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Universidade Católica Portuguesa Lisboa 4 a 7 de Novembro de 2014 PORTUGAL , 1914 -1916 DA PAZ À GUERRA Comissão Portuguesa de História Militar XXIII COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR

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U n i v e r s i d a d e C a t ó l i c a Po r t u g u e s aLisboa

4 a 7 de Novembro de 2014

PORTUGAL, 1914 -1916DA PAZ À GUERRA

C o m i s s ã o Po r t u g u e s a d e H i s t ó r i a M i l i t a r

2014

XXIIICOLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR

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Pensões de Sangue no Âmbito da Participação Portuguesa na Grande Guerra

Doutor JOÃO FIGUEIRA1

Introdução

Entre os vários desafios enfrentados por Portugal no âmbito da sua participa-ção na Grande Guerra alguns houve a que o País se viu obrigado a responder de forma quase imediata dada a sua importância social e política e, mais do que isso, pela sensibilidade e delicadeza do assunto: a atribuição das pensões de sangue às famílias dos mortos nas várias frentes de combate.

Desde Agosto de 1914 quando ocorreram os primeiros incidentes entre as forças militares portuguesas e forças alemãs, e até ao início de 1917 quando Portugal enviou para a Flandres os primeiros contingentes militares para com-baterem na frente ocidental, os mortos portugueses no grande conflito mundial aconteceram em Angola, em Moçambique e entre os tripulantes de embarcações torpedeadas pelas forças navais alemãs; em todos os casos as baixas registadas deveram-se tanto a situações de combate como, e principalmente, a doenças en-démicas contraídas nos territórios africanos.

Com o intuito de proteger os interesses portugueses nas suas grandes colónias africanas - Angola e Moçambique -, cujos territórios confinavam com territórios

1 Colaborador do GHES - Gabinete de História Económica e Social, CSG - Investigação em Ciências Sociais e Gestão, do ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão, da UL - Universidade de Lisboa.

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alemães e ingleses, dois dos grandes beligerantes do conflito, Portugal organizou desde 1914 vários corpos expedicionários com destino às duas colónias, neles envolvendo mais de meia centena de milhar de militares; na segunda semana de Setembro de 1914 partiriam de Lisboa os primeiros contingentes com destino a Angola e a Moçambique, e ainda mais dois pequenos contingentes com destino a Cabo Verde e outro a São Tomé; no vapor Moçambique, este com destino a Angola, e no vapor inglês Durhan Castle, este com destino a Moçambique - ambos acompanhados pelo cruzador Almirante Reis - seguiam os regimentos de Infantaria de Tomar, Portalegre e Viseu, os de Cavalaria do Porto e de Vila Viçosa, e o de Artilharia de Évora. Desde esta altura e até ao final do conflito outros se lhes seguiriam.

Com a declaração formal de guerra entre a Alemanha e Portugal em Março de 1916 as forças militares portuguesas foram organizadas num novo contingente denominado Corpo Expedicionário Português (CEP), que seria sujeito a um - muito criticado à época e posteriormente pela debilidade dos seus métodos e reduzida eficácia - programa de treino no campo militar de Tancos, em Vila Nova da Barquinha, com vista ao envolvimento na mais importante e mortífera frente de batalha, a que colocava frente a frente os principais potências beligerantes, Alemanha de um lado e França e Inglaterra do outro, com os seus imensos exércitos; Portugal enviaria o seu contingente para a frente ocidental, para a Flandres francesa, aonde integraria o sector inglês.

O primeiro contingente do CEP partiu de Lisboa em 30 de Janeiro de 1917, transportado por três navios ingleses seguindo a bordo regimentos de Infantaria da Guarda, Portalegre e Leiria, entre outros de Cavalaria e de Artilharia, e nos meses seguintes outros se lhe seguiriam; a partir de Maio seguinte, após algumas semanas de instrução, as forças portuguesas ocuparam os sectores da frente de batalha que lhes foram atribuídos na zona de Neuve Chapelle. O baptismo de fogo para as forças portuguesas na Flandres aconteceria no decorrer de Junho em resposta aos diversos raids das forças alemãs, e prolongar-se-ia e intensificar-se-ia daí em diante com recursos militares mais mortíferos, como bombardeamentos de artilharia pesada, bombardeamentos aéreos, ataques massivos de infantaria, até lançamento de gases asfixiantes; em comum o seu resultado, o aumento acentuado de vítimas.

Enquanto as baixas nas forças militares que actuavam em Angola e em Moçambique se repartiam de forma muito desigual entre os mortos por doença e em combate, com estes últimos a constituírem um número muito inferior ao dos primeiros, os números das baixas na frente europeia tinham uma relação inversa

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à referida; aqui, os mortos em combate ou em resultado de operações militares eram em maior número do que as que decorriam de doença. De uma maneira e/ou de outra o número de vítimas cresceu acentuadamente a partir de meados de 1917, e continuaria a aumentar até ao final do conflito em Novembro de 1918; mesmo após aquela data ainda seriam muitas as vítimas deste conflito, umas em consequência de ferimentos anteriormente contraídos e outras em consequência de doenças também adquiridas em tempo de guerra.

No período em que durou a participação de forças militares portuguesas na Grande Guerra, entre Agosto de 1914 e meados de 1917 nas frentes em Angola e Moçambique, e desde esta altura até Novembro de 1918, também na frente francesa, o número de baixas foi relativamente baixo se considerados os números globais do conflito entre os países nela envolvidos, mas bem mais significativo se considerados os meios da participação portuguesa. Na “história” da participação portuguesa na Grande Guerra merece uma menção especial o dia 9 de Abril de 1918, o dia da “batalha de La Lys”, pois na operação militar que os alemães bap-tizaram de “Georgette” terão falecido mais de um milhar de militares portugue-ses, muitos no próprio dia e outros nos dias seguintes em resultado dos ferimen-tos contraídos; este constituiria o dia “mais negro” da história militar portuguesa desde os milhares de mortos em “Alcácer-Quibir” em Agosto de 1578.

As forças militares portuguesas mobilizadas no âmbito da 1.a Grande Guerra atingiriam praticamente os 110 mil homens, repartidos sensivelmente em par-tes iguais entre as que constituíram o Corpo Expedicionário Português, estas em número de um pouco mais de 55 mil, e que combateriam na Flandres, e as forças mobilizadas para África - Angola e Moçambique -, estas cerca de 50 mil, incluindo um contingente de cerca de 20 mil soldados de forças indígenas locais, e ainda um contingente na defesa das Ilhas atlânticas com um pouco mais de 10 mil homens2.

A partir do último quartel de 1914 quando o número de baixas militares nos cenários de guerra em Angola e em Moçambique se começa a intensificar, também

2 Não existem números precisos e definitivos sobre o número de soldados integrantes das forças militares portugueses que participaram na Grande Guerra; sobre este assunto ver, por exemplo: “O esforço militar português”, in O Instituto, Vol. 67.°, de 1920, pp. 118-124; Mendo Castro Henriques, António Rosas Leitão, La Lys - 1918. Os soldados desconhecidos, Lisboa, Prefácio, 2001, pp. 9-14 e p. 79; Ferreira Martins (Direcção), Portugal na Grande Guerra (2 Vols.), Lisboa, Empresa Editorial Ática, 1934-1935, p. 337 (Vol. 2); Isabel Pereira Marques “1914-1918. Comportamentos de guerra”, in Nova história militar de Portugal (Direcção de Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira), Vol. 5. (Coordenação de Nuno Severiano Teixeira), Lisboa, Círculo de Leitores, 2004, p. 102; ou Aniceto Afonso, “A Grande Guerra e as colónias portuguesas”, in João Medina (Direcção), História de Portugal. Dos tempos pré-históricos aos nossos dias, Vol. XI - A República II - O nó górdio e as espadas, s. l., Ediclube, pp. 251-302.

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o número de pedidos de pensões de sangue vai aumentar; a partir de meados de 1917 com a abertura de uma nova frente de combate para as forças militares portuguesas na Flandres, o número de baixas vai aumentar significativamente; se nas frentes africanas o número de baixas entre as tropas se deveu principalmente a doenças contraídas pelos militares e menos às baixas provocadas directamente pelos combates, na Flandres o número de baixas em combate ou na sequência de ferimentos aí contraídos vai ter uma relevância equiparada à dos mortos por doenças ou por outras causas.

Desde essa altura e ao longo dos anos seguintes ao fim do conflito, principalmente até aos primeiros anos da década de 1920, o Estado foi confrontado com milhares de pedidos de atribuição de “pensões de sangue” por parte dos familiares dos militares mortos em combate nas diversas frentes em que as forças portuguesas estiveram envolvidas, particularmente no norte de França, as que actuaram em Angola e em Moçambique, e ainda em alguns confrontos com o inimigo no mar.

Os valores das pensões atribuídas dependiam da “patente” do falecido. Este trabalho tem como objectivos principais analisar alguns aspectos desta questão, nomeadamente o número de pensões de sangue concedidas desde o último trimestre de 1914 até meados de 1919, tendo como referências principais três documentos distintos:i) do Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças o fundo documental

onde se inscreve a série documental dos processos de pensões designado por - “Direcção-Geral da Contabilidade Pública”, conforme a seguinte hierarquia orgânico-funcional:

Fundo: DGCP - Direcção-Geral da Contabilidade PúblicaSecção - DGCP/16 - Repartição das Classes InactivasSérie - DGCP/16/001 - Pensões

ii) também do Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças um docu-mento produzido pelo Ministério das Finanças em Julho de 1921, intitulado “Relação nominal dos indivíduos falecidos por motivo de guerra, com indicação das pensões legadas, número e qualidade dos herdeiros, importância das pensões, segundo a lei francesa, e respectiva capitalização nos termos da mesma lei3

3 Código de referência: PT/ACMF/DGCP/16/006. Sobre este documento ver também: João Figueira - “No rescaldo da Grande Guerra: a atribuição de pensões de sangue - aspectos sociais, económicos e financeiros”, in Alves, Jorge; Alves, Luís Alberto M.; Pereira, Gaspar Martins; Pereira, Maria Conceição Meireles (Coordenação), A Grande Guerra (1914-1918): Problemáticas e representações, Porto, CITECEM, 2015 (no prelo).

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iii) relação de pensões de sangue requeridas e publicadas em 11 listagens pela Repartição Central da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, do Ministério das Finanças, na 2.a série do Diário de Governo, entre Fevereiro de 1918 e Junho de 1919.4

Conjugando entre si as três fontes documentais obteve-se um total de pedidos de pensão de sangue referentes a 3.451 processos de militares mortos no contexto da Grande Guerra, considerou-se para este número as datas de falecimento dos militares ocorridas no período de meados de Agosto de 1914 até ao final de Junho de 1919; por sua vez estas datas foram estabelecidas por ter sido em Agosto de 1914 que ocorreu a primeira morte de um militar português em confronto com militares alemães, concretamente em Mazina, no Niassa (Moçambique), em 24 de Agosto de 1914 - o enfermeiro naval Eduardo Rodrigues da Costa, natural de Viseu e integrante do Corpo de Marinheiros da Armada em Moçambique -, de acordo com as fontes aqui consideradas, e 28 de Junho de 1919 por ser a data da assinatura do Tratado de Versalhes, data em que terminou oficialmente a 1.a Grande Guerra. 5

4 A Relação n.° 202, de 23 de Janeiro de 1918, no Diário do Governo, n.° 32 (2.a Série), de 8 de Fevereiro de 1918, pp. 396-398; a Relação n.° 694, de 9 de Março de 1918, no Diário do Governo, n.° 63 (2.a Série), de 16 de Março de 1918, pp. 920-921; a Relação de 26 de Abril de 1918, no Diário do Governo, n.° 99 (2.a Série), de 29 de Abril de 1918, pp. 1362-1364; a Relação de 22 de Maio de 1918, no Diário do Governo, n.° 126 (2.a Série), de 31 de Maio de 1918, pp. 1720-1722; a Relação de 26 de Junho de 1918, no Diário do Governo, n.° 178 (2.a Série), de 1 de Agosto de 1918, pp. 2430-2432; a Relação de 8 de Agosto de 1918, no Diário do Governo, n.° 196 (2.a Série), de 22 de Agosto de 1918, pp. 2734-2734; a Relação de 17 de Agosto de 1918, no Diário do Governo, n.° 201 (2.a Série), de 28 de Agosto de 1918, pp. 2794-2797; a Relação de 27 de Setembro de 1918, no Diário do Governo, n.° 239 (2.a Série), de 12 de Outubro de 1918, pp. 3340-3342; a Relação de 3 de Dezembro de 1918, no Diário do Governo, n.° 293 (2.a Série), de 19 de Dezembro de 1918, pp. 4004-4008; a Relação de 8 de Fevereiro de 1919, no Diário do Governo, n.° 46 (2.a Série), de 27 de Fevereiro de 1919, pp. 672-675; e a Relação de 27 de Março de 1919, no Diário do Governo, n.° 143 (2.a Série), de 23 de Junho de 1918, pp. 2102-2106.5 Fotografia publicada na Ilustração Portuguesa, n.° 462 (2.a série), de 28 de Dezembro de 1914, p. 806, aonde era acrescentado que se tratava de “um dos heróis da revolução portuguesa. Foi ele e (...) os primeiros marinheiros que saíram do quartel para o Arsenal de Marinha na manhã de 4 de Outubro e dos que mais se evidenciaram na defesa da República”.

Pensões de Sangue no Âmbito da Participação Portuguesa na Grande Guerra

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Os 3.451 processos de pedidos de pensões de sangue são, por isso, referentes aos militares portugueses falecidos entre 24 de Agosto de 1914 e 28 de Junho de 1919, nos diversos terrenos de combate e/ou em funções militares no âmbito das operações de guerra. A organização das informações disponibilizadas pelas referidas fontes que, em alguns casos, se repetem, ou seja, muitos processos de atribuição de pensões de sangue aparecem referidos nas três fontes, e em alguns casos com informações contraditórias entre si, obedeceu às seguintes regras:

1 - quando o mesmo processo é referido em mais do que uma das fontes utilizadas, e quando as informações são contraditórias, optou-se por considerar correctos os elementos da fonte indicada em i);

2 - quando a informação sobre o processo é apenas referida nas fontes ii) e /ou iii), e em caso de contradição entre si, considerou-se primeiramente a ii) e em último a iii);

3 - apenas os processos que constam do documento referido em ii), em número de 1.323, contêm os valores das pensões atribuídas inicialmente, ou seja, do total de 3.451 processos analisados neste estudo - considerando as três fontes -, só em 1.323 casos os valores da pensão são analisados, mas este número abrange todas as patentes pelo que constitui um elemento igualmente válido e relevante.

Estimando diversos autores que o número de baixas entre as forças portuguesas durante a Grande Guerra se situe em redor dos 7.500 militares mortos, o número aqui considerado neste estudo apresenta-se como uma amostra de grande relevância face ao seu universo, representando mais de 45% do total; presta-se, por isso, a permitir uma caracterização muito desenvolvida do perfil quer dos militares mortos quer da sua respectiva estrutura familiar, ou seja, um retrato suficientemente definido deste universo das perdas militares portuguesas no primeiro conflito mundial.

1. A legislação de concessão de pensões de sangue até à Grande Guerra

Em meados da década de 1910, aquando do deflagrar da 1.a Grande Guerra, a atribuição de pensões de sangue era regulada por um decreto de Junho de 18706; este diploma vinha regular anterior legislação de 18677, e este, por sua

6 Decreto de 4 de Junho de 1870, emanado da Repartição do Gabinete, do Ministério dos Negócios da Guerra, e publicado no Diário do Governo, n.° 132, de 15 de Junho de 1870, p. 820.7 Concretamente, a Lei de 11 de Junho de 1867, emanada da 1.a Repartição, da Secretaria de Estado, do Ministério dos Negócios da Fazenda, e publicada no Diário de Lisboa, n.° 144, de 2 de Julho de 1867, p. 2065.

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vez, vinha substituir o diploma de Janeiro de 18278; com o início do conflito envolvendo militares ou cidadãos ao serviço do estado português desde o Verão de 1914, foram sucessivamente aduzidas novas disposições com intuito de alargar o seu âmbito de atribuição e, noutro sentido, de simplificar os processos para a sua concessão. Estas alterações colocaram-se com maior premência a partir do momento em que começaram a registar-se as primeiras baixas em combates nas frentes africanas de Angola e de Moçambique, bem como a crescente ameaça sobre as tripulações dos navios ao serviço directo do Estado, situações que obrigaram o Governo a alargar o âmbito da concessão daquelas pensões.

No decreto de 1870 era estabelecido e hierarquizado o universo de beneficiários potenciais às pensões de sangue, de acordo com a sua proximidade/relação com o falecido, e ainda se se verificassem outras condições para poderem ser atribuídas. Quanto ao universo de beneficiários estes obedeciam à seguinte hierarquização9:

1.º - as viúvas ou, na inexistência destas por terem anteriormente falecido ou contraído novas núpcias antes de fruírem a pensão, as filhas solteiras e filhos menores de 14 anos;

2.º - as filhas solteiras e filhos menores de 14 anos ou, na falta destes, à mãe (do falecido) se esta fosse viúva;

3.º - a mãe do falecido ou, na falta desta por morte ou por ter contraído novas núpcias, repartida entre as suas irmãs solteiras;

4.º - a(s) irmã(s) do falecido, mas somente no caso de ter(em) estado a seu cargo a sua subsistência.

Quanto às condições gerais para atribuição das pensões de sangue que teriam de verificar-se, eram as seguintes10:

a) as pensões não poderiam exceder os 30% do soldo que fosse auferido pelo militar falecido;

b) a sua atribuição deveria ter um parecer favorável do Procurador-Geral da Coroa e Fazenda, e o aval da secção administrativa do Conselho de Estado;

c) e que só remunerassem os serviços dos falecidos no campo de batalha - leia-se, em combate -, ou os que falecessem em consequência de

8 Carta de Lei de 19 de Janeiro de 1827, sob proposta do Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, e publicada na Gazeta de Lisboa, n.° 26, de 30 de Janeiro de 1827, p. 159.9 Ponto §1.° e §2.°, do artigo 1.°, do Decreto de 4 de Junho de 1870.10 Artigo 2.°, do Decreto de 4 de Junho de 1870.

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ferimentos aí contraídos até seis meses depois, e ainda dos que neste mesmo prazo ficassem impossibilitados por alienação mental, e nesse estado falecessem a partir daí em diante.

Para além das referidas eram ainda fixadas um conjunto de outras disposições sobre a concessão e fruição de pensões de sangue, dentre elas salientam-se: a impossibilidade de acumulação desta pensão com qualquer outra paga pelo Estado ou por instituições por ele subsidiadas; a revogação da atribuição desta pensão ao(s) seu(s) usufrutuário(s) quando condenado(s) a pena maior, embora neste caso a readquirisse(m) se a pena fosse temporária ou depois de a ter(em) cumprido11.

No que respeitava à regulação de pensões de sangue solicitadas por falecimentos de militares ocorridas nas colónias africanas, estas eram regulamentadas por legislação própria estabelecida em Novembro de 187212 embora fossem, também neste caso, as cartas de lei de 19 de Janeiro de 1827 e de 11 de Junho de 1867 a constituírem-se como os diplomas primordiais para esta regulação agora estabelecida.

Com o início das hostilidades em Angola e Moçambique e o registo das primeiras baixas entre as forças portuguesas nos últimos meses de 1914, bem como a perspectiva de agravamento da situação e do aumento do número de baixas, o Governo vai estabelecer um conjunto de novas disposições; por um lado simplificando o processo para a concessão de pensões de sangue, uma vez que esses processos estavam a tornar-se muito demorados pela exigência de inúmeros documentos que os requerentes demoravam em reunir - a circunstância de os soldados falecerem nas frentes africanas exigia que fossem as autoridades das respectivas províncias a emitirem a documentação necessária à instrução desses processos situação que, dada a conjuntura, era mais complexa e demorada - e, por outro lado, alargando o direito à concessão de pensões de sangue tornando-o extensivo às famílias do pessoal civil componente das tripulações dos navios ao serviço directo do Estado.

De modo a simplificar e agilizar os mecanismos de concessão de pensões de sangue para dessa forma atenuar aos interessados os transtornos causados

11 Respectivamente o artigo 3.° e 4.°, do Decreto de 4 de junho de 1870.12 Decreto de 16 de Novembro de 1872, emanado da 4.a Repartição, da Direcção Geral do Ultramar, do Ministério da Marinha e Ultramar, e publicado no Diário do Governo, n.° 265, de 22 de Novembro de 1872, pp. 1774-1775.

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pela demora na instrução dos seus processos o Governo determinou, em Abril de 191513, que fossem concedidas às famílias, de forma provisoria, as pensões a que tivessem direito, logo que os governadores das províncias ultramarinas onde tivesse ocorrido o falecimento comunicasse telegraficamente a data em que ocorrera e as causas dessa morte, ficando esta comunicação dependente de confirmação posterior através de um ofício expedido pelo correio; com esta informação as autoridades militares deveriam contactar os familiares - os previstos na legislação de Junho de 1870, já referida - podendo estes despoletar o processo de concessão das pensões que lhes seriam concedidas provisoriamente, como referido, até à posterior conclusão de todo o processo com toda a documentação exigida altura em que a atribuição da pensão passaria a ser definitiva; após os processos seguirem todos os trâmites em conformidade com as leis vigentes, seriam finalmente remetidos à Direcção Geral da Contabilidade Pública, para o Ministério das Finanças emitir o seu despacho de concessão de pensão de sangue vitalícia, a fim de ser passado o respectivo título.

A extensão ao pessoal civil das tripulações dos navios ao serviço de Estado e às suas famílias, do direito à concessão de pensões de sangue, foi decretada em Março de 191614 - imediatamente após a entrada formal de Portugal em guerra com a Alemanha, ocorrida a 9 de Março -, abrangendo os diversos cargos e estipulando mesmo, para além disso, os valores das pensões mensais quaisquer que fossem os vencimentos auferidos pelos tripulantes dos navios contratados.

Esses valores eram os seguintes (ver Quadro 1):

13 Decreto n.° 1.525, de 21 de Abril de 1915, emanado da Secretaria Geral, do Ministério das Colónias, e publicado no Diário do Governo, n.° 78 (I Série), de 21 de Abril de 1915, p. 390.14 Decreto n.° 2.290, de 20 de Março de 1916, emanado da Repartição do Gabinete, do Ministério da Marinha, e publicado no Diário do Governo, n.° 53 (I Série), de 20 de Março de 1916, p. 266.

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QUADRO 1Relação entre cargos e valores mensais de pensão (1916)15

Cargo Valor da pensão Cargo Valor da

pensão

Comandantes 55$00 Despenseiros 12$00

Imediatos, Médicos, Maquinistas en-carregados e Comissários 45$00 Telegrafistas sem fios au-

xiliares 11$00

Pilotos e Oficiais maquinistas 35$00 Ajudantes de despenseiros 11$00

Praticantes de piloto ou de maquinista 15$00 Criados 10$00

Mestres e Patrões ou Arrais de pequenas embarcações 14$00 Fogueiros 8$00

Contramestres 14$00 Marinheiros 8$00

Carpinteiros 14$00 Padeiros 8$00

Serralheiros 14$00 Cozinheiros 8$00

Calafates 14$00 Chegadores 6$00

Enfermeiros 14$00 Moços 6$00

Telegrafistas sem fios 12$00 Ajudantes de cozinheiros 6$00

Também neste caso a demora na organização e seguimento dos processos de habilitação às pensões de sangue obrigou a que, por legislação de Maio de 191716, fosse atribuída a estes beneficiários a doutrina aplicada às forças militares da marinha - esta estabelecida por legislação de Novembro de 191617 -, nomeadamente quanto à atribuição provisória da pensão desde o primeiro dia

15 Decreto n.° 2.290, já referido; e Decreto n.° 2.338, de 17 de Abril de 1916, emanado da Repartição do Gabinete, do Ministério da Marinha, e publicado no Diário do Governo, n.° 75 (I Série), de 17 de Abril de 1916, p. 329, este alargando a atribuição de pensões aos «Carpinteiros», «Serralheiros» e «Calafates»; e Decreto n.° 2.629, de 16 de Setembro de 1916, emanado da Repartição do Gabinete, do Ministério da Marinha, e publicado no Diário do Governo, n.° 189 (I Série), de 16 de Setembro de 1916, p. 879, alargando o âmbito das pensões aos «Praticantes de piloto ou de máquinas», «Enfermeiros», «Telegrafistas sem fios praticantes», «Ajudantes de despenseiros», e «Ajudantes de cozinheiros».16 Decreto n.° 3.117, de 9 de Maio de 1917, emanado da Repartição do Gabinete, do Ministério da Marinha, e publicado no Diário do Governo, n.° 70 (I Série), de 9 de Maio de 1917, pp. 331-332.17 Decreto n.° 2.877, de 30 de Novembro de 1916, emanado da Repartição do Gabinete, do Ministério da Marinha, e publicado no Diário do Governo, n.° 248 (I Série), de 12 de Dezembro de 1916, pp. 1143-1144.

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do mês seguinte ao que se tivesse verificado o falecimento; eram consideradas pessoas da família para este efeito, as indicadas no §1.° e §2.°, do artigo 1.°, da Lei de Janeiro de 182718.

Pelo exposto fica evidente a diversidade de regulamentação quanto à matéria de atribuição de “pensões de sangue” até esta altura; a entrada de Portugal na guerra vai exigir novas disposições, nomeadamente o alargamento do âmbito da sua concessão ao pessoal civil afecto a serviços realizados no âmbito de acções militares e, ao mesmo tempo, a urgência de reunir todas as disposições legislativas vigentes sobre este assunto num só diploma introduzindo-lhe, ao mesmo tempo, as “modificações aconselhadas aos modernos princípios e tornando-as o mais possível equitativas e justas, para corresponderem - as pensões de sangue - ao fim altruísta que as devia inspirar”, como se podia ler na introdução ao novo diploma legal que regulava a concessão de pensões de sangue, publicado em Novembro de 1917.

2. A nova lei de concessão de pensões de sangue

As novas disposições legais estabelecidas em Novembro de 191719 quanto à regulação da concessão de pensões de sangue e elaboração dos respectivos processos pelos requerentes, determinavam que as pensões a conceder futuramente passariam a ser reguladas pela legislação agora publicada, mas a sua aplicação diria igualmente respeito a factos anteriores à sua publicação, ou seja, aplicar-se-ia também às pensões já antes concedidas, nomeadamente quanto aos valores mínimos a praticar a partir de 1 de Janeiro seguinte.

O decreto de Novembro de 1917 que passou a reger a concessão de pensões de sangue vinha reunir num só diploma as anteriores disposições que regulavam esta matéria e que estavam dispersas por vários diplomas, concretamente a já referida Carta de Lei de 19 de Janeiro de 1827, a Carta de Lei de 20 de

18 Lei de 19 de Janeiro de 1827, já referida, e que dispunha nos referidos §§ 1.° e 2.°, do artigo 2.°, que as pessoas de família eram: mulheres viúvas; na falta delas as filhas solteiras e filhos menores de 14 anos; na falta destes a mãe viúva; e finalmente as irmãs solteiras do falecido; nestes dois últimos casos apenas se estas - mãe viúva e irmãs solteiras - tivessem estado sob a dependência do falecido.19 Decreto n.° 3.632, de 29 de Novembro de 1917, emanado do Gabinete do Ministro, do Ministério da Guerra, e publicado no Diário do Governo, n.° 210 (I Série), de 29 de Novembro de 1917, pp. 1259-1261.

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Fevereiro de 193520, o Decreto de 18 de Outubro de 183621 - que clarificava aspectos dos diplomas anteriores -, a Lei de 11 de Junho de 1867, o Decreto de 4 de Junho de 1870, e o Decreto de 16 de Novembro de 1872 todos estes diplomas já anteriormente referidos, o Decreto 1.525, de 21 de Abril de 191 522, os Decretos 2.290, 2.338 e 2.629 - respectivamente de 20 de Março, 17 de Abril, e 16 de Setembro, todos de 1916, também já referidos -, que alargaram o âmbito da atribuição das pensões de sangue ao pessoal civil integrando tripulações de navios ao serviço directo do Estado, e o Decreto 3.117, de 9 de Maio de 1917, que clarificou e simplificou estes três últimos diplomas.

Uma das primeiras disposições deste diploma dizia respeito ao montante mínimo das pensões a partir daí, determinando o valor de 72$00 escudos como limite das pensões a serem atribuídas e ainda a obrigatoriedade de que todas as pensões anteriormente concedidas que tivessem fixado um valor inferior aquele fossem todas actualizadas para aquele montante - § único, do artigo 1.° -, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1918; já a sua abrangência contemplava as mortes que resultassem de ferimentos ou acidentes ocorridos em campanha e também de doença adquirida em campanha, e era ainda extensiva aos mortos por ferimento ou acidente ocorridos na manutenção da ordem pública ou no desempenho de deveres ou serviços militares, aos falecidos na sequência de doença ocasionada por serviço militar desempenhado nas colónias ou na metrópole, e ainda aos mortos civis se incorporados nas forças militares, empregados ao seu serviço ou com elas colaborando por ordem de autoridade competente, caso se verificassem as condições atrás referidas, ferimentos, acidente ou doença contraída nessa situação (ponto 1.° e 2.°, do artigo 2.°)23. Para além dos casos referidos eram ainda abrangidas as mortes dos médicos, veterinários, pessoal de enfermagem e outro pessoal ao serviço das associações mutualistas e das associações da Cruz

20 Este diploma alargou o âmbito da concessão de pensão de sangue às famílias dos militares falecidos no decurso dos conflitos entre Absolutistas e Liberais, e que fossem fiéis à Rainha - D. Maria I -, ou seja, aos Liberais, emanado da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, e publicado no Diário do Governo, n.° 50, de 27 de Fevereiro de 1835, p. 209.21 Emanado da 3.ª Repartição, da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, e publicado no Diário do Governo, n.° 250, de 21 de Outubro de 1836, p. 1182.22 Diploma já referido, e cuja rectificação foi publicada no Diário do Governo, n.° 96 (I Série), de 24 de Maio de 1915, p. 456.23 A inclusão de falecidos na sequência de doença ocasionada por serviços nas colónias ou na Metrópole e do pessoal civil, agora referido, foi revogada pelo Decreto n.° 5.350, de 24 de Abril de 1919, emanado da Secretaria Geral, do Ministério das Finanças, e publicado no Diário do Governo, n.° 66 (I Série), de 1 de Abril de 1919, p. 545; este diploma veio, mais uma vez (?), reiterar a obrigatoriedade das pensões já concedidas ou a conceder não poderem ser inferiores a 72$00 escudos (artigo 1.°).

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Vermelha, da Estrela Vermelha, e da Cruzada das Mulheres Portuguesas, caso se verificassem nas condições atrás referidas para os outros abrangidos.

O universo de requerentes que se poderiam habilitar era constituído pelos familiares do falecido e ainda por outras pessoas em casos bem tipificados; os requerentes podiam agrupar- se em seis “categorias”24:

1.ª - as viúvas;2.ª - as divorciadas ou separadas judicialmente com direito a alimentos, por si e também pelos filhos do falecido, caso existissem;3.ª -os descendentes masculinos até à idade de 18 anos, ou até aos 25 anos caso

frequentassem com aproveitamento qualquer curso, e ainda todos os que tivessem mais de 25 anos mas fossem incapazes física ou mentalmente de garantir a sua própria sobrevivência;

4.ª - as descendentes femininas desde que estivessem na condição de solteiras ou viúvas, também as casadas desde que não tivesse meios de subsistência próprios e os cônjuges os não pudessem angariar por incapacidade física ou mental, e ainda as divorciadas ou separadas judicialmente;

5.ª - os ascendentes, ou seja, ou pais em conjunto ou individualmente, e os avós, também de forma conjunta ou separadamente;

6.ª - os irmãos com idade até aos 18 anos, ou até aos 25 anos se fossem estu-dantes com aproveitamento, e ainda acima desta idade se fossem incapazes física e mentalmente de garantir a sua própria sobrevivência;

7.ª - as irmãs , desde que nas mesmas condições referidas para as descendentes (alínea 4.a);

8.ª - a(s) pessoa(s) que tivesse(m) criado o falecido e da qual ele se tivesse tornado amparo. Já quanto às regras25 de aplicação e distribuição das pensões quanto à precedência, esta estava organizada da seguinte forma:

i) quando existissem viúva e filhos, caberia à viúva metade da pensão e o restante seria dividido pelos filhos;

ii) se a viúva entretanto se casasse antes de lhe ser concedida a pensão - ou por estar já a receber qualquer outra pensão de sangue - a parte que lhe caberia seria repartida entre os filhos;

iii) existindo apenas filhos a totalidade da pensão seria dividida entre

24 Artigo 4.°.25 Artigo 5.°; e o Artigo 6.°, que dispunha que as disposições/regras para a concessão de pensões se aplicavam, igualmente, aos militares em serviço na Companhia de Moçambique e na Companhia do Niassa, ou em qualquer outra que tivesse semelhante organização, devendo estas pensões serem pagas pela companhia ao serviço das quais o militar tivesse falecido.

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os que reunissem as condições acima referidas; e à medida que os filhos fossem deixando de reunir as condições para dela serem be-neficiários, a sua parte seria dividida entre os restantes beneficiários;

iv) a pensão seria toda para a viúva se esta não tivesse filhos, ou no caso deles já não reunirem as condições de elegibilidade atrás referidas;

v) quando não existia viúva ou filhos o direito à pensão passaria para os netos;

vi) não havendo descendentes a pensão passaria para os ascendentes, ou seja, os pais, ou cada um deles de forma individual e, em caso de falecimento destes, a pensão passaria para os irmãos que fossem elegíveis;

vii) na falta de ascendentes a elegibilidade passaria para os irmãos nas condições atrás referidas;

viii) em caso de inexistência de viúva, descendentes, ascendentes ou ir-mãos, a pensão reverteria a favor de quem tivesse criado e sustenta-do o falecido, e de quem este se tivesse tornado amparo;

ix) nos casos em que a pensão estivesse dividida entre a viúva e filhos e algum dos contemplados perdesse a sua parte por morte ou por deixar de reunir as condições de elegibilidade, nesse caso essa parte seria igualmente dividida entre os restantes beneficiários;

x) no caso de haver uma viúva e filhos com direito a pensão e, ao mesmo tempo, também uma ex-mulher do falecido com direito a pensão de alimentos, nestes casos esta última teria direito a H do total da pensão, ficando os restantes % repartidos com as regras anteriormente definidas;

xi) perderiam o direito à pensão as viúvas, os ascendentes, os des-cendentes - neste caso exceptuando as filhas - e os colaterais do falecido, que contraíssem matrimónio depois de lhes terem sido concedidas as pensões.

O direito à pensão de sangue iniciava-se no dia imediato ao que nascia o direito a ela, ou seja, no dia seguinte ao da data do falecimento, e prescrevia no prazo de cinco anos após aquela data se nesse período não tivesse sido requerida; mas esta prescrição não se aplicava nos casos em que os seus legítimos requerentes fossem menores e/ou não tivessem quem os representasse, enquanto durasse a menoridade, e ainda nos casos em que os requerentes estivessem numa situação de interdição - a cumprir pena, por exemplo -, neste caso o prazo só começaria a contar a partir do momento da cessação da interdição.

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A documentação necessária à instrução dos requerimentos que provassem o direito à pensão, deveriam ser reunidos e entregues à autoridade civil ou militar da localidade aonde residissem os requerentes, cabendo a essas autoridades remetê-los para o Ministério competente; os documentos requeridos incluíam certidões de casamento, de filiação e de óbito, e ainda outras que confirmassem as informações relevantes para a legitimação da pretensão do(s) requerente(s).

Após a sua recepção o Ministério organizava o processo para que as suas repartições competentes pudessem decidir e informar qual deveria ser o quantitativo da pensão a atribuir, e também quaisquer outras disposições legais que se lhe aplicassem; seguidamente o processo era remetido à respectiva repartição de contabilidade que confirmava (ou rectificava) ou quantitativo da pensão remetendo, seguidamente, o processo para a Direcção Geral da Contabilidade Pública com o fim de ser relatado pela Repartição Central, e à qual competia também declarar o quantitativo da pensão.

Feito esse procedimento o processo era presente ao Ministro das Finanças que sobre ele emitiria o respectivo despacho concedendo, ou negando, a pensão requerida; deste despacho poderia haver recurso para o Supremo Tribunal Ad-ministrativo, sendo que a decisão deste órgão seria definitiva.

Após a concessão da pensão era lavrado o respectivo decreto correspondente a essa decisão, seguindo-se o assentamento da pensão na Repartição Central da Contabilidade Pública e ao seu abono em títulos de renda vitalícia, títulos estes submetidos ao visto do Conselho Superior da Administração Financeira do Estado; estes títulos deveriam mencionar sempre as circunstâncias em que os beneficiários perderiam o direito à pensão, e as obrigações que teriam de cumprir daí em diante, nomeadamente a apresentação semestral - a realizar em Janeiro e Julho da cada ano - nas juntas de freguesia atestando que se conservavam no estado de viúvas ou de solteiras, quando eram estas as requerentes beneficiárias da pensão de sangue. Quanto ao valor das pensões este era estabelecido consoante a patente, sendo o seu montante mínimo os 72$00 escudos anuais, valor que se aplicava igualmente às pensões já a vigorar em 191726, ou seja, daí em diante as pensões de sangue teriam um valor igual ou mais alto do que o valor referido, não sendo estabelecido qualquer valor máximo para as pensões a atribuir aos requerentes relacionados com os falecidos das patentes mais elevadas. Nas pensões de sangue atribuídas até meados de 1919 os valores variariam entre as mínimas de 72$00, para as patentes mais baixas - soldados, 1.° e 2.° cabo, corneteiros, e ainda moços de bordo e chegadores, estes com ocupações a bordo dos navios -,

26 Ponto §2, do artigo 6.°.

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e as dos graduados com as patentes mais elevadas casos como, por exemplo, os Majores, Capitães, Coronéis e Generais, cujos valores de pensão atribuídas aos seus beneficiários eram de valores dez vezes mais elevados do que o das pensões mais baixas.

O Decreto 3.632 vigoraria um pouco mais de uma década até Setembro de 1928, altura em que foi publicado um novo diploma, o Decreto 15.96927, que promulgou um novo código para a concessão de pensões, incluindo as pensões de sangue mas também as pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País e ainda as pensões extraordinárias; este diploma entraria em vigor em 1 de Outubro de 192828.

3. Relações dos militares falecidos no contexto da Grande Guerra

Como referido anteriormente este estudo analisa unicamente três fontes do-cumentais; têm em comum constituírem-se como repositórios de extensas lista-gens de processos relacionados com pedidos de pensões de sangue, particular-mente do período aqui analisado que, para este efeito, se considerou de agosto de 1914 a Junho de 1919 pelas razões já atrás apontadas. As limitações e possi-bilidades deste critério condicionaram o resultado final à estrita observância do seu objectivo principal: traçar um perfil dos militares e da sua estrutura familiar a partir dos processos de pedidos de pensão de sangue; ou seja, este estudo não pretende estabelecer rigidamente um inventário de todos os militares mortos na Grande Guerra - embora o universo aqui considerado seja bastamente amplo para ajudar nesse desiderato -, mas unicamente estabelecer um perfil daqueles que faleceram e cujas famílias requereram pensões de sangue.

Este estudo considerou três fontes já referidas na Introdução: i) um fundo documental relacionado com pensões do Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças, produzido recentemente; ii) um documento do mesmo arquivo elaborado em meados de 1921; e iii) 11 listagens com requerentes de pensões de sangue publicadas em Diário do Governo, entre 1918 e 1919; a análise destes fundos permitiu apurar 4.633 processos, 2.628, 1.353 e 652, respectivamente

27 Decreto n.° 15.969, de 21 de Setembro de 1929, emanado da Repartição do Gabinete, do Ministério da Guerra, e publicado no Diário do Governo, n.° 218 (I Série), de 21 de Setembro de 1928, pp. 1900-1905.28 Vigoraria apenas durante um ano; foi revogado e substituído pelo Decreto n.° 17.335, de 10 de Setembro de 1929, emanado da Repartição do Gabinete, do Ministério da Guerra, e publicado no Diário do Governo, n.° 211 (I Série), de 13 de Setembro de 1929, pp. 2001-2006, e rectificado pelo Decreto n.° 17.701, de 3 de Dezembro de 1929, emanado da Repartição Geral, do Ministério da Guerra, e publicado no Diário do Governo, n.° 278 (I Série), de 3 de Dezembro de 1929, pp. 2455-2456.

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das fontes i), ii) e iii). Dos 4.633 processos foram considerados para efeito deste estudo apenas 3.451 por muitos deles respeitarem ao mesmo processo, ou seja, repetiam-se entre si. É este o universo considerado para este trabalho.

O documento referido em i) constitui uma fonte documental elaborada recentemente pelos serviços do Arquivo Intermédio do Ministério das Finanças, e nela constam mais de uma dezena de milhar de processos29 relacionados com pensões de sangue; da informação disponibilizada constam: a data do início do processo do requerimento da pensão; a data final em que termina a concessão da pensão; a data do falecimento do militar sobre o qual incide o pedido de pensão; a relação do(s) requerente(s) da pensão com o militar falecido; a patente; a arma; o concelho e o distrito de naturalidade; o motivo e causas da morte; local da morte; e, em muitos casos outras informações complementares como, por exemplo, o local aonde serviu como militar, o local onde foi sepultado, e outras.

Permite, por isso, dispor de uma ampla informação que pela sistematização se constitui uma preciosa e fundamental fonte documental para o estudo das questões relacionadas com a atribuição de pensões de sangue.

A fonte documental referida em ii) é um documento da Direcção-Geral da Contabilidade Pública de meados de 1921; esta entidade inventariava todos os pedidos de concessão de pensão de sangue entrados naqueles serviços até finais de Junho de 1919; este documento intitulava-se Relação nominal dos indivíduos falecidos por motivo de guerra, com indicação das pensões legadas, número e qualidade dos herdeiros, importância das pensões, segundo a lei francesa, e respectiva capitali-zação nos termos da mesma lei”30. Este documento deverá ter sido produzido no âmbito das atribuições estipuladas no Decreto 3.632, que estabelecia que a Di-recção-Geral da Contabilidade Pública deveria remeter os processos de conces-são de pensões de sangue à sua Repartição Central, a quem competia proceder ao assentamento das pensões. A partir deste documento torna-se possível analisar diversos aspectos relacionados com a concessão de pedidos de pensões de sangue, nomeadamente nos elementos relacionados com o ‘posto e graduação militar’ do falecido, a sua ‘origem geográfica’, a ‘data do falecimento’, o ‘local de falecimento’, a ‘composição familiar dos requerentes das pensões’, e o ‘valor da pensão atribu-ída’; o universo desta relação de pedidos de pensão de sangue compreende 1.353

29 Quando o autor analisou esta base de dados ela era composta por 11.069 processos, mas desses apenas os referidos 2.628 se podem considerar directamente relacionados com os militares mortos no contexto da Grande Guerra.30 Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças, Fundo: DGCP - Direcção-Geral da Contabilidade Pública, Secção: Repartição das Classes Inactivas, com o título “Relação nominal dos soldados portugueses mortos na 1.a Guerra Mundial”.

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processos, correspondentes a pessoas falecidas no contexto da Grande Guerra, sendo que são na sua quase totalidade militares e ainda alguns civis falecidos em navios ao serviço do Estado e, por isso, como referido, também abrangidos pela lei de concessão de pensões de sangue. Todos os processos considerados neste documento são referentes a falecidos no período compreendido entre Outubro de 1914 e Julho de 1919; ou seja, inclui os falecidos no período efectivo da guerra - até Novembro de 1918 - e os falecidos na sequência de ferimentos e de doenças contraídas nas campanhas militares.

Num documento de 192031, um dos primeiros a inventariar o número de bai-xas sofridas pelas forças portuguesas na Grande Guerra, apontava-se para um total de mortos de 4.539, repartidos entre os 1.787 falecidos na frente francesa, e os 2.752 nas campanhas africanas correspondendo, sensivelmente, a 40% e a 60% do total. Na amostra aqui considerada, que corresponde a aproximadamente 30% daquele total, as proporções são muito semelhantes àquelas referidas, pelo que o universo aqui analisado - embora neste estudo seja feita em conjunto com outras fontes - pode constituir-se como um retrato muito aproximado do perfil dos falecidos no contexto da Grande Guerra, das suas graduações e ramos militares, da sua origem, da estrutura familiar requerente, e dos valores das respectivas pensões.

Finalmente, a fonte documental referida em iii) é o conjunto de 11 relações de requerentes de pensões de sangue, publicados no Diário do Governo entre Feve-reiro de 1918 e Junho de 1919, num total de 652 processos. Destes documentos constavam informações como: o nome e relação do requerente da pensão com o militar falecido; a morada de onde era natural o requerente da pensão; a quali-dade em que requeria a pensão; o nome dos legatários (os militares falecidos) da pensão; o posto, graduação e situação (frente de combate) do militar falecido; a data do falecimento; e as causas de morte ou circunstâncias em que os militares tinham morrido.

As três fontes documentais foram conjugadas entre si de modo a garantirem uma mais ampla compreensão de cada processo de atribuição das pensões; desse processo de análise resultou uma sistematização de 3.451 processos, e organizou--se uma apreciação de um conjunto de elementos relacionados com os militares mortos e com as suas famílias: as datas e circunstâncias das mortes; a graduação e ramos militares; a distribuição geográfica da origem dos falecidos; os requerentes das pensões; e os valores das pensões.

31 “O esforço militar português”, in O Instituto, Vol. 67.°, de 1920, pp. 118-124.

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a) As datas e circunstâncias das mortes

A distribuição dos pedidos de pensão de sangue por morte de militares no período de Agosto 1914 a Junho de 1919, e tendo em conta a data de falecimento, é muito desigual, sendo em reduzido número entre 1914 e 1916, embora crescente de ano para ano, e respeitando apenas aos falecidos nas frentes africanas de Angola32 e em Moçambique, e ainda um pequeno número de pensões relacionadas com falecidos em confrontos no mar.

Considerando apenas os anos de 1914 a 1916 registaram-se cerca de 370 mortes, correspondentes a 19 no contexto da frente marítima e os restantes33 nas campanhas nas frentes em Angola e em Moçambique, mas enquanto nestas frentes mais de dois terços dos mortos resultaram de doenças aí contraídas para as quais o exército português se mostrou incapaz de fazer frente, número ao qual ainda se podem juntar mais cerca de meia centena de mortos entre os de causa desconhecida e os desaparecidos, e ainda uma dezena de mortes em resultado de acidentes diversos, desde afogamentos a desabamentos34 entre outros, as mortes registadas no âmbito da campanha marítima ocorreram quase sempre devido a ferimentos em combate, com destaque para dois incidentes, o primeiro com o cruzador Adamastor em Maio de 1916, e o outro com o vapor São Nicolau em Novembro desse mesmo ano; ou seja, nas campanhas terrestres nos territórios portugueses em África o número de mortos em resultado de confrontos em com-bate, representaram apenas cerca de um quarto do total.

32 Considerando as três fontes documentais referidas no início deste estudo, as primeiras baixas registadas em Angola aconteceram em 31 de Outubro de 1914, no Cuamato e vitimaram, entre outros, o tenente de infantaria, Henrique de Sousa Machado.33 Em rigor no Quadro 2 no ano de 1916 está considerada uma baixa referente à campanha em França, pois apesar de ter ocorrido ainda em Portugal o militar falecido estava integrado no contingente que estava em instrução militar em Tancos no contexto do Corpo Expedicionário Português; considerou-se, por isso como uma baixa na campanha de França; foi uma morte por acidente causada pela queda de um cavalo.34 Só num incidente em Angola ocorrido em 17 de Fevereiro de 1915, o desabamento de um muro provocou 3 mortos de Artilharia.

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QUADRO 2 Ano do falecimento (1914-1919)

Ano N.° de pensões

1914 38

1915 127

1916 203

1917 1.110

1918 1.824

1919 149

Total 3.451

Com a entrada de Portugal na guerra travada na frente francesa no início de 1917 o número de vítimas vai crescer de forma muito acentuada, fazendo deste ano e do seguinte os mais dramáticos quanto ao número de vítimas; estas víti-mas eram em maior número devido aos ferimentos em combate e às doenças contraídas, neste caso com destaque para a tuberculose e para a gripe - estas mais comuns na frente francesa -, enquanto nas frentes africanas as mais comuns eram as febres, a caquexia, o paludismo ou a disenteria; a somar a estas causas juntavam-se ainda as decorrentes de acidentes de vários tipos: desde acidentes de viação, atropelamentos, afogamentos, electrocussão, quedas e coices, entre outros, e ainda alguns devido a outro tipo de causas como, por exemplo, cirroses.

35

35 Fotografia publicada na Ilustração Portuguesa, n.° 458 (2.a série), de 30 de Novembro de 1914, p. 677, aonde se acrescentava ter “desaparecido no Cuamato e que se supõe tenha sido assassinado”; este tenente era natural do Funchal, estava ao serviço do Ministério das Colónias; deixaria uma viúva e um filho.

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Nas frentes africanas morreram 1.352 militares entre 1917 e 1919, enquanto no mesmo período em França esse número foi de 1.622, contudo são muito acentuadas as diferenças de números no que às suas causas diz respeito; enquanto em África mais de 90% das mortes neste período ocorreram devido a doenças, em França esse valor não atingiu os 25% do total, ao mesmo tempo que as mor-tes em combate no caso de França são em número muito elevado, representando cerca de 55% do total, valor a que pode ainda acrescentar-se o dos “desapare-cidos” - 202, representando 12,45% do total -, ou seja, valores já próximos dos 70% do total, enquanto em África as mortes em combate representaram apenas cerca de 3% dos mortos nestas campanhas. Pode ainda destacar-se o número de mortos em “acidentes” na frente francesa que totalizaram 62 casos (3,82% do total), contribuindo também deste modo para o avolumar da tragédia das perdas humanas.

Desde o final da guerra, de Novembro de 1918 em diante, o número de baixas vai diminuir de forma acentuada, representando os soldados vítimas de doença à quase totalidade das baixas registadas.

Do universo de 3.451 pensões aqui considerado, e como já referido as baixas distribuem-se entre as ocorridas nas campanhas terrestres em França, em An-gola e em Moçambique, e ainda no âmbito da defesa marítima e no transporte marítimo, já com um significado quantitativo muito inferior ao das campanhas terrestres, e ainda um pequeníssimo número de baixas relacionadas com a “avia-ção”, à época ainda integrada noutras amas mas que para efeito deste estudo foi considerada separadamente das restantes.

QUADRO 3

Frente de combate: n.° de baixas36

Frente de combate N.° %

Campanhas

terrestres

ÁfricaAngola 275 7,97

Moçambique 1.415 41,00Não especificada36 10 0,29França 1.623 47,03

No mar 121 3,51No ar 7 0,20

Total 3.451

36 Nestes 10 casos as diversas fontes aqui consideradas não permitiram determinar qual a frente de combate precisa; contudo, a informação disponível permite afirmar que foi em África.

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Fica bem expresso o significado das baixas nas frentes terrestres na Europa e em África, representando em conjunto mais de 95% do total, repartidos entre os falecidos em França, 47,03% do total, e nas frentes de Angola e Moçambique, praticamente 50% do total. As mortes no mar representam já um valor muito baixo, e as relacionadas com a “aviação” foram já em número residual.

QUADRO 4 N.° de Baixas (Agosto de 1914 - Junho de 1919)

As baixas no contexto da guerra travada no mar, ou seja, no âmbito da defesa e do transporte marítimo, e em barcos militares ou barcos civis ao serviço do País, são em resultado de ataques às embarcações, tanto sob a forma de torpedeamento como de disparos de artilharia; destacam-se neste número as baixas nas tripulações da canhoeira Augusto de Castilho, do caça-minas Roberto Ivens, do cruzador Adamastor, ou dos vapores São Nicolau, Ovar, Trafaria, Lourenço Marques, Brava, Madeira ou Ponta Delgada, constituindo a larga maioria das baixas registadas nas tripulações destes navios as provocadas por ferimentos em combate.

b) Graduação e ramos militares

O universo das 3.451 pensões de sangue consideradas neste estudo comtemplava pedidos de famílias de falecidos pertencentes a todos os ramos militares, embora alguns deles estivessem massivamente representados em virtude da discrepância de números entre os vários contingentes envolvidos no conflito, com claro destaque para a Infantaria, o ramo militar esmagadoramente

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dominante nas forças expedicionárias a África e no Corpo Expedicionário Português na frente ocidental no nordeste de França.

Foto 3: O soldado António da Silva Madeira37.

Quanto às patentes dos militares estas estavam também todas representadas, embora o seu número fosse mais elevado nos níveis inferiores e gradualmente mais baixo à medida que as patentes eram mais elevadas embora em todas elas continuasse a ser a arma de Infantaria a mais representada.

Com o número mais expressivo de todos estão representados os soldados, num total de 2.505, que representam mais de 72% do total aqui considerado, dos quais 2.022, ou seja, cerca de 80% eram soldados de Infantaria, seguindo-se por ordem de grandeza os 222 soldados - 8,86% do total - de Artilharia, os 98 de Engenharia os 59 de Cavalaria, os 50 dos grupos de Metralhadoras, e os 20 das companhias de Saúde; os restantes soldados falecidos pertenciam a outras esp cialidades como à Administração Militar, por exemplo, num total de 34.

37 Fotografia do soldado de Infantaria 23, de Coimbra, falecido em França, em 24 de Agosto de 1917; natural de Vinhó (Arganil); ao noticiar a sua morte o jornal A Comarca de Arganil de 4 de Outubro de 1917, deu como título - “O PRIMEIRO HEROE DO CONCELHO DE ARGANIL”.

Pensões de Sangue no Âmbito da Participação Portuguesa na Grande Guerra

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QUADRO 5 Soldados: n.° de mortos

ArmaÁfrica França Total

n.° % n.° % n.° %Artilharia 111 8,74 111 8,99 222 8,86Cavalaria 36 2,83 23 1,86 59 2,36

Engenharia 48 3,78 50 4,05 98 3,91Metralhadoras 35 2,76 15 1,21 50 2,00

Infantaria 1.006 79,21 1.016 82,27 2.022 80,72Saúde 14 1,10 6 0,49 20 0,80Outros 20 1,57 14 1,13 34 1,36

Total 1.270 1.235 2.505

No que respeita à frente de combate em que estes soldados pereceram veri-fica-se um grande equilíbrio, já que os valores são praticamente iguais, tendo as frentes em África sido ligeiramente mais mortíferas, tendo aí falecido mais 35 soldados do que na Flandres; num número total de 2.505 homens. Faleceram na frente francesa 1.23538, enquanto em África esse número foi de 1.270.

Quanto às armas em que se registaram os maiores números de vítimas, e como já referido, foi a arma de Infantaria com mais de 77% do total de mortes registadas no contexto da grande Guerra, num valor total de 2.573, claramente o grupo mais afectado de todos; todas as outras armas aqui consideradas regis-taram valores já abaixo dos 10%, cabendo à Artilharia um valo de 9,57%, cor-respondentes a 318 baixas, considerando as frentes africanas e francesa, seguida da Engenharia com 134 mortes - 4,03% do total -, ficando as restantes já com valores abaixo de 3%, correspondentes a um número de mortos qualquer deles já inferior a 100 cada.

38 Como a “história” dos soldados não é comum ser contada, sugere-se, como exemplo: João Figueira - “António da Silva, «o primeiro herói do concelho de Arganil»”, in Actas do II Congresso Internacional do OBSERVARE - «Guerra Mundial e Relações Internacionais: 100 anos depois de 1914» http://observare.ual.pt/images/2nd_conference_2014/livro_actas_2014/joao_figueira.pdf

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QUADRO 6 Armas - n.° de mortos

Armas

Campanhas terrestresTotal

África França

Angola Moçambique "África" Totalparcial % n.° % n.° %

Artilharia 23 127 - 150 8,82 168 10,35 318 9,57*Cavalaria 12 40 - 52 3,06 32 1,97 84 2,53

Engenharia - 58 - 58 3,41 76 4,68 134 4,03Metralhadoras 6 48 - 54 3,18 22 1,36 76 2,29

Infantaria 209 1.075 8 1.292 76,00 1.281 78,93 2.573 77,43

Saúde 3 23 - 26 1,53 18 1,11 44 1,32

Outros 22 44 2 68 4,00 26 1,6 94 2,83

Total 275 1.415 10 1.700 1.623 3.323

No âmbito das forças militares terrestres a distribuição do número de mor-tos foi rigorosamente relacionada com a patente, ou seja, o número de falecidos diminuía consoante era mais elevada a patente; assim tínhamos a seguir aos sol-dados, cabos, sargentos, alferes, tenentes, capitães, majores, coronéis e ainda 1 general, podendo ainda juntar-se a estes ainda mais 55 falecidos de pessoal com outras funções, como corneteiros, chaufers ou secretários administrativo, entre outros39.

Conforme já foi referido, os soldados eram de longe, a patente que registou mais vítimas no contexto da participação da Grande Guerra, com 2.505 mor-tos, correspondentes a 75,38% de todas as baixas registadas seguindo-se, mas já a uma larga distância, os cabos, estes com 397 baixas (11,95%), e os sargentos com 218 (6,56%); com números já abaixo da centena de mortos, os alferes (48), tenentes e capitães (35 cada), majores (10), coronéis (3), tenente- coronel (3) e 1 general; consideraram-se ainda 67 casos distintos dos anteriores em as patentes não estavam especificamente identificadas, que representam um pouco mais de 2% do total das perdas das forças terrestres.

39 Para os postos de “cometeiro”, “chauffeur”, e “pessoal administrativo”, as fontes aqui consideradas não referem qualquer patente correspondente, pelo que se optou por proceder à distinção face aos restantes.

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QUADRO 7 Forças terrestres: patente / n.° de mortos

PatenteÁfrica França Total

n.° % n.° % n.° %Alferes 21 1,23 27 1,67 48 1,45Cabo 185 10,88 212 13,06 397 11,95Capitão 24 1,41 11 0,68 35 1,05Coronel 2 0,12 2 0,12 4 0,12General 1 0,06 - - 1 0,03Major 8 0,47 2 0,12 10 0,30Sargento 114 6,71 104 6,41 218 6,56Soldado 1.270 74,71 1.235 76,09 2.505 75,38Tenente 17 1,00 18 1,11 35 1,05Tenente -Coronel 3 0,18 - - 3 0,09

Outros 55 3,23 12 0,74 67 2,02

Total 1.700 1.623 3.323

As restantes 128 mortes registaram-se no quadro das forças marítimas e ain-da entre os militares afectos à aviação, no primeiro caso em número de 121 e no segundo de 8; embora algumas delas não tenham acontecido entre as forças militares, mas sim de pessoal civil ao serviço do Estado e, por isso, com “estatuto militar” como atrás referido, particularmente no âmbito do transporte marítimo; verifica-se por isso um número apreciável de falecidos com as ocupações, por exemplo, de fogueiro, criado ou de criado.

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QUADRO 8 Forças marítimas: posto / n.° de mortos

Posto N.°Fogueiro 29Marinheiro 14Criado 9Chegador 8Maquinista 8Condutor de Máquinas 8Praticante de Máquinas 6Moço 5Artilheiro 5Grumete 4Total parcial 92Outros 29Total 121

Em jeito de balanço refira-se que as forças terrestres foram as maiores vítimas deste conflito, e entre estas as patentes mais baixas foram as que de forma esmagadora mais sofreram, constituindo uma lição clara do perfil dos mortos nesta guerra e dando sentido claro e absoluto à percepção vivida pela maior parte dos seus intervenientes e dos seus posteriores estudiosos, os soldados e as patentes mais baixas eram “a carne para canhão”.

c) A distribuição geográfica de origem

A larga maioria dos pedidos de concessão de pensões de sangue no período que medeia entre Agosto de 1914 e meados de 1919 são de famílias de militares provenientes dos distritos mais a norte do território nacional, com destaque para o distrito do Porto que representou cerca de 20% do total, com cerca de 662 pedidos, seguia-se o distrito de Braga com um pouco mais de 12% do total, com 418 pedidos, e a seguir o distrito de Lisboa40; já com um valor um pouco abaixo

40 As fontes que servem de base a este trabalho referidas em ii) e em iii), elaboradas cerca de 1920, mencionam em muitos casos apenas o distrito de origem; no caso de Lisboa deve ter-se em conta que, à época, incluía a área a sul do Tejo, ou seja, a que em 1926 formaria o distrito de Setúbal. Por este facto os

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seguia-se o distrito de Aveiro, com 261 pedidos, correspondentes a um pouco mais de 7,5% do total, e ainda com valores acima das duas centenas de pedidos, o distrito de Coimbra com 203, que representavam 5,9% do total (ver Quadro 9).

QUADRO 9 N.° de pedidos por distrito

Todos os restantes distritos (ver Quadro 9) registaram um número de pedidos abaixo de 200: Viana do Castelo, 187; Viseu, 184; Castelo Branco, 172, Vila Real, 157; Bragança, 156; Santarém 148; e Faro, 129. Com valores abaixa de 100 os restantes distritos: Leiria (96), Évora (91), Guarda (80), Beja (70), Setúbal (56) e Portalegre (55). Ou seja, só os cinco distritos acima do Douro - Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo e Vila Real - representaram mais de 45% do total dos pedidos.

No pólo oposto estavam os distritos alentejanos nos quais se registaram os valores mais baixos quanto ao número de pedidos, situação a que não será alheia a densidade populacional do território, dito de outro modo, uma maior presença de pedidos referentes aos distritos com maior densidade populacional, princi-palmente dos casos do Porto e Braga, e no pólo oposto os distritos com as mais baixas densidades populacionais.

Um outro elemento importante relaciona-se com a origem dos requerentes de pensões de sangue, familiares dos militares que morreram neste período, e tem a ver com o concelho de onde eram naturais. Entre os dez concelhos com maior

números aqui referidos como pertencentes ao distrito de Lisboa são apresentados sob reserva, bem como os indicados para o distrito de Setúbal, uma vez que alguns podem dizer respeito a este último.

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número de pedidos (ver Quadro 10), apenas um concelho do sul do País está representado, concretamente o de Lisboa que está em segundo lugar, enquanto todos os outros, à excepção de Viana do Castelo, são da região do Porto e de Braga (ver Quadro 10).

QUADRO 10 N.° de pedidos por concelho

Concelhos N.° de pedidos

Porto 159Lisboa 150Santo Tirso 90Vila Nova de Gaia 57Guimarães 49Braga 49Maia 45Vila Verde 45Viana do Castelo 42Valongo 41

Neste capítulo é o concelho do Porto que ocupa o primeiro lugar, com 159 pedidos, correspondentes a 4,61% do total dos pedidos neste período; como referido em segundo lugar estava a concelho de Lisboa, com 150 pedidos, seguido do concelho de Santo Tirso com 90 pedidos e Vila Nova de Gaia com 57; seguiam-se os concelhos de Braga e Guimarães, cada um com 49 pedidos; depois os concelhos da Maia e de Vila Verde, estes com 45 pedidos cada um; o concelho de Viana do Castelo era o penúltimo com 42 pedidos; e encerrava os dez concelhos do País com mais pedidos, o concelho de Valongo com 41 pedidos.

Como curiosidade adicional a estes números acrescente-se que dos 159 militares do concelho do Porto, 137 faleceram nas frentes africanas, 88 dos 90 militares de Santo Tirso também terem falecido nas frentes africanas, bem como 43 dos 45 do concelho da Maia; estes números fazem destes concelhos aqueles que maiores perdas proporcionais registaram nas frentes de Angola e de Moçambique, enquanto Lisboa se ficou pelos 79 mortos, que representavam um pouco mais de metade do total daquele concelho.

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Considerando o Tejo como limite, a sul do País nenhum concelho tinha va-lores elevados; a excepção era o concelho de Loulé com 36 pedidos, o que fazia com que fosse, de longe, o concelho com o número mais significativo, destes 29 morreram na frente francesa. Na campanha militar em França os concelhos que registaram um maior número de vítimas foram os de Lisboa (40), Barcelos (34), Viana do Castelo (31), Loulé (29), Guimarães (28) Braga (27), Porto e Vila Nova de Famalicão (24 cada), e Castelo Branco e Figueira da foz (23 cada). No caso do contingente do CEP em França terá havido uma maior diversidade de proveniências dos militares que o compuseram, razão pela qual existem registos de baixas de quase todos os concelhos do País.

d) Os requerentes

Quanto ao perfil dos requerentes (ver Quadro 11) de pensões de sangue eles podem agrupar- se em nove categorias: as viúvas, o pai e a mãe, só a mãe, só o pai, os filhos, os irmãos, os avós, os tios e os padrastos/madrastas; mas a expressão quantitativa de cada um desses grupos era profundamente desigual, constituindo o grupo das “mães” o mais expressivo, com praticamente 1/3 do total dos pedidos - em rigor, 32,14% -, em número de 1.109; mas a este valor devem juntar-se ainda o grupo constituído pelo “pai e mãe”, e o do “pai”, respectivamente com 944 e com 187, representando 27,35% e 5,42%, e ainda os “irmãos”, com 64 pedidos (1,85%), o grupo do “avô e avó”, com 6 pedidos (0,17%), o grupo do “tio e tia”, com 3 pedidos (0,09%) e ainda o grupo dos “padrastos e madrastas”, com 2 pedidos (0,06%); ou seja, “os ascendentes” e irmãos representavam mais de 2/3 do total de pedidos, em rigor 67,09% do total o que significa que a larga maioria dos militares mortos na Grande Guerra - considerando esta “amostra” de 3.451 nomes - era solteiro, dado que se fossem casados seriam as esposas as primeiras titulares do direito à pensão de sangue do militar falecido, e/ou os seus filhos caso os tivesse.

O grupo das mães incluía alguns casos de mães solteiras de quem o militar morto era o único apoio no trabalho e no seu sustento, e ainda uma mãe adoptiva, Emília Pereira da Silva, mãe do soldado Joaquim Pereira da Silva, da Maia, que morreu de doença em Moçambique, em 18 de Julho de 1917; também o grupo do “pai e mãe” incluía 1 caso de pais adoptivos, Manuel Ferreira Lopes e Maximiana Rosa, do Porto, pais do 2.° Cabo, Benevenuto Borges, que faleceu em França, em 3 de Setembro de 1917. O grupo de requerentes em que era só o “pai”, ou seja o pai viúvo, ocorreu em 187 casos, como referido; as suas idades tinham uma larga

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amplitude, indo dos mais novos com cerca de 40 anos como, por exemplo, o pai do 1.° Cabo, Joaquim Ferreira Marques, que faleceu em Moçambique em 20 de Março de 1918, até ao mais velho com 70 anos, como no caso do pai do soldado Cristóvão José, de Montemor-o- Novo, que faleceu em França a 20 de Janeiro de 1917. Quanto aos “irmãos” requerentes de pensões essa situação aconteceu em 64 casos, a maioria dos quais requerida apenas por 1 irmão, mas em 40% dos casos estes tinham mais do que 1 subscritor; o caso mais extremo foi o pedido relacionado com a morte do 1.° Cabo de Artilharia, António Correia, de Viseu, falecido em França em 20 de Maio de 1918, cuja pensão foi requerida pelas suas 4 irmãs, Maria Angélica, Filomena, Maria da Ascensão e Leonor, para quem a mais magra pensão atribuída pela baixa patente teria de valer para lhes ajudar no sustento. Os restantes grupos, “avós”, “tios”, e “padrastos/madrastas” foram já em reduzido número (ver Quadro 11).

QUADRO 11 Os requerentes / n.° de pedidos

RequerentePedidos

N.° %

Mãe 1.109 32,14Viúva 993 28,77Pai / Mãe 944 27,35Pai 187 5,42Filhos 143 4,14Irmãos 64 1,85Avó / Avô 6 0,17Tia / Tio 3 0,09Madrasta / Padrasto 2 0,06

Total 3.451

O outro grupo grande de requerentes era o constituído pelas “viúvas” e representava 28,77% do total, correspondente a 993 pedidos embora neste caso se possa juntar o grupo dos “filhos”, 143 pedidos representando 4,14%, somando estes dois grupos, 32,91% do total, ou seja, as famílias dos “casados”, cerca de 1/3 do total dos pedidos. Da tragédia que constituiria para estas viúvas a perda do

Pensões de Sangue no Âmbito da Participação Portuguesa na Grande Guerra

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seu marido, juntava-se ainda a dificuldade acrescida de mais de 2/3 delas terem um ou vários filhos, e ainda uma média de idades relativamente baixa, ou seja, ainda novas mas com grandes responsabilidades - agora assumidas sozinhas - no sustento dos filhos; as suas idades41 variavam entre os 17 anos, a idade de Maria de Jesus da Silva42, da Figueira da Foz, uma das mais novas43, viúva do soldado Francisco Pereira, morto em combate em França em 13 de Outubro de 1917, e os já muito respeitáveis 60 anos de idade da viúva - de seu nome Etelvina Pereira d^Eça, requerente da pensão de sangue juntamente com as duas filhas, já maiores de idade, a Maria da Conceição e a Maria Francisca - do general António Júlio da Costa Pereira d'Eça, falecido em Moçambique em 6 de Novembro de 1917. A estas juntavam-se ainda as mais de 300 viúvas que não tinham filhos - cerca de 31% do total -, com uma média de idades um pouco acima da anterior, e que tinham idades compreendidas entre os 19 anos de idade, como no caso de Ifigénia de Almeida, do Porto44, e os 69 anos da viúva do imediato Luiz de Melo Ataíde, falecido em combate a um mês do fim do conflito, em 8 de Outubro de 1918, quando o barco em que navegava foi torpedeado. Quanto aos pedidos de pensão feitos pelos filhos, em número de 143, também escondia várias realidades decorrentes da morte do pai; se é verdade que a larga maioria correspondia a filhos únicos, mais de 80% deste total, também havia casos em que a morte do militar deixava de uma só vez 5 filhos órfãos, como foi exemplo os filhos do 1.° Cabo, o ferrador António dos Santos Garrido, de Castelo Branco, que morreu de tuberculose em França em 20 de Outubro de 1918, e cuja magra pensão haveria de servir para o sustento dos seus 5 filhos, o Luís, o Joaquim, a Maria da Piedade, a Isolinda Angélica e a Ema da Conceição de Morais Garrido.

41 Os dados disponíveis só permitem apurar as idades de 572 das 993 viúvas aqui referidas, pelo que as idades consideradas dizem apenas respeito a essas.42 E que requereu a pensão de sangue em nome próprio e em nome da filha, Maria Augusta de Jesus.43 Ainda uma outra também com 17 anos de idade, Sofia de Jesus Romano, de Vila Nova de Foz Côa, viúva do 2.° Sargento António Augusto, falecido de disenteria em Moçambique, em 21 de Outubro de 1917.44 Viúva do soldado Álvaro Ferreira, falecido de diarreia em Moçambique, em 5 de Julho de 1917.

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e) Os valores45

A diferença de valores de pensões entre as patentes mais baixas e as concedidas ao topo da hierarquia era abissal, sendo que as pensões mais elevadas eram vinte vezes mais altas do que as de valor mais baixo, e para além disso estas últimas eram a esmagadora maioria; os valores iam desde os 72 escudos anuais para as patentes mais baixas, e os 1.560 escudos, também anuais, se a pensão fosse atribuída por morte de um general.

Das 1.323 pensões aqui consideradas 78,84% corresponderam a pensões do valor mais baixo que era, como atrás referido, de 72 escudos anuais, atribuídos por morte de 1.043 militares com as patentes de soldado e/ou de cabo; com valores até 100 escudos foram atribuídas ainda mais 40 pensões; com valores acima de 100 escudos e até 200 escudos foram concedidas 126 pensões; acima deste valor e até 500 escudos foram concedidas 46 pensões; e, finalmente, com valores acima de 500 escudos anuais foram atribuídas mais 68 pensões; em resumo:

a) até 100 escudos 1.083 - 81,86% do totalb) acima de 100 e até 200 escudos 126 - 9,52% do totalc) acima de 200 e até 500 escudos 46 - 3,48% do totald) acima de 500 escudos 68 - 5,14% do total

Como referido o conjunto das pensões concedidas com valores anuais até 100 escudos era o mais elevado, e dentro deste limite as mais comuns eram precisamente as mais baixas, as pensões de 72 escudos, atribuídas em 1.043 casos; seguia-se 1 pensão no valor de 79,2 escudos, 2 de 89,4 escudos, 5 de 91,2 escudos e, finalmente, 32 pensões no valor de 96 escudos. Estas pensões eram igualmente aquelas que abrangiam um leque maior de áreas militares embora correspondessem às patentes mais baixas de todas as armas. As pensões de 72 escudos representaram, como referido, 78,84% de todas as pensões de sangue concedidas, e dentro deste conjunto merece um especial destaque as concedidas por morte dos soldados de infantaria que de entre todos os grupos foi o mais sacrificado; das 1043 pensões deste valor, 869 foram concedidas às famílias desses soldados, valor que corresponde a 83, 32% do total46. Considerando as patentes e especialidades abrangidas pelas pensões de valor mais baixo, estas são:

45 Nos dados disponibilizados pelas fontes considerados para a realização deste estudo, apenas em 1.323 casos dispõem da informação quanto ao valor da pensão referida a meados de 1919; pelo que neste capítulo só se considera um universo de 1.323 processos e não o total anteriormente referido de 3.451.46 Mesmo considerando o universo aqui analisado de 1.353 pensões, as 869 atribuídas por morte de “soldados de infantaria” representa cerca de 83,89% desse total.

Pensões de Sangue no Âmbito da Participação Portuguesa na Grande Guerra

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- 1.° Cabo: Artífice; Artilharia; Cavalaria; Engenharia; Infantaria; Metralhadoras;

- Grumetes;- 2.° Cabo: Artilharia; Engenharia; e Infantaria;- 2.° Marinheiro;- Chegador (Marinha);- Moço de Bordo (Marinha);- e Soldado: Administração Militar; Artilharia; Cavalaria; Corneteiro;

Engenharia; Equipagens; Infantaria; Metralhadoras;

No conjunto de beneficiários de pensões de valor abaixo dos 100 escudos podem ainda destacar-se as pensões de 96 escudos atribuídas em 32 casos, como a fogueiros dos vários navios ao serviço da Armada como, entre outros, o Ambaça, o Ovar, o Trafaria, ou o São Nicolau, e ainda outras funções em navios como marinheiros, criados de bordo ou cozinheiros.

Nas pensões com valores entre os 100 e os 200 escudos, num total de 126 casos, 57,14% - 72 pensões - corresponderam à patente de 2.° Sargento das várias armas, sendo que 39 eram de Infantaria, e ainda a alguns chauffeurs e serralheiros, todos eles permitiram a concessão de pensões no valor de 138,6 escudos; já no caso dos 2.° Sargentos que eram enfermeiros, as pensões subiam para 168 escudos; as pensões mais elevadas dentro deste limite eram as de 180 escudos, atribuídas a 4 famílias de “praticantes de máquinas” de navios a vapor ao serviço militar.

Acima de 200 e até 500 escudos o número de pensões atribuídas foi de 46, correspondendo 11 a valores abaixo de 300 escudos, a famílias de Sargentos com maior tempo de serviço e/ou de especialidades como condutores-maqueiros, enfermeiros ou ajudantes de manobras da Armada; acima daquele valor houve 35 pensões de 420 escudos atribuídas a famílias de militares com a patente de Alferes de várias armas, e ainda a Guarda-Marinha e a Maquinistas.

Finalmente, e com valores acima de 500 escudos anuais, foram atribuídas 68 pensões, todas elas concedidas às famílias dos oficiais mais graduados das várias armas, sendo que neste nível mais elevado a pensão mais baixa foi de 540 escudos e a mais elevada de todas no valor de 1.560 escudos.

As pensões destes montantes mais elevados foram distribuídas por seis níveis distintos sendo que o mais baixo era de 540 escudos anuais, atribuída em 29 casos, e que contemplava os casos de falecidos com as patentes de Tenente das várias armas - Infantaria (15), Artilharia (5), Engenharia (3) e Administração

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Militar (1) -, dois Médicos, também Tenentes, e ainda mais 3 casos de pessoal afecto aos serviços navais, sendo 2 Imediatos e um 1.° Maquinista. Seguiam-se 2 pensões no valor de 600 escudos, estas atribuídas por morte de 1 Capitão do Estado-Maior de infantaria em serviço em França, o Capitão António Maria de Andrade e Sousa, de Torres Vedras, falecido na sequência de problemas pulmonares - pleuresia -, já depois do fim da guerra, em 3 de Fevereiro de 1919, pensão essa requerida pela sua irmã Beatriz de Sousa Burguete; e a outra pensão atribuída a Ana Fernandes Monteiro Marques e a seu filho Luís, viúva do secretário da 4.a Circunscrição de Mutarara (Moçambique), falecido em 20 de Fevereiro de 1917, por ferimentos provocados pela explosão da caldeira da canhoeira Tete no rio Zambeze.

Seguia-se o nível das pensões de valor de 660 escudos anuais, as quais foram atribuídas em 29 casos, sendo que 4 foram a famílias de 1.° Tenentes - da Administração Naval, 1 Piloto- Aviador, e outros -, e as restantes 24 a famílias de militares com a patente de Capitão, nestes casos das diversas armas, sendo que a Infantaria com 13 casos foi a mais representada, ainda 2 Capitães - Médicos; neste caso foram ainda atribuídas pensões por morte de Capitães de dois navios, um dos quais do navio a vapor Maio.

No nível seguinte estiveram as pensões no valor de 780 escudos das quais foram atribuídas em 5 casos, todos por falecimento de militares com a patente de Major; 3 eram da arma de Artilharia, 1 de Cavalaria e 1 de Infantaria.

O segundo valor (ver Quadro 12) mais alto de pensões concedidas a familiares de militares falecidos foi de 960 escudos anuais, atribuído por morte de 3 Coronéis, sendo um da Administração Militar, outro de Artilharia e outro de Infantaria, respectivamente Henrique Fradesso Salazar Moscoso, de Oeiras, falecido em França consequência de uma hemorragia cerebral, em 31 de Agosto de 1917, José Luiz de Moura Mendes, de Lisboa, falecido em África em 20 de Maio de 1918, e Pedro Prostes da Fonseca, também de Lisboa, também falecido em África em consequência duma doença endémica, em 23 de junho de 1916.

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QUADRO 12 Valor anual da pensão: n.° de pedidos

Valor (escudos) N.°

540 29600 2660 29780 4960 3

1.560 1Total 68

Finalmente, e com um valor de pensão substancialmente mais alto, foi con-cedida uma pensão com um valor anual de 1.560 escudos à viúva do General António Júlio da Costa Pereira d'Eça47, já atrás referida; constitui o único caso que consta das fontes documentais aqui analisadas.

Pelo exposto fica evidente a diferença abissal e o significado dos montantes das pensões concedidas às famílias dos militares mortos; enquanto para a esma-gadora maioria dos casos o valor atribuído era o mais baixo concedido pela lei, à medida que as pensões eram respeitantes a patentes mais altas o fosso era cada vez maior acentuando a discrepância de meios entre os apoios concedidos às famílias de uns e de outros.

Num exercício de análise do seu real valor, atente-se nos seguintes números de comparação - ver Quadro 13 - entre os montantes das pensões das diversas pa-tentes, e do seu efectivo significado para o quotidiano e para as condições de vida das famílias no final da década de 1910; a diferença de valores entre as pensões mais baixas, as dos soldados e dos cabos, e os valores das pensões das patentes mais altas era muito pronunciado.

47 Este oficial com a patente de general constitui o único caso que consta das fontes documentais aqui analisadas; contudo deve reiterar-se que se está apenas a considerar os 1.323 processos em que é indicado de forma explícita o valor da pensão.

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QUADRO 13 Valor das pensões: anual / mensal (1919) 48

PatenteValor (escudos)

Anual Mensal

Soldado 72 6

Cabo 72 6

Sargento 138,6 11,55

Alferes 420 35

Tenente 540 45

Capitão 660 55

Major 780 65

Coronel 960 80

General 1.560 130

Indicadores que deixam bem vincadas as diferenças de valores envolvidos, com a pensão mais alta a representar um valor quase 22 vezes do que a mais bai-xa, situação ainda mais agravada por corresponder a um período de acentuadas oscilações nos índices de preços com o encarecimento geral do custo de vida (ver Quadro 14).

48 Os valores das pensões indicados para as diferentes patentes correspondem aos montantes mais comuns atribuídos, embora em alguns casos às mesmas patentes correspondam valores algo diferentes pelas razões oportunamente referidas.

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QUADRO 14 Índice de preços ( Junho 1918-Julho 1919)49

Estas variações constantes e agravantes dos preços face a índices de pensões dominantemente baixos e cujos valores não acompanhavam essas variações, constituiria um óbice muito difícil de superar para os milhares de famílias, particularmente as que beneficiavam das pensões mais baixas - a larga maioria -, que a juntar à perda do familiar falecido juntava a necessidade de garantir a sobrevivência do agregado familiar num tempo de grande incerteza e de aumento do custo de vida.

A título de exemplo, veja-se o Quadro 15, aonde se apontam os preços de alguns bens de primeira necessidade, nos mercados do Porto em Junho de 1919, data limite do período aqui considerado, por ser o Porto o distrito com o maior número de famílias requerentes das pensões de sangue.

49 Quadro adaptado dos valores constantes em “Custo de vida”, in Boletim da Previdência Social, n.° 8, de Maio a Dezembro de 1919, pp. 387-388; estes índices não incluíam os indicadores relacionados com a “renda de casa” e com o “vestuário”.

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QUADRO 15 Preços de alguns géneros - Porto ( Junho 1919)50

Produto Unidade Preço (escudos)

Açúcar Kg 0$69Arroz Kg 0$40Azeite Litro 0$76Bacalhau Kg 0$90Batatas Kg 0$20Carne de porco (fresca) Kg 2$10Carvão vegetal Kg 0$16Feijão branco Litro 0$39Leite Litro 0$10Ovos Dúzia 0$64Pão de milho ou centeio Kg 0$28Peixe miúdo (sardinhas, carapaus, etc.) Cento 0$80Petróleo Litro 0$29Sabão para a roupa Kg 0$53Toucinho Kg 1$90Vinho Litro 0$22

O valor da pensão paga a uma família pela morte de um militar de uma patente baixa, por exemplo um soldado ou um 1.° Cabo, pensão que era de 6 escudos mensais, significava que o poder de compra que esse valor representava chegava para a aquisição de pouco mais de metade dos bens referidos nesta tabela na quantidade de apenas uma unidade por género, ou seja, para a aquisição destes bens na quantidade de uma unidade seria necessário quase a pensão de dois meses.

50 “Preços dos géneros de primeira necessidade nos concelhos cujas sedes têm mais de 10.000 habitantes - Janeiro de 1919”, in Boletim da Previdência Social, n.° 8, de Maio a Dezembro de 1919, pp. 406-407. Importa referir que os preços referidos eram muito díspares de região para região; refira-se, a título de exemplo, o caso do açúcar cujo preço por Kg em Braga (o segundo distrito com mais pedidos de pensões) era de 1$60 escudos, ou o caso do carvão vegetal, que em Braga custava só 0$04 escudos por quilo, ou o peixe miúdo que em Coimbra custava 1$60 escudos por quilo.

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Esta inflação dos preços dos bens essenciais tornava insuportável a vida de uma família que, em quase 2/3 dos agregados familiares, dependia financeiramente do filho falecido na guerra para manter o rendimento familiar, e como amparo dos pais. Nos restantes casos, à perda do marido (ou do pai), com o impacto psicológico, social e familiar que essa perda implicava, juntava-se uma parca pensão que à família benificiária de pouco valeria face às suas necessidades normais.

No contexto do pós-guerra marcado por perturbações de vária ordem, desde as sucessivas crises políticas, os efeitos psicológicos e humanitários provocados pelos mortos e feridos da guerra, as epidemias mortíferas, a agitação do retorno das tropas e o seu efeito nas populações e nas famílias, e ainda um quadro de elevada inflação dos preços dos bens mais básicos, criou um vasto quadro de dificuldades às famílias em geral, e, em particular, às famílias atingidas pela tragédia da perda de um familiar na Grande Guerra; as «pensões de sangue» constituíram um pequeno, bem pequeno mesmo, bálsamo para as grandes perdas sofridas pelas famílias. Os valores das pensões de sangue atrás referidos estiveram em vigor até meados de 1919, tendo um novo diploma legal51 rectificado a generalidade dos valores das pensões e, consequentemente, elevado os seus valores; mas a sua valorização nunca acompanharia a inflação pelo que o seu valor relativo diminuiria ainda mais, aumentando, desse modo, as dificuldades das famílias.

Conclusão

O universo de 3.451 casos de atribuição de “pensões de sangue” constante da conjugação das três fontes utilizadas para efeitos deste estudo constitui uma excelente amostragem sobre o perfil e o âmbito de aplicação deste tipo de pensões, uma vez que o número de casos analisados, em número bem significativo, contemplam uma vasta diversidade de casos de estruturas familiares, de funções militares, de valores de pensões atribuídas, da origem geográfica dos falecidos e das frentes de combate em que pereceram, e permitem elaborar um quadro global daquilo que deverá ser a realidade dos mortos no contexto da Grande Guerra. Como atrás foi enunciado este trabalho pretendeu retirar dos referidos documentos todos os elementos passíveis de esclarecer o contexto e a situação das famílias face à perda do familiar na situação de guerra. A análise dos diplomas

51 Lei n.° 880, de 16 de Setembro de 1919, emanada do Ministério das Finanças, e publicada no Diário do Governo, n.° 187 (I Série), de 16 de Setembro de 1919, pp. 1978-1979.

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legais que regulavam a atribuição de “pensões de sangue” serviu para contextualizar todo o âmbito e procedimento da sua concessão. Outros elementos relacionados com o “custo de vida” pretenderam avaliar o real significado financeiro das pensões na época em que foram atribuídas.

Importa deixar ainda algumas referências sobre a possibilidade de os indi-cadores aqui apresentados poderem permitir outras análises e reflexões, se con-jugados com elementos provenientes de outras fontes e que não constam dos documentos aqui analisados; podem referir-se, a título de exemplo, os aspectos relacionados com a idade dos falecidos, o seu grau de alfabetização, ou as efecti-vas causas e circunstâncias de morte, elementos a que estes documentos não dão respostas totalmente satisfatórias mas que em muito contribuiriam para fazer um retrato ainda mais fiel dos mortos portugueses na Grande Guerra. Agora que se assinala um século do início do primeiro grande conflito mundial, a melhor homenagem que se pode fazer “aos nossos mortos” é lembrá-los. Lembrar os homens e as suas circunstâncias.

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b) Periódicos

Boletim da Previdência Social; Diário do Governo / Gazeta de Lisboa; Ilustração Portuguesa; Ordem do Exército; e Revista Militar

c) Arquivos

Arquivo Geral do Exército (Chelas, Lisboa); Arquivo Histórico Militar (San-ta Apolónia, Lisboa); e Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças (Lisboa)

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