeno e por fim a

primeira acaba onde a outra comeccedila como diz Aristoacuteteles no livro Sobre o sentido e o

sensiacutevel

QUESTAtildeO IV

O ENTE MOacuteVEL SERAacute OU NAtildeO O ASSUNTO DA FISIOLOGIA

ARTIGO 1ordm

DISSOLUCcedilAtildeO DA QUESTAtildeO

Opiniotildees sobre o assunto da Fisiologia115 Haacute nove posiccedilotildees que tratam mais

ou menos da mateacuteria ou do assunto desta disciplina nas escolas de Filoacutesofos Trecircs delas

tornaram-se mais ceacutelebres

1ordf opiniatildeo A primeira eacute partilhada por Avicena no primeiro livro das

Sufficientiae por Algazel no livro Sobre a divisatildeo das ciecircncias por Magno Alberto no

iniacutecio desta obra por Lincolniense por Egiacutedio e por muitos outros defensores de que o

assunto eacute o corpo moacutevel ou o corpo natural

2ordf opiniatildeo A segunda pertence a Francisco Toledo e a Joatildeo Maior nesta obra

e a muitos outros que asseveram ser o ente natural

3ordf opiniatildeo A terceira eacute a de Averroacuteis de Simpliacutecio e de S Tomaacutes que seguem

o Ferrariense na questatildeo 2 deste livro Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 10 e

Caetano no opuacutesculo em que disserta sobre esta questatildeo com a devida detenccedila Estes

estabelecem que o assunto eacute o ente moacutevel Na verdade embora os autores destas

facccedilotildees se oponham entre si de modo algum se contradizem

Os filoacutesofos nesta questatildeo concordam nas ideias mas discordam nas

palavras De facto se nos dispusermos a prestar atenccedilatildeo com espiacuterito neutro facilmente

se haacute-de revelar que este dissiacutedio natildeo eacute tanto de ideias como de palavras visto que em

boa verdade o ente moacutevel o corpo moacutevel ou natural e o ente natural satildeo precisamente a

mesma coisa Pelo que Averroacuteis atendendo natildeo tanto agraves palavras como agrave verdade da

posiccedilatildeo umas vezes chama ao assunto da Fisiologia ente moacutevel como no local citado e

no livro 4 da Metafiacutesica comentaacuterio 1 outras vezes corpo moacutevel como no comentaacuterio

115 Parte destas posiccedilotildees satildeo referidas por Caetano no opuacutesculo De subiecto Phisiologiae e a outra parte por Janduno nesta obra questatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 118

5 do livro 12 da mesma obra e tambeacutem corpo natural como no comentaacuterio 5 do livro

7

Diferentes usos do termo moacutevel E entatildeo para que a verdade brilhe ainda mais

cumpre notar que de acordo com Alberto Magno na questatildeo 2 deste livro o vocaacutebulo

lsquomoacutevelrsquo pode ser usado pelos filoacutesofos em dois sentidos por um lado para designar

uma aptidatildeo para o movimento que eacute uma propriedade do ente natural por outro para

significar o princiacutepio no qual tem origem este tipo de aptidatildeo isto eacute a mateacuteria e a forma

substancial que satildeo os princiacutepios do movimento tomando a acepccedilatildeo mais lata deste

termo visto que compreende na sua definiccedilatildeo aquelas seis espeacutecies que Aristoacuteteles

enumerou no livro das Categorias no capiacutetulo sobre as espeacutecies do movimento

O que existe entre o ente natural e o ente segundo a natureza Para aleacutem disso

natildeo se pode ignorar o que foi transmitido por Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo

1 texto 4 onde se diz que o ente natural eacute constituiacutedo de mateacuteria e de forma mas o ente

segundo a natureza de raiz mais vasta e completa natildeo eacute apenas o ente natural mas

tambeacutem qualquer uma das suas afeiccedilotildees como por exemplo a capacidade de ser

movido a forma de existir a delimitaccedilatildeo num espaccedilo e outras deste tipo

O corpo diz-se triacuteplice E finalmente ficamos a saber por S Tomaacutes no livro 1

das Sentenccedilas distinccedilatildeo 25 questatildeo uacutenica artigo 1 e por Henrique de Gand no livro 4

do Quodlibet questatildeo 14 que o corpo eacute triacuteplice Matemaacutetico Metafiacutesico e Fiacutesico116

Matemaacutetico pois eacute uma das espeacutecies da quantidade contiacutenua e tem trecircs dimensotildees

longitude latitude e profundidade Metafiacutesico porque pela sua natureza de composiccedilatildeo

metafiacutesica eacute constituiacutedo pelo geacutenero e pela diferenccedila ou seja pela substacircncia e pelo

corpoacutereo aleacutem disso enquanto composiccedilatildeo fiacutesica deriva da mateacuteria e da forma e

posiciona-se na categoria da substacircncia Por fim fiacutesico pois eacute mateacuteria-prima uma parte

do composto natural jaacute depois de ter obtido uma utilizaccedilatildeo visto que natildeo se considera

corpo uma mateacuteria-prima qualquer mas apenas a que foi destinada pelos instrumentos a

executar as funccedilotildees vitais ou a que eacute uma parte do ser vivo

Em que sentido se diz que o ente moacutevel eacute o assunto da Fisiologia Posto isto

quando dizemos que o ente moacutevel o corpo moacutevel ou natural e o ente natural valem o

mesmo utilizamos o termo lsquomoacutevelrsquo no seu uacuteltimo significado pois o corpo moacutevel

tomado como corpo resume-se ao segundo modo De onde se torna claro que nem a

116 Leia-se Caetano sobre o artigo 3 questatildeo 7 da 1ordf parte

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 119

mateacuteria-prima embora esteja sujeita agrave geraccedilatildeo nem as mentes privadas de massa

corpoacuterea mesmo que se movam do seu lugar estatildeo compreendidas na designaccedilatildeo de

ente moacutevel visto que natildeo satildeo constituiacutedas de mateacuteria e de forma Eacute tambeacutem evidente

que alguns seguidores de Escoto censuram sem razatildeo a opiniatildeo de S Tomaacutes como se

tivesse estabelecido que o assunto da Fisiologia eacute o composto por acidente Na verdade

o ente moacutevel natildeo eacute composto por acidente nem uma ligaccedilatildeo de facto mas apenas de

vocaacutebulo visto que vale o mesmo que o corpo para a categoria da substacircncia

Conclusatildeo 1ordf razatildeo Logo seraacute esta a conclusatildeo o ente moacutevel eacute o assunto da

Filosofia Natural E assim se comprova O ente moacutevel sendo conhecido pela luz da

razatildeo humana e tendo sido demonstradas algumas propriedades sobre ele de qualquer

modo haacute-de necessariamente pertencer a uma ciecircncia e natildeo a outra como se percebeu

pela induccedilatildeo Portanto eacute agrave Filosofia Natural

2ordf razatildeo Em segundo lugar o ente moacutevel eacute o assunto de uma ciecircncia cuja

natureza e afeiccedilotildees se explicam directamente no seu acircmbito como se percebe do que

transmite Aristoacuteteles no livro 1 dos Segundos Analiacuteticos capiacutetulos 8 e 9 Ora eacute assim

que se estabelece o ente moacutevel em relaccedilatildeo a esta ciecircncia como se torna claro a quem

observar o seu fundamento e o desenvolvimento da sua doutrina Logo ele eacute o assunto

da Filosofia Natural

3ordf razatildeo Em terceiro lugar todas as condiccedilotildees requeridas por consenso dos

filoacutesofos quanto aos assuntos das artes estatildeo reunidas no ente moacutevel em relaccedilatildeo agrave

Fisiologia Logo deve necessariamente ser-lhe atribuiacutedo como assunto proacuteprio

Comprova-se a afirmaccedilatildeo Primeiro porque a distingue das outras ciecircncias como

qualquer um perceberaacute facilmente a partir do que discutimos mais atraacutes117 Depois

porque eacute proacuteprio de uma natureza una visto que pertence directamente agrave categoria da

substacircncia Por fim porque todas as coisas que cabem no debate da Fiacutesica se referem a

ele

4ordf razatildeo Confirma-se ainda esta afirmaccedilatildeo pelo facto de o assunto de qualquer

ciecircncia se considerar aquele que de acordo com as regras costuma colocar-se na

definiccedilatildeo da afeiccedilatildeo proacutepria e especiacutefica que nela se observa ora na definiccedilatildeo de

movimento que eacute a principal das propriedades estudadas pelo Fiacutesico estaacute colocado o

117 Na questatildeo 1 deste proeacutemio

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 120

ente moacutevel E assim se define pois o movimento no terceiro livro desta obra capiacutetulo

2 texto 16 O movimento eacute o acto do ente moacutevel enquanto moacutevel

5ordf razatildeo Por uacuteltimo Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1

parece ter claramente aprovado esta opiniatildeo com estas palavras ldquoa faculdade natural eacute

de facto a ciecircncia contemplativa do que pode ser activado pelo movimentordquo

Resposta agrave objecccedilatildeo E para que natildeo queira algueacutem forccedilar as palavras para

colher desta passagem a opiniatildeo de outros que no iniacutecio da questatildeo afirmaacutemos ser de

facto discrepante da nossa e contraacuteria agrave doutrina aristoteacutelica No mesmo ponto diz

Aristoacuteteles que a Fiacutesica assenta no conhecimento da substacircncia que tem em si mesma o

princiacutepio do movimento e do repouso isto eacute da substacircncia moacutevel para que facilmente

se demonstre o que anteriormente advertimos ndash que na disciplina peripateacutetica o ente

moacutevel a substacircncia moacutevel e os semelhantes valem absolutamente o mesmo Daiacute que

sejam utilizados indiscriminadamente no livro 10 da Metafiacutesica sumaacuterio 2 capiacutetulo 2 e

no livro 11 sumaacuterio 7 capiacutetulo 1 bem como no livro 1 Sobre o Ceacuteu capiacutetulo 1 texto 1

e no livro 3 capiacutetulo e texto 1 Por isso natildeo eacute preciso que depois de explorada e

constituiacuteda a mateacuteria componhamos como alguns incorrectamente fazem uma questatildeo

mais longa do que esta passagem sobre os vocaacutebulos

Conveacutem que a reflexatildeo filosoacutefica seja sobre ideias e natildeo sobre palavras Platatildeo

afirmou e com toda a razatildeo que ldquo se desprezarmos as palavras quando eacute preciso

seremos mais ricos em factosrdquo e Galeno ldquoos homens comeccedilaram a desprezar as

verdadeiras coisas precisamente quando com excessos de minuacutecia transferiram as

controveacutersias para os nomesrdquo

ARTIGO 2ordm

ARGUMENTOS CONTRA O QUE SE CONCLUIU NO ARTIGO ANTERIOR

1ordm argumento Opotildee-se poreacutem algumas coisas que parecem destruir a opiniatildeo

sobre o assunto da Fiacutesica que ateacute agora apresentaacutemos Antes de mais seraacute permitido

argumentar assim Na Fiacutesica o ente segundo a natureza estabelece-se em relaccedilatildeo ao

ente natural do mesmo modo que na ldquoPrimeira Filosofiardquo o ente no geral em relaccedilatildeo agrave

substacircncia ora o assunto da ldquoPrimeira Filosofiardquo natildeo eacute a substacircncia mas o ente no

geral como estabeleceu Aristoacuteteles no iniacutecio do livro 4 da Metafiacutesica logo o sujeito da

Fiacutesica natildeo seraacute o ente natural mas o ente segundo a natureza

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 121

2ordm argumento Se natildeo houvesse substacircncias privadas de mateacuteria como

pensavam os Fiacutesicos antigos a Fisiologia seria a ldquoPrimeira Filosofiardquo como atesta

Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 3 e no livro 11 capiacutetulo 6 logo a

ldquoPrimeira Filosofiardquo distingue-se da Fisiologia apenas pela observaccedilatildeo das substacircncias

imateriais e por isso o Metafiacutesico natildeo estuda o acidente nem a substacircncia entendida no

geral No entanto como elas natildeo se devem deixar incoacutegnitas nem haacute de facto outro

filoacutesofo118 para aleacutem do Fiacutesico a quem tenhamos de confiar por direito o seu

conhecimento conclui-se obviamente que o Fiacutesico tambeacutem se ocupa dessas coisas a

ponto de natildeo circunscrever de modo algum o assunto da Fisiologia aos limites das

coisas naturais

3ordm argumento Nenhuma ciecircncia potildee agrave prova o seu assunto mas assume-o

como conhecido como se pode concluir do livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 1 onde

Aristoacuteteles diz que se deve pressupor que haacute um preacute-conceito sobre o assunto Ora no

livro 6 desta obra capiacutetulo 3 texto 32 potildee agrave prova o que eacute o corpo moacutevel Por

conseguinte de modo nenhum pode dizer-se que o corpo moacutevel eacute o assunto da Fiacutesica

Antecipaccedilatildeo E se algueacutem contestar que no local citado natildeo se prova o que eacute o

corpo moacutevel mas que todo o moacutevel eacute um corpo Caetano na sua contestaccedilatildeo sobre o

assunto da Filosofia Natural insiste e persiste neste ponto

Compete agrave Metafiacutesica distribuir os assuntos pelas outras disciplinas

Absolutamente nenhuma das artes cujo assunto seja complexo ou complexamente

conhecido potildee agrave prova a junccedilatildeo das partes de onde proveacutem o proacuteprio assunto ela jaacute

teria de qualquer modo estabelecido e definido o seu assunto o que natildeo eacute concedido a

qualquer ciecircncia particular (pois todas aceitam que lhes seja transmitido pela ciecircncia

comum rainha de todas as artes) no entanto o Fiacutesico como reconhecem os

adversaacuterios potildee agrave prova a ligaccedilatildeo do moacutevel ao corpo Logo natildeo pode reivindicar o

corpo moacutevel como seu assunto

4ordm argumento Se o ente moacutevel fosse o assunto da Fiacutesica seguir-se-ia que o

Filoacutesofo Natural natildeo abstraiacutesse o seu pensamento da mateacuteria mas ele abstrai visto que

nos livros Sobre a Alma se observa a natureza da alma racional que natildeo depende da

mateacuteria Por conseguinte deve procurar-se outro assunto para a Fiacutesica que como eacute

118 Artifex (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 122

evidente por um lado seja livre da concreccedilatildeo da mateacuteria mas por outro esteja

necessariamente ligado a ela

5ordm argumento O Astroacutelogo disserta sobre o ente moacutevel enquanto moacutevel logo

o ente moacutevel natildeo distingue a Fiacutesica das outras disciplinas Comprova-se esta afirmaccedilatildeo

porque como se constata tanto dos princiacutepios ensinados na Astrologia como de

Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 7 texto 19 e no livro 10 da Metafiacutesica

capiacutetulo 2 texto 4 bem como de Proclo no primeiro livro dos Comentaacuterios a Euclides

o Astroacutelogo natildeo soacute observa a figura dos corpos celestes e a distacircncia da terra como

tambeacutem o movimento E por isso o Astroacutelogo tambeacutem estuda o ente moacutevel enquanto

moacutevel natildeo na sua totalidade mas em parte

6ordm argumento O movimento natildeo eacute uma disposiccedilatildeo proacutepria do ente moacutevel logo

eacute falso o que dissemos atraacutes para confirmar a conclusatildeo Prova-se o antecedente porque

a quantidade eacute movida fora da mateacuteria a que estaacute ligada por vontade divina como se

torna evidente na divina Eucaristia e os anjos tambeacutem mudam de lugar mas estas

disposiccedilotildees natildeo se mantecircm sob o ente moacutevel porque natildeo satildeo constituiacutedas por mateacuteria e

por forma

7ordm argumento A quantidade e o repouso parecem ser as propriedades mais

fortes do ente moacutevel pois a primeira eacute o fundamento dos restantes acidentes materiais e

a outra eacute o fim do movimento pelo menos local no entanto todo o fim eacute superior ao

que se dirige para o fim como se demonstra a partir do que ensina Aristoacuteteles no livro

2 desta obra capiacutetulo 3 texto 31 Acrescente-se que os Pitagoacutericos colocaram a

estabilidade ou o repouso no geacutenero dos bens e o movimento no dos males Por

conseguinte natildeo afirmaacutemos correctamente que o movimento eacute a principal disposiccedilatildeo do

ente moacutevel

ARTIGO 3ordm

RESPONDE-SE AOS ARGUMENTOS DO ARTIGO ANTERIOR

Resoluccedilatildeo do 1ordm Satildeo entatildeo estes os argumentos que nos devem de alguma

forma dissuadir da opiniatildeo sustentada sobre o assunto da Fisiologia Deste modo

respondemos ao primeiro que embora o ente no geral diga respeito agrave substacircncia e o ente

segundo a natureza esteja ligado ao ente moacutevel tecircm entre si uma certa razatildeo de

semelhanccedila na medida em que qualquer um eacute superior a outro com que se compare

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 123

todavia no que diz respeito ao propoacutesito do argumento satildeo muito diferentes entre si

De facto as principais disposiccedilotildees da Metafiacutesica como o uno o verdadeiro e outras

deste tipo competem primeiro natildeo agrave substacircncia mas ao ente no geral E as

propriedades da Fiacutesica como a sujeiccedilatildeo ao movimento a disposiccedilatildeo pela quantidade a

delimitaccedilatildeo no espaccedilo e outras do mesmo tipo estatildeo mais de acordo com o ente

natural do que com o ente segundo a natureza Sendo assim visto que deve considerar-

se o assunto de qualquer ciecircncia aquilo em que incidem primeiro que tudo as principais

disposiccedilotildees que nela se estudam consequentemente o assunto da ldquoprimeira Filosofiardquo

haacute-de correctamente constituir-se o ente em geral e o da Fisiologia o ente natural natildeo o

ente segundo a natureza

Resoluccedilatildeo do 2ordm Ao segundo argumento deve confessar-se com Aristoacuteteles

no lugar citado que se natildeo existissem substacircncias absolutamente imateriais natildeo

existiria uma ldquoprimeira Filosofiardquo e natildeo pelo facto de o Metafiacutesico observar apenas as

substacircncias livres da mateacuteria nem por se distinguir do Filoacutesofo Natural somente pela

observaccedilatildeo delas mas porque se este tipo de substacircncias fosse definitivamente afastado

da natureza das coisas o ente moacutevel iria trocar com a substacircncia no geral e iria encerrar

em si mesmo todos os acidentes e toda a amplitude do ente

Os antigos inteacuterpretes da natureza natildeo distinguiram a Fisiologia da

Metafiacutesica Posto isto jaacute nada restaria ao estudo da ldquoprimeira Filosofiardquo daiacute que entre

os Fiacutesicos antigos que nada de concreto reconheciam para aleacutem da mateacuteria se dissesse

que a Filosofia Natural era a ldquoprimeira Filosofiardquo Torna-se entatildeo evidente que a partir

do que foi dito Aristoacuteteles natildeo considerava de modo algum que o conceito geral de

substacircncia ou de ente dizia respeito ao Filoacutesofo Natural

Resoluccedilatildeo do 3ordm Relativamente ao terceiro argumento admitida a proposiccedilatildeo

maior (cuja explicaccedilatildeo mais profiacutecua se encontra em Escoto no livro 1 da Metafiacutesica

questatildeo 1 e em Ferrariense no capiacutetulo 12 do livro 1 Contra os Gentios)119 deve negar-

se que Aristoacuteteles provou no livro 6 que o corpo moacutevel se produz na natureza das

coisas ou que tudo o que se move eacute um corpo mas apenas que todo o moacutevel eacute

constituiacutedo por partes e divisiacutevel o que tinha sido negado pelos antigos Na verdade

Leucipo e Demoacutecrito introduziram uns pequenos corpos indivisiacuteveis e simultaneamente

119 O mesmo em Antoacutenio Andreas no livro 1 da Metafiacutesica Zimara nos Teoremas prop 53 Averroacuteis no uacuteltimo comentaacuterio deste livro

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 124

moacuteveis a partir dos quais todas as coisas foram consolidadas Haacute tambeacutem no lugar

citado o que chamamos uma finalidade de comprovaccedilatildeo aristoteacutelica que os adversaacuterios

natildeo contestam e que facilmente veraacute quem examinar com atenccedilatildeo o fio daquele debate

onde Aristoacuteteles conclui uma longa seacuterie de argumentos com estas palavras φανερὸν

ὦν ὅτι πᾶν τὸ μεταβὰλλον ἒζαι διαιρετὸν ou seja ldquotorna-se verdadeiramente manifesto

que tudo o que se move eacute divisiacutevelrdquo

Objecccedilatildeo Se algueacutem objectar entatildeo (o que pode acontecer relativamente a

quase todas as posiccedilotildees sobre o assunto da Fisiologia) que Aristoacuteteles no primeiro livro

desta obra explica que em qualquer composto satildeo considerados pelo Fiacutesico dois

componentes principais a saber a mateacuteria e a forma e que tambeacutem potildee agrave prova as

partes do ente moacutevel ou do ente natural de onde se conclui que natildeo se pode supor que

o assunto seja o ente moacutevel ou o ente natural

Resoluccedilatildeo E porque o fazem tambeacutem outros artiacutefices quanto aos assuntos das

suas artes dever-se-aacute responder que na verdade Aristoacuteteles prova que no local citado

satildeo consideradas a mateacuteria e a forma a partir das quais se constitui o ente moacutevel e

ataca os que demoliam os princiacutepios da natureza e assumindo verdadeiramente a funccedilatildeo

do Metafiacutesico como ele proacuteprio aconselha no texto 8 capiacutetulo 2 bem como Avicena

no livro 1 dos Sufficientia capiacutetulo 2 Deste modo Aristoacuteteles natildeo nega que isso deve

acontecer e natildeo eacute desadequado ao costume dos Filoacutesofos demonstrar qual eacute o assunto

da ciecircncia de que se ocupam tal como adverte para aleacutem de muitos outros Caetano

nos Comentaacuterios 1ordf parte no artigo 3 questatildeo 2

Resoluccedilatildeo do 4ordm Observaccedilatildeo muacuteltipla da alma racional Relativamente ao

quarto argumento para podermos responder-lhe eacute preciso ter em conta que na

observaccedilatildeo da alma racional manifestam-se trecircs dimensotildees a saber120 a proacutepria

essecircncia da alma considerada em absoluto o seu estatuto no corpo e o seu estatuto fora

do corpo Remetendo para a discussatildeo mais alongada desta questatildeo no primeiro livro

Sobre a Alma respondemos entretanto com poucas palavras que o conhecimento da

alma racional tomada de modo tripartido eacute proacuteprio do ldquoprimeiro Filoacutesofordquo a quem

compete estudar as inteligecircncias e ao seu modo transfere-se para o estado delas

algures por laacute quando se separa do corpo Mas a primeira e a segunda observaccedilotildees

120 Leia-se Averroacuteis no livro 3 Sobre a Alma comentaacuterio 17 Alberto Magno no livro 1 Sobre a Alma tratado 1 e Janduno no mesmo livro questatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 125

pertencem com toda a propriedade e de acordo com a sua tarefa ao Filoacutesofo Natural A

primeira natildeo soacute porque a alma sobretudo a racional tem de facto segundo a sua

quididade uma relaccedilatildeo com a mateacuteria mas tambeacutem porque compete ao Fiacutesico

descortinar a essecircncia do homem que natildeo pode ser entendida se natildeo for conhecida a

natureza da alma A segunda por um lado porque a alma neste estado da vida eacute parte

do homem em acto e precisa da mateacuteria tanto para a tarefa de tomar forma como para

executar as suas acccedilotildees Por conseguinte relativamente ao argumento aceita-se a

proposiccedilatildeo maior mas nega-se a menor e quanto agrave sua aprovaccedilatildeo deve dizer-se que

embora a alma racional possa por si mesma subsistir separadamente depende poreacutem

da mateacuteria do modo que dissemos e tambeacutem tem uma ordem de acordo com a sua

natureza e em relaccedilatildeo ao corpo de que eacute forma E isto eacute suficiente para que natildeo se diga

que o Filoacutesofo Natural se abstrai da mateacuteria quando se dedica ao estudo da alma visto

que na verdade observa a mateacuteria relativamente agrave qual eacute determinada aquela ligaccedilatildeo

da alma

Resoluccedilatildeo do 5ordm A teoria do movimento celeste eacute proacutepria do filoacutesofo121 Em

relaccedilatildeo ao quinto argumento deve negar-se o que se assume pois embora o Astroacutelogo

estude o movimento celeste natildeo eacute como ser moacutevel enquanto moacutevel que o considera

O Astroacutelogo natildeo estuda o movimento como sendo um acto do ente em potecircncia

Primeiro porque pouco lhe interessa a essecircncia e as causas dos corpos celestes depois

porque natildeo analisa o movimento como acto do ente em potecircncia mas de acordo com

razotildees matemaacuteticas como por exemplo os nuacutemeros a igualdade a medida a

proximidade e outros atributos deste tipo Sobre esta questatildeo leia-se Simpliacutecio no

livro 2 desta obra no texto 16 Alcino no livro Sobre a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 6

Averroacuteis no livro 2 Sobre o ceacuteu comentaacuterio 57 e no livro 1 da Metafiacutesica comentaacuterio

9 e ainda Gregoacuterio no livro 1 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 24 questatildeo 2 artigo 2

Resoluccedilatildeo do 6ordm Relativamente ao sexto argumento deve dizer-se que a

quantidade que subsiste fora do corpo atraveacutes de faculdade divina pode mover-se por si

mesma no entanto natildeo obteacutem isso pela sua proacutepria natureza mas por acccedilatildeo da forccedila de

um prodiacutegio precedente atraveacutes do qual consegue existir por si mesma Mas quando noacutes

dizemos que o movimento apenas conveacutem ao ente moacutevel falamos somente de uma

conveniecircncia natural Ora no que diz respeito agrave movimentaccedilatildeo dos anjos deve-se

121 Artifex (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 126

afirmar que ela natildeo eacute um movimento Fiacutesico de que se trate neste livro visto que os

anjos satildeo desprovidos de massa corpoacuterea sem a qual no acircmbito da Fiacutesica nada pode

mover-se como ensina Aristoacuteteles no livro 6 desta obra

Resoluccedilatildeo do 7ordm Ao seacutetimo deve responder-se que embora a quantidade

permanente quando tomada em si proacutepria seja superior ao movimento os Filoacutesofos

poreacutem devem atribuir ao movimento um lugar principal entre as disposiccedilotildees do ente

natural porque como se pode ver no livro 8 desta obra no capitulo 3 texto 22 tem de

ser uma caracteriacutestica mais fiacutesica dado que se habituaram a inquirir e explicar atraveacutes

dela a essecircncia o grau e a espeacutecie das coisas naturais de tal modo que o movimento eacute

considerado o mestre de quase toda a cogniccedilatildeo filosoacutefica Mas quanto ao que se

objectou sobre a quietude temos de dizer que a designaccedilatildeo de quietude como notaram

Escoto no livro 4 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 48 capiacutetulo 2 e Durando na questatildeo 3 da

mesma obra pode ser usada com duas acepccedilotildees uma delas simplesmente como

privaccedilatildeo de movimento a outra como existecircncia moacutevel em sede paterna e natural

como se fosse por um certo prazer e tranquilidade que nela se obteacutem visto que se

manteacutem melhor laacute e natildeo soacute tem uniformidade no seu modo de ser como conserva a

ordem e a beleza do universo tanto quanto lhe seja possiacutevel Por conseguinte se a

quietude for entendida neste uacuteltimo sentido (assim falavam dela os Pitagoacutericos) pode

admitir-se que ela seja a finalidade do movimento e mais perfeita do que ele mas na

verdade isto de modo nenhum obsta a que ainda assim o movimento seja a disposiccedilatildeo

mais fiacutesica por aquele motivo que haacute pouco referimos E por isso eacute que natildeo foi a

quantidade nem a quietude nem o lugar nem o tempo nem qualquer outra disposiccedilatildeo

deste tipo que deu o nome ao assunto da Fisiologia mas apenas e soacute o movimento

QUESTAtildeO V

QUE ORDEM OU LUGAR CABE Agrave FILOSOFIA NATURAL NO CONJUNTO DAS RESTANTES DISCIPLINAS

ARTIGO 1ordm

SOBRE A HIERARQUIA DOS SABERES

Visto que a Filosofia Natural tanto na hierarquia de saberes122 como da

dignidade pode ser comparada agraves outras ciecircncias e como o entendimento desta

122 Sobre a hierarquia de transmissatildeo dos saberes escreveu Boeacutecio no livro Sobre a doutrina escolar Plutarco no livro Sobre as contrariedades estoacuteicas Fiacutelon Judeu no livro Sobre a agricultura e S Agostinho no livro Sobre a ordem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 127

comparaccedilatildeo eacute muito uacutetil para filosofar de acordo com as regras natildeo seraacute minimamente

desadequado ao nosso intento reflectir tambeacutem agora sobre esta questatildeo Deixando de

lado as outras artes comparemos a Filosofia Natural somente com a Matemaacutetica a

Moral e a Metafiacutesica

1ordf Conclusatildeo A primeira conclusatildeo seraacute a Matemaacutetica na hierarquia dos

saberes estaacute antes da Filosofia Natural Esta eacute a opiniatildeo de Hugo de S Viacutetor no

proacutelogo da Hierarquia Celeste e no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 18 bem como de

S Tomaacutes no Opuacutesculo 70 questatildeo 5 artigo 1 e no 8ordm capiacutetulo do livro 6 da Eacutetica Eacute

tambeacutem a de Henrique de Gand na Suma Teoloacutegica artigo 7 questatildeo 7 de Simpliacutecio

neste lugar e de muitos outros bem como de Aristoacuteteles segundo parece no livro 6 da

Eacutetica capiacutetulo 8 onde diz que qualquer rapaz pode tornar-se Matemaacutetico ou saacutebio mas

Fiacutesico natildeo Isto mesmo confirma o costume dos antigos no modo como se deve

transmitir os saberes

Platatildeo afastava do Museu quem natildeo conhecia a matemaacutetica Na verdade

Platatildeo (para natildeo falarmos dos outros) mantinha afastados do Ginaacutesio todos aqueles que

natildeo tivessem sido instruiacutedos nas Matemaacuteticas e sobretudo os que natildeo se tivessem jaacute

exercitado no poacute geomeacutetrico nas portas da Academia estavam precisamente inscritas

estas palavras μηδείς ἀγεωμέτρητος εἰσίτω isto eacute ldquonatildeo entre aqui quem natildeo conhece a

Geometriardquo Eacute tambeacutem por isto que o mesmo Platatildeo no livro 7 da Repuacuteblica chama

προπαιδείας por assim dizer instruccedilotildees preliminares aquelas em que os espiacuteritos dos

adolescentes se deviam previamente exercitar e aperfeiccediloar para os outros niacuteveis de

conhecimento

As Matemaacuteticas ajudam a perceber outras artes Estabelece-se por fim uma

conclusatildeo pelo facto de haver menos dificuldade na aprendizagem das Matemaacuteticas e

daiacute que por causa dessa facilidade de serem aprendidas adoptem como seu o nome

comum das disciplinas entre os Gregos A Fiacutesica como perscruta a energia escondida

da natureza e depende em grande parte da informaccedilatildeo vaga e erroacutenea dos sentidos

requer observaccedilatildeo e experiecircncia de longa duraccedilatildeo pelo que eacute muito mais difiacutecil e

laboriosa

2ordf conclusatildeo A segunda conclusatildeo seraacute a Fiacutesica na hierarquia dos saberes

estaacute antes da Filosofia Moral Esta foi abraccedilada por Crisipo Arquedemo Boeto

Sidoacutenio e Eudemo como referem Laeacutercio na Vida de Zenatildeo e Amoacutenio no proeacutemio agraves

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 128

Categorias E ainda S Tomaacutes no capiacutetulo 8 do livro 6 da Eacutetica liccedilatildeo 7 Justifica-se

antes de mais por esta razatildeo porque nos aspectos que dizem respeito agrave disciplina de

vida agrave regulaccedilatildeo e agrave moderaccedilatildeo das vontades dos homens a experiecircncia eacute muito mais

falaz e incerta e tambeacutem muito mais aacuterdua do que nas Fiacutesicas e eacute preciso um juiacutezo

muito mais maduro para o entendimento das coisas que devem estabelecer os costumes

orientar a famiacutelia e sustentar a Repuacuteblica

Eacute preciso um raciociacutenio mais maduro para a Moral do que para a Fiacutesica A

isto diz respeito a afirmaccedilatildeo de Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 3 que o jovem

de modo nenhum eacute um ouvinte idoacuteneo da disciplina Moral porque seguramente no

reino das perturbaccedilotildees natildeo pode ser firme o juiacutezo sobre as atitudes que se devem tomar

enquanto o espiacuterito flutua no turbilhatildeo ondulante das paixotildees natildeo percebe de que modo

deve dominar os viacutecios soacute depois de ter conseguido uma certa estabilidade haacute-de ser

prudente e consciente como ensinou Aristoacuteteles no livro 7 desta obra capiacutetulo 3 texto

20 imitando Platatildeo no Craacutetilo Confirma-se tambeacutem esta conclusatildeo pelo que

aconselham Alexandre Simpliacutecio e Averroacuteis no iniacutecio desta obra e tambeacutem

Aristoacuteteles no uacuteltimo capiacutetulo do primeiro livro da Eacutetica ou seja que para a Filosofia

Moral tecircm necessariamente de se solicitar muitos conhecimentos agraves fontes da natureza e

ao estudo da verdade Fiacutesica como por exemplo o que eacute a alma

A Filosofia Moral eacute a medicina do espiacuterito Na verdade como afirma Platatildeo no

Primeiro Alcibiacuteades natildeo podemos saber de que modo se deve tratar alguma coisa se

natildeo tivermos o conhecimento e o exame preacutevios da sua natureza e a Filosofia Moral eacute a

terapeuta da alma Conveacutem por isso que o Filoacutesofo Moral obtenha do Natural quais satildeo

as faculdades da alma para que possa ensinar quais satildeo as que se devem submeter e

quais satildeo aquelas em cuja acccedilatildeo se situa a felicidade Por conseguinte Aristoacuteteles ao

formar a ciecircncia dos costumes apresenta muitas vezes a Fisiologia como se fosse pai

dela e Platatildeo no uacuteltimo local citado estabelece que se deve avanccedilar para a

jurisprudecircncia a partir da Filosofia

3ordf conclusatildeo A Metafiacutesica na hierarquia dos saberes eacute a uacuteltima de todas as

ciecircncias Esta conclusatildeo deve ser entendida apenas sobre as ciecircncias que podem ser

aprendidas pela faculdade do engenho humano Foi entatildeo transmitida por Avicena no

primeiro livro da sua Metafiacutesica capiacutetulo 3 por S Tomaacutes no livro 1 Contra os gentios

capiacutetulo 4 por Egiacutedio no proeacutemio desta obra por Alberto Magno no livro 1 da

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 129

Metafiacutesica tratado 2 capiacutetulo 10 e por muitos outros geralmente Peripateacuteticos de

comum acordo

Confirmaccedilatildeo E facilmente se comprova pelo facto de a hierarquia dos saberes

postular que como esta ciecircncia considera as coisas mais ocultas e afastadas do contacto

dos sentidos ela deve ser aprendida em uacuteltimo lugar e ningueacutem desconhece que a

Metafiacutesica se encontra nesse patamar visto que ela se ocupa do estudo das coisas

transcendentes como indica o seu proacuteprio nome e atesta Aristoacuteteles no livro 1 da

Metafiacutesica capiacutetulo 2 e no primeiro Sobre as partes dos animais capiacutetulo 5

O filoacutesofo ascende gradativamente agrave Metafiacutesica atraveacutes das outras ciecircncias

Resta acrescentar que a aprendizagem das mateacuterias que satildeo tratadas noutras ciecircncias

prepara e aguccedila o espiacuterito para a divina Filosofia como explica S Agostinho no livro 2

Sobre a ordem afirmando que a razatildeo humana como aspira a conhecer o que existe

acima da natureza para que natildeo realize a sua subida em vatildeo nem caia do alto deve

considerar as disciplinas inferiores a si como um degrau equivalente a um asse

ARTIGO 2ordm

COM QUE ARGUMENTOS SE CONTESTA AS CONCLUSOtildeES DO ARTIGO ANTERIOR

Qualquer uma das conclusotildees que acabaacutemos de estabelecer tem os seus

opositores A primeira tem Alberto Magno neste livro Amoacutenio no iniacutecio dos

Predicaacuteveis e outros mais antigos Plotino e Boeacutecio defensores de que a Matemaacutetica

na hierarquia das ciecircncias devia ser posterior agrave Filosofia Natural

1ordf objecccedilatildeo contra a 1ordf conclusatildeo O parecer deles eacute fundamentado por estes

argumentos De um extremo ao outro natildeo pode haver passagem senatildeo pelo meio mas a

Matemaacutetica eacute intermeacutedia entre a Fisiologia e a Metafiacutesica logo tem de ser totalmente

aprendida entre uma e outra Comprova-se a afirmaccedilatildeo porque a Matemaacutetica reivindica

para si uma abstracccedilatildeo intermeacutedia visto que o Fisioacutelogo considera o que nem real nem

racionalmente se abstrai da mateacuteria o Metafiacutesico o que se abstrai racional e realmente e

o Matemaacutetico o que se abstrai natildeo real mas racionalmente e deste modo a abstracccedilatildeo

da Matemaacutetica eacute em parte diferente das outras duas e em parte semelhante a elas tal

como o meio com os extremos Com isto se relaciona o facto de os Pitagoacutericos e

tambeacutem Platatildeo eacutemulo da sua doutrina terem colocado as disciplinas matemaacuteticas a

meio caminho entre as divinas e as naturais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 130

2ordf objecccedilatildeo E depois discutem nestes termos como toda a nossa cogniccedilatildeo tem

origem nos sentidos deve adquirir-se em primeiro lugar a ciecircncia que trata das coisas

proacuteximas dos sentidos e a Fiacutesica eacute deste tipo visto que trata das coisas que caem em

primeiro lugar no domiacutenio dos sentidos Logo deveraacute ser aprendida antes das ciecircncias

matemaacuteticas

Tambeacutem impugnaram a segunda conclusatildeo Temiacutestio no iniacutecio desta obra e

Eustraacutecio no livro 1 dos Comentaacuterios agrave Eacutetica de Aristoacuteteles e antes deles Zenatildeo e

Dioacutegenes Babiloacutenico foram de opiniatildeo que natildeo convinha nada que quem segue os

estudos de Filosofia acomodasse o espiacuterito primeiro agrave ciecircncia da natureza e soacute depois agrave

dos costumes

Objecccedilatildeo contra a 2ordf conclusatildeo Em defesa desta sentenccedila poderia arranjar-se

um argumento deste tipo ningueacutem pode filosofar correctamente se natildeo estiver provido

da honestidade dos costumes mas eacute a disciplina Moral que nos ensina e prepara para

ela Por isso deve ser procurada em primeiro lugar Explica-se a proposiccedilatildeo maior

porque como ensina a experiecircncia e declaram os Filoacutesofos de comum acordo os viacutecios

espalham a cegueira e as trevas pela mente e servem de impedimento a que veja a luz da

verdade Daiacute que Platatildeo afirme no Feacutedon que ningueacutem pode filosofar se natildeo conseguir

afastar-se tanto quanto possiacutevel das afeiccedilotildees E Seacuteneca assegura que o homem

enquanto serve as letras eacute escravo das paixotildees e dos viacutecios natildeo pode tornar-se filoacutesofo

mas filoacutelogo isto eacute sofista um vil serviccedilal da aura popular

1ordf objecccedilatildeo contra a 3ordf Por uacuteltimo alguns dos Filoacutesofos Neoteacutericos rejeitam a

terceira conclusatildeo asseverando que a Metafiacutesica na hierarquia dos saberes eacute pura e

simplesmente anterior a todas as outras disciplinas123 Primeiro porque estuda as causas

supremas das coisas nomeadamente Deus e as inteligecircncias bem como os geacuteneros

supremos e a transcendecircncia cujo conhecimento total eacute necessaacuterio para perceber

distintamente o assunto de todas as outras ciecircncias visto que segundo dizem ningueacutem

possui uma inteligecircncia perfeita de qualquer coisa sem inteligir as causas de que

depende e os seus predicados comuns

2ordf objecccedilatildeo E depois porque as outras ciecircncias satildeo subalternas da Metafiacutesica

como exprime Platatildeo no livro 7 da Repuacuteblica e Proclo no livro 1 do Comentaacuterio a

Euclides bem como outros respeitaacuteveis Peripateacuteticos como S Tomaacutes no Tratado sobre

123 Como Mirandulano no livro 10 De singulari Certamine parte 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 131

a natureza do geacutenero se eacute dele essa obra Por isso como a ciecircncia subordinante na

ordem de aprendizagem eacute naturalmente anterior agraves subordinadas uma vez que os

princiacutepios destas dependem dos princiacutepios da outra parece-nos claro que a Metafiacutesica

na hierarquia dos saberes deve ser a primeira de todas as ciecircncias

ARTIGO 3ordm

EXPLICACcedilAtildeO DOS ARGUMENTOS ANTERIORES

Resoluccedilatildeo da 1ordf objecccedilatildeo contra a 1ordf conclusatildeo Ainda que os argumentos

propostos sejam provaacuteveis na espeacutecie no entanto natildeo satildeo conclusivos Por isso

respondemos ao primeiro que a abstracccedilatildeo da Matemaacutetica eacute intermeacutedia porque conveacutem

agrave abstracccedilatildeo da Fiacutesica e da Metafiacutesica tal como o meio aos extremos como prova o

argumento todavia natildeo a ponto de se concluir que a disciplina Matemaacutetica na

hierarquia de aprendizagem deva ser colocada entre a Fiacutesica e a ldquoprimeira Filosofiardquo

do mesmo modo que pelo facto de se situar a cor puacutenica entre o branco e o negro natildeo

se poder concluir de imediato que o corpo anteriormente coberto pela cor puacutenica deva

preferencialmente tornar-se branco E deste modo podem as artes matemaacuteticas dizer-se

meacutedias quanto agrave abstracccedilatildeo visto que Platatildeo e os Pitagoacutericos as chamaram meacutedias

todavia natildeo eacute de acordo com a hierarquia dos saberes de que se trata

Resoluccedilatildeo da 2ordf Relativamente agrave segunda objecccedilatildeo cumpre dizer que se as

coisas que em primeiro lugar se mostram aos sentidos satildeo as mais difiacuteceis de explicar e

as que requerem mais experiecircncia e como deste modo se estabelecem as coisas Fiacutesicas

quando comparadas com as Matemaacuteticas logo a disciplina das coisas deste tipo natildeo

pode ser adquirida antes mas depois daquelas que se afastam muito mais dos sentidos

Acrescente-se ainda que nem todos os entes Fiacutesicos estatildeo mais perto dos sentidos do

que os Matemaacuteticos ainda que a essecircncia do ente moacutevel que antecede a quantidade

pela origem seja uma coisa Fiacutesica todavia estaacute mais distante da percepccedilatildeo dos sentidos

e mais escondido nas entranhas da natureza do que a quantidade matemaacutetica

Resoluccedilatildeo da objecccedilatildeo contra a 2ordf conclusatildeo Relativamente ao argumento

que se opunha agrave segunda conclusatildeo deve responder-se que embora natildeo se deva negar

que a probidade de vida contribui muito para a compreensatildeo das disciplinas na medida

em que purga a mente das afeiccedilotildees que prejudicam o espiacuterito para que ela possa pensar

todavia natildeo se conclui necessariamente por isso que a disciplina Moral precede a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 132

Fisiologia Primeiro porque muitas pessoas contaminadas pelos viacutecios aprendem as

ciecircncias depois porque nem soacute a probidade dos costumes permite chegar aos princiacutepios

da Filosofia mas tambeacutem e sobretudo pelo esforccedilo individual pela disciplina

domeacutestica pelo exemplo dos outros e por muitos outros meios dispostos para esse

objectivo a que se acrescenta a intervenccedilatildeo divina

Resoluccedilatildeo do 1ordm argumento contra a 3ordf conclusatildeo Quanto agraves objecccedilotildees

levantadas contra a terceira conclusatildeo vamos dissolvecirc-las deste modo Agrave primeira

respondemos que a perfeita aquisiccedilatildeo da ciecircncia eacute dupla uma eacute perfeita apenas no seu

geacutenero a outra eacute absoluta e excelente em todos os geacuteneros e sob todos os aspectos Por

conseguinte se falarmos desta uacuteltima acepccedilatildeo admitimos que a Metafiacutesica na

hierarquia dos saberes precede tanto a Fiacutesica como as restantes partes da Filosofia

como comprova o argumento e confessa S Tomaacutes no iniacutecio desta obra Se tomarmos

como referecircncia a primeira acepccedilatildeo temos de negar o que inteligia a nossa conclusatildeo e

para uma explicaccedilatildeo mais detalhada deste ponto leia-se o que expusemos na primeira

questatildeo deste proeacutemio124 Mas visto que a Metafiacutesica de acordo com aquela uacuteltima

perspectiva eacute a primeira de todas as disciplinas com razatildeo haacute-de algueacutem perguntar por

que eacute que a nossa conclusatildeo a proclamou natildeo a primeira mas a uacuteltima em absoluto

Responde-se agrave duacutevida A esta duacutevida deve responder-se que foi por causa disto

porque os filoacutesofos falam quase sempre do primeiro geacutenero do saber que eacute muito mais

comum e frequente E depois porque a ciecircncia que na hierarquia dos saberes eacute

considerada em absoluto no primeiro lugar eacute a que trata as coisas que nos satildeo

francamente mais evidentes e mais faacuteceis de entender de modo a que o seu

entendimento nos prepare para o entendimento das seguintes e nos construa uma espeacutecie

de caminho e do que foi dito se conclui que a Matemaacutetica e a Fiacutesica se posicionam

deste modo em comparaccedilatildeo com a ldquoprimeira Filosofiardquo

Resoluccedilatildeo do 2ordm argumento contra a 3ordf conclusatildeo Relativamente agrave segunda

objecccedilatildeo contra a mesma conclusatildeo o discurso seraacute sobre a idecircntica e perfeita

subordinaccedilatildeo tal como costuma ser descrita no capiacutetulo 10 do livro 1 dos Posteriores

Cumpre afirmar que a Metafiacutesica natildeo subordina as outras ciecircncias Como correctamente

debate Egiacutedio neste local Herveu no proacutelogo das Sentenccedilas questatildeo 6 e Soncinas no

livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 9 toda a ciecircncia proacutepria e perfeitamente subordinada tira

124 Leia-se Escoto no 1ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 2 sect 2ordm

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 133

da subordinante os princiacutepios das suas conclusotildees como atesta Aristoacuteteles no livro 1

dos Posteriores no ponto citado Ora ningueacutem desconhece que as outras disciplinas

possuem muitos princiacutepios proacuteprios e especiacuteficos que natildeo tomam da ldquoprimeira

Filosofiardquo125 O mesmo se conclui de novo pelo facto de os princiacutepios que as ciecircncias

subordinadas usam costumarem ser atestados por uma demonstraccedilatildeo ostensiva e pela

causa nos subordinantes mas nas outras ciecircncias natildeo satildeo poucos os princiacutepios imediatos

que por isso natildeo passam por qualquer demonstraccedilatildeo deste tipo

As outras ciecircncias satildeo de certo modo subordinadas agrave Metafiacutesica Natildeo

negamos poreacutem que as outras ciecircncias satildeo de certo modo subordinadas agrave Metafiacutesica

quer por causa da finalidade uma vez que o ldquoprimeiro Filoacutesofordquo reflecte sobre a

finalidade suprema para a qual se orientam afinal todas as ciecircncias inferiores quer

tambeacutem em funccedilatildeo dos princiacutepios visto que de certo modo lhe compete refutar os que

negam os princiacutepios das disciplinas com o empenho da eloquecircncia sofiacutestica e se for

preciso demonstrar que a proacutepria demonstraccedilatildeo desses princiacutepios conduz agrave desgraccedila

Ora os autores citados no argumento falaram deste tipo de subordinaccedilatildeo que todavia

natildeo submete as outras ciecircncias agrave primeira Filosofia de tal modo que se deva pensar que

os seus princiacutepios dependem em absoluto dos princiacutepios dela E por isso natildeo se pode

concluir que de acordo com a referida subordinaccedilatildeo na hierarquia dos saberes a

Metafiacutesica realmente precede as outras disciplinas

ARTIGO 4ordm

SOBRE A HIERARQUIA DA DIGNIDADE ENTRE A FIacuteSICA E AS OUTRAS PARTES DA FILOSOFIA

Se observarmos a hierarquia do saber e o proacuteprio meacutetodo percebe-se que a

Fiacutesica de certo modo antecede as outras partes da Filosofia como tornaacutemos claro na

discussatildeo anterior o proacuteximo passo eacute explicar qual eacute o estatuto que entre elas ocupa no

que diz respeito agrave dignidade Vai-se entatildeo distinguir a dignidade de uma ciecircncia

contemplativa tanto em comparaccedilatildeo com as que impelem para a acccedilatildeo como com as

que consistem na proacutepria contemplaccedilatildeo Mesmo entre as contemplativas quer pela

importacircncia da mateacuteria abordada quer pela certeza e pela evidecircncia do que

125 Trombeta no livro 11 da Metafiacutesica questatildeo 1 Nifo no proacutelogo desta obra e Javelo no livro 1 da Metafiacutesica questatildeo 2 apresentam esta mesma razatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 134

demonstram haacute umas que superam as outras como ensina Aristoacuteteles no livro 8 dos

Toacutepicos capiacutetulo 2 e no iniacutecio dos livros Sobre a Alma

1ordf conclusatildeo Eis entatildeo a primeira conclusatildeo Se a Fiacutesica for comparada com

as disciplinas praacuteticas deve simplesmente ser superior a elas pela sua dignidade

Comprova-se primeiro porque as ciecircncias contemplativas e entre elas a Fiacutesica como

se dedicam apenas agrave observaccedilatildeo das coisas satildeo procuradas por causa de si mesmas

como se conclui do livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 2 aleacutem disso o que se procura por

causa de si mesmo eacute mais importante e honroso como se torna evidente a partir do livro

1 da Eacutetica capiacutetulo 7 porque natildeo tem a razatildeo da sua dignidade dependente de outrem

Comprova-se tambeacutem porque as ciecircncias meditativas chegam muito perto da felicidade

especulativa do homem que Aristoacuteteles prefere por completo agrave praacutetica no livro 1 da

Eacutetica capiacutetulos 6 7 e 8 Tambeacutem no livro 12 da Metafiacutesica capiacutetulo 7 texto 39 e em

muitos outros locais seguindo Platatildeo no Filebo e no livro 5 da Repuacuteblica persuade a

que a contemplaccedilatildeo seja preferida agrave acccedilatildeo bem como por outras palavras no livro 6 da

Metafiacutesica capiacutetulos 1 e 2 onde depois de ter dado a conhecer a divisatildeo das ciecircncias

entre contemplativas agentes e eficientes atribuiu o primeiro lugar agraves contemplativas

Objecccedilatildeo E se algueacutem objectar que a ciecircncia Moral estaacute incumbida de corrigir

o modo de vida que eacute uma funccedilatildeo tanto mais uacutetil e necessaacuteria do que a contemplaccedilatildeo

quanto para noacutes eacute mais importante viver honestamente do que contemplar

correctamente Por isso como atesta Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 2 a

Poliacutetica orienta as outras artes e orientar eacute proacuteprio de uma faculdade superior

Dissoluccedilatildeo Dever-se-aacute responder que a funccedilatildeo da doutrina Moral como prova

o argumento e confessa Aristoacuteteles no livro 6 da Eacutetica capiacutetulo 7 eacute mais uacutetil agrave

sociedade humana e mais necessaacuteria agrave vida no entanto natildeo eacute por isso mais honrosa

nem de todo mais importante para a razatildeo da ciecircncia De facto a honra e a dignidade de

uma ciecircncia enquanto ciecircncia natildeo devem ser avaliadas pelo fruto ou pela necessidade

mas pelo modo com que atinge o seu objecto e a sua finalidade E esse modo como se

depreende do que foi dito eacute mais eminente nas ciecircncias contemplativas do que nas

praacuteticas No que diz respeito agrave Poliacutetica importa dizer que ela natildeo orienta as outras

ciecircncias como se lhes prescrevesse quer a mateacuteria de que tratam quer o meacutetodo de

investigaccedilatildeo (isto eacute proacuteprio da Filosofia suprema) mas apenas as dispotildee para o uso e

utilidade civis estabelecendo as artes que devem ser aprendidas ou exercitadas em que

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 135

momento e por quem como explica Aristoacuteteles no mesmo local Mas esta prerrogativa

de orientaccedilatildeo natildeo vale a ponto de por causa dela se dever julgar a Poliacutetica mais nobre

que as outras disciplinas visto que nela eacute preponderante a razatildeo de atingir a finalidade e

o objecto E de momento basta sobre a comparaccedilatildeo da Fiacutesica com as artes praacuteticas

Vamos agora cotejaacute-la com as contemplativas

2ordf conclusatildeo Se tivermos em conta a importacircncia do assunto abordado a

primeira em dignidade eacute a Metafiacutesica a segunda a Filosofia Natural por uacuteltimo a

Matemaacutetica126 Faz feacute a esta afirmaccedilatildeo pela comparaccedilatildeo da Fiacutesica com a Metafiacutesica

aquele dito aristoteacutelico do livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 3 ldquose as substacircncias

separadas natildeo existissem a Fiacutesica seria a primeira Filosofiardquo e tambeacutem aquele outro

do seacutetimo livro da mesma obra capiacutetulo 11 texto 39 ldquoa Fiacutesica eacute a segunda Filosofiardquo

Em seguida comprova-se por completo a conclusatildeo por esta razatildeo De facto como a

substacircncia ocupa no plano das coisas a primeira categoria consideram-se mais

importantes as ciecircncias que se dedicam agrave substacircncia do que as que se dedicam aos

acidentes e entre as ciecircncias do primeiro geacutenero aquelas que observam as substacircncias

livres de mateacuteria e por isso colocadas no grau mais elevado da realidade brilham mais

do que as que estudam as que se misturam com a mateacuteria e assim a Matemaacutetica

compreende a quantidade a Fiacutesica as substacircncias materiais e a ldquoPrimeira Filosofiardquo as

substacircncias desprovidas de mateacuteria

3ordf conclusatildeo Se ponderarmos com cuidado a certeza e a evidecircncia da

demonstraccedilatildeo o primeiro lugar em dignidade eacute devido agrave Matemaacutetica o segundo agrave

Filosofia Natural e o terceiro agrave Metafiacutesica Esta opiniatildeo eacute defendida por S Tomaacutes no

opuacutesculo 70 Sobre a Trindade de Boeacutecio questatildeo uacuteltima artigo 1 e por muitos

outros127 Deve entender-se por comparaccedilatildeo sobre a certeza do nosso intelecto

Confirma satisfatoriamente a primeira parte desta conclusatildeo a opiniatildeo comum dos

filoacutesofos afirmando que as demonstraccedilotildees das Matemaacuteticas satildeo as mais soacutelidas de

todas como atesta Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 3 e no livro 2 da

Metafiacutesica capiacutetulo 3 bem como Averroacuteis no mesmo lugar e Ptolomeu no proeacutemio da

126 Sobre a supremacia da Metafiacutesica entre as outras ciecircncias Platatildeo no Filebo e no livro 7 da Repuacuteblica Aristoacuteteles no capiacutetulo 2 do livro 1 da Metafiacutesica Proclo no capiacutetulo 4 do livro 1 do Comentaacuterio a Euclides Simpliacutecio no texto 8 livro 1 da Fiacutesica Averroacuteis no livro 1 Sobre a Alma comentaacuterio 1 127 Eacute tambeacutem a de Panfilo na Quaestio de certitudine scientiae em parte a de Egiacutedio no proacutelogo desta obra e na questatildeo 24 do livro 1 da Metafiacutesica em parte a de Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 14 e a de Liconiense nos Posteriores cap 23

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 136

grandiosa Compositio Corrobora-se igualmente toda a conclusatildeo porque a consideraccedilatildeo

matemaacutetica apesar de natildeo ter dificuldade e de quase natildeo precisar de experiecircncia eacute livre

da mateacuteria sensiacutevel e do movimento e assim menos incerta A Natural coloca todo o

seu empenho no que eacute constituiacutedo por mateacuteria e sujeito a transformaccedilatildeo cujas afeiccedilotildees

satildeo mais recocircnditas de tal modo que natildeo costumamos conseguir percebecirc-las para aleacutem

da ambiguidade das opiniotildees

O brilho da mente humana enfraquece com o fulgor das coisas mais sublimes

Quanto agrave Metafiacutesica como existe em noacutes (e assim falamos sempre na presenccedila dela)

oferece uma certeza menor que as duas anteriores o que se conclui porque as coisas que

caem sob a sua observaccedilatildeo ainda que tomadas em si mesmas alcanccedilam um grau mais

elevado de certeza visto que estatildeo livres de mateacuteria e de toda a mutaccedilatildeo no entanto na

nossa condiccedilatildeo de vida satildeo percebidas a muito custo atraveacutes de um longo estudo e

algumas delas satildeo de natureza tatildeo excelente que diante delas o brilho da nossa mente

enfraquece como o olho da coruja diante do esplendor do sol O que afirma Aristoacuteteles

no livro 2 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1 e no primeiro Sobre as partes dos animais

capiacutetulo 5 e muito bem explica Platatildeo no Feacutedon e no Teeteto

Dissoluccedilatildeo de uma duacutevida Entatildeo se algueacutem perguntar qual das duas

Matemaacuteticas a Aritmeacutetica e a Geometria eacute a mais distinta Responderemos a

Aritmeacutetica De facto se tivermos em conta a certeza da sua demonstraccedilatildeo ela eacute mais

certa como prova Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 2 porque discute sobre

o que eacute mais elementar e mais simples isto eacute sobre os nuacutemeros que satildeo percebidos

sem a disposiccedilatildeo das partes a Geometria por seu lado discute sobre a grandeza que

natildeo se daacute a conhecer sem esse tipo de disposiccedilatildeo Se atendermos poreacutem agrave dignidade do

assunto percebe-se entatildeo a maior importacircncia da Aritmeacutetica porque se debruccedila sobre

o nuacutemero e como este se afasta mais da mateacuteria vence assim a grandeza no que diz

respeito agrave distinccedilatildeo128 aleacutem disso porque conhecer as subtilezas as proporccedilotildees e os

misteacuterios dos nuacutemeros eacute uma obra notaacutevel do engenho humano de tal modo que Platatildeo

no Epinoacutemides e no livro 7 da Repuacuteblica disse que quem afasta a Aritmeacutetica afasta

toda a prudecircncia e toda a humanidade Leia-se o que escreveu Aristoacuteteles sobre esta

sentenccedila nos Problemas secccedilatildeo 30 problema 5

128 Leia-se Bessarion no livro 1 Contra os Caluniadores de Platatildeo cap 8 onde antepotildee a Geometria a todas as matemaacuteticas pela certeza o que natildeo estaacute correcto como prova tambeacutem Escaliacutegero na exercitaccedilatildeo 321 do Comentaacuterio sobre Cardano

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 137

Explicaccedilatildeo de outra duacutevida Nesta discussatildeo resta por fim explicar aquela

duacutevida uma vez que as ciecircncias contemplativas na hierarquia da distinccedilatildeo se precedem

reciprocamente de modo diverso e tanto umas como outras tecircm a sua graccedila e beleza

quais delas devem em absoluto estar agrave frente das outras Deve responder-se que na

verdade a Metafiacutesica pelo esplendor da sua dignidade eleva-se acima de todas segue-

a a Fisiologia e abaixo estatildeo as Matemaacuteticas Por conseguinte visto que a importacircncia

do assunto eacute mais soacutelida e ilustre ela prepondera pela proacutepria natureza da sua certeza

como se conclui do que ensina Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 2

e no livro 11 capiacutetulo 6 aleacutem disso se o estatuto de uma ciecircncia fosse absolutamente

concluiacutedo pela certeza do que demonstra a informaccedilatildeo certa do assunto mais

desprezado devia merecer mais valor e consideraccedilatildeo do que o conhecimento menos

certo de um assunto mais nobre o que eacute absurdo dizer-se e contraacuterio agrave opiniatildeo de

Aristoacuteteles que no primeiro livro Sobre as partes dos animais capiacutetulo 1 assegura que

a ciecircncia das coisas transitoacuterias eacute mais certa mas menos digna que a ciecircncia das coisas

eternas

SOBRE A DIVISAtildeO DA FILOSOFIA EM ARISTOacuteTELES

Quase todos os filoacutesofos que antes da eacutepoca de Aristoacuteteles atingiram o apogeu

com louvor do seu engenho e da sua ciecircncia direccionaram o espiacuterito apenas para uma

ou outra parte da Filosofia em que se destacassem Deste modo a contemplaccedilatildeo

exclusiva da natureza deteve Tales Anaxiacutemeno e Anaxaacutegoras Piacutetaco Periandro Soacutelon

Licurgo e outros como eles escreveram sobre o governo da repuacuteblica Zenatildeo e com ele

toda a escola eleaacutetica dedicou-se aos preceitos da Dialeacutectica Aristoacuteteles pelo contraacuterio

praticamente natildeo deixou uma uacutenica parte da Filosofia que com maacuteximo empenho natildeo

tivesse investigado compreendido e esclarecido nos seus escritos129 E assim deixou os

mais antigos a uma longa distacircncia atraacutes de si e ateacute aos seus mestres Soacutecrates e Platatildeo

tatildeo admirados no seu seacuteculo e por toda a posteridade conseguiu superar Soacutecrates de

facto (aleacutem de tudo um grande filoacutesofo sobre o qual quase todas as escolas de filoacutesofos

fazem recair o iniacutecio da sua disciplina nomeadamente os Platoacutenicos os Acadeacutemicos os

129 Sobre a supremacia da doutrina e do engenho de Aristoacuteteles veja-se Laeacutercio na Vida de Aristoacuteteles Ciacutecero no livro 2 do Orador Averroacuteis no proeacutemio da Fiacutesica Pliacutenio no livro 8 cap 16 e no livro 18 cap 34 Apolodoro no Chronicle Lucreacutecio no livro 3 Ceacutelio no livro 17 cap 17 das Liccedilotildees Antigas e no livro 29 cap 8 Fonseca no proeacutemio da Metafiacutesica a partir do cap 3

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 138

Cirenaicos os Ciacutenicos os Peripateacuteticos os Megaacutericos e os Estoacuteicos) sem qualquer

organizaccedilatildeo por disciplinas como refere Plutarco na Vida de Aristoacuteteles discorria ora

num sentido ora noutro e mais parecia rebater as opiniotildees dos outros do que expor o

que pensava Tambeacutem Platatildeo por outro lado homem de singular e divino engenho bem

como de vasto e profundo saber como geralmente punha os outros a discutir

conservava o costume socraacutetico de dissimular a sua sabedoria e distrair os espiacuteritos dos

leitores com a ambiguidade Por isso acontece que (como afirma S Agostinho no livro

8 da Cidade de Deus capiacutetulo 4) dificilmente algueacutem seraacute capaz de discernir o que ele

proacuteprio pensava E assim para resumir nem Soacutecrates nem Platatildeo deixaram um tipo de

saber certo ou perfeito em rigorosamente todos os aspectos nem tatildeo pouco explicado

por uma exposiccedilatildeo certa e constante Aristoacuteteles pelo contraacuterio abordou natildeo soacute a

Loacutegica e a Fiacutesica como tambeacutem a Eacutetica e qualquer outra faculdade Tendo orientado o

encadeamento da doutrina desde os primoacuterdios das coisas ateacute ao seu fim com uma

ordem de admiraacutevel elegacircncia preparou perfeitamente cada ouvinte no seu geacutenero pelo

que eacute designado de pleno direito pai das artes liberais e pedra liacutedia dos Filoacutesofos

Obras de Aristoacuteteles Quanto aos livros de Aristoacuteteles Laeacutercio refere-os na

Vida dele e eleva aos quatrocentos a soma total daqueles em relaccedilatildeo aos quais natildeo haacute

qualquer duacutevida de autoria130 mas a maior parte desapareceu por acccedilatildeo da injusticcedila dos

tempos de tal modo que agora natildeo restam mais que cento e vinte

Breve divisatildeo das obras As mateacuterias neles tratadas podem ser reduzidas a

cinco geacuteneros ou capiacutetulos Uma parte conteacutem o processo de escrita das cartas da

Poeacutetica e da Retoacuterica Outra os preceitos da discussatildeo A terceira a doutrina civil e

moral A quarta a ciecircncia das coisas naturais E a quinta a das transcendentes

Deixando de lado as restantes neste ponto vamos dar uma breve vista de olhos ao

conjunto das coisas que satildeo proacuteprias da Fiacutesica

Aristoacuteteles era um aceacuterrimo investigador da natureza Aristoacuteteles calcorreou

esta parte com tanta diligecircncia e com uma riqueza de aspectos inovadores tatildeo

impressionante que nada lhe parece ter escapado seja na terra no mar ou no ceacuteu Daiacute

que embora muitos o considerassem inferior a Platatildeo na compreensatildeo das coisas

130 Sobre os livros de Aristoacuteteles leia-se Plutarco na Vida dele Sobre a sua biblioteca Estrabatildeo no livro 13 das suas Geografias

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 139

divinas contudo no entendimento da natureza obteve o primeiro lugar na avaliaccedilatildeo de

todos

Por que motivo chamaram demoacutenio a Aristoacuteteles O que esteve na origem de

tanto os Platoacutenicos como os Peripateacuteticos lhe terem chamado demoacutenio foi o facto de ter

tratado com maacuteximo rigor e detalhe as mateacuterias naturais sujeitas ao orbe da lua onde

diziam habitar o geacutenero dos Demoacutenios131

Divisatildeo da Fisiologia de Aristoacuteteles A Fisiologia aristoteacutelica distribui-se

entatildeo por cerca de dez partes

Livros da Fiacutesica A primeira estaacute contida nos oito livros da Fiacutesica e disserta

genericamente sobre os princiacutepios e as causas das coisas naturais e das suas disposiccedilotildees

comuns

Livros do Ceacuteu A segunda compreendida nos livros do Ceacuteu desce agraves partes

sujeitas ao ente moacutevel e trata da estrutura e da composiccedilatildeo de todo o universo bem

como dos cinco corpos simples ndash ou seja do ceacuteu e dos quatro elementos conhecidos ndash

visto que sofrem mutaccedilotildees de lugar e requerem uma morada definida no mundo

Livros da Geraccedilatildeo A terceira que se daacute a conhecer nos livros Sobre a

geraccedilatildeo explica o que universalmente conveacutem agraves coisas dissoluacuteveis e transitoacuterias e

deste tipo satildeo a geraccedilatildeo a corrupccedilatildeo a alteraccedilatildeo o acreacutescimo e a mistura

Livros dos Meteoros A quarta que os livros Sobre os meteoros abrangem

expotildee os conhecimentos sobre os compostos imperfeitos a que se chama lsquoMeteorosrsquo

como por exemplo a neve o gelo o granizo o cometa e os que aparecem graccedilas agrave

reflexatildeo da luz como o arco-iacuteris Aqui devia acrescentar-se o tratado sobre os metais as

pedras e as outras coisas que se geram no seio da terra mas este natildeo subsistiu embora

se possa ler algumas coisas sobre esse assunto ainda que esparsas em parte nos livros

Sobre os Meteoros em parte noutros livros132

Livro de Teofrasto sobre as pedras e os metais Teofrasto por seu lado

escreveu dois livros sobre metais e um sobre pedras Tambeacutem sobre metais fala Pliacutenio

nos livros 33 e 34 da Histoacuteria Natural e sobre pedras nos livros 36 e 37 O mesmo

tema trata Alberto Magno na sua obra Sobre os Minerais

131 Leia-se Bessarion no livro 1 Contra os caluniadores de Platatildeo capiacutetulos 3 e 7 Carpentaacuterio no Comentaacuterio a Alcino e Ceacutelio Rodogino no livro 2 capiacutetulo 11 132 Entre as obras de Aristoacuteteles Laeacutercio refere um livro sobre pedras

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 140

Livros Sobre a Alma A quinta parte nos livros Sobre a Alma investiga as

causas e as razotildees tanto da alma em geral como da que foi provida de razatildeo e de

inteligecircncia

Livros dos Pequenos Naturais A sexta que eacute uma espeacutecie de acrescento aos

livros Sobre a Alma discorre em parte sobre as disposiccedilotildees gerais algumas de todos os

seres vivos outras apenas de alguns deles como por exemplo sobre a sensaccedilatildeo e o

sensiacutevel o sono e a vigiacutelia a vida e a morte e outras deste tipo

Livros da Histoacuteria dos Animais A seacutetima que se designa Histoacuteria dos

Animais recorda muitas coisas sobre a variedade e as caracteriacutesticas dos seres

animados Esta obra como natildeo foi entretecida com as arguacutecias das demonstraccedilotildees

subtis mas pelo simples fio de uma narraccedilatildeo aproxima-se mais da histoacuteria que do

registo cientiacutefico

Livros das Partes dos Animais Da geraccedilatildeo dos animais da locomoccedilatildeo dos

animais e do movimento dos animais Seguem-se por fim as outras trecircs partes a

primeira das quais disserta e tem o tiacutetulo Sobre as partes dos animais a outra Sobre a

geraccedilatildeo dos animais e a uacuteltima Sobre a locomoccedilatildeo dos animais e o movimento dos

animais quase no mesmo estilo Os Gregos chamam a toda a doutrina sobre os animais

lsquoos livros dos oitenta talentosrsquo porque foi essa a quantia que Alexandre teraacute gasto para

salvaguardar as coisas que neles satildeo abordadas133

Livro das Plantas Aristoacuteteles teraacute ainda prometido no iniacutecio dos Meteoros

que iria ocupar-se das plantas o que afirma ter cumprido no livro 5 da Histoacuteria dos

animais capiacutetulo 1 mas esses livros por injusticcedila dos tempos natildeo chegaram ateacute noacutes e

nem sequer a Alexandre de Afrodiacutesia como o proacuteprio testemunha no capiacutetulo 4 do livro

Sobre a sensaccedilatildeo e o sensiacutevel De facto aqueles que por toda a parte circulam com o

nome de Aristoacuteteles natildeo tecircm o sabor das aacuteguas da fonte aristoteacutelica e a proacutepria

explicaccedilatildeo do saber denuncia a falsidade do tiacutetulo Teofrasto investigou esta mateacuteria em

nove livros que ainda se conservam na iacutentegra sobre a histoacuteria das plantas e outros seis

sobre as causas das plantas e tambeacutem Pliacutenio desde o livro 12 ao vigeacutesimo

Livro do mundo para Alexandre Ora no que diz respeito ao Livro do mundo

para Alexandre advertimos que natildeo estaacute provado se eacute ou natildeo de Aristoacuteteles Muitos

133 Sobre esta questatildeo veja-se Pliacutenio no livro 8 da Histoacuteria Natural capiacutetulo 16 e Budeu no livro 2 De asse (Segundo os testemunhos teriam sido de facto oitocentos talentos N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 141

citam-no como aristoteacutelico nomeadamente Justino Filoacutesofo na sua Pareacutenese

Bessarion no livro 3 Contra o caluniador de Platatildeo capiacutetulo 10 Ferneacutelio no livro 3

Das ocultas causas das coisas Eugubino no livro 4 da Filosofia Perene Joatildeo Picco

della Mirandola no livro 4 De examine vanitatis capiacutetulo 1 Outros haacute que embora

admitam que seja peripateacutetico negam poreacutem que seja aristoteacutelico para aleacutem de outros

motivos porque o seu discurso eacute mais burilado e mais floreado a ponto de por vezes

se aproximar das deliacutecias poeacuteticas o que eacute totalmente alheio agrave gravidade e agrave brevidade

de Aristoacuteteles E por isso mesmo P Viacutetor julga ser Nicolau Damasceno o seu autor

mas estaacute claramente enganado pois Nicolau viveu nos tempos de Augusto e aquele

livro foi escrito muito antes para Alexandre da Macedoacutenia Consideram outros que foi

escrito por Teofrasto Quanto a noacutes parece-nos melhor nesta questatildeo absolutamente

duacutebia suspender a opiniatildeo do que afirmar o que quer que seja

Por fim advertimos tambeacutem que entre os inteacuterpretes de Aristoacuteteles natildeo parece

ser pequena a dissensatildeo sobre a relaccedilatildeo e a ordem dos livros que enumeraacutemos134 no

entanto julgamos preferiacutevel natildeo dizer nada sobre essa questatildeo neste momento

POR QUE MOTIVO OS LIVROS DA FIacuteSICA SE INTITULAM Περὶ τῆς φυσικῆς ακροάσεως OU

SEJA SOBRE A AUSCULTACcedilAtildeO NATURAL

A diversidade do tiacutetulo destes livros Adrasto nos seus livros sobre a ordenaccedilatildeo

dos tratados de Aristoacuteteles refere que esta obra eacute designada por uns Sobre os princiacutepios

e por outros Sobre a audiccedilatildeo fiacutesica e ainda que outros intitularam os primeiros cinco

volumes Sobre os princiacutepios e outros trecircs Sobre o movimento Eacute evidente que

Aristoacuteteles se serviu por vezes deste tipo de variaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo do tiacutetulo135 No

entanto o tiacutetulo mais comum e mais divulgado de toda esta obra eacute Sobre a audiccedilatildeo

fiacutesica ou Sobre a auscultaccedilatildeo natural

Eacute poreacutem evidente por que razatildeo se chama Fiacutesica a este tratado porque

abrange o conhecimento e a explicaccedilatildeo daquelas coisas que dizem respeito agrave natureza

universal Sobre o motivo pelo qual teraacute recebido o nome de lsquoauscultaccedilatildeorsquo natildeo haacute

acordo entre os comentadores como se pode ver em Averroacuteis Filoacutepono e Egiacutedio neste

proeacutemio e em Alberto no tratado 1 capiacutetulo 4 Mas deixando de lado estas 134 Sobre esta questatildeo Teoacutefilo Zimara no proeacutemio ao livro Sobre a Alma135 Como no livro 1 do Ceacuteu capiacutetulo 5 texto 38 e no capiacutetulo 6 texto 54 bem como no livro 3 da mesma obra capiacutetulo 1 texto 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 142

controveacutersias observaram para aleacutem de muitos outros Simpliacutecio neste local Plutarco

na Vida de Alexandre Ciacutecero no livro 5 Sobre os fins e ainda Clemente de Alexandria

no livro 5 das Tapeccedilarias que Aristoacuteteles deu a conhecer dois tipos de livros (Ciacutecero

no local acima citado e Galeno no fragmento Faculdades Naturais referem que

Teofrasto tambeacutem seguiu este meacutetodo de escrever)

Livros exoteacutericos de Aristoacuteteles O primeiro tipo inclui os que designou

ἐξωτερικοὺς isto eacute lsquoexternosrsquo ou lsquopopularesrsquo a que ele proacuteprio faz menccedilatildeo no livro 1

Sobre os costumes para Eudemo capiacutetulo 5 e no primeiro Sobre a Alma capiacutetulo 4

texto 54136

Os livros acroamaacuteticos O segundo tipo inclui os que chamou ἀκροαματικοὺς

isto eacute lsquoauscultatoacuteriosrsquo que igualmente recorda na Epiacutestola a Alexandre referida por

Geacutelio no livro 20 capiacutetulo 4 acrescentando que Aristoacuteteles tinha o costume de atribuir

o horaacuterio matutino no Liceu agrave exercitaccedilatildeo da disciplina auscultatoacuteria e por sua vez o

da tarde agrave exoteacuterica

Diferenccedila entre eles De facto os primeiros livros contecircm um meacutetodo de

escrita mais faacutecil e menos elaborado satildeo desse tipo aqueles em que se divulga os

princiacutepios da Poeacutetica e da Retoacuterica bem como a histoacuteria dos animais E por isso se

designam exoteacutericos ou externos porque se podem adaptar ao senso comum e agrave

capacidade intelectual do vulgo e natildeo requerem tanto a voz de um inteacuterprete Os outros

livros poreacutem envolvem o conhecimento da Filosofia mais subtil do que o modo vulgar

de filosofar e oposto ao saber popular deste modo satildeo chamados lsquoAuscultatoacuteriosrsquo

precisamente porque os alunos devem escutaacute-los com maior empenho e atenccedilatildeo

enquanto os professores devem explicaacute-los com maior cuidado Assim sendo estatildeo

nesta secccedilatildeo todos os livros Metafiacutesicos e sobre a alma para aleacutem de outros e destes

cuja explicaccedilatildeo agora empreendemos De acordo com isto torna-se clara a razatildeo do jaacute

mencionado tiacutetulo

Por que motivo os livros da Fiacutesica assumem a designaccedilatildeo preferencial de

acroamaacuteticos Por que motivo entatildeo eacute que estes livros entre todos os acroamaacuteticos

satildeo preferencialmente assinalados por este tiacutetulo A causa parece ser porque servem de 136 Sobre estes livros Amoacutenio no prefaacutecio agraves Categorias Eustraacutecio no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo uacuteltimo e entre os mais modernos Vicomercato neste passo e no iniacutecio dos Meteoros Carpentaacuterio na Disputa sobre a ordem das partes da Filosofia e no capiacutetulo 5 livro 1 De secretiore parte divinae sapientiae secundum Aegyptios e ainda Ludovico Vives na Censura de Aristotelis operibus

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 143

introduccedilatildeo a toda a Fiacutesica e encerram em si mesmos os seus primeiros fundamentos e

muitas questotildees difiacuteceis e tambeacutem porque como neste passo adverte Pselo devem ser

ouvidos da boca do professor com particular atenccedilatildeo

Queixa de Alexandre a Aristoacuteteles Simpliacutecio por outro lado considera que

estes livros satildeo aqueles sobre cuja ediccedilatildeo Alexandre da Macedoacutenia se queixou a

Aristoacuteteles atraveacutes de carta137 visto que pretendia ultrapassar todos os mortais natildeo soacute

pelo impeacuterio e pela gloacuteria da arte beacutelica mas tambeacutem pela ciecircncia e pensava que este

louvor lhe tinha sido roubado pela divulgada explicaccedilatildeo das mateacuterias mais secretas que

nesta obra estatildeo contidas Plutarco na Vida de Alexandre explica o queixume do rei

todavia natildeo a propoacutesito destes livros mas da Metafiacutesica

SOBRE A ORDENACcedilAtildeO E A MATEacuteRIA DOS LIVROS DA AUSCULTACcedilAtildeO FIacuteSICA

Opiniatildeo dos que pensam que os oito livros da Fiacutesica satildeo da Metafiacutesica Natildeo

faltou entre os filoacutesofos mais recentes138 quem insistisse que a Fiacutesica comeccedila nos

livros Sobre o Ceacuteu e que se deve atribuir os oito livros da Fiacutesica agrave ldquoprimeira Filosofiardquo

sendo colocados no comeccedilo da Filosofia natildeo como parte directamente ligada agrave Fiacutesica

mas como uacuteteis e necessaacuterios em primeiro lugar agrave disciplina Natural

Razotildees dessa opiniatildeo Os seus principais argumentos satildeo os seguintes porque

nesta obra se trata da substacircncia e da natureza sobre as quais discorre a ldquoprimeira

Filosofiardquo E depois porque a funccedilatildeo do Metafiacutesico eacute demonstrar que as formas

platoacutenicas que por si mesmas subsistem fora do individual natildeo existem mas sim outras

tambeacutem isoladas da mateacuteria ainda que singulares o que tambeacutem demonstra Aristoacuteteles

no livro 8 desta obra quando explica que deve chegar-se agrave substacircncia una livre de

mutaccedilatildeo e da massa corpoacuterea da qual todo o movimento deriva Por fim porque o

iniacutecio dos livros Sobre o Ceacuteu conteacutem um exoacuterdio claramente comum a toda a Fisiologia

Contestaccedilatildeo da posiccedilatildeo anterior No entanto a opiniatildeo contraacuteria que todos os

inteacuterpretes tanto Gregos como Latinos bem como a escola comum dos Peripateacuteticos

abraccedilam eacute absolutamente verdadeira e pode ser abundantemente confirmada pelo

testemunho de Aristoacuteteles que na primeira entrada desta obra afirma para si proacuteprio

que deve dissertar sobre os princiacutepios da Fisiologia o que concretiza claramente no

137 Leia-se Temiacutestio neste passo Geacutelio no local citado e Bessarion no prefaacutecio agrave Metafiacutesica138 Antoacutenio Mirandulano livro 15 Monomachia a partir da secccedilatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 144

desenvolvimento do livro 1 E tambeacutem porque nos textos 8 e 12 ensina que natildeo eacute

proacuteprio desta disciplina demonstrar os dogmas de Parmeacutenides e de Melisso mas de algo

superior isto eacute da primeira e divina Filosofia Acrescenta-se a clara razatildeo de que em

toda esta obra se disserta sobre princiacutepios e disposiccedilotildees do ente moacutevel As que satildeo

trazidas pela parte contraacuteria natildeo tecircm importacircncia

Esclarecimento das razotildees E assim a explicaccedilatildeo da primeira e da segunda

razotildees torna-se suficientemente evidente a partir do que ensinaacutemos mais atraacutes na

questatildeo 1 artigos 5 e 6 O mais importante eacute que o Fiacutesico e o Metafiacutesico colaborem

algumas vezes no tratamento da mesma mateacuteria embora cada um de acordo com a

abstracccedilatildeo proacutepria

Relativamente agrave terceira cumpre dizer por isso que Aristoacuteteles apresentou

aquele notaacutevel exoacuterdio nos livros Sobre o Ceacuteu porque depois de explicado o ente moacutevel

no geral encetava novo tratado que natildeo devia comeccedilar ex abrupto

E assim deve estabelecer-se que estes oito livros satildeo da Fiacutesica auscultaccedilatildeo

que precede as outras disciplinas fisioloacutegicas na hierarquia dos conhecimentos Contecircm

de facto os princiacutepios comuns em que repousa toda a Filosofia Natural e a explicaccedilatildeo

do ente moacutevel considerado em absoluto Todavia deve haver uma hierarquia no ensino

das disciplinas (como ensina Aristoacuteteles no proeacutemio desta obra e no iniacutecio do livro

Sobre as partes dos animais) de modo a que se tratem primeiro as que satildeo mais gerais e

depois cada uma eacute exposta em particular nos devidos momentos

Assunto dos oito livros da Fiacutesica Por isso seraacute agora faacutecil entender que a

mateacuteria abordada nesta obra eacute o ente moacutevel no geral numa suposiccedilatildeo simples ou seja

separado das suas partes e observado apenas em si mesmo Por este motivo distingue-se

do assunto de toda a Fiacutesica que eacute o ente moacutevel em suposiccedilatildeo absoluta isto eacute

considerado quer em si mesmo quer segundo as suas partes como reconheceram S

Tomaacutes e outros inteacuterpretes

Organizaccedilatildeo desta obra O assunto que seraacute tratado por cada livro aqui o

tendes em poucas palavras No primeiro trata-se dos trecircs princiacutepios das coisas fiacutesicas

mateacuteria forma e privaccedilatildeo No segundo da natureza e das causas das coisas naturais No

terceiro do movimento e do infinito No quarto do lugar do vaacutecuo e do tempo No

quinto das espeacutecies da unidade e da oposiccedilatildeo dos movimentos No sexto da divisatildeo do

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 145

movimento nas suas partes constituintes No seacutetimo e finalmente no oitavo investiga-

se o primeiro movimento e os seus atributos

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES139

Aristoacuteteles foi um diligentiacutessimo respeitador da ordem Do mesmo modo que

em toda a natureza nada se pode encontrar mais divino ou mais belo para a espeacutecie do

que a ordem140 assim nada existe que assegure maior esplendor e dignidade a uma

disciplina do que a ordem e a disposiccedilatildeo das mateacuterias que nela se transmitem Quando

estas faltam todas as coisas jazem como um corpo sem nervos e sem articulaccedilatildeo

dissolvendo-se numa confusatildeo fuacutetil e conturbada Daiacute aquele encadeamento contiacutenuo na

Fisiologia de Aristoacuteteles e a harmonia de todas as partes convenientemente organizadas

entre si como se fosse a estrutura de um corpo uno Certamente por isso o Filoacutesofo

que eacute em qualquer obra mas sobretudo nos livros Acroamaacuteticos pouco inclinado agrave

clareza conseguiu admiravelmente moderar a dificuldade das coisas com uma

artificiosa destreza no seu tratamento como se as tivesse iluminado com a difusatildeo de

uma luz

Meacutetodo de ensino Por conseguinte expotildee Aristoacuteteles o meacutetodo e o

encadeamento do seu ensino na primeira parte deste livro que conteacutem o prefaacutecio e se

completa num soacute capiacutetulo A segunda por sua vez que estaacute compreendida nos oito

capiacutetulos restantes dedica-a toda aos princiacutepios de investigaccedilatildeo das coisas fiacutesicas de

modo a indagar em primeiro lugar o nuacutemero dos princiacutepios claramente aduzidos dos

pareceres dos antigos filoacutesofos sobre esta mateacuteria para depois explicar entatildeo quais satildeo

eles De facto Alexandre de Afrodiacutesia no iniacutecio do livro segundo da Metafiacutesica

defendeu que esse livro eacute um proeacutemio comum a toda a filosofia contemplativa e por isso

pertence a este lugar Todavia noacutes aprovamos por completo a posiccedilatildeo contraacuteria que

todos os inteacuterpretes gregos e latinos abraccedilaram sobretudo porque as mateacuterias sobre as

quais Aristoacuteteles dissertou nesse livro dizem respeito natildeo agrave Fiacutesica mas agrave ldquoprimeira

Filosofiardquo como se tornaraacute claro para o leitor

139 Trad FM140 Leia-se S Agostinho no livro Da natureza do bem cap 3 e nos livros Da ordem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 146

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES141

Alguns dos filoacutesofos modernos142 chamam menor ao livro da Metafiacutesica que eacute

o segundo para os latinos e para os Gregos A τὸ ἔλαττον isto eacute o primeiro pois satildeo de

opiniatildeo que pertence a esta obra sobre a auscultaccedilatildeo natural e que eacute o seu proeacutemio mas

teria sido afastado deste lugar como uma cabeccedila do restante corpo por um erro dos

antigos Todavia o consenso comum aos inteacuterpretes Gregos e Latinos rejeitou esta

posiccedilatildeo e com razatildeo Eles nem deslocam do lugar o segundo livro da Metafiacutesica nem

comeccedilam com ele essa obra

Objectivo de Aristoacuteteles Eacute poreacutem objectivo de Aristoacuteteles tratar aqui natildeo soacute

da mateacuteria e da forma como pensa Filoacutepono mas tambeacutem da finalidade e do eficiente

pelo menos como pensa Simpliacutecio mas tanto da forma e da mateacuteria enquanto

naturezas como de todos os quatro geacuteneros de causas em geral Nestes aspectos se

consome de facto toda a explicaccedilatildeo deste livro

Lanccedilam-se neste livro os fundamentos da Fisiologia Mas nem neste livro

onde como diz Averroacuteis se lanccedilam os fundamentos de toda a Filosofia Natural

Aristoacuteteles foi obrigado a deixar de lado essa variedade quadripartida pois antes da sua

observaccedilatildeo e conhecimento nem a forccedila das coisas naturais nem a essecircncia nem a

mutaccedilatildeo fiacutesica a cuja investigaccedilatildeo o Fisioacutelogo se dedica com tanto empenho podem ser

inteligidas143 E se algueacutem perguntar com que direito o Filoacutesofo Natural disserta sobre as

causas pois esta contemplaccedilatildeo parece ser proacutepria do Metafiacutesico deve responder-se que

eacute proacuteprio do Metafiacutesico tratar das causas no geral enquanto causas e perscrutar a tiacutetulo

particular as que estatildeo separadas da mateacuteria embora considere tambeacutem a proacutepria

mateacuteria ao seu modo como dissemos noutro lado144 Eacute verdade por isso que cada um

dos outros artiacutefices trata as causas em funccedilatildeo da sua arte De facto o Dialeacutectico trata

delas para demonstrar que satildeo adequadas e idoacuteneas O Fiacutesico porque dizem respeito a

coisas naturais e tecircm uma orientaccedilatildeo para o movimento Os outros por fim na medida

em que dizem respeito agrave inteligecircncia das coisas que satildeo proacuteprias da sua faculdade

141 Trad FM142 Francisco Beato no livro 2 da Metafiacutesica seguiu o cardeal Sadoleto 143 Leia-se Alberto Magno 3 Metafiacutesica tratado 3 cap 1 Averroacuteis 2 da Metafiacutesica comentaacuterio 6 144 No proeacutemio desta obra questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 147

PROEacuteMIO AO TERCEIRO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES145

Depois de Aristoacuteteles ter dissertado nos dois livros anteriores sobre os

princiacutepios e as causas das coisas naturais em termos gerais ocupa-se agora de perscrutar

as suas afeiccedilotildees

Quanto eacute importante na filosofia o estudo do movimento E antes de mais

institui que vai tratar do movimento cujo estudo eacute de capital importacircncia na filosofia

Primeiro porque as partes da filosofia contemplativa distinguem-se entre si pela diversa

abstracccedilatildeo do movimento como dissertaacutemos no proeacutemio desta obra Segundo porque o

movimento estaacute presente em todas as coisas naturais como uma espeacutecie de princiacutepio

vital De facto ensina Platatildeo no livro 10 das Leis que tal como aqueles que contecircm em

si o princiacutepio da locomoccedilatildeo e que se dizem mover-se por si proacuteprios vivem assim

participam de certo modo na vida aqueles que de alguma forma satildeo passiacuteveis de

movimento Terceiro porque a forma e a mateacuteria sobre as quais Aristoacuteteles tratou em

parte no livro 1 e em parte no livro 2 foram investigadas e percebidas pelo movimento

e a noccedilatildeo do movimento foi a tal ponto associada ao conhecimento da natureza que este

natildeo pode ser obtido sem a intervenccedilatildeo dela Quarto porque a contemplaccedilatildeo do

movimento demonstra em grande parte o caminho para ver as causas latentes e

escondidas dos efeitos naturais bem como a forccedila a espeacutecie o grau e a perfeiccedilatildeo dessas

mesmas causas Quinto porque a Filosofia partiu do movimento tanto para a

investigaccedilatildeo das mentes que circundam as esferas celestes como tambeacutem da uacuteltima

causa isso eacute de Deus para o qual como fonte e princiacutepio de todas as coisas eacute preciso

que se direccione todo o movimento Portanto por todas estas razotildees Aristoacuteteles

dedica-se com particular empenho ao estudo do movimento De resto dado que eacute algo

de contiacutenuo pois pode ser infinitamente dividido em partes separadas mas natildeo pode ser

inteligido perfeitamente sem a noccedilatildeo do infinito por isso mesmo depois da explicaccedilatildeo

do movimento promete tratar do infinito O que executa de forma apurada e com o

proveito das outras artes visto que a Geometria a Astronomia a Cosmografia a

Geografia e todas as que se ocupam da maacutequina do mundo exigem da Fisiologia que

rejeite a mole infinita porque representam e descrevem o universo conhecido e finito

145 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 148

Organizaccedilatildeo do livro Eacute assim bipartida a organizaccedilatildeo deste livro Na primeira

parte explica-se o que eacute o movimento e em que consiste na outra disserta-se sobre o

infinito

PROEacuteMIO AO QUARTO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES146

Ensino tripartido deste livro Depois de transmitir a doutrina do movimento e

do infinito no uacuteltimo livro Aristoacuteteles expotildee as restantes propriedades das coisas

fiacutesicas Conteacutem entatildeo este livro uma explicaccedilatildeo tripartida do lugar do vaacutecuo e do

tempo sobre os quais compete ao filoacutesofo natural saber e dissertar Sobre o lugar natildeo

soacute porque conveacutem que as coisas constituiacutedas de mateacuteria estejam contidas e circunscritas

a um determinado lugar mas tambeacutem porque o corpo natildeo existe sem o lugar Sobre o

vaacutecuo porque muitos dos antigos pouco o distinguiram do lugar e foram da opiniatildeo de

que o lugar e o vaacutecuo satildeo absolutamente o mesmo e que o lugar natildeo se pode considerar

sem o vazio Sobre o tempo porque todo o movimento acontece no tempo e tudo o que

nasce e morre estaacute sujeito ao tempo e eacute delimitado pela sua medida

Por que eacute que Aristoacuteteles natildeo tratou do lugar antes do movimento Todavia Aristoacuteteles

trata primeiro do lugar como notou Simpliacutecio porque o lugar estaacute primeiro do que o

tempo e ateacute do que o movimento No entanto natildeo dissertou sobre o lugar antes do

movimento porque do mesmo modo que ao abordar as causas das coisas naturais tratou

primeiro das que satildeo intriacutensecas e que constituem a essecircncia da coisa isto eacute da mateacuteria

e da forma e soacute depois das externas ou seja do fim e da causa eficiente assim julgou

adequado investigar inicialmente as afeiccedilotildees que satildeo inerentes agraves coisas fiacutesicas e o

movimento eacute desse tipo para depois debater aquelas que estatildeo fora entre a quais o

lugar

PROEacuteMIO AO QUINTO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES147

Do mesmo modo que a razatildeo do movimento se funda de forma vastiacutessima nas

coisas da natureza assim a sua contemplaccedilatildeo na Fisiologia eacute variada e envolta em

muitas dificuldades

146 Trad FM147 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 149

Escopo do livro Eacute por isso que neste livro e tambeacutem naqueles que se seguem

Aristoacuteteles trata desse assunto Na verdade tendo deixado explicado no livro terceiro o

que eacute o movimento e em que tipo de sujeito incide investiga agora os outros aspectos

respeitantes agrave sua observaccedilatildeo

Organizaccedilatildeo Assim sendo na primeira parte deste livro transmite as espeacutecies

do movimento na segunda explica a sua unidade e diversidade na terceira disserta

sobre a sua oposiccedilatildeo

PROEacuteMIO AO SEXTO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES148

Os antigos Peripateacuteticos como no proeacutemio deste livro e do anterior atesta

Simpliacutecio dividiam toda a obra da Auscultaccedilatildeo fiacutesica em duas partes asseverando que

nos primeiros cinco ndash ou como parecia melhor a Porfiacuterio e a alguns outros nos

primeiros quatro livros ndash estatildeo contidas as proposiccedilotildees comuns a todas as coisas da

natureza nos restantes pelo contraacuterio trata-se do movimento Natildeo que tambeacutem nos

outros excepto no primeiro e no segundo natildeo se tenha disputado sobre o movimento

mas porque nesses o tratamento do infinito do lugar do vaacutecuo e do tempo tinha

reivindicado a maior parte nestes poreacutem os aspectos que dizem respeito ao movimento

satildeo tratados individualmente e com mais delonga Aristoacuteteles portanto na primeira

parte deste livro demonstra que o movimento eacute constituiacutedo por partes divisiacuteveis natildeo

por indivisiacuteveis como opinaram alguns Filoacutesofos que introduziram os aacutetomos isto eacute as

partiacuteculas inseparaacuteveis Na segunda parte ensina de quantos modos se pode dividir o

movimento Na terceira qual eacute tambeacutem a divisatildeo da quietude Na uacuteltima ataca Zenatildeo e

dissolve alguns argumentos deste e de outros filoacutesofos

PROEacuteMIO AO SEacuteTIMO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES149

Alguns inteacuterpretes de Aristoacuteteles rejeitaram este livro por ser apoacutecrifo ou

supeacuterfluo Mas reconhecem que eacute aristoteacutelico pois o estilo e a razatildeo da doutrina satildeo

claramente consentacircneos com a restante obra como afirmam Simpliacutecio Averroacuteis S

Tomaacutes e outros Nem causa obstaacuteculos que o argumento e o objectivo deste livro sejam

148 Trad FM149 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 150

praticamente os mesmos do livro oitavo Aristoacuteteles parece neste livro ter esboccedilado a

obra futura a traccedilos rudimentares como fazem os pintores para que compreendecircssemos

depois mais facilmente cada aspecto instruiacutedos por uma certa noccedilatildeo preacutevia do que no

livro oitavo seria tratado com mais detalhe Este livro foi entatildeo dividido em duas

partes A primeira conteacutem alguns teoremas sobre o princiacutepio do movimento e debruccedila-

se essencialmente sobre essa questatildeo para que demonstre como se produz na natureza

das coisas o primeiro movimento que eacute uno o primeiro motor A outra compara entre si

as coisas que movem e as que satildeo movidas no que diz respeito agrave velocidade e agrave lentidatildeo

do movimento Natildeo deve poreacutem causar admiraccedilatildeo a ningueacutem o facto de Aristoacuteteles ter

neste livro um discurso sobre Deus primeiro princiacutepio das coisas cuja contemplaccedilatildeo e

conhecimento parecem ser proacuteprias do primeiro filoacutesofo que escrutina as causas

supremas das coisas e os princiacutepios mais universais Com efeito o Metafiacutesico e o

Fisioacutelogo com diferentes abordagens disputam sobre a causa primeira Um considera a

natureza da causa primeira e os atributos que natildeo dizem respeito ao movimento o outro

ocupa-se da contemplaccedilatildeo do mesmo ateacute certo ponto na medida em que produz a

locomoccedilatildeo celeste e confina em si a anaacutelise de todas as causas naturais

PROEacuteMIO AO OITAVO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES150

Este oitavo livro como eacute o uacuteltimo de todos os da Auscultaccedilatildeo fiacutesica conteacutem

uma doutrina extremamente cuidada e a mais digna para o Filoacutesofo De facto nele

Aristoacuteteles ascende da variedade e inconstacircncia das coisas caducas e materiais agrave

contemplaccedilatildeo e conhecimento de Deus Ora como ensina S Dioniacutesio no capiacutetulo

segundo da Teologia miacutestica e no seacutetimo capiacutetulo De diuinis nominibus o nosso

intelecto avanccedila das coisas criadas para a noccedilatildeo de Deus por trecircs caminhos certamente

por via da superioridade da negaccedilatildeo e da causalidade151 Trecircs coisas que se podem

observar em qualquer criatura abrem este caminho triplo A criatura eacute um ente formado

a partir do nada por algo O ente indica uma perfeiccedilatildeo e quanto a isto conhecemos

Deus por via da superioridade na medida em que a ele atribuiacutemos tudo o que nas coisas

se eleva e sobressai depois de suprimidas todas as marcas da imperfeiccedilatildeo

150 Trad FM151 Leia-se S Damasceno no livro 1 da Feacute Ortodoxa cap 4 S Tomaacutes no 1ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 35 questatildeo 1 art 1 Henrique de Gand na 1ordf parte da Suma art 24 e Durando no 1ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 151

nomeadamente a vida a sabedoria e a bondade A partir do nada porque o vazio que

entretanto afastamos completamente da natureza divina eacute importante para aceder ao

conhecimento de Deus como se diz por via da negaccedilatildeo Por algo denota a causalidade

segundo a qual conhecemos Deus pelos seus efeitos e por outros modos de causas

Todavia Aristoacuteteles neste livro progride nesta terceira via tal como demonstra pelo

movimento e pela ordem subordinada das causas moventes que devem confluir para

uma primeira causa e um primeiro motor Deus que estaacute isento de toda a mutaccedilatildeo

corpoacuterea e de toda a mole assim procura demonstrar que a rotaccedilatildeo do ceacuteu que faltava

no princiacutepio foi produzida por ele e natildeo teraacute fim em nenhum momento dos seacuteculos

OUTROS TEXTOS DA FIacuteSICA

O CONCEITO DE ldquoNATUREZArdquo

Primeira acepccedilatildeo de ldquonaturezardquo O grande nuacutemero de vocaacutebulos para exprimir a

definiccedilatildeo de ldquonaturezardquo talvez obstrua o caminho como escolhos que nele aparecem

para expor convenientemente as diferentes acepccedilotildees da palavra ldquonaturezardquo152 Em

primeiro lugar como afirma Hugo de Satildeo Viacutetor no Didascalion livro 1 capiacutetulo 11

entende-se por ldquonaturezardquo o proacuteprio Deus criador de todas as coisas Poreacutem certos

autores amantes da filosofia mas natildeo da latinidade chamaram a Deus ldquonatura

naturansrdquo [ldquonatureza de que provecircm outras naturezasrdquo] Serve-se desta expressatildeo entre

os estoacuteicos o subtiliacutessimo Seacuteneca no De Officiis livro 4 onde afirma que a natureza eacute

apenas Deus e tambeacutem Santo Agostinho na obra Sobre a Trindade livro 15 capiacutetulo 1

onde escreve que acima da nossa natureza existe uma natureza natildeo criada mas criadora

ou seja Deus Assim se originou a divisatildeo da natureza em ldquouniversalrdquo e ldquoparticularrdquo

designando-se por ldquonatureza universalrdquo mormente Deus que conteacutem e conserva todas as

naturezas e por ldquonatureza particularrdquo que alguns denominam ldquonatura naturatardquo as

outras coisas

Segunda acepccedilatildeo Em segundo lugar entende-se por ldquonaturezardquo a quididade ou

essecircncia Eacute segundo esta acepccedilatildeo que a feacute ensina que as trecircs pessoas divinas constituem

uma uacutenica natureza153 e que se realizou a uniatildeo da natureza divina e da humana na

152 Sobre a significaccedilatildeo de ldquonaturezardquo ver Aristoacuteteles Metafiacutesica livro 5 cap 4 Boeacutecio De Duabus Naturis Temiacutestio e Simpliacutecio nesta obra comentaacuterios aos textos 7 e 16 Avicena Sufficientiae livro 1 cap 6 Averroacuteis Epitome in Metaphysicam153 Credo de Atanaacutesio

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 152

unidade da pessoa do Verbo encarnado154 Costuma tambeacutem dizer-se que a definiccedilatildeo eacute

uma enunciaccedilatildeo que exprime a natureza de um objecto Contudo se nos exprimirmos

com propriedade existe uma distinccedilatildeo entrerdquoessecircnciardquo ldquoquididaderdquo e ldquonaturezardquo a

essecircncia eacute aquilo que faz com que uma coisa seja o que eacute a quididade eacute a essecircncia

enquanto significada pela definiccedilatildeo e a natureza eacute a essecircncia enquanto princiacutepio de

acccedilatildeo

Em terceiro lugar entende-se por ldquonaturezardquo a totalidade dos seres criados Foi

segundo esta acepccedilatildeo que Aristoacuteteles escreveu na Metafiacutesica livro 12 capiacutetulo 7 que a

natureza depende de um primeiro princiacutepio E tambeacutem dizemos que o milagre

transcende todas as forccedilas da natureza155

Propriedades da natureza Em quarto lugar entende-se por ldquonaturezardquo as causas

naturais enquanto operam segundo uma tendecircncia que lhes eacute proacutepria Foi de acordo com

esta acepccedilatildeo que os filoacutesofos atribuiacuteram agrave natureza diversas propriedades por exemplo

nada faz em vatildeo156 realiza o que eacute melhor157 odeia o supeacuterfluo158 os seus efeitos satildeo do

domiacutenio do necessaacuterio159 natildeo consente que algo esteja imoacutevel ou em repouso160 tem

horror ao vaacutecuo161 eacute justa e reparte por cada um o que lhe eacute devido natildeo em partes

iguais segundo uma proporccedilatildeo aritmeacutetica mas geomeacutetrica162 aleacutem disso as suas

operaccedilotildees satildeo obra de uma inteligecircncia163

Significaccedilatildeo principal e proacutepria de ldquonaturezardquo Por fim omitindo outras

significaccedilotildees do vocaacutebulo que satildeo imensas entende-se por ldquonaturezardquo a geraccedilatildeo dos

seres vivos denominada ldquonascimentordquo Esta acepccedilatildeo eacute a principal e a mais verdadeira

tanto entre os Latinos como entre os Gregos Com efeito para os Latinos natura

[ldquonaturezardquo] proveacutem de nasci [ldquonascerrdquo] e para os Gregos physis [ldquonaturezardquo] proveacutem

de phuocirc que significa ldquonascerrdquo Mas porque a geraccedilatildeo se origina num princiacutepio

intriacutenseco a palavra ldquonaturezardquo foi imposta para significar o princiacutepio intriacutenseco de

todas as coisas do qual cada uma delas adquire a capacidade de se mover quer se

154 Conciacutelio de Chale no siacutembolo da feacute155 Satildeo Tomaacutes Suma 1ordfparte questatildeo 10 artigo 7 Quodlibet 4 artigo 5156 Aristoacuteteles Poliacutetica livro 1 cap 2 Sobre a Geraccedilatildeo dos Animais livro 2 cap 4 157 Sobre o Ceacuteu livro 2 cap 5 texto 34 Sobre a Juventude e a Velhice cap 2 158 Sobre a Geraccedilatildeo dos Animais livro 2 cap 4159 Sobre a Alma livro 3 cap 9 texto 41 160 Eacutetica livro 1 cap 7 Sobre o Ceacuteu livro 2 cap 3 texto 17161 Fiacutesica livro 4 a partir do cap 6162 Galeno De Vsu Partium livro 5 cap 9163 Temiacutestio Sobre o Ceacuteu livro 1 cap 2 Averroacuteis Metafiacutesica livro 12 comentaacuterio 18

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 153

considerem os seres viventes quer os desprovidos de vida (Commentarii Collegii

Conimbricensis in Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritae livro 2 capiacutetulo 1

questatildeo 1 artigo 1 pp 217-218)164

NATUREZA E ARTE

Visto que pela comparaccedilatildeo entre natureza e arte se alcanccedila um conhecimento mais

claro da natureza vamos comparaacute-las neste lugar Elas concordam admiravelmente

entre si e tambeacutem diferem Concordam primeiramente porque as operaccedilotildees da natureza

do mesmo modo que a actividade humana na produccedilatildeo artiacutestica se realizam segundo

uma prescriccedilatildeo de modo regular e com ordem (hellip)

As formas artificiais tecircm primeiramente o ser na mente do artiacutefice Em segundo

lugar elas concordam porque do mesmo modo que um agente natural origina um efeito

com ele relacionado e que lhe eacute semelhante em razatildeo da forma pela qual eacute constituiacutedo

tambeacutem o artiacutefice produz uma obra cuja forma corresponde em proporccedilatildeo e semelhanccedila

agrave forma intencional e exemplar por ele concebida Assim como as formas naturais tecircm

o seu primeiro ser no agente de um modo virtual e em seguida na mateacuteria igualmente as

formas dos artefactos obtecircm primeiramente o ser na mente do artiacutefice que se diz

ldquoidealrdquo e em seguida na mateacuteria que o artiacutefice aperfeiccediloa

Que graus existem na produccedilatildeo das coisas Em terceiro lugar elas concordam

porque do mesmo modo que a arte implica a existecircncia da natureza tambeacutem a natureza

implica a existecircncia de Deus165 Ou seja do mesmo modo que a arte nada produz se natildeo

lhe for subministrado um composto fiacutesico no qual realize uma forma engenhosa

igualmente a natureza nada cria se natildeo existir previamente uma mateacuteria criada por Deus

na qual ela origine uma forma natural Deste modo existem trecircs graus na produccedilatildeo das

coisas Deus produz do nada a natureza do ente em potecircncia a arte do ente jaacute

aperfeiccediloado ou determinado positivamente Deus criando a natureza gerando a arte

compondo e dispondo

A natureza e a arte progridem paulatinamente Em quarto lugar elas concordam

porque tanto a arte como a natureza progridem gradualmente e caminham do mais

imperfeito para o mais perfeito A respeito da arte por exemplo um pintor esboccedila em

164 Trad AC165 Leia-se Santo Agostinho livro das Oitenta e Trecircs Questotildees Escoto Sentenccedilas livro 4 distinccedilatildeo 1 questatildeo 1 Egiacutedio Quodlibet 5 questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 154

primeiro lugar ao de leve a sua obra em seguida daacute-lhe paulatinamente uma forma mais

definida aplicando vaacuterias cores e por fim aperfeiccediloa-a E a arte de tocar um

instrumento musical prescreve que antes da execuccedilatildeo da obra o muacutesico se exercite

previamente Tambeacutem a natureza por exemplo na formaccedilatildeo de um feto (como costuma

suceder noutras coisas) produz inicialmente uma coisa informe na qual natildeo se distingue

a existecircncia de membros em seguida aperfeiccediloa-a pouco a pouco ateacute que apareccedila um

ser vivo com traccedilos fisionoacutemicos perfeitos segundo uma aparecircncia harmoniosa no

tempo por ela estabelecido (hellip)

A natureza eacute a medida da arte a arte eacute a medida dos artefactos Em quinto lugar

elas concordam porque assim como a natureza eacute a medida da arte tambeacutem a arte eacute a

medida dos artefactos E assim como a natureza procura imitar a arte divina tambeacutem a

arte humana procura imitar a natureza tanto quanto lhe eacute possiacutevel166 Por conseguinte a

arte divina eacute causa exemplar da natureza e a natureza eacute uma manifestaccedilatildeo do arqueacutetipo

divino e diz-se simultaneamente causa exemplar da arte humana Eis aqui a razatildeo pela

qual costuma chamar-se agrave arte humana uma segunda natureza ou imitadora da natureza

por imitar muitas coisas da natureza Por exemplo a observaccedilatildeo das sombras deu ensejo

agrave pintura de um quadro a de uma caverna agrave construccedilatildeo de uma casa a do voo das aves

agrave fabricaccedilatildeo da vela as barbatanas dos peixes sugeriram a construccedilatildeo do remo e a

cauda a do leme (hellip)

Em sexto lugar elas concordam porque assim como nos seres naturais tem lugar o

acaso isso tambeacutem acontece nos que satildeo feitos com arte Nos naturais ocorrem a cada

passo muitos exemplos Quanto aos que satildeo feitos com arte foram divulgados dois

exemplos muito semelhantes pelos escritores que Pliacutenio refere na Histoacuteria Natural

livro 35 capiacutetulo 10167

Artes deliberativas e natildeo deliberativas Em seacutetimo lugar elas concordam porque

como ensina Aristoacuteteles nesta obra [Fiacutesica] livro 2 capiacutetulo 8 nem na natureza (ele

considera a natureza como distinta da alma racional) nem na arte existe deliberaccedilatildeo o

que no entanto natildeo deve entender-se de toda a arte visto que na medicina na arte de

navegar e em muitas outras deste geacutenero haacute deliberaccedilatildeo Poreacutem como o proacuteprio

Aristoacuteteles esclarece na Eacutetica livro 3 capiacutetulo 3 natildeo acontece o mesmo nas artes que

166 Sobre o modo como a arte imita a natureza ver Hugo Didascalion livro 1167 Leia-se tambeacutem Plutarco no pequeno livro Sobre a Fortuna

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 155

atingem os seus fins por meios constantes e rotineiros como na arte de danccedilar e na de

escrever as letras o que tambeacutem Temiacutestio exprimiu com estas palavras ldquoNatildeo se

interroga o carpinteiro se em primeiro lugar deve serrar a madeira ou aplainaacute-la nem o

gramaacutetico de que modo devem ser escritas as letras do alfabeto por exemplo A ou B

nem quando Cleacuteon escreve pensa como deve dispor a primeira e a segunda letra e

tambeacutem o arquitecto natildeo se interroga se deve primeiramente construir os alicerces ou as

paredes do edifiacutecio ou pocircr o tecto Igualmente o tecelatildeo e o canteiro enquanto

executam a sua tarefa natildeo deliberam maduramente tendo no entanto cada um deles

como certo e definido que natildeo desconhecem a finalidade da sua obrardquo (Commentarii

Collegii Conimbricensis in Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritae livro 2

capiacutetulo 1 questatildeo 5 artigo 1 pp 230-232)168

Poreacutem a arte e a natureza diferem em muitos aspectos Em primeiro lugar a arte

natildeo produz coisas verdadeiras como uma aacutervore verdadeira mas imitadoras do

verdadeiro e como algueacutem disse com razatildeo realmente falsas por simular com a

aparecircncia de verdadeiro aquilo que efectivamente natildeo eacute Por outro lado ela natildeo pode

igualar a natureza razatildeo pela qual alguns chamaram agraves pinturas ldquosonhos de pessoas

acordadasrdquo pelo facto de natildeo representarem as coisas como elas satildeo mas serem apenas

imitaccedilotildees delas

Elas diferem em segundo lugar porque todas as vezes que a arte e a natureza

convergem para produzir uma obra a arte aperfeiccediloa a natureza como ensina Aristoacuteteles

no capiacutetulo 8 deste livro [livro 2 da Fiacutesica] Aleacutem disso a arte eacute em muitos casos guia e

de norma da natureza e a natureza eacute modelada e dirigida por ela como eacute manifesto no

canto Natildeo deve poreacutem afirmar-se que a arte supera a natureza como adverte Plotino

nas Eneacuteadas IV livro 1 ainda que no canto e na danccedila a natureza seja regulada pelas

prescriccedilotildees da arte

As formas artificiais natildeo datildeo origem a outras Em terceiro lugar elas diferem

porque como afirma Satildeo Tomaacutes no Contra os Gentios livro 2 capiacutetulo 76 as formas

dos objectos artificiais natildeo datildeo origem a outras ao contraacuterio do que sucede com as dos

seres naturais Com efeito uma casa natildeo gera outra casa mas um cavalo gera outro

cavalo A razatildeo desta dissemelhanccedila estaacute em que as formas naturais tecircm o mesmo modo

168 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 156

de ser no progenitor e nas coisas geradas mas o que eacute artificial tem um modo de ser na

mente do artista e outro no objecto feito com arte (hellip)

As formas produzidas pela arte natildeo tecircm forccedila activa Em sexto lugar elas diferem

porque as formas naturais satildeo activas e quase vivas ao passo que as produzidas pela

arte satildeo por assim dizer mortas e inertes visto serem apenas composiccedilatildeo disposiccedilatildeo e

figura ou modos da quantidade como eacute evidente por aquilo que ensinou Aristoacuteteles no

livro primeiro desta obra [Fiacutesica] capiacutetulo 5 Por isso do mesmo modo que a

quantidade eacute pela sua natureza destituiacuteda de actividade e ineficaz e foi concedida agrave

natureza como se fosse uma mateacuteria para sustentar os acidentes tambeacutem as formas

produzidas pela arte natildeo possuem nenhuma eficaacutecia Por conseguinte os seres naturais

podem ter em si um princiacutepio de movimento e de repouso poreacutem com as coisas feitas

com arte acontece de modo diferente como ensina Aristoacuteteles natildeo apenas neste livro

[livro 2 da Fiacutesica] capiacutetulo 1 mas tambeacutem na Eacutetica livro 6 capiacutetulo 4 e na Metafiacutesica

livro 12 capiacutetulo 3 (Idem artigo 2 pp 232-233)169

O ACASO

Razatildeo pela qual os pagatildeos atribuiacuteram um poder divino agrave fortuna Os pagatildeos por

estarem impregnados por inumeraacuteveis supersticcedilotildees atribuiacuteram agrave fortuna um poder

divino e natildeo soacute os poetas que inventaram muitas falsidades mas tambeacutem alguns

filoacutesofos E alguns deles ao desejarem ser saacutebios proferindo ineacutepcias mudaram o sexo

agrave fortuna natildeo a chamando ldquodeusardquo como os poetas mas ldquodeusrdquo Eles foram induzidos a

cometer este erro por terem presenciado certos eventos misteriosos e inopinados cuja

causa desconheciam e natildeo se persuadindo de que natildeo existia nenhuma consideraram

que existia um poder divino oculto no qual esses eventos se tinham originado isto eacute

instituiacuteram a fortuna Daiacute o dito de Ciacutecero ldquoO desconhecimento das coisas e das suas

causas atribuiu o nome agrave fortunardquo

Representaccedilatildeo da fortuna e seu significado O filoacutesofo Cebes e outros antigos

representaram a fortuna cega semelhante a um louco pendente de um rochedo rolante

Com essa representaccedilatildeo eles pretendiam significar que a fortuna imperava sobre todas

as coisas ao acaso e com um iacutempeto cego e natildeo segundo um desiacutegnio e com

discernimento que mudava indiferentemente o destino da vida humana que

169 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 157

atormentava iniquamente sempre propensa ao mal e natildeo ao bem variaacutevel e inconstante

Eacute adequado referir o que Boeacutecio afirmou na obra Sobre a Consolaccedilatildeo pela Filosofia

livro 2 ldquoJogamos um jogo contiacutenuo vivemos numa roda da fortuna voluacutevel

regozijamo-nos em mudar incessantementerdquo

Outra representaccedilatildeo da fortuna Mas os pagatildeos tambeacutem representavam a fortuna de

outros modos para significarem o seu poder soberano Com efeito Buacutepalo como afirma

Pausacircnias no livro 4 foi o primeiro entre os habitantes de Esmirna a realizar uma

estaacutetua da fortuna com a cabeccedila em forma de Estrela Polar e com uma das matildeos em

forma de cornucoacutepia como se realizasse a estaacutetua de uma soberana

Que a opiniatildeo dos pagatildeos sobre o poder e a natureza divina da fortuna seja

absurda e risiacutevel demonstra-o aleacutem de outros Santo Agostinho na Cidade de Deus

livro 4 capiacutetulo 18 e Lactacircncio nas Instituiccedilotildees Divinas livro 3 capiacutetulos 28 e 29

Estabelecemos por isso duas conclusotildees Primeira natildeo deve recusar-se que existe

realmente a fortuna se por ldquofortunardquo se entender uma causa acidental relativamente agraves

coisas que podem ser produzidas em funccedilatildeo de uma finalidade Esta conclusatildeo foi

reconhecida como verdadeira por Aristoacuteteles no capiacutetulo 5 deste livro [livro 2 da

Fiacutesica] e natildeo eacute necessaacuterio corroboraacute-la com argumentos

Quem negou em absoluto o acaso e a fortuna Contudo natildeo deixaram de existir alguns

filoacutesofos posteriores na eacutepoca de Alberto Magno que pensaram e afirmaram que natildeo

pode admitir-se de modo algum o acaso ou a fortuna

Segunda conclusatildeo relativamente a Deus Pontiacutefice Maacuteximo nada pode suceder

por acaso ou de modo fortuito Isto eacute afirmado por Santo Agostinho na obra Sobre a

Trindade livro 3 capiacutetulo 4 deste modo ldquoTudo o que acontece por acaso acontece sem

razatildeo tudo o que acontece sem razatildeo acontece sem a intervenccedilatildeo da Providecircncia mas

nada acontece se natildeo for prescrito por uma lei da providecircncia divina portanto

relativamente a Deus nada pode suceder sem razatildeo ou de modo fortuitordquo Na verdade se

em relaccedilatildeo a Deus algo pudesse suceder fortuitamente ele seria uma causa acidental das

coisas o que eacute contraditoacuterio (Commentarrii Collegii Conimbricensis in Octo Libros

Physicorum Aristotelis Stagiritae livro 2 capiacutetulo 6 questatildeo 1 artigo 1 pp 254-

255)170

170 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 158

NATUREZA E FINALIDADE

Os que pensaram que a natureza opera sem nenhuma finalidade atribuiacuteram a

origem de todas as coisas apenas agrave fatalidade da mateacuteria como Anaxaacutegoras e

Empeacutedocles E Demoacutecrito e Epicuro afirmaram que a causa das coisas consiste na

mistura das partes unidas entre si por acaso171 Poreacutem Platatildeo no Timeu no Feacutedon no

Filebo e no Poliacutetico critica esta opiniatildeo tatildeo absurda e abominada pelo juiacutezo comum dos

filoacutesofos e tambeacutem Aristoacuteteles nos uacuteltimos capiacutetulos desta obra [Fiacutesica] no livro 2 de

Sobre a Vida e a Morte e no livro 1 capiacutetulo 1 de Acerca das Partes dos Animais

Refuta-se pela beleza da natureza Natildeo referindo a filosofia refuta igualmente tal

opiniatildeo a beleza da natureza que se manifesta espontaneamente aos olhos de todos e a

admiraacutevel conformidade que a diversidade harmoniosa das coisas dissemelhantes

evidencia de tal modo que natildeo poderia evidenciaacute-la se natildeo tivesse sido prescrita uma

finalidade Com efeito a diversidade sem conformidade e proporccedilatildeo natildeo origina beleza

A finalidade das coisas eacute a ordem e a observacircncia das leis da natureza Nem em

tanta diversidade de seres naturais existiria um acordo consistente e diuturno se as

coisas fiacutesicas natildeo estivessem todas elas em consonacircncia nalgum bem comum que eacute

necessaacuterio que se realize em virtude de uma finalidade Ora este bem eacute a observacircncia

das leis da natureza e da sua ordem O seu pendor natural e a sua propensatildeo coiacutebe no

Universo a falta de moderaccedilatildeo das partes mais vigorosas estimula a debilidade das mais

deacutebeis refreia o iacutempeto das contraacuterias e por fim suscita em todas as coisas o

comedimento e a moderaccedilatildeo de modo a que natildeo pareccedila estarem em desacordo mas em

harmonia numa alianccedila comum e em simpatia

Razatildeo que comprova que a natureza natildeo opera por acaso mas de acordo com

uma finalidade Isto pode aliaacutes demonstrar-se dado que ou os fenoacutemenos naturais

sucedem por acaso ou por um determinado desiacutegnio da natureza Natildeo por acaso porque

em primeiro lugar qualquer coisa sucederia indiscriminadamente em qualquer operaccedilatildeo

da natureza Desta forma todas as coisas seriam criadas indistintamente e tendo apenas

nelas o seu fundamento sem necessidade de um princiacutepio realizando-se assim o dito

de Lucreacutecio no primeiro dos seus poemas que jaacute noutro lugar referimos172 ldquoNo mar

poderiam nascer os homens na terra as espeacutecies escamosas e do ceacuteu irromper as

171 O erro de Anaxaacutegoras de Empeacutedocles de Demoacutecrito e de Epicuro foi pensar que a natureza natildeo opera relativamente a um fim172 Livro 1 desta obra cap 9 questatildeo 3 artigo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 159

espeacutecies aladasrdquo Em segundo lugar porque o que acontece por acaso raramente

acontece apenas de um modo costumando ocorrer de diversos modos Apercebemo-

nos poreacutem de que certos efeitos especiacuteficos resultam de causas peculiares certamente

de um princiacutepio segundo uma ordem invariaacutevel e sempre ou quase sempre conforme a

mesma razatildeo Portanto nas suas operaccedilotildees os seres naturais movem-se por um certo

impulso e um desiacutegnio da natureza repousando por uacuteltimo no Absoluto Mas o que eacute

isto senatildeo operar de acordo com uma finalidade

Os membros dos animais Por outro lado isso demonstra-o com clareza o grande

nuacutemero de membros nos animais dispostos com tanta ordem e sabiamente e a

disposiccedilatildeo de tantas partes natildeo apenas adequadas para seu ornamento mas tambeacutem para

fazerem uso delas e o aparato de tatildeo grande nuacutemero de oacutergatildeos de tantas forccedilas e

potecircncias de tantos instrumentos num conjunto multiforme173 Quem recusar que tudo

isto foi concedido para operar e mais ainda por causa de um fim eacute louco E o que pode

ser mais incompatiacutevel com a razatildeo do que pensar que aquilo que foi criado pela arte

humana de acordo com uma finalidade (como um navio para navegar e uma casa para

impedir os rigores celestes) ndash que eacute realmente perfeito com tatildeo admiraacutevel artifiacutecio e tatildeo

eminente e divina proporccedilatildeo ndash foi realizado segundo um movimento fortuito e

inconstante da natureza vacilante e natildeo por causa de um fim

Dedicaccedilatildeo dos irracionais na procriaccedilatildeo dos filhos Manifestam a mesma coisa a

dedicaccedilatildeo dos irracionais na procriaccedilatildeo dos filhos a induacutestria na construccedilatildeo dos ninhos

o empenho na procura de alimentos a diligecircncia em defenderem-se a si proacuteprios e em

preservar a sua espeacutecie as armas e a forccedila com que acometem e repelem os inimigos e

os estratagemas com os quais os evitam Dado que tudo isto foi feito por eles com tanta

veemecircncia e vigor da sua natureza eacute evidente que foi realizado em virtude de um bem

e por conseguinte de um fim (hellip)

A Terra estaacute situada no centro do mundo E o que dizer da mole da Terra Natildeo eacute

verdade que ela manifesta um desiacutegnio da providecircncia divina pela sua grandeza pela

sua proporccedilatildeo pela sua beleza e pela sua utilidade Ela estaacute imoacutevel firmemente

suspensa no centro do mundo sempre com o mesmo peso sempre redonda e diacutespar nas

suas formas com vales profundos encostas iacutengremes montanhas alcantiladas irrigada

por rios e por fontes que irrompem do solo sempre a mesma sempre diferente Num

173 Leia-se Santo Agostinho livro 22

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 160

momento como que debilitada e desfalecida com o rigor do solstiacutecio do Inverno

noutro renascida com as floraccedilotildees da Primavera cobrindo-se de vaacuterias cores

Generosidade e riqueza da terra Nenhuma das suas partes eacute desprovida de utilidade e

nenhuma eacute infecunda No subsolo eacute rica como uma deusa em diamantes ouro prata e

outros metais agrave superfiacutecie apresenta-se revestida de flores de arbustos de aacutervores e de

frutos cuja extraordinaacuteria abundacircncia soacute pode comparar-se agrave sua indescritiacutevel

variedade Em tamanha magnificecircncia da natureza manifesta-se de modo admiraacutevel a

providecircncia divina sendo por isso evidente a existecircncia de uma finalidade

Grandiosidade dos oceanos bela e fecunda Esta finalidade evidencia-se ainda na

imensidade dos oceanos tatildeo bela para o olhar tatildeo fecunda na procriaccedilatildeo de seres vivos

tatildeo abundante em peixes e outros animais aquaacuteticos E eles natildeo satildeo menos dignos de

admiraccedilatildeo pelos movimentos de avanccedilo e de recuo das ondas e pelas tempestades que se

precipitam sem temerem a costa sobre a areia dentro de limites prefixados como se

contivessem dentro de si uma lei escrita e agrave semelhanccedila de um cavalo indomaacutevel que

refreado pelo cavaleiro com o azorrague flecte o pescoccedilo elas recuam Quem atribuir

isto ao acaso desconhece o que seja o acaso pois o que sucede por acaso de modo

algum se realiza segundo uma lei e uma ordem mas acontece desordenadamente

Amplitude beneficecircncia e beleza do orbe celeste Por uacuteltimo essa finalidade

manifesta-se com muito maior evidecircncia pela maacutequina do mundo celeste que sustenta e

conteacutem o mundo inferior num estreito abraccedilo Nela resplandecem as estrelas brilhantes

nas noites liacutempidas e tecircm lugar as revoluccedilotildees de tantas esferas celestes com uma

celeridade inconcebiacutevel assim como o curso dos planetas regressando ao seu lugar

natural e o movimento do Sol com a sua aproximaccedilatildeo e o seu afastamento que

determinam a sucessatildeo dos anos e com o seu nascimento e ocaso dos dias e das noites

Esfera de Arquimedes Portanto se aqueles que tinham visto a esfera construiacuteda por

Arquimedes natildeo duvidaram de que esse artefacto tinha sido realizado por um engenho

eminente quem eacute de tal modo ignorante que recuse que tatildeo admiraacutevel obra foi criada

pela inteligecircncia e pela arte divina em funccedilatildeo de uma finalidade Em suma para

concluir em poucas palavras mesmo que a mateacuteria fosse infinita a totalidade do

Universo seria natildeo apenas uma criaccedilatildeo divina mas tambeacutem proclamaria que lhe foi

estabelecida uma finalidade Com efeito seria improacutepria da sapiecircncia de um tatildeo grande

artiacutefice uma obra tatildeo admiraacutevel embora feita com arte e engenhosamente se ele tivesse

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 161

operado em vatildeo Teria poreacutem operado em vatildeo se natildeo lhe houvesse estabelecido uma

finalidade (Commentarii Collegii Conimbricensis in Octo Libros Physicorum Aristotelis

Stagiritae livro 2 capiacutetulo 9 questatildeo 1 artigo 1 pp 350-352)174

Vamos agora expor os argumentos em que se baseiam os defensores do acaso para

demonstrarem que a natureza natildeo opera em funccedilatildeo de um fim mas que realiza todas as

coisas ao acaso e de modo fortuito Primeiro argumento se a natureza operasse em

funccedilatildeo de um fim ter-se-ia mostrado mais magnacircnima para com os homens do que a

respeito dos irracionais mas natildeo foi isso que sucedeu dado que se comportou em

relaccedilatildeo a estes como uma matildee e com aqueles como uma madrasta portanto ela natildeo

operou em funccedilatildeo de um fim A premissa maior eacute evidente pois a razatildeo de quem age

tendo em vista um fim sobretudo se for dirigida por uma causa primeira exige que

aquilo que eacute mais excelente ocupe um lugar superior

A natureza outorgou armas agraves bestas aguerridas e concedeu agraves tiacutemidas outro

expediente Demonstra-se a premissa menor pois a natureza concedeu agraves bestas o

agasalho mas o homem nasceu nu como um naacuteufrago lanccedilado agrave costa175 e outorgou-

lhes tambeacutem meios de defesa e de ataque com os quais ficam mais fortes e aguerridas

e concedeu agraves mais tiacutemidas astuacutecia agilidade e capacidade de fuga Mas deixou o

homem desarmado para o combate na arena mais lento para fugir dos perigos e mais

deacutebil para poder defender-se

Definiccedilatildeo de ldquohomemrdquo colhida em Aristoacuteteles Por uacuteltimo omitindo outras coisas o

homem estaacute exposto no decurso da vida aos mais penosos infortuacutenios e agraves maiores

calamidades razatildeo por que se diz que Aristoacuteteles apresentou a seguinte definiccedilatildeo de

ldquohomemrdquo ldquoO homem eacute o exemplo da debilidade o despojo do tempo o joguete da

fortuna a imagem da inconstacircncia e da desventura o resiacuteduo o muco e a biacutelis da

naturezardquo (hellip)176

As condiccedilotildees atmosfeacutericas mudam Segundo argumento o que acontece em

funccedilatildeo de um fim acontece ordenadamente mas na natureza existem muitas coisas

adversas e sem ordem portanto etc Demonstra-se a premissa menor porque por vezes

as condiccedilotildees atmosfeacutericas mudam intempestivamente com invernos quentes e verotildees

174 Trad AC175 Leia-se Pliacutenio livro 7 cap 1 176 Leia-se Estobeu Sermones 96 sobre a brevidade da vida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 162

frios E outras vezes haacute no Universo muitas ocorrecircncias desordenadas como confirmam

as inundaccedilotildees dos rios e dos oceanos as erupccedilotildees vulcacircnicas o sopro desregrado dos

ventos os terramotos e outros fenoacutemenos deste geacutenero Mais que isso tambeacutem os

eclipses do Sol e da Lua no firmamento parecem sem ordem (hellip)

Terceiro argumento o que existe de acordo com um fim tem utilidade e eacute

profiacutecuo existem poreacutem na natureza muitas coisas totalmente inuacuteteis como certos

animais muito pequenos e muitas outras que natildeo apenas natildeo satildeo profiacutecuas mas ao

contraacuterio causam dano como certas ervas nocivas e certos animais venenosos

portanto nem tudo o que a natureza realiza eacute realizado de acordo com um bem e uma

finalidade (Idem artigo 2 pp 352-353)177

Resposta ao primeiro argumento Superioridade do homem Natildeo haacute no entanto

razatildeo para algueacutem ficar perturbado com os argumentos anteriores pois natildeo eacute de modo

nenhum difiacutecil a sua refutaccedilatildeo Relativamente ao primeiro concede-se a proposiccedilatildeo

maior e nega-se a menor Com efeito Deus agiu muito melhor para com o homem do

que a respeito dos irracionais dado lhe ter concedido muitos e excelentes dons e

benefiacutecios tanto naturais como sobrenaturais E como lhe ofereceu em abundacircncia

todas as coisas como num festim comum tornou tambeacutem toda a natureza sua tributaacuteria

como eloquentemente declara Satildeo Damasceno em A Exposiccedilatildeo da Feacute Ortodoxa livro 2

capiacutetulo 10 e Teodoreto no segundo discurso da obra Sobre a Providecircncia

A razatildeo foi dada ao homem em vez do agasalho e das armas Agravequilo que foi

objectado a respeito do agasalho e dos meios de defesa e de ataque dos animais

responde Lactacircncio na obra De Opificio Dei capiacutetulo 2 que o homem foi criado nu e

desarmado porque a natureza podia muni-lo da arma da inteligecircncia e dotaacute-lo com a

vestimenta da razatildeo Eacute quase idecircntica a resposta de outros autores178 Na verdade em

vez do agasalho e dos meios de defesa e de ataque recebeu o homem da natureza a

excelecircncia da mente e um engenho penetrante e fecundo com o qual pudesse inventar e

dispor todas as coisas

As matildeos como oacutergatildeo de todos os instrumentos E ele foi tambeacutem munido das

matildeos como um oacutergatildeo comum e o instrumento de todos os instrumentos do qual pudesse

servir-se para realizar aquelas coisas (hellip)

177 Trad AC178 Como Galeno De Vsu Partium 8

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 163

Igualmente a objecccedilatildeo acerca das adversidades da vida humana facilmente se

soluciona afirmando em primeiro lugar que a culpa eacute do homem por ter decaiacutedo do

estado de felicidade em que Deus o tinha criado Aleacutem disso elas datildeo ensejo a que o

homem pratique e aperfeiccediloe a virtude Por outro lado tambeacutem permitem distinguir o

homem dos irracionais como eacute evidente pelo que foi exposto (hellip)

A respeito dos eclipses ningueacutem pode afirmar que existe neles uma falta de

ordem dado que em virtude da sua regularidade na esfera celeste e da sua uniformidade

invariaacutevel (que foram estabelecidas para ornamento do mundo) eacute necessaacuterio que

ocorram com intervalos de tempo definidos

Ao terceiro argumento deve responder-se que nada eacute inuacutetil para Deus ou que as

coisas foram criadas sem uma finalidade embora pareccedila aos ignorantes de modo

diferente como se algueacutem numa oficina de um artiacutefice pensasse que os instrumentos

foram multiplicados sem necessidade por ignorar o seu uso

Os animais muito pequenos natildeo satildeo de maneira nenhuma supeacuterfluos

Particularmente que os animais muito pequenos natildeo devem considerar-se inuacuteteis

evidencia-se porque sendo belos cada um deles no seu geacutenero manifestam algum

encanto no conjunto das coisas como numa repuacuteblica que realiza um fim comum

conforme reconhece entre outros Aristoacuteteles na obra Acerca das Partes dos Animais

livro 1 capiacutetulo 5 Na verdade o divino artiacutefice se foi magnacircnimo nas coisas grandes

natildeo o foi menos nas pequenas e nas aparentemente despreziacuteveis

A natureza apenas se realiza totalmente nas coisas muito pequenas E Pliacutenio

escreveu com razatildeo na Histoacuteria Natural livro 11 capiacutetulo 2 que a ordem na natureza

apenas se realiza totalmente nas coisas muito pequenas Quanto a Santo Agostinho

afirma na obra Cidade de Deus livro 22 capiacutetulo 24 que satildeo mais dignas de admiraccedilatildeo

as coisas diminutas que as de grande volume Na verdade causa-nos maior espanto a

induacutestria de uma formiga e de uma abelha que o corpo gigantesco de uma baleia

Os animais venenosos natildeo satildeo supeacuterfluos no mundo Nem os animais venenosos

satildeo supeacuterfluos ou inuacuteteis quer por causa daquilo que pouco antes afirmaacutemos quer

porque como escreve Santo Agostinho no De Genesi contra Manichaeos livro 1

capiacutetulo 16 eles natildeo devem ser temidos por essa razatildeo porquanto nos advertem que

devemos amar uma vida melhor na qual existe a mais elevada tranquilidade de espiacuterito

Tambeacutem as coisas nocivas se nos servirmos delas de modo conveniente e sabiamente

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 164

costumam proporcionar muito proveito como declaram Satildeo Jeroacutenimo no Contra

Joviano livro 6 capiacutetulo 6 Satildeo Joatildeo Damasceno em A Exposiccedilatildeo da Feacute Ortodoxa

livro 2 capiacutetulo 10 e ainda outros Aleacutem disso como escreve Lactacircncio nas

Instituiccedilotildees Divinas livro 6 capiacutetulo 4 eles natildeo devem ser temidos porque foi uacutetil

proporcionar aos seres humanos coisas profiacutecuas e coisas nocivas para fazerem uso da

sua razatildeo evitando estas e apetecendo aquelas (Idem artigo 3 pp 353-355)179

COMO OS SERES NATURAIS ATINGEM OS SEUS FINS

Trecircs modos de alcanccedilar um fim Para poder entender-se de que forma os seres

naturais atingem os seus fins deve advertir-se que existem trecircs modos de alcanccedilar um

fim O primeiro e principal eacute o dos entes que natildeo soacute entendem o fim como um bem e

uma conveniecircncia mas tambeacutem conhecem a natureza e a conformidade dos meios para

atingi-lo Apenas a respeito destes pode afirmar-se que agem em funccedilatildeo de um fim

porque como eacute evidente soacute eles operam com discernimento e deliberaccedilatildeo ordenando

para esse fim os seus actos Nesta categoria estatildeo apenas incluiacutedas as substacircncias

dotadas de inteligecircncia O segundo180 eacute o dos entes que quando muito tecircm

conhecimento dos fins materialmente isto eacute como um bem e uma conveniecircncia como

quando um cavalo sequioso se movimenta para a aacutegua natildeo tendo poreacutem consciecircncia

do caminho para chegar agrave aacutegua nem da aacutegua para matar a sede nem da natureza e da

ordem das coisas Estatildeo neste caso os irracionais que para atingirem os seus fins agem

por instinto e imaginaccedilatildeo e natildeo conscientemente O terceiro e uacuteltimo eacute o dos entes que

de modo algum conhecem os fins como sucede com aqueles que estatildeo desprovidos de

inteligecircncia e sensibilidade Por isso soacute aos entes da primeira espeacutecie foi atribuiacutedo o

perfeito conhecimento do fim como fim dado que apenas eles podem deliberar com

discernimento a respeito das coisas pois os restantes satildeo estimulados pelo impulso da

natureza para actividades definidas que natildeo necessitam de deliberaccedilatildeo (hellip)

As coisas desprovidas de conhecimento satildeo dirigidas para um fim pelo autor da

natureza Natildeo deve poreacutem causar admiraccedilatildeo que as coisas totalmente desprovidas do

conhecimento dos fins operem em conformidade com eles Na verdade elas satildeo

dirigidas para um fim por uma causa superior e mais excelente ou seja pelo proacuteprio

179 Trad AC180 Sobre este segundo grau ver Satildeo Tomaacutes Suma 1ordfparte questatildeo 19 artigo 1 Ferrariense Contra os Gentios livro 3 caps 16 e 31

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 165

criador da natureza que conhece a finalidade de todas as coisas atribuindo-lhes a

propensatildeo e a capacidade para alcanccedilaacute-la como declaram Alberto Magno neste lugar

[na Fiacutesica] e Satildeo Tomaacutes no Contra os Gentios primeira parte questatildeo 103 artigo 1181

uma flecha embora ignorando o seu movimento dirige-se para um fim em virtude do

impulso e da direcccedilatildeo que lhe imprimiu o arqueiro Aleacutem disso deve considerar-se a

sentenccedila bem conhecida dos filoacutesofos referida por Temiacutestio na obra Sobre a Alma livro

1 comentaacuterio 23 e na Fiacutesica livro 1 texto 81 e por Averroacuteis na Metafiacutesica livro 12

comentaacuterio 18 ldquoAs operaccedilotildees da natureza satildeo operaccedilotildees de uma inteligecircncia isto eacute

quando a natureza opera eacute posta em movimento por uma razatildeo superior ou seja por

Deus como se ela fosse um instrumento da arte divina e dirigida pela inteligecircncia do

criador do mundordquo (Commentarii Collegii Conimbricensis in Octo Libros Physicorum

Aristotelis Stagiritae livro 2 capiacutetulo 9 questatildeo 2 artigo 2 pp 357-358)182

181 E tambeacutem Satildeo Tomaacutes Contra os Gentios livro 3 cap 24182 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 166

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Quatro Livros Sobre O Ceacuteu de

Aristoacuteteles Estagirita

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 167

PROEacuteMIO AOS QUATRO LIVROS SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES183

Sobre a organizaccedilatildeo do saber Sendo natildeo soacute um defensor como tambeacutem um

diligentiacutessimo cumpridor da ordem e do meacutetodo na transmissatildeo dos saberes Aristoacuteteles

depois de ter dissertado nos oito livros da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica sobre todos os tipos de

corpos naturais dos seus princiacutepios causas e disposiccedilotildees em termos gerais procura

agora deixar essa disputa geneacuterica para passar a explicar pormenorizadamente as partes

e os membros de cada ente moacutevel E natildeo se deve aprovar a opiniatildeo de alguns jaacute noutro

lugar por noacutes refutada184 que pensam que os livros da Fiacutesica pertencem agrave Metafiacutesica

pelo contraacuterio a Fisiologia comeccedila pelos livros Sobre o Ceacuteu

Primeira opiniatildeo sobre o assunto desta obra Haacute poreacutem sobre a mateacuteria

tratada nesta obra alguns dissiacutedios Jacircmblico e Siriano consideram que eacute sobre aquilo

que daacute o tiacutetulo a todo o tratado isto eacute o ceacuteu pois natildeo se trata aqui de outros corpos

nem por si mesmos nem abertamente mas somente porque o conhecimento deles

conduz agrave intelecccedilatildeo da natureza dos corpos celestes ou porque o ceacuteu os influencia

Segunda opiniatildeo Alexandre a quem S Tomaacutes daacute o seu assentimento acredita que [o

assunto] eacute o universo pelo facto de nesta obra como consta do desenvolvimento do

primeiro livro serem transmitidas as propriedades do universo nomeadamente o ser

perfeito uno ingeacutenito e indissoluacutevel

Terceira Simpliacutecio e alguns outros pensam que eacute o corpo simples que

compreende o ceacuteu e os habituais quatro elementos considerado poreacutem em funccedilatildeo da

razatildeo de se movimentar no espaccedilo na medida em que as partes a ele sujeitas obtecircm uma

posiccedilatildeo definida e um lugar no mundo

Qual delas satisfaz Esta opiniatildeo eacute satisfatoacuteria natildeo soacute porque na verdade

Aristoacuteteles no primeiro e no segundo livros trata do quinto corpo simples enquanto no

terceiro e no quarto trata dos elementos segundo as referidas disposiccedilotildees como tambeacutem

porque natildeo discute em nenhum outro lugar na sua Fisiologia sobre os corpos simples

vistos deste modo ainda que este estudo dada a grande importacircncia para os filoacutesofos

exija uma obra particular Este eacute entatildeo o escopo destes livros esta a mateacuteria sobre a qual 183 Trad FM184 Refutada no proeacutemio da Fiacutesica defendida por Mirandulano no livro 15 De singulari certamine a partir da secccedilatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 168

se debruccedila Aristoacuteteles de tal maneira que insere outras coisas tambeacutem a ela atinentes no

decorrer deste tratado e desenvolve-as de forma cuidada e diligente Poreacutem natildeo se

devia tratar dos corpos compostos em geral na medida em que estatildeo sujeitos ao

movimento no espaccedilo mas separadamente porque sendo conhecidos os movimentos

dos elementos era faacutecil investigar as deslocaccedilotildees para cada um dos compostos porque

se desenvolvem a partir dos elementos visto que eles natildeo se deslocam senatildeo pela forccedila

do elemento dominante Na verdade nada obsta agrave nossa opiniatildeo sobre o assunto desta

obra o tiacutetulo dela pois os livros costumam ser por vezes designados em funccedilatildeo da

mateacuteria que eacute mais importante Ora entre os corpos simples os celestes ocupam o lugar

principal

De que modo se pode conciliar a segunda e a terceira opiniotildees Todavia

temos de advertir o que tambeacutem notou Simpliacutecio que a opiniatildeo de Alexandre em nada

discorda da nossa se Alexandre entender o universo como aquilo que compreende

apenas todos os corpos simples que satildeo as partes maiores e mais visiacuteveis a partir das

quais eacute imediatamente restabelecido Destes corpos trata Aristoacuteteles em exclusivo

nesta obra como consta do seu desenvolvimento e adverte S Tomaacutes no comentaacuterio ao

texto 5

Sobre a importacircncia deste conhecimento Assim sendo o valor desta parte da

filosofia torna-se evidente em funccedilatildeo da importacircncia do objecto sobretudo desta parte

que discute sobre o ceacuteu porque se o considerarmos um estado nada pode haver de

mais firme se for uma ordem nada mais certo se for um tipo de beleza nada mais

elegante

Sobre o prazer desse mesmo conhecimento E de facto quatildeo grande eacute o prazer

que proporciona agraves nossas almas esta contemplaccedilatildeo tanto o ensina a proacutepria

experiecircncia como o que escreveu Fiacutelon Judeu no livro De mundi opificio ao afirmar

que o homem foi introduzido por Deus no mundo como se entrasse num banquete e

num teatro o primeiro guarnecido pela riquiacutessima abundacircncia de todas as coisas que a

terra os rios o mar e o ar provecircem simultaneamente para seu usufruto e contentamento

o outro repleto de variados espectaacuteculos que o orbe celeste imenso pela sua

magnitude impetuoso pelos seus percursos e luminoso pelo seu esplendor exibe todos

os dias quando avanccedila pela noite limpa com serena graccedila reluzindo pela diversidade

das estrelas como se fossem joacuteias intermitentes ou quando mostra o nascimento a vida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 169

e a morte dos astros que se movem nos sete globos inferiores e cujo percurso se diz

errante (embora vagueiem sem qualquer erracircncia pelo contraacuterio prosseguem de acordo

com uma ordenaccedilatildeo invariaacutevel por itineraacuterios ciacuteclicos) ou quando por si soacute conduz

tantas danccedilas de constelaccedilotildees como se fossem levadas pela matildeo as quais rodopiam ao

longo da oacuterbita do seu jugo e assim de uma e outra parte conduz inuacutemeros rebanhos de

estrelas menores ao firmamento185 como se fosse um agradaacutevel campo

Sobre a utilidade Por fim quanta utilidade e frutos podem resultar desta

disciplina em prol da educaccedilatildeo dos costumes e do desprezo pelas coisas caducas

ensina-o Seacuteneca com estas palavras no exoacuterdio agraves Questotildees Naturais ldquoA mente

quando estaacute entre os proacuteprios astros diverte-se a rir dos pavimentos dos ricos e de toda

a terra com o seu ouro natildeo digo apenas aquele que ela produziu e entregou para cunhar

moedas mas tambeacutem o que conserva em segredo por causa da avareza das geraccedilotildees

futuras E natildeo eacute capaz de desprezar as portas e os tectos resplandecentes de marfim e de

ouro nem os jardins aparados e os rios desviados para junto das casas antes de circular

por todo o ceacuteu e olhando do alto o estreito orbe terreno (em grande parte coberto pelo

mar e tambeacutem na parte que resta largamente esquaacutelido ou seco ou gelado) dizer de si

para si laquoEacute este afinal o ponto que divide todos os povos pelo ferro e pelo fogo Oh

quatildeo ridiacuteculas satildeo as limitaccedilotildees dos mortais Eacute apenas o pequeno espaccedilo em que

navegamos em que lutamos em que instituiacutemos os reinosraquordquo Seacuteneca profere estas

palavras e outras que apontam para a mesma posiccedilatildeo

Sobre a organizaccedilatildeo Toda a obra estaacute entatildeo disposta em quatro livros No

primeiro demonstra-se que se deve considerar um outro corpo o quinto de natureza

mais elevada jaacute referido que juntamente com os quatro elementos constitui este mundo

visiacutevel e sobrepotildee-se a todos os corpos simples pela dignidade e superioridade da sua

natureza explica-se simultaneamente alguns atributos do universo No segundo trata-se

particularmente do ceacuteu em si mesmo No terceiro e no quarto dos elementos Mas estas

mateacuterias estatildeo expostas mais detalhadamente no frontispiacutecio e no iniacutecio de cada livro

185 Aplane do grego aplanes que significa lsquosem errorsquo para designar a parte fixa da esfera celeste (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 170

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES186

No iniacutecio deste livro Aristoacuteteles prova em primeiro lugar que o universo eacute

perfeito e absoluto em todas as suas partes Depois se falarmos em termos gerais deve-

se contabilizar apenas trecircs movimentos simples o que existe a partir do centro o que

existe em direcccedilatildeo ao centro e o que existe agrave volta do centro e o uacuteltimo deles conveacutem a

um corpo que se deve constituir necessariamente na natureza das coisas ou seja ao ceacuteu

Prova tambeacutem que o corpo celeste natildeo eacute um dos quatro elementos nem eacute composto a

partir deles mas de outra natureza que natildeo a sublunar de composiccedilatildeo simples que eacute o

primeiro quanto agrave ordem quase divino no geacutenero e inviolaacutevel de condiccedilatildeo pois natildeo eacute

pesado nem leve nem pode ser gerado nem morrer nem diminuir nem aumentar e

por fim que natildeo lhe conveacutem nenhum movimento para aleacutem do circular Comprova

depois que o mundo eacute delimitado por fronteiras certas e que nenhum corpo infinito

pode estar sujeito ao movimento nem existir na natureza e ainda que os mundos natildeo

podem ser em nuacutemero infinito nem mais do que um e que fora do acircmbito do ceacuteu natildeo

pode existir nem um corpo nem o vaacutecuo Por fim esforccedila-se por persuadir que a

universalidade do mundo eacute livre de corrupccedilatildeo e que natildeo teve origem nem poderaacute ser

destruiacuteda em nenhum momento dos seacuteculos que hatildeo-de vir

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES187

A discussatildeo deste livro estaacute dividida em trecircs partes Primeiro trata-se do ceacuteu no

seu todo o qual entre as restantes partes do universo consideradas por Aristoacuteteles nesta

obra obteacutem a hegemonia Depois sobre os astros Em terceiro lugar da terra natildeo tanto

da razatildeo da terra como do ceacuteu pois foi difundida por todo o lado No que diz respeito agrave

primeira parte repete-se nela o que Aristoacuteteles tinha exposto no livro anterior e que eacute

comum ao ceacuteu em si mesmo e ao grande corpo ou seja ao universo como o facto de o

ceacuteu natildeo nascer natildeo morrer e ser eterno Depois ensina as seis especificidades de lugar

que se lhe adequam em cima em baixo diante atraacutes agrave direita e agrave esquerda E tambeacutem

que os movimentos dos corpos celestes satildeo muitos embora equivalentes e semelhantes

entre si Posto isto resolve a outra parte do tratado em trecircs questotildees a saber qual a

natureza das estrelas qual o seu movimento qual a sua configuraccedilatildeo Por fim emprega

186 Trad FM187 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 171

a terceira parte a explicar por que razatildeo a terra se situa no centro do universo por que

estaacute parada e por que tem uma configuraccedilatildeo redonda Parece-nos necessaacuterio advertir

neste ponto que ningueacutem se deve deixar perturbar pelo facto de nem no uacuteltimo livro

nem nos que se seguem se encontrarem as mesmas coisas que estatildeo em alguns outros

coacutedices os iniacutecios dos capiacutetulos e as divisotildees dos textos visto que nestes detalhes os

exemplares diferem imenso

PROEacuteMIO AO TERCEIRO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES188

Visto que a mateacuteria tratada nesta obra como no iniacutecio anunciaacutemos eacute o corpo

simples considerado como algo que pode mover-se no espaccedilo e que requer uma sede

certa e definida no mundo depois de Aristoacuteteles ter dissertado no primeiro livro sobre

alguns dos atributos do universo cuja concepccedilatildeo foi desenvolvida a partir dos corpos

simples no segundo tratou detalhadamente da configuraccedilatildeo e dos movimentos do ceacuteu e

dos astros bem como de outras disposiccedilotildees deste tipo

Passa-se agora agrave discussatildeo sobre os outros corpos simples isto eacute sobre os

quatro elementos na medida em que satildeo pesados ou leves e tecircm movimento em

direcccedilatildeo aos locais que lhes satildeo convenientes segundo a ordem do universo Conteacutem

entatildeo sete partes a exposiccedilatildeo deste livro Na primeira para que se compreenda com

mais clareza e exactidatildeo o que se deve dizer sobre os elementos recenseia Aristoacuteteles

os pareceres dos antigos sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo das coisas De facto uns fizeram

depender do centro toda a geraccedilatildeo de substacircncia como Xenofonte de Coacutelofon

Parmeacutenides e Melisso Outros consideraram que todas as coisas satildeo geradas Entre eles

Heraclito de Eacutefeso estabeleceu que todas as coisas fluem e evoluem nada eacute estaacutevel

excepto o princiacutepio uno a partir do qual todas as coisas satildeo criadas o que natildeo

desagradava aos Pitagoacutericos que concebiam todo o corpo a partir das superfiacutecies e dos

planos e enunciavam que toda a mole corpoacuterea se devia reduzir ao mesmo Na segunda

parte contesta Platatildeo e Timeu defensores deste dogma e conclui que natildeo existe

geraccedilatildeo de todos os corpos nem de nenhum Na terceira evidencia que alguns dos

movimentos naturais se devem aos quatro elementos sobretudo aos dois extremos ou

seja agrave terra e ao fogo refuta ainda Demoacutecrito e Leucipo que natildeo atribuiacuteam qualquer

movimento certo a estes corpos bem como Timeu que acreditou que antes da criaccedilatildeo

188 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 172

do mundo os elementos agitavam-se num movimento ocasional e desordenado Na

quarta demonstra que as faculdades motoras competem aos elementos refiro-me ao

peso e agrave leveza e natildeo existe nenhum no grupo dos quatro elementos que natildeo requeira

estas disposiccedilotildees mas os restantes compostos a partir destes satildeo conduzidos pelo

elemento dominante Na quinta para que se torne patente que alguns corpos satildeo

passiacuteveis de geraccedilatildeo (pois natildeo haacute geraccedilatildeo de todos nem de nenhum) ensina em

primeiro lugar o que eacute um elemento e depois estabelece que os elementos estatildeo

contidos nos compostos circunscritos a uma certa quantidade e necessariamente apenas

um Na sexta adverte que os elementos natildeo estatildeo imunes agrave destruiccedilatildeo pelo contraacuterio

satildeo pereciacuteveis nem se constituem a partir do outro elemento o quinto mas na verdade

circulam alternadamente entre si Na uacuteltima parte aprecia trecircs opiniotildees sobre o modo de

gerar dos elementos uma de Empeacutedocles outra de Demoacutecrito e a terceira dos

Pitagoacutericos depois ainda uma outra a partir das quais refuta algumas no momento

presente

PROEacuteMIO AO QUARTO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES189

Escopo do livro Aristoacuteteles neste livro prossegue a disputa sobre os

conhecidos quatro elementos do mundo anteriormente instituiacuteda e de todo necessaacuteria

para o completo esclarecimento desta disciplina E do mesmo modo que no iniacutecio do

primeiro livro ensinou a partir da propriedade do movimento circular o que eacute o ceacuteu e

demonstrou a sua natureza e disposiccedilotildees assim deduz agora para o conhecimento dos

elementos a partir das especificidades do movimento recto De facto visto que a

natureza como se torna evidente do segundo livro da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica natildeo eacute senatildeo o

princiacutepio do movimento e do repouso em que assenta nenhum meacutetodo pode ser mais

conveniente ao filoacutesofo natural na contemplaccedilatildeo das realidades fiacutesicas do que aquele

que investiga a forccedila de cada corpo natural a partir do movimento que pela lei da

natureza lhe foi atribuiacutedo Ora dado que o movimento natural pelo qual se vai para

cima e para baixo natildeo conveacutem aos elementos a natildeo ser na medida em que satildeo leves ou

pesados sem a intervenccedilatildeo da leveza e do peso por isso mesmo trata Aristoacuteteles neste

livro sobre o leve e o pesado de forma aberta e cuidada

189 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 173

Organizaccedilatildeo do livro Ora em primeiro lugar declara simplesmente o que eacute

ser pesado e ser leve e quais satildeo as coisas que se chamam por comparaccedilatildeo a outras ora

pesadas ora leves Depois submete a um exame as opiniotildees dos antigos sobre o peso e

a leveza Posteriormente inquire as causas pelas quais uns tendem sempre para cima e

outros para baixo Em quarto lugar estabelece a diferenccedila entre os dois elementos

extremos ndash a terra e o fogo ndash e os dois intermeacutedios ndash a aacutegua e o ar Por fim resolve

algumas outras questotildees respeitantes ao movimento desses elementos

TRATADO DE ALGUNS PROBLEMAS SOBRE ASPECTOS RELATIVOS AOS QUATRO ELEMENTOS DO

MUNDO DISTRIBUIacuteDOS PELO MESMO NUacuteMERO DE SECCcedilOtildeES

PROEacuteMIO 190

O valor desta obra ndash jaacute o apreciaacutemos noutro local no fim destes livros em que

Aristoacuteteles tratou dos quatro elementos ndash seraacute o de apresentar uma breve e resumida

explicaccedilatildeo de alguns problemas sobre assuntos relativos aos quatro elementos O que

tambeacutem fizeram parcialmente nesta e parcialmente noutras mateacuterias diferentes

Aristoacuteteles Plutarco Alexandre de Afrodiacutesia e alguns outros autores natildeo sem o

proveito e a utilidade de uma profiacutecua erudiccedilatildeo A nossa consideraccedilatildeo no tratamento

destes problemas dos elementos seraacute todavia um pouco mais livre do que aquela sob a

qual satildeo estudados na doutrina dos livros Sobre o ceacuteu onde Aristoacuteteles dissertou sobre

eles apenas na medida em que se movem no espaccedilo e obtecircm um lugar certo no mundo

como noutro local advertimos Na verdade natildeo reunimos neste tratado todos os

problemas do argumento proposto mas reservaacutemos propositadamente muitos para os

livros dos Meteoros e Sobre a geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo que tambeacutem tocam a disciplina dos

elementos

190 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 174

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus Sobre A Geraccedilatildeo e a

Corrupccedilatildeo de Aristoacuteteles Estagirita

Coimbra 1597

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 175

SOBRE A GERACcedilAtildeO E A CORRUPCcedilAtildeO

SOBRE A ORDENACcedilAtildeO DO SABER O ASSUNTO O TIacuteTULO E A DIVISAtildeO DESTA OBRA191

Depois dos ensinamentos dos livros Sobre o Ceacuteu nestes que vecircm

imediatamente depois Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo Aristoacuteteles ocupa-se do

tratamento aprofundado de algumas das principais afeiccedilotildees dos corpos que nascem e

morrem e de tal modo que disserta sobre elas apenas em termos gerais na maior parte

da obra porque depois haacute-de explicar pormenorizadamente essas mesmas afeiccedilotildees no

restante desenvolvimento da sua Fisiologia

A hierarquia dos saberes De facto a hierarquia dos saberes assim o postula

bem como o proacuteprio Aristoacuteteles no proeacutemio da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica e no livro 1 Sobre

as Partes dos animais capiacutetulo 1 Hipoacutecrates no livro Sobre a natureza humana e

Soacutecrates no Fedro de Platatildeo advertem que devemos avanccedilar do confuso para o

evidente do geral para o menos geral

Vaacuterias opiniotildees sobre o assunto Existe poreacutem um dissiacutedio entre os autores

sobre a mateacuteria abordada nesta obra Alberto Magno no comentaacuterio a este livro no

primeiro tratado capiacutetulo 1 afirma que eacute o corpo simples ou seja o elemento enquanto

moacutevel ou mutaacutevel em relaccedilatildeo agrave forma substancial ou acidental natildeo a externa tal como

eacute o lugar mas a interna isto eacute no interior da proacutepria coisa aquela a que se chama

lsquorecebidarsquo Concordam com esta opiniatildeo Alexandre no livro 1 dos Meteoroloacutegicos e

Averroacuteis no livro 1 Sobre o Ceacuteu comentaacuterio 3 e tambeacutem Aristoacuteteles parece ser-lhe

favoraacutevel no livro 1 Sobre a sensaccedilatildeo e o sensiacutevel capiacutetulo 4 onde chama a esta obra

Tratado sobre os elementos e no livro 2 Sobre a Alma capiacutetulo 11 texto 117 onde

anuncia ter aqui estudado os elementos mais precisamente no segundo livro no qual

disserta sobre a transmutaccedilatildeo reciacuteproca e a origem dos elementos

Platatildeo censurado por Aristoacuteteles No entanto este parecer natildeo nos agrada

porque nestes livros como notou Filoacutepono Aristoacuteteles disputa cuidadosamente natildeo soacute

sobre os elementos mas tambeacutem sobre as afeiccedilotildees dos compostos que geralmente

seguem os corpos sujeitos agrave geraccedilatildeo Eacute o que promete fazer no primeiro e no segundo

capiacutetulo do primeiro livro e nesse mesmo capiacutetulo segundo censura Platatildeo por ter

apenas abrangido a geraccedilatildeo dos simples e natildeo de todos os corpos tambeacutem dos

191 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 176

compostos Por essa razatildeo Aristoacuteteles natildeo pocircde prescindir destes ensinamentos com

aquela amplitude que requeria a Platatildeo Mas o que foi aduzido a favor da parte contraacuteria

natildeo eacute conclusivo Decerto Aristoacuteteles no local citado chama a esta obra Tratado sobre

os elementos por ter sobre eles dissertado neste livro segundo mas de facto essa

discussatildeo natildeo eacute suficiente para que por causa dela se deva considerar o elemento como

o assunto de toda a obra uma vez que nela tambeacutem se trata aprofundadamente das

propriedades comuns dos compostos e das afeiccedilotildees de acordo com o estabelecido

como haacute pouco advertimos

Verdadeira posiccedilatildeo sobre o assunto Deve portanto determinar-se juntamente

com S Tomaacutes Egiacutedio Marsiacutelio Veneto e outros relativamente a esta questatildeo que o

primeiro ou principal assunto desta obra ou eacute o corpo passiacutevel de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo

ou entatildeo o que vai dar no mesmo o corpo mutaacutevel na medida em que pode mudar de

acordo com a sua forma substancial Isto eacute portanto o que requer a parte mais

significativa deste trabalho e a maior atenccedilatildeo como eacute evidente para os leitores

O movimento local dos corpos simples pertence aos livros Sobre o Ceacuteu E

porque aqui se trata explicitamente da alteraccedilatildeo do aumento da diminuiccedilatildeo do

crescimento e da mistura em simultacircneo deve dizer-se que se natildeo falarmos apenas do

assunto principal mas do que a ele se adequa ou quase se adequa o assunto eacute o corpo

moacutevel natildeo apenas porque pode comportar uma geraccedilatildeo substancial mas tambeacutem outros

geacuteneros comuns de mudanccedilas com excepccedilatildeo do movimento local que como conveacutem

aos corpos simples foi explicado nos livros Sobre o Ceacuteu E o modo como se daacute nos

animais eacute detalhadamente tratado nos livros Sobre a locomoccedilatildeo dos animais e Sobre o

movimento dos animais Mas o tipo de deslocaccedilatildeo que se adapta aos compostos

desprovidos de alma exige uma consideraccedilatildeo particular e de algum modo distinta da que

eacute proacutepria dos livros Sobre o ceacuteu porque tais compostos natildeo se movimentam senatildeo pela

capacidade ou pela forccedila do elemento dominante segundo a natureza Alguns a partir

dos autores acima referidos chamam ao mencionado sujeito lsquocorpo moacutevel inerente agrave

formarsquo para excluir a deslocaccedilatildeo das espeacutecies que compreendem as restantes mutaccedilotildees

pois dizem que ela tende apenas para a forma externa ou seja para o lugar e natildeo reside

no corpo moacutevel mas no corpo envolvente Noacutes poreacutem abstivemo-nos dessa designaccedilatildeo

porque no livro 3 da Fiacutesica192 aprovaacutemos o parecer dos que consideram que a

192 Capiacutetulo 3 questatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 177

deslocaccedilatildeo natildeo se daacute no corpo envolvente mas naquele que eacute transferido pelo proacuteprio

movimento e natildeo requer como fim uma forma externa por si mesma mas interna ou

seja que se encontra no proacuteprio corpo moacutevel

Tiacutetulo da obra Intitula-se entatildeo esta obra Sobre a Geraccedilatildeo e a Corrupccedilatildeo

uma designaccedilatildeo tomada como por vezes acontece a partir do mais importante Visto

que a geraccedilatildeo como havemos de expor no devido local se estabelece como a

disposiccedilatildeo mais importante dos corpos pereciacuteveis

Divisatildeo Todo este tratado que se resume a dois livros conteacutem no entanto

uma explanaccedilatildeo tripartida Nos quatro capiacutetulos iniciais do primeiro livro trata-se da

geraccedilatildeo e da morte bem como da alteraccedilatildeo na restante parte desse mesmo livro fala-se

do aumento do contacto da acccedilatildeo da paixatildeo e da mistura Todo o segundo livro por

sua vez se ocupa da reflexatildeo sobre os quatro elementos natildeo apenas na medida em que

se originam e se destroem a si proacuteprios mas tambeacutem porque estimulam os ciclos de

nascimento e de morte a outros corpos constituiacutedos pela mistura com eles

Opiniatildeo de Alexandre e de outros sobre o quarto livro dos Meteoroloacutegicos

Alguns autores entre os quais Alexandre de Afrodiacutesia consideram que o quarto livro

dos Meteoroloacutegicos devia ser anexado a estes dois e esta questatildeo foi de facto

veementemente debatida por alguns filoacutesofos modernos com argumentos aduzidos em

favor de uma e outra parte Em nosso entender se a opiniatildeo de Alexandre parece

perfeitamente provaacutevel a contraacuteria poreacutem apoiada por Olimpiodoro Filoacutepono S

Tomaacutes Alberto Magno e muitos outros agrada-nos mais e tem a seu favor a conhecida

disposiccedilatildeo e organizaccedilatildeo destes livros que segundo consta eacute muito antiga a tal ponto

que teraacute vigorado antes dos tempos de Alexandre como aliaacutes testemunha o proacuteprio E

assim consideramos que o tal livro quarto nem deve ser adicionado a esta obra nem

separado da Meteorologia De facto o que os adversaacuterios objectam dizendo que o seu

ensinamento e escopo (porque como eacute evidente nele se transmite a forccedila e a eficiecircncia

das quatro qualidades primaacuterias) parece ser estranho agrave Meteorologia natildeo eacute tanto assim

Na verdade como nos trecircs primeiros livros dos Meteoroloacutegicos Aristoacuteteles tinha

dissertado sobre as disposiccedilotildees dos elementos e tambeacutem tinha ensinado de que modo os

compostos imperfeitos satildeo geradas na sublime regiatildeo do ar tal como os metais as

pedras e todas as outras coisas no seio da terra achou uacutetil para ilustrar melhor a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 178

mateacuteria mostrar no quarto livro dessa mesma obra o que eacute visto como comum na

origem de tais realidades

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO

SOBRE A GERACcedilAtildeO E A CORRUPCcedilAtildeO DE ARISTOacuteTELES193

Os ensinamentos deste livro estatildeo organizados deste modo nos dois primeiros

capiacutetulos previamente conhecido o objectivo de toda a obra Aristoacuteteles recorda as

opiniotildees dos antigos sobre o nascimento e a morte das coisas e tambeacutem a distinccedilatildeo

entre geraccedilatildeo e alteraccedilatildeo

Quanto eacute uacutetil que as opiniotildees dos antigos sejam trazidas agrave consideraccedilatildeo Eacute que

muitos autores conseguiram distinguir-se no tratamento destas mateacuterias controversas

natildeo sem grande proveito e utilidade para a disputa suscitada Primeiro porque muitas

vezes recorremos ao testemunho deles cuja autoridade eacute aceite em virtude da sua

antiguidade para dizer o que merece confianccedila Natildeo eacute sem razatildeo que se diz que a

sabedoria estaacute nos antigos194 Aleacutem do mais isso foi de tal forma instigado e infundido

nas almas dos homens que na maior parte das vezes os que condenam os mais antigos

e se esforccedilam por espetar os olhos das gralhas ndash com diz o proveacuterbio ndash descobrindo

novas opiniotildees ao quererem ser admirados em funccedilatildeo dessa novidade acabam por ser

rebaixados Segundo porque como ensina Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a Alma capiacutetulo

5 texto 85 o homem recto eacute juiz do seu e do contraacuterio Para avaliar correctamente

conveacutem natildeo soacute examinar a verdade mas tambeacutem distinguir o que os outros dizem de

falso E assim a verdade bilha ainda mais e na presenccedila dela a falsidade desvanece-se

como uma neacutevoa diante do raio do sol Em terceiro lugar porque natildeo eacute justo condenar

os outros por uma razatildeo inexplicaacutevel e como afirma Aristoacuteteles no livro 1 Sobre o

Ceacuteu capiacutetulo 10 texto 101 o que se deve dizer torna-se mais crediacutevel depois de terem

sido previamente ouvidas as razotildees daquelas opiniotildees que satildeo chamadas agrave controveacutersia

sobretudo por ser conveniente que os que julgam a verdade natildeo sejam adversaacuterios mas

sim aacuterbitros Por estas razotildees portanto Aristoacuteteles nos capiacutetulos que dissemos

apresenta e pondera as opiniotildees e os argumentos dos outros Depois no terceiro e no

quarto capiacutetulos trata da geraccedilatildeo e da corrupccedilatildeo das coisas de acordo com o seu

193 Trad FM194 Livro de Job capiacutetulo 12

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 179

proacuteprio parecer e declara por que motivo a geraccedilatildeo eacute diferente da alteraccedilatildeo e

seguidamente por que razatildeo a alteraccedilatildeo se distingue dos outros movimentos Entatildeo no

capiacutetulo quinto disserta sobre o aumento e a diminuiccedilatildeo os quais demonstra serem

diferentes dos outros movimentos E porque nem a geraccedilatildeo nem a alteraccedilatildeo nem o

aumento nem a diminuiccedilatildeo podem existir sem o contacto a acccedilatildeo e a paixatildeo disputa

sobre eles ateacute ao capiacutetulo nono inclusive Por fim no capiacutetulo deacutecimo aborda

detalhadamente o que eacute passiacutevel de mistura o que eacute a mistura a que coisas se adequa e

de que modo se pode estabelecer

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO

SOBRE A GERACcedilAtildeO E A CORRUPCcedilAtildeO DE ARISTOacuteTELES195

Escopo deste livro O objectivo de Aristoacuteteles neste livro eacute dissertar sobre os

conhecidos quatro elementos do mundo Embora tenha abordado este assunto no

terceiro e no quarto livros Sobre o Ceacuteu todavia a perspectiva nesta obra eacute outra Isto

porque os elementos podem ser vistos como tendo uma sede certa e definida no mundo

para a qual satildeo direccionados por uma propensatildeo inata ou por um movimento proacuteprio

ou entatildeo como sendo os primeiros corpos passiacuteveis de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo que

proporcionam a todos os outros corpos sublunares a causa do nascimento e da morte

Apreciaccedilatildeo dos elementos neste livro Logo o primeiro tipo de apreciaccedilatildeo foi

empreendido naqueles dois livros Sobre o Ceacuteu o outro foi relegado para este livro e

exprime-se sobretudo em trecircs questotildees A primeira delas eacute qual a natureza dos

elementos a segunda se satildeo perpeacutetuos ou sujeitos ao nascimento e agrave morte pelo menos

em parte a terceira uma vez que satildeo sujeitos a geraccedilatildeo se todos se formam por si

mesmos sem distinccedilatildeo numa alternacircncia ciacuteclica ou se um deles se forma e a partir

dele na qualidade de primeiro satildeo gerados os restantes

195 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 180

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Livros dos Meteoroloacutegicos de

Aristoacuteteles Estagirita

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 181

PROEacuteMIO196

A ordem da doutrina Depois de Aristoacuteteles ter exposto a doutrina comum aos

elementos e agraves outras substacircncias passiacuteveis de dissoluccedilatildeo nos livros Sobre a Geraccedilatildeo e

de ter tratado da transformaccedilatildeo do nascimento da corrupccedilatildeo e da composiccedilatildeo dedica-

se nesta obra agrave investigaccedilatildeo pormenorizada da natureza dos compostos Isto porque

dentro do conjunto de coisas que satildeo originadas pela composiccedilatildeo algumas soacute satildeo

compostas segundo as qualidades como o orvalho o gelo e a geada ou seja aquelas

que por reterem a forma proacutepria de um elemento obtecircm as quatro qualidades primaacuterias

o calor o frio a humidade e a secura Outras satildeo compostas segundo a substacircncia que

para aleacutem da mistura das quatro qualidades requer uma forma proacutepria distinta dos

elementos pela espeacutecie e de novo dentro deste uacuteltimo tipo uns satildeo compostos

animados como algumas raccedilas de animais outros satildeo desprovidos de alma como as

pedras e os metais197

Assunto Assim sendo Aristoacuteteles divide a explicaccedilatildeo destas mateacuterias de

modo a que nestes quatro livros Sobre os meteoroloacutegicos transmita a disciplina dos

que natildeo tecircm alma tanto dos imperfeitos como dos perfeitos E por outro lado nas

restantes obras de Fisiologia que jaacute se conhecem disserte sobre os compostos perfeitos

e animados numa longa e pormenorizada seacuterie de estudos Por isso o proacuteprio autor no

exoacuterdio deste primeiro livro a todos anuncia o que jaacute tinha discutido sobre a Fiacutesica e o

que ainda faltava tratar abrangendo tudo isso num breve epiacutelogo Daiacute se torna desde

logo evidente de acordo com a ordem estabelecida quais satildeo as partes da Filosofia

natural que vecircm antes e depois desta obra

Tiacutetulo Ora no que diz respeito ao tiacutetulo designam-se estes livros de τῶν

μετεώρων ou de μετεωρολογικῶν pelo facto de versarem sobre as coisas que tecircm

origem na regiatildeo atmosfeacuterica do mundo sublunar Μετέωρoν designa de facto toda a

atmosfera e μετεωρολογία a razatildeo e a ciecircncia dos fenoacutemenos atmosfeacutericos Mas

como Aristoacuteteles trata abertamente neste local tambeacutem as coisas que nasceram nos

lugares subterracircneos e nas profundezas da terra com todo o direito poderia algueacutem 196 Trad FM197 Disserta-se sobre as mesmas mateacuterias no livro Do mundo para Alexandre e do mesmo tratou esparsamente Pliacutenio nos livros da Histoacuteria Natural bem como Alberto Magno nos seus Meteoroloacutegicos Georgius Agricola em muitos livros Seacuteneca no livro das Questotildees Naturais e muitos outros

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 182

perguntar por que razatildeo todo o tratado recebe o nome apenas em funccedilatildeo do que se passa

na atmosfera

Justificaccedilatildeo do tiacutetulo Diversas satildeo as justificaccedilotildees para este facto asseveradas

pelos autores Primeiro porque Aristoacuteteles disserta em primeiro lugar dos fenoacutemenos

atmosfeacutericos Segundo porque eles ocupam uma parte maior do estudo do que as

realidades subterracircneas Embora a natureza das pedras e dos metais seja complexa e a

sua consideraccedilatildeo no acircmbito da filosofia seja largamente evidente Aristoacuteteles poreacutem

natildeo explorou nesta obra o conhecimento absoluto e apurado dessas mateacuterias Em

terceiro lugar porque a maioria ou a totalidade das realidades aqui tratadas possuem

em vez de mateacuteria vapor ou uma exalaccedilatildeo que se manteacutem na atmosfera por si proacutepria

Por uacuteltimo pelo facto de as coisas que aparecem na atmosfera provocarem mais

admiraccedilatildeo em quem as observa

Divisatildeo Divide-se entatildeo os Meteoroloacutegicos aristoteacutelicos em quatro livros No

primeiro dos quais trata-se sobretudo dos fenoacutemenos iacutegneos no segundo e no terceiro

dos aquaacuteticos e aeacutereos no quarto dos terrestres mas grande parte dele eacute dedicada agrave

discussatildeo sobre as quatro qualidades primaacuterias

Algumas opiniotildees sobre o quarto livro dos Meteoroloacutegicos Daiacute que Alexandre

e Amoacutenio tenham considerado que se devia juntar aos livros Sobre a geraccedilatildeo e a

corrupccedilatildeo aos quais diz respeito a contemplaccedilatildeo das disposiccedilotildees elementares Ainda

que esta opiniatildeo que lembraacutemos noutro lugar seja provaacutevel eacute todavia mais verosiacutemil a

que seguem Olimpiodoro e Filoacutepono que incluem este livro nos Meteoroloacutegicos em

quarto lugar Isto pelo facto de Aristoacuteteles ter tratado exaustivamente nesse livro as

qualidades primaacuterias dos elementos mas fecirc-lo pelo seguinte para que o conhecimento

dos metais e das outras realidades deste tipo sobre o qual tinha dissertado tanto nesse

como nos trecircs primeiros livros se tornasse mais claro e mais exacto associado agrave

explicaccedilatildeo das referidas qualidades por obra e intervenccedilatildeo das quais se formam os

fenoacutemenos meteoroloacutegicos

Razatildeo da brevidade que acompanha estes comentaacuterios Decidimos entatildeo ndash

pelo motivo de reconhecermos a brevidade como absolutamente necessaacuteria para os

alunos de Filosofia que devem completar o curriacuteculo das artes no tempo predefinido ndash

decidimos dizia eu nesta obra o que tambeacutem fizemos nos livros dos Pequenos

naturais omitir a explanaccedilatildeo do contexto aristoteacutelico e por vezes tambeacutem como eacute

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 183

nosso costume discutir as questotildees numa e noutra perspectiva A partir do que eacute

esparsamente transmitido por Aristoacuteteles vamos escolher o que for mais digno e mais

importante num soacute ponto e juntar ao mesmo princiacutepio as outras observaccedilotildees pertinentes

para apresentar tudo aos leitores de acordo com a nossa perspectiva resumidamente

dividido em capiacutetulos de modo a que a explicaccedilatildeo destas mateacuterias que satildeo por

natureza muito agradaacuteveis possa ser tambeacutem mais agradaacutevel e mais proveitosa Vamos

deixar de lado algumas questotildees sobre o movimento dos astros e a dependecircncia do

mundo sublunar em relaccedilatildeo ao ceacuteu que costumam ser tratadas por alguns neste livro

mas que noacutes explicaacutemos de forma suficientemente copiosa nos livros Sobre o Ceacuteu

OUTROS TEXTOS DOS METEOROLOacuteGICOS

TRATADO III198

ACERCA DOS COMETAS

CAPIacuteTULO I

ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES DOS FILOacuteSOFOS QUANTO Agrave MATEacuteRIA E Agrave NATUREZA DOS COMETAS

Tecircm os cometas um lugar fundamental entre os corpos iacutegneos pois atraem sobre

si os olhares de todos e natildeo haacute quem natildeo deseje saber o que satildeo Tal como afirma

Seacuteneca nas Questotildees Naturais livro sete capiacutetulo um esquecido dos outros interroga-

se quanto ao fenoacutemeno sem saber se deve ser admirado ou temido Deste modo sobre

eles foram muitas as questotildees discutidas pelos filoacutesofos e tambeacutem muitos tratados e

escritos foram produzidos por outros autores Por essa razatildeo tambeacutem noacutes acerca deles

vamos discutir com profundidade

Em primeiro lugar a sua mateacuteria e natureza Foram apresentadas vaacuterias posiccedilotildees

quanto a esta questatildeo que Aristoacuteteles transmite no livro primeiro no capiacutetulo sexto e

Plutarco no De Placitis livro 3 cap 2 Alguns satildeo de opiniatildeo de que os cometas satildeo

constituiacutedos de mateacuteria celeste199 e que pertencem ao nuacutemero das estrelas errantes tal

como Apoloacutenio de Mindo afirmava ter sido visto pelos Caldeus junto de quem tinha

estudado

Eacute certo que Demoacutecrito e Anaxaacutegoras que conduziram esta questatildeo para outro

domiacutenio julgaram que o cometa natildeo eacute mais do que a conjunccedilatildeo dos vaacuterios planetas em 198 Trad PBD199 Que os cometas satildeo de mateacuteria celeste afirma Tadeu Hagecius na obra Dialexis de novae et prius incognitae stellae apparitione

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 184

nuacutemero de sete os mesmos que satildeo considerados pela astrologia Isto eacute vaacuterios planetas

aproximam-se uns dos outros de tal modo que formam a aparecircncia de um corpo mais

longo fundido numa soacute luz indistinta E assim acontece porque devido agrave alteraccedilatildeo da

sua posiccedilatildeo e da distacircncia de uns aos outros eles se manifestam umas vezes maiores

outras menores e se prestam agrave observaccedilatildeo ora com um aspecto ora com outro

Os Pitagoacutericos e Hipoacutecrates - natildeo o de Coacutes o Pai da medicina mas o outro o

natural de Quios - este e o seu disciacutepulo Eacutesquilo julgaram que todos os cometas eram

uma soacute e a mesma estrela errante distinta dos sete conhecidos porque os vemos brilhar

nada mais do que em longos intervalos dos tempos e como acompanha sempre o sol

dada a proximidade se oculta sob o seu brilho e natildeo se deixa contemplar mesmo

quando dele se afasta

Estes filoacutesofos tambeacutem discordaram entre si jaacute que os Pitagoacutericos disseram que a

cauda ou a cabeleira do cometa fazia parte do seu corpo ou dele emanava Hipoacutecrates e

Eacutesquilo todavia achavam que era um outro corpo celeste que a ele se agregava a partir

das emanaccedilotildees gasosas desencadeadas na parte superior Porque as emissotildees gasosas

recebem o brilho do sol como se fossem um espelho do mesmo modo o reflectem e eacute

esse o motivo que os faz emitirem luz E como satildeo influenciados pelas estrelas por cuja

forccedila satildeo atraiacutedos tambeacutem as vemos a inclinarem-se para um lado e assim noacutes

observamos estrelas com cabeleira

Apoloacutenio de Mindo estabeleceu que o cometa eacute uma estrela errante que se

distingue de outras sete natildeo sempre a mesma mas muitas que separadamente e em

tempos distintos saem agrave vista dos mortais enquanto fenoacutemenos constantes e que tecircm

um movimento distinto do trajecto dos outros planetas e atravessam num trajecto

bastante longo as regiotildees mais afastadas do mundo celeste movendo-se ora para cima

ora para baixo Eacute justamente quando vem no fim do seu trajecto que o cometa aparece

No livro citado Seacuteneca daacute razatildeo a Apoloacutenio naquele ponto em que afirma ser o

cometa uma estrela errante Distingue-se todavia ao afirmar que dado que ele se

desloca em trajectos diferentes o seu movimento eacute em todos os domiacutenios impossiacutevel de

prever De facto estaacute convencido de que existem vaacuterios tipos de estrelas vagantes entre

as quais o cometa eacute uma categoria para aleacutem das referenciadas pelos astroacutelogos

Argumento De facto o fixo e imoacutevel povo a quem satildeo reveladas no mais vasto e

no mais belo corpo celeste isto eacute o ceacuteu por entre estrelas incontaacuteveis que iluminam a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 185

noite segundo uma disposiccedilatildeo diversa algumas que permanecem pouco tempo na

quietude do ar e outras que de facto aiacute se fixam porque natildeo conveacutem que exerccedilam sobre

si proacuteprias o menor estiacutemulo de movimento

Resoluccedilatildeo da duacutevida E seraacute essa a razatildeo que levou a estabelecer que muitas

constituiacuteam planetas em nuacutemero de sete Quando se pergunta por que razatildeo natildeo se

considera tambeacutem correcta a classificaccedilatildeo dos cometas entre o grupo destas estrelas

errantes Respondemos que muitas que se manifestam o satildeo agora ignoramos quais eacute

que exactamente o satildeo

A concoacuterdia do mundo a partir dos contraacuterios Do mesmo modo se algueacutem

argumentar que as estrelas se apresentam em forma de esfera ao passo que o cometa

exibe uma cabeleira e uma barba surge no capiacutetulo vinte e sete do mesmo livro que tal

natildeo deve ser visto como alvo de admiraccedilatildeo porque como a concoacuterdia do mundo se

estabelece a partir de vaacuterios contraacuterios e como a natureza natildeo apresenta a sua obra

numa forma uacutenica antes se exibe a si proacutepria como diversa separou os cometas do

restante grupo e atribuiu-lhes uma face diferente

Por estas razotildees de facto se prova que devem os cometas ser colocados entre as

criaccedilotildees eternas da natureza e que natildeo resultam de modo algum da congregaccedilatildeo de

outras criaccedilotildees aeacutereas porque tudo o que o ar cria eacute breve quando eacute gerado a partir de

uma mateacuteria fugaz e mutaacutevel Assim nem pode de modo duraacutevel alguma coisa nele

permanecer pois eacute de tal modo versaacutetil que nunca permanece o mesmo durante muito

tempo e num momento breve parte para outro estado O que tambeacutem transparece no

exemplo das nuvens que satildeo entidades muito proacuteximas do ar a tal ponto que nelas ele

se adensa e a partir delas se rarefaz agrave medida que estas ora se agregam ora se fundem

sem nunca estarem quietas

Esta eacute a razatildeo por que natildeo eacute possiacutevel que um fogo constante se fixe num corpo

vago e nele se sustente de modo firme Verifica-se que se os cometas se alimentam a

partir das exalaccedilotildees e da reuniatildeo do ar apresentariam um movimento descendente

sempre que o ar se apresentasse mais pesado e quanto maior fosse a proximidade da

terra Todavia nunca nenhum cometa foi visto no horizonte ateacute desaparecer ou a

aproximar-se do solo Para aleacutem disso se o cometa fosse um fogo compoacutesito tornar-se-

ia em dias alternados maior e menor o que a experiecircncia nega Depois natildeo eacute possiacutevel

que fogos aeacutereos se desloquem no orbe celeste tal como os que vemos sob o ceacuteu

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 186

Portanto estabelece-se que os cometas satildeo corpos [pesados] e da mesma natureza que a

dos corpos celestes

CAPIacuteTULO II

REFUTACcedilAtildeO DAS AFIRMACcedilOtildeES ANTERIORES

As afirmaccedilotildees que trouxemos agrave lembranccedila no capiacutetulo anterior na medida em

que estabelecem que os cometas participam da natureza celeste desviaram-se da

verdade quer em conjunto quer individualmente consideradas

O cometa natildeo eacute resultado da conjunccedilatildeo de muitos planetas Em primeiro lugar

aquela que estabeleceu que o cometa eacute resultado da conjunccedilatildeo de muitos planetas eacute

vencida pelo argumento de que os planetas do universo numa altura determinada se

repeliram uns pelos outros e todos ou quase todos satildeo visiacuteveis em simultacircneo sobre o

horizonte ao passo que o cometa aparece de vez em quando e a presenccedila de corpos

errantes foi documentada natildeo apenas entre os planetas mas tambeacutem quando viajam a

grandes distacircncias como ensina Aristoacuteteles no capiacutetulo sexto em cujo tempo nenhum

cometa parece ter sido avistado Em segundo lugar porque os planetas natildeo viajam para

aleacutem do Zodiacuteaco ao passo que os cometas satildeo observados noutras regiotildees do ceacuteu Em

terceiro lugar porque a conjunccedilatildeo de um soacute planeta com outro dura um breve espaccedilo de

tempo como estaacute patente na lua nova e no crepuacutesculo Agora os cometas com

frequecircncia podem contemplar-se pelo espaccedilo de seis meses Em quarto lugar porque

seria de certo modo conveniente que essa chegada sucedesse segundo uma determinada

disciplina e segundo um nuacutemero definido de anos Ora os cometas natildeo cumprem estas

exigecircncias Em quinto lugar porque no reinado de Aacutetalo um cometa brilhou

percorrendo toda a Via Laacutectea na sua totalidade e se este se tivesse formado a partir da

conjunccedilatildeo de planetas nem todos os planetas que agora satildeo visiacuteveis nem todos os

outros tinham sido suficientes para perfazer a sua grandeza

Quanto agrave opiniatildeo dos pitagoacutericos Hipoacutecrates e Eacutesquilo que afirmaram que os

cometas satildeo uma e a mesma estrela errante distinta das outras estrelas comuns

contrapotildee-se o argumento seguinte dela decorre que nunca dois cometas satildeo avistados

ao mesmo tempo facto que a experiecircncia ensina como o contraacuterio segundo testemunho

de Aristoacuteteles livro um capiacutetulo sexto Escaliacutegero tambeacutem o manifesta nas

Exercitationes in Cardanum 70 e afirma ter visto dois cometas ao mesmo tempo em

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 187

diferentes latitudes durante vaacuterios dias um ao nascer do sol outro ao pocircr do sol E

tambeacutem porque se os cometas permanecem ocultos devido agrave proximidade do sol e se se

tornam mais visiacuteveis quando dele se afastam natildeo poderatildeo deixar de ser vistos no

movimento contraacuterio nem quando retornam ao sol de que se haviam afastado tal como

a lua apoacutes a lua nova que quanto mais se afasta do sol maior e mais luminosa se nos

mostra e em continuidade quanto mais proacuteximo se chega a ele mais o seu tamanho se

reduz e eacute ocultada pelo sol ateacute que por fim a imagem se desvanece

Ora quanto aos cometas eacute evidente que a questatildeo eacute outra uma vez que estes vatildeo

desaparecendo agrave medida que aumenta a distacircncia do sol

Os cometas natildeo satildeo estrelas errantes Por fim o facto de os cometas natildeo serem

estrelas errantes da maneira que Apoloacutenio e Seacuteneca imaginaram acerca dessa questatildeo

pode concluir-se que sempre que o ceacuteu se apresente leve e transluacutecido natildeo poderatildeo eles

ocultar-se dos nossos olhos e por esse motivo se tornam permanentemente visiacuteveis

Mas entre todas as afirmaccedilotildees acima apresentadas a de que os cometas satildeo

compostos a partir de mateacuteria celeste acerca dela seraacute explicitada a mais nobre

refutaccedilatildeo no capiacutetulo seguinte quando expusermos que os cometas satildeo gerados abaixo

da lua a partir da agregaccedilatildeo de elementos

Resoluccedilatildeo dos argumentos Na verdade a estes argumentos de Seacuteneca deve

responder-se que embora o ar seja de certo modo voluacutevel e inconstante isso natildeo

impede todavia que o cometa natildeo possa chamar a si durante um certo nuacutemero de

meses muita mateacuteria viscosa e bem ligada entretanto acompanhando o movimento do

proacuteprio ar para cima e com ele igualmente descendo sobre o orbe Tambeacutem as nuvens

porque satildeo compostas de mateacuteria leve e fraacutegil se dissipam num curto intervalo de

tempo

Por que eacute que os cometas natildeo descem De facto o cometa natildeo desce porque vai

seguindo o alimento ateacute aquele ar proacuteximo das terras e quanto mais pesado estiver na

regiatildeo superior uma vez que o cometa natildeo se incendeia a natildeo ser que haja grande

abundacircncia de gazes viscosos pode tanto mais adensar-se e inflamar-se na regiatildeo mais

elevada como exporemos adiante

Tambeacutem natildeo desce pelo seu proacuteprio movimento porque natildeo desceraacute enquanto

estiver dominado pela leveza das chamas (Jaacute que tambeacutem a densidade da sua mateacuteria

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 188

pode ser superior agrave leveza do ar) e enquanto estiver sob influecircncia da forccedila de atracccedilatildeo

de algum outro corpo

Tambeacutem natildeo eacute aceitaacutevel que o cometa sofra em cada dia um aumento ou uma

diminuiccedilatildeo de tamanho nem a tiacutetulo excepcional porque uma vez que eacute lento a arder a

mateacuteria acesa pode em alguns casos conservar-se no mesmo estado o tempo suficiente

ateacute que o possamos ver ou eventualmente ser-lhe fornecida vinda de outras partes a

quantidade de combustiacutevel que ele consome

Depois o facto de se deslocar no ceacuteu constitui um argumento fraacutegil para provar

que o cometa tem uma natureza celeste porque segundo esse juiacutezo tambeacutem o fogo e a

parte superior do ar que estatildeo abaixo da lua se moveriam e noacutes dizemos que o cometa eacute

capturado pelo movimento circular destes

CAPIacuteTULO III

EXPLICACcedilAtildeO DE ARISTOacuteTELES E DECLARACcedilOtildeES VERDADEIRAS QUANTO Agrave MATEacuteRIA E Agrave NATUREZA DOS

COMETAS

A afirmaccedilatildeo de Aristoacuteteles no livro primeiro capiacutetulo sete que Ptolomeu e

Albumazar usaram no livro Acerca das Conjunccedilotildees e tambeacutem Alberto no livro

primeiro tratado trecircs capiacutetulo cinco Avicena Algazel Alexandre Filoacutepono Averroacuteis

e outros entre os Peripateacuteticos eacute de que o cometa natildeo participa da natureza celeste mas

sim da sublunar e que tem por mateacuteria vapor abundante viscosa espessa e constante

uma vez bem coaguladas nas suas partes constituintes Pois o que o forma eacute o mesmo

capaz de iniciar a chama e de a conservar acesa durante muito tempo De modo

contraacuterio se a mateacuteria for pouca facilmente se dispersa e nesse caso se extingue o

aglomerado das restantes substacircncias inflamaacuteveis

Argumenta-se que bem distinta da celeste eacute a mateacuteria do cometa uma vez que

quando os cometas fazem a sua apariccedilatildeo eacute costume verificar-se um sopro dos ventos

em turbulecircncia e uma secura extrema certamente porque uma grande quantidade de

vapor terrestre migrou para o espaccedilo aeacutereo Isso mesmo se pode encontrar nos

Fenoacutemenos de Arator

Em anos especialmente secos verificam-se muitos cometas de cabeleira e satildeo

muitos os exemplos a apresentar desse facto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 189

Um enorme cometa No tempo de Anaxaacutegoras um cometa enorme ardeu durante

setenta e cinco dias ininterruptos a ele se seguiu uma tatildeo grande tempestade de ventos

que teria arrancado da encosta uma pedra com o tamanho de um carro e uma vez solta

rolaria com uma enorme velocidade ateacute cair no rio Aegos na Traacutecia Assim o conta

Aristoacuteteles no livro primeiro capiacutetulo sete O mesmo ocorre no reinado de Nicoacutemaco

Priacutencipe dos atenienses quando um cometa foi visto a brilhar perto do Ciacuterculo

Equinocial ventos fortiacutessimos se abateram sobre a cidade de Corinto

Para aleacutem disso a experiecircncia mostra que os cometas se transformam de tempos a

tempos ora de pequenos para grandes ora novamente de grandes para pequenos mas

todos se extinguem E de vez em quando avista-se um cometa que ainda haacute pouco se

tinha destacado do horizonte de repente se dissipa diante dos olhos e por fim

desapareceu

Com efeito estes fenoacutemenos que se dilatam e se contraem podem sofrer queda

mas de modo nenhum podem extinguir-se em substacircncias celestes as quais estatildeo isentas

de sofrer qualquer dano Pois o que eacute afirmado que os cometas natildeo se apagam mas soacute

se escondem foi refutado no capiacutetulo anterior Depois os Matemaacuteticos usando

instrumentos astronoacutemicos para calcular a distacircncia da lua perceberam que os cometas

se posicionam abaixo da lua Portanto participam natildeo do mundo celeste mas do mundo

dos elementos Acerca ainda desta medida da distacircncia dos cometas que se consulte o

Regiomontano no tratado Acerca do Cometa e tambeacutem Joatildeo Vogel no opuacutesculo Acerca

do Cometa que foi publicado no ano de 1527

Objecccedilatildeo Alguns dos mais recentes filoacutesofos e astroacutenomos todavia levantam

objecccedilotildees negando que os cometas natildeo satildeo vistos a surgir tambeacutem na regiatildeo eteacuterea jaacute

que a experiecircncia comprova o facto Assim Albumazar revelou uma nova estrela que

de vez em quando eacute vista sobre a esfera de Veacutenus e Hali afirma ter visto uma outra no

Commentum super Quadripartito Ptolomaei 2 capiacutetulo 9 no deacutecimo quinto grau de

Escorpiatildeo quando o sol se apresenta em cima do grau e no signo seu oposto ou seja no

deacutecimo quinto grau do Touro E na nossa Era no ano 1572 apareceu na Constelaccedilatildeo de

Cassiopeia um novo corpo de magnitude exemplar para grande espanto dos que o

contemplavam mas que desapareceu no ano de 1574

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 190

Resposta Noacutes contudo somos de opiniatildeo que desse assunto e quanto ao que diz

respeito agraves das estrelas e se eacute verdade que elas podem ser observadas na regiatildeo celeste

deve ser ouvido aquilo que expusemos no livro primeiro Acerca do Ceacuteu

CAPIacuteTULO IV

ACERCA DA LOCALIZACcedilAtildeO DA INFLAMACcedilAtildeO DA DURABILIDADE DO MOVIMENTO E DAS CORES

DOS COMETAS

Localizaccedilatildeo A regiatildeo mais elevada dos ares eacute o lugar dos cometas Assim eles

natildeo se originam nem na inferior nem na meacutedia como o seu movimento desde o Oriente

ateacute ao Ocaso pode primeiramente confirmar e porque retornam soacute de uma vez no ar jaacute

que o dito movimento natildeo se suspende na regiatildeo intermeacutedia Em segundo lugar a

distacircncia destes mesmos confirma-o Assim a regiatildeo intermeacutedia natildeo atravessa os

montes mais altos e alguns deles satildeo mesmo mais elevados do que ela pelo que talvez

se possa concluir que abaixo destes se manifestam os ventos as nuvens e as chuvas

Ora verifica-se recorrendo aos instrumentos de altimetria que a distacircncia dos cometas

agrave terra eacute muito maior segundo o princiacutepio de que Pedro Nunes escreveu no livro Acerca

dos Crepuacutesculos e em Viteacutelio no livro 10 proposiccedilatildeo sessenta

Por esse motivo a baixa temperatura do lugar natildeo lhes torna favoraacutevel a

permanecircncia na regiatildeo meacutedia jaacute que a sua chama a arder e a conservar-se viva natildeo

ocorreria de modo tatildeo permanente Tambeacutem refulgem os cometas nas regiotildees mais

longiacutenquas do ar num trajecto de vez em quando mais elevado e de outras vezes mais

baixo

Satildeo apesar de tudo contemplados com frequecircncia fora dos troacutepicos ou seja fora

dos Ciacuterculos Solsticiais tanto no Setentriatildeo como no Austro como afirma Aristoacuteteles

no livro primeiro no capiacutetulo seis da jaacute citada obra porque o excessivo calor que

percorre os territoacuterios que se situam abaixo dos troacutepicos dissolve a mateacuteria dos cometas

De facto muitas vezes satildeo avistados entre os troacutepicos tal como aquele que brilhou por

um curto nuacutemero de dias em torno do Ciacuterculo Equinocial durante o reinado de

Nicoacutemaco

Inflamaccedilatildeo A inflamaccedilatildeo dos cometas produz-se ou devido ao movimento a

partir do qual a regiatildeo mais elevada do ar se transforma em fogo ou quando passam

como alguns defendem da igniccedilatildeo dos elementos para a total submissatildeo dos gases agraves

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 191

chamas ou tambeacutem quando um raio ocasional vibra na atmosfera superior a partir de

alguma nuvem

Natildeo eacute tanto de facto a parte mais interior e carregada de uma nuvem mas sim a

parte mais superficial a que frequentemente se abre e oferece a visatildeo de um fogo a

irromper Haacute os que pensam que o cometa natildeo se incendeia a partir do fogo nem nele

haacute nenhum gaacutes inflamaacutevel mas sim um sopro de mateacuteria mista assim como o fumo ou

a fuligem que eacute libertada e espalhada pela forccedila de algum corpo no interior da nossa

regiatildeo e tendo absorvido em si os raios de sol e reflectindo-os e por esse motivo se

torna visiacutevel

Refute-se todavia esta opiniatildeo uma vez que se o cometa apresentar uma luz

derivada do fogo solar deduzir-se-ia que ele podia sofrer um eclipse no trajecto de

interposiccedilatildeo agrave terra quando entra na sombra dele facto que ateacute agora natildeo foi observado

Durabilidade A durabilidade dos cometas natildeo estaacute de modo algum estabelecida

Nascem com muita frequecircncia no Outono porque o calor da Primavera natildeo eacute suficiente

para que se produza a agregaccedilatildeo daquele vapor viscoso O frio do Inverno bem como a

sua humidade e o fervor do se encontrar retido dispersa-a e anula a sua manifestaccedilatildeo

Todavia a experiecircncia ensinou que natildeo existe uma altura do ano que lhe corresponda

na qual sem ser por acaso os cometas sejam gerados Assim tambeacutem nos meses de

Inverno quando tudo estaacute colado pelo gelo eacute possiacutevel avistaacute-los como refere

Aristoacuteteles naquele livro primeiro capiacutetulo seis

Pliacutenio no capiacutetulo 25 do livro segundo afirma num curto excerto que a partir do

momento em que os cometas satildeo vislumbrados eles satildeo perceptiacuteveis num periacuteodo que

vai desde sete dias ateacute ao maacuteximo de oitenta Seacuteneca no livro sete das Questotildees

Naturais capiacutetulo doze estabelece o maacuteximo de seis meses para a duraccedilatildeo dos cometas

Eacute verdadeira a afirmaccedilatildeo de que o tempo de duraccedilatildeo dos cometas natildeo estaacute definido

segundo uma regra exacta apesar de raramente serem vistos num periacuteodo superior a seis

meses De facto Josefo no livro sete capiacutetulo quarenta e quatro de A Guerra Judaica

conta que um cometa esteve suspenso sobre os ceacuteus da cidade durante um ano inteiro

antes da queda de Jerusaleacutem

Assim os cometas duram em primeiro lugar o tempo que durar o fornecimento

de mateacuterias gasosas das quais se alimentam Em segundo lugar porque o fogo que

devora a tal substacircncia viscosa eacute moderado e lento apresentando uma dimensatildeo com

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 192

ela condizente Em terceiro lugar porque o alimento eacute produzido a partir da terra que

neles estaacute contida a partir do influxo e da atracccedilatildeo dos corpos que geram pressatildeo sobre

ela

Movimento O movimento dos cometas natildeo eacute uno mas muacuteltiplo O primeiro do

Oriente ateacute ao Ocaso quando em simultacircneo rodam com as esferas celestes com o fogo

e com o limite extremo do ar

O segundo do Ocaso para o Oriente que natildeo constitui propriamente um

movimento mas um retardar do movimento anterior feita a comparaccedilatildeo com o ponto

especiacutefico do ceacuteu a que se dirigia o cometa acabado de surgir Consta de facto que o

cometa que Aplanis previa ser na noite seguinte um corpo postado sobre si poucos

dias depois se tinha afastado alguma distacircncia para Oriente Na verdade este atraso

proveacutem dele mesmo porque o fogo e o ar ao serem corpos dinacircmicos natildeo retiram

completa eficaacutecia da forccedila dos movimentos celestes mas tambeacutem natildeo eacute capaz de seguir

devido agrave sua massa e ao seu peso a velocidade do ar pela qual o cometa eacute arrastado e

por isso opotildee resistecircncia ao movimento que o arrasta

O terceiro movimento ocorre ora ateacute ao Setentriatildeo ora ateacute ao Austro ou para

outros diferentes lugares Este movimento nasce assim quer motivado pela gravidade

de algum corpo que exerccedila influecircncia no cometa ou porque porventura o cometa se

deixa levar pela mateacuteria que o convida e aos poucos se inclina para aquela direcccedilatildeo que

ela lhe indica

O quarto eacute quando parece que ele se desloca ou para cima quando na parte mais

baixa lhe falta mateacuteria ou para baixo porque ela abunda na parte mais baixa ou

tambeacutem porque um outro corpo qualquer o atrai para um lugar mais elevado ou porque

tornando-se mais pesado tomba levando consigo alguma massa

Cores Os cometas satildeo de muitas e variadas cores (na verdade natildeo satildeo

verdadeiras porque natildeo as tecircm mas fugazes e aparentes) Alguns brilham com uma luz

transparente e quase prateada Noutros haacute um rubor sem luminosidade nenhuma Para

outros luz uma chama em nada uniforme e suave mas que faz girar em seu torno

bastante fumo e labareda e satildeo estes os mais crueacuteis e ameaccediladores com um aspecto em

muito mais turvo e aterrador do que os outros Esta variedade nasce da diversidade da

mateacuteria que os compotildee assim como pode ver-se a partir da chama quanto mais

rarefeita for a sua composiccedilatildeo tanto mais apresenta uma cor uniforme e branca e

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 193

quanto mais pesado e com fuligem estiver mais exibe uma cor baccedila E nos outros casos

manteacutem este tipo de comportamento

CAPIacuteTULO V

O QUE ANUNCIAM OS COMETAS

No que diz respeito ao significado dos cometas muitos filosofaram acerca dessa

questatildeo e muito pensam prever (como notou Pliacutenio no livro dois capiacutetulo vinte e

cinco) em que regiotildees ele se lanccedilaraacute ou de que estrela receberaacute as forccedilas ou quais as

semelhanccedilas que apresentaraacute e em que lugares brilharaacute Tambeacutem haacute os que como no

demais procuram fazer interpretaccedilotildees a partir de tudo o que tem a ver com os cometas

Os cometas prenunciam o sopro dos ventos Em primeiro lugar o sopro vigoroso

dos ventos Pois quando o cometa se eleva ateacute agraves regiotildees mais elevadas do ar sem que

haja um fornecimento generoso de gazes natildeo consegue incendiar-se Eacute necessaacuterio que

uma grande confluecircncia de correntes de ar capazes de gerar os ventos seja deixada na

faixa meacutedia e mais baixa do ar

Tempestades Em segundo lugar as tempestades mariacutetimas que satildeo provocadas

pelo despertar dos ventos

Seca e infertilidadeEm terceiro lugar a seca e a infertilidade que se formam

quando da terra eacute aspirada a humidade e o ar

Terramotos Quarto os terramotos porque as exalaccedilotildees satildeo atraiacutedas e procuram

uma saiacuteda livre no seio da terra sucede que ao chocarem umas contra as outras a terra

sofre abalos de um lado para o outro

Intempeacuteries atmosfeacutericas Quinto as intempeacuteries atmosfeacutericas induzidas por um

sopro seco e venenoso principalmente junto a lugares pantanosos e carregados de

humidade nos quais a humidade apodrece ressequida em lama

Doenccedilas Sexto as doenccedilas tanto mais que as substacircncias secas e quentes geram

robustez

Mortes dos reis Eacute sobejamente conhecido de facto que os cometas anunciam as

mortes dos priacutencipes como se pode ver naquele livro terceiro do oraacuteculo sibilino

Quando o sol toca o Ocaso um cometa se manifestaBrilharaacute uma estrela sinal da espada para os mortaisE da fome e da morte e de homens ilustresDe grandes e nobres priacutencipes eacute o fim

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 194

A profecia de um cometa pode ser interpretada em dois sentidos Aleacutem disso esta

profecia pode ser interpretada em dois sentidos num caso que os cometas anunciam a

morte dos reis tal como se a divindade enviasse disso sinais noutro caso que satildeo

responsaacuteveis pelas causas das doenccedilas A primeira explicaccedilatildeo deste sentido encontra-se

em S Damasceno livro segundo da Feacute Ortodoxa no capiacutetulo vinte e sete que jaacute

tivemos a oportunidade de evocar antes A seguinte eacute bem mais difiacutecil de aceitar

Porque de facto aquilo que afirmam que os reis vivem de modo mais delicado e

tecircm os humores mais leves razatildeo pela qual satildeo mais facilmente derrubados do seu

estado de sauacutede pela perturbaccedilatildeo do ar eacute um argumento fraacutegil pois as crianccedilas de tenra

idade e muitos homens anoacutenimos de todas as idades satildeo mais deacutebeis do que os

priacutencipes e a estes todavia os cometas natildeo provocam nem anunciam a morte Mas

como eacute em absoluto mais notada a morte de um homem poderoso do que a de um

homem vulgar julgaram por essa razatildeo que a morte dos reis eacute por eles predita tal

como expotildee Alberto Magno no primeiro livro tratado trecircs capiacutetulo onze Ou talvez

porque esta opiniatildeo tenha ocupado as mentes dos homens por os cometas como S

Damasceno estabelece trazerem da divina instituiccedilatildeo a notiacutecia morte para os reis

Ptolomeu alega que os cometas que se avistam de manhatilde sejam sinal da morte do

rei quando se posicionam sobre o seu signo uma vez que ele tambeacutem sobe por ocasiatildeo

do nascimento de algum rei ou quando assume o poder do reino Haacute ateacute quem diga que

se o cometa se apresentar no meio do ceacuteu iluminado pelos raios do sol ou de Marte

pode mais provavelmente significar o progresso do reino do que a morte do rei

Mas estes assuntos e outros da sua famiacutelia acerca das profecias dos cometas que

satildeo discutidos pelos astroacutelogos quando se encontram sobre este ou aquele signo

observando-se o nascimento deste ou daquele homem natildeo devem ser minimamente

escutados porque divulgam falsidades infinitas e a maior parte deles soacute conteacutem

supersticcedilatildeo Acerca do estabelecido quanto a esta questatildeo dissertaacutemos

aprofundadamente no livro Acerca do Ceacuteu

CAPIacuteTULO VI

QUANTO AgraveS FIGURAS E DIVERSIDADE DOS COMETAS

Agora trataremos das figuras que com mais basta frequecircncia satildeo assumidas pelas

manifestaccedilotildees de cometas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 195

Aristoacuteteles no livro primeiro capiacutetulo sete apresentou a sua estranha diversidade

afirmando a saber que ele era ou em forma de globo porque tem a cabeleira agrave sua

volta e espalhada por todo o firmamento ou se expande no sentido do comprimento e

leva agregada a si uma barba ou uma cauda Haacute pelo contraacuterio outros cometas que se

observam com caracteriacutesticas uacutenicas e exclusivas outros que oscilam com o seu corpo

ora em movimento ora fixo e no interior deles mesmos haacute agitaccedilatildeo

Os primeiros pertencem agrave classe dos verdadeiros cometas Os uacuteltimos jaacute natildeo

porque formam a sua cabeleira a partir da massa incendiada E aqueles que costumam

gerar-se quando a exalaccedilatildeo localizada debaixo de um corpo determinado se inflama de

tal modo que entre ela e o dito corpo natildeo existe nenhum intervalo a ponto de segundo a

avaliaccedilatildeo visual um e outro estarem reunidos num soacute corpo e na mesma superfiacutecie Pela

mesma ordem quando noacutes perscrutamos o horizonte parece que a terra e o ceacuteu se

continuam mutuamente Tambeacutem deste modo acontece quando uma determinada

estrela brilha como se tivesse uma crina ou com os halos que se formam abaixo da lua

ou do sol devido ao vapor de aacutegua Tal como eles satildeo vistos a rodear a lua e o sol

apesar de estarem afastados em muitiacutessimos peacutes quer de um quer do outro Tambeacutem a

exalaccedilatildeo iacutegnea eacute observada como se ela se sustivesse apoiada no dito corpo estando ela

na regiatildeo aeacuterea ou seja faz parte do mundo celeste

Cometas de cabeleira de barba e de cauda Assim sendo os cometas dividem-se

em trecircs categorias os de cabeleira os de barba e os de cauda Se desta forma a

exalaccedilatildeo for mais pesada no centro e tambeacutem nas partes extremas ela apresenta-se

mais rarefeita e mais leve de tal modo que a chama em seu torno se solta como se

fossem cabelos diz-se que eacute um de cabeleira Se a exalaccedilatildeo se inclinar para uma soacute

parte e se prolonga para longe diz-se que eacute um de cauda Mas se se espalhar a uma

menor distacircncia diz-se que eacute um de barba Os astroacutelogos consideram haver nove

espeacutecies de cometas Numera cinco Alberto Magno no livro primeiro tratado trecircs

capiacutetulo dez e Pliacutenio numera dez no livro dois capiacutetulo vinte e cinco

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 196

CAPIacuteTULO VII

QUANTO Agrave ESTRELA QUE BRILHOU AOS MAGOS QUANDO CRISTO NASCEU

O esplendor da famosa estrela que refulgiu no Oriente quando Cristo nasceu e

conduziu os magos ateacute ao berccedilo do divino rei convida-nos a que tambeacutem acerca dela

dissertemos

Em primeiro lugar deve saber-se que este corpo apareceu aos magos nos limites

do Oriente (tendo em comparaccedilatildeo a regiatildeo da Palestina) e que eles instigados pela mais

secreta inspiraccedilatildeo do sinal do ceacuteu o tomaram como se ele falasse a liacutengua do ceacuteu

dispondo-se a segui-lo ateacute chegarem agrave cidade de Beleacutem

Muito antes estes factos tambeacutem a Sibila Eritreia no livro oitavo dos Oraacuteculos jaacute

havia anunciado

E eacute surgida a nova estrela divina do mago a brilhar

Deteacutem-se sobre o preseacutepio e o menino de Deus se mostra aos que a seguem

Com efeito a explicaccedilatildeo por que Deus teria chamado os magos com um

fenoacutemeno desta natureza eacute trazida por Teofilacto no segundo capiacutetulo de Mateus

certamente porque sendo os magos astroacutelogos como Tertuliano relata no livro Acerca

da Idolatria receberam enquanto sinal um que lhes era familiar tal como tambeacutem

Pedro o pescador foi chamado para capturar uma grande multidatildeo de peixes para

Cristo

Ora eacute costume tambeacutem perguntar-se se aquela estrela faria parte do nuacutemero dos

astros celestes Vaacuterios autores entre os que recorda o Abulense no citado capiacutetulo de

Mateus 2 questatildeo 11 satildeo de opiniatildeo de que ela eacute um dos corpos errantes ou um dos

planetas Esta opiniatildeo eacute reprovada pelo comum consenso dos Padres como ensina S

Tomaacutes na parte 3 questatildeo 36 artigo 7 Tambeacutem tal eacute refutado com perspicazes

argumentos por S Basiacutelio no livro Acerca da Geraccedilatildeo Humana de Cristo por S Joatildeo

Crisoacutestomo na Homilia Sexta Acerca do Evangelho de S Mateus por S Joatildeo

Damasceno livro segundo capiacutetulo sete por Santo Agostinho no livro Contra o Luxo

livro dois capiacutetulo cinco e por tantos outros

E de facto os astros em cada dia nascem e desaparecem Mas a dita estrela

oferecia-se permanentemente agrave contemplaccedilatildeo Em segundo lugar dado que a luz do dia

deixa na sombra e oculta os astros mas essa estrela brilhava durante o dia com tal

esplendor que vencia as outras luminaacuterias do ceacuteu tal como Santo Inaacutecio avoca na

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 197

Deacutecima quarta Epiacutestola aos Efeacutesios Em terceiro lugar porque ela se ocultava quando

tal era necessaacuterio como quando depois de ter conduzido os reis ateacute Jerusaleacutem aiacute se

apagou durante algum tempo ateacute novamente permitir deixar-se ver Em quarto lugar

porque se manteve proacutexima da terra e assim parou sobre a gruta na qual estava o

Divino Infante e aiacute se mostrou agrave vista de todos

Portanto dado que a afamada estrela natildeo fez parte dos corpos da regiatildeo eteacuterea

questionar-se-aacute algueacutem sobre se ela deve de facto ser considerada um cometa

A nossa resposta eacute de que nem ela foi um cometa como facilmente veraacute todo o

que analisar os argumentos que ateacute agora expusemos quanto agrave natureza e origem dos

cometas quanto ao seu movimento quanto ao seu desaparecimento diante da

luminosidade do dia e quanto agrave sua distacircncia da terra Aduzem-se detalhadamente em

seguida todos os argumentos que convergem para que ela natildeo seja de modo nenhum

considerada uma estrela

A referida estrela foi portanto um irrepetiacutevel e inusitado meteoro formado natildeo

pela natural mas pela virtude angeacutelica ou divina a partir de mateacuteria sub-celeste e

aspergido pelo fulgor da exiacutemia luz que se revela natildeo por sua proacutepria determinaccedilatildeo

mas pela acccedilatildeo de um anjo De facto S Joatildeo Crisoacutestomo na Homilia 6 capiacutetulo dois

dedicada ao Evangelho de S Mateus o sermatildeo de Fulgecircncio Acerca da Epifania e

Gregoacuterio de Nissa no diaacutelogo Acerca da Alma pensam que foi um anjo que apareceu em

figura de estrela

Com efeito eacute facto que foi quanto se aproximavam da cidade de Jerusaleacutem que

ela manifestou poder para se ocultar Eacute multiacuteplice seja porque Deus a subtraiu

absolutamente ao acesso de todos de modo a que ela natildeo transmitisse a sua imagem aos

seus olhos ou porque nesse tempo intermeacutedio lhe bloqueou o brilho ou ainda por

qualquer outro modo tais como os que revela Abulense acima citado no dito capiacutetulo

questatildeo 41

Conveacutem lembrar contudo que alguns ponderaram que esta estrela foi avistada

pelos magos uma uacutenica vez somente no Oriente e que logo desapareceu entatildeo quando

estes saiacuteram de Jerusaleacutem apareceu novamente e daiacute os conduziu ateacute ao preseacutepio

Trata-se pois de uma afirmaccedilatildeo diferente daquela que estabeleceu que ela acompanhou

os magos durante todo o caminho e que muitos dos Padres antigos seguem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 198

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Trecircs Livros Sobre A Alma de

Aristoacuteteles Estagirita

Coimbra 1598

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 199

PROEacuteMIO AOS TREcircS LIVROS DO TRATADO SOBRE A ALMA DE ARISTOacuteTELES 200

UTILIDADE ORDEM MATEacuteRIA TRATADA E PARTICcedilAtildeO DESTES LIVROS

A partir do que Aristoacuteteles nos ensinaraacute a seguir tornar-se-aacute evidente como a

ciecircncia da alma sobressai de entre as outras partes da Filosofia quer pelo seu rigor

demonstrativo quer pela mateacuteria sobre que versa quer pela sua nobreza e como ela eacute

uacutetil tanto para regular e gerir honestamente a vida como para um completo

conhecimento da verdade

Utilidade desta ciecircncia porque leva aquele que a pratica a conhecer-se

melhor Mas o mesmo particularmente no que diz respeito agrave utilidade pode ser

ilustrado e mais amplamente recomendado porque de acordo com o que advertia

aquela ceacutelebre maacutexima de Quilatildeo de Feacutemon ou de Tales ou quem quer que tenha sido

o autor inscrita nas portas do templo de Delfos por Anfictiatildeo cada um deve acima de

tudo procurar conhecer-se a si mesmo No entanto ningueacutem se pode conhecer a menos

que tenha examinado atentamente a dignidade e a natureza da sua alma201 Porque jaacute

Marco Tuacutelio no livro 1 das Disputas Tusculanas Plotino no livro 3 da quarta Eneacuteada

capiacutetulo 1ordm depois de Platatildeo em Alcibiacuteades I consideraram que aquela inscriccedilatildeo deacutelfica

natildeo exortava a outra coisa senatildeo a conhecermos a natureza da alma Isto porque quem

quer que atinja a notaacutevel e superior capacidade da sua mente compreenderaacute que natildeo

deve deter-se nos bens incertos e caducos mas nas coisas sempiternas e divinas com

todo o cuidado e empenho de conhecer com que os filoacutesofos verdadeiros e legiacutetimos

edificam as principais gloacuterias

A sua importacircncia para a ciecircncia moral Esta doutrina tambeacutem eacute muito uacutetil

para aqueles que discutem sobre a vida comum e os costumes como consta do livro 1

da Eacutetica capiacutetulo 13ordm e do livro 6 capiacutetulo 1ordm Com efeito eacute necessaacuterio que eles

recebam do filoacutesofo natural o modo como a razatildeo deteacutem a suma eminecircncia da alma em

ordem a sujeitar a si a faculdade apetitiva e a irasciacutevel e a moderar os movimentos que

se erguem contra uma certa norma Tambeacutem eacute preciso que recebam dela o princiacutepio das

acccedilotildees nas quais reside a felicidade da vida humana e ainda a divisatildeo das faculdades

usadas para explicar os afectos e as virtudes A isto se refere a advertecircncia de 200 Trad MCC201 Acerca da afirmaccedilatildeo Laeacutercio livro 1 Pliacutenio livro 7 cap 32 Macroacutebio 1 Saturnalia cap 6 Xenofonte 4 Com Clemente de Alexandria no Pedagogo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 200

Aristoacuteteles no uacuteltimo capiacutetulo do livro 1 da Eacutetica que diz que tal como os meacutedicos que

receitam remeacutedios para curarem os corpos a fim de desempenharem bem o seu ofiacutecio

colocam muito cuidado no conhecimento das almas assim por maioria de razatildeo o

filoacutesofo da moral que cuida de sanar as enfermidades da alma deve examinar o que

concerne agrave ciecircncia da alma

Tambeacutem para a metafiacutesica Na verdade a ciecircncia da alma comunica

admiravelmente com a filosofia primeira pois por uma certa analogia e semelhanccedila

atingimos pelo nosso intelecto as substacircncias inteligiacuteveis e livres da mateacuteria e a mente

humana transformando-se para aleacutem de si mesma eacute chamada para a natureza divina

donde proveio202 O que quer que nela exista de perfeiccedilatildeo encontra-se em Deus fonte de

todas as perfeiccedilotildees nela ainda mais bem conhecida quando toda a imperfeiccedilatildeo se afasta

Tambeacutem para toda a filosofia Por uacuteltimo por uma razatildeo comum a todas as

partes da filosofia eacute oportuna esta meditaccedilatildeo sobre a alma porque a alma participa da

razatildeo e da prudecircncia (como afirma Trismegisto no Ascleacutepio) como que Orizon da

eternidade e do tempo do inteligiacutevel e do nexo da natureza corpoacuterea e dos limites203

Ou como outros disseram suma de todo o mundo pois a natureza intermeacutedia

representa as extremas a superior como imagem a inferior como exemplar

A nossa alma eacute intermediaacuteria entre o eterno e o efeacutemero Acontece que a

doutrina da alma existe como um compecircndio de ciecircncia das coisas humanas e divinas e

prepara-nos para todo um outro conhecimento da verdade Mostra tambeacutem o brilhante

fruto desta contemplaccedilatildeo aquilo que Santo Agostinho afirma no livro 2 de A Ordem

capiacutetulo 8ordm Sem duacutevida que haacute duas questotildees principais em filosofia uma acerca da

alma outra acerca de Deus A primeira faz com que nos conheccedilamos a noacutes mesmos a

outra que conheccedilamos a nossa origem Aquela eacute-nos mais agradaacutevel esta eacute mais

gloriosa aquela torna-nos dignos de uma vida feliz esta torna-nos bem-aventurados

As coisas escritas acerca desta mateacuteria mostram agrave evidecircncia que a reflexatildeo

sobre a alma eacute proacutepria da grande estatura tanto dos Padres como dos filoacutesofos gentios

Com efeito Satildeo Dioniacutesio no capiacutetulo 4ordm de Os Nomes Divinos recorda que tinha

escrito acerca da alma S Justino filoacutesofo e maacutertir fez um livro sobre este mesmo

202 Lede cap7 lib12 da Metafiacutesica203 S Gregoacuterio de Nissa livro 1 De Homine cap 5 Plotino Eneacuteadas 4 livro 6 cap 3 S Tomaacutes livro 2 Contra os gentios cap 68 e livro 4 cap 55 Ficino livro 3 De immortalitate animae cap 2 Bessarion livro 2 Contra os Caluniadores cap 7 Pico no Heptaplo cap7

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 201

tema como refere S Jeroacutenimo no livro Escritores Eclesiaacutesticos Santo Agostinho

escreveu o livro A Imortalidade da Alma um outro A Grandeza da Alma e quatro livros

Sobre a Alma e a Sua Origem Satildeo Gregoacuterio de Nissa recordou uma longa disputa em

cartas trocadas entre si e Soror Macrina sobre A Alma e a Ressurreiccedilatildeo Tertuliano

compilou um livro sobre A Alma Na verdade jaacute os autores pagatildeos tinham escrito muita

coisa acerca dela Trismegisto Platatildeo Teofrasto Plotino Calciacutedio Proclo Jacircmblico

Tuacutelio e o autor da obra De sapientia secundum Aegyptios Aleacutem destes trecircs livros

Aristoacuteteles tambeacutem deixou outro sobre questotildees da alma que a iniquidade do tempo

destruiu

Testemunho de Temiacutestio sobre o valor dos livros de Aristoacuteteles sobre A Alma

Temiacutestio testemunha o grande cuidado com que esta obra foi elaborada e concluiacuteda por

Aristoacuteteles com as palavras seguintes do seu Proeacutemio uma vez que todos os escritos de

Aristoacuteteles satildeo de tal modo apreciados que a sua superioridade se torna motivo de

admiraccedilatildeo faacutecil natildeo existe nenhuma reflexatildeo na qual Aristoacuteteles tenha igualmente

mostrado a sublimidade e a forccedila do seu engenho como naquela em que aborda a noccedilatildeo

de alma quer se inquira uma infinidade de questotildees quer uma quantidade de coisas

beliacutessimas quer a subtileza da doutrina Os livros Sobre a Alma satildeo de tal modo assim

que parece que todas as coisas constantes do texto que respeitam a este geacutenero

existiram e foram feitas por um soacute homem

Duacutevida sobre a ordem destes livros entre as restantes partes da Fisiologia

Opotildee-se neste ponto que deve ser investigado em primeiro lugar o que eacute discutido

pelas opiniotildees dos inteacuterpretes que discordam quanto a saber que lugar esta ciecircncia

reclama entre as restantes partes da fisiologia pela ordem e pelo meacutetodo da doutrina

Resoluccedilatildeo Mas omitida disputa mais longa deve estabelecer-se com

Teofrasto segundo Temiacutestio livro 3 desta obra capiacutetulo 39ordm da sua Paraacutefrase e com

Satildeo Tomaacutes que os mais recentes geralmente adoptam que a ciecircncia da alma segue os

livros dos Meteoroloacutegicos e antecede toda a disciplina atinente aos seres animados Na

verdade como Satildeo Tomaacutes e Teoacutefilo advertiram no Proeacutemio desta obra tal como a

Fiacutesica eacute o exoacuterdio de toda a fisiologia porque conteacutem a explicaccedilatildeo integral dos

princiacutepios naturais eacute conveniente que o iniacutecio da reflexatildeo sobre os seres animados seja

o estudo da alma que eacute o princiacutepio comum dos animais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 202

Opiniatildeo de outros No entanto Alexandre de Afrodiacutesia no seu primeiro livro

sobre A Alma e Averroacuteis no livro 4 dos Meteoroloacutegicos trataram em primeiro lugar As

Partes dos Animais Primeiro porque a observaccedilatildeo da mateacuteria antecede a observaccedilatildeo da

forma com efeito as partes ou oacutergatildeos satildeo a mateacuteria e o substrato da alma Segundo

porque a alma eacute definida a partir do corpo orgacircnico foi preciso que Aristoacuteteles

declarasse em primeiro lugar por que eacute que a definiccedilatildeo progride a partir do

desconhecido

Refutaccedilatildeo Mas estes argumentos natildeo concluem Com efeito as partes

orgacircnicas dos animais de que Aristoacuteteles trata no livro As Partes dos Animais

respeitam em parte agrave mateacuteria visto que recebem em si as funccedilotildees corpoacutereas da alma e

as disposiccedilotildees satildeo necessaacuterias para a introduccedilatildeo da alma como expusemos no seu lugar

Mas como as partes orgacircnicas satildeo mais facilmente conhecidas do que a alma cuja

natureza eacute secreta e recocircndita natildeo deve avanccedilar-se em primeiro lugar sobre elas mas

antes sobre a alma como haacute pouco pretendiacuteamos dizer e como Aristoacuteteles chama a

atenccedilatildeo no primeiro capiacutetulo do livro primeiro da Fiacutesica e nos capiacutetulos 1ordm e 3ordm do livro

primeiro de As Partes dos Animais depois de Platatildeo no Fedro e de Hipoacutecrates no livro

A Natureza Humana

O que eacute geral deve ser tratado em primeiro lugar Em toda a disciplina

correctamente estabelecida devem ser primeiramente tratadas aquelas coisas que se

estendem de modo mais amplo em que haacute mais coisas gerais para natildeo sermos levados

a repetir as mesmas coisas muitas vezes Na verdade considera-se a alma mais ampla

do que as partes dos animais uma vez que estas apenas estatildeo nos animais e ela estaacute

presente em todos os seres vivos O exame da mateacuteria precede o exame da forma Se

algo postula a razatildeo da doutrina eacute que natildeo se defina a alma atraveacutes do corpo orgacircnico

do animal mas do corpo orgacircnico do ser vivo em geral Natildeo foi preciso que isto fosse

declarado por Aristoacuteteles antes da doutrina da alma visto que para compreender a

definiccedilatildeo de alma natildeo se requer um conhecimento distinto e absoluto do corpo orgacircnico

bastando um conhecimento pouco claro que possa ser facilmente comparado Na

verdade natildeo se exige menos a ciecircncia da alma para o conhecimento do corpo orgacircnico

do que o conhecimento do corpo orgacircnico para a ciecircncia da alma Por isso na definiccedilatildeo

a alma tambeacutem se acrescenta ao corpo orgacircnico uma vez que ele se define como aquilo

que foi afectado aos oacutergatildeos adequados para ir ao encontro das funccedilotildees da alma Pelo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 203

que eacute evidente que o argumento se algum peso tiver pode ser retorquido contra os

adversaacuterios

Primeira afirmaccedilatildeo sobre objecto destes livros Primeiro argumento Agora

examinemos qual eacute o objecto destes livros Veneto neste ponto e alguns do grupo de

filoacutesofos mais recentes estabelecem que natildeo eacute a alma mas o corpo animado Provam-

no em primeiro lugar porque esta doutrina eacute uma certa parte da fisiologia Eacute assim

necessaacuterio que a sua mateacuteria seja de maneira a que acerca dela se enuncie o objecto de

toda a fisiologia como uma parte inferior e menos extensamente evidente Poreacutem eacute

evidente que o ente moacutevel eacute assim chamado por causa do corpo animado e natildeo da alma

Depois porque ou foi aqui que Aristoacuteteles discutiu sobre o corpo animado ou

natildeo foi em lado nenhum Eacute absurdo que natildeo se tenha ocupado em lado nenhum Na

verdade tatildeo notaacutevel espeacutecie de ente natural natildeo pocircde ficar envolta em silecircncio por parte

do Filoacutesofo Portanto ocupou-se dessa espeacutecie nesta obra e por isso o corpo animado eacute

o objecto da obra

Terceiro Porque o objecto de cada disciplina eacute aquele em que primeiro e por

si convecircm as afecccedilotildees que nela satildeo investigadas Ora alimentar-se sentir mover-se

querer pensar e outras afecccedilotildees desta natureza sobre as quais se discute nestes livros

dizem respeito primeiro e por si natildeo agrave alma mas ao corpo animado uns em geral

outros no que lhe estaacute mais abaixo como diz Aristoacuteteles no capiacutetulo 4ordm do primeiro

livro texto 54 Por isso natildeo parece que se deva negar que o objecto desta obra eacute o

corpo animado

2ordf Afirmaccedilatildeo Mas alguns nobiliacutessimos peripateacuteticos Simpliacutecio Filoacutepono

Alexandre Temiacutestio Satildeo Tomaacutes Alberto Magno Egiacutedio Teoacutefilo Janduno Caetano o

Ferrariense e muitos outros seguem neste ponto a parte adversaacuteria em consenso comum

e consideram que o objecto destes livros eacute a alma204

1ordm Argumento O que em primeiro lugar se comprova porque conforme se

conclui do livro 1 dos Analiacuteticos Posteriores capiacutetulos 1ordm e 9ordm estabelece-se

rigorosamente como objecto de qualquer ciecircncia aquele cuja definiccedilatildeo eacute nela

investigado e tratado De facto Aristoacuteteles nesta obra interrogou-se sobre a definiccedilatildeo

natildeo de corpo animado mas de alma e assinalou que ele mesmo tinha dito no Proeacutemio

204 Apolinaacuterio Flandrense Toledo Javelo o Tienense

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 204

que fora essa a sua intenccedilatildeo Tambeacutem no livro sobre O Sentido e o Sensiacutevel gloria-se de

o ter realizado

2ordm Depois porque se o objecto desta disciplina fosse o corpo animado uma

vez que ele eacute uma categoria mais baixa da substacircncia o animal seria mais nobre do que

o corpo animado Seguir-se-ia indevidamente que esta ciecircncia em virtude da

excelecircncia do objecto e principalmente por causa da excelecircncia da alma racional seria

anteposta por Aristoacuteteles agraves restantes partes da fisiologia visto que com essa

designaccedilatildeo deveria ser preferida a ciecircncia que trata dos animais

3ordm Por uacuteltimo o tiacutetulo da proacutepria obra eacute favoraacutevel a esta afirmaccedilatildeo Com

efeito estes livros satildeo designados Пερι Ψυχης isto eacute Sobre a Alma

O que se deve afirmar Na duacutevida devemos afirmar que os livros Sobre a

Alma parece poderem ser vistos de duas formas Por si separadamente ou junto com os

chamados Pequenos Naturais que satildeo como que um seu complemento Se forem vistos

do primeiro modo a alma eacute o seu objecto se do segundo eacute o corpo animado205

Satildeo trecircs os livros sobre A Alma que estatildeo sobretudo consagrados a examinar e

a explicar por si a natureza da alma Satildeo atentamente examinadas as afecccedilotildees e as

propriedades dos seres vivos segundo a razatildeo da sua origem que provecircm da alma como

fonte e consoante servem para o seu conhecimento Tambeacutem na obra dos Pequenos

Naturais elas satildeo apresentadas agrave medida que o corpo e os seus oacutergatildeos satildeo objecto de

observaccedilatildeo Acontece deste modo que esta obra e os trecircs livros sobre A Alma expotildeem

o tratado inteiro do corpo animado

Responde-se aos argumentos da primeira afirmaccedilatildeo Ao 1ordm Os argumentos dos

adversaacuterios que tendiam a provar que os livros Sobre a Alma tomados por si tinham

como objecto o corpo animado satildeo facilmente afastados Ao primeiro deve negar-se

que seja necessaacuterio que o objecto da disciplina toda seja afirmado sobre os objectos das

partes De outro modo dir-se-ia que o ente moacutevel de sobre O Sentido e o Sensiacutevel e

tambeacutem de sobre A Respiraccedilatildeo e de sobre O Movimento dos Animais integra as

mateacuterias particulares de certos opuacutesculos da fisiologia aristoteacutelica Igualmente seria

necessaacuterio que a proposiccedilatildeo dos filoacutesofos que eacute objecto de toda a Loacutegica fosse exposta

simplesmente sobre o termo que eacute o objecto das Categorias E assim eacute suficiente que

205 Assim pensou Apolinaacuterio na mesma obra q2 a2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 205

os objectos das partes de cada ciecircncia estejam incluiacutedos de algum modo no objecto de

toda ela natildeo eacute necessaacuterio que estejam contidos nesse objecto numa ordem directa

Ao segundo deve dizer-se que Aristoacuteteles natildeo omitiu a explicaccedilatildeo sobre o

corpo animado mas que nos trecircs livros que escreveu sobre A Alma tratou do que a ela

diz respeito Sobre o corpo tratou como pocircde nos Pequenos Naturais

Ao terceiro argumento que as afecccedilotildees tratadas nos livros da Alma dizem

respeito primeiramente e por si agrave alma como sua fonte e origem ainda que como

Aristoacuteteles no ponto citado quer dizer somente satildeo enunciadas acerca de todo o

composto de acordo com o objecto principal

Avanccedilam-se argumentos para a 2ordf afirmaccedilatildeo Se todavia parecesse vantajoso

examinar a primeira afirmaccedilatildeo que embora pareccedila contraacuteria ao pensar comum natildeo eacute

improvaacutevel responda-se com os argumentos aduzidos contra a parte contraacuteria

1ordm Embora Aristoacuteteles nestes livros tenha investigado muito cuidadosamente a

definiccedilatildeo de alma e a tenha transmitido natildeo pendeu para isso sobretudo por causa da

alma mas por causa do corpo animado que ele examina como escopo da obra toda

Com efeito ele natildeo observou as faculdades da alma somente quanto ao seu princiacutepio

mas do modo como equipam todo o composto isto eacute o corpo animado Mais

2ordm A doutrina da alma eacute superior agraves restantes partes da filosofia natildeo porque

verse precisamente acerca do corpo animado em geral mas porque discute acerca da

alma racional que supera na dignidade da natureza as restantes formas da consideraccedilatildeo

fiacutesica

3ordm Por fim escreveu estes livros Sobre a Alma natildeo como sendo ela o seu

objecto principal mas a sua parte principal que por isso se pode chamar o objecto tal

como o corpo animado eacute o objecto conforme certos filoacutesofos dizem

Divisatildeo da obra Eis o que respeita agrave divisatildeo da obra No primeiro livro

Aristoacuteteles fala acerca da essecircncia da alma contra as opiniotildees dos antigos A partir da

sua proacutepria opiniatildeo nos capiacutetulos 1ordm e 2ordm do livro segundo a parte restante deste livro

trata das potecircncias da alma em geral das faculdades relativas agrave alma vegetativa dos

sentidos externos Trata do sentido interno nos primeiros trecircs capiacutetulos do livro

terceiro do intelecto do capiacutetulo quarto ao nono daiacute ateacute ao fim do livro trata do

movimento e de certas afecccedilotildees que dizem respeito agrave totalidade dos seres animados

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 206

QUESTAtildeO UacuteNICA

SE O ESTUDO DA ALMA INTELECTIVA RESPEITA Agrave DOUTRINA DA FISIOLOGIA OU NAtildeO

ARTIGO II

RESOLUCcedilAtildeO DE TODA A QUESTAtildeO

Trecircs consideraccedilotildees sobre a alma racional Para dar satisfaccedilatildeo agrave questatildeo

proposta deve notar-se que se pode considerar que a alma participa da razatildeo de trecircs

maneiras Uma quando se une ao corpo e nele executa as suas funccedilotildees Outra

consoante os atributos que lhe pertencem separada da mateacuteria como o estar no seu

preciso lugar o receber as espeacutecies do influxo superior da luz o pensar sem recurso aos

fantasmas e outras coisas desta natureza Terceira quanto agrave sua proacutepria natureza e

essecircncia

1ordf Conclusatildeo Posto isto eis a primeira conclusatildeo Nenhuma das trecircs

consideraccedilotildees anteriores sobre a alma diz respeito a uma uacutenica ciecircncia intermeacutedia entre

a filosofia primeira e a natural

Prova Esta conclusatildeo recomenda-se porque natildeo existe intermeacutedio naquele

geacutenero de filosofar pois a ciecircncia contemplativa divide-se perfeitamente em Natural

Metafiacutesica e Matemaacutetica como no Proeacutemio da Fiacutesica amplamente discutimos Nos seus

livros Aristoacuteteles natildeo fez menccedilatildeo alguma a uma disciplina intermeacutedia

Natildeo haacute uma abstracccedilatildeo meacutedia entre a fiacutesica e a metafiacutesica A isto natildeo obsta

que a alma seja o limite do ser corpoacutereo e do mundo inteligiacutevel como que um certo elo

Com efeito natildeo haacute qualquer meio entre estas duas extremas para que se reclame uma

abstracccedilatildeo meacutedia distinta daquelas que produzem uma variedade tripartida de filosofia

contemplativa como mostraacutemos no lugar citado

2ordf Conclusatildeo Eis a segunda conclusatildeo O primeiro modo de consideraccedilatildeo da

alma pertence por obrigaccedilatildeo agrave filosofia natural

1ordf Confirmaccedilatildeo Aprova-se esta conclusatildeo porque respeita ao fiacutesico examinar

o ente natural Respeita-lhe examinar o todo e as partes e a alma entendida deste modo

eacute parte do ente natural em acto do homem

2ordf Confirmaccedilatildeo Aleacutem disso porque as operaccedilotildees que a alma executa quando

estaacute no corpo dependem da mateacuteria e como tecircm conexatildeo com ela apenas recaem sob a

observaccedilatildeo do especialista que disserta sobre a mateacuteria isto eacute do fisioacutelogo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 207

3ordf Conclusatildeo A alma racional eacute a suprema entre as formas Eis a terceira

conclusatildeo A observaccedilatildeo da alma tomada do segundo modo transcende os fins da

fisiologia e pertence ao metafiacutesico Para compreender esta conclusatildeo deve observar-se

que a alma racional eacute a suprema entre as formas existentes na mateacuteria e conforme o

testemunho de Satildeo Dioniacutesio no capiacutetulo 7ordm de Os Nomes Divinos a parte mais elevada

do mais baixo toca na parte mais baixa do mais alto Quando se afasta do corpo ela

passa a seu modo para o estado das substacircncias separadas em conformidade com

aquelas afecccedilotildees que acima recordaacutemos as quais natildeo possuem comeacutercio com a

mateacuteria Este estado como ensina S Tomaacutes 1ordf parte da Suma Teoloacutegica questatildeo 79

artigo 1ordm natildeo lhe eacute natural mas preternatural Donde resulta que a discussatildeo sobre a

alma racional nesta acepccedilatildeo deve pertencer agrave mesma ciecircncia das inteligecircncias

completamente livres da contaminaccedilatildeo da mateacuteria

Prova da 3ordf conclusatildeo A conclusatildeo jaacute proposta demonstra-se porque

examinar as coisas que estatildeo separadas da mateacuteria real e racionalmente diz respeito

somente ao filoacutesofo primeiro Ora as afecccedilotildees que concernem agrave alma na medida

precisamente em que ela subsiste fora da mateacuteria satildeo deste modo como seraacute evidente

ao observador

4ordf Conclusatildeo Eis a quarta conclusatildeo Investigar a natureza e a essecircncia da

alma que era o terceiro exerciacutecio acerca da alma respeita ao filoacutesofo natural

1ordf Prova A verdade desta conclusatildeo convence porque a alma pela sua noccedilatildeo e

natureza eacute a forma do corpo daiacute que seja explicada por definiccedilatildeo essencial quando eacute

chamada acto primeiro do corpo orgacircnico Donde acontece que para o seu

conhecimento requer necessariamente a mateacuteria As realidades que a possuem

integram-se nos limites da investigaccedilatildeo fiacutesica tal como a proacutepria mateacuteria como ensina

Aristoacuteteles no livro segundo da Fiacutesica capiacutetulo 2ordm texto 22 que examinar a forma e a

mateacuteria compete ao mesmo especialista porque eacute evidente que se requerem

mutuamente como consta do mesmo livro e capiacutetulo texto 26

2ordf Estabelece-se a mesma conclusatildeo depois porque uma vez que o homem eacute

uma parte integrante do ente moacutevel cujo conhecimento o fiacutesico daacute a conhecer e uma

vez que a essecircncia do homem natildeo pode ser conhecida a natildeo ser que se chegue ao

conhecimento da alma atraveacutes da qual ele se constitui no seu proacuteprio grau e espeacutecie

pretende-se que indagar a essecircncia da alma diga respeito agrave filosofia natural

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 208

3ordf Eacute assim porque se crecirc que aquela definiccedilatildeo indistintamente divulgada de

homem lsquoo homem eacute um animal constituiacutedo por um corpo e uma alma que participa da

razatildeorsquo natildeo foi transmitida e inventada por outrem senatildeo pelo filoacutesofo natural

Duacutevida Perguntar-se-aacute na perspectiva em que se examina a alma como algo

de imaterial subsistente por si inteligiacutevel que atributos satildeo de tal modo intriacutensecos agrave

alma que tanto na mateacuteria como fora dela lhe correspondam Perguntar-se-aacute digo se

uma consideraccedilatildeo desse tipo eacute fiacutesica ou antes eacute metafiacutesica

Responde-se agrave duacutevida A esta duacutevida deve responder-se que se estes

predicados forem tomados natildeo em toda a sua amplitude mas restritos ao grau proacuteprio e

especiacutefico da alma racional de tal modo que sejam reciacuteprocos com ela sem duacutevida que

o estudo do imaterial do subsistente por si e do inteligiacutevel pertence agrave fiacutesica visto que

conhecer a natureza proacutepria e particular da alma racional pertence agrave doutrina da

fisiologia como a seguir consideramos Se poreacutem forem tomados de maneira comum

que tanto se adequacuteem agrave alma como agraves inteligecircncias entatildeo eacute metafiacutesica Porque incumbe

ao metafiacutesico examinar a substacircncia a relaccedilatildeo a qualidade e as paixotildees do ente como

conceitos comuns e gerais tal como mostraacutemos no ponto citado Eacute por isso que eles

embora em parte estejam presentes na mateacuteria satildeo todavia em si indiferentes ainda

que estejam na mateacuteria Assim tambeacutem conhecer o inteligiacutevel por si subsistente e

imaterial em comum eacute da competecircncia do metafiacutesico Porque ainda que esses

predicados digam respeito agrave alma racional cujo conhecimento da essecircncia proacutepria e

reciacuteproca pertence ao fisioacutelogo em si eles dizem respeito indiscriminadamente agrave alma e

agraves inteligecircncias que natildeo possuem nenhuma conjunccedilatildeo com a mateacuteria

A ALMA DE ARISTOacuteTELES

LIVRO I

EXPLICACcedilAtildeO DO CAPIacuteTULO I206

a cum omnem ndash 402 a1- As coisas que suscitam o apetite de saber Existem

acima de tudo duas coisas que tornam as almas dos homens mais inclinadas a aprender e

as despertam de maneira veemente a dignidade da ciecircncia e o meacutetodo correcto de

ensinar A dignidade da ciecircncia inclui por sua vez mais trecircs A certeza a superioridade

do objecto e a utilidade Aristoacuteteles expotildee-nas todas neste Proeacutemio Natildeo passou

206 Trad MCC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 209

entretanto em silecircncio a dificuldade da mateacuteria acolhida quer porque ela tambeacutem

impele o observador a natildeo permanecer no oacutecio como advertem os inteacuterpretes Gregos

quer para que ningueacutem exija maior evidecircncia em mateacuteria difiacutecil e profunda como a

semelhante de que a natureza do assunto padece quer finalmente para ordenar desde o

iniacutecio aos espiacuteritos que natildeo sejam rudes e indolentes

Por que razatildeo os Filoacutesofos escreveram obscuramente acerca da natureza Por isso os

velhos mestres da filosofia tiveram isso fortemente em vista de maneira que em virtude

da insuficiecircncia das palavras envolveram os misteacuterios da natureza nos veacuteus dos

enigmas considerando o valor da obra que produzem se com aquele argumento

afastarem os vagarosos e os pouco aptos a ouvir da indagaccedilatildeo das coisas excelentes e

ocultas

b Bonam ac honorabilem ndash 402 a1 A noccedilatildeo de bem e de excelente O bem e o

excelente convecircm na realidade e diferem pela razatildeo conforme Simpliacutecio escreveu Na

verdade o que concerne ao apetite eacute chamado bom tal como o que concerne agrave

excelecircncia excelente e por isso desejamos as coisas boas e temos por excelente as

superiores

Um e outro pertencem agrave ciecircncia Daacute-se a conveniecircncia entre eles mas a noccedilatildeo do bem

pertence a toda a ciecircncia porque o bem no primeiro livro da Eacutetica capiacutetulo 1ordm eacute aquilo

que todas as coisas desejam Mas em todos os homens eacute inato o desejo da ciecircncia livro

1 da Metafiacutesica capiacutetulo 1ordm Pertence tambeacutem agrave ciecircncia a noccedilatildeo de excelente porque os

homens se elevam e satildeo superiores no ofiacutecio da ciecircncia quer aos animais quer uns aos

outros entre si como no livro 4 da Poliacutetica capiacutetulo 4ordm Aristoacuteteles ensina quando

enumera a ciecircncia entre as espeacutecies da nobreza

Objecccedilatildeo Mas haacute quem objecte que Aristoacuteteles parece ter mudado de opiniatildeo Na

verdade no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 12ordm afirma que a excelecircncia somente eacute devida agraves

coisas divinas mas que o louvor eacute devido agrave virtude e aos feitos excelentes Mas neste

ponto tambeacutem cede agrave doutrina apresentando a excelecircncia

Soluccedilatildeo Deve responder-se que na Eacutetica se ocupou com a excelecircncia de maneira

diferente da maneira em que o faz aqui Na Eacutetica fala da excelecircncia de forma

inteiramente concisa como conveacutem agraves coisas mais elevadas natildeo por comparaccedilatildeo mas

em absoluto como satildeo as coisas divinas E aqui fala acerca daquilo que se refere aos

assuntos humanos consoante a sua respectiva maior ou menor superioridade

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 210

(hellip)

g At vero ndash 402 a 10 ndash A modeacutestia de Aristoacuteteles ao escrever Diz acerca da

alma ser muito difiacutecil estabelecer aquilo que ela possui de certo e seguro Nisso

conforme escreveu Teoacutefilo imita a modeacutestia de Platatildeo que dizia que natildeo havia de trazer

as palavras exactas sobre o mundo nem como aqueles que diziam que sabiam todas as

coisas nem como aqueles que natildeo concordavam que pudessem saber alguma coisa mas

no caminho intermeacutedio que anda entre a confianccedila e a desconfianccedila Aristoacuteteles diz

pois que eacute dificiacutelimo estabelecer alguma coisa acerca da natureza da alma porque

primeiro sobre o proacuteprio meacutetodo de investigar a definiccedilatildeo pela qual se declara a

essecircncia da coisa subsiste uma questatildeo embora comum a outras doutrinas A questatildeo

ambiacutegua consiste em saber se este meacutetodo eacute a uacutenica via e razatildeo de demonstraccedilatildeo ou se

haacute mais

Trecircs caminhos de investigar a definiccedilatildeo Se for uacutenico eacute difiacutecil dele natildeo se afastar Se

forem vaacuterios natildeo seraacute menos laborioso para cada coisa distinguir convenientemente a

que eacute proacutepria visto que discernir os geacuteneros e as diferenccedilas das coisas singulares eacute feito

com grande labor Aleacutem disso Platatildeo estabeleceu a divisatildeo como meacutetodo de encontrar a

definiccedilatildeo no Sofista Aristoacuteteles no segundo dos Analiacuteticos Posteriores sobretudo a

composiccedilatildeo e Hipoacutecrates a argumentaccedilatildeo Nesta mateacuteria natildeo deve analisar-se por que

se deteacutem neste ponto porque esse eacute o trabalho do dialeacutectico

PROEacuteMIO DO LIVRO SEGUNDO

DO TRATADO DA ALMA DE ARISTOacuteTELES207

Rebatidas no final do primeiro livro as opiniotildees dos filoacutesofos antigos

Aristoacuteteles passa a explicar o seu pensamento acerca desse assunto Executa-o

acuradamente parte neste livro parte no terceiro Divide-se o presente livro em quatro

partes A primeira discute a natureza da alma e a sua essecircncia nos capiacutetulos primeiro e

segundo A segunda a divisatildeo comum e a primeira divisatildeo das faculdades da alma no

capiacutetulo terceiro A terceira as funccedilotildees e as faculdades da alma vegetativa no capiacutetulo

4ordm A uacuteltima as potecircncias e funccedilotildees da alma sensitiva do quinto ao uacuteltimo capiacutetulo

207 Trad MCC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 211

PROEacuteMIO DO TERCEIRO LIVRO

DO TRATADO DA ALMA DE ARISTOacuteTELES208

Apoacutes ter indagado no primeiro livro com base na opiniatildeo dos filoacutesofos

antigos natildeo tanto o que eles pensavam mas o que se deveria pensar sobre a natureza da

alma e de no segundo ter proposto a definiccedilatildeo de alma coligida e descoberta por si e

ter dissertado acuradamente acerca das suas potecircncias e funccedilotildees Aristoacuteteles investiga

agora natildeo com menos diligecircncia e cuidado neste livro que se encontra dividido em

quatro partes as questotildees concernentes agrave divisatildeo do assunto

Divisatildeo deste livro em quatro partes Na primeira que se perfaz num soacute

capiacutetulo trata do nuacutemero dos sentidos externos acerca dos quais disputou um a um no

livro anterior Na segunda contida em dois capiacutetulos aborda o tratado dos sentidos

internos Na terceira discute sobre o intelecto desde o quarto ateacute ao oitavo capiacutetulos

Na quarta do capiacutetulo nono ateacute ao fim do livro aprofunda o princiacutepio da marcha dos

animais

Dissiacutedio sobre o exoacuterdio do terceiro livro Entre os comentadores subsiste

muita discussatildeo acerca do exoacuterdio deste livro Na verdade Averroacuteis Alberto Magno

Egiacutedio e Caetano pretendem que os trecircs primeiros capiacutetulos concernem ao segundo

livro iniciando-se este no quarto capiacutetulo Filoacutepono Temiacutestio Simpliacutecio Boeacutecio Satildeo

Tomaacutes Teoacutefilo Argiroacutepolo e outros seguem a nossa divisatildeo que eacute a preferida pelos

exemplares gregos e que eacute hoje em dia vulgarmente acolhida

LIVRO II CAPIacuteTULO IQUESTAtildeO VI

SE A ALMA INTELECTIVA Eacute VERDADEIRA FORMA DO HOMEM OU NAtildeO209

ARTIGO II

NAtildeO PODE NEGAR-SE QUE A ALMA INTELECTIVA Eacute VERDADEIRA E PROPRIAMENTE FORMA DO

HOMEM

Afirmaccedilatildeo de Platatildeo Sobre esta questatildeo temos primeiro a afirmaccedilatildeo de

Platatildeo210 em Alcibiacuteades I dizendo que a alma intelectiva natildeo se junta ao corpo como

uma forma agrave mateacuteria mas apenas como o motor para o moacutevel e que a alma de Soacutecrates

208 Trad MCC209 Trad MCC210 Sobre esta afirmaccedilatildeo de Platatildeo Aristoacuteteles neste livro cap 1 texto 21 Temiacutestio cap 2 Filoacutepono cap 1 S Gregoacuterio Nisseno livro 2 Sobre a Alma cap 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 212

estaacute para Soacutecrates como o piloto para o navio visto que o governa com o artifiacutecio da

razatildeo e da inteligecircncia move o corpo como que um leme inflecte e modera as suas

acccedilotildees (embora natildeo falte quem afirme que Platatildeo natildeo nega que a alma intelectiva eacute

forma do corpo mas que enforma o corpo como as restantes formas que estatildeo de tal

modo unidas aos corpos que natildeo podem existir fora deles)

Reconduzido ao bom-senso por alguns Parece que Anaxaacuterco pensou como Platatildeo uma

vez que Fiacutelon o Judeu lembra no livro que intitulou Quod omnis probus liber est que

ele foi arremessado para um almofariz de rocha por Nacreonte tirano de Chipre e aiacute

por diversas vezes esmagado com martelos de ferro de novo o ataca e esmaga esmaga o

invoacutelucro de Anaxaacuterco mas sem esmagar Anaxaacuterco Com aquelas palavras indica que o

corpo externo que o homem eacute natildeo pertence agrave sua natureza

Quem negou que a alma fosse forma do homem segundo qualquer grau Depois

Simpliacutecio livro 1 no texto seacutetimo desta obra afirma que a alma natildeo eacute forma do

homem tambeacutem Filoacutepono texto 11 Temiacutestio livro 2 capiacutetulo 27ordm Averroacuteis livro 3

comentaacuterio 5 um certo Pedro Joatildeo referido por Guido Carmelita no seu livro De

haeresibus Parece que alguns consideram o mesmo por volta do ano 1300 da nossa

salvaccedilatildeo como se compreende do Conciacutelio de Viena sob Clemente V o que eacute referido

na Clementina lsquoAd nostrum de summa Trinitate et fide Catholicarsquo Tambeacutem noutra data

Leatildeo X como indica o Conciacutelio de Latratildeo sob o mesmo sessatildeo 8

Quem negou que o fosse apenas segundo o grau intelectivo Finalmente houve quem

pensasse que a alma do homem segundo o grau intelectivo natildeo eacute forma do corpo mas

apenas dada a disposiccedilatildeo uma faculdade de nutrir e de sentir cujas funccedilotildees dependem

directamente da mateacuteria e lhe satildeo inerentes Caetano parece ser claro nisto 1ordf parte da

Suma Teoloacutegica questatildeo 76 artigo 1ordm na resposta ao 1ordm

Primeira conclusatildeo Seja no entanto nesta discussatildeo a primeira conclusatildeo

Natildeo pode negar-se que a alma intelectiva eacute verdadeira e proacutepria forma do homem e do

seu corpo que enforma Esta conclusatildeo demonstra-se com os seguintes argumentos Eacute

necessaacuterio que o princiacutepio das operaccedilotildees de qualquer coisa natural seja a sua forma mas

qualquer de noacutes experimenta que intelige que sente e que produz outras funccedilotildees deste

geacutenero Portanto eacute preciso que exista em noacutes uma forma pela qual persistam as

referidas operaccedilotildees Essa forma natildeo eacute outra senatildeo a alma intelectiva visto que no

mesmo composto natildeo podem existir vaacuterias formas substanciais como mostraacutemos no

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 213

livro 1 de A Geraccedilatildeo e a Corrupccedilatildeo211 Logo a alma intelectiva eacute a verdadeira forma do

homem

Nada age a natildeo ser enquanto estaacute em acto A premissa maior eacute evidente

porque nada age a natildeo ser enquanto estaacute em acto e de facto uma coisa natildeo estaacute em

acto nas coisas fiacutesicas a natildeo ser atraveacutes da forma natural visto que a mateacuteria eacute pura

potecircncia e natildeo possui nenhuma faculdade efectivadora Este argumento quase foi

acolhido por Aristoacuteteles no capiacutetulo 2ordm daquele livro Satildeo Tomaacutes na 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 76 artigo 1ordm e Durando no 2ordm livro das Sentenccedilas distinccedilatildeo 17

questatildeo 1 crecircem que nenhum argumento pode ser mais eficazmente produzido para

confirmar o assunto proposto a partir das fontes da filosofia

Segundo argumento Confirma-se o mesmo deste modo A verdadeira forma

de uma coisa eacute o que constitui a coisa numa certa espeacutecie e a separa das outras Assim eacute

a alma intelectiva no que respeita ao homem Eacute portanto a sua verdadeira forma

Prova-se a premissa menor Com efeito o homem tem a mateacuteria em comum com os

animais e outros compostos sublunares e natildeo pode mercecirc da mateacuteria distinguir-se deles

em espeacutecie ou obter uma certa espeacutecie Resta entatildeo que isso cabe justamente agrave alma

intelectiva

Contra Platatildeo Terceiro Que a alma intelectiva natildeo existe para o corpo apenas

como motor mas como seu acto e forma demonstra-se assim O moacutevel natildeo recebe o ser

do motor mas soacute o movimento Portanto se a alma se une ao corpo somente como

motor o corpo seraacute seguramente movimentado por ela mas natildeo recebe dela o ser Por

isso como viver eacute um certo ser da coisa viva o corpo natildeo vive atraveacutes da alma o que eacute

claramente falso Outro Embora o navio se corrompa o marinheiro todavia conserva

ilesas as operaccedilotildees do homem Tambeacutem a nossa alma largamente afecta ao corpo natildeo

pratica as suas acccedilotildees sem erro e sem viacutecio como acontece agrave vista nos eacutebrios e

freneacuteticos Portanto a alma natildeo estaacute para o corpo como o marinheiro para o navio

Acrescente-se que o homem eacute gerado com a junccedilatildeo da alma e morre com o seu

afastamento o que de modo algum acontece com o contacto do marinheiro com o

navio e do motor com a coisa movida e igualmente com o seu afastamento

Segundo a doutrina de Aristoacuteteles a alma intelectiva eacute a forma do homem

Quarto Pode demonstrar-se que segundo a doutrina de Aristoacuteteles a alma intelectiva eacute a

211 Cap 4 questatildeo 25

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 214

verdadeira forma do homem Primeiro porque na definiccedilatildeo pela qual define a alma

como o acto ou forma do corpo compreende a alma em geral como ele proacuteprio aiacute

declara e portanto tambeacutem a intelectiva Tambeacutem porque demonstraraacute no capiacutetulo a

seguir que a alma eacute acto ou forma do corpo por ser aquilo por que primeiramente

vivemos nos movemos localmente e inteligimos Incluiu neste raciociacutenio a alma

intelectiva com palavras claras pois somente atraveacutes dela inteligimos Ele natildeo o quis

dizer de forma menos clara no livro 12 da Metafiacutesica capiacutetulo 3ordm texto 17 no momento

em que levantava a questatildeo sobre o modo como a causa formal natildeo precede aquilo de

que eacute causa e por isso natildeo subsiste quando isso perece Responde que natildeo parece

obstar que subsista em alguns como na alma que participa do intelecto E assim

enumera a alma humana entre as formas Acontece que segundo a sua opiniatildeo uma

pessoa eacute formada de corpo e de alma como eacute evidente a partir do que ensinou no

capiacutetulo primeiro deste livro texto 7 inequivocamente dissertando a respeito de toda a

alma que da alma intelectiva e do corpo natildeo se faria um a natildeo ser que ela fosse a forma

e o acto do corpo conservando assim ambos entre si a proporccedilatildeo que eacute medianeira da

unidade

Quinto Para natildeo disputarmos com razotildees somente fiacutesicas que a alma do

homem eacute a sua verdadeira e proacutepria forma ensina-o a feacute ortodoxa mais certa do que

toda a filosofia O conciacutelio Vienense definiu-o primeiro sob Clemente V cujo decreto

lemos na Clementina uacutenica De summa Trinitate sect 2 com as palavras a seguir

Condenamos e reprovamos toda a doutrina ou posiccedilatildeo que afirma sem razatildeo e

tendendo para a duacutevida que a substacircncia da alma racional ou intelectiva

verdadeiramente e por si natildeo eacute forma do corpo humano como erroacutenea inimiga da

verdade catoacutelica conforme aprovou o referido sagrado Conciacutelio definindo que quem

antecipadamente ousou anunciou ou pertinazmente susteve que a alma racional ou

intelectiva natildeo eacute forma do corpo humano por si essencialmente deve ser declarado

hereacutetico Donde o proacuteprio Conciacutelio de Latratildeo sob Leatildeo X estabeleceu o seguinte na

sessatildeo 8 onde estatildeo escritas as seguintes palavras Condenamos e reprovamos todos os

que afirmam que a alma intelectiva eacute mortal e uma soacute para todos os homens e os que

potildeem em duacutevida estas afirmaccedilotildees visto que ela existe verdadeiramente por si natildeo soacute

essencialmente como forma do corpo humano verdadeiro e imortal mas tambeacutem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 215

multiplicaacutevel singularmente pela multiplicidade dos corpos em que eacute infundida Natildeo soacute

foi multiplicada mas deve multiplicar-se

Segunda conclusatildeo A alma humana natildeo soacute quanto ao grau sensitivo e

vegetativo e aos restantes superiores mas tambeacutem quanto ao grau intelectivo eacute

verdadeira e propriamente forma do homem Prova-se isto porque dado que

compreendemos as formas das coisas por meio das operaccedilotildees e eacute proacuteprio do homem

inteligir e raciocinar eacute necessaacuterio que a alma racional mostre tambeacutem quanto agravequele

grau do qual provecircm essas acccedilotildees que eacute verdadeira e proacutepria forma do homem

Segundo porque a alma intelectiva no presente estado da vida experimenta todo o

conhecimento atraveacutes dos sentidos e no que diz respeito tambeacutem ao uso das espeacutecies

pelo menos da maior parte depende do corpo pois eacute necessaacuterio que o que intelige

considere os fantasmas O que certamente natildeo aconteceria se natildeo houvesse tambeacutem

quanto ao grau intelectivo uma relaccedilatildeo com o corpo enformando-o de facto pois essa

dependecircncia quanto agrave operaccedilatildeo somente tem origem no nexo natural entre a alma e o

corpo Terceiro Porque se a alma humana no referido grau natildeo estivesse ligada ao

corpo como sua forma nada conduziria a composiccedilatildeo do corpo ateacute agrave perspicaacutecia do

espiacuterito e a experimentar as acccedilotildees da intelecccedilatildeo cujo contraacuterio a experiecircncia ensina

como acima argumentaacutevamos Quarto O mesmo se estabelece porque tal como os

Conciacutelios de Viena e de Latratildeo decretaram de modo inequiacutevoco a alma intelectiva eacute

verdadeiramente e por si forma do corpo humano no grau de inteligir a alma

intelectiva obteve o seu ser proacuteprio e particular sendo inquestionaacutevel que este decreto

acerca da alma deve ser compreendido nestes termos no que toca a esse grau

Contestaccedilatildeo a alguns filoacutesofos mais recentes que pensam incorrectamente

Terceira conclusatildeo Natildeo soacute foi ratificado pela feacute mas tambeacutem se conclui pela razatildeo

natural que a alma intelectiva eacute verdadeiramente e por si forma do corpo

Estabelecemos esta conclusatildeo contra certos filoacutesofos mais recentes que afirmam

incorrectamente que apenas pela feacute se sustenta que a alma racional eacute forma do corpo e

que ela eacute ao mesmo tempo imortal como se de facto com base nas opiniotildees da

filosofia natildeo pudesse nenhuma forma do corpo subsistir fora da mateacuteria Compreende-

se o seu engano porque no que respeita agrave imortalidade o Conciacutelio de Latratildeo

estabeleceu claramente que a alma humana tambeacutem eacute imortal segundo a filosofia o que

mostramos de caminho com argumentos filosoacuteficos Aleacutem disso no que respeita agrave

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 216

noccedilatildeo de forma eacute evidente a partir da discussatildeo anterior que tambeacutem sem a luz da feacute

naturalmente se conclui e se convence com base no que dissemos que a alma intelectiva

eacute desde logo forma do corpo humano

TRATADO DA ALMA SEPARADA

Proeacutemio212

Uma vez que nos livros anteriores Aristoacuteteles natildeo disse nada acerca da alma

separada relativamente agrave qual versam muitas e graves questotildees entre os filoacutesofos e os

teoacutelogos cuja explicaccedilatildeo e entendimento natildeo eacute menos necessaacuterio quanto interessante

consideramos que o meacuterito da obra justifica agora esta disputa ainda que a consideraccedilatildeo

do que precisamente diz respeito agrave alma enquanto estaacute fora do corpo pertenccedila mais ao

metafiacutesico do que ao fiacutesico como realccedilaacutemos no Proeacutemio do primeiro livro

Qual eacute o escopo desta obra Dado que a ciecircncia da alma natildeo poderia ficar

concluiacuteda sem este tratado como que suplementar e talvez nos livros da Filosofia

Primeira de Aristoacuteteles este comentaacuterio natildeo tenha lugar oportuno decidimos assim

acrescentar um tratado deste tipo aos livros anteriores em vez de o rejeitar

Disputaremos as questotildees que dizem respeito a ambos os estados da alma a saber os

que respeitam indiferentemente agrave separaccedilatildeo e agrave enformaccedilatildeo tais como se porventura as

almas racionais satildeo subsistentes se satildeo criadas por Deus ou se o satildeo do modo como

foram analisadas no capiacutetulo primeiro do livro segundo desta obra

O assunto deste tratado Adiante estatildeo agrave disposiccedilatildeo o objecto e a mateacuteria deste

tratado a que chamam o assunto em consideraccedilatildeo nomeadamente a alma racional

examinada segundo a separabilidade do corpo a qual como razatildeo formal decerto as

restantes ciecircncias particulares relativamente agraves suas mateacuterias natildeo acrescentam mas

supotildeem Na verdade comum a todas eacute a metafiacutesica agrave qual sobretudo diz respeito este

tratado como haacute pouquinho dissemos quer a si quer agraves outras que investiguem acerca

do assunto Sendo assim demonstremos a separabilidade da alma na primeira disputa a

seguir A paixatildeo na verdade consiste em poder ser operada sem o corpo Natildeo eacute de

admirar se por uma dada parte positiva natildeo se daacute a paixatildeo ao contraacuterio eacute necessaacuterio que

212 Trad MCC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 217

ela se decirc porque o seu sujeito encontra-se particularizado pela parte da razatildeo formal

isto eacute da separaccedilatildeo como se depreende do que se segue

Divisatildeo Este tratado divide-se em seis disputas A primeira diz propriamente respeito agrave

natureza da alma dado que nela se discute a imortalidade e a sua distinccedilatildeo das outras

substacircncias separadas A segunda afirma o modo como a alma existe fora do corpo

referem-se as outras para explicar a operaccedilatildeo A terceira discute sobre as disposiccedilotildees

das potecircncias cognoscentes suas espeacutecies e haacutebitos A quarta sobre o proacuteprio acto de

conhecer A quinta sobre o objecto do conhecimento A sexta sobre o movimento local

TRATADO SOBRE ALGUNS PROBLEMAS RELATIVOS AOS CINCO SENTIDOS DIVIDIDO PELO MESMO

NUacuteMERO DE SECCcedilOtildeES213

PRIMEIRA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS Agrave FACULDADE DE VER

Depois do estudo de cada um dos sentidos vamos explorar brevemente alguns

problemas a eles relativos como fizemos noutros passos dos nossos comentaacuterios

quando era necessaacuterio E assim comeccedilando pela visatildeo perguntamos

1ordm problema Por que razatildeo eacute que de todas as partes do feto os olhos satildeo os

uacuteltimos a aperfeiccediloar-se

Resposta Porque a natureza costuma traccedilar em primeiro lugar por assim

dizer os contornos dos membros (embora natildeo de todos ao mesmo tempo como

dissertaacutemos abertamente nos livros Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo) e soacute depois forma

distintamente cada um deles tal como os pintores gizam um primeiro esboccedilo com

linhas que depois matizam com cores e aperfeiccediloam Ensina de facto Aristoacuteteles no

segundo livro Sobre a geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 4 que os olhos satildeo finalizados em

uacuteltimo lugar214 Mas a causa dessa circunstacircncia que aduzimos na questatildeo eacute porque o

oacutergatildeo dos olhos eacute no iniacutecio huacutemido e frio e soacute ao fim de longo tempo amadurece

consolida e estabiliza Por isso os olhos no iniacutecio satildeo maiores em proporccedilatildeo agrave sua

dimensatildeo futura mas depois vatildeo-se contraindo paulatinamente no que diz respeito agraves

espeacutecies da terra da aacutegua e do ar como afirma Aristoacuteteles Comprova-se relativamente

213 Trad FM Na verdade satildeo cinco sentidos e seis secccedilotildees uma vez que se introduz um capiacutetulo sobre a voz e os sons (N do T)214 Pliacutenio no livro 2 cap 37 ensina que os olhos se formam muito mais tarde e morrem primeiro

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 218

agrave evoluccedilatildeo da natureza que o seu autor eacute Deus que se gerou a si proacuteprio no universo

tal como formou muito depois as luzes do ceacuteu e do mesmo modo haacute-de fazer-se

desaparecer antes do ocaso do proacuteprio mundo

2 O olho eacute ou natildeo de natureza iacutegnea

Resposta Que eacute de natureza iacutegnea foi a opiniatildeo de Platatildeo no Timeu de

Calciacutedio nos comentaacuterios a esse mesmo livro de Ficino no livro Sobre a vontade

capiacutetulo 4 e de Galeno no livro 10 De usu partium E isto pode ser demonstrado

porque o olho participa na luz que eacute de natureza celeste e iacutegnea Por outro lado a

posiccedilatildeo contraacuteria que afirma que o olho eacute de natureza aquosa e natildeo iacutegnea eacute

Peripateacutetica como consta dos locais que daqui a pouco vamos apresentar e os humores

a partir dos quais se desenvolve atestam a sua verdade porque se aproximam mais do

caraacutecter da aacutegua bem como o defluxo das laacutegrimas do temperamento huacutemido e frio

Sobre isto falaremos depois E natildeo levantam qualquer obstaacuteculo a luz e a transparecircncia

ingeacutenitas pois estas natildeo satildeo companheiras apenas da natureza iacutegnea como se torna

evidente no cristal e noutros casos Leia-se tambeacutem Aristoacuteteles na secccedilatildeo 31 dos

Problemas 23 e sobre este problema mais largamente Scaliacutegero na Exercitaccedilatildeo 297

nuacutemero 3

3 Por que eacute que a pupila eacute de natureza aquosa quando mais parecia dever ser

aeacuterea visto que o ar eacute mais transparente e mais adequado para receber as espeacutecies das

coisas visiacuteveis

Resposta Que eacute de natureza aquosa ensina Aristoacuteteles no livro Sobre o

sentido e o sensiacutevel capiacutetulo 2 e no livro 2 Sobre as partes dos animais capiacutetulo 10

bem como no livro 1 Sobre a Geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 6 e de facto conveacutem que

assim seja Pois como o ar se dissipa mais facilmente natildeo se funde adequadamente e

natildeo chega a ser apropriado para conservar as espeacutecies por isso a pupila deve ser

preferivelmente aquosa e natildeo aeacuterea para que natildeo [as] receba com dificuldade e [as]

retenha de forma conveniente

4 Por que motivo a uacutevea coacuternea se apresenta a seguir ao humor cristalino

Resposta Porque ela eacute opaca e densa e sendo opaca conserva natildeo soacute pelas

imagens que reteacutem mas tambeacutem pelas que reproduz numa repercussatildeo ponderada De

facto eacute evidente que as imagens ressaltam do olho visto que cada um se revecirc no olho

do outro como num espelho

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 219

5 Por que razatildeo o humor cristalino natildeo tem uma forma perfeitamente esfeacuterica

mas no que diz respeito agrave pupila eacute mais compacto e mais plano

Resposta Para que natildeo seja facilmente extraiacuteda do humor viacutetreo por golpes ou

choques violentos como adverte Galeno no livro 10 De usu partium De facto a

conexatildeo e o posicionamento nas coisas absolutamente redondas satildeo mais falaciosos do

que naquelas que tecircm uma forma mais plana

6 Por que eacute que os peixes pelo menos grande parte deles tecircm os olhos

imoacuteveis

Resposta Eacute possiacutevel distinguir e admirar uma grande variedade de olhos que

vai desde a seacuterie privada de vista que existe nas ostras ateacute aos olhos da aacuteguia Em

alguns animais estatildeo de facto descobertos como nos caranguejos em outros ora estatildeo

fechados ora estatildeo abertos como nos homens Em alguns satildeo duros como nas lagostas

Em outros satildeo moles como acontece na maioria Em alguns satildeo voluacuteveis como em

quase todos os casos mas em outros estatildeo imobilizados dentro das suas oacuterbitas como

nos peixes Eacute evidente que o autor da natureza procurou esta variedade em funccedilatildeo da

beleza do mundo onde nada existe sem cuidado nem providecircncia Natildeo foi necessaacuterio

aos peixes mover os olhos no seu elemento onde estatildeo menos expostos a agressotildees

Nem foi preciso conferir uma igual condiccedilatildeo a todos os animais para que cumprissem a

sua funccedilatildeo

7 Por que motivo o branco do olho que estaacute cheio de sangue eacute viscoso e

espesso

Resposta Para que possa (diz Aristoacuteteles no livro Sobre o sentido e o sensiacutevel

capiacutetulo 2) conservar-se distendido Eacute tambeacutem por esta razatildeo porque o olho entre todas

as partes do corpo eacute o mais indiferente ao frio como tambeacutem se afirma na secccedilatildeo 31

dos Problemas 23 pois essa viscosidade impede o ingresso do ar penetrante De facto

os animais exangues tecircm uma pele mais dura nos olhos atraveacutes da qual se protegem dos

danos

8 Eacute ou natildeo por causa dos olhos que a cabeccedila se situa na parte mais alta [do

corpo]

Resposta Galeno no oitavo livro De usu partium seguiu a parte afirmativa e

o fundamento desta opiniatildeo eacute o facto de a elevaccedilatildeo da cabeccedila natildeo parecer necessaacuteria

para nenhum outro uso a natildeo ser para que os olhos nela colocados tudo observem do

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 220

alto A opiniatildeo contraacuteria sustenta Averroacuteis no livro segundo da Collectanea bem como

muitos outros o que pode ser demonstrado pelo facto de a importacircncia do ceacuterebro ser

tatildeo grande que compete com o coraccedilatildeo em dignidade e ateacute seria mais nobre se se

considerasse a razatildeo das potecircncias sensitivas que em si conteacutem como mostraacutemos nos

livros Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo Parece absurdo considerar que a cabeccedila tivesse

sido constituiacuteda desse modo mais por causa dos olhos do que por causa do ceacuterebro

Assim sendo eacute evidente que esta controveacutersia tem de resolver-se para que digamos de

uma vez por todas se a vantagem da posiccedilatildeo mais elevada se deve considerar em

funccedilatildeo do uso do membro e da operaccedilatildeo que mais a requer ou ateacute que ponto eacute mais por

causa dos olhos do que causa do ceacuterebro porque ainda que o ceacuterebro natildeo estivesse no

local mais alto mas no toacuterax poderia perfeitamente discorrer a partir daiacute todavia seria

conveniente que os olhos se fixassem em espelhos para conseguirem ver Se poreacutem

considerarmos a razatildeo natildeo da vantagem da operaccedilatildeo mas da dignidade do proacuteprio

membro entatildeo como o ceacuterebro eacute mais importante do que os olhos e como num animal

o lugar mais alto eacute o mais nobre tal como o lugar do ceacuteu no mundo deve estabelecer-se

que a altura da cabeccedila natildeo eacute tanto por causa dos olhos como por causa do ceacuterebro Por

isso deve negar-se relativamente agrave razatildeo da primeira sentenccedila que a elevaccedilatildeo da

cabeccedila natildeo serve para mais nada senatildeo para ver mais longe De facto contribui acima

de tudo para a dignidade que na estrutura do corpo humano se deve ao ceacuterebro Na

verdade o argumento da segunda opiniatildeo comprova que no que diz respeito agrave

observada supremacia do membro a posiccedilatildeo elevada da cabeccedila eacute mais por causa do

ceacuterebro do que por causa dos olhos tal como afirmaacutemos

10 Por que eacute que os olhos satildeo dois

Resposta A razatildeo eacute comum pelo mesmo motivo que as orelhas satildeo duas e

outros que tais Evidentemente que eacute para que no caso de se perder uma parte do oacutergatildeo

sensitivo a outra subsista incoacutelume Mas nos olhos haacute uma razatildeo especiacutefica ndash diz

Galeno no livro 10 De usu partium ndash para que como vecircem apenas o que se lhes opotildee

em linha recta possam ver tudo com um simples girar de olhos Ora eacute conhecido o que

alguns escreveram sobre os Ciclopes que tinham apenas um olho no meio da testa cujo

recocircndito sentido explica o inteacuterprete de Hesiacuteodo na Teogonia Diz tambeacutem a tradiccedilatildeo

que existiam Etiacuteopes que tinham trecircs ou quatro pares de olhos no peito No que a isto

diz respeito veja-se Pliacutenio no livro 5 capiacutetulo 8 no livro 6 capiacutetulo 30 e no livro 7

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 221

capiacutetulo 2 bem como Estrabatildeo no livro 1 e no 7 e ainda Aulo Geacutelio no livro 9

capiacutetulo 4 Aleacutem disso S Anselmo no livro 1 De Imagine mundi capiacutetulo 10 e S

Agostinho na obra dos Sermones ad fratres no sermatildeo 37 bem como noutros passos

isto eacute no livro 16 da Cidade de Deus capiacutetulo 8 refutam esse facto por ser imaginaacuterio

Acrescente-se que esta obra dos Sermones ad fratres natildeo eacute autecircntica nem da autoria de

S Agostinho como vulgarmente se acredita

11 De que tipo eacute o temperamento dos olhos

Resposta Galeno no livro 7 De placitis capiacutetulo 13 diz que eacute iacutegneo e o

mesmo parecer tiveram Empeacutedocles e Timeu Aristoacuteteles todavia quando fala segundo

a sua posiccedilatildeo pessoal (na verdade quer em outros lugares quer na secccedilatildeo 31 dos

Problemas escreve por fim que de acordo com o senso comum a visatildeo proveacutem do

fogo e a audiccedilatildeo do ar) como no livro Sobre o sentido e o sensiacutevel capiacutetulo 2 afirma

que eacute aquoso e tem razatildeo visto que o frio e o huacutemido predominam nos olhos como eacute

natural visto que se desenvolvem a partir das membranas da gordura e dos humores

que satildeo todos friacutegidos

12 Por que eacute que os olhos satildeo extremamente moacuteveis sendo friacutegido o seu

temperamento

Resposta A causa eacute dupla em primeiro lugar a abundacircncia de espiacuteritos que

para eles defluem a partir do ceacuterebro depois a multiplicidade de muacutesculos que neles

obedecem ao movimento Todavia esta mobilidade dos olhos natildeo se aplica a todos os

animais visto que muitos deles os tecircm imoacuteveis como se constata do que foi dito

13 Por que eacute que eacute sobretudo quem tem duas pupilas em cada um dos olhos

que consegue ter a capacidade de fascinar

Resposta Que este poder eacute de facto inerente em alguns homens foi o que

demonstraacutemos na Fiacutesica Mas do mesmo modo que acontece terem duas pupilas por

causa de um defeito da natureza assim este outro mal isto eacute o veneno que os olhos

fascinantes projectam proveacutem tambeacutem de um defeito da natureza Todavia a razatildeo

desta ligaccedilatildeo eacute o facto de muitas vezes a causa prejudicial daquela qualidade que

emitem por si proacuteprios atraveacutes de um sopro maleacutefico se aproximar daquela que incute

as duas pupilas

14 Por que eacute que se diz que os olhos satildeo os indicadores da alma a ponto de se

admitir que a alma neles habita

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 222

Resposta Nenhuma parte do corpo revela mais as coisas que se escondem na

alma do que os olhos visto que admitem diferentes formas de olhar para mostrar os

pensamentos ferozes ameaccediladores ardentes graves submissos ternos Brilham

afirmam-se fecham-se sorriem riem temem zangam-se ameaccedilam prometem E

assim em alguns olhos vemos modeacutestia clemecircncia mansidatildeo alegria misericoacuterdia e

amor noutros pelo contraacuterio vemos orgulho arrogacircncia astuacutecia tristeza oacutedio e

indignaccedilatildeo215 Mas como ensina Aristoacuteteles no livro citado capiacutetulos 9 e 10 os que

tecircm os olhos pequenos ou muito negros consideram-se por esse sinal tiacutemidos e

pusilacircnimes os que os tecircm a fugir para o amarelado consideram-se boas almas os que

os tecircm cocircncavos dizem-se maleacuteficos os salientes estuacutepidos os iacutegneos descarados Mas

quem tem daqueles moderadamente pestanejantes diz ele ser indiacutecio de

comportamentos dignos de louvor no primeiro livro Sobre a histoacuteria dos animais

capiacutetulo 10 Eacute suficientemente evidente que existe tambeacutem nos olhos uma grande

capacidade natildeo apenas para indicar a natureza e os pensamentos da alma mas tambeacutem

para a promoccedilatildeo dos afectos Daiacute que os Atenienses tivessem o costume de ir de noite

ateacute ao Areoacutepago na colina de Marte para tomar decisotildees sobre os crimes naturalmente

para natildeo serem coagidos a faltar agrave justiccedila pelo olhar dos indiviacuteduos que se lamentam

Nem eacute diferente disto aquele dito de Seacuteneca sobre os remeacutedios do acaso ldquoNatildeo

compreendes que a cegueira faz parte da inocecircnciardquo Daiacute que os olhos decircem a conhecer

o adulteacuterio o incesto a casa que cobiccedilam bem como a cidade e todos os males Os

olhos satildeo de facto estiacutemulo para os viacutecios e guias para os feitos criminosos

15 Por que eacute que os olhos para os meacutedicos ocupam o primeiro lugar na

determinaccedilatildeo do prognoacutestico como no primeiro livro do Praesagium 13

Resposta Porque como ensina Aristoacuteteles nos Problemas secccedilatildeo 7 problema

7 de entre todos os membros satildeo os que mais se transformam tanto por um factor

externo como por um interno dado que satildeo naturalmente huacutemidos e liacutempidos

facilmente recebem e revelam essa impressatildeo

16 Por que eacute que os olhos de muitos animais como os gatos brilham e

irradiam nas trevas

Resposta Sosiacutegenes preceptor de Alexandre expocircs em termos gerais no

terceiro volume do tratado Sobre a visatildeo os motivos pelos quais alguns corpos reluzem

215 Galeno livro 6 do Commentarius in Hippocratis Epidemias secccedilatildeo 4

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 223

nas trevas diante de noacutes Afirma que estes satildeo inflamados na medida em que participam

da natureza do eacuteter e do quinto elemento e por causa desse parentesco acontece que

iluminam o ar que se aproxima deles ou algum corpo transparente216 E fazem-no

sobretudo de noite pela razatildeo de que nesse momento haacute menos luz Pelo contraacuterio se

acontecesse durante o dia seria de tal modo que a luz dos mais pequenos quase se

perderia e iria ofuscar-se na maior Logo como refulgem durante a noite iluminam

levemente o ar envolvente que estaacute mais proacuteximo natildeo de modo a que tambeacutem se possa

ver as outras coisas mas apenas para que se defendam das trevas Eacute isto o que faz a

exiguidade da sua dimensatildeo de onde proveacutem e emana a luz Na verdade tambeacutem o

proacuteprio fogo ainda que emita o seu brilho de forma mais lata e difusa a tal ponto que se

comunica a outros corpos todavia se estiver mais afastado os olhos natildeo vecircem as outras

coisas e ele proacuteprio mal consegue fazer-se ver Tendo isto em conta facilmente

qualquer um poderaacute perceber por que eacute que os olhos dos animais de que trataacutemos

refulgem de noite Obviamente porque obtecircm uma luz inata que embora seja exiacutegua

como acontece aos seus semelhantes deixa-se obscurecer na luz do dia e esconde-se

Mas a natureza atribui esta luz aos animais para que vejam a presa durante o periacuteodo

nocturno quando se lanccedilam para ela Entatildeo tambeacutem se vecirc que haacute alguns corpos que

durante a noite parecem transparentes e durante o dia coloridos porque a luz deles natildeo eacute

suficiente para mostrar as cores de noite mas de dia nem ela proacutepria se mostra

abscocircndita pela luz mais forte

17 Qual eacute entatildeo nos olhos a melhor constituiccedilatildeo dos humores de acordo

com a sua morfologia

Resposta Como ensina Aristoacuteteles no livro 5 Sobre a Geraccedilatildeo dos animais

capiacutetulo 1 eacute aquela que se manteacutem moderada entre o excesso e a falta de humor Deste

modo nem o humor eacute facilmente perturbado pela sua exiguidade nem eacute dificilmente

movido por causa da sua abundacircncia Se se perguntar qual das duas mais se recomenda

ndash a escassez ou a grandeza ndash devemos responder que se a grandeza tiver por

acompanhante a beleza preferimos a abundacircncia natildeo soacute porque a beleza tem meacuterito por

si mesma mas tambeacutem porque uma abundacircncia bela atesta a presenccedila da virtude que a

enforma a qual pocircde atrair uma grande quantidade de mateacuteria e dar-lhe forma com

elegacircncia Hipoacutecrates no livro segundo De moribus popularibus secccedilatildeo 6 ao discutir

216 Sobre a luz presente nos olhos Averroacuteis na paraacutefrase agrave obra Sobre o sentido e o sensiacutevel

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 224

sobre a noccedilatildeo dos indiacutecios afirma que os olhos grandes e amarelados isto eacute os que se

dizem de cor intermeacutedia entre o amarelo e o esverdeado satildeo proacuteprios de um homem

devidamente equilibrado obviamente porque nascem de uma excelente mistura de

qualidades Alberto Magno afirma que os olhos grandes brilhantes e claros significam

um homem justo doce e prudente como se diz que os teve Soacutecrates considerado pelo

oraacuteculo o mais saacutebio de todos

18 Por que eacute que os olhos dos bebeacutes satildeo esverdeados imediatamente a seguir

ao parto mas depois transformam-se na sua natureza futura o que evidentemente natildeo

acontece nos outros animais

Os olhos esverdeados das crianccedilas217 Resposta Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a

histoacuteria dos animais capiacutetulo 10 e no livro 5 Sobre a geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 1

identifica a causa dizendo que como os olhos dos outros animais de acordo com a

espeacutecie de cada um satildeo maioritariamente unicolores nomeadamente negros os dos

bois pardos os das ovelhas e os dos outros ou completamente vermelhos ou

esverdeados ou da cor das cabras ou amarelados assim sendo natildeo se tornam distintos

de si mesmos pelo contraacuterio conservam posteriormente a mesma cor que apresentam

no nascimento De modo diferente acontece aos homens pois os seus olhos satildeo de certo

modo versicolores uns esverdeados outros amarelados outros avermelhados etc e

assim mudam a cor no decurso da idade Ensina tambeacutem Aristoacuteteles que os bebeacutes os

tecircm esverdeados porque assim se considera o humor dos olhos e dos rios cor esta que

se existir em grande quantidade se torna opaca e escurece porque natildeo pode ser

transparente se for pouca aparece esverdeada se for em quantidade mediana exibe

uma cor intermeacutedia Por conseguinte visto que os olhos dos bebeacutes pela sua pequenez

contecircm pouca quantidade de humor afirma que neles se revela a cor esverdeada E pelo

mesmo motivo eacute precisamente esta cor que estaacute presente nos olhos dos velhos nos

quais como nos outros membros tambeacutem os humores dos olhos se fixam Pode ler-se

outras causas desta circunstacircncia se houver interesse em Averroacuteis no livro 4 da

Colectacircnea 3 em Avicena no livro 3 tratado 3 capiacutetulo 34 ou em Vesaacutelio no livro 3

capiacutetulo 14

19 Por que eacute que alguns dos seres animados sobretudo os homens tecircm apenas

um olho esverdeado

217 No original esta nota aparece colocada na questatildeo anterior provavelmente por lapso (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 225

Resposta Porque quando a natureza suporta perfeitamente em ambos os olhos

o humor que acompanha a cor esverdeada daacute-se a passagem para outra cor ainda que

apenas em um conservando-se o esverdeado no outro

20 Por que eacute que de entre todos os animais praticamente soacute ao homem

acontece ter os olhos de esguelha

Resposta Acontece tambeacutem a outros seres animados embora natildeo com tanta

frequecircncia porque estatildeo menos expostos a lesotildees e o desvio natildeo se percebe tatildeo

facilmente neles como no homem que de acordo com a sua anatomia tem os olhos

extremamente proacuteximos

21 Qual eacute a constituiccedilatildeo dos olhos mais favoraacutevel agrave visatildeo

Resposta Cumpre ajuizar em primeiro lugar em relaccedilatildeo agrave cor a melhor

segundo ensina Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a histoacuteria dos animais capiacutetulo 10 eacute

considerada a cor de cabra ou seja aquela que se observa nos olhos das cabras

intermeacutedia entre o glauco e o negro

Qual a constituiccedilatildeo dos olhos mais favoraacutevel agrave visatildeo Depois em relaccedilatildeo ao

posicionamento De facto os olhos mais escondidos na profundidade dos globos vecircem

as coisas mais distantes de forma mais exacta E ainda relativamente agrave constituiccedilatildeo dos

espiacuteritos ou seja agrave sua quantidade e qualidade De facto o espiacuterito muacuteltiplo ajuda a

fixar a vista nas coisas mais remotas e o puro a discernir os detalhes E por fim no que

se refere agrave disposiccedilatildeo da tuacutenica que recobre a pupila conveacutem que seja brilhante e teacutenue

Brilhante porque o negro natildeo pode ser transluacutecido e tambeacutem para que as lanternas que

satildeo feitas de uma membrana deste tipo possam reluzir Teacutenue para que receba

prontamente as imagens das coisas que se precipitam sobre elas Sobre isto deve

interrogar-se isoladamente

22 Pode ou natildeo acontecer que por assim dizer pela falta dos espiacuteritos a visatildeo

diminua tal como eacute enfraquecida pela sua multiplicidade

Resposta Tomaacutes de Veiga trata profundamente desta questatildeo no comentaacuterio ao

livro quarto de Galeno De locis affectis estabelecendo a parte negativa que desenvolve

a partir de Galeno o qual em lugar nenhum tomou a abundacircncia dos espiacuteritos como a

causa da visatildeo defeituosa mas antes a carecircncia E a partir de Avicena que no livro De

medicina cordis capiacutetulo 4 afirma que a visatildeo eacute tanto mais veemente quanto mais

desenvolvido estiver o espiacuterito ou seja os espiacuteritos satildeo de tal forma teacutenues e tatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 226

beneacutefica a sua forccedila que nem se acumulam em excesso nem prejudicam Parece-nos

entatildeo que isto deve ser entendido no estado normal E por isso mesmo com a

transpiraccedilatildeo temporariamente impedida natildeo poderatildeo acumular-se ateacute ao ponto de os

olhos se inflamarem em excesso e serem lesados

23 Por que eacute que a maior parte dos animais nocturnos tem os olhos

encovados

Resposta Para que desse modo a luz interna que tecircm inserida nos olhos ao

progredir em linha mais recta ilumine melhor o meio

24 Por que eacute que quem tem olhos espiotildees e salientes vecirc mal e quem os tem

cavos e profundos vecirc com precisatildeo

Resposta Porque para aleacutem de as espeacutecies emitidas pelos objectos se unirem

menos aos primeiros tambeacutem os proacuteprios espiacuteritos fogem mais pelo contraacuterio as

espeacutecies ligam-se mais aos segundos e os espiacuteritos conservam-se mais tempo

aglomerados e constrangidos pelo que administram uma capacidade de visatildeo mais

intensa Isto acontece de forma semelhante agravequeles que para afinar a vista fecham um

pouco os olhos

Os olhos cavos vecircem com precisatildeo E natildeo eacute por motivo diferente que

enxergamos melhor com um olho fechado confluindo para um soacute lugar os espiacuteritos que

se deveriam dividir por dois embora por outro lado digamos que com apenas um olho

vemos com dificuldade porque desse modo o nosso espiacuterito estaacute menos disposto a ver

como adverte Aristoacuteteles na secccedilatildeo 31 dos Problemas 10 Leia-se na mesma secccedilatildeo

dos Problemas as questotildees 2 4 16 e 21 bem como o livro 5 Sobre a geraccedilatildeo dos

animais capiacutetulo 1

25 Por que eacute que a estreiteza da pupila quando eacute inata desde o nascimento se

acomoda normalmente agrave visatildeo e quando eacute acidental eacute-lhe prejudicial

Resposta Porque na primeira situaccedilatildeo essa qualidade estando concentrada eacute

mais reforccedilada dado que a natureza atribui ao homem uma pupila mais estreita em

comparaccedilatildeo aos restantes animais No segundo caso poreacutem uma vez que proveacutem de

um defeito do humor branco ou da coacuternea rebaixada ou de outra falha deste tipo a

faculdade eacute impedida de actuar correctamente Por vezes pode acontecer que esta falha

seja contraiacuteda desde o proacuteprio nascimento por um acidente natural

26 Por que motivo eacute que os velhos vecircem mal

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 227

Resposta Natildeo soacute pela debilidade dos espiacuteritos vitais que diminuem de dia para

dia com a perda de calor causada pela idade mas tambeacutem porque nos velhos tal como

a pele das restantes partes se contrai em rugas assim acontece com a cuacutetis e a

membrana dos olhos que para conseguir ver deve ser leve e teacutenue como

anteriormente advertimos Um outro motivo eacute o facto de a exercitaccedilatildeo excessiva do

corpo prejudicar muitas vezes a acuidade dos olhos naturalmente porque torna o

sangue mais seco assim como o resto do corpo e a secura por sua vez endurece a

cuacutetis

27 Por que eacute que embora tanto os luscos como os velhos vejam mal os

primeiros aproximam o objecto visiacutevel e os outros afastam-no um pouco

Resposta Galeno afirma que a causa disso eacute o facto de os velhos tendo jaacute

pouco do brilho interno nos olhos precisarem de luz externa e por isso afastam o

objecto para que tenha mais luz Os luscos pelo contraacuterio naturalmente providos de

olhos claros tecircm luz interna em abundacircncia e para evitarem a externa desviam um

pouco o visiacutevel da luz para que a abundacircncia de luz externa que se junta agrave interna natildeo

prejudique a visatildeo Todavia os velhos natildeo costumam afastar muito os objectos de

outro modo natildeo receberiam deles as espeacutecies na medida em que conveacutem E assim

reconstituem o objecto agrave distacircncia em que consegue estar convenientemente iluminado e

emitir a espeacutecie adequada Aristoacuteteles tambeacutem tinha indicado a causa deste problema na

secccedilatildeo 31 dos Problemas 26218 deste modo ldquoos velhos uma vez que pela sua

debilidade natildeo conseguem ver onde se juntam menos raios desviam o objecto que

querem ver para onde tecircm melhor capacidade de visatildeo pois os raios costumam reunir-se

ao longerdquo Os luscos podem na verdade ver o objecto ao perto mas natildeo conseguem

discernir ao longe quais os cavos e quais os salientes

28 Por que eacute que os humores concretos se podem ver nos derrames junto agrave

coacuternea se a visatildeo natildeo se daacute sem o meio iluminado

Resposta A visatildeo tambeacutem nesse caso se daacute atraveacutes de um meio transparente e

iluminado mas eacute o interno que se esconde dentro do olho ou seja atraveacutes do humor

aquoso ou branco intermediaacuterio entre a pupila e o humor glacial219 atraveacutes do qual

contudo os sensiacuteveis externos que se aproximam dos olhos natildeo podem ver visualizados

218 Na verdade a explicaccedilatildeo surge no problema 25 (N do T)219 Ou cristalino (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 228

porque espalham as trevas sobre ele Pelo que acontece tambeacutem que se aquele humor

concreto ocupar toda a pupila nos olhos com derrames natildeo se deixaraacute ver a ele proacuteprio

nem a nada porque obscurece verdadeiramente o interior transparente e impede que as

espeacutecies visuais possam chegar ao humor glacial Haacute poreacutem quem pense que isto de

facto natildeo se pode ver mas eacute uma alucinaccedilatildeo da fantasia pela qual julgamos ver esse tal

humor ou vapor naquela parte do olho onde ele natildeo estaacute No entanto embora por vezes

possa acontecer deste modo todavia natildeo eacute por isso que o devemos atribuir sempre a

uma ilusatildeo visto que nada impede que efectivamente se possa ver de vez em quando

um humor desse tipo ou um vapor que exista no olho Leia-se Filoacutepono livro 2 Sobre a

alma relativamente ao texto 74 e Teofrasto sobre o texto 16

29 Por que eacute que quando estamos num lugar obscuro vemos o que estaacute na luz

como nos mais profundos poccedilos vemos as estrelas em pleno dia todavia quando

estamos na luz natildeo avistamos o que estaacute nas trevas

Resposta Se o local em que estamos estaacute absolutamente desprovido de

qualquer luz independentemente da grandeza do objecto iluminado natildeo o vemos

porque eacute preciso luz para transportar a espeacutecie ateacute ao olho E assim eacute precisa luz tanto

da parte do objecto como da parte do olho mas mais da parte do objecto que deve

conduzir a espeacutecie em primeiro lugar

30 Quando o olho estaacute fechado e se desloca nas trevas para caacute e para laacute por

que eacute que aparece um certo brilho interno

Resposta Aristoacuteteles dissolve esta duacutevida no livro Sobre o sentido e o sensiacutevel

capiacutetulo 2 quando supondo que todos os corpos satildeo liacutempidos brilhantes e luminosos

diz que a coacuternea eacute da mesma qualidade e por isso refulge embora aquele esplendor natildeo

apareccedila enquanto a pupila permanece no seu lugar porque o que vecirc deve ser diferente

daquilo que eacute visto tornando-se diferente por assim dizer dois a partir de um quando a

pupila se afasta

31 Por que eacute que algumas pessoas ao despertar do sono vecircem tudo nas trevas

como se estivessem em plena luz O que anteriormente recordaacutemos que costumava

acontecer a Tibeacuterio de acordo com o testemunho de Suetoacutenio Tranquilo na sua Vida

capiacutetulo 48 e de Pliacutenio no livro 11 capiacutetulo 37

Resposta Seraacute porque como eacute doutrina de muitos os espiacuteritos animais que

defluem do ceacuterebro para os olhos satildeo brilhantes

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 229

Alguns espiacuteritos satildeo brilhantes Por conseguinte pode acontecer que em alguns

homens obtenham um pouco de luz graccedilas a uma propriedade oculta ou entatildeo que

possam iluminar toda a divisatildeo com a grande quantidade de luz que emitem dos olhos

tendo acumulado uma tal abundacircncia enquanto os olhos estiveram fechados que ela

proacutepria irrompe logo que se abrem

32 Se natildeo se pode discernir as cores a natildeo ser quando se mostram numa

superfiacutecie por que eacute que quando vemos uma pedra transluacutecida temos a sensaccedilatildeo de as

contemplarmos em profundidade

Resposta Porque quando as espeacutecies passam atraveacutes da profundidade do corpo

fazem com que a profundidade apareccedila embebida da mesma cor que a superfiacutecie de

fundo do mesmo modo que o vidro transparente e brilhante quando olhamos para

alguma coisa verde atraveacutes dele se apresenta agrave nossa vista quase revestido da mesma

cor

33 Por que motivo o visiacutevel simples nem sempre parece duplo ainda que

envie aos olhos uma espeacutecie duplicada

Resposta Haacute quem transmita uma razatildeo diferente para esta circunstacircncia

Ciruelo no livro 1 da Perspectiva Viteacutelio no livro 3 e muitos outros relacionam-na

com a convergecircncia do nervo oacuteptico onde os dois olhos juntam as espeacutecies no mesmo

ponto No entanto noacutes jaacute anteriormente refutaacutemos esta opiniatildeo porque se descobriu

pela experiecircncia que embora os nervos se dissociem como por vezes acontece o

simples natildeo se vecirc em duplicado Outros relacionam-na com o sentido comum onde

segundo dizem se completa o acto de ver Mas tambeacutem impugnaacutemos esta opiniatildeo no

que foi dito atraacutes quando demonstraacutemos que o acto de ver se perfaz no humor

cristalino Logo para que se perceba a razatildeo duplicada desta circunstacircncia devemos ter

isto em conta a visatildeo como ensinam os mestres da Perspectiva220 daacute-se atraveacutes de uma

piracircmide cuja base estaacute na coisa vista e o respectivo veacutertice no centro do olho Aleacutem

disso entre as linhas que produzem a piracircmide visual haacute outra que se estende em linha

recta desde o olho ateacute ao objecto visiacutevel designada eixo da cogniccedilatildeo Por conseguinte

embora as imagens visuais sejam determinadas atraveacutes de uma dupla piracircmide em

direcccedilatildeo aos dois olhos todavia como as linhas rectas dos olhos se estendem em

220 Leia-se o Cantuariense no livro 1 da Perspectiva cap 3 conclusatildeo 6 e cap 7 conclusatildeo 2 bem como Viteacutelio no livro 3 da Perspectiva teorema 45

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 230

direcccedilatildeo ao objecto segundo o mesmo ponto a partir do qual as espeacutecies comeccedilam a

dividir-se para cada um dos olhos isso faz com que nenhum objecto simples apareccedila em

duplicado Logo embora sejam dois os eixos dos olhos ambos satildeo orientados para o

mesmo ponto do objecto visiacutevel de modo a que as linhas rectas se prolonguem a partir

desse ponto ateacute ao centro dos dois olhos No entanto quando os eixos se desalinham ou

pela compressatildeo dos olhos ou por qualquer outro motivo os eixos deixam de ser

uniformes como acontece quando algueacutem eleva a pupila de um olho com o dedo e o

objecto simples aparece em duplicado E assim quando o posicionamento dos olhos eacute

dissemelhante porque foi deslocado sucede que um objecto uno se mostra muacuteltiplo Haacute

mais sobre este assunto no proacuteximo problema

34 Por que eacute que um objecto visiacutevel simples por vezes aparece como muacuteltiplo

O simples por vezes aparece como muacuteltiplo Resposta As razotildees desta

circunstacircncia se forem explicitadas com detalhe satildeo vaacuterias221 Todas elas dizem

respeito a uma razatildeo comum ou seja o defeito da condiccedilatildeo necessaacuteria para que o

objecto apareccedila como uacutenico que eacute a uniformidade dos eixos Todavia essas razotildees

particulares costumam ser reduzidas a trecircs tipos tendo em conta o posicionamento dos

olhos o posicionamento do objecto visiacutevel e os raios visuais Por causa do

posicionamento dos olhos uma lanterna pode parecer duas como por exemplo quando

algueacutem levanta um olho estando o outro rebaixado ou quando o nervo oacuteptico relaxado

por uma grande quantidade de vinho natildeo susteacutem a equidade das pupilas e daiacute adveacutem o

que cantou Horaacutecio

Quando se bebe uma concha entatildeo jaacute o tecto anda agrave rodaE a mesa parece-nos ter duas lanternasQuanto ao posicionamento do objecto visiacutevel por exemplo quando por causa

da celeridade do movimento um objecto parece de repente ocupar um espaccedilo muito

maior do que verdadeiramente ocupa isso corresponde a uma certo modo do objecto

ampliado pela contiacutenua circulaccedilatildeo Deste modo um baacuteculo rodopiado a toda a pressa

parece um ciacuterculo Ou entatildeo por causa dos raios visuais quando pela refracccedilatildeo das

imagens que se daacute em algumas coisas para as quais olhamos atentamente e que tecircm

vaacuterias saliecircncias adornadas com quadradinhos ou outras figuras deste tipo aparecem

coisas multiplicadas em vaacuterias posiccedilotildees de acordo com o nuacutemero das imagens que se

221 Leia-se Galeno no livro 10 De usu partium cap 12 Aristoacuteteles secccedilatildeo 3 Problemas 9 10 20 e 29 bem como secccedilatildeo 31 Problemas 11 e 18

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 231

multiplicam com a refracccedilatildeo E tambeacutem deste modo estando um espelho partido e

alterado o posicionamento das partes por causa do reflexo variado das espeacutecies que

nascem entatildeo da diversidade desse posicionamento aparece o mesmo objecto em

diferentes posiccedilotildees do espelho

35 Por que eacute que nos espelhos esfeacutericos mas natildeo nos planos as coisas

aparecem na sua maior parte menores do que satildeo

Resposta Porque nos planos o reflexo daacute-se numa superfiacutecie maior visto que

os raios reflectidos a partir das superfiacutecies convexas se desagregam mais do que nas

planas por causa da declinaccedilatildeo do ciacuterculo a partir do qual o reflexo se daacute Logo para

que os raios acorram agrave visatildeo eacute preciso que a reflexatildeo se faccedila numa superfiacutecie mais

pequena e que por conseguinte se mostre um objecto menor O que todavia se deve

entender sobretudo porque nestes espelhos acontece por vezes que um objecto em

qualquer posicionamento apareccedila do mesmo tamanho como se comprova no livro 6 da

Perspectiva

36 Por que eacute que as coisas que vemos atraveacutes da reflexatildeo das espeacutecies nos

espelhos aparecem muito mais debilmente do que as que contemplamos por observaccedilatildeo

directa

Resposta Porque as espeacutecies reflectidas satildeo mais deacutebeis e tecircm um movimento

teacutenue de tal modo que a sua representaccedilatildeo eacute menos exacta E por isso mesmo

facilmente se esquece da sua forma quem a vecirc no espelho

37 Uma vez perdida a faculdade de ver pode ou natildeo ser restituiacuteda por forccedila da

natureza

Resposta Existem alguns animais segundo afirma Aristoacuteteles no livro 2 Sobre

a geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 4 que parem as crias cegas nomeadamente os catildees os

leotildees as raposas os lobos e os lobos cervais222 seguramente porque neles o oacutergatildeo se vai

aperfeiccediloando paulatinamente ateacute que se torna capaz de ver No entanto no caso de

algueacutem perder essa capacidade jaacute depois de adquirida nada consta sobre o modo de a

conseguir recuperar atraveacutes de medicamentos ou de outra faculdade da arte ou da

natureza Pliacutenio no livro 11 da Histoacuteria Natural capiacutetulo 37 afirma que os olhos das

serpentes e os olhos das andorinhas voltam a nascer se algueacutem os arrancar enquanto satildeo

novas Tambeacutem sobre as crias das andorinhas Aristoacuteteles no livro 6 Sobre a Histoacuteria

222 Designaccedilatildeo comum do lince-ibeacuterico (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 232

dos animais capiacutetulo 5 escreveu assim ldquoos olhos das crias da andorinha quando ainda

satildeo novas se algueacutem os ferir com uma pancada cicatrizam e recuperam depois por

completo a capacidade de verrdquo No entanto eacute opiniatildeo comum dos filoacutesofos que a

cegueira ndash total entenda-se ndash eacute a uacutenica das privaccedilotildees a partir da qual natildeo se pode dar

pela natureza um regresso ao estado anterior E de facto se os humores dos olhos se

evaporarem por completo e desaparecerem eacute faacutecil atribuir-lhe o motivo dado que natildeo

podem evidentemente voltar a unir-se Embora de facto nos jovens possa acontecer

que alguns membros se regenerem todavia a morfologia dos olhos eacute tatildeo laboriosa que

natildeo estaacute ao alcance da natureza restauraacute-la depois de entrar em colapso Porque se

subsistindo na iacutentegra a substacircncia dos humores a faculdade de ver se perde apenas por

causa da dissoluccedilatildeo do temperamento dever-se-aacute dizer tambeacutem que a combinaccedilatildeo quer

das qualidades primaacuterias quer da flexibilidade do brilho da transparecircncia e de todas as

qualidades deste tipo a partir das quais se forma o temperamento em que se funda a

potecircncia de ver eacute de tal qualidade que depois de se perder uma vez natildeo pode ser

novamente desenvolvida pela forccedila da natureza Porque se tanto os humores como o

temperamento deste tipo pudessem ser reparados espalhar-se-iam imediatamente da

alma para o oacutergatildeo embora a faculdade visual natildeo fosse exactamente a mesma mas

antes uma outra da mesma espeacutecie Na verdade as palavras de Aristoacuteteles sobre as crias

das andorinhas natildeo deveratildeo ser entendidas assim quase como se pretendesse recuperar

a potecircncia depois de extraiacutedos os olhos ou estando o temperamento destruiacutedo quase ao

ponto da total aniquilaccedilatildeo dessa potecircncia mas apenas na circunstacircncia de estarem os

olhos ligeiramente feridos para que embora natildeo cumpram a sua funccedilatildeo por algum

tempo possam recuperar a sauacutede e a capacidade de ver

SEGUNDA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS Agrave AUDICcedilAtildeO

1 Eacute ou natildeo grande a variedade nas orelhas dos animais

A resposta eacute antes de mais como ensina Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a Histoacuteria

dos Animais capiacutetulo 11 ldquode entre os que tecircm o sentido da audiccedilatildeo uns tecircm orelhas e

outros natildeo estes mostram os proacuteprios canais auditivos e as pequenas aberturas como

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 233

acontece naqueles que estatildeo cobertos de penas de uma casca ou de escamas223 E todos

os que geram um outro ser tecircm ouvidos excepto a foca o golfinho os outros

cartilaginosos e as serpentesrdquo224 Pliacutenio todavia no livro 6 da Histoacuteria Natural diz que

na comunidade dos Sambros225 nenhum dos quadruacutepedes tem orelhas nem mesmo os

elefantes Diz tambeacutem Aristoacuteteles que ldquoalgumas orelhas satildeo lisas outras peludas outras

estatildeo no meio-termo e estas satildeo as melhores para ouvir Aleacutem disso umas satildeo grandes

outras pequenas outras medianas muito pouco ou relativamente salientesrdquo Refere

ainda Pliacutenio no livro 4 capiacutetulo 13 que ldquohaacute homens que tecircm as orelhas tatildeo grandes que

cobrem todo o seu corpo completamente nurdquo como se fossem vestes Chamam-lhes

Faneacutesios ou Satmalos como Pompoacutenio226 mas os Gregos entre eles o escritor Estrabatildeo

dizem ἐνωτοκοῖτους porque quando dormem usam as orelhas como leito Os homens

geralmente tecircm orelhas imoacuteveis daiacute o cognome dos Flacos entre os Romanos cujas

orelhas contrariando a natureza de todos os outros homens eram viradas para baixo e

podiam mover-se O que ainda agora acontece a algumas pessoas Tambeacutem Vesaacutelio no

livro De humani corporis fabrica capiacutetulo 13 afirma que isso eacute provocado pela

intervenccedilatildeo de um certo muacutesculo que intercepta a raiz das orelhas e penetra entatildeo ateacute agraves

fibras da carne de modo a que se possa mover as orelhas

2 Seraacute a orelha a sede da memoacuteria

Que o interior da orelha eacute a sede da memoacuteria escreveu Pliacutenio no livro 11

capiacutetulo 45 O que natildeo se deve aceitar dessa forma como se a memoacuteria estivesse de

facto instalada no ouvido pois se for sensitiva reside no ceacuterebro se for intelectiva na

substacircncia da alma

223 Traduccedilatildeo portuguesa de M Faacutetima Silva Histoacuteria dos Animais vol 1 Lisboa 2006 68 ldquouns tecircm orelhas e outros natildeo estes tecircm apenas um canal visiacutevel contando-se neste nuacutemero os que tecircm penas ou escamas coacuterneasrdquo No comentaacuterio de Coimbra lecirc-se ldquoaliis aures sunt aliis desunt patentque ipsi auditorii meatus et cavernacula ut in his quae penna aut cortice squamave integunturrdquo pelo que o manual parece seguir a versatildeo de Teodoro de Gaza que parece repetir indevidamente neste ponto os trecircs termos que usa na traduccedilatildeo de uma passagem semelhante do livro 3 Sobre as partes dos animais cap 8 (cf Opera quae quidem extant omnia latinitate uel iam olim uel nunc recens agrave uiris doctissimis donata amp graecum ad exemplar diligentissimegrave recognita Accesserunt in singulos libros optimis ex autoribus argumenta co[m]mentarij uice studiosis futura Volume 1 Basileae 1538 577 e 725) (N do T)224 Aristoacuteteles refere apenas ldquoreliquis ita cetariisrdquo como se verifica na ediccedilatildeo citada na nota anterior (N do T)225 ldquoSambrirdquo ou ldquoSesambrirdquo povo das margens do Nilo identificado por Pliacutenio Histoacuteria Natural livro 6 cap 35 (N do T)226 Miacutetico povo com orelhas gigantes que habitava as ilhas do Norte sendo vulgarmente conhecidos por Panotos como esclarece S Isidoro Etimologias II 3 Veja-se os passos citados Pompoacutenio Mela De situ orbis 3 6 e Estrabatildeo Geographia livro 15 (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 234

Por que razatildeo se diz que o ouvido eacute a sede da memoacuteria Mas tal como

antigamente a fronte era consagrada ao Geacutenio os dedos a Minerva e os joelhos agrave

Misericoacuterdia assim a orelha era consagrada agrave deusa Memoacuteria Daiacute que de acordo com

um ritual antigo quando algueacutem era chamado a tribunal tocavam-lhe na orelha para

pedir o seu depoimento pois queriam que ela recordasse como se fosse uma

testemunha e diziam ldquoSecirc instrumento da memoacuteriardquo Por isso tambeacutem ao Sileno aludiu

Virgiacutelio naquele poema227

Tendo eu cantado os reis e as batalhas Ciacutentio puxou-me a orelha advertindo ldquoo pastor Tiacutetiro deve apascentar ovelhas gordas e cantar poemas simplesrdquo3 De onde provecircm os vaacuterios sons dentro das orelhas dos doentes O sibilo o

tinido o estreacutepito e o zumbido

Resposta Na verdade estes sons nascem do movimento e da actividade dos

humores que ocupam o interior do ouvido e a variedade por sua vez tem origem na

diversidade dos humores e na variaccedilatildeo do impulso O sibilo no teacutenue sopro que desliza

subtilmente o tinido no curso ininterrupto desse sopro o estreacutepito no impulso vigoroso

e o zumbido na agitaccedilatildeo do humor Leia-se Ferneacutelio no livro 5 De partium morbis ac

symptomatibus capiacutetulo 5

4 Pode ou natildeo atribuir-se agraves orelhas alguns sinais indicativos do caraacutecter

Resposta Pode Na verdade segundo o testemunho de Aristoacuteteles no lugar

citado as orelhas meacutedias satildeo consideradas sinal de oacuteptimo caraacutecter as que satildeo grandes

e demasiado espetadas pelo contraacuterio satildeo indiacutecios de estupidez e tagarelice Leia-se

tambeacutem o capiacutetulo nono do livro Sobre a Fisionomia

5 Por que eacute que o sentido da audiccedilatildeo pela sua natureza original pode

facilmente ser ofendido e de facto as crianccedilas ateacute com uma bofetada podem muitas

vezes ficar meio surdas

Resposta O objecto e a potecircncia estatildeo geralmente sujeitos agrave mesma condiccedilatildeo

por isso sendo o som efeacutemero tambeacutem a proacutepria faculdade da audiccedilatildeo ocupa um oacutergatildeo

facilmente dissoluacutevel certamente uma substacircncia tatildeo teacutenue e dissipaacutevel que pode

verdadeiramente chamar-se lsquoar interiorrsquo De acordo com Aristoacuteteles secccedilatildeo 11 dos

Problemas 1

227 Eacutecloga 6

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 235

6 Por que razatildeo os surdos de nascenccedila costumam produzir a voz atraveacutes do

nariz

Resposta Quem eacute surdo por natureza tambeacutem eacute mudo ou pouco lhe falta para

ser mudo os mudos poreacutem como tecircm a boca comprimida expelem o ar pelo nariz

Acrescente-se que respiram predominantemente pelo nariz o que faz com que as

narinas se tornem mais largas concedendo assim agrave voz uma saiacuteda facilitada Veja-se a

mesma secccedilatildeo dos Problemas 2

7 Por que eacute que quando bocejamos natildeo temos vontade de coccedilar a orelha

Resposta Porque as pregas das orelhas tambeacutem satildeo infladas pelo ar inspirado

por isso tal como oferecem resistecircncia ao sonante ar externo para que natildeo entre (e

disso eacute indiacutecio o facto de ouvirmos mal quando bocejamos) assim impedem que se coce

a orelha e natildeo permitem que possa facilmente acontecer uma lesatildeo Daiacute que as orelhas

dos mergulhadores costumem estalar porque estatildeo infladas pelo ar retido e a aacutegua ao

penetrar como eacute por natureza bastante dura tende a estalar natildeo do mesmo modo que o

ar se por acaso contivermos a respiraccedilatildeo agrave semelhanccedila dos mergulhadores Tambeacutem

por isso os mergulhadores introduzem previamente oacuteleo nas orelhas para que a aacutegua

que se vai intrometendo ressalte de modo a natildeo atacar o tiacutempano Leia-se Aristoacuteteles

Problemas 2 11 e 13228

8 Por que eacute que as orelhas enrubescem com a vergonha

Resposta Talvez porque para essas partes acorre nos momentos de vergonha

um veacuteu natural pois elas estatildeo muito desprovidas de sangue na verdade as orelhas satildeo

extremamente exangues todavia ele acorre facilmente porque o calor eacute estimulado pelo

pudor e facilmente dissolve e liquefaz o sangue

9 Por que eacute que quando os ouvidos ressoam no interior este zumbido se anula

com um estreacutepito externo

Resposta Porque o estreacutepito mais amplo dissipa e aniquila o som mais fraco

10 Por que eacute que mesmo quando a aacutegua penetra nos ouvidos eacute melhor ter

infundido o oacuteleo para que ela dali escorra

Resposta Porque o oacuteleo adere agrave aacutegua e arrasta-a consigo E tambeacutem porque o

oacuteleo torna o percurso luacutebrico para que a aacutegua facilmente escorregue pelo caminho

untado e salte para fora Mas ndash poderatildeo perguntar ndash o oacuteleo natildeo vai aderir agraves orelhas

228 Esta remissatildeo natildeo corresponde ao texto aristoteacutelico (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 236

Resposta Nada importa pois o oacuteleo natildeo eacute nocivo para as orelhas porque satildeo cognatos

por natureza dado que satildeo ambos aeacutereos e moderadamente friacutegidos

11 Por que eacute que nos divertimos mais ouvindo do que lendo E daiacute por que eacute

que o admiraacutevel divertimento provocado pelas faacutebulas produzidas no teatro natildeo eacute

poreacutem o mesmo se aprendermos essas mesmas faacutebulas pelos escritos dos livros

Por que eacute que por vezes a audiccedilatildeo deleita mais do que a visatildeo Cardano na

Exercitaccedilatildeo 308 de Escaliacutegero pretende resolver a questatildeo com uma soacute razatildeo porque

pela abundacircncia de livros elas tornam-se mais divulgadas do que as que satildeo narradas e

por isso lidas e relidas com menos curiosidade e menos deleite os narradores

sobretudo os bons satildeo mais raros Mas Escaliacutegero opotildee-se natildeo soacute porque os bons livros

satildeo tatildeo raros como os bons narradores mas tambeacutem porque natildeo eacute proacuteprio do ser

humano mas de um caraacutecter invejoso considerar mais estimaacutevel e mais prazenteiro o

que os outros ignoram Logo Escaliacutegero aduz muitas outras razotildees para o problema

Primeira porque apreendemos o que ouvimos com menor esforccedilo do que o que lemos

Segunda porque a voz desperta maior afeiccedilatildeo pela sua entoaccedilatildeo na leitura pelo

contraacuterio o narrador eacute mudo Terceira porque o que ouvimos eacute mais marcante porque eacute

quase real por intermeacutedio da voz enquanto o que vemos eacute sempre abstracto e de resto

a visatildeo eacute realizada de modo muito mais teacutenue e raacutepido do que a audiccedilatildeo daiacute que

necessariamente a primeira se prenda menos agrave mente de acordo com aquela passagem

ldquoolhou-se no espelho foi-se embora e imediatamente se esqueceu de como erardquo 229 nem

causa impedimento o que diz o Poeta230

Impressiona muito mais o espiacuterito o que se transmite pelos ouvidosDo que as imagens colocadas diante dos olhos fieacuteisDe facto isto eacute verdade quanto agraves coisas em que acreditamos soacute pela audiccedilatildeo

mas natildeo se as percebermos pelo conhecimento intuitivo Quarta porque na narraccedilatildeo haacute

tambeacutem lugar para a companhia que eacute muito consentacircnea agrave natureza humana a leitura

por sua vez daacute-se na solidatildeo Quinta porque muitas vezes o pudor e o respeito para

com o narrador apuram mais a faculdade de ouvir pelo contraacuterio ao ler daacute-se um

relaxamento do espiacuterito e uma certa indiferenccedila ao castigo E em boa verdade tira-se

maior gozo de uma actividade diligente do que de uma actividade descuidada Sexta haacute

no locutor a capacidade de perguntar e investigar e por isso uma maior facilidade de

229 Jacob 1230 Horaacutecio Ars Poetica 180 (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 237

perceber de onde adveacutem um maior prazer Seacutetima porque aos livros natildeo eacute permitido

afastar-se do plano inicial como aos narradores visto que no ambiente descontraiacutedo

dos diaacutelogos tem o direito de chamar a intervir algumas personagens improvisadas Por

isso eacute como se atraveacutes destes condimentos se predispusesse o prazer para a audiccedilatildeo

pelo contraacuterio o estilo uniforme dos escritores e a continuidade das sentenccedilas conduz o

leitor ao fastio

TERCEIRA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO SOM E Agrave VOZ

1 Por que motivo alguns sons satildeo agudos e outros satildeo graves

(Na verdade os que satildeo produzidos por um tom meacutedio atingem uma certa

moderaccedilatildeo entre aqueles extremos) Aristoacuteteles nos Problemas secccedilatildeo 11 mais que

uma vez ensina que o caraacutecter agudo dos sons proveacutem da velocidade do ar deslocado e

que este se desloca mais velozmente por ser exiacuteguo ou entatildeo por ser deacutebil a forccedila que o

impele daiacute que accione uma exiacutegua porccedilatildeo de ar como acontece aos doentes ou aos

velhos ou aos que gritam de muito longe (pois o ar movido estaacute mais afastado e por

isso se desloca menos como se uma pedra projectada afirma Aristoacuteteles se dissipasse

em partes cada vez mais pequenas ou entatildeo como se uma determinado nuacutemero ou uma

certa grandeza fossem reduzidos ateacute agrave extinccedilatildeo o primeiro transformar-se-aacute em unidade

indivisiacutevel a outra numa soacute linha) ou ainda porque o aparelho fonador abrange uma

pequena quantidade de ar como eacute costume das crianccedilas e dos animais mais novos das

fecircmeas dos eunucos dos que choram e dos que produzem uma voz falsa ndash seja

dissimulada seja quando gritam ndash e por fim dos medrosos pois em todos eles os

oacutergatildeos do som vibram mais tal como nas flautas e nas cordas mais graciosas Portanto

a resposta eacute comum a Aristoacuteteles no problema 34 nestes mesmos termos em relaccedilatildeo

ao caraacutecter agudo da voz A fraqueza do instrumento move o ar exiacuteguo e o ar exiacuteguo

desloca-se com mais velocidade e porque se desloca velozmente eacute agudo Ora se

algumas coisas por terem mais forccedila tecircm uma capacidade maior para impulsionar o ar

como por exemplo os homens e as maacutequinas de guerra embora produzam um som mais

grave nada obsta ao motivo apresentado natildeo soacute porque accionam uma grande

quantidade de ar que eacute preciso deslocar de forma mais lenta pela sua grandeza e por

isso soa mais grave mas tambeacutem porque o barulho grandioso de um som igualmente

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 238

grandioso que eacute grave por natureza resulta dessa mesma causa Por conseguinte tal

como o tom agudo dos sons proveacutem da velocidade assim o tom grave proveacutem da

lentidatildeo do ar deslocado Desloca-se lentamente por norma porque eacute abundante como

acontece aos instrumentos mais espessos sejam flautas sejam cordas ou mesmo aos

que se riem pois dilatam a arteacuteria vocal e abrem a boca enquanto riem e tambeacutem aos

que tecircm frio que seja por causa do tempo invernoso ou por causa da congestatildeo nasal

movem entatildeo um ar mais denso Acontece por uacuteltimo aos que perdem as noites e aos

que tremem de medo Aos primeiros por causa da quantidade de humor acumulado que

impede a raacutepida deslocaccedilatildeo do ar daiacute que necessariamente soe mais grave aos

segundos porque subindo o calor para o alto por causa do sofrimento de quem teme

liberta-se muito ar que se desloca lentamente pois eacute muito E se os bezerros emitem um

som mais grave do que os bois isso acontece porque afirma Aristoacuteteles as suas matildees

tambeacutem mugem mais grave do que costumam mugir as matildees231 pois a proacutepria natureza

tudo prepara de modo a que os animais receacutem-nascidos sejam mais parecidos agrave matildee do

que ao pai

2 Por que motivo o som se repete quando embate em certos corpos (fenoacutemeno

a que chamam Eco) e noutros natildeo antes pelo contraacuterio enfraquece

Resposta Eacute possiacutevel reproduzir alguns sons bem como conter e dissipar

outros pois alguns corpos duros lisos e bem compactos quase natildeo dispersam o ar

impelido contra eles e reenviam-no integralmente de onde nasce o Eco mas os outros

cheios de hiatos moles aacutesperos huacutemidos e irregulares refractem e separam o ar contra

eles impelido em vez de o reenviar em bom estado Daiacute que as aboacutebadas de uma casa

recentemente revestidas as talhas as bilhas e as margens de rios calmos por causa da

brandura das aacuteguas e do cocircncavo bronze faccedilam muito eco pelo contraacuterio uma

orquestra com junco espalhado uma divisatildeo revestida a tapetes as florestas a arteacuteria

vocal irritada pelo humor ou pelo calor excessivo ndash tal como o sente quem estaacute a arder

em febre ndash ecoam muito pouco Por conseguinte do mesmo modo que a luz e a espeacutecie

visiacutevel impelida contra um corpo polido se fizer reflectida um acircngulo como tinha feito

a directa geralmente eacute semelhante num e noutro lado assim tambeacutem o ar que produz

eco se torna semelhante ao primeiro se tocar corpos em que natildeo se refracta e haacute-de

regressar com um iacutempeto quase integral

231 No original lsquomaresrsquo em vez de lsquomatresrsquo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 239

3 Por que eacute que quando inspiramos natildeo conseguimos produzir a voz e quando

expiramos jaacute conseguimos

Talvez porque o ar inspirado eacute frio e durante esse momento condensa o ar

interior pelo que seria necessaacuterio expandi-lo para que se formasse o som o ar expirado

pelo contraacuterio como eacute impulsionado pelo calor jaacute pode soar Assim afirma Aristoacuteteles

na secccedilatildeo 11 dos Problemas 13 Porque se a aacutegua fria quando entorna provoca mais

estreacutepito do que a quente isso acontece porque a fria eacute mais grave bate mais forte e faz

mais barulho Mas uma vez que para formar a voz nem a inspiraccedilatildeo nem a expiraccedilatildeo

satildeo necessaacuterias por si mesmas mas sim o ar na arteacuteria vocal e dentro da boca como se

percebe da doutrina dos Teoacutelogos que ensinam os corpos que hatildeo-de formar as vozes

dos beatos embora nesse estado o uso da respiraccedilatildeo e da expiraccedilatildeo natildeo possa acontecer

e assim para dar nova satisfaccedilatildeo ao problema proposto a voz natildeo pode ser formada por

qualquer embate do ar contra um corpo mas a partir do ar que se dirige para os oacutergatildeos

proacuteprios e adequados o que soacute pode acontecer quando expiramos e natildeo quando

inspiramos

4 Por que eacute que ouvimos menos quando bocejamos

Resposta Ao bocejar expelimos das pregas da garganta um sopro entorpecido

que tambeacutem chega aos ouvidos preenche-os e provoca um estreacutepito assim esse som

extriacutenseco acaba por ofuscar o que entra Precisamente pela mesma razatildeo se duas

pessoas falam ao mesmo tempo ouvem-se menos pela convergecircncia e repercussatildeo do

som que se atropela mutuamente por isso quando queremos ouvir com precisatildeo

retemos a inspiraccedilatildeo Acrescente-se tambeacutem que os buracos dos ouvidos satildeo

comprimidos quando as mandiacutebulas ao bocejar se afastam e deste modo estatildeo menos

abertas para deixar entrar o ar

5 Existem ou natildeo inuacutemeros defeitos da liacutengua

Resposta Existem de facto Uns gaguejam ou seja natildeo conseguem juntar uma

siacutelaba agrave outra logo de seguida conforme exige o vocaacutebulo e detecircm-se algum tempo na

anterior Por isso acontece igualmente que mesmo que se esforcem natildeo consigam falar

baixinho como diz o Filoacutesofo autor dos Problemas no 35ordm da secccedilatildeo 11 A gaguez no

entanto como tambeacutem acrescenta no problema 54 pode ser provocada pelo frio que

deixa o oacutergatildeo da fala atoacutenito por isso depois de aquecido pela exercitaccedilatildeo ou pelo

vinho jaacute consegue formar um discurso com mais desembaraccedilo como acontece aos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 240

grifos e aos estorninhos pois tornam-se mais faladores se comerem um bocado de carne

ensopado em vinho Portanto praticamente soacute o homem eacute que sofre com o defeito da

gaguez porque de entre todos os animais soacute ele produz uma linguagem verbal a gaguez

constitui entatildeo uma interrupccedilatildeo da articulaccedilatildeo ao falar Leia-se os problemas 55 e 56

da secccedilatildeo citada Aleacutem disso haacute outros que balbuciam ou seja que deixam passar uma

letra ou uma siacutelaba como se dissessem confusamente lsquoConstantoplarsquo e lsquoNpolesrsquo em vez

de lsquoConstantinoplarsquo e lsquoNaacutepolesrsquo Haacute ainda outros que satildeo blesos isto eacute que natildeo

conseguem articular uma determinada letra e assim pronunciam por exemplo lsquoflutorsquo

em vez de lsquofrutorsquo lsquoCapidoacuteliorsquo por lsquoCapitoacuteliorsquo e lsquolapazinhorsquo por lsquorapazinhorsquo

6 Por que eacute que a voz dos medrosos e dos irados treme tal como o queixo

Resposta Porque o coraccedilatildeo eacute fortemente perturbado pelo calor que emana e

por isso se produzem muitos batimentos tal como nas cordas lassas

7 Por que eacute que quem estaacute dentro de casa ouve melhor o som provocado no

exterior mas pelo contraacuterio quem estaacute fora percebe menos o som dentro de casa

Resposta Porque nesta uacuteltima situaccedilatildeo o ar dissipa-se quando se precipita para

o exterior que eacute um espaccedilo mais abrangente e assim o som enfraquece na primeira

pelo contraacuterio ao entrar em casa o ar compacta-se daiacute que necessariamente se ouccedila

melhor Uma razatildeo semelhante parece avanccedilar no que diz respeito agrave visatildeo pois tambeacutem

quando estamos dentro de casa vemos o que estaacute laacute fora melhor do que vemos o que se

passa em casa quando estamos laacute fora Assim eacute pois as espeacutecies que chegam a casa

vindas de fora compactam-se e reuacutenem-se pelo contraacuterio quando se lanccedilam para fora a

partir de casa afastam-se dos olhos Logo quando as recebem no exterior vecircem pior se

for no interior vecircem melhor Acrescente-se que a luz agrave volta dos olhos distrai a visatildeo

para que natildeo possa fixar-se num soacute lugar

8 Por que eacute que se ouve melhor em baixo quem fala numa divisatildeo superior do

que se ouve em cima os que falam numa divisatildeo inferior dado que a voz tal como o ar

tem tendecircncia inata para ascender

Resposta Porque o ar natildeo eacute emitido por quem fala sem um determinado

humor e o humor poreacutem tende a descer Mas natildeo seraacute esta razatildeo particular se nem

todo o som se difunde com o humor Resposta O som ouve-se melhor quando a

disposiccedilatildeo entre ele e a potecircncia eacute mais conveniente ou seja quando o ar natildeo soa

abaixo dos peacutes antes de chegar aos ouvidos mas quando parte de um lugar mais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 241

elevado entatildeo esses mesmos ouvidos que estatildeo elevados por natureza apanham o

referido ar de forma mais conveniente

9 Por que eacute que a noite eacute mais favoraacutevel agrave audiccedilatildeo do que o dia

Talvez seja como afirma Anaxaacutegoras porque o ar aquecido pelo Sol durante o

dia provoca um barulho estridente e perturba durante a noite estaacute em repouso porque

todo o calor desapareceu e entatildeo tudo pode ouvir-se melhor quando natildeo haacute qualquer

estreacutepito Ou porque a faculdade de ouvir se torna mais ampla num meio mais vazio do

que num meio mais cheio E como o ar de dia eacute mais denso porque se enche de luz e de

raios enquanto o nocturno eacute mais raro pois o fogo e os raios deixaram o que se pode

dizer serem corpos A soluccedilatildeo mais perspicaz do problema eacute todavia dada por

Aristoacuteteles pois durante o dia a dedicaccedilatildeo da alma agrave visatildeo agrave intelecccedilatildeo e a tudo o mais

que fazemos diminui a sua atenccedilatildeo para ouvir e na verdade quando o sentido se separa

da inteligecircncia tem menos trabalho de outro modo tem mais por isso se disse afirma

Aristoacuteteles que a mente lsquovecircrsquo e que a mente lsquoouversquo porque assiste a todas as funccedilotildees dos

sentidos e por presidir a todas elas distrai-se Portanto de noite a alma livre da

concorrecircncia da visatildeo pode receber melhor os sons E tambeacutem por esta razatildeo acontece

que de noite sentimos mais a dor porque a alma pouco ocupada com os outros

sentidos aplica-se agrave funccedilatildeo do tacto como escreveu Alexandre no livro 1 dos

Problemas problema 118

10 Seraacute que muitos sons em simultacircneo se fazem ouvir mais longe do que

qualquer um deles em separado

Reposta A questatildeo eacute duacutebia em Aristoacuteteles De facto na secccedilatildeo 19 dos

Problemas 2 escreve mais ou menos assim ldquopor que eacute que a mesma pessoa com a

mesma voz se faz ouvir mais longe quando canta ou grita com outras pessoas do que

sozinhordquo Talvez porque quando se reuacutenem forccedilas natildeo eacute tatildeo difiacutecil fazer uma coisa

como individualmente pois todos os compostos tecircm mais forccedila do que os singulares

por isso quando a voz eacute produzida por um conjunto de bocas torna-se una e empurra o

ar em simultacircneo para conseguir mostrar-se mais forte A experiecircncia e o exemplo

confirmam a opiniatildeo de Aristoacuteteles A experiecircncia porque constatamos que ouvimos um

exeacutercito vociferante mais longe do que um soacute militar ainda que este clamasse com a

mesma intensidade com que vociferava juntamente com os outros e tambeacutem ouvimos

mais longe o murmurinho dos homens nos mercados e no foacuterum do que apenas a voz de

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 242

um ainda que fale mais alto que os outros E por exemplo muitas lucernas do mesmo

esplendor emitem uma luz muito mais lata do que uma soacute e as areias amontoadas podem

ser avistadas de muito longe na praia no entanto soacute de muito perto e com grande custo

se pode discernir cada uma delas Entatildeo por que motivo o que toca ao objecto visiacutevel

natildeo haacute-de servir para o audiacutevel Embora as espeacutecies das vozes singulares natildeo se unam

todavia produz-se uma outra pelo seu conjunto global para que possa chegar mais

longe Mas o mesmo Filoacutesofo na secccedilatildeo 11 dos Problemas 52 conturbou

profundamente esta resposta ao afirmar ldquoPor isso quando muita gente emite a sua voz

ao mesmo tempo em uniacutessono essa voz conjunta mostra-se mais forte do que seria a

voz de cada um todavia natildeo chega mais longe por causa de serem muitos Talvez

porque esse conjunto de pessoas natildeo impele o mesmo ar em simultacircneo mas um

diverso do mesmo modo que se muita gente atirar uma pedra para um alvo diferente

natildeo se vai afastar mais por causa disso do que se um soacute o projectasserdquo E por isso se

torna evidente o quanto eacute duacutebia a dissoluccedilatildeo do problema proposto no texto do Filoacutesofo

A noacutes poreacutem agrada-nos a primeira resposta sobretudo porque foi posteriormente

registada por Aristoacuteteles Ora se algueacutem colocar a posterior agrave prova responderaacute agrave

experiecircncia e ao exemplo apresentados haacute pouco que os sons natildeo se unem no mesmo ar

pelo contraacuterio mantecircm o seu caraacutecter individual nem emitem uma terceira espeacutecie por

conseguinte natildeo eacute por isso que ouvimos a voz ou qualquer outro som mais longe se

for isolado ou mais forte se for produzido com outros semelhantes Ora a experiecircncia

demonstra que de facto a maior quantidade de sons natildeo se faz ouvir mais longe e

assim acontece talvez nas espeacutecies das areias (pois natildeo parece provaacutevel que elas se

unam num todo conjunto) pois eacute obvio que a espeacutecie de cada uma chega aonde todas

chegam em conjunto embora cada uma por si natildeo satisfaccedila tanto a capacidade de ver

nem a ponto de poder ser discernida como o fazem todas ao mesmo tempo sob uma

certa confusatildeo Por outro lado as luzes das lucernas convergem numa soacute por isso natildeo eacute

de admirar se o esplendor chegar agraves partes mais remotas Por fim Aristoacuteteles naquele

problema 2 da secccedilatildeo 19 parece contentar-se com a resposta mais comum

11 Por que eacute que a voz no homem acaba de se formar mais tarde do que nos

outros animais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 243

Resposta Os outros poucas ou nenhumas letras distinguem na voz o homem

pelo contraacuterio inuacutemeras o que eacute mais difiacutecil e exige mais tempo Leia-se tambeacutem

Alexandre no livro 1 dos Problemas 148

12 Por que eacute que a voz pode formar-se mais ou menos intensa embora

conserve a mesma espeacutecie como quando cantamos uma coisa no mesmo tom mas umas

vezes baixinho outras com mais intensidade

Resposta Porque do mesmo modo que uma figura maior pode tornar-se menor

ndash por exemplo o quadrado maior pode tornar-se menor se subtrairmos de todos os lados

partes iguais embora se mantenha dentro da mesma espeacutecie assim a voz ainda que se

torne mais baixa todavia seraacute do mesmo tom do que quando era produzida com mais

energia

13 Por que eacute que os velhos tecircm uma voz treacutemula

Resposta Porque natildeo conseguem conter a voz como costuma acontecer aos

neacutescios e agraves crianccedilas Ao agarrar numa taacutebua muito comprida numa ponta o outro

extremo oscila de facto porque natildeo conseguem suportar e dominar o que tecircm na matildeo e

deve acreditar-se que o mesmo motivo traz a causa da voz treacutemula aos homens

nervosos aos medrosos e aos que tecircm frio Quando algueacutem emite assim a voz eacute porque

a maior parte do seu calor compelido por aquelas afeiccedilotildees estaacute preso dentro de si e o

que resta eacute pouco para conseguir conter a voz por isso ela oscila e estremece daiacute que

os professores de artes liberais232 sabendo que se costumam enervar comecem por falar

com voz branda enquanto se acalmam e estabilizam pois podem mais facilmente

dominar e conter a voz baixa

14 Por que eacute que na trageacutedia se usa a mutaccedilatildeo e a variedade no cantar

Resposta Porque somos influenciados pela diversidade da muacutesica que ora

exalta o excesso ora reprime as tristezas e vai-se adaptando agrave dimensatildeo da calamidade

ou da afliccedilatildeo pelo contraacuterio o que eacute igual e contiacutenuo torna-se menos impressionante

quando chega aos ouvidos

15 Por que eacute que ouvimos com mais agrado se conhecermos a cantilena do que

se a ignorarmos

232 Note-se mais uma vez a fidelidade a Teodoro de Gaza que traduz τεχνικοί por lsquoartium liberales professoresrsquo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 244

Resposta Porque assim chegamos ao fim mas quando natildeo a conhecemos eacute

como se nos perdecircssemos a meio porque ouvir de novo eacute aprender e o aprender gera

alegria Por isso costumamos ouvir com mais agrado as cantilenas solitaacuterias quando satildeo

cantadas com uma soacute flauta ou lira porque compreendemos mais facilmente o que se

canta Uma cantilena acompanhada por muitas liras eacute ofuscada e apaga-se quase por

completo

16 Por que eacute que apesar de a voz do homem ser mais agradaacutevel do que a

flauta todavia natildeo agrada mais ouvi-la quando soa ao modo da flauta apesar de nos

agradar mais ouvirmos o homem que canta do que a flauta que eacute contudo mais

agradaacutevel do que o homem que trauteia233

Resposta Porque o natural tem um resultado mais agradaacutevel do que o artificial

E assim quando o homem canta sobre o som da flauta acrescenta-lhe a articulaccedilatildeo das

palavras por isso natildeo eacute de admirar que se ouccedila com mais prazer quando trauteia pelo

contraacuterio ouve-se com menos prazer do que a flauta porque a imita

17 Por que motivo quem canta com voz grave se desafinar pode mais

facilmente ser apanhado do que quem canta em agudo e assim acontece nos caacutelculos

pois um erro eacute mais evidente se for cometido numa escala maior

Resposta Porque o som grave demora mais tempo daiacute que consiga ser

totalmente percebido pelos ouvidos o agudo poreacutem eacute mais veloz e mais facilmente

escapa e consegue esconder-se

18 Por que motivo quando satildeo muitos a cantar em coro podem manter melhor

os ritmos harmoacutenicos do que quando satildeo poucos

Resposta Porque quando satildeo muitos seguem o seu liacuteder isto eacute o corifeu de

forma mais segura e comeccedilam mais devagar ao acelerar eacute que se estaacute mais propenso a

errar

19 Por que eacute que nos agrada mais ouvir uma cantilena acompanhada da flauta

do que com a lira

Resposta Porque cada um dos sons eacute percebido de forma mais distinta e ambos

se misturam melhor pois tanto a voz humana como o som da flauta satildeo obtidos atraveacutes

de um sopro interno todavia natildeo eacute assim o som da lira Acrescente-se que a flauta pelo

233 Note-se que lsquoteretantemrsquo reconstitui a forma de particiacutepio presente de um verbo natildeo atestado que parece transliterar o grego lsquoτερετίζωrsquo (teretizo) de natureza onomatopaica que significa lsquochilrear palrar trautearrsquo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 245

seu som e natureza oculta muitos erros da cantilena O som da lira sendo teacutenue torna-

se menos capaz de se aliar agrave voz ele manifesta-se isoladamente e ao manter o seu

caraacutecter singelo evidencia todos os erros da cantilena como uma espeacutecie de referecircncia

normativa Ora tendo cometido muitas falhas ao cantar eacute necessariamente inferior

porque o conjunto deriva directamente desse mau desempenho

20 Uma vez que haacute um canal pelo qual a comida e a bebida circulam e outro

pelo qual respiramos por que eacute que nos engasgamos quando comemos um bocado

maior

Resposta Porque como a arteacuteria vocal estaacute junto agrave outra pela qual os alimentos

satildeo ingeridos ela fica necessariamente apertada quando comemos um bocado mais

largo que o normal daiacute que seja preciso denegar caminho agrave respiraccedilatildeo

21 Por que razatildeo entre os sensiacuteveis proacuteprios soacute o som pode ser moralmente

designado bom ou mau pois dizemos que o discurso eacute irasciacutevel jocoso lascivo

prudente ou enganador mas com a cor o odor o sabor ou o frio natildeo eacute assim

Talvez porque o som eacute produzido pelo movimento e a acccedilatildeo faz parte dos

costumes Acrescente-se que os objectos dos outros sentidos natildeo estatildeo sujeitos agrave nossa

liberdade como a voz e estas duas respostas significam o mesmo Na verdade tambeacutem

por vezes nos viramos para o viacutecio porque algum odor nos incentiva ou porque surge

intempestivamente uma lucerna etc Peca-se por causa de uma aproximaccedilatildeo local natildeo

por uma alteraccedilatildeo de odor ou de luz e essa aproximaccedilatildeo como eacute um movimento local

estaacute sujeita agrave nossa liberdade

22 Por que razatildeo quando algo eacute percutido ao longe vemos imediatamente o

gesto e soacute mais tarde ouvimos o estreacutepito ainda que o gesto e o estreacutepito tenham origem

simultaneamente

Porque temos uma visatildeo mais subtil e aacutegil do que a audiccedilatildeo Logo a visatildeo

pode antecipar-se porque eacute mais aacutegil o ouvido como eacute mais pesado desempenha a sua

funccedilatildeo mais lentamente Eacute por esta mesma razatildeo que quando se daacute a fricccedilatildeo e o choque

das nuvens natildeo percepcionamos ao mesmo tempo o trovatildeo e o relacircmpago mas vemos

primeiro o relacircmpago e depois ouvimos o trovatildeo embora o trovatildeo se decirc ao mesmo

tempo que o relacircmpago Seguramente a visatildeo por ser mais aacutegil e mais subtil leva

vantagem e antecipa-se a audiccedilatildeo como eacute mais pesada e mais lenta soacute sente pouco

tempo depois Assim Alexandre no livro 1 dos Problemas na reposta ao problema 38

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 246

parece considerar que o acto de ver se concretiza por uma emissatildeo a partir dos olhos o

que natildeo eacute assim Logo a soluccedilatildeo exacta deste problema seraacute embora tanto a acccedilatildeo de

ver como a de ouvir possam produzir-se no mesmo momento todavia as espeacutecies

auditivas chegam agrave potecircncia com o movimento e por isso mais tarde do que as visuais

que abrem caminho instantaneamente porque ainda que natildeo tenham oposiccedilatildeo as

reacuteplicas deslocam-se no espaccedilo e por isso natildeo seraacute de admirar se demorarem a

aproximar-se

23 Por que eacute que as crianccedilas quando ouvem muacutesicas primeiro param de

chorar e depois adormecem

Resposta Alexandre no livro 1 dos Problemas 121 escreve assim porque a

muacutesica eacute introduzida nas almas pela natureza como as outras ciecircncias e natildeo eacute pelo

ensino mas pela reminiscecircncia que a adquirimos como garantiu Platatildeo Portanto

sempre que a alma sente uma sinfonia mais rebuscada a reminiscecircncia e a repeticcedilatildeo

levam a que a crianccedila sossegue e adormeccedila agrave medida que vai acalmando ateacute que

finalmente se abstrai do mundo envolvente Mas esta eacute a perspectiva platoacutenica Logo

mais correcta eacute a de Aristoacuteteles na secccedilatildeo 19 dos Problemas 38 Diz ele ldquoPor que eacute

que todos se costumam divertir com os ritmos as melodias e enfim todos os tipos de

canto Talvez porque tudo foi pensado e ordenado de acordo com a natureza para que

justamente nos possa divertir e disso indiacutecio eacute que quando trabalhamos bebemos e

comemos de forma ordenada conservamos e aumentamos a natureza e as nossas forccedilas

quando agimos desordenadamente daacute-se o contraacuterio Ora a sinfonia eacute uma mistura ou

seja a combinaccedilatildeo ordenada dos contraacuterios que mantecircm entre si uma relaccedilatildeo

reciacuteprocardquo E assim Aristoacuteteles pretende que o conjunto das vozes recreie os ouvidos

porque eacute regulado por certas leis exigidas pela natureza dessa realidade o que tambeacutem

costuma acontecer com outros objectos dos sentidos e se assim natildeo fosse as cores natildeo

encantavam os olhos numa pintura nem os sabores na comida que eacute temperada de um

modo preciso Acrescenta poreacutem Aristoacuteteles que tambeacutem os modos improvisados dos

cacircnticos isto eacute aqueles que natildeo satildeo criados pela arte tambeacutem deleitam se nos

habituarmos a eles seguramente porque o costume obteacutem a mesma forccedila da natureza

24 Por que razatildeo os que satildeo surdos por natureza desde o nascimento tambeacutem

satildeo mudos toda a vida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 247

Resposta Os que nunca ouviram tambeacutem natildeo podem falar Ora os meacutedicos

satildeo de opiniatildeo que se trata do mesmo par de nervos em que uma parte se estende para a

liacutengua e outra para os ouvidos e assim daacute-se necessariamente um efeito comum Na

verdade negam que aqueles que ensurdecem por doenccedila se tornam mudos porque

apenas uma parte ou seja a que foi confiada agrave funccedilatildeo de ouvir teraacute perdido as suas

forccedilas e confirmam igualmente que os que ficam mudos pela mesma causa tambeacutem natildeo

se tornam surdos porque se daacute apenas a lesatildeo de um dos nervos o que diz respeito agrave

liacutengua

QUARTA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO OLFACTO

Sobre a estrutura do nariz falou-se no livro 2 Sobre a alma capiacutetulo 9 ao

longo de vaacuterias questotildees Aristoacuteteles na secccedilatildeo 33 dos Problemas expotildee algumas

qualidades do nariz bem como dos oacutergatildeos e dos sentidos que se seguem sobretudo

sobre a causa pela qual a natureza destes trecircs eacute mais densa daiacute que nem forneccedilam ao

intelecto um conhecimento pleno de si mesmos ou dos objectos nem apresentem tanta

mateacuteria de ensino como os dois anteriores Por esse motivo iremos tratar deles de forma

mais concisa

1 Por que eacute que todos os rapazes tecircm o nariz achatado sobretudo os que tecircm

cabelo crespo o que se verifica especialmente na raccedila dos Etiacuteopes nos quais pouco se

eleva o nariz

Certamente porque o nariz eacute uma cartilagem que tem a mesma natureza dos

ossos no entanto nos corpos mais quentes como os rapazes e os de cabelo crespo a

mateacuteria eacute mais densa e menos aproveitaacutevel e como eacute esta que se transforma em ossos

cresce menos

2 Por que motivo espirramos

Certamente porque o sopro e o vapor satildeo extraiacutedos dos humores atraveacutes do

calor E de facto o ar eacute colhido no exterior por uma forccedila que o arrasta atraveacutes das

narinas e depois repleto de vapores eacute expelido para fora atraveacutes da forccedila expulsiva

libertando a cabeccedila Por isso natildeo espirramos enquanto dormimos graccedilas ao calor

impelido para o interior das nossas entranhas nem tatildeo pouco quando esfregamos os

olhos pois nesse momento o calor maior que adveacutem da fricccedilatildeo sobrepotildee-se ao menor

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 248

que causava a vontade de espirrar ou entatildeo o humor que deveria sair com o espirro sai

com a laacutegrima Pelo contraacuterio espirramos ao olharmos para o sol porque quando essa

luz chega aos olhos ou quando satildeo tocados por uma pena aquecem mais facilmente

Por uacuteltimo por que eacute que o facto de o espirro provir do calor faz com que

suprima o soluccedilo Eacute tambeacutem o soluccedilo uma agitaccedilatildeo de ar que tenta sair do pulmatildeo daiacute

que lhe cause uma distensatildeo do mesmo modo que o arroto eacute ar que sai do estocircmago

Aleacutem disso entre os animais o homem eacute quem mais espirra porque em proporccedilatildeo tem

o ceacuterebro maior onde se concentra a mateacuteria do espirro e narinas mais largas para

empurrar o ar para o exterior daiacute que os velhos espirrem com mais dificuldade porque

tecircm por natureza as narinas mais comprimidas Por fim o espirro produz-se

geralmente em duplicado ou mais mas nunca um soacute Satildeo boas as narinas em que a veia

se divide e atraveacutes dela o sopro circula

QUINTA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO GOSTO

1 Por que eacute que as crianccedilas e as mulheres graacutevidas desejam avidamente coisas

desagradaacuteveis sobretudo ateacute ao terceiro mecircs

Resposta Porque a qualidade do viacutecio arrasta-se para o interior do ventre com

o sangue menstrual e excita a apetecircncia da qualidade cognata Deste modo se o interior

do ventre eacute infestado pela atrabiacutelis deseja carvotildees tijolos cozidos e este tipo de objectos

de barro Se estaacute imbuiacutedo da aacutecida pituiacuteta apetece-lhe os sabores aacutecidos etc Este viacutecio

no entanto geralmente natildeo se prolonga para aleacutem do terceiro mecircs porque o feto

quando eacute maior pode fazer desaparecer por completo a abundacircncia de sangue

menstrual e por isso natildeo seraacute de admirar se as crianccedilas que se alimentam do referido

sangue tambeacutem desejarem aquelas coisas que dissemos Leia-se Alexandre no livro 2

problema 74

2 Por que eacute que embora as coisas doces sejam mais agradaacuteveis que as aacutecidas

noacutes nos saturamos mais rapidamente das primeiros do que das outras

Resposta Porque a fome ou a apetecircncia de comida dura tanto tempo quanto

natildeo soacute o estocircmago mas tambeacutem os membros estatildeo privados de alimento e como todos

os doces satildeo geralmente nutritivos o que natildeo acontece com os aacutecidos e por isso os

primeiros extinguem mais rapidamente a fome do que os outros ora sem fome o

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 249

estocircmago e a gula nada podem aceitar Aleacutem disso haacute algumas pessoas sobretudo a

maior parte dos doentes que aborrecem os doces mesmo antes de comer e apetece-lhes

os aacutecidos O motivo eacute o facto de estes destruiacuterem o humor quente ou seja a biacutelis

amarela Logo nesta mateacuteria a natureza fica satisfeita

3 Por que eacute que quando comemos um fruto podre sentimos um amargor mais

forte depois de ter bebido vinho do que antes

Resposta Porque o amargor levado pelo vinho e excitado pelo proacuteprio calor do

vinho penetra mais facilmente no oacutergatildeo do gosto e assim sente-se com mais veemecircncia

4 Por que eacute que o patildeo o queijo e a maioria das coisas quando arrefecem sabem

pior e quando requentadas sabem melhor

Resposta Porque o sabor nos alimentos frios condensa e ganha consistecircncia

poreacutem nos aquecidos dilui-se assim o sabor ganha um travo agradaacutevel Mas como os

doces quentes se saboreiam menos que os frios certamente o oacutergatildeo do gosto tem tacto

Entatildeo o calor como se sente mais ofusca o acto de tomar o gosto e tambeacutem porque o

sabor doce eacute quente e assim a sensaccedilatildeo de doccedilura deixa-se perturbar um pouco quando

aquecida pelo calor que se lhe junta

5 Por que eacute que os figos embora sejam moles e doces ofendem os dentes

Resposta Porque aderem agraves gengivas pela sua viscosidade e quando penetram

nos dentes rapidamente os fazem apodrecer pelo calor inserido aleacutem disso tambeacutem

pela dureza dos gratildeos prejudicam os dentes

6 Por que eacute que a bebida se torna mais agradaacutevel depois de comer qualquer

coisa azeda

Resposta Porque os contraacuterios quando dispostos uns ao peacute dos outros tornam-

se mais notoacuterios Do mesmo modo que o descanso depois do trabalho eacute mais agradaacutevel

embora natildeo seja melhor em si proacuteprio do que depois de outro periacuteodo de descanso e

assim por diante

7 Por que eacute que a liacutengua pode tornar-se e sentir-se amarga salgada ou aacutecida

mas natildeo doce

Resposta Porque aquelas qualidades satildeo corrupccedilotildees da natureza enquanto a

doccedilura eacute natural e ningueacutem pode sentir a sua proacutepria natureza segundo Aristoacuteteles

secccedilatildeo 34 dos Problemas 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 250

SEXTA SECCcedilAtildeO

SOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO TACTO

1 Por que eacute quem se magoa de forma raacutepida e inadvertida sofre menos do que

quem o faz propositadamente

Resposta Porque os primeiros tecircm o espiacuterito ocupado e como este estaacute

distraiacutedo com outras ocupaccedilotildees aplica-se menos agrave percepccedilatildeo da ferida Os outros

concentram-se no membro ferido e por isso sofrem ainda mais pelo mesmo motivo

quem carrega pesos ou se entrega por completo ao trabalho vai-se distraindo com o

canto porque o espiacuterito presta atenccedilatildeo agrave suavidade dos ritmos e assim esquece-se do

trabalho como se costuma dizer Eacute tambeacutem por isso que devemos recorrer a flautas e

tambores nos momentos de luto e para os que lamentam a morte de um familiar ou

estatildeo doentes devemos preparar uma reuniatildeo de amigos seguramente o espiacuterito acaba

por distrair-se com as conversas variadas e livra-se do desgosto Leia-se Alexandre no

livro 1 dos Problemas 77 e 78 E tambeacutem porque se os golpes forem previstos como

diz Gregoacuterio Magno magoam menos e isto eacute por vezes verdade na medida em que

preparamos um remeacutedio e uma forma de distracccedilatildeo graccedilas ao conhecimento preacutevio de

um mal iminente

2 Por que eacute que quando nos tocam sobretudo se for agraves escondidas e com

maliacutecia arrepiamo-nos mais ou faz-nos mais coacutecegas do que se fossemos tocados por

noacutes proacuteprios ou por outrem mas agrave vista de todos

Resposta Porque sentimos menos o que nos eacute natural e inato Assim a liacutengua

sente menos o sabor doce que lhe eacute inato do que o acre ou o amargo aleacutem disso o que

algueacutem faz agrave vista de todos eacute para noacutes quase natural E tambeacutem porque o que se faz agrave

traiccedilatildeo ocorre de forma mais terriacutevel e assim o medo e ateacute o horror satildeo estimulados

por um arrepio E por conseguinte isto tambeacutem se aplica ao riso porque a surpresa e a

maliacutecia satildeo objectos do riso E do mesmo modo temos mais coacutecegas nas axilas nas

plantas dos peacutes e nas orelhas porque o toque destas partes eacute mais insoacutelito e para aleacutem

disso porque tecircm a cuacutetis mais teacutenue daiacute que sejam os laacutebios o ponto onde temos mais

coacutecegas

3 Por que eacute que toda a gente se arrepia da mesma forma mas natildeo pelos

mesmos motivos pois um eacute pelo rasgar das vestes outro pelo aguccedilar da serra ou pelo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 251

puxar quando se corta outro pelo partir da pedra-pomes outro ainda pelo seixo

quebrado pelo moinho outros por verem comidas fastidiosas

Resposta Tal como nem todos gostam das mesmas coisas mas antes de acordo

com o diferente temperamento do corpo assim por causa dessa mesma variedade natildeo se

deixam incomodar pelos mesmos motivos mas por aquilo que eacute mais estranho ao

caraacutecter de cada um

4 Por que eacute que tambeacutem quando somos salpicados pela aacutegua quente

estremecemos com esse contacto

Resposta Porque tememos o que existe por natureza na aacutegua ou seja o frio

Logo ainda que ela esteja quente mesmo assim eacute-nos sugerida a sua disposiccedilatildeo natural

5 Por que eacute que os dentes sentem mais o frio do que o quente e com a carne

acontece o contraacuterio

Resposta Porque os dentes estatildeo ligados por canais mais teacutenues e dotados de

menos calor E assim tecircm menos resistecircncia contra o frio A carne pelo contraacuterio eacute

quente e por isso menos afectada pelo frio e mais pelo calor como se o fogo se juntasse

ao fogo Veja-se Aristoacuteteles secccedilatildeo 34 dos Problemas 3

6 Por que eacute que classificamos os homens como moderados apenas em funccedilatildeo

destes dois sentidos ou seja do tacto e do gosto e natildeo dos outros

Resposta Porque os prazeres comuns aos homens e agraves bestas satildeo administrados

por estes sentidos logo desprezamos tudo o que eacute desse tipo temos vergonha disso e

procuramos reprimi-lo Veja-se Aristoacuteteles secccedilatildeo 28 dos Problemas 2 e 3

E agora basta sobre os problemas que dizem respeito agraves potecircncias externas da

alma Todavia natildeo prosseguimos com um projecto sobre as outras faculdades dessa

mesma alma porque os conhecimentos do senso comum a que Aristoacuteteles costuma

recorrer nos Problemas natildeo fornecem mateacuteria suficiente Resta apenas que este

trabalho que o Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus graccedilas a um esforccedilo

comum inseriu na ediccedilatildeo do curso de toda a Filosofia possa agradar a Deus que desde

o princiacutepio o protegeu e impulsionou para a finalidade pretendida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 252

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Livros de Aristoacuteteles intitulados

Os Pequenos Naturais

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 253

PROEacuteMIO234

Mateacuteria tratada na obra Os livros de Aristoacuteteles que os nossos filoacutesofos

intitulam Pequenos Naturais isto eacute pequenos opuacutesculos sobre mateacuterias naturais satildeo

uma espeacutecie de suplemento aos livros Sobre a Alma Contecircm pois uma explicaccedilatildeo de

certas disposiccedilotildees que ou satildeo comuns a todos os seres vivos como a morte e a vida ou

soacute aos animais como a vigiacutelia o sono e a respiraccedilatildeo Seguimos entatildeo nesta obra o

mesmo meacutetodo e organizaccedilatildeo de escrita que nos Meteoroloacutegicos pelos motivos que aiacute

expusemos Poreacutem no que diz respeito aos livros Sobre o Sentido e o Sensiacutevel em que

Aristoacuteteles disserta em particular sobre os oacutergatildeos dos sentidos e seus objectos

decidimos nada comentar sobre eles nesta obra porque toda essa discussatildeo foi por noacutes

largamente tratada e ilustrada nos livros Sobre a Alma que com a Graccedila de Deus

havemos de publicar em breve juntamente com os livros Sobre a Geraccedilatildeo e a

Corrupccedilatildeo

234 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 254

Algumas Disputas do Curso Conimbricense sobre os

Livros da Eacutetica a Nicoacutemaco de Aristoacuteteles integrando

certos preciacutepuos capiacutetulos da disciplina de Eacutetica

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 255

PROEacuteMIO235

Que ningueacutem pode sair perfeito Filoacutesofo sem estar imbuiacutedo dos preceitos da

ciecircncia moral indica-o agrave saciedade quer aquela conhecida divisatildeo em que os Antigos

distribuiacuteam a Filosofia ndash em Dialeacutectica Natural e Moral236ndash quer porque para se

filosofar rectamente tal como para se viver bem e felizmente se torna necessaacuterio ver o

que eacute honesto o que eacute desonesto o que se deve aceitar ou repelir Este conhecimento

pertence agrave Filosofia Moral

Por esta razatildeo aos que se dedicam agrave carreira das boas artes esta disciplina ndash

porque natildeo se pode explicar integral e absolutamente aos que tendem para outras coisas

ndash costuma e deve ensinar-se ao menos em parte A fim de que isso seja facilmente

possiacutevel julgaacutemos nosso dever redigir umas tantas disputas em que reuniacutessemos com

ordem e em suma algumas das melhores questotildees que foram tratadas dispersamente por

Aristoacuteteles nos livros da Moral a Nicoacutemaco

Omitimos poreacutem como nos livros dos Meteoros e dos Pequenos Naturais a

interpretaccedilatildeo do contexto aristoteacutelico natildeo por imaginarmos que deva ser desprezado

mas porque atendemos natildeo ao que foi por outros escrito ou o possa ser por noacutes mas ao

que eacute possiacutevel explicar aos alunos de Filosofia no espaccedilo determinado dos anos que

lhes estaacute prescrito

Finalidade desta disciplina Portanto o desiacutegnio e fim da ciecircncia moral eacute

ensinar o modo de viver honestamente instruir na probidade dos costumes e levar ao

feliz estado da vida

Divisatildeo E porque o homem enquanto deste modo se pode regular e instruir

ou se considera em si mesmo sem relaccedilatildeo agrave multidatildeo a que aliaacutes pertence por ser

animal social ou enquanto eacute parte da comunidade domeacutestica ou enquanto eacute como que

membro de toda a Repuacuteblica ndash segue-se daiacute que esta ciecircncia conteacutem trecircs partes a Moral

ou Monaacutestica a Economia ou Familiar a Poliacutetica ou Civil A primeira regula os

costumes do homem considerado absolutamente em si a segunda ensina a disciplina

domeacutestica e prepara para o governo da proacutepria famiacutelia a terceira estabelece a Repuacuteblica

235 Trad ABA236 Sobre esta divisatildeo Aristoacuteteles livro 1 dos Toacutepicos cap 12 Santo Agostinho no livro 8 Da Cidade de Deus cap 4 Alcino no livro Da doutrina de Platatildeo Euseacutebio no princiacutepio do livro 11 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 256

ideal e dirige o homem para que realize com acerto o que respeita agrave conservaccedilatildeo de todo

o reino e ao bem universal

Sobre esta divisatildeo Alcino no livro Da Doutrina de Platatildeo cap 4 Filatildeo Judeu

no livro Da Embriaguecircs Satildeo Tomaacutes na Suma 1ordf 2ordf questatildeo 48 artigo 2 e iniacutecio do

livro 1 da Moral

Sujeito O sujeito de toda a ciecircncia moral (que do exposto jaacute facilmente se

colige) eacute o homem enquanto actua livremente e se pode aperfeiccediloar com os bons

costumes e alcanccedilar a felicidade humana considerado poreacutem debaixo daquela triacuteplice

variedade de que falaacutemos haacute pouco Da Moral a que pertencem como diremos em

breve os livros da Moral eacute sujeito o homem tomado no primeiro sentido

Ordem Expusemos na Fiacutesica237 o lugar que toda esta disciplina ocupa entre as

demais quer na ordem da doutrina quer na da dignidade Das trecircs partes dela a Moral

precede as outras duas natildeo soacute na ordem da doutrina como da natureza porque disputa

acerca de coisa mais simples a saber da conformaccedilatildeo do homem individual Isto eacute mais

simples do que a famiacutelia que proveacutem de cada um dos homens e do que o reino que se

forma com o conjunto das famiacutelias e cidades E ainda porque eacute necessaacuterio antes de

mais regular a proacutepria vida do que atender ao governo da famiacutelia ou da Repuacuteblica

Por essa razatildeo tambeacutem Aristoacuteteles pocircs no princiacutepio da Moral a Nicoacutemaco um

Proeacutemio comum a toda a doutrina moral e no fim da mesma prometeu disputar a seguir

acerca da Repuacuteblica e da maneira de elaborar leis

ACERCA DOS LIVROS MORAIS DE ARISTOacuteTELES

PARTICULARMENTE DA MORAL A NICOacuteMACO

Como os antigos Filoacutesofos apenas se ocupavam da investigaccedilatildeo e ciecircncia das

coisas naturais diz-se que Soacutecrates como testemunha Xenofonte no livro dos seus

ditos e Ciacutecero no livro 1 das Questotildees Acadeacutemicas238 foi o primeiro que fez derivar o

labor filosoacutefico para a morigeraccedilatildeo da vida e que colocou nas cidades e nos lares a

doutrina dos costumes como saiacuteda do Ceacuteu

Sobre o mesmo assunto escreveram depois admiravelmente os seus muito

ilustres disciacutepulos Platatildeo e Aristoacuteteles De Platatildeo subsistem alguns Diaacutelogos que dizem

237 No proeacutemio de toda a obra238 Lede Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica cap 6 e no livro 13 cap 4 e das Partes dos animais cap 1 Santo Agostinho livro 8 Da Cidade de Deus cap 3 Lactacircncio livro 3 cap 13

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 257

respeito aos costumes particulares como o Meacutenon o Eutiacutefron o Filebo o Criacuteton

outros que concernem aos costumes puacuteblicos como as Leis e a Repuacuteblica Aristoacuteteles

poreacutem encerrou todas as partes desta ciecircncia em vaacuterias obras quer dizer em cerca de

cento e setenta e oito livros de que chegaram ateacute noacutes os dez livros da Moral a

Nicoacutemaco os sete a Eudemo os dois que se dizem ἠθικά μεγάλα isto eacute a Grande

Moral De disciplina domeacutestica dois que se chamam Econoacutemicos do governo da

Repuacuteblica oito que se denominam Poliacuteticos239

Divergecircncia acerca do autor da Moral a Nicoacutemaco Omitindo agora outras

questotildees advertimos que haacute dissensatildeo acerca do autor dos livros da Moral a Nicoacutemaco

de que eacute tirado em grande parte o que reunimos nestas disputas Com efeito Tuacutelio no

livro 5 dos Fins imagina que foram compostos por Nicoacutemaco filho de Aristoacuteteles

Favorece esta opiniatildeo que teve outros seguidores o proacuteprio tiacutetulo do livro Chamam-se

efectivamente ἠθικῶν Νικομαχέιον isto eacute dos Morais nicoacutemacos Estas palavras

significam claramente que satildeo de Nicoacutemaco isto eacute escritos por Nicoacutemaco

Deve poreacutem afirmar-se com a opiniatildeo comum de outros inteacuterpretes que estes

livros satildeo aristoteacutelicos como o justifica a harmonia da doutrina a brevidade e o peso

das sentenccedilas o aguilhatildeo dos argumentos o contexto da dicccedilatildeo e todo o modo de

ensinar Igualmente porque no fim desta obra o Autor remete o leitor para os seus livros

da Repuacuteblica ou da Poliacutetica e no livro sexto capiacutetulo 3 para os seus Analiacuteticos ndash obra

esta que consta ser aristoteacutelica Denominam-se pois esses livros nicoacutemacos natildeo

porque tenham sido compostos por Nicoacutemaco mas porque satildeo de Nicoacutemaco isto eacute natildeo

soacute intitulados a Nicoacutemaco mas tambeacutem presenteados pela afeiccedilatildeo paternal

Distribuiccedilatildeo da doutrina da Moral a Nicoacutemaco Esta obra distribui-se em dez

livros No primeiro trata-se do fim a que se dirigem as acccedilotildees humanas No segundo

das virtudes em geral No terceiro dos princiacutepios das acccedilotildees honestas em que tambeacutem

comeccedila a explicaccedilatildeo de cada uma das virtudes No quarto continua-se a tratar das

mesmas virtudes No quinto disserta-se acerca da justiccedila No sexto dos cinco haacutebitos do

intelecto No seacutetimo da virtude heroacuteica da continecircncia e da incontinecircncia No oitavo

da amizade e suas espeacutecies No nono ensinam-se algumas coisas pertencentes agrave

amizade No deacutecimo disputa-se da beatitude contemplativa

239 Lede Dioacutegenes Laeacutercio e Plutarco na Vida de Aristoacuteteles

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 258

1ordf DISPUTA

ACERCA DO BEM

Como o objecto da Filosofia Moral consiste em conduzir o homem agrave

felicidade a qual felicidade eacute um bem e o fim uacuteltimo da vida humana trataremos um

pouco adiante da felicidade e do que a ela conduz Antes poreacutem dissertaremos do bem

e do fim mas raacutepida e brevemente Com desenvolvimento escrevemos do fim e da sua

multiplicidade e do poder de causar no livro segundo da Fiacutesica Auscultaccedilatildeo do bem

trataremos propositadamente no livro quarto da Metafiacutesica

2ordf DISPUTA

ACERCA DO FIM

Depois do tratado do bem segue-se disputar acerca do fim E primeiramente

mostra-se a parte negativa da controveacutersia pelo facto de o bem enquanto bem significar

relaccedilatildeo de conveniecircncia e o fim enquanto fim supor relaccedilatildeo de causa final

3ordf DISPUTA

DA FELICIDADE

Nesta discussatildeo deve saber-se antes de mais que a felicidade natildeo eacute senatildeo o

sumo bem do homem Boeacutecio no livro 3 da Consolaccedilatildeo prosa 2 define-a lsquoestado

perfeito que encerra todos os bensrsquo e Tuacutelio 3 das Questotildees Tusculanas lsquouniatildeo de bens

que compreende todos os secretos malesrsquo

Acerca de nenhuma coisa poreacutem se debateu com tanta variedade de opiniotildees

entre os Filoacutesofos como a respeito da felicidade do homem

4ordf DISPUTA

DOS TREcircS PRINCIacutePIOS DOS ACTOS HUMANOS

VONTADE INTELECTO E APETITE SENSITIVO

Visto que a principal consideraccedilatildeo da ciecircncia moral se ocupa dos actos

humanos com os quais se estabelece ou nos quais consiste a felicidade humana pede a

natureza da doutrina que depois de termos tratado da felicidade disputemos dos actos

humanos e primeiramente dos principais da vontade do intelecto e do apetite sensitivo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 259

5ordf DISPUTA

DA BONDADE E DA MALIacuteCIA DAS ACCcedilOtildeES HUMANAS EM GERAL

Trataacutemos dos princiacutepios dos actos humanos Agora disputaremos dos proacuteprios

actos humanos natildeo absolutamente pois semelhante consideraccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do

Filoacutesofo Moral mas quanto agrave sua bondade e maliacutecia na medida em que atingem a

felicidade humana levando-nos para ela ou impedindo-nos a sua consecuccedilatildeo

6ordf DISPUTA

DOS ESTADOS DA ALMA QUE SE CHAMAM PAIXOtildeES

A natureza da doutrina pede que antes de tratarmos das virtudes dissertemos

acerca das paixotildees Com efeito como algumas virtudes morais estatildeo inerentes ao apetite

sensitivo e se destinam a moderar-lhe e coibir-lhe as inclinaccedilotildees sem a noccedilatildeo destas

natildeo se pode explicar comodamente a natureza e o poder das virtudes

7ordf DISPUTA

DAS VIRTUDES EM GERAL

Falta-nos falar das virtudes E primeiramente delas em geral depois em

particular Esta disputa tem grande interesse na Filosofia Moral porque eacute com as

virtudes que nos tornamos bons e por elas as acccedilotildees ficam honestas e sem elas natildeo se

pode alcanccedilar a felicidade que eacute o alvo da ciecircncia moral

8ordf DISPUTA

DA PRUDEcircNCIA

Agora vai-se dissertar de cada uma das virtudes morais e em primeiro lugar da

prudecircncia que tem entre elas o primeiro lugar jaacute por residir no intelecto que eacute mais

nobre que o apetite jaacute porque dirige as outras Por isso Satildeo Gregoacuterio no livro 2 de

Ezequiel hom 22 ensina que as outras virtudes se natildeo fazem prudentemente o que

fazem de forma nenhuma podem ser virtudes e Platatildeo reduzia todas as virtudes agrave

prudecircncia dizendo que sem o apoio dela eram como que estaacutetuas de Deacutedalo partidas

fugazes e instaacuteveis240

240 Estobeu Sermones 1 e 4

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 260

9ordf DISPUTA

DAS RESTANTES VIRTUDES MORAIS

1ordf QUESTAtildeO

DA JUSTICcedilA

Dignidade da justiccedila Entre as virtudes absolutamente morais tem lugar

principal a justiccedila quer em razatildeo do sujeito quer em razatildeo do objecto Em razatildeo do

sujeito porque como as outras virtudes morais inerem no apetite sensitivo ela reside no

apetite racional isto eacute na vontade para moderar e reprimir as perturbaccedilotildees daquele

como ensina Aristoacuteteles no livro 5 da Moral capiacutetulo 1 Em razatildeo do objecto as outras

virtudes morais tratam por si somente e por finalidade proacutepria do bem daquilo em que

estatildeo Mas segundo a justiccedila cada um comporta-se bem para com os outros

proporcionando-lhes a equidade Por isso Aristoacuteteles no lugar citado diz que a justiccedila

eacute um bem de outro As virtudes poreacutem que para os outros satildeo honestiacutessimas satildeo

consideradas utiliacutessimas como o mesmo assevera no livro 1 da Retoacuterica capiacutetulo 9

2ordf QUESTAtildeO

DA FORTALEZA

Da fortaleza disputa Platatildeo no livro 21 que se intitula Laques Aristoacuteteles no

livro 3 da Moral desde o capiacutetulo 6 Santo Ambroacutesio no livro 1 Das Obrigaccedilotildees desde

o capiacutetulo 35 Santo Agostinho no livro da Vida Feliz Filatildeo Judeu no livro 1 Legum

Allegoria Satildeo Tomaacutes na Suma 2ordf 2ordf q 123

Adverte antes de mais que a fortaleza se toma de dois modos De um

enquanto causa certa firmeza e constacircncia de alma para empreender acccedilotildees honestas

nesta razatildeo estaacute a comum condiccedilatildeo de qualquer virtude porque como ensina Aristoacuteteles

no livro 2 da Moral capiacutetulo 4 eacute proacuteprio da virtude proceder firmemente e

pacificamente Segundo esta acepccedilatildeo trata Satildeo Gregoacuterio acerca da fortaleza livro 7 dos

Morais capiacutetulo 9

De outro modo toma-se fortaleza enquanto designa firmeza de alma em

suportar os perigos e tolerar os trabalhos Deste modo eacute virtude especial reclamando

conforme o objecto o temor e a audaacutecia que existem nas ditas coisas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 261

3ordf QUESTAtildeO

DA TEMPERANCcedilA

(hellip) Da mesma forma que a fortaleza trata do temor e da audaacutecia e

principalmente dos perigos da morte tambeacutem a temperanccedila se estabelece na moderaccedilatildeo

dos prazeres dos sentidos e das dores especialmente em regular os prazeres do tacto e

do gosto que satildeo os maiores

Page 3: COMENTÁRIOS A ARISTÓTELES DO CURSO JESUÍTA CONIMBRICENSE ...

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 3

Filosofia europeia conheceu um sucesso tremendo Em pouco tempo os

oito volumes dos Comentaacuterios a Aristoacuteteles do Curso Jesuiacuteta

Conimbricense expandiram-se do Atlacircntico aos Urais (o seu leitor mais

famoso deve ter sido o francecircs Descartes) Mais ainda o sucesso

estendeu-se agrave Ameacuterica do Sul e agrave China e natildeo seraacute meacuterito menor do

Curso portuguecircs o facto de se tratar da primeira obra de filosofia

ocidental a ser ldquotraduzidardquo para chinecircs2 O facto eacute relevante e pode

orgulhar-nos num tempo como o nosso marcado pelo multiculturalismo

e acalentando um verdadeiro diaacutelogo de civilizaccedilotildees

Com maior ou menor sucesso e ultrapassando a dimensatildeo

geograacutefica tecircm-se tentado rastrear as marcas e influecircncias destes

conspiacutecuos textos ou ldquomanuais mais avanccediladosrdquo de filosofia no

pensamento europeu3 Aleacutem do mencionado Descartes as figuras mais

citadas ou sob esse aspecto estudadas satildeo as de Joatildeo Poinsot

Christoph Scheibler G Leibniz B Espinosa Thomas Hobbes o jovem

John Locke Agostinho Lourenccedilo (pregador de Catarina de Braganccedila

sereniacutessima Rainha da Gratilde-Bretanha) e Charles S Peirce este uacuteltimo

seguramente um dos maiores filoacutesofos norte-americanos4 Estamos no

entanto em crer que esta lista iraacute ser cada vez mais alargada e

sobretudo aprofundada como conveacutem

2 Em dois textos sobretudo o Estagirita havia delineado a sua

versatildeo de um ldquosistemardquo Num deles lia-se o seguinte ldquoAnteriormente

trataacutemos das causas primeiras da natureza de tudo o que diz respeito 2 Cf R Wardy Aristotle in China Language Categories and Translation Cambridge 2000 Este assunto ainda permanece em aberto e sobre certos tiacutetulos aristoteacutelicos dever-se-ia falar antes em ldquoadaptaccedilatildeordquo em vez de ldquotraduccedilatildeordquo ndash para jaacute natildeo falar mesmo de ldquotexto originalrdquo tal como a nosso ver acontece por exemplo com o De anima da autoria de Francesco Sambiasi (1582-1649) ou melhor a Humilde discussatildeo sobre questotildees da alma vd Isabelle Duceux La introduccioacuten del aristotrelismo en China a traveacutes del lsquoDe animarsquo Siglos XVI-XVII Meacutexico 20093 Cf C Leijenhorst The Mechanisation of Aristotelianism The Late Aristotelian Setting of Thomas Hobbesrsquo Natural Philosophy Leiden-Boston-Koln 2002 191 para a expressatildeo entre aspas4 Cf JP Doyle ldquoIntroductionrdquo in The Conimbricenses Some Questions on Signs Translated with Introduction and Notes by John P Doyle Milwaukee 2001 20-21 especialmente para a recepccedilatildeo da Loacutegica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 4

ao movimento natural [sc Physica] da translaccedilatildeo ordenada dos astros

na regiatildeo superior [sc De Coelo I-II] dos elementos corpoacutereos do seu

nuacutemero das suas qualidades das suas reciacuteprocas transformaccedilotildees e

por fim da geraccedilatildeo e da corrupccedilatildeo consideradas sob o seu aspecto geral

[sc De Coelo III-IV e De Generatione et Corruptione] Neste programa de

investigaccedilotildees resta examinar a parte que nos autores que nos

precederam recebeu o nome de meteorologia [sc Meteororum] (hellip) Uma

vez estudados estes temas teremos de ver se podemos utilizar o mesmo

meacutetodo para dar conta dos animais e das plantas consideradas em geral

e em particular [tratados zooloacutegicos e De plantis]rdquo5

A citaccedilatildeo eacute ilustrativa de algum pendor organizado

eventualmente arquitectoacutenico com que o Estagirita articulava a filosofia

natural A seguir voltaremos ao segundo dos textos mas pode jaacute ver-se

que aqueles comentadores que no futuro pensaram e ensinaram

Aristoacuteteles segundo um programa articulado natildeo podiam estar muito

afastados de uma ou outra indicaccedilatildeo do proacuteprio Filoacutesofo Se a obra

aristoteacutelica como bem sabemos hoje esteve longe do caraacutecter

sistemaacutetico que os seus seguidores lhe atribuiacuteram eacute indubitaacutevel que na

histoacuteria do peripatetismo ndash o devir de Aristoacuteteles ndash dominam as

apresentaccedilotildees sistemaacuteticas O mesmo aconteceraacute com os textos de

Coimbra natildeo obstante a sua atribulada publicaccedilatildeo6

Isto significa que vamos publicar a seguir os textos natildeo pela

ordem (acidental) da sua ediccedilatildeo7 tanto mais que privilegiaacutemos

sobretudo a traduccedilatildeo dos Proeacutemios mas da sua sistematicidade ou

5 Aristoacuteteles Meteoroloacutegicos I 1 338a-339a9 a respeito da Fiacutesica Os parecircnteses rectos satildeo evidentemente da nossa responsabilidade O outro texto seraacute As Partes dos Animais I 1 639a1-642b4 a respeito da organizaccedilatildeo da Biologia Sobre este assunto vd A P Mesquita Obras Completas de Aristoacuteteles Introduccedilatildeo Geral Lisboa 2005 256 2586 Cf sobre o assunto M S de Carvalho ldquoIntroduccedilatildeo Geralrdquo in Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus Sobre os trecircs livros do Tratado Da Alma de Aristoacuteteles Estagirita Lisboa 2010 9 e sg7 Foi a seguinte a ordem acidental da publicaccedilatildeo Physica (1592) De Coelo Meteororum Parva Naturalia Ethica (1593) De Generatione et Corruptione (1597) De Anima (1598) Dialectica (1606) sobre este assunto veja-se o estudo citado na nota imediatamente anterior

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 5

arquitectoacutenica O motivo que presidiu agrave escolha principal dos textos a

traduzir estaacute assim facilmente justificado Pela sua proacutepria natureza na

maior parte dos casos os Proeacutemios fornecem uma indicaccedilatildeo preciosa

sobre os conteuacutedos das obras e o modo como os seus autores as

dividiam ou viam Abrem entatildeo a seacuterie os textos da Loacutegica da autoria

de Sebastiatildeo do Couto seguindo-se coerentemente os textos de Manuel

de Goacuteis pela seguinte ordem Physica de Coelo de Generatione et

Corruptione Meteororum De Anima e Parva Naturalia Pelas razotildees que

adiante se indicaratildeo eacute mester que a Ethica seja o uacuteltimo dos tiacutetulos do

sistema que deveraacute por isso constituir-se num todo integrando as

seguintes etapas que respeitam os textos que efectivamente saiacuteram dos

prelos loacutegica ldquofiacutesicardquo ldquobiologiardquo e eacutetica Tambeacutem pelas razotildees de todos

conhecidas ndash dado ocupar-se da forma do raciociacutenio a ldquoanaliacuteticardquo natildeo

tem lugar entre as ciecircncias constituindo-se como mero organon ou

instrumento da pesquisa ndash a loacutegica (tambeacutem denominada dialeacutectica)

teria de ser a primeira das mateacuterias Sabemos mesmo que ela era talvez

excessivamente exaustiva na pedagogia jesuiacuteta coimbratilde

Apresentemos entatildeo primeiro o responsaacutevel pelo volume da

Dialeacutectica Sebastiatildeo do Couto (1567-1639) nasceu em Olivenccedila e

ingressou na Companhia de Jesus em Eacutevora aos quinze anos de idade

onde naturalmente seguiu os vaacuterios cursos do curriacuteculo desde as

Humanidades agrave Teologia passando pela Filosofia Faleceu em Montes

Claros com cinquenta e sete anos de idade Embora tivesse passado a

maior parte da sua vida acadeacutemica (ateacute 1620) ensinando na

Universidade de Eacutevora Couto leu (com soiacutea dizer-se entatildeo) isto eacute

ensinou um curso completo de Filosofia no Coleacutegio de Coimbra (1597-

1601) Cada curso de Filosofia tinha a duraccedilatildeo de quatro anos lectivos8

8 Entre 1552 e 1565 o curriculum era assim organizado (embora natildeo se deva depreender que era seguido tal e qual 1ordm ano 1ordm trimestre De terminorum introductione Dialectica Porphyrius Isagoge 2ordm trimestre In Aristotelis Praedicamenta Perihermeneias Topica (iniacutecio) 3ordm trimestre Topica (ateacute VII) I-IV Ethicorum 2ordm ano 1ordm trimestre Analytica Priora VIII Topicorum Analytica Posteriora (iniacutecio) 2ordm trimestre Analytica Posteriora (continuaccedilatildeo e conclusatildeo) V-VI Ethicorum 3ordm trimestre VII-X Ethicorum De sophisticis elenchis I-II Physicorum 3ordm ano 1ordm trimestre

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 6

Teraacute sido durante o periacuteodo coimbratildeo que Couto redigiu o seu

comentaacuterio agrave Dialeacutectica ndash na sequecircncia aliaacutes de um episoacutedio com o seu

quecirc de rocambolesco ou mesmo de policial ligado ao ldquofurtordquo de um

Comentaacuterio agrave Loacutegica que veio a ser editado no centro da Europa em

1604 ndash assim fechando a publicaccedilatildeo do Curso (1606) Posteriormente

Couto ter-se-aacute envolvido numa poleacutemica sobre o estatuto da

matemaacutetica Enquanto nas suas muito aplaudidas liccedilotildees coimbratildes

Cristoacutevatildeo Borri defendia a cientificidade dessa mateacuteria Couto negava-a

pelo que procurou inviabilizar a publicaccedilatildeo das mesmas contra o

parecer dos seus colegas de Coimbra e de Lisboa9 Importa notar que a

Loacutegica ou Dialeacutectica integrava os seguintes livros comentados

irregularmente de Porfiacuterio a Isagoge e de Aristoacuteteles todos os tiacutetulos

componentes do chamado Organon ou seja Categorias (Categoriarium)

A Interpretaccedilatildeo (de Interpretatione) Primeiros Analiacuteticos (de Priori

Resolutione) Segundos Analiacuteticos (librum Posteriorum) Toacutepicos (librum

Topicorum) e Elencos Sofiacutesticos (libros Elenchorum) Para os comentar e

como era usanccedila Couto teve que sobretudo compilar afeiccediloando agrave sua

maneira os cursos manuscritos preexistentes que circulavam entre

Eacutevora e Coimbra Isto mesmo jaacute o havia feito o outro o principal

responsaacutevel pelos restantes volumes os primeiros a saiacuterem do prelo

Vinte e quatro anos mais velho do que Sebastiatildeo do Couto

Manuel de Goacuteis (1543-1597) nasceu em Portel e faleceu em Coimbra

Tendo ingressado na Companhia de Jesus com dezassete anos uma vez

concluiacutedos os estudos leccionou no Coleacutegio de Jesus da cidade do

Mondego dois cursos completos (1574-78 e 1578-82) Apoacutes o abandono

por Pedro da Fonseca (1528-1599) da organizaccedilatildeo da impressatildeo do

II-VIII Physicorum 2ordm trimestre De coelo et mundo De generatione et corruptione Metaphysica (iniacutecio) 3ordm trimestre I-IV Meteororum I-II De Anima Metaphysica (continuaccedilatildeo) 4ordm ano III De Anima Parva naturalia Metaphysica (conclusatildeo) Depois de 1565 o curriculum passou a ser assim definido 1ordm ano Dialeacutectica 2ordm ano Loacutegica Fiacutesica e Eacutetica 3ordm ano Metafiacutesica Pequenos Naturais 4ordm ano (um semestre) A Alma9 Cf WGL Randles ldquoLe ciel chez les jeacutesuites espagnols et portugais (1590-1651)rdquo in L Giard (dir) Les Jeacutesuites agrave la Renaissance Systegraveme Eacuteducatif et Production du savoir Paris 1995 139

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 7

Curso Filosoacutefico Conimbricense Manuel de Goacuteis tomou rapidamente a

seu cargo assaz ingente tarefa responsabilizando-se assim pela quase

totalidade dos oito volumes a saber a Fiacutesica (1592) o Ceacuteu os

Meteoroloacutegicos os Pequenos Naturais e a Eacutetica (1593) A Geraccedilatildeo e a

Corrupccedilatildeo (1597) e A Alma (1598) Cabe acrescentar que este uacuteltimo

volume pode ter contado com a colaboraccedilatildeo editorial de Cosme de

Magalhatildees (1551-1624) ndash tratava-se afinal de um ediccedilatildeo poacutestuma ndash e

que tambeacutem o jesuiacuteta Baltasar Aacutelvares (1560-1630) pode ter dado a sua

contribuiccedilatildeo redactorial aos dois apecircndices desse mesmo volume um

sobre A Alma Separada (cujo Proeacutemio seraacute adiante traduzido) outro

sobre o pseudo-aristoteacutelico Problemas relativos aos Cinco Sentidos

(excepcionalmente traduzido em versatildeo integral) Uma nota mais e uma

lembranccedila a de que o volume sobre O Ceacuteu publica tambeacutem um

apecircndice atinente aos quatro elementos do Mundo e que os chamados

Pequenos Naturais integram a seacuterie seguinte de oito tiacutetulos Memoacuteria e

Reminiscecircncia Sono e Vigiacutelia Sono Adivinhaccedilatildeo pelos Sonhos

Respiraccedilatildeo Juventude e Velhice Vida e Morte Longueza e Brevidade da

Vida

3 Uma palavra adicional sobre o desenho ou a arquitectoacutenica do

sistema jesuiacuteta conimbricense Nada haacute a fazer notar quanto ao facto de

a loacutegica ou dialeacutectica representarem o princiacutepio ou o iniacutecio dessa

enciclopeacutedia filosoacutefica Aleacutem do caraacutecter propedecircutico ou instrumental

da disciplina conforme o havia definido Aristoacuteteles e jaacute o recordaacutemos a

loacutegica conforme referido por um dos melhores conhecedores dos textos

dos nossos Jesuiacutetas deveria funcionar tambeacutem ldquocomo propedecircutica da

teologia e como suporte racional da estrutura sistemaacutetica destardquo10 Natildeo

soacute porque o dogma catoacutelico por um lado e a superaccedilatildeo do cepticismo

por outro forccedilavam ldquoa inserccedilatildeo no campo da loacutegica de questotildees

metafiacutesicasrdquo mas sobretudo porque ldquoo fim proacuteximo da loacutegica ou a sua

10 A Coxito Estudos sobre a Filosofia em Portugal no seacuteculo XVI Lisboa 2005 170

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 8

funccedilatildeo consiste em indicar a via e as normas de discorrerrdquo enquanto ldquoo

seu fim remoto ou mediato eacute a proacutepria actividade discursivardquo11 Neste

sentido os nossos jesuiacutetas dividem a loacutegica em pura ou teoacuterica (docens)

e aplicada (utens) tratando a primeira ldquoas leis e as formas gerais do

pensamento loacutegico independentemente de qualquer conteuacutedordquo e a

segunda visando a anaacutelise dos ldquoprocessos do pensamento aplicados a

esta ou agravequela ciecircnciardquo12 Enquanto ciecircncia autoacutenoma e praacutetica (na

acepccedilatildeo de Aristoacuteteles) ndash no fim de contas ela ensina-nos a discorrer

correctamente e sem erro ndash mas parte integrante da filosofia a loacutegica

tem um estatuto proacuteprio aleacutem de ser condiccedilatildeo preacutevia para o estudo das

outras disciplinas13 O leitor encontraraacute adiante a traduccedilatildeo da

totalidade dos Proeacutemios dos vaacuterios livros que compotildeem a Dialectica e

ainda de alguns toacutepicos filosoacuteficos mais sensiacuteveis como uma introduccedilatildeo

agrave semioacutetica (o sinal e a significaccedilatildeo) um excerto sobre o famigerado

problema dos universais e o tratamento do grave problema da induccedilatildeo

Segue-se a ldquofiacutesicardquo na qual evidentemente temos de

compreender a metafiacutesica mateacuteria aliaacutes ndash importa frisaacute-lo ndash sobre as

qual natildeo obstante algumas promessas feitas (nomeadamente por Goacuteis

e Couto) jamais se deu agrave estampa qualquer volume Aleacutem da

metafiacutesica a fiacutesica ou filosofia natural devia explorar a matemaacutetica

Sobre esta disciplina pouco ou nada se encontra nos volumes do nosso

Curso ndash o Coleacutegio de Santo Antatildeo em Lisboa seria nesta mateacuteria

muitiacutessimo superior14 ndash mas apesar de tudo os autores preconizam que

se comecem os estudos de filosofia natural pela matemaacutetica (da

geometria agrave aritmeacutetica) dada a sua maior simplicidade didaacutectica e se

concluam com a metafiacutesica ldquoa rainha de todas as ciecircnciasrdquo

Independentemente da sua nobreza teoreacutetica epistemoloacutegica e

11 Id ibid 17212 Id ibid 17213 Cf Id ibid 169-8514 Cf H Leitatildeo A Ciecircncia na ldquoAula da Esferardquo no Coleacutegio de Santo Antatildeo 1590-1759 Lisboa 2007 Sphaera Mundi A ciecircncia na Aula da Esfera Manuscritos cientiacuteficos do Coleacutegio de Santo Antatildeo nas colecccedilotildees da BNP Lisboa 2008 passim

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 9

ontoloacutegica a metafiacutesica soacute pode ser estudada a seguir agrave fiacutesica pois esta

ndash cuja autonomia tambeacutem se reivindica de modo veemente ndash dado

conviver com a substacircncia material comeccedila pela experiecircncia sensiacutevel

sempre mais acessiacutevel para noacutes15 Entenda-se evidentemente que ao

metafiacutesico caberia estudar a primeira causa as inteligecircncias e tudo o

que nem eacute material nem inclui a mateacuteria como base da sua

constituiccedilatildeo E por fim que a fiacutesica ou filosofia natural sendo tambeacutem

uma ciecircncia contemplativa (isto eacute natildeo praacutetica na acepccedilatildeo de

Aristoacuteteles) manteacutem a sua dignidade proacutepria incoacutelume ao estudar a

substacircncia material tudo enfim que eacute sujeito agrave transformaccedilatildeo Sobre

todos estes domiacutenios poderaacute ler-se nesta Antologia algumas paacuteginas

Natildeo menos problemaacuteticas seratildeo finalmente as componentes da

ldquobiologiardquo e da eacutetica (e poliacutetica) A primeira que evidentemente pertence

agrave fiacutesica por direito proacuteprio dada a sua relaccedilatildeo por exemplo com a

psicologia ou a ligaccedilatildeo com os pequenos tratados de naturalibus A

eacutetica depois porque no proacuteprio texto Goacuteis discute amplamente o seu

lugar no sistema (ordo) e a sua relaccedilatildeo com os demais saberes16 Ora

em As Partes dos Animais ndash o segundo dos dois textos de Aristoacuteteles a

que comeccedilaacutemos por nos referir ndash o Filoacutesofo consagrara uma passagem

agraves vaacuterias maneiras de se construir uma ciecircncia da alma O excerto

punha em questatildeo se a fiacutesica se devia ocupar da alma no seu todo ou

apenas de certas partes da alma17 Entrando em diaacutelogo com algumas

15 Cf MS de Carvalho ldquoA questatildeo do comeccedilo do saber numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia do seacuteculo XVI portuguecircsrdquo in AAVV Razatildeo e Liberdade Homenagem a Manuel Joseacute do Carmo Ferreira Lisboa 2010 993-100916 Cf Id Psicologia e Eacutetica no Curso Jesuiacuteta Conimbricense Lisboa 201017 Aristoacuteteles De Part An I 1 641a 32 b8 ldquoO que ficou dito levanta a questatildeo de saber se eacute toda a alma ou apenas uma parte dela cuja consideraccedilatildeo cabe no campo da ciecircncia natural Ora bem se for da alma toda que ela deve tratar entatildeo natildeo haacute lugar para qualquer outra filosofia mais aleacutem daquela Dado que pertence em todos os casos a uma e a mesma ciecircncia tratar dos temas correspondentes ndash uma e a mesma ciecircncia por exemplo trata da sensaccedilatildeo e do objecto do sentido ndash e como portanto haacute uma correspondecircncia entre a alma intelectiva e os objectos do intelecto eles devem pertencer a uma e a mesma ciecircncia segue-se que a ciecircncia natural teraacute de incluir tudo no seu campo Mas talvez natildeo seja toda a alma nem todas as suas partes em conjunto que constitui o princiacutepio do movimento mas agrave semelhanccedila das plantas pode haver uma parte que eacute o princiacutepio do crescimento outra a saber a parte sensitiva princiacutepio da mudanccedila qualitativa e outra ainda que natildeo eacute a parte

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 10

teorias propaladas no seu tempo os Jesuiacutetas de Coimbra entendem que

o De Anima natildeo aborda o estudo do corpo dotado de animaccedilatildeo ou

movimento (assim havia ensinado por exemplo o filoacutesofo Paulo de

Veneza no seacuteculo XV) mas da alma na sua integralidade No caso de se

acompanhar a tese de Veneto As Partes dos Animais deveriam ser

preacutevias ao De Anima mas na posiccedilatildeo que os Jesuiacutetas adoptam o livro

do De Anima deve seguir-se imediatamente ao livro dos Meteoroloacutegicos

Operava-se naquele livro de facto a transiccedilatildeo para o que hoje

chamamos ldquobiologiardquo Os nossos autores querem dizer assim que a

ldquopsicologiardquo parte do orgacircnico na sua expressatildeo mais basilar

Comeccedilando no estudo da alma em geral (o orgacircnico-vegetativo) acabar-

se-aacute por chegar agrave alma intelectiva ou actividade do pensamento a qual

se vecirc por isso integrada desde a sua raiz no seio da proacutepria fiacutesica

Leia-se adiante a questatildeo traduzida do volume sobre A Alma texto aliaacutes

de que tambeacutem damos uma versatildeo parcial da outra componente textual

dos volumes ie aleacutem da ldquoquaestiordquo a ldquoexplanatiordquo ajudando assim a

ver melhor talvez natildeo soacute o elevado padratildeo filoloacutegico e filosoacutefico dos

volumes como quiccedilaacute o seu perfil ldquohipertextualrdquo18

Eacute assaz diferente a situaccedilatildeo da eacutetica e da poliacutetica Apesar de nada

terem escrito sobre poliacutetica ndash diferentemente aliaacutes do que muitos outros

distintos Jesuiacutetas fizeram em outros quadrantes geograacuteficos (ou mesmo

Luiacutes de Molina em Eacutevora)19 ndash os portugueses vatildeo retrogradamente

submeter a poliacutetica agrave eacutetica Mais do que sublinharem a maturidade

necessaacuteria ao estudo da eacutetica eles evidenciavam a necessidade desta

intelectiva o princiacutepio de locomoccedilatildeo Porque outros animais aleacutem do Homem tecircm a faculdade da locomoccedilatildeo embora em nenhum haja o intelecto Eacute entatildeo manifesto que natildeo eacute da alma toda que devemos tratarrdquo18 Cf S Wakuacutelenko ldquoEnciclopedismo e Hipertextualidade nos lsquoCommentarii Collegii Conimbricensis in Universam Dialecticam Aristotelis Stagiritae (Coimbra 1606)rdquo in O Pombo et al (ed) Enciclopeacutedia e Hipertexto Lisboa 2006 302-35719 Cf I Borges-Duarte (org) Luiacutes de Molina regressa a Eacutevora Eacutevora 1998 passim CA de Moura R Zeron ldquoO debate sobre a escravidatildeo ameriacutendia e africana nas Universidades de Salamanca e Eacutevorardquo in LM Carolino e C Z Camenietzski (coord) Jesuiacutetas Ensino e Ciecircncia Seacuteculos XVI-XVIII Casal de Cambra 2005 205-26 poderaacute ver-se ainda Francisco Suaacuterez De Legibus Livro I Da Lei em Geral Apresentaccedilatildeo MC Henriques Introd e trad G Moita trad L Cerqueira Lisboa 2004

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 11

para que algueacutem se possa dotar dos conhecimentos provenientes das

demais ciecircncias mormente das ciecircncias da natureza Admitindo

embora que um ldquocientistardquo dominado pela eacutetica investigaria melhor o

saber da moral agrave semelhanccedila do saber da loacutegica eacute de caraacutecter praacutetico

razatildeo pela qual aquela deve ser sempre uma ciecircncia inferior a qualquer

uma das contemplativas ndash matemaacutetica fiacutesica e metafiacutesica (isto era mais

uma vez doutrina de Aristoacuteteles) ndash natildeo obstante reconhecerem a sua

inegaacutevel utilidade para a ldquosociedade civilrdquo conforme diriacuteamos hoje

Compreende-se desta maneira a particularidade do volume da Eacutetica no

quadro dos restantes volumes do Curso mas importaria acrescentar

que os alunos voltariam agrave mateacuteria eacutetica de novo nos seus estudos de

Teologia entatildeo sob o prisma dos chamados ldquoCasos de Consciecircnciardquo

Acabaacutemos por justificar a ordem da publicaccedilatildeo dos textos desta

Antologia

4 Tanto quanto nos eacute dado saber satildeo pouquiacutessimas as traduccedilotildees

modernas dos textos dos nossos Jesuiacutetas Contaacutemos primeiro a

traduccedilatildeo portuguesa do volume da Eacutetica contendo tambeacutem uma versatildeo

parcial da Introduccedilatildeo agrave Fiacutesica pela matildeo do erudito Antoacutenio Banha de

Andrade Publicada em 1957 a ediccedilatildeo encontra-se hoje totalmente

esgotada20 e os textos aqui reproduzidos deste tradutor portuguecircs com

a devida veacutenia provecircm dessa mesma ediccedilatildeo Soacute em 1997 eacute que se

traduziu para inglecircs uma pequena parte ndash a disputa III ndash do volume da

Eacutetica21 A sua autora Jill Kraye parece justificar o seu trabalho

sobretudo destacando no artigo 2 respeitante agrave beatitude sobrenatural

na vida futura o combate contra o voluntarismo (especialmente o

franciscano) e tambeacutem ldquocontra aqueles que argumentavam que o

intelecto e a vontade estatildeo simultaneamente envolvidos na beatituderdquo

20 Curso Conimbricense I Pe Manuel de Goacuteis Moral a Nicoacutemaco de Aristoacuteteles Introduccedilatildeo estabelecimento do texto e traduccedilatildeo de Antoacutenio Alberto de Andrade Lisboa 195721 Cambridge Translations of Renaissance Philosophical Texts I Moral Philosophy Ed by J Kraye Cambridge 1997 81-87

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 12

aleacutem de ser sensiacutevel ao largo e ecleacutectico espectro de fontes citadas pelos

nossos autores22 No mesmo idioma John P Doyle traduziu em 2001 o

primeiro livro da secccedilatildeo da Loacutegica dedicada ao livro drsquoA Interpretaccedilatildeo

(De Interpretatione)23 Verdadeiramente entusiasmado com aquela

secccedilatildeo centrada sobretudo na semioacutetica o tradutor e anotador

reconhecia que ldquothese pages of the Conimbricenses represent the first

really major seventeenth treatise on signsrdquo E acrescentava a respeito

da questatildeo 5 ldquoSuch discussion and others like it show the

Conimbricenses to be aware of many epistemological psychological

metaphysical and theological questions which can be raised with

regard to signs and signification In this they also display an

understanding of the breadth and scope of semiotics itselfrdquo24 Talvez

tenha sido a descoberta de Doyle a justificar a tentativa de Serhii

Wakuacutelenko primeiro natildeo de traduccedilatildeo mas de uma paraacutefrase na nossa

liacutengua de uma secccedilatildeo da teoria dos signos25 Agrave semelhanccedila do trabalho

de J Kraye e dada importacircncia actual do tema Filipa Medeiros

assinou em 2009 uma nova versatildeo da disputa III da Eacutetica26 Por fim

assinale-se a monumental traduccedilatildeo do Comentaacuterio sobre A Alma da

autoria de Maria da Conceiccedilatildeo Camps27

Tanto quanto nos eacute dado saber nada mais se divulgou Tivemos

tambeacutem noacutes com um absoluto lamento de renunciar ao projecto de

traduccedilatildeo integral do Curso outrora acalentado por Banha de Andrade e

por Arnaldo de Miranda Barbosa Natildeo quisemos poreacutem privar o puacuteblico 22 Ibid 8023 The Conimbricenses Some Questions on Signs Translated with Introduction and Notes by John P Doyle Milwaukee 200124 ldquoIntroductionrdquo in The Conimbricenses Some Questions on Signs 17 e 18 respectivamente25 S Wakuacutelenko ldquoEnciclopedismo e Hipertextualidade nos lsquoCommentarii Collegii Conimbricensis in Universam Dialecticam Aristotelis Stagiritae (Coimbra 1606)rdquo in O Pombo et al (ed) Enciclopeacutedia e Hipertexto Lisboa 2006 302-35726 Manuel de Goacuteis SJ Tratado da Felicidade Disputa III do lsquoComentaacuterio aos Livros das Eacuteticas a Nicoacutemacorsquo Estudo e Introduccedilatildeo complementar de Maacuterio S de Carvalho nova traduccedilatildeo do original latino e notas de F Medeiros Lisboa 200927Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus Sobre os trecircs livros do Tratado Da Alma de Aristoacuteteles Estagirita Traduccedilatildeo do original latino por Maria da Conceiccedilatildeo Camps Introd geral agrave Traduccedilatildeo Apecircndices e Bibliografia de Maacuterio Santiago de Carvalho Lisboa 2010

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 13

leitor mais curioso e inquieto da possibilidade de pelo menos ficar a

conhecer algumas parcelas desta tatildeo importante iniciativa filosoacutefica

nacional e internacional Talvez a maior da nossa histoacuteria filosoacutefica

mas seguramente a mais internacional de todas as produccedilotildees filosoacuteficas

portuguesas Ficaacutemo-nos assim por uma Antologia decerto incompleta

ndash somos noacutes proacuteprio a confessaacute-lo ndash a qual poderaacute ser progressivamente

aumentada melhorada ateacute que num futuro qualquer a consciecircncia

nacional seja merecedora de uma ediccedilatildeo integral Natildeo podemos ignorar

que face agrave crescente ignoracircncia do latim arriscamo-nos a perder

definitivamente estes textos contemplando-os como se fossem

curiosidades para bizarros e cada vez mais exoacuteticos especialistas Os

tradutores dos textos a seguir satildeo por isso credores da nossa fraterna

estima e profundo agradecimento e a sua superior responsabilidade

autoral apareceraacute identificada em nota da seguinte maneira por ordem

alfabeacutetica Alberto Banha de Andrade (ABA) Maria da Conceiccedilatildeo

Camps (MCC) Amacircndio A Coxito (AC) Paula Barata Dias (PBD) e

Filipa Medeiros (FM) A esta uacuteltima se fica tambeacutem a dever o cuidado

preparatoacuterio da Antologia que o Leitor tem agora no seu monitor28

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 31 de Dezembro de 2010

Maacuterio Santiago de Carvalho

28 FM eacute ainda responsaacutevel pelo trabalho de fixaccedilatildeo da totalidade das notas que no texto latino aparecem agrave margem e que agora por razotildees editoriais oacutebvias ou foram dispostas em peacute de paacutegina (casos sobretudo de citaccedilotildees bibliograacuteficas ou autorais) ou aparecem no proacuteprio texto assinaladas a itaacutelico (normalmente iacutendices ou toacutepicos de facilitaccedilatildeo da leitura)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 14

SUMAacuteRIO DAS TRADUCcedilOtildeES

- DialeacutecticaDialectica (1606)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus a Toda a Dialeacutectica

de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis e Societate Iesu In universam Dialecticam Aristotelis Stagiritaebull As artes quem as inventou e em que eacutepocabull Sobre as seitas daqueles que ao longo dos tempos ensinaram as artes liberais e

a filosofia sobretudo a Itaacutelica e a Ioacutenicabull Da seita dos Acadeacutemicos e dos Estoacuteicosbull Da seita dos peripateacuteticos Do engenho e do ensino de Aristoacutetelesbull Proeacutemio do Comentaacuterio agrave Isagoge de Porfiacuterio Sobre o autor o objectivo o

tiacutetulo a organizaccedilatildeo e a utilidade desta obrabull Proeacutemio do Comentaacuterio aos Livros das Categorias de Aristoacuteteles Estagirita

Sobre o autor e o tiacutetulo deste livro Mateacuteria utilidade e disposiccedilatildeo deste livrobull Proeacutemio aos Livros da Interpretaccedilatildeo de Aristoacuteteles Sobre o escopo e o

objectivo desta obra Sobre a organizaccedilatildeo o tiacutetulo e outras coisas deste tipobull Proeacutemio ao Segundo Livro da Interpretaccedilatildeobull Comentaacuterios aos Livros de Aristoacuteteles Estagirita sobre Os Primeiros Analiacuteticos

Sobre o tiacutetulo o assunto a divisatildeo e a organizaccedilatildeo destes livros Sobre a organizaccedilatildeo e a divisatildeo destes livros

bull Proeacutemio ao Primeiro Livro dos Primeiros Analiacuteticos de Aristoacutetelesbull Comentaacuterios aos Livros de Aristoacuteteles Estagirita sobre os Segundos Analiacuteticos

Tiacutetulo e meacutetodo destes livros etcbull Proeacutemio ao Primeiro Livro dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Livro Segundo dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesbull Comentaacuterios ao Primeiro Livro dos Toacutepicos de Aristoacuteteles Estagirita Sobre o

autor a mateacuteria a ordem e a utilidade desta obrabull Proeacutemio do Comentaacuterio aos Dois Livros dos Elencos de Aristoacuteteles Estagiritabull Outros textos de Loacutegica Sinal e Significaccedilatildeo Os Universais A Induccedilatildeo

- FiacutesicaPhysica (1592)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Oito Livros da

Fiacutesica de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemio aos oito livros da Fiacutesica de Aristoacuteteles Sobre a designaccedilatildeo e a

definiccedilatildeo de filosofiabull Sobre a dupla organizaccedilatildeo da Filosofiabull Questatildeo I Se eacute correcto dividir a filosofia contemplativa em Metafiacutesica

Fisiologia e Matemaacuteticabull Artigo 1ordm Natildeo parece correcto dividir-sebull Artigo 2ordm Refere-se as diversas posiccedilotildees dos Autores e estabelece-se qual delas

eacute a verdadeira

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 15

bull Artigo 3ordm Pode-se distinguir correctamente as partes da Filosofia Contemplativa de acordo com a variedade das abstracccedilotildees em relaccedilatildeo agrave mateacuteria e ao movimento

bull Artigo 4ordm Nas disciplinas matemaacuteticas natildeo haacute apenas um tipo de abstracccedilatildeo da mateacuteria

bull Artigo 5ordm Explicaccedilatildeo de algumas duacutevidas para esclarecer melhor o que se disse anteriormente

bull Artigo 6ordm Dissolvem-se os argumentos apresentados no iniacutecio da questatildeobull Questatildeo II Seraacute a Filosofia natural verdadeira e propriamente uma ciecircncia ou

natildeobull Artigo 1ordm O que pensaram alguns dos Antigos sobre a questatildeo apresentada e

argumentos a favor da sua opiniatildeobull Artigo 2ordm A Fiacutesica eacute verdadeira e propriamente uma ciecircnciabull Artigo 3ordm Refuta-se os Acadeacutemicos para quem tanto na Fiacutesica como nas

restantes mateacuterias tudo era duacutevida e incertezabull Artigo 4ordm Dissoluccedilatildeo dos argumentos do primeiro artigobull Questatildeo III A Filosofia Natural eacute uma ciecircncia contemplativa ou praacuteticabull Artigo 1ordm Argumentos que parecem provar que eacute praacuteticabull Artigo 2ordm Estabelece-se a posiccedilatildeo verdadeira e dissolve-se os trecircs argumentos

da parte contraacuteriabull Artigo 3ordm Dilui-se o uacuteltimo argumento do primeiro artigo e investiga-se se a arte

de curar eacute contemplativabull Questatildeo IV O ente moacutevel seraacute um assunto da Fisiologiabull Artigo 1ordm Dissoluccedilatildeo da questatildeobull Artigo 2ordm Argumentos contra o que se concluiu no artigo anteriorbull Artigo 3ordm Responde-se aos argumentos do artigo anteriorbull Questatildeo V Que ordem ou lugar cabe agrave Filosofia Natural no conjunto das

restantes disciplinasbull Artigo 1ordm Sobre a hierarquia dos saberesbull Artigo 2ordm Com que argumentos se contesta as conclusotildees do artigo anteriorbull Artigo 3ordm Explicaccedilatildeo dos argumentos anterioresbull Artigo 4ordm Sobre a hierarquia da dignidade entre a Fiacutesica e as outras partes da

Filosofiabull Sobre a divisatildeo da Filosofia em Aristoacutetelesbull Por que motivo os livros da Fiacutesica se intitulam Περὶ τῆς φυθσικῆς ακροάσεως

ou seja Sobre a auscultaccedilatildeo naturalbull Sobre a ordenaccedilatildeo e a mateacuteria dos livros da Auscultaccedilatildeo Fiacutesicabull Proeacutemio ao Primeiro Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Segundo Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Terceiro Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Quarto Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Quinto Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Sexto Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Seacutetimo Livro da Fiacutesica de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao Oitavo Livro da Fiacutesica de Aristoacuteteles

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 16

bull Outros textos da Fiacutesica Fiacutesica versus Metafiacutesica A luz inata do intelecto O conceito de ldquonaturezardquo Natureza e Arte O Acaso Natureza e Finalidade Como os seres naturais atingem os seus fins

- O CeacuteuDe Coelo (1593)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Quatro Livros

Sobre O Ceacuteu de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In Quatuor libros de Coelo Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemio aos quatro Livros Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao primeiro Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao segundo Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao terceiro Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Proeacutemio ao quarto Livro Sobre o Ceacuteu de Aristoacutetelesbull Tratado de alguns Problemas sobre aspectos relativos aos quatro elementos do

Mundo distribuiacutedos pelo mesmo nuacutemero de secccedilotildees Proeacutemio

- A Geraccedilatildeo e a CorrupccedilatildeoDe Generatione et Corruptione (1597)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Dois Livros

Sobre a A Geraccedilatildeo e a Corrupccedilatildeo de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In duos libros De Generatione et Corruptione Aristotelis Stagiritaebull Sobre a organizaccedilatildeo do ensino sobre o assunto o tiacutetulo e a divisatildeo desta obrabull Proeacutemio ao primeiro livro bull Proeacutemio ao segundo livro

- MeteoroloacutegicosMeteororum (1593)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Livros dos

Meteoroloacutegicos de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In libros Meteororum Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemiobull Tratado III Acerca dos Cometas bull Capiacutetulo I Algumas consideraccedilotildees dos filoacutesofos quanto agrave mateacuteria e agrave

natureza dos cometasbull Capiacutetulo II Refutaccedilatildeo das afirmaccedilotildees anterioresbull Capiacutetulo III Explicaccedilatildeo de Aristoacuteteles e declaraccedilotildees verdadeiras quanto agrave

mateacuteria e agrave natureza dos cometasbull Capiacutetulo IV Acerca da localizaccedilatildeo da inflamaccedilatildeo da durabilidade do

movimento e das cores dos cometasbull Capiacutetulo V O que anunciam os cometasbull Capiacutetulo VI Quanto agraves figuras e diversidades dos cometasbull Capiacutetulo VII Quanto agrave estrela que brilhou aos Magos quando Cristo nasceu

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 17

- A AlmaDe Anima (1598)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Trecircs Livros

Sobre A Alma de Aristoacuteteles Estagirita Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In tres libros de Anima Aristotelis Stagiritaebull Proeacutemio aos Trecircs Livros do Tratado Sobre a Alma de Aristoacuteteles Utilidade

ordem mateacuteria tratada e particcedilatildeo destes Livrosbull Questatildeo Uacutenica Se o estudo da alma intelectiva respeita agrave doutrina da fisiologia

ou natildeobull Artigo 2ordm Resoluccedilatildeo de toda a questatildeobull A Alma de Aristoacuteteles ndash Livro I Explicaccedilatildeo do Capiacutetulo Ibull Proeacutemio do Livro Segundo do Tratado Da Alma de Aristoacutetelesbull Proeacutemio do Terceiro Livro do Tratado Da Alma de Aristoacutetelesbull Livro II Capiacutetulo I Questatildeo 6ordf Se a alma intelectiva eacute verdadeira forma do

Homem ou natildeo Artigo II Natildeo pode negar-se que a alma intelectiva eacute verdadeira e propriamente forma do Homem

bull Tratado da Alma Separada Proeacutemiobull Tratado sobre alguns Problemas relativos aos cinco sentidos divididos pelo

mesmo nuacutemero de secccedilotildees bull Primeira secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos agrave faculdade de verbull Segunda secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos agrave audiccedilatildeobull Terceira secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao som e agrave vozbull Quarta secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao olfactobull Quinta secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao paladarbull Sexta secccedilatildeo Resoluccedilatildeo dos problemas relativos ao tacto

- Pequenos NaturaisParva Naturalia (1593)Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Livros de

Aristoacuteteles intitulados Os Pequenos Naturais Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In libros Aristotelis qui Parva Naturalia appellanturbull Proeacutemio

- EacuteticaEthica (1593) Algumas Disputas do Curso Conimbricense sobre os Livros da Eacutetica a Nicoacutemaco de Aristoacuteteles integrando certos preciacutepuos capiacutetulos da disciplina de Eacutetica In libros Ethicorum Aristotelis ad Nicomachum aliquot Conimbricensis Cursus Disputationes in quibus praecipua quaedam Ethicae disciplinae capita continenturbull Proeacutemiobull Acerca dos livros morais de Aristoacuteteles particularmente da Moral a

Nicoacutemacobull 1ordf Disputa Acerca do Bembull 2ordf Disputa Acerca do Fimbull 3ordf Disputa Da Felicidadebull 4ordf Disputa Dos trecircs princiacutepios dos actos humanos vontade intelecto e

apetite sensitivobull 5ordf Disputa Da bondade e da maliacutecia das acccedilotildees humanas em geral

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 18

bull 6ordf Disputa Dos estados da alma que se chamam paixotildeesbull 7ordf Disputa Das virtudes em geralbull 8ordf Disputa Da prudecircnciabull 9ordf Disputa Das restantes virtudes moraisbull 1ordf Questatildeo Da Justiccedilabull 2ordf Questatildeo Da Fortalezabull 3ordf Questatildeo Da Temperanccedila

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 19

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus a Toda a Dialeacutectica de Aristoacuteteles

Estagirita

Lisboa 1606

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 20

PROEacuteMIO

AS ARTES QUEM AS INVENTOU E EM QUE EacutePOCA29

Os Gregos vangloriam-se de ter inventado as artes Os Caldeus proclamam o

mesmo a seu respeito Quem teratildeo sido os primeiros a inventar as artes eacute assunto

frequentemente discutido por muitos autores Os Gregos tal como reivindicavam para si

o nome e a fama da sabedoria como coisa proacutepria assim se vangloriavam de terem sido

os inventores das artes Os Caldeus pelo contraacuterio proclamavam que muitos seacuteculos

antes de a Greacutecia ter comeccedilado quer a aprender quer a ensinar jaacute tinha surgido entre

eles o conhecimento dos temas maiores

A Antiguidade venerou muitos baacuterbaros como os primeiros inventores das

artes Na verdade eacute agora manifestamente evidente que nos tempos antigos a sabedoria

natildeo floresceu apenas entre os Gregos e que muitos daqueles que a Antiguidade venerou

em nome de uma doutrina singular como os primeiros fundadores das ciecircncias eram

maioritariamente oriundos de povos baacuterbaros visto que deixando outros de lado Tales

era de origem feniacutecia Mercuacuterio egiacutepcio Zoroastro persa Atlas liacutebio ou friacutegio Anacaacutersis

cita e Ferecides siacuterio E deste modo se torna claro que tal como em outros pontos

tambeacutem neste Epicuro delirou ao dizer que ningueacutem excepto os gregos foi capaz de

filosofar

Os Gregos aprenderam muito com os outros Aleacutem disso os mais conceituados

autores atestam que os gregos aprenderam muito com os estrangeiros nomeadamente

Euseacutebio nos livros 9 e 10 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica Cirilo no livro 1 Contra Juliano

Clemente no primeiro das Tapeccedilarias Justino Maacutertir na Parenese aos povos Josefo nos

dois livros Contra Aacutepion entre outros

Estabelece-se Deus como autor das artes De facto se quisermos ser justos

avaliadores das coisas devemos estabelecer que as artes liberais natildeo foram inventadas

em primeiro lugar nem pelos gregos nem pelos baacuterbaros pelo contraacuterio a sua origem

teraacute sido muito mais antiga e mais nobre Com efeito Deus o criador de toda a

realidade precisamente no iniacutecio da formaccedilatildeo do mundo atribuiu aos primeiros pais do

geacutenero humano entre outros dons da natureza e da graccedila o claro conhecimento natildeo

apenas das coisas divinas mas tambeacutem das humanas e das naturais Pois natildeo convinha

29 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 21

que os priacutencipes e criadores de tatildeo grande famiacutelia recebessem a alma com se fosse uma

taacutebua rasa como noacutes mas adornada pela matildeo do divino artiacutefice e polida pelas imagens

das coisas inteligiacuteveis e pelas luzes das ciecircncias em relaccedilatildeo a toda a excelecircncia e

variedade da beleza Foi de Deus portanto como fonte primeira que emanaram as artes

liberais e depois de Adatildeo para os seus filhos e deles para os descendentes e ao fim de

uma longa seacuterie de anos como eacute evidente a partir dos documentos dos escritores antigos

derivaram para os Hebreus para os Caldeus para os Egiacutepcios para os Gregos para os

Latinos e para as outras naccedilotildees do orbe terrestre De seguida floresceram os Magos dos

Assiacuterios e dos Persas os sacerdotes dos Egiacutepcios os semaneus dos Bactros os bracircmanes

e os gimnosofistas dos Indianos os druidas dos Gauleses os saacutebios Gregos os doutores

Latinos bem como outros homens engrandecidos pelo particular louvor da ciecircncia

E natildeo obsta ao que dizemos ou seja agrave transmissatildeo hereditaacuteria das ciecircncias desde

os primoacuterdios do mundo agraves idades subsequentes o facto de alguns serem reconhecidos

como os primeiros inventores das artes Na verdade como a maioria delas pela injuacuteria

dos tempos ou pela negligecircncia dos homens natildeo soacute perderam o esplendor primitivo

como foram extintas ou por completo ou quase houve alguns homens eminentes pelo

seu engenho que as salvaram do desaparecimento ou as tornaram mais ilustres graccedilas a

novas descobertas a quem por isso foi atribuiacuteda a sua invenccedilatildeo e assim se conservou a

memoacuteria de que o inventor da Dialeacutectica foi Zenatildeo de Eleia o da Filosofia Natural Tales

de Mileto o da disciplina Moral Soacutecrates o da Astrologia Atlante e muitos outros

exemplos Porque se quisermos tambeacutem falar das artes que tratam do modo de fazer uma

obra extrema consta que algumas delas absolutamente desconhecidas numa dada eacutepoca

foram descobertas alguns seacuteculos mais tarde como a Calcografia e aquela que inventou

o poacute das maacutequinas de guerra

Visto que os antigos ao procurar com todo o empenho e assiacuteduo labor a

verdade secreta e escondida das artes liberais natildeo caminharam todos pela mesma via

nem seguiram os mesmos princiacutepios nem sequer os mesmos mestres mas divididos

pela rivalidade das facccedilotildees repartiram-se em vaacuterias seitas quase como famiacutelias natildeo

seraacute de modo nenhum adverso ao que se estabeleceu reduzir ao miacutenimo essas seitas os

seus mentores e seguidores e colocaacute-las de certa maneira sob um soacute ponto de vista de

modo a que a menccedilatildeo destas coisas no curriacuteculo da filosofia seja recorrente e assim

sejam evidentes e conhecidas pelos ouvintes

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 22

SOBRE AS SEITAS DAQUELES QUE AO LONGO DOS TEMPOS ENSINARAM AS ARTES LIBERAIS E

A FILOSOFIA SOBRETUDO A ITAacuteLICA E A IOacuteNICA

O que motivou a designaccedilatildeo atribuiacuteda agraves seitas dos filoacutesofos A designaccedilatildeo das

seitas dos Filoacutesofos como Amoacutenio as colige no proeacutemio agraves Categorias de Aristoacuteteles

foi-lhes atribuiacuteda por vaacuterios motivos Por causa da escola como os Acadeacutemicos e os

Estoacuteicos por causa de alguma actividade nomeadamente pela deambulaccedilatildeo como os

Peripateacuteticos por causa do mestre como os Pitagoacutericos de Pitaacutegoras por causa da sua

paacutetria como os Cirenaicos de Cirene paacutetria de Aristipo por causa do estilo de vida

como os Ciacutenicos assim chamados por serem mordazes nos seus gracejos contra os viacutecios

como eacute costume dos catildees por causa da finalidade da Filosofia por exemplo os

Hedonistas isto eacute os voluptuosos como os Epicuristas por causa do modo de pensar

como os Efeacutecticos os Ceacutepticos e os Pirroacutenicos isto eacute os inibidores os pesquisadores e

os hesitantes que inibiam qualquer juiacutezo sobre qualquer questatildeo e nada estabeleciam

mas ocupavam-se sempre das tarefas de pesquisa e observaccedilatildeo e discutiam sobre tudo

Isto relativamente aos nomes das seitas

Das duas seitas principais provieram as outras Depois cumpre saber que

existiram essencialmente duas seitas de filoacutesofos antigos a partir das quais se

propagaram as restantes como referem S Agostinho no livro 8 da Cidade de Deus

capiacutetulo 2 e Plutarco no livro 1 das Sentenccedilas capiacutetulo 3 entre outros autores

O mentor da Itaacutelica foi Pitaacutegoras O mentor da Itaacutelica foi Pitaacutegoras que incitado por

uma incriacutevel dedicaccedilatildeo agrave ciecircncia depois de ter escutado com atenccedilatildeo o siacuterio Ferecides o

filoacutesofo de maior renome e autoridade entre os saacutebios do seu tempo deambulou para

conhecer os lugares mais longiacutenquos da terra e depois de iniciado em quase todos os

misteacuterios Gregos e baacuterbaros chegou agravequela parte da Itaacutelia a que chamam Magna Greacutecia

e nessa sede escolhida ensinou Filosofia com grande afluecircncia e nobreza de ouvintes

entre os habitantes de Crotona e chamou agrave sua escola Pitagoacuterica por causa de si mesmo

e Itaacutelica pela regiatildeo

Natildeo haacute consenso sobre a eacutepoca Sobre a sua eacutepoca haacute um dissiacutedio espantoso entre os

autores Todavia a partir dos escritos parece poder concluir-se com maior probabilidade

que atingiu o auge no periacuteodo que vai da sexageacutesima agrave septuageacutesima Olimpiacuteada A

propoacutesito desta questatildeo Clemente de Alexandria no livro 1 das Tapeccedilarias S

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 23

Agostinho no livro 18 da Cidade de Deus capiacutetulo 37 Liacutevio no livro 1 deacutecada

primeira e Dioniacutesio de Halicarnasso livro 2

Enumeram-se os seguidores de Pitaacutegoras Enumeram-se entre os seguidores de

Pitaacutegoras o seu filho Telauges Empeacutedocles Epicarmo Arquitas de Tarento Alcmeacuteon

de Crotona Hiacutepaso de Metaponto e Filolau Mas no que diz respeito agrave evoluccedilatildeo da seita

as coisas deram-se deste modo a Pitaacutegoras sucedeu o filho Telauges a este Xenoacutefanes a

ele Parmeacutenides a Parmeacutenides Zenatildeo de Eleia a Zenatildeo Leucipo e Demoacutecrito a

Demoacutecrito muitos outros entre os quais Nausiacutefanes e Naucides a quem depois sucedeu

Epicuro Advirta-se poreacutem que alguns distinguiram a seita Eleaacutetica sob Teleauges

filho de Pitaacutegoras da Ioacutenica como se fosse uma terceira que alguns fizeram depender

da Itaacutelica

Os Epicuristas natildeo tanto como filoacutesofos mas como gado dos Filoacutesofos Sobre o grupo

dos Epicuristas nada diremos no momento presente porque estes natildeo foram

propriamente Filoacutesofos mas φίλοσωμαδοϊ ou seja como diz S Jeroacutenimo o gado dos

filoacutesofos visto que constituiacuteram o sumo bem do homem num soacute prazer do corpo

negando a providecircncia de Deus e a imortalidade das almas e por isso satildeo indignos de

serem contados entre os filoacutesofos

O fundador da escola ioacutenica foi Tales O primeiro dos sete saacutebios Sobre a sua

eacutepoca Quem lhe sucedeu O fundador da escola ioacutenica foi Tales como referem Leandro

e Heroacutedoto de nacionalidade feniacutecia e como outros consideraram mais correctamente

mileacutesio da nobiliacutessima cidade ioacutenica de Mileto Daiacute que (como refere Euseacutebio segundo

Taciano na Preparaccedilatildeo Evangeacutelica cap 3) tenha sido o primeiro dos sete saacutebios e

como afianccedilou Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 3 foi o primeiro a instituir

a Filosofia Natural Atingiu o apogeu por volta da quinquageacutesima olimpiacuteada como

afirma Clemente de Alexandria no primeiro livro das Tapeccedilarias Sucederam-lhe por

ordem Anaximandro Anaxiacutemenes e Anaxaacutegoras de Clazoacutemenas que transferiu a

escola da Ioacutenia para Atenas e teve como sucessor Arquelau preceptor de Soacutecrates que

os oraacuteculos da Piacutetia consideraram o mais saacutebio de todos Os seus mais nobres alunos

foram Aristipo fundador da seita Cirenaica Antiacutestenes da Ciacutenica e Platatildeo da

Acadeacutemica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 24

DA SEITA DOS ACADEacuteMICOS E DOS ESTOacuteICOS

Em que tempo viveu Platatildeo Na eacutepoca de Platatildeo que foi entre a octogeacutesima

oitava e a centeacutesima oitava olimpiacuteada existiram muitos homens importantes em todo o

tipo de ciecircncias

Contemporacircneos de Platatildeo Seus elogios Na histoacuteria Xenofonte na Astrologia

Eudoxo na Retoacuterica Isoacutecrates na filosofia pitagoacuterica Arquitas de Tarento na Ciacutenica

Dioacutegenes No entanto o proacuteprio Platatildeo brilhou entre os restantes com um resplendor mais

forte e mais vasto como se fosse a luz mais cintilante de todas as ciecircncias De facto tinha

tal riqueza oratoacuteria e tal encanto como atesta Ciacutecero no De claris oratoribus que alguns

disseram que se Juacutepiter falasse grego natildeo haveria de usar outro discurso senatildeo o de

Platatildeo o que as abelhas pareceram anunciar-lhe quando na infacircncia pousaram sobre a

sua boca

Descodificou o texto sagrado Aleacutem disso escreveu tanto e de forma tatildeo hermeacutetica sobre

as coisas divinas que facilmente se mostra o que alguns autores deram a conhecer que

ele deslindou os textos sagrados como um inteacuterprete aplicado e dessas fontes irrigou os

seus pequenos jardins Refere pois Clemente de Alexandria no livro 1 das Tapeccedilarias e

Euseacutebio no livro 9 capiacutetulo 3 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica que Aristoacutebulo Judeu

Peripateacutetico de cognome nos comentaacuterios aos livros de Moiseacutes editados por ele mesmo

que enviou ao rei Ptolomeu Filometor do Egipto afirmou que os escritos de Moiseacutes

tinham sido traduzidos para a liacutengua grega antes do impeacuterio de Alexandre e dos Persas e

que tinham sido lidos por Pitaacutegoras e por Platatildeo Ora Platatildeo na Academia que era um

verdejante espaccedilo suburbano situado a mil passos de Atenas ensinou Filosofia daiacute que

os seus disciacutepulos fossem chamados Acadeacutemicos por causa do lugar

Os sucessores de Platatildeo Teve como sucessores Xenoacutecrates Paleacutemon Crantor e Crates

Gostavam de dissimular a sua sabedoria e natildeo aderir obstinadamente a nenhuma das

posiccedilotildees em disputa

Por que eacute que Arcesilau eacute o mestre da ignoracircncia Seguiu-se depois Arcesilau de Piacutetane

disciacutepulo de Crates fundador da Academia meacutedia ou nova a quem Lactacircncio com

pleno direito apelidou de mestre da ignoracircncia no livro 3 capiacutetulo 5 pois foi o

primeiro na Academia a negar publicamente que existisse qualquer coisa que pudesse

ser conhecida Depois de Arcesilau apoacutes algumas interposiccedilotildees brilhou Carneacuteades de

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 25

Cirene que alguns afirmam ter sido o mentor de outra Academia ou seja da terceira

porque concordava parcialmente com Arcesilau e parcialmente com Espeusipo

De onde veio o nome dos Estoacuteicos Os Estoacuteicos tambeacutem tiraram o nome do

local ἀποτῆς στοᾶς isto eacute do Poacutertico Houve de facto em Atenas um poacutertico de

notaacutevel riqueza pintado por Polignato onde eles costumavam reunir-se para as suas

disputas Zenatildeo o fundador desta seita chamado Ciacutetio seguramente por ser de Ciacutetio em

Chipre presidiu agrave escola com cinquenta e oito anos e tal era a sua notoriedade junto dos

Atenienses que o ornaram com uma coroa de ouro e uma estaacutetua de bronze

Grave dissiacutedio entre os Acadeacutemicos e os Estoacuteicos Houve poreacutem um grave e perpeacutetuo

dissiacutedio entre Acadeacutemicos e Estoacuteicos Os primeiros eram a tal ponto versaacuteteis na

disputa que persistiam apenas na leveza e na inconstacircncia Os outros agarraram-se com

teimosia contra muitos paradoxos e mais ainda contra muitas opiniotildees que os Poetas

asseveraram e natildeo atingiram o meio-termo em nenhuma questatildeo todas reduziram agrave

necessidade e agrave inflexibilidade

Cleantes o Estoacuteico de nobre linhagem Depois de Zenatildeo houve insignes Estoacuteicos como

Cleantes entre outros a que Ciacutecero chama o Estoacuteico de grande linhagem Dioacutegenes

Babiloacutenico Crisipo filho de Apoloacutenio insigne pelo elogio da Dialeacutectica e escritor de

inuacutemeros livros de quem se disse ter amparado e sustentado nos seus ombros o poacutertico

dos Estoacuteicos e tambeacutem Paneacutecio que Ciacutecero confessa imitar nos livros dos Deveres E

depois jaacute no impeacuterio de Nero o filoacutesofo Seacuteneca seu preceptor e Epicteto oriundo de

Hieraacutepolis cidade da Friacutegia cuja admiraccedilatildeo pela sua vida tatildeo longa sobressaiu entre os

demais como relata Luciano Siacuterio que a lanterna de barro de Epicteto se tinha vendido

por trecircs mil dracmas por causa da sua notoriedade

DA SEITA DOS PERIPATEacuteTICOS DO ENGENHO E DO ENSINO DE ARISTOacuteTELES

Aristoacuteteles foi o mentor dos Peripateacuteticos O mentor dos Peripateacuteticos e o mais

importante de todos foi Aristoacuteteles filho de Nicoacutemaco seguramente de Estagira da

Macedoacutenia pelo que foi chamado Estagirita

Em que tempo viveu Nasceu por volta do ano 381 antes do parto da Virgem Mas quando

decorria o deacutecimo seacutetimo ano da sua vida tendo previamente escutado as liccedilotildees de

Soacutecrates por trecircs anos dedicou-se agrave disciplina de Platatildeo e entregou-se ao seu Ginaacutesio

por volta dos vinte anos Depois de regressar da delegaccedilatildeo com a qual tinha sido enviado

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 26

pelos Atenienses ao rei Filipe ao ver que na sua ausecircncia Xenoacutecrates tinha presidido agrave

escola da Academia escolheu o Liceu onde viria a ensinar Filosofia

Disputava enquanto caminhava E porque de facto disputava enquanto caminhava

rodeado pela turba dos alunos ele proacuteprio foi chamado Peripateacutetico e os seus seguidores

Peripateacuteticos

Encoacutemios de Aristoacuteteles Sobre o admiraacutevel engenho de Aristoacuteteles e a sua

agudeza de espiacuterito tanto nas descobertas como nos juiacutezos e nas disposiccedilotildees sobre a

sua singular dedicaccedilatildeo agrave ciecircncia sobre a absoluta perfeiccedilatildeo em todo o tipo de doutrina

haacute muitos encoacutemios nos textos dos escritores Platatildeo ora lhe chamava lsquoLeitorrsquo porque

se dedicava agrave leitura dos filoacutesofos antigos com uma dedicaccedilatildeo incansaacutevel ora lsquoFiloacutesofo

da verdadersquo ora lsquomente da Academiarsquo Isto porque certa vez ao entrar no ginaacutesio

como natildeo estava laacute Aristoacuteteles conta-se que teraacute dito απεσιτῆς ἀλήθειας φιλόσοφον

isto eacute ldquofalta o filoacutesofo da verdaderdquo E depois tendo faltado de novo disse ουκ ἰλθε

νοῦς ou seja ldquoa mente natildeo veiordquo E Quintiliano sobre o mesmo assunto diz ldquoE

quanto a Aristoacuteteles Duvido se hei-de consideraacute-lo mais notaacutevel pelo conhecimento

das mateacuterias pela riqueza dos escritos pelo encanto do discurso pela agudeza das

descobertas ou pela diversidade das obrasrdquo Pliacutenio por seu lado tanto o apelida de

ldquohomem supremo em todas as ciecircnciasrdquo como ldquohomem de uma subtileza imensardquo Jaacute

Averroacuteis afirma que ele eacute um exemplo apresentado para que nele todos os homens

possam compreender e admirar quanto a mente dos mortais eacute capaz de perceber e

quanto eacute permitido progredir ao engenho humano

Estaacutetua erigida em sua honra Pausacircnias no livro 6 escreve que lhe foi dedicada uma

estaacutetua o que tambeacutem ele proacuteprio tinha procurado erigir ao seu preceptor Platatildeo

Seus sucessores Sucederam a Aristoacuteteles nobres Peripateacuteticos para aleacutem de

outros Teofrasto Estraacuteton de Lacircmpsaco fiacutesico de cognome Demeacutetrio de Falero

Jeroacutenimo Cratipo Boeto e muitos outros em diferentes eacutepocas

Inteacuterpretes gregos Teve tambeacutem ilustres inteacuterpretes como Alexandre de Afrodiacutesia

Porfiacuterio Temiacutestio Simpliacutecio Pselo Amoacutenio Plutarco e Filoacutepono Entre eles deixando

de lado os restantes Alexandre que foi contemporacircneo de Justino Maacutertir e do meacutedico

Galeno estudou quase todos os livros de Aristoacuteteles com tanto conhecimento que

nenhum Aristoteacutelico haveria que natildeo fosse Alexandrino

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 27

Inteacuterpretes Latinos Tambeacutem os Latinos esclareceram dignamente as obras de Aristoacuteteles

com os seus comentaacuterios nomeadamente Severino Boeacutecio que consta ter vivido na eacutepoca

de S Bento e com ele ter estabelecido amizade Depois Averroacuteis que por causa da sua

diligente explanaccedilatildeo obteve o epiacuteteto de Comentador e posteriormente Alberto Magno

seguido de imediato por S Tomaacutes priacutencipe da Teologia escolaacutestica

Mas o que mais valoriza Aristoacuteteles e lhe concilia a gloacuteria imortal eacute o facto de

estando as seitas de outros filoacutesofos jaacute quase extintas e sepultadas a famiacutelia peripateacutetica

crescer de dia para dia e florescer Natildeo soacute abraccedilaram a sua doutrina nos tempos antigos

aqueles a quem ainda natildeo tinha aparecido a luz da disciplina celeste com o supremo

estudo como tambeacutem os Filoacutesofos e os eruditos Teoacutelogos iluminados pelo brilho da

divina feacute hatildeo-de servir-se dela muitas vezes ao longo de vaacuterios seacuteculos a partir de

agora para explicar as questotildees maiores e mais importantes e natildeo apenas na Fiacutesica e na

Dialeacutectica como tambeacutem nas questotildees de ordem moral e nas divinas

Ora costuma perguntar-se por que razatildeo tatildeo grande filoacutesofo a quem natildeo

faltava nem a forccedila do engenho nem a riqueza do discurso para explicar claramente o

que tinha apreendido com o intelecto por que razatildeo repito eacute tantas vezes obscuro a

ponto de dificilmente poder ser entendido sobretudo naqueles livros a que chamam

Acroamaacuteticos que satildeo de doutrina mais importante e de feitura mais polida Cumpre

saber que antes de Aristoacuteteles houve duas razotildees para obscurecer a filosofia a

primeira daqueles que filosofaram poeticamente a outra daqueles que filosofaram por

hieroacuteglifos os primeiros teceram os princiacutepios das artes liberais e os segredos da

natureza atraveacutes de faacutebulas os outros por enigmas e figuras Isto era deliberadamente

feito por eles (como notaram Fiacutelon Judeu no livro intitulado Quod omnis probus sit

liber e Laeacutercio no Pitaacutegoras) para que os misteacuterios da filosofia natildeo fossem objecto de

desprezo para o vulgo e para a multidatildeo ignorante e tambeacutem por isto para desviarem

do seu estudo remetendo-as para outras coisas consentacircneas as inteligecircncias retardadas

e inaptas para filosofar Embora o objectivo deles natildeo desagradasse a Aristoacuteteles este

ingressou entatildeo por outra via de dissimulaccedilatildeo E assim seguiu a brevidade Hipocraacutetica

na Acroamaacutetica escreveu num estilo sinteacutetico conciso e por esse motivo obscuro Por

vezes quanto mais difiacuteceis satildeo as controveacutersias tanto mais disputa de forma obscura

porque natildeo tendo a convicccedilatildeo suficiente quanto agrave parte onde residia a verdade como

tinha engenho haacutebil e prudente envolvia de propoacutesito a sua opiniatildeo na ambiguidade

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 28

das palavras A estas razotildees da obscuridade acresceram ainda outras De facto depois

de Aristoacuteteles ter chegado ao fim da sua vida os seus livros jazeram muito tempo

enterrados na terra daiacute que estivessem corroiacutedos pela putrefacccedilatildeo em muitos locais e

quando foram extraiacutedos um tal de Apeacutelicon de Teos por seu livre arbiacutetrio preencheu

mal aqueles locais e emendou-os Sobre esta questatildeo escreveu Estrabatildeo no deacutecimo

terceiro livro da sua Geografia nestes termos ldquoAristoacuteteles deixou a biblioteca e a

escola a Teofrasto o primeiro de todos os que conhecemos a congregar os livros e a

ensinar a sua ordem aos responsaacuteveis pela biblioteca do Egipto Teofrasto transmitiu-a a

Neleu e Neleu levou-a para Ceacutepsis e doou-a aos descendentes homens sem preparaccedilatildeo

que tinham os livros fechados e negligentemente arrumados Tendo conhecimento do

desejo dos reis das vestes de ouro30 que os governavam no sentido de recolher os livros

para guarnecer a biblioteca que era a de Peacutergamo esconderam-nos numa cova debaixo

da terra onde foram molestados pelos vermes e pela humidade e por fim jaacute nesse

estado entregaram-nos a Apeacutelicon de Teos a troco de muita prata Apeacutelicon como era

mais dedicado aos livros do que agrave sabedoria querendo reparar as corrosotildees mandou-os

transcrever embora a escrita natildeo fosse correctamente complementada Por isso

publicou os livros cheios de errosrdquo Eacute o que diz Estrabatildeo Tambeacutem as versotildees latinas

aumentaram a obscuridade de Aristoacuteteles Enquanto algumas transcrevem muito

escrupulosamente palavra por palavra copiam a sintaxe grega e espalham as trevas

sobre Aristoacuteteles de tal modo que nem parece falar grego nem latim e por vezes torna-

se difiacutecil de perceber outras poreacutem usam de excessiva liberdade na versatildeo na medida

em que agem mais como parafrastas do que como tradutores procuram a afectaccedilatildeo das

palavras e o ornato do discurso fogem ao contexto31 e afastam-se muito da opiniatildeo de

Aristoacuteteles de tal modo que por causa disso os que se agarram a essas versotildees

castigam Aristoacuteteles repreendendo com repugnacircncia grande parte da sua obra

30 Rei Ptolomeu II do Egipto (Cf Estrabatildeo Geografia XIII) N T 31 Extra chorum uagantur

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 29

PROEacuteMIO DO COMENTAacuteRIO Agrave ISAGOGE DE PORFIacuteRIO

SOBRE O AUTOR O OBJECTIVO O TIacuteTULO A ORGANIZACcedilAtildeO E A UTILIDADE DESTA OBRA

Acautelou-se por lei que entre os Areopagitas ningueacutem usasse do proeacutemio

ao discursar Foi instituiacutedo por lei entre os Areopagitas ndash segundo refere Aristoacuteteles no

iniacutecio da Retoacuterica a Teodecto ndash que os advogados das causas natildeo pudessem de modo

nenhum usar do proeacutemio isto para que natildeo gastassem o tempo numa longa divagaccedilatildeo

de palavras e em tortuosos meandros Agia-se por isso com prudecircncia no Areoacutepago e

nos processos forenses No entanto no Liceu e no ensino das artes liberais haacute outra

norma Nestes domiacutenios quando se pretende narrar alguma coisa de forma apurada e de

acordo com o meacutetodo filosoacutefico conveacutem fazer uma apresentaccedilatildeo preacutevia de modo a que

os espiacuteritos se preparem para aprender Isso eacute o que noacutes vamos fazer nesta primeira

abordagem ao comentaacuterio mas com muito menos palavras do que os inteacuterpretes

costumavam fazer

Nacionalidade origem vida e ensinamentos de Porfiacuterio Assim sendo

comecemos pelo que acontece em primeiro lugar O autor desta obra foi Malco

cognominado Porfiacuterio de nacionalidade feniacutecia originaacuterio de Tiro ou (como Baroacutenio

afirma por certo no tomo II dos seus Anais) de nacionalidade judia nascido na

Batacircnia que eacute uma cidade da Judeia Quanto aos ensinamentos natildeo era tatildeo aristoteacutelico

como platoacutenico conforme demonstram os seus escritos Viveu durante o impeacuterio de

Aureliano Diocleciano e depois de Constantino Teve como preceptores Plotino e

Longino Criacutetico foi condisciacutepulo de Oriacutegenes como lembra Eunaacutepio na Vida de

Porfiacuterio Teve como aluno entre outros Crisaoacuterio patriacutecio Romano a pedido de quem

publicou esta obra Isto porque Crisaoacuterio que vivia em Roma tendo debruccedilado a sua

atenccedilatildeo sobre as Categorias de Aristoacuteteles sem conseguir compreendecirc-las pediu por

carta ao seu preceptor que entatildeo segundo parece estaria junto do Lilibeu o

promontoacuterio da Siciacutelia ocupado a compor a histoacuteria da erupccedilatildeo do Etna e conseguiu

que o mestre compusesse especialmente para si este livrinho εἰσαγογικόν sobre As

Categorias de Aristoacuteteles

Porfiacuterio maacutegico desertor e opositor da feacute cristatilde De facto Porfiacuterio natildeo soacute foi

adepto das supersticcedilotildees das artes maacutegicas como tambeacutem um desertor e um opositor

muito insolente da religiatildeo cristatilde segundo atestam S Jeroacutenimo na Epiacutestola aos

Gaacutelatas S Agostinho no livro 19 da Cidade de Deus capiacutetulo 23 bem como Suidas e

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 30

outros autores Natildeo seraacute verdadeiramente indigno de ser contabilizado entre os

Filoacutesofos apesar de ser lido nas escolas

Por que razatildeo se lecirc nas escolas Lecirc-se poreacutem natildeo soacute porque as mateacuterias que

compila neste livro tirou-as em grande parte das fontes da doutrina de Platatildeo e de

Aristoacuteteles mas tambeacutem porque tal como o povo Hebreu enriquecia com o ouro dos

Egiacutepcios desprezando as imagens dos deuses que nesse material tinham sido moldadas

assim a filosofia cristatilde enriquece de bom grado com as doutrinas de quaisquer outros

mesmo dos adversaacuterios (se poreacutem nada tecircm que falte agrave verdade) A isso reporta o dito

de S Agostinho no livro 2 da Doutrina Cristatilde capiacutetulo 40 ldquoos que satildeo chamados

filoacutesofos se por acaso disseram o que eacute verdade e se adequa agrave nossa feacute sobretudo os

platoacutenicos natildeo soacute natildeo se devem temer mas aleacutem disso devem-lhe ser reivindicadas

essas verdades enquanto injustos possuidores para que noacutes as possamos utilizarrdquo

Tiacutetulo da obra O tiacutetulo da obra eacute εἰσαγωγῆ isto eacute lsquointroduccedilatildeorsquo que natildeo eacute mais

do que o princiacutepio pelo qual algueacutem comeccedila a ser instruiacutedo desde os primeiros

elementos em alguma arte ou doutrina Ciacutecero no Luculo chama-lhe primeira instruccedilatildeo

Aulo Geacutelio no livro 16 capiacutetulo 8 diz ldquoQuerendo noacutes seguir e aprender as disciplinas

dialeacutecticas foi necessaacuterio procurar e conhecer aquelas a que os Dialeacutecticos chamam

εἰσαγωγᾶςrdquo

Razatildeo deste tiacutetulo Mas perguntam e bem os inteacuterpretes por que razatildeo este

tratado tomou um nome comum como proacuteprio pois natildeo se intitula lsquointroduccedilatildeo agrave

Dialeacutecticarsquo mas ambiguamente lsquointroduccedilatildeorsquo Importa pensar que a razatildeo eacute o facto de a

Dialeacutectica anteceder as restantes partes da filosofia na ordenaccedilatildeo do ensino e com todo

o direito era a introduccedilatildeo que preparava para a aprendizagem e por isso devia chamar-

se por esse nome como se fosse proacuteprio por antonomaacutesia na qualidade de primeira de

todas como proeacutemio comum a toda a filosofia Isto foi notado por Simpliacutecio Boeacutecio

Alberto Magno e outros comentadores

O objectivo de Porfiacuterio eacute tratar dos cinco conceitos universais O objectivo de

Porfiacuterio eacute tratar dos cinco conceitos Geacutenero Espeacutecie Diferenccedila Proacuteprio e Acidente os

quais se designam com o termo comum de Universais ou Predicaacuteveis Todavia caiu em

controveacutersia entre os autores qual seria de facto o assunto desta obra

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 31

Primeira posiccedilatildeo sobre o assunto deste tratado Na verdade Amoacutenio no prefaacutecio a

Porfiacuterio e Boeacutecio no diaacutelogo primeiro coluna 2 bem como Averroacuteis no grande

proacutelogo aos Posteriores aleacutem de outros asseguram que o assunto satildeo esses tais cinco

conceitos na medida em que satildeo uacuteteis para conhecer a doutrina das Categorias

Segunda opiniatildeo No entanto Escoto na questatildeo 7 sobre este livro bem como os seus

seguidores e os Lovanienses pensam ser o Universal Tanto uns como outros recorrem

a argumentos plausiacuteveis

Argumentos a favor da primeira opiniatildeo Eis os argumentos dos que defendem

a primeira opiniatildeo

Primeiro O objecto de uma obra eacute aquele que o autor se propotildee explanar mas Porfiacuterio

afirma que vai explicar estes cinco conceitos logo estes conceitos satildeo a mateacuteria tratada

Segundo Crisaoacuterio pediu a explanaccedilatildeo desses mesmos conceitos para compreender as

Categorias de Aristoacuteteles logo se Porfiacuterio correspondeu ao pedido indicou esse

mesmo assunto

Terceiro Toda a loacutegica eacute sobre a linguagem este livro eacute parte da Loacutegica logo a sua

mateacuteria eacute a linguagem e em particular nada mais do que estes cinco conceitos

Argumentos a favor da segunda posiccedilatildeo Os outros argumentam assim

Primeiro O assunto deste tratado na medida em que isso pode ser feito conveacutem ser

uno ora aqueles cinco universais natildeo tecircm unidade a natildeo ser no Universal em geral

natildeo soacute se supotildee que o Universal estaacute presente neste tratado como satildeo demonstradas as

sus espeacutecies e tudo o que se predica sobre as espeacutecies excepto o que lhes diz respeito

segundo as razotildees proacuteprias eacute atribuiacutedo ao Universal estas satildeo as condiccedilotildees do assunto

logo o assunto da Isagoge eacute o Universal

Segundo A explicaccedilatildeo do Universal pertence agrave Loacutegica natildeo haacute poreacutem outra parte desta

ciecircncia em que se trate abertamente e numa perspectiva geral logo deve atribuir-se a

esta obra como assunto proacuteprio

Conciliam-se as opiniotildees anteriores Se estas duas posiccedilotildees contecircm alguma

diferenccedila deve preferir-se a segunda com a tal moderaccedilatildeo que vamos aplicar

Dissemos se satildeo diferentes porque eacute provaacutevel que uns e outros autores pensem o

mesmo Porque os que constituem os conceitos como assunto natildeo os tomam na acepccedilatildeo

material enquanto sons nem apenas como significados que dizem respeito ao

gramaacutetico mas como um certo conhecimento das coisas em si mesmas na medida em

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 32

que servem para compreender as Categorias e os modos de construir o discurso Mas

isto equivale a considerar que estes universais na medida em que conduzem agraves outras

partes da Dialeacutectica satildeo mateacuteria do presente tratado Todavia como tudo converge

numa uacutenica razatildeo comum do Universal considera-se e bem que o assunto eacute o proacuteprio

universal O que uns aceitam por ser uno e outros por compreender claramente as suas

partes

O Universal como eacute predicaacutevel constitui o assunto desta obra Porque se natildeo

quiserem chegar a acordo os autores da primeira posiccedilatildeo dizemos com Escoto que o

Universal eacute o assunto desta obra natildeo tanto de acordo com a razatildeo do Universal como

do Predicaacutevel Visto que a Dialeacutectica direcciona de facto todas as suas forccedilas para a

verdade ou falsidade necessidade ou contingecircncia das proposiccedilotildees em qualquer

circunstacircncia presta mais atenccedilatildeo ao modo de predicar do que ao modo de ser (como

iremos explicar de forma mais alargada na questatildeo sobre a divisatildeo dos Universais) E

como o modo de ser diz respeito ao Universal enquanto Universal o modo de predicar

pelo contraacuterio diz respeito ao mesmo enquanto predicaacutevel segundo esta razatildeo nesta

obra disserta-se essencialmente sobre o Universal

Objecta-se De onde se pode resolver a instacircncia que contra esta posiccedilatildeo

costuma levantar-se nestes termos perscrutar o que eacute o Universal compete ao primeiro

filoacutesofo pois este considera a ordem e a distinccedilatildeo dos superiores e dos inferiores a

unidade formal e numeacuterica e sem o conhecimento destas coisas dificilmente se

distingue o Universal Sobre isto disserta Aristoacuteteles em parte no livro 4 e em parte no

livro 7 a partir do capiacutetulo 13

Responde-se Mas respondemos que a consideraccedilatildeo do Universal enquanto Universal

compete ao Metafiacutesico embora a sua consideraccedilatildeo enquanto predicaacutevel seja

especulaccedilatildeo Loacutegica proacutepria desta obra Na verdade nos Toacutepicos disserta-se pouco

sobre os Universais e apenas o modo como se aplicam agraves questotildees dialeacutecticas

Dissolvem-se os argumentos da primeira posiccedilatildeo Os argumentos a favor da

posiccedilatildeo que constitui os conceitos como assunto da Isagoge satildeo faacuteceis de esclarecer

Primeiro Ao primeiro respondemos que Porfiacuterio designou neste lugar todas as espeacutecies

do geacutenero para indicar de forma mais precisa a mateacuteria de que iria tratar

Segundo Ao segundo que talvez Porfiacuterio respondesse agrave demanda de forma mais cabal

do que tinha sido proposto por Crisaoacuterio porque natildeo seria verosiacutemil que o filoacutesofo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 33

romano tivesse duacutevidas apenas sobre o sentido das palavras Um e outro pretendiam

pois uma explicaccedilatildeo dos universais Um fez o pedido o outro fez a exposiccedilatildeo

Terceiro Relativamente ao terceiro noacutes natildeo negamos que a linguagem seja o assunto

desta parte da Dialeacutectica tal como se diz que a linguagem eacute o assunto das restantes

partes Na verdade esta eacute essencialmente interna e favoraacutevel agrave razatildeo comum do

Universal De facto do mesmo modo que no objecto significado estaacute o Universal e

estatildeo as espeacutecies sob ele contidas assim nos signos internos estaacute o Uno proacuteprio do

Universal em si e outras coisas que dizem directamente respeito agraves espeacutecies Mas sobre

este ponto diremos mais nos Antepredicamentos

Demonstra-se que o ensino destes conceitos universais pertence agrave Dialeacutectica

E assim torna-se evidente que este ensino pertence agrave Dialeacutectica e faz parte dela ainda

que Boeacutecio o tenha negado com aquela conjectura por que razatildeo se chamava introduccedilatildeo

agrave Loacutegica Deixa-se levar poreacutem por um leve indiacutecio pois natildeo eacute inconveniente haver

uma ordem entre as inuacutemeras partes de uma mesma ciecircncia para que uma prepare o

caminho que leva a outra Porfiacuterio natildeo disse que esta Isagoge conduzia agrave Dialeacutectica

mas agraves categorias divisotildees definiccedilotildees etc de modo a que natildeo parecesse excluiacute-la do

conjunto das partes da Dialeacutectica

Estrutura da obra A estrutura da obra resume-se a duas partes a primeira

delas conteacutem o prefaacutecio a outra o comentaacuterio aos cinco conceitos Mas esta segunda eacute

bipartida Na primeira parte revela-se cada um dos universais em separado Na uacuteltima

comparam-se todos entre si para que se torne visiacutevel o que tecircm de comum de proacuteprio e

de peculiar Sobre a sua utilidade com Porfiacuterio dispensamo-nos de a referir

PROEacuteMIO DO COMENTAacuteRIO AOS LIVROS DAS CATEGORIAS DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA32

SOBRE O AUTOR E O TIacuteTULO DESTE LIVRO

Alguns negaram que Aristoacuteteles fosse o autor deste livro O que nesta primeira

abordagem aos livros de Aristoacuteteles parecia dever dizer-se tanto sobre a razatildeo de os

ensinar como de os escrever foi genericamente insinuado em parte no iniacutecio da

Dialeacutectica em parte no proeacutemio da Fiacutesica Pelo que na explanaccedilatildeo de cada uma das

obras falta apenas este trabalho de demonstrar quem eacute o seu autor e qual o seu

objectivo particular

32 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 34

Boeacutecio demonstra atraveacutes de trecircs argumentos que Aristoacuteteles foi o autor deste livro

Ora o facto de Aristoacuteteles Estagirita ser o autor deste livro embora Jacircmblico tenha

duvidado (da autoria de Boeacutecio) e alguns autores de menor importacircncia o tenham

negado eacute todavia ponto assente entre todos os Peripateacuteticos o que confirma Boeacutecio

atraveacutes de trecircs argumentos sobre este ponto Primeiro porque Aristoacuteteles nas restantes

obras em tudo concorda consigo mesmo nesta obra Segundo porque a brevidade e a

subtileza do estilo levam a identificar Aristoacuteteles Terceiro porque de outro modo teria

elaborado uma obra incompleta se com a intenccedilatildeo de escrever sobre os silogismos

tivesse omitido as proposiccedilotildees de que derivam directamente ou os simples conceitos

de forma mais indirecta

Demonstra-se que haacute vaacuterias obras de variados autores sobre os predicados

Existiram pois muitas obras semelhantes sobre os predicados elaboradas por outros

autores que muitas vezes chegaram a dar lugar a enganos De facto ainda que

omitamos Arquitas de Tarento que foi o primeiro de todos a distribuir o ente em dez

classes e cuja obra escrita em liacutengua doacuterica Mirandula afirma ter perdurado ateacute ao

momento no livro 4 De examine vaniitatis Teofrasto Eudemo e Facircnias de Eacutereso

disciacutepulos de Aristoacuteteles escreveram seguindo o seu exemplo sobre os dez geacuteneros

supremos e Adrasto de Afrodiacutesia publicou um outro livro sobre o mesmo assunto que

costuma ser apresentado como de matriz aristoteacutelica Tambeacutem na Biblioteca de

Filadelfo foram encontrados dois cujo autor eacute Amoacutenio que afirma que um deles eacute de

Aristoacuteteles

Verdadeiro tiacutetulo da obra O tiacutetulo da obra da autoria de Porfiacuterio ainda que se

afirme muitas outras coisas foi todavia vulgarizado e aceite como Categorias de

Aristoacuteteles

De onde vem o nome de Categorias Porfiacuterio acreditou que este vocaacutebulo fora trazido

por Aristoacuteteles do uso forense para as escolas κατηγορία significa de facto aquele

discurso de acusaccedilatildeo que se executa nos julgamentos para incriminar pois κατηγορὼ

significa lsquoacusorsquo E natildeo eacute invulgar ndash diz Porfiacuterio ndash que os grandes filoacutesofos quando

descobrem algo desconhecido ou inventem vocaacutebulos ou transfiram alguns do uso

corrente que revestem de nova significaccedilatildeo

O nome de Categorias ou Predicados eacute entendido de vaacuterios modos Μais

fecunda poreacutem eacute a interpretaccedilatildeo de outros que por entenderem que o verbo κατηγορέω

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 35

significa o mesmo que lsquopredicorsquo ou lsquoenunciorsquo consideram que κατηγορίαν eacute o mesmo

que lsquoa enunciaccedilatildeo de algo sobre outra coisarsquo e por isso dispotildeem as coisas nestas dez

classes de tal modo que as superiores sejam afirmadas sobre as inferiores de acordo

com a ordem da natureza e com razatildeo essas mesmas classes satildeo designadas em grego

por lsquoCategoriasrsquo e em latim por lsquoPredicadosrsquo um vocaacutebulo cujo autor entre os latinos

parece ter sido Boeacutecio Admite-se todavia seja lsquoCategoriasrsquo seja lsquoPredicadosrsquo por

vezes em relaccedilatildeo a toda a seacuterie constituiacuteda pelos superiores e inferiores outras vezes

apenas em relaccedilatildeo ao geacutenero supremo de cada predicado Ora o que significa

formalmente o predicado eacute o que vamos apreciar nas questotildees

MATEacuteRIA ORDEM UTILIDADE E DISPOSICcedilAtildeO DESTE LIVRO

Sobre a mateacuteria deste livro haacute duas posiccedilotildees Tatildeo certo eacute entre todos os

inteacuterpretes que neste livro se trata dos predicados como eacute entre eles ambiacuteguo se a

mateacuteria principal satildeo os conceitos ou as coisas

Primeira posiccedilatildeo Averroacuteis e Caetano neste livro bem como Avicena no iniacutecio da sua

Loacutegica afirmam que satildeo as coisas

1ordm argumento Primeiro porque se disserta sobre os aspectos a partir dos quais os

predicados se desenvolvem pois eacute um tratado sobre os predicados mas os predicados

apenas se desenvolvem a partir das coisas as coisas e natildeo os conceitos eacute que se dizem

geacuteneros espeacutecies e indiviacuteduos

2ordm argumento Em segundo lugar trata-se principalmente daquilo cujas propriedades se

transmitem mas as propriedades que satildeo atribuiacutedas a cada um dos predicados dizem

respeito agraves coisas e natildeo aos conceitos portanto as coisas satildeo o assunto principal

2ordf posiccedilatildeo Alexandre Simpliacutecio Amoacutenio Porfiacuterio Siriano e Boeacutecio ensinam o

contraacuterio ou seja que a mateacuteria mais importante satildeo os conceitos o que parece ter

querido dizer Aristoacuteteles no capiacutetulo 4 desta obra quando ao distinguir os predicados o

faz atraveacutes dos conceitos e assim afirma que ldquoaqueles que se dizem natildeo ter qualquer

composiccedilatildeo significam os singulares ou a substacircncia ou a quantidade ou a qualidade

etcrdquo

Opta-se pela segunda posiccedilatildeo A uacuteltima posiccedilatildeo eacute muito mais verdadeira desde

que natildeo negue que na presente obra tambeacutem se disputa sobre as coisas que constituem os

predicados embora com uma importacircncia secundaacuteria

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 36

1ordf razatildeo Fundamenta-se a primeira parte desta resoluccedilatildeo Primeiro porque a Dialeacutectica eacute

uma ciecircncia totalmente linguiacutestica portanto todas as suas partes enquanto tal dizem

especial respeito agrave linguagem sobretudo interior

2ordf razatildeo Aleacutem disso neste livro daacute-se a conhecer os princiacutepios para constituir

proposiccedilotildees e silogismos e como as proposiccedilotildees e os silogismos satildeo constituiacutedos por

palavras significantes e natildeo por coisas significadas logo as palavras satildeo o principal

assunto tratado nesta obra Segunda parte de onde se torna evidente por que razatildeo nem as

palavras enquanto significativas podem ser suficientemente inteligidas sem alguma

revelaccedilatildeo das coisas significadas nem Aristoacuteteles as revelou de outro modo nos capiacutetulos

seguintes na verdade pela explicaccedilatildeo da substacircncia da quantidade etc expocircs o que

eram os vocaacutebulos simples que exprimem o seu significado

Resolvem-se os argumentos da primeira posiccedilatildeo Daqui se torna manifesta a

resposta aos argumentos da primeira posiccedilatildeo na medida em que contrariam a segunda

Em relaccedilatildeo ao primeiro embora possamos admitir que nos Predicados se coloca em

primeiro lugar as coisas negamos todavia que este tratado seja sobre o que se potildee em

primeiro lugar nos Predicados mas sobre os signos pelos quais se exprimem e que

tambeacutem tecircm a designaccedilatildeo dos geacuteneros das espeacutecies etc Quanto agrave segunda deve negar-

se que se trate em primeiro lugar as coisas cujas propriedades se explicam pois como as

palavras simples satildeo mais evidentes os seus significados satildeo explicados natildeo soacute pelas

partes essenciais mas tambeacutem pelas propriedades Acrescente-se que natildeo soacute as

propriedades das coisas mas tambeacutem das palavras satildeo tratadas nesta obra pois no

capiacutetulo 5 Aristoacuteteles afirma que eacute proacuteprio das substacircncias significar algo que apenas se

pode adequar agraves palavras

Que lugar na ordem das artes cabe a este livro No que diz respeito agrave ordem

este livro pode ser comparado quer a outras partes da filosofia quer agraves restantes partes

da Loacutegica se for considerado no primeiro modo natildeo falta quem lhe impute o uacuteltimo

lugar ou seja o mesmo que atribuem agrave Metafiacutesica (da qual alguns autores acreditam

fazer parte este livro)

Muitos negam que tenha um lugar certo e provam-nos com argumentos Outros natildeo lhe

concedem um lugar definido na ordem das artes mas asseveram que pertence

simultaneamente a todas as artes Os primeiros recorrem a estes argumentos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 37

1ordm argumento De todas as ciecircncias proacuteprias soacute a Metafiacutesica considera o ente como

objecto proporcionado logo soacute ela deve considerar a imediata divisatildeo do ente em dez

geacuteneros que nesta obra se estudam aprofundadamente pois a ela compete explicar uma

certa natureza da qual eacute proacuteprio perscrutar uma divisatildeo semelhante nos inferiores

2ordm Argumento Os modos de predicar a partir dos quais Aristoacuteteles e os outros filoacutesofos

coligem os Predicados neste livro fundam-se nos modos do ser como foi dito em

Porfiacuterio mas os modos de ser pertencem ao Metafiacutesico natildeo ao Loacutegico logo os modos

de predicar tambeacutem lhe dizem respeito aleacutem disso as artes progridem na ordem do

ensino se a forma for explicada pela primeira arte e o fundamento sem o qual esta

forma natildeo pode ser inteligida perfeitamente pela uacuteltima

3ordm Argumento O Dialeacutectico natildeo considera quais satildeo os materiais predicados mas quais

e quantos satildeo os modos formais de predicar e separados de toda a mateacuteria logo inquire

quantos satildeo os geacuteneros das coisas o que eacute predicado natildeo lhe diz minimamente respeito

mas ao Metafiacutesico

Alguns autores consideram que o estudo dos Predicados natildeo diz respeito a

nenhum filoacutesofo33 em particular Quem nega que a explicaccedilatildeo dos Predicados diga

respeito a um determinado filoacutesofo argumenta deste modo Natildeo haacute ciecircncia nem arte que

se debruce sobre todos os geacuteneros de coisas mas cada uma assume o encargo de

ponderar uma determinada parte logo o trabalho de explicar todas as Categorias que

contecircm todas as coisas natildeo haacute-de pertencer apenas a uma mas a todas as artes em

simultacircneo

Os Predicados dizem respeito ao Metafiacutesico e ao Loacutegico por razotildees diferentes

Todavia a posiccedilatildeo comum de todos os inteacuterpretes importantes eacute de que os Predicados

dizem respeito simultaneamente ao Metafiacutesico e ao Loacutegico por diferentes razotildees

porque para que se torne manifesto e se satisfaccedila as opiniotildees contraacuterias deve advertir-

se que as coisas que se colocam nos predicados podem ser encaradas de trecircs maneiras

As coisas que se colocam nos predicados podem ser consideradas de trecircs modos

Primeiro enquanto naturezas delas proacuteprias como se na primeira categoria se

considerasse a natureza da substacircncia do corpo etc Segundo na medida em que satildeo

universais e particulares no ser ou seja na medida em que os particulares incluem os

comuns mas por eles natildeo satildeo incluiacutedos Terceiro porque satildeo capazes de ser sujeito e

33 Artifex

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 38

ser predicado numa enunciaccedilatildeo Na verdade o primeiro modo de considerar natildeo eacute

proacuteprio de nenhuma ciecircncia determinada mas de todas as reais e a segunda opiniatildeo

apenas o comprova de onde poreacutem natildeo resulta que a doutrina dos Predicados diga

respeito a todas as ciecircncias porque o predicado natildeo eacute apenas a natureza da coisa mas

envolve a seacuterie O segundo modo eacute totalmente metafiacutesico como comprovam os

argumentos da primeira opiniatildeo O terceiro deve com razatildeo ser adscrito agrave Loacutegica Na

verdade toda a consideraccedilatildeo que eacute instituiacuteda para as predicaccedilotildees eacute Dialeacutectica pois

ningueacutem nega que a terceira da qual tratamos eacute deste tipo o que se descobre pela

proacutepria declaraccedilatildeo

Dissolvem-se as razotildees da parte contraacuteria Responde-se agraves razotildees em

contraacuterio Agrave primeira razatildeo da primeira posiccedilatildeo nada obstamos Agrave segunda responde-se

que muitas vezes eacute preciso explicar no que diz respeito agrave ordem correcta do ensino

qual eacute a capacidade e a funccedilatildeo de alguma forma atraveacutes de um fundamento natildeo

explicado mas suposto ou porque aparece aos rapazes nas noccedilotildees elementares tal

como se ensina a virtude e o poder das letras ignorando a natureza delas assim os

Loacutegicos conhecem a forccedila dos predicados estando suposto o seu fundamento exposto

pelos Metafiacutesicos Agrave terceira responde-se que o Dialeacutectico precisa de conhecer todos os

geacuteneros de coisas quanto agrave razatildeo de ser predicado e de ser sujeito natildeo para que compare

por si o conhecimento das coisas mas para que esteja provido de meios para tratar a

fundo qualquer questatildeo sobre a mateacuteria proposta O argumento da segunda jaacute foi

resolvido

Dispotildeem-se os vaacuterios tratados da Loacutegica de acordo com as vaacuterias actividades

do intelecto Basta sobre a ordem deste tratado em relaccedilatildeo agraves outras disciplinas falemos

agora sobre aquilo que diz respeito agraves outras partes da Loacutegica de Aristoacuteteles e isto eacute

tambeacutem o que se observa nas operaccedilotildees da mente De facto esta doutrina dos

predicados responde agrave primeira operaccedilatildeo que apreende os simples em que os nomes

simples satildeo reduzidos a classes Agrave segunda pela qual compomos e dividimos adaptam-

se os livros Da interpretaccedilatildeo nos quais se disputa sobre a enunciaccedilatildeo Agrave terceira pela

qual raciocinamos correspondem os Analiacuteticos e os Toacutepicos em que satildeo produzidos as

consequecircncias os argumentos e os silogismos

Esta doutrina eacute muito necessaacuteria a toda a praacutetica dialeacutectica A vantagem e a

utilidade desta doutrina satildeo vastiacutessimas para todo o uso dialeacutectico pois fornece mateacuteria

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 39

expedita para concretizar as divisotildees e as definiccedilotildees ao distinguir os Geacuteneros as

Espeacutecies e as Diferenccedilas De facto abrange todas as naturezas e todas as propriedades

para constituir a argumentaccedilatildeo sobre qualquer assunto

O tratado dos Predicados divide-se em trecircs partes A divisatildeo da obra faz-se em trecircs

partes a que vem antes dos predicados os predicados e a que vem depois dos

Predicados A primeira conteacutem quatro capiacutetulos A segunda que eacute a principal os cinco

seguintes A terceira e uacuteltima tanto na ordem como na utilidade e na dignidade tem

outros tantos no final

[PROEacuteMIO] AOS LIVROS DA INTERPRETACcedilAtildeO DE

ARISTOacuteTELES34

SOBRE O ESCOPO E O OBJECTIVO DESTA OBRA SOBRE A ORGANIZACcedilAtildeO O TIacuteTULO E OUTRAS

COISAS DESTE TIPO

Demonstra-se que o autor deste livro foi Aristoacuteteles Natildeo se deve dar muita

importacircncia a um tal Andronico de Rodes que Amoacutenio refere no prefaacutecio desta obra de

modo a que por causa dele se ponha em duacutevida o autor destes livros ndash se teraacute sido

Aristoacuteteles ou qualquer outro como o proacuteprio opina ndash dado que o modo grave de falar

bem como a delicadeza e austeridade do estilo revelam como autor o priacutencipe dos

Peripateacuteticos como consideraram S Tomaacutes Boeacutecio Amoacutenio e outros seus seguidores

Nem a razatildeo que se usa eacute mais importante do que quem a usa [Andronico] diz

que o autor desta obra no capiacutetulo 1 chama paixotildees aos conceitos e afirma tecirc-lo

explicado no livro Sobre a Alma o que Aristoacuteteles natildeo fez nesse lugar Mas natildeo leu os

textos 3 e 13 do primeiro livro Sobre a Alma onde se designa com o nome de paixotildees

as operaccedilotildees da alma nem o texto 155 e seguintes do livro I2 nos quais ensina

repetidamente que a imaginaccedilatildeo eacute uma paixatildeo e muitas vezes chama paixatildeo35 ao sentir

e ao inteligir Ainda que neste ponto natildeo tenha dito que explicou noutro lado de que

modo os conceitos satildeo paixotildees todavia os conceitos ou disposiccedilotildees satildeo esclarecidos

como fora estabelecido nos livros Sobre a Alma Por fim para que natildeo se possa

duvidar a passagem do livro 2 desta obra capiacutetulo 1 que trata das proposiccedilotildees do

34 Trad FM35 Pati

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 40

terceiro adjacente afirma que o proacuteprio autor tratou delas nas anaacutelises que tecircm lugar no

fim do primeiro livro dos Primeiros [Analiacuteticos] que eacute reconhecidamente aristoteacutelico

Portanto o autor destes livros depois de ter explicado os geacuteneros e o poder dos

vocaacutebulos simples no opuacutesculo das dez Categorias e de os ter classificado por ordem

orienta-se agora para a primeira composiccedilatildeo deste tipo de termos

Que ordem conserva Aristoacuteteles nestes livros Da Interpretaccedilatildeo Esta composiccedilatildeo ou

nexo como constitui uma enunciaccedilatildeo faz com que nestes livros disserte sobre a

enunciaccedilatildeo como se fosse uma mateacuteria subjacente Explora primeiro os seus

princiacutepios por assim dizer os seus constituintes elementares ou seja o nome e o verbo

Depois as espeacutecies que satildeo a afirmaccedilatildeo e a negaccedilatildeo Por fim as disposiccedilotildees ou

propriedades isto eacute as incompatibilidades e as oposiccedilotildees pelas quais as proposiccedilotildees

debatem entre si e as equivalecircncias pelas quais se associam mutuamente

Que razotildees parecem apontar o significativo como assunto desta obra Todavia

poder-se-aacute duvidar justamente se se deve constituir como assunto o significativo comum

ao Nome ao Verbo e ao Discurso Natildeo soacute porque Aristoacuteteles explica todas estas coisas

no capiacutetulo 1ordm o significativo no geral no 2ordm o Nome no 3ordm o Verbo no 4ordm o

Discurso que subdivide em Enunciaccedilatildeo etc Mas tambeacutem porque Boeacutecio e Alberto

Magno consideram que por vezes se chama interpretaccedilatildeo ao vocaacutebulo simples E natildeo

deixam de ter razatildeo pois por isso se diz que a interpretaccedilatildeo eacute sobre a enunciaccedilatildeo

porque divulga os conceitos internos da alma mas qualquer vocaacutebulo ainda que

simples indica um conceito latente como neste capiacutetulo ensina Aristoacuteteles Tambeacutem

noacutes na questatildeo 2 falaremos disso logo eacute correcto dizer-se interpretaccedilatildeo e estes livros

satildeo sobre a interpretaccedilatildeo no geral logo etc

Ora se se responder que sobre os vocaacutebulos simples se disputou no tratado dos

Predicados totalmente constituiacutedo para orientar a primeira operaccedilatildeo da mente e que

por isso natildeo se pode tratar neste lugar por si mesmo como mateacuteria proacutepria certamente

natildeo se poderaacute dar nenhuma razatildeo convincente pela qual se dispute de novo sobre o

mesmo assunto na presente obra ou pelo menos pela qual o Discurso natildeo seja o assunto

no geral visto que natildeo se trata noutro lado e requer uma investigaccedilatildeo proacutepria

A enunciaccedilatildeo eacute o assunto desta obra Deve todavia dizer-se partilhando a

opiniatildeo comum de S Tomaacutes de Amoacutenio de Simpliacutecio e de outros inteacuterpretes que nem

o vocaacutebulo simples nem o Discurso satildeo por si soacute o assunto desta obra Tambeacutem por

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 41

esta razatildeo porque este tratado estaacute entre os Predicados e os Analiacuteticos onde se disserta

sobre a primeira e a terceira operaccedilatildeo do intelecto Por isso a ordem regular postula que

se estabeleccedila este sobre a segunda mas nem o vocaacutebulo simples nem o Discurso satildeo

em si segunda operaccedilatildeo como demonstraremos no 4ordm capiacutetulo logo natildeo constituem

por si o assunto

Agrave conjectura produzida por Boeacutecio e Alberto ao considerarem que o vocaacutebulo

simples se pode designar interpretaccedilatildeo responde o mesmo Boeacutecio ldquoo tiacutetulo do livro eacute

mais universal do que o estudo mas esse natildeo eacute um impedimento de maiorrdquo Alexandre

afirma que se deve subentender interpretaccedilatildeo filosoacutefica Esta eacute sem duacutevida a posiccedilatildeo

de S Tomaacutes e de Amoacutenio ao ensinar que a interpretaccedilatildeo deve ser assumida como

Enunciaccedilatildeo apenas a que revela o parecer da alma De acordo com esta doutrina deve

negar-se que os vocaacutebulos simples e o Discurso natildeo enunciativo sejam interpretaccedilatildeo

porque embora revelem os conceitos todavia natildeo revelam os assentimentos e opiniotildees

que soacute podem ser designados por linguagem interna De onde se constata ser falso o que

se presumiu que o Discurso exige um tratamento particular pois natildeo eacute em si mesmo

uma operaccedilatildeo distinta da primeira

Por que razatildeo se disputa sobre os vocaacutebulos simples aqui nos livros dos

Predicados e nos Primeiros Analiacuteticos Poder-se-aacute entatildeo perguntar por que razatildeo se

volta de novo ao estudo dos simples concluiacutedo no livro dos Predicados S Tomaacutes daacute a

resposta na passagem em que afirma que a consideraccedilatildeo do Nome e do Verbo deve ser

tripla uma enquanto significam coisas simples outra porque satildeo partes a partir das

quais a Enunciaccedilatildeo se desenvolve a terceira pelo modo como se apresentam nos

silogismos como extremo maior ou menor ou como termo meacutedio Assim sendo S

Tomaacutes afirma que Aristoacuteteles nas Categorias dissertou sobre os vocaacutebulos simples

vistos do primeiro modo neste livro poreacutem trata-se deles perspectivados no segundo

modo e por essa razatildeo recebem a designaccedilatildeo de Nome e de Verbo Por fim nos livros

dos Primeiros Analiacuteticos deve disputar-se sobre eles quando considerados do terceiro

modo No estudo da Enunciaccedilatildeo foi entatildeo conveniente disputar sobre o Nome e o

Verbo na medida em que constroem essa mesma Enunciaccedilatildeo pois eacute um preceito do

proacuteprio Aristoacuteteles no livro 1 da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica capiacutetulo 1 ldquono iniacutecio de cada

ciecircncia deve-se transmitir os seus aspectos elementares bem como os do seu assuntordquo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 42

Que a Enunciaccedilatildeo eacute o assunto desta obra Ora tendo-se claramente constatado

que a Enunciaccedilatildeo eacute a mateacuteria destes livros permanece todavia um dissiacutedio seraacute apenas

a Enunciaccedilatildeo simples ou antes a Enunciaccedilatildeo no geral que compreende tanto a simples

como a complexa Alguns abraccedilam esta uacuteltima parte Primeiro porque Aristoacuteteles no

capiacutetulo 4 tambeacutem trata da complexa Segundo porque tem uma verdade e uma

qualidade proacuteprias que se devem explicar individualmente

Aristoacuteteles neste livro trata apenas da Enunciaccedilatildeo simples por si mesma Poreacutem eacute

mais provaacutevel a primeira posiccedilatildeo de Boeacutecio de S Tomaacutes e de Amoacutenio pois Aristoacuteteles

trata neste lugar da Enunciaccedilatildeo que haacute-de ser uacutetil posteriormente para a explicaccedilatildeo dos

silogismos mas Aristoacuteteles transmite apenas os categoacutericos logo natildeo explica aqui a

Enunciaccedilatildeo hipoteacutetica por si mesma sobretudo quando esta facilmente conduz aos

simples pelos quais eacute composta Ora se Aristoacuteteles se lembrou disso ao longo do

processo fecirc-lo por acaso e apenas na divisatildeo depois nada tratou sobre a complexa Mas

a sua verdade e qualidade (que objectava ao segundo lugar) eacute facilmente percebida a

partir da simples introduziu quanto eacute preciso para a disputa futura ora por uma ora por

outra para deduzir a demonstraccedilatildeo ao impossiacutevel como iraacute constar do capiacutetulo 1 livro

10 dos Posteriores

Tiacutetulo da obra O tiacutetulo do livro eacute περὶ ερμηνείας isto eacute Da Interpretaccedilatildeo

Ora a designaccedilatildeo de lsquoInterpretaccedilatildeorsquo segundo aprendemos com S Tomaacutes Escoto

Alberto Amoacutenio e Alexandre significa natildeo soacute o vocaacutebulo simples mas a Enunciaccedilatildeo

Todavia Aristoacuteteles rejeita o Discurso optativo vocativo e depreciativo porque

indicam mais um afecto da alma do que um pensamento e por isso como se atesta no

capiacutetulo 4 pertencem aos Oradores natildeo aos Loacutegicos que se apresentam apenas como

investigadores da verdade Do que foi dito facilmente qualquer um poderaacute perceber

que quando Aristoacuteteles progride do Nome e do Verbo para a Enunciaccedilatildeo e depois da

Enunciaccedilatildeo para o silogismo conserva tanto a ordem da natureza como do

ensinamento Da natureza porque avanccedila das partes que satildeo mais antigas na origem e

na natureza em direcccedilatildeo ao todo Do ensinamento porque a noccedilatildeo das partes eacute

necessaacuteria para a compreensatildeo absoluta do todo

Estrutura da obra Esta obra para os gregos compreende apenas um livro

para os Latinos tem dois A sua doutrina divide-se entre o prefaacutecio e o proacuteprio tratado

O prefaacutecio apresenta uma espeacutecie de suacutemula dos aspectos que devem ser tratados e estaacute

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 43

contido no primeiro capiacutetulo O tratado ocupa a parte restante dissertando

paulatinamente sobre cada aspecto De facto no iniacutecio eacute sobre as partes da Enunciaccedilatildeo

depois sobre a proacutepria Enunciaccedilatildeo suas disposiccedilotildees quantidade qualidade e oposiccedilatildeo

que investiga especialmente nas proposiccedilotildees sobre o acontecimento futuro Estas

questotildees ocupam por completo o livro primeiro O segundo dedica-se agrave explicaccedilatildeo das

Enunciaccedilotildees Absolutas e Modais a maior parte das quais iremos remeter para o livro

dos Princiacutepios

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO DA INTERPRETACcedilAtildeO36

O que tratou no primeiro livro e o que vai tratar no segundo A obra Da

Interpretaccedilatildeo para os Gregos eacute soacute uma dividida em trecircs secccedilotildees das quais esta eacute a

uacuteltima para os Latinos divide-se em dois livros no primeiro dos quais Aristoacuteteles

tratou da enunciaccedilatildeo simples e das suas partes recordando o geacutenero as propriedades e

algumas divisotildees Neste segundo livro introduz outras divisotildees dessa mesma

enunciaccedilatildeo simples Para que estas sejam evidentes segundo o proacuteprio Aristoacuteteles no

capiacutetulo 2 do primeiro livro dos Primeiros Analiacuteticos eacute preciso saber que de entre as

enunciaccedilotildees simples algumas satildeo absolutas as quais se designam lsquosobre o serrsquo porque

nada ensinam a natildeo ser que o predicado estaacute no sujeito como lsquoo homem eacute justo o

homem natildeo eacute justorsquo e que outras satildeo modais como acontece a lsquoo homem estaacute sentadorsquo

As simples sobre o ser transmitidas sem divisotildees no livro primeiro podem ser

repartidas de dois modos

Quais satildeo as enunciaccedilotildees infinitas e quais as finitas Primeiro em infinitas e finitas as

infinitas satildeo define Aristoacuteteles as que satildeo constituiacutedas por um nome infinito (entenda-

se ou por um verbo independentemente do que os Lovanienses reclamam com Boeacutecio)

por exemplo lsquoo homem eacute natildeo justorsquo ou lsquonatildeo homem eacute justo as finitas satildeo as que nada

tecircm de infinito como lsquoo homem eacute justorsquo lsquoo homem natildeo eacute justorsquo Segundo em

enunciaccedilotildees de extremo complexo como lsquoSoacutecrates eacute um homem justorsquo e de extremo

natildeo complexo ou como dizem dividido tais como lsquo Soacutecrates eacute homem Soacutecrates eacute

justorsquo Aristoacuteteles portanto nos dois primeiros capiacutetulos deste livro disserta sobre as

proposiccedilotildees do ser segundo uma e outra divisatildeo No terceiro sobre as modais No

quarto responde a uma duacutevida levantada pelo que foi dito S Tomaacutes Alberto e outros

36 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 44

inteacuterpretes natildeo consideram que estas condiccedilotildees finito e infinito complexo e diviso etc

sejam diferenccedilas que dividam a enunciaccedilatildeo mas acidentes que modificam o predicado

ou o sujeito ou o verbo embora entendam que natildeo satildeo diferenccedilas essenciais natildeo

negam que sejam acidentais o que para noacutes eacute suficiente Pareceu-nos bem apresentaacute-las

entatildeo de acordo com as divisotildees para que este ensinamento seja consentacircneo com

aquele que se transmite no terceiro livro dos Princiacutepios desta Academia

COMENTAacuteRIOS AOS LIVROS DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA

SOBRE OS PRIMEIROS ANALIacuteTICOS 37

SOBRE O TIacuteTULO O ASSUNTO A DIVISAtildeO E A ORGANIZACcedilAtildeO DESTES LIVROS

Nota acerca do tiacutetulo Estes dois livros e os outros dois que se seguem satildeo

designados por Aristoacuteteles com o nome comum de ἄναλυτικὰ isto eacute lsquoanaliacuteticosrsquo ou

lsquolivros analiacuteticosrsquo como se constata a partir do capiacutetulo 1 do livro 2 Da Interpretaccedilatildeo

bem como do capiacutetulo 2 do livro 1 dos Elencos do 3ordm do livro 6 da Eacutetica a Nicoacutemaco e

do 12ordm do livro 7 da Metafiacutesica aleacutem de outras passagens Distinguem-se entatildeo entre

si porque os dois primeiros intitulam-se ἄναλυτικῶν προτέρων isto eacute lsquodos primeiros

analiacuteticosrsquo ou lsquoda primeira anaacutelisersquo E os outros dois ἄναλυτικῶν ύστέρων isto eacute lsquodos

segundos analiacuteticosrsquo ou lsquo da segunda anaacutelisersquo

No entanto esta distinccedilatildeo do tiacutetulo natildeo parece ter sido aplicada por Aristoacuteteles

mas pelos seus inteacuterpretes como notou Galeno no livro em que faz uma recensatildeo das

suas obras De facto Aristoacuteteles quando faz menccedilatildeo destes livros em separado chama

aos dois primeiros lsquodo raciociacuteniorsquo e aos segundos lsquoda demonstraccedilatildeorsquo como se torna

evidente no primeiro dos Segundos Analiacuteticos capiacutetulo 3

O que eacute a Anaacutelise Ora para que se entenda qual a razatildeo deste tiacutetulo dever-se-aacute ter em

conta que segundo Aristoacuteteles no livro III da Fiacutesica capiacutetulo 5 texto 45 bem como

Alexandre e Filoacutepono no mesmo ponto a anaacutelise nada eacute senatildeo a reconversatildeo de alguma

coisa agraves suas partes ou princiacutepios como quando uma casa eacute decomposta nas pedras

madeiras cal e restantes mateacuterias com que foi construiacuteda se natildeo de verdade pelo

menos pela mente e pela cogitaccedilatildeo E quando a geraccedilatildeo eacute dividida em mateacuteria privaccedilatildeo

e forma

37 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 45

Dois tipos de reconversatildeo Ora esta reconversatildeo eacute variada e largamente

evidente nos ensinamentos como verificaram S Damasceno no capiacutetulo 1 da sua

Filosofia Filoacutepono nesta obra Eustraacutecio no iniacutecio do livro II dos Segundos Os

dialeacutecticos poreacutem transmitem dois geacuteneros que lhe satildeo proacuteprios e peculiares um da

consequecircncia a que Eustraacutecio chama silogiacutestico o outro do consequente

O que eacute a anaacutelise da consequecircncia A anaacutelise da consequecircncia eacute a reduccedilatildeo da

consequecircncia aos seus princiacutepios Ora os princiacutepios da consequecircncia satildeo os termos e as

proposiccedilotildees adequada e congruentemente colocados segundo a forma para inferir algo

Dissolver a consequecircncia eacute mostrar a sua qualidade E assim dizemos entatildeo

que decompomos a consequecircncia quando demonstramos a sua qualidade porque eacute

constituiacuteda pelos termos e proposiccedilotildees adequadamente dispostos pelas regras da arte e

segundo os modos e figuras para tirar conclusotildees

O que eacute a anaacutelise do consequente Quais os princiacutepios do consequente A anaacutelise do

consequente eacute a reduccedilatildeo do consequente aos seus princiacutepios Na verdade os princiacutepios

do consequente satildeo os termos e as proposiccedilotildees com conclusatildeo que se produzem quando

estatildeo devidamente associadas e coerentes segundo a mateacuteria Logo dir-se-aacute que

decompotildee o consequente quem por exemplo demonstrar que a conclusatildeo inferida se

deduz dos princiacutepios que contecircm em si a causa da verdade da conclusatildeo

Decompor o consequente eacute demonstrar a conclusatildeo inferida dos princiacutepios

verdadeiros De onde se compreende que a Dialeacutectica natildeo soacute decompotildee a ponto de se

deter na descoberta e observaccedilatildeo das partes como julga acerca de todos os assuntos e

pondera a sua exactidatildeo do mesmo modo que os pedreiros medem os comprimentos da

obra com reacutegua e fio de prumo as alturas com o niacutevel e os acircngulos com o esquadro

Por que se designam livros analiacuteticos Ora como estes quatro livros expotildeem a

doutrina das duas anaacutelises satildeo designados lsquoanaliacuteticosrsquo ou lsquoda decomposiccedilatildeorsquo Os

primeiros satildeo sobre a primeira decomposiccedilatildeo os outros dois sobre a segunda porque

nuns se trata da decomposiccedilatildeo da consequecircncia que eacute anterior e nos outros da

decomposiccedilatildeo do consequente que vem depois para que de facto a verdade e a ilaccedilatildeo

do consequente se mostre como deve ser conveacutem que primeiro se constante a qualidade

da consequecircncia

Por que eacute estes livros se designam lsquosobre a decomposiccedilatildeorsquo Todavia poderaacute

algueacutem perguntar e com razatildeo tendo em conta que nestes livros natildeo soacute se ensina a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 46

decomposiccedilatildeo mas tambeacutem a composiccedilatildeo e a estrutura a que os gregos chamam

σύνθησις por que razatildeo o seu nome foi dado preferencialmente a partir da

decomposiccedilatildeo e natildeo da composiccedilatildeo Respondemos que a causa eacute o facto de as partes

que constituem o silogismo e a demonstraccedilatildeo chegarem de forma mais distinta agrave

observaccedilatildeo da mente atraveacutes da decomposiccedilatildeo porque se escondem na proacutepria

composiccedilatildeo por estarem agrupadas e misturadas E depois porque eacute mais faacutecil

completar um raciociacutenio do que dividir um jaacute feito nos vaacuterios elementos a partir dos

quais se desenvolveu o primeiro processo faz-se muitas vezes pelo engenho o outro

natildeo se faz senatildeo pelos preceitos E assim quem sabe decompor sabe tambeacutem compor

mas natildeo o contraacuterio como dissemos na introduccedilatildeo com o apoio de Eustraacutecio

Primeira posiccedilatildeo sobre o assunto destes livros No que diz respeito ao assunto

destes livros haveraacute talvez quem considere com Clichthove e Marsiacutelio que eacute a

argumentaccedilatildeo porque neles se disserta sobre todas as suas partes nomeadamente do

Raciociacutenio do Entimema da Induccedilatildeo e do Exemplo

Segunda Outros haveraacute que com Averroacuteis e Alexandre pensem que eacute a demonstraccedilatildeo

porque Aristoacuteteles no iniacutecio deste primeiro livro promete que vai tratar da

demonstraccedilatildeo

A terceira que eacute a verdadeira ensina que eacute o silogismo simples Todavia deve abraccedilar-

se a posiccedilatildeo de Alberto Magno de Egiacutedio de Filoacutepono dos comentadores de Lovaina e

de outros inteacuterpretes que acreditam que o assunto atribuiacutedo aos Primeiros analiacuteticos eacute o

silogismo simples apreciado segundo a forma isto eacute sem considerar nenhuma razatildeo de

alguma mateacuteria particular em que se desenvolva e de facto nestes livros trata-se destas

coisas de acordo com o objectivo instituiacutedo e natildeo se disserta sobre o entimema nem

sobre outras partes da argumentaccedilatildeo a natildeo ser por causa do silogismo

Haacute dois tipos de silogismos Dissemos o silogismo simples e natildeo um qualquer

porque como haacute dois tipos de silogismos ndash um simples constituiacutedo a partir de

enunciaccedilotildees simples e outro hipoteacutetico que eacute formado pelas complexas e associadas ndash

Aristoacuteteles tratou apenas o primeiro tipo e natildeo o segundo pelo menos natildeo

separadamente nas obras conhecidas ateacute agora mas de passagem nos Toacutepicos ao

explicar os lugares pelos antecedentes e consequentes e pela comparaccedilatildeo como se pode

ver no segundo e no terceiro livros desta obra Ora Teofrasto e Eudemo Peripateacuteticos

escreveram algo sobre este silogismo e foram imitados por Boeacutecio Filoacutepono tambeacutem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 47

neste livro nos comentaacuterios ao capiacutetulo 22 aflora sumariamente o que tinha sido

transmitido por eles sobre o mesmo assunto Alguns aspectos refere tambeacutem Dioacutegenes

Laeacutercio na Vida de Zenatildeo Ciacutetio cujos alunos colocaram muito empenho neste tipo de

silogismos

Qual eacute o principal assunto destes livros e por que se adequa Nada obsta agrave

nossa posiccedilatildeo sobre o assunto destes livros o que Aristoacuteteles diz na primeira abordagem

desta obra sobre a intenccedilatildeo de tratar da demonstraccedilatildeo Faacute-lo por isto para mostrar que

o principal assunto ao qual a doutrina das duas anaacutelises se refere como escopo eacute a

demonstraccedilatildeo o que natildeo impede que o principal mas tambeacutem o assunto particular

destes dois livros seja o raciociacutenio como ele proacuteprio indicou claramente no capiacutetulo 4

do livro 1 onde anuncia que vai tratar do raciociacutenio E se algueacutem objectar que o

silogismo eacute o assunto de toda a Dialeacutectica conforme foi transmitida por Aristoacuteteles e

que por isso natildeo pode ser o assunto atribuiacutedo a estes livros responder-se-aacute que o

silogismo pode ser entendido de dois modos ou segundo a forma e a mateacuteria em

simultacircneo ndash e considerando em particular que esta eacute demonstrativa provaacutevel sofiacutestica

apoacutecrifa ou segundo a forma e a mateacuteria passiacutevel de ser provada mas no geral e sem

avaliar nenhuma em particular Na primeira acepccedilatildeo o silogismo eacute assunto de toda a

Dialeacutectica aristoteacutelica Na segunda poreacutem apenas destes livros

SOBRE A ORGANIZACcedilAtildeO E A DIVISAtildeO DESTES LIVROS

Apresenta-se a opiniatildeo dos modernos A Dialeacutectica estaacute distribuiacuteda em trecircs

partes segundo os Estoacuteicos Sobre o lugar que estes livros reivindicam entre os

restantes segundo a organizaccedilatildeo do ensino haacute um dissiacutedio Isto porque alguns dos

filoacutesofos modernos consideram que os Primeiros Analiacuteticos natildeo antecedem os Toacutepicos

levados pelo argumento de que a Dialeacutectica segundo a posiccedilatildeo dos Estoacuteicos que os

Peripateacuteticos natildeo desmentem se distribui em inuentio iudicium e dispositio A inuentio

eacute por natureza anterior agrave dispositio como atesta Marco Tuacutelio nos Toacutepicos E

demonstra-o com um exemplo da Arquitectura Se algueacutem decide construir uma casa

comeccedila por preparar as pedras as madeiras a cal e outros materiais deste tipo depois

de trabalhadas todas estas coisas e polidas pela arte reuacutene-as adequadamente entre si e

coloca cada uma no seu lugar Ora a inuentio eacute semelhante agravequela primeira preparaccedilatildeo

da futura obra e a dispositio agrave sua adequada construccedilatildeo E por isso tendo Aristoacuteteles

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 48

estudado a inuentio nos livros dos Toacutepicos e a dispositio nos Analiacuteticos parece que os

Toacutepicos devem explicar-se antes dos Analiacuteticos de acordo com a convencionada ordem

da disciplina

Rejeita-se a posiccedilatildeo anterior No entanto natildeo se pode admitir esta opiniatildeo

Mais precisamente que a inuentio eacute anterior ao iudicium e agrave dispositio isto deve

entender-se apenas quando estas duas partes versam sobre uma uacutenica e mesma coisa o

que na mateacuteria tratada natildeo acontece De facto a inventio nos Toacutepicos e a dispositio nos

Analiacuteticos natildeo dizem respeito agrave mesma coisa visto que nos Toacutepicos se explica somente

a inuentio dos argumentos provaacuteveis como se torna evidente no desenvolvimento dessa

obra nos Primeiros Analiacuteticos transmite-se indiscriminadamente a dispositio ou a

colocaccedilatildeo de todos os argumentos segundo a forma No entanto como notou Boeacutecio

nos Toacutepicos de Ciacutecero quando se divide a Dialeacutectica em razatildeo da definiccedilatildeo da divisatildeo

e da argumentaccedilatildeo em qualquer uma destas partes a inuentio e o iudicium tecircm lugar E

natildeo eacute uma qualquer acumulaccedilatildeo dos conceitos que produz a definiccedilatildeo a divisatildeo e a

argumentaccedilatildeo mas tem de ser determinada e constrangida por determinadas leis E

assim conveacutem investigar primeiro e inventariar as partes da definiccedilatildeo e depois dispocirc-

las adequadamente o que acontece de forma semelhante na divisatildeo e na argumentaccedilatildeo

Nestes livros estatildeo contidos simultaneamente a inuentio e o iudicium

Certamente nos Analiacuteticos e nos Toacutepicos natildeo eacute soacute a inuentio nem soacute a dispositio mas

satildeo ambas que se transmitem abertamente Pois Aristoacuteteles estuda na primeira secccedilatildeo

dos Primeiros Analiacuteticos a estrutura das figuras e os modos dos silogismos que

pertencem agrave dispositio e ao iudicium na segunda a inuentio geral do argumento ou do

meio e na terceira de novo o iudicium jaacute do raciociacutenio constituiacutedo De igual modo no

livro 1 dos Segundos Analiacuteticos disserta sobre a composiccedilatildeo e o iudicium da

demonstraccedilatildeo e no segundo sobre a inuentio da definiccedilatildeo que eacute meio da demonstraccedilatildeo

E nos Toacutepicos quer no 1ordm quer no 8ordm livro investiga a dispositio e nos restantes seis a

inuentio Em relaccedilatildeo a isto embora a inuentio seja anterior agrave dispositio no costume da

arte ndash pois conveacutem inventariar antes e depois dispor o que foi inventariado ndash todavia

natildeo eacute preciso que se ensine sempre primeiro a inuentio Acontece por vezes transmitir-

se antes a dispositio naturalmente quando a inuentio natildeo pode ser perfeitamente

inteligida sem a noccedilatildeo preacutevia da dispositio Este meacutetodo de ensino seguiu Aristoacuteteles na

maior parte dos dois livros Analiacuteticos como se constata do que foi dito

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 49

Quem pensa que a disputa dos Toacutepicos eacute anterior agrave dos Analiacuteticos Por isso

alguns Dialeacutecticos modernos assumindo o argumento pela precedecircncia da inuentio

provam erradamente que a disputa dos Toacutepicos eacute anterior agrave dos Analiacuteticos e natildeo tecircm

uma opiniatildeo correcta Pois postula a razatildeo da doutrina exacta como adverte Aristoacuteteles

no capiacutetulo 4 deste livro bem como no iniacutecio da Fiacutesica e no primeiro livro das Partes

dos animais capiacutetulo 4 que noacutes progredimos do mais comum para o menos comum e

dos geacuteneros para a espeacutecie Esta razatildeo da ciecircncia que se deve ensinar comprova-a

Soacutecrates no Fedro de Platatildeo e diz que foi transmitida por Hipoacutecrates como tinha

recomendado anteriormente no livrinho Da Natureza humana E por isso tendo tratado

nestes dois livros do raciociacutenio dialeacutectico que eacute dessa espeacutecie daiacute resulta que esta

disputa deva ser lanccedilada antes dos Toacutepicos

Transmite-se a posiccedilatildeo verdadeira E assim esta obra vem depois dos livros

Da Interpretaccedilatildeo e imediatamente antes dos livros dos Segundos Analiacuteticos porque

depois da explicaccedilatildeo dos conceitos simples e dos enunciados a partir dos quais se

constitui o raciociacutenio simples eacute o que se segue para que se dispute do silogismo

simples e sucede a esta disputa o tratado analiacutetico da demonstraccedilatildeo que eacute a espeacutecie

mais importante do silogismo simples

Sobre o nuacutemero dos livros Analiacuteticos Filoacutepono nesta obra e Mirandula no

livro 4 De examine uanitatis capiacutetulo 4 referem terem existido quarenta livros

analiacuteticos sob o nome de Aristoacuteteles descobertos outrora na Biblioteca de Filadelfo

Ptolomeu rei do Egipto Consta que teriam sido naturalmente compostos por Eudemo

Teofrasto e Facircnias por imitaccedilatildeo do seu mestre Aristoacuteteles alguns livros sobre as

Categorias e a interpretaccedilatildeo bem como analiacuteticos De entre eles eacute provaacutevel que muitos

tenham sido apresentados ao rei com a esperanccedila de obter lucros sob o tiacutetulo de

Aristoacuteteles para aumentar a magnificecircncia da sua copiosa biblioteca Laeacutercio na Vida

de Aristoacuteteles enumera nove livros dos Primeiros Analiacuteticos para aleacutem de dois sobre o

silogismo Na verdade o cataacutelogo de Laeacutercio natildeo corresponde satisfatoriamente aos

livros de Aristoacuteteles que chegaram ateacute noacutes Ora bem no que diz respeito aos que temos

sobre a mateacuteria tratada nos primeiros dois ndash que Alexandre Filoacutepono Galeno e outros

inteacuterpretes esclareceram com comentaacuterios ndash estaacute contida a doutrina da primeira anaacutelise

e no primeiro para falarmos em traccedilos gerais Aristoacuteteles disserta sobre a natureza do

raciociacutenio No segundo revela as suas faculdades bem como as disposiccedilotildees e os viacutecios

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 50

que nelas se encontram Quatildeo grande eacute de facto a necessidade desta arte atesta-o

Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica capiacutetulo 4 texto 9 quando chama ao seu

desconhecimento απαιδευσία por excelecircncia isto eacute lsquorudeza ou ignoracircnciarsquo

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO DOS PRIMEIROS ANALIacuteTICOS DE

ARISTOacuteTELES38

Os Analiacuteticos como algumas outras obras de Aristoacuteteles estatildeo divididos em

secccedilotildees Mas a divisatildeo em capiacutetulos natildeo eacute da responsabilidade de Aristoacuteteles nem dos

inteacuterpretes gregos Portanto se tivermos em atenccedilatildeo as secccedilotildees a que Aristoacuteteles chama

στῆματα este livro conteacutem trecircs secccedilotildees

Divisatildeo dos Analiacuteticos em secccedilotildees Na primeira depois de transmitido o objectivo

principal bem como a mateacuteria de toda a disciplina da decomposiccedilatildeo e lanccedilados os seus

fundamentos explica-se por que artifiacutecio se deve construir o raciociacutenio tanto a partir

das proposiccedilotildees sobre o ser como das modais Na segunda ensina-se de que modo se

descobre o meio para raciocinar Na terceira de que forma os silogismos construiacutedos

para uma determinada figura e modo devem ser decompostos e examinados

Sua divisatildeo em capiacutetulos Se pelo contraacuterio olharmos para os capiacutetulos do primeiro ateacute

ao vigeacutesimo primeiro inclusive trata-se da referida estrutura e composiccedilatildeo dos

silogismos Do vigeacutesimo primeiro ao trigeacutesimo segundo inclusive transmite-se a razatildeo

para descobrir o meio e preparar a abundacircncia de proposiccedilotildees para raciocinar Do

trigeacutesimo segundo ao quadrageacutesimo segundo que eacute o uacuteltimo capiacutetulo deste livro

disserta-se sobre a decomposiccedilatildeo e o exame dos silogismos E nestes quarenta e dois

capiacutetulos dividiu Boeacutecio o primeiro livro que outros dispuseram em menos

COMENTAacuteRIOS AOS LIVROS DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA SOBRE OS

SEGUNDOS ANALIacuteTICOS39

TIacuteTULO E MEacuteTODO DESTES LIVROS ETC

O que havia para explicar neste ponto sobre o tiacutetulo e o meacutetodo destes livros

consta claramente dos aspectos que aprofundaacutemos no iniacutecio dos livros dos Primeiros

38 Trad FM39 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 51

Analiacuteticos e a partir daiacute qualquer um poderaacute facilmente compreender qual eacute a mateacuteria

subjacente a esta obra

A anaacutelise eacute dupla Qual diz respeito a este livro Na verdade como a anaacutelise eacute dupla ndash

uma relativa agrave forma a outra agrave mateacuteria ndash e como a primeira foi tratada naquele lugar daiacute

resulta que a outra tenha sido reservada para este livro

A mateacuteria subjacente a esta obra eacute o silogismo demonstrativo Assim sendo Aristoacuteteles

ensina nestes livros a desfazer e decompor o silogismo na mateacuteria natildeo numa qualquer

mas na mais importante de todas a que eacute necessaacuteria e demonstrativa por isso se torna

evidente que o assunto destes livros eacute o silogismo demonstrativo cuja anaacutelise se transmite

nele em particular como eacute posiccedilatildeo comum dos inteacuterpretes Gregos e Latinos e tambeacutem do

proacuteprio Aristoacuteteles no livro 1 dos Primeiros capiacutetulo 4 onde afirma que o seu propoacutesito

eacute tratar da demonstraccedilatildeo nesta obra

Argumenta-se que o assunto eacute tambeacutem a definiccedilatildeo Todavia Averroacuteis neste

local bem como o Lincolniense seguindo Alexandre e Teofrasto pensam que nestes

livros natildeo se considera apenas a demonstraccedilatildeo mas tambeacutem a definiccedilatildeo em si mesma e

de tal modo que a sua mateacuteria conteacutem natildeo soacute a demonstraccedilatildeo mas tambeacutem a definiccedilatildeo

O que tambeacutem se pode confirmar pelo facto de no segundo livro desta obra Aristoacuteteles

tratar da inventio da definiccedilatildeo E aleacutem disso porque como a definiccedilatildeo faz parte do

modo de dissertar esse estudo pertenceraacute ao Loacutegico ora uma vez que Aristoacuteteles em

nenhum lugar para aleacutem do referido dissertou sobre essa mateacuteria conclui-se que o

assunto desta obra compreende natildeo soacute a demonstraccedilatildeo como tambeacutem a definiccedilatildeo em si

mesma Natildeo teraacute ecircxito quem responder que a definiccedilatildeo pertence agrave doutrina dos Toacutepicos

pois Aristoacuteteles natildeo ensina a construir a definiccedilatildeo nos Toacutepicos mas examina-a jaacute

construiacuteda como notou Alexandre no mesmo lugar

Defende-se a verdadeira posiccedilatildeo e responde-se ao fundamento da outra Ora

estes argumentos nada produzem contra a posiccedilatildeo que aprovaacutemos Pois em relaccedilatildeo ao

primeiro deve dizer-se com Eustraacutecio no iniacutecio do livro segundo desta obra e Egiacutedio

no proeacutemio do primeiro livro dos Primeiros Analiacuteticos que Aristoacuteteles no lugar citado

natildeo pretendeu40 por princiacutepio tratar da definiccedilatildeo mas apenas da demonstraccedilatildeo Em

relaccedilatildeo ao segundo haacute quem responda que Aristoacuteteles natildeo quis escrever separadamente

40 Obseruit parece forma de obseruire que o dicionaacuterio natildeo regista Talvez corruptela de obseruare ou seruire

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 52

sobre a definiccedilatildeo por ter considerado que nela havia menos dificuldade e assim

dedicou-se por completo agrave argumentaccedilatildeo e ao esclarecimento das suas partes

Obras em que Aristoacuteteles teraacute tratado da definiccedilatildeo Todavia parece-nos provaacutevel a

posiccedilatildeo de Alberto Magno no primeiro tratado da sua Loacutegica capiacutetulo 5 quando

pondera que esta parte da Dialeacutectica natildeo foi negligenciada nem esquecida por

Aristoacuteteles mas sacrificada pela injuacuteria dos tempos e que sobre ela teriam existido

escritos da sua autoria certamente registados no cataacutelogo em que estatildeo os livros da

Loacutegica editados por Aristoacuteteles entre os que natildeo satildeo conhecidos enumeram-se cinco

livros das definiccedilotildees e um livro das divisotildees que talvez contivessem essa doutrina

Qual eacute a ordem destes livros em relaccedilatildeo aos outros dialeacutecticos Sobre a ordem

destes livros natildeo deixam de discutir os inteacuterpretes Pois para natildeo repetir o que

escrevemos no iniacutecio dos Primeiros sobre essa questatildeo Filoacutepono e Avicena que Averroacuteis

recorda no proacutelogo deste livro pensam que os Toacutepicos devem ser interpostos entre os

livros da primeira e estes da segunda decomposiccedilatildeo O que Filoacutepono justifica alegando

que tal como a mente se dispotildee e se prepara para o conhecimento demonstrativo e para a

ciecircncia com os argumentos mais provaacuteveis assim a doutrina dos provaacuteveis que se

transmite nos Toacutepicos se deve explicar antes da demonstrativa O mesmo confirma

Avicena com este fundamento deve avanccedilar-se dos mais comuns para os menos comuns

mas os provaacuteveis de que se trata nos Toacutepicos satildeo mais comuns do que os demonstrativos

que se explicam nesta obra pois afirma todos os demonstrativos satildeo provaacuteveis mas natildeo

o contraacuterio logo os Toacutepicos devem antepor-se a estes livros

Estes livros precedem os Toacutepicos Deve todavia defender-se a opiniatildeo

contraacuteria que Alexandre segue no primeiro dos Elencos capiacutetulo quarto bem como

Alberto Magno no primeiro tratado deste livro capiacutetulo primeiro e ainda Algazel e

Alfarabi como atesta o proacuteprio Alberto no capiacutetulo segundo do mesmo tratado S

Tomaacutes e Averroacuteis no proeacutemio deste livro bem como outros Autores asseveram que

estes livros estatildeo proximamente ligados aos que tratam da primeira decomposiccedilatildeo O

que demonstra suficientemente a sequecircncia da doutrina e se pode concluir de

Aristoacuteteles no livro 1 dos Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo 4 onde disse ter estabelecido

para si mesmo estudar a fundo a demonstraccedilatildeo No entanto conveacutem comeccedilar pelo

silogismo porque se deve explicar primeiro o que eacute mais comum e depois o que eacute

menos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 53

Responde-se aos fundamentos dos outros Ao argumento de Filoacutepono deve

responder-se que embora para se provar algo se admita primeiro as razotildees provaacuteveis se

elas forem suficientes e depois se costume de facto apresentar as demonstrativas todavia

as coisas datildeo-se de outro modo no ensino da disciplina do silogismo demonstrativo e

provaacutevel quando a razatildeo do meacutetodo e a ordem como consta do que jaacute foi dito pedem que

dissertemos primeiro sobre umas e depois sobre as outras Ao argumento de Avicena deve

conceder-se o que assume mas negar-se que os provaacuteveis como mais comuns contecircm em

si os demonstrativos pois satildeo elementos opostos entre si como se torna evidente da

divisatildeo do silogismo em Demonstrativo e Dialeacutectico Apoacutecrifo e Sofiacutestico a partir dos

quais se constitui o dialeacutectico dos provaacuteveis e o demonstrativo dos necessaacuterios e assim

natildeo os provaacuteveis mas os probatoacuterios isto eacute aptos e idoacuteneos para comprovar mostram-se

mais abrangentes que os demonstrativos porque estes requerem uma mateacuteria determinada

e definitiva sem duacutevida necessaacuteria e os outros existem indiscriminadamente em relaccedilatildeo a

toda a mateacuteria pela qual se pode provar alguma coisa

Quando se deve comeccedilar pelos mais comuns Porque se algueacutem chamar mais

comuns na questatildeo proposta agravequeles por assim dizer comuns de direito que circulam

pela maioria ou por quase todas as ciecircncias e que deste modo se consideram os

provaacuteveis entatildeo teraacute de se contestar que se deve comeccedilar pelos que se dizem mais

comuns neste sentido Na verdade quando Hipoacutecrates Platatildeo Aristoacuteteles e outros

Filoacutesofos afirmam que noacutes devemos comeccedilar pelos mais comuns chamam mais comuns

agravequeles que ao predicar se mostram mais abrangentes e natildeo aos que por qualquer outro

modo servem para vaacuterias disciplinas

Maacutexima importacircncia deste tratado entre os escritos dialeacutecticos Entatildeo tendo

avaliado a nobreza da doutrina principalmente por duas razotildees que satildeo a importacircncia e a

veracidade da mateacuteria abordada como ensina Aristoacuteteles no iniacutecio dos livros Sobre a

Alma se considerarmos a primeira causa eacute evidente que esta parte da Loacutegica deve ser

anteposta agraves restantes como Alberto Magno adverte no primeiro capiacutetulo deste livro visto

que entre os restantes modos de dissertar o silogismo obteacutem o lugar principal e entre os

silogismos a demonstraccedilatildeo pois o necessaacuterio e o demonstrativo satildeo muito mais nobres do

que o provaacutevel Daiacute que Ptolomeu no primeiro do Almagesto recomende que natildeo

procuremos os provaacuteveis mas os demonstrativos que satildeo invariaacuteveis e perpeacutetuos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 54

Tambeacutem em funccedilatildeo da segunda causa esta parte da Dialeacutectica obteacutem grande dignidade

pois eacute sobre a mateacuteria estaacutevel e determinada tal como a natureza da demonstraccedilatildeo

Mas Aristoacuteteles cultivou-a de forma tatildeo subtil e apurada que Alexandre de

Afrodiacutesia teraacute dito justamente que ele ensinou a demonstrar demonstrando Todavia

Temiacutestio no proeacutemio da sua Paraacutefrase a este livro lamenta a obscuridade desta obra

pois geralmente ndash diz ndash todos os escritos de Aristoacuteteles quanto agrave composiccedilatildeo se

encontram por assim dizer cobertos e repletos de um certo fumo o que se percebe

sobretudo nesta obra tanto por causa do proacuteprio tipo de elocuccedilatildeo que aqui (porventura

em qualquer parte) eacute o mais conciso e preciso possiacutevel como por causa dos capiacutetulos

que parecem dispostos sem qualquer ordenaccedilatildeo

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO DOS SEGUNDOS ANALIacuteTICOS DE

ARISTOacuteTELES41

Na demonstraccedilatildeo podemos observar quatro aspectos principais mateacuteria

forma fim e meio de demonstrar sobre o uacuteltimo disserta o Filoacutesofo no livro seguinte

neste livro estuda os trecircs primeiros pela mesma ordem com que os apresentaacutemos

Disposiccedilatildeo do primeiro livro E assim do primeiro capiacutetulo ateacute ao deacutecimo explica a

mateacuteria da demonstraccedilatildeo Do undeacutecimo ateacute ao 22ordm expotildee qual a figura mais adequada agrave

demonstraccedilatildeo Do capiacutetulo 23ordm ateacute ao fim do livro disputa longamente sobre a ciecircncia

que eacute o efeito e o fim da demonstraccedilatildeo e ora compara as ciecircncias entre si ora com os

outros haacutebitos da alma Aleacutem do mais porque nos artefactos tanto a mateacuteria como a

forma se adaptam ao mesmo fim explica brevemente no iniacutecio do livro de que tipo

seraacute a ciecircncia que eacute o fim da demonstraccedilatildeo

PROEacuteMIO AO LIVRO SEGUNDO DOS SEGUNDOS ANALIacuteTICOS DE

ARISTOacuteTELES42

Posiccedilotildees vaacuterias sobre a mateacuteria deste livro Relativamente ao intuito de

Aristoacuteteles neste livro nem todos tecircm igual parecer pois Teofrasto e Alexandre

acreditam que a definiccedilatildeo se apresentou como escopo a Aristoacuteteles pelo facto de ser um

41 Trad FM42 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 55

outro modo de conhecer pela demonstraccedilatildeo que conveacutem explicar em si mesma S

Tomaacutes acredita que a mateacuteria eacute o princiacutepio da demonstraccedilatildeo como se abstrai do simples

e do complexo e eacute conduzido por esse argumento que o Filoacutesofo disserta no uacuteltimo

capiacutetulo sobre os princiacutepios complexos e nos precedentes sobre as causas e a definiccedilatildeo

que natildeo satildeo complexas

Refutaccedilatildeo Afinal nenhuma posiccedilatildeo eacute satisfatoacuteria A primeira natildeo porque o proacuteprio

Aristoacuteteles no capiacutetulo quarto do livro 1 dos Primeiros afirma que estes livros se

dedicam agrave demonstraccedilatildeo e que por causa disso neste natildeo explica a definiccedilatildeo por

princiacutepio mas apenas em funccedilatildeo da razatildeo pela qual estaacute sujeita agrave demonstraccedilatildeo e na

verdade Alberto no tratado 1 sobre a Loacutegica capiacutetulo 1 considera que falta o seu

estudo proacuteprio A segunda tambeacutem natildeo porque se disputou sobre os princiacutepios

complexos em si mesmos no livro primeiro e em breve descobriremos por que razatildeo se

faz menccedilatildeo delas no presente livro

O meio demonstrativo eacute a mateacuteria Logo a verdadeira posiccedilatildeo que transmitem

Simpliacutecio Eustraacutecio e Alberto assevera que o escopo deste livro eacute dar a conhecer a

inuentio do meio demonstrativo natildeo seria pois exacta a explicaccedilatildeo da demonstraccedilatildeo se

natildeo se transmitisse publicamente o meio em que ela deve estabelecer-se porque como

ensinou o proacuteprio Aristoacuteteles no livro 2 dos Primeiros capiacutetulo 28 natildeo basta conhecer

a estrutura do silogismo se natildeo se chegar agrave capacidade de os realizar que eacute concedida

pela inuentio do meio Entatildeo tendo-se explanado no livro anterior que a demonstraccedilatildeo

eacute um tipo de silogismo bem como as suas partes propriedades e efeitos daiacute resulta que

neste livro se dispute sobre o seu meio

Divisatildeo de todo o livro Divide-se entatildeo o livro em duas partes Na primeira que

compreende dez capiacutetulos porque a definiccedilatildeo eacute o meio mais importante da

demonstraccedilatildeo disputa-se largamente sobre ela na segunda que conteacutem os restantes

oito capiacutetulos demonstra-se que natildeo soacute a definiccedilatildeo mas todas as causas podem ser

meios de demonstrar No entanto uma vez que o meio estaacute contido nos princiacutepios faz-

se uma digressatildeo no uacuteltimo capiacutetulo para mostrar de que modo se teriam gerado os

princiacutepios da demonstraccedilatildeo

Mas na verdade embora consideremos a doutrina deste livro extremamente

uacutetil para o conhecimento perfeito da demonstraccedilatildeo todavia ou por ser conspiacutecua em si

ou por a termos transmitido na sua maior parte no livro anterior uma uacutenica questatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 56

sobre o meio constitui a mateacuteria de todo o livro Satisfeitos vamos abster-nos de

comentaacuterios mais longos porque quanto mais fazemos algo de boa vontade tanto mais

vemos o mesmo feito pelos outros Aleacutem disso estamos a compor um manual para a

escola que natildeo queremos aumentar de mais com coisas menos necessaacuterias

COMENTAacuteRIOS AO PRIMEIRO LIVRO DOS TOacutePICOS DE

ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA43

SOBRE O AUTOR A MATEacuteRIA A ORDEM E A UTILIDADE DESTA OBRA

O proacuteprio Aristoacuteteles afastou a ambiguidade da primeira questatildeo no livro 2 Do

Peri hermeneias capiacutetulo 2 e no livro 1 dos Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo 2 lugares

em que atribui a si proacuteprio a autoria desta obra No que diz respeito agrave mateacuteria sendo o

silogismo uacutetil de qualquer modo para confirmar ou refutar alguma coisa divide-se em

quatro tipos a saber Demonstrativo Apoacutecrifo Dialeacutectico e Sofiacutestico e como se

disputou nos dois uacuteltimos livros sobre o Demonstrativo e Apoacutecrifo resta apenas que

nos livros seguintes se disserte sobre os outros dois o que Aristoacuteteles dispocircs de modo a

disputar nestes oito livros sobre o Dialeacutectico ou provaacutevel e no uacuteltimo que entre os

Latinos foi dividido em dois livros de Elencos estuda o Sofiacutestico

Qual o assunto desta parte Logo se procurarmos qual o assunto de toda esta parte da

Dialeacutectica haacute-de ser o silogismo que abrange o Dialeacutectico e o Sofiacutestico se apenas o

assunto destes livros que se denominam Toacutepicos seraacute o Dialeacutectico cuja disposiccedilatildeo

proacutepria eacute formar opiniatildeo De resto como para o elaborar satildeo precisas duas coisas

primeiro descobrir argumentos adequados a provar ou desaprovar a questatildeo segundo

dispor correctamente os argumentos encontrados Aristoacuteteles preserva esse meacutetodo

pois no livro primeiro lanccedila por assim dizer alguns fundamentos comuns agrave inuentio e agrave

dispositio depois estuda a inuentio nos seis livros seguintes e no oitavo somente a

dispositio

Tiacutetulo e ordem da obra Considere-se agora natildeo soacute a mateacuteria e a disposiccedilatildeo da

obra mas tambeacutem o tiacutetulo e a ordem relativamente aos restantes livros da Dialeacutectica Na

verdade pelo facto de a maior parte deles se dedicar a transmitir lsquolugaresrsquo isto eacute as

lsquoposiccedilotildees dos argumentosrsquo satildeo chamados Toacutepicos isto eacute lsquolocaisrsquoE uma vez que de

43 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 57

facto o silogismo Dialeacutectico eacute posterior na ordem da natureza e da dignidade ao

Demonstrativo com toda a razatildeo os livros dos Segundos (independentemente do que

reclama Boeacutecio) satildeo apresentados antes destes Tamanha eacute a sua utilidade que

Aristoacuteteles teraacute julgado que devia anunciar a tiacutetulo de recomendaccedilatildeo o seu objectivo

loacutegico de ensinar a discutir no Ginaacutesio mas vamos ouvi-lo dissertar sobre estas coisas

nos primeiros capiacutetulos

PROEacuteMIO DO COMENTAacuteRIO AOS DOIS LIVROS DOS ELENCOS

DE ARISTOacuteTELES ESTAGIRITA44

Tal como aqueles que dissertam sobre os costumes para aperfeiccediloar a vontade

natildeo consideram ter cumprido a sua funccedilatildeo se tiverem estudado todos os tipos de

virtudes e as disposiccedilotildees de cada uma e indicado as leis pelas quais se podem comparar

mas sem introduzirem a natureza dos viacutecios que se lhes opotildeem bem como a razatildeo e o

meacutetodo de lhes fugir assim os que observam abertamente as acccedilotildees pelas quais o

intelecto se aperfeiccediloa natildeo devem apenas considerar as que conduzem agrave compreensatildeo

da verdade mas tambeacutem as que as desviam para os perigos dos erros Com este

conselho Aristoacuteteles depois de dissertar aturadamente nos anteriores livros dos

Toacutepicos sobre o silogismo dialeacutectico para que nada falte ao conjunto desta obra passa a

explicar as argumentaccedilotildees falaciosas e vatildes dos sofistas e ensina de que modo as

realizam para que as possamos dissolver diligentemente

O silogismo sofiacutestico eacute a mateacuteria desta obra Por isso a mateacuteria desta obra

(que entre os Gregos estaacute contida num livro uacutenico mas que os Latinos dividiram em

dois por conveniecircncia) eacute o silogismo sofiacutestico cuja elaboraccedilatildeo se estuda no primeiro

livro e a sua desconstruccedilatildeo no segundo Os livros intitulam-se Dos elencos sofiacutesticos

isto eacute das aparentes ou das fantaacutesticas refutaccedilotildees natildeo porque a disputa que haacute-de vir

nestes livros seja apenas sobre a replicaccedilatildeo (trata-se de muitos outros sofismas) mas

porque entre os objectivos a que o sofista se propotildee no desejo de simular a sabedoria a

replicaccedilatildeo obteacutem o primeiro lugar

Fica entatildeo estabelecido que estes livros omissa a explanaccedilatildeo do contexto

lembram uma breve suma natildeo soacute para que possam ser totalmente assimilados pelos

44 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 58

Dialeacutecticos num tempo determinado mas porque acreditamos que se deve vir a perceber

uma utilidade maior do que se prolongarmos a mateacuteria por si muito capciosa e

intrincada com comentaacuterios prolixos

OUTROS TEXTOS DE LOacuteGICA

SINAL E SIGNIFICACcedilAtildeO45

1 Definiccedilatildeo e natureza do sinal

Definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo transmitida por Santo Agostinho As coisas que Aristoacuteteles

ensinou sumaacuteria e sucintamente no capiacutetulo anterior satildeo o fundamento do que ele expotildee

no decurso da obra Por conseguinte eacute necessaacuterio examinar com atenccedilatildeo e esclarecer

este assunto principiando pela definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo que Santo Agostinho no livro 2

capiacutetulo 1 de Sobre a Doutrina Cristatilde estabelece deste modo ldquo O sinal eacute aquilo que

manifesta aos sentidos algo diferente dele mesmo originando o seu conhecimentordquo

Com acepccedilatildeo semelhante ele afirma no livro Sobre os Princiacutepios da Dialeacutectica

capiacutetulo 5 que o sinal eacute aquilo que se manifesta aos sentidos representando aleacutem de si

proacuteprio algo ao espiacuterito Ou seja diz-se ldquosinalrdquo o que percepcionado pelos sentidos eacute a

causa em virtude da sua capacidade de significar do conhecimento de uma coisa

diferente

Definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo inventada pelos dialeacutecticos posteriores a Santo Agostinho

Reconhecendo poreacutem os dialeacutecticos posteriores que estas definiccedilotildees eram apenas

adequadas para os sinais instrumentais e natildeo para todos estabeleceram outra mais

extensiva que actualmente se considera a mais veriacutedica e que eacute a seguinte ldquoO sinal eacute

aquilo que representa algo agrave potecircncia cognoscitivardquo Para se tornar evidente que esta

definiccedilatildeo se distingue de ambas as definiccedilotildees de Agostinho devem fazer-se algumas

consideraccedilotildees

Reconhece-se em primeiro lugar que o sinal pode entender-se em duas acepccedilotildees

Em primeiro lugar a palavra ldquosinalrdquo pode entender-se em duas acepccedilotildees numa acepccedilatildeo

restrita e segundo a primeira instituiccedilatildeo e numa acepccedilatildeo lata e consoante o uso dos

filoacutesofos No primeiro caso o sinal inclui apenas o que eacute percepcionado pelos sentidos

45 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 59

Com efeito dado que todo o conhecimento se origina nos sentidos e o sinal eacute aquilo

pelo qual somos induzidos a conhecer uma coisa resulta que os seres humanos

denominam ldquosinalrdquo o que manifesta algo aos sentidos No segundo caso a ideia de

ldquosinalrdquo inclui tanto os sinais sensiacuteveis como os inteligiacuteveis (hellip)

Reconhece-se em segundo lugar que o sinal diz respeito natildeo soacute agrave potecircncia

cognoscitiva mas tambeacutem ao objecto significado Para melhor esclarecimento deste

assunto deve referir-se que segundo Satildeo Boaventura [nos Comentaacuterios agraves Sentenccedilas]

livro 4 distinccedilatildeo 1 questatildeo 1 existem em qualquer sinal duas relaccedilotildees uma com o

objecto significado outra com a potecircncia cognoscitiva agrave qual o objecto eacute dado a

conhecer Por exemplo o fumo se natildeo estiver em relaccedilatildeo com um fogo oculto que o

produz e que tenha capacidade de manifestaacute-lo agrave potecircncia cognoscitiva de modo algum

leva ao conhecimento do objecto que eacute causa do fumo E isto estaacute expresso natildeo apenas

nas definiccedilotildees de Santo Agostinho mas tambeacutem na definiccedilatildeo comum dos dialeacutecticos

quando afirmam que o sinal eacute aquilo que imprime nos sentidos a imagem de si proacuteprio

originando o conhecimento de uma coisa diferente Ou entatildeo eacute aquilo que torna algo

presente agrave potecircncia (In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 1 artigo 1 pp 5-6)46

2 Divisatildeo dos sinais

Sinais rememorativos demonstrativos e de prognoacutestico Natildeo eacute invulgar entre os

escolaacutesticos a divisatildeo dos sinais em rememorativos demonstrativos e de prognoacutestico

(hellip) Os rememorativos satildeo os que trazem agrave memoacuteria um acontecimento passado

Assim quando Deus no Geacutenesis capiacutetulo 6 desejou erigir o arco-iacuteris disse ldquoIrei

colocar o meu arco nas nuvens do ceacuteu e recordar-me-ei da minha alianccedilardquo Os

demonstrativos satildeo os que datildeo a conhecer coisas presentes como o fumo que eacute sinal de

ldquofogordquo Os de prognoacutestico satildeo os que prenunciam o futuro por exemplo as diferentes

cores do ceacuteu ao pocircr-do-sol conforme o verso do poeta ldquoO ceacuteu azul pressagia chuva o

da cor do fogo vento de lesterdquo

A referida divisatildeo dos sinais natildeo eacute por espeacutecies Esta divisatildeo natildeo corresponde

propriamente a diferentes espeacutecies de sinais visto que os sinais podem ter segundo o

mesmo modo de significar aquela diversidade de significaccedilotildees a respeito do presente

46 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 60

do passado e do futuro como eacute manifesto nos dois uacuteltimos exemplos Com efeito o

fumo e a cor do ceacuteu concorrem do mesmo modo para o conhecimento dos seus

significados em virtude da sua capacidade natural e se o sinal for conhecido Poreacutem a

significaccedilatildeo segundo a diversidade de tempos eacute totalmente acidental como tambeacutem

acontece nas palavras que significam por convenccedilatildeo pois umas tecircm a significaccedilatildeo de

tempo presente e outras de tempo futuro (hellip)

Alguns sinais satildeo naturais outros convencionais uns satildeo formais outros

instrumentais Satildeo dignas de nota as seguintes divisotildees dos sinais naturais e

convencionais e formais e instrumentais Os primeiros satildeo referidos por quase todos os

inteacuterpretes de Aristoacuteteles neste lugar [nos livros Sobre a Interpretaccedilatildeo] Os escolaacutesticos

referem-nos baseando-se no Mestre das Sentenccedilas livro 4 distinccedilatildeo 1 e seguindo Santo

Agostinho no livro 2 capiacutetulo 2 da sua obra Sobre a Doutrina Cristatilde

Demonstra-se sucintamente a suficiecircncia da divisatildeo dos sinais em naturais e

convencionais Define-se ldquosinais naturaisrdquo e ldquoconvencionaisrdquo A suficiecircncia desta

divisatildeo que em seguida vai ser examinada demonstra-se deste modo qualquer coisa

que represente uma coisa diferente ou possui a capacidade de representaacute-la pela sua

natureza ou em virtude de outra (com efeito natildeo pode conceber-se outra forma) Se a

possuir pela sua natureza eacute um sinal natural se em virtude de uma imposiccedilatildeo eacute um

sinal convencional ou como o designa Santo Agostinho um sinal atribuiacutedo e de acordo

com outros ldquoarbitraacuteriordquo ou ldquoartificialrdquo Os sinais naturais satildeo aqueles que significam o

mesmo para todos ou preferentemente os que pela sua natureza tecircm a capacidade de

significar uma coisa diferente Ao inveacutes os sinais convencionais satildeo aqueles que

significam segundo a vontade dos homens e por assim dizer segundo uma convenccedilatildeo

como pode confirmar-se pela obra Instituiccedilotildees Dialeacutecticas livro 1 capiacutetulo 8

A divisatildeo dos sinais em formais e instrumentais natildeo passou despercebida aos

filoacutesofos antigos A segunda divisatildeo natildeo convenceu os antigos quiccedilaacute por pensarem que

os sinais formais satildeo impropriamente sinais Mas natildeo hesitaraacute denominaacute-los ldquosinaisrdquo

quem reflectir sobre a definiccedilatildeo de ldquosinalrdquo exposta na questatildeo anterior Satildeo de facto

sinais todas as coisas que representam algo distinto delas mesmas agrave potecircncia

cognoscitiva Poreacutem as espeacutecies impressas nas potecircncias tornam presentes os objectos

que representam por conseguinte devem ser incluiacutedas com razatildeo nos sinais Nem isso

passou despercebido a Aristoacuteteles quando incluiu os conceitos nos sinais Emite a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 61

mesma opiniatildeo Alberto Magno na Eacutetica livro 4 tratado 3 capiacutetulo 2 onde designa pelo

nome de ldquosinaisrdquo as espeacutecies inteligiacuteveis E Satildeo Tomaacutes no Opuacutesculo 9 [sic] questatildeo 2

denomina as concepccedilotildees da mente ldquorepresentaccedilotildees da essecircncia de Deusrdquo Ele exprime-

se de modo semelhante na Suma contra os Gentios livro 2 capiacutetulo 98 e no comentaacuterio

ao capiacutetulo 1 da epiacutestola aos Hebreus e na obra Sobre a Verdade questatildeo 4 artigo 1

afirma com maior clareza que a significaccedilatildeo reside mais propriamente no verbo mental

que no oral (hellip) Referimos este assunto para natildeo parecer que foi exposta sem a

aprovaccedilatildeo dos antigos a divisatildeo dos sinais em ldquoformaisrdquo e ldquoinstrumentaisrdquo Portanto os

formais satildeo imagens e similitudes das coisas os quais formando-se no iacutentimo da

potecircncia levam ao conhecimento do objecto Os instrumentais satildeo aqueles que

apreendidos cognitivamente originam o conhecimento de uma coisa diferente

Que esta divisatildeo seja adequada demonstra-o Egiacutedio [no Comentaacuterio agraves

Sentenccedilas] livro 1 distinccedilatildeo 3 questatildeo principal 2 artigo 3 Tudo aquilo por meio do

qual conhecemos algo diferente ou deve ser primeiramente conhecido enquanto objecto

ou natildeo

Define-se ldquosinal formalrdquo e ldquoinstrumentalrdquo Se deve ser primeiramente conhecido

eacute um sinal instrumental de contraacuterio eacute formal Por isso diz-se ldquoformalrdquo porque

determina o conhecimento configurando a potecircncia cognoscitiva quer em relaccedilatildeo a um

fim quer a um princiacutepio como em seguida iremos referir Damos preferecircncia a estas

divisotildees porque se realizam segundo diferenccedilas caracteriacutesticas e intriacutensecas dos sinais e

inteiramente opostas Na verdade significar de acordo com a natureza e por convenccedilatildeo

satildeo modos incompatiacuteveis Da mesma forma significar com o conhecimento do sinal

como objecto e sem o conhecimento do conceito que satildeo respectivamente diferenccedilas

especiacuteficas do sinal instrumental e do formal opotildeem-se totalmente entre si(In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 2 artigo 1 pp 12-13)47

3 A significaccedilatildeo das palavras

As palavras pronunciadas satildeo sinais dos conceitos e as escritas sinais das

pronunciadas Entre as coisas que Aristoacuteteles exprime neste capiacutetulo a primeira eacute a

47 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 62

seguinte ldquoAs palavras pronunciadas satildeo sinais dos conceitos e as escritas sinais das

pronunciadasrdquo A respeito da primeira parte existem trecircs opiniotildees

Opiniatildeo de Escoto e de Gabriel os conceitos natildeo satildeo significados pelas palavras

pronunciadas A primeira eacute a de Escoto [no Comentaacuterio agraves Sentenccedilas] livro 1

distinccedilatildeo 27 questatildeo 3 e questatildeo 1 desta obra [Super Perihermeneias] e tambeacutem de

Gabriel [no Comentaacuterio agraves Sentenccedilas] livro 1 distinccedilatildeo 22 questatildeo uacutenica artigo 3

bem como de autores mais recentes que afirmam que as palavras pronunciadas estatildeo

em lugar dos conceitos do intelecto mas que natildeo os significam excepto se forem

algumas palavras peculiares impostas para significarem conceitos como os termos

ldquoconceitordquo e ldquopalavrardquo [isto eacute ldquopalavra mentalrdquo] Eles demonstram que as palavras

pronunciadas estatildeo em lugar dos conceitos por nos servirmos delas para dar a conhecer

as coisas apreendidas pela mente e que natildeo podemos significar pelos proacuteprios conceitos

Aliaacutes se pudeacutessemos conversar mentalmente natildeo profeririacuteamos as palavras

Comprova-se com argumentos Demonstra-se poreacutem em primeiro lugar que os

conceitos natildeo satildeo significados pelas palavras dado que se assim fosse resultaria que

todas as proposiccedilotildees seriam falsas Na verdade servimo-nos das palavras na proposiccedilatildeo

em vez dos seus significados pelo que se significassem conceitos o sentido da

proposiccedilatildeo ldquoo homem eacute animalrdquo seria ldquoo conceito de acutehomemacute eacute o conceito de acuteanimalacute

rdquo Mas natildeo existe maior falsidade

Em segundo lugar seguir-se-ia que todas as palavras satildeo equiacutevocas

Efectivamente se a palavra ldquohomemrdquo for anaacuteloga agrave que exprime o conceito ldquohomemrdquo e

agrave que representa a imagem de um homem pintado num quadro natildeo seraacute anaacuteloga agravequela

que nos representamos na mente

Em terceiro lugar a palavra significa aquilo que o ouvinte entende mas quem

ouve o falante percepciona as coisas e natildeo os conceitos (a natildeo ser que reflicta de caso

pensado sobre eles) e portanto ela natildeo significa os conceitos Isto eacute confirmado por

Aristoacuteteles nos capiacutetulos terceiro e seguinte [da obra Sobre a Interpretaccedilatildeo] onde

afirma que as palavras significam por estabelecerem os conceitos do ouvinte ou seja

por incutirem nele o conhecimento Poreacutem esses conceitos como afirmei satildeo conceitos

de coisas

Em quarto lugar satildeo muitas as palavras a que natildeo correspondem conceitos por

isso natildeo eacute em absoluto verdadeiro que as palavras signifiquem por meio de conceitos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 63

O antecedente demonstra-se em primeiro lugar pela autoridade de Santo Agostinho na

obra Sobre a Trindade livro 5 capiacutetulo 3 o qual afirma que a muitas palavras

significantes proferidas oralmente natildeo corresponde nenhum conceito na mente E ele

acrescenta que as coisas divinas natildeo se dizem como se pensam nem se pensam como se

dizem Portanto segundo a sua opiniatildeo servimo-nos por vezes de palavras a que natildeo

correspondem conceitos (hellip)

Opiniatildeo de Boeacutecio apenas os conceitos satildeo significados pelas palavras A

segunda opiniatildeo eacute a de Boeacutecio na segunda ediccedilatildeo desta obra [comentaacuterio ao Sobre a

Interpretaccedilatildeo] que criticou de tal modo a primeira opiniatildeo que adoptou uma totalmente

oposta considerando que apenas os conceitos satildeo significados pelas palavras Ela eacute

tambeacutem defendida por Porfiacuterio que assevera ser essa a opiniatildeo de Aristoacuteteles como

pode concluir-se do capiacutetulo em que ele afirma que as palavras satildeo apenas sinais dos

conceitos

Argumentos que corroboram a uacuteltima opiniatildeo Demonstra-se em primeiro lugar

esta opiniatildeo com fundamento em que as palavras foram impostas para substituir os

conceitos pelo que elas significam somente conceitos A consequecircncia eacute evidente pois

ao significarem os conceitos representam-nos ao espiacuterito para eles realizarem a sua

funccedilatildeo Portanto se as palavras foram inventadas para substituir os conceitos apenas

elas devem daacute-los a conhecer Isto estaacute expresso em Santo Agostinho na obra Sobre a

Ordem livro 2 capiacutetulo 12 onde afirma que a razatildeo criou a linguagem dado que sem

ela os seres humanos natildeo poderiam comunicar os seus pensamentos E eacute tambeacutem

manifesto nos anjos aos quais todos recusam uma linguagem externa admitindo

poreacutem que eles podem conversar servindo-se de conceitos

Demonstra-se em segundo lugar porque os vocaacutebulos ldquohircocervordquo ldquoquimerardquo e

outros semelhantes apenas significam concepccedilotildees do espiacuterito como ensina Egiacutedio [no

comentaacuterio agraves Sentenccedilas] livro 2 distinccedilatildeo 2 questatildeo 3 artigo1 Portanto deve dizer-

se o mesmo dos outros vocaacutebulos dado possuiacuterem idecircntico modo de significar Pode

afirmar-se a mesma coisa dos sincategoremas por exemplo da palavra ldquoserdquo nesta frase

ldquoSe os boatos fossem verdadeirosrdquo (hellip)

Aristoacuteteles eacute de opiniatildeo que as palavras significam tanto os conceitos como as

coisas Prova-se com passagens das suas obras A terceira opiniatildeo que eacute intermeacutedia

em relaccedilatildeo agraves outras sustenta que as palavras significam tanto os conceitos como as

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 64

coisas Ela estaacute expressa em Aristoacuteteles neste livro [Sobre a Interpretaccedilatildeo] Com efeito

no primeiro capiacutetulo ele afirma que os sons emitidos pela voz satildeo sinais dos estados de

alma isto eacute dos conceitos e no uacuteltimo ensina que pelo facto de o objecto existir ou natildeo

existir a proposiccedilatildeo eacute verdadeira ou falsa natildeo dependendo poreacutem a verdade da

proposiccedilatildeo do objecto a natildeo ser que a palavra o decirc a conhecer por meio do conceito

(hellip)

Demonstra-se uma parte a saber que as palavras significam as coisas Que as

palavras signifiquem as coisas torna-se evidente pela Sagrada Escritura no segundo

capiacutetulo do Geacutenesis onde ela ensina que Deus conduziu todos os animais agrave presenccedila de

Adatildeo para ele lhes atribuir os seus nomes E Adatildeo designou com os seus nomes todos

os animais Aleacutem disso no capiacutetulo 17 do Geacutenesis mudando-lhe o nome Deus chamou

a Abratildeo ldquoAbraatildeordquo E no capiacutetulo 32 chamou a Jacob ldquoIsraelrdquo E Cristo Senhor em

Joatildeo capiacutetulo 1 impocircs o nome a Pedro ldquoHaacutes-de chamar-te acuteCefasacute rdquo ndash disse ele

Tambeacutem Santo Agostinho em Sobre a Trindade livro 7 capiacutetulo 3 escreveu ldquoAs

palavras manifestam aleacutem de si proacuteprias aquilo de que falamos mas noacutes falamos das

coisasrdquo (In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 3 artigo 1 pp 26-28 artigo 2 pp 28-31)48

Sem duacutevida ambas as opiniotildees tanto a de Escoto como a de Boeacutecio satildeo

convincentes Quando ouvimos as palavras imediatamente o nosso espiacuterito eacute impelido

para a percepccedilatildeo de coisas determinadas certificando-se ao mesmo tempo das

concepccedilotildees do falante deste modo ouvidas as palavras apercebemo-nos dos juiacutezos e

dos conhecimentos dos homens acerca das coisas Deve portanto reconhecer-se

forccedilosamente que quer as coisas quer os conceitos satildeo significados pelas palavras pois

aquilo mediante o qual somos induzidos ao conhecimento de uma coisa eacute sinal dela

Em segundo lugar e em especial que as palavras signifiquem as coisas demonstra-

o o primeiro argumento em defesa da opiniatildeo de Escoto certamente se natildeo as

significassem todas as proposiccedilotildees seriam falsas

Em terceiro lugar os conceitos satildeo tambeacutem significados pelas palavras de acordo

com o primeiro argumento em defesa da opiniatildeo de Boeacutecio que se exprime deste modo

as palavras significam em virtude de uma imposiccedilatildeo voluntaacuteria e intencional portanto

48 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 65

significam tudo aquilo que essa intenccedilatildeo alcanccedila Mas a intenccedilatildeo dos homens na

imposiccedilatildeo das palavras foi manifestar os conceitos por isso as palavras satildeo sinais dos

conceitos Os antecedentes satildeo manifestos e demonstra-se a menor a linguagem

humana foi instituiacuteda tendo em vista as relaccedilotildees e a convivecircncia entre os homens como

depois de Platatildeo no Craacutetilo ensina Aristoacuteteles na Poliacutetica Mas esta convivecircncia

consiste sobretudo na comunicaccedilatildeo dos pensamentos que se realiza pela linguagem

externa segundo Santo Agostinho em Sobre a Ordem livro 2 capiacutetulo 12 (hellip)

Em quarto lugar se as palavras natildeo fossem sinais dos conceitos natildeo seria possiacutevel

a mentira pois ldquomentirrdquo de acordo com a proacutepria etimologia do vocaacutebulo quer dizer

ldquocontra mentem irerdquo o que natildeo parece ser outra coisa senatildeo exprimir o que natildeo existe

na mente Disto resulta segundo Satildeo Tomaacutes [na Suma Teoloacutegica] segunda parte da

segunda parte questatildeo 110 artigo 3 que a mentira eacute intrinsecamente um mal dado que

sendo as palavras por natureza sinais dos conceitos isto eacute impostas por natureza para

manifestarmos aos outros os nossos pensamentos eacute iniacutequo dar a entender que existe na

mente o que realmente natildeo existe Na verdade dado que a palavra como declara Santo

Agostinho no Segundo Sermatildeo sobre a Natividade de Joatildeo Baptista eacute veiacuteculo do verbo

interior e se interiormente natildeo existe verbo (coisa que no entanto se dissimula estar

associada ao veiacuteculo) entatildeo estaacute-se enganando claramente os outros

Se as palavras significam de modo imediato as coisas e os conceitos Haacute um tema

de difiacutecil resoluccedilatildeo na opiniatildeo comum se as palavras significam em primeiro lugar e de

modo imediato os conceitos segundo a mesma significaccedilatildeo e secundariamente as

coisas ou ao inveacutes em primeiro lugar as coisas e secundariamente os conceitos ou

por uacuteltimo as coisas e os conceitos de modo imediato e consoante diferentes

significaccedilotildees

Primeira opiniatildeo a palavra significa primeira e imediatamente o conceito e de

modo mediato as coisas Escoto embora considere mais provaacutevel a opiniatildeo que depois

defende no Comentaacuterio agraves Sentenccedilas livro 1 ou seja que as palavras significam apenas

as coisas sustenta no entanto de acordo com o parecer de alguns autores que os

conceitos satildeo significados primeira e imediatamente e as coisas de modo mediato e

segundo a mesma significaccedilatildeo (hellip)

Segunda opiniatildeo a palavra daacute a conhecer primeiramente as coisas e depois os

conceitos Alguns opinam que as palavras datildeo a conhecer primeiramente as coisas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 66

segundo a mesma significaccedilatildeo e mediante as coisas os conceitos Esta opiniatildeo embora

ningueacutem a exponha com clareza pode atribuir-se a Escoto que ensina que pelas

palavras satildeo significadas as coisas enquanto conhecidas Ele poreacutem adverte que natildeo eacute

significado um conjunto (as coisas conhecidas) pois tratar-se-ia de um significado

composto acidental Contudo ele afirma que eacute dada a conhecer uma coisa enquanto

objecto de conhecimento Isso natildeo parece poder ser explicado de maneira mais simples

do que dizer que com uma uacutenica significaccedilatildeo eacute dada a conhecer em primeiro lugar a

coisa e em seguida o seu conceito (hellip)

Terceira opiniatildeo a palavra pela dupla significaccedilatildeo atinge imediatamente a

coisa e o conceito Por uacuteltimo a terceira opiniatildeo declara que existem diferentes

significaccedilotildees das palavras uma a respeito dos conceitos e outra das coisas (hellip)

Demonstraccedilatildeo a significaccedilatildeo ou eacute a proacutepria imposiccedilatildeo da palavra (o que

preferentemente aprovamos) ou se fundamenta nela e com ela se multiplica Mas a

imposiccedilatildeo para significar os conceitos eacute diferente da imposiccedilatildeo para significar as coisas

portanto etc Demonstra-se a menor os seres humanos desejaram primeiramente

comunicar os seus pensamentos de acordo com um impulso comum e expliacutecito e em

seguida procuraram descobrir o modo apropriado para essa comunicaccedilatildeo Esse modo

consistiu na imposiccedilatildeo das palavras para significarem as coisas portanto estatildeo

presentes duas actividades e mesmo duas imposiccedilotildees O antecedente deste argumento eacute

demonstrado por Agostinho e Platatildeo ao corroborarem a segunda opiniatildeo E tambeacutem

insinuam a distinccedilatildeo entre essas imposiccedilotildees (hellip)

Prefere-se a terceira opiniatildeo e responde-se aos argumentos da primeira opiniatildeo

Entre estas opiniotildees a terceira parece-nos mais evidente (hellip) Contudo que as palavras

sejam em primeiro lugar sinais dos conceitos natildeo deve entender-se de modo

significativo como se primeiramente fossem significados os conceitos mas de modo

impositivo (por assim dizer) dado que eacute necessaacuterio que entre as coisas e as palavras ao

serem impostas medeiem os conceitos E como afirma o Filoacutesofo a condiccedilatildeo

imprescindiacutevel para que uma palavra signifique uma coisa eacute o conceito Na verdade

uma coisa natildeo eacute significada como ela eacute em si mesma mas segundo o nosso modo de

conhecer(In Libros de Interpretatione livro 1 capiacutetulo 1 questatildeo 3 artigo 2 pp 28-31)49

49 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 67

O UNIVERSAL

1 Definiccedilatildeo e acepccedilotildees

Entendido na acepccedilatildeo comum o universal eacute uma coisa que se refere a muitas Por

exemplo o vocaacutebulo ldquohomemrdquo que significa todos os homens e o ceacuteu que origina

muitas coisas

Universal simples e complexo O universal divide-se em primeiro lugar em

complexo e simples O uso de um e de outro eacute frequente entre os filoacutesofos Denomina-

se ldquouniversal complexordquo uma proposiccedilatildeo da qual se deduzem vaacuterias outras como ldquoo

todo eacute maior que a sua parterdquo ou qualquer proposiccedilatildeo com o sinal da universalidade

como ldquotodo o homem eacute mentirosordquo A respeito deste universal iremos discorrer nos

livros do Perihermeneias e dos Segundos Analiacuteticos O universal simples eacute o que se

refere a muitas coisas e natildeo possui a complexidade da proposiccedilatildeo Costuma dividir-se

segundo quatro modos como causa (in causando) como significante (in significando)

como existente (in essendo) e como predicado (in praedicando)

Definiccedilatildeo do universal in causando in significando in essendo e in praedicando

Os universais in causando satildeo as causas comuns das coisas como Deus Magnificente

os espiacuteritos celestiais e os orbes celestes Os universais in significando satildeo por

exemplo os cometas que prenunciam a iminecircncia de muitas moleacutestias e as palavras

pronunciadas as escritas e os conceitos que datildeo a conhecer natildeo apenas uma coisa mas

muitas como a palavra ldquohomemrdquo quer emitida pela voz quer escrita quer representada

na mente Com efeito ela natildeo significa apenas ldquoSoacutecratesrdquo ou ldquoPlatatildeordquo mas a natureza

comum ao ser humano e por conseguinte todos os homens singulares Os universais in

essendo satildeo as naturezas comuns existentes em muitos inferiores como ldquohomemrdquo e

ldquocavalordquo Eles satildeo efectivamente naturezas comuns e existem nos seus singulares

porque em Soacutecrates e Platatildeo existe realmente a natureza humana e em Buceacutefalo a

natureza equina Os universais in praedicando satildeo aqueles que se afirmam de muitas

coisas Por exemplo ldquohomemrdquo de todos os homens e ldquocavalordquo de todos os cavalos

O universal in causando natildeo eacute um verdadeiro universal Entre estes universais os

que satildeo in causando todos os autores os excluem do nuacutemero dos verdadeiros universais

Na verdade Deus Magnificente os orbes celestes e outras causas que denominamos

ldquouniversaisrdquo satildeo simplesmente e de modo absoluto entes singulares como eacute evidente E

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 68

nada eacute mais incompatiacutevel com um universal que um singular visto ser o seu oposto O

mesmo argumento demonstra que os universais in significando natildeo satildeo efectivamente

universais por serem tambeacutem entes singulares e apenas como nomes se consideram

universais E porque os nominalistas porfiam que natildeo existem aleacutem dos sinais

universais in essendo e in praedicando apenas atribuem aos nomes aquela

denominaccedilatildeo(In Isagogem Porphyrii questatildeo 1 artigo 1 pp 60-61)50

2 O tema da relaccedilatildeo da aptidatildeo e da unidade

O universal interpreta-se de trecircs modos Deve advertir-se que o universal pode

interpretar-se de trecircs modos Em primeiro lugar pela coisa que se denomina ldquouniversalrdquo

e se diz ldquosubstratordquo como ldquohomemrdquo ldquoanimalrdquo e coisas semelhantes Em segundo lugar

pela aptidatildeo e capacidade dessa coisa Em terceiro lugar pela relaccedilatildeo aos particulares

que resulta de tal capacidade (hellip)

Duvida-se de que modo deve entender-se o universal na definiccedilatildeo No entanto os

autores mais recentes puseram em duacutevida de que modo deve entender-se o universal

como agora foi interpretado segundo a unidade e a aptidatildeo ou segundo a relaccedilatildeo aos

particulares Ambas as acepccedilotildees satildeo formais e a ambas pode ajustar-se a definiccedilatildeo do

universal

A opiniatildeo comum afirma que deve interpretar-se como relativo Demonstra-se De

acordo com a opiniatildeo comum dos filoacutesofos o universal deve interpretar-se como

ldquorelativordquo o que Porfiacuterio ensinou com muita clareza na capiacutetulo sobre a espeacutecie ao

afirmar que coagido pela necessidade definiu o geacutenero pela espeacutecie e vice-versa pois

apenas os relativos se definem necessariamente de modo reciacuteproco Demonstra-se

primeiramente que eacute um relativo formalmente na sua verdadeira acepccedilatildeo o universal eacute

uma relaccedilatildeo de razatildeo mas neste lugar ele eacute entendido formalmente portanto deve

interpretar-se como relativo A premissa menor e a consequecircncia satildeo evidentes (hellip)

Contudo a opiniatildeo mais verosiacutemil parece ser a que afirma que o universal deve

interpretar-se como um absoluto implicando aptidatildeo para existir nos particulares Ela eacute

defendida pelo mestre Fonseca na Metafiacutesica livro 5 e na Isagoge Filosoacutefica que a

considera comum a todos os autores E isso conclui-se primeiramente da proacutepria

50 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 69

definiccedilatildeo do universal na qual natildeo se refere a relaccedilatildeo mas apenas a aptidatildeo e a

unidade Por outro lado natildeo eacute verosiacutemil que os filoacutesofos tenham pretendido definir a

relaccedilatildeo e que em nenhuma parte a tenham explicado Conclui-se em segundo lugar em

virtude da semelhanccedila com a causa anteriormente referida visto que ao defini-la natildeo

foi mencionada a sua relaccedilatildeo com o efeito mas apenas a causalidade Conclui-se em

terceiro lugar porque a propriedade especiacutefica do universal eacute a aptidatildeo e a capacidade

para existir ou para se predicar dos seus inferiores como opina Paulo Veneto no

proeacutemio da Loacutegica questatildeo 1 no qual natildeo refere a relaccedilatildeo Com efeito o universal

consiste formalmente numa certa comunidade e extensatildeo pelas quais a natureza comum

se torna extensiva a muitas coisas Poreacutem tal comunidade resulta sobretudo da referida

capacidade e natildeo da relaccedilatildeo portanto a natureza do universal reside juntamente na

aptidatildeo e na unidade Em quarto lugar e por uacuteltimo isso eacute confirmado pelos actos dos

universais Com efeito o acto de existir em muitos singulares e o acto de se predicar a

respeito deles satildeo actos do universal enquanto universal mas a esses actos corresponde

a aptidatildeo e a unidade e natildeo a relaccedilatildeo Portanto a aptidatildeo constitui formalmente o

universal

(In Isagogem Porphyrii questatildeo 1 artigo 5 pp 69-70) 51

Que unidade eacute exigida ao universal Uno per se e per accidens Devemos ainda

examinar com diligecircncia as trecircs condiccedilotildees do universal 1 eacute uno 2 tem aptidatildeo para se

predicar 3 acerca de muitos A respeito de cada uma delas vamos expor algumas

consideraccedilotildees No que se refere agrave unidade ldquounordquo eacute idecircntico a ldquoindivisordquo como ensina

Aristoacuteteles na Metafiacutesica livro 5 capiacutetulo 6 e no livro 10 capiacutetulo 1 Ele exprime-se

no primeiro lugar deste modo ldquoEm geral aquilo que eacute indivisiacutevel em virtude de ser

indivisiacutevel diz-se acuteunoacute rdquo No mesmo lugar Aristoacuteteles divide o uno em ldquouno per serdquo

(ldquopor essecircnciardquo) e per accidens (ldquopor acidenterdquo) em seguida divide ambos os membros

em vaacuterias subdivisotildees embora natildeo decirc a conhecer com definiccedilotildees mas com exemplos

cada uma delas e entre as unidades essenciais refira algumas que natildeo possuem em

absoluto essa natureza

Definiccedilatildeo de uno per accidens O uno per accidens eacute o que eacute constituiacutedo por partes

natildeo unidas segundo um nexo fiacutesico ou que eacute constituiacutedo por partes que embora estejam

51 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 70

unidas fisicamente satildeo nas suas espeacutecies entes completos Tal uniatildeo ou unidade realiza-

se entre a substacircncia e os seus acidentes entre dois acidentes existentes na mesma

substacircncia como se verifica no leite em relaccedilatildeo agrave sua brancura e na brancura e na

doccedilura relativamente ao leite Aleacutem disso entre as coisas que existem no mesmo lugar

ou no mesmo tempo Dizemos assim que um montatildeo eacute uno por ser um conjunto de

coisas existentes no mesmo lugar e que satildeo uno Aquiles e Heitor por terem vivido no

mesmo tempo Eacute igualmente uno o que estaacute unido com um viacutenculo externo ou segundo

uma ordem motivo por que denominamos uma coisa ldquofeixerdquo por causa do viacutenculo e

outra ldquotaacutebuardquo ou ldquocasardquo em virtude de substacircncias conglutinantes e ainda outras

ldquoEstadordquo e ldquoexeacutercitordquo em virtude da ordem (hellip)

Definiccedilatildeo de uno per se Unidade per se formal e numeacuterica O uno per se eacute o que

possui uma determinada essecircncia relativamente a um soacute geacutenero ou a uma soacute espeacutecie

quer seja simples (como Deus Magnificente e os geacuteneros supremos) quer composto

(como os corpos fiacutesicos e as espeacutecies metafiacutesicas) (hellip) Esta unidade divide-a

Aristoacuteteles no mesmo lugar em geneacuterica especiacutefica e individual Noacutes em virtude da

clareza dividimo-la com Caetano no opuacutesculo Sobre o Ente e a Essecircncia capiacutetulo 4

questatildeo 6 deste modo entre as unidades per se ou ldquode essecircnciardquo uma eacute formal outra

numeacuterica A formal eacute aquela que corresponde agrave natureza comum dividindo-se em

geneacuterica e especiacutefica segundo a natureza em que se realiza e a numeacuterica eacute proacutepria dos

indiviacuteduos A primeira define-se como a indivisatildeo da natureza comum em si mesma e a

numeacuterica como a indivisatildeo da natureza singular em si proacutepria Segundo aquela diz-se

que o homem e a besta constituem uma unidade em relaccedilatildeo a ldquoanimalrdquo e Platatildeo e

Soacutecrates em relaccedilatildeo a ldquohomemrdquo Segundo esta Soacutecrates eacute idecircntico a si proacuteprio (hellip)

Acrescenta-se a unidade de precisatildeo das naturezas comuns Aleacutem das unidades

ateacute agora referidas existe uma outra que eacute relativa agraves naturezas comuns em si mesmas

quando natildeo realizadas nos seus inferiores (quer ela lhes convenha em virtude de uma

actividade do intelecto quer por si proacutepria) Irei examinaacute-la pouco depois Esta unidade

eacute apenas a indivisatildeo da natureza comum nos seus inferiores devendo poreacutem afirmar-se

que aleacutem de estar firmemente estabelecido por todos os autores mais penetrantes isso

se demonstra deste modo ldquounidaderdquo eacute idecircntico a ldquoindivisordquo mas a natureza comum em

virtude da prioridade pela qual precede a realizaccedilatildeo nos seus inferiores (quer isso

aconteccedila por si mesma quer pela actividade do intelecto) eacute indivisa possui portanto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 71

por isso mesmo outra unidade denominada ldquode precisatildeordquo porque natildeo conveacutem agrave

natureza [comum] a natildeo ser enquanto prescinde dos seus inferiores e como que se

liberta deles (hellip)

A unidade de precisatildeo participa da condiccedilatildeo das duas unidades per se Poreacutem em

qual das unidades deve incluir-se a unidade de precisatildeo Respondemos que com

propriedade e rigorosamente em nenhuma delas Contudo ela participa da condiccedilatildeo de

ambas mas sobretudo da condiccedilatildeo da unidade numeacuterica Demonstra-se em primeiro

lugar que ela natildeo eacute formal nem numeacuterica visto que a formal por ser uma propriedade

do ente eacute indissociaacutevel da natureza comum mesmo quando realizada nos inferiores

mas a unidade de precisatildeo conveacutem agrave natureza apenas no estado de abstracccedilatildeo Aleacutem

disso esta unidade recusa a possibilidade de divisatildeo nos inferiores a formal recusa a

impossibilidade de divisatildeo em qualquer grau do ente e a numeacuterica conveacutem aos entes

singulares atribuindo-lhes natildeo apenas a indivisatildeo mas tambeacutem a indivisibilidade Ao

contraacuterio aquela de que nos ocupaacutemos [a de precisatildeo] conveacutem somente agraves naturezas

comuns conferindo-lhes apenas a indivisatildeo e natildeo a indivisibilidade Ela tem no

entanto semelhanccedila com as outras com a formal porque conveacutem agraves naturezas comuns

e com a numeacuterica porque natildeo eacute passiva de divisatildeo nas substacircncias Por este motivo

acrescentamos que a referida unidade se assemelha mais agrave numeacuterica que agrave formal Com

efeito a caracteriacutestica peculiar da unidade numeacuterica eacute tornar a substacircncia

incomunicaacutevel o que tambeacutem realiza a unidade de precisatildeo

(In Isagogem Porphyrii questatildeo 2 artigo 1 pp 73-75) 52

A INDUCcedilAtildeO

Disserta-se sobre a induccedilatildeo Duas espeacutecies de induccedilatildeo Eacute mais dificultoso

discorrer sobre a induccedilatildeo Averroacuteis distinguiu neste livro [Comentaacuterios aos Primeiros

Analiacuteticos] capiacutetulo 29 duas espeacutecies de induccedilatildeo a demonstrativa e a dialeacutectica Ele

denomina ldquodemonstrativardquo a que incide sobre mateacuteria necessaacuteria como neste exemplo

ldquoPedro eacute capaz de rir Paulo eacute capaz de rir portanto todo o homem eacute capaz de rirrdquo

Nesta induccedilatildeo ndash afirma ele ndash natildeo eacute necessaacuterio enumerar todos os indiviacuteduos mas

conhecer que nalguns deles existe uma propriedade essencial com base na qual se

52 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 72

conclui necessariamente que ela existe na natureza comum Com efeito o que existe

como essecircncia nos singulares conveacutem primeiramente ao universal E ele denomina

ldquoinduccedilatildeo dialeacutecticardquo a que incide sobre mateacuteria provaacutevel como neste caso ldquoEsta matildee

ama o filho aquela matildee ama o filho portanto toda a matildee etcrdquo Nesta induccedilatildeo para

concluir convenientemente devem enumerar-se todos os singulares de contraacuterio se

algum fosse omitido dado que o predicado das premissas eacute contingente poderia suceder

que natildeo conviesse a esse singular e seria afirmado falsamente de toda a espeacutecie Esta

doutrina de Averroacuteis foi interpretada como se ambas as induccedilotildees concluiacutessem

formalmente a primeira por todos no decurso dos tempos a segunda por muito poucos

(hellip)

A induccedilatildeo natildeo eacute consequecircncia formal Portanto a induccedilatildeo possibilita por vezes

uma conclusatildeo necessaacuteria quando infere indutivamente uma conclusatildeo universal se

forem enumerados todos os particulares de uma natureza comum Mas ela eacute apenas uma

consequecircncia material por natildeo possuir uma forma determinada em virtude de poder ser

maior ou menor o nuacutemero de premissas consoante o nuacutemero de singulares por meio dos

quais se estabelece a induccedilatildeo Por exemplo para estabelecer uma induccedilatildeo sobre os

movimentos celestes satildeo suficientes dez premissas sobre a ordem dos elementos

quatro e sobre o aquecimento produzido pelo fogo satildeo necessaacuterias infinitas

Relativamente agrave induccedilatildeo em mateacuteria necessaacuteria que Averroacuteis denomina

ldquodemonstrativardquo propomo-nos discorrer sobre ela no iniacutecio dos Segundos Analiacuteticos

(In Primum Librum Priorum Aristotelis capiacutetulo 1 questatildeo 2 artigo 3 pp 195-196) 53

Quatro espeacutecies de argumentaccedilatildeo Embora eu tenha exposto este tema [da

reduccedilatildeo das argumentaccedilotildees ao silogismo] na terceira questatildeo do capiacutetulo primeiro do

livro anterior tanto quanto o exigia o esclarecimento da doutrina contudo com

Aristoacuteteles e outros inteacuterpretes vou apresentaacute-lo agora com maior clareza Como se

conclui do que foi referido existem apenas quatro espeacutecies de argumentaccedilatildeo a induccedilatildeo

o exemplo o entimema e o silogismo Entre estas somente a uacuteltima eacute uma

argumentaccedilatildeo formal ou seja infere em qualquer mateacuteria em virtude da sua forma e da

disposiccedilatildeo dos termos se as premissas forem verdadeiras uma conclusatildeo verdadeira

Poreacutem as outras espeacutecies se natildeo forem reduzidas ao silogismo do qual adquirem a

53 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 73

capacidade de inferir formalmente de modo algum inferem uma conclusatildeo evidente As

regras para realizar essa reduccedilatildeo seratildeo expostas posteriormente com desenvolvimento

quando tivermos examinado as caracteriacutesticas e a natureza dessas espeacutecies (hellip)

A induccedilatildeo natildeo gera propriamente ciecircncia Dado que a induccedilatildeo progride das partes

para o todo eacute necessaacuterio que no antecedente natildeo seja omitida nenhuma parte ou que natildeo

seja enumerada de modo confuso embora em mateacuteria necessaacuteria natildeo se exija tanta

diligecircncia visto que se reconhece que o predicado conveacutem por essecircncia a alguns

inferiores sendo por isso atribuiacutedo sem erro [na conclusatildeo] agrave natureza comum Isto deu

ensejo a Averroacuteis para dividir a induccedilatildeo em ldquodialeacutecticardquo e ldquodemonstrativardquo Mas

nenhuma delas origina propriamente ciecircncia como foi demonstrado noutro lugar Elas

satildeo no entanto uacuteteis para persuadir e para proceder ao exame dos primeiros princiacutepios

[verificando a posteriori a sua verdade] Daiacute que Vitorino na obra Sobre a Invenccedilatildeo

livro 1 tenha considerado que esta espeacutecie de argumentaccedilatildeo foi denominada ldquoinduccedilatildeordquo

porque induz o espiacuterito do ouvinte a dar creacutedito a uma conclusatildeo

(In Secundum Librum Priorum Aristotelis Summa doctrinae pp 281-282) 54

54 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 74

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da Companhia de

Jesus aos Oito Livros da Fiacutesica de Aristoacuteteles Estagirita

Coimbra 1592

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 75

PROEacuteMIO AOS OITO LIVROS DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES55

SOBRE A DESIGNACcedilAtildeO E A DEFINICcedilAtildeO DE FILOSOFIA

Platatildeo no Protaacutegoras enumera os seus princiacutepios Os Gregos designavam por

σοφοὺς isto eacute lsquosaacutebiosrsquo todos aqueles que na Antiguidade pareciam distinguir-se dos

restantes pela intelecccedilatildeo e pelo conhecimento das grandes questotildees

A designaccedilatildeo de filoacutesofo e de Filosofia foi inventada por Pitaacutegoras Esta

designaccedilatildeo que na verdade se revestia de uma espeacutecie de arrogacircncia e era para muitos

motivo de inveja foi alterada por intervenccedilatildeo de Pitaacutegoras que natildeo soacute quis chamar-se

filoacutesofo como foi o primeiro a aplicar o termo lsquofilosofiarsquo Tendo discorrido com

sabedoria e eloquecircncia na corte de Leocircncio rei de Fliunte este perguntou-lhe que arte

ensinava e em que mateacuteria era mais saacutebio Diz-se que teraacute respondido que natildeo sabia arte

alguma e que natildeo era σοφόν ou seja lsquosaacutebiorsquo mas φιλόσοφον ou seja lsquoamigo da

sabedoriarsquo A novidade deste termo agradou natildeo soacute porque atenuava a velha inveja dos

saacutebios como atestava a dignidade singular da sabedoria Desde entatildeo espalhou-se por

todo o lado a designaccedilatildeo de Filoacutesofo e de Filosofia foi usado com igual aprovaccedilatildeo natildeo

soacute pelos Pitagoacutericos mas tambeacutem pelos Platoacutenicos e muitos outros bem como por

todos os que se seguiram Santo Agostinho recorda este assunto no livro 14 Sobre a

Trindade capiacutetulo 1 tal como Clemente de Alexandria no primeiro das Tapeccedilarias

Jacircmblico no De secta Pythagorica 1 e muitos outros56

Primeira definiccedilatildeo de Filosofia No entanto nem todos definiram a Filosofia

do mesmo modo Assim para alguns a Filosofia eacute lsquoo amor pela sabedoriarsquo Esta

definiccedilatildeo poreacutem como adverte Hugo de S Viacutetor no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 1

revela a etimologia do nome mas natildeo a natureza da mateacuteria tratada visto que a

sabedoria natildeo reside na vontade de que eacute proacuteprio o amar mas no intelecto de que eacute

proacuteprio o pensar e o saber Ainda assim eacute possiacutevel afirmar o que se disse pois a

Filosofia eacute definida como amor pela sabedoria porque eacute evidente que o verdadeiro

conhecimento das coisas natildeo existe de modo algum sem o amor A isso se refere

aquele passo do livro Sobre a mais secreta sabedoria segundo os Egiacutepcios ldquoo Amor 55 Trad FM56 Lactacircncio no livro 4 cap 2 Plutarco no livro 1 Sobre as sentenccedilas cap 3 Ciacutecero nos livros 1 e 5 das Questotildees Tusculanas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 76

acompanha os que pensam porque sem ele o intelecto como se estivesse colocado em

isolamento e silecircncio nada pode compreenderrdquo

Segunda definiccedilatildeo Outros disseram que a Filosofia era o conhecimento e a

ciecircncia das coisas humanas e divinas57 Esses entenderam pela designaccedilatildeo de coisas

humanas aquelas que estatildeo dependentes da materialidade dos corpos e que nos satildeo mais

familiares e por divinas as que natildeo se ligam agrave mateacuteria por nexo algum e as que se

escondem nos recessos da Natureza Ou entatildeo como eacute opiniatildeo de outros por coisas

humanas quiseram referir as que dizem respeito aos deveres de conservaccedilatildeo da vida e agrave

sociedade civil por divinas poreacutem quiseram dizer todas as outras nomeadamente a

contemplaccedilatildeo intelectual que afasta o filoacutesofo dos homens comuns e o torna mais

divino do que os restantes mortais Esta definiccedilatildeo tenha ela nascido no poacutertico de

Zenatildeo ou na Academia de Platatildeo perpassou por muitas escolas filosoacuteficas Platatildeo

refere-a no Teeteto e no Feacutedon Ciacutecero no livro 4 das Questotildees Tusculanas Fiacutelon Judeu

no livro Sobre o modo de alcanccedilar a erudiccedilatildeo Todavia ela natildeo se ajusta a cada uma

das partes da Filosofia mas a todas elas tomadas no seu conjunto pois nenhuma delas

considera simultaneamente o humano e o divino

Terceira definiccedilatildeo Aleacutem disso Platatildeo no diaacutelogo Sobre a sabedoria introduz

uma outra descriccedilatildeo que afirma decorrer da doutrina de Pitaacutegoras58 S Jeroacutenimo na

Apologia contra Rufino [diz] ldquoa Filosofia eacute a contemplaccedilatildeo da morterdquo

Dois tipos de morte Ora para que se possa compreender esta definiccedilatildeo eacute preciso saber

que haacute dois tipos de morte a que consiste no separaccedilatildeo do espiacuterito em relaccedilatildeo ao corpo

e a outra pela qual a mente permanece ainda no corpo mas afasta-se de todos os maus

desejos para que livre dos grilhotildees dos viacutecios medite nas coisas celestes e divinas De

facto como Soacutecrates debateu no Feacutedon nada eacute tatildeo contraacuterio ao homem que quer ver a

luz da verdade como o contacto com o corpo e a armadilha do prazer que engana com

falsas imagens a mente mergulhada em densas trevas e natildeo permite que escape da turba

e da confusatildeo dos sentidos para observar o mundo e examinar a natureza das coisas

Opiniatildeo de Mercuacuterio Trismegisto sobre o modo como se deve filosofar Daiacute que o tal

Mercuacuterio cujo conhecimento de muacuteltiplas coisas motivou o nome de Trismegisto

exorte no Ascleacutepio todo aquele que aspira agrave Filosofia a que ponha de lado o corpo

57 S Damasceno no livro 1 da Fiacutesica Seacuteneca nas Epiacutestolas 15 Ciacutecero no livro 2 Dos deveres58 Sobre esta definiccedilatildeo Clemente de Alexandria 4 Tapeccedilarias Fiacutelon Judeu no livro De mundi opificio Ciacutecero Tusculanas 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 77

tanto quanto possiacutevel como se fosse uma veste e dispa esse manto de ignoracircncia

ligaccedilatildeo agrave ruiacutena morte viva cadaacutever que sente sepulcro moacutevel ladratildeo da proacutepria casa

dado que ele odeia ao mesmo tempo que acaricia e ao odiar enterra a mente no seu

depoacutesito terreno e envolve-a com essa lama para que natildeo experimente a inteligecircncia

que vem do ceacuteu

Razatildeo pela qual a Filosofia eacute contemplaccedilatildeo da morte Entatildeo dado que ensina

a procurar esta separaccedilatildeo do corpo como uma espeacutecie de morte e com isto se glorifica

ao maacuteximo a Filosofia por causa desta missatildeo tatildeo nobre ora eacute chamada contemplaccedilatildeo

da morte ora libertaccedilatildeo do espiacuterito em relaccedilatildeo ao corpo outras vezes desejo de morte

ou entatildeo treino para morrer Para saber mais sobre esta opiniatildeo veja-se Xenofonte

livro 4 Sobre os ditos de Soacutecrates Proclo no livro Sobre a alma e o demoacutenio Alcino

no livro Sobre a Doutrina de Platatildeo Apuleio no livro Sobre a Filosofia

Transmitem tambeacutem outras definiccedilotildees de Filosofia Lactacircncio no livro 4

capiacutetulo 2 Justino filoacutesofo e maacutertir no Diaacutelogo com Triacutefon e ainda outros

Quarta definiccedilatildeo deduzida sobretudo de Aristoacuteteles Mas aquela que nos

parece a melhor de todas eacute a que refere S Damasceno no livro IV da sua Dialeacutectica e

Amoacutenio no iniacutecio dos Predicaacuteveis a partir dos antigos sobretudo de Aristoacuteteles no

livro X da Metafiacutesica capiacutetulo 3 a saber ldquoa Filosofia eacute o conhecimento das coisas tal

como satildeordquo Aquelas palavras ndash ldquocomo satildeordquo ndash tecircm o mesmo valor de ldquopelas suas

causasrdquo se as tiverem pois do mesmo modo que as coisas cujas causas se investigam

conseguem existir pelas causas assim se diz serem percebidas ldquocomo satildeordquo quando por

elas se conhecem Ora torna-se por isso evidente que a Filosofia deve perceber as

causas porque desse mesmo modo a partir do espanto isto eacute da percepccedilatildeo dos efeitos e

da ignoracircncia das causas comeccedilaram os homens a filosofar isto eacute a procurar as causas

como ensina Platatildeo no Teeteto e Aristoacuteteles no livro I da Metafiacutesica capiacutetulo 2 Posto

isto eacute justo considerar Filoacutesofo ou saacutebio por completo quem alcanccedilar o conhecimento

das causas Todavia agraves vezes entende-se por filosofia a aparente e imperfeita intelecccedilatildeo

das coisas o que acontece em Platatildeo no Banquete e outras vezes apenas pela primeira

filosofia nomeadamente em Aristoacuteteles no livro IV da Metafiacutesica capiacutetulo 2 texto 5

Noacutes poreacutem no desenvolvimento desta obra vamos consideraacute-la preferivelmente agrave luz

da noccedilatildeo que foi definida por uacuteltimo segundo a qual se afirma que eacute o conhecimento

das coisas tal como satildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 78

SOBRE A DUPLA ORGANIZACcedilAtildeO DA FILOSOFIA

Na Antiguidade foram difundidas vaacuterias divisotildees da Filosofia entre as quais

vamos examinar atentamente duas que se consideram mais ceacutelebres e de maior

relevacircncia para o nosso objectivo59

Primeira divisatildeo da Filosofia A primeira eacute aquela que organiza a Filosofia em Natural

Moral e Dialeacutectica Neste contexto poreacutem a Natural (como eacute evidente a partir do lato

significado de natureza de onde proveacutem a designaccedilatildeo) compreende natildeo soacute a Fisiologia

mas tambeacutem a Metafiacutesica e as disciplinas Matemaacuteticas

Quem a tornou ceacutelebre Ora este tipo de disposiccedilatildeo que natildeo reuacutene a concordacircncia de

todos os escritores quanto ao seu autor foi recomendada por Platatildeo como atesta Alcino

no livro sobre a sua doutrina capiacutetulo 3 e Euseacutebio de Cesareia no iniacutecio do livro 11 da

Preparaccedilatildeo Evangeacutelica A mesma disposiccedilatildeo seguiram tambeacutem Aristoacuteteles no livro 1

dos Toacutepicos capiacutetulo 12 Crisipo Eudromo Xenoacutecrates e outros que Laeacutercio recorda

na Vida de Zenatildeo seguindo Plutarco livro 1 Das Sentenccedilas capiacutetulo 1

Razatildeo que a comprova Que esta forma de dividir a Filosofia eacute adequada e

perfeita pode demonstrar-se do modo seguinte a Filosofia orienta-se para a felicidade

humana (como de facto assegura Santo Agostinho seguindo Platatildeo no livro 19 da

Cidade de Deus capiacutetulo 1 ldquoo homem natildeo tem nenhum outro motivo para se dedicar agrave

Filosofia senatildeo o de querer ser felizrdquo)60 A felicidade humana no entanto segundo

afirma Aristoacuteteles nos capiacutetulos 7 e 8 do primeiro livro da Eacutetica a Nicoacutemaco consiste

por um lado na acccedilatildeo consentacircnea agrave virtude por outro na contemplaccedilatildeo da verdade Eacute

preciso entatildeo que exista uma ciecircncia que contenha a razatildeo da honestidade e que

eduque com vista agrave virtude e agrave probidade dos costumes Esta eacute na verdade a Filosofia

Moral E aleacutem desta uma outra que perscrute os misteacuterios escondidos da natureza e se

dedique em exclusivo agrave tarefa de conhecer a verdade a esta se chama Fiacutesica

Posteriormente a aquisiccedilatildeo e o uso deste tipo de ciecircncias evidenciam-se pelo modo de

dissertar mas neste domiacutenio a mente iludida pelo erro tem muitas vezes alucinaccedilotildees

Deve pois instituir-se uma terceira arte que traga a luz e habilmente tome providecircncias

59 Referem esta divisatildeo S Agostinho A Cidade de Deus 8 cap 4 Lactacircncio no livro 3 cap 13 Alcino no livro Sobre a Doutrina de Platatildeo e Isidoro no livro Dialogi decem auctorem60 Leia-se Platatildeo no Goacutergias e no Teeteto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 79

para que a falsidade natildeo ocupe o lugar da verdade esta eacute entatildeo designada por

Dialeacutectica E por conseguinte haacute precisamente o mesmo nuacutemero de partes da Filosofia

Confirmaccedilatildeo Isto mesmo confirma S Tomaacutes no iniacutecio da Eacutetica a Nicoacutemaco

mais ou menos por esta razatildeo a principal preocupaccedilatildeo do saacutebio diz respeito agrave ordem

uma vez que como se pode ver no capiacutetulo 2 do livro primeiro da Metafiacutesica ao saacutebio

compete primeiro que tudo ordenar ora a ordem das coisas que se apresentam agrave

consideraccedilatildeo da filosofia eacute triacuteplice

Ordem triacuteplice das coisas Em primeiro lugar aquela que a razatildeo natildeo produz

mas apenas observa e pondera deste tipo eacute a ordem das coisas fiacutesicas Em segundo

aquela que a razatildeo apresenta a si mesma quando dispotildee de forma ordenada entre si as

suas noccedilotildees e raciociacutenios Em terceiro aquela que a razatildeo prescreve agrave vontade para que

ela instruiacuteda pela virtude procure seguir o que for correcto e honesto A primeira

requer a ciecircncia natural a segunda a racional a terceira a moral Portanto a Filosofia

nem precisa de mais nem pode contentar-se com menos partes

Esclarecimento pelo siacutemile Santo Agostinho em parte no livro 8 capiacutetulo 4

da Cidade de Deus em parte no livro 11 capiacutetulo 25 explica a razatildeo desta tripartida

variedade por intermeacutedio de um siacutemile mais ou menos nestes termos tal como satildeo trecircs

as condiccedilotildees que em qualquer artiacutefice se exigem para que faccedila alguma coisa ndash natureza

saber e praacutetica ndash das quais a primeira eacute avaliada pelo engenho a segunda pela ciecircncia e

a terceira pelo produto assim tiveram os filoacutesofos de instituir uma triacuteplice disciplina

natural por causa da natureza racional por causa do saber moral por causa da praacutetica

E dado que o homem foi criado por Deus de tal modo que por intermeacutedio do que nele eacute

superior alcance aquilo que eacute superior a tudo pela ciecircncia deste modo tripartido

alcanccedila Deus uno verdadeiro e oacuteptimo sem o qual nenhuma natureza subsiste nenhum

saber instrui nenhuma praacutetica pode ser uacutetil Existem assim segundo a opiniatildeo de Santo

Agostinho estas trecircs partes da Filosofia como se fossem trecircs graus atraveacutes dos quais

quem for saacutebio por completo aspirando agrave aura celeste procura o ponto mais elevado e

consegue aproximar-se da semelhanccedila a Deus E por isso algueacutem as designou com uma

certa razatildeo trecircs dons singulares atraveacutes dos quais as mentes humanas se iluminam

purificam e aperfeiccediloam seguindo o exemplo da hierarquia celeste61 De facto a

61 De acordo com a doutrina de S Dioniacutesio no 3ordm cap da Caelestis Hierarchia que S Tomaacutes explica na Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 106 art 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 80

Dialeacutectica ao distinguir o verdadeiro do falso pelo artifiacutecio da discussatildeo ilumina o

espiacuterito espalhando sobre ele a luz da verdade a Filosofia Moral ao disciplinar os

costumes arranca as fibras dos viacutecios e assim purifica a Natural ao adornar a mente

com uma intelecccedilatildeo mais elevada das coisas ocultas aperfeiccediloa Podem encontrar-se

outros siacutemiles e razotildees para ilustrar esta questatildeo em Fiacutelon Judeu no livro Sobre a

Agricultura e em Laeacutercio no Zenatildeo Ciacutetico Veja-se tambeacutem Plotino no livro 3 das

Eneacuteadas capiacutetulo 1 sobre a triacuteplice subida ao mundo inteligiacutevel

Segunda divisatildeo A outra disposiccedilatildeo da filosofia eacute aquela em que natildeo se divide a

Filosofia na sua globalidade mas apenas a parte que reside na contemplaccedilatildeo ou seja a

Metafiacutesica a Fisiologia e as disciplinas Matemaacuteticas No entanto uma vez que esta

divisatildeo conteacutem muitas dificuldades relativamente agraves quais seraacute uacutetil e interessante

apresentar uma explicaccedilatildeo vamos dissertar sobre ela de forma mais desenvolvida e

organizada em artigos

QUESTAtildeO I

SE Eacute CORRECTO DIVIDIR A FILOSOFIA CONTEMPLATIVA EM METAFIacuteSICA FISIOLOGIA E

MATEMAacuteTICA

ARTIGO 1ordm

NAtildeO PARECE CORRECTO DIVIDIR-SE

Que aquela tripartida disposiccedilatildeo da filosofia contemplativa que foi transmitida

natildeo eacute muito vaacutelida parece poder demonstrar-se deste modo

Primeiro argumento a partir de Aristoacuteteles e Platatildeo Aristoacuteteles no capiacutetulo 2

do livro 4 da Metafiacutesica afirma que satildeo tantas as partes da Filosofia quantos os geacuteneros

de substacircncias Logo como a Matemaacutetica estuda natildeo uma substacircncia mas a quantidade

eacute evidente que Aristoacuteteles natildeo a enumera nas partes da Filosofia Aleacutem disso Platatildeo

nos Amadores62 onde traccedila o perfil do verdadeiro e legiacutetimo filoacutesofo considera digno

do nome de filoacutesofo apenas aquele que se destaca na maneira de tratar as questotildees

subjacentes agrave disciplina da vida social e dos costumes e pensa por isso que soacute a

doutrina moral eacute a verdadeira Filosofia

Segundo argumento Tal como a Matemaacutetica se empenha em conhecer a

quantidade e as suas disposiccedilotildees assim eacute preciso haver uma ciecircncia que perscrute a

62 scilicet Banquete (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 81

relaccedilatildeo a qualidade e os outros acidentes uma vez que estas coisas nem satildeo menos

difiacuteceis de entender nem deixam de exigir uma explicaccedilatildeo especiacutefica por causa da

dissemelhanccedila de naturezas Logo satildeo muito mais as partes da filosofia

Terceiro argumento Do mesmo modo que a essecircncia do ente moacutevel antecede

pela origem o movimento e as restantes propriedades que a acompanham assim pode

conhecer-se sem eles e encarada deste prisma natildeo diz respeito ao matemaacutetico que se

ocupa apenas da quantidade nem ao ldquoprimeiro filoacutesofordquo que abstrai a sua reflexatildeo da

mateacuteria nem sequer ao fiacutesico pois ele natildeo examina a natureza sem movimento Deve

procurar-se entatildeo uma outra ciecircncia que tome em consideraccedilatildeo a essecircncia do ente

moacutevel quando entendida dessa forma

Quarto argumento Pelo contraacuterio basta uma soacute ciecircncia para contemplar o ente

em geral e todas as suas partes Logo a multiplicidade de ciecircncias eacute supeacuterflua O

antecedente pode comprovar-se de duas maneiras Primeiro porque tal como tudo o que

conhecemos pela luz da revelaccedilatildeo divina diz respeito a uma ciecircncia transcendente ou

seja agrave Teologia assim tudo aquilo que apreendemos por noacutes proacuteprios pelo impulso da

luz inata pode ser reduzido a uma soacute ciecircncia natural visto que em ambos os casos a

razatildeo eacute igual Em segundo lugar porque como todas as coisas satildeo unas enquanto entes

por unidade anaacuteloga nada impede que no seu conjunto obtenham o modo de uma soacute

ciecircncia Porque se algueacutem se opuser dizendo que para fundamentar ou demonstrar a

razatildeo de uma ciecircncia una natildeo basta a unidade anaacuteloga dado que a unidade das ciecircncias

eacute pretendida com base na unidade das abstracccedilotildees abstracccedilotildees essas que satildeo no miacutenimo

trecircs contra isto pode jaacute objectar-se deste modo com os argumentos expostos em

seguida

Trecircs abstracccedilotildees filosoacuteficas Quinto argumento Aquelas trecircs partes principais

da Filosofia ndash Matemaacutetica Fiacutesica e primeira Filosofia ndash ou pelo menos duas delas

consideram apenas um objecto que eacute o mesmo Por conseguinte natildeo dizem respeito agraves

tais diferentes abstracccedilotildees da mateacuteria entre as quais se distinguem como ciecircncias

diversas visto que a mesma coisa natildeo parece de modo nenhum poder alcanccedilar a tal

triacuteplice variedade das abstracccedilotildees Explica-se assim o antecedente De facto o

matemaacutetico considera a quantidade como se sabe

O metafiacutesico considera os geacuteneros supremos Mas o metafiacutesico tambeacutem a deve

contemplar uma vez que contempla os geacuteneros supremos que dividem o ente na

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 82

primeira seriaccedilatildeo bem como o Fiacutesico dado que eacute uma das principais disposiccedilotildees do

ente moacutevel Para aleacutem disso o Fiacutesico disserta sobre o movimento e toda a substacircncia

que estaacute sujeita ao nascimento e agrave morte ora o primeiro filoacutesofo trata das mesmas

questotildees como se pode ver em Aristoacuteteles livros 7 8 e 12 da Metafiacutesica63 Por fim o

ldquoprimeiro filoacutesofordquo toma em consideraccedilatildeo as mentes livres da ligaccedilatildeo agrave mateacuteria sobre

as quais tambeacutem o filoacutesofo natural discute como se mostra no livro 8 desta obra Torna-

se entatildeo evidente que as mesmas coisas satildeo levadas em consideraccedilatildeo pelas diferentes

partes da filosofia contemplativa e ateacute sob a mesma abstracccedilatildeo

Sexto argumento A abstracccedilatildeo relativamente agrave mateacuteria acontece por mais de

trecircs modos logo se as ciecircncias se distinguem pela abstracccedilatildeo desse tipo entatildeo hatildeo-de

ser mais do que trecircs os membros da Filosofia Comprova-se o antecedente Com efeito

os atributos comuns a todas as coisas a que se chama transcendentes e tambeacutem os

geacuteneros supremos existem na realidade em parte na proacutepria mateacuteria em parte fora

dela Esta abstracccedilatildeo difere das trecircs vulgares como se torna manifesto a quem leve isto

em consideraccedilatildeo Aleacutem disso as inteligecircncias embora estejam completamente livres de

mateacuteria fiacutesica como podem no entanto receber em si novos acidentes participam

ainda sem qualquer duacutevida no poder ou como lhe chamam na potencialidade que eacute

um certo geacutenero da mateacuteria tomada de forma improacutepria Daiacute que no livro Das Causas

na nona proposiccedilatildeo se diga que as inteligecircncias tecircm a sua ὔλην Mas Deus oacuteptimo e

maacuteximo como eacute um acto e por isso absolutamente puro estaacute completamente afastado

de todo o tipo de mateacuteria

A mateacuteria existe numa determinada proporccedilatildeo ateacute nas coisas imateriais Exige

portanto outro tipo de abstracccedilatildeo totalmente diversa daquela que conveacutem agraves

inteligecircncias Deve assim instituir-se uma ciecircncia relativa ao transcendente e aos

geacuteneros supremos uma outra sobre Deus e ainda outra para as restantes mentes pois

nem todas estas coisas se poderatildeo incluir apenas na Metafiacutesica a natildeo ser que esta sob o

mesmo nome se possa dividir pela muacuteltipla variedade de trecircs ciecircncias

63 Livro 7 da Metafiacutesica cap 2 6 7 81217 livro 8 da Metafiacutesica a partir do cap 1 e livro 12 da Metafiacutesica cap 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 83

ARTIGO 2ordm

REFERE-SE AS DIVERSAS POSICcedilOtildeES DOS AUTORES E ESTABELECE-SE QUAL DELAS Eacute A

VERDADEIRA

Primeira opiniatildeo Nesta questatildeo nunca houve desacordo entre os antigos

Peripateacuteticos64 Mas na verdade o assunto tem sido abordado pelas opiniotildees de alguns

filoacutesofos modernos e divide-se em posiccedilotildees contraacuterias Haacute entatildeo quem defenda que

existe apenas uma ciecircncia que percorre todo o domiacutenio do ente e considera especiacutefica e

distintamente todas as suas partes Pelos Filoacutesofos poreacutem foi dividida naqueles trecircs

ramos jaacute conhecidos para facilidade dos aprendizes porque natildeo se pode aprender ao

mesmo tempo tatildeo numerosos e tatildeo diversos geacuteneros de coisas compreendidos num soacute

E de facto o quarto argumento do artigo anterior daacute-lhes razatildeo

Refutaccedilatildeo No entanto este parecer natildeo eacute satisfatoacuterio natildeo soacute por ser inovador

mas tambeacutem por mostrar fraca aparecircncia de probabilidade Eacute de facto inovador porque

nunca passou pela cabeccedila de nenhum dos Filoacutesofos reduzir todas as ciecircncias a uma soacute

Quem disserta sobre a variedade das ciecircncias seja em que contexto for fala sobre elas

como coisas distintas no que diz respeito agrave sua natureza e agrave sua espeacutecie O que se pode

ver sobretudo em Platatildeo entre outros no diaacutelogo Sobre o reino65 no Filebo no Sofista

no livro 10 da Repuacuteblica E tambeacutem em Aristoacuteteles no livro 1 dos Analiacuteticos

Posteriores capiacutetulos 19 e 23 no livro 8 dos Toacutepicos capiacutetulo 2 no primeiro livro

Sobre a Alma capiacutetulo 1 no livro 3 capiacutetulo 8 e em muitas outras passagens

Escurece o brilho da Filosofia Um parecer deste tipo eacute tambeacutem por si proacuteprio menos

provaacutevel porque como eacute natural escurece muito o brilho da Filosofia na medida em

que a lanccedila e aprisiona no aglomerado de um soacute corpo confuso como se fosse na

ὀμοιομερίαν de Anaxaacutegoras E depois quem pode fazer com que uma tatildeo vasta

miscelacircnea de coisas e uma variedade tatildeo grande de naturezas opostas se adapte agrave

compreensatildeo de uma soacute ciecircncia

Conclui-se o distinto e evidente conhecimento das mateacuterias que caem sob o

escopo das ciecircncias Com igual razatildeo poderia talvez dizer-se que toda a mateacuteria ou

objectos de todas as virtudes pertencem a uma soacute virtude O que poderia haver de mais

absurdo na doutrina Moral Aleacutem disso pode demonstrar-se que a distinccedilatildeo das 64 Sobre este assunto veja-se Mirandulano no livro 13 De singulari certamine secccedilotildees 6 e 7 e no iniacutecio do livro 1465 O Poliacutetico

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 84

ciecircncias natildeo nasceu apenas da comodidade mas tambeacutem da proacutepria natureza porque ndash

como ensinam Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 23 bem como Platatildeo no

diaacutelogo Sobre o furor poeacutetico e os restantes filoacutesofos reiteradamente ndash as ciecircncias

distinguem-se entre si pelas mateacuterias que lhes sujeitam e atribuem a que se chamam

sujeitos de atribuiccedilatildeo e do mesmo modo acontece com as potecircncias atraveacutes dos

objectos Por conseguinte como eacute tambeacutem voz comum dos que filosofam uma vez que

as potecircncias ndash por exemplo de nutrir de sentir de inteligir ndash diferem entre si num ponto

essencial de forma igualmente inequiacutevoca hatildeo-de as ciecircncias distinguir-se umas das

outras Resumindo a diferenccedila entre os princiacutepios que cada uma utiliza e os modos

completamente diversos de observar e de abordar os objectos atestam claramente que

esta distinccedilatildeo entre as ciecircncias eacute intriacutenseca e natural

Segunda opiniatildeo que tambeacutem se rejeita Diversa eacute a opiniatildeo de quem afirma

que para aleacutem daquelas trecircs partes da Filosofia devem ser criadas muitas outras de tal

modo que a Metafiacutesica contenha na sua designaccedilatildeo e no seu seio pelo menos trecircs

ciecircncias diversas quanto ao geacutenero uma que contemple a divindade outra que trate das

inteligecircncias e uma terceira que discorra sobre o transcendente e os geacuteneros supremos

Com esta opiniatildeo concorda o sexto argumento do artigo anterior mas nem dizem a

verdade nem seguem Aristoacuteteles como se haacute-de tornar evidente no desenvolvimento

desta discussatildeo

Terceira opiniatildeo correspondente agrave verdade A terceira posiccedilatildeo ndash a que

devemos abraccedilar ndash pertence agravequeles que pensam que nem a ciecircncia eacute apenas uma nem

satildeo diversas as metafiacutesicas mas apenas uma Metafiacutesica uma Fisiologia e vaacuterias

Matemaacuteticas e que satildeo todas elas entre si de tal modo diferentes pela natureza e difusas

pela amplitude que dessa diferenccedila entre elas floresce toda a Filosofia que se dedica agrave

contemplaccedilatildeo

Comprova-se pelo testemunho dos filoacutesofos66 Confirma esta afirmaccedilatildeo em primeiro

lugar a autoridade de Platatildeo no livro Sobre a doutrina platoacutenica de Alcino capiacutetulo 6

e tambeacutem vaacuterios testemunhos de Aristoacuteteles como por exemplo no livro 6 da

Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 2 e no livro 11 capiacutetulo 6 Eacute seguido por S Damasceno no

primeiro capiacutetulo da sua Fisiologia por Boeacutecio no livro Sobre a trindade capiacutetulo 2

66 Temiacutestio e Filoacutepono neste passo Eustraacutecio no iniacutecio da Eacutetica S Tomaacutes no livro 11 da Metafiacutesica liccedilatildeo 7 Alberto Magno no livro 1da Metafiacutesica cap1 Escoto no livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 85

por Avicena no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 Algazel no iniacutecio da sua Filosofia

Ptolomeu no Almagesto livro 1 capiacutetulo 1 e pela escola comum dos Peripateacuteticos

ARTIGO 3ordm

PODE-SE DISTINGUIR CORRECTAMENTE AS PARTES DA FILOSOFIA CONTEMPLATIVA DE

ACORDO COM A VARIEDADE DAS ABSTRACCcedilOtildeES EM RELACcedilAtildeO Agrave MATEacuteRIA E AO MOVIMENTO

Razatildeo das abstracccedilotildees nas ciecircncias Ora para que a verdade apareccedila com toda

a clareza eacute preciso ter em conta segundo afirma S Tomaacutes67 no Opuacutesculo 70 questatildeo 3

artigo 1ordm bem como noutros locais que ao objecto que cai sob a observaccedilatildeo da ciecircncia

convecircm por assim dizer dois atributos um em virtude da potecircncia intelectiva que

aperfeiccediloa e complementa o outro por causa do haacutebito da ciecircncia pelo qual se chega a

ela Em funccedilatildeo da primeira causa compete-lhe ser algo de imaterial visto que a

faculdade de inteligir eacute desprovida de mateacuteria Pela segunda natildeo pode deixar de obter

certeza e imutabilidade visto que a ciecircncia se faz acerca de coisas necessaacuterias e eacute

preciso que tudo o que eacute necessaacuterio seja seguro e imutaacutevel Mas aquilo que estaacute sujeito

ao movimento enquanto tal tanto o pode ser como natildeo segundo diz Aristoacuteteles no

livro 9 da Metafiacutesica capiacutetulo 9 texto 17 Assim sendo eacute preciso que tudo aquilo que

caia sob a contemplaccedilatildeo da ciecircncia exija a si mesmo uma certa abstracccedilatildeo da mateacuteria e

do movimento

De que modo se determina o nuacutemero das artes contemplativas Feitas estas

advertecircncias jaacute se poderaacute provar o nosso intuito deste modo tantas satildeo as ciecircncias

contemplativas quantas as abstracccedilotildees da mateacuteria e do movimento Ora estas satildeo trecircs

no total logo outras tantas seratildeo as ciecircncias contemplativas Fundamenta-se a

proposiccedilatildeo maior porque estas abstracccedilotildees satildeo necessariamente acompanhadas por

modos diversos ndash chamam-lhes lsquocognoscibilidadesrsquo68 ndash sob as quais as ciecircncias atingem

por si mesmas as coisas sujeitas e cada uma delas produz uma distinccedilatildeo entre as

proacuteprias ciecircncias Daiacute que Aristoacuteteles no livro 6 capiacutetulo 1 texto 2 da Metafiacutesica e

tambeacutem no livro 12 capiacutetulo 6 bem como no primeiro livro Sobre a Alma capiacutetulo 1

texto 17 e ainda noutros locais tenha estabelecido o nuacutemero das ciecircncias em funccedilatildeo da

variedade das abstracccedilotildees Consta que Platatildeo teraacute feito o mesmo pelo que conta Alcino

67 Em Questotildees sobre a verdade questatildeo 2 artigo 6 nota 1 no Proacutelogo da Metafiacutesica no livro 6 liccedilatildeo 1 e no princiacutepio desta obra68 Scibilitates (NT)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 86

no livro sobre a sua doutrina capiacutetulo 7 A proposiccedilatildeo menor explica-se pelo facto de

existir uma abstracccedilatildeo da mateacuteria sensiacutevel apenas singular uma outra da mateacuteria

sensiacutevel tambeacutem comum que natildeo eacute real mas racional e uma de toda a mateacuteria

simultaneamente real e racional

Adaptaccedilatildeo das abstracccedilotildees agraves ciecircncias A primeira delas diz respeito ao

Filoacutesofo Natural a segunda ao Matemaacutetico a uacuteltima ao Metafiacutesico De facto o Filoacutesofo

Natural toma em consideraccedilatildeo por exemplo o homem na medida em que eacute constituiacutedo

pela alma e pelo corpo afeito a qualidades que caem sob o domiacutenio dos sentidos a que

se chama mateacuteria sensiacutevel mas natildeo perscruta a mateacuteria singular uma vez que o

singular por si mesmo natildeo diz respeito agrave ciecircncia O Matemaacutetico contempla as

disposiccedilotildees dos triacircngulos e outras do mesmo geacutenero mas apesar de elas estarem de

facto ligadas agrave mateacuteria sensiacutevel natildeo as avalia enquanto existentes desse modo na

mateacuteria O Metafiacutesico dedica-se ao conhecimento da causa primeira e tambeacutem das

inteligecircncias e das outras coisas que natildeo consistem na mateacuteria nem a incluem na sua

constituiccedilatildeo Por conseguinte o que dissemos sobre a abstracccedilatildeo da mateacuteria deve ser

entendido do mesmo modo quanto agrave separaccedilatildeo do movimento Torna-se entatildeo evidente

que haacute trecircs tipos de abstracccedilotildees e por isso outras tantas partes da Filosofia

especulativa e natildeo eacute preciso acrescentar-lhe outras para aleacutem destas porque tudo o que

se submete agrave contemplaccedilatildeo da ciecircncia eacute percepcionado pelo intelecto atraveacutes de uma

das trecircs noccedilotildees mencionadas Ora esta razatildeo eacute brevemente aflorada por S Tomaacutes no

lugar citado

No entanto nas mencionadas abstracccedilotildees ainda que por vezes natildeo se avalie

como moacutevel nem como material o que eacute na realidade moacutevel ou estaacute unido agrave mateacuteria

mesmo assim poreacutem a falsidade natildeo interveacutem porque nem se atribui a uma coisa que a

natildeo tenha nem se nega agrave que a tem pelo contraacuterio o pensamento soacute separa e abstrai a

mateacuteria daquilo a que na verdade ela se une Ao abstraiacute-la poreacutem69 como ensina

Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo 2 texto 18 e no livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo

11 texto 3 natildeo haacute lugar para a mentira nem para o erro a capacidade de abstrair

considera quanto for possiacutevel o que estaacute unido em separado o que eacute material sem a

mateacuteria e o que eacute moacutevel sem o movimento

69 Leia-se S Tomaacutes Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 85 artigo 1 ao 1ordm

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 87

ARTIGO 4ordm

NAS DISCIPLINAS MATEMAacuteTICAS NAtildeO HAacute APENAS UM TIPO DE ABSTRACCcedilAtildeO DA MATEacuteRIA

Mas noacutes quando indicamos uma abstracccedilatildeo triacuteplice da mateacuteria entendemos

triacuteplice parcialmente na espeacutecie parcialmente no geacutenero Pois na verdade embora a

Fisiologia tenha uma abstracccedilatildeo na espeacutecie e a Metafiacutesica do mesmo modo apenas

uma na espeacutecie as Matemaacuteticas poreacutem requerem uma no geacutenero e duas na espeacutecie

Para que isto se torne claro natildeo se pode ignorar que a mateacuteria estaacute bipartida sem

duacutevida nenhuma em sensiacutevel e inteligiacutevel

De que modo se divide a mateacuteria no seu sentido mais lato A mateacuteria sensiacutevel

eacute a mateacuteria-prima envolvida pelos acidentes que movem os sentidos Mas quanto agrave

inteligiacutevel eacute controverso o que se possa dizer S Tomaacutes na Suma Teoloacutegica 1ordf parte

questatildeo 85 artigo 1 acredita que eacute a mesma mateacuteria-prima mas encarada apenas na

medida em que estaacute sujeita agrave quantidade Com S Tomaacutes concorda o Ferrariense no

livro 2 desta obra questatildeo 2 e Soncinas no livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 11 No

entanto muitos outros natildeo aprovam esta opiniatildeo Na verdade como se diz na opiniatildeo

comum dos filoacutesofos que o geoacutemetra natildeo abstrai a cogniccedilatildeo da mateacuteria inteligiacutevel se a

mateacuteria inteligiacutevel fosse mateacuteria prima entatildeo a reflexatildeo matemaacutetica poderia chegar agrave

substacircncia Mas Aristoacuteteles nega-o no livro 12 da Metafiacutesica capiacutetulo 8 texto 44 e com

ele todos os inteacuterpretes gregos em parte no livro 2 desta obra desde o texto 18 em

parte no livro 1 Sobre a Alma texto 17 E isto pode demonstrar-se a partir desta razatildeo

os Matemaacuteticos nem quando definem nem quando demonstram fazem qualquer

menccedilatildeo da mateacuteria ou de outra substacircncia E com toda a razatildeo visto que as disposiccedilotildees

matemaacuteticas natildeo precisam de uma menccedilatildeo desse tipo como aquelas que convecircm agrave

quantidade tomada em si mesma sem qualquer ordem para a substacircncia como ser igual

ou desigual ser divisiacutevel ter proporccedilatildeo ou qualquer outra deste tipo Asseguram entatildeo

estes autores que a mateacuteria inteligiacutevel eacute uma grandeza isto eacute uma linha uma superfiacutecie

um corpo e que se diz mateacuteria por causa da semelhanccedila ou da analogia que tem com a

mateacuteria-prima (tal como esta recebe as formas substanciais assim a outra recebe as

acidentais agrave sua maneira) No entanto eacute designada por inteligiacutevel porque dizendo

respeito ao Matemaacutetico natildeo eacute pelos sentidos que pode ser percebida mas pelo intelecto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 88

Opiniatildeo de Alexandre Esta uacuteltima posiccedilatildeo parece mais verosiacutemil e foi seguida por

Alexandre de Afrodiacutesia no livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo 10 sobre o texto 55 por S

Tomaacutes no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 23 e ainda por muitos outros autores70

A abstracccedilatildeo Matemaacutetica eacute dupla E assim feitas estas explicaccedilotildees

estabelecemos que a abstracccedilatildeo Matemaacutetica natildeo eacute una na espeacutecie mas dupla De facto

as coisas matemaacuteticas ou se afastam atraveacutes do pensamento apenas da mateacuteria

sensiacutevel ou simultaneamente tambeacutem da inteligiacutevel Se for do primeiro modo dizem

respeito ao Geoacutemetra se for do segundo ao Aritmeacutetico Entatildeo o Geoacutemetra como

testemunha Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo 2 texto 20 e no livro 1 da

Retoacuterica a Teodectes capiacutetulo 2 deve contemplar as disposiccedilotildees da grandeza e o

Aritmeacutetico por seu lado deve ocupar-se das propriedades do nuacutemero

Por que eacute que as Matemaacuteticas satildeo vaacuterias a Fiacutesica soacute uma e a metafiacutesica

tambeacutem apenas uma Tendo em conta o que foi dito torna-se claro por que eacute que as

matemaacuteticas satildeo vaacuterias e a Fisiologia pelo contraacuterio eacute soacute uma bem como a Metafiacutesica

Evidentemente porque qualquer uma destas exige apenas uma abstracccedilatildeo enquanto as

primeiras exigem duas No entanto ateacute aqui noacutes trataacutemos apenas daquelas Matemaacuteticas

que se consideram simples e puras Existem poreacutem outras para aleacutem destas que se

designam por mistas porque se situam no meio entre a Fisiologia e as Matemaacuteticas no

seu estado puro daiacute que os seus objectos digam respeito em parte ao Filoacutesofo Natural

e em parte ao Aritmeacutetico ou ao Geoacutemetra como por exemplo a Muacutesica e a Perspectiva

De facto o nuacutemero sonoro de que se ocupa a Muacutesica pela sua dimensatildeo numeacuterica eacute

algo de aritmeacutetico pela sua dimensatildeo sonora eacute algo de fiacutesico Sobre este assunto [leia-

se] Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo 2 e tambeacutem os seus inteacuterpretes sobre os

textos 18 e 19 bem como no livro 3 a propoacutesito do texto 7171 De toda a disposiccedilatildeo das

artes Matemaacuteticas tratam tambeacutem Proclo no livro 1 do Euclides Alcino no livro Sobre

a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 6 e Hugo de Satildeo Victor no capiacutetulo 2 do Didascalion a

partir do capiacutetulo 7

70 Leia-se Vicomercato no cap 2 do livro 2 do comentaacuterio a esta obra Teoacutefilo Zimara no livro 1 Da Alma no texto 17 e Antoacutenio Zimara propos 8 nos Teoremas71 Leia-se tambeacutem Escaliacutegero nas Exercitaccedilotildees exoteacutericas exercitaccedilotildees 321 e 322

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 89

ARTIGO 5ordm

EXPLICACcedilAtildeO DE ALGUMAS DUacuteVIDAS PARA ESCLARECER MELHOR O QUE SE DISSE

ANTERIORMENTE

Para que se torne mais claro o que discorremos sobre a variedade e a distinccedilatildeo

das abstracccedilotildees devemos explicar algumas duacutevidas que a muitos dos filoacutesofos

sobretudo modernos parecem inexplicaacuteveis na nossa posiccedilatildeo Em primeiro lugar dizem

natildeo compreender de que modo o Metafiacutesico afasta o pensamento da mateacuteria tanto de

forma real como racional visto que natildeo soacute trata de todas as coisas que subsistem

totalmente fora da mateacuteria mas tambeacutem dos transcendentes e dos geacuteneros supremos

alguns dos quais existem parcialmente na mateacuteria como por exemplo a substacircncia e a

qualidade outros estatildeo por completo imersos na mateacuteria nomeadamente a situaccedilatildeo e o

haacutebito E ainda mais dado que contempla tambeacutem a proacutepria mateacuteria-prima como

consta do livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo 3

Certos predicados metafiacutesicos estatildeo em parte separados da mateacuteria e em

parte ligados a ela Para dissolvermos esta dificuldade deve entender-se que entre os

predicados que directamente e por si mesmos dizem respeito ao assunto da primeira

Filosofia haacute alguns que satildeo pura Metafiacutesica ou seja nenhuma parte deles por si

mesma eacute tratada como assunto por qualquer outro especialista em Artes como por

exemplo as inteligecircncias outros haacute que natildeo satildeo pura Metafiacutesica satildeo daqueles que

implicam mateacuteria em alguns inferiores mas em outros isso natildeo acontece como por

exemplo a substacircncia o bom o uno e outros deste tipo Eacute por isso que embora no

tribunal da ldquoPrimeira Filosofiardquo todos estes se considerem verdadeiramente separados

da mateacuteria poreacutem isso natildeo se verifica sempre do mesmo modo ora os primeiros eacute

porque natildeo tecircm qualquer contacto com a mateacuteria os outros porque natildeo a incluem no

seu conceito e quando satildeo considerados em si mesmos natildeo mostram qualquer diferenccedila

para que na realidade se encontrem fora dela A esta abstracccedilatildeo chama S Tomaacutes no

livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 bem como muitos outros na senda de Avicena livro 1

da sua Metafiacutesica capiacutetulo 2 abstracccedilatildeo segundo a indiferenccedila72

Pergunta Perguntam todavia os defensores da opiniatildeo contraacuteria que razatildeo

haveraacute entatildeo para que as coisas que existem parcialmente na mateacuteria e parcialmente

fora dela se considerem mais afastadas do que ligadas agrave mateacuteria visto que natildeo parece

72 Leia-se Soncinas 12 Metafiacutesica q 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 90

poder apresentar-se qualquer razatildeo idoacutenea para que se diga uma coisa em detrimento da

outra

Resposta Queremos responder-lhes que natildeo dissemos isto sem uma excelente

razatildeo E na verdade o mesmo se aplica nos termos jaacute enunciados ndash ldquoser algo abstraiacutedo

da mateacuteriardquo e ldquoser-lhe indiferenterdquo ou ldquonatildeo a reivindicar para si por naturezardquo como

explica S Tomaacutes no lugar citado Por isso tal como afirmamos com toda a verdade que

o animal em si mesmo eacute indiferente ao grau do racional mesmo que esteja de facto

parcialmente unido a ele na medida em que estaacute contido no ser humano e parcialmente

separado pois estaacute incluiacutedo nas bestas De igual modo afirmamos com legitimidade que

a substacircncia estaacute afastada e separada da mateacuteria ou seja eacute independente e indiferente a

ela ainda que por um lado esteja livre da mateacuteria pois estaacute naturalmente contida nas

inteligecircncias por outro estaacute imersa nela na medida em que se encontra nas substacircncias

dotadas de corpo

Mas no que se refere aos outros geacuteneros supremos que nem simplesmente

nem pela indiferenccedila estatildeo separados da mateacuteria esses natildeo dizem respeito por completo

ao Metafiacutesico mas somente enquanto cogniccedilatildeo divisiva na medida em que lhe

compete em termos gerais dividir o ente nas suas partes

De que modo o Metafiacutesico deve considerar a mateacuteria Por isso uma vez que

nesta divisatildeo tambeacutem ocorrem geacuteneros deste tipo daiacute resulta que tem igualmente de os

conhecer na medida em que os investiga para perceber toda a amplitude do ser embora

esta seja uma cogniccedilatildeo imperfeita e quase perfunctoacuteria Do mesmo modo tambeacutem o

ldquoPrimeiro Filoacutesofordquo considera a mateacuteria porque nela incide tendo em conta que o ente

se reparte em acto e potecircncia cujo principal indiacutecio eacute a mateacuteria E assim as coisas que

natildeo subsistem de forma alguma fora da mateacuteria natildeo as trata o Metafiacutesico senatildeo de

passagem e quase por acidente apenas por acaso dado que lhe compete pela sua

funccedilatildeo como presidente comum de todos os filoacutesofos73 instituir e preservar a Repuacuteblica

das ciecircncias e atribuir a cada disciplina a mateacuteria proacutepria e especiacutefica a que se deve

dedicar74 Por esta razatildeo com todo o seu direito e dignidade transpotildee livremente as

metas do proacuteprio objecto formal como se haacute-de dizer noutro lugar de forma mais

73 Artifices (N do T)74 Sobre o modo como o Metafiacutesico deve considerar a mateacuteria discorrem Averroacuteis na digressatildeo ao texto 9 livro 7 da Metafiacutesica Egiacutedio no proeacutemio desta obra Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 15 e Janduno no livro 12 da Metafiacutesica questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 91

pormenorizada A partir do que foi dito torna-se evidente a resoluccedilatildeo da dificuldade

apresentada e se for tida em atenccedilatildeo seraacute uacutetil para dissolver muitas outras duacutevidas que

ocorrem frequentemente nesta mateacuteria

Duacutevida acerca das abstracccedilotildees Matemaacuteticas Subsiste ainda uma outra duacutevida

acerca das abstracccedilotildees da Matemaacutetica que natildeo podemos deixar envolver no silecircncio a

saber como haacute-de ser possiacutevel que o Aritmeacutetico e o Geoacutemetra na contemplaccedilatildeo natildeo

faccedilam uso da mateacuteria-prima uma vez que a quantidade como atesta Aristoacuteteles no livro

6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1 bem como noutros locais depende enquanto ser da

substacircncia corpoacuterea e de tal modo que natildeo pode ser entendida sem a mateacuteria

Explicaccedilatildeo da duacutevida Deve responder-se poreacutem que a quantidade segundo a

sua essecircncia com conhecimento perfeito de todos os nuacutemeros natildeo pode ser

verdadeiramente entendida sem o expliacutecito conceito da natureza corpoacuterea no entanto

natildeo compete agrave Aritmeacutetica nem agrave Geometria o conhecimento deste tipo de quantidade75

Ora aquelas disposiccedilotildees dos nuacutemeros e das grandezas natildeo persistem ateacute ao ponto de

explorarem claramente a sua natureza chegando mesmo a perscrutar a sua ligaccedilatildeo

essencial agrave mateacuteria Salientam este aspecto para aleacutem de outros Filoacutepono Temiacutestio

Simpliacutecio e Averroacuteis natildeo soacute no primeiro livro 1 Sobre a Alma no texto 35 como

tambeacutem em outros locais e do mesmo modo Alense no proeacutemio da Metafiacutesica se eacute

realmente sua aquela obra

ARTIGO 6ordm

DISSOLVEM-SE OS ARGUMENTOS APRESENTADOS NO INIacuteCIO DA QUESTAtildeO

Cumpre agora dissolver os argumentos que colocaacutemos no iniacutecio da questatildeo

Em relaccedilatildeo ao primeiro deve dizer-se que Aristoacuteteles utilizou naquele contexto o

termo lsquoFilosofiarsquo numa acepccedilatildeo um pouco mais restrita certamente apenas como

ciecircncia que discorre sobre as coisas que subsistem por si mesmas E que Platatildeo nos

Amadores76 ou falou por hipeacuterbole para amplificar o sentido ou entatildeo natildeo exprimiu a

sua maneira de pensar mas a de Soacutecrates a quem daacute voz nesse diaacutelogo

75 Leia-se sobre este assunto o que diz Alberto Magno no livro 5 da Metafiacutesica tratado 3 cap2 Antonio Andreas no livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 3 Teoacutefilo Zimara no livro 1 Sobre a Alma no texto 17 Antoacutenio Zimara nos Teoremas 776 scilicet Banquete

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 92

Soacutecrates direccionou toda a filosofia para os costumes Consta que Soacutecrates

direccionou toda a Filosofia para o objectivo de bem viver e para a formaccedilatildeo dos

costumes Natildeo foi decerto somente dele mas tambeacutem de outros o juiacutezo acerca da

Filosofia Moral Os estoacuteicos poreacutem ornavam-na somente com o tiacutetulo de Filosofia daiacute

que a definissem como sabedoria ciecircncia dos bons e dos maus e arte de gerir a vida

Sobre este assunto se quiserem leiam Epicteto no Enchiridion capiacutetulo 67 e Plutarco

no opuacutesculo An seni gerenda sit Respublica77

Ao segundo respondemos que a qualidade a relaccedilatildeo e os outros acidentes natildeo

satildeo considerados pelo Filoacutesofo senatildeo sob alguma daquelas trecircs abstracccedilotildees e por isso

pertencem necessariamente a alguma das trecircs ciecircncias Por exemplo as cores uma vez

que com razatildeo se consideram apenas em relaccedilatildeo agrave mateacuteria sensiacutevel pertencem ao

Fiacutesico os triacircngulos uma vez que se afastam da mateacuteria sensiacutevel e natildeo da inteligiacutevel

pertencem ao Geoacutemetra as ciecircncias uma vez que satildeo independentes da mateacuteria

pertencem ao Metafiacutesico

A quem compete o estudo das relaccedilotildees E o mesmo se deve dizer tambeacutem das

relaccedilotildees porque por exemplo a desigualdade entre duas espeacutecies de anjos compete ao

Metafiacutesico a proporccedilatildeo entre dois nuacutemeros ao Aritmeacutetico a relaccedilatildeo da fonte de calor

com aquilo que vai aquecer ao Fiacutesico E observando desta perspectiva o que dissemos

mais atraacutes natildeo seraacute difiacutecil atribuir a cada ciecircncia o que estaacute contido em cada uma das

categorias

Explicaccedilatildeo mais pormenorizada deste argumento Se todavia ainda houver

algueacutem que natildeo se considere satisfeito com este argumento e defenda que para aleacutem da

quantidade haacute muitos outros acidentes materiais cujo conhecimento como acontece

com a quantidade o Filoacutesofo procura tirar da mateacuteria sensiacutevel de tal modo que possa e

deva ateacute encontrar uma nova ciecircncia sobre eles distinta da Fisiologia e das

Matemaacuteticas esse algueacutem haacute-de entender que enfim embora admitamos que os

acidentes deste tipo se podem considerar desse modo natildeo se deve valorizar poreacutem essa

consideraccedilatildeo ao ponto de uma outra ciecircncia ter de se ocupar dela com toda a dignidade

No entanto as coisas datildeo-se de outro modo no que diz respeito agrave quantidade que por

causa da recocircndita fecundidade das muacuteltiplas afeiccedilotildees que reivindica para si na medida

em que se abstrai da mateacuteria sensiacutevel natildeo criou apenas uma mas vaacuterias disciplinas

77 Seraacute que a Repuacuteblica deve ser governada por um anciatildeo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 93

O ente moacutevel considerado em si mesmo compete ao estudo da Fiacutesica

Relativamente ao terceiro ponto cumpre negar que a essecircncia do ente moacutevel

considerada em si mesma e antecedendo pela origem todas as suas propriedades natildeo

pertenccedila ao Fiacutesico Nem tampouco se deve dizer que ele natildeo observa a natureza sem

movimento por tambeacutem natildeo contemplar a proacutepria essecircncia do ente moacutevel tomada em si

mesma mas sim por natildeo excluir do seu estudo o movimento enquanto movimento

como fazem as outras ciecircncias Muito pelo contraacuterio aplica a maior parte do seu esforccedilo

na investigaccedilatildeo e na explicaccedilatildeo do movimento

Relativamente ao quarto deve negar-se a proposiccedilatildeo antecedente e dizer-se

quanto agrave sua primeira confirmaccedilatildeo que as coisas conhecidas pela luz natural da razatildeo

humana natildeo podem dizer respeito a uma soacute ciecircncia natural pelo simples facto de as

coisas conhecidas pela luz da divina revelaccedilatildeo e da feacute pertencerem a uma soacute ciecircncia

transnatural porque a luz natural do intelecto natildeo eacute mais do que a proacutepria faculdade e a

forccedila do entendimento que para o acto da ciecircncia concorre apenas de forma eficiente e

por si proacuteprio natildeo se orienta mais para este acto do que para o inteligiacutevel mais para

uma do que para outra intelecccedilatildeo

Razatildeo pela qual natildeo se retira a distinccedilatildeo das ciecircncias a partir da luz inata do

intelecto Assim sendo embora natildeo possamos partindo dessa luz demonstrar

cabalmente a unidade das ciecircncias o mesmo natildeo acontece com a luz da divina

revelaccedilatildeo Antes de mais porque natildeo eacute a proacutepria potecircncia mas reveste-se de potecircncia

atraveacutes de um dom celeste e impele-a para determinados actos Depois porque natildeo

concorre para o consentimento apenas de modo eficiente mas tambeacutem objectivo e ateacute

formal dado que a razatildeo formal do objecto da Teologia que se diz passiacutevel de

revelaccedilatildeo eacute dominada por essa luz que eacute como a razatildeo de atingirmos os pensamentos a

que damos assentimento Mas uma vez que se deve pedir a unidade e a distinccedilatildeo das

ciecircncias agrave razatildeo formal do objecto78 e a razatildeo formal de tudo o que nesta condiccedilatildeo de

vida se conhece pela luz da revelaccedilatildeo divina eacute una tal como eacute una a luz de onde

descende acontece entatildeo que temos apenas uma ciecircncia sobrenatural e vaacuterias naturais

E assim torna-se claro que nada se pode concluir do primeiro argumento pelo qual se

confirmava a proposiccedilatildeo antecedente Mas agrave uacuteltima jaacute se respondeu devidamente

78 Consulte-se Capreacuteolo no proacutelogo agraves Sentenccedilas questatildeo 3 ateacute ao fim e Caetano 1ordf parte Suma Teoloacutegica questatildeo 1 art 3

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 94

Que filoacutesofos79 e com que variedade examinam a quantidade Relativamente ao

quinto deve negar-se o que foi previamente afirmado e para sua confirmaccedilatildeo declara-

se que a Matemaacutetica a Fisiologia e a Metafiacutesica consideram a quantidade mas cada

uma delas em funccedilatildeo do seu domiacutenio isto eacute sob a sua abstracccedilatildeo proacutepria80 A

matemaacutetica considera-a como eacute evidente no acircmbito de algumas relaccedilotildees que dizem

absolutamente respeito agrave quantidade enquanto quantidade Satildeo deste tipo o igual e o

desigual o excesso e o defeito a simetria e a proporccedilatildeo bem como muitas outras

enumeradas por Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica capiacutetulo 2 texto 5 A Fisiologia

considera-a na medida em que a quantidade eacute uma propriedade do ente moacutevel e

fundamento de todos os acidentes sensiacuteveis A Metafiacutesica porque eacute inevitaacutevel que o

ldquoprimeiro Filoacutesofordquo pelo menos quando o ente se divide pelos dez geacuteneros incorra na

quantidade Relativamente ao resto deste argumento por uma razatildeo semelhante se deve

admitir que o Metafiacutesico trata da substacircncia que estaacute sujeita a nascimento e morte e

tambeacutem do movimento sem contemplar as naturezas destas coisas como mateacuteria que

lhe eacute proacutepria e particular mas na medida em que dizem respeito ao conhecimento

divisivo da substacircncia ou do acto em geral ou entatildeo (o que tambeacutem se pode dizer da

quantidade) segundo uns certos conceitos geneacutericos ou por fim porque assim o

determina o encargo comum com que a ldquoPrimeira Filosofiardquo preside agraves restantes artes

como atraacutes lembraacutemos81

Em que medida a Fisiologia deve considerar as substacircncias afastadas do

contacto com a mateacuteria Deve admitir-se tambeacutem que o Fiacutesico toca alguns aspectos das

substacircncias materiais natildeo como se perscrutasse a natureza delas considerada em si

mesma mas na medida em que mostra a sua eficiecircncia relativamente aos movimentos

dos corpos celestes e prova que natildeo se daacute um progresso infinito nas coisas que se

movem para que tambeacutem sejam movidas82 E assim embora o que se aduz no

argumento natildeo incida apenas numa soacute parte da Filosofia natildeo se deve por isso pensar

que isso acontece sob a mesma abstracccedilatildeo ou que nas ciecircncias se confundem ou

79 Artifices (N do T)80 Janduno livro 6 da Metafiacutesica questatildeo 381 S Tomaacutes livro 1-2 questatildeo 66 artigo 5 ao 1ordm e livro 3 da Metafiacutesica liccedilatildeo 482 Sobre esta questatildeo veja-se Avicena no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 Egiacutedio no livro 1 do comentaacuterio ao De generatione questatildeo 14 Javelo livro 12 da Metafiacutesica Soncinas livro 12 da Metafiacutesica questatildeo 1 Zimara no Teorema 53 Escaliacutegero Exercit 6 n 3 Averroacuteis no livro 12 da Metafiacutesica texto 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 95

misturam as abstracccedilotildees da mateacuteria como seraacute manifesto a quem prestar atenccedilatildeo ao que

dissemos

Ao sexto jaacute eacute bastante evidente o que se deve responder no que aos geacuteneros

supremos e transcendentes diz respeito No entanto o que se contrapotildee relativamente a

Deus e agraves inteligecircncias exige uma explicaccedilatildeo mais difiacutecil Mas pode ser desenleada

deste modo Como se diz que a abstracccedilatildeo da mateacuteria preside agrave distinccedilatildeo das ciecircncias

natildeo se deve assumir o nome de mateacuteria numa acepccedilatildeo tatildeo ampla que se espalhe por tudo

aquilo que de alguma forma se ligue agrave mateacuteria mas de modo a que compreenda apenas

a mateacuteria sensiacutevel e inteligiacutevel A causa disto eacute o facto de como expusemos

anteriormente as ciecircncias serem distinguidas pelas abstracccedilotildees da mateacuteria uma vez que

natildeo satildeo conduzidas por si mesmas aos seus objectos a natildeo ser enquanto de algum

modo se afastam da mateacuteria e devem por isso mesmo ser afastadas da mateacuteria para

que pelo seu modo proacuteprio se ajustem ao intelecto que vatildeo aperfeiccediloando

A nossa alma na sua origem primitiva eacute uma taacutebua rasa Ora mostra-se

claramente que para conciliar um ajustamento deste tipo natildeo eacute preciso que o objecto da

ciecircncia seja reivindicado pela potencialidade que de certo modo se diz mateacuteria visto

que o intelecto natildeo eacute de modo algum alheio a ela como aquele que desde a sua

primitiva razatildeo estaacute todo em potecircncia agrave semelhanccedila de uma taacutebua em que a matildeo do

artiacutefice ainda natildeo induziu qualquer cor natildeo imprimiu qualquer imagem Torna-se

assim evidente que embora Deus esteja tatildeo livre da mateacuteria que afaste de si ateacute mesmo

a potencialidade a que chamam mateacuteria Metafiacutesica poreacutem o grau desta abstracccedilatildeo

maior natildeo basta para que se institua uma Filosofia sobre Deus e outra sobre as

inteligecircncias uma vez que este tipo de abstracccedilatildeo por si mesma natildeo faz nada pela

ciecircncia

De acordo com o que foi dito ningueacutem haacute-de concluir que a ciecircncia que se

considera sobre Deus na medida em que o Teoacutelogo ascende agrave sua contemplaccedilatildeo ou

seja a sagrada Teologia natildeo eacute distinta da ldquoprimeira Filosofiardquo Pelo contraacuterio eacute

realmente distinta tal como a razatildeo formal que o objecto dela introduz e a luz pela

qual eacute atingida esta mesma luz do mesmo modo que eacute infundida nas nossas mentes

pelo sopro da divindade celeste tambeacutem natildeo trata da abstracccedilatildeo das coisas de que se

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 96

ocupa83 Mas de facto como esta divina Filosofia ainda natildeo tinha revelado o seu brilho

aos antigos filoacutesofos foi por eles omitida na reparticcedilatildeo das ciecircncias

QUESTAtildeO II

SERAacute A FILOSOFIA NATURAL VERDADEIRA E PROPRIAMENTE UMA CIEcircNCIA OU NAtildeO

ARTIGO 1ordm

O QUE PENSARAM ALGUNS DOS ANTIGOS SOBRE A QUESTAtildeO APRESENTADA E ARGUMENTOS A FAVOR DA

SUA OPINIAtildeO

A opiniatildeo antiga foi a de Heraclito de Eacutefeso e do seu disciacutepulo Craacutetilo (como

atestam Platatildeo no Teeteto e Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica capiacutetulo 4) ou seja

que a Filosofia Natural natildeo era uma ciecircncia O mesmo afirmou Pitaacutegoras84 asseverando

que toda a compreensatildeo da subtileza da Fiacutesica estava contida nas opiniotildees Tambeacutem

Soacutecrates85 depois de ter aplicado toda a sua capacidade intelectual agrave investigaccedilatildeo dos

segredos da natureza ndash das realidades naturais como ele dizia ndash foi dissuadido pela sua

mutabilidade e inconstacircncia e porque estabeleceu para si mesmo que nessas mateacuterias

nada pode saber-se ao certo dedicou-se agrave Filosofia Moral Mas jaacute os professores da

Nova Academia natildeo soacute negavam a ciecircncia das coisas Fiacutesicas como diziam tambeacutem que

todas as coisas satildeo incertas e duvidosas e que a proacutepria verdade se esconde encoberta

ou confusa seja por causa de algumas trevas da natureza seja por causa da similitude

das coisas a tal ponto que nada de verdadeiro se pode conhecer mas apenas o que eacute

verosiacutemil E uma opiniatildeo deste tipo como afirma S Agostinho no livro 3 Contra os

Acadeacutemicos beberam-na os Acadeacutemicos86 das fontes de Platatildeo mas o proacuteprio Platatildeo foi

receptaacuteculo por um lado de outros mais antigos por outro de Soacutecrates seu professor

que primeiro nos misteacuterios da natureza como dissemos e depois tambeacutem nas questotildees

que dizem respeito agrave vida comum e aos costumes ridicularizava com a sua ironia

acutilante aqueles que se arrogavam saber alguma coisa

83 Sobre esta questatildeo leia-se S Tomaacutes Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 1 artigo 1 e no 3ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 33 questatildeo 1 artigo 2 Henrique de Gand Suma Teoloacutegica 1ordf parte artigo 3 questotildees 3 e 4 Alense Suma Teoloacutegica 1ordf parte questatildeo 1 parte 2 e os restantes doutores no proacutelogo84 Sobre Pitaacutegoras Laeacutercio na sua Vida e Tertuliano no De Anima85 Sobre Soacutecrates Teodoreto no livro Sobre a mateacuteria e o mundo e Xenofonte no livro 1 de Ditos e feitos memoraacuteveis de Soacutecrates86 Sobre os acadeacutemicos veja-se Ciacutecero nas Questotildees Acadeacutemicas S Agostinho 19 Cidade de Deus cap 4 e no livro Contra os Acadeacutemicos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 97

Os mundos platoacutenicos Platatildeo ensinava pois que havia dois mundos87 o

inteligiacutevel no qual habitava a proacutepria Verdade e o sensiacutevel que noacutes percepcionamos

pela visatildeo e pelo tacto e de cuja contemplaccedilatildeo se ocupam os Fiacutesicos O primeiro eacute

verdadeiro o outro verosiacutemil sobre o primeiro produzem-se verdades sobre o outro

apenas opiniotildees E com estas palavras Platatildeo parece de facto ter concedido apenas a

opiniatildeo ao Filoacutesofo Natural

Enfim foi esta a discussatildeo comum sobre a Verdade entre os antigos filoacutesofos

porque parecia fugir de tal maneira ao acesso da mente humana que os mortais natildeo

conseguiam de modo algum chegar ateacute ela e soacute perdiam o seu tempo a procuraacute-la

O poccedilo de Demoacutecrito88 E por isso Demoacutecrito como escreve Lactacircncio no capiacutetulo 3 do

livro 3 a procurava submersa num poccedilo sem fundo Anaxaacutegoras declarava-a envolta em

trevas e Empeacutedocles afirmava serem estreitas as vias dos sentidos pelas quais o

conhecimento entra no espiacuterito

Alguns mestres da ignoracircncia dos filoacutesofos Neste caso especiacutefico alguns filoacutesofos da

Antiguidade ensinavam a quem os ouvia natildeo tanto o que sabiam mas o que natildeo sabiam

e esforccedilavam-se por persuadi-los de que nada se podia considerar certo ou evidente

sobretudo na investigaccedilatildeo da verdade Fiacutesica89 E de facto natildeo faltam argumentos pelos

quais pareccedila comprovar-se esta sentenccedila

1ordm argumento O primeiro seraacute a ciecircncia eacute um haacutebito absolutamente certo uma

vez que se manifesta sobre coisas certas e perpeacutetuas como ensina Platatildeo no Caacutermides

e tambeacutem Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 2 e no livro 6 da Eacutetica

capiacutetulo 3 bem como em muitos outros lugares mas a Filosofia Natural natildeo se pode

considerar nestes termos Logo natildeo eacute uma ciecircncia Comprova-se esta proposiccedilatildeo

porque a Filosofia Natural considera os elementos e os corpos formados a partir deles

que indistintamente nascem e morrem e contempla tambeacutem o movimento das esferas

celestes a influecircncia dos astros o eclipse do Sol e da Lua e muitas outras coisas do

mesmo geacutenero que natildeo satildeo perpeacutetuas nem sequer mantecircm sempre o mesmo estado

enquanto existem A forccedila deste argumento eacute ainda corroborada por outro segundo o

qual se diz que o nosso intelecto para comparar a ciecircncia das coisas abstrai a sua 87 Sobre estes mundos Plotino no livro 4 das Eneacuteadas 6 Ficino no mesmo livro e no Conviacutevio de Platatildeo Eugubino livro 3 Sobre a Filosofia perene cap 8 Clemente de Alexandria no livro 5 de Tapeccedilarias Euseacutebio de Cesareia no livro 2 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica cap 1288 Puteus Democriticus (N do T)89 Sobre isto fala de forma mais satisfatoacuteria Mirandula no livro 2 De examine vanitatis

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 98

consideraccedilatildeo das condiccedilotildees da mateacuteria e do tempo mas as coisas que nascem e morrem

estatildeo imersas na mateacuteria e caem sob a medida do tempo por isso dele dependem como

ensina Aristoacuteteles no quarto livro desta obra

Segundo argumento toda a verdadeira e perfeita ciecircncia conteacutem a natureza

comprovada do objecto que lhe estaacute sujeito e aleacutem disso natildeo conhece bem as

propriedades que dela dimanam como assegura Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica

capiacutetulo 1 texto 1 poreacutem no que diz respeito agrave natureza das coisas constantes sobre as

quais trata o Filoacutesofo Natural soacute o Metafiacutesico penetra na sua essecircncia como tambeacutem

afirma Aristoacuteteles tanto no lugar citado como no livro 4 da mesma obra capiacutetulo 2

texto 5 Por conseguinte a Filosofia Natural natildeo pode verdadeira e perfeitamente ser

uma ciecircncia Houve quem dissesse que talvez Aristoacuteteles falasse nessas passagens ou

da essecircncia no sentido geral enquanto essecircncia e esta consideraccedilatildeo pertence ao

Metafiacutesico ou da essecircncia das coisas materiais natildeo no seu todo mas apenas enquanto

predicados comuns tanto agraves coisas naturais como agraves que satildeo desprovidas de mateacuteria tais

como o ser e a substacircncia considerada de forma absoluta90 O conhecimento destes

predicados eacute de facto proacuteprio do Metafiacutesico Mas o que teraacute dito ateacute agora natildeo escapa agrave

forccedila do argumento E se o Metafiacutesico reivindicou para si o conceito de substacircncia

como ningueacutem pode conhecer perfeitamente a essecircncia de alguma coisa que pertenccedila agrave

categoria da substacircncia sem conhecer o conceito de substacircncia isto faz com que o

Fiacutesico natildeo consiga compreender perfeitamente a essecircncia de qualquer ente natural

enquanto se mantiver dentro dos seus limites

Terceiro argumento o Filoacutesofo Natural estuda a mateacuteria sensiacutevel (como

afirma Aristoacuteteles no livro 2 Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo no capiacutetulo 1 texto 6 e

como se torna evidente de todo o desenvolvimento da disciplina Fiacutesica) mas a mateacuteria

sensiacutevel eacute um ente por acidente visto natildeo ser mais do que a mateacuteria-prima disposta

pelos acidentes que movem o sentido no entanto a ciecircncia natildeo se faz sobre um ser por

acidente como se torna evidente a partir do capiacutetulo 2 do livro 6 da Metafiacutesica texto 4

e do capiacutetulo 7 do livro 11

90 Assim S Tomaacutes no Opuacutesculo 70 Escoto no proacutelogo das Sentenccedilas questatildeo 1 Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 11 Javelo no 1ordm tambeacutem da Metafiacutesica questatildeo 9 Janduno na Metafiacutesica questatildeo 3

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 99

Quarto a Magia91 faz parte da Fiacutesica e todavia natildeo eacute ciecircncia logo a Fiacutesica

natildeo pode ser simplesmente denominada de ciecircncia A proposiccedilatildeo maior prova-se pela

proacutepria definiccedilatildeo de Magia que se estabelece nestes termos a Magia eacute a parte da

Fisiologia que a partir da muacutetua e oportuna conjugaccedilatildeo de forccedilas naturais ensina a

produzir efeitos para aleacutem de tudo o que possa imaginar92 Justifica-se a menor porque

como ensina Aristoacuteteles no livro 1 dos Magna Moralia capiacutetulo 1 e no livro 1 da

Eacutetica capiacutetulos 1 e 4 toda a doutrina existe por causa de algo bom e a Magia foi

inventada para a desgraccedila dos homens

Quinto a Fisiologia como eacute evidente para quem folheia os livros dos

Filoacutesofos estaacute cheia de muacuteltiplos erros e ensina a cada passo inuacutemeras coisas contraacuterias

agrave feacute catoacutelica Daiacute aquele comentaacuterio de Tertuliano no livro Sobre as prescriccedilotildees dos

hereacuteticos de que as heresias satildeo sustentadas pela Filosofia e o outro de S Jeroacutenimo no

livro Contra os Pelagianos de que todos os venenos dos hereacuteticos emanaram das fontes

dos filoacutesofos e diz muito bem que alguns dos nossos filoacutesofos satildeo patriarcas dos

hereacuteticos93 Logo como a ciecircncia deve ser o mais possiacutevel alheia a toda a falsidade e

erro natildeo nos parece neste contexto que a Fisiologia possa considerar-se uma ciecircncia

Sexto (este seraacute a favor dos Acadeacutemicos) toda a nossa capacidade cognitiva

tem iniacutecio nos sentidos mas os sentidos como ensina a experiecircncia erram muitas

vezes iludidos pela vatilde espeacutecie das coisas Por conseguinte nenhum conhecimento certo

pode chegar ao intelecto e assim a ciecircncia pura e simplesmente natildeo existe Os

Peripateacuteticos negam esta conclusatildeo mas os Acadeacutemicos comprovam-na Pois se os

sentidos que satildeo os mensageiros e os inteacuterpretes da verdade anunciam mentiras como

eacute que o intelecto poderaacute distinguir o verdadeiro do falso E a que juiz da verdade haacute-de

recorrer A si proacuteprio Ele que pela sua origem primitiva estaacute desprovido de toda a

ciecircncia e nem sequer tem qualquer noccedilatildeo de verdade induzida pela natureza A outro

Mas a condiccedilatildeo de todos os outros eacute semelhante agrave sua Entatildeo seraacute muito melhor recusar

o assentimento a todas as coisas do que afirmar categoricamente o que quer que seja

correndo o perigo de errar E seraacute tambeacutem mais prudente natildeo pensar nada do que

confiar o espiacuterito ao naufraacutegio da falsa opiniatildeo do saacutebio sobretudo na doutrina Fiacutesica 91 A respeito desta definiccedilatildeo de Magia consulte-se Francisco de Victoria no Relectiones de arte magica questatildeo 3 Ceacutelio no livro 6 das Liccedilotildees Antigas capiacutetulo 12 e Juacutelio Escaliacutegero nas Exercitaccedilotildees exoteacutericas exercitaccedilatildeo 32792 Extra omnem admirationem captum lit ldquotoda a capacidade de admiraccedilatildeordquo (N do T)93 Tertuliano no livro Contra Hermoacutegenes

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 100

cujo conhecimento natildeo soacute parte das coisas que caem nos sentidos como tambeacutem volta

a elas numa alternacircncia reciacuteproca e nelas se conclui

ARTIGO 2ordm

A FIacuteSICA Eacute VERDADEIRA E PROPRIAMENTE UMA CIEcircNCIA

Os princiacutepios da Filosofia balbuciante Nos primeiros tempos a dignidade e a

perfeiccedilatildeo da Fiacutesica natildeo eram suficientemente evidentes para que obtivesse o estatuto de

ciecircncia natildeo soacute numa eacutepoca menos culta quando a Filosofia era muito nova e ainda

balbuciava como tambeacutem depois quando os grupos de Filoacutesofos discutiam e lutavam

entre si de tal modo que natildeo chegavam a acordo entre eles sobre praticamente nada94

Confirmaccedilatildeo do seu estatuto Apesar disso depois que a teimosia desses

tempos chegou ao fim foi como se a Filosofia salva das tempestades alcanccedilasse bom

porto foi entatildeo considerado como dado adquirido confirmado pelo reconhecimento e

pelo consenso de todos que a Fiacutesica devia ser integrada no conjunto das ciecircncias

Conclusatildeo da questatildeo Logo podemos concluir que a Fiacutesica eacute verdadeira e

propriamente uma ciecircncia O que se comprova em primeiro lugar por aquela divisatildeo

vulgarizada que acima mencionaacutemos na qual a Filosofia ou seja a Sabedoria se divide

em ciecircncia Fiacutesica Dialeacutectica e Moral Eacute tambeacutem confirmado pelo testemunho de

Aristoacuteteles no terceiro livro desta obra capiacutetulo 4 texto 24 no primeiro Sobre as

partes dos animais capiacutetulo 1 e no segundo da Metafiacutesica capiacutetulo 3 texto 3 onde

chama agrave Filosofia ciecircncia natural bem como no livro 4 tambeacutem da Metafiacutesica capiacutetulo

5 texto 23 onde contradiz Heraclito e Craacutetilo defensores da parte contraacuteria ou seja da

ignoracircncia e acaba por os refutar por completo

E talvez natildeo tivessem uma opiniatildeo diferente aqueles grandes filoacutesofos que

mencionaacutemos atraacutes sobretudo Pitaacutegoras Soacutecrates e Platatildeo Eacute pois provaacutevel que

quando os dois primeiros repetiam que nada podiam saber pelo menos na disciplina

Fiacutesica quisessem dizer que a aquisiccedilatildeo da sabedoria era tatildeo difiacutecil que o que sabemos

comparado com o que ignoramos eacute quase nada Mas na verdade o seu intuito natildeo era

tanto confessar a ignoracircncia mas dissimular a ciecircncia com a modeacutestia de modo a

94 Sobre este dissiacutedio entre os filoacutesofos Platatildeo no Sofista Euseacutebio de Cesareia no livro 14 da Preparaccedilatildeo evangeacutelica S Agostinho no livro 18 da Cidade de Deus capiacutetulo 41 e Tertuliano no livro Sobre a Alma

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 101

reprimir a insolecircncia dos que embora estivessem muito longe da verdadeira e clara

sabedoria se arrogavam o nome de saacutebios sem qualquer fundamento95

A modeacutestia de Soacutecrates que afirmava nada saber quando os outros

proclamavam nada desconhecer Por isso foi neste geacutenero recomendada em primeiro

lugar a modeacutestia socraacutetica e isso foi motivo de louvor para Pitaacutegoras porque pela sua

autoridade como anteriormente narraacutemos foi mudada a designaccedilatildeo de saacutebio para

Filoacutesofo

Mas relativamente a Platatildeo como se atesta nos seus escritos96 natildeo haacute duacutevida

de que pensou criar uma ciecircncia para as vaacuterias mateacuterias e que a Filosofia Natural devia

ser contabilizada entre as ciecircncias

Comentaacuterio de Platatildeo sobre as ciecircncias inatas e a reminiscecircncia Embora

inserisse nesta afirmaccedilatildeo muitas outras coisas erradas97 disse ele que nas nossas almas

antes de elas se submeterem agrave prisatildeo deste concreto e terreno corpo havia formas

inteligiacuteveis de todas as coisas e que eram inatas como se fossem noccedilotildees inscritas

depois adormecidas pelo contacto do corpo como se bebecircssemos o veneno do

esquecimento mas que podem ser posteriormente estimuladas por um estudo que delas

se aproxime e pela acccedilatildeo dos fantasmas E assim afirma de novo que nenhuma ciecircncia

pode ser adquirida nem o aprender pode ser outra coisa senatildeo um recordar como

consta do Meacutenon do Fedro e de outras obras suas

Platatildeo por vezes com a designaccedilatildeo de Dialeacutectica quer dizer Metafiacutesica Por

isso eacute que afirma no Filebo e no livro 7 da Repuacuteblica que apenas a Dialeacutectica ndash e sob

esta denominaccedilatildeo como advertem Alcino e outros Platoacutenicos compreende a ldquoPrimeira

Filosofiardquo ndash dizia eu que soacute a Dialeacutectica eacute digna da designaccedilatildeo de ciecircncia mas nem por

isso nega que a Fisiologia deve ser contabilizada entre as ciecircncias Fala tambeacutem nesse

lugar sobre a ciecircncia de um modo tatildeo conciso que apenas lhe conveacutem a faculdade de ser

suportada pelas restantes como se presidisse a partir da sua posiccedilatildeo superior o que eacute

proacuteprio da ldquoPrimeira Filosofiardquo98 No entanto aquela sua opiniatildeo sobre os dois mundos

95 Ciacutecero atesta-o no livro 5 das Questotildees Tusculanas segundo Heraclides do Ponto96 Especialmente no Epinoacutemides97 Aristoacuteteles refuta este erro no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 7 e noutros locais S Ireneu no livro 2 Contra os hereges a partir do capiacutetulo 60 S Agostinho no livro 12 Sobre a Trindade capiacutetulo 15 S Tomaacutes na 1ordf parte da Suma questatildeo 84 artigo 3 e no livro 2 Contra os gentios capiacutetulo 83 Alberto Magno no livro 1 da Metafiacutesica tratado 1 capiacutetulo 8 98 Leia-se Alcino no livro Sobre a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 6 Ficino no livro 7 da Repuacuteblica e Teoacutefilo no 1ordm livro capiacutetulo 1 Sobre a Alma

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 102

continha alguns outros misteacuterios de uma disciplina mais confidencial que hatildeo-de ser

referidos num outro momento mais oportuno Mas independentemente do que eles

possam ter pensado a verdade da nossa afirmaccedilatildeo eacute garantida por estes argumentos

Primeiro argumento Considera-se que possui conhecimentos todo aquele que

conhece um efeito necessaacuterio pela causa necessaacuteria e como o Filoacutesofo Natural conhece

muacuteltiplos efeitos atraveacutes das causas necessaacuterias logo haacute-de considerar-se que ele

possui conhecimentos A proposiccedilatildeo maior eacute incontestaacutevel e torna-se evidente a partir

da definiccedilatildeo de ciecircncia difundida por Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 2

Prova-se a menor O Filoacutesofo Natural sabe entatildeo por exemplo que todo o corpo eacute

divisiacutevel porque eacute contiacutenuo que a mateacuteria natildeo pode por forccedila da natureza subsistir

sem alguma forma porque eacute uma potecircncia pura que o homem eacute capaz de dominar as

disciplinas cientiacuteficas porque eacute dotado de uma alma possuidora de razatildeo e muitas

outras coisas deste geacutenero Ora que este conhecimento dos efeitos ou das disposiccedilotildees se

faz atraveacutes das causas ningueacutem poderaacute negar No entanto mesmo que os adversaacuterios

neguem que a necessidade nelas se revela satildeo plenamente convencidos por esse

argumento uma vez que quando a realidade natildeo pode ser de forma diferente eacute porque

estaacute presente a imutabilidade e a necessidade E que estas coisas natildeo podem ser de

forma diferente facilmente depreende quem observa o que eacute contiacutenuo e o que eacute uma

pura potecircncia

Segundo argumento natildeo eacute menos certo e necessaacuterio o facto de o homem ser

capaz de dominar as disciplinas do que o facto de o triacircngulo ter trecircs acircngulos iguais a

dois rectos E como isto pode ser demonstrado nas disciplinas matemaacuteticas eacute

compreendido como verdadeira e perfeita ciecircncia logo como a outra afirmaccedilatildeo pode

ser demonstrada no acircmbito da Fiacutesica e visto que em ambos os casos a condiccedilatildeo eacute

semelhante natildeo pode produzir-se uma razatildeo idoacutenea pela qual uma certa e determinada

disposiccedilatildeo necessariamente se espalhe mais pela natureza do triacircngulo do que do

homem99

Terceiro argumento se algo impedisse que se pudesse estabelecer uma ciecircncia

sobre as coisas naturais seria a mutabilidade e a inconstacircncia delas e estas natildeo levantam

impedimentos por isso nada o pode fazer Comprova-se esta proposiccedilatildeo Primeiro

porque nem todas as coisas naturais satildeo fluidas e mutaacuteveis visto que a natureza das

99 Euclides no livro 1 dos Elementos proposiccedilatildeo 32

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 103

proacuteprias esferas celestes as defende da morte Depois porque embora os corpos

sublunares se dissolvam todavia nunca se desviam do grau da sua natureza e da sua

essecircncia nem perdem as capacidades que por perpeacutetuo e invariaacutevel nexo reivindicam

para si mesmas Puderam por isso as propriedades desse tipo ser expostas por uma

demonstraccedilatildeo a seu respeito atraveacutes da sua essecircncia e definiccedilatildeo como se fosse uma

causa e na verdade esta demonstraccedilatildeo haacute-de gerar uma verdadeira e perfeita ciecircncia

Natildeo se pode entatildeo negar que a Filosofia Natural eacute verdadeira e propriamente uma

ciecircncia

Uacuteltimo argumento ainda que as realidades fiacutesicas fossem tatildeo mutaacuteveis como

pensava Heraclito mesmo assim devia haver uma ciecircncia sobre elas que pudesse

realmente demonstrar apenas isto relativamente a elas que satildeo de facto mutaacuteveis mas

conservam na sua mutabilidade uma constacircncia estaacutevel Injustamente negavam entatildeo

qualquer estatuto de ciecircncia ao Filoacutesofo Natural Leia-se S Tomaacutes 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 84 onde a partir da doutrina de Aristoacuteteles no livro 4 da Metafiacutesica

capiacutetulo 5 texto 22 revela a fonte do erro de Heraclito

ARTIGO 3ordm

REFUTA-SE OS ACADEacuteMICOS PARA QUEM TANTO NA FIacuteSICA COMO NAS RESTANTES

MATEacuteRIAS TUDO ERA DUacuteVIDA E INCERTEZA

Primeira razatildeo pela qual se demonstra o caraacutecter absurdo da Filosofia da

Academia No que diz respeito aos Acadeacutemicos que suprimiam toda a confirmaccedilatildeo a

que os Gregos chamam συγκατάθεσιν e asseveravam que nada podemos saber (o que

tambeacutem defenderam os filoacutesofos Pirroacutenicos a que os Gregos chamavam σκεπτικός

como se fossem lsquoobservadoresrsquo) com poucas palavras se desmente o dogma deles deste

modo a natureza como cada um de noacutes sabe por experiecircncia incutiu a todos os homens

o apetite de investigar e conhecer a verdade100 Por conseguinte podem conhecer

alguma verdade De outro modo um apetite deste tipo existiria em vatildeo visto que como

eacute opiniatildeo comum da Filosofia nem Deus nem a natureza criam o que quer que seja em

vatildeo

100 Sobre esta questatildeo Ciacutecero livro 2 Sobre os fins e no livro 2 das Questotildees Acadeacutemicas Laeacutercio no livro 9 e Sexto Pompeio Pirroacutenicos 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 104

2ordf razatildeo Seguinte cada ser procura atingir a perfeiccedilatildeo para a qual eacute

direccionado por natureza ora o saber eacute uma perfeiccedilatildeo para a qual a natureza ou

melhor Deus o autor da natureza direccionou o homem visto que a felicidade humana

como sabiamente ensina Aristoacuteteles no livro 10 da Eacutetica capiacutetulos 7 e 8 foi colocada

no conhecimento e na contemplaccedilatildeo E por conseguinte uma parte da ciecircncia pode ser

alcanccedilada pelo homem

3ordf razatildeo Prossigamos Desde aquele tempo em que principalmente os Homens

abandonando a sua vida errante e agreste se uniram para formar uma cultura e uma

sociedade civil quase em todos os seacuteculos houve alguns homens de excelente engenho

que empenharam todo o estudo de uma vida no exerciacutecio das artes liberais e dedicaram-

se a inquirir e a afirmar a verdade Ora natildeo eacute provaacutevel que fossem inuacuteteis e vatildeos todos

estes esforccedilos dos homens Logo uma parte do verdadeiro e evidente saber por eles

exercido foi divulgada pelas geraccedilotildees posteriores

4ordf razatildeo Aleacutem disso como argumenta S Agostinho no livro Sobre a

verdadeira religiatildeo ainda que algueacutem duvide que possa chegar a saber alguma coisa

natildeo duvida que duvida pelo contraacuterio estaacute certo disso Poreacutem natildeo estaacute certo senatildeo

disso que sabe logo tem de admitir que ele proacuteprio que duvida que sabe sabe pelo

menos isso Por conseguinte natildeo eacute possiacutevel nada saber

5ordf razatildeo Do mesmo modo como adverte o mesmo S Agostinho no livro 2

Contra os Acadeacutemicos quando os Acadeacutemicos afirmam que natildeo podemos conhecer

nada de verdadeiro mas apenas o que eacute verosiacutemil natildeo prestam atenccedilatildeo ao que dizem

Se de facto natildeo conhecemos o verdadeiro em si torna-se inevitaacutevel que ignoremos o

que eacute verosiacutemil do mesmo modo que natildeo pode acontecer que Crisipo saiba que eacute

semelhante a Soacutecrates se ele proacuteprio natildeo conhecer Soacutecrates de alguma forma

6ordf razatildeo E mais diz Arcesilau o principal autor da nova Academia e mestre

da ignoracircncia ldquose o saacutebio nada aprovar natildeo se expotildee ao perigo da falsa asserccedilatildeordquo Eacute

preciso entatildeo que o saacutebio esteja sempre a dormir ou que abandone todos os encargos

Se de facto a razatildeo humana natildeo pode estabelecer sem um traccedilo de incerteza o que se

deve abraccedilar ou evitar certamente que nem sequer a vontade que segue a razatildeo poderaacute

amar ou odiar o que quer que seja sem essa mesma incerteza Entatildeo para que o saacutebio

natildeo aja irreflectidamente haacute-de afastar-se de todas as actividades da vida comum Pode

imaginar-se algo mais idiota ou mais adverso ao bom senso

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 105

7ordf razatildeo A feacute ortodoxa condena a escola dos Acadeacutemicos Por fim visto que

este erro potildee em causa toda a certeza e constacircncia da verdade e o proacuteprio estatuto de

uma vida honesta a Igreja de Deus tatildeo conhecedora dos preceitos da disciplina celeste

condena-o como verdadeira loucura como persuade S Agostinho no livro 19 da

Cidade de Deus capiacutetulo 18101 E o mesmo reflecte sobre esta questatildeo com maior

detenccedila no livro 3 Contra os Acadeacutemicos bem como S Damasceno na sua

Dialeacutectica capiacutetulo 3 S Epifacircnio no livro 1 tomo 1 e no livro 3 tomo 2 e Tertuliano

no livro Sobre a Alma

ARTIGO 4ordm

DISSOLUCcedilAtildeO DOS ARGUMENTOS DO PRIMEIRO ARTIGO

Resta-nos agora responder aos argumentos apresentados no iniacutecio

As ideias de Platatildeo Ora Platatildeo foi precisamente vencido pela dificuldade do

primeiro mesmo que afirmasse todavia a dignidade da Fiacutesica e percebesse que eacute uma

ciecircncia no Timeu no Fedro e em muitos outros lugares introduziu as ideias isto eacute

aquelas formas separadas do contacto com a mateacuteria e da multiplicidade de todas as

coisas que nascem e morrem sobre as quais se pode estabelecer uma ciecircncia No

entanto esta afirmaccedilatildeo estaacute muito longe da verdade Pois as ideias natildeo existem deste

modo como foi demonstrado por Aristoacuteteles mais que uma vez a natildeo ser que talvez

Platatildeo (o que ponderamos noutro lugar) fale sobre aquelas ideias que segundo ensinam

os Teoacutelogos existem na mente divina como exemplo eterno do que se deve fazer Mas

natildeo eacute preciso que o filoacutesofo a elas recorra quando compotildee as suas demonstraccedilotildees

como se torna evidente no livro 7 da Metafiacutesica capiacutetulo 6 texto 20 bem como na

doutrina dos livros dos Segundos Analiacuteticos e que claramente explica S Tomaacutes 1ordf

parte da Suma Teoloacutegica questatildeo 84 artigo 1

Dissoluccedilatildeo do 1ordm argumento Relativamente ao argumento tendo aceitado a

proposiccedilatildeo maior no que diz respeito agrave menor deve negar-se que a Fiacutesica natildeo trata de

coisas certas e perpeacutetuas Primeiro porque as conexotildees entre os assuntos fiacutesicos e os

predicados essenciais bem como as disposiccedilotildees que estatildeo ligadas agrave natureza dos

assuntos por um viacutenculo indissoluacutevel satildeo certas e perpeacutetuas Depois porque embora os

elementos e todas as coisas que se formaram integralmente da mateacuteria celeste possam

101 Tambeacutem Escoto no livro 1 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 4

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 106

ser corrompidos todavia cada um deles suporta essa corrupccedilatildeo sozinho por si mesmo

enquanto as naturezas comuns sobre as quais incide propriamente a ciecircncia natildeo eacute

apenas por acidente mas tambeacutem por causa dos singulares em que se encontram Por

isso acontece que as naturezas deste tipo pela sua proacutepria capacidade quando

consideradas em si mesmas satildeo estaacuteveis e constantes trata-se obviamente daquela

constacircncia a que os Filoacutesofos chamam negativa porque como se costuma explicar no

livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 7 natildeo morrem nem se transformam por si mesmas

Para aleacutem de outros desenvolvem esta questatildeo S Tomaacutes na 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 86 artigo 3 e nas Questotildees sobre a verdade questatildeo 1 artigo 5 bem

como Alexandre no livro 1 das Questotildees Naturais capiacutetulo 3 Mas deve tambeacutem notar-

se que existem para aleacutem disso algumas disposiccedilotildees das coisas naturais que natildeo lhe

pertencem por acaso nem tatildeo pouco por modo necessaacuterio mas por um modo

intermeacutedio certamente por uma necessidade a que chamam Fiacutesica porque se ligam de

tal modo agraves naturezas das coisas que exigem a sua existecircncia e deste modo se

considera por comparaccedilatildeo o movimento das esferas celestes bem como o eclipse em

relaccedilatildeo agrave lua e outras coisas deste tipo que se encontram se natildeo num estado certo pelo

menos na sua maior parte ou depois de afastados os impedimentos Logo

reconhecemos que elas natildeo convecircm agrave demonstraccedilatildeo perfeita em todos os aspectos

Em relaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo da mateacuteria proposta exige-se a exactidatildeo Na verdade

nem em todos a subtileza e a exactidatildeo devem ser exigidas mas na medida em que a

natureza da coisa submetida o permite como advertem Lincolniense Janduno e muitos

outros no mesmo ponto a partir de Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulos 3 e 7 bem

como no livro 2 da Metafiacutesica capiacutetulo 3 texto 16

Relativamente agrave restante parte deste argumento deve afirmar-se com S

Tomaacutes no livro 3 Contra os gentios capiacutetulo 84 que por isso se diz que o intelecto

abstrai a sua observaccedilatildeo do tempo e tambeacutem do lugar porque observa as naturezas

comuns que satildeo delimitadas em relaccedilatildeo a um determinado tempo e a um determinado

lugar102 como declara Platatildeo no Parmeacutenides e Aristoacuteteles no livro 1 dos Posteriores

capiacutetulo 24 texto 43 E diz-se tambeacutem que se abstrai da mateacuteria porque a ciecircncia natildeo se

debruccedila sobre a mateacuteria singular

102 Sobre o sentido daquela afirmaccedilatildeo que o intelecto se abstrai da mateacuteria reflecte largamente Zimara nos Teoremas proposiccedilatildeo 99

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 107

Dissoluccedilatildeo do 2ordm argumento No que se refere ao segundo argumento depois

de aceite a proposiccedilatildeo maior deve negar-se a afirmaccedilatildeo cuja aprovaccedilatildeo se estava a

dissolver correctamente Agrave desaprovaccedilatildeo desta dissoluccedilatildeo deve responder-se que o

Filoacutesofo Natural pode conhecer perfeitamente as coisas fiacutesicas no seu geacutenero isto eacute no

geacutenero Fiacutesico desde que compreenda a mateacuteria e a forma bem como todos os

predicados que incluem a mateacuteria no seu conceito De resto natildeo pode chegar ateacute elas

em todos os seus aspectos atraveacutes de um conhecimento absoluto se natildeo souber o que eacute

o ente e o que eacute a substacircncia como bem comprova o argumento todavia o

conhecimento destes predicados pertence de facto ao Metafiacutesico Por conseguinte

quem quiser conhecer a fundo as definiccedilotildees das coisas naturais ateacute ao uacuteltimo predicado

teraacute de pedir ao Metafiacutesico a sua compreensatildeo ou melhor ainda adoptar nesta questatildeo

o papel do Metafiacutesico E natildeo se deve pensar que a Filosofia Natural perde um pouco da

sua dignidade por nesta mateacuteria solicitar a ajuda da ldquoprimeira Filosofiardquo porque a ela

que eacute rainha de todas as ciecircncias se deve submeter todas as honras

Explicaccedilatildeo do terceiro Relativamente ao terceiro argumento diga-se que o

filoacutesofo Natural natildeo soacute contempla a mateacuteria e o modo como eacute disposta pelos acidentes

mas tambeacutem a outra parte do composto fiacutesico de que modo o ente subsiste por si

mesmo e igualmente o proacuteprio composto que dela se desenvolve Acrescente-se que

nem todos os seres por acidente satildeo completamente eliminados pelas ciecircncias (como se

torna evidente no nuacutemero harmoacutenico e na linha visual que estatildeo sujeitos agrave Muacutesica e agrave

Perspectiva) mas apenas aqueles que natildeo podem ser decompostos nas causas

determinadas nem originam disposiccedilotildees que sejam consideradas nas ciecircncias como o

muacutesico branco o tesouro descoberto por acaso e outras coisas deste tipo

Explicaccedilatildeo do quarto Relativamente ao quarto argumento para que seja

evidente o que se deve responder cumpre advertir que a Magia eacute duacuteplice103 aquela a

que os Gregos chamam γοητείαν eacute maleacutefica visto que consta na sua maior parte de

artimanhas e feiticcedilos para dissimular a verdade para desviar os homens da sua

estabilidade mental e para executar muitos outros crimes deste tipo e por causa destas

ligaccedilotildees com os demoacutenios eacute funesta a outra eacute denominada pelos gregos com a

designaccedilatildeo especiacutefica de μαγείαν e aquela sua parte a que chamam Fiacutesica difere da

103 Sobre estas magias S Tomaacutes questatildeo 16 Sobre o mal e no livro 3 Contra os gentios capiacutetulo 104 Alense 3ordf parte da Suma questatildeo 16 parte 3 Francisco de Vitoria no Relectiones de arte magica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 108

Fisiologia porque a partir do conhecimento das coisas naturais que ela transmite ensina

como interligar convenientemente muacutetuos acordos da natureza bem como forccedilas

escondidas e a proporcionar efeitos que causam grande admiraccedilatildeo S Boaventura

escreveu alguns exemplos desta questatildeo no segundo livro das Sentenccedilas distinccedilatildeo 9

questatildeo 3 bem como Guilherme Parisiense na sua obra Sobre o Universo corpoacutereo e

espiritual capiacutetulo 21 e assegura S Justino que muitos outros exemplos do mesmo

geacutenero teraacute produzido Apoloacutenio nas Questotildees que as pessoas propunham questatildeo 24

Deve admitir-se entatildeo que a primeira magia natildeo faz parte da disciplina Fiacutesica nem

sequer eacute uma arte mas um abuso da arte como se conclui pelo argumento e ensina S

Tomaacutes no Quodlibet livro 4 questatildeo 9 artigo 1 bem como Alberto Magno no livro 1

da Eacutetica tratado 3 capiacutetulo 2 Daiacute que a jurisprudecircncia quer da lei das Doze Taacutebuas

quer de muitas outras a tenha punido104 A outra pelo contraacuterio deve afirmar-se como

uma arte e uma ciecircncia muito estimada pelos antigos filoacutesofos como se torna evidente a

partir do que Platatildeo ensina no primeiro Alcibiacuteades e depois Ciacutecero no livro 1 Sobre a

adivinhaccedilatildeo Pliacutenio no iniacutecio do livro 30 Tertuliano no livro Sobre a Idolatria e

Fiacutelon no livro Sobre as leis especiais Esta eacute entatildeo uma ciecircncia praacutetica que encara a

praxis como um fim como consta do que foi dito Daiacute que natildeo seja proacutepria e

intrinsecamente uma parte da Fisiologia que eacute uma ciecircncia especulativa como vamos

explicar na questatildeo seguinte mas eacute como um riacho derivado das suas fontes Por isso

naquela definiccedilatildeo que era afirmada no argumento segundo alguns se o nome de uma

parte ou a proacutepria Fisiologia for utilizado deve ser entendido numa acepccedilatildeo mais

vasta

Dissoluccedilatildeo do quinto Relativamente ao quinto argumento deve dizer-se que

os erros que mancharam os livros dos filoacutesofos natildeo satildeo da Filosofia mas foram

erradamente introduzidos por falha ou por descuido dos que se dedicam a filosofar Daiacute

que Satildeo Gregoacuterio Nisseno explique claramente na Vida de Moiseacutes que os frutos da

Filosofia Natural natildeo satildeo diferentes dos filhos que Moiseacutes teve de uma esposa indiacutegena

os quais Deus mandou circuncidar atraveacutes de um anjo enviado a persegui-lo antes que

Moiseacutes conduzisse o divino legado para o Egipto De forma semelhante diz ele devem

ser eliminadas dos fundamentos da Filosofia Natural todas as coisas que natildeo nasceram

104 No direito civil nos coacutedigos sobre os malefiacutecios L Nemo L Nullus L Culpa Tambeacutem no direito canoacutenico 26 questatildeo 5 Leia-se tambeacutem o decreto de Tibeacuterio contra os magos em Dioacuten livro 5 da Histoacuteria de Roma

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 109

dos princiacutepios da proacutepria arte que eacute verdadeira mas das opiniotildees dos homens privados

da luz da feacute e que satildeo falsas e contraacuterias agrave feacute como se fossem impurezas da descrenccedila

Dissoluccedilatildeo do sexto Relativamente ao sexto argumento deve confessar-se que

o nosso conhecimento proveacutem dos sentidos e que por vezes nos induzem em erro mas

isto natildeo obsta a que possamos atingir uma compreensatildeo certa de muitas coisas e ateacute

uma ciecircncia Em primeiro lugar porque como consta da doutrina de Aristoacuteteles no

livro 2 Sobre a Alma capiacutetulo 6 texto 63 haacute muitas coisas em que os sentidos nunca se

enganam De facto natildeo podem falhar acerca do proacuteprio sensiacutevel considerado segundo a

razatildeo comum E depois embora por vezes errem satildeo frequentemente corrigidos pelo

intelecto que apesar de natildeo possuir nenhuma espeacutecie nem ciecircncia incutidas pela

natureza possui todavia uma luz inata pela qual daacute o seu assentimento aos princiacutepios

mais gerais sem qualquer perigo de erro ou de incerteza e atraveacutes da qual deduz pelo

raciociacutenio muitas coisas a partir de outras quer seja com toda a clareza e certeza quer

seja com mera probabilidade e por vezes tambeacutem apreende uma coisa sem discorrer

apenas com a observaccedilatildeo

Os Acadeacutemicos satildeo caluniadores da divina providecircncia Sobre esta questatildeo S

Tomaacutes na 1ordf parte da Suma Teoloacutegica questatildeo 84 artigo 6 e Escoto no livro 1 das

Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 4 Leia-se tambeacutem Tertuliano no livro Sobre a Alma

onde refuta a cegueira dos Acadeacutemicos porque negando aos sentidos qualquer tipo de

confianccedila perturbaram a ordem da natureza e censuraram a providecircncia do proacuteprio

Deus como se ela entregasse o encargo de inteligir e administrar as coisas a

intermediaacuterios falaciosos e ilusoacuterios

QUESTAtildeO III

A FILOSOFIA NATURAL Eacute UMA CIEcircNCIA CONTEMPLATIVA OU PRAacuteTICA

ARTIGO 1ordm

ARGUMENTOS QUE PARECEM PROVAR QUE Eacute PRAacuteTICA

Vai-se tentar provar que a Filosofia Natural eacute uma ciecircncia praacutetica e natildeo

contemplativa com estes argumentos Em primeiro lugar a ciecircncia contemplativa

contenta-se com a simples observaccedilatildeo das coisas mas a Filosofia Natural natildeo eacute assim

por isso natildeo eacute contemplativa A proposiccedilatildeo maior aparece em Aristoacuteteles no livro 1 da

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 110

Metafiacutesica capiacutetulo 1 e no livro 3 Sobre a Alma capiacutetulo 10 texto 49 Prova-se a

menor

A semelhanccedila eacute a grande intermediaacuteria do amor De facto a Filosofia Natural

tende para o amor de Deus e se como explicam Alcino no livro Sobre a doutrina de

Platatildeo capiacutetulo 30 e S Tomaacutes no livro 1 Contra os Gentios capiacutetulo 2 toda a

inteligecircncia das coisas secretas conduz a mente humana a uma maior semelhanccedila com a

natureza divina entatildeo a semelhanccedila segundo o testemunho de Aristoacuteteles no livro 3

dos Magna Moralia capiacutetulo 11 e em muitos outros locais eacute a grande intermediaacuteria do

amor Por este motivo Salomatildeo no Livro da Sabedoria 7 afirma que muitos foram

recebidos na amizade de Deus por benefiacutecio da sabedoria Por conseguinte a Filosofia

Natural tende para o amor de Deus e como o amor eacute uma acccedilatildeo ou uma obra da nossa

alma inclina-se entatildeo para uma obra A isto se deve que a filosofia atraveacutes de uma

forccedila silenciosa alicie ao desprezo das coisas humanas como ensina a experiecircncia bem

como os exemplos manifestos de muitos filoacutesofos os quais foram de tal modo tomados

pela repugnacircncia das coisas humanas graccedilas ao estudo da sabedoria que recusaram o

convite de todas as riquezas e voluacutepias da vida como contam muitos escritores nas

memoacuterias de Soacutecrates Dioacutegenes Empeacutedocles Anaxarco Heraclito de Eacutefeso e muitos

outros105 Por isso natildeo parece que a Filosofia Natural se limite apenas agrave observaccedilatildeo da

verdade

2ordm argumento E depois a Filosofia Natural natildeo eacute livre logo natildeo pode ser

contemplativa Esta conclusatildeo parece ser devidamente compreendida uma vez que no

acircmbito dos saberes designa-se lsquolivrersquo o que investiga por si proacuteprio e deste modo se

considera toda a ciecircncia contemplativa como consta do capiacutetulo 2 do primeiro livro da

Metafiacutesica Comprova-se esta afirmaccedilatildeo Se a Filosofia Natural fosse de facto uma arte

livre seria entatildeo liberal Mas demonstra-se que natildeo eacute liberal por este motivo porque

natildeo eacute uma daquelas sete que satildeo enumeradas na conhecida divisatildeo das artes liberais

3ordm argumento Aleacutem do mais a ciecircncia que Deus estipula sobre as realidades

fiacutesicas eacute tatildeo praacutetica como especulativa como explica S Tomaacutes na 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 14 artigo 16 logo tambeacutem aquela que noacutes estabelecemos sobre as

mesmas mateacuterias natildeo haacute-de ser apenas especulativa mas tambeacutem praacutetica

105 Plutarco no livro Sobre o Exiacutelio Laeacutercio na Vida de Soacutecrates Ceacutelio no livro 19 das Liccedilotildees de Filosofia antiga Fiacutelon Judeu no livro Sobre a vida contemplativa e Teodoreto discurso 6 Sobre a providecircncia

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 111

4ordm argumento Acrescente-se que sobretudo aquela parte da Fisiologia que

considera as acccedilotildees da vontade humana natildeo parece ter menos justificaccedilatildeo para ser

enumerada entre as praacuteticas do que aquela parte da doutrina Eacutetica que trata de examinar

as mesmas mateacuterias106 visto que ambas se ocupam da actividade que eacute dirigida pela

razatildeo ou seja da praxis

5ordm argumento Finalmente a arte de curar faz parte da ciecircncia Fiacutesica visto que

trata do corpo humano enquanto dependente da sauacutede e da doenccedila e porque uma

determinada parte estaacute sujeita ao ser moacutevel mas a arte de curar eacute praacutetica eacute natural que

se aplique agraves indicaccedilotildees necessaacuterias para tratar os corpos e que concentre toda a sua

forccedila na conservaccedilatildeo e na recuperaccedilatildeo da sauacutede Por conseguinte a Fiacutesica haacute-de ser

praacutetica porque estando uma parte sujeita a um geacutenero o todo natildeo pode pertencer a

outro

6ordm argumento Acresce que Aristoacuteteles chamava irmatildes agrave Filosofia e agrave Medicina

e achava que uma devia ser definida pela outra dizendo que a Medicina era a Filosofia

do corpo e a Filosofia pelo contraacuterio a medicina da alma E o mesmo teraacute pensado

Demoacutecrito antes de Aristoacuteteles como refere Clemente de Alexandria no Pedagogo

capiacutetulo 2 bem como S Isidoro Pelusiota no livro 1 das Epiacutestolas epiacutestola 437

Parece portanto que os filoacutesofos juntaram estas duas disciplinas da natureza pela sua

ligaccedilatildeo e conformidade Por isso acontece que se a Medicina for incluiacuteda no nuacutemero

das artes praacuteticas a Fisiologia deve estar no mesmo grupo

ARTIGO 2ordm

ESTABELECE-SE A POSICcedilAO VERDADEIRA E DISSOLVE-SE OS TREcircS ARGUMENTOS DA PARTE

CONTRAacuteRIA

A Fisiologia eacute uma ciecircncia contemplativa Deve confirmar-se entatildeo que a

Filosofia Natural eacute uma ciecircncia contemplativa como opinam Aristoacuteteles no livro 6 da

Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1 e no undeacutecimo tambeacutem da Metafiacutesica capiacutetulo 6 Platatildeo

citado por Alcino no livro Sobre a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 7 S Agostinho no

livro 8 da Cidade de Deus capiacutetulo 4 Boeacutecio na obra Sobre a Trindade e Hugo de S

Victor no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 2 bem como muitos outros filoacutesofos em

consenso unacircnime Acrescente-se agrave autoridade a razatildeo Na verdade as disciplinas

106 Nos livros Sobre a Alma quando se trata das potecircncias e suas funccedilotildees

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 112

contemplativas diferem das praacuteticas neste ponto eacute que as praacuteticas como indica o

proacuteprio nome de praxis dizem respeito por natureza a uma obra qualquer e

consequentemente direccionam a potecircncia de modo a concretizar essa obra transmitem

as regras e os preceitos da operaccedilatildeo as contemplativas pelo contraacuterio apresentam

como finalidade apenas a verdade isto eacute somente a proacutepria observaccedilatildeo das coisas

sobre as quais discorrem Posto isto qualquer um percebe facilmente que a Filosofia

Natural eacute contemplativa visto que se dedica apenas a explicar a natureza das realidades

fiacutesicas e natildeo revela quaisquer regras para executar uma obra como se percebe pela

observaccedilatildeo do seu objectivo e do seu meacutetodo E natildeo interessa que alguns a procurem

obter bem como a outras ciecircncias especulativas por causa da honra e da riqueza No

entanto a distinccedilatildeo das artes e das ciecircncias natildeo se deve presumir pelo fim que algueacutem

estabelece pelo seu arbiacutetrio mas pela finalidade a que elas por si mesmas se entregam

Dissoluccedilatildeo do primeiro argumento pela parte contraacuteria Relativamente ao

primeiro argumento dos que impugnavam a nossa afirmaccedilatildeo sendo aceite a proposiccedilatildeo

maior deve negar-se a menor E quanto agrave sua aprovaccedilatildeo deve dizer-se que a Filosofia

se inclina para o amor de Deus e para o menosprezo das voluacutepias e das honrarias

todavia natildeo em termos praacuteticos como se desse ensinamentos nesse sentido mas quer

pelo motivo que eacute aduzido no argumento quer porque a divina bondade que reluz nas

coisas criadas eacute reconhecida pelo filoacutesofo e depois de conhecida eacute amada Identifica

tambeacutem a falsa vaidade das coisas vatildes e depois de a identificar despreza-a

Dissoluccedilatildeo do segundo Relativamente ao segundo deve negar-se a proposiccedilatildeo

antecedente cuja confirmaccedilatildeo eacute desmentida afirmando que a Fiacutesica eacute de facto liberal

ou independente visto que cultiva o espiacuterito uma parte livre e independente do homem

Todavia natildeo estaacute contida naquela habitual reparticcedilatildeo das artes liberais porque como

adverte Hugo de S Viacutetor no livro 3 do Didascalion nem todas as disciplinas liberais

satildeo nela referidas mas apenas aquelas a que chamavam Enciclopeacutedicas por serem

integradas no ciacuterculo de estudos ou populares pelas quais era costume que os

adolescentes fossem instruiacutedos antes de chegarem agrave Fiacutesica pelo que se costumava citar

muito mais vezes as artes do que as ciecircncias como atesta S Tomaacutes na Suma Teoloacutegica

1ordf parte da 2ordf questatildeo 57 artigo 3

Dissoluccedilatildeo do terceiro Relativamente ao terceiro argumento dir-se-aacute como o

mesmo S Tomaacutes na 1ordf parte questatildeo 15 artigo 3 e nas Questotildees sobre a verdade

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 113

questatildeo 3 artigo 3 que Deus intelige as realidades fiacutesicas quer pela via especulativa

quer pela praacutetica De forma especulativa porque considera em absoluto as suas

naturezas e afeiccedilotildees Na praacutetica porque as pondera com razatildeo de modo a que se

transformem de acordo com a sua proacutepria regra e praxis seja em acto seja em potecircncia

A ciecircncia divina sobre as realidades fiacutesicas eacute simultaneamente praacutetica e especulativa E

por isso a cogniccedilatildeo divina embora seja em si mesma una e simpliciacutessima todavia

quando se inclina para as coisas fiacutesicas quer pela sua eminente e excelente dignidade

quer pelo modo diverso e pela ordem que as realidades deste tipo tecircm em comparaccedilatildeo a

outras obteacutem o estatuto de uma ciecircncia simultaneamente praacutetica e contemplativa

A nossa natildeo eacute igual Mas a nossa Fisiologia estabelece-se de modo muito diferente De

facto como as coisas naturais natildeo dependem de todo da sua regra e praxis acontece que

de um soacute modo haacute-de ser levada a cabo ou seja atraveacutes da observaccedilatildeo daiacute que seja

apenas especulativa107

Dissoluccedilatildeo do quarto E com efeito o que se objectou sobre as acccedilotildees da vontade natildeo

tem importacircncia Pois deve considerar-se que nem todas as acccedilotildees provenientes da

vontade contecircm a razatildeo da praxis mas apenas aquelas que satildeo dirigidas pelo juiacutezo

praacutetico do intelecto

Que acccedilotildees obtecircm a razatildeo da praxis E assim a sua consideraccedilatildeo natildeo diz respeito

directamente agrave Fisiologia mas agraves artes a que pertence este juiacutezo ou ditame como por

exemplo agrave doutrina Moral que transmite a correcta norma de vida e de modo

semelhante agraves outras artes que prescrevem de que modo a sua mateacuteria deve ser tratada

ARTIGO 3ordm

DILUI-SE O UacuteLTIMO ARGUMENTO DO PRIMEIRO ARTIGO E INVESTIGA-SE SE A ARTE DE CURAR

Eacute CONTEMPLATIVA

Para satisfazer plenamente ao uacuteltimo argumento seraacute preciso esclarecer neste

artigo se a Medicina deve ser considerada entre as ciecircncias praacuteticas ou contemplativas

Nesta mateacuteria apresentam-se duas opiniotildees

1ordf opiniatildeo Sua confirmaccedilatildeo A primeira eacute dos que pensam que natildeo se pode

dizer que eacute simplesmente praacutetica nem contemplativa mas parcialmente uma e outra

107 Leia-se Capreacuteolo na questatildeo 2 do proacutelogo na dissoluccedilatildeo do argumento de Gregoacuterio contra a 1ordf conclusatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 114

coisa108 Primeiro porque eacute bem conhecido de todos que os Meacutedicos dividem a Medicina

entre praacutetica e teoacuterica e desta divisatildeo fazem menccedilatildeo Avicena no iniacutecio da sua

Metafiacutesica e Galeno nas Finitiones Medicae Depois porque a arte de curar natildeo soacute

ensina que medicamentos se devem aplicar a cada doenccedila de cujo geacutenero trata a

doutrina dos Aforismos de Hipoacutecrates que se refere toda ela agrave praacutetica como tambeacutem

considera atraveacutes da observaccedilatildeo a estrutura do corpo humano a composiccedilatildeo e outras

coisas deste tipo E assim a arte de curar tanto parece ser praacutetica como especulativa

2ordf opiniatildeo Sua confirmaccedilatildeo A outra opiniatildeo que nos parece mais aceitaacutevel

foi abraccedilada por Hugo de S Victor no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 21 por S

Tomaacutes no Comentaacuterio agrave Trindade de Boeacutecio questatildeo 5 artigo 1 por Escoto questatildeo 4

no proacutelogo das Sentenccedilas por Isidoro no primeiro livro da Eacutetica por Averroacuteis

Collectio livro 6 capiacutetulo 1 e no livro 1 do Comentaacuterio ao De Anima 17 bem como

por muitos outros109 para quem obviamente se deve considerar a Medicina

simplesmente praacutetica Isto pode explicar-se deste modo a ciecircncia natildeo deve ser

considerada contemplativa nem praacutetica a partir dos objectos particulares de cada um dos

haacutebitos que a constituem mas a partir do que costumam chamar o seu sujeito de

atribuiccedilatildeo e a partir da finalidade de toda a sua arte

Mateacuteria tratada pela arte meacutedica e sua finalidade Ora o sujeito de atribuiccedilatildeo

da Medicina eacute o corpo humano na medida em que eacute passiacutevel de boa ou maacute sauacutede a sua

finalidade eacute por outro lado restituir a sauacutede se tiver faltado ou conservaacute-la se natildeo

tiver faltado e todas estas coisas como eacute sabido dizem respeito agrave praacutetica Logo a arte

meacutedica deve considerar-se simplesmente praacutetica A proposiccedilatildeo menor pertence aos

meacutedicos110 e a Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 7 e no livro 1 da Retoacuterica a

Teodeto capiacutetulo 2 Prova-se a maior Primeiro porque eacute conveniente que qualquer arte

ou ciecircncia tome o nome e a razatildeo do objectivo para o qual dirige todos os seus

pensamentos e todo o seu desenvolvimento como se fosse para uma mira Depois

porque muitas outras artes absolutamente praacuteticas se deviam ter declarado natildeo tatildeo

absolutamente praacuteticas Por exemplo a doutrina Moral se natildeo atendecircssemos agrave sua

108 Como Lemosio no primeiro dos seus Commentaria in Galeno de morbidus medendis e tambeacutem Aponensis nas Differentiae 4 embora diga que toda a Medicina pode dizer-se especulativa109 Como Turisano no Micrologus Galeno no livro 1 Ferneacutelio no iniacutecio da sua Fisiologia Amoacutenio no proeacutemio ao livro In quinque voces Porphyrii e Galeno Epidemiae 6110 Leia-se Galeno 1 Aforismos aforismo 1 e o livro 1 Sobre o engenho da sauacutede capiacutetulo 2 e tambeacutem Averroacuteis no livro 1 de Colliget capiacutetulo 1 Haliabas no livro 1 da Theorica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 115

principal finalidade que eacute uma espeacutecie de obra a saber o correcto fundamento da vida e

a conformidade dos costumes ningueacutem diria que eacute absolutamente praacutetica visto que natildeo

satildeo poucos os seus haacutebitos contemplativos ou seja que tomados em si mesmos natildeo

traduzem qualquer regra de actuaccedilatildeo como por exemplo os que se ocupam daquelas

proposiccedilotildees ldquoque a justiccedila eacute superior agrave coragemrdquo ldquoque as virtudes estatildeo interligadas

entre sirdquo e muitas outras O mesmo eacute tambeacutem evidente na Dialeacutectica111 na qual

ocorrem a cada passo haacutebitos muito semelhantes Para aprovarmos o que foi dito a

exposiccedilatildeo eacute um discurso que exprime o verdadeiro ou o falso a demonstraccedilatildeo eacute um

silogismo constituiacutedo pelas verdades as primeiras e as outras

A ciecircncia Moral e a Dialeacutectica satildeo apenas praacuteticas Logo visto que nada obsta a que a

doutrina Moral como ensina Aristoacuteteles no livro 2 da Eacutetica capiacutetulo 2 e a Dialeacutectica

como indica no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 2 visto que nada obsta dizia eu

a que estas artes sejam contabilizadas apenas entre as praacuteticas eacute razoaacutevel que a

Medicina deva ser integralmente colocada entre elas

Dissoluccedilatildeo dos argumentos em favor da parte contraacuteria Ora os argumentos

que foram aduzidos pela parte contraacuteria tecircm facilmente explicaccedilatildeo No que diz respeito

agravequela reparticcedilatildeo da Medicina entre praacutetica e teoacuterica deve responder-se como S

Tomaacutes e Avicena no lugar citado que o praacutetico e o especulativo se assumem de um

modo quando as ciecircncias se distinguem reciprocamente por si mesmas e de outro modo

quando se divide a arte meacutedica entre praacutetica e teoacuterica Assim de acordo com a primeira

reflexatildeo a distinccedilatildeo da ciecircncia extrai-se da sua finalidade uacuteltima de forma a que se

considere praacutetica aquela que tende para a acccedilatildeo como a sua uacuteltima e principal

finalidade De acordo com a outra toma-se em consideraccedilatildeo natildeo a uacuteltima mas a

finalidade primaacuteria de qualquer arte no entanto eacute a mesma coisa que dizermos que uma

parte da Medicina estaacute mais longe da acccedilatildeo e da praacutetica pois a que trata de

determinados teoremas tirados das fontes da Filosofia Natural e por instantes natildeo se

ocupa directamente das regras para curar podemos de certa maneira chamar-lhe

teoacuterica mas a outra parte provoca a acccedilatildeo e segue de perto a proacutepria praxis que se

ocupa expressa e claramente de fornecer preceitos esta eacute a praacutetica E porque a Medicina

se divide deste modo em teoacuterica e praacutetica nada impede que se diga absolutamente

praacutetica como se torna evidente daquilo que haacute pouco expusemos

111 Leia-se Capreacuteolo no livro 1 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 35 questatildeo 2 art 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 116

Explicaccedilatildeo do 5ordm argumento do primeiro artigo E assim tendo em conta o que

explicaacutemos jaacute estaacute agrave vista o que se tem de responder ao uacuteltimo argumento do primeiro

artigo e por causa do seu esclarecimento comeccedilamos por dizer isto Deve entatildeo negar-

se que a arte de curar faz parte da Fisiologia112 e dizer-se para sua aprovaccedilatildeo que

embora o corpo humano do qual se ocupa o meacutedico seja parte sujeita ao ente moacutevel se

ambos se estabelecem materialmente ou seja como coisa que existe entatildeo natildeo eacute uma

parte sujeita a ele se avaliarmos a razatildeo formal de cada um e o modo pelo qual chegam

agrave consideraccedilatildeo de quem os estuda113 O Meacutedico atende pois ao corpo humano na

medida em que pelo benefiacutecio e induacutestria da sua arte pode combater um estado de

sauacutede adverso e manter o favoraacutevel o Fisioacutelogo atraveacutes de um estudo exclusivo da

procura da verdade observa a essecircncia do ente moacutevel as suas afeiccedilotildees e tambeacutem (como

testemunha Aristoacuteteles no iniacutecio do livro Sobre o sentido e o sensiacutevel) as causas da

sauacutede e da doenccedila dado que derivam da natureza E estas razotildees satildeo diferentes entre si

Do que foi dito tambeacutem se torna claro que aquela parte da arte meacutedica que

considera alguns teoremas retirados da Filosofia Natural ainda que se adapte agrave sua

realidade natildeo faz parte da Filosofia Natural e como esta mesma consideraccedilatildeo eacute

orientada para a praacutetica pelo fundamento e pela intencionalidade de toda a arte a natildeo

ser que algueacutem prefira dizer que ela deriva da Filosofia Natural natildeo eacute tratada pelo

Meacutedico enquanto Meacutedico mas pelo Meacutedico que assume a funccedilatildeo de Fisioacutelogo e deste

modo natildeo eacute directamente incluiacuteda na arte Meacutedica nem pelo seu regulamento e pela sua

disposiccedilatildeo pode dizer respeito agrave praacutetica Todavia agrada-nos mais a primeira opiniatildeo a

de S Tomaacutes e Avicena

Dissoluccedilatildeo do sexto Em que sentido se pode dizer que a Filosofia e a

Medicina satildeo irmatildes Ao que se objectava a partir do pensamento de Demoacutecrito e de

Aristoacuteteles respondemos que eles chamaram irmatildes agrave Medicina e agrave Filosofia isto eacute agrave

sabedoria natildeo porque se aproximam entre si por afinidade da praacutetica ou da

contemplaccedilatildeo mas porque ambas curam a primeira o espiacuterito a outra o corpo114

Acrescente-se que a afinidade em particular entre a Fisiologia e a arte Meacutedica natildeo eacute

pouca dado que uma estuda a natureza e a outra extrai das leis da natureza os preceitos

112 Leia-se Zimara nos Teoremas prop 21 onde refuta o Conciliator 113 Artifex (N do T)114 Leia-se Ciacutecero ateacute ao fim da primeira Tusculana Plutarco no livro Sobre a conservaccedilatildeo da boa sauacutede

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 117

para curar a primeira dedica-se ao grande universo a outra ao pequeno e por fim a

primeira acaba onde a outra comeccedila como diz Aristoacuteteles no livro Sobre o sentido e o

sensiacutevel

QUESTAtildeO IV

O ENTE MOacuteVEL SERAacute OU NAtildeO O ASSUNTO DA FISIOLOGIA

ARTIGO 1ordm

DISSOLUCcedilAtildeO DA QUESTAtildeO

Opiniotildees sobre o assunto da Fisiologia115 Haacute nove posiccedilotildees que tratam mais

ou menos da mateacuteria ou do assunto desta disciplina nas escolas de Filoacutesofos Trecircs delas

tornaram-se mais ceacutelebres

1ordf opiniatildeo A primeira eacute partilhada por Avicena no primeiro livro das

Sufficientiae por Algazel no livro Sobre a divisatildeo das ciecircncias por Magno Alberto no

iniacutecio desta obra por Lincolniense por Egiacutedio e por muitos outros defensores de que o

assunto eacute o corpo moacutevel ou o corpo natural

2ordf opiniatildeo A segunda pertence a Francisco Toledo e a Joatildeo Maior nesta obra

e a muitos outros que asseveram ser o ente natural

3ordf opiniatildeo A terceira eacute a de Averroacuteis de Simpliacutecio e de S Tomaacutes que seguem

o Ferrariense na questatildeo 2 deste livro Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 10 e

Caetano no opuacutesculo em que disserta sobre esta questatildeo com a devida detenccedila Estes

estabelecem que o assunto eacute o ente moacutevel Na verdade embora os autores destas

facccedilotildees se oponham entre si de modo algum se contradizem

Os filoacutesofos nesta questatildeo concordam nas ideias mas discordam nas

palavras De facto se nos dispusermos a prestar atenccedilatildeo com espiacuterito neutro facilmente

se haacute-de revelar que este dissiacutedio natildeo eacute tanto de ideias como de palavras visto que em

boa verdade o ente moacutevel o corpo moacutevel ou natural e o ente natural satildeo precisamente a

mesma coisa Pelo que Averroacuteis atendendo natildeo tanto agraves palavras como agrave verdade da

posiccedilatildeo umas vezes chama ao assunto da Fisiologia ente moacutevel como no local citado e

no livro 4 da Metafiacutesica comentaacuterio 1 outras vezes corpo moacutevel como no comentaacuterio

115 Parte destas posiccedilotildees satildeo referidas por Caetano no opuacutesculo De subiecto Phisiologiae e a outra parte por Janduno nesta obra questatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 118

5 do livro 12 da mesma obra e tambeacutem corpo natural como no comentaacuterio 5 do livro

7

Diferentes usos do termo moacutevel E entatildeo para que a verdade brilhe ainda mais

cumpre notar que de acordo com Alberto Magno na questatildeo 2 deste livro o vocaacutebulo

lsquomoacutevelrsquo pode ser usado pelos filoacutesofos em dois sentidos por um lado para designar

uma aptidatildeo para o movimento que eacute uma propriedade do ente natural por outro para

significar o princiacutepio no qual tem origem este tipo de aptidatildeo isto eacute a mateacuteria e a forma

substancial que satildeo os princiacutepios do movimento tomando a acepccedilatildeo mais lata deste

termo visto que compreende na sua definiccedilatildeo aquelas seis espeacutecies que Aristoacuteteles

enumerou no livro das Categorias no capiacutetulo sobre as espeacutecies do movimento

O que existe entre o ente natural e o ente segundo a natureza Para aleacutem disso

natildeo se pode ignorar o que foi transmitido por Aristoacuteteles no livro 2 desta obra capiacutetulo

1 texto 4 onde se diz que o ente natural eacute constituiacutedo de mateacuteria e de forma mas o ente

segundo a natureza de raiz mais vasta e completa natildeo eacute apenas o ente natural mas

tambeacutem qualquer uma das suas afeiccedilotildees como por exemplo a capacidade de ser

movido a forma de existir a delimitaccedilatildeo num espaccedilo e outras deste tipo

O corpo diz-se triacuteplice E finalmente ficamos a saber por S Tomaacutes no livro 1

das Sentenccedilas distinccedilatildeo 25 questatildeo uacutenica artigo 1 e por Henrique de Gand no livro 4

do Quodlibet questatildeo 14 que o corpo eacute triacuteplice Matemaacutetico Metafiacutesico e Fiacutesico116

Matemaacutetico pois eacute uma das espeacutecies da quantidade contiacutenua e tem trecircs dimensotildees

longitude latitude e profundidade Metafiacutesico porque pela sua natureza de composiccedilatildeo

metafiacutesica eacute constituiacutedo pelo geacutenero e pela diferenccedila ou seja pela substacircncia e pelo

corpoacutereo aleacutem disso enquanto composiccedilatildeo fiacutesica deriva da mateacuteria e da forma e

posiciona-se na categoria da substacircncia Por fim fiacutesico pois eacute mateacuteria-prima uma parte

do composto natural jaacute depois de ter obtido uma utilizaccedilatildeo visto que natildeo se considera

corpo uma mateacuteria-prima qualquer mas apenas a que foi destinada pelos instrumentos a

executar as funccedilotildees vitais ou a que eacute uma parte do ser vivo

Em que sentido se diz que o ente moacutevel eacute o assunto da Fisiologia Posto isto

quando dizemos que o ente moacutevel o corpo moacutevel ou natural e o ente natural valem o

mesmo utilizamos o termo lsquomoacutevelrsquo no seu uacuteltimo significado pois o corpo moacutevel

tomado como corpo resume-se ao segundo modo De onde se torna claro que nem a

116 Leia-se Caetano sobre o artigo 3 questatildeo 7 da 1ordf parte

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 119

mateacuteria-prima embora esteja sujeita agrave geraccedilatildeo nem as mentes privadas de massa

corpoacuterea mesmo que se movam do seu lugar estatildeo compreendidas na designaccedilatildeo de

ente moacutevel visto que natildeo satildeo constituiacutedas de mateacuteria e de forma Eacute tambeacutem evidente

que alguns seguidores de Escoto censuram sem razatildeo a opiniatildeo de S Tomaacutes como se

tivesse estabelecido que o assunto da Fisiologia eacute o composto por acidente Na verdade

o ente moacutevel natildeo eacute composto por acidente nem uma ligaccedilatildeo de facto mas apenas de

vocaacutebulo visto que vale o mesmo que o corpo para a categoria da substacircncia

Conclusatildeo 1ordf razatildeo Logo seraacute esta a conclusatildeo o ente moacutevel eacute o assunto da

Filosofia Natural E assim se comprova O ente moacutevel sendo conhecido pela luz da

razatildeo humana e tendo sido demonstradas algumas propriedades sobre ele de qualquer

modo haacute-de necessariamente pertencer a uma ciecircncia e natildeo a outra como se percebeu

pela induccedilatildeo Portanto eacute agrave Filosofia Natural

2ordf razatildeo Em segundo lugar o ente moacutevel eacute o assunto de uma ciecircncia cuja

natureza e afeiccedilotildees se explicam directamente no seu acircmbito como se percebe do que

transmite Aristoacuteteles no livro 1 dos Segundos Analiacuteticos capiacutetulos 8 e 9 Ora eacute assim

que se estabelece o ente moacutevel em relaccedilatildeo a esta ciecircncia como se torna claro a quem

observar o seu fundamento e o desenvolvimento da sua doutrina Logo ele eacute o assunto

da Filosofia Natural

3ordf razatildeo Em terceiro lugar todas as condiccedilotildees requeridas por consenso dos

filoacutesofos quanto aos assuntos das artes estatildeo reunidas no ente moacutevel em relaccedilatildeo agrave

Fisiologia Logo deve necessariamente ser-lhe atribuiacutedo como assunto proacuteprio

Comprova-se a afirmaccedilatildeo Primeiro porque a distingue das outras ciecircncias como

qualquer um perceberaacute facilmente a partir do que discutimos mais atraacutes117 Depois

porque eacute proacuteprio de uma natureza una visto que pertence directamente agrave categoria da

substacircncia Por fim porque todas as coisas que cabem no debate da Fiacutesica se referem a

ele

4ordf razatildeo Confirma-se ainda esta afirmaccedilatildeo pelo facto de o assunto de qualquer

ciecircncia se considerar aquele que de acordo com as regras costuma colocar-se na

definiccedilatildeo da afeiccedilatildeo proacutepria e especiacutefica que nela se observa ora na definiccedilatildeo de

movimento que eacute a principal das propriedades estudadas pelo Fiacutesico estaacute colocado o

117 Na questatildeo 1 deste proeacutemio

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 120

ente moacutevel E assim se define pois o movimento no terceiro livro desta obra capiacutetulo

2 texto 16 O movimento eacute o acto do ente moacutevel enquanto moacutevel

5ordf razatildeo Por uacuteltimo Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1

parece ter claramente aprovado esta opiniatildeo com estas palavras ldquoa faculdade natural eacute

de facto a ciecircncia contemplativa do que pode ser activado pelo movimentordquo

Resposta agrave objecccedilatildeo E para que natildeo queira algueacutem forccedilar as palavras para

colher desta passagem a opiniatildeo de outros que no iniacutecio da questatildeo afirmaacutemos ser de

facto discrepante da nossa e contraacuteria agrave doutrina aristoteacutelica No mesmo ponto diz

Aristoacuteteles que a Fiacutesica assenta no conhecimento da substacircncia que tem em si mesma o

princiacutepio do movimento e do repouso isto eacute da substacircncia moacutevel para que facilmente

se demonstre o que anteriormente advertimos ndash que na disciplina peripateacutetica o ente

moacutevel a substacircncia moacutevel e os semelhantes valem absolutamente o mesmo Daiacute que

sejam utilizados indiscriminadamente no livro 10 da Metafiacutesica sumaacuterio 2 capiacutetulo 2 e

no livro 11 sumaacuterio 7 capiacutetulo 1 bem como no livro 1 Sobre o Ceacuteu capiacutetulo 1 texto 1

e no livro 3 capiacutetulo e texto 1 Por isso natildeo eacute preciso que depois de explorada e

constituiacuteda a mateacuteria componhamos como alguns incorrectamente fazem uma questatildeo

mais longa do que esta passagem sobre os vocaacutebulos

Conveacutem que a reflexatildeo filosoacutefica seja sobre ideias e natildeo sobre palavras Platatildeo

afirmou e com toda a razatildeo que ldquo se desprezarmos as palavras quando eacute preciso

seremos mais ricos em factosrdquo e Galeno ldquoos homens comeccedilaram a desprezar as

verdadeiras coisas precisamente quando com excessos de minuacutecia transferiram as

controveacutersias para os nomesrdquo

ARTIGO 2ordm

ARGUMENTOS CONTRA O QUE SE CONCLUIU NO ARTIGO ANTERIOR

1ordm argumento Opotildee-se poreacutem algumas coisas que parecem destruir a opiniatildeo

sobre o assunto da Fiacutesica que ateacute agora apresentaacutemos Antes de mais seraacute permitido

argumentar assim Na Fiacutesica o ente segundo a natureza estabelece-se em relaccedilatildeo ao

ente natural do mesmo modo que na ldquoPrimeira Filosofiardquo o ente no geral em relaccedilatildeo agrave

substacircncia ora o assunto da ldquoPrimeira Filosofiardquo natildeo eacute a substacircncia mas o ente no

geral como estabeleceu Aristoacuteteles no iniacutecio do livro 4 da Metafiacutesica logo o sujeito da

Fiacutesica natildeo seraacute o ente natural mas o ente segundo a natureza

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 121

2ordm argumento Se natildeo houvesse substacircncias privadas de mateacuteria como

pensavam os Fiacutesicos antigos a Fisiologia seria a ldquoPrimeira Filosofiardquo como atesta

Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 3 e no livro 11 capiacutetulo 6 logo a

ldquoPrimeira Filosofiardquo distingue-se da Fisiologia apenas pela observaccedilatildeo das substacircncias

imateriais e por isso o Metafiacutesico natildeo estuda o acidente nem a substacircncia entendida no

geral No entanto como elas natildeo se devem deixar incoacutegnitas nem haacute de facto outro

filoacutesofo118 para aleacutem do Fiacutesico a quem tenhamos de confiar por direito o seu

conhecimento conclui-se obviamente que o Fiacutesico tambeacutem se ocupa dessas coisas a

ponto de natildeo circunscrever de modo algum o assunto da Fisiologia aos limites das

coisas naturais

3ordm argumento Nenhuma ciecircncia potildee agrave prova o seu assunto mas assume-o

como conhecido como se pode concluir do livro 1 dos Posteriores capiacutetulo 1 onde

Aristoacuteteles diz que se deve pressupor que haacute um preacute-conceito sobre o assunto Ora no

livro 6 desta obra capiacutetulo 3 texto 32 potildee agrave prova o que eacute o corpo moacutevel Por

conseguinte de modo nenhum pode dizer-se que o corpo moacutevel eacute o assunto da Fiacutesica

Antecipaccedilatildeo E se algueacutem contestar que no local citado natildeo se prova o que eacute o

corpo moacutevel mas que todo o moacutevel eacute um corpo Caetano na sua contestaccedilatildeo sobre o

assunto da Filosofia Natural insiste e persiste neste ponto

Compete agrave Metafiacutesica distribuir os assuntos pelas outras disciplinas

Absolutamente nenhuma das artes cujo assunto seja complexo ou complexamente

conhecido potildee agrave prova a junccedilatildeo das partes de onde proveacutem o proacuteprio assunto ela jaacute

teria de qualquer modo estabelecido e definido o seu assunto o que natildeo eacute concedido a

qualquer ciecircncia particular (pois todas aceitam que lhes seja transmitido pela ciecircncia

comum rainha de todas as artes) no entanto o Fiacutesico como reconhecem os

adversaacuterios potildee agrave prova a ligaccedilatildeo do moacutevel ao corpo Logo natildeo pode reivindicar o

corpo moacutevel como seu assunto

4ordm argumento Se o ente moacutevel fosse o assunto da Fiacutesica seguir-se-ia que o

Filoacutesofo Natural natildeo abstraiacutesse o seu pensamento da mateacuteria mas ele abstrai visto que

nos livros Sobre a Alma se observa a natureza da alma racional que natildeo depende da

mateacuteria Por conseguinte deve procurar-se outro assunto para a Fiacutesica que como eacute

118 Artifex (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 122

evidente por um lado seja livre da concreccedilatildeo da mateacuteria mas por outro esteja

necessariamente ligado a ela

5ordm argumento O Astroacutelogo disserta sobre o ente moacutevel enquanto moacutevel logo

o ente moacutevel natildeo distingue a Fiacutesica das outras disciplinas Comprova-se esta afirmaccedilatildeo

porque como se constata tanto dos princiacutepios ensinados na Astrologia como de

Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 7 texto 19 e no livro 10 da Metafiacutesica

capiacutetulo 2 texto 4 bem como de Proclo no primeiro livro dos Comentaacuterios a Euclides

o Astroacutelogo natildeo soacute observa a figura dos corpos celestes e a distacircncia da terra como

tambeacutem o movimento E por isso o Astroacutelogo tambeacutem estuda o ente moacutevel enquanto

moacutevel natildeo na sua totalidade mas em parte

6ordm argumento O movimento natildeo eacute uma disposiccedilatildeo proacutepria do ente moacutevel logo

eacute falso o que dissemos atraacutes para confirmar a conclusatildeo Prova-se o antecedente porque

a quantidade eacute movida fora da mateacuteria a que estaacute ligada por vontade divina como se

torna evidente na divina Eucaristia e os anjos tambeacutem mudam de lugar mas estas

disposiccedilotildees natildeo se mantecircm sob o ente moacutevel porque natildeo satildeo constituiacutedas por mateacuteria e

por forma

7ordm argumento A quantidade e o repouso parecem ser as propriedades mais

fortes do ente moacutevel pois a primeira eacute o fundamento dos restantes acidentes materiais e

a outra eacute o fim do movimento pelo menos local no entanto todo o fim eacute superior ao

que se dirige para o fim como se demonstra a partir do que ensina Aristoacuteteles no livro

2 desta obra capiacutetulo 3 texto 31 Acrescente-se que os Pitagoacutericos colocaram a

estabilidade ou o repouso no geacutenero dos bens e o movimento no dos males Por

conseguinte natildeo afirmaacutemos correctamente que o movimento eacute a principal disposiccedilatildeo do

ente moacutevel

ARTIGO 3ordm

RESPONDE-SE AOS ARGUMENTOS DO ARTIGO ANTERIOR

Resoluccedilatildeo do 1ordm Satildeo entatildeo estes os argumentos que nos devem de alguma

forma dissuadir da opiniatildeo sustentada sobre o assunto da Fisiologia Deste modo

respondemos ao primeiro que embora o ente no geral diga respeito agrave substacircncia e o ente

segundo a natureza esteja ligado ao ente moacutevel tecircm entre si uma certa razatildeo de

semelhanccedila na medida em que qualquer um eacute superior a outro com que se compare

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 123

todavia no que diz respeito ao propoacutesito do argumento satildeo muito diferentes entre si

De facto as principais disposiccedilotildees da Metafiacutesica como o uno o verdadeiro e outras

deste tipo competem primeiro natildeo agrave substacircncia mas ao ente no geral E as

propriedades da Fiacutesica como a sujeiccedilatildeo ao movimento a disposiccedilatildeo pela quantidade a

delimitaccedilatildeo no espaccedilo e outras do mesmo tipo estatildeo mais de acordo com o ente

natural do que com o ente segundo a natureza Sendo assim visto que deve considerar-

se o assunto de qualquer ciecircncia aquilo em que incidem primeiro que tudo as principais

disposiccedilotildees que nela se estudam consequentemente o assunto da ldquoprimeira Filosofiardquo

haacute-de correctamente constituir-se o ente em geral e o da Fisiologia o ente natural natildeo o

ente segundo a natureza

Resoluccedilatildeo do 2ordm Ao segundo argumento deve confessar-se com Aristoacuteteles

no lugar citado que se natildeo existissem substacircncias absolutamente imateriais natildeo

existiria uma ldquoprimeira Filosofiardquo e natildeo pelo facto de o Metafiacutesico observar apenas as

substacircncias livres da mateacuteria nem por se distinguir do Filoacutesofo Natural somente pela

observaccedilatildeo delas mas porque se este tipo de substacircncias fosse definitivamente afastado

da natureza das coisas o ente moacutevel iria trocar com a substacircncia no geral e iria encerrar

em si mesmo todos os acidentes e toda a amplitude do ente

Os antigos inteacuterpretes da natureza natildeo distinguiram a Fisiologia da

Metafiacutesica Posto isto jaacute nada restaria ao estudo da ldquoprimeira Filosofiardquo daiacute que entre

os Fiacutesicos antigos que nada de concreto reconheciam para aleacutem da mateacuteria se dissesse

que a Filosofia Natural era a ldquoprimeira Filosofiardquo Torna-se entatildeo evidente que a partir

do que foi dito Aristoacuteteles natildeo considerava de modo algum que o conceito geral de

substacircncia ou de ente dizia respeito ao Filoacutesofo Natural

Resoluccedilatildeo do 3ordm Relativamente ao terceiro argumento admitida a proposiccedilatildeo

maior (cuja explicaccedilatildeo mais profiacutecua se encontra em Escoto no livro 1 da Metafiacutesica

questatildeo 1 e em Ferrariense no capiacutetulo 12 do livro 1 Contra os Gentios)119 deve negar-

se que Aristoacuteteles provou no livro 6 que o corpo moacutevel se produz na natureza das

coisas ou que tudo o que se move eacute um corpo mas apenas que todo o moacutevel eacute

constituiacutedo por partes e divisiacutevel o que tinha sido negado pelos antigos Na verdade

Leucipo e Demoacutecrito introduziram uns pequenos corpos indivisiacuteveis e simultaneamente

119 O mesmo em Antoacutenio Andreas no livro 1 da Metafiacutesica Zimara nos Teoremas prop 53 Averroacuteis no uacuteltimo comentaacuterio deste livro

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 124

moacuteveis a partir dos quais todas as coisas foram consolidadas Haacute tambeacutem no lugar

citado o que chamamos uma finalidade de comprovaccedilatildeo aristoteacutelica que os adversaacuterios

natildeo contestam e que facilmente veraacute quem examinar com atenccedilatildeo o fio daquele debate

onde Aristoacuteteles conclui uma longa seacuterie de argumentos com estas palavras φανερὸν

ὦν ὅτι πᾶν τὸ μεταβὰλλον ἒζαι διαιρετὸν ou seja ldquotorna-se verdadeiramente manifesto

que tudo o que se move eacute divisiacutevelrdquo

Objecccedilatildeo Se algueacutem objectar entatildeo (o que pode acontecer relativamente a

quase todas as posiccedilotildees sobre o assunto da Fisiologia) que Aristoacuteteles no primeiro livro

desta obra explica que em qualquer composto satildeo considerados pelo Fiacutesico dois

componentes principais a saber a mateacuteria e a forma e que tambeacutem potildee agrave prova as

partes do ente moacutevel ou do ente natural de onde se conclui que natildeo se pode supor que

o assunto seja o ente moacutevel ou o ente natural

Resoluccedilatildeo E porque o fazem tambeacutem outros artiacutefices quanto aos assuntos das

suas artes dever-se-aacute responder que na verdade Aristoacuteteles prova que no local citado

satildeo consideradas a mateacuteria e a forma a partir das quais se constitui o ente moacutevel e

ataca os que demoliam os princiacutepios da natureza e assumindo verdadeiramente a funccedilatildeo

do Metafiacutesico como ele proacuteprio aconselha no texto 8 capiacutetulo 2 bem como Avicena

no livro 1 dos Sufficientia capiacutetulo 2 Deste modo Aristoacuteteles natildeo nega que isso deve

acontecer e natildeo eacute desadequado ao costume dos Filoacutesofos demonstrar qual eacute o assunto

da ciecircncia de que se ocupam tal como adverte para aleacutem de muitos outros Caetano

nos Comentaacuterios 1ordf parte no artigo 3 questatildeo 2

Resoluccedilatildeo do 4ordm Observaccedilatildeo muacuteltipla da alma racional Relativamente ao

quarto argumento para podermos responder-lhe eacute preciso ter em conta que na

observaccedilatildeo da alma racional manifestam-se trecircs dimensotildees a saber120 a proacutepria

essecircncia da alma considerada em absoluto o seu estatuto no corpo e o seu estatuto fora

do corpo Remetendo para a discussatildeo mais alongada desta questatildeo no primeiro livro

Sobre a Alma respondemos entretanto com poucas palavras que o conhecimento da

alma racional tomada de modo tripartido eacute proacuteprio do ldquoprimeiro Filoacutesofordquo a quem

compete estudar as inteligecircncias e ao seu modo transfere-se para o estado delas

algures por laacute quando se separa do corpo Mas a primeira e a segunda observaccedilotildees

120 Leia-se Averroacuteis no livro 3 Sobre a Alma comentaacuterio 17 Alberto Magno no livro 1 Sobre a Alma tratado 1 e Janduno no mesmo livro questatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 125

pertencem com toda a propriedade e de acordo com a sua tarefa ao Filoacutesofo Natural A

primeira natildeo soacute porque a alma sobretudo a racional tem de facto segundo a sua

quididade uma relaccedilatildeo com a mateacuteria mas tambeacutem porque compete ao Fiacutesico

descortinar a essecircncia do homem que natildeo pode ser entendida se natildeo for conhecida a

natureza da alma A segunda por um lado porque a alma neste estado da vida eacute parte

do homem em acto e precisa da mateacuteria tanto para a tarefa de tomar forma como para

executar as suas acccedilotildees Por conseguinte relativamente ao argumento aceita-se a

proposiccedilatildeo maior mas nega-se a menor e quanto agrave sua aprovaccedilatildeo deve dizer-se que

embora a alma racional possa por si mesma subsistir separadamente depende poreacutem

da mateacuteria do modo que dissemos e tambeacutem tem uma ordem de acordo com a sua

natureza e em relaccedilatildeo ao corpo de que eacute forma E isto eacute suficiente para que natildeo se diga

que o Filoacutesofo Natural se abstrai da mateacuteria quando se dedica ao estudo da alma visto

que na verdade observa a mateacuteria relativamente agrave qual eacute determinada aquela ligaccedilatildeo

da alma

Resoluccedilatildeo do 5ordm A teoria do movimento celeste eacute proacutepria do filoacutesofo121 Em

relaccedilatildeo ao quinto argumento deve negar-se o que se assume pois embora o Astroacutelogo

estude o movimento celeste natildeo eacute como ser moacutevel enquanto moacutevel que o considera

O Astroacutelogo natildeo estuda o movimento como sendo um acto do ente em potecircncia

Primeiro porque pouco lhe interessa a essecircncia e as causas dos corpos celestes depois

porque natildeo analisa o movimento como acto do ente em potecircncia mas de acordo com

razotildees matemaacuteticas como por exemplo os nuacutemeros a igualdade a medida a

proximidade e outros atributos deste tipo Sobre esta questatildeo leia-se Simpliacutecio no

livro 2 desta obra no texto 16 Alcino no livro Sobre a doutrina de Platatildeo capiacutetulo 6

Averroacuteis no livro 2 Sobre o ceacuteu comentaacuterio 57 e no livro 1 da Metafiacutesica comentaacuterio

9 e ainda Gregoacuterio no livro 1 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 24 questatildeo 2 artigo 2

Resoluccedilatildeo do 6ordm Relativamente ao sexto argumento deve dizer-se que a

quantidade que subsiste fora do corpo atraveacutes de faculdade divina pode mover-se por si

mesma no entanto natildeo obteacutem isso pela sua proacutepria natureza mas por acccedilatildeo da forccedila de

um prodiacutegio precedente atraveacutes do qual consegue existir por si mesma Mas quando noacutes

dizemos que o movimento apenas conveacutem ao ente moacutevel falamos somente de uma

conveniecircncia natural Ora no que diz respeito agrave movimentaccedilatildeo dos anjos deve-se

121 Artifex (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 126

afirmar que ela natildeo eacute um movimento Fiacutesico de que se trate neste livro visto que os

anjos satildeo desprovidos de massa corpoacuterea sem a qual no acircmbito da Fiacutesica nada pode

mover-se como ensina Aristoacuteteles no livro 6 desta obra

Resoluccedilatildeo do 7ordm Ao seacutetimo deve responder-se que embora a quantidade

permanente quando tomada em si proacutepria seja superior ao movimento os Filoacutesofos

poreacutem devem atribuir ao movimento um lugar principal entre as disposiccedilotildees do ente

natural porque como se pode ver no livro 8 desta obra no capitulo 3 texto 22 tem de

ser uma caracteriacutestica mais fiacutesica dado que se habituaram a inquirir e explicar atraveacutes

dela a essecircncia o grau e a espeacutecie das coisas naturais de tal modo que o movimento eacute

considerado o mestre de quase toda a cogniccedilatildeo filosoacutefica Mas quanto ao que se

objectou sobre a quietude temos de dizer que a designaccedilatildeo de quietude como notaram

Escoto no livro 4 das Sentenccedilas distinccedilatildeo 48 capiacutetulo 2 e Durando na questatildeo 3 da

mesma obra pode ser usada com duas acepccedilotildees uma delas simplesmente como

privaccedilatildeo de movimento a outra como existecircncia moacutevel em sede paterna e natural

como se fosse por um certo prazer e tranquilidade que nela se obteacutem visto que se

manteacutem melhor laacute e natildeo soacute tem uniformidade no seu modo de ser como conserva a

ordem e a beleza do universo tanto quanto lhe seja possiacutevel Por conseguinte se a

quietude for entendida neste uacuteltimo sentido (assim falavam dela os Pitagoacutericos) pode

admitir-se que ela seja a finalidade do movimento e mais perfeita do que ele mas na

verdade isto de modo nenhum obsta a que ainda assim o movimento seja a disposiccedilatildeo

mais fiacutesica por aquele motivo que haacute pouco referimos E por isso eacute que natildeo foi a

quantidade nem a quietude nem o lugar nem o tempo nem qualquer outra disposiccedilatildeo

deste tipo que deu o nome ao assunto da Fisiologia mas apenas e soacute o movimento

QUESTAtildeO V

QUE ORDEM OU LUGAR CABE Agrave FILOSOFIA NATURAL NO CONJUNTO DAS RESTANTES DISCIPLINAS

ARTIGO 1ordm

SOBRE A HIERARQUIA DOS SABERES

Visto que a Filosofia Natural tanto na hierarquia de saberes122 como da

dignidade pode ser comparada agraves outras ciecircncias e como o entendimento desta

122 Sobre a hierarquia de transmissatildeo dos saberes escreveu Boeacutecio no livro Sobre a doutrina escolar Plutarco no livro Sobre as contrariedades estoacuteicas Fiacutelon Judeu no livro Sobre a agricultura e S Agostinho no livro Sobre a ordem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 127

comparaccedilatildeo eacute muito uacutetil para filosofar de acordo com as regras natildeo seraacute minimamente

desadequado ao nosso intento reflectir tambeacutem agora sobre esta questatildeo Deixando de

lado as outras artes comparemos a Filosofia Natural somente com a Matemaacutetica a

Moral e a Metafiacutesica

1ordf Conclusatildeo A primeira conclusatildeo seraacute a Matemaacutetica na hierarquia dos

saberes estaacute antes da Filosofia Natural Esta eacute a opiniatildeo de Hugo de S Viacutetor no

proacutelogo da Hierarquia Celeste e no livro 2 do Didascalion capiacutetulo 18 bem como de

S Tomaacutes no Opuacutesculo 70 questatildeo 5 artigo 1 e no 8ordm capiacutetulo do livro 6 da Eacutetica Eacute

tambeacutem a de Henrique de Gand na Suma Teoloacutegica artigo 7 questatildeo 7 de Simpliacutecio

neste lugar e de muitos outros bem como de Aristoacuteteles segundo parece no livro 6 da

Eacutetica capiacutetulo 8 onde diz que qualquer rapaz pode tornar-se Matemaacutetico ou saacutebio mas

Fiacutesico natildeo Isto mesmo confirma o costume dos antigos no modo como se deve

transmitir os saberes

Platatildeo afastava do Museu quem natildeo conhecia a matemaacutetica Na verdade

Platatildeo (para natildeo falarmos dos outros) mantinha afastados do Ginaacutesio todos aqueles que

natildeo tivessem sido instruiacutedos nas Matemaacuteticas e sobretudo os que natildeo se tivessem jaacute

exercitado no poacute geomeacutetrico nas portas da Academia estavam precisamente inscritas

estas palavras μηδείς ἀγεωμέτρητος εἰσίτω isto eacute ldquonatildeo entre aqui quem natildeo conhece a

Geometriardquo Eacute tambeacutem por isto que o mesmo Platatildeo no livro 7 da Repuacuteblica chama

προπαιδείας por assim dizer instruccedilotildees preliminares aquelas em que os espiacuteritos dos

adolescentes se deviam previamente exercitar e aperfeiccediloar para os outros niacuteveis de

conhecimento

As Matemaacuteticas ajudam a perceber outras artes Estabelece-se por fim uma

conclusatildeo pelo facto de haver menos dificuldade na aprendizagem das Matemaacuteticas e

daiacute que por causa dessa facilidade de serem aprendidas adoptem como seu o nome

comum das disciplinas entre os Gregos A Fiacutesica como perscruta a energia escondida

da natureza e depende em grande parte da informaccedilatildeo vaga e erroacutenea dos sentidos

requer observaccedilatildeo e experiecircncia de longa duraccedilatildeo pelo que eacute muito mais difiacutecil e

laboriosa

2ordf conclusatildeo A segunda conclusatildeo seraacute a Fiacutesica na hierarquia dos saberes

estaacute antes da Filosofia Moral Esta foi abraccedilada por Crisipo Arquedemo Boeto

Sidoacutenio e Eudemo como referem Laeacutercio na Vida de Zenatildeo e Amoacutenio no proeacutemio agraves

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 128

Categorias E ainda S Tomaacutes no capiacutetulo 8 do livro 6 da Eacutetica liccedilatildeo 7 Justifica-se

antes de mais por esta razatildeo porque nos aspectos que dizem respeito agrave disciplina de

vida agrave regulaccedilatildeo e agrave moderaccedilatildeo das vontades dos homens a experiecircncia eacute muito mais

falaz e incerta e tambeacutem muito mais aacuterdua do que nas Fiacutesicas e eacute preciso um juiacutezo

muito mais maduro para o entendimento das coisas que devem estabelecer os costumes

orientar a famiacutelia e sustentar a Repuacuteblica

Eacute preciso um raciociacutenio mais maduro para a Moral do que para a Fiacutesica A

isto diz respeito a afirmaccedilatildeo de Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 3 que o jovem

de modo nenhum eacute um ouvinte idoacuteneo da disciplina Moral porque seguramente no

reino das perturbaccedilotildees natildeo pode ser firme o juiacutezo sobre as atitudes que se devem tomar

enquanto o espiacuterito flutua no turbilhatildeo ondulante das paixotildees natildeo percebe de que modo

deve dominar os viacutecios soacute depois de ter conseguido uma certa estabilidade haacute-de ser

prudente e consciente como ensinou Aristoacuteteles no livro 7 desta obra capiacutetulo 3 texto

20 imitando Platatildeo no Craacutetilo Confirma-se tambeacutem esta conclusatildeo pelo que

aconselham Alexandre Simpliacutecio e Averroacuteis no iniacutecio desta obra e tambeacutem

Aristoacuteteles no uacuteltimo capiacutetulo do primeiro livro da Eacutetica ou seja que para a Filosofia

Moral tecircm necessariamente de se solicitar muitos conhecimentos agraves fontes da natureza e

ao estudo da verdade Fiacutesica como por exemplo o que eacute a alma

A Filosofia Moral eacute a medicina do espiacuterito Na verdade como afirma Platatildeo no

Primeiro Alcibiacuteades natildeo podemos saber de que modo se deve tratar alguma coisa se

natildeo tivermos o conhecimento e o exame preacutevios da sua natureza e a Filosofia Moral eacute a

terapeuta da alma Conveacutem por isso que o Filoacutesofo Moral obtenha do Natural quais satildeo

as faculdades da alma para que possa ensinar quais satildeo as que se devem submeter e

quais satildeo aquelas em cuja acccedilatildeo se situa a felicidade Por conseguinte Aristoacuteteles ao

formar a ciecircncia dos costumes apresenta muitas vezes a Fisiologia como se fosse pai

dela e Platatildeo no uacuteltimo local citado estabelece que se deve avanccedilar para a

jurisprudecircncia a partir da Filosofia

3ordf conclusatildeo A Metafiacutesica na hierarquia dos saberes eacute a uacuteltima de todas as

ciecircncias Esta conclusatildeo deve ser entendida apenas sobre as ciecircncias que podem ser

aprendidas pela faculdade do engenho humano Foi entatildeo transmitida por Avicena no

primeiro livro da sua Metafiacutesica capiacutetulo 3 por S Tomaacutes no livro 1 Contra os gentios

capiacutetulo 4 por Egiacutedio no proeacutemio desta obra por Alberto Magno no livro 1 da

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 129

Metafiacutesica tratado 2 capiacutetulo 10 e por muitos outros geralmente Peripateacuteticos de

comum acordo

Confirmaccedilatildeo E facilmente se comprova pelo facto de a hierarquia dos saberes

postular que como esta ciecircncia considera as coisas mais ocultas e afastadas do contacto

dos sentidos ela deve ser aprendida em uacuteltimo lugar e ningueacutem desconhece que a

Metafiacutesica se encontra nesse patamar visto que ela se ocupa do estudo das coisas

transcendentes como indica o seu proacuteprio nome e atesta Aristoacuteteles no livro 1 da

Metafiacutesica capiacutetulo 2 e no primeiro Sobre as partes dos animais capiacutetulo 5

O filoacutesofo ascende gradativamente agrave Metafiacutesica atraveacutes das outras ciecircncias

Resta acrescentar que a aprendizagem das mateacuterias que satildeo tratadas noutras ciecircncias

prepara e aguccedila o espiacuterito para a divina Filosofia como explica S Agostinho no livro 2

Sobre a ordem afirmando que a razatildeo humana como aspira a conhecer o que existe

acima da natureza para que natildeo realize a sua subida em vatildeo nem caia do alto deve

considerar as disciplinas inferiores a si como um degrau equivalente a um asse

ARTIGO 2ordm

COM QUE ARGUMENTOS SE CONTESTA AS CONCLUSOtildeES DO ARTIGO ANTERIOR

Qualquer uma das conclusotildees que acabaacutemos de estabelecer tem os seus

opositores A primeira tem Alberto Magno neste livro Amoacutenio no iniacutecio dos

Predicaacuteveis e outros mais antigos Plotino e Boeacutecio defensores de que a Matemaacutetica

na hierarquia das ciecircncias devia ser posterior agrave Filosofia Natural

1ordf objecccedilatildeo contra a 1ordf conclusatildeo O parecer deles eacute fundamentado por estes

argumentos De um extremo ao outro natildeo pode haver passagem senatildeo pelo meio mas a

Matemaacutetica eacute intermeacutedia entre a Fisiologia e a Metafiacutesica logo tem de ser totalmente

aprendida entre uma e outra Comprova-se a afirmaccedilatildeo porque a Matemaacutetica reivindica

para si uma abstracccedilatildeo intermeacutedia visto que o Fisioacutelogo considera o que nem real nem

racionalmente se abstrai da mateacuteria o Metafiacutesico o que se abstrai racional e realmente e

o Matemaacutetico o que se abstrai natildeo real mas racionalmente e deste modo a abstracccedilatildeo

da Matemaacutetica eacute em parte diferente das outras duas e em parte semelhante a elas tal

como o meio com os extremos Com isto se relaciona o facto de os Pitagoacutericos e

tambeacutem Platatildeo eacutemulo da sua doutrina terem colocado as disciplinas matemaacuteticas a

meio caminho entre as divinas e as naturais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 130

2ordf objecccedilatildeo E depois discutem nestes termos como toda a nossa cogniccedilatildeo tem

origem nos sentidos deve adquirir-se em primeiro lugar a ciecircncia que trata das coisas

proacuteximas dos sentidos e a Fiacutesica eacute deste tipo visto que trata das coisas que caem em

primeiro lugar no domiacutenio dos sentidos Logo deveraacute ser aprendida antes das ciecircncias

matemaacuteticas

Tambeacutem impugnaram a segunda conclusatildeo Temiacutestio no iniacutecio desta obra e

Eustraacutecio no livro 1 dos Comentaacuterios agrave Eacutetica de Aristoacuteteles e antes deles Zenatildeo e

Dioacutegenes Babiloacutenico foram de opiniatildeo que natildeo convinha nada que quem segue os

estudos de Filosofia acomodasse o espiacuterito primeiro agrave ciecircncia da natureza e soacute depois agrave

dos costumes

Objecccedilatildeo contra a 2ordf conclusatildeo Em defesa desta sentenccedila poderia arranjar-se

um argumento deste tipo ningueacutem pode filosofar correctamente se natildeo estiver provido

da honestidade dos costumes mas eacute a disciplina Moral que nos ensina e prepara para

ela Por isso deve ser procurada em primeiro lugar Explica-se a proposiccedilatildeo maior

porque como ensina a experiecircncia e declaram os Filoacutesofos de comum acordo os viacutecios

espalham a cegueira e as trevas pela mente e servem de impedimento a que veja a luz da

verdade Daiacute que Platatildeo afirme no Feacutedon que ningueacutem pode filosofar se natildeo conseguir

afastar-se tanto quanto possiacutevel das afeiccedilotildees E Seacuteneca assegura que o homem

enquanto serve as letras eacute escravo das paixotildees e dos viacutecios natildeo pode tornar-se filoacutesofo

mas filoacutelogo isto eacute sofista um vil serviccedilal da aura popular

1ordf objecccedilatildeo contra a 3ordf Por uacuteltimo alguns dos Filoacutesofos Neoteacutericos rejeitam a

terceira conclusatildeo asseverando que a Metafiacutesica na hierarquia dos saberes eacute pura e

simplesmente anterior a todas as outras disciplinas123 Primeiro porque estuda as causas

supremas das coisas nomeadamente Deus e as inteligecircncias bem como os geacuteneros

supremos e a transcendecircncia cujo conhecimento total eacute necessaacuterio para perceber

distintamente o assunto de todas as outras ciecircncias visto que segundo dizem ningueacutem

possui uma inteligecircncia perfeita de qualquer coisa sem inteligir as causas de que

depende e os seus predicados comuns

2ordf objecccedilatildeo E depois porque as outras ciecircncias satildeo subalternas da Metafiacutesica

como exprime Platatildeo no livro 7 da Repuacuteblica e Proclo no livro 1 do Comentaacuterio a

Euclides bem como outros respeitaacuteveis Peripateacuteticos como S Tomaacutes no Tratado sobre

123 Como Mirandulano no livro 10 De singulari Certamine parte 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 131

a natureza do geacutenero se eacute dele essa obra Por isso como a ciecircncia subordinante na

ordem de aprendizagem eacute naturalmente anterior agraves subordinadas uma vez que os

princiacutepios destas dependem dos princiacutepios da outra parece-nos claro que a Metafiacutesica

na hierarquia dos saberes deve ser a primeira de todas as ciecircncias

ARTIGO 3ordm

EXPLICACcedilAtildeO DOS ARGUMENTOS ANTERIORES

Resoluccedilatildeo da 1ordf objecccedilatildeo contra a 1ordf conclusatildeo Ainda que os argumentos

propostos sejam provaacuteveis na espeacutecie no entanto natildeo satildeo conclusivos Por isso

respondemos ao primeiro que a abstracccedilatildeo da Matemaacutetica eacute intermeacutedia porque conveacutem

agrave abstracccedilatildeo da Fiacutesica e da Metafiacutesica tal como o meio aos extremos como prova o

argumento todavia natildeo a ponto de se concluir que a disciplina Matemaacutetica na

hierarquia de aprendizagem deva ser colocada entre a Fiacutesica e a ldquoprimeira Filosofiardquo

do mesmo modo que pelo facto de se situar a cor puacutenica entre o branco e o negro natildeo

se poder concluir de imediato que o corpo anteriormente coberto pela cor puacutenica deva

preferencialmente tornar-se branco E deste modo podem as artes matemaacuteticas dizer-se

meacutedias quanto agrave abstracccedilatildeo visto que Platatildeo e os Pitagoacutericos as chamaram meacutedias

todavia natildeo eacute de acordo com a hierarquia dos saberes de que se trata

Resoluccedilatildeo da 2ordf Relativamente agrave segunda objecccedilatildeo cumpre dizer que se as

coisas que em primeiro lugar se mostram aos sentidos satildeo as mais difiacuteceis de explicar e

as que requerem mais experiecircncia e como deste modo se estabelecem as coisas Fiacutesicas

quando comparadas com as Matemaacuteticas logo a disciplina das coisas deste tipo natildeo

pode ser adquirida antes mas depois daquelas que se afastam muito mais dos sentidos

Acrescente-se ainda que nem todos os entes Fiacutesicos estatildeo mais perto dos sentidos do

que os Matemaacuteticos ainda que a essecircncia do ente moacutevel que antecede a quantidade

pela origem seja uma coisa Fiacutesica todavia estaacute mais distante da percepccedilatildeo dos sentidos

e mais escondido nas entranhas da natureza do que a quantidade matemaacutetica

Resoluccedilatildeo da objecccedilatildeo contra a 2ordf conclusatildeo Relativamente ao argumento

que se opunha agrave segunda conclusatildeo deve responder-se que embora natildeo se deva negar

que a probidade de vida contribui muito para a compreensatildeo das disciplinas na medida

em que purga a mente das afeiccedilotildees que prejudicam o espiacuterito para que ela possa pensar

todavia natildeo se conclui necessariamente por isso que a disciplina Moral precede a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 132

Fisiologia Primeiro porque muitas pessoas contaminadas pelos viacutecios aprendem as

ciecircncias depois porque nem soacute a probidade dos costumes permite chegar aos princiacutepios

da Filosofia mas tambeacutem e sobretudo pelo esforccedilo individual pela disciplina

domeacutestica pelo exemplo dos outros e por muitos outros meios dispostos para esse

objectivo a que se acrescenta a intervenccedilatildeo divina

Resoluccedilatildeo do 1ordm argumento contra a 3ordf conclusatildeo Quanto agraves objecccedilotildees

levantadas contra a terceira conclusatildeo vamos dissolvecirc-las deste modo Agrave primeira

respondemos que a perfeita aquisiccedilatildeo da ciecircncia eacute dupla uma eacute perfeita apenas no seu

geacutenero a outra eacute absoluta e excelente em todos os geacuteneros e sob todos os aspectos Por

conseguinte se falarmos desta uacuteltima acepccedilatildeo admitimos que a Metafiacutesica na

hierarquia dos saberes precede tanto a Fiacutesica como as restantes partes da Filosofia

como comprova o argumento e confessa S Tomaacutes no iniacutecio desta obra Se tomarmos

como referecircncia a primeira acepccedilatildeo temos de negar o que inteligia a nossa conclusatildeo e

para uma explicaccedilatildeo mais detalhada deste ponto leia-se o que expusemos na primeira

questatildeo deste proeacutemio124 Mas visto que a Metafiacutesica de acordo com aquela uacuteltima

perspectiva eacute a primeira de todas as disciplinas com razatildeo haacute-de algueacutem perguntar por

que eacute que a nossa conclusatildeo a proclamou natildeo a primeira mas a uacuteltima em absoluto

Responde-se agrave duacutevida A esta duacutevida deve responder-se que foi por causa disto

porque os filoacutesofos falam quase sempre do primeiro geacutenero do saber que eacute muito mais

comum e frequente E depois porque a ciecircncia que na hierarquia dos saberes eacute

considerada em absoluto no primeiro lugar eacute a que trata as coisas que nos satildeo

francamente mais evidentes e mais faacuteceis de entender de modo a que o seu

entendimento nos prepare para o entendimento das seguintes e nos construa uma espeacutecie

de caminho e do que foi dito se conclui que a Matemaacutetica e a Fiacutesica se posicionam

deste modo em comparaccedilatildeo com a ldquoprimeira Filosofiardquo

Resoluccedilatildeo do 2ordm argumento contra a 3ordf conclusatildeo Relativamente agrave segunda

objecccedilatildeo contra a mesma conclusatildeo o discurso seraacute sobre a idecircntica e perfeita

subordinaccedilatildeo tal como costuma ser descrita no capiacutetulo 10 do livro 1 dos Posteriores

Cumpre afirmar que a Metafiacutesica natildeo subordina as outras ciecircncias Como correctamente

debate Egiacutedio neste local Herveu no proacutelogo das Sentenccedilas questatildeo 6 e Soncinas no

livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 9 toda a ciecircncia proacutepria e perfeitamente subordinada tira

124 Leia-se Escoto no 1ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 2 sect 2ordm

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 133

da subordinante os princiacutepios das suas conclusotildees como atesta Aristoacuteteles no livro 1

dos Posteriores no ponto citado Ora ningueacutem desconhece que as outras disciplinas

possuem muitos princiacutepios proacuteprios e especiacuteficos que natildeo tomam da ldquoprimeira

Filosofiardquo125 O mesmo se conclui de novo pelo facto de os princiacutepios que as ciecircncias

subordinadas usam costumarem ser atestados por uma demonstraccedilatildeo ostensiva e pela

causa nos subordinantes mas nas outras ciecircncias natildeo satildeo poucos os princiacutepios imediatos

que por isso natildeo passam por qualquer demonstraccedilatildeo deste tipo

As outras ciecircncias satildeo de certo modo subordinadas agrave Metafiacutesica Natildeo

negamos poreacutem que as outras ciecircncias satildeo de certo modo subordinadas agrave Metafiacutesica

quer por causa da finalidade uma vez que o ldquoprimeiro Filoacutesofordquo reflecte sobre a

finalidade suprema para a qual se orientam afinal todas as ciecircncias inferiores quer

tambeacutem em funccedilatildeo dos princiacutepios visto que de certo modo lhe compete refutar os que

negam os princiacutepios das disciplinas com o empenho da eloquecircncia sofiacutestica e se for

preciso demonstrar que a proacutepria demonstraccedilatildeo desses princiacutepios conduz agrave desgraccedila

Ora os autores citados no argumento falaram deste tipo de subordinaccedilatildeo que todavia

natildeo submete as outras ciecircncias agrave primeira Filosofia de tal modo que se deva pensar que

os seus princiacutepios dependem em absoluto dos princiacutepios dela E por isso natildeo se pode

concluir que de acordo com a referida subordinaccedilatildeo na hierarquia dos saberes a

Metafiacutesica realmente precede as outras disciplinas

ARTIGO 4ordm

SOBRE A HIERARQUIA DA DIGNIDADE ENTRE A FIacuteSICA E AS OUTRAS PARTES DA FILOSOFIA

Se observarmos a hierarquia do saber e o proacuteprio meacutetodo percebe-se que a

Fiacutesica de certo modo antecede as outras partes da Filosofia como tornaacutemos claro na

discussatildeo anterior o proacuteximo passo eacute explicar qual eacute o estatuto que entre elas ocupa no

que diz respeito agrave dignidade Vai-se entatildeo distinguir a dignidade de uma ciecircncia

contemplativa tanto em comparaccedilatildeo com as que impelem para a acccedilatildeo como com as

que consistem na proacutepria contemplaccedilatildeo Mesmo entre as contemplativas quer pela

importacircncia da mateacuteria abordada quer pela certeza e pela evidecircncia do que

125 Trombeta no livro 11 da Metafiacutesica questatildeo 1 Nifo no proacutelogo desta obra e Javelo no livro 1 da Metafiacutesica questatildeo 2 apresentam esta mesma razatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 134

demonstram haacute umas que superam as outras como ensina Aristoacuteteles no livro 8 dos

Toacutepicos capiacutetulo 2 e no iniacutecio dos livros Sobre a Alma

1ordf conclusatildeo Eis entatildeo a primeira conclusatildeo Se a Fiacutesica for comparada com

as disciplinas praacuteticas deve simplesmente ser superior a elas pela sua dignidade

Comprova-se primeiro porque as ciecircncias contemplativas e entre elas a Fiacutesica como

se dedicam apenas agrave observaccedilatildeo das coisas satildeo procuradas por causa de si mesmas

como se conclui do livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 2 aleacutem disso o que se procura por

causa de si mesmo eacute mais importante e honroso como se torna evidente a partir do livro

1 da Eacutetica capiacutetulo 7 porque natildeo tem a razatildeo da sua dignidade dependente de outrem

Comprova-se tambeacutem porque as ciecircncias meditativas chegam muito perto da felicidade

especulativa do homem que Aristoacuteteles prefere por completo agrave praacutetica no livro 1 da

Eacutetica capiacutetulos 6 7 e 8 Tambeacutem no livro 12 da Metafiacutesica capiacutetulo 7 texto 39 e em

muitos outros locais seguindo Platatildeo no Filebo e no livro 5 da Repuacuteblica persuade a

que a contemplaccedilatildeo seja preferida agrave acccedilatildeo bem como por outras palavras no livro 6 da

Metafiacutesica capiacutetulos 1 e 2 onde depois de ter dado a conhecer a divisatildeo das ciecircncias

entre contemplativas agentes e eficientes atribuiu o primeiro lugar agraves contemplativas

Objecccedilatildeo E se algueacutem objectar que a ciecircncia Moral estaacute incumbida de corrigir

o modo de vida que eacute uma funccedilatildeo tanto mais uacutetil e necessaacuteria do que a contemplaccedilatildeo

quanto para noacutes eacute mais importante viver honestamente do que contemplar

correctamente Por isso como atesta Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 2 a

Poliacutetica orienta as outras artes e orientar eacute proacuteprio de uma faculdade superior

Dissoluccedilatildeo Dever-se-aacute responder que a funccedilatildeo da doutrina Moral como prova

o argumento e confessa Aristoacuteteles no livro 6 da Eacutetica capiacutetulo 7 eacute mais uacutetil agrave

sociedade humana e mais necessaacuteria agrave vida no entanto natildeo eacute por isso mais honrosa

nem de todo mais importante para a razatildeo da ciecircncia De facto a honra e a dignidade de

uma ciecircncia enquanto ciecircncia natildeo devem ser avaliadas pelo fruto ou pela necessidade

mas pelo modo com que atinge o seu objecto e a sua finalidade E esse modo como se

depreende do que foi dito eacute mais eminente nas ciecircncias contemplativas do que nas

praacuteticas No que diz respeito agrave Poliacutetica importa dizer que ela natildeo orienta as outras

ciecircncias como se lhes prescrevesse quer a mateacuteria de que tratam quer o meacutetodo de

investigaccedilatildeo (isto eacute proacuteprio da Filosofia suprema) mas apenas as dispotildee para o uso e

utilidade civis estabelecendo as artes que devem ser aprendidas ou exercitadas em que

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 135

momento e por quem como explica Aristoacuteteles no mesmo local Mas esta prerrogativa

de orientaccedilatildeo natildeo vale a ponto de por causa dela se dever julgar a Poliacutetica mais nobre

que as outras disciplinas visto que nela eacute preponderante a razatildeo de atingir a finalidade e

o objecto E de momento basta sobre a comparaccedilatildeo da Fiacutesica com as artes praacuteticas

Vamos agora cotejaacute-la com as contemplativas

2ordf conclusatildeo Se tivermos em conta a importacircncia do assunto abordado a

primeira em dignidade eacute a Metafiacutesica a segunda a Filosofia Natural por uacuteltimo a

Matemaacutetica126 Faz feacute a esta afirmaccedilatildeo pela comparaccedilatildeo da Fiacutesica com a Metafiacutesica

aquele dito aristoteacutelico do livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 3 ldquose as substacircncias

separadas natildeo existissem a Fiacutesica seria a primeira Filosofiardquo e tambeacutem aquele outro

do seacutetimo livro da mesma obra capiacutetulo 11 texto 39 ldquoa Fiacutesica eacute a segunda Filosofiardquo

Em seguida comprova-se por completo a conclusatildeo por esta razatildeo De facto como a

substacircncia ocupa no plano das coisas a primeira categoria consideram-se mais

importantes as ciecircncias que se dedicam agrave substacircncia do que as que se dedicam aos

acidentes e entre as ciecircncias do primeiro geacutenero aquelas que observam as substacircncias

livres de mateacuteria e por isso colocadas no grau mais elevado da realidade brilham mais

do que as que estudam as que se misturam com a mateacuteria e assim a Matemaacutetica

compreende a quantidade a Fiacutesica as substacircncias materiais e a ldquoPrimeira Filosofiardquo as

substacircncias desprovidas de mateacuteria

3ordf conclusatildeo Se ponderarmos com cuidado a certeza e a evidecircncia da

demonstraccedilatildeo o primeiro lugar em dignidade eacute devido agrave Matemaacutetica o segundo agrave

Filosofia Natural e o terceiro agrave Metafiacutesica Esta opiniatildeo eacute defendida por S Tomaacutes no

opuacutesculo 70 Sobre a Trindade de Boeacutecio questatildeo uacuteltima artigo 1 e por muitos

outros127 Deve entender-se por comparaccedilatildeo sobre a certeza do nosso intelecto

Confirma satisfatoriamente a primeira parte desta conclusatildeo a opiniatildeo comum dos

filoacutesofos afirmando que as demonstraccedilotildees das Matemaacuteticas satildeo as mais soacutelidas de

todas como atesta Aristoacuteteles no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 3 e no livro 2 da

Metafiacutesica capiacutetulo 3 bem como Averroacuteis no mesmo lugar e Ptolomeu no proeacutemio da

126 Sobre a supremacia da Metafiacutesica entre as outras ciecircncias Platatildeo no Filebo e no livro 7 da Repuacuteblica Aristoacuteteles no capiacutetulo 2 do livro 1 da Metafiacutesica Proclo no capiacutetulo 4 do livro 1 do Comentaacuterio a Euclides Simpliacutecio no texto 8 livro 1 da Fiacutesica Averroacuteis no livro 1 Sobre a Alma comentaacuterio 1 127 Eacute tambeacutem a de Panfilo na Quaestio de certitudine scientiae em parte a de Egiacutedio no proacutelogo desta obra e na questatildeo 24 do livro 1 da Metafiacutesica em parte a de Soncinas no livro 4 da Metafiacutesica questatildeo 14 e a de Liconiense nos Posteriores cap 23

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 136

grandiosa Compositio Corrobora-se igualmente toda a conclusatildeo porque a consideraccedilatildeo

matemaacutetica apesar de natildeo ter dificuldade e de quase natildeo precisar de experiecircncia eacute livre

da mateacuteria sensiacutevel e do movimento e assim menos incerta A Natural coloca todo o

seu empenho no que eacute constituiacutedo por mateacuteria e sujeito a transformaccedilatildeo cujas afeiccedilotildees

satildeo mais recocircnditas de tal modo que natildeo costumamos conseguir percebecirc-las para aleacutem

da ambiguidade das opiniotildees

O brilho da mente humana enfraquece com o fulgor das coisas mais sublimes

Quanto agrave Metafiacutesica como existe em noacutes (e assim falamos sempre na presenccedila dela)

oferece uma certeza menor que as duas anteriores o que se conclui porque as coisas que

caem sob a sua observaccedilatildeo ainda que tomadas em si mesmas alcanccedilam um grau mais

elevado de certeza visto que estatildeo livres de mateacuteria e de toda a mutaccedilatildeo no entanto na

nossa condiccedilatildeo de vida satildeo percebidas a muito custo atraveacutes de um longo estudo e

algumas delas satildeo de natureza tatildeo excelente que diante delas o brilho da nossa mente

enfraquece como o olho da coruja diante do esplendor do sol O que afirma Aristoacuteteles

no livro 2 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 1 e no primeiro Sobre as partes dos animais

capiacutetulo 5 e muito bem explica Platatildeo no Feacutedon e no Teeteto

Dissoluccedilatildeo de uma duacutevida Entatildeo se algueacutem perguntar qual das duas

Matemaacuteticas a Aritmeacutetica e a Geometria eacute a mais distinta Responderemos a

Aritmeacutetica De facto se tivermos em conta a certeza da sua demonstraccedilatildeo ela eacute mais

certa como prova Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica capiacutetulo 2 porque discute sobre

o que eacute mais elementar e mais simples isto eacute sobre os nuacutemeros que satildeo percebidos

sem a disposiccedilatildeo das partes a Geometria por seu lado discute sobre a grandeza que

natildeo se daacute a conhecer sem esse tipo de disposiccedilatildeo Se atendermos poreacutem agrave dignidade do

assunto percebe-se entatildeo a maior importacircncia da Aritmeacutetica porque se debruccedila sobre

o nuacutemero e como este se afasta mais da mateacuteria vence assim a grandeza no que diz

respeito agrave distinccedilatildeo128 aleacutem disso porque conhecer as subtilezas as proporccedilotildees e os

misteacuterios dos nuacutemeros eacute uma obra notaacutevel do engenho humano de tal modo que Platatildeo

no Epinoacutemides e no livro 7 da Repuacuteblica disse que quem afasta a Aritmeacutetica afasta

toda a prudecircncia e toda a humanidade Leia-se o que escreveu Aristoacuteteles sobre esta

sentenccedila nos Problemas secccedilatildeo 30 problema 5

128 Leia-se Bessarion no livro 1 Contra os Caluniadores de Platatildeo cap 8 onde antepotildee a Geometria a todas as matemaacuteticas pela certeza o que natildeo estaacute correcto como prova tambeacutem Escaliacutegero na exercitaccedilatildeo 321 do Comentaacuterio sobre Cardano

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 137

Explicaccedilatildeo de outra duacutevida Nesta discussatildeo resta por fim explicar aquela

duacutevida uma vez que as ciecircncias contemplativas na hierarquia da distinccedilatildeo se precedem

reciprocamente de modo diverso e tanto umas como outras tecircm a sua graccedila e beleza

quais delas devem em absoluto estar agrave frente das outras Deve responder-se que na

verdade a Metafiacutesica pelo esplendor da sua dignidade eleva-se acima de todas segue-

a a Fisiologia e abaixo estatildeo as Matemaacuteticas Por conseguinte visto que a importacircncia

do assunto eacute mais soacutelida e ilustre ela prepondera pela proacutepria natureza da sua certeza

como se conclui do que ensina Aristoacuteteles no livro 6 da Metafiacutesica capiacutetulo 1 texto 2

e no livro 11 capiacutetulo 6 aleacutem disso se o estatuto de uma ciecircncia fosse absolutamente

concluiacutedo pela certeza do que demonstra a informaccedilatildeo certa do assunto mais

desprezado devia merecer mais valor e consideraccedilatildeo do que o conhecimento menos

certo de um assunto mais nobre o que eacute absurdo dizer-se e contraacuterio agrave opiniatildeo de

Aristoacuteteles que no primeiro livro Sobre as partes dos animais capiacutetulo 1 assegura que

a ciecircncia das coisas transitoacuterias eacute mais certa mas menos digna que a ciecircncia das coisas

eternas

SOBRE A DIVISAtildeO DA FILOSOFIA EM ARISTOacuteTELES

Quase todos os filoacutesofos que antes da eacutepoca de Aristoacuteteles atingiram o apogeu

com louvor do seu engenho e da sua ciecircncia direccionaram o espiacuterito apenas para uma

ou outra parte da Filosofia em que se destacassem Deste modo a contemplaccedilatildeo

exclusiva da natureza deteve Tales Anaxiacutemeno e Anaxaacutegoras Piacutetaco Periandro Soacutelon

Licurgo e outros como eles escreveram sobre o governo da repuacuteblica Zenatildeo e com ele

toda a escola eleaacutetica dedicou-se aos preceitos da Dialeacutectica Aristoacuteteles pelo contraacuterio

praticamente natildeo deixou uma uacutenica parte da Filosofia que com maacuteximo empenho natildeo

tivesse investigado compreendido e esclarecido nos seus escritos129 E assim deixou os

mais antigos a uma longa distacircncia atraacutes de si e ateacute aos seus mestres Soacutecrates e Platatildeo

tatildeo admirados no seu seacuteculo e por toda a posteridade conseguiu superar Soacutecrates de

facto (aleacutem de tudo um grande filoacutesofo sobre o qual quase todas as escolas de filoacutesofos

fazem recair o iniacutecio da sua disciplina nomeadamente os Platoacutenicos os Acadeacutemicos os

129 Sobre a supremacia da doutrina e do engenho de Aristoacuteteles veja-se Laeacutercio na Vida de Aristoacuteteles Ciacutecero no livro 2 do Orador Averroacuteis no proeacutemio da Fiacutesica Pliacutenio no livro 8 cap 16 e no livro 18 cap 34 Apolodoro no Chronicle Lucreacutecio no livro 3 Ceacutelio no livro 17 cap 17 das Liccedilotildees Antigas e no livro 29 cap 8 Fonseca no proeacutemio da Metafiacutesica a partir do cap 3

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 138

Cirenaicos os Ciacutenicos os Peripateacuteticos os Megaacutericos e os Estoacuteicos) sem qualquer

organizaccedilatildeo por disciplinas como refere Plutarco na Vida de Aristoacuteteles discorria ora

num sentido ora noutro e mais parecia rebater as opiniotildees dos outros do que expor o

que pensava Tambeacutem Platatildeo por outro lado homem de singular e divino engenho bem

como de vasto e profundo saber como geralmente punha os outros a discutir

conservava o costume socraacutetico de dissimular a sua sabedoria e distrair os espiacuteritos dos

leitores com a ambiguidade Por isso acontece que (como afirma S Agostinho no livro

8 da Cidade de Deus capiacutetulo 4) dificilmente algueacutem seraacute capaz de discernir o que ele

proacuteprio pensava E assim para resumir nem Soacutecrates nem Platatildeo deixaram um tipo de

saber certo ou perfeito em rigorosamente todos os aspectos nem tatildeo pouco explicado

por uma exposiccedilatildeo certa e constante Aristoacuteteles pelo contraacuterio abordou natildeo soacute a

Loacutegica e a Fiacutesica como tambeacutem a Eacutetica e qualquer outra faculdade Tendo orientado o

encadeamento da doutrina desde os primoacuterdios das coisas ateacute ao seu fim com uma

ordem de admiraacutevel elegacircncia preparou perfeitamente cada ouvinte no seu geacutenero pelo

que eacute designado de pleno direito pai das artes liberais e pedra liacutedia dos Filoacutesofos

Obras de Aristoacuteteles Quanto aos livros de Aristoacuteteles Laeacutercio refere-os na

Vida dele e eleva aos quatrocentos a soma total daqueles em relaccedilatildeo aos quais natildeo haacute

qualquer duacutevida de autoria130 mas a maior parte desapareceu por acccedilatildeo da injusticcedila dos

tempos de tal modo que agora natildeo restam mais que cento e vinte

Breve divisatildeo das obras As mateacuterias neles tratadas podem ser reduzidas a

cinco geacuteneros ou capiacutetulos Uma parte conteacutem o processo de escrita das cartas da

Poeacutetica e da Retoacuterica Outra os preceitos da discussatildeo A terceira a doutrina civil e

moral A quarta a ciecircncia das coisas naturais E a quinta a das transcendentes

Deixando de lado as restantes neste ponto vamos dar uma breve vista de olhos ao

conjunto das coisas que satildeo proacuteprias da Fiacutesica

Aristoacuteteles era um aceacuterrimo investigador da natureza Aristoacuteteles calcorreou

esta parte com tanta diligecircncia e com uma riqueza de aspectos inovadores tatildeo

impressionante que nada lhe parece ter escapado seja na terra no mar ou no ceacuteu Daiacute

que embora muitos o considerassem inferior a Platatildeo na compreensatildeo das coisas

130 Sobre os livros de Aristoacuteteles leia-se Plutarco na Vida dele Sobre a sua biblioteca Estrabatildeo no livro 13 das suas Geografias

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 139

divinas contudo no entendimento da natureza obteve o primeiro lugar na avaliaccedilatildeo de

todos

Por que motivo chamaram demoacutenio a Aristoacuteteles O que esteve na origem de

tanto os Platoacutenicos como os Peripateacuteticos lhe terem chamado demoacutenio foi o facto de ter

tratado com maacuteximo rigor e detalhe as mateacuterias naturais sujeitas ao orbe da lua onde

diziam habitar o geacutenero dos Demoacutenios131

Divisatildeo da Fisiologia de Aristoacuteteles A Fisiologia aristoteacutelica distribui-se

entatildeo por cerca de dez partes

Livros da Fiacutesica A primeira estaacute contida nos oito livros da Fiacutesica e disserta

genericamente sobre os princiacutepios e as causas das coisas naturais e das suas disposiccedilotildees

comuns

Livros do Ceacuteu A segunda compreendida nos livros do Ceacuteu desce agraves partes

sujeitas ao ente moacutevel e trata da estrutura e da composiccedilatildeo de todo o universo bem

como dos cinco corpos simples ndash ou seja do ceacuteu e dos quatro elementos conhecidos ndash

visto que sofrem mutaccedilotildees de lugar e requerem uma morada definida no mundo

Livros da Geraccedilatildeo A terceira que se daacute a conhecer nos livros Sobre a

geraccedilatildeo explica o que universalmente conveacutem agraves coisas dissoluacuteveis e transitoacuterias e

deste tipo satildeo a geraccedilatildeo a corrupccedilatildeo a alteraccedilatildeo o acreacutescimo e a mistura

Livros dos Meteoros A quarta que os livros Sobre os meteoros abrangem

expotildee os conhecimentos sobre os compostos imperfeitos a que se chama lsquoMeteorosrsquo

como por exemplo a neve o gelo o granizo o cometa e os que aparecem graccedilas agrave

reflexatildeo da luz como o arco-iacuteris Aqui devia acrescentar-se o tratado sobre os metais as

pedras e as outras coisas que se geram no seio da terra mas este natildeo subsistiu embora

se possa ler algumas coisas sobre esse assunto ainda que esparsas em parte nos livros

Sobre os Meteoros em parte noutros livros132

Livro de Teofrasto sobre as pedras e os metais Teofrasto por seu lado

escreveu dois livros sobre metais e um sobre pedras Tambeacutem sobre metais fala Pliacutenio

nos livros 33 e 34 da Histoacuteria Natural e sobre pedras nos livros 36 e 37 O mesmo

tema trata Alberto Magno na sua obra Sobre os Minerais

131 Leia-se Bessarion no livro 1 Contra os caluniadores de Platatildeo capiacutetulos 3 e 7 Carpentaacuterio no Comentaacuterio a Alcino e Ceacutelio Rodogino no livro 2 capiacutetulo 11 132 Entre as obras de Aristoacuteteles Laeacutercio refere um livro sobre pedras

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 140

Livros Sobre a Alma A quinta parte nos livros Sobre a Alma investiga as

causas e as razotildees tanto da alma em geral como da que foi provida de razatildeo e de

inteligecircncia

Livros dos Pequenos Naturais A sexta que eacute uma espeacutecie de acrescento aos

livros Sobre a Alma discorre em parte sobre as disposiccedilotildees gerais algumas de todos os

seres vivos outras apenas de alguns deles como por exemplo sobre a sensaccedilatildeo e o

sensiacutevel o sono e a vigiacutelia a vida e a morte e outras deste tipo

Livros da Histoacuteria dos Animais A seacutetima que se designa Histoacuteria dos

Animais recorda muitas coisas sobre a variedade e as caracteriacutesticas dos seres

animados Esta obra como natildeo foi entretecida com as arguacutecias das demonstraccedilotildees

subtis mas pelo simples fio de uma narraccedilatildeo aproxima-se mais da histoacuteria que do

registo cientiacutefico

Livros das Partes dos Animais Da geraccedilatildeo dos animais da locomoccedilatildeo dos

animais e do movimento dos animais Seguem-se por fim as outras trecircs partes a

primeira das quais disserta e tem o tiacutetulo Sobre as partes dos animais a outra Sobre a

geraccedilatildeo dos animais e a uacuteltima Sobre a locomoccedilatildeo dos animais e o movimento dos

animais quase no mesmo estilo Os Gregos chamam a toda a doutrina sobre os animais

lsquoos livros dos oitenta talentosrsquo porque foi essa a quantia que Alexandre teraacute gasto para

salvaguardar as coisas que neles satildeo abordadas133

Livro das Plantas Aristoacuteteles teraacute ainda prometido no iniacutecio dos Meteoros

que iria ocupar-se das plantas o que afirma ter cumprido no livro 5 da Histoacuteria dos

animais capiacutetulo 1 mas esses livros por injusticcedila dos tempos natildeo chegaram ateacute noacutes e

nem sequer a Alexandre de Afrodiacutesia como o proacuteprio testemunha no capiacutetulo 4 do livro

Sobre a sensaccedilatildeo e o sensiacutevel De facto aqueles que por toda a parte circulam com o

nome de Aristoacuteteles natildeo tecircm o sabor das aacuteguas da fonte aristoteacutelica e a proacutepria

explicaccedilatildeo do saber denuncia a falsidade do tiacutetulo Teofrasto investigou esta mateacuteria em

nove livros que ainda se conservam na iacutentegra sobre a histoacuteria das plantas e outros seis

sobre as causas das plantas e tambeacutem Pliacutenio desde o livro 12 ao vigeacutesimo

Livro do mundo para Alexandre Ora no que diz respeito ao Livro do mundo

para Alexandre advertimos que natildeo estaacute provado se eacute ou natildeo de Aristoacuteteles Muitos

133 Sobre esta questatildeo veja-se Pliacutenio no livro 8 da Histoacuteria Natural capiacutetulo 16 e Budeu no livro 2 De asse (Segundo os testemunhos teriam sido de facto oitocentos talentos N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 141

citam-no como aristoteacutelico nomeadamente Justino Filoacutesofo na sua Pareacutenese

Bessarion no livro 3 Contra o caluniador de Platatildeo capiacutetulo 10 Ferneacutelio no livro 3

Das ocultas causas das coisas Eugubino no livro 4 da Filosofia Perene Joatildeo Picco

della Mirandola no livro 4 De examine vanitatis capiacutetulo 1 Outros haacute que embora

admitam que seja peripateacutetico negam poreacutem que seja aristoteacutelico para aleacutem de outros

motivos porque o seu discurso eacute mais burilado e mais floreado a ponto de por vezes

se aproximar das deliacutecias poeacuteticas o que eacute totalmente alheio agrave gravidade e agrave brevidade

de Aristoacuteteles E por isso mesmo P Viacutetor julga ser Nicolau Damasceno o seu autor

mas estaacute claramente enganado pois Nicolau viveu nos tempos de Augusto e aquele

livro foi escrito muito antes para Alexandre da Macedoacutenia Consideram outros que foi

escrito por Teofrasto Quanto a noacutes parece-nos melhor nesta questatildeo absolutamente

duacutebia suspender a opiniatildeo do que afirmar o que quer que seja

Por fim advertimos tambeacutem que entre os inteacuterpretes de Aristoacuteteles natildeo parece

ser pequena a dissensatildeo sobre a relaccedilatildeo e a ordem dos livros que enumeraacutemos134 no

entanto julgamos preferiacutevel natildeo dizer nada sobre essa questatildeo neste momento

POR QUE MOTIVO OS LIVROS DA FIacuteSICA SE INTITULAM Περὶ τῆς φυσικῆς ακροάσεως OU

SEJA SOBRE A AUSCULTACcedilAtildeO NATURAL

A diversidade do tiacutetulo destes livros Adrasto nos seus livros sobre a ordenaccedilatildeo

dos tratados de Aristoacuteteles refere que esta obra eacute designada por uns Sobre os princiacutepios

e por outros Sobre a audiccedilatildeo fiacutesica e ainda que outros intitularam os primeiros cinco

volumes Sobre os princiacutepios e outros trecircs Sobre o movimento Eacute evidente que

Aristoacuteteles se serviu por vezes deste tipo de variaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo do tiacutetulo135 No

entanto o tiacutetulo mais comum e mais divulgado de toda esta obra eacute Sobre a audiccedilatildeo

fiacutesica ou Sobre a auscultaccedilatildeo natural

Eacute poreacutem evidente por que razatildeo se chama Fiacutesica a este tratado porque

abrange o conhecimento e a explicaccedilatildeo daquelas coisas que dizem respeito agrave natureza

universal Sobre o motivo pelo qual teraacute recebido o nome de lsquoauscultaccedilatildeorsquo natildeo haacute

acordo entre os comentadores como se pode ver em Averroacuteis Filoacutepono e Egiacutedio neste

proeacutemio e em Alberto no tratado 1 capiacutetulo 4 Mas deixando de lado estas 134 Sobre esta questatildeo Teoacutefilo Zimara no proeacutemio ao livro Sobre a Alma135 Como no livro 1 do Ceacuteu capiacutetulo 5 texto 38 e no capiacutetulo 6 texto 54 bem como no livro 3 da mesma obra capiacutetulo 1 texto 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 142

controveacutersias observaram para aleacutem de muitos outros Simpliacutecio neste local Plutarco

na Vida de Alexandre Ciacutecero no livro 5 Sobre os fins e ainda Clemente de Alexandria

no livro 5 das Tapeccedilarias que Aristoacuteteles deu a conhecer dois tipos de livros (Ciacutecero

no local acima citado e Galeno no fragmento Faculdades Naturais referem que

Teofrasto tambeacutem seguiu este meacutetodo de escrever)

Livros exoteacutericos de Aristoacuteteles O primeiro tipo inclui os que designou

ἐξωτερικοὺς isto eacute lsquoexternosrsquo ou lsquopopularesrsquo a que ele proacuteprio faz menccedilatildeo no livro 1

Sobre os costumes para Eudemo capiacutetulo 5 e no primeiro Sobre a Alma capiacutetulo 4

texto 54136

Os livros acroamaacuteticos O segundo tipo inclui os que chamou ἀκροαματικοὺς

isto eacute lsquoauscultatoacuteriosrsquo que igualmente recorda na Epiacutestola a Alexandre referida por

Geacutelio no livro 20 capiacutetulo 4 acrescentando que Aristoacuteteles tinha o costume de atribuir

o horaacuterio matutino no Liceu agrave exercitaccedilatildeo da disciplina auscultatoacuteria e por sua vez o

da tarde agrave exoteacuterica

Diferenccedila entre eles De facto os primeiros livros contecircm um meacutetodo de

escrita mais faacutecil e menos elaborado satildeo desse tipo aqueles em que se divulga os

princiacutepios da Poeacutetica e da Retoacuterica bem como a histoacuteria dos animais E por isso se

designam exoteacutericos ou externos porque se podem adaptar ao senso comum e agrave

capacidade intelectual do vulgo e natildeo requerem tanto a voz de um inteacuterprete Os outros

livros poreacutem envolvem o conhecimento da Filosofia mais subtil do que o modo vulgar

de filosofar e oposto ao saber popular deste modo satildeo chamados lsquoAuscultatoacuteriosrsquo

precisamente porque os alunos devem escutaacute-los com maior empenho e atenccedilatildeo

enquanto os professores devem explicaacute-los com maior cuidado Assim sendo estatildeo

nesta secccedilatildeo todos os livros Metafiacutesicos e sobre a alma para aleacutem de outros e destes

cuja explicaccedilatildeo agora empreendemos De acordo com isto torna-se clara a razatildeo do jaacute

mencionado tiacutetulo

Por que motivo os livros da Fiacutesica assumem a designaccedilatildeo preferencial de

acroamaacuteticos Por que motivo entatildeo eacute que estes livros entre todos os acroamaacuteticos

satildeo preferencialmente assinalados por este tiacutetulo A causa parece ser porque servem de 136 Sobre estes livros Amoacutenio no prefaacutecio agraves Categorias Eustraacutecio no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo uacuteltimo e entre os mais modernos Vicomercato neste passo e no iniacutecio dos Meteoros Carpentaacuterio na Disputa sobre a ordem das partes da Filosofia e no capiacutetulo 5 livro 1 De secretiore parte divinae sapientiae secundum Aegyptios e ainda Ludovico Vives na Censura de Aristotelis operibus

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 143

introduccedilatildeo a toda a Fiacutesica e encerram em si mesmos os seus primeiros fundamentos e

muitas questotildees difiacuteceis e tambeacutem porque como neste passo adverte Pselo devem ser

ouvidos da boca do professor com particular atenccedilatildeo

Queixa de Alexandre a Aristoacuteteles Simpliacutecio por outro lado considera que

estes livros satildeo aqueles sobre cuja ediccedilatildeo Alexandre da Macedoacutenia se queixou a

Aristoacuteteles atraveacutes de carta137 visto que pretendia ultrapassar todos os mortais natildeo soacute

pelo impeacuterio e pela gloacuteria da arte beacutelica mas tambeacutem pela ciecircncia e pensava que este

louvor lhe tinha sido roubado pela divulgada explicaccedilatildeo das mateacuterias mais secretas que

nesta obra estatildeo contidas Plutarco na Vida de Alexandre explica o queixume do rei

todavia natildeo a propoacutesito destes livros mas da Metafiacutesica

SOBRE A ORDENACcedilAtildeO E A MATEacuteRIA DOS LIVROS DA AUSCULTACcedilAtildeO FIacuteSICA

Opiniatildeo dos que pensam que os oito livros da Fiacutesica satildeo da Metafiacutesica Natildeo

faltou entre os filoacutesofos mais recentes138 quem insistisse que a Fiacutesica comeccedila nos

livros Sobre o Ceacuteu e que se deve atribuir os oito livros da Fiacutesica agrave ldquoprimeira Filosofiardquo

sendo colocados no comeccedilo da Filosofia natildeo como parte directamente ligada agrave Fiacutesica

mas como uacuteteis e necessaacuterios em primeiro lugar agrave disciplina Natural

Razotildees dessa opiniatildeo Os seus principais argumentos satildeo os seguintes porque

nesta obra se trata da substacircncia e da natureza sobre as quais discorre a ldquoprimeira

Filosofiardquo E depois porque a funccedilatildeo do Metafiacutesico eacute demonstrar que as formas

platoacutenicas que por si mesmas subsistem fora do individual natildeo existem mas sim outras

tambeacutem isoladas da mateacuteria ainda que singulares o que tambeacutem demonstra Aristoacuteteles

no livro 8 desta obra quando explica que deve chegar-se agrave substacircncia una livre de

mutaccedilatildeo e da massa corpoacuterea da qual todo o movimento deriva Por fim porque o

iniacutecio dos livros Sobre o Ceacuteu conteacutem um exoacuterdio claramente comum a toda a Fisiologia

Contestaccedilatildeo da posiccedilatildeo anterior No entanto a opiniatildeo contraacuteria que todos os

inteacuterpretes tanto Gregos como Latinos bem como a escola comum dos Peripateacuteticos

abraccedilam eacute absolutamente verdadeira e pode ser abundantemente confirmada pelo

testemunho de Aristoacuteteles que na primeira entrada desta obra afirma para si proacuteprio

que deve dissertar sobre os princiacutepios da Fisiologia o que concretiza claramente no

137 Leia-se Temiacutestio neste passo Geacutelio no local citado e Bessarion no prefaacutecio agrave Metafiacutesica138 Antoacutenio Mirandulano livro 15 Monomachia a partir da secccedilatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 144

desenvolvimento do livro 1 E tambeacutem porque nos textos 8 e 12 ensina que natildeo eacute

proacuteprio desta disciplina demonstrar os dogmas de Parmeacutenides e de Melisso mas de algo

superior isto eacute da primeira e divina Filosofia Acrescenta-se a clara razatildeo de que em

toda esta obra se disserta sobre princiacutepios e disposiccedilotildees do ente moacutevel As que satildeo

trazidas pela parte contraacuteria natildeo tecircm importacircncia

Esclarecimento das razotildees E assim a explicaccedilatildeo da primeira e da segunda

razotildees torna-se suficientemente evidente a partir do que ensinaacutemos mais atraacutes na

questatildeo 1 artigos 5 e 6 O mais importante eacute que o Fiacutesico e o Metafiacutesico colaborem

algumas vezes no tratamento da mesma mateacuteria embora cada um de acordo com a

abstracccedilatildeo proacutepria

Relativamente agrave terceira cumpre dizer por isso que Aristoacuteteles apresentou

aquele notaacutevel exoacuterdio nos livros Sobre o Ceacuteu porque depois de explicado o ente moacutevel

no geral encetava novo tratado que natildeo devia comeccedilar ex abrupto

E assim deve estabelecer-se que estes oito livros satildeo da Fiacutesica auscultaccedilatildeo

que precede as outras disciplinas fisioloacutegicas na hierarquia dos conhecimentos Contecircm

de facto os princiacutepios comuns em que repousa toda a Filosofia Natural e a explicaccedilatildeo

do ente moacutevel considerado em absoluto Todavia deve haver uma hierarquia no ensino

das disciplinas (como ensina Aristoacuteteles no proeacutemio desta obra e no iniacutecio do livro

Sobre as partes dos animais) de modo a que se tratem primeiro as que satildeo mais gerais e

depois cada uma eacute exposta em particular nos devidos momentos

Assunto dos oito livros da Fiacutesica Por isso seraacute agora faacutecil entender que a

mateacuteria abordada nesta obra eacute o ente moacutevel no geral numa suposiccedilatildeo simples ou seja

separado das suas partes e observado apenas em si mesmo Por este motivo distingue-se

do assunto de toda a Fiacutesica que eacute o ente moacutevel em suposiccedilatildeo absoluta isto eacute

considerado quer em si mesmo quer segundo as suas partes como reconheceram S

Tomaacutes e outros inteacuterpretes

Organizaccedilatildeo desta obra O assunto que seraacute tratado por cada livro aqui o

tendes em poucas palavras No primeiro trata-se dos trecircs princiacutepios das coisas fiacutesicas

mateacuteria forma e privaccedilatildeo No segundo da natureza e das causas das coisas naturais No

terceiro do movimento e do infinito No quarto do lugar do vaacutecuo e do tempo No

quinto das espeacutecies da unidade e da oposiccedilatildeo dos movimentos No sexto da divisatildeo do

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 145

movimento nas suas partes constituintes No seacutetimo e finalmente no oitavo investiga-

se o primeiro movimento e os seus atributos

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES139

Aristoacuteteles foi um diligentiacutessimo respeitador da ordem Do mesmo modo que

em toda a natureza nada se pode encontrar mais divino ou mais belo para a espeacutecie do

que a ordem140 assim nada existe que assegure maior esplendor e dignidade a uma

disciplina do que a ordem e a disposiccedilatildeo das mateacuterias que nela se transmitem Quando

estas faltam todas as coisas jazem como um corpo sem nervos e sem articulaccedilatildeo

dissolvendo-se numa confusatildeo fuacutetil e conturbada Daiacute aquele encadeamento contiacutenuo na

Fisiologia de Aristoacuteteles e a harmonia de todas as partes convenientemente organizadas

entre si como se fosse a estrutura de um corpo uno Certamente por isso o Filoacutesofo

que eacute em qualquer obra mas sobretudo nos livros Acroamaacuteticos pouco inclinado agrave

clareza conseguiu admiravelmente moderar a dificuldade das coisas com uma

artificiosa destreza no seu tratamento como se as tivesse iluminado com a difusatildeo de

uma luz

Meacutetodo de ensino Por conseguinte expotildee Aristoacuteteles o meacutetodo e o

encadeamento do seu ensino na primeira parte deste livro que conteacutem o prefaacutecio e se

completa num soacute capiacutetulo A segunda por sua vez que estaacute compreendida nos oito

capiacutetulos restantes dedica-a toda aos princiacutepios de investigaccedilatildeo das coisas fiacutesicas de

modo a indagar em primeiro lugar o nuacutemero dos princiacutepios claramente aduzidos dos

pareceres dos antigos filoacutesofos sobre esta mateacuteria para depois explicar entatildeo quais satildeo

eles De facto Alexandre de Afrodiacutesia no iniacutecio do livro segundo da Metafiacutesica

defendeu que esse livro eacute um proeacutemio comum a toda a filosofia contemplativa e por isso

pertence a este lugar Todavia noacutes aprovamos por completo a posiccedilatildeo contraacuteria que

todos os inteacuterpretes gregos e latinos abraccedilaram sobretudo porque as mateacuterias sobre as

quais Aristoacuteteles dissertou nesse livro dizem respeito natildeo agrave Fiacutesica mas agrave ldquoprimeira

Filosofiardquo como se tornaraacute claro para o leitor

139 Trad FM140 Leia-se S Agostinho no livro Da natureza do bem cap 3 e nos livros Da ordem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 146

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES141

Alguns dos filoacutesofos modernos142 chamam menor ao livro da Metafiacutesica que eacute

o segundo para os latinos e para os Gregos A τὸ ἔλαττον isto eacute o primeiro pois satildeo de

opiniatildeo que pertence a esta obra sobre a auscultaccedilatildeo natural e que eacute o seu proeacutemio mas

teria sido afastado deste lugar como uma cabeccedila do restante corpo por um erro dos

antigos Todavia o consenso comum aos inteacuterpretes Gregos e Latinos rejeitou esta

posiccedilatildeo e com razatildeo Eles nem deslocam do lugar o segundo livro da Metafiacutesica nem

comeccedilam com ele essa obra

Objectivo de Aristoacuteteles Eacute poreacutem objectivo de Aristoacuteteles tratar aqui natildeo soacute

da mateacuteria e da forma como pensa Filoacutepono mas tambeacutem da finalidade e do eficiente

pelo menos como pensa Simpliacutecio mas tanto da forma e da mateacuteria enquanto

naturezas como de todos os quatro geacuteneros de causas em geral Nestes aspectos se

consome de facto toda a explicaccedilatildeo deste livro

Lanccedilam-se neste livro os fundamentos da Fisiologia Mas nem neste livro

onde como diz Averroacuteis se lanccedilam os fundamentos de toda a Filosofia Natural

Aristoacuteteles foi obrigado a deixar de lado essa variedade quadripartida pois antes da sua

observaccedilatildeo e conhecimento nem a forccedila das coisas naturais nem a essecircncia nem a

mutaccedilatildeo fiacutesica a cuja investigaccedilatildeo o Fisioacutelogo se dedica com tanto empenho podem ser

inteligidas143 E se algueacutem perguntar com que direito o Filoacutesofo Natural disserta sobre as

causas pois esta contemplaccedilatildeo parece ser proacutepria do Metafiacutesico deve responder-se que

eacute proacuteprio do Metafiacutesico tratar das causas no geral enquanto causas e perscrutar a tiacutetulo

particular as que estatildeo separadas da mateacuteria embora considere tambeacutem a proacutepria

mateacuteria ao seu modo como dissemos noutro lado144 Eacute verdade por isso que cada um

dos outros artiacutefices trata as causas em funccedilatildeo da sua arte De facto o Dialeacutectico trata

delas para demonstrar que satildeo adequadas e idoacuteneas O Fiacutesico porque dizem respeito a

coisas naturais e tecircm uma orientaccedilatildeo para o movimento Os outros por fim na medida

em que dizem respeito agrave inteligecircncia das coisas que satildeo proacuteprias da sua faculdade

141 Trad FM142 Francisco Beato no livro 2 da Metafiacutesica seguiu o cardeal Sadoleto 143 Leia-se Alberto Magno 3 Metafiacutesica tratado 3 cap 1 Averroacuteis 2 da Metafiacutesica comentaacuterio 6 144 No proeacutemio desta obra questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 147

PROEacuteMIO AO TERCEIRO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES145

Depois de Aristoacuteteles ter dissertado nos dois livros anteriores sobre os

princiacutepios e as causas das coisas naturais em termos gerais ocupa-se agora de perscrutar

as suas afeiccedilotildees

Quanto eacute importante na filosofia o estudo do movimento E antes de mais

institui que vai tratar do movimento cujo estudo eacute de capital importacircncia na filosofia

Primeiro porque as partes da filosofia contemplativa distinguem-se entre si pela diversa

abstracccedilatildeo do movimento como dissertaacutemos no proeacutemio desta obra Segundo porque o

movimento estaacute presente em todas as coisas naturais como uma espeacutecie de princiacutepio

vital De facto ensina Platatildeo no livro 10 das Leis que tal como aqueles que contecircm em

si o princiacutepio da locomoccedilatildeo e que se dizem mover-se por si proacuteprios vivem assim

participam de certo modo na vida aqueles que de alguma forma satildeo passiacuteveis de

movimento Terceiro porque a forma e a mateacuteria sobre as quais Aristoacuteteles tratou em

parte no livro 1 e em parte no livro 2 foram investigadas e percebidas pelo movimento

e a noccedilatildeo do movimento foi a tal ponto associada ao conhecimento da natureza que este

natildeo pode ser obtido sem a intervenccedilatildeo dela Quarto porque a contemplaccedilatildeo do

movimento demonstra em grande parte o caminho para ver as causas latentes e

escondidas dos efeitos naturais bem como a forccedila a espeacutecie o grau e a perfeiccedilatildeo dessas

mesmas causas Quinto porque a Filosofia partiu do movimento tanto para a

investigaccedilatildeo das mentes que circundam as esferas celestes como tambeacutem da uacuteltima

causa isso eacute de Deus para o qual como fonte e princiacutepio de todas as coisas eacute preciso

que se direccione todo o movimento Portanto por todas estas razotildees Aristoacuteteles

dedica-se com particular empenho ao estudo do movimento De resto dado que eacute algo

de contiacutenuo pois pode ser infinitamente dividido em partes separadas mas natildeo pode ser

inteligido perfeitamente sem a noccedilatildeo do infinito por isso mesmo depois da explicaccedilatildeo

do movimento promete tratar do infinito O que executa de forma apurada e com o

proveito das outras artes visto que a Geometria a Astronomia a Cosmografia a

Geografia e todas as que se ocupam da maacutequina do mundo exigem da Fisiologia que

rejeite a mole infinita porque representam e descrevem o universo conhecido e finito

145 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 148

Organizaccedilatildeo do livro Eacute assim bipartida a organizaccedilatildeo deste livro Na primeira

parte explica-se o que eacute o movimento e em que consiste na outra disserta-se sobre o

infinito

PROEacuteMIO AO QUARTO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES146

Ensino tripartido deste livro Depois de transmitir a doutrina do movimento e

do infinito no uacuteltimo livro Aristoacuteteles expotildee as restantes propriedades das coisas

fiacutesicas Conteacutem entatildeo este livro uma explicaccedilatildeo tripartida do lugar do vaacutecuo e do

tempo sobre os quais compete ao filoacutesofo natural saber e dissertar Sobre o lugar natildeo

soacute porque conveacutem que as coisas constituiacutedas de mateacuteria estejam contidas e circunscritas

a um determinado lugar mas tambeacutem porque o corpo natildeo existe sem o lugar Sobre o

vaacutecuo porque muitos dos antigos pouco o distinguiram do lugar e foram da opiniatildeo de

que o lugar e o vaacutecuo satildeo absolutamente o mesmo e que o lugar natildeo se pode considerar

sem o vazio Sobre o tempo porque todo o movimento acontece no tempo e tudo o que

nasce e morre estaacute sujeito ao tempo e eacute delimitado pela sua medida

Por que eacute que Aristoacuteteles natildeo tratou do lugar antes do movimento Todavia Aristoacuteteles

trata primeiro do lugar como notou Simpliacutecio porque o lugar estaacute primeiro do que o

tempo e ateacute do que o movimento No entanto natildeo dissertou sobre o lugar antes do

movimento porque do mesmo modo que ao abordar as causas das coisas naturais tratou

primeiro das que satildeo intriacutensecas e que constituem a essecircncia da coisa isto eacute da mateacuteria

e da forma e soacute depois das externas ou seja do fim e da causa eficiente assim julgou

adequado investigar inicialmente as afeiccedilotildees que satildeo inerentes agraves coisas fiacutesicas e o

movimento eacute desse tipo para depois debater aquelas que estatildeo fora entre a quais o

lugar

PROEacuteMIO AO QUINTO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES147

Do mesmo modo que a razatildeo do movimento se funda de forma vastiacutessima nas

coisas da natureza assim a sua contemplaccedilatildeo na Fisiologia eacute variada e envolta em

muitas dificuldades

146 Trad FM147 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 149

Escopo do livro Eacute por isso que neste livro e tambeacutem naqueles que se seguem

Aristoacuteteles trata desse assunto Na verdade tendo deixado explicado no livro terceiro o

que eacute o movimento e em que tipo de sujeito incide investiga agora os outros aspectos

respeitantes agrave sua observaccedilatildeo

Organizaccedilatildeo Assim sendo na primeira parte deste livro transmite as espeacutecies

do movimento na segunda explica a sua unidade e diversidade na terceira disserta

sobre a sua oposiccedilatildeo

PROEacuteMIO AO SEXTO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES148

Os antigos Peripateacuteticos como no proeacutemio deste livro e do anterior atesta

Simpliacutecio dividiam toda a obra da Auscultaccedilatildeo fiacutesica em duas partes asseverando que

nos primeiros cinco ndash ou como parecia melhor a Porfiacuterio e a alguns outros nos

primeiros quatro livros ndash estatildeo contidas as proposiccedilotildees comuns a todas as coisas da

natureza nos restantes pelo contraacuterio trata-se do movimento Natildeo que tambeacutem nos

outros excepto no primeiro e no segundo natildeo se tenha disputado sobre o movimento

mas porque nesses o tratamento do infinito do lugar do vaacutecuo e do tempo tinha

reivindicado a maior parte nestes poreacutem os aspectos que dizem respeito ao movimento

satildeo tratados individualmente e com mais delonga Aristoacuteteles portanto na primeira

parte deste livro demonstra que o movimento eacute constituiacutedo por partes divisiacuteveis natildeo

por indivisiacuteveis como opinaram alguns Filoacutesofos que introduziram os aacutetomos isto eacute as

partiacuteculas inseparaacuteveis Na segunda parte ensina de quantos modos se pode dividir o

movimento Na terceira qual eacute tambeacutem a divisatildeo da quietude Na uacuteltima ataca Zenatildeo e

dissolve alguns argumentos deste e de outros filoacutesofos

PROEacuteMIO AO SEacuteTIMO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES149

Alguns inteacuterpretes de Aristoacuteteles rejeitaram este livro por ser apoacutecrifo ou

supeacuterfluo Mas reconhecem que eacute aristoteacutelico pois o estilo e a razatildeo da doutrina satildeo

claramente consentacircneos com a restante obra como afirmam Simpliacutecio Averroacuteis S

Tomaacutes e outros Nem causa obstaacuteculos que o argumento e o objectivo deste livro sejam

148 Trad FM149 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 150

praticamente os mesmos do livro oitavo Aristoacuteteles parece neste livro ter esboccedilado a

obra futura a traccedilos rudimentares como fazem os pintores para que compreendecircssemos

depois mais facilmente cada aspecto instruiacutedos por uma certa noccedilatildeo preacutevia do que no

livro oitavo seria tratado com mais detalhe Este livro foi entatildeo dividido em duas

partes A primeira conteacutem alguns teoremas sobre o princiacutepio do movimento e debruccedila-

se essencialmente sobre essa questatildeo para que demonstre como se produz na natureza

das coisas o primeiro movimento que eacute uno o primeiro motor A outra compara entre si

as coisas que movem e as que satildeo movidas no que diz respeito agrave velocidade e agrave lentidatildeo

do movimento Natildeo deve poreacutem causar admiraccedilatildeo a ningueacutem o facto de Aristoacuteteles ter

neste livro um discurso sobre Deus primeiro princiacutepio das coisas cuja contemplaccedilatildeo e

conhecimento parecem ser proacuteprias do primeiro filoacutesofo que escrutina as causas

supremas das coisas e os princiacutepios mais universais Com efeito o Metafiacutesico e o

Fisioacutelogo com diferentes abordagens disputam sobre a causa primeira Um considera a

natureza da causa primeira e os atributos que natildeo dizem respeito ao movimento o outro

ocupa-se da contemplaccedilatildeo do mesmo ateacute certo ponto na medida em que produz a

locomoccedilatildeo celeste e confina em si a anaacutelise de todas as causas naturais

PROEacuteMIO AO OITAVO LIVRO DA FIacuteSICA DE ARISTOacuteTELES150

Este oitavo livro como eacute o uacuteltimo de todos os da Auscultaccedilatildeo fiacutesica conteacutem

uma doutrina extremamente cuidada e a mais digna para o Filoacutesofo De facto nele

Aristoacuteteles ascende da variedade e inconstacircncia das coisas caducas e materiais agrave

contemplaccedilatildeo e conhecimento de Deus Ora como ensina S Dioniacutesio no capiacutetulo

segundo da Teologia miacutestica e no seacutetimo capiacutetulo De diuinis nominibus o nosso

intelecto avanccedila das coisas criadas para a noccedilatildeo de Deus por trecircs caminhos certamente

por via da superioridade da negaccedilatildeo e da causalidade151 Trecircs coisas que se podem

observar em qualquer criatura abrem este caminho triplo A criatura eacute um ente formado

a partir do nada por algo O ente indica uma perfeiccedilatildeo e quanto a isto conhecemos

Deus por via da superioridade na medida em que a ele atribuiacutemos tudo o que nas coisas

se eleva e sobressai depois de suprimidas todas as marcas da imperfeiccedilatildeo

150 Trad FM151 Leia-se S Damasceno no livro 1 da Feacute Ortodoxa cap 4 S Tomaacutes no 1ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 35 questatildeo 1 art 1 Henrique de Gand na 1ordf parte da Suma art 24 e Durando no 1ordm das Sentenccedilas distinccedilatildeo 3 questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 151

nomeadamente a vida a sabedoria e a bondade A partir do nada porque o vazio que

entretanto afastamos completamente da natureza divina eacute importante para aceder ao

conhecimento de Deus como se diz por via da negaccedilatildeo Por algo denota a causalidade

segundo a qual conhecemos Deus pelos seus efeitos e por outros modos de causas

Todavia Aristoacuteteles neste livro progride nesta terceira via tal como demonstra pelo

movimento e pela ordem subordinada das causas moventes que devem confluir para

uma primeira causa e um primeiro motor Deus que estaacute isento de toda a mutaccedilatildeo

corpoacuterea e de toda a mole assim procura demonstrar que a rotaccedilatildeo do ceacuteu que faltava

no princiacutepio foi produzida por ele e natildeo teraacute fim em nenhum momento dos seacuteculos

OUTROS TEXTOS DA FIacuteSICA

O CONCEITO DE ldquoNATUREZArdquo

Primeira acepccedilatildeo de ldquonaturezardquo O grande nuacutemero de vocaacutebulos para exprimir a

definiccedilatildeo de ldquonaturezardquo talvez obstrua o caminho como escolhos que nele aparecem

para expor convenientemente as diferentes acepccedilotildees da palavra ldquonaturezardquo152 Em

primeiro lugar como afirma Hugo de Satildeo Viacutetor no Didascalion livro 1 capiacutetulo 11

entende-se por ldquonaturezardquo o proacuteprio Deus criador de todas as coisas Poreacutem certos

autores amantes da filosofia mas natildeo da latinidade chamaram a Deus ldquonatura

naturansrdquo [ldquonatureza de que provecircm outras naturezasrdquo] Serve-se desta expressatildeo entre

os estoacuteicos o subtiliacutessimo Seacuteneca no De Officiis livro 4 onde afirma que a natureza eacute

apenas Deus e tambeacutem Santo Agostinho na obra Sobre a Trindade livro 15 capiacutetulo 1

onde escreve que acima da nossa natureza existe uma natureza natildeo criada mas criadora

ou seja Deus Assim se originou a divisatildeo da natureza em ldquouniversalrdquo e ldquoparticularrdquo

designando-se por ldquonatureza universalrdquo mormente Deus que conteacutem e conserva todas as

naturezas e por ldquonatureza particularrdquo que alguns denominam ldquonatura naturatardquo as

outras coisas

Segunda acepccedilatildeo Em segundo lugar entende-se por ldquonaturezardquo a quididade ou

essecircncia Eacute segundo esta acepccedilatildeo que a feacute ensina que as trecircs pessoas divinas constituem

uma uacutenica natureza153 e que se realizou a uniatildeo da natureza divina e da humana na

152 Sobre a significaccedilatildeo de ldquonaturezardquo ver Aristoacuteteles Metafiacutesica livro 5 cap 4 Boeacutecio De Duabus Naturis Temiacutestio e Simpliacutecio nesta obra comentaacuterios aos textos 7 e 16 Avicena Sufficientiae livro 1 cap 6 Averroacuteis Epitome in Metaphysicam153 Credo de Atanaacutesio

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 152

unidade da pessoa do Verbo encarnado154 Costuma tambeacutem dizer-se que a definiccedilatildeo eacute

uma enunciaccedilatildeo que exprime a natureza de um objecto Contudo se nos exprimirmos

com propriedade existe uma distinccedilatildeo entrerdquoessecircnciardquo ldquoquididaderdquo e ldquonaturezardquo a

essecircncia eacute aquilo que faz com que uma coisa seja o que eacute a quididade eacute a essecircncia

enquanto significada pela definiccedilatildeo e a natureza eacute a essecircncia enquanto princiacutepio de

acccedilatildeo

Em terceiro lugar entende-se por ldquonaturezardquo a totalidade dos seres criados Foi

segundo esta acepccedilatildeo que Aristoacuteteles escreveu na Metafiacutesica livro 12 capiacutetulo 7 que a

natureza depende de um primeiro princiacutepio E tambeacutem dizemos que o milagre

transcende todas as forccedilas da natureza155

Propriedades da natureza Em quarto lugar entende-se por ldquonaturezardquo as causas

naturais enquanto operam segundo uma tendecircncia que lhes eacute proacutepria Foi de acordo com

esta acepccedilatildeo que os filoacutesofos atribuiacuteram agrave natureza diversas propriedades por exemplo

nada faz em vatildeo156 realiza o que eacute melhor157 odeia o supeacuterfluo158 os seus efeitos satildeo do

domiacutenio do necessaacuterio159 natildeo consente que algo esteja imoacutevel ou em repouso160 tem

horror ao vaacutecuo161 eacute justa e reparte por cada um o que lhe eacute devido natildeo em partes

iguais segundo uma proporccedilatildeo aritmeacutetica mas geomeacutetrica162 aleacutem disso as suas

operaccedilotildees satildeo obra de uma inteligecircncia163

Significaccedilatildeo principal e proacutepria de ldquonaturezardquo Por fim omitindo outras

significaccedilotildees do vocaacutebulo que satildeo imensas entende-se por ldquonaturezardquo a geraccedilatildeo dos

seres vivos denominada ldquonascimentordquo Esta acepccedilatildeo eacute a principal e a mais verdadeira

tanto entre os Latinos como entre os Gregos Com efeito para os Latinos natura

[ldquonaturezardquo] proveacutem de nasci [ldquonascerrdquo] e para os Gregos physis [ldquonaturezardquo] proveacutem

de phuocirc que significa ldquonascerrdquo Mas porque a geraccedilatildeo se origina num princiacutepio

intriacutenseco a palavra ldquonaturezardquo foi imposta para significar o princiacutepio intriacutenseco de

todas as coisas do qual cada uma delas adquire a capacidade de se mover quer se

154 Conciacutelio de Chale no siacutembolo da feacute155 Satildeo Tomaacutes Suma 1ordfparte questatildeo 10 artigo 7 Quodlibet 4 artigo 5156 Aristoacuteteles Poliacutetica livro 1 cap 2 Sobre a Geraccedilatildeo dos Animais livro 2 cap 4 157 Sobre o Ceacuteu livro 2 cap 5 texto 34 Sobre a Juventude e a Velhice cap 2 158 Sobre a Geraccedilatildeo dos Animais livro 2 cap 4159 Sobre a Alma livro 3 cap 9 texto 41 160 Eacutetica livro 1 cap 7 Sobre o Ceacuteu livro 2 cap 3 texto 17161 Fiacutesica livro 4 a partir do cap 6162 Galeno De Vsu Partium livro 5 cap 9163 Temiacutestio Sobre o Ceacuteu livro 1 cap 2 Averroacuteis Metafiacutesica livro 12 comentaacuterio 18

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 153

considerem os seres viventes quer os desprovidos de vida (Commentarii Collegii

Conimbricensis in Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritae livro 2 capiacutetulo 1

questatildeo 1 artigo 1 pp 217-218)164

NATUREZA E ARTE

Visto que pela comparaccedilatildeo entre natureza e arte se alcanccedila um conhecimento mais

claro da natureza vamos comparaacute-las neste lugar Elas concordam admiravelmente

entre si e tambeacutem diferem Concordam primeiramente porque as operaccedilotildees da natureza

do mesmo modo que a actividade humana na produccedilatildeo artiacutestica se realizam segundo

uma prescriccedilatildeo de modo regular e com ordem (hellip)

As formas artificiais tecircm primeiramente o ser na mente do artiacutefice Em segundo

lugar elas concordam porque do mesmo modo que um agente natural origina um efeito

com ele relacionado e que lhe eacute semelhante em razatildeo da forma pela qual eacute constituiacutedo

tambeacutem o artiacutefice produz uma obra cuja forma corresponde em proporccedilatildeo e semelhanccedila

agrave forma intencional e exemplar por ele concebida Assim como as formas naturais tecircm

o seu primeiro ser no agente de um modo virtual e em seguida na mateacuteria igualmente as

formas dos artefactos obtecircm primeiramente o ser na mente do artiacutefice que se diz

ldquoidealrdquo e em seguida na mateacuteria que o artiacutefice aperfeiccediloa

Que graus existem na produccedilatildeo das coisas Em terceiro lugar elas concordam

porque do mesmo modo que a arte implica a existecircncia da natureza tambeacutem a natureza

implica a existecircncia de Deus165 Ou seja do mesmo modo que a arte nada produz se natildeo

lhe for subministrado um composto fiacutesico no qual realize uma forma engenhosa

igualmente a natureza nada cria se natildeo existir previamente uma mateacuteria criada por Deus

na qual ela origine uma forma natural Deste modo existem trecircs graus na produccedilatildeo das

coisas Deus produz do nada a natureza do ente em potecircncia a arte do ente jaacute

aperfeiccediloado ou determinado positivamente Deus criando a natureza gerando a arte

compondo e dispondo

A natureza e a arte progridem paulatinamente Em quarto lugar elas concordam

porque tanto a arte como a natureza progridem gradualmente e caminham do mais

imperfeito para o mais perfeito A respeito da arte por exemplo um pintor esboccedila em

164 Trad AC165 Leia-se Santo Agostinho livro das Oitenta e Trecircs Questotildees Escoto Sentenccedilas livro 4 distinccedilatildeo 1 questatildeo 1 Egiacutedio Quodlibet 5 questatildeo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 154

primeiro lugar ao de leve a sua obra em seguida daacute-lhe paulatinamente uma forma mais

definida aplicando vaacuterias cores e por fim aperfeiccediloa-a E a arte de tocar um

instrumento musical prescreve que antes da execuccedilatildeo da obra o muacutesico se exercite

previamente Tambeacutem a natureza por exemplo na formaccedilatildeo de um feto (como costuma

suceder noutras coisas) produz inicialmente uma coisa informe na qual natildeo se distingue

a existecircncia de membros em seguida aperfeiccediloa-a pouco a pouco ateacute que apareccedila um

ser vivo com traccedilos fisionoacutemicos perfeitos segundo uma aparecircncia harmoniosa no

tempo por ela estabelecido (hellip)

A natureza eacute a medida da arte a arte eacute a medida dos artefactos Em quinto lugar

elas concordam porque assim como a natureza eacute a medida da arte tambeacutem a arte eacute a

medida dos artefactos E assim como a natureza procura imitar a arte divina tambeacutem a

arte humana procura imitar a natureza tanto quanto lhe eacute possiacutevel166 Por conseguinte a

arte divina eacute causa exemplar da natureza e a natureza eacute uma manifestaccedilatildeo do arqueacutetipo

divino e diz-se simultaneamente causa exemplar da arte humana Eis aqui a razatildeo pela

qual costuma chamar-se agrave arte humana uma segunda natureza ou imitadora da natureza

por imitar muitas coisas da natureza Por exemplo a observaccedilatildeo das sombras deu ensejo

agrave pintura de um quadro a de uma caverna agrave construccedilatildeo de uma casa a do voo das aves

agrave fabricaccedilatildeo da vela as barbatanas dos peixes sugeriram a construccedilatildeo do remo e a

cauda a do leme (hellip)

Em sexto lugar elas concordam porque assim como nos seres naturais tem lugar o

acaso isso tambeacutem acontece nos que satildeo feitos com arte Nos naturais ocorrem a cada

passo muitos exemplos Quanto aos que satildeo feitos com arte foram divulgados dois

exemplos muito semelhantes pelos escritores que Pliacutenio refere na Histoacuteria Natural

livro 35 capiacutetulo 10167

Artes deliberativas e natildeo deliberativas Em seacutetimo lugar elas concordam porque

como ensina Aristoacuteteles nesta obra [Fiacutesica] livro 2 capiacutetulo 8 nem na natureza (ele

considera a natureza como distinta da alma racional) nem na arte existe deliberaccedilatildeo o

que no entanto natildeo deve entender-se de toda a arte visto que na medicina na arte de

navegar e em muitas outras deste geacutenero haacute deliberaccedilatildeo Poreacutem como o proacuteprio

Aristoacuteteles esclarece na Eacutetica livro 3 capiacutetulo 3 natildeo acontece o mesmo nas artes que

166 Sobre o modo como a arte imita a natureza ver Hugo Didascalion livro 1167 Leia-se tambeacutem Plutarco no pequeno livro Sobre a Fortuna

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 155

atingem os seus fins por meios constantes e rotineiros como na arte de danccedilar e na de

escrever as letras o que tambeacutem Temiacutestio exprimiu com estas palavras ldquoNatildeo se

interroga o carpinteiro se em primeiro lugar deve serrar a madeira ou aplainaacute-la nem o

gramaacutetico de que modo devem ser escritas as letras do alfabeto por exemplo A ou B

nem quando Cleacuteon escreve pensa como deve dispor a primeira e a segunda letra e

tambeacutem o arquitecto natildeo se interroga se deve primeiramente construir os alicerces ou as

paredes do edifiacutecio ou pocircr o tecto Igualmente o tecelatildeo e o canteiro enquanto

executam a sua tarefa natildeo deliberam maduramente tendo no entanto cada um deles

como certo e definido que natildeo desconhecem a finalidade da sua obrardquo (Commentarii

Collegii Conimbricensis in Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritae livro 2

capiacutetulo 1 questatildeo 5 artigo 1 pp 230-232)168

Poreacutem a arte e a natureza diferem em muitos aspectos Em primeiro lugar a arte

natildeo produz coisas verdadeiras como uma aacutervore verdadeira mas imitadoras do

verdadeiro e como algueacutem disse com razatildeo realmente falsas por simular com a

aparecircncia de verdadeiro aquilo que efectivamente natildeo eacute Por outro lado ela natildeo pode

igualar a natureza razatildeo pela qual alguns chamaram agraves pinturas ldquosonhos de pessoas

acordadasrdquo pelo facto de natildeo representarem as coisas como elas satildeo mas serem apenas

imitaccedilotildees delas

Elas diferem em segundo lugar porque todas as vezes que a arte e a natureza

convergem para produzir uma obra a arte aperfeiccediloa a natureza como ensina Aristoacuteteles

no capiacutetulo 8 deste livro [livro 2 da Fiacutesica] Aleacutem disso a arte eacute em muitos casos guia e

de norma da natureza e a natureza eacute modelada e dirigida por ela como eacute manifesto no

canto Natildeo deve poreacutem afirmar-se que a arte supera a natureza como adverte Plotino

nas Eneacuteadas IV livro 1 ainda que no canto e na danccedila a natureza seja regulada pelas

prescriccedilotildees da arte

As formas artificiais natildeo datildeo origem a outras Em terceiro lugar elas diferem

porque como afirma Satildeo Tomaacutes no Contra os Gentios livro 2 capiacutetulo 76 as formas

dos objectos artificiais natildeo datildeo origem a outras ao contraacuterio do que sucede com as dos

seres naturais Com efeito uma casa natildeo gera outra casa mas um cavalo gera outro

cavalo A razatildeo desta dissemelhanccedila estaacute em que as formas naturais tecircm o mesmo modo

168 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 156

de ser no progenitor e nas coisas geradas mas o que eacute artificial tem um modo de ser na

mente do artista e outro no objecto feito com arte (hellip)

As formas produzidas pela arte natildeo tecircm forccedila activa Em sexto lugar elas diferem

porque as formas naturais satildeo activas e quase vivas ao passo que as produzidas pela

arte satildeo por assim dizer mortas e inertes visto serem apenas composiccedilatildeo disposiccedilatildeo e

figura ou modos da quantidade como eacute evidente por aquilo que ensinou Aristoacuteteles no

livro primeiro desta obra [Fiacutesica] capiacutetulo 5 Por isso do mesmo modo que a

quantidade eacute pela sua natureza destituiacuteda de actividade e ineficaz e foi concedida agrave

natureza como se fosse uma mateacuteria para sustentar os acidentes tambeacutem as formas

produzidas pela arte natildeo possuem nenhuma eficaacutecia Por conseguinte os seres naturais

podem ter em si um princiacutepio de movimento e de repouso poreacutem com as coisas feitas

com arte acontece de modo diferente como ensina Aristoacuteteles natildeo apenas neste livro

[livro 2 da Fiacutesica] capiacutetulo 1 mas tambeacutem na Eacutetica livro 6 capiacutetulo 4 e na Metafiacutesica

livro 12 capiacutetulo 3 (Idem artigo 2 pp 232-233)169

O ACASO

Razatildeo pela qual os pagatildeos atribuiacuteram um poder divino agrave fortuna Os pagatildeos por

estarem impregnados por inumeraacuteveis supersticcedilotildees atribuiacuteram agrave fortuna um poder

divino e natildeo soacute os poetas que inventaram muitas falsidades mas tambeacutem alguns

filoacutesofos E alguns deles ao desejarem ser saacutebios proferindo ineacutepcias mudaram o sexo

agrave fortuna natildeo a chamando ldquodeusardquo como os poetas mas ldquodeusrdquo Eles foram induzidos a

cometer este erro por terem presenciado certos eventos misteriosos e inopinados cuja

causa desconheciam e natildeo se persuadindo de que natildeo existia nenhuma consideraram

que existia um poder divino oculto no qual esses eventos se tinham originado isto eacute

instituiacuteram a fortuna Daiacute o dito de Ciacutecero ldquoO desconhecimento das coisas e das suas

causas atribuiu o nome agrave fortunardquo

Representaccedilatildeo da fortuna e seu significado O filoacutesofo Cebes e outros antigos

representaram a fortuna cega semelhante a um louco pendente de um rochedo rolante

Com essa representaccedilatildeo eles pretendiam significar que a fortuna imperava sobre todas

as coisas ao acaso e com um iacutempeto cego e natildeo segundo um desiacutegnio e com

discernimento que mudava indiferentemente o destino da vida humana que

169 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 157

atormentava iniquamente sempre propensa ao mal e natildeo ao bem variaacutevel e inconstante

Eacute adequado referir o que Boeacutecio afirmou na obra Sobre a Consolaccedilatildeo pela Filosofia

livro 2 ldquoJogamos um jogo contiacutenuo vivemos numa roda da fortuna voluacutevel

regozijamo-nos em mudar incessantementerdquo

Outra representaccedilatildeo da fortuna Mas os pagatildeos tambeacutem representavam a fortuna de

outros modos para significarem o seu poder soberano Com efeito Buacutepalo como afirma

Pausacircnias no livro 4 foi o primeiro entre os habitantes de Esmirna a realizar uma

estaacutetua da fortuna com a cabeccedila em forma de Estrela Polar e com uma das matildeos em

forma de cornucoacutepia como se realizasse a estaacutetua de uma soberana

Que a opiniatildeo dos pagatildeos sobre o poder e a natureza divina da fortuna seja

absurda e risiacutevel demonstra-o aleacutem de outros Santo Agostinho na Cidade de Deus

livro 4 capiacutetulo 18 e Lactacircncio nas Instituiccedilotildees Divinas livro 3 capiacutetulos 28 e 29

Estabelecemos por isso duas conclusotildees Primeira natildeo deve recusar-se que existe

realmente a fortuna se por ldquofortunardquo se entender uma causa acidental relativamente agraves

coisas que podem ser produzidas em funccedilatildeo de uma finalidade Esta conclusatildeo foi

reconhecida como verdadeira por Aristoacuteteles no capiacutetulo 5 deste livro [livro 2 da

Fiacutesica] e natildeo eacute necessaacuterio corroboraacute-la com argumentos

Quem negou em absoluto o acaso e a fortuna Contudo natildeo deixaram de existir alguns

filoacutesofos posteriores na eacutepoca de Alberto Magno que pensaram e afirmaram que natildeo

pode admitir-se de modo algum o acaso ou a fortuna

Segunda conclusatildeo relativamente a Deus Pontiacutefice Maacuteximo nada pode suceder

por acaso ou de modo fortuito Isto eacute afirmado por Santo Agostinho na obra Sobre a

Trindade livro 3 capiacutetulo 4 deste modo ldquoTudo o que acontece por acaso acontece sem

razatildeo tudo o que acontece sem razatildeo acontece sem a intervenccedilatildeo da Providecircncia mas

nada acontece se natildeo for prescrito por uma lei da providecircncia divina portanto

relativamente a Deus nada pode suceder sem razatildeo ou de modo fortuitordquo Na verdade se

em relaccedilatildeo a Deus algo pudesse suceder fortuitamente ele seria uma causa acidental das

coisas o que eacute contraditoacuterio (Commentarrii Collegii Conimbricensis in Octo Libros

Physicorum Aristotelis Stagiritae livro 2 capiacutetulo 6 questatildeo 1 artigo 1 pp 254-

255)170

170 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 158

NATUREZA E FINALIDADE

Os que pensaram que a natureza opera sem nenhuma finalidade atribuiacuteram a

origem de todas as coisas apenas agrave fatalidade da mateacuteria como Anaxaacutegoras e

Empeacutedocles E Demoacutecrito e Epicuro afirmaram que a causa das coisas consiste na

mistura das partes unidas entre si por acaso171 Poreacutem Platatildeo no Timeu no Feacutedon no

Filebo e no Poliacutetico critica esta opiniatildeo tatildeo absurda e abominada pelo juiacutezo comum dos

filoacutesofos e tambeacutem Aristoacuteteles nos uacuteltimos capiacutetulos desta obra [Fiacutesica] no livro 2 de

Sobre a Vida e a Morte e no livro 1 capiacutetulo 1 de Acerca das Partes dos Animais

Refuta-se pela beleza da natureza Natildeo referindo a filosofia refuta igualmente tal

opiniatildeo a beleza da natureza que se manifesta espontaneamente aos olhos de todos e a

admiraacutevel conformidade que a diversidade harmoniosa das coisas dissemelhantes

evidencia de tal modo que natildeo poderia evidenciaacute-la se natildeo tivesse sido prescrita uma

finalidade Com efeito a diversidade sem conformidade e proporccedilatildeo natildeo origina beleza

A finalidade das coisas eacute a ordem e a observacircncia das leis da natureza Nem em

tanta diversidade de seres naturais existiria um acordo consistente e diuturno se as

coisas fiacutesicas natildeo estivessem todas elas em consonacircncia nalgum bem comum que eacute

necessaacuterio que se realize em virtude de uma finalidade Ora este bem eacute a observacircncia

das leis da natureza e da sua ordem O seu pendor natural e a sua propensatildeo coiacutebe no

Universo a falta de moderaccedilatildeo das partes mais vigorosas estimula a debilidade das mais

deacutebeis refreia o iacutempeto das contraacuterias e por fim suscita em todas as coisas o

comedimento e a moderaccedilatildeo de modo a que natildeo pareccedila estarem em desacordo mas em

harmonia numa alianccedila comum e em simpatia

Razatildeo que comprova que a natureza natildeo opera por acaso mas de acordo com

uma finalidade Isto pode aliaacutes demonstrar-se dado que ou os fenoacutemenos naturais

sucedem por acaso ou por um determinado desiacutegnio da natureza Natildeo por acaso porque

em primeiro lugar qualquer coisa sucederia indiscriminadamente em qualquer operaccedilatildeo

da natureza Desta forma todas as coisas seriam criadas indistintamente e tendo apenas

nelas o seu fundamento sem necessidade de um princiacutepio realizando-se assim o dito

de Lucreacutecio no primeiro dos seus poemas que jaacute noutro lugar referimos172 ldquoNo mar

poderiam nascer os homens na terra as espeacutecies escamosas e do ceacuteu irromper as

171 O erro de Anaxaacutegoras de Empeacutedocles de Demoacutecrito e de Epicuro foi pensar que a natureza natildeo opera relativamente a um fim172 Livro 1 desta obra cap 9 questatildeo 3 artigo 1

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 159

espeacutecies aladasrdquo Em segundo lugar porque o que acontece por acaso raramente

acontece apenas de um modo costumando ocorrer de diversos modos Apercebemo-

nos poreacutem de que certos efeitos especiacuteficos resultam de causas peculiares certamente

de um princiacutepio segundo uma ordem invariaacutevel e sempre ou quase sempre conforme a

mesma razatildeo Portanto nas suas operaccedilotildees os seres naturais movem-se por um certo

impulso e um desiacutegnio da natureza repousando por uacuteltimo no Absoluto Mas o que eacute

isto senatildeo operar de acordo com uma finalidade

Os membros dos animais Por outro lado isso demonstra-o com clareza o grande

nuacutemero de membros nos animais dispostos com tanta ordem e sabiamente e a

disposiccedilatildeo de tantas partes natildeo apenas adequadas para seu ornamento mas tambeacutem para

fazerem uso delas e o aparato de tatildeo grande nuacutemero de oacutergatildeos de tantas forccedilas e

potecircncias de tantos instrumentos num conjunto multiforme173 Quem recusar que tudo

isto foi concedido para operar e mais ainda por causa de um fim eacute louco E o que pode

ser mais incompatiacutevel com a razatildeo do que pensar que aquilo que foi criado pela arte

humana de acordo com uma finalidade (como um navio para navegar e uma casa para

impedir os rigores celestes) ndash que eacute realmente perfeito com tatildeo admiraacutevel artifiacutecio e tatildeo

eminente e divina proporccedilatildeo ndash foi realizado segundo um movimento fortuito e

inconstante da natureza vacilante e natildeo por causa de um fim

Dedicaccedilatildeo dos irracionais na procriaccedilatildeo dos filhos Manifestam a mesma coisa a

dedicaccedilatildeo dos irracionais na procriaccedilatildeo dos filhos a induacutestria na construccedilatildeo dos ninhos

o empenho na procura de alimentos a diligecircncia em defenderem-se a si proacuteprios e em

preservar a sua espeacutecie as armas e a forccedila com que acometem e repelem os inimigos e

os estratagemas com os quais os evitam Dado que tudo isto foi feito por eles com tanta

veemecircncia e vigor da sua natureza eacute evidente que foi realizado em virtude de um bem

e por conseguinte de um fim (hellip)

A Terra estaacute situada no centro do mundo E o que dizer da mole da Terra Natildeo eacute

verdade que ela manifesta um desiacutegnio da providecircncia divina pela sua grandeza pela

sua proporccedilatildeo pela sua beleza e pela sua utilidade Ela estaacute imoacutevel firmemente

suspensa no centro do mundo sempre com o mesmo peso sempre redonda e diacutespar nas

suas formas com vales profundos encostas iacutengremes montanhas alcantiladas irrigada

por rios e por fontes que irrompem do solo sempre a mesma sempre diferente Num

173 Leia-se Santo Agostinho livro 22

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 160

momento como que debilitada e desfalecida com o rigor do solstiacutecio do Inverno

noutro renascida com as floraccedilotildees da Primavera cobrindo-se de vaacuterias cores

Generosidade e riqueza da terra Nenhuma das suas partes eacute desprovida de utilidade e

nenhuma eacute infecunda No subsolo eacute rica como uma deusa em diamantes ouro prata e

outros metais agrave superfiacutecie apresenta-se revestida de flores de arbustos de aacutervores e de

frutos cuja extraordinaacuteria abundacircncia soacute pode comparar-se agrave sua indescritiacutevel

variedade Em tamanha magnificecircncia da natureza manifesta-se de modo admiraacutevel a

providecircncia divina sendo por isso evidente a existecircncia de uma finalidade

Grandiosidade dos oceanos bela e fecunda Esta finalidade evidencia-se ainda na

imensidade dos oceanos tatildeo bela para o olhar tatildeo fecunda na procriaccedilatildeo de seres vivos

tatildeo abundante em peixes e outros animais aquaacuteticos E eles natildeo satildeo menos dignos de

admiraccedilatildeo pelos movimentos de avanccedilo e de recuo das ondas e pelas tempestades que se

precipitam sem temerem a costa sobre a areia dentro de limites prefixados como se

contivessem dentro de si uma lei escrita e agrave semelhanccedila de um cavalo indomaacutevel que

refreado pelo cavaleiro com o azorrague flecte o pescoccedilo elas recuam Quem atribuir

isto ao acaso desconhece o que seja o acaso pois o que sucede por acaso de modo

algum se realiza segundo uma lei e uma ordem mas acontece desordenadamente

Amplitude beneficecircncia e beleza do orbe celeste Por uacuteltimo essa finalidade

manifesta-se com muito maior evidecircncia pela maacutequina do mundo celeste que sustenta e

conteacutem o mundo inferior num estreito abraccedilo Nela resplandecem as estrelas brilhantes

nas noites liacutempidas e tecircm lugar as revoluccedilotildees de tantas esferas celestes com uma

celeridade inconcebiacutevel assim como o curso dos planetas regressando ao seu lugar

natural e o movimento do Sol com a sua aproximaccedilatildeo e o seu afastamento que

determinam a sucessatildeo dos anos e com o seu nascimento e ocaso dos dias e das noites

Esfera de Arquimedes Portanto se aqueles que tinham visto a esfera construiacuteda por

Arquimedes natildeo duvidaram de que esse artefacto tinha sido realizado por um engenho

eminente quem eacute de tal modo ignorante que recuse que tatildeo admiraacutevel obra foi criada

pela inteligecircncia e pela arte divina em funccedilatildeo de uma finalidade Em suma para

concluir em poucas palavras mesmo que a mateacuteria fosse infinita a totalidade do

Universo seria natildeo apenas uma criaccedilatildeo divina mas tambeacutem proclamaria que lhe foi

estabelecida uma finalidade Com efeito seria improacutepria da sapiecircncia de um tatildeo grande

artiacutefice uma obra tatildeo admiraacutevel embora feita com arte e engenhosamente se ele tivesse

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 161

operado em vatildeo Teria poreacutem operado em vatildeo se natildeo lhe houvesse estabelecido uma

finalidade (Commentarii Collegii Conimbricensis in Octo Libros Physicorum Aristotelis

Stagiritae livro 2 capiacutetulo 9 questatildeo 1 artigo 1 pp 350-352)174

Vamos agora expor os argumentos em que se baseiam os defensores do acaso para

demonstrarem que a natureza natildeo opera em funccedilatildeo de um fim mas que realiza todas as

coisas ao acaso e de modo fortuito Primeiro argumento se a natureza operasse em

funccedilatildeo de um fim ter-se-ia mostrado mais magnacircnima para com os homens do que a

respeito dos irracionais mas natildeo foi isso que sucedeu dado que se comportou em

relaccedilatildeo a estes como uma matildee e com aqueles como uma madrasta portanto ela natildeo

operou em funccedilatildeo de um fim A premissa maior eacute evidente pois a razatildeo de quem age

tendo em vista um fim sobretudo se for dirigida por uma causa primeira exige que

aquilo que eacute mais excelente ocupe um lugar superior

A natureza outorgou armas agraves bestas aguerridas e concedeu agraves tiacutemidas outro

expediente Demonstra-se a premissa menor pois a natureza concedeu agraves bestas o

agasalho mas o homem nasceu nu como um naacuteufrago lanccedilado agrave costa175 e outorgou-

lhes tambeacutem meios de defesa e de ataque com os quais ficam mais fortes e aguerridas

e concedeu agraves mais tiacutemidas astuacutecia agilidade e capacidade de fuga Mas deixou o

homem desarmado para o combate na arena mais lento para fugir dos perigos e mais

deacutebil para poder defender-se

Definiccedilatildeo de ldquohomemrdquo colhida em Aristoacuteteles Por uacuteltimo omitindo outras coisas o

homem estaacute exposto no decurso da vida aos mais penosos infortuacutenios e agraves maiores

calamidades razatildeo por que se diz que Aristoacuteteles apresentou a seguinte definiccedilatildeo de

ldquohomemrdquo ldquoO homem eacute o exemplo da debilidade o despojo do tempo o joguete da

fortuna a imagem da inconstacircncia e da desventura o resiacuteduo o muco e a biacutelis da

naturezardquo (hellip)176

As condiccedilotildees atmosfeacutericas mudam Segundo argumento o que acontece em

funccedilatildeo de um fim acontece ordenadamente mas na natureza existem muitas coisas

adversas e sem ordem portanto etc Demonstra-se a premissa menor porque por vezes

as condiccedilotildees atmosfeacutericas mudam intempestivamente com invernos quentes e verotildees

174 Trad AC175 Leia-se Pliacutenio livro 7 cap 1 176 Leia-se Estobeu Sermones 96 sobre a brevidade da vida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 162

frios E outras vezes haacute no Universo muitas ocorrecircncias desordenadas como confirmam

as inundaccedilotildees dos rios e dos oceanos as erupccedilotildees vulcacircnicas o sopro desregrado dos

ventos os terramotos e outros fenoacutemenos deste geacutenero Mais que isso tambeacutem os

eclipses do Sol e da Lua no firmamento parecem sem ordem (hellip)

Terceiro argumento o que existe de acordo com um fim tem utilidade e eacute

profiacutecuo existem poreacutem na natureza muitas coisas totalmente inuacuteteis como certos

animais muito pequenos e muitas outras que natildeo apenas natildeo satildeo profiacutecuas mas ao

contraacuterio causam dano como certas ervas nocivas e certos animais venenosos

portanto nem tudo o que a natureza realiza eacute realizado de acordo com um bem e uma

finalidade (Idem artigo 2 pp 352-353)177

Resposta ao primeiro argumento Superioridade do homem Natildeo haacute no entanto

razatildeo para algueacutem ficar perturbado com os argumentos anteriores pois natildeo eacute de modo

nenhum difiacutecil a sua refutaccedilatildeo Relativamente ao primeiro concede-se a proposiccedilatildeo

maior e nega-se a menor Com efeito Deus agiu muito melhor para com o homem do

que a respeito dos irracionais dado lhe ter concedido muitos e excelentes dons e

benefiacutecios tanto naturais como sobrenaturais E como lhe ofereceu em abundacircncia

todas as coisas como num festim comum tornou tambeacutem toda a natureza sua tributaacuteria

como eloquentemente declara Satildeo Damasceno em A Exposiccedilatildeo da Feacute Ortodoxa livro 2

capiacutetulo 10 e Teodoreto no segundo discurso da obra Sobre a Providecircncia

A razatildeo foi dada ao homem em vez do agasalho e das armas Agravequilo que foi

objectado a respeito do agasalho e dos meios de defesa e de ataque dos animais

responde Lactacircncio na obra De Opificio Dei capiacutetulo 2 que o homem foi criado nu e

desarmado porque a natureza podia muni-lo da arma da inteligecircncia e dotaacute-lo com a

vestimenta da razatildeo Eacute quase idecircntica a resposta de outros autores178 Na verdade em

vez do agasalho e dos meios de defesa e de ataque recebeu o homem da natureza a

excelecircncia da mente e um engenho penetrante e fecundo com o qual pudesse inventar e

dispor todas as coisas

As matildeos como oacutergatildeo de todos os instrumentos E ele foi tambeacutem munido das

matildeos como um oacutergatildeo comum e o instrumento de todos os instrumentos do qual pudesse

servir-se para realizar aquelas coisas (hellip)

177 Trad AC178 Como Galeno De Vsu Partium 8

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 163

Igualmente a objecccedilatildeo acerca das adversidades da vida humana facilmente se

soluciona afirmando em primeiro lugar que a culpa eacute do homem por ter decaiacutedo do

estado de felicidade em que Deus o tinha criado Aleacutem disso elas datildeo ensejo a que o

homem pratique e aperfeiccediloe a virtude Por outro lado tambeacutem permitem distinguir o

homem dos irracionais como eacute evidente pelo que foi exposto (hellip)

A respeito dos eclipses ningueacutem pode afirmar que existe neles uma falta de

ordem dado que em virtude da sua regularidade na esfera celeste e da sua uniformidade

invariaacutevel (que foram estabelecidas para ornamento do mundo) eacute necessaacuterio que

ocorram com intervalos de tempo definidos

Ao terceiro argumento deve responder-se que nada eacute inuacutetil para Deus ou que as

coisas foram criadas sem uma finalidade embora pareccedila aos ignorantes de modo

diferente como se algueacutem numa oficina de um artiacutefice pensasse que os instrumentos

foram multiplicados sem necessidade por ignorar o seu uso

Os animais muito pequenos natildeo satildeo de maneira nenhuma supeacuterfluos

Particularmente que os animais muito pequenos natildeo devem considerar-se inuacuteteis

evidencia-se porque sendo belos cada um deles no seu geacutenero manifestam algum

encanto no conjunto das coisas como numa repuacuteblica que realiza um fim comum

conforme reconhece entre outros Aristoacuteteles na obra Acerca das Partes dos Animais

livro 1 capiacutetulo 5 Na verdade o divino artiacutefice se foi magnacircnimo nas coisas grandes

natildeo o foi menos nas pequenas e nas aparentemente despreziacuteveis

A natureza apenas se realiza totalmente nas coisas muito pequenas E Pliacutenio

escreveu com razatildeo na Histoacuteria Natural livro 11 capiacutetulo 2 que a ordem na natureza

apenas se realiza totalmente nas coisas muito pequenas Quanto a Santo Agostinho

afirma na obra Cidade de Deus livro 22 capiacutetulo 24 que satildeo mais dignas de admiraccedilatildeo

as coisas diminutas que as de grande volume Na verdade causa-nos maior espanto a

induacutestria de uma formiga e de uma abelha que o corpo gigantesco de uma baleia

Os animais venenosos natildeo satildeo supeacuterfluos no mundo Nem os animais venenosos

satildeo supeacuterfluos ou inuacuteteis quer por causa daquilo que pouco antes afirmaacutemos quer

porque como escreve Santo Agostinho no De Genesi contra Manichaeos livro 1

capiacutetulo 16 eles natildeo devem ser temidos por essa razatildeo porquanto nos advertem que

devemos amar uma vida melhor na qual existe a mais elevada tranquilidade de espiacuterito

Tambeacutem as coisas nocivas se nos servirmos delas de modo conveniente e sabiamente

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 164

costumam proporcionar muito proveito como declaram Satildeo Jeroacutenimo no Contra

Joviano livro 6 capiacutetulo 6 Satildeo Joatildeo Damasceno em A Exposiccedilatildeo da Feacute Ortodoxa

livro 2 capiacutetulo 10 e ainda outros Aleacutem disso como escreve Lactacircncio nas

Instituiccedilotildees Divinas livro 6 capiacutetulo 4 eles natildeo devem ser temidos porque foi uacutetil

proporcionar aos seres humanos coisas profiacutecuas e coisas nocivas para fazerem uso da

sua razatildeo evitando estas e apetecendo aquelas (Idem artigo 3 pp 353-355)179

COMO OS SERES NATURAIS ATINGEM OS SEUS FINS

Trecircs modos de alcanccedilar um fim Para poder entender-se de que forma os seres

naturais atingem os seus fins deve advertir-se que existem trecircs modos de alcanccedilar um

fim O primeiro e principal eacute o dos entes que natildeo soacute entendem o fim como um bem e

uma conveniecircncia mas tambeacutem conhecem a natureza e a conformidade dos meios para

atingi-lo Apenas a respeito destes pode afirmar-se que agem em funccedilatildeo de um fim

porque como eacute evidente soacute eles operam com discernimento e deliberaccedilatildeo ordenando

para esse fim os seus actos Nesta categoria estatildeo apenas incluiacutedas as substacircncias

dotadas de inteligecircncia O segundo180 eacute o dos entes que quando muito tecircm

conhecimento dos fins materialmente isto eacute como um bem e uma conveniecircncia como

quando um cavalo sequioso se movimenta para a aacutegua natildeo tendo poreacutem consciecircncia

do caminho para chegar agrave aacutegua nem da aacutegua para matar a sede nem da natureza e da

ordem das coisas Estatildeo neste caso os irracionais que para atingirem os seus fins agem

por instinto e imaginaccedilatildeo e natildeo conscientemente O terceiro e uacuteltimo eacute o dos entes que

de modo algum conhecem os fins como sucede com aqueles que estatildeo desprovidos de

inteligecircncia e sensibilidade Por isso soacute aos entes da primeira espeacutecie foi atribuiacutedo o

perfeito conhecimento do fim como fim dado que apenas eles podem deliberar com

discernimento a respeito das coisas pois os restantes satildeo estimulados pelo impulso da

natureza para actividades definidas que natildeo necessitam de deliberaccedilatildeo (hellip)

As coisas desprovidas de conhecimento satildeo dirigidas para um fim pelo autor da

natureza Natildeo deve poreacutem causar admiraccedilatildeo que as coisas totalmente desprovidas do

conhecimento dos fins operem em conformidade com eles Na verdade elas satildeo

dirigidas para um fim por uma causa superior e mais excelente ou seja pelo proacuteprio

179 Trad AC180 Sobre este segundo grau ver Satildeo Tomaacutes Suma 1ordfparte questatildeo 19 artigo 1 Ferrariense Contra os Gentios livro 3 caps 16 e 31

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 165

criador da natureza que conhece a finalidade de todas as coisas atribuindo-lhes a

propensatildeo e a capacidade para alcanccedilaacute-la como declaram Alberto Magno neste lugar

[na Fiacutesica] e Satildeo Tomaacutes no Contra os Gentios primeira parte questatildeo 103 artigo 1181

uma flecha embora ignorando o seu movimento dirige-se para um fim em virtude do

impulso e da direcccedilatildeo que lhe imprimiu o arqueiro Aleacutem disso deve considerar-se a

sentenccedila bem conhecida dos filoacutesofos referida por Temiacutestio na obra Sobre a Alma livro

1 comentaacuterio 23 e na Fiacutesica livro 1 texto 81 e por Averroacuteis na Metafiacutesica livro 12

comentaacuterio 18 ldquoAs operaccedilotildees da natureza satildeo operaccedilotildees de uma inteligecircncia isto eacute

quando a natureza opera eacute posta em movimento por uma razatildeo superior ou seja por

Deus como se ela fosse um instrumento da arte divina e dirigida pela inteligecircncia do

criador do mundordquo (Commentarii Collegii Conimbricensis in Octo Libros Physicorum

Aristotelis Stagiritae livro 2 capiacutetulo 9 questatildeo 2 artigo 2 pp 357-358)182

181 E tambeacutem Satildeo Tomaacutes Contra os Gentios livro 3 cap 24182 Trad AC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 166

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Quatro Livros Sobre O Ceacuteu de

Aristoacuteteles Estagirita

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 167

PROEacuteMIO AOS QUATRO LIVROS SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES183

Sobre a organizaccedilatildeo do saber Sendo natildeo soacute um defensor como tambeacutem um

diligentiacutessimo cumpridor da ordem e do meacutetodo na transmissatildeo dos saberes Aristoacuteteles

depois de ter dissertado nos oito livros da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica sobre todos os tipos de

corpos naturais dos seus princiacutepios causas e disposiccedilotildees em termos gerais procura

agora deixar essa disputa geneacuterica para passar a explicar pormenorizadamente as partes

e os membros de cada ente moacutevel E natildeo se deve aprovar a opiniatildeo de alguns jaacute noutro

lugar por noacutes refutada184 que pensam que os livros da Fiacutesica pertencem agrave Metafiacutesica

pelo contraacuterio a Fisiologia comeccedila pelos livros Sobre o Ceacuteu

Primeira opiniatildeo sobre o assunto desta obra Haacute poreacutem sobre a mateacuteria

tratada nesta obra alguns dissiacutedios Jacircmblico e Siriano consideram que eacute sobre aquilo

que daacute o tiacutetulo a todo o tratado isto eacute o ceacuteu pois natildeo se trata aqui de outros corpos

nem por si mesmos nem abertamente mas somente porque o conhecimento deles

conduz agrave intelecccedilatildeo da natureza dos corpos celestes ou porque o ceacuteu os influencia

Segunda opiniatildeo Alexandre a quem S Tomaacutes daacute o seu assentimento acredita que [o

assunto] eacute o universo pelo facto de nesta obra como consta do desenvolvimento do

primeiro livro serem transmitidas as propriedades do universo nomeadamente o ser

perfeito uno ingeacutenito e indissoluacutevel

Terceira Simpliacutecio e alguns outros pensam que eacute o corpo simples que

compreende o ceacuteu e os habituais quatro elementos considerado poreacutem em funccedilatildeo da

razatildeo de se movimentar no espaccedilo na medida em que as partes a ele sujeitas obtecircm uma

posiccedilatildeo definida e um lugar no mundo

Qual delas satisfaz Esta opiniatildeo eacute satisfatoacuteria natildeo soacute porque na verdade

Aristoacuteteles no primeiro e no segundo livros trata do quinto corpo simples enquanto no

terceiro e no quarto trata dos elementos segundo as referidas disposiccedilotildees como tambeacutem

porque natildeo discute em nenhum outro lugar na sua Fisiologia sobre os corpos simples

vistos deste modo ainda que este estudo dada a grande importacircncia para os filoacutesofos

exija uma obra particular Este eacute entatildeo o escopo destes livros esta a mateacuteria sobre a qual 183 Trad FM184 Refutada no proeacutemio da Fiacutesica defendida por Mirandulano no livro 15 De singulari certamine a partir da secccedilatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 168

se debruccedila Aristoacuteteles de tal maneira que insere outras coisas tambeacutem a ela atinentes no

decorrer deste tratado e desenvolve-as de forma cuidada e diligente Poreacutem natildeo se

devia tratar dos corpos compostos em geral na medida em que estatildeo sujeitos ao

movimento no espaccedilo mas separadamente porque sendo conhecidos os movimentos

dos elementos era faacutecil investigar as deslocaccedilotildees para cada um dos compostos porque

se desenvolvem a partir dos elementos visto que eles natildeo se deslocam senatildeo pela forccedila

do elemento dominante Na verdade nada obsta agrave nossa opiniatildeo sobre o assunto desta

obra o tiacutetulo dela pois os livros costumam ser por vezes designados em funccedilatildeo da

mateacuteria que eacute mais importante Ora entre os corpos simples os celestes ocupam o lugar

principal

De que modo se pode conciliar a segunda e a terceira opiniotildees Todavia

temos de advertir o que tambeacutem notou Simpliacutecio que a opiniatildeo de Alexandre em nada

discorda da nossa se Alexandre entender o universo como aquilo que compreende

apenas todos os corpos simples que satildeo as partes maiores e mais visiacuteveis a partir das

quais eacute imediatamente restabelecido Destes corpos trata Aristoacuteteles em exclusivo

nesta obra como consta do seu desenvolvimento e adverte S Tomaacutes no comentaacuterio ao

texto 5

Sobre a importacircncia deste conhecimento Assim sendo o valor desta parte da

filosofia torna-se evidente em funccedilatildeo da importacircncia do objecto sobretudo desta parte

que discute sobre o ceacuteu porque se o considerarmos um estado nada pode haver de

mais firme se for uma ordem nada mais certo se for um tipo de beleza nada mais

elegante

Sobre o prazer desse mesmo conhecimento E de facto quatildeo grande eacute o prazer

que proporciona agraves nossas almas esta contemplaccedilatildeo tanto o ensina a proacutepria

experiecircncia como o que escreveu Fiacutelon Judeu no livro De mundi opificio ao afirmar

que o homem foi introduzido por Deus no mundo como se entrasse num banquete e

num teatro o primeiro guarnecido pela riquiacutessima abundacircncia de todas as coisas que a

terra os rios o mar e o ar provecircem simultaneamente para seu usufruto e contentamento

o outro repleto de variados espectaacuteculos que o orbe celeste imenso pela sua

magnitude impetuoso pelos seus percursos e luminoso pelo seu esplendor exibe todos

os dias quando avanccedila pela noite limpa com serena graccedila reluzindo pela diversidade

das estrelas como se fossem joacuteias intermitentes ou quando mostra o nascimento a vida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 169

e a morte dos astros que se movem nos sete globos inferiores e cujo percurso se diz

errante (embora vagueiem sem qualquer erracircncia pelo contraacuterio prosseguem de acordo

com uma ordenaccedilatildeo invariaacutevel por itineraacuterios ciacuteclicos) ou quando por si soacute conduz

tantas danccedilas de constelaccedilotildees como se fossem levadas pela matildeo as quais rodopiam ao

longo da oacuterbita do seu jugo e assim de uma e outra parte conduz inuacutemeros rebanhos de

estrelas menores ao firmamento185 como se fosse um agradaacutevel campo

Sobre a utilidade Por fim quanta utilidade e frutos podem resultar desta

disciplina em prol da educaccedilatildeo dos costumes e do desprezo pelas coisas caducas

ensina-o Seacuteneca com estas palavras no exoacuterdio agraves Questotildees Naturais ldquoA mente

quando estaacute entre os proacuteprios astros diverte-se a rir dos pavimentos dos ricos e de toda

a terra com o seu ouro natildeo digo apenas aquele que ela produziu e entregou para cunhar

moedas mas tambeacutem o que conserva em segredo por causa da avareza das geraccedilotildees

futuras E natildeo eacute capaz de desprezar as portas e os tectos resplandecentes de marfim e de

ouro nem os jardins aparados e os rios desviados para junto das casas antes de circular

por todo o ceacuteu e olhando do alto o estreito orbe terreno (em grande parte coberto pelo

mar e tambeacutem na parte que resta largamente esquaacutelido ou seco ou gelado) dizer de si

para si laquoEacute este afinal o ponto que divide todos os povos pelo ferro e pelo fogo Oh

quatildeo ridiacuteculas satildeo as limitaccedilotildees dos mortais Eacute apenas o pequeno espaccedilo em que

navegamos em que lutamos em que instituiacutemos os reinosraquordquo Seacuteneca profere estas

palavras e outras que apontam para a mesma posiccedilatildeo

Sobre a organizaccedilatildeo Toda a obra estaacute entatildeo disposta em quatro livros No

primeiro demonstra-se que se deve considerar um outro corpo o quinto de natureza

mais elevada jaacute referido que juntamente com os quatro elementos constitui este mundo

visiacutevel e sobrepotildee-se a todos os corpos simples pela dignidade e superioridade da sua

natureza explica-se simultaneamente alguns atributos do universo No segundo trata-se

particularmente do ceacuteu em si mesmo No terceiro e no quarto dos elementos Mas estas

mateacuterias estatildeo expostas mais detalhadamente no frontispiacutecio e no iniacutecio de cada livro

185 Aplane do grego aplanes que significa lsquosem errorsquo para designar a parte fixa da esfera celeste (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 170

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES186

No iniacutecio deste livro Aristoacuteteles prova em primeiro lugar que o universo eacute

perfeito e absoluto em todas as suas partes Depois se falarmos em termos gerais deve-

se contabilizar apenas trecircs movimentos simples o que existe a partir do centro o que

existe em direcccedilatildeo ao centro e o que existe agrave volta do centro e o uacuteltimo deles conveacutem a

um corpo que se deve constituir necessariamente na natureza das coisas ou seja ao ceacuteu

Prova tambeacutem que o corpo celeste natildeo eacute um dos quatro elementos nem eacute composto a

partir deles mas de outra natureza que natildeo a sublunar de composiccedilatildeo simples que eacute o

primeiro quanto agrave ordem quase divino no geacutenero e inviolaacutevel de condiccedilatildeo pois natildeo eacute

pesado nem leve nem pode ser gerado nem morrer nem diminuir nem aumentar e

por fim que natildeo lhe conveacutem nenhum movimento para aleacutem do circular Comprova

depois que o mundo eacute delimitado por fronteiras certas e que nenhum corpo infinito

pode estar sujeito ao movimento nem existir na natureza e ainda que os mundos natildeo

podem ser em nuacutemero infinito nem mais do que um e que fora do acircmbito do ceacuteu natildeo

pode existir nem um corpo nem o vaacutecuo Por fim esforccedila-se por persuadir que a

universalidade do mundo eacute livre de corrupccedilatildeo e que natildeo teve origem nem poderaacute ser

destruiacuteda em nenhum momento dos seacuteculos que hatildeo-de vir

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES187

A discussatildeo deste livro estaacute dividida em trecircs partes Primeiro trata-se do ceacuteu no

seu todo o qual entre as restantes partes do universo consideradas por Aristoacuteteles nesta

obra obteacutem a hegemonia Depois sobre os astros Em terceiro lugar da terra natildeo tanto

da razatildeo da terra como do ceacuteu pois foi difundida por todo o lado No que diz respeito agrave

primeira parte repete-se nela o que Aristoacuteteles tinha exposto no livro anterior e que eacute

comum ao ceacuteu em si mesmo e ao grande corpo ou seja ao universo como o facto de o

ceacuteu natildeo nascer natildeo morrer e ser eterno Depois ensina as seis especificidades de lugar

que se lhe adequam em cima em baixo diante atraacutes agrave direita e agrave esquerda E tambeacutem

que os movimentos dos corpos celestes satildeo muitos embora equivalentes e semelhantes

entre si Posto isto resolve a outra parte do tratado em trecircs questotildees a saber qual a

natureza das estrelas qual o seu movimento qual a sua configuraccedilatildeo Por fim emprega

186 Trad FM187 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 171

a terceira parte a explicar por que razatildeo a terra se situa no centro do universo por que

estaacute parada e por que tem uma configuraccedilatildeo redonda Parece-nos necessaacuterio advertir

neste ponto que ningueacutem se deve deixar perturbar pelo facto de nem no uacuteltimo livro

nem nos que se seguem se encontrarem as mesmas coisas que estatildeo em alguns outros

coacutedices os iniacutecios dos capiacutetulos e as divisotildees dos textos visto que nestes detalhes os

exemplares diferem imenso

PROEacuteMIO AO TERCEIRO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES188

Visto que a mateacuteria tratada nesta obra como no iniacutecio anunciaacutemos eacute o corpo

simples considerado como algo que pode mover-se no espaccedilo e que requer uma sede

certa e definida no mundo depois de Aristoacuteteles ter dissertado no primeiro livro sobre

alguns dos atributos do universo cuja concepccedilatildeo foi desenvolvida a partir dos corpos

simples no segundo tratou detalhadamente da configuraccedilatildeo e dos movimentos do ceacuteu e

dos astros bem como de outras disposiccedilotildees deste tipo

Passa-se agora agrave discussatildeo sobre os outros corpos simples isto eacute sobre os

quatro elementos na medida em que satildeo pesados ou leves e tecircm movimento em

direcccedilatildeo aos locais que lhes satildeo convenientes segundo a ordem do universo Conteacutem

entatildeo sete partes a exposiccedilatildeo deste livro Na primeira para que se compreenda com

mais clareza e exactidatildeo o que se deve dizer sobre os elementos recenseia Aristoacuteteles

os pareceres dos antigos sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo das coisas De facto uns fizeram

depender do centro toda a geraccedilatildeo de substacircncia como Xenofonte de Coacutelofon

Parmeacutenides e Melisso Outros consideraram que todas as coisas satildeo geradas Entre eles

Heraclito de Eacutefeso estabeleceu que todas as coisas fluem e evoluem nada eacute estaacutevel

excepto o princiacutepio uno a partir do qual todas as coisas satildeo criadas o que natildeo

desagradava aos Pitagoacutericos que concebiam todo o corpo a partir das superfiacutecies e dos

planos e enunciavam que toda a mole corpoacuterea se devia reduzir ao mesmo Na segunda

parte contesta Platatildeo e Timeu defensores deste dogma e conclui que natildeo existe

geraccedilatildeo de todos os corpos nem de nenhum Na terceira evidencia que alguns dos

movimentos naturais se devem aos quatro elementos sobretudo aos dois extremos ou

seja agrave terra e ao fogo refuta ainda Demoacutecrito e Leucipo que natildeo atribuiacuteam qualquer

movimento certo a estes corpos bem como Timeu que acreditou que antes da criaccedilatildeo

188 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 172

do mundo os elementos agitavam-se num movimento ocasional e desordenado Na

quarta demonstra que as faculdades motoras competem aos elementos refiro-me ao

peso e agrave leveza e natildeo existe nenhum no grupo dos quatro elementos que natildeo requeira

estas disposiccedilotildees mas os restantes compostos a partir destes satildeo conduzidos pelo

elemento dominante Na quinta para que se torne patente que alguns corpos satildeo

passiacuteveis de geraccedilatildeo (pois natildeo haacute geraccedilatildeo de todos nem de nenhum) ensina em

primeiro lugar o que eacute um elemento e depois estabelece que os elementos estatildeo

contidos nos compostos circunscritos a uma certa quantidade e necessariamente apenas

um Na sexta adverte que os elementos natildeo estatildeo imunes agrave destruiccedilatildeo pelo contraacuterio

satildeo pereciacuteveis nem se constituem a partir do outro elemento o quinto mas na verdade

circulam alternadamente entre si Na uacuteltima parte aprecia trecircs opiniotildees sobre o modo de

gerar dos elementos uma de Empeacutedocles outra de Demoacutecrito e a terceira dos

Pitagoacutericos depois ainda uma outra a partir das quais refuta algumas no momento

presente

PROEacuteMIO AO QUARTO LIVRO SOBRE O CEacuteU DE ARISTOacuteTELES189

Escopo do livro Aristoacuteteles neste livro prossegue a disputa sobre os

conhecidos quatro elementos do mundo anteriormente instituiacuteda e de todo necessaacuteria

para o completo esclarecimento desta disciplina E do mesmo modo que no iniacutecio do

primeiro livro ensinou a partir da propriedade do movimento circular o que eacute o ceacuteu e

demonstrou a sua natureza e disposiccedilotildees assim deduz agora para o conhecimento dos

elementos a partir das especificidades do movimento recto De facto visto que a

natureza como se torna evidente do segundo livro da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica natildeo eacute senatildeo o

princiacutepio do movimento e do repouso em que assenta nenhum meacutetodo pode ser mais

conveniente ao filoacutesofo natural na contemplaccedilatildeo das realidades fiacutesicas do que aquele

que investiga a forccedila de cada corpo natural a partir do movimento que pela lei da

natureza lhe foi atribuiacutedo Ora dado que o movimento natural pelo qual se vai para

cima e para baixo natildeo conveacutem aos elementos a natildeo ser na medida em que satildeo leves ou

pesados sem a intervenccedilatildeo da leveza e do peso por isso mesmo trata Aristoacuteteles neste

livro sobre o leve e o pesado de forma aberta e cuidada

189 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 173

Organizaccedilatildeo do livro Ora em primeiro lugar declara simplesmente o que eacute

ser pesado e ser leve e quais satildeo as coisas que se chamam por comparaccedilatildeo a outras ora

pesadas ora leves Depois submete a um exame as opiniotildees dos antigos sobre o peso e

a leveza Posteriormente inquire as causas pelas quais uns tendem sempre para cima e

outros para baixo Em quarto lugar estabelece a diferenccedila entre os dois elementos

extremos ndash a terra e o fogo ndash e os dois intermeacutedios ndash a aacutegua e o ar Por fim resolve

algumas outras questotildees respeitantes ao movimento desses elementos

TRATADO DE ALGUNS PROBLEMAS SOBRE ASPECTOS RELATIVOS AOS QUATRO ELEMENTOS DO

MUNDO DISTRIBUIacuteDOS PELO MESMO NUacuteMERO DE SECCcedilOtildeES

PROEacuteMIO 190

O valor desta obra ndash jaacute o apreciaacutemos noutro local no fim destes livros em que

Aristoacuteteles tratou dos quatro elementos ndash seraacute o de apresentar uma breve e resumida

explicaccedilatildeo de alguns problemas sobre assuntos relativos aos quatro elementos O que

tambeacutem fizeram parcialmente nesta e parcialmente noutras mateacuterias diferentes

Aristoacuteteles Plutarco Alexandre de Afrodiacutesia e alguns outros autores natildeo sem o

proveito e a utilidade de uma profiacutecua erudiccedilatildeo A nossa consideraccedilatildeo no tratamento

destes problemas dos elementos seraacute todavia um pouco mais livre do que aquela sob a

qual satildeo estudados na doutrina dos livros Sobre o ceacuteu onde Aristoacuteteles dissertou sobre

eles apenas na medida em que se movem no espaccedilo e obtecircm um lugar certo no mundo

como noutro local advertimos Na verdade natildeo reunimos neste tratado todos os

problemas do argumento proposto mas reservaacutemos propositadamente muitos para os

livros dos Meteoros e Sobre a geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo que tambeacutem tocam a disciplina dos

elementos

190 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 174

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus Sobre A Geraccedilatildeo e a

Corrupccedilatildeo de Aristoacuteteles Estagirita

Coimbra 1597

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 175

SOBRE A GERACcedilAtildeO E A CORRUPCcedilAtildeO

SOBRE A ORDENACcedilAtildeO DO SABER O ASSUNTO O TIacuteTULO E A DIVISAtildeO DESTA OBRA191

Depois dos ensinamentos dos livros Sobre o Ceacuteu nestes que vecircm

imediatamente depois Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo Aristoacuteteles ocupa-se do

tratamento aprofundado de algumas das principais afeiccedilotildees dos corpos que nascem e

morrem e de tal modo que disserta sobre elas apenas em termos gerais na maior parte

da obra porque depois haacute-de explicar pormenorizadamente essas mesmas afeiccedilotildees no

restante desenvolvimento da sua Fisiologia

A hierarquia dos saberes De facto a hierarquia dos saberes assim o postula

bem como o proacuteprio Aristoacuteteles no proeacutemio da Auscultaccedilatildeo Fiacutesica e no livro 1 Sobre

as Partes dos animais capiacutetulo 1 Hipoacutecrates no livro Sobre a natureza humana e

Soacutecrates no Fedro de Platatildeo advertem que devemos avanccedilar do confuso para o

evidente do geral para o menos geral

Vaacuterias opiniotildees sobre o assunto Existe poreacutem um dissiacutedio entre os autores

sobre a mateacuteria abordada nesta obra Alberto Magno no comentaacuterio a este livro no

primeiro tratado capiacutetulo 1 afirma que eacute o corpo simples ou seja o elemento enquanto

moacutevel ou mutaacutevel em relaccedilatildeo agrave forma substancial ou acidental natildeo a externa tal como

eacute o lugar mas a interna isto eacute no interior da proacutepria coisa aquela a que se chama

lsquorecebidarsquo Concordam com esta opiniatildeo Alexandre no livro 1 dos Meteoroloacutegicos e

Averroacuteis no livro 1 Sobre o Ceacuteu comentaacuterio 3 e tambeacutem Aristoacuteteles parece ser-lhe

favoraacutevel no livro 1 Sobre a sensaccedilatildeo e o sensiacutevel capiacutetulo 4 onde chama a esta obra

Tratado sobre os elementos e no livro 2 Sobre a Alma capiacutetulo 11 texto 117 onde

anuncia ter aqui estudado os elementos mais precisamente no segundo livro no qual

disserta sobre a transmutaccedilatildeo reciacuteproca e a origem dos elementos

Platatildeo censurado por Aristoacuteteles No entanto este parecer natildeo nos agrada

porque nestes livros como notou Filoacutepono Aristoacuteteles disputa cuidadosamente natildeo soacute

sobre os elementos mas tambeacutem sobre as afeiccedilotildees dos compostos que geralmente

seguem os corpos sujeitos agrave geraccedilatildeo Eacute o que promete fazer no primeiro e no segundo

capiacutetulo do primeiro livro e nesse mesmo capiacutetulo segundo censura Platatildeo por ter

apenas abrangido a geraccedilatildeo dos simples e natildeo de todos os corpos tambeacutem dos

191 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 176

compostos Por essa razatildeo Aristoacuteteles natildeo pocircde prescindir destes ensinamentos com

aquela amplitude que requeria a Platatildeo Mas o que foi aduzido a favor da parte contraacuteria

natildeo eacute conclusivo Decerto Aristoacuteteles no local citado chama a esta obra Tratado sobre

os elementos por ter sobre eles dissertado neste livro segundo mas de facto essa

discussatildeo natildeo eacute suficiente para que por causa dela se deva considerar o elemento como

o assunto de toda a obra uma vez que nela tambeacutem se trata aprofundadamente das

propriedades comuns dos compostos e das afeiccedilotildees de acordo com o estabelecido

como haacute pouco advertimos

Verdadeira posiccedilatildeo sobre o assunto Deve portanto determinar-se juntamente

com S Tomaacutes Egiacutedio Marsiacutelio Veneto e outros relativamente a esta questatildeo que o

primeiro ou principal assunto desta obra ou eacute o corpo passiacutevel de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo

ou entatildeo o que vai dar no mesmo o corpo mutaacutevel na medida em que pode mudar de

acordo com a sua forma substancial Isto eacute portanto o que requer a parte mais

significativa deste trabalho e a maior atenccedilatildeo como eacute evidente para os leitores

O movimento local dos corpos simples pertence aos livros Sobre o Ceacuteu E

porque aqui se trata explicitamente da alteraccedilatildeo do aumento da diminuiccedilatildeo do

crescimento e da mistura em simultacircneo deve dizer-se que se natildeo falarmos apenas do

assunto principal mas do que a ele se adequa ou quase se adequa o assunto eacute o corpo

moacutevel natildeo apenas porque pode comportar uma geraccedilatildeo substancial mas tambeacutem outros

geacuteneros comuns de mudanccedilas com excepccedilatildeo do movimento local que como conveacutem

aos corpos simples foi explicado nos livros Sobre o Ceacuteu E o modo como se daacute nos

animais eacute detalhadamente tratado nos livros Sobre a locomoccedilatildeo dos animais e Sobre o

movimento dos animais Mas o tipo de deslocaccedilatildeo que se adapta aos compostos

desprovidos de alma exige uma consideraccedilatildeo particular e de algum modo distinta da que

eacute proacutepria dos livros Sobre o ceacuteu porque tais compostos natildeo se movimentam senatildeo pela

capacidade ou pela forccedila do elemento dominante segundo a natureza Alguns a partir

dos autores acima referidos chamam ao mencionado sujeito lsquocorpo moacutevel inerente agrave

formarsquo para excluir a deslocaccedilatildeo das espeacutecies que compreendem as restantes mutaccedilotildees

pois dizem que ela tende apenas para a forma externa ou seja para o lugar e natildeo reside

no corpo moacutevel mas no corpo envolvente Noacutes poreacutem abstivemo-nos dessa designaccedilatildeo

porque no livro 3 da Fiacutesica192 aprovaacutemos o parecer dos que consideram que a

192 Capiacutetulo 3 questatildeo 2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 177

deslocaccedilatildeo natildeo se daacute no corpo envolvente mas naquele que eacute transferido pelo proacuteprio

movimento e natildeo requer como fim uma forma externa por si mesma mas interna ou

seja que se encontra no proacuteprio corpo moacutevel

Tiacutetulo da obra Intitula-se entatildeo esta obra Sobre a Geraccedilatildeo e a Corrupccedilatildeo

uma designaccedilatildeo tomada como por vezes acontece a partir do mais importante Visto

que a geraccedilatildeo como havemos de expor no devido local se estabelece como a

disposiccedilatildeo mais importante dos corpos pereciacuteveis

Divisatildeo Todo este tratado que se resume a dois livros conteacutem no entanto

uma explanaccedilatildeo tripartida Nos quatro capiacutetulos iniciais do primeiro livro trata-se da

geraccedilatildeo e da morte bem como da alteraccedilatildeo na restante parte desse mesmo livro fala-se

do aumento do contacto da acccedilatildeo da paixatildeo e da mistura Todo o segundo livro por

sua vez se ocupa da reflexatildeo sobre os quatro elementos natildeo apenas na medida em que

se originam e se destroem a si proacuteprios mas tambeacutem porque estimulam os ciclos de

nascimento e de morte a outros corpos constituiacutedos pela mistura com eles

Opiniatildeo de Alexandre e de outros sobre o quarto livro dos Meteoroloacutegicos

Alguns autores entre os quais Alexandre de Afrodiacutesia consideram que o quarto livro

dos Meteoroloacutegicos devia ser anexado a estes dois e esta questatildeo foi de facto

veementemente debatida por alguns filoacutesofos modernos com argumentos aduzidos em

favor de uma e outra parte Em nosso entender se a opiniatildeo de Alexandre parece

perfeitamente provaacutevel a contraacuteria poreacutem apoiada por Olimpiodoro Filoacutepono S

Tomaacutes Alberto Magno e muitos outros agrada-nos mais e tem a seu favor a conhecida

disposiccedilatildeo e organizaccedilatildeo destes livros que segundo consta eacute muito antiga a tal ponto

que teraacute vigorado antes dos tempos de Alexandre como aliaacutes testemunha o proacuteprio E

assim consideramos que o tal livro quarto nem deve ser adicionado a esta obra nem

separado da Meteorologia De facto o que os adversaacuterios objectam dizendo que o seu

ensinamento e escopo (porque como eacute evidente nele se transmite a forccedila e a eficiecircncia

das quatro qualidades primaacuterias) parece ser estranho agrave Meteorologia natildeo eacute tanto assim

Na verdade como nos trecircs primeiros livros dos Meteoroloacutegicos Aristoacuteteles tinha

dissertado sobre as disposiccedilotildees dos elementos e tambeacutem tinha ensinado de que modo os

compostos imperfeitos satildeo geradas na sublime regiatildeo do ar tal como os metais as

pedras e todas as outras coisas no seio da terra achou uacutetil para ilustrar melhor a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 178

mateacuteria mostrar no quarto livro dessa mesma obra o que eacute visto como comum na

origem de tais realidades

PROEacuteMIO AO PRIMEIRO LIVRO

SOBRE A GERACcedilAtildeO E A CORRUPCcedilAtildeO DE ARISTOacuteTELES193

Os ensinamentos deste livro estatildeo organizados deste modo nos dois primeiros

capiacutetulos previamente conhecido o objectivo de toda a obra Aristoacuteteles recorda as

opiniotildees dos antigos sobre o nascimento e a morte das coisas e tambeacutem a distinccedilatildeo

entre geraccedilatildeo e alteraccedilatildeo

Quanto eacute uacutetil que as opiniotildees dos antigos sejam trazidas agrave consideraccedilatildeo Eacute que

muitos autores conseguiram distinguir-se no tratamento destas mateacuterias controversas

natildeo sem grande proveito e utilidade para a disputa suscitada Primeiro porque muitas

vezes recorremos ao testemunho deles cuja autoridade eacute aceite em virtude da sua

antiguidade para dizer o que merece confianccedila Natildeo eacute sem razatildeo que se diz que a

sabedoria estaacute nos antigos194 Aleacutem do mais isso foi de tal forma instigado e infundido

nas almas dos homens que na maior parte das vezes os que condenam os mais antigos

e se esforccedilam por espetar os olhos das gralhas ndash com diz o proveacuterbio ndash descobrindo

novas opiniotildees ao quererem ser admirados em funccedilatildeo dessa novidade acabam por ser

rebaixados Segundo porque como ensina Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a Alma capiacutetulo

5 texto 85 o homem recto eacute juiz do seu e do contraacuterio Para avaliar correctamente

conveacutem natildeo soacute examinar a verdade mas tambeacutem distinguir o que os outros dizem de

falso E assim a verdade bilha ainda mais e na presenccedila dela a falsidade desvanece-se

como uma neacutevoa diante do raio do sol Em terceiro lugar porque natildeo eacute justo condenar

os outros por uma razatildeo inexplicaacutevel e como afirma Aristoacuteteles no livro 1 Sobre o

Ceacuteu capiacutetulo 10 texto 101 o que se deve dizer torna-se mais crediacutevel depois de terem

sido previamente ouvidas as razotildees daquelas opiniotildees que satildeo chamadas agrave controveacutersia

sobretudo por ser conveniente que os que julgam a verdade natildeo sejam adversaacuterios mas

sim aacuterbitros Por estas razotildees portanto Aristoacuteteles nos capiacutetulos que dissemos

apresenta e pondera as opiniotildees e os argumentos dos outros Depois no terceiro e no

quarto capiacutetulos trata da geraccedilatildeo e da corrupccedilatildeo das coisas de acordo com o seu

193 Trad FM194 Livro de Job capiacutetulo 12

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 179

proacuteprio parecer e declara por que motivo a geraccedilatildeo eacute diferente da alteraccedilatildeo e

seguidamente por que razatildeo a alteraccedilatildeo se distingue dos outros movimentos Entatildeo no

capiacutetulo quinto disserta sobre o aumento e a diminuiccedilatildeo os quais demonstra serem

diferentes dos outros movimentos E porque nem a geraccedilatildeo nem a alteraccedilatildeo nem o

aumento nem a diminuiccedilatildeo podem existir sem o contacto a acccedilatildeo e a paixatildeo disputa

sobre eles ateacute ao capiacutetulo nono inclusive Por fim no capiacutetulo deacutecimo aborda

detalhadamente o que eacute passiacutevel de mistura o que eacute a mistura a que coisas se adequa e

de que modo se pode estabelecer

PROEacuteMIO AO SEGUNDO LIVRO

SOBRE A GERACcedilAtildeO E A CORRUPCcedilAtildeO DE ARISTOacuteTELES195

Escopo deste livro O objectivo de Aristoacuteteles neste livro eacute dissertar sobre os

conhecidos quatro elementos do mundo Embora tenha abordado este assunto no

terceiro e no quarto livros Sobre o Ceacuteu todavia a perspectiva nesta obra eacute outra Isto

porque os elementos podem ser vistos como tendo uma sede certa e definida no mundo

para a qual satildeo direccionados por uma propensatildeo inata ou por um movimento proacuteprio

ou entatildeo como sendo os primeiros corpos passiacuteveis de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo que

proporcionam a todos os outros corpos sublunares a causa do nascimento e da morte

Apreciaccedilatildeo dos elementos neste livro Logo o primeiro tipo de apreciaccedilatildeo foi

empreendido naqueles dois livros Sobre o Ceacuteu o outro foi relegado para este livro e

exprime-se sobretudo em trecircs questotildees A primeira delas eacute qual a natureza dos

elementos a segunda se satildeo perpeacutetuos ou sujeitos ao nascimento e agrave morte pelo menos

em parte a terceira uma vez que satildeo sujeitos a geraccedilatildeo se todos se formam por si

mesmos sem distinccedilatildeo numa alternacircncia ciacuteclica ou se um deles se forma e a partir

dele na qualidade de primeiro satildeo gerados os restantes

195 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 180

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Livros dos Meteoroloacutegicos de

Aristoacuteteles Estagirita

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 181

PROEacuteMIO196

A ordem da doutrina Depois de Aristoacuteteles ter exposto a doutrina comum aos

elementos e agraves outras substacircncias passiacuteveis de dissoluccedilatildeo nos livros Sobre a Geraccedilatildeo e

de ter tratado da transformaccedilatildeo do nascimento da corrupccedilatildeo e da composiccedilatildeo dedica-

se nesta obra agrave investigaccedilatildeo pormenorizada da natureza dos compostos Isto porque

dentro do conjunto de coisas que satildeo originadas pela composiccedilatildeo algumas soacute satildeo

compostas segundo as qualidades como o orvalho o gelo e a geada ou seja aquelas

que por reterem a forma proacutepria de um elemento obtecircm as quatro qualidades primaacuterias

o calor o frio a humidade e a secura Outras satildeo compostas segundo a substacircncia que

para aleacutem da mistura das quatro qualidades requer uma forma proacutepria distinta dos

elementos pela espeacutecie e de novo dentro deste uacuteltimo tipo uns satildeo compostos

animados como algumas raccedilas de animais outros satildeo desprovidos de alma como as

pedras e os metais197

Assunto Assim sendo Aristoacuteteles divide a explicaccedilatildeo destas mateacuterias de

modo a que nestes quatro livros Sobre os meteoroloacutegicos transmita a disciplina dos

que natildeo tecircm alma tanto dos imperfeitos como dos perfeitos E por outro lado nas

restantes obras de Fisiologia que jaacute se conhecem disserte sobre os compostos perfeitos

e animados numa longa e pormenorizada seacuterie de estudos Por isso o proacuteprio autor no

exoacuterdio deste primeiro livro a todos anuncia o que jaacute tinha discutido sobre a Fiacutesica e o

que ainda faltava tratar abrangendo tudo isso num breve epiacutelogo Daiacute se torna desde

logo evidente de acordo com a ordem estabelecida quais satildeo as partes da Filosofia

natural que vecircm antes e depois desta obra

Tiacutetulo Ora no que diz respeito ao tiacutetulo designam-se estes livros de τῶν

μετεώρων ou de μετεωρολογικῶν pelo facto de versarem sobre as coisas que tecircm

origem na regiatildeo atmosfeacuterica do mundo sublunar Μετέωρoν designa de facto toda a

atmosfera e μετεωρολογία a razatildeo e a ciecircncia dos fenoacutemenos atmosfeacutericos Mas

como Aristoacuteteles trata abertamente neste local tambeacutem as coisas que nasceram nos

lugares subterracircneos e nas profundezas da terra com todo o direito poderia algueacutem 196 Trad FM197 Disserta-se sobre as mesmas mateacuterias no livro Do mundo para Alexandre e do mesmo tratou esparsamente Pliacutenio nos livros da Histoacuteria Natural bem como Alberto Magno nos seus Meteoroloacutegicos Georgius Agricola em muitos livros Seacuteneca no livro das Questotildees Naturais e muitos outros

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 182

perguntar por que razatildeo todo o tratado recebe o nome apenas em funccedilatildeo do que se passa

na atmosfera

Justificaccedilatildeo do tiacutetulo Diversas satildeo as justificaccedilotildees para este facto asseveradas

pelos autores Primeiro porque Aristoacuteteles disserta em primeiro lugar dos fenoacutemenos

atmosfeacutericos Segundo porque eles ocupam uma parte maior do estudo do que as

realidades subterracircneas Embora a natureza das pedras e dos metais seja complexa e a

sua consideraccedilatildeo no acircmbito da filosofia seja largamente evidente Aristoacuteteles poreacutem

natildeo explorou nesta obra o conhecimento absoluto e apurado dessas mateacuterias Em

terceiro lugar porque a maioria ou a totalidade das realidades aqui tratadas possuem

em vez de mateacuteria vapor ou uma exalaccedilatildeo que se manteacutem na atmosfera por si proacutepria

Por uacuteltimo pelo facto de as coisas que aparecem na atmosfera provocarem mais

admiraccedilatildeo em quem as observa

Divisatildeo Divide-se entatildeo os Meteoroloacutegicos aristoteacutelicos em quatro livros No

primeiro dos quais trata-se sobretudo dos fenoacutemenos iacutegneos no segundo e no terceiro

dos aquaacuteticos e aeacutereos no quarto dos terrestres mas grande parte dele eacute dedicada agrave

discussatildeo sobre as quatro qualidades primaacuterias

Algumas opiniotildees sobre o quarto livro dos Meteoroloacutegicos Daiacute que Alexandre

e Amoacutenio tenham considerado que se devia juntar aos livros Sobre a geraccedilatildeo e a

corrupccedilatildeo aos quais diz respeito a contemplaccedilatildeo das disposiccedilotildees elementares Ainda

que esta opiniatildeo que lembraacutemos noutro lugar seja provaacutevel eacute todavia mais verosiacutemil a

que seguem Olimpiodoro e Filoacutepono que incluem este livro nos Meteoroloacutegicos em

quarto lugar Isto pelo facto de Aristoacuteteles ter tratado exaustivamente nesse livro as

qualidades primaacuterias dos elementos mas fecirc-lo pelo seguinte para que o conhecimento

dos metais e das outras realidades deste tipo sobre o qual tinha dissertado tanto nesse

como nos trecircs primeiros livros se tornasse mais claro e mais exacto associado agrave

explicaccedilatildeo das referidas qualidades por obra e intervenccedilatildeo das quais se formam os

fenoacutemenos meteoroloacutegicos

Razatildeo da brevidade que acompanha estes comentaacuterios Decidimos entatildeo ndash

pelo motivo de reconhecermos a brevidade como absolutamente necessaacuteria para os

alunos de Filosofia que devem completar o curriacuteculo das artes no tempo predefinido ndash

decidimos dizia eu nesta obra o que tambeacutem fizemos nos livros dos Pequenos

naturais omitir a explanaccedilatildeo do contexto aristoteacutelico e por vezes tambeacutem como eacute

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 183

nosso costume discutir as questotildees numa e noutra perspectiva A partir do que eacute

esparsamente transmitido por Aristoacuteteles vamos escolher o que for mais digno e mais

importante num soacute ponto e juntar ao mesmo princiacutepio as outras observaccedilotildees pertinentes

para apresentar tudo aos leitores de acordo com a nossa perspectiva resumidamente

dividido em capiacutetulos de modo a que a explicaccedilatildeo destas mateacuterias que satildeo por

natureza muito agradaacuteveis possa ser tambeacutem mais agradaacutevel e mais proveitosa Vamos

deixar de lado algumas questotildees sobre o movimento dos astros e a dependecircncia do

mundo sublunar em relaccedilatildeo ao ceacuteu que costumam ser tratadas por alguns neste livro

mas que noacutes explicaacutemos de forma suficientemente copiosa nos livros Sobre o Ceacuteu

OUTROS TEXTOS DOS METEOROLOacuteGICOS

TRATADO III198

ACERCA DOS COMETAS

CAPIacuteTULO I

ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES DOS FILOacuteSOFOS QUANTO Agrave MATEacuteRIA E Agrave NATUREZA DOS COMETAS

Tecircm os cometas um lugar fundamental entre os corpos iacutegneos pois atraem sobre

si os olhares de todos e natildeo haacute quem natildeo deseje saber o que satildeo Tal como afirma

Seacuteneca nas Questotildees Naturais livro sete capiacutetulo um esquecido dos outros interroga-

se quanto ao fenoacutemeno sem saber se deve ser admirado ou temido Deste modo sobre

eles foram muitas as questotildees discutidas pelos filoacutesofos e tambeacutem muitos tratados e

escritos foram produzidos por outros autores Por essa razatildeo tambeacutem noacutes acerca deles

vamos discutir com profundidade

Em primeiro lugar a sua mateacuteria e natureza Foram apresentadas vaacuterias posiccedilotildees

quanto a esta questatildeo que Aristoacuteteles transmite no livro primeiro no capiacutetulo sexto e

Plutarco no De Placitis livro 3 cap 2 Alguns satildeo de opiniatildeo de que os cometas satildeo

constituiacutedos de mateacuteria celeste199 e que pertencem ao nuacutemero das estrelas errantes tal

como Apoloacutenio de Mindo afirmava ter sido visto pelos Caldeus junto de quem tinha

estudado

Eacute certo que Demoacutecrito e Anaxaacutegoras que conduziram esta questatildeo para outro

domiacutenio julgaram que o cometa natildeo eacute mais do que a conjunccedilatildeo dos vaacuterios planetas em 198 Trad PBD199 Que os cometas satildeo de mateacuteria celeste afirma Tadeu Hagecius na obra Dialexis de novae et prius incognitae stellae apparitione

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 184

nuacutemero de sete os mesmos que satildeo considerados pela astrologia Isto eacute vaacuterios planetas

aproximam-se uns dos outros de tal modo que formam a aparecircncia de um corpo mais

longo fundido numa soacute luz indistinta E assim acontece porque devido agrave alteraccedilatildeo da

sua posiccedilatildeo e da distacircncia de uns aos outros eles se manifestam umas vezes maiores

outras menores e se prestam agrave observaccedilatildeo ora com um aspecto ora com outro

Os Pitagoacutericos e Hipoacutecrates - natildeo o de Coacutes o Pai da medicina mas o outro o

natural de Quios - este e o seu disciacutepulo Eacutesquilo julgaram que todos os cometas eram

uma soacute e a mesma estrela errante distinta dos sete conhecidos porque os vemos brilhar

nada mais do que em longos intervalos dos tempos e como acompanha sempre o sol

dada a proximidade se oculta sob o seu brilho e natildeo se deixa contemplar mesmo

quando dele se afasta

Estes filoacutesofos tambeacutem discordaram entre si jaacute que os Pitagoacutericos disseram que a

cauda ou a cabeleira do cometa fazia parte do seu corpo ou dele emanava Hipoacutecrates e

Eacutesquilo todavia achavam que era um outro corpo celeste que a ele se agregava a partir

das emanaccedilotildees gasosas desencadeadas na parte superior Porque as emissotildees gasosas

recebem o brilho do sol como se fossem um espelho do mesmo modo o reflectem e eacute

esse o motivo que os faz emitirem luz E como satildeo influenciados pelas estrelas por cuja

forccedila satildeo atraiacutedos tambeacutem as vemos a inclinarem-se para um lado e assim noacutes

observamos estrelas com cabeleira

Apoloacutenio de Mindo estabeleceu que o cometa eacute uma estrela errante que se

distingue de outras sete natildeo sempre a mesma mas muitas que separadamente e em

tempos distintos saem agrave vista dos mortais enquanto fenoacutemenos constantes e que tecircm

um movimento distinto do trajecto dos outros planetas e atravessam num trajecto

bastante longo as regiotildees mais afastadas do mundo celeste movendo-se ora para cima

ora para baixo Eacute justamente quando vem no fim do seu trajecto que o cometa aparece

No livro citado Seacuteneca daacute razatildeo a Apoloacutenio naquele ponto em que afirma ser o

cometa uma estrela errante Distingue-se todavia ao afirmar que dado que ele se

desloca em trajectos diferentes o seu movimento eacute em todos os domiacutenios impossiacutevel de

prever De facto estaacute convencido de que existem vaacuterios tipos de estrelas vagantes entre

as quais o cometa eacute uma categoria para aleacutem das referenciadas pelos astroacutelogos

Argumento De facto o fixo e imoacutevel povo a quem satildeo reveladas no mais vasto e

no mais belo corpo celeste isto eacute o ceacuteu por entre estrelas incontaacuteveis que iluminam a

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 185

noite segundo uma disposiccedilatildeo diversa algumas que permanecem pouco tempo na

quietude do ar e outras que de facto aiacute se fixam porque natildeo conveacutem que exerccedilam sobre

si proacuteprias o menor estiacutemulo de movimento

Resoluccedilatildeo da duacutevida E seraacute essa a razatildeo que levou a estabelecer que muitas

constituiacuteam planetas em nuacutemero de sete Quando se pergunta por que razatildeo natildeo se

considera tambeacutem correcta a classificaccedilatildeo dos cometas entre o grupo destas estrelas

errantes Respondemos que muitas que se manifestam o satildeo agora ignoramos quais eacute

que exactamente o satildeo

A concoacuterdia do mundo a partir dos contraacuterios Do mesmo modo se algueacutem

argumentar que as estrelas se apresentam em forma de esfera ao passo que o cometa

exibe uma cabeleira e uma barba surge no capiacutetulo vinte e sete do mesmo livro que tal

natildeo deve ser visto como alvo de admiraccedilatildeo porque como a concoacuterdia do mundo se

estabelece a partir de vaacuterios contraacuterios e como a natureza natildeo apresenta a sua obra

numa forma uacutenica antes se exibe a si proacutepria como diversa separou os cometas do

restante grupo e atribuiu-lhes uma face diferente

Por estas razotildees de facto se prova que devem os cometas ser colocados entre as

criaccedilotildees eternas da natureza e que natildeo resultam de modo algum da congregaccedilatildeo de

outras criaccedilotildees aeacutereas porque tudo o que o ar cria eacute breve quando eacute gerado a partir de

uma mateacuteria fugaz e mutaacutevel Assim nem pode de modo duraacutevel alguma coisa nele

permanecer pois eacute de tal modo versaacutetil que nunca permanece o mesmo durante muito

tempo e num momento breve parte para outro estado O que tambeacutem transparece no

exemplo das nuvens que satildeo entidades muito proacuteximas do ar a tal ponto que nelas ele

se adensa e a partir delas se rarefaz agrave medida que estas ora se agregam ora se fundem

sem nunca estarem quietas

Esta eacute a razatildeo por que natildeo eacute possiacutevel que um fogo constante se fixe num corpo

vago e nele se sustente de modo firme Verifica-se que se os cometas se alimentam a

partir das exalaccedilotildees e da reuniatildeo do ar apresentariam um movimento descendente

sempre que o ar se apresentasse mais pesado e quanto maior fosse a proximidade da

terra Todavia nunca nenhum cometa foi visto no horizonte ateacute desaparecer ou a

aproximar-se do solo Para aleacutem disso se o cometa fosse um fogo compoacutesito tornar-se-

ia em dias alternados maior e menor o que a experiecircncia nega Depois natildeo eacute possiacutevel

que fogos aeacutereos se desloquem no orbe celeste tal como os que vemos sob o ceacuteu

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 186

Portanto estabelece-se que os cometas satildeo corpos [pesados] e da mesma natureza que a

dos corpos celestes

CAPIacuteTULO II

REFUTACcedilAtildeO DAS AFIRMACcedilOtildeES ANTERIORES

As afirmaccedilotildees que trouxemos agrave lembranccedila no capiacutetulo anterior na medida em

que estabelecem que os cometas participam da natureza celeste desviaram-se da

verdade quer em conjunto quer individualmente consideradas

O cometa natildeo eacute resultado da conjunccedilatildeo de muitos planetas Em primeiro lugar

aquela que estabeleceu que o cometa eacute resultado da conjunccedilatildeo de muitos planetas eacute

vencida pelo argumento de que os planetas do universo numa altura determinada se

repeliram uns pelos outros e todos ou quase todos satildeo visiacuteveis em simultacircneo sobre o

horizonte ao passo que o cometa aparece de vez em quando e a presenccedila de corpos

errantes foi documentada natildeo apenas entre os planetas mas tambeacutem quando viajam a

grandes distacircncias como ensina Aristoacuteteles no capiacutetulo sexto em cujo tempo nenhum

cometa parece ter sido avistado Em segundo lugar porque os planetas natildeo viajam para

aleacutem do Zodiacuteaco ao passo que os cometas satildeo observados noutras regiotildees do ceacuteu Em

terceiro lugar porque a conjunccedilatildeo de um soacute planeta com outro dura um breve espaccedilo de

tempo como estaacute patente na lua nova e no crepuacutesculo Agora os cometas com

frequecircncia podem contemplar-se pelo espaccedilo de seis meses Em quarto lugar porque

seria de certo modo conveniente que essa chegada sucedesse segundo uma determinada

disciplina e segundo um nuacutemero definido de anos Ora os cometas natildeo cumprem estas

exigecircncias Em quinto lugar porque no reinado de Aacutetalo um cometa brilhou

percorrendo toda a Via Laacutectea na sua totalidade e se este se tivesse formado a partir da

conjunccedilatildeo de planetas nem todos os planetas que agora satildeo visiacuteveis nem todos os

outros tinham sido suficientes para perfazer a sua grandeza

Quanto agrave opiniatildeo dos pitagoacutericos Hipoacutecrates e Eacutesquilo que afirmaram que os

cometas satildeo uma e a mesma estrela errante distinta das outras estrelas comuns

contrapotildee-se o argumento seguinte dela decorre que nunca dois cometas satildeo avistados

ao mesmo tempo facto que a experiecircncia ensina como o contraacuterio segundo testemunho

de Aristoacuteteles livro um capiacutetulo sexto Escaliacutegero tambeacutem o manifesta nas

Exercitationes in Cardanum 70 e afirma ter visto dois cometas ao mesmo tempo em

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 187

diferentes latitudes durante vaacuterios dias um ao nascer do sol outro ao pocircr do sol E

tambeacutem porque se os cometas permanecem ocultos devido agrave proximidade do sol e se se

tornam mais visiacuteveis quando dele se afastam natildeo poderatildeo deixar de ser vistos no

movimento contraacuterio nem quando retornam ao sol de que se haviam afastado tal como

a lua apoacutes a lua nova que quanto mais se afasta do sol maior e mais luminosa se nos

mostra e em continuidade quanto mais proacuteximo se chega a ele mais o seu tamanho se

reduz e eacute ocultada pelo sol ateacute que por fim a imagem se desvanece

Ora quanto aos cometas eacute evidente que a questatildeo eacute outra uma vez que estes vatildeo

desaparecendo agrave medida que aumenta a distacircncia do sol

Os cometas natildeo satildeo estrelas errantes Por fim o facto de os cometas natildeo serem

estrelas errantes da maneira que Apoloacutenio e Seacuteneca imaginaram acerca dessa questatildeo

pode concluir-se que sempre que o ceacuteu se apresente leve e transluacutecido natildeo poderatildeo eles

ocultar-se dos nossos olhos e por esse motivo se tornam permanentemente visiacuteveis

Mas entre todas as afirmaccedilotildees acima apresentadas a de que os cometas satildeo

compostos a partir de mateacuteria celeste acerca dela seraacute explicitada a mais nobre

refutaccedilatildeo no capiacutetulo seguinte quando expusermos que os cometas satildeo gerados abaixo

da lua a partir da agregaccedilatildeo de elementos

Resoluccedilatildeo dos argumentos Na verdade a estes argumentos de Seacuteneca deve

responder-se que embora o ar seja de certo modo voluacutevel e inconstante isso natildeo

impede todavia que o cometa natildeo possa chamar a si durante um certo nuacutemero de

meses muita mateacuteria viscosa e bem ligada entretanto acompanhando o movimento do

proacuteprio ar para cima e com ele igualmente descendo sobre o orbe Tambeacutem as nuvens

porque satildeo compostas de mateacuteria leve e fraacutegil se dissipam num curto intervalo de

tempo

Por que eacute que os cometas natildeo descem De facto o cometa natildeo desce porque vai

seguindo o alimento ateacute aquele ar proacuteximo das terras e quanto mais pesado estiver na

regiatildeo superior uma vez que o cometa natildeo se incendeia a natildeo ser que haja grande

abundacircncia de gazes viscosos pode tanto mais adensar-se e inflamar-se na regiatildeo mais

elevada como exporemos adiante

Tambeacutem natildeo desce pelo seu proacuteprio movimento porque natildeo desceraacute enquanto

estiver dominado pela leveza das chamas (Jaacute que tambeacutem a densidade da sua mateacuteria

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 188

pode ser superior agrave leveza do ar) e enquanto estiver sob influecircncia da forccedila de atracccedilatildeo

de algum outro corpo

Tambeacutem natildeo eacute aceitaacutevel que o cometa sofra em cada dia um aumento ou uma

diminuiccedilatildeo de tamanho nem a tiacutetulo excepcional porque uma vez que eacute lento a arder a

mateacuteria acesa pode em alguns casos conservar-se no mesmo estado o tempo suficiente

ateacute que o possamos ver ou eventualmente ser-lhe fornecida vinda de outras partes a

quantidade de combustiacutevel que ele consome

Depois o facto de se deslocar no ceacuteu constitui um argumento fraacutegil para provar

que o cometa tem uma natureza celeste porque segundo esse juiacutezo tambeacutem o fogo e a

parte superior do ar que estatildeo abaixo da lua se moveriam e noacutes dizemos que o cometa eacute

capturado pelo movimento circular destes

CAPIacuteTULO III

EXPLICACcedilAtildeO DE ARISTOacuteTELES E DECLARACcedilOtildeES VERDADEIRAS QUANTO Agrave MATEacuteRIA E Agrave NATUREZA DOS

COMETAS

A afirmaccedilatildeo de Aristoacuteteles no livro primeiro capiacutetulo sete que Ptolomeu e

Albumazar usaram no livro Acerca das Conjunccedilotildees e tambeacutem Alberto no livro

primeiro tratado trecircs capiacutetulo cinco Avicena Algazel Alexandre Filoacutepono Averroacuteis

e outros entre os Peripateacuteticos eacute de que o cometa natildeo participa da natureza celeste mas

sim da sublunar e que tem por mateacuteria vapor abundante viscosa espessa e constante

uma vez bem coaguladas nas suas partes constituintes Pois o que o forma eacute o mesmo

capaz de iniciar a chama e de a conservar acesa durante muito tempo De modo

contraacuterio se a mateacuteria for pouca facilmente se dispersa e nesse caso se extingue o

aglomerado das restantes substacircncias inflamaacuteveis

Argumenta-se que bem distinta da celeste eacute a mateacuteria do cometa uma vez que

quando os cometas fazem a sua apariccedilatildeo eacute costume verificar-se um sopro dos ventos

em turbulecircncia e uma secura extrema certamente porque uma grande quantidade de

vapor terrestre migrou para o espaccedilo aeacutereo Isso mesmo se pode encontrar nos

Fenoacutemenos de Arator

Em anos especialmente secos verificam-se muitos cometas de cabeleira e satildeo

muitos os exemplos a apresentar desse facto

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 189

Um enorme cometa No tempo de Anaxaacutegoras um cometa enorme ardeu durante

setenta e cinco dias ininterruptos a ele se seguiu uma tatildeo grande tempestade de ventos

que teria arrancado da encosta uma pedra com o tamanho de um carro e uma vez solta

rolaria com uma enorme velocidade ateacute cair no rio Aegos na Traacutecia Assim o conta

Aristoacuteteles no livro primeiro capiacutetulo sete O mesmo ocorre no reinado de Nicoacutemaco

Priacutencipe dos atenienses quando um cometa foi visto a brilhar perto do Ciacuterculo

Equinocial ventos fortiacutessimos se abateram sobre a cidade de Corinto

Para aleacutem disso a experiecircncia mostra que os cometas se transformam de tempos a

tempos ora de pequenos para grandes ora novamente de grandes para pequenos mas

todos se extinguem E de vez em quando avista-se um cometa que ainda haacute pouco se

tinha destacado do horizonte de repente se dissipa diante dos olhos e por fim

desapareceu

Com efeito estes fenoacutemenos que se dilatam e se contraem podem sofrer queda

mas de modo nenhum podem extinguir-se em substacircncias celestes as quais estatildeo isentas

de sofrer qualquer dano Pois o que eacute afirmado que os cometas natildeo se apagam mas soacute

se escondem foi refutado no capiacutetulo anterior Depois os Matemaacuteticos usando

instrumentos astronoacutemicos para calcular a distacircncia da lua perceberam que os cometas

se posicionam abaixo da lua Portanto participam natildeo do mundo celeste mas do mundo

dos elementos Acerca ainda desta medida da distacircncia dos cometas que se consulte o

Regiomontano no tratado Acerca do Cometa e tambeacutem Joatildeo Vogel no opuacutesculo Acerca

do Cometa que foi publicado no ano de 1527

Objecccedilatildeo Alguns dos mais recentes filoacutesofos e astroacutenomos todavia levantam

objecccedilotildees negando que os cometas natildeo satildeo vistos a surgir tambeacutem na regiatildeo eteacuterea jaacute

que a experiecircncia comprova o facto Assim Albumazar revelou uma nova estrela que

de vez em quando eacute vista sobre a esfera de Veacutenus e Hali afirma ter visto uma outra no

Commentum super Quadripartito Ptolomaei 2 capiacutetulo 9 no deacutecimo quinto grau de

Escorpiatildeo quando o sol se apresenta em cima do grau e no signo seu oposto ou seja no

deacutecimo quinto grau do Touro E na nossa Era no ano 1572 apareceu na Constelaccedilatildeo de

Cassiopeia um novo corpo de magnitude exemplar para grande espanto dos que o

contemplavam mas que desapareceu no ano de 1574

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 190

Resposta Noacutes contudo somos de opiniatildeo que desse assunto e quanto ao que diz

respeito agraves das estrelas e se eacute verdade que elas podem ser observadas na regiatildeo celeste

deve ser ouvido aquilo que expusemos no livro primeiro Acerca do Ceacuteu

CAPIacuteTULO IV

ACERCA DA LOCALIZACcedilAtildeO DA INFLAMACcedilAtildeO DA DURABILIDADE DO MOVIMENTO E DAS CORES

DOS COMETAS

Localizaccedilatildeo A regiatildeo mais elevada dos ares eacute o lugar dos cometas Assim eles

natildeo se originam nem na inferior nem na meacutedia como o seu movimento desde o Oriente

ateacute ao Ocaso pode primeiramente confirmar e porque retornam soacute de uma vez no ar jaacute

que o dito movimento natildeo se suspende na regiatildeo intermeacutedia Em segundo lugar a

distacircncia destes mesmos confirma-o Assim a regiatildeo intermeacutedia natildeo atravessa os

montes mais altos e alguns deles satildeo mesmo mais elevados do que ela pelo que talvez

se possa concluir que abaixo destes se manifestam os ventos as nuvens e as chuvas

Ora verifica-se recorrendo aos instrumentos de altimetria que a distacircncia dos cometas

agrave terra eacute muito maior segundo o princiacutepio de que Pedro Nunes escreveu no livro Acerca

dos Crepuacutesculos e em Viteacutelio no livro 10 proposiccedilatildeo sessenta

Por esse motivo a baixa temperatura do lugar natildeo lhes torna favoraacutevel a

permanecircncia na regiatildeo meacutedia jaacute que a sua chama a arder e a conservar-se viva natildeo

ocorreria de modo tatildeo permanente Tambeacutem refulgem os cometas nas regiotildees mais

longiacutenquas do ar num trajecto de vez em quando mais elevado e de outras vezes mais

baixo

Satildeo apesar de tudo contemplados com frequecircncia fora dos troacutepicos ou seja fora

dos Ciacuterculos Solsticiais tanto no Setentriatildeo como no Austro como afirma Aristoacuteteles

no livro primeiro no capiacutetulo seis da jaacute citada obra porque o excessivo calor que

percorre os territoacuterios que se situam abaixo dos troacutepicos dissolve a mateacuteria dos cometas

De facto muitas vezes satildeo avistados entre os troacutepicos tal como aquele que brilhou por

um curto nuacutemero de dias em torno do Ciacuterculo Equinocial durante o reinado de

Nicoacutemaco

Inflamaccedilatildeo A inflamaccedilatildeo dos cometas produz-se ou devido ao movimento a

partir do qual a regiatildeo mais elevada do ar se transforma em fogo ou quando passam

como alguns defendem da igniccedilatildeo dos elementos para a total submissatildeo dos gases agraves

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 191

chamas ou tambeacutem quando um raio ocasional vibra na atmosfera superior a partir de

alguma nuvem

Natildeo eacute tanto de facto a parte mais interior e carregada de uma nuvem mas sim a

parte mais superficial a que frequentemente se abre e oferece a visatildeo de um fogo a

irromper Haacute os que pensam que o cometa natildeo se incendeia a partir do fogo nem nele

haacute nenhum gaacutes inflamaacutevel mas sim um sopro de mateacuteria mista assim como o fumo ou

a fuligem que eacute libertada e espalhada pela forccedila de algum corpo no interior da nossa

regiatildeo e tendo absorvido em si os raios de sol e reflectindo-os e por esse motivo se

torna visiacutevel

Refute-se todavia esta opiniatildeo uma vez que se o cometa apresentar uma luz

derivada do fogo solar deduzir-se-ia que ele podia sofrer um eclipse no trajecto de

interposiccedilatildeo agrave terra quando entra na sombra dele facto que ateacute agora natildeo foi observado

Durabilidade A durabilidade dos cometas natildeo estaacute de modo algum estabelecida

Nascem com muita frequecircncia no Outono porque o calor da Primavera natildeo eacute suficiente

para que se produza a agregaccedilatildeo daquele vapor viscoso O frio do Inverno bem como a

sua humidade e o fervor do se encontrar retido dispersa-a e anula a sua manifestaccedilatildeo

Todavia a experiecircncia ensinou que natildeo existe uma altura do ano que lhe corresponda

na qual sem ser por acaso os cometas sejam gerados Assim tambeacutem nos meses de

Inverno quando tudo estaacute colado pelo gelo eacute possiacutevel avistaacute-los como refere

Aristoacuteteles naquele livro primeiro capiacutetulo seis

Pliacutenio no capiacutetulo 25 do livro segundo afirma num curto excerto que a partir do

momento em que os cometas satildeo vislumbrados eles satildeo perceptiacuteveis num periacuteodo que

vai desde sete dias ateacute ao maacuteximo de oitenta Seacuteneca no livro sete das Questotildees

Naturais capiacutetulo doze estabelece o maacuteximo de seis meses para a duraccedilatildeo dos cometas

Eacute verdadeira a afirmaccedilatildeo de que o tempo de duraccedilatildeo dos cometas natildeo estaacute definido

segundo uma regra exacta apesar de raramente serem vistos num periacuteodo superior a seis

meses De facto Josefo no livro sete capiacutetulo quarenta e quatro de A Guerra Judaica

conta que um cometa esteve suspenso sobre os ceacuteus da cidade durante um ano inteiro

antes da queda de Jerusaleacutem

Assim os cometas duram em primeiro lugar o tempo que durar o fornecimento

de mateacuterias gasosas das quais se alimentam Em segundo lugar porque o fogo que

devora a tal substacircncia viscosa eacute moderado e lento apresentando uma dimensatildeo com

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 192

ela condizente Em terceiro lugar porque o alimento eacute produzido a partir da terra que

neles estaacute contida a partir do influxo e da atracccedilatildeo dos corpos que geram pressatildeo sobre

ela

Movimento O movimento dos cometas natildeo eacute uno mas muacuteltiplo O primeiro do

Oriente ateacute ao Ocaso quando em simultacircneo rodam com as esferas celestes com o fogo

e com o limite extremo do ar

O segundo do Ocaso para o Oriente que natildeo constitui propriamente um

movimento mas um retardar do movimento anterior feita a comparaccedilatildeo com o ponto

especiacutefico do ceacuteu a que se dirigia o cometa acabado de surgir Consta de facto que o

cometa que Aplanis previa ser na noite seguinte um corpo postado sobre si poucos

dias depois se tinha afastado alguma distacircncia para Oriente Na verdade este atraso

proveacutem dele mesmo porque o fogo e o ar ao serem corpos dinacircmicos natildeo retiram

completa eficaacutecia da forccedila dos movimentos celestes mas tambeacutem natildeo eacute capaz de seguir

devido agrave sua massa e ao seu peso a velocidade do ar pela qual o cometa eacute arrastado e

por isso opotildee resistecircncia ao movimento que o arrasta

O terceiro movimento ocorre ora ateacute ao Setentriatildeo ora ateacute ao Austro ou para

outros diferentes lugares Este movimento nasce assim quer motivado pela gravidade

de algum corpo que exerccedila influecircncia no cometa ou porque porventura o cometa se

deixa levar pela mateacuteria que o convida e aos poucos se inclina para aquela direcccedilatildeo que

ela lhe indica

O quarto eacute quando parece que ele se desloca ou para cima quando na parte mais

baixa lhe falta mateacuteria ou para baixo porque ela abunda na parte mais baixa ou

tambeacutem porque um outro corpo qualquer o atrai para um lugar mais elevado ou porque

tornando-se mais pesado tomba levando consigo alguma massa

Cores Os cometas satildeo de muitas e variadas cores (na verdade natildeo satildeo

verdadeiras porque natildeo as tecircm mas fugazes e aparentes) Alguns brilham com uma luz

transparente e quase prateada Noutros haacute um rubor sem luminosidade nenhuma Para

outros luz uma chama em nada uniforme e suave mas que faz girar em seu torno

bastante fumo e labareda e satildeo estes os mais crueacuteis e ameaccediladores com um aspecto em

muito mais turvo e aterrador do que os outros Esta variedade nasce da diversidade da

mateacuteria que os compotildee assim como pode ver-se a partir da chama quanto mais

rarefeita for a sua composiccedilatildeo tanto mais apresenta uma cor uniforme e branca e

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 193

quanto mais pesado e com fuligem estiver mais exibe uma cor baccedila E nos outros casos

manteacutem este tipo de comportamento

CAPIacuteTULO V

O QUE ANUNCIAM OS COMETAS

No que diz respeito ao significado dos cometas muitos filosofaram acerca dessa

questatildeo e muito pensam prever (como notou Pliacutenio no livro dois capiacutetulo vinte e

cinco) em que regiotildees ele se lanccedilaraacute ou de que estrela receberaacute as forccedilas ou quais as

semelhanccedilas que apresentaraacute e em que lugares brilharaacute Tambeacutem haacute os que como no

demais procuram fazer interpretaccedilotildees a partir de tudo o que tem a ver com os cometas

Os cometas prenunciam o sopro dos ventos Em primeiro lugar o sopro vigoroso

dos ventos Pois quando o cometa se eleva ateacute agraves regiotildees mais elevadas do ar sem que

haja um fornecimento generoso de gazes natildeo consegue incendiar-se Eacute necessaacuterio que

uma grande confluecircncia de correntes de ar capazes de gerar os ventos seja deixada na

faixa meacutedia e mais baixa do ar

Tempestades Em segundo lugar as tempestades mariacutetimas que satildeo provocadas

pelo despertar dos ventos

Seca e infertilidadeEm terceiro lugar a seca e a infertilidade que se formam

quando da terra eacute aspirada a humidade e o ar

Terramotos Quarto os terramotos porque as exalaccedilotildees satildeo atraiacutedas e procuram

uma saiacuteda livre no seio da terra sucede que ao chocarem umas contra as outras a terra

sofre abalos de um lado para o outro

Intempeacuteries atmosfeacutericas Quinto as intempeacuteries atmosfeacutericas induzidas por um

sopro seco e venenoso principalmente junto a lugares pantanosos e carregados de

humidade nos quais a humidade apodrece ressequida em lama

Doenccedilas Sexto as doenccedilas tanto mais que as substacircncias secas e quentes geram

robustez

Mortes dos reis Eacute sobejamente conhecido de facto que os cometas anunciam as

mortes dos priacutencipes como se pode ver naquele livro terceiro do oraacuteculo sibilino

Quando o sol toca o Ocaso um cometa se manifestaBrilharaacute uma estrela sinal da espada para os mortaisE da fome e da morte e de homens ilustresDe grandes e nobres priacutencipes eacute o fim

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 194

A profecia de um cometa pode ser interpretada em dois sentidos Aleacutem disso esta

profecia pode ser interpretada em dois sentidos num caso que os cometas anunciam a

morte dos reis tal como se a divindade enviasse disso sinais noutro caso que satildeo

responsaacuteveis pelas causas das doenccedilas A primeira explicaccedilatildeo deste sentido encontra-se

em S Damasceno livro segundo da Feacute Ortodoxa no capiacutetulo vinte e sete que jaacute

tivemos a oportunidade de evocar antes A seguinte eacute bem mais difiacutecil de aceitar

Porque de facto aquilo que afirmam que os reis vivem de modo mais delicado e

tecircm os humores mais leves razatildeo pela qual satildeo mais facilmente derrubados do seu

estado de sauacutede pela perturbaccedilatildeo do ar eacute um argumento fraacutegil pois as crianccedilas de tenra

idade e muitos homens anoacutenimos de todas as idades satildeo mais deacutebeis do que os

priacutencipes e a estes todavia os cometas natildeo provocam nem anunciam a morte Mas

como eacute em absoluto mais notada a morte de um homem poderoso do que a de um

homem vulgar julgaram por essa razatildeo que a morte dos reis eacute por eles predita tal

como expotildee Alberto Magno no primeiro livro tratado trecircs capiacutetulo onze Ou talvez

porque esta opiniatildeo tenha ocupado as mentes dos homens por os cometas como S

Damasceno estabelece trazerem da divina instituiccedilatildeo a notiacutecia morte para os reis

Ptolomeu alega que os cometas que se avistam de manhatilde sejam sinal da morte do

rei quando se posicionam sobre o seu signo uma vez que ele tambeacutem sobe por ocasiatildeo

do nascimento de algum rei ou quando assume o poder do reino Haacute ateacute quem diga que

se o cometa se apresentar no meio do ceacuteu iluminado pelos raios do sol ou de Marte

pode mais provavelmente significar o progresso do reino do que a morte do rei

Mas estes assuntos e outros da sua famiacutelia acerca das profecias dos cometas que

satildeo discutidos pelos astroacutelogos quando se encontram sobre este ou aquele signo

observando-se o nascimento deste ou daquele homem natildeo devem ser minimamente

escutados porque divulgam falsidades infinitas e a maior parte deles soacute conteacutem

supersticcedilatildeo Acerca do estabelecido quanto a esta questatildeo dissertaacutemos

aprofundadamente no livro Acerca do Ceacuteu

CAPIacuteTULO VI

QUANTO AgraveS FIGURAS E DIVERSIDADE DOS COMETAS

Agora trataremos das figuras que com mais basta frequecircncia satildeo assumidas pelas

manifestaccedilotildees de cometas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 195

Aristoacuteteles no livro primeiro capiacutetulo sete apresentou a sua estranha diversidade

afirmando a saber que ele era ou em forma de globo porque tem a cabeleira agrave sua

volta e espalhada por todo o firmamento ou se expande no sentido do comprimento e

leva agregada a si uma barba ou uma cauda Haacute pelo contraacuterio outros cometas que se

observam com caracteriacutesticas uacutenicas e exclusivas outros que oscilam com o seu corpo

ora em movimento ora fixo e no interior deles mesmos haacute agitaccedilatildeo

Os primeiros pertencem agrave classe dos verdadeiros cometas Os uacuteltimos jaacute natildeo

porque formam a sua cabeleira a partir da massa incendiada E aqueles que costumam

gerar-se quando a exalaccedilatildeo localizada debaixo de um corpo determinado se inflama de

tal modo que entre ela e o dito corpo natildeo existe nenhum intervalo a ponto de segundo a

avaliaccedilatildeo visual um e outro estarem reunidos num soacute corpo e na mesma superfiacutecie Pela

mesma ordem quando noacutes perscrutamos o horizonte parece que a terra e o ceacuteu se

continuam mutuamente Tambeacutem deste modo acontece quando uma determinada

estrela brilha como se tivesse uma crina ou com os halos que se formam abaixo da lua

ou do sol devido ao vapor de aacutegua Tal como eles satildeo vistos a rodear a lua e o sol

apesar de estarem afastados em muitiacutessimos peacutes quer de um quer do outro Tambeacutem a

exalaccedilatildeo iacutegnea eacute observada como se ela se sustivesse apoiada no dito corpo estando ela

na regiatildeo aeacuterea ou seja faz parte do mundo celeste

Cometas de cabeleira de barba e de cauda Assim sendo os cometas dividem-se

em trecircs categorias os de cabeleira os de barba e os de cauda Se desta forma a

exalaccedilatildeo for mais pesada no centro e tambeacutem nas partes extremas ela apresenta-se

mais rarefeita e mais leve de tal modo que a chama em seu torno se solta como se

fossem cabelos diz-se que eacute um de cabeleira Se a exalaccedilatildeo se inclinar para uma soacute

parte e se prolonga para longe diz-se que eacute um de cauda Mas se se espalhar a uma

menor distacircncia diz-se que eacute um de barba Os astroacutelogos consideram haver nove

espeacutecies de cometas Numera cinco Alberto Magno no livro primeiro tratado trecircs

capiacutetulo dez e Pliacutenio numera dez no livro dois capiacutetulo vinte e cinco

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 196

CAPIacuteTULO VII

QUANTO Agrave ESTRELA QUE BRILHOU AOS MAGOS QUANDO CRISTO NASCEU

O esplendor da famosa estrela que refulgiu no Oriente quando Cristo nasceu e

conduziu os magos ateacute ao berccedilo do divino rei convida-nos a que tambeacutem acerca dela

dissertemos

Em primeiro lugar deve saber-se que este corpo apareceu aos magos nos limites

do Oriente (tendo em comparaccedilatildeo a regiatildeo da Palestina) e que eles instigados pela mais

secreta inspiraccedilatildeo do sinal do ceacuteu o tomaram como se ele falasse a liacutengua do ceacuteu

dispondo-se a segui-lo ateacute chegarem agrave cidade de Beleacutem

Muito antes estes factos tambeacutem a Sibila Eritreia no livro oitavo dos Oraacuteculos jaacute

havia anunciado

E eacute surgida a nova estrela divina do mago a brilhar

Deteacutem-se sobre o preseacutepio e o menino de Deus se mostra aos que a seguem

Com efeito a explicaccedilatildeo por que Deus teria chamado os magos com um

fenoacutemeno desta natureza eacute trazida por Teofilacto no segundo capiacutetulo de Mateus

certamente porque sendo os magos astroacutelogos como Tertuliano relata no livro Acerca

da Idolatria receberam enquanto sinal um que lhes era familiar tal como tambeacutem

Pedro o pescador foi chamado para capturar uma grande multidatildeo de peixes para

Cristo

Ora eacute costume tambeacutem perguntar-se se aquela estrela faria parte do nuacutemero dos

astros celestes Vaacuterios autores entre os que recorda o Abulense no citado capiacutetulo de

Mateus 2 questatildeo 11 satildeo de opiniatildeo de que ela eacute um dos corpos errantes ou um dos

planetas Esta opiniatildeo eacute reprovada pelo comum consenso dos Padres como ensina S

Tomaacutes na parte 3 questatildeo 36 artigo 7 Tambeacutem tal eacute refutado com perspicazes

argumentos por S Basiacutelio no livro Acerca da Geraccedilatildeo Humana de Cristo por S Joatildeo

Crisoacutestomo na Homilia Sexta Acerca do Evangelho de S Mateus por S Joatildeo

Damasceno livro segundo capiacutetulo sete por Santo Agostinho no livro Contra o Luxo

livro dois capiacutetulo cinco e por tantos outros

E de facto os astros em cada dia nascem e desaparecem Mas a dita estrela

oferecia-se permanentemente agrave contemplaccedilatildeo Em segundo lugar dado que a luz do dia

deixa na sombra e oculta os astros mas essa estrela brilhava durante o dia com tal

esplendor que vencia as outras luminaacuterias do ceacuteu tal como Santo Inaacutecio avoca na

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 197

Deacutecima quarta Epiacutestola aos Efeacutesios Em terceiro lugar porque ela se ocultava quando

tal era necessaacuterio como quando depois de ter conduzido os reis ateacute Jerusaleacutem aiacute se

apagou durante algum tempo ateacute novamente permitir deixar-se ver Em quarto lugar

porque se manteve proacutexima da terra e assim parou sobre a gruta na qual estava o

Divino Infante e aiacute se mostrou agrave vista de todos

Portanto dado que a afamada estrela natildeo fez parte dos corpos da regiatildeo eteacuterea

questionar-se-aacute algueacutem sobre se ela deve de facto ser considerada um cometa

A nossa resposta eacute de que nem ela foi um cometa como facilmente veraacute todo o

que analisar os argumentos que ateacute agora expusemos quanto agrave natureza e origem dos

cometas quanto ao seu movimento quanto ao seu desaparecimento diante da

luminosidade do dia e quanto agrave sua distacircncia da terra Aduzem-se detalhadamente em

seguida todos os argumentos que convergem para que ela natildeo seja de modo nenhum

considerada uma estrela

A referida estrela foi portanto um irrepetiacutevel e inusitado meteoro formado natildeo

pela natural mas pela virtude angeacutelica ou divina a partir de mateacuteria sub-celeste e

aspergido pelo fulgor da exiacutemia luz que se revela natildeo por sua proacutepria determinaccedilatildeo

mas pela acccedilatildeo de um anjo De facto S Joatildeo Crisoacutestomo na Homilia 6 capiacutetulo dois

dedicada ao Evangelho de S Mateus o sermatildeo de Fulgecircncio Acerca da Epifania e

Gregoacuterio de Nissa no diaacutelogo Acerca da Alma pensam que foi um anjo que apareceu em

figura de estrela

Com efeito eacute facto que foi quanto se aproximavam da cidade de Jerusaleacutem que

ela manifestou poder para se ocultar Eacute multiacuteplice seja porque Deus a subtraiu

absolutamente ao acesso de todos de modo a que ela natildeo transmitisse a sua imagem aos

seus olhos ou porque nesse tempo intermeacutedio lhe bloqueou o brilho ou ainda por

qualquer outro modo tais como os que revela Abulense acima citado no dito capiacutetulo

questatildeo 41

Conveacutem lembrar contudo que alguns ponderaram que esta estrela foi avistada

pelos magos uma uacutenica vez somente no Oriente e que logo desapareceu entatildeo quando

estes saiacuteram de Jerusaleacutem apareceu novamente e daiacute os conduziu ateacute ao preseacutepio

Trata-se pois de uma afirmaccedilatildeo diferente daquela que estabeleceu que ela acompanhou

os magos durante todo o caminho e que muitos dos Padres antigos seguem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 198

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Trecircs Livros Sobre A Alma de

Aristoacuteteles Estagirita

Coimbra 1598

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 199

PROEacuteMIO AOS TREcircS LIVROS DO TRATADO SOBRE A ALMA DE ARISTOacuteTELES 200

UTILIDADE ORDEM MATEacuteRIA TRATADA E PARTICcedilAtildeO DESTES LIVROS

A partir do que Aristoacuteteles nos ensinaraacute a seguir tornar-se-aacute evidente como a

ciecircncia da alma sobressai de entre as outras partes da Filosofia quer pelo seu rigor

demonstrativo quer pela mateacuteria sobre que versa quer pela sua nobreza e como ela eacute

uacutetil tanto para regular e gerir honestamente a vida como para um completo

conhecimento da verdade

Utilidade desta ciecircncia porque leva aquele que a pratica a conhecer-se

melhor Mas o mesmo particularmente no que diz respeito agrave utilidade pode ser

ilustrado e mais amplamente recomendado porque de acordo com o que advertia

aquela ceacutelebre maacutexima de Quilatildeo de Feacutemon ou de Tales ou quem quer que tenha sido

o autor inscrita nas portas do templo de Delfos por Anfictiatildeo cada um deve acima de

tudo procurar conhecer-se a si mesmo No entanto ningueacutem se pode conhecer a menos

que tenha examinado atentamente a dignidade e a natureza da sua alma201 Porque jaacute

Marco Tuacutelio no livro 1 das Disputas Tusculanas Plotino no livro 3 da quarta Eneacuteada

capiacutetulo 1ordm depois de Platatildeo em Alcibiacuteades I consideraram que aquela inscriccedilatildeo deacutelfica

natildeo exortava a outra coisa senatildeo a conhecermos a natureza da alma Isto porque quem

quer que atinja a notaacutevel e superior capacidade da sua mente compreenderaacute que natildeo

deve deter-se nos bens incertos e caducos mas nas coisas sempiternas e divinas com

todo o cuidado e empenho de conhecer com que os filoacutesofos verdadeiros e legiacutetimos

edificam as principais gloacuterias

A sua importacircncia para a ciecircncia moral Esta doutrina tambeacutem eacute muito uacutetil

para aqueles que discutem sobre a vida comum e os costumes como consta do livro 1

da Eacutetica capiacutetulo 13ordm e do livro 6 capiacutetulo 1ordm Com efeito eacute necessaacuterio que eles

recebam do filoacutesofo natural o modo como a razatildeo deteacutem a suma eminecircncia da alma em

ordem a sujeitar a si a faculdade apetitiva e a irasciacutevel e a moderar os movimentos que

se erguem contra uma certa norma Tambeacutem eacute preciso que recebam dela o princiacutepio das

acccedilotildees nas quais reside a felicidade da vida humana e ainda a divisatildeo das faculdades

usadas para explicar os afectos e as virtudes A isto se refere a advertecircncia de 200 Trad MCC201 Acerca da afirmaccedilatildeo Laeacutercio livro 1 Pliacutenio livro 7 cap 32 Macroacutebio 1 Saturnalia cap 6 Xenofonte 4 Com Clemente de Alexandria no Pedagogo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 200

Aristoacuteteles no uacuteltimo capiacutetulo do livro 1 da Eacutetica que diz que tal como os meacutedicos que

receitam remeacutedios para curarem os corpos a fim de desempenharem bem o seu ofiacutecio

colocam muito cuidado no conhecimento das almas assim por maioria de razatildeo o

filoacutesofo da moral que cuida de sanar as enfermidades da alma deve examinar o que

concerne agrave ciecircncia da alma

Tambeacutem para a metafiacutesica Na verdade a ciecircncia da alma comunica

admiravelmente com a filosofia primeira pois por uma certa analogia e semelhanccedila

atingimos pelo nosso intelecto as substacircncias inteligiacuteveis e livres da mateacuteria e a mente

humana transformando-se para aleacutem de si mesma eacute chamada para a natureza divina

donde proveio202 O que quer que nela exista de perfeiccedilatildeo encontra-se em Deus fonte de

todas as perfeiccedilotildees nela ainda mais bem conhecida quando toda a imperfeiccedilatildeo se afasta

Tambeacutem para toda a filosofia Por uacuteltimo por uma razatildeo comum a todas as

partes da filosofia eacute oportuna esta meditaccedilatildeo sobre a alma porque a alma participa da

razatildeo e da prudecircncia (como afirma Trismegisto no Ascleacutepio) como que Orizon da

eternidade e do tempo do inteligiacutevel e do nexo da natureza corpoacuterea e dos limites203

Ou como outros disseram suma de todo o mundo pois a natureza intermeacutedia

representa as extremas a superior como imagem a inferior como exemplar

A nossa alma eacute intermediaacuteria entre o eterno e o efeacutemero Acontece que a

doutrina da alma existe como um compecircndio de ciecircncia das coisas humanas e divinas e

prepara-nos para todo um outro conhecimento da verdade Mostra tambeacutem o brilhante

fruto desta contemplaccedilatildeo aquilo que Santo Agostinho afirma no livro 2 de A Ordem

capiacutetulo 8ordm Sem duacutevida que haacute duas questotildees principais em filosofia uma acerca da

alma outra acerca de Deus A primeira faz com que nos conheccedilamos a noacutes mesmos a

outra que conheccedilamos a nossa origem Aquela eacute-nos mais agradaacutevel esta eacute mais

gloriosa aquela torna-nos dignos de uma vida feliz esta torna-nos bem-aventurados

As coisas escritas acerca desta mateacuteria mostram agrave evidecircncia que a reflexatildeo

sobre a alma eacute proacutepria da grande estatura tanto dos Padres como dos filoacutesofos gentios

Com efeito Satildeo Dioniacutesio no capiacutetulo 4ordm de Os Nomes Divinos recorda que tinha

escrito acerca da alma S Justino filoacutesofo e maacutertir fez um livro sobre este mesmo

202 Lede cap7 lib12 da Metafiacutesica203 S Gregoacuterio de Nissa livro 1 De Homine cap 5 Plotino Eneacuteadas 4 livro 6 cap 3 S Tomaacutes livro 2 Contra os gentios cap 68 e livro 4 cap 55 Ficino livro 3 De immortalitate animae cap 2 Bessarion livro 2 Contra os Caluniadores cap 7 Pico no Heptaplo cap7

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 201

tema como refere S Jeroacutenimo no livro Escritores Eclesiaacutesticos Santo Agostinho

escreveu o livro A Imortalidade da Alma um outro A Grandeza da Alma e quatro livros

Sobre a Alma e a Sua Origem Satildeo Gregoacuterio de Nissa recordou uma longa disputa em

cartas trocadas entre si e Soror Macrina sobre A Alma e a Ressurreiccedilatildeo Tertuliano

compilou um livro sobre A Alma Na verdade jaacute os autores pagatildeos tinham escrito muita

coisa acerca dela Trismegisto Platatildeo Teofrasto Plotino Calciacutedio Proclo Jacircmblico

Tuacutelio e o autor da obra De sapientia secundum Aegyptios Aleacutem destes trecircs livros

Aristoacuteteles tambeacutem deixou outro sobre questotildees da alma que a iniquidade do tempo

destruiu

Testemunho de Temiacutestio sobre o valor dos livros de Aristoacuteteles sobre A Alma

Temiacutestio testemunha o grande cuidado com que esta obra foi elaborada e concluiacuteda por

Aristoacuteteles com as palavras seguintes do seu Proeacutemio uma vez que todos os escritos de

Aristoacuteteles satildeo de tal modo apreciados que a sua superioridade se torna motivo de

admiraccedilatildeo faacutecil natildeo existe nenhuma reflexatildeo na qual Aristoacuteteles tenha igualmente

mostrado a sublimidade e a forccedila do seu engenho como naquela em que aborda a noccedilatildeo

de alma quer se inquira uma infinidade de questotildees quer uma quantidade de coisas

beliacutessimas quer a subtileza da doutrina Os livros Sobre a Alma satildeo de tal modo assim

que parece que todas as coisas constantes do texto que respeitam a este geacutenero

existiram e foram feitas por um soacute homem

Duacutevida sobre a ordem destes livros entre as restantes partes da Fisiologia

Opotildee-se neste ponto que deve ser investigado em primeiro lugar o que eacute discutido

pelas opiniotildees dos inteacuterpretes que discordam quanto a saber que lugar esta ciecircncia

reclama entre as restantes partes da fisiologia pela ordem e pelo meacutetodo da doutrina

Resoluccedilatildeo Mas omitida disputa mais longa deve estabelecer-se com

Teofrasto segundo Temiacutestio livro 3 desta obra capiacutetulo 39ordm da sua Paraacutefrase e com

Satildeo Tomaacutes que os mais recentes geralmente adoptam que a ciecircncia da alma segue os

livros dos Meteoroloacutegicos e antecede toda a disciplina atinente aos seres animados Na

verdade como Satildeo Tomaacutes e Teoacutefilo advertiram no Proeacutemio desta obra tal como a

Fiacutesica eacute o exoacuterdio de toda a fisiologia porque conteacutem a explicaccedilatildeo integral dos

princiacutepios naturais eacute conveniente que o iniacutecio da reflexatildeo sobre os seres animados seja

o estudo da alma que eacute o princiacutepio comum dos animais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 202

Opiniatildeo de outros No entanto Alexandre de Afrodiacutesia no seu primeiro livro

sobre A Alma e Averroacuteis no livro 4 dos Meteoroloacutegicos trataram em primeiro lugar As

Partes dos Animais Primeiro porque a observaccedilatildeo da mateacuteria antecede a observaccedilatildeo da

forma com efeito as partes ou oacutergatildeos satildeo a mateacuteria e o substrato da alma Segundo

porque a alma eacute definida a partir do corpo orgacircnico foi preciso que Aristoacuteteles

declarasse em primeiro lugar por que eacute que a definiccedilatildeo progride a partir do

desconhecido

Refutaccedilatildeo Mas estes argumentos natildeo concluem Com efeito as partes

orgacircnicas dos animais de que Aristoacuteteles trata no livro As Partes dos Animais

respeitam em parte agrave mateacuteria visto que recebem em si as funccedilotildees corpoacutereas da alma e

as disposiccedilotildees satildeo necessaacuterias para a introduccedilatildeo da alma como expusemos no seu lugar

Mas como as partes orgacircnicas satildeo mais facilmente conhecidas do que a alma cuja

natureza eacute secreta e recocircndita natildeo deve avanccedilar-se em primeiro lugar sobre elas mas

antes sobre a alma como haacute pouco pretendiacuteamos dizer e como Aristoacuteteles chama a

atenccedilatildeo no primeiro capiacutetulo do livro primeiro da Fiacutesica e nos capiacutetulos 1ordm e 3ordm do livro

primeiro de As Partes dos Animais depois de Platatildeo no Fedro e de Hipoacutecrates no livro

A Natureza Humana

O que eacute geral deve ser tratado em primeiro lugar Em toda a disciplina

correctamente estabelecida devem ser primeiramente tratadas aquelas coisas que se

estendem de modo mais amplo em que haacute mais coisas gerais para natildeo sermos levados

a repetir as mesmas coisas muitas vezes Na verdade considera-se a alma mais ampla

do que as partes dos animais uma vez que estas apenas estatildeo nos animais e ela estaacute

presente em todos os seres vivos O exame da mateacuteria precede o exame da forma Se

algo postula a razatildeo da doutrina eacute que natildeo se defina a alma atraveacutes do corpo orgacircnico

do animal mas do corpo orgacircnico do ser vivo em geral Natildeo foi preciso que isto fosse

declarado por Aristoacuteteles antes da doutrina da alma visto que para compreender a

definiccedilatildeo de alma natildeo se requer um conhecimento distinto e absoluto do corpo orgacircnico

bastando um conhecimento pouco claro que possa ser facilmente comparado Na

verdade natildeo se exige menos a ciecircncia da alma para o conhecimento do corpo orgacircnico

do que o conhecimento do corpo orgacircnico para a ciecircncia da alma Por isso na definiccedilatildeo

a alma tambeacutem se acrescenta ao corpo orgacircnico uma vez que ele se define como aquilo

que foi afectado aos oacutergatildeos adequados para ir ao encontro das funccedilotildees da alma Pelo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 203

que eacute evidente que o argumento se algum peso tiver pode ser retorquido contra os

adversaacuterios

Primeira afirmaccedilatildeo sobre objecto destes livros Primeiro argumento Agora

examinemos qual eacute o objecto destes livros Veneto neste ponto e alguns do grupo de

filoacutesofos mais recentes estabelecem que natildeo eacute a alma mas o corpo animado Provam-

no em primeiro lugar porque esta doutrina eacute uma certa parte da fisiologia Eacute assim

necessaacuterio que a sua mateacuteria seja de maneira a que acerca dela se enuncie o objecto de

toda a fisiologia como uma parte inferior e menos extensamente evidente Poreacutem eacute

evidente que o ente moacutevel eacute assim chamado por causa do corpo animado e natildeo da alma

Depois porque ou foi aqui que Aristoacuteteles discutiu sobre o corpo animado ou

natildeo foi em lado nenhum Eacute absurdo que natildeo se tenha ocupado em lado nenhum Na

verdade tatildeo notaacutevel espeacutecie de ente natural natildeo pocircde ficar envolta em silecircncio por parte

do Filoacutesofo Portanto ocupou-se dessa espeacutecie nesta obra e por isso o corpo animado eacute

o objecto da obra

Terceiro Porque o objecto de cada disciplina eacute aquele em que primeiro e por

si convecircm as afecccedilotildees que nela satildeo investigadas Ora alimentar-se sentir mover-se

querer pensar e outras afecccedilotildees desta natureza sobre as quais se discute nestes livros

dizem respeito primeiro e por si natildeo agrave alma mas ao corpo animado uns em geral

outros no que lhe estaacute mais abaixo como diz Aristoacuteteles no capiacutetulo 4ordm do primeiro

livro texto 54 Por isso natildeo parece que se deva negar que o objecto desta obra eacute o

corpo animado

2ordf Afirmaccedilatildeo Mas alguns nobiliacutessimos peripateacuteticos Simpliacutecio Filoacutepono

Alexandre Temiacutestio Satildeo Tomaacutes Alberto Magno Egiacutedio Teoacutefilo Janduno Caetano o

Ferrariense e muitos outros seguem neste ponto a parte adversaacuteria em consenso comum

e consideram que o objecto destes livros eacute a alma204

1ordm Argumento O que em primeiro lugar se comprova porque conforme se

conclui do livro 1 dos Analiacuteticos Posteriores capiacutetulos 1ordm e 9ordm estabelece-se

rigorosamente como objecto de qualquer ciecircncia aquele cuja definiccedilatildeo eacute nela

investigado e tratado De facto Aristoacuteteles nesta obra interrogou-se sobre a definiccedilatildeo

natildeo de corpo animado mas de alma e assinalou que ele mesmo tinha dito no Proeacutemio

204 Apolinaacuterio Flandrense Toledo Javelo o Tienense

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 204

que fora essa a sua intenccedilatildeo Tambeacutem no livro sobre O Sentido e o Sensiacutevel gloria-se de

o ter realizado

2ordm Depois porque se o objecto desta disciplina fosse o corpo animado uma

vez que ele eacute uma categoria mais baixa da substacircncia o animal seria mais nobre do que

o corpo animado Seguir-se-ia indevidamente que esta ciecircncia em virtude da

excelecircncia do objecto e principalmente por causa da excelecircncia da alma racional seria

anteposta por Aristoacuteteles agraves restantes partes da fisiologia visto que com essa

designaccedilatildeo deveria ser preferida a ciecircncia que trata dos animais

3ordm Por uacuteltimo o tiacutetulo da proacutepria obra eacute favoraacutevel a esta afirmaccedilatildeo Com

efeito estes livros satildeo designados Пερι Ψυχης isto eacute Sobre a Alma

O que se deve afirmar Na duacutevida devemos afirmar que os livros Sobre a

Alma parece poderem ser vistos de duas formas Por si separadamente ou junto com os

chamados Pequenos Naturais que satildeo como que um seu complemento Se forem vistos

do primeiro modo a alma eacute o seu objecto se do segundo eacute o corpo animado205

Satildeo trecircs os livros sobre A Alma que estatildeo sobretudo consagrados a examinar e

a explicar por si a natureza da alma Satildeo atentamente examinadas as afecccedilotildees e as

propriedades dos seres vivos segundo a razatildeo da sua origem que provecircm da alma como

fonte e consoante servem para o seu conhecimento Tambeacutem na obra dos Pequenos

Naturais elas satildeo apresentadas agrave medida que o corpo e os seus oacutergatildeos satildeo objecto de

observaccedilatildeo Acontece deste modo que esta obra e os trecircs livros sobre A Alma expotildeem

o tratado inteiro do corpo animado

Responde-se aos argumentos da primeira afirmaccedilatildeo Ao 1ordm Os argumentos dos

adversaacuterios que tendiam a provar que os livros Sobre a Alma tomados por si tinham

como objecto o corpo animado satildeo facilmente afastados Ao primeiro deve negar-se

que seja necessaacuterio que o objecto da disciplina toda seja afirmado sobre os objectos das

partes De outro modo dir-se-ia que o ente moacutevel de sobre O Sentido e o Sensiacutevel e

tambeacutem de sobre A Respiraccedilatildeo e de sobre O Movimento dos Animais integra as

mateacuterias particulares de certos opuacutesculos da fisiologia aristoteacutelica Igualmente seria

necessaacuterio que a proposiccedilatildeo dos filoacutesofos que eacute objecto de toda a Loacutegica fosse exposta

simplesmente sobre o termo que eacute o objecto das Categorias E assim eacute suficiente que

205 Assim pensou Apolinaacuterio na mesma obra q2 a2

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 205

os objectos das partes de cada ciecircncia estejam incluiacutedos de algum modo no objecto de

toda ela natildeo eacute necessaacuterio que estejam contidos nesse objecto numa ordem directa

Ao segundo deve dizer-se que Aristoacuteteles natildeo omitiu a explicaccedilatildeo sobre o

corpo animado mas que nos trecircs livros que escreveu sobre A Alma tratou do que a ela

diz respeito Sobre o corpo tratou como pocircde nos Pequenos Naturais

Ao terceiro argumento que as afecccedilotildees tratadas nos livros da Alma dizem

respeito primeiramente e por si agrave alma como sua fonte e origem ainda que como

Aristoacuteteles no ponto citado quer dizer somente satildeo enunciadas acerca de todo o

composto de acordo com o objecto principal

Avanccedilam-se argumentos para a 2ordf afirmaccedilatildeo Se todavia parecesse vantajoso

examinar a primeira afirmaccedilatildeo que embora pareccedila contraacuteria ao pensar comum natildeo eacute

improvaacutevel responda-se com os argumentos aduzidos contra a parte contraacuteria

1ordm Embora Aristoacuteteles nestes livros tenha investigado muito cuidadosamente a

definiccedilatildeo de alma e a tenha transmitido natildeo pendeu para isso sobretudo por causa da

alma mas por causa do corpo animado que ele examina como escopo da obra toda

Com efeito ele natildeo observou as faculdades da alma somente quanto ao seu princiacutepio

mas do modo como equipam todo o composto isto eacute o corpo animado Mais

2ordm A doutrina da alma eacute superior agraves restantes partes da filosofia natildeo porque

verse precisamente acerca do corpo animado em geral mas porque discute acerca da

alma racional que supera na dignidade da natureza as restantes formas da consideraccedilatildeo

fiacutesica

3ordm Por fim escreveu estes livros Sobre a Alma natildeo como sendo ela o seu

objecto principal mas a sua parte principal que por isso se pode chamar o objecto tal

como o corpo animado eacute o objecto conforme certos filoacutesofos dizem

Divisatildeo da obra Eis o que respeita agrave divisatildeo da obra No primeiro livro

Aristoacuteteles fala acerca da essecircncia da alma contra as opiniotildees dos antigos A partir da

sua proacutepria opiniatildeo nos capiacutetulos 1ordm e 2ordm do livro segundo a parte restante deste livro

trata das potecircncias da alma em geral das faculdades relativas agrave alma vegetativa dos

sentidos externos Trata do sentido interno nos primeiros trecircs capiacutetulos do livro

terceiro do intelecto do capiacutetulo quarto ao nono daiacute ateacute ao fim do livro trata do

movimento e de certas afecccedilotildees que dizem respeito agrave totalidade dos seres animados

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 206

QUESTAtildeO UacuteNICA

SE O ESTUDO DA ALMA INTELECTIVA RESPEITA Agrave DOUTRINA DA FISIOLOGIA OU NAtildeO

ARTIGO II

RESOLUCcedilAtildeO DE TODA A QUESTAtildeO

Trecircs consideraccedilotildees sobre a alma racional Para dar satisfaccedilatildeo agrave questatildeo

proposta deve notar-se que se pode considerar que a alma participa da razatildeo de trecircs

maneiras Uma quando se une ao corpo e nele executa as suas funccedilotildees Outra

consoante os atributos que lhe pertencem separada da mateacuteria como o estar no seu

preciso lugar o receber as espeacutecies do influxo superior da luz o pensar sem recurso aos

fantasmas e outras coisas desta natureza Terceira quanto agrave sua proacutepria natureza e

essecircncia

1ordf Conclusatildeo Posto isto eis a primeira conclusatildeo Nenhuma das trecircs

consideraccedilotildees anteriores sobre a alma diz respeito a uma uacutenica ciecircncia intermeacutedia entre

a filosofia primeira e a natural

Prova Esta conclusatildeo recomenda-se porque natildeo existe intermeacutedio naquele

geacutenero de filosofar pois a ciecircncia contemplativa divide-se perfeitamente em Natural

Metafiacutesica e Matemaacutetica como no Proeacutemio da Fiacutesica amplamente discutimos Nos seus

livros Aristoacuteteles natildeo fez menccedilatildeo alguma a uma disciplina intermeacutedia

Natildeo haacute uma abstracccedilatildeo meacutedia entre a fiacutesica e a metafiacutesica A isto natildeo obsta

que a alma seja o limite do ser corpoacutereo e do mundo inteligiacutevel como que um certo elo

Com efeito natildeo haacute qualquer meio entre estas duas extremas para que se reclame uma

abstracccedilatildeo meacutedia distinta daquelas que produzem uma variedade tripartida de filosofia

contemplativa como mostraacutemos no lugar citado

2ordf Conclusatildeo Eis a segunda conclusatildeo O primeiro modo de consideraccedilatildeo da

alma pertence por obrigaccedilatildeo agrave filosofia natural

1ordf Confirmaccedilatildeo Aprova-se esta conclusatildeo porque respeita ao fiacutesico examinar

o ente natural Respeita-lhe examinar o todo e as partes e a alma entendida deste modo

eacute parte do ente natural em acto do homem

2ordf Confirmaccedilatildeo Aleacutem disso porque as operaccedilotildees que a alma executa quando

estaacute no corpo dependem da mateacuteria e como tecircm conexatildeo com ela apenas recaem sob a

observaccedilatildeo do especialista que disserta sobre a mateacuteria isto eacute do fisioacutelogo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 207

3ordf Conclusatildeo A alma racional eacute a suprema entre as formas Eis a terceira

conclusatildeo A observaccedilatildeo da alma tomada do segundo modo transcende os fins da

fisiologia e pertence ao metafiacutesico Para compreender esta conclusatildeo deve observar-se

que a alma racional eacute a suprema entre as formas existentes na mateacuteria e conforme o

testemunho de Satildeo Dioniacutesio no capiacutetulo 7ordm de Os Nomes Divinos a parte mais elevada

do mais baixo toca na parte mais baixa do mais alto Quando se afasta do corpo ela

passa a seu modo para o estado das substacircncias separadas em conformidade com

aquelas afecccedilotildees que acima recordaacutemos as quais natildeo possuem comeacutercio com a

mateacuteria Este estado como ensina S Tomaacutes 1ordf parte da Suma Teoloacutegica questatildeo 79

artigo 1ordm natildeo lhe eacute natural mas preternatural Donde resulta que a discussatildeo sobre a

alma racional nesta acepccedilatildeo deve pertencer agrave mesma ciecircncia das inteligecircncias

completamente livres da contaminaccedilatildeo da mateacuteria

Prova da 3ordf conclusatildeo A conclusatildeo jaacute proposta demonstra-se porque

examinar as coisas que estatildeo separadas da mateacuteria real e racionalmente diz respeito

somente ao filoacutesofo primeiro Ora as afecccedilotildees que concernem agrave alma na medida

precisamente em que ela subsiste fora da mateacuteria satildeo deste modo como seraacute evidente

ao observador

4ordf Conclusatildeo Eis a quarta conclusatildeo Investigar a natureza e a essecircncia da

alma que era o terceiro exerciacutecio acerca da alma respeita ao filoacutesofo natural

1ordf Prova A verdade desta conclusatildeo convence porque a alma pela sua noccedilatildeo e

natureza eacute a forma do corpo daiacute que seja explicada por definiccedilatildeo essencial quando eacute

chamada acto primeiro do corpo orgacircnico Donde acontece que para o seu

conhecimento requer necessariamente a mateacuteria As realidades que a possuem

integram-se nos limites da investigaccedilatildeo fiacutesica tal como a proacutepria mateacuteria como ensina

Aristoacuteteles no livro segundo da Fiacutesica capiacutetulo 2ordm texto 22 que examinar a forma e a

mateacuteria compete ao mesmo especialista porque eacute evidente que se requerem

mutuamente como consta do mesmo livro e capiacutetulo texto 26

2ordf Estabelece-se a mesma conclusatildeo depois porque uma vez que o homem eacute

uma parte integrante do ente moacutevel cujo conhecimento o fiacutesico daacute a conhecer e uma

vez que a essecircncia do homem natildeo pode ser conhecida a natildeo ser que se chegue ao

conhecimento da alma atraveacutes da qual ele se constitui no seu proacuteprio grau e espeacutecie

pretende-se que indagar a essecircncia da alma diga respeito agrave filosofia natural

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 208

3ordf Eacute assim porque se crecirc que aquela definiccedilatildeo indistintamente divulgada de

homem lsquoo homem eacute um animal constituiacutedo por um corpo e uma alma que participa da

razatildeorsquo natildeo foi transmitida e inventada por outrem senatildeo pelo filoacutesofo natural

Duacutevida Perguntar-se-aacute na perspectiva em que se examina a alma como algo

de imaterial subsistente por si inteligiacutevel que atributos satildeo de tal modo intriacutensecos agrave

alma que tanto na mateacuteria como fora dela lhe correspondam Perguntar-se-aacute digo se

uma consideraccedilatildeo desse tipo eacute fiacutesica ou antes eacute metafiacutesica

Responde-se agrave duacutevida A esta duacutevida deve responder-se que se estes

predicados forem tomados natildeo em toda a sua amplitude mas restritos ao grau proacuteprio e

especiacutefico da alma racional de tal modo que sejam reciacuteprocos com ela sem duacutevida que

o estudo do imaterial do subsistente por si e do inteligiacutevel pertence agrave fiacutesica visto que

conhecer a natureza proacutepria e particular da alma racional pertence agrave doutrina da

fisiologia como a seguir consideramos Se poreacutem forem tomados de maneira comum

que tanto se adequacuteem agrave alma como agraves inteligecircncias entatildeo eacute metafiacutesica Porque incumbe

ao metafiacutesico examinar a substacircncia a relaccedilatildeo a qualidade e as paixotildees do ente como

conceitos comuns e gerais tal como mostraacutemos no ponto citado Eacute por isso que eles

embora em parte estejam presentes na mateacuteria satildeo todavia em si indiferentes ainda

que estejam na mateacuteria Assim tambeacutem conhecer o inteligiacutevel por si subsistente e

imaterial em comum eacute da competecircncia do metafiacutesico Porque ainda que esses

predicados digam respeito agrave alma racional cujo conhecimento da essecircncia proacutepria e

reciacuteproca pertence ao fisioacutelogo em si eles dizem respeito indiscriminadamente agrave alma e

agraves inteligecircncias que natildeo possuem nenhuma conjunccedilatildeo com a mateacuteria

A ALMA DE ARISTOacuteTELES

LIVRO I

EXPLICACcedilAtildeO DO CAPIacuteTULO I206

a cum omnem ndash 402 a1- As coisas que suscitam o apetite de saber Existem

acima de tudo duas coisas que tornam as almas dos homens mais inclinadas a aprender e

as despertam de maneira veemente a dignidade da ciecircncia e o meacutetodo correcto de

ensinar A dignidade da ciecircncia inclui por sua vez mais trecircs A certeza a superioridade

do objecto e a utilidade Aristoacuteteles expotildee-nas todas neste Proeacutemio Natildeo passou

206 Trad MCC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 209

entretanto em silecircncio a dificuldade da mateacuteria acolhida quer porque ela tambeacutem

impele o observador a natildeo permanecer no oacutecio como advertem os inteacuterpretes Gregos

quer para que ningueacutem exija maior evidecircncia em mateacuteria difiacutecil e profunda como a

semelhante de que a natureza do assunto padece quer finalmente para ordenar desde o

iniacutecio aos espiacuteritos que natildeo sejam rudes e indolentes

Por que razatildeo os Filoacutesofos escreveram obscuramente acerca da natureza Por isso os

velhos mestres da filosofia tiveram isso fortemente em vista de maneira que em virtude

da insuficiecircncia das palavras envolveram os misteacuterios da natureza nos veacuteus dos

enigmas considerando o valor da obra que produzem se com aquele argumento

afastarem os vagarosos e os pouco aptos a ouvir da indagaccedilatildeo das coisas excelentes e

ocultas

b Bonam ac honorabilem ndash 402 a1 A noccedilatildeo de bem e de excelente O bem e o

excelente convecircm na realidade e diferem pela razatildeo conforme Simpliacutecio escreveu Na

verdade o que concerne ao apetite eacute chamado bom tal como o que concerne agrave

excelecircncia excelente e por isso desejamos as coisas boas e temos por excelente as

superiores

Um e outro pertencem agrave ciecircncia Daacute-se a conveniecircncia entre eles mas a noccedilatildeo do bem

pertence a toda a ciecircncia porque o bem no primeiro livro da Eacutetica capiacutetulo 1ordm eacute aquilo

que todas as coisas desejam Mas em todos os homens eacute inato o desejo da ciecircncia livro

1 da Metafiacutesica capiacutetulo 1ordm Pertence tambeacutem agrave ciecircncia a noccedilatildeo de excelente porque os

homens se elevam e satildeo superiores no ofiacutecio da ciecircncia quer aos animais quer uns aos

outros entre si como no livro 4 da Poliacutetica capiacutetulo 4ordm Aristoacuteteles ensina quando

enumera a ciecircncia entre as espeacutecies da nobreza

Objecccedilatildeo Mas haacute quem objecte que Aristoacuteteles parece ter mudado de opiniatildeo Na

verdade no livro 1 da Eacutetica capiacutetulo 12ordm afirma que a excelecircncia somente eacute devida agraves

coisas divinas mas que o louvor eacute devido agrave virtude e aos feitos excelentes Mas neste

ponto tambeacutem cede agrave doutrina apresentando a excelecircncia

Soluccedilatildeo Deve responder-se que na Eacutetica se ocupou com a excelecircncia de maneira

diferente da maneira em que o faz aqui Na Eacutetica fala da excelecircncia de forma

inteiramente concisa como conveacutem agraves coisas mais elevadas natildeo por comparaccedilatildeo mas

em absoluto como satildeo as coisas divinas E aqui fala acerca daquilo que se refere aos

assuntos humanos consoante a sua respectiva maior ou menor superioridade

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 210

(hellip)

g At vero ndash 402 a 10 ndash A modeacutestia de Aristoacuteteles ao escrever Diz acerca da

alma ser muito difiacutecil estabelecer aquilo que ela possui de certo e seguro Nisso

conforme escreveu Teoacutefilo imita a modeacutestia de Platatildeo que dizia que natildeo havia de trazer

as palavras exactas sobre o mundo nem como aqueles que diziam que sabiam todas as

coisas nem como aqueles que natildeo concordavam que pudessem saber alguma coisa mas

no caminho intermeacutedio que anda entre a confianccedila e a desconfianccedila Aristoacuteteles diz

pois que eacute dificiacutelimo estabelecer alguma coisa acerca da natureza da alma porque

primeiro sobre o proacuteprio meacutetodo de investigar a definiccedilatildeo pela qual se declara a

essecircncia da coisa subsiste uma questatildeo embora comum a outras doutrinas A questatildeo

ambiacutegua consiste em saber se este meacutetodo eacute a uacutenica via e razatildeo de demonstraccedilatildeo ou se

haacute mais

Trecircs caminhos de investigar a definiccedilatildeo Se for uacutenico eacute difiacutecil dele natildeo se afastar Se

forem vaacuterios natildeo seraacute menos laborioso para cada coisa distinguir convenientemente a

que eacute proacutepria visto que discernir os geacuteneros e as diferenccedilas das coisas singulares eacute feito

com grande labor Aleacutem disso Platatildeo estabeleceu a divisatildeo como meacutetodo de encontrar a

definiccedilatildeo no Sofista Aristoacuteteles no segundo dos Analiacuteticos Posteriores sobretudo a

composiccedilatildeo e Hipoacutecrates a argumentaccedilatildeo Nesta mateacuteria natildeo deve analisar-se por que

se deteacutem neste ponto porque esse eacute o trabalho do dialeacutectico

PROEacuteMIO DO LIVRO SEGUNDO

DO TRATADO DA ALMA DE ARISTOacuteTELES207

Rebatidas no final do primeiro livro as opiniotildees dos filoacutesofos antigos

Aristoacuteteles passa a explicar o seu pensamento acerca desse assunto Executa-o

acuradamente parte neste livro parte no terceiro Divide-se o presente livro em quatro

partes A primeira discute a natureza da alma e a sua essecircncia nos capiacutetulos primeiro e

segundo A segunda a divisatildeo comum e a primeira divisatildeo das faculdades da alma no

capiacutetulo terceiro A terceira as funccedilotildees e as faculdades da alma vegetativa no capiacutetulo

4ordm A uacuteltima as potecircncias e funccedilotildees da alma sensitiva do quinto ao uacuteltimo capiacutetulo

207 Trad MCC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 211

PROEacuteMIO DO TERCEIRO LIVRO

DO TRATADO DA ALMA DE ARISTOacuteTELES208

Apoacutes ter indagado no primeiro livro com base na opiniatildeo dos filoacutesofos

antigos natildeo tanto o que eles pensavam mas o que se deveria pensar sobre a natureza da

alma e de no segundo ter proposto a definiccedilatildeo de alma coligida e descoberta por si e

ter dissertado acuradamente acerca das suas potecircncias e funccedilotildees Aristoacuteteles investiga

agora natildeo com menos diligecircncia e cuidado neste livro que se encontra dividido em

quatro partes as questotildees concernentes agrave divisatildeo do assunto

Divisatildeo deste livro em quatro partes Na primeira que se perfaz num soacute

capiacutetulo trata do nuacutemero dos sentidos externos acerca dos quais disputou um a um no

livro anterior Na segunda contida em dois capiacutetulos aborda o tratado dos sentidos

internos Na terceira discute sobre o intelecto desde o quarto ateacute ao oitavo capiacutetulos

Na quarta do capiacutetulo nono ateacute ao fim do livro aprofunda o princiacutepio da marcha dos

animais

Dissiacutedio sobre o exoacuterdio do terceiro livro Entre os comentadores subsiste

muita discussatildeo acerca do exoacuterdio deste livro Na verdade Averroacuteis Alberto Magno

Egiacutedio e Caetano pretendem que os trecircs primeiros capiacutetulos concernem ao segundo

livro iniciando-se este no quarto capiacutetulo Filoacutepono Temiacutestio Simpliacutecio Boeacutecio Satildeo

Tomaacutes Teoacutefilo Argiroacutepolo e outros seguem a nossa divisatildeo que eacute a preferida pelos

exemplares gregos e que eacute hoje em dia vulgarmente acolhida

LIVRO II CAPIacuteTULO IQUESTAtildeO VI

SE A ALMA INTELECTIVA Eacute VERDADEIRA FORMA DO HOMEM OU NAtildeO209

ARTIGO II

NAtildeO PODE NEGAR-SE QUE A ALMA INTELECTIVA Eacute VERDADEIRA E PROPRIAMENTE FORMA DO

HOMEM

Afirmaccedilatildeo de Platatildeo Sobre esta questatildeo temos primeiro a afirmaccedilatildeo de

Platatildeo210 em Alcibiacuteades I dizendo que a alma intelectiva natildeo se junta ao corpo como

uma forma agrave mateacuteria mas apenas como o motor para o moacutevel e que a alma de Soacutecrates

208 Trad MCC209 Trad MCC210 Sobre esta afirmaccedilatildeo de Platatildeo Aristoacuteteles neste livro cap 1 texto 21 Temiacutestio cap 2 Filoacutepono cap 1 S Gregoacuterio Nisseno livro 2 Sobre a Alma cap 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 212

estaacute para Soacutecrates como o piloto para o navio visto que o governa com o artifiacutecio da

razatildeo e da inteligecircncia move o corpo como que um leme inflecte e modera as suas

acccedilotildees (embora natildeo falte quem afirme que Platatildeo natildeo nega que a alma intelectiva eacute

forma do corpo mas que enforma o corpo como as restantes formas que estatildeo de tal

modo unidas aos corpos que natildeo podem existir fora deles)

Reconduzido ao bom-senso por alguns Parece que Anaxaacuterco pensou como Platatildeo uma

vez que Fiacutelon o Judeu lembra no livro que intitulou Quod omnis probus liber est que

ele foi arremessado para um almofariz de rocha por Nacreonte tirano de Chipre e aiacute

por diversas vezes esmagado com martelos de ferro de novo o ataca e esmaga esmaga o

invoacutelucro de Anaxaacuterco mas sem esmagar Anaxaacuterco Com aquelas palavras indica que o

corpo externo que o homem eacute natildeo pertence agrave sua natureza

Quem negou que a alma fosse forma do homem segundo qualquer grau Depois

Simpliacutecio livro 1 no texto seacutetimo desta obra afirma que a alma natildeo eacute forma do

homem tambeacutem Filoacutepono texto 11 Temiacutestio livro 2 capiacutetulo 27ordm Averroacuteis livro 3

comentaacuterio 5 um certo Pedro Joatildeo referido por Guido Carmelita no seu livro De

haeresibus Parece que alguns consideram o mesmo por volta do ano 1300 da nossa

salvaccedilatildeo como se compreende do Conciacutelio de Viena sob Clemente V o que eacute referido

na Clementina lsquoAd nostrum de summa Trinitate et fide Catholicarsquo Tambeacutem noutra data

Leatildeo X como indica o Conciacutelio de Latratildeo sob o mesmo sessatildeo 8

Quem negou que o fosse apenas segundo o grau intelectivo Finalmente houve quem

pensasse que a alma do homem segundo o grau intelectivo natildeo eacute forma do corpo mas

apenas dada a disposiccedilatildeo uma faculdade de nutrir e de sentir cujas funccedilotildees dependem

directamente da mateacuteria e lhe satildeo inerentes Caetano parece ser claro nisto 1ordf parte da

Suma Teoloacutegica questatildeo 76 artigo 1ordm na resposta ao 1ordm

Primeira conclusatildeo Seja no entanto nesta discussatildeo a primeira conclusatildeo

Natildeo pode negar-se que a alma intelectiva eacute verdadeira e proacutepria forma do homem e do

seu corpo que enforma Esta conclusatildeo demonstra-se com os seguintes argumentos Eacute

necessaacuterio que o princiacutepio das operaccedilotildees de qualquer coisa natural seja a sua forma mas

qualquer de noacutes experimenta que intelige que sente e que produz outras funccedilotildees deste

geacutenero Portanto eacute preciso que exista em noacutes uma forma pela qual persistam as

referidas operaccedilotildees Essa forma natildeo eacute outra senatildeo a alma intelectiva visto que no

mesmo composto natildeo podem existir vaacuterias formas substanciais como mostraacutemos no

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 213

livro 1 de A Geraccedilatildeo e a Corrupccedilatildeo211 Logo a alma intelectiva eacute a verdadeira forma do

homem

Nada age a natildeo ser enquanto estaacute em acto A premissa maior eacute evidente

porque nada age a natildeo ser enquanto estaacute em acto e de facto uma coisa natildeo estaacute em

acto nas coisas fiacutesicas a natildeo ser atraveacutes da forma natural visto que a mateacuteria eacute pura

potecircncia e natildeo possui nenhuma faculdade efectivadora Este argumento quase foi

acolhido por Aristoacuteteles no capiacutetulo 2ordm daquele livro Satildeo Tomaacutes na 1ordf parte da Suma

Teoloacutegica questatildeo 76 artigo 1ordm e Durando no 2ordm livro das Sentenccedilas distinccedilatildeo 17

questatildeo 1 crecircem que nenhum argumento pode ser mais eficazmente produzido para

confirmar o assunto proposto a partir das fontes da filosofia

Segundo argumento Confirma-se o mesmo deste modo A verdadeira forma

de uma coisa eacute o que constitui a coisa numa certa espeacutecie e a separa das outras Assim eacute

a alma intelectiva no que respeita ao homem Eacute portanto a sua verdadeira forma

Prova-se a premissa menor Com efeito o homem tem a mateacuteria em comum com os

animais e outros compostos sublunares e natildeo pode mercecirc da mateacuteria distinguir-se deles

em espeacutecie ou obter uma certa espeacutecie Resta entatildeo que isso cabe justamente agrave alma

intelectiva

Contra Platatildeo Terceiro Que a alma intelectiva natildeo existe para o corpo apenas

como motor mas como seu acto e forma demonstra-se assim O moacutevel natildeo recebe o ser

do motor mas soacute o movimento Portanto se a alma se une ao corpo somente como

motor o corpo seraacute seguramente movimentado por ela mas natildeo recebe dela o ser Por

isso como viver eacute um certo ser da coisa viva o corpo natildeo vive atraveacutes da alma o que eacute

claramente falso Outro Embora o navio se corrompa o marinheiro todavia conserva

ilesas as operaccedilotildees do homem Tambeacutem a nossa alma largamente afecta ao corpo natildeo

pratica as suas acccedilotildees sem erro e sem viacutecio como acontece agrave vista nos eacutebrios e

freneacuteticos Portanto a alma natildeo estaacute para o corpo como o marinheiro para o navio

Acrescente-se que o homem eacute gerado com a junccedilatildeo da alma e morre com o seu

afastamento o que de modo algum acontece com o contacto do marinheiro com o

navio e do motor com a coisa movida e igualmente com o seu afastamento

Segundo a doutrina de Aristoacuteteles a alma intelectiva eacute a forma do homem

Quarto Pode demonstrar-se que segundo a doutrina de Aristoacuteteles a alma intelectiva eacute a

211 Cap 4 questatildeo 25

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 214

verdadeira forma do homem Primeiro porque na definiccedilatildeo pela qual define a alma

como o acto ou forma do corpo compreende a alma em geral como ele proacuteprio aiacute

declara e portanto tambeacutem a intelectiva Tambeacutem porque demonstraraacute no capiacutetulo a

seguir que a alma eacute acto ou forma do corpo por ser aquilo por que primeiramente

vivemos nos movemos localmente e inteligimos Incluiu neste raciociacutenio a alma

intelectiva com palavras claras pois somente atraveacutes dela inteligimos Ele natildeo o quis

dizer de forma menos clara no livro 12 da Metafiacutesica capiacutetulo 3ordm texto 17 no momento

em que levantava a questatildeo sobre o modo como a causa formal natildeo precede aquilo de

que eacute causa e por isso natildeo subsiste quando isso perece Responde que natildeo parece

obstar que subsista em alguns como na alma que participa do intelecto E assim

enumera a alma humana entre as formas Acontece que segundo a sua opiniatildeo uma

pessoa eacute formada de corpo e de alma como eacute evidente a partir do que ensinou no

capiacutetulo primeiro deste livro texto 7 inequivocamente dissertando a respeito de toda a

alma que da alma intelectiva e do corpo natildeo se faria um a natildeo ser que ela fosse a forma

e o acto do corpo conservando assim ambos entre si a proporccedilatildeo que eacute medianeira da

unidade

Quinto Para natildeo disputarmos com razotildees somente fiacutesicas que a alma do

homem eacute a sua verdadeira e proacutepria forma ensina-o a feacute ortodoxa mais certa do que

toda a filosofia O conciacutelio Vienense definiu-o primeiro sob Clemente V cujo decreto

lemos na Clementina uacutenica De summa Trinitate sect 2 com as palavras a seguir

Condenamos e reprovamos toda a doutrina ou posiccedilatildeo que afirma sem razatildeo e

tendendo para a duacutevida que a substacircncia da alma racional ou intelectiva

verdadeiramente e por si natildeo eacute forma do corpo humano como erroacutenea inimiga da

verdade catoacutelica conforme aprovou o referido sagrado Conciacutelio definindo que quem

antecipadamente ousou anunciou ou pertinazmente susteve que a alma racional ou

intelectiva natildeo eacute forma do corpo humano por si essencialmente deve ser declarado

hereacutetico Donde o proacuteprio Conciacutelio de Latratildeo sob Leatildeo X estabeleceu o seguinte na

sessatildeo 8 onde estatildeo escritas as seguintes palavras Condenamos e reprovamos todos os

que afirmam que a alma intelectiva eacute mortal e uma soacute para todos os homens e os que

potildeem em duacutevida estas afirmaccedilotildees visto que ela existe verdadeiramente por si natildeo soacute

essencialmente como forma do corpo humano verdadeiro e imortal mas tambeacutem

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 215

multiplicaacutevel singularmente pela multiplicidade dos corpos em que eacute infundida Natildeo soacute

foi multiplicada mas deve multiplicar-se

Segunda conclusatildeo A alma humana natildeo soacute quanto ao grau sensitivo e

vegetativo e aos restantes superiores mas tambeacutem quanto ao grau intelectivo eacute

verdadeira e propriamente forma do homem Prova-se isto porque dado que

compreendemos as formas das coisas por meio das operaccedilotildees e eacute proacuteprio do homem

inteligir e raciocinar eacute necessaacuterio que a alma racional mostre tambeacutem quanto agravequele

grau do qual provecircm essas acccedilotildees que eacute verdadeira e proacutepria forma do homem

Segundo porque a alma intelectiva no presente estado da vida experimenta todo o

conhecimento atraveacutes dos sentidos e no que diz respeito tambeacutem ao uso das espeacutecies

pelo menos da maior parte depende do corpo pois eacute necessaacuterio que o que intelige

considere os fantasmas O que certamente natildeo aconteceria se natildeo houvesse tambeacutem

quanto ao grau intelectivo uma relaccedilatildeo com o corpo enformando-o de facto pois essa

dependecircncia quanto agrave operaccedilatildeo somente tem origem no nexo natural entre a alma e o

corpo Terceiro Porque se a alma humana no referido grau natildeo estivesse ligada ao

corpo como sua forma nada conduziria a composiccedilatildeo do corpo ateacute agrave perspicaacutecia do

espiacuterito e a experimentar as acccedilotildees da intelecccedilatildeo cujo contraacuterio a experiecircncia ensina

como acima argumentaacutevamos Quarto O mesmo se estabelece porque tal como os

Conciacutelios de Viena e de Latratildeo decretaram de modo inequiacutevoco a alma intelectiva eacute

verdadeiramente e por si forma do corpo humano no grau de inteligir a alma

intelectiva obteve o seu ser proacuteprio e particular sendo inquestionaacutevel que este decreto

acerca da alma deve ser compreendido nestes termos no que toca a esse grau

Contestaccedilatildeo a alguns filoacutesofos mais recentes que pensam incorrectamente

Terceira conclusatildeo Natildeo soacute foi ratificado pela feacute mas tambeacutem se conclui pela razatildeo

natural que a alma intelectiva eacute verdadeiramente e por si forma do corpo

Estabelecemos esta conclusatildeo contra certos filoacutesofos mais recentes que afirmam

incorrectamente que apenas pela feacute se sustenta que a alma racional eacute forma do corpo e

que ela eacute ao mesmo tempo imortal como se de facto com base nas opiniotildees da

filosofia natildeo pudesse nenhuma forma do corpo subsistir fora da mateacuteria Compreende-

se o seu engano porque no que respeita agrave imortalidade o Conciacutelio de Latratildeo

estabeleceu claramente que a alma humana tambeacutem eacute imortal segundo a filosofia o que

mostramos de caminho com argumentos filosoacuteficos Aleacutem disso no que respeita agrave

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 216

noccedilatildeo de forma eacute evidente a partir da discussatildeo anterior que tambeacutem sem a luz da feacute

naturalmente se conclui e se convence com base no que dissemos que a alma intelectiva

eacute desde logo forma do corpo humano

TRATADO DA ALMA SEPARADA

Proeacutemio212

Uma vez que nos livros anteriores Aristoacuteteles natildeo disse nada acerca da alma

separada relativamente agrave qual versam muitas e graves questotildees entre os filoacutesofos e os

teoacutelogos cuja explicaccedilatildeo e entendimento natildeo eacute menos necessaacuterio quanto interessante

consideramos que o meacuterito da obra justifica agora esta disputa ainda que a consideraccedilatildeo

do que precisamente diz respeito agrave alma enquanto estaacute fora do corpo pertenccedila mais ao

metafiacutesico do que ao fiacutesico como realccedilaacutemos no Proeacutemio do primeiro livro

Qual eacute o escopo desta obra Dado que a ciecircncia da alma natildeo poderia ficar

concluiacuteda sem este tratado como que suplementar e talvez nos livros da Filosofia

Primeira de Aristoacuteteles este comentaacuterio natildeo tenha lugar oportuno decidimos assim

acrescentar um tratado deste tipo aos livros anteriores em vez de o rejeitar

Disputaremos as questotildees que dizem respeito a ambos os estados da alma a saber os

que respeitam indiferentemente agrave separaccedilatildeo e agrave enformaccedilatildeo tais como se porventura as

almas racionais satildeo subsistentes se satildeo criadas por Deus ou se o satildeo do modo como

foram analisadas no capiacutetulo primeiro do livro segundo desta obra

O assunto deste tratado Adiante estatildeo agrave disposiccedilatildeo o objecto e a mateacuteria deste

tratado a que chamam o assunto em consideraccedilatildeo nomeadamente a alma racional

examinada segundo a separabilidade do corpo a qual como razatildeo formal decerto as

restantes ciecircncias particulares relativamente agraves suas mateacuterias natildeo acrescentam mas

supotildeem Na verdade comum a todas eacute a metafiacutesica agrave qual sobretudo diz respeito este

tratado como haacute pouquinho dissemos quer a si quer agraves outras que investiguem acerca

do assunto Sendo assim demonstremos a separabilidade da alma na primeira disputa a

seguir A paixatildeo na verdade consiste em poder ser operada sem o corpo Natildeo eacute de

admirar se por uma dada parte positiva natildeo se daacute a paixatildeo ao contraacuterio eacute necessaacuterio que

212 Trad MCC

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 217

ela se decirc porque o seu sujeito encontra-se particularizado pela parte da razatildeo formal

isto eacute da separaccedilatildeo como se depreende do que se segue

Divisatildeo Este tratado divide-se em seis disputas A primeira diz propriamente respeito agrave

natureza da alma dado que nela se discute a imortalidade e a sua distinccedilatildeo das outras

substacircncias separadas A segunda afirma o modo como a alma existe fora do corpo

referem-se as outras para explicar a operaccedilatildeo A terceira discute sobre as disposiccedilotildees

das potecircncias cognoscentes suas espeacutecies e haacutebitos A quarta sobre o proacuteprio acto de

conhecer A quinta sobre o objecto do conhecimento A sexta sobre o movimento local

TRATADO SOBRE ALGUNS PROBLEMAS RELATIVOS AOS CINCO SENTIDOS DIVIDIDO PELO MESMO

NUacuteMERO DE SECCcedilOtildeES213

PRIMEIRA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS Agrave FACULDADE DE VER

Depois do estudo de cada um dos sentidos vamos explorar brevemente alguns

problemas a eles relativos como fizemos noutros passos dos nossos comentaacuterios

quando era necessaacuterio E assim comeccedilando pela visatildeo perguntamos

1ordm problema Por que razatildeo eacute que de todas as partes do feto os olhos satildeo os

uacuteltimos a aperfeiccediloar-se

Resposta Porque a natureza costuma traccedilar em primeiro lugar por assim

dizer os contornos dos membros (embora natildeo de todos ao mesmo tempo como

dissertaacutemos abertamente nos livros Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo) e soacute depois forma

distintamente cada um deles tal como os pintores gizam um primeiro esboccedilo com

linhas que depois matizam com cores e aperfeiccediloam Ensina de facto Aristoacuteteles no

segundo livro Sobre a geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 4 que os olhos satildeo finalizados em

uacuteltimo lugar214 Mas a causa dessa circunstacircncia que aduzimos na questatildeo eacute porque o

oacutergatildeo dos olhos eacute no iniacutecio huacutemido e frio e soacute ao fim de longo tempo amadurece

consolida e estabiliza Por isso os olhos no iniacutecio satildeo maiores em proporccedilatildeo agrave sua

dimensatildeo futura mas depois vatildeo-se contraindo paulatinamente no que diz respeito agraves

espeacutecies da terra da aacutegua e do ar como afirma Aristoacuteteles Comprova-se relativamente

213 Trad FM Na verdade satildeo cinco sentidos e seis secccedilotildees uma vez que se introduz um capiacutetulo sobre a voz e os sons (N do T)214 Pliacutenio no livro 2 cap 37 ensina que os olhos se formam muito mais tarde e morrem primeiro

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 218

agrave evoluccedilatildeo da natureza que o seu autor eacute Deus que se gerou a si proacuteprio no universo

tal como formou muito depois as luzes do ceacuteu e do mesmo modo haacute-de fazer-se

desaparecer antes do ocaso do proacuteprio mundo

2 O olho eacute ou natildeo de natureza iacutegnea

Resposta Que eacute de natureza iacutegnea foi a opiniatildeo de Platatildeo no Timeu de

Calciacutedio nos comentaacuterios a esse mesmo livro de Ficino no livro Sobre a vontade

capiacutetulo 4 e de Galeno no livro 10 De usu partium E isto pode ser demonstrado

porque o olho participa na luz que eacute de natureza celeste e iacutegnea Por outro lado a

posiccedilatildeo contraacuteria que afirma que o olho eacute de natureza aquosa e natildeo iacutegnea eacute

Peripateacutetica como consta dos locais que daqui a pouco vamos apresentar e os humores

a partir dos quais se desenvolve atestam a sua verdade porque se aproximam mais do

caraacutecter da aacutegua bem como o defluxo das laacutegrimas do temperamento huacutemido e frio

Sobre isto falaremos depois E natildeo levantam qualquer obstaacuteculo a luz e a transparecircncia

ingeacutenitas pois estas natildeo satildeo companheiras apenas da natureza iacutegnea como se torna

evidente no cristal e noutros casos Leia-se tambeacutem Aristoacuteteles na secccedilatildeo 31 dos

Problemas 23 e sobre este problema mais largamente Scaliacutegero na Exercitaccedilatildeo 297

nuacutemero 3

3 Por que eacute que a pupila eacute de natureza aquosa quando mais parecia dever ser

aeacuterea visto que o ar eacute mais transparente e mais adequado para receber as espeacutecies das

coisas visiacuteveis

Resposta Que eacute de natureza aquosa ensina Aristoacuteteles no livro Sobre o

sentido e o sensiacutevel capiacutetulo 2 e no livro 2 Sobre as partes dos animais capiacutetulo 10

bem como no livro 1 Sobre a Geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 6 e de facto conveacutem que

assim seja Pois como o ar se dissipa mais facilmente natildeo se funde adequadamente e

natildeo chega a ser apropriado para conservar as espeacutecies por isso a pupila deve ser

preferivelmente aquosa e natildeo aeacuterea para que natildeo [as] receba com dificuldade e [as]

retenha de forma conveniente

4 Por que motivo a uacutevea coacuternea se apresenta a seguir ao humor cristalino

Resposta Porque ela eacute opaca e densa e sendo opaca conserva natildeo soacute pelas

imagens que reteacutem mas tambeacutem pelas que reproduz numa repercussatildeo ponderada De

facto eacute evidente que as imagens ressaltam do olho visto que cada um se revecirc no olho

do outro como num espelho

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 219

5 Por que razatildeo o humor cristalino natildeo tem uma forma perfeitamente esfeacuterica

mas no que diz respeito agrave pupila eacute mais compacto e mais plano

Resposta Para que natildeo seja facilmente extraiacuteda do humor viacutetreo por golpes ou

choques violentos como adverte Galeno no livro 10 De usu partium De facto a

conexatildeo e o posicionamento nas coisas absolutamente redondas satildeo mais falaciosos do

que naquelas que tecircm uma forma mais plana

6 Por que eacute que os peixes pelo menos grande parte deles tecircm os olhos

imoacuteveis

Resposta Eacute possiacutevel distinguir e admirar uma grande variedade de olhos que

vai desde a seacuterie privada de vista que existe nas ostras ateacute aos olhos da aacuteguia Em

alguns animais estatildeo de facto descobertos como nos caranguejos em outros ora estatildeo

fechados ora estatildeo abertos como nos homens Em alguns satildeo duros como nas lagostas

Em outros satildeo moles como acontece na maioria Em alguns satildeo voluacuteveis como em

quase todos os casos mas em outros estatildeo imobilizados dentro das suas oacuterbitas como

nos peixes Eacute evidente que o autor da natureza procurou esta variedade em funccedilatildeo da

beleza do mundo onde nada existe sem cuidado nem providecircncia Natildeo foi necessaacuterio

aos peixes mover os olhos no seu elemento onde estatildeo menos expostos a agressotildees

Nem foi preciso conferir uma igual condiccedilatildeo a todos os animais para que cumprissem a

sua funccedilatildeo

7 Por que motivo o branco do olho que estaacute cheio de sangue eacute viscoso e

espesso

Resposta Para que possa (diz Aristoacuteteles no livro Sobre o sentido e o sensiacutevel

capiacutetulo 2) conservar-se distendido Eacute tambeacutem por esta razatildeo porque o olho entre todas

as partes do corpo eacute o mais indiferente ao frio como tambeacutem se afirma na secccedilatildeo 31

dos Problemas 23 pois essa viscosidade impede o ingresso do ar penetrante De facto

os animais exangues tecircm uma pele mais dura nos olhos atraveacutes da qual se protegem dos

danos

8 Eacute ou natildeo por causa dos olhos que a cabeccedila se situa na parte mais alta [do

corpo]

Resposta Galeno no oitavo livro De usu partium seguiu a parte afirmativa e

o fundamento desta opiniatildeo eacute o facto de a elevaccedilatildeo da cabeccedila natildeo parecer necessaacuteria

para nenhum outro uso a natildeo ser para que os olhos nela colocados tudo observem do

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 220

alto A opiniatildeo contraacuteria sustenta Averroacuteis no livro segundo da Collectanea bem como

muitos outros o que pode ser demonstrado pelo facto de a importacircncia do ceacuterebro ser

tatildeo grande que compete com o coraccedilatildeo em dignidade e ateacute seria mais nobre se se

considerasse a razatildeo das potecircncias sensitivas que em si conteacutem como mostraacutemos nos

livros Sobre a geraccedilatildeo e a corrupccedilatildeo Parece absurdo considerar que a cabeccedila tivesse

sido constituiacuteda desse modo mais por causa dos olhos do que por causa do ceacuterebro

Assim sendo eacute evidente que esta controveacutersia tem de resolver-se para que digamos de

uma vez por todas se a vantagem da posiccedilatildeo mais elevada se deve considerar em

funccedilatildeo do uso do membro e da operaccedilatildeo que mais a requer ou ateacute que ponto eacute mais por

causa dos olhos do que causa do ceacuterebro porque ainda que o ceacuterebro natildeo estivesse no

local mais alto mas no toacuterax poderia perfeitamente discorrer a partir daiacute todavia seria

conveniente que os olhos se fixassem em espelhos para conseguirem ver Se poreacutem

considerarmos a razatildeo natildeo da vantagem da operaccedilatildeo mas da dignidade do proacuteprio

membro entatildeo como o ceacuterebro eacute mais importante do que os olhos e como num animal

o lugar mais alto eacute o mais nobre tal como o lugar do ceacuteu no mundo deve estabelecer-se

que a altura da cabeccedila natildeo eacute tanto por causa dos olhos como por causa do ceacuterebro Por

isso deve negar-se relativamente agrave razatildeo da primeira sentenccedila que a elevaccedilatildeo da

cabeccedila natildeo serve para mais nada senatildeo para ver mais longe De facto contribui acima

de tudo para a dignidade que na estrutura do corpo humano se deve ao ceacuterebro Na

verdade o argumento da segunda opiniatildeo comprova que no que diz respeito agrave

observada supremacia do membro a posiccedilatildeo elevada da cabeccedila eacute mais por causa do

ceacuterebro do que por causa dos olhos tal como afirmaacutemos

10 Por que eacute que os olhos satildeo dois

Resposta A razatildeo eacute comum pelo mesmo motivo que as orelhas satildeo duas e

outros que tais Evidentemente que eacute para que no caso de se perder uma parte do oacutergatildeo

sensitivo a outra subsista incoacutelume Mas nos olhos haacute uma razatildeo especiacutefica ndash diz

Galeno no livro 10 De usu partium ndash para que como vecircem apenas o que se lhes opotildee

em linha recta possam ver tudo com um simples girar de olhos Ora eacute conhecido o que

alguns escreveram sobre os Ciclopes que tinham apenas um olho no meio da testa cujo

recocircndito sentido explica o inteacuterprete de Hesiacuteodo na Teogonia Diz tambeacutem a tradiccedilatildeo

que existiam Etiacuteopes que tinham trecircs ou quatro pares de olhos no peito No que a isto

diz respeito veja-se Pliacutenio no livro 5 capiacutetulo 8 no livro 6 capiacutetulo 30 e no livro 7

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 221

capiacutetulo 2 bem como Estrabatildeo no livro 1 e no 7 e ainda Aulo Geacutelio no livro 9

capiacutetulo 4 Aleacutem disso S Anselmo no livro 1 De Imagine mundi capiacutetulo 10 e S

Agostinho na obra dos Sermones ad fratres no sermatildeo 37 bem como noutros passos

isto eacute no livro 16 da Cidade de Deus capiacutetulo 8 refutam esse facto por ser imaginaacuterio

Acrescente-se que esta obra dos Sermones ad fratres natildeo eacute autecircntica nem da autoria de

S Agostinho como vulgarmente se acredita

11 De que tipo eacute o temperamento dos olhos

Resposta Galeno no livro 7 De placitis capiacutetulo 13 diz que eacute iacutegneo e o

mesmo parecer tiveram Empeacutedocles e Timeu Aristoacuteteles todavia quando fala segundo

a sua posiccedilatildeo pessoal (na verdade quer em outros lugares quer na secccedilatildeo 31 dos

Problemas escreve por fim que de acordo com o senso comum a visatildeo proveacutem do

fogo e a audiccedilatildeo do ar) como no livro Sobre o sentido e o sensiacutevel capiacutetulo 2 afirma

que eacute aquoso e tem razatildeo visto que o frio e o huacutemido predominam nos olhos como eacute

natural visto que se desenvolvem a partir das membranas da gordura e dos humores

que satildeo todos friacutegidos

12 Por que eacute que os olhos satildeo extremamente moacuteveis sendo friacutegido o seu

temperamento

Resposta A causa eacute dupla em primeiro lugar a abundacircncia de espiacuteritos que

para eles defluem a partir do ceacuterebro depois a multiplicidade de muacutesculos que neles

obedecem ao movimento Todavia esta mobilidade dos olhos natildeo se aplica a todos os

animais visto que muitos deles os tecircm imoacuteveis como se constata do que foi dito

13 Por que eacute que eacute sobretudo quem tem duas pupilas em cada um dos olhos

que consegue ter a capacidade de fascinar

Resposta Que este poder eacute de facto inerente em alguns homens foi o que

demonstraacutemos na Fiacutesica Mas do mesmo modo que acontece terem duas pupilas por

causa de um defeito da natureza assim este outro mal isto eacute o veneno que os olhos

fascinantes projectam proveacutem tambeacutem de um defeito da natureza Todavia a razatildeo

desta ligaccedilatildeo eacute o facto de muitas vezes a causa prejudicial daquela qualidade que

emitem por si proacuteprios atraveacutes de um sopro maleacutefico se aproximar daquela que incute

as duas pupilas

14 Por que eacute que se diz que os olhos satildeo os indicadores da alma a ponto de se

admitir que a alma neles habita

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 222

Resposta Nenhuma parte do corpo revela mais as coisas que se escondem na

alma do que os olhos visto que admitem diferentes formas de olhar para mostrar os

pensamentos ferozes ameaccediladores ardentes graves submissos ternos Brilham

afirmam-se fecham-se sorriem riem temem zangam-se ameaccedilam prometem E

assim em alguns olhos vemos modeacutestia clemecircncia mansidatildeo alegria misericoacuterdia e

amor noutros pelo contraacuterio vemos orgulho arrogacircncia astuacutecia tristeza oacutedio e

indignaccedilatildeo215 Mas como ensina Aristoacuteteles no livro citado capiacutetulos 9 e 10 os que

tecircm os olhos pequenos ou muito negros consideram-se por esse sinal tiacutemidos e

pusilacircnimes os que os tecircm a fugir para o amarelado consideram-se boas almas os que

os tecircm cocircncavos dizem-se maleacuteficos os salientes estuacutepidos os iacutegneos descarados Mas

quem tem daqueles moderadamente pestanejantes diz ele ser indiacutecio de

comportamentos dignos de louvor no primeiro livro Sobre a histoacuteria dos animais

capiacutetulo 10 Eacute suficientemente evidente que existe tambeacutem nos olhos uma grande

capacidade natildeo apenas para indicar a natureza e os pensamentos da alma mas tambeacutem

para a promoccedilatildeo dos afectos Daiacute que os Atenienses tivessem o costume de ir de noite

ateacute ao Areoacutepago na colina de Marte para tomar decisotildees sobre os crimes naturalmente

para natildeo serem coagidos a faltar agrave justiccedila pelo olhar dos indiviacuteduos que se lamentam

Nem eacute diferente disto aquele dito de Seacuteneca sobre os remeacutedios do acaso ldquoNatildeo

compreendes que a cegueira faz parte da inocecircnciardquo Daiacute que os olhos decircem a conhecer

o adulteacuterio o incesto a casa que cobiccedilam bem como a cidade e todos os males Os

olhos satildeo de facto estiacutemulo para os viacutecios e guias para os feitos criminosos

15 Por que eacute que os olhos para os meacutedicos ocupam o primeiro lugar na

determinaccedilatildeo do prognoacutestico como no primeiro livro do Praesagium 13

Resposta Porque como ensina Aristoacuteteles nos Problemas secccedilatildeo 7 problema

7 de entre todos os membros satildeo os que mais se transformam tanto por um factor

externo como por um interno dado que satildeo naturalmente huacutemidos e liacutempidos

facilmente recebem e revelam essa impressatildeo

16 Por que eacute que os olhos de muitos animais como os gatos brilham e

irradiam nas trevas

Resposta Sosiacutegenes preceptor de Alexandre expocircs em termos gerais no

terceiro volume do tratado Sobre a visatildeo os motivos pelos quais alguns corpos reluzem

215 Galeno livro 6 do Commentarius in Hippocratis Epidemias secccedilatildeo 4

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 223

nas trevas diante de noacutes Afirma que estes satildeo inflamados na medida em que participam

da natureza do eacuteter e do quinto elemento e por causa desse parentesco acontece que

iluminam o ar que se aproxima deles ou algum corpo transparente216 E fazem-no

sobretudo de noite pela razatildeo de que nesse momento haacute menos luz Pelo contraacuterio se

acontecesse durante o dia seria de tal modo que a luz dos mais pequenos quase se

perderia e iria ofuscar-se na maior Logo como refulgem durante a noite iluminam

levemente o ar envolvente que estaacute mais proacuteximo natildeo de modo a que tambeacutem se possa

ver as outras coisas mas apenas para que se defendam das trevas Eacute isto o que faz a

exiguidade da sua dimensatildeo de onde proveacutem e emana a luz Na verdade tambeacutem o

proacuteprio fogo ainda que emita o seu brilho de forma mais lata e difusa a tal ponto que se

comunica a outros corpos todavia se estiver mais afastado os olhos natildeo vecircem as outras

coisas e ele proacuteprio mal consegue fazer-se ver Tendo isto em conta facilmente

qualquer um poderaacute perceber por que eacute que os olhos dos animais de que trataacutemos

refulgem de noite Obviamente porque obtecircm uma luz inata que embora seja exiacutegua

como acontece aos seus semelhantes deixa-se obscurecer na luz do dia e esconde-se

Mas a natureza atribui esta luz aos animais para que vejam a presa durante o periacuteodo

nocturno quando se lanccedilam para ela Entatildeo tambeacutem se vecirc que haacute alguns corpos que

durante a noite parecem transparentes e durante o dia coloridos porque a luz deles natildeo eacute

suficiente para mostrar as cores de noite mas de dia nem ela proacutepria se mostra

abscocircndita pela luz mais forte

17 Qual eacute entatildeo nos olhos a melhor constituiccedilatildeo dos humores de acordo

com a sua morfologia

Resposta Como ensina Aristoacuteteles no livro 5 Sobre a Geraccedilatildeo dos animais

capiacutetulo 1 eacute aquela que se manteacutem moderada entre o excesso e a falta de humor Deste

modo nem o humor eacute facilmente perturbado pela sua exiguidade nem eacute dificilmente

movido por causa da sua abundacircncia Se se perguntar qual das duas mais se recomenda

ndash a escassez ou a grandeza ndash devemos responder que se a grandeza tiver por

acompanhante a beleza preferimos a abundacircncia natildeo soacute porque a beleza tem meacuterito por

si mesma mas tambeacutem porque uma abundacircncia bela atesta a presenccedila da virtude que a

enforma a qual pocircde atrair uma grande quantidade de mateacuteria e dar-lhe forma com

elegacircncia Hipoacutecrates no livro segundo De moribus popularibus secccedilatildeo 6 ao discutir

216 Sobre a luz presente nos olhos Averroacuteis na paraacutefrase agrave obra Sobre o sentido e o sensiacutevel

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 224

sobre a noccedilatildeo dos indiacutecios afirma que os olhos grandes e amarelados isto eacute os que se

dizem de cor intermeacutedia entre o amarelo e o esverdeado satildeo proacuteprios de um homem

devidamente equilibrado obviamente porque nascem de uma excelente mistura de

qualidades Alberto Magno afirma que os olhos grandes brilhantes e claros significam

um homem justo doce e prudente como se diz que os teve Soacutecrates considerado pelo

oraacuteculo o mais saacutebio de todos

18 Por que eacute que os olhos dos bebeacutes satildeo esverdeados imediatamente a seguir

ao parto mas depois transformam-se na sua natureza futura o que evidentemente natildeo

acontece nos outros animais

Os olhos esverdeados das crianccedilas217 Resposta Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a

histoacuteria dos animais capiacutetulo 10 e no livro 5 Sobre a geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 1

identifica a causa dizendo que como os olhos dos outros animais de acordo com a

espeacutecie de cada um satildeo maioritariamente unicolores nomeadamente negros os dos

bois pardos os das ovelhas e os dos outros ou completamente vermelhos ou

esverdeados ou da cor das cabras ou amarelados assim sendo natildeo se tornam distintos

de si mesmos pelo contraacuterio conservam posteriormente a mesma cor que apresentam

no nascimento De modo diferente acontece aos homens pois os seus olhos satildeo de certo

modo versicolores uns esverdeados outros amarelados outros avermelhados etc e

assim mudam a cor no decurso da idade Ensina tambeacutem Aristoacuteteles que os bebeacutes os

tecircm esverdeados porque assim se considera o humor dos olhos e dos rios cor esta que

se existir em grande quantidade se torna opaca e escurece porque natildeo pode ser

transparente se for pouca aparece esverdeada se for em quantidade mediana exibe

uma cor intermeacutedia Por conseguinte visto que os olhos dos bebeacutes pela sua pequenez

contecircm pouca quantidade de humor afirma que neles se revela a cor esverdeada E pelo

mesmo motivo eacute precisamente esta cor que estaacute presente nos olhos dos velhos nos

quais como nos outros membros tambeacutem os humores dos olhos se fixam Pode ler-se

outras causas desta circunstacircncia se houver interesse em Averroacuteis no livro 4 da

Colectacircnea 3 em Avicena no livro 3 tratado 3 capiacutetulo 34 ou em Vesaacutelio no livro 3

capiacutetulo 14

19 Por que eacute que alguns dos seres animados sobretudo os homens tecircm apenas

um olho esverdeado

217 No original esta nota aparece colocada na questatildeo anterior provavelmente por lapso (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 225

Resposta Porque quando a natureza suporta perfeitamente em ambos os olhos

o humor que acompanha a cor esverdeada daacute-se a passagem para outra cor ainda que

apenas em um conservando-se o esverdeado no outro

20 Por que eacute que de entre todos os animais praticamente soacute ao homem

acontece ter os olhos de esguelha

Resposta Acontece tambeacutem a outros seres animados embora natildeo com tanta

frequecircncia porque estatildeo menos expostos a lesotildees e o desvio natildeo se percebe tatildeo

facilmente neles como no homem que de acordo com a sua anatomia tem os olhos

extremamente proacuteximos

21 Qual eacute a constituiccedilatildeo dos olhos mais favoraacutevel agrave visatildeo

Resposta Cumpre ajuizar em primeiro lugar em relaccedilatildeo agrave cor a melhor

segundo ensina Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a histoacuteria dos animais capiacutetulo 10 eacute

considerada a cor de cabra ou seja aquela que se observa nos olhos das cabras

intermeacutedia entre o glauco e o negro

Qual a constituiccedilatildeo dos olhos mais favoraacutevel agrave visatildeo Depois em relaccedilatildeo ao

posicionamento De facto os olhos mais escondidos na profundidade dos globos vecircem

as coisas mais distantes de forma mais exacta E ainda relativamente agrave constituiccedilatildeo dos

espiacuteritos ou seja agrave sua quantidade e qualidade De facto o espiacuterito muacuteltiplo ajuda a

fixar a vista nas coisas mais remotas e o puro a discernir os detalhes E por fim no que

se refere agrave disposiccedilatildeo da tuacutenica que recobre a pupila conveacutem que seja brilhante e teacutenue

Brilhante porque o negro natildeo pode ser transluacutecido e tambeacutem para que as lanternas que

satildeo feitas de uma membrana deste tipo possam reluzir Teacutenue para que receba

prontamente as imagens das coisas que se precipitam sobre elas Sobre isto deve

interrogar-se isoladamente

22 Pode ou natildeo acontecer que por assim dizer pela falta dos espiacuteritos a visatildeo

diminua tal como eacute enfraquecida pela sua multiplicidade

Resposta Tomaacutes de Veiga trata profundamente desta questatildeo no comentaacuterio ao

livro quarto de Galeno De locis affectis estabelecendo a parte negativa que desenvolve

a partir de Galeno o qual em lugar nenhum tomou a abundacircncia dos espiacuteritos como a

causa da visatildeo defeituosa mas antes a carecircncia E a partir de Avicena que no livro De

medicina cordis capiacutetulo 4 afirma que a visatildeo eacute tanto mais veemente quanto mais

desenvolvido estiver o espiacuterito ou seja os espiacuteritos satildeo de tal forma teacutenues e tatildeo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 226

beneacutefica a sua forccedila que nem se acumulam em excesso nem prejudicam Parece-nos

entatildeo que isto deve ser entendido no estado normal E por isso mesmo com a

transpiraccedilatildeo temporariamente impedida natildeo poderatildeo acumular-se ateacute ao ponto de os

olhos se inflamarem em excesso e serem lesados

23 Por que eacute que a maior parte dos animais nocturnos tem os olhos

encovados

Resposta Para que desse modo a luz interna que tecircm inserida nos olhos ao

progredir em linha mais recta ilumine melhor o meio

24 Por que eacute que quem tem olhos espiotildees e salientes vecirc mal e quem os tem

cavos e profundos vecirc com precisatildeo

Resposta Porque para aleacutem de as espeacutecies emitidas pelos objectos se unirem

menos aos primeiros tambeacutem os proacuteprios espiacuteritos fogem mais pelo contraacuterio as

espeacutecies ligam-se mais aos segundos e os espiacuteritos conservam-se mais tempo

aglomerados e constrangidos pelo que administram uma capacidade de visatildeo mais

intensa Isto acontece de forma semelhante agravequeles que para afinar a vista fecham um

pouco os olhos

Os olhos cavos vecircem com precisatildeo E natildeo eacute por motivo diferente que

enxergamos melhor com um olho fechado confluindo para um soacute lugar os espiacuteritos que

se deveriam dividir por dois embora por outro lado digamos que com apenas um olho

vemos com dificuldade porque desse modo o nosso espiacuterito estaacute menos disposto a ver

como adverte Aristoacuteteles na secccedilatildeo 31 dos Problemas 10 Leia-se na mesma secccedilatildeo

dos Problemas as questotildees 2 4 16 e 21 bem como o livro 5 Sobre a geraccedilatildeo dos

animais capiacutetulo 1

25 Por que eacute que a estreiteza da pupila quando eacute inata desde o nascimento se

acomoda normalmente agrave visatildeo e quando eacute acidental eacute-lhe prejudicial

Resposta Porque na primeira situaccedilatildeo essa qualidade estando concentrada eacute

mais reforccedilada dado que a natureza atribui ao homem uma pupila mais estreita em

comparaccedilatildeo aos restantes animais No segundo caso poreacutem uma vez que proveacutem de

um defeito do humor branco ou da coacuternea rebaixada ou de outra falha deste tipo a

faculdade eacute impedida de actuar correctamente Por vezes pode acontecer que esta falha

seja contraiacuteda desde o proacuteprio nascimento por um acidente natural

26 Por que motivo eacute que os velhos vecircem mal

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 227

Resposta Natildeo soacute pela debilidade dos espiacuteritos vitais que diminuem de dia para

dia com a perda de calor causada pela idade mas tambeacutem porque nos velhos tal como

a pele das restantes partes se contrai em rugas assim acontece com a cuacutetis e a

membrana dos olhos que para conseguir ver deve ser leve e teacutenue como

anteriormente advertimos Um outro motivo eacute o facto de a exercitaccedilatildeo excessiva do

corpo prejudicar muitas vezes a acuidade dos olhos naturalmente porque torna o

sangue mais seco assim como o resto do corpo e a secura por sua vez endurece a

cuacutetis

27 Por que eacute que embora tanto os luscos como os velhos vejam mal os

primeiros aproximam o objecto visiacutevel e os outros afastam-no um pouco

Resposta Galeno afirma que a causa disso eacute o facto de os velhos tendo jaacute

pouco do brilho interno nos olhos precisarem de luz externa e por isso afastam o

objecto para que tenha mais luz Os luscos pelo contraacuterio naturalmente providos de

olhos claros tecircm luz interna em abundacircncia e para evitarem a externa desviam um

pouco o visiacutevel da luz para que a abundacircncia de luz externa que se junta agrave interna natildeo

prejudique a visatildeo Todavia os velhos natildeo costumam afastar muito os objectos de

outro modo natildeo receberiam deles as espeacutecies na medida em que conveacutem E assim

reconstituem o objecto agrave distacircncia em que consegue estar convenientemente iluminado e

emitir a espeacutecie adequada Aristoacuteteles tambeacutem tinha indicado a causa deste problema na

secccedilatildeo 31 dos Problemas 26218 deste modo ldquoos velhos uma vez que pela sua

debilidade natildeo conseguem ver onde se juntam menos raios desviam o objecto que

querem ver para onde tecircm melhor capacidade de visatildeo pois os raios costumam reunir-se

ao longerdquo Os luscos podem na verdade ver o objecto ao perto mas natildeo conseguem

discernir ao longe quais os cavos e quais os salientes

28 Por que eacute que os humores concretos se podem ver nos derrames junto agrave

coacuternea se a visatildeo natildeo se daacute sem o meio iluminado

Resposta A visatildeo tambeacutem nesse caso se daacute atraveacutes de um meio transparente e

iluminado mas eacute o interno que se esconde dentro do olho ou seja atraveacutes do humor

aquoso ou branco intermediaacuterio entre a pupila e o humor glacial219 atraveacutes do qual

contudo os sensiacuteveis externos que se aproximam dos olhos natildeo podem ver visualizados

218 Na verdade a explicaccedilatildeo surge no problema 25 (N do T)219 Ou cristalino (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 228

porque espalham as trevas sobre ele Pelo que acontece tambeacutem que se aquele humor

concreto ocupar toda a pupila nos olhos com derrames natildeo se deixaraacute ver a ele proacuteprio

nem a nada porque obscurece verdadeiramente o interior transparente e impede que as

espeacutecies visuais possam chegar ao humor glacial Haacute poreacutem quem pense que isto de

facto natildeo se pode ver mas eacute uma alucinaccedilatildeo da fantasia pela qual julgamos ver esse tal

humor ou vapor naquela parte do olho onde ele natildeo estaacute No entanto embora por vezes

possa acontecer deste modo todavia natildeo eacute por isso que o devemos atribuir sempre a

uma ilusatildeo visto que nada impede que efectivamente se possa ver de vez em quando

um humor desse tipo ou um vapor que exista no olho Leia-se Filoacutepono livro 2 Sobre a

alma relativamente ao texto 74 e Teofrasto sobre o texto 16

29 Por que eacute que quando estamos num lugar obscuro vemos o que estaacute na luz

como nos mais profundos poccedilos vemos as estrelas em pleno dia todavia quando

estamos na luz natildeo avistamos o que estaacute nas trevas

Resposta Se o local em que estamos estaacute absolutamente desprovido de

qualquer luz independentemente da grandeza do objecto iluminado natildeo o vemos

porque eacute preciso luz para transportar a espeacutecie ateacute ao olho E assim eacute precisa luz tanto

da parte do objecto como da parte do olho mas mais da parte do objecto que deve

conduzir a espeacutecie em primeiro lugar

30 Quando o olho estaacute fechado e se desloca nas trevas para caacute e para laacute por

que eacute que aparece um certo brilho interno

Resposta Aristoacuteteles dissolve esta duacutevida no livro Sobre o sentido e o sensiacutevel

capiacutetulo 2 quando supondo que todos os corpos satildeo liacutempidos brilhantes e luminosos

diz que a coacuternea eacute da mesma qualidade e por isso refulge embora aquele esplendor natildeo

apareccedila enquanto a pupila permanece no seu lugar porque o que vecirc deve ser diferente

daquilo que eacute visto tornando-se diferente por assim dizer dois a partir de um quando a

pupila se afasta

31 Por que eacute que algumas pessoas ao despertar do sono vecircem tudo nas trevas

como se estivessem em plena luz O que anteriormente recordaacutemos que costumava

acontecer a Tibeacuterio de acordo com o testemunho de Suetoacutenio Tranquilo na sua Vida

capiacutetulo 48 e de Pliacutenio no livro 11 capiacutetulo 37

Resposta Seraacute porque como eacute doutrina de muitos os espiacuteritos animais que

defluem do ceacuterebro para os olhos satildeo brilhantes

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 229

Alguns espiacuteritos satildeo brilhantes Por conseguinte pode acontecer que em alguns

homens obtenham um pouco de luz graccedilas a uma propriedade oculta ou entatildeo que

possam iluminar toda a divisatildeo com a grande quantidade de luz que emitem dos olhos

tendo acumulado uma tal abundacircncia enquanto os olhos estiveram fechados que ela

proacutepria irrompe logo que se abrem

32 Se natildeo se pode discernir as cores a natildeo ser quando se mostram numa

superfiacutecie por que eacute que quando vemos uma pedra transluacutecida temos a sensaccedilatildeo de as

contemplarmos em profundidade

Resposta Porque quando as espeacutecies passam atraveacutes da profundidade do corpo

fazem com que a profundidade apareccedila embebida da mesma cor que a superfiacutecie de

fundo do mesmo modo que o vidro transparente e brilhante quando olhamos para

alguma coisa verde atraveacutes dele se apresenta agrave nossa vista quase revestido da mesma

cor

33 Por que motivo o visiacutevel simples nem sempre parece duplo ainda que

envie aos olhos uma espeacutecie duplicada

Resposta Haacute quem transmita uma razatildeo diferente para esta circunstacircncia

Ciruelo no livro 1 da Perspectiva Viteacutelio no livro 3 e muitos outros relacionam-na

com a convergecircncia do nervo oacuteptico onde os dois olhos juntam as espeacutecies no mesmo

ponto No entanto noacutes jaacute anteriormente refutaacutemos esta opiniatildeo porque se descobriu

pela experiecircncia que embora os nervos se dissociem como por vezes acontece o

simples natildeo se vecirc em duplicado Outros relacionam-na com o sentido comum onde

segundo dizem se completa o acto de ver Mas tambeacutem impugnaacutemos esta opiniatildeo no

que foi dito atraacutes quando demonstraacutemos que o acto de ver se perfaz no humor

cristalino Logo para que se perceba a razatildeo duplicada desta circunstacircncia devemos ter

isto em conta a visatildeo como ensinam os mestres da Perspectiva220 daacute-se atraveacutes de uma

piracircmide cuja base estaacute na coisa vista e o respectivo veacutertice no centro do olho Aleacutem

disso entre as linhas que produzem a piracircmide visual haacute outra que se estende em linha

recta desde o olho ateacute ao objecto visiacutevel designada eixo da cogniccedilatildeo Por conseguinte

embora as imagens visuais sejam determinadas atraveacutes de uma dupla piracircmide em

direcccedilatildeo aos dois olhos todavia como as linhas rectas dos olhos se estendem em

220 Leia-se o Cantuariense no livro 1 da Perspectiva cap 3 conclusatildeo 6 e cap 7 conclusatildeo 2 bem como Viteacutelio no livro 3 da Perspectiva teorema 45

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 230

direcccedilatildeo ao objecto segundo o mesmo ponto a partir do qual as espeacutecies comeccedilam a

dividir-se para cada um dos olhos isso faz com que nenhum objecto simples apareccedila em

duplicado Logo embora sejam dois os eixos dos olhos ambos satildeo orientados para o

mesmo ponto do objecto visiacutevel de modo a que as linhas rectas se prolonguem a partir

desse ponto ateacute ao centro dos dois olhos No entanto quando os eixos se desalinham ou

pela compressatildeo dos olhos ou por qualquer outro motivo os eixos deixam de ser

uniformes como acontece quando algueacutem eleva a pupila de um olho com o dedo e o

objecto simples aparece em duplicado E assim quando o posicionamento dos olhos eacute

dissemelhante porque foi deslocado sucede que um objecto uno se mostra muacuteltiplo Haacute

mais sobre este assunto no proacuteximo problema

34 Por que eacute que um objecto visiacutevel simples por vezes aparece como muacuteltiplo

O simples por vezes aparece como muacuteltiplo Resposta As razotildees desta

circunstacircncia se forem explicitadas com detalhe satildeo vaacuterias221 Todas elas dizem

respeito a uma razatildeo comum ou seja o defeito da condiccedilatildeo necessaacuteria para que o

objecto apareccedila como uacutenico que eacute a uniformidade dos eixos Todavia essas razotildees

particulares costumam ser reduzidas a trecircs tipos tendo em conta o posicionamento dos

olhos o posicionamento do objecto visiacutevel e os raios visuais Por causa do

posicionamento dos olhos uma lanterna pode parecer duas como por exemplo quando

algueacutem levanta um olho estando o outro rebaixado ou quando o nervo oacuteptico relaxado

por uma grande quantidade de vinho natildeo susteacutem a equidade das pupilas e daiacute adveacutem o

que cantou Horaacutecio

Quando se bebe uma concha entatildeo jaacute o tecto anda agrave rodaE a mesa parece-nos ter duas lanternasQuanto ao posicionamento do objecto visiacutevel por exemplo quando por causa

da celeridade do movimento um objecto parece de repente ocupar um espaccedilo muito

maior do que verdadeiramente ocupa isso corresponde a uma certo modo do objecto

ampliado pela contiacutenua circulaccedilatildeo Deste modo um baacuteculo rodopiado a toda a pressa

parece um ciacuterculo Ou entatildeo por causa dos raios visuais quando pela refracccedilatildeo das

imagens que se daacute em algumas coisas para as quais olhamos atentamente e que tecircm

vaacuterias saliecircncias adornadas com quadradinhos ou outras figuras deste tipo aparecem

coisas multiplicadas em vaacuterias posiccedilotildees de acordo com o nuacutemero das imagens que se

221 Leia-se Galeno no livro 10 De usu partium cap 12 Aristoacuteteles secccedilatildeo 3 Problemas 9 10 20 e 29 bem como secccedilatildeo 31 Problemas 11 e 18

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 231

multiplicam com a refracccedilatildeo E tambeacutem deste modo estando um espelho partido e

alterado o posicionamento das partes por causa do reflexo variado das espeacutecies que

nascem entatildeo da diversidade desse posicionamento aparece o mesmo objecto em

diferentes posiccedilotildees do espelho

35 Por que eacute que nos espelhos esfeacutericos mas natildeo nos planos as coisas

aparecem na sua maior parte menores do que satildeo

Resposta Porque nos planos o reflexo daacute-se numa superfiacutecie maior visto que

os raios reflectidos a partir das superfiacutecies convexas se desagregam mais do que nas

planas por causa da declinaccedilatildeo do ciacuterculo a partir do qual o reflexo se daacute Logo para

que os raios acorram agrave visatildeo eacute preciso que a reflexatildeo se faccedila numa superfiacutecie mais

pequena e que por conseguinte se mostre um objecto menor O que todavia se deve

entender sobretudo porque nestes espelhos acontece por vezes que um objecto em

qualquer posicionamento apareccedila do mesmo tamanho como se comprova no livro 6 da

Perspectiva

36 Por que eacute que as coisas que vemos atraveacutes da reflexatildeo das espeacutecies nos

espelhos aparecem muito mais debilmente do que as que contemplamos por observaccedilatildeo

directa

Resposta Porque as espeacutecies reflectidas satildeo mais deacutebeis e tecircm um movimento

teacutenue de tal modo que a sua representaccedilatildeo eacute menos exacta E por isso mesmo

facilmente se esquece da sua forma quem a vecirc no espelho

37 Uma vez perdida a faculdade de ver pode ou natildeo ser restituiacuteda por forccedila da

natureza

Resposta Existem alguns animais segundo afirma Aristoacuteteles no livro 2 Sobre

a geraccedilatildeo dos animais capiacutetulo 4 que parem as crias cegas nomeadamente os catildees os

leotildees as raposas os lobos e os lobos cervais222 seguramente porque neles o oacutergatildeo se vai

aperfeiccediloando paulatinamente ateacute que se torna capaz de ver No entanto no caso de

algueacutem perder essa capacidade jaacute depois de adquirida nada consta sobre o modo de a

conseguir recuperar atraveacutes de medicamentos ou de outra faculdade da arte ou da

natureza Pliacutenio no livro 11 da Histoacuteria Natural capiacutetulo 37 afirma que os olhos das

serpentes e os olhos das andorinhas voltam a nascer se algueacutem os arrancar enquanto satildeo

novas Tambeacutem sobre as crias das andorinhas Aristoacuteteles no livro 6 Sobre a Histoacuteria

222 Designaccedilatildeo comum do lince-ibeacuterico (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 232

dos animais capiacutetulo 5 escreveu assim ldquoos olhos das crias da andorinha quando ainda

satildeo novas se algueacutem os ferir com uma pancada cicatrizam e recuperam depois por

completo a capacidade de verrdquo No entanto eacute opiniatildeo comum dos filoacutesofos que a

cegueira ndash total entenda-se ndash eacute a uacutenica das privaccedilotildees a partir da qual natildeo se pode dar

pela natureza um regresso ao estado anterior E de facto se os humores dos olhos se

evaporarem por completo e desaparecerem eacute faacutecil atribuir-lhe o motivo dado que natildeo

podem evidentemente voltar a unir-se Embora de facto nos jovens possa acontecer

que alguns membros se regenerem todavia a morfologia dos olhos eacute tatildeo laboriosa que

natildeo estaacute ao alcance da natureza restauraacute-la depois de entrar em colapso Porque se

subsistindo na iacutentegra a substacircncia dos humores a faculdade de ver se perde apenas por

causa da dissoluccedilatildeo do temperamento dever-se-aacute dizer tambeacutem que a combinaccedilatildeo quer

das qualidades primaacuterias quer da flexibilidade do brilho da transparecircncia e de todas as

qualidades deste tipo a partir das quais se forma o temperamento em que se funda a

potecircncia de ver eacute de tal qualidade que depois de se perder uma vez natildeo pode ser

novamente desenvolvida pela forccedila da natureza Porque se tanto os humores como o

temperamento deste tipo pudessem ser reparados espalhar-se-iam imediatamente da

alma para o oacutergatildeo embora a faculdade visual natildeo fosse exactamente a mesma mas

antes uma outra da mesma espeacutecie Na verdade as palavras de Aristoacuteteles sobre as crias

das andorinhas natildeo deveratildeo ser entendidas assim quase como se pretendesse recuperar

a potecircncia depois de extraiacutedos os olhos ou estando o temperamento destruiacutedo quase ao

ponto da total aniquilaccedilatildeo dessa potecircncia mas apenas na circunstacircncia de estarem os

olhos ligeiramente feridos para que embora natildeo cumpram a sua funccedilatildeo por algum

tempo possam recuperar a sauacutede e a capacidade de ver

SEGUNDA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS Agrave AUDICcedilAtildeO

1 Eacute ou natildeo grande a variedade nas orelhas dos animais

A resposta eacute antes de mais como ensina Aristoacuteteles no livro 1 Sobre a Histoacuteria

dos Animais capiacutetulo 11 ldquode entre os que tecircm o sentido da audiccedilatildeo uns tecircm orelhas e

outros natildeo estes mostram os proacuteprios canais auditivos e as pequenas aberturas como

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 233

acontece naqueles que estatildeo cobertos de penas de uma casca ou de escamas223 E todos

os que geram um outro ser tecircm ouvidos excepto a foca o golfinho os outros

cartilaginosos e as serpentesrdquo224 Pliacutenio todavia no livro 6 da Histoacuteria Natural diz que

na comunidade dos Sambros225 nenhum dos quadruacutepedes tem orelhas nem mesmo os

elefantes Diz tambeacutem Aristoacuteteles que ldquoalgumas orelhas satildeo lisas outras peludas outras

estatildeo no meio-termo e estas satildeo as melhores para ouvir Aleacutem disso umas satildeo grandes

outras pequenas outras medianas muito pouco ou relativamente salientesrdquo Refere

ainda Pliacutenio no livro 4 capiacutetulo 13 que ldquohaacute homens que tecircm as orelhas tatildeo grandes que

cobrem todo o seu corpo completamente nurdquo como se fossem vestes Chamam-lhes

Faneacutesios ou Satmalos como Pompoacutenio226 mas os Gregos entre eles o escritor Estrabatildeo

dizem ἐνωτοκοῖτους porque quando dormem usam as orelhas como leito Os homens

geralmente tecircm orelhas imoacuteveis daiacute o cognome dos Flacos entre os Romanos cujas

orelhas contrariando a natureza de todos os outros homens eram viradas para baixo e

podiam mover-se O que ainda agora acontece a algumas pessoas Tambeacutem Vesaacutelio no

livro De humani corporis fabrica capiacutetulo 13 afirma que isso eacute provocado pela

intervenccedilatildeo de um certo muacutesculo que intercepta a raiz das orelhas e penetra entatildeo ateacute agraves

fibras da carne de modo a que se possa mover as orelhas

2 Seraacute a orelha a sede da memoacuteria

Que o interior da orelha eacute a sede da memoacuteria escreveu Pliacutenio no livro 11

capiacutetulo 45 O que natildeo se deve aceitar dessa forma como se a memoacuteria estivesse de

facto instalada no ouvido pois se for sensitiva reside no ceacuterebro se for intelectiva na

substacircncia da alma

223 Traduccedilatildeo portuguesa de M Faacutetima Silva Histoacuteria dos Animais vol 1 Lisboa 2006 68 ldquouns tecircm orelhas e outros natildeo estes tecircm apenas um canal visiacutevel contando-se neste nuacutemero os que tecircm penas ou escamas coacuterneasrdquo No comentaacuterio de Coimbra lecirc-se ldquoaliis aures sunt aliis desunt patentque ipsi auditorii meatus et cavernacula ut in his quae penna aut cortice squamave integunturrdquo pelo que o manual parece seguir a versatildeo de Teodoro de Gaza que parece repetir indevidamente neste ponto os trecircs termos que usa na traduccedilatildeo de uma passagem semelhante do livro 3 Sobre as partes dos animais cap 8 (cf Opera quae quidem extant omnia latinitate uel iam olim uel nunc recens agrave uiris doctissimis donata amp graecum ad exemplar diligentissimegrave recognita Accesserunt in singulos libros optimis ex autoribus argumenta co[m]mentarij uice studiosis futura Volume 1 Basileae 1538 577 e 725) (N do T)224 Aristoacuteteles refere apenas ldquoreliquis ita cetariisrdquo como se verifica na ediccedilatildeo citada na nota anterior (N do T)225 ldquoSambrirdquo ou ldquoSesambrirdquo povo das margens do Nilo identificado por Pliacutenio Histoacuteria Natural livro 6 cap 35 (N do T)226 Miacutetico povo com orelhas gigantes que habitava as ilhas do Norte sendo vulgarmente conhecidos por Panotos como esclarece S Isidoro Etimologias II 3 Veja-se os passos citados Pompoacutenio Mela De situ orbis 3 6 e Estrabatildeo Geographia livro 15 (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 234

Por que razatildeo se diz que o ouvido eacute a sede da memoacuteria Mas tal como

antigamente a fronte era consagrada ao Geacutenio os dedos a Minerva e os joelhos agrave

Misericoacuterdia assim a orelha era consagrada agrave deusa Memoacuteria Daiacute que de acordo com

um ritual antigo quando algueacutem era chamado a tribunal tocavam-lhe na orelha para

pedir o seu depoimento pois queriam que ela recordasse como se fosse uma

testemunha e diziam ldquoSecirc instrumento da memoacuteriardquo Por isso tambeacutem ao Sileno aludiu

Virgiacutelio naquele poema227

Tendo eu cantado os reis e as batalhas Ciacutentio puxou-me a orelha advertindo ldquoo pastor Tiacutetiro deve apascentar ovelhas gordas e cantar poemas simplesrdquo3 De onde provecircm os vaacuterios sons dentro das orelhas dos doentes O sibilo o

tinido o estreacutepito e o zumbido

Resposta Na verdade estes sons nascem do movimento e da actividade dos

humores que ocupam o interior do ouvido e a variedade por sua vez tem origem na

diversidade dos humores e na variaccedilatildeo do impulso O sibilo no teacutenue sopro que desliza

subtilmente o tinido no curso ininterrupto desse sopro o estreacutepito no impulso vigoroso

e o zumbido na agitaccedilatildeo do humor Leia-se Ferneacutelio no livro 5 De partium morbis ac

symptomatibus capiacutetulo 5

4 Pode ou natildeo atribuir-se agraves orelhas alguns sinais indicativos do caraacutecter

Resposta Pode Na verdade segundo o testemunho de Aristoacuteteles no lugar

citado as orelhas meacutedias satildeo consideradas sinal de oacuteptimo caraacutecter as que satildeo grandes

e demasiado espetadas pelo contraacuterio satildeo indiacutecios de estupidez e tagarelice Leia-se

tambeacutem o capiacutetulo nono do livro Sobre a Fisionomia

5 Por que eacute que o sentido da audiccedilatildeo pela sua natureza original pode

facilmente ser ofendido e de facto as crianccedilas ateacute com uma bofetada podem muitas

vezes ficar meio surdas

Resposta O objecto e a potecircncia estatildeo geralmente sujeitos agrave mesma condiccedilatildeo

por isso sendo o som efeacutemero tambeacutem a proacutepria faculdade da audiccedilatildeo ocupa um oacutergatildeo

facilmente dissoluacutevel certamente uma substacircncia tatildeo teacutenue e dissipaacutevel que pode

verdadeiramente chamar-se lsquoar interiorrsquo De acordo com Aristoacuteteles secccedilatildeo 11 dos

Problemas 1

227 Eacutecloga 6

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 235

6 Por que razatildeo os surdos de nascenccedila costumam produzir a voz atraveacutes do

nariz

Resposta Quem eacute surdo por natureza tambeacutem eacute mudo ou pouco lhe falta para

ser mudo os mudos poreacutem como tecircm a boca comprimida expelem o ar pelo nariz

Acrescente-se que respiram predominantemente pelo nariz o que faz com que as

narinas se tornem mais largas concedendo assim agrave voz uma saiacuteda facilitada Veja-se a

mesma secccedilatildeo dos Problemas 2

7 Por que eacute que quando bocejamos natildeo temos vontade de coccedilar a orelha

Resposta Porque as pregas das orelhas tambeacutem satildeo infladas pelo ar inspirado

por isso tal como oferecem resistecircncia ao sonante ar externo para que natildeo entre (e

disso eacute indiacutecio o facto de ouvirmos mal quando bocejamos) assim impedem que se coce

a orelha e natildeo permitem que possa facilmente acontecer uma lesatildeo Daiacute que as orelhas

dos mergulhadores costumem estalar porque estatildeo infladas pelo ar retido e a aacutegua ao

penetrar como eacute por natureza bastante dura tende a estalar natildeo do mesmo modo que o

ar se por acaso contivermos a respiraccedilatildeo agrave semelhanccedila dos mergulhadores Tambeacutem

por isso os mergulhadores introduzem previamente oacuteleo nas orelhas para que a aacutegua

que se vai intrometendo ressalte de modo a natildeo atacar o tiacutempano Leia-se Aristoacuteteles

Problemas 2 11 e 13228

8 Por que eacute que as orelhas enrubescem com a vergonha

Resposta Talvez porque para essas partes acorre nos momentos de vergonha

um veacuteu natural pois elas estatildeo muito desprovidas de sangue na verdade as orelhas satildeo

extremamente exangues todavia ele acorre facilmente porque o calor eacute estimulado pelo

pudor e facilmente dissolve e liquefaz o sangue

9 Por que eacute que quando os ouvidos ressoam no interior este zumbido se anula

com um estreacutepito externo

Resposta Porque o estreacutepito mais amplo dissipa e aniquila o som mais fraco

10 Por que eacute que mesmo quando a aacutegua penetra nos ouvidos eacute melhor ter

infundido o oacuteleo para que ela dali escorra

Resposta Porque o oacuteleo adere agrave aacutegua e arrasta-a consigo E tambeacutem porque o

oacuteleo torna o percurso luacutebrico para que a aacutegua facilmente escorregue pelo caminho

untado e salte para fora Mas ndash poderatildeo perguntar ndash o oacuteleo natildeo vai aderir agraves orelhas

228 Esta remissatildeo natildeo corresponde ao texto aristoteacutelico (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 236

Resposta Nada importa pois o oacuteleo natildeo eacute nocivo para as orelhas porque satildeo cognatos

por natureza dado que satildeo ambos aeacutereos e moderadamente friacutegidos

11 Por que eacute que nos divertimos mais ouvindo do que lendo E daiacute por que eacute

que o admiraacutevel divertimento provocado pelas faacutebulas produzidas no teatro natildeo eacute

poreacutem o mesmo se aprendermos essas mesmas faacutebulas pelos escritos dos livros

Por que eacute que por vezes a audiccedilatildeo deleita mais do que a visatildeo Cardano na

Exercitaccedilatildeo 308 de Escaliacutegero pretende resolver a questatildeo com uma soacute razatildeo porque

pela abundacircncia de livros elas tornam-se mais divulgadas do que as que satildeo narradas e

por isso lidas e relidas com menos curiosidade e menos deleite os narradores

sobretudo os bons satildeo mais raros Mas Escaliacutegero opotildee-se natildeo soacute porque os bons livros

satildeo tatildeo raros como os bons narradores mas tambeacutem porque natildeo eacute proacuteprio do ser

humano mas de um caraacutecter invejoso considerar mais estimaacutevel e mais prazenteiro o

que os outros ignoram Logo Escaliacutegero aduz muitas outras razotildees para o problema

Primeira porque apreendemos o que ouvimos com menor esforccedilo do que o que lemos

Segunda porque a voz desperta maior afeiccedilatildeo pela sua entoaccedilatildeo na leitura pelo

contraacuterio o narrador eacute mudo Terceira porque o que ouvimos eacute mais marcante porque eacute

quase real por intermeacutedio da voz enquanto o que vemos eacute sempre abstracto e de resto

a visatildeo eacute realizada de modo muito mais teacutenue e raacutepido do que a audiccedilatildeo daiacute que

necessariamente a primeira se prenda menos agrave mente de acordo com aquela passagem

ldquoolhou-se no espelho foi-se embora e imediatamente se esqueceu de como erardquo 229 nem

causa impedimento o que diz o Poeta230

Impressiona muito mais o espiacuterito o que se transmite pelos ouvidosDo que as imagens colocadas diante dos olhos fieacuteisDe facto isto eacute verdade quanto agraves coisas em que acreditamos soacute pela audiccedilatildeo

mas natildeo se as percebermos pelo conhecimento intuitivo Quarta porque na narraccedilatildeo haacute

tambeacutem lugar para a companhia que eacute muito consentacircnea agrave natureza humana a leitura

por sua vez daacute-se na solidatildeo Quinta porque muitas vezes o pudor e o respeito para

com o narrador apuram mais a faculdade de ouvir pelo contraacuterio ao ler daacute-se um

relaxamento do espiacuterito e uma certa indiferenccedila ao castigo E em boa verdade tira-se

maior gozo de uma actividade diligente do que de uma actividade descuidada Sexta haacute

no locutor a capacidade de perguntar e investigar e por isso uma maior facilidade de

229 Jacob 1230 Horaacutecio Ars Poetica 180 (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 237

perceber de onde adveacutem um maior prazer Seacutetima porque aos livros natildeo eacute permitido

afastar-se do plano inicial como aos narradores visto que no ambiente descontraiacutedo

dos diaacutelogos tem o direito de chamar a intervir algumas personagens improvisadas Por

isso eacute como se atraveacutes destes condimentos se predispusesse o prazer para a audiccedilatildeo

pelo contraacuterio o estilo uniforme dos escritores e a continuidade das sentenccedilas conduz o

leitor ao fastio

TERCEIRA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO SOM E Agrave VOZ

1 Por que motivo alguns sons satildeo agudos e outros satildeo graves

(Na verdade os que satildeo produzidos por um tom meacutedio atingem uma certa

moderaccedilatildeo entre aqueles extremos) Aristoacuteteles nos Problemas secccedilatildeo 11 mais que

uma vez ensina que o caraacutecter agudo dos sons proveacutem da velocidade do ar deslocado e

que este se desloca mais velozmente por ser exiacuteguo ou entatildeo por ser deacutebil a forccedila que o

impele daiacute que accione uma exiacutegua porccedilatildeo de ar como acontece aos doentes ou aos

velhos ou aos que gritam de muito longe (pois o ar movido estaacute mais afastado e por

isso se desloca menos como se uma pedra projectada afirma Aristoacuteteles se dissipasse

em partes cada vez mais pequenas ou entatildeo como se uma determinado nuacutemero ou uma

certa grandeza fossem reduzidos ateacute agrave extinccedilatildeo o primeiro transformar-se-aacute em unidade

indivisiacutevel a outra numa soacute linha) ou ainda porque o aparelho fonador abrange uma

pequena quantidade de ar como eacute costume das crianccedilas e dos animais mais novos das

fecircmeas dos eunucos dos que choram e dos que produzem uma voz falsa ndash seja

dissimulada seja quando gritam ndash e por fim dos medrosos pois em todos eles os

oacutergatildeos do som vibram mais tal como nas flautas e nas cordas mais graciosas Portanto

a resposta eacute comum a Aristoacuteteles no problema 34 nestes mesmos termos em relaccedilatildeo

ao caraacutecter agudo da voz A fraqueza do instrumento move o ar exiacuteguo e o ar exiacuteguo

desloca-se com mais velocidade e porque se desloca velozmente eacute agudo Ora se

algumas coisas por terem mais forccedila tecircm uma capacidade maior para impulsionar o ar

como por exemplo os homens e as maacutequinas de guerra embora produzam um som mais

grave nada obsta ao motivo apresentado natildeo soacute porque accionam uma grande

quantidade de ar que eacute preciso deslocar de forma mais lenta pela sua grandeza e por

isso soa mais grave mas tambeacutem porque o barulho grandioso de um som igualmente

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 238

grandioso que eacute grave por natureza resulta dessa mesma causa Por conseguinte tal

como o tom agudo dos sons proveacutem da velocidade assim o tom grave proveacutem da

lentidatildeo do ar deslocado Desloca-se lentamente por norma porque eacute abundante como

acontece aos instrumentos mais espessos sejam flautas sejam cordas ou mesmo aos

que se riem pois dilatam a arteacuteria vocal e abrem a boca enquanto riem e tambeacutem aos

que tecircm frio que seja por causa do tempo invernoso ou por causa da congestatildeo nasal

movem entatildeo um ar mais denso Acontece por uacuteltimo aos que perdem as noites e aos

que tremem de medo Aos primeiros por causa da quantidade de humor acumulado que

impede a raacutepida deslocaccedilatildeo do ar daiacute que necessariamente soe mais grave aos

segundos porque subindo o calor para o alto por causa do sofrimento de quem teme

liberta-se muito ar que se desloca lentamente pois eacute muito E se os bezerros emitem um

som mais grave do que os bois isso acontece porque afirma Aristoacuteteles as suas matildees

tambeacutem mugem mais grave do que costumam mugir as matildees231 pois a proacutepria natureza

tudo prepara de modo a que os animais receacutem-nascidos sejam mais parecidos agrave matildee do

que ao pai

2 Por que motivo o som se repete quando embate em certos corpos (fenoacutemeno

a que chamam Eco) e noutros natildeo antes pelo contraacuterio enfraquece

Resposta Eacute possiacutevel reproduzir alguns sons bem como conter e dissipar

outros pois alguns corpos duros lisos e bem compactos quase natildeo dispersam o ar

impelido contra eles e reenviam-no integralmente de onde nasce o Eco mas os outros

cheios de hiatos moles aacutesperos huacutemidos e irregulares refractem e separam o ar contra

eles impelido em vez de o reenviar em bom estado Daiacute que as aboacutebadas de uma casa

recentemente revestidas as talhas as bilhas e as margens de rios calmos por causa da

brandura das aacuteguas e do cocircncavo bronze faccedilam muito eco pelo contraacuterio uma

orquestra com junco espalhado uma divisatildeo revestida a tapetes as florestas a arteacuteria

vocal irritada pelo humor ou pelo calor excessivo ndash tal como o sente quem estaacute a arder

em febre ndash ecoam muito pouco Por conseguinte do mesmo modo que a luz e a espeacutecie

visiacutevel impelida contra um corpo polido se fizer reflectida um acircngulo como tinha feito

a directa geralmente eacute semelhante num e noutro lado assim tambeacutem o ar que produz

eco se torna semelhante ao primeiro se tocar corpos em que natildeo se refracta e haacute-de

regressar com um iacutempeto quase integral

231 No original lsquomaresrsquo em vez de lsquomatresrsquo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 239

3 Por que eacute que quando inspiramos natildeo conseguimos produzir a voz e quando

expiramos jaacute conseguimos

Talvez porque o ar inspirado eacute frio e durante esse momento condensa o ar

interior pelo que seria necessaacuterio expandi-lo para que se formasse o som o ar expirado

pelo contraacuterio como eacute impulsionado pelo calor jaacute pode soar Assim afirma Aristoacuteteles

na secccedilatildeo 11 dos Problemas 13 Porque se a aacutegua fria quando entorna provoca mais

estreacutepito do que a quente isso acontece porque a fria eacute mais grave bate mais forte e faz

mais barulho Mas uma vez que para formar a voz nem a inspiraccedilatildeo nem a expiraccedilatildeo

satildeo necessaacuterias por si mesmas mas sim o ar na arteacuteria vocal e dentro da boca como se

percebe da doutrina dos Teoacutelogos que ensinam os corpos que hatildeo-de formar as vozes

dos beatos embora nesse estado o uso da respiraccedilatildeo e da expiraccedilatildeo natildeo possa acontecer

e assim para dar nova satisfaccedilatildeo ao problema proposto a voz natildeo pode ser formada por

qualquer embate do ar contra um corpo mas a partir do ar que se dirige para os oacutergatildeos

proacuteprios e adequados o que soacute pode acontecer quando expiramos e natildeo quando

inspiramos

4 Por que eacute que ouvimos menos quando bocejamos

Resposta Ao bocejar expelimos das pregas da garganta um sopro entorpecido

que tambeacutem chega aos ouvidos preenche-os e provoca um estreacutepito assim esse som

extriacutenseco acaba por ofuscar o que entra Precisamente pela mesma razatildeo se duas

pessoas falam ao mesmo tempo ouvem-se menos pela convergecircncia e repercussatildeo do

som que se atropela mutuamente por isso quando queremos ouvir com precisatildeo

retemos a inspiraccedilatildeo Acrescente-se tambeacutem que os buracos dos ouvidos satildeo

comprimidos quando as mandiacutebulas ao bocejar se afastam e deste modo estatildeo menos

abertas para deixar entrar o ar

5 Existem ou natildeo inuacutemeros defeitos da liacutengua

Resposta Existem de facto Uns gaguejam ou seja natildeo conseguem juntar uma

siacutelaba agrave outra logo de seguida conforme exige o vocaacutebulo e detecircm-se algum tempo na

anterior Por isso acontece igualmente que mesmo que se esforcem natildeo consigam falar

baixinho como diz o Filoacutesofo autor dos Problemas no 35ordm da secccedilatildeo 11 A gaguez no

entanto como tambeacutem acrescenta no problema 54 pode ser provocada pelo frio que

deixa o oacutergatildeo da fala atoacutenito por isso depois de aquecido pela exercitaccedilatildeo ou pelo

vinho jaacute consegue formar um discurso com mais desembaraccedilo como acontece aos

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 240

grifos e aos estorninhos pois tornam-se mais faladores se comerem um bocado de carne

ensopado em vinho Portanto praticamente soacute o homem eacute que sofre com o defeito da

gaguez porque de entre todos os animais soacute ele produz uma linguagem verbal a gaguez

constitui entatildeo uma interrupccedilatildeo da articulaccedilatildeo ao falar Leia-se os problemas 55 e 56

da secccedilatildeo citada Aleacutem disso haacute outros que balbuciam ou seja que deixam passar uma

letra ou uma siacutelaba como se dissessem confusamente lsquoConstantoplarsquo e lsquoNpolesrsquo em vez

de lsquoConstantinoplarsquo e lsquoNaacutepolesrsquo Haacute ainda outros que satildeo blesos isto eacute que natildeo

conseguem articular uma determinada letra e assim pronunciam por exemplo lsquoflutorsquo

em vez de lsquofrutorsquo lsquoCapidoacuteliorsquo por lsquoCapitoacuteliorsquo e lsquolapazinhorsquo por lsquorapazinhorsquo

6 Por que eacute que a voz dos medrosos e dos irados treme tal como o queixo

Resposta Porque o coraccedilatildeo eacute fortemente perturbado pelo calor que emana e

por isso se produzem muitos batimentos tal como nas cordas lassas

7 Por que eacute que quem estaacute dentro de casa ouve melhor o som provocado no

exterior mas pelo contraacuterio quem estaacute fora percebe menos o som dentro de casa

Resposta Porque nesta uacuteltima situaccedilatildeo o ar dissipa-se quando se precipita para

o exterior que eacute um espaccedilo mais abrangente e assim o som enfraquece na primeira

pelo contraacuterio ao entrar em casa o ar compacta-se daiacute que necessariamente se ouccedila

melhor Uma razatildeo semelhante parece avanccedilar no que diz respeito agrave visatildeo pois tambeacutem

quando estamos dentro de casa vemos o que estaacute laacute fora melhor do que vemos o que se

passa em casa quando estamos laacute fora Assim eacute pois as espeacutecies que chegam a casa

vindas de fora compactam-se e reuacutenem-se pelo contraacuterio quando se lanccedilam para fora a

partir de casa afastam-se dos olhos Logo quando as recebem no exterior vecircem pior se

for no interior vecircem melhor Acrescente-se que a luz agrave volta dos olhos distrai a visatildeo

para que natildeo possa fixar-se num soacute lugar

8 Por que eacute que se ouve melhor em baixo quem fala numa divisatildeo superior do

que se ouve em cima os que falam numa divisatildeo inferior dado que a voz tal como o ar

tem tendecircncia inata para ascender

Resposta Porque o ar natildeo eacute emitido por quem fala sem um determinado

humor e o humor poreacutem tende a descer Mas natildeo seraacute esta razatildeo particular se nem

todo o som se difunde com o humor Resposta O som ouve-se melhor quando a

disposiccedilatildeo entre ele e a potecircncia eacute mais conveniente ou seja quando o ar natildeo soa

abaixo dos peacutes antes de chegar aos ouvidos mas quando parte de um lugar mais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 241

elevado entatildeo esses mesmos ouvidos que estatildeo elevados por natureza apanham o

referido ar de forma mais conveniente

9 Por que eacute que a noite eacute mais favoraacutevel agrave audiccedilatildeo do que o dia

Talvez seja como afirma Anaxaacutegoras porque o ar aquecido pelo Sol durante o

dia provoca um barulho estridente e perturba durante a noite estaacute em repouso porque

todo o calor desapareceu e entatildeo tudo pode ouvir-se melhor quando natildeo haacute qualquer

estreacutepito Ou porque a faculdade de ouvir se torna mais ampla num meio mais vazio do

que num meio mais cheio E como o ar de dia eacute mais denso porque se enche de luz e de

raios enquanto o nocturno eacute mais raro pois o fogo e os raios deixaram o que se pode

dizer serem corpos A soluccedilatildeo mais perspicaz do problema eacute todavia dada por

Aristoacuteteles pois durante o dia a dedicaccedilatildeo da alma agrave visatildeo agrave intelecccedilatildeo e a tudo o mais

que fazemos diminui a sua atenccedilatildeo para ouvir e na verdade quando o sentido se separa

da inteligecircncia tem menos trabalho de outro modo tem mais por isso se disse afirma

Aristoacuteteles que a mente lsquovecircrsquo e que a mente lsquoouversquo porque assiste a todas as funccedilotildees dos

sentidos e por presidir a todas elas distrai-se Portanto de noite a alma livre da

concorrecircncia da visatildeo pode receber melhor os sons E tambeacutem por esta razatildeo acontece

que de noite sentimos mais a dor porque a alma pouco ocupada com os outros

sentidos aplica-se agrave funccedilatildeo do tacto como escreveu Alexandre no livro 1 dos

Problemas problema 118

10 Seraacute que muitos sons em simultacircneo se fazem ouvir mais longe do que

qualquer um deles em separado

Reposta A questatildeo eacute duacutebia em Aristoacuteteles De facto na secccedilatildeo 19 dos

Problemas 2 escreve mais ou menos assim ldquopor que eacute que a mesma pessoa com a

mesma voz se faz ouvir mais longe quando canta ou grita com outras pessoas do que

sozinhordquo Talvez porque quando se reuacutenem forccedilas natildeo eacute tatildeo difiacutecil fazer uma coisa

como individualmente pois todos os compostos tecircm mais forccedila do que os singulares

por isso quando a voz eacute produzida por um conjunto de bocas torna-se una e empurra o

ar em simultacircneo para conseguir mostrar-se mais forte A experiecircncia e o exemplo

confirmam a opiniatildeo de Aristoacuteteles A experiecircncia porque constatamos que ouvimos um

exeacutercito vociferante mais longe do que um soacute militar ainda que este clamasse com a

mesma intensidade com que vociferava juntamente com os outros e tambeacutem ouvimos

mais longe o murmurinho dos homens nos mercados e no foacuterum do que apenas a voz de

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 242

um ainda que fale mais alto que os outros E por exemplo muitas lucernas do mesmo

esplendor emitem uma luz muito mais lata do que uma soacute e as areias amontoadas podem

ser avistadas de muito longe na praia no entanto soacute de muito perto e com grande custo

se pode discernir cada uma delas Entatildeo por que motivo o que toca ao objecto visiacutevel

natildeo haacute-de servir para o audiacutevel Embora as espeacutecies das vozes singulares natildeo se unam

todavia produz-se uma outra pelo seu conjunto global para que possa chegar mais

longe Mas o mesmo Filoacutesofo na secccedilatildeo 11 dos Problemas 52 conturbou

profundamente esta resposta ao afirmar ldquoPor isso quando muita gente emite a sua voz

ao mesmo tempo em uniacutessono essa voz conjunta mostra-se mais forte do que seria a

voz de cada um todavia natildeo chega mais longe por causa de serem muitos Talvez

porque esse conjunto de pessoas natildeo impele o mesmo ar em simultacircneo mas um

diverso do mesmo modo que se muita gente atirar uma pedra para um alvo diferente

natildeo se vai afastar mais por causa disso do que se um soacute o projectasserdquo E por isso se

torna evidente o quanto eacute duacutebia a dissoluccedilatildeo do problema proposto no texto do Filoacutesofo

A noacutes poreacutem agrada-nos a primeira resposta sobretudo porque foi posteriormente

registada por Aristoacuteteles Ora se algueacutem colocar a posterior agrave prova responderaacute agrave

experiecircncia e ao exemplo apresentados haacute pouco que os sons natildeo se unem no mesmo ar

pelo contraacuterio mantecircm o seu caraacutecter individual nem emitem uma terceira espeacutecie por

conseguinte natildeo eacute por isso que ouvimos a voz ou qualquer outro som mais longe se

for isolado ou mais forte se for produzido com outros semelhantes Ora a experiecircncia

demonstra que de facto a maior quantidade de sons natildeo se faz ouvir mais longe e

assim acontece talvez nas espeacutecies das areias (pois natildeo parece provaacutevel que elas se

unam num todo conjunto) pois eacute obvio que a espeacutecie de cada uma chega aonde todas

chegam em conjunto embora cada uma por si natildeo satisfaccedila tanto a capacidade de ver

nem a ponto de poder ser discernida como o fazem todas ao mesmo tempo sob uma

certa confusatildeo Por outro lado as luzes das lucernas convergem numa soacute por isso natildeo eacute

de admirar se o esplendor chegar agraves partes mais remotas Por fim Aristoacuteteles naquele

problema 2 da secccedilatildeo 19 parece contentar-se com a resposta mais comum

11 Por que eacute que a voz no homem acaba de se formar mais tarde do que nos

outros animais

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 243

Resposta Os outros poucas ou nenhumas letras distinguem na voz o homem

pelo contraacuterio inuacutemeras o que eacute mais difiacutecil e exige mais tempo Leia-se tambeacutem

Alexandre no livro 1 dos Problemas 148

12 Por que eacute que a voz pode formar-se mais ou menos intensa embora

conserve a mesma espeacutecie como quando cantamos uma coisa no mesmo tom mas umas

vezes baixinho outras com mais intensidade

Resposta Porque do mesmo modo que uma figura maior pode tornar-se menor

ndash por exemplo o quadrado maior pode tornar-se menor se subtrairmos de todos os lados

partes iguais embora se mantenha dentro da mesma espeacutecie assim a voz ainda que se

torne mais baixa todavia seraacute do mesmo tom do que quando era produzida com mais

energia

13 Por que eacute que os velhos tecircm uma voz treacutemula

Resposta Porque natildeo conseguem conter a voz como costuma acontecer aos

neacutescios e agraves crianccedilas Ao agarrar numa taacutebua muito comprida numa ponta o outro

extremo oscila de facto porque natildeo conseguem suportar e dominar o que tecircm na matildeo e

deve acreditar-se que o mesmo motivo traz a causa da voz treacutemula aos homens

nervosos aos medrosos e aos que tecircm frio Quando algueacutem emite assim a voz eacute porque

a maior parte do seu calor compelido por aquelas afeiccedilotildees estaacute preso dentro de si e o

que resta eacute pouco para conseguir conter a voz por isso ela oscila e estremece daiacute que

os professores de artes liberais232 sabendo que se costumam enervar comecem por falar

com voz branda enquanto se acalmam e estabilizam pois podem mais facilmente

dominar e conter a voz baixa

14 Por que eacute que na trageacutedia se usa a mutaccedilatildeo e a variedade no cantar

Resposta Porque somos influenciados pela diversidade da muacutesica que ora

exalta o excesso ora reprime as tristezas e vai-se adaptando agrave dimensatildeo da calamidade

ou da afliccedilatildeo pelo contraacuterio o que eacute igual e contiacutenuo torna-se menos impressionante

quando chega aos ouvidos

15 Por que eacute que ouvimos com mais agrado se conhecermos a cantilena do que

se a ignorarmos

232 Note-se mais uma vez a fidelidade a Teodoro de Gaza que traduz τεχνικοί por lsquoartium liberales professoresrsquo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 244

Resposta Porque assim chegamos ao fim mas quando natildeo a conhecemos eacute

como se nos perdecircssemos a meio porque ouvir de novo eacute aprender e o aprender gera

alegria Por isso costumamos ouvir com mais agrado as cantilenas solitaacuterias quando satildeo

cantadas com uma soacute flauta ou lira porque compreendemos mais facilmente o que se

canta Uma cantilena acompanhada por muitas liras eacute ofuscada e apaga-se quase por

completo

16 Por que eacute que apesar de a voz do homem ser mais agradaacutevel do que a

flauta todavia natildeo agrada mais ouvi-la quando soa ao modo da flauta apesar de nos

agradar mais ouvirmos o homem que canta do que a flauta que eacute contudo mais

agradaacutevel do que o homem que trauteia233

Resposta Porque o natural tem um resultado mais agradaacutevel do que o artificial

E assim quando o homem canta sobre o som da flauta acrescenta-lhe a articulaccedilatildeo das

palavras por isso natildeo eacute de admirar que se ouccedila com mais prazer quando trauteia pelo

contraacuterio ouve-se com menos prazer do que a flauta porque a imita

17 Por que motivo quem canta com voz grave se desafinar pode mais

facilmente ser apanhado do que quem canta em agudo e assim acontece nos caacutelculos

pois um erro eacute mais evidente se for cometido numa escala maior

Resposta Porque o som grave demora mais tempo daiacute que consiga ser

totalmente percebido pelos ouvidos o agudo poreacutem eacute mais veloz e mais facilmente

escapa e consegue esconder-se

18 Por que motivo quando satildeo muitos a cantar em coro podem manter melhor

os ritmos harmoacutenicos do que quando satildeo poucos

Resposta Porque quando satildeo muitos seguem o seu liacuteder isto eacute o corifeu de

forma mais segura e comeccedilam mais devagar ao acelerar eacute que se estaacute mais propenso a

errar

19 Por que eacute que nos agrada mais ouvir uma cantilena acompanhada da flauta

do que com a lira

Resposta Porque cada um dos sons eacute percebido de forma mais distinta e ambos

se misturam melhor pois tanto a voz humana como o som da flauta satildeo obtidos atraveacutes

de um sopro interno todavia natildeo eacute assim o som da lira Acrescente-se que a flauta pelo

233 Note-se que lsquoteretantemrsquo reconstitui a forma de particiacutepio presente de um verbo natildeo atestado que parece transliterar o grego lsquoτερετίζωrsquo (teretizo) de natureza onomatopaica que significa lsquochilrear palrar trautearrsquo (N do T)

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 245

seu som e natureza oculta muitos erros da cantilena O som da lira sendo teacutenue torna-

se menos capaz de se aliar agrave voz ele manifesta-se isoladamente e ao manter o seu

caraacutecter singelo evidencia todos os erros da cantilena como uma espeacutecie de referecircncia

normativa Ora tendo cometido muitas falhas ao cantar eacute necessariamente inferior

porque o conjunto deriva directamente desse mau desempenho

20 Uma vez que haacute um canal pelo qual a comida e a bebida circulam e outro

pelo qual respiramos por que eacute que nos engasgamos quando comemos um bocado

maior

Resposta Porque como a arteacuteria vocal estaacute junto agrave outra pela qual os alimentos

satildeo ingeridos ela fica necessariamente apertada quando comemos um bocado mais

largo que o normal daiacute que seja preciso denegar caminho agrave respiraccedilatildeo

21 Por que razatildeo entre os sensiacuteveis proacuteprios soacute o som pode ser moralmente

designado bom ou mau pois dizemos que o discurso eacute irasciacutevel jocoso lascivo

prudente ou enganador mas com a cor o odor o sabor ou o frio natildeo eacute assim

Talvez porque o som eacute produzido pelo movimento e a acccedilatildeo faz parte dos

costumes Acrescente-se que os objectos dos outros sentidos natildeo estatildeo sujeitos agrave nossa

liberdade como a voz e estas duas respostas significam o mesmo Na verdade tambeacutem

por vezes nos viramos para o viacutecio porque algum odor nos incentiva ou porque surge

intempestivamente uma lucerna etc Peca-se por causa de uma aproximaccedilatildeo local natildeo

por uma alteraccedilatildeo de odor ou de luz e essa aproximaccedilatildeo como eacute um movimento local

estaacute sujeita agrave nossa liberdade

22 Por que razatildeo quando algo eacute percutido ao longe vemos imediatamente o

gesto e soacute mais tarde ouvimos o estreacutepito ainda que o gesto e o estreacutepito tenham origem

simultaneamente

Porque temos uma visatildeo mais subtil e aacutegil do que a audiccedilatildeo Logo a visatildeo

pode antecipar-se porque eacute mais aacutegil o ouvido como eacute mais pesado desempenha a sua

funccedilatildeo mais lentamente Eacute por esta mesma razatildeo que quando se daacute a fricccedilatildeo e o choque

das nuvens natildeo percepcionamos ao mesmo tempo o trovatildeo e o relacircmpago mas vemos

primeiro o relacircmpago e depois ouvimos o trovatildeo embora o trovatildeo se decirc ao mesmo

tempo que o relacircmpago Seguramente a visatildeo por ser mais aacutegil e mais subtil leva

vantagem e antecipa-se a audiccedilatildeo como eacute mais pesada e mais lenta soacute sente pouco

tempo depois Assim Alexandre no livro 1 dos Problemas na reposta ao problema 38

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 246

parece considerar que o acto de ver se concretiza por uma emissatildeo a partir dos olhos o

que natildeo eacute assim Logo a soluccedilatildeo exacta deste problema seraacute embora tanto a acccedilatildeo de

ver como a de ouvir possam produzir-se no mesmo momento todavia as espeacutecies

auditivas chegam agrave potecircncia com o movimento e por isso mais tarde do que as visuais

que abrem caminho instantaneamente porque ainda que natildeo tenham oposiccedilatildeo as

reacuteplicas deslocam-se no espaccedilo e por isso natildeo seraacute de admirar se demorarem a

aproximar-se

23 Por que eacute que as crianccedilas quando ouvem muacutesicas primeiro param de

chorar e depois adormecem

Resposta Alexandre no livro 1 dos Problemas 121 escreve assim porque a

muacutesica eacute introduzida nas almas pela natureza como as outras ciecircncias e natildeo eacute pelo

ensino mas pela reminiscecircncia que a adquirimos como garantiu Platatildeo Portanto

sempre que a alma sente uma sinfonia mais rebuscada a reminiscecircncia e a repeticcedilatildeo

levam a que a crianccedila sossegue e adormeccedila agrave medida que vai acalmando ateacute que

finalmente se abstrai do mundo envolvente Mas esta eacute a perspectiva platoacutenica Logo

mais correcta eacute a de Aristoacuteteles na secccedilatildeo 19 dos Problemas 38 Diz ele ldquoPor que eacute

que todos se costumam divertir com os ritmos as melodias e enfim todos os tipos de

canto Talvez porque tudo foi pensado e ordenado de acordo com a natureza para que

justamente nos possa divertir e disso indiacutecio eacute que quando trabalhamos bebemos e

comemos de forma ordenada conservamos e aumentamos a natureza e as nossas forccedilas

quando agimos desordenadamente daacute-se o contraacuterio Ora a sinfonia eacute uma mistura ou

seja a combinaccedilatildeo ordenada dos contraacuterios que mantecircm entre si uma relaccedilatildeo

reciacuteprocardquo E assim Aristoacuteteles pretende que o conjunto das vozes recreie os ouvidos

porque eacute regulado por certas leis exigidas pela natureza dessa realidade o que tambeacutem

costuma acontecer com outros objectos dos sentidos e se assim natildeo fosse as cores natildeo

encantavam os olhos numa pintura nem os sabores na comida que eacute temperada de um

modo preciso Acrescenta poreacutem Aristoacuteteles que tambeacutem os modos improvisados dos

cacircnticos isto eacute aqueles que natildeo satildeo criados pela arte tambeacutem deleitam se nos

habituarmos a eles seguramente porque o costume obteacutem a mesma forccedila da natureza

24 Por que razatildeo os que satildeo surdos por natureza desde o nascimento tambeacutem

satildeo mudos toda a vida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 247

Resposta Os que nunca ouviram tambeacutem natildeo podem falar Ora os meacutedicos

satildeo de opiniatildeo que se trata do mesmo par de nervos em que uma parte se estende para a

liacutengua e outra para os ouvidos e assim daacute-se necessariamente um efeito comum Na

verdade negam que aqueles que ensurdecem por doenccedila se tornam mudos porque

apenas uma parte ou seja a que foi confiada agrave funccedilatildeo de ouvir teraacute perdido as suas

forccedilas e confirmam igualmente que os que ficam mudos pela mesma causa tambeacutem natildeo

se tornam surdos porque se daacute apenas a lesatildeo de um dos nervos o que diz respeito agrave

liacutengua

QUARTA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO OLFACTO

Sobre a estrutura do nariz falou-se no livro 2 Sobre a alma capiacutetulo 9 ao

longo de vaacuterias questotildees Aristoacuteteles na secccedilatildeo 33 dos Problemas expotildee algumas

qualidades do nariz bem como dos oacutergatildeos e dos sentidos que se seguem sobretudo

sobre a causa pela qual a natureza destes trecircs eacute mais densa daiacute que nem forneccedilam ao

intelecto um conhecimento pleno de si mesmos ou dos objectos nem apresentem tanta

mateacuteria de ensino como os dois anteriores Por esse motivo iremos tratar deles de forma

mais concisa

1 Por que eacute que todos os rapazes tecircm o nariz achatado sobretudo os que tecircm

cabelo crespo o que se verifica especialmente na raccedila dos Etiacuteopes nos quais pouco se

eleva o nariz

Certamente porque o nariz eacute uma cartilagem que tem a mesma natureza dos

ossos no entanto nos corpos mais quentes como os rapazes e os de cabelo crespo a

mateacuteria eacute mais densa e menos aproveitaacutevel e como eacute esta que se transforma em ossos

cresce menos

2 Por que motivo espirramos

Certamente porque o sopro e o vapor satildeo extraiacutedos dos humores atraveacutes do

calor E de facto o ar eacute colhido no exterior por uma forccedila que o arrasta atraveacutes das

narinas e depois repleto de vapores eacute expelido para fora atraveacutes da forccedila expulsiva

libertando a cabeccedila Por isso natildeo espirramos enquanto dormimos graccedilas ao calor

impelido para o interior das nossas entranhas nem tatildeo pouco quando esfregamos os

olhos pois nesse momento o calor maior que adveacutem da fricccedilatildeo sobrepotildee-se ao menor

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 248

que causava a vontade de espirrar ou entatildeo o humor que deveria sair com o espirro sai

com a laacutegrima Pelo contraacuterio espirramos ao olharmos para o sol porque quando essa

luz chega aos olhos ou quando satildeo tocados por uma pena aquecem mais facilmente

Por uacuteltimo por que eacute que o facto de o espirro provir do calor faz com que

suprima o soluccedilo Eacute tambeacutem o soluccedilo uma agitaccedilatildeo de ar que tenta sair do pulmatildeo daiacute

que lhe cause uma distensatildeo do mesmo modo que o arroto eacute ar que sai do estocircmago

Aleacutem disso entre os animais o homem eacute quem mais espirra porque em proporccedilatildeo tem

o ceacuterebro maior onde se concentra a mateacuteria do espirro e narinas mais largas para

empurrar o ar para o exterior daiacute que os velhos espirrem com mais dificuldade porque

tecircm por natureza as narinas mais comprimidas Por fim o espirro produz-se

geralmente em duplicado ou mais mas nunca um soacute Satildeo boas as narinas em que a veia

se divide e atraveacutes dela o sopro circula

QUINTA SECCcedilAtildeO

RESOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO GOSTO

1 Por que eacute que as crianccedilas e as mulheres graacutevidas desejam avidamente coisas

desagradaacuteveis sobretudo ateacute ao terceiro mecircs

Resposta Porque a qualidade do viacutecio arrasta-se para o interior do ventre com

o sangue menstrual e excita a apetecircncia da qualidade cognata Deste modo se o interior

do ventre eacute infestado pela atrabiacutelis deseja carvotildees tijolos cozidos e este tipo de objectos

de barro Se estaacute imbuiacutedo da aacutecida pituiacuteta apetece-lhe os sabores aacutecidos etc Este viacutecio

no entanto geralmente natildeo se prolonga para aleacutem do terceiro mecircs porque o feto

quando eacute maior pode fazer desaparecer por completo a abundacircncia de sangue

menstrual e por isso natildeo seraacute de admirar se as crianccedilas que se alimentam do referido

sangue tambeacutem desejarem aquelas coisas que dissemos Leia-se Alexandre no livro 2

problema 74

2 Por que eacute que embora as coisas doces sejam mais agradaacuteveis que as aacutecidas

noacutes nos saturamos mais rapidamente das primeiros do que das outras

Resposta Porque a fome ou a apetecircncia de comida dura tanto tempo quanto

natildeo soacute o estocircmago mas tambeacutem os membros estatildeo privados de alimento e como todos

os doces satildeo geralmente nutritivos o que natildeo acontece com os aacutecidos e por isso os

primeiros extinguem mais rapidamente a fome do que os outros ora sem fome o

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 249

estocircmago e a gula nada podem aceitar Aleacutem disso haacute algumas pessoas sobretudo a

maior parte dos doentes que aborrecem os doces mesmo antes de comer e apetece-lhes

os aacutecidos O motivo eacute o facto de estes destruiacuterem o humor quente ou seja a biacutelis

amarela Logo nesta mateacuteria a natureza fica satisfeita

3 Por que eacute que quando comemos um fruto podre sentimos um amargor mais

forte depois de ter bebido vinho do que antes

Resposta Porque o amargor levado pelo vinho e excitado pelo proacuteprio calor do

vinho penetra mais facilmente no oacutergatildeo do gosto e assim sente-se com mais veemecircncia

4 Por que eacute que o patildeo o queijo e a maioria das coisas quando arrefecem sabem

pior e quando requentadas sabem melhor

Resposta Porque o sabor nos alimentos frios condensa e ganha consistecircncia

poreacutem nos aquecidos dilui-se assim o sabor ganha um travo agradaacutevel Mas como os

doces quentes se saboreiam menos que os frios certamente o oacutergatildeo do gosto tem tacto

Entatildeo o calor como se sente mais ofusca o acto de tomar o gosto e tambeacutem porque o

sabor doce eacute quente e assim a sensaccedilatildeo de doccedilura deixa-se perturbar um pouco quando

aquecida pelo calor que se lhe junta

5 Por que eacute que os figos embora sejam moles e doces ofendem os dentes

Resposta Porque aderem agraves gengivas pela sua viscosidade e quando penetram

nos dentes rapidamente os fazem apodrecer pelo calor inserido aleacutem disso tambeacutem

pela dureza dos gratildeos prejudicam os dentes

6 Por que eacute que a bebida se torna mais agradaacutevel depois de comer qualquer

coisa azeda

Resposta Porque os contraacuterios quando dispostos uns ao peacute dos outros tornam-

se mais notoacuterios Do mesmo modo que o descanso depois do trabalho eacute mais agradaacutevel

embora natildeo seja melhor em si proacuteprio do que depois de outro periacuteodo de descanso e

assim por diante

7 Por que eacute que a liacutengua pode tornar-se e sentir-se amarga salgada ou aacutecida

mas natildeo doce

Resposta Porque aquelas qualidades satildeo corrupccedilotildees da natureza enquanto a

doccedilura eacute natural e ningueacutem pode sentir a sua proacutepria natureza segundo Aristoacuteteles

secccedilatildeo 34 dos Problemas 5

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 250

SEXTA SECCcedilAtildeO

SOLUCcedilAtildeO DOS PROBLEMAS RELATIVOS AO TACTO

1 Por que eacute quem se magoa de forma raacutepida e inadvertida sofre menos do que

quem o faz propositadamente

Resposta Porque os primeiros tecircm o espiacuterito ocupado e como este estaacute

distraiacutedo com outras ocupaccedilotildees aplica-se menos agrave percepccedilatildeo da ferida Os outros

concentram-se no membro ferido e por isso sofrem ainda mais pelo mesmo motivo

quem carrega pesos ou se entrega por completo ao trabalho vai-se distraindo com o

canto porque o espiacuterito presta atenccedilatildeo agrave suavidade dos ritmos e assim esquece-se do

trabalho como se costuma dizer Eacute tambeacutem por isso que devemos recorrer a flautas e

tambores nos momentos de luto e para os que lamentam a morte de um familiar ou

estatildeo doentes devemos preparar uma reuniatildeo de amigos seguramente o espiacuterito acaba

por distrair-se com as conversas variadas e livra-se do desgosto Leia-se Alexandre no

livro 1 dos Problemas 77 e 78 E tambeacutem porque se os golpes forem previstos como

diz Gregoacuterio Magno magoam menos e isto eacute por vezes verdade na medida em que

preparamos um remeacutedio e uma forma de distracccedilatildeo graccedilas ao conhecimento preacutevio de

um mal iminente

2 Por que eacute que quando nos tocam sobretudo se for agraves escondidas e com

maliacutecia arrepiamo-nos mais ou faz-nos mais coacutecegas do que se fossemos tocados por

noacutes proacuteprios ou por outrem mas agrave vista de todos

Resposta Porque sentimos menos o que nos eacute natural e inato Assim a liacutengua

sente menos o sabor doce que lhe eacute inato do que o acre ou o amargo aleacutem disso o que

algueacutem faz agrave vista de todos eacute para noacutes quase natural E tambeacutem porque o que se faz agrave

traiccedilatildeo ocorre de forma mais terriacutevel e assim o medo e ateacute o horror satildeo estimulados

por um arrepio E por conseguinte isto tambeacutem se aplica ao riso porque a surpresa e a

maliacutecia satildeo objectos do riso E do mesmo modo temos mais coacutecegas nas axilas nas

plantas dos peacutes e nas orelhas porque o toque destas partes eacute mais insoacutelito e para aleacutem

disso porque tecircm a cuacutetis mais teacutenue daiacute que sejam os laacutebios o ponto onde temos mais

coacutecegas

3 Por que eacute que toda a gente se arrepia da mesma forma mas natildeo pelos

mesmos motivos pois um eacute pelo rasgar das vestes outro pelo aguccedilar da serra ou pelo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 251

puxar quando se corta outro pelo partir da pedra-pomes outro ainda pelo seixo

quebrado pelo moinho outros por verem comidas fastidiosas

Resposta Tal como nem todos gostam das mesmas coisas mas antes de acordo

com o diferente temperamento do corpo assim por causa dessa mesma variedade natildeo se

deixam incomodar pelos mesmos motivos mas por aquilo que eacute mais estranho ao

caraacutecter de cada um

4 Por que eacute que tambeacutem quando somos salpicados pela aacutegua quente

estremecemos com esse contacto

Resposta Porque tememos o que existe por natureza na aacutegua ou seja o frio

Logo ainda que ela esteja quente mesmo assim eacute-nos sugerida a sua disposiccedilatildeo natural

5 Por que eacute que os dentes sentem mais o frio do que o quente e com a carne

acontece o contraacuterio

Resposta Porque os dentes estatildeo ligados por canais mais teacutenues e dotados de

menos calor E assim tecircm menos resistecircncia contra o frio A carne pelo contraacuterio eacute

quente e por isso menos afectada pelo frio e mais pelo calor como se o fogo se juntasse

ao fogo Veja-se Aristoacuteteles secccedilatildeo 34 dos Problemas 3

6 Por que eacute que classificamos os homens como moderados apenas em funccedilatildeo

destes dois sentidos ou seja do tacto e do gosto e natildeo dos outros

Resposta Porque os prazeres comuns aos homens e agraves bestas satildeo administrados

por estes sentidos logo desprezamos tudo o que eacute desse tipo temos vergonha disso e

procuramos reprimi-lo Veja-se Aristoacuteteles secccedilatildeo 28 dos Problemas 2 e 3

E agora basta sobre os problemas que dizem respeito agraves potecircncias externas da

alma Todavia natildeo prosseguimos com um projecto sobre as outras faculdades dessa

mesma alma porque os conhecimentos do senso comum a que Aristoacuteteles costuma

recorrer nos Problemas natildeo fornecem mateacuteria suficiente Resta apenas que este

trabalho que o Coleacutegio Conimbricense da Companhia de Jesus graccedilas a um esforccedilo

comum inseriu na ediccedilatildeo do curso de toda a Filosofia possa agradar a Deus que desde

o princiacutepio o protegeu e impulsionou para a finalidade pretendida

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 252

Comentaacuterios do Coleacutegio Conimbricense da

Companhia de Jesus aos Livros de Aristoacuteteles intitulados

Os Pequenos Naturais

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 253

PROEacuteMIO234

Mateacuteria tratada na obra Os livros de Aristoacuteteles que os nossos filoacutesofos

intitulam Pequenos Naturais isto eacute pequenos opuacutesculos sobre mateacuterias naturais satildeo

uma espeacutecie de suplemento aos livros Sobre a Alma Contecircm pois uma explicaccedilatildeo de

certas disposiccedilotildees que ou satildeo comuns a todos os seres vivos como a morte e a vida ou

soacute aos animais como a vigiacutelia o sono e a respiraccedilatildeo Seguimos entatildeo nesta obra o

mesmo meacutetodo e organizaccedilatildeo de escrita que nos Meteoroloacutegicos pelos motivos que aiacute

expusemos Poreacutem no que diz respeito aos livros Sobre o Sentido e o Sensiacutevel em que

Aristoacuteteles disserta em particular sobre os oacutergatildeos dos sentidos e seus objectos

decidimos nada comentar sobre eles nesta obra porque toda essa discussatildeo foi por noacutes

largamente tratada e ilustrada nos livros Sobre a Alma que com a Graccedila de Deus

havemos de publicar em breve juntamente com os livros Sobre a Geraccedilatildeo e a

Corrupccedilatildeo

234 Trad FM

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 254

Algumas Disputas do Curso Conimbricense sobre os

Livros da Eacutetica a Nicoacutemaco de Aristoacuteteles integrando

certos preciacutepuos capiacutetulos da disciplina de Eacutetica

Lisboa 1593

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 255

PROEacuteMIO235

Que ningueacutem pode sair perfeito Filoacutesofo sem estar imbuiacutedo dos preceitos da

ciecircncia moral indica-o agrave saciedade quer aquela conhecida divisatildeo em que os Antigos

distribuiacuteam a Filosofia ndash em Dialeacutectica Natural e Moral236ndash quer porque para se

filosofar rectamente tal como para se viver bem e felizmente se torna necessaacuterio ver o

que eacute honesto o que eacute desonesto o que se deve aceitar ou repelir Este conhecimento

pertence agrave Filosofia Moral

Por esta razatildeo aos que se dedicam agrave carreira das boas artes esta disciplina ndash

porque natildeo se pode explicar integral e absolutamente aos que tendem para outras coisas

ndash costuma e deve ensinar-se ao menos em parte A fim de que isso seja facilmente

possiacutevel julgaacutemos nosso dever redigir umas tantas disputas em que reuniacutessemos com

ordem e em suma algumas das melhores questotildees que foram tratadas dispersamente por

Aristoacuteteles nos livros da Moral a Nicoacutemaco

Omitimos poreacutem como nos livros dos Meteoros e dos Pequenos Naturais a

interpretaccedilatildeo do contexto aristoteacutelico natildeo por imaginarmos que deva ser desprezado

mas porque atendemos natildeo ao que foi por outros escrito ou o possa ser por noacutes mas ao

que eacute possiacutevel explicar aos alunos de Filosofia no espaccedilo determinado dos anos que

lhes estaacute prescrito

Finalidade desta disciplina Portanto o desiacutegnio e fim da ciecircncia moral eacute

ensinar o modo de viver honestamente instruir na probidade dos costumes e levar ao

feliz estado da vida

Divisatildeo E porque o homem enquanto deste modo se pode regular e instruir

ou se considera em si mesmo sem relaccedilatildeo agrave multidatildeo a que aliaacutes pertence por ser

animal social ou enquanto eacute parte da comunidade domeacutestica ou enquanto eacute como que

membro de toda a Repuacuteblica ndash segue-se daiacute que esta ciecircncia conteacutem trecircs partes a Moral

ou Monaacutestica a Economia ou Familiar a Poliacutetica ou Civil A primeira regula os

costumes do homem considerado absolutamente em si a segunda ensina a disciplina

domeacutestica e prepara para o governo da proacutepria famiacutelia a terceira estabelece a Repuacuteblica

235 Trad ABA236 Sobre esta divisatildeo Aristoacuteteles livro 1 dos Toacutepicos cap 12 Santo Agostinho no livro 8 Da Cidade de Deus cap 4 Alcino no livro Da doutrina de Platatildeo Euseacutebio no princiacutepio do livro 11 da Preparaccedilatildeo Evangeacutelica

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 256

ideal e dirige o homem para que realize com acerto o que respeita agrave conservaccedilatildeo de todo

o reino e ao bem universal

Sobre esta divisatildeo Alcino no livro Da Doutrina de Platatildeo cap 4 Filatildeo Judeu

no livro Da Embriaguecircs Satildeo Tomaacutes na Suma 1ordf 2ordf questatildeo 48 artigo 2 e iniacutecio do

livro 1 da Moral

Sujeito O sujeito de toda a ciecircncia moral (que do exposto jaacute facilmente se

colige) eacute o homem enquanto actua livremente e se pode aperfeiccediloar com os bons

costumes e alcanccedilar a felicidade humana considerado poreacutem debaixo daquela triacuteplice

variedade de que falaacutemos haacute pouco Da Moral a que pertencem como diremos em

breve os livros da Moral eacute sujeito o homem tomado no primeiro sentido

Ordem Expusemos na Fiacutesica237 o lugar que toda esta disciplina ocupa entre as

demais quer na ordem da doutrina quer na da dignidade Das trecircs partes dela a Moral

precede as outras duas natildeo soacute na ordem da doutrina como da natureza porque disputa

acerca de coisa mais simples a saber da conformaccedilatildeo do homem individual Isto eacute mais

simples do que a famiacutelia que proveacutem de cada um dos homens e do que o reino que se

forma com o conjunto das famiacutelias e cidades E ainda porque eacute necessaacuterio antes de

mais regular a proacutepria vida do que atender ao governo da famiacutelia ou da Repuacuteblica

Por essa razatildeo tambeacutem Aristoacuteteles pocircs no princiacutepio da Moral a Nicoacutemaco um

Proeacutemio comum a toda a doutrina moral e no fim da mesma prometeu disputar a seguir

acerca da Repuacuteblica e da maneira de elaborar leis

ACERCA DOS LIVROS MORAIS DE ARISTOacuteTELES

PARTICULARMENTE DA MORAL A NICOacuteMACO

Como os antigos Filoacutesofos apenas se ocupavam da investigaccedilatildeo e ciecircncia das

coisas naturais diz-se que Soacutecrates como testemunha Xenofonte no livro dos seus

ditos e Ciacutecero no livro 1 das Questotildees Acadeacutemicas238 foi o primeiro que fez derivar o

labor filosoacutefico para a morigeraccedilatildeo da vida e que colocou nas cidades e nos lares a

doutrina dos costumes como saiacuteda do Ceacuteu

Sobre o mesmo assunto escreveram depois admiravelmente os seus muito

ilustres disciacutepulos Platatildeo e Aristoacuteteles De Platatildeo subsistem alguns Diaacutelogos que dizem

237 No proeacutemio de toda a obra238 Lede Aristoacuteteles no livro 1 da Metafiacutesica cap 6 e no livro 13 cap 4 e das Partes dos animais cap 1 Santo Agostinho livro 8 Da Cidade de Deus cap 3 Lactacircncio livro 3 cap 13

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 257

respeito aos costumes particulares como o Meacutenon o Eutiacutefron o Filebo o Criacuteton

outros que concernem aos costumes puacuteblicos como as Leis e a Repuacuteblica Aristoacuteteles

poreacutem encerrou todas as partes desta ciecircncia em vaacuterias obras quer dizer em cerca de

cento e setenta e oito livros de que chegaram ateacute noacutes os dez livros da Moral a

Nicoacutemaco os sete a Eudemo os dois que se dizem ἠθικά μεγάλα isto eacute a Grande

Moral De disciplina domeacutestica dois que se chamam Econoacutemicos do governo da

Repuacuteblica oito que se denominam Poliacuteticos239

Divergecircncia acerca do autor da Moral a Nicoacutemaco Omitindo agora outras

questotildees advertimos que haacute dissensatildeo acerca do autor dos livros da Moral a Nicoacutemaco

de que eacute tirado em grande parte o que reunimos nestas disputas Com efeito Tuacutelio no

livro 5 dos Fins imagina que foram compostos por Nicoacutemaco filho de Aristoacuteteles

Favorece esta opiniatildeo que teve outros seguidores o proacuteprio tiacutetulo do livro Chamam-se

efectivamente ἠθικῶν Νικομαχέιον isto eacute dos Morais nicoacutemacos Estas palavras

significam claramente que satildeo de Nicoacutemaco isto eacute escritos por Nicoacutemaco

Deve poreacutem afirmar-se com a opiniatildeo comum de outros inteacuterpretes que estes

livros satildeo aristoteacutelicos como o justifica a harmonia da doutrina a brevidade e o peso

das sentenccedilas o aguilhatildeo dos argumentos o contexto da dicccedilatildeo e todo o modo de

ensinar Igualmente porque no fim desta obra o Autor remete o leitor para os seus livros

da Repuacuteblica ou da Poliacutetica e no livro sexto capiacutetulo 3 para os seus Analiacuteticos ndash obra

esta que consta ser aristoteacutelica Denominam-se pois esses livros nicoacutemacos natildeo

porque tenham sido compostos por Nicoacutemaco mas porque satildeo de Nicoacutemaco isto eacute natildeo

soacute intitulados a Nicoacutemaco mas tambeacutem presenteados pela afeiccedilatildeo paternal

Distribuiccedilatildeo da doutrina da Moral a Nicoacutemaco Esta obra distribui-se em dez

livros No primeiro trata-se do fim a que se dirigem as acccedilotildees humanas No segundo

das virtudes em geral No terceiro dos princiacutepios das acccedilotildees honestas em que tambeacutem

comeccedila a explicaccedilatildeo de cada uma das virtudes No quarto continua-se a tratar das

mesmas virtudes No quinto disserta-se acerca da justiccedila No sexto dos cinco haacutebitos do

intelecto No seacutetimo da virtude heroacuteica da continecircncia e da incontinecircncia No oitavo

da amizade e suas espeacutecies No nono ensinam-se algumas coisas pertencentes agrave

amizade No deacutecimo disputa-se da beatitude contemplativa

239 Lede Dioacutegenes Laeacutercio e Plutarco na Vida de Aristoacuteteles

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 258

1ordf DISPUTA

ACERCA DO BEM

Como o objecto da Filosofia Moral consiste em conduzir o homem agrave

felicidade a qual felicidade eacute um bem e o fim uacuteltimo da vida humana trataremos um

pouco adiante da felicidade e do que a ela conduz Antes poreacutem dissertaremos do bem

e do fim mas raacutepida e brevemente Com desenvolvimento escrevemos do fim e da sua

multiplicidade e do poder de causar no livro segundo da Fiacutesica Auscultaccedilatildeo do bem

trataremos propositadamente no livro quarto da Metafiacutesica

2ordf DISPUTA

ACERCA DO FIM

Depois do tratado do bem segue-se disputar acerca do fim E primeiramente

mostra-se a parte negativa da controveacutersia pelo facto de o bem enquanto bem significar

relaccedilatildeo de conveniecircncia e o fim enquanto fim supor relaccedilatildeo de causa final

3ordf DISPUTA

DA FELICIDADE

Nesta discussatildeo deve saber-se antes de mais que a felicidade natildeo eacute senatildeo o

sumo bem do homem Boeacutecio no livro 3 da Consolaccedilatildeo prosa 2 define-a lsquoestado

perfeito que encerra todos os bensrsquo e Tuacutelio 3 das Questotildees Tusculanas lsquouniatildeo de bens

que compreende todos os secretos malesrsquo

Acerca de nenhuma coisa poreacutem se debateu com tanta variedade de opiniotildees

entre os Filoacutesofos como a respeito da felicidade do homem

4ordf DISPUTA

DOS TREcircS PRINCIacutePIOS DOS ACTOS HUMANOS

VONTADE INTELECTO E APETITE SENSITIVO

Visto que a principal consideraccedilatildeo da ciecircncia moral se ocupa dos actos

humanos com os quais se estabelece ou nos quais consiste a felicidade humana pede a

natureza da doutrina que depois de termos tratado da felicidade disputemos dos actos

humanos e primeiramente dos principais da vontade do intelecto e do apetite sensitivo

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 259

5ordf DISPUTA

DA BONDADE E DA MALIacuteCIA DAS ACCcedilOtildeES HUMANAS EM GERAL

Trataacutemos dos princiacutepios dos actos humanos Agora disputaremos dos proacuteprios

actos humanos natildeo absolutamente pois semelhante consideraccedilatildeo natildeo eacute proacutepria do

Filoacutesofo Moral mas quanto agrave sua bondade e maliacutecia na medida em que atingem a

felicidade humana levando-nos para ela ou impedindo-nos a sua consecuccedilatildeo

6ordf DISPUTA

DOS ESTADOS DA ALMA QUE SE CHAMAM PAIXOtildeES

A natureza da doutrina pede que antes de tratarmos das virtudes dissertemos

acerca das paixotildees Com efeito como algumas virtudes morais estatildeo inerentes ao apetite

sensitivo e se destinam a moderar-lhe e coibir-lhe as inclinaccedilotildees sem a noccedilatildeo destas

natildeo se pode explicar comodamente a natureza e o poder das virtudes

7ordf DISPUTA

DAS VIRTUDES EM GERAL

Falta-nos falar das virtudes E primeiramente delas em geral depois em

particular Esta disputa tem grande interesse na Filosofia Moral porque eacute com as

virtudes que nos tornamos bons e por elas as acccedilotildees ficam honestas e sem elas natildeo se

pode alcanccedilar a felicidade que eacute o alvo da ciecircncia moral

8ordf DISPUTA

DA PRUDEcircNCIA

Agora vai-se dissertar de cada uma das virtudes morais e em primeiro lugar da

prudecircncia que tem entre elas o primeiro lugar jaacute por residir no intelecto que eacute mais

nobre que o apetite jaacute porque dirige as outras Por isso Satildeo Gregoacuterio no livro 2 de

Ezequiel hom 22 ensina que as outras virtudes se natildeo fazem prudentemente o que

fazem de forma nenhuma podem ser virtudes e Platatildeo reduzia todas as virtudes agrave

prudecircncia dizendo que sem o apoio dela eram como que estaacutetuas de Deacutedalo partidas

fugazes e instaacuteveis240

240 Estobeu Sermones 1 e 4

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 260

9ordf DISPUTA

DAS RESTANTES VIRTUDES MORAIS

1ordf QUESTAtildeO

DA JUSTICcedilA

Dignidade da justiccedila Entre as virtudes absolutamente morais tem lugar

principal a justiccedila quer em razatildeo do sujeito quer em razatildeo do objecto Em razatildeo do

sujeito porque como as outras virtudes morais inerem no apetite sensitivo ela reside no

apetite racional isto eacute na vontade para moderar e reprimir as perturbaccedilotildees daquele

como ensina Aristoacuteteles no livro 5 da Moral capiacutetulo 1 Em razatildeo do objecto as outras

virtudes morais tratam por si somente e por finalidade proacutepria do bem daquilo em que

estatildeo Mas segundo a justiccedila cada um comporta-se bem para com os outros

proporcionando-lhes a equidade Por isso Aristoacuteteles no lugar citado diz que a justiccedila

eacute um bem de outro As virtudes poreacutem que para os outros satildeo honestiacutessimas satildeo

consideradas utiliacutessimas como o mesmo assevera no livro 1 da Retoacuterica capiacutetulo 9

2ordf QUESTAtildeO

DA FORTALEZA

Da fortaleza disputa Platatildeo no livro 21 que se intitula Laques Aristoacuteteles no

livro 3 da Moral desde o capiacutetulo 6 Santo Ambroacutesio no livro 1 Das Obrigaccedilotildees desde

o capiacutetulo 35 Santo Agostinho no livro da Vida Feliz Filatildeo Judeu no livro 1 Legum

Allegoria Satildeo Tomaacutes na Suma 2ordf 2ordf q 123

Adverte antes de mais que a fortaleza se toma de dois modos De um

enquanto causa certa firmeza e constacircncia de alma para empreender acccedilotildees honestas

nesta razatildeo estaacute a comum condiccedilatildeo de qualquer virtude porque como ensina Aristoacuteteles

no livro 2 da Moral capiacutetulo 4 eacute proacuteprio da virtude proceder firmemente e

pacificamente Segundo esta acepccedilatildeo trata Satildeo Gregoacuterio acerca da fortaleza livro 7 dos

Morais capiacutetulo 9

De outro modo toma-se fortaleza enquanto designa firmeza de alma em

suportar os perigos e tolerar os trabalhos Deste modo eacute virtude especial reclamando

conforme o objecto o temor e a audaacutecia que existem nas ditas coisas

Curso Jesuiacuteta Conimbricense Antologia 261

3ordf QUESTAtildeO

DA TEMPERANCcedilA

(hellip) Da mesma forma que a fortaleza trata do temor e da audaacutecia e

principalmente dos perigos da morte tambeacutem a temperanccedila se estabelece na moderaccedilatildeo

dos prazeres dos sentidos e das dores especialmente em regular os prazeres do tacto e

do gosto que satildeo os maiores

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