Como a Arte Contemporânea Deixou de Ser Contemporânea - PÚBLICO
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8/19/2019 Como a Arte Contemporânea Deixou de Ser Contemporânea - PÚBLICO
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OPINIÃO
LEONEL MOURA 24/03/2016 - 00:30
Defendo que aquilo que genericamente é apresentado como “arte
contemporânea” já não representa o tempo contemporâneo, é uma arte do
passado.
A maioria dos historiadores considera “arte contemporânea” a que é realizadaa partir do pós-II Guerra até hoje ou, para alguns, a que emerge na década de
60 até ao tempo presente. São definições meramente temporais que explicam
pouco sobre os conteúdos e o contexto cultural. Esta dificuldade não deve
contudo surpreender. A explosão criativa, operada nas décadas de 60 e 70,
declarou o fim das disciplinas artísticas e operou uma sistemática ampliação
do campo da arte que da pintura e escultura passa a incluir praticamente
tudo, canibalizando outras formas de expressão, como o teatro na
performance, a fotografia e o cinema na apropriação das imagens, a vidasocial numa arte de protesto, o próprio corpo do artista, e até os seus dejetos
com Manzoni e a sua famosa lata com “merda de artista”, ou a ideia na arte
conceptual, cujo radicalismo levou à exposição do ar condicionado do grupo
Art & Language, onde simplesmente se ligou o ar condicionado de uma galeria
de arte vazia. Isto só para dar alguns exemplos.
Esta explosão eliminou a possibilidade de se recorrer às distinções estilísticas
habituais. Como definir uma arte que resulta de um tudo é possível? Onde
não existem parâmetros preestabelecidos, nem um campo delimitado deação? Daí que alguns autores falem sobretudo do próprio processo de
desconstrução do conceito de arte. Ou seja, uma “arte contemporânea” que
extravasa as velhas noções de pintura, escultura ou desenho para se envolver
com ideias, atitudes, provocações. Essa arte, das décadas de 60 e 70, é
assumidamente subversiva, iconoclasta, política de muitas maneiras.
Insere-se numa época contestatária, de que o Maio de 68 é para nós europeus
a grande referência e nos Estados Unidos pode associar-se às lutas pelos
direitos cívicos, raciais ou ao feminismo.
Todavia a partir dos anos 80, com o regresso do conservadorismo político e
social, reproduzido no plano cultural no pós-modernismo e na ideia de fim de
história, negação da evolução, irrelevância do sentido e descrença no próprio
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destino da humanidade, a arte perde capacidade crítica e lentamente deixa de
ser uma prática de artistas e torna-se num complexo sistema de mercado.
O mercado passa a regular a qualidade e relevância das obras da arte através
de uma série de agentes, funcionários públicos, galeristas, diretores de
centros de arte e museus. Os colecionadores tornam-se na voz dominante
enquanto os artistas se remetem a um papel secundário caindo num extremo
individualismo. Os críticos de arte desaparecem para dar lugar a promotores erelações públicas dos interesses dos colecionadores. O debate sobre arte
resume-se agora a cotações.
Este processo é aliás similar ao que sucedeu na música, no cinema ou na
moda e em geral na chamada cultura popular ou de massas.
A apropriação pelo mercado da “arte contemporânea” tem resultado numa
evidente manipulação do gosto que sobrevaloriza o fácil, o kitsch, enfim, o
anódino. Numa lógica de repetição, consolidação de obras e artistasdeterminada exclusivamente pelo valor mercantil, profusão de derivados
apresentados, tanta vez, como novidades. Aliás, a técnica do derivado, ou seja,
a manipulação, esperta ou gratuita, do já feito noutra época com outra
relevância, tornou-se na grande fonte de “inspiração” de muitos artistas.
Veja-se como o método duchampiano do ready-made, em que o artista altera
o contexto de um objeto pré-fabricado, se tornou num modelo dominante da
produção artística da “arte contemporânea”.
Compreende-se. O mercado não quer verdadeira inovação mas aquilo que
possa valorizar as obras em carteira. Um colecionador que tenha adquirido
um conjunto de obras quer sobretudo garantir e se possível aumentar o seu
preço. Daí que os museus e centros de arte, transformados em verdadeiras
agências de promoção dos investidores, façam circular as mesmas exposições
e as mesmas obras. Um estudo recente nos Estados Unidos mostra como os
grandes museus preenchem o grosso da sua programação, nalguns casos até
75%, com artistas das cinco maiores galerias americanas.
Esta realidade, conhecida de todos, tem gerado um efeito perverso. É cada vez
mais diminuta a renovação geracional. Enquanto as décadas de 60 e 70
produziram dezenas de novos artistas altamente criativos e disruptivos, como
agora se diz, atualmente são muito poucos os que conseguem furar o bloqueio
imposto pelo mercado. Praticamente não existem novos artistas e aqueles que
se apelidam de novos ou emergentes são, na sua maioria, meros copistas dos
consagrados. Por isso a “arte contemporânea” é hoje um verdadeiro mercado
de memorabilia que promove o já visto e o já feito, só integrandopontualmente aquilo que o pode legitimar.
A arte contemporânea que foi determinante nos anos 60 e 70, época em que
as obras mais relevantes foram realizadas, entrou em decadência a partir dos
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anos 80, transformando-se numa mera commodity sem capacidade crítica
nem, diga-se, criativa. A arte banalizou-se, adaptou-se ao gosto do
novo-riquismo, esqueceu a sua própria origem e história, alinhou com os
interesses de curto e médio prazo de quem investe em quantidade mais do
que em qualidade.
Neste processo, fechada numa lógica interna autorreferencial, de
autopromoção e reprodução de derivados a “arte contemporânea” foi tambémperdendo contacto com o mundo real e com a evolução própria da sociedade
do seu tempo. Particularmente notável quando assistimos nas últimas
décadas a uma ímpar revolução científica e tecnológica que afetou não só os
modos de vida como a maneira como se concebem hoje os mais variados
projetos criativos. As chamadas novas tecnologias, que a maioria dos
utilizadores imagina erradamente serem meras ferramentas, têm vindo a
acumular uma inteligência e criatividade próprias, tornando-se verdadeiros
parceiros dos humanos e não já simples máquinas por eles comandadas. Isto
por si só bastaria para despertar a curiosidade dos artistas.
E na realidade despertou nalguns. A partir da década de 70 começam a surgir
obras, baseadas no computador, em algoritmos e em geral no novo reino do
digital. São obras pioneiras que abrem um inteiro novo campo de realização
da arte, a que precisamente tenho chamado “um novo tipo de arte” e que não
circulam, nem integram o meio da “arte contemporânea”.
A ciência recente e as novas tecnologias delas nascidas mudaramradicalmente a forma como vemos o mundo e os seus mecanismos. Da
biologia ao digital, da física às teorias da complexidade, da revolução
biotecnológica à robótica, do ADN à consciência, o campo do saber não tem
parado de se aprofundar e expandir. A sua influência tem-se manifestado em
praticamente todas as áreas do conhecimento, incluindo nas humanidades, e
inevitavelmente também na arte. A arte de hoje, a arte realmente
contemporânea realiza-se numa intensa interação com a ciência e as novas
tecnologias. Não implica que os artistas se devam transformar em cientistas. A arte é uma forma não-objetiva, estocástica, de conhecimento e como tal
deve manter-se. Mas isso não significa que o princípio do não-saber, da
ignorância e da superficialidade devam prevalecer tal como sucede na maioria
da produção da chamada “arte contemporânea”. Não é necessariamente “boa
arte” aquela que não se entende. Ou aquela que não tem qualquer
fundamento ou propósito. O experimentalismo é um bom princípio do modo
de produção artística. Mas nem todo o experimentalismo, por si só, gera algo
de relevante.
A arte realmente emergente e contemporânea tem uma base científica e por
isso se fala tanto de arte e ciência, enquanto reencontro das “duas culturas” na
linha do texto seminal de C. P. Snow. É uma arte que se apropria do
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conhecimento científico para gerar novas formas de criatividade e produção
de obras autónomas da ciência que esteve na sua origem.
Ao contrário da “arte contemporânea”, que assenta nos efeitos de mercado, no
sem sentido e, em grande medida, num negativismo regressivo, a nova arte é
essencialmente construtivista, positiva e visionária. É animada pelo desejo de
construir um mundo novo por muito que isso possa parecer estranho a
algumas pessoas.
Em conclusão. Defendo que aquilo que genericamente é apresentado como
“arte contemporânea” já não representa o tempo contemporâneo, é uma arte
do passado, salvo raras e muito pontuais exceções que só confirmam a
máxima de que um relógio parado está certo duas vezes ao dia.
Defendo igualmente que a nova arte deve criar os seus próprios meios de
divulgação e circulação evitando integrar o circuito da “arte contemporânea”
pelo que isso tem e teria de ilusório e contraditório. A relação com a ciênciaparece-me, por exemplo, bem mais interessante. A nova arte do século XXI
tem os pés assentes no presente, mas está apontada para o futuro. Como,
aliás, sempre sucedeu com toda a arte que fez a diferença.
Artista plástico
25/03/2016 12:17
"A explosão criativa, operada nas décadas de 60 e 70, declarou o fim dasdisciplinas artísticas e operou uma sistemática ampliação do campo da arteque da pintura e escultura passa a incluir praticamente tudo..." - Eu diria quecomeçou muito antes, pelo menos desde o Marcel Duchamp.
24/03/2016 09:26
" A arte realmente contemporânea tem uma base cientifica...". Faz-me lembraros textos de Clement Greenberg que ditava a sua opinião como se se fosseprofeta da arte do presente e do futuro. Mas o Greenberg tinha bom gosto etinha opinião sobre os artistas. Aqui temos uma mera desqualificaçãogeneralizada de toda a arte que é produzida hoje, com base em factos deveracidade muito duvidosa. Por exemplo, "enquanto que as décadas de 60 e
70 produziram dezenas de novos artistas ... actualmente são muito poucos osque conseguem furar o bloqueio do mercado". A base de dados artfacts.netreporta a existência de 149.000 artistas em todo o mundo com exposiçõesregulares. Recomendaria ao cronista usar dos meios científicos que advogapara se informar melhor.
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"enquanto que as décadas de 60 e 70 produziram dezenasde novos artistas ... actualmente são muito poucos os queconseguem furar o bloqueio do mercado" - Ele não diz queagora há menos artistas, o que ele profere são duassentenças diferentes: "as décadas de 60 e 70 produziram
dezenas de novos artistas" e "actualmente são muito poucosos que conseguem furar o bloqueio do mercado".
25/03/2016 12:14
"A arte realmente contemporânea tem uma base cientifica..."- Está a defender o seu "tacho".
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