Como a Mente Funciona - Steven Pinker

662
COMO A MENTE FUNCIONA STEVEN PINKER

Transcript of Como a Mente Funciona - Steven Pinker

  1. 1. COMO A MENTE FUNCIONA STEVEN PINKER
  2. 2. Como as crianas aprendem sobre o mundo que as rodeia? Como tomamos decises ou enfrentamos riscos? O que diferencia os gnios do comum dos mortais? Amor, confiana, sensibilidade, decepo, criatividade quais os mecanismos por trs de todos esses, e outros, processos que tomam conta de nossas mentes dia- riamente? Neste livro extraordinrio, Pinker conduz o leitor com maestria por duas grandes teorias: o evolucionismo de Darwin e a moderna cincia cognitiva. Tudo para mostrar como podemos estar bem pr- ximos de uma das ltimas fronteiras do conhecimento a mente humana. "Uma obra que altera completamente nosso modo de pensar o pensamento." Christopher Lehmann-Haupt, The New York Times I
  3. 3. Como funciona a mente humana? Utilizando conceitos como a teoria com- putacional da mente e a teoria da evo- luo, o psiclogo e cientista cogniti- vo Steven Pinker convida o leitor a um passeio por diversas reas do conhe- cimento humano, sem nunca perder de vista seu objetivo principal: sugerir e por vezes at explicar nossa capaci- dade de amar, manter ou no relaes sociais, criar, julgar ou mes- mo ver figuras em 3D, assistir televiso e se emocionar com msica. "A psicologia ser baseada em no- vos fundamentos", previu Charles Dar- win ao final de A origem das espcies. Em Como a mente funciona, Pinker d mais um passo nesse sentido sem medo de causar polmica. A partir de elementos da cincia cognitiva, o au- tor formula um modelo matemtico sufi- ciente para explicar o funcionamento da mente humana. Feito isso, envere- da pela teoria evolucionista para tornar plausvel esse modelo, agora em ter- mos biolgicos: seria a mente humana um sistema de rgos computacionais desenhados pela seleo natural a fim de solucionar os problemas enfrenta- dos por nossos antepassados em tem- pos remotos? 0 projeto no poderia ser mais am- bicioso, alm de lucidamente argumen- tado, em estilo cativante e acessvel. Pinker se arma no apenas de mode- los experimentais e tericos, mas ainda de exemplos do cotidiano para forne- cer uma viso atual e revolucionria do funcionamento da mente humana. Comparvel, sem exagero, a Stephen Jay Gould, Oliver Sacks e Richard Daw- kins, Pinker merece lugar entre os prin- cipais autores de divulgao cientfica de nossa poca. Reconhecido como um dos maio- res cientistas cognitivos do mundo, Ste- ven Pinker professor de psicologia e diretor do Centro de Neurocincia Cog- nitiva do MIT. Depois de lecionar em Harvard e Stanford, conquistou reno- me com o best-seller O instinto da linguagem (1994). Atualmente reside em Cambridge, Massachusetts.
  4. 4. C O M O A MENTE FUNCIONA
  5. 5. STEVEN PINKER COMO A MENTE FUNCIONA Traduo: LAURA TEIXEIRA MOTTA 2- edio 1 ~ reimpresso
  6. 6. Copyright 1997 by Steven Pinker Ttulo original: How the mind works Capa: Marcelo Serpa Reviso tcnica: lvaro Antunes Mestre em Cincias da Computao (Inteligncia Artificial) pela UFRGS ndice remissivo: MarthaM. B. Borthowski Preparao: urea Kanashiro Reviso: Ana Maria Alvares Ana Maria Barbosa Beatriz de Freitas Moreira Ana Paula Castellani Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Pinker, Steven, 1954- Como a mente funciona / Steven Pinker ; traduo Laura Teixeira Motta. So Paulo : Companhia das Letras, 1998. Ttulo original: How the mind works. Bibliografia. ISBN 85-7164-846-8 1. Evoluo humana 2. Neurocincia cognitiva 3. Neuro- psicologia 4. Psicologia 5. Seleo natural 1. Ttulo. 98-5410 ndices para catlogo sistemtico: 1. Mente : Processos intelectuais conscientes : Psicologia 153 2. Processos intelectuais conscientes : Mente : Psicologia 153 2001 Todos os direitos desta edio reservados EDITORA SCHWARCZ LTDA. Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32 04532-002 So Paulo SP Telefone: (11) 3846-0801 Fax: (11) 3846-0814 www.companhiadasletras.com.br CDD-153
  7. 7. Para Ilavenil
  8. 8. SUMRIO Prefcio 9 1. Equipamento padro 13 2. Mquinas pensantes 70 3. A vingana dos nerds 162 4. O olho da mente 227 5. Boas idias 318 6. Desvairados 383 7. Valores familiares 447 8 . 0 sentido da vida 546 Notas 593 Referncias bibliogrficas 613 Crditos 643 ndice remissivo 645
  9. 9. PREFCIO Qualquer livro intitulado Como a mente funciona deveria comear com uma nota de humildade; comearei com duas. Primeiro, no entendemos como a mente funciona nem de longe to bem quanto compreendemos como funciona o corpo, e certamente no o suficiente para projetar utopias ou curar a infelicidade. Ento, por que esse ttulo audacioso? O lingista Noam Chomsky declarou certa vez que nossa ignorncia pode ser dividida em problemas e mistrios. Quando estamos dian- te de um problema, podemos no saber a soluo, mas temos insights, acu- mulamos um conhecimento crescente sobre ele e temos uma vaga idia do que buscamos. Porm, quando defrontamos um mistrio, ficamos entre maravilhados e perplexos, sem ao menos uma idia de como seria a explica- o. Escrevi este livro porque dezenas de mistrios da mente, das imagens mentais ao amor romntico, foram recentemente promovidos a problemas (embora ainda haja tambm alguns mistrios!). Cada idia deste livro pode revelar-se errnea, mas isso seria um progresso, pois nossas velhas idias eram muito sem graa para estar erradas. Em segundo lugar, eu no descobri o que de fato sabemos sobre o fun- cionamento da mente. Poucas das idias apresentadas nas pginas seguintes so minhas. Selecionei, de muitas disciplinas, teorias que me parecem ofe- recer um insight especial a respeito dos nossos pensamentos e sentimentos, que se ajustam aos fatos, predizem fatos novos e so coerentes em seu con- tedo e estilo explicativo. Meu objetivo foi tecer essas idias em um quadro 9
  10. 10. coeso, usando duas idias ainda maiores que no so minhas: a teoria com- putacional da mente e a teoria da seleo natural dos replicadores. O captulo inicial expe o quadro geral: a mente um sistema de rgos de computao que a seleo natural projetou para resolver os problemas enfrentados por nossos ancestrais evolutivos em sua vida de coletores de ali- mentos. Cada uma das duas grandes idias computao e evoluo ocupa a seguir um captulo. Analiso as principais faculdades da mente em captulos sobre percepo, raciocnio, emoo e relaes sociais (parentes, parceiros romnticos, rivais, amigos, conhecidos, aliados, inimigos). O lti- mo captulo discute nossas vocaes superiores: arte, msica, literatura, humor, religio e filosofia. No h captulo sobre a linguagem; meu livro anterior, O instinto da linguagem, abrange esse tema de um modo comple- mentar. Este livro destina-se a qualquer pessoa que tenha curiosidade de saber como a mente funciona. No o escrevi apenas para professores e estudantes, e nem somente com a inteno de "popularizar a cincia". Espero que tanto os estudiosos como o pblico leitor possam se beneficiar de uma viso geral sobre a mente e o modo como ela atua nas atividades humanas. Nesse alto nvel de generalizao, pouca a diferena entre um especialista e um leigo reflexivo, pois se hoje em dia ns, especialistas, no podemos ser mais do que leigos na maioria das npssas prprias disciplinas, que dizer das disciplinas afins! No forneci exames abrangentes da literatura pertinente nem uma exposio de todos os lados de cada debate, pois isso tornaria o livro impos- svel de ler de fato, impossvel at de ser erguido. Minhas concluses pro- vm de avaliaes da convergncia das evidncias de diferentes campos e mtodos; forneci citaes pormenorizadas para que os leitores possam acom- panh-las. Tenho dvidas intelectuais com numerosos professores, alunos e cole- gas, mas principalmente com John Tooby e Leda Cosmides. Eles forjaram a sntese entre evoluo e psicologia que possibilitou este livro e conceberam muitas das teorias que apresento (e muitas das melhores piadas). Ao me convidarem para passar um ano como membro do Centro de Psicologia Evolucionista da Universidade da Califrnia, em Santa Brbara, eles me pro- porcionaram o ambiente ideal para pensar e escrever, alm de amizade e con- selhos inestimveis. Sou imensamente grato a Michael Gazzaniga, Marc Hauser, David Kemmerer, Gary Marcus, John Tooby e Margo Wilson pela leitura de todo o original e pelas valiosas crticas e incentivos. Outros colegas generosa- mente comentaram captulos em suas reas de especializao: Edward Adel- son, Barton Anderson, Simon Baron-Cohen, Ned Block, Paul Bloom, 10
  11. 11. David Brainard, David Buss, John Constable, Leda Cosmides, Helena Cronin, Dan Dennett, David Epstein, Alan Fridlund, Gerd Gigerenzer, Judith Harris, Richard Held, Ray Jackendoff, Alex Kacelnik, Stephen Koss- lyn, Jack Loomis, Charles Oman, Bernard Sherman, Paul Smolensky, Eli- zabeth Spelke, Frank Sulloway, Donald Symons e Michael Tarr. Muitos outros esclareceram dvidas e deram sugestes proveitosas, entre eles Robert Boyd, Donald Brown, Napoleon Chagnon, Martin Daly, Richard Dawkins, Robert Hadley, James Hillenbrand, Don Hoffman, Kelly Olguin Jaakola, Timothy Ketelaar, Robert Kurzban, Dan Montello, Alex Pentland, Roslyn Pinker, Robert Provine, Whitman Richards, Daniel Schacter, Devendra Singh, Pawan Sinha, Christopher Tyler, Jeremy Wolfe e Robert Wright. Este livro produto dos ambientes estimulantes de duas instituies: o Instituto de Tecnologia de Massachusetts e a Universidade da Califrnia, em Santa Brbara. Meus agradecimentos especiais a Emilio Bizzi, do Depar- tamento de Cincias Cognitivas e do Crebro do MIT, por conceder-me uma licena sabtica, e a Loy Lytle e Aaron Ettenberg, do Departamento de Psi- cologia, bem como a Patricia Clancy e a Marianne Mithun, do Departa- mento de Lingstica da UCSB, por me convidarem para ser pesquisador visitante em seus departamentos. Patricia Claffey, da Biblioteca Teuber do MIT, conhece tudo, ou pelo menos sabe onde encontrar, o que d na mesma. Sou grato por seus incans- veis esforos para descobrir o material mais desconhecido com rapidez e bom humor. Minha secretria, muito a propsito chamada Eleanor Bonsaint, concedeu-me sua ajuda profissional e animadora em inmeros assuntos. Meus agradecimentos tambm a Marianne Teuber e a Sabrina Detmar e Jen- nifer Riddell, do Centro List de Artes Visuais do MIT, pela sugesto para a arte da capa.* Meus editores, Drake McFeely (Norton), Howard Boyer (atualmente na University of Califrnia Press), Stefan McGrath (Penguin) e Ravi Mir- chandani (atualmente na Orion), concederam-me sua ateno e excelen- tes sugestes durante todo o processo. Tambm sou grato a meus agentes, John Brockman e Katinka Matson, por seus esforos em meu benefcio e sua dedicao literatura cientfica. Agradecimentos especiais a Katya Rice, que ao longo de catorze anos trabalhou comigo em quatro livros. Seu senso analtico e toque magistral melhoraram as obras e me ensinaram muito sobre clareza e estilo. (*) O autor se refere capa americana original. (N. T.) 11
  12. 12. Imensa minha gratido para com minha famlia, pelo apoio e suges- tes que me deram: Harry, Roslyn, Robert e Susan Pinker, Martin, Eva, Carl e Eric Boodman, Saroja Subbiah e Stan Adams. Meus agradecimentos tam- bm a Windsor, Wilfred e Fiona. O maior agradecimento para minha esposa, Ilavenil Subbiah, que desenhou as figuras, fez comentrios inestimveis sobre o originai, conce- deu-me constante apoio, sugestes e carinho e compartilhou a aventura. Este livro dedicado a ela, com amor e gratido. Minhas pesquisas sobre mente e linguagem foram subvencionadas pelo National Institutes of Health (subveno HD 18381), pela National Science Foundation (subveno 82-09540, 85-18774 e 91-09766) e pelo McDonnell-Pew Center for Cognitive Neuroscience, do MIT. 12
  13. 13. 1 EQUIPAMENTO PADRO Por que h tantos robs na fico mas nenhum na vida real? Eu pagaria muito por um rob que pudesse tirar a mesa depois do jantar ou fazer umas comprinhas na mercearia da esquina. Mas essa oportunidade eu no terei neste sculo e provavelmente nem no prximo. Existem, evidentemente, robs que soldam ou pintam em linhas de montagem e que andam pelos cor- redores de laboratrios; minha pergunta sobre as mquinas que andam, falam, vem e pensam, muitas vezes melhor do que seus patres humanos. Desde 1920, quando Karel Capek cunhou o termo rob emsuapeaR.l/.R., os dramaturgos evocam-no livremente: Speedy, Cutie e Dave de Eu, rob, de Isaac Asimov, Robbie de O planeta proibido, a lata de sardinha de braos sacolejantes de Perdidos no espao, os daleks de Dr. Who, Rosie, a empregada dos Jetsons, Nomad, de Jornada nas estrelas, Hymie, do Agente 86, os mordo- mos desocupados e os lojistas briguentos de Dorminhoco, R2D2 e C3PO de Guerra nas estrelas, o Exterminador, de O exterminador do futuro, Tenente- comandante Data, de Jornada nas estrelas A nova gerao, e os crticos de cinema piadistas de Mystery Science Theater 3000. Este livro no sobre robs; sobre a mente humana. Procurarei expli- car o que a mente, de onde ela veio e como nos permite ver, pensar, sentir, interagir e nos dedicar a vocaes superiores, como a arte, a religio e a filo- sofia. Ao longo do caminho, tentarei lanar uma luz sobre peculiaridades distintamente humanas. Por que as lembranas desaparecem gradualmen- te? Como a maquiagem muda a aparncia de um rosto? De onde vm os este- 13
  14. 14. retipos tnicos e quando eles so irracionais? Por que as pessoas perdem a calma? O que torna as crianas malcriadas? Por que os tolos se apaixonam? O que nos faz rir? E por que as pessoas acreditam em fantasmas e espritos? Mas o abismo entre os robs da imaginao e os da realidade meu pon- to de partida, pois mostra o primeiro passo que devemos dar para conhecer a ns mesmos: avaliar o design fantasticamente complexo por trs das proezas da vida mental s quais no damos o devido valor. A razo de no haver robs semelhantes a seres humanos no surge da idia de uma mente mecnica estar errada. E que os problemas de engenharia que ns, humanos, resolve- mos quando enxergamos, andamos, planejamos e tratamos dos afazeres dirios so muito mais desafiadores do que chegar Lua ou descobrir a se- qncia do genoma humano. A natureza, mais uma vez, encontrou solues engenhosas que os engenheiros humanos ainda no conseguem reproduzir. Quando Hamlet diz: "Que obra de arte um homem! Que nobreza de racio- cnio! Que faculdades infinitas! Na forma e no movimento, que preciso e admirvel!", nossa admirao deve se dirigir no a Shakespeare, Mozart, Einstein ou Kareem Abdul-Jabbar, mas para uma criana de quatro anos atendendo a um pedido de guardar um brinquedo na prateleira. Em um sistema bem projetado, os componentes so caixas-pretas que desempenham suas funes como por mgica. Ocorre exatamente assim com a mente. A faculdade com que ponderamos o mundo no tem a capaci- dade de perscrutar seu prprio interior ou nossas outras faculdades para ver o que as faz funcionar. Isso nos torna vtimas de uma iluso: a de que nossa psicologia provm de alguma fora divina, essncia misteriosa ou princpio todo-poderoso. Na lenda judaica do Golem, uma figura de barro foi anima- da quando a equiparam com a inscrio do nome de Deus. Esse arqutipo reproduzido em muitas histrias de robs. A esttua de Galatia ganhou vida com a resposta de Vnus s preces de Pigmalio; Pinquio foi vivificado pela Fada Azul. Verses modernas do arqutipo do Golem aparecem em algumas das menos fantasiosas histrias da cincia. Afirma-se que toda a psicologia humana explica-se por uma causa nica, onipotente: um crebro grande, cultura, linguagem, socializao, aprendizado, complexidade, auto-organi- zao, dinmica de redes neurais. Pretendo convencer voc de que nossa mente no animada por algu- ma emanao divina ou princpio maravilhoso nico. A mente, como a espaonave Apoo, projetada para resolver muitos problemas de engenha- ria, sendo, portanto, equipada com sistemas de alta tecnologia, cada qual arquitetado para superar seus respectivos obstculos. Inicio com a exposio desses problemas, que constituem tanto as especificaes para o design de um rob como o tema da psicologia. Pois acredito que a descoberta, pela 14
  15. 15. cincia cognitiva e inteligncia artificial, dos desafios tecnolgicos venci- dos por nossa atividade mental rotineira uma das grandes revelaes da cincia, um despertar da imaginao comparvel descoberta de que o uni- verso compe-se de bilhes de galxias ou de que numa gota de uma poa d'gua existe abundante vida microscpica. O DESAFIO DO ROB O que necessrio para construir um rob? Deixemos de lado habilida- des sobre-humanas como calcular rbitas planetrias e comecemos com as habilidades humanas simples: enxergar, andar, segurar um objeto, pensar a respeito de objetos e pessoas e planejar como agir. Nos filmes freqentemente nos mostram uma cena da perspectiva do olhar de um rob, com a ajuda de convenes artsticas como a distoro das lentes olho-de-peixe ou a retcula de fios cruzados. Isso d certo para ns, os espectadores, que j possumos olhos e crebro funcionando. Mas de nada vale para as entranhas de um rob. Ele no abriga um pblico espectador de homnculos para fitar a imagem e dizer ao rob o que esto vendo. Se voc pudesse enxergar o mundo atravs dos olhos de um rob, no veria nada parecido com uma imagem de filme decorada com retculas, mas alguma coisa assim: 2 2 5 2 2 1 2 1 6 2 1 9 2 1 9 2 1 4 2 0 7 2 1 8 2 1 9 2 2 0 2 0 7 1 5 5 1 3 6 1 3 5 2 1 3 2 0 6 2 1 3 2 2 3 2 0 8 2 1 7 2 2 3 2 2 1 2 2 3 2 1 6 1 9 5 1 5 6 1 4 1 1 3 0 2 0 6 2 1 7 2 1 0 2 1 6 2 2 4 2 2 3 2 2 8 2 3 0 2 3 4 2 1 6 2 0 7 1 5 7 1 3 6 1 3 2 2 1 1 2 1 3 2 2 1 2 2 3 2 2 0 2 2 2 2 3 7 2 1 6 2 1 9 2 2 0 1 7 6 1 4 9 1 3 7 1 3 2 2 2 1 2 2 9 2 1 8 2 3 0 2 2 8 2 1 4 2 1 3 2 0 9 1 9 8 2 2 4 1 6 1 1 4 0 133 1 2 7 2 2 0 2 1 9 2 2 4 2 2 0 2 1 9 2 1 5 2 1 5 2 0 6 2 0 6 2 2 1 1 5 9 1 4 3 1 3 3 1 3 1 2 2 1 2 1 5 2 1 1 2 1 4 2 2 0 2 1 8 2 2 1 2 1 2 2 1 8 2 0 4 1 4 8 1 4 1 1 3 1 1 3 0 2 1 4 2 1 1 2 1 1 2 1 8 2 1 4 2 2 0 2 2 6 2 1 6 2 2 3 2 0 9 1 4 3 1 4 1 1 4 1 1 2 4 2 1 1 2 0 8 2 2 3 2 1 3 2 1 6 2 2 6 2 3 1 2 3 0 2 4 1 1 9 9 1 5 3 1 4 1 1 3 6 1 2 5 2 0 0 2 2 4 2 1 9 2 1 5 2 1 7 2 2 4 2 3 2 2 4 1 2 4 0 2 1 1 1 5 0 1 3 9 1 2 8 1 3 2 2 0 4 2 0 6 2 0 8 2 0 5 2 3 3 2 4 1 2 4 1 2 5 2 2 4 2 1 9 2 1 5 1 1 4 1 1 3 3 1 3 0 2 0 0 2 0 5 2 0 1 2 1 6 2 3 2 2 4 8 2 5 5 2 4 6 2 3 1 2 1 0 1 4 9 1 4 1 1 3 2 1 2 6 1 9 1 1 9 4 2 0 9 2 3 8 2 4 5 2 5 5 2 4 9 2 3 5 2 3 8 1 9 7 1 4 6 1 3 9 1 3 0 1 3 2 1 8 9 1 9 9 2 0 0 2 2 7 2 3 9 2 3 7 2 3 5 2 3 6 2 4 7 1 9 2 1 4 5 1 4 2 1 2 4 1 3 3 1 9 8 1 9 6 2 0 9 2 1 1 2 1 0 2 1 5 2 3 6 2 4 0 2 3 2 1 7 7 1 4 2 1 3 7 1 3 5 1 2 4 1 9 8 2 0 3 2 0 5 2 0 8 2 1 1 2 2 4 2 2 6 2 4 0 2 1 0 1 6 0 1 3 9 1 3 2 1 2 9 1 3 0 2 1 6 2 0 9 2 1 4 2 2 0 2 1 0 2 3 1 2 4 5 2 1 9 1 6 9 1 4 3 1 4 8 1 2 9 1 2 8 1 3 6 2 1 1 2 1 0 2 1 7 2 1 8 2 1 4 2 2 7 2 4 4 2 2 1 1 6 2 1 4 0 1 3 9 1 2 9 1 3 3 1 3 1 2 1 5 2 1 0 2 1 6 2 1 6 2 0 9 2 2 0 2 4 8 2 0 0 1 5 6 1 3 9 1 3 1 1 2 9 1 3 9 1 2 8 2 1 9 2 2 0 2 1 1 2 0 8 2 0 5 2 0 9 2 4 0 2 1 7 1 5 4 1 4 1 1 2 7 1 3 0 1 2 4 1 4 2 2 2 9 2 2 4 2 1 2 2 1 4 2 2 0 2 2 9 2 3 4 2 0 8 1 5 1 1 4 5 1 2 8 1 2 8 1 4 2 1 2 2 15
  16. 16. 2 5 2 2 2 4 2 2 2 2 2 4 2 3 3 2 4 4 2 2 8 2 1 3 1 4 3 1 4 1 1 3 5 1 2 8 1 3 1 1 2 9 2 5 5 2 3 5 2 3 0 2 4 9 2 5 3 2 4 0 2 2 8 1 9 3 1 4 7 1 3 9 1 3 2 1 2 8 1 3 6 1 2 5 2 5 0 2 4 5 2 3 8 2 4 5 2 4 6 2 3 5 2 3 5 1 9 0 1 3 9 1 3 6 1 3 4 1 3 5 1 2 6 1 3 0 2 4 0 2 3 8 2 3 3 2 3 2 2 3 5 2 5 5 2 4 6 1 6 8 1 5 6 1 4 4 1 2 9 1 2 7 1 3 6 1 3 4 Cada nmero representa o brilho de um dentre os milhes de minscu- los retalhos [patches] que compem o campo visual. Os nmeros menores provm de retalhos mais escuros; os maiores, de retalhos mais brilhantes. Os nmeros mostrados no quadro so os verdadeiros sinais provenientes de uma cmera eletrnica manejada pela mo de uma pessoa, embora pudessem igualmente ser as taxas de disparo de algumas das fibras nervosas que vo do olho ao crebro quando uma pessoa olha para uma mo. Para reconhecer objetos e no trombar com eles, o crebro de um rob ou um crebro humano precisa processar laboriosamente esses nmeros e adivinhar que tipos de objetos existentes no mundo refletem a luz que os fez aparecer. O problema humilhantemente difcil. Primeiro, um sistema visual precisa localizar onde termina um objeto e comea o fundo da cena. Mas o mundo no um livro de colorir, com con- tornos pretos ao redor de regies slidas. O mundo que se projeta em nossos olhos um mosaico de minsculos retalhos sombreados. Talvez, poderamos supor, o crebro visual procure regies onde uma colcha de retalhos de nmeros grandes (uma regio mais brilhante) seja limtrofe de uma colcha de retalhos de nmeros pequenos (uma regio mais escura). Voc pode dis- tinguir uma fronteira desse tipo no quadrado de nmeros; ela segue na dia- gonal, da parte superior direita para o centro da parte inferior. Na maioria das vezes, infelizmente, voc no teria encontrado a borda de um objeto, onde ele d lugar ao espao vazio. A justaposio de nmeros grandes e pequenos poderia ter provindo de muitos arranjos distintos de matria. O desenho da pgina seguinte esquerda, concebido pelos psiclogos Pawan Sinha e Edward Adelson, parece mostrar um circuito de ladrilhos cinza-cla- ros e cinza-escuros. Na verdade, ele um recorte retangular em uma cobertura preta atra- vs da qual voc est vendo uma parte da cena. No desenho direita, a cobertura foi removida e voc pode ver que cada par de quadrados cinza, quadrados que esto lado a lado, provm de um arranjo diferente de objetos. Nmeros grandes ao lado de nmeros pequenos podem provir de um objeto que est frente de outro objeto, de papel escuro colocado sobre papel claro, de uma superfcie pintada com dois tons de cinza, de dois objetos tocan- do-se lado a lado, de celofane cinza sobre uma pgina branca, de um canto interior ou exterior onde duas paredes se encontram ou de uma sombra. De alguma forma o crebro precisa resolver esse problema de "quem nasceu pri- 16
  17. 17. meiro: o ovo ou a galinha?" tem de identificar objetos tridimensionais a partir dos retalhos na retina e determinar o que cada retalho (sombra ou pin- tura, dobra ou revestimento, claro ou opaco) a partir do conhecimento do objeto do qual o retalho faz parte. As dificuldades apenas comearam. Depois de termos esculpido o mundo visual em objetos, precisamos saber do que eles so feitos, digamos, distinguir neve de carvo. A primeira vista, o problema parece simples. Se os nmeros grandes provm de regies brilhantes e os pequenos, de regies escuras, ento nmero grande eqivale a branco, que eqivale a neve, e nmero pequeno eqivale a preto, que eqivale a carvo, certo? Errado. A quantidade de luz que atinge um local da retina depende no s do quanto um objeto claro ou escuro, mas tambm do quanto brilhante ou opaca a luz que ilumina o objeto. O medidor de luz de um fotgrafo mostraria a voc que mais luz ricocheteia de um pedao de carvo que est ao ar livre do que de uma bola de neve dentro de casa. Por isso que tantas pessoas muitas vezes se decepcionam com seus instantneos e a fotografia um ofcio to compli- cado. A cmera no mente; se deixada a seus prprios recursos, ela mostra cenas ao ar livre como leite e cenas de interior como lama. Os fotgrafos, e s vezes microchips existentes na cmera, com jeitinho persuadem o filme a fornecer uma imagem realista, servindo-se de truques como regulagem do tempo do obturador, aberturas das lentes, velocidades de filme, flashes e manipulaes na cmara escura. 17
  18. 18. Nosso sistema visual faz muito melhor. De algum modo, ele permite que vejamos o brilhante carvo ao ar livre como um objeto preto e a escura bola de neve dentro de casa como algo branco. Esse um resultado adequa- do, pois nossa sensao consciente de cor e luminosidade condiz com o mun- do como ele em vez de com o mundo como ele se apresenta aos olhos. A bola de neve macia, molhada e tende a derreter esteja dentro ou fora de casa, e ns a vemos branca esteja ela dentro ou fora. O carvo sempre preto, sujo e tende a queimar, e sempre o vemos preto. A harmonia entre como o mundo parece ser e como ele tem de ser uma realizao de nossa magia neural, pois preto e branco no se anunciam simplesmente na retina. Caso voc ainda esteja ctico, eis uma demonstrao corriqueira. Quando um televisor desligado, a tela de uma cor cinza-esverdeada clara. Quando o aparelho est ligado, alguns dos pontos fosforescentes emitem luz, pintando as reas brilhantes da imagem. Mas os outros pontos no sugam luz e pintam as reas escuras; eles simplesmente se mantm cinzentos. As reas que voc enxerga como pretas so, na verdade, apenas a sombra plida do tubo de imagem que vemos quando o aparelho est desligado. O negrume no real, um produ- to dos circuitos cerebrais que normalmente permitem que voc veja o car- vo como carvo. Os engenheiros da televiso exploraram esses circuitos quando projetaram a tela. O problema seguinte ver em profundidade. Nossos olhos esmagam o mundo tridimensional transformando-o num par de imagens retinianas bidi- mensionais, e a terceira dimenso precisa ser reconstituda no crebro. Mas no h sinais reveladores nos retalhos projetados na retina que indiquem o quanto uma superfcie se encontra distante. Um selo na palma de sua mo pode projetar sobre sua retina o mesmo quadrado que uma cadeira do outro lado da sala ou um prdio a quilmetros de distncia (pgina seguinte, figura 1). Uma tbua de cortar vista de frente pode projetar o mesmo trapezide que vrios fragmentos irregulares dispostos em posies inclinadas (figura 2). Voc pode perceber a intensidade deste fato da geometria, e do me- canismo neural que lida com ele, fitando uma lmpada durante alguns segundos ou olhando para uma cmera quando o flash dispara, o que tempo- rariamente produz um retalho branco em sua retina. Se em seguida voc olhar a pgina sua frente, a ps-imagem adere a ela e parece ter uma ou duas polegadas de um lado a outro. Se olhar para a parede, a ps-imagem parece ter pouco mais de um metro de comprimento. Se olhar para o cu, ela do tamanho de uma nuvem. 18
  19. 19. Finalmente, como um mdulo de viso poderia reconhecer os objetos que esto l fora, no mundo, de modo que o rob possa nome-los ou lem- brar o que eles fazem? A soluo bvia construir um gabarito ou molde para cada objeto, duplicando sua forma. Quando um objeto aparece, sua proje- o na retina se ajustaria a seu prprio gabarito, como um pino redondo em um buraco redondo. O gabarito seria rotulado com o nome da formaneste caso, "a letra P" , e, sempre que uma forma coincidisse com ele, o gabari- to anunciaria o nome. Infelizmente, esse dispositivo simples funciona mal de ambos os modos possveis. Ele v letras P que no esto ali; por exemplo, d um alarme falso para o R mostrado no primeiro retngulo abaixo. E deixa de ver letras P que esto l; por exemplo, no a v quando ela est fora de lugar, inclinada, obl- qua, longe demais, perto demais ou enfeitada demais: 19
  20. 20. E esses problemas surgem com uma letra do alfabeto precisa e bem defi- nida. Imagine ento tentar criar um "reconhecedor" para uma camisa ou um rosto! Sem dvida, aps quatro dcadas de pesquisas em inteligncia artifi- cial, a tecnologia do reconhecimento de formas melhorou. Voc talvez possua software para escanear uma pgina, reconhecer a impresso e conver- t-la com razovel preciso em um arquivo de bytes. Mas os reconhecedores de forma artificiais ainda no so preo para o que temos em nossa cabea. Os artificiais so projetados para mundos puros, fceis de reconhecer e no para o entrelaado, misturado mundo real. Os numerozinhos engraados na parte inferior dos cheques foram cuidadosamente desenhados, de modo que suas formas no se sobreponham, e impressos com um equipamento especial que os posiciona com exatido para que possam ser reconhecidos por gaba- ritos. Quando os primeiros reconhecedores de rosto forem instalados em prdios para substituir os porteiros, nem tentaro interpretar o claro-escuro de seu rosto; escanearo os contornos bem delineados, rgidos de sua ris ou de seus vasos sangneos retinianos. Nosso crebro, em contraste, mantm um registro da forma de cada rosto que conhecemos (e de cada letra, animal, instrumento etc.), e o registro de algum modo ajusta-se a uma imagem reti- niana mesmo quando ela distorcida de todas as maneiras que menciona- mos. No captulo 4 examinaremos o modo como o crebro realiza essa proeza magnfica. Vejamos mais um milagre cotidiano: transportar um corpo de um lugar para outro. Quando desejamos que uma mquina se mova, ns a colocamos sobre rodas. A inveno da roda freqentemente apregoada como a mais louvvel realizao da civilizao. Muitos livros didticos ressaltam que nenhum animal desenvolveu rodas ao longo de sua evoluo, citando esse fato como um exemplo de que a evoluo muitas vezes incapaz de encon- trar a soluo tima para um problema de engenharia. Mas esse no , abso- lutamente, um bom exemplo. Mesmo que a natureza pudesse fazer um alce evoluir at lhe aparecerem rodas, ela decerto optaria por no faz-lo. Rodas so teis somente num mundo com estradas e trilhos. Atolam em qualquer terreno mole, escorregadio, ngreme ou irregular. As pernas so melhores. 20
  21. 21. As rodas precisam rolar sobre uma superfcie contnua de apoio, mas as per- nas podem ser colocadas em uma srie de bases de apoio diferentes, sendo a escada um exemplo extremo. As pernas tambm podem ser posicionadas de modo a minimizar cambaleios e a passar por cima de obstculos. Mesmo hoje em dia, quando o mundo parece ter se transformado em um estacionamen- to, apenas cerca da metade do solo do planeta acessvel a veculos com rodas ou trilhos, mas a maior parte dos terrenos do planeta acessvel a ve- culos com ps ou patas: animais, os veculos projetados pela seleo natural. Mas as pernas tm um preo alto: o software para control-las. Uma roda, simplesmente girando, muda gradualmente seu ponto de apoio e pode suportar peso o tempo todo. Uma perna precisa mudar seu ponto de apoio de uma vez s, e o peso tem de ser descarregado para que ela possa faz-lo. Os motores que controlam a perna tm de alternar entre manter o p no cho enquanto ele sustenta e impele a carga e descarregar o peso para deixar a per- na livre para mover-se. Durante todo esse tempo, preciso manter o centro de gravidade do corpo dentro do polgono definido pelos ps, de modo que o corpo no tombe. Os controladores tambm devem minimizar o desperdi- ador movimento de sobe-desce que o tormento dos que cavalgam. Nos brinquedos de corda que andam, esses problemas so toscamente resolvidos por um encadeamento mecnico que converte um eixo giratrio em movi- mento de passos. Mas os brinquedos no podem ajustar-se ao terreno encon- trando o melhor apoio para os ps. Mesmo se resolvssemos esses problemas, teramos descoberto apenas como controlar um inseto ambulante. Com seis pernas, um inseto sempre capaz de manter um trip no cho enquanto ergue o outro trip. Em todos os instantes ele se mantm estvel. Mesmo os animais quadrpedes, quan- do no se movem rpido demais, conseguem manter um trip no cho o tempo todo. Mas, como comentou um engenheiro, "a prpria locomoo ereta sobre dois ps do ser humano parece quase uma receita para o desas- tre, sendo necessrio um notvel controle para torn-la praticvel". Quan- do andamos, repetidamente nos desequilibramos e interrompemos a queda no momento preciso. Quando corremos, decolamos em arrancadas de vo. Essas acrobacias areas nos permitem fixar os ps em apoios muito separa- dos, ou separados de um modo errtico, que no nos apoiariam se estivsse- mos parados, e permitem tambm nos espremermos em caminhos estreitos e saltar obstculos. Mas ningum at agora descobriu como fazemos isso. Controlar um brao representa um novo desafio. Segure uma lumin- ria de arquiteto e movimente-a diagonalmente em uma reta que parte de perto de voc, abaixa-se esquerda, afasta-se e sobe direita. Observe as hastes e articulaes enquanto a luminria se move. Embora a luminria 21
  22. 22. siga uma linha reta, cada haste volteia em um arco complexo, ora precipi- tando-se com rapidez, ora permanecendo quase parada, s vezes passando de uma curva para um movimento reto. Agora, imagine ter de fazer tudo ao contrrio: sem olhar para a luminria, voc tem de coreografar a seqncia dos volteios ao redor de cada junta que iro mover a luminria ao longo da trajetria reta. A trigonometria pavorosamente complicada. Mas seu brao uma luminria de arquiteto, e seu crebro, sem esforo, resolve as equaes toda vez que voc aponta para alguma coisa. E, se voc alguma vez j segurou uma luminria de arquiteto pela braadeira que a prende, perce- ber que o problema ainda mais difcil do que descrevi. A lmpada balan- a sob seu peso, como se tivesse vontade prpria; o mesmo faria seu brao caso seu crebro no compensasse o peso, resolvendo um problema de fsi- ca quase intratvel. Uma faanha ainda mais admirvel controlar a mo. Quase 2 mil anos atrs, o mdico grego Galeno salientou a primorosa engenharia natu- ral existente na mo humana. Ela um nico instrumento que manipula objetos de uma espantosa variedade de tamanhos, formas e pesos, de um tronco de rvore a uma semente de paino. "O homem manuseia todos eles to bem quanto se suas mos houvessem sido feitas visando exclusivamente a cada um", observou Galeno. A mo pode ser configurada como um gancho (para levantar um balde), uma tesoura (para segurar um cigarro), um man- dril de cinco mordentes (para erguer um porta-copos), um mandril de trs mordentes (para segurar um lpis), um mandril de dois mordentes com almofadas opostas (para costurar com agulha), um mandril de dois morden- tes com uma almofada encostada em um lado (para girar uma chave), em posio de apertar (para segurar um martelo), como um disco que prende e gira (para abrir um vidro) e numa posio esfrica (para pegar uma bola). Cada posio de segurar requer uma combinao precisa de tenses muscu- lares que moldam a mo na forma apropriada e a mantm assim, enquanto a carga tenta faz-la reassumir a forma inicial. Pense em erguer um pacote de leite longa vida. Se no apertar o suficiente, voc o deixar cair; se apertar demais, o esmagar; e balanando de leve voc pode at mesmo usar os movimentos sob as pontas dos dedos como um medidor de nvel para saber quanto leite h dentro! E nem comearei a falar sobre a lngua, um balo de gua sem ossos controlado apenas por apertos, capaz de tirar comida de um dente posterior ou de executar o bal que articula palavras como trincheiras e sextos. 22
  23. 23. "Um homem comum maravilha-se com coisas incomuns; um sbio maravilha-se com o corriqueiro." Conservando na mente a mxima de Con- fcio, continuemos o exame de atos humanos corriqueiros com os olhos peculiares de um projetista de rob que procura duplicar esses atos. Finja que, de algum modo, construmos um rob capaz de enxergar e mover-se. O que ele far com o que vir? De que maneira decidir como agir? Um ser inteligente no pode tratar cada objeto que v como uma enti- dade nica, diferente de tudo o mais no universo. Precisa situar os objetos em categorias, para poder aplicar ao objeto que tiver diante de si o conheci- mento que adquiriu arduamente a respeito de objetos semelhantes, encon- trados no passado. Mas, sempre que algum tenta programar um conjunto de critrios para abranger os membros de uma categoria, a categoria desintegra-se. Deixando de lado conceitos ardilosos como "beleza" ou "materialismo dialtico", veja- mos um exemplo didtico de um conceito bem definido: "solteiro". Um sol- teiro, est claro, simplesmente um homem adulto que nunca se casou. Agora imagine que uma amiga pediu-lhe para convidar alguns solteiros para a festa que ela vai dar. O que aconteceria se voc usasse essa definio para decidir qual das pessoas a seguir ir convidar? Arthur vive feliz com Alice h cinco anos. Eles tm uma filha de dois anos e nunca se casaram oficialmente. Bruce estava prestes a ser convocado pelo Exrcito, por isso casou com sua amiga Barbara para conseguir a dispensa. Os dois nunca viveram juntos. Ele j teve vrias namoradas e tenciona obter a anulao do casamento assim que encontrar algum com quem deseje casar. Charlie tem dezessete anos. Mora na casa dos pais e est no curso secundrio. David tem dezessete anos. Saiu de casa aos treze, comeou um pequeno neg- cio e hoje em dia um bem-sucedido jovem empresrio que leva uma vida de playboy em seu apartamento de cobertura. Eli e Edgar formam um casal homossexual e vivem juntos h vrios anos. Faisal est autorizado pela lei de sua terra natal, Abu Dhabi, a ter trs esposas. Atualmente tem duas e est interessado em conhecer outra noiva em potencial. Padre Gregory bispo da catedral catlica em Groton upon Thames. 23
  24. 24. Essa lista, fornecida pelo cientista da computao Terry Winograd, mostra que a definio direta de "solteiro" no captura nossas intuies quanto a quem se enquadra na categoria. Saber quem solteiro apenas uma questo de bom senso, mas no h nada de banal no bom senso. De algum modo, ele tem de encontrar seu cami- nho em um crebro de ser humano ou de rob. E o bom senso no simples- mente um almanaque sobre a vida que pode ser ditado por um professor ou transferido como um enorme banco de dados. Nenhum banco de dados poderia arrolar todos os fatos que conhecemos tacitamente, e ningum jamais nos ensinou esses fatos. Voc sabe que, quando Irving pe o cachor- ro no carro, o animal no est mais no quintal. Quando Edna vai igreja, sua cabea vai junto. Se Doug est dentro da casa, deve ter entrado por alguma passagem, a menos que tenha nascido ali e dali nunca tivesse sado. Se Sheila est viva s nove da manh e est viva s cinco da tarde, tambm estava viva ao meio-dia. As zebras na selva nunca usam pijama. Abrir um vidro de uma nova marca de manteiga de amendoim no encher a casa de vapor. As pes- soas nunca enfiam termmetros para alimentos na orelha. Um esquilo menor que o monte Kilimanjaro. Portanto, um sistema inteligente no pode ser entupido com trilhes de fatos. Tem de ser equipado com uma lista menor de verdades essenciais e um conjunto de regras para deduzir suas implicaes. Mas as regras do bom senso, assim como as categorias do bom senso, so frustrantemente difceis de estabelecer. Mesmo as mais diretas no conseguem capturar nosso raciocnio cotidiano. Mavis mora em Chicago e tem um filho cha- mado Fred, e Millie mora em Chicago e tem um filho chamado Fred. Porm, embora a Chicago onde Mavis mora seja a mesma Chicago onde Millie mora, o Fred que filho de Mavis no o mesmo Fred que filho de Millie. Se h uma sacola em seu carro e um litro de leite na sacola, ento h um litro de leite em seu carro. Mas, se h uma pessoa em seu carro e um litro de sangue em uma pessoa, seria estranho concluir que h um litro de sangue em seu carro. Ainda que voc conseguisse elaborar um conjunto de regras que origi- nassem apenas concluses sensatas, no nada fcil usar todas elas para guiar inteligentemente o comportamento. Evidentemente, quem pensa no pode aplicar apenas uma regra por vez. Um fsforo emite luz; um serrote cor- ta madeira; uma fechadura de porta aberta com uma chave. Mas rimos de algum que acende um fsforo para espiar o que h num tanque de combus- tvel, que serra a perna sobre a qual se apoia ou que tranca o carro com a chave em seu interior e passa a hora seguinte tentando descobrir como tirar 24
  25. 25. a famlia l de dentro. Quem pensa precisa computar no apenas os efeitos diretos de uma ao, mas os efeitos colaterais tambm. No entanto quem pensa no pode ficar fabricando previses sobre todos os efeitos colaterais. O filsofo Daniel Dennett pede-nos que imaginemos um rob projetado para buscar uma bateria de reserva em uma sala que tam- bm contm uma bomba-relgio. A Verso 1 viu que a bateria estava em um carrinho e que, se puxasse o carrinho, a bateria viria junto. Infelizmente, a bomba tambm estava no carrinho, e o rob no deduziu que pux-lo traria junto a bomba. A Verso 2 foi programada para levar em conta todos os efei- tos colaterais de suas aes. Acabara de computar que puxar o carrinho no mudaria a cor das paredes da sala e estava provando que as rodas fariam mais giros do que o nmero de rodas existentes no carrinho quando a bomba explodiu. A Verso 3 estava programada para distinguir entre implicaes relevantes e irrelevantes. Ficou ali parada, deduzindo milhes de implica- es e colocando todas as relevantes em uma lista de fatos a considerar e todas as irrelevantes em uma lista de fatos a desconsiderar, enquanto a bom- ba-relgio tiquetaqueava. Um ser inteligente precisa deduzir as implicaes do que ele sabe, mas apenas as implicaes relevantes. Dennett ressalta que esse requisito representa um problema imenso no s para se projetar um rob mas tam- bm para a epistemologia, a anlise do como sabemos. Esse problema escapou observao de geraes de filsofos, tornados complacentes pela ilusria falta de esforo de seu prprio bom senso. S quando os pes- quisadores da inteligncia artificial tentaram duplicar o bom senso em computadores, a suprema tbula rasa, o enigma, atualmente denominado "problema do modelo" [frame problem], veio luz. Entretanto, de algum iTiodo, todos ns resolvemos o problema do modelo quando usamos nos- so bom senso. Imagine que de alguma forma superamos esses desafios e temos uma mquina com viso, coordenao motora e bom senso. Agora precisamos descobrir como o rob os usar. Temos de dar a ele motivos. O que um rob deveria desejar ? A resposta clssica est nas Regras Fun- damentais da Robtica, de Isaac Asimov, "as trs regras que esto embutidas mais profundamente no crebro positrnico de um rob": 1. Um rob no pode ferir um ser humano ou, por inao, permitir que um ser humano sofra qualquer mal. 25
  26. 26. 2. Um rob tem de obedecer s ordens que os seres humanos lhe derem, exceto quando essas ordens entrem em conflito com a Primeira Lei. 3. Um rob tem de proteger sua prpria existncia, desde que essa pro- teo no entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei. Asimov, com perspiccia, notou que a autopreservao, esse imperati- vo biolgico universal, no emerge automaticamente em um sistema com- plexo. Ela tem de ser programada (neste caso, como a Terceira Lei). Afinal, to fcil construir um rob que permita a sua prpria runa ou elimine um defeito cometendo suicdio quanto construir um rob que sempre cuide do Patro. Talvez seja at mais fcil; os fabricantes de robs s vezes assistem horrorizados s suas criaes alegremente cortando fora um membro ou se despedaando contra a parede, e uma proporo significativa das mquinas mais inteligentes do mundo so os msseis de cruzeiro e as bombas guiadas "inteligentes". Mas a necessidade das duas outras leis est longe de ser bvia. Por que dar a um rob uma ordem para que ele obedea s ordens as ordens ori- ginais no bastam? Por que comandar um rob para que ele no faa mal no seria mais fcil nunca mandar que ele fizesse mal? Ser que o uni- verso contm uma fora misteriosa que impele as entidades para a malda- de, de modo que um crebro positrnico precisa ser programado para resistir a ela? Nos seres inteligentes inevitavelmente se desenvolve um problema de atitude? Neste caso, Asimov, assim como geraes de pensadores, como todos ns, foi incapaz de se desvencilhar de seus prprios processos de pensamento e de v-los como um produto do modo como nossa mente foi formada, em vez de v-los como leis inescapveis do universo. A capacidade do homem para o'mal nunca se afasta de nossa mente, e fcil julgar que o mal simples- mente vem junto com a inteligncia, como parte de sua prpria essncia. Esse um tema recorrente em nossa tradio cultural: Ado e Eva comendo o fru- to da rvore do conhecimento, o fogo de Prometeu e a caixa de Pandora, o violento Golem, o pacto de Fausto, o Aprendiz de Feiticeiro, as aventuras de Pinquio, o monstro de Frankenstein, os macacos assassinos e o amotinado HAL de 2001: Uma odissia no espao. Da dcada de 50 at o fim dos anos 80, inmeros filmes no gnero computador desvairado refletiram o temor popu- lar de que os exticos mainframes da poca viessem a ficar mais espertos e mais poderosos e, algum dia, se voltassem contra ns. Agora que os computadores realmente ficaram mais espertos e mais poderosos, a ansiedade esvaeceu. Os ubquos computadores em rede da atua- lidade tm uma capacidade sem precedentes para fazer o mal se algum dia se 26
  27. 27. tornarem perversos. Mas as nicas aes danosas provm do caos imprevis- vel ou da maldade humana em forma de vrus. J no nos preocupamos com serial killers eletrnicos ou subversivas conspiraes de silcio, porque esta- mos comeando a perceber que a maldade assim como a viso, a coorde- nao motora e o bom senso no aparece livremente com a computao, ela tem de ser programada. O computador que roda o WordPerfect em sua mesa continuar a encher pargrafos enquanto for capaz de alguma coisa. Seu software no sofrer uma mutao insidiosa para a depravao como o retrato de Dorian Gray. Mesmo que isso fosse possvel, por que ele o desejaria? Para conseguir ...o qu? Mais discos flexveis? O controle do sistema ferrovirio do pas? Satisfao de um desejo de cometer violncia gratuita contra os tcnicos de manuteno da impressora a laser? E ele no teria de se preocupar com a represlia dos tcnicos, que, com uma volta de parafuso, poderiam deix-lo pateticamente cantando o "Parabns a voc"? Uma rede de computadores talvez pudesse descobrir a segurana de agir em um grupo numeroso e tramar uma tomada organizada do poder mas o que levaria um computador a se oferecer como voluntrio para disparar o pacote de dados ouvidos no mun- do inteiro e arriscar-se a ser o primeiro mrtir? E o que impediria que a coa- lizo fosse solapada por desertores de silcio e opositores conscientes? A agresso, como todas as demais partes do comportamento humano que supo- mos naturais e espontneas, um dificlimo problema de engenharia! Mas, por outro lado, os motivos mais benvolos, mais brandos, tam- bm so. Como voc projetaria um rob para obedecer ordem de Asimov de jamais permitir que um ser humano sofresse algum mal devido inao? O romance The tin meu, de Michael Frayn, publicado em 1965, tem como cenrio um laboratrio de robtica; os engenheiros da Ala tica, Macin- tosh, Goldwasser e Sinson, esto testando o altrusmo de seus robs. Levaram demasiadamente ao p da letra o hipottico dilema mencionado em todos os livros didticos de filosofia moral no qual duas pessoas se encontram em um barco salva-vidas construdo para apenas uma, e ambas morrero se uma delas no se lanar ao mar. Assim, os cientistas colocam cada rob numa balsa com outro ocupante, depositam a balsa em um tan- que e observam o que acontece. [Na] primeira tentativa, Samaritano I se jogara na gua com grande entusias- mo, mas se jogara na gua para salvar qualquer coisa que por acaso estivesse a seu lado na balsa, de sete caroos de lima a doze sementes molhadas de alga marinha. Aps muitas semanas de discusso obstinada, Macintosh admitira que a falta de discriminao era insatisfatria, abandonando Samaritano I e 27
  28. 28. construindo Samaritano II, o qual se sacrificaria apenas por um organismo pelo menos to complicado quanto ele prprio. A balsa parou, girando lentamente, a alguns centmetros da superfcie da gua. "Deixe cair", gritou Macintosh. A balsa atingiu a gua com estrondo. Sinson e Samaritano sentaram-se muito quietos. Gradualmente, a balsa foi parando, at que uma tnue cama- da de gua comeou a penetrar nela. Imediatamente, Samaritano inclinou- se frente e agarrou a cabea de Sinson. Com quatro movimentos precisos, mediu o tamanho de seu crnio e depois parou* computando. Ento, com um clique resoluto, rolou para o lado at cair da balsa e afundou sem hesitao no tanque. Mas, medida que os robs Samaritano II passavam a comportar-se como os agentes virtuosos dos livros de filosofia, ficava cada vez menos claro se havia neles realmente alguma virtude. Macintosh explicou por que sim- plesmente no atava uma corda no abnegado rob para facilitar recuper-lo: "No quero que ele saiba que ser salvo. Isso invalidaria sua deciso de sacri- ficar-se [...] Por isso, de vez em quando, deixo um deles l dentro, em vez de pesc-lo. Para mostrar aos outros que no estou brincando. Dei baixa em dois esta semana". Tentar saber o que preciso para programar a bondade em um rob mostra no s quanto mecanismo preciso para ser bom mas, antes de mais nada, o quanto ardiloso o conceito de bondade. E quanto ao mais afetuoso de todos os motivos? Os vacilantes compu- tadores da cultura pop dos anos 60 no eram tentados s pelo egosmo e o poder, como vemos na cano do comediante Allan Sherman, "Automa- tion", cantada no mesmo tom de "Fascinao": 11 was automation, I know. That was what was making the factory go. It was IBM, it was Univac. It was ali those gears going clickety clack, dear. I thought automation was keen Till you were replaced by a ten-ton machine. It was a computer that tore us apart, dear, Automation broke my heart [...] It was automation, Vm told, That's why I gotfired and Fm out in the cold. How could I have known, when the 503 Started in to blink, it was winking at me, dear? I thought it was just some mishap When it sidled over and sat on my lap. 28
  29. 29. But when it said "I love you" and gave me a hug, dear, That's when Ipulledout... its... plug.* Mas, apesar de toda a doidice que o caracteriza, o amor no falha mec- nica, pane ou defeito de funcionamento. A mente nunca est to maravilho- samente concentrada como quando se volta para o amor, e deve haver clculos intricados que pem em prtica a singular lgica da atrao, fascina- o, corte, recato, entregaf compromisso, insatisfao, escapada, cime, abandono e desolao. E no fim, como dizia minha av, cada panela encon- tra sua tampa; a maioria das pessoas incluindo, significativamente, todos os nossos ancestrais d um jeito de viver com um parceiro tempo suficien- te para produzir filhos viveis. Imagine quantas linhas de programa seria pre- ciso para duplicar isso! Projetar um rob uma espcie de tomada de conscincia. Tendemos a ter uma atitude blas com respeito nossa vida mental. Abrimos os olhos, e artigos familiares aparecem; desejamos que nossos membros se movam, e objetos e corpos flutuam at o lugar desejado; acordamos depois de um so- nho e voltamos para um mundo tranqilizadoramente previsvel; Cupido retesa o arco e dispara a flecha. Mas pense no que seria necessrio para um pedao de matria obter todos esses resultados improvveis e voc comea- r a enxergar atravs da iluso. Viso, ao, bom senso, violncia, moralida- de e amor no so acidentes, no so ingredientes inextricveis de uma essncia inteligente, nem inevitabilidade de um processamento de informa- es. Cada uma dessas coisas um tour de force, elaborado por um alto nvel de design deliberado. Oculto por trs dos painis da conscincia, deve exis- tir um mecanismo fantasticamente complexo analisadores pticos, siste- mas de orientao de movimento, simulaes do mundo, bancos de dados sobre pessoas e coisas, programadores de objetivos, solucionadores de con- flitos e muitos outros. Qualquer explicao sobre como a mente funciona que faa uma aluso esperanosa a alguma fora mestra nica ou a um elixir produtor de mente como "cultura", "aprendizado" ou "auto-organizao" (*) "Era a automao, eu sei./ Era o que estava fazendo a fbrica funcionar./ Era IBM, era Univac./ Eram todas aquelas engrenagens fazendo clqueti-clqueti, querida./ Eu achava a automao uma bele- za/ At que substituram voc por uma mquina de dez toneladas./ Foi um computador que nos separou, querida,/ A automao partiu meu corao [...]// Foi a automao, me disseram,/ Por causa dela fui des- pedido e no tenho onde cair morto./ Como que eu podia saber, quando a 503/ Comeou a lampejar, que ela estava piscando para mim, querida?/ Pensei que fosse um mero acidente/ Quando ela veio che- gando de lado e sentou no meu colo./ Mas quando ela disse 'eu te amo' e me abraou, querida,/ Foi quan- do eu puxei... seu... plugue." 29
  30. 30. comea a parecer vazia, absolutamente incapaz de satisfazer as exigncias do impiedoso universo com o qual lidamos to bem. O desafio do rob permite entrever uma mente munida de equipamen- to original, mas ainda pode parecer a voc um argumento meramente teri- co. Ser que de fato encontramos sinais dessa complexidade quando examinamos diretamente o mecanismo da mente e os projetos para mont- lo? Acredito que sim, e o que vemos nos amplia os horizontes tanto quanto o prprio desafio do rob. Quando as reas visuais do crebro sofrem dano, por exemplo, o mun- do visual no fica simplesmente embaado ou crivado de buracos. Determi- nados aspectos da experincia visual so eliminados enquanto outros ficam intactos. Alguns pacientes vem um mundo completo mas s prestam aten- o a metade dele. Comem a comida que est do lado direito do prato, fazem a barba s na face direita e desenham um relgio com doze nmeros espre- midos na metade direita do mostrador. Outros pacientes perdem a sensao de cor, mas no vem o mundo como um filme de arte em preto-e-branco. As superfcies lhes parecem encardidas e pardacentas, acabando com seu apetite e libido. H tambm quem pode ver os objetos mudarem de posio mas no consegue v-los em movimento uma sndrome que um filsofo certa vez tentou convencer-me de que era logicamente impossvel! O vapor de uma chaleira no flui, parece um pingente de gelo; a xcara no se enche gradualmente com ch; est vazia e de repente fica cheia. Outros pacientes no so capazes de reconhecer os objetos que vem: seu mundo como uma caligrafia que no conseguem decifrar. Eles copiam fielmente um pssaro mas o identificam como um toco de rvore. Um isquei- ro um mistrio at ser aceso. Quando tentam tirar as ervas daninhas do jar- dim, eles arrancam as rosas. Alguns pacientes conseguem reconhecer objetos inanimados, mas no rostos. O paciente deduz que a face no espelho deve ser a sua prpria, mas no se reconhece naturalmente. Identifica John F. Kennedy como Martin Luther King e pede esposa para usar uma fita durante uma festa para poder encontr-la na hora de ir embora. Mais estra- nho ainda o paciente que reconhece o rosto mas no a pessoa: v sua espo- sa como uma impostora espantosamente convincente. Essas sndromes so causadas por um dano, geralmente um derrame, em uma ou mais das trinta reas cerebrais que compem o sistema visual dos pri- matas. Algumas reas so especializadas para a cor e a forma, outras para o local do objeto, ou para o que o objeto, e outras ainda para o modo como o objeto se move. Um rob que v no pode ser construdo apenas com o visor olho-de-peixe dos filmes de cinema, e no surpreende descobrir que os humanos tambm no so feitos dessa maneira. Quando contemplamos o 30
  31. 31. mundo, no discernimos as muitas camadas de mecanismos que fundamen- tam nossa experincia visual unificada at que uma doena neurolgica as disseque para ns. Outro alargamento de horizonte proporcionado pelas espantosas semelhanas entre gmeos idnticos, que compartilham as receitas genti- cas construtoras da mente. Suas mentes so assombrosamente semelhantes, e no s em medidas grosseiras como o QI e em traos de personalidade como neuroticismo e introverso. Eles so semelhantes em talentos como soletra- o e matemtica, nas opinies sobre questes como apartheid, pena de morte e mes que trabalham fora, na escolha da carreira, nos hobbies, vcios, devoes religiosas e gosto para namoradas. Os gmeos idnticos so muito mais parecidos do que os gmeos fraternos, que compartilham apenas meta- de das receitas genticas e, o que mais surpreendente, os que so criados separadamente so quase to parecidos quanto os que so criados juntos. Gmeos idnticos separados ao nascer tm em comum caractersticas como entrar na gua de costas e s at os joelhos, abster-se de votar nas eleies por sentirem-se insuficientemente informados, contar obsessivamente tudo o que est vista, tornar-se capito da brigada voluntria de incndio e deixar pela casa bilhetinhos carinhosos para a esposa. As pessoas acham essas descobertas impressionantes, at mesmo ina- creditveis. Descobertas assim lanam dvidas sobre o "eu" autnomo que todos ns sentimos pairar sobre nosso corpo, fazendo escolhas enquanto seguimos pela vida e afetado exclusivamente pelos nossos ambientes do pas- sado e do presente. Decerto a mente no vem equipada com tantas partes minsculas para poder nos predestinar a dar a descarga antes e depois de usar o vaso sanitrio ou a espirrar por brincadeira em elevadores apinhados, citando aqui duas outras caractersticas compartilhadas por gmeos idnti- cos criados separadamente. Mas, ao que parece, isso ocorre. Os efeitos abrangentes dos genes foram documentados em numerosos estudos e se evi- denciam independentemente do modo como so testados: comparando gmeos criados separadamente e criados juntos, comparando gmeos idn- ticos e fraternos, comparando filhos adotivos e biolgicos. E, apesar do que os crticos s vezes alegam, os efeitos no so explicados por coincidncia, fraude ou semelhanas sutis nos ambientes familiares (como agncias de adoo empenhadas em colocar gmeos idnticos em lares que incentivem entrar de costas no mar). As descobertas, naturalmente, podem ser mal interpretadas de vrias maneiras, como por exemplo imaginando um gene para deixar bilhetinhos carinhosos pela casa ou concluindo que as pessoas no so afetadas por suas experincias. E uma vez que esses estudos podem medir apenas os modos como as pessoas diferem, eles pouco informam sobre 31
  32. 32. o padro da mente que todas as pessoas normais tm em comum. Mas, mos- trando de quantos modos a mente pode variar em sua estrutura inata, as des- cobertas abrem nossos olhos para quanta estrutura a mente deve possuir. ENGENHARIA REVERSA DA PSIQUE A complexa estrutura da mente o tema deste livro. Sua idia funda- mental pode ser expressa em uma sentena: a mente um sistema de rgos de computao, projetados pela seleo natural para resolver os tipos de pro- blemas que nossos ancestrais enfrentavam em sua vida de coletores de ali- mentos, em especial entender e superar em estratgia os objetos, animais, plantas e outras pessoas. Essa sntese pode ser desdobrada em vrias afirma- es. A mente o que o crebro faz; especificamente, o crebro processa informaes, e pensar um tipo de computao. A mente organizada em mdulos ou rgos mentais, cada qual com um design especializado que faz desse mdulo um perito em uma rea de interao com o mundo. A lgica bsica dos mdulos especificada por nosso programa gentico. O funcio- namento dos mdulos foi moldado pela seleo natural para resolver os pro- blemas da vida de caa e extrativismo vivida por nossos ancestrais durante a maior parte de nossa histria evolutiva. Os vrios problemas para nossos ancestrais eram subtarefas de um grande problema para seus genes: maximi- zar o nmero de cpias que chegariam com xito gerao seguinte. Dessa perspectiva, a psicologia uma engenharia "para trs". Na enge- nharia "para a frente", projeta-se uma mquina para fazer alguma coisa; na engenharia reversa, descobre-se para que finalidade uma mquina foi proje- tada. Engenharia reversa o que os peritos da Sony fazem quando um novo produto anunciado pela Panasonic, ou vice-versa. Eles compram um exemplar, levam para o laboratrio, aplicam-lhe a chave de fenda e tentam descobrir para que servem todas as partes e como elas se combinam para fazer o dispositivo funcionar. Todos ns fazemos engenharia reversa quando esta- mos diante de um novo aparelho interessante. Remexendo numa loja de antigidades, podemos encontrar alguma geringona que inescrutvel at descobrirmos o que ela foi projetada para fazer. Quando percebemos que se trata de um descaroador de azeitona, entendemos subitamente que o anel de metal destina-se a segurar a azeitona e que a alavanca abaixa uma lmina em X que passa por uma ponta e empurra o caroo para fora pelo lado opos- to. As formas e disposies das molas, dobradias, lminas, alavancas e anis so todas compreendidas em uma satisfatria onda de discernimento. 32
  33. 33. Entendemos at mesmo por que as azeitonas enlatadas tm uma inciso em forma de X num dos extremos. No sculo XVII, William Harvey descobriu que as veias tinham vlvu- las e deduziu que as vlvulas deviam estar ali para fazer o sangue circular. Desde ento, vemos o corpo como uma mquina maravilhosamente com- plexa, um conjunto de tirantes, juntas, molas, polias, alavancas, encaixes, dobradias, mancais, tanques, tubulaes, vlvulas, bainhas, bombas, per- mutadores e filtros. Mesmo hoje podemos nos fascinar ao saber para que ser- vem determinadas partes misteriosas. Por que temos orelhas com pregas e assimtricas? Porque elas filtram as ondas sonoras provenientes de vrias direes de modos diferentes. As nuances da sombra do som dizem ao cre- bro se a origem dele est acima ou abaixo, diante ou atrs de ns. A estrat- gia de fazer a engenharia reversa do corpo tem prosseguido na segunda metade deste sculo, em nossos estudos sobre a nanotecnologia da clula e das molculas da vida. A essncia da vida, acabamos descobrindo, no um gel tremulante, resplandecente e assombroso, mas uma engenhoca com minsculas guias, molas, dobradias, hastes, chapas, magnetos, zperes e escotilhas, montados por uma fita de dados cujas informaes so copiadas, transferidas e lidas. O fundamento lgico da engenharia reversa para as coisas vivas pro- vm, obviamente, de Charles Darwin. Ele mostrou que "rgos de extrema perfeio e complexidade, que justificadamente despertam nossa admira- o", no se originam da providncia de Deus, mas da evoluo de replica- dores ao longo de perodos de tempo imensamente longos. A medida que os replicadores se replicam, erros aleatrios de cpia s vezes emergem, e os que por acaso melhoram a taxa de sobrevivncia e reproduo do replicador ten- dem a acumular-se no decorrer das geraes. Plantas e animais so replica- dores, e seu mecanismo complexo, portanto, parece ter sido projetado para permitir-lhes sobreviver e reproduzir-se. Darwin asseverou que sua teoria explicava no s a complexidade do corpo de um animal mas tambm a de sua mente. UA psicologia assentar em um novo alicerce", foi sua clebre previso no final de A origem das espcies. Mas a profecia de Darwin ainda no se cumpriu. Mais de um sculo depois de ele ter escrito essas palavras, o estudo da mente, em sua maior parte, ain- da ignora Darwin, muitas vezes desafiadoramente. A evoluo considera- da irrelevante, pecaminosa, ou boa apenas para especulaes diante de um copo de cerveja no fim do dia. A alergia evoluo nas cincias sociais e cog- nitivas tem sido, a meu ver, uma barreira para a compreenso. A mente um sistema primorosamente organizado; realiza proezas notveis que nenhum engenheiro capaz de duplicar. Como as foras que moldaram esse sistema, e 33
  34. 34. os propsitos para os quais ele foi criado, podem ser irrelevantes para entend- lo? O pensamento evolucionista indispensvel, no na forma concebida por muitos sonhando com elos perdidos ou narrando histrias sobre os estgios do Homem , mas na forma de meticulosa engenharia reversa. Sem ela, somos como o cantor de "The marvelous toy" [O brinquedo maravilhoso], a cano de Tom Paxton que relembra um presente ganho na infncia: "Ele fazia ZIP! quando se movia, e POP! quando parava, e UORRRR quando estava quieto; eu nunca soube exatamente o que ele era, e acho que nunca saberei". S em anos recentes o desafio de Darwin foi aceito por uma nova abor- dagem, batizada de "psicologia evolucionista" pelo antroplogo John Tob- by e pela psicloga Leda Cosmides. A psicologia evolucionista rene duas revolues cientficas. Uma a revoluo cognitiva das dcadas de 1950 e 1960, que explica a mecnica do pensamento e emoo em termos de infor- mao e computao. A outra a revoluo na biologia evolucionista das dcadas de 1960 e 1970, que explica o complexo design adaptativo dos seres vivos em termos da seleo entre replicadores. As duas idias formam uma combinao poderosa. A cincia cognitiva ajuda-nos a entender como uma mente possvel e que tipo de mente possumos. A biologia evolucionista ajuda-nos a entender por que possumos esse tipo de mente especfico. A psicologia evolucionista deste livro , em certo sentido, uma exten- so direta da biologia, concentrando-se em um rgo, a mente, de uma esp- cie, Homo sapiens. Porm, em outro sentido, uma tese radical que descarta o modo como as questes relativas mente tm sido formuladas por quase um sculo. As premissas deste livro provavelmente no so as que voc ima- gina. Pensamento computao, procuro demonstrar, mas isso no signifi- ca que o computador uma boa metfora para a mente. A mente um conjunto de mdulos, mas estes no so cubculos encapsulados ou fatias cir- cunscritas da superfcie do crebro. A organizao de nossos mdulos men- tais provm de nosso programa gentico, mas isso no quer dizer que existe um gene para cada caracterstica ou que o aprendizado menos importante do que julgvamos. A mente uma adaptao desenvolvida pela seleo natural, mas isso no significa que tudo o que pensamos, sentimos e fazemos biologicamente adaptativo. Evolumos de macacos, mas isso no quer dizer que nossa mente igual deles. E o objetivo supremo da seleo natural propagar genes, mas isso no quer dizer que o supremo objetivo das pessoas propagar genes. Permita-me explicar por qu. Este livro sobre o crebro, mas no discorrerei profusamente a respei- to de neurnios, hormnios e neurotransmissores. Isso porque a mente no 34
  35. 35. o crebro, e sim o que o crebro faz, e nem mesmo tudo o que ele faz, como metabolizar gordura e emitir calor. A dcada de 1990 tem sido chamada Dcada do Crebro, mas nunca haver uma Dcada do Pncreas. O status especial do crebro deve-se a uma coisa especial que ele faz, a qual nos per- mite ver, pensar, sentir, escolher e agir. Essa coisa especial o processamen- to de informaes, ou computao. Informao e computao residem em padres de dados e em relaes de lgica que so independentes do meio fsico que os conduz. Quando voc telefona para sua me em outra cidade, a mensagem permanece a mesma enquanto sai de seus lbios e vai at o ouvido materno, mesmo que fisica- mente ela mude de forma, passando de vibraes do ar a eletricidade em um fio, cargas no silcio, luz tremulante em um cabo de fibra ptica, ondas ele- tromagnticas, voltando ento em ordem inversa. Em um sentido seme- lhante, a mensagem permanece a mesma enquanto sua me a repete para seu pai, que est na outra ponta do sof, depois de ter mudado de forma na cabe- a dela, transformando-se em uma cascata de neurnios disparando e subs- tncias qumicas difundindo-se atravs de sinapses. De modo semelhante, um dado programa pode ser executado em computadores feitos de tubos de vcuo, comutadores eletromagnticos, transistores, circuitos integrados ou pombos bem treinados, e realiza as mesmas coisas pelas mesmas razes. Esse insight, expresso pela primeira vez pelo matemtico Alan Turing, pelos cientistas da computao Alan Newell, Herbert Simon e Marvin Minsky e pelos filsofos Hilary Putnam e Jerry Fodor, hoje em dia denomi- nado teoria computacional da mente. Ele uma das grandes idias da hist- ria intelectual, pois resolve um dos enigmas que compem o "problema mente-corpo": como conectar o etreo mundo do significado e da inteno, a essncia de nossa vida mental, a um pedao fsico de matria como o cre- bro. Por que Bill entrou no nibus? Porque desejava visitar sua av e sabia que o nibus o levaria para l. Nenhuma outra resposta serviria. Se ele detes- tasse a av, ou se soubesse que o itinerrio mudou, seu corpo no estaria naquele nibus. Por milnios, isso foi um paradoxo. Entidades como "que- rer visitar a av" e "saber que o nibus vai at a casa da vov" no tm cor, cheiro nem sabor. Mas ao mesmo tempo so causas de eventos fsicos, to potentes quanto uma bola de bilhar batendo em outra. A teoria computacional da mente resolve o paradoxo. Ela afirma que crenas e desejos so informaes, encarnadas como configuraes de smbo- los. Os smbolos so os estados fsicos de bits de matria, como os chips de um computador ou os neurnios do crebro. Eles simbolizam coisas do mun- do porque so desencadeados por essas coisas via rgos dos sentidos e de- vido ao que fazem depois de ser desencadeados. Se os bits de matria que 35
  36. 36. constituem um smbolo so ajustados para topar com os bits de matria que constituem outro smbolo exatamente do jeito certo, os smbolos correspon- dentes a uma crena podem originar novos smbolos correspondentes a outra crena relacionada logicamente com a primeira, o que pode originar smbolos correspondentes a outras crenas e assim por diante. Por fim, os bits de matria componentes de um smbolo topam com bits de matria conec- tados aos msculos, e o comportamento acontece. A teoria computacional da mente, portanto, permite-nos manter crenas e desejos em nossas expli- caes do comportamento enquanto os situamos diretamente no universo fsico. Ela permite que o significado seja causa e seja causado. A teoria computacional da mente indispensvel para lidar com as questes que ansiamos por responder. Os neurocientistas gostam de salien- tar que todas as partes do crtex cerebral tm aparncia muito semelhante no s as diferentes partes do crebro humano, mas tambm os crebros de animais diferentes. Algum poderia concluir que toda atividade mental em todos os animais igual. Mas uma concluso melhor que no podemos simplesmente observar um retalho do crebro e ler a lgica do intricado padro de conectividade que faz cada parte executar sua tarefa distinta. Da mesma forma que todos os livros so, fisicamente, apenas combinaes dife- rentes dos mesmos setenta e tantos caracteres e todos os filmes so, fisica- mente, apenas padres diferentes de cargas ao longo das trilhas de um videoteipe, todo o gigantesco emaranhado de espaguetes do crebro pode parecer igual quando examinado fio por fio. O contedo de um livro ou filme reside no padro das marcas de tinta ou cargas magnticas e se evidencia ape- nas quando o trecho lido ou visto. De modo semelhante, o contedo da ati- vidade cerebral reside nos padres de conexes e nos padres de atividade entre os neurnios. Diferenas minsculas nos detalhes das conexes podem fazer com que retalhos do crebro de aparncia semelhante imple- mentem programas muito diferentes. Somente quando o programa execu- tado a coerncia se evidencia. Como escreveram Tooby e Cosmides: H pssaros que migram orientando-se pelas estrelas, morcegos que usam a eco- localizao, abelhas que computam a variao de canteiros de flores, aranhas que tecem teias, humanos que falam, formigas que cultivam, lees que caam em bando, guepardos que caam sozinhos, gibes mongamos, cavalos-mari- nhos polindricos, gorilas polginos [...] Existem milhes de espcies animais no planeta, cada qual com um conjunto diferente de programas cognitivos. O mesmo tecido neural bsico corporifica todos esses programas e poderia sus- tentar muitos outros igualmente. Fatos acerca das propriedades dos neurnios, neurotransmissores e desenvolvimento celular no podem indicar quais des- ses milhes de programas a mente humana contm. Mesmo que toda a ativi- dade neural seja a expresso de um processo uniforme no nvel celular, a 36
  37. 37. disposio dos neurnios em gabaritos de canes de pssaro ou programas de tecedura de teia de aranha que importa. Isso, obviamente, no implica que o crebro irrelevante para a com- preenso da mente! Programas so montagens de unidades de processamen- to de informaes simples minsculos circuitos que podem adicionar, fazer a comparao com um padro, ligar algum outro circuito ou executar outras operaes lgicas e matemticas elementares. O que esses microcir- cuitos podem fazer depende apenas do que eles so feitos. Circuitos feitos de neurnios no podem fazer exatamente as mesmas coisas que circuitos fei- tos de silcio e vice-versa. Por exemplo, um circuito de silcio mais rpido do que um circuito neural, mas este pode fazer a comparao com um padro maior do que o permitido para um circuito de silcio. Essas diferenas salien- tam-se nos programas produzidos com os circuitos e afetam a rapidez e a facili- dade com que os programas fazem diversas coisas, ainda que no determinem exatamente que coisas eles fazem. Com isso no quero dizer que sondar o tecido cerebral irrelevante para a compreenso da mente, apenas que no suficiente. A psicologia, a anlise do software mental, ter de escavar muito atravs da montanha antes de se encontrar com os neurobilogos que vm cavando o tnel pelo outro lado. A teoria computacional da mente no a mesma coisa que a despreza- da "metfora do computador". Como ressaltaram muitos crticos, os compu- tadores so seriais, fazendo uma coisa por vez; os crebros so paralelos, fazendo milhes de coisas de uma vez. Computadores so rpidos; crebros so lentos. As peas de computadores so confiveis; as peas do crebro apresentam rudo. Os computadores possuem um nmero limitado de cone- xes; os crebros possuem trilhes. Os computadores so montados segundo um projeto; os crebros tm de montar-se sozinhos. Sim, e os computadores vm em caixas cor de massa de vidraceiro, tm arquivos AUTOEXEC.BAT e mostram protetores de tela com torradeiras voadoras, e os crebros, no. O argumento no que o crebro como os computadores vendidos nas lojas. Em vez disso, o argumento que crebros e computadores incorporam inte- ligncia por algumas das mesmas razes. Para explicar como os pssaros voam, recorremos a princpios de sustentao e resistncia aerodinmica e mecnica dos fluidos princpios que explicam tambm como os avies voam. Isso no nos obriga a usar uma Metfora do Avio para os pssaros, incluindo motores a jato e servio de bordo com bebidas grtis. Sem a teoria computacional impossvel entender a evoluo da mente. A maioria dos intelectuais julga que a mente humana deve ter, de alguma forma, escapado ao processo evolutivo. A evoluo, acreditam eles, s consegue fabricar instintos estpidos e padres de ao fixos: um impulso 37
  38. 38. sexual, um mpeto agressivo, um imperativo territorial, galinhas chocando ovos e fracotes seguindo brutamontes. O comportamento humano dema- siado sutil e flexvel para ser produto da evoluo, pensam eles; deve provir de algum outro lugar digamos, da "cultura". Mas se a evoluo nos equi- pou no com impulsos irresistveis e reflexos rgidos mas com um computa- dor neural, tudo muda. Um programa uma receita intricada de operaes lgicas e estatsticas dirigidas por comparaes, testes, desvios, laos e sub- rotinas embutidas em sub-rotinas. Os programas de computador artificiais, da interface com o usurio do Macintosh s simulaes do clima e progra- mas que reconhecem a fala e respondem a perguntas em ingls, nos do uma indicao da finesse e do poder de que a computao capaz. O pensamento e o comportamento humano, por mais sutis e flexveis que possam ser, pode- riam ser produto de um programa muito complexo, e esse programa pode ter sido nossa dotao da seleo natural. O mandamento tpico da biologia no "Fars...", e sim "Se... ento... seno...". A mente, afirmo, no um nico rgo, mas um sistema de rgos, que podemos conceber como faculdades psicolgicas ou mdulos mentais. As entidades hoje comumente invocadas para explicar a mente como inte- ligncia geral, capacidade de formar cultura, estratgias de aprendizado com mltiplos propsitos seguramente iro pelo mesmo caminho do proto- plasma na biologia e da terra, ar, fogo e gua na fsica. Essas entidades so to informes se comparadas aos fenmenos precisos que elas se destinam a explicar que preciso atribuir-lhes poderes quase mgicos. Quando os fen- menos so postos no microscpio, descobrimos que a complexa textura do mundo cotidiano sustentada no por uma substncia nica mas por muitas camadas de mecanismo elaborado. Os bilogos h muito tempo substituram o conceito de um protoplasma onipotente pelo conceito dos mecanismos funcionalmente especializados. Os sistemas de rgos do corpo fazem seu trabalho porque cada um deles foi construdo com uma estrutura especifica- mente talhada para executar a tarefa. O corao faz circular o sangue porque configurado como uma bomba; os pulmes oxigenam o sangue porque so configurados como permutadores de gs. Os pulmes no podem bombear o sangue, e o corao no pode oxigen-lo. Essa especializao encontrada em todos os nveis. O tecido cardaco difere do tecido pulmonar, as clulas cardacas diferem das clulas pulmonares e muitas das molculas compo- nentes das clulas cardacas diferem das componentes das clulas pulmona- res. Se no fosse assim, nossos rgos no funcionariam. 38
  39. 39. Um pau para toda obra no mestre em nenhuma, e isso vale tanto para nossos rgos fsicos como para nossos rgos mentais. O desafio do rob evidencia esse fato. Construir um rob implica muitos problemas de enge- nharia de software, sendo necessrios truques diferentes para resolv-los. D> Tomemos nosso primeiro problema, o sentido da viso. Uma mquina que enxerga precisa resolver um problema denominado ptica invertida. A ptica comum o ramo da fsica que permite prever como um objeto com determinada forma, material e iluminao projeta o mosaico de cores que denominamos imagem retiniana. A ptica uma matria bem compreendi- da, empregada em desenho, fotografia, engenharia de televiso e, mais recentemente, computao grfica e realidade virtual. Mas o crebro preci- sa resolver o problema oposto. O input a imagem retiniana, e o output uma especificao dos objetos que h no mundo e do que eles so feitos ou seja, o que sabemos que estamos vendo. E a est o xis do problema. A ptica invertida o que os engenheiros chamam de "um problema mal proposto". Ele absolutamente no tem soluo. Assim como fcil multiplicar alguns nmeros e enunciar o produto, mas impossvel tomar um produto e indi- car os nmeros que foram multiplicados para obt-lo, a ptica fcil, mas a ptica invertida impossvel. Entretanto, nosso crebro a pratica toda vez que abrimos a geladeira e retiramos uma jarra. Como pode ser isso? A resposta que o crebro fornece as informaes que es to faltando, infor- maes sobre o mundo no qual evolumos e o modo como ele reflete a luz. Se o crebro visual "supe" que est vivendo em determinado tipo de mundo um mundo iluminado por igual, composto principalmente de partes rgi- das com superfcies regulares uniformemente coloridas , ele pode fazer boas suposies quanto ao que est l fora. Como vimos anteriormente, impossvel distinguir carvo de neve examinando o brilho de suas projees retinianas. Mas digamos que exista um mdulo para perceber as proprieda- des das superfcies e que embutido nele haja a seguinte suposio: "O mun- do iluminado de modo regular e uniforme". O mdulo pode resolver o problema do carvo ou da neve em trs etapas: subtraindo qualquer gradien- te de brilho de um extremo da cena ao outro extremo; estimando o nvel mdio de brilho da cena inteira; calculando a tonalidade de cinza de cada retalho subtraindo seu brilho do brilho mdio. Grandes desvios positivos em relao mdia so vistos como coisas brancas; grandes desvios negativos, como coisas pretas. Se a iluminao realmente for regular e uniforme, essas percepes registraro com preciso as superfcies do mundo. Uma vez que o Planeta Terra tem, mais ou menos, correspondido hiptese da ilumina- o uniforme desde tempos imemoriais, a seleo natural teria procedido acertadamente incorporando essa hiptese. 39
  40. 40. O mdulo de percepo de superfcies resolve um problema insolvel, mas isso teve seu preo. O crebro abriu mo de toda pretenso de ser um solucionador geral de problemas. Ele foi equipado com um dispositivo que percebe a natureza das superfcies em condies de visibilidade tpicas da Terra por ser especializado nesse problema local. Mude-se minimamente o problema, e o crebro no mais o resolve. Digamos que vamos colocar uma pessoa em um mundo que no banhado pela luz solar, e sim iluminado por uma colcha de retalhos de luz engenhosamente dispostos. Se o mdulo de percepo de superfcies supe que a iluminao regular, deve ser seduzido a ter alucinaes com objetos que no se encontram ali. Isso poderia aconte- cer de verdade? Acontece todo dia. Chamamos essas alucinaes de proje- es de slides, filmes de cinema e televiso (inclusive com a cor preta ilusria que mencionei anteriormente). Quando vemos televiso, fitamos uma lmina de vidro bruxuleante, mas nosso mdulo de percepo de superfcies diz ao resto de nosso crebro que estamos vendo pessoas e lugares reais. O mdulo foi desmascarado; ele no apreende a natureza das coisas, fia-se numa tela ilusionista. Essa tela ilusionista est to profundamente incorpo- rada operao de nosso crebro visual que no somos capazes de apagar as informaes nele escritas. Nem mesmo no mais inveterado telemanaco o sistema visual um dia "aprende" que a televiso uma vidraa de pontos fos- fricos brilhantes, e a pessoa nunca perde a iluso de que existe um mundo por trs da vidraa. Nossos outros mdulos mentais precisam de suas prprias telas ilusio- nistas para resolver seus problemas insolveis. Um fsico que deseja calcular como o corpo se move quando os msculos so contrados tem de resolver problemas de cinemtica (a geometria do movimento) e dinmica (os efei- tos das foras). Mas um crebro que precisa calcular como contrair os ms- culos para fazer o corpo mover-se tem de resolver problemas de cinemtica invertida e de dinmica invertida que foras aplicar a um objeto para faz- lo mover-se em determinada trajetria. Assim como a ptica invertida, a cinemtica e a dinmica invertidas so problemas mal propostos. Nossos mdulos motores resolvem-nos fazendo hipteses extrnsecas mas sensatas no hipteses sobre iluminao, obviamente, mas sobre corpos em movi- mento. Nosso bom senso com respeito a outras pessoas um tipo de psicologia intuitiva tentamos inferir as crenas e desejos das pessoas a partir do que elas fazem, e tentamos prever o que elas faro com base em nossas suposies quanto a suas crenas e desejos. Contudo, nossa psicologia intuitiva precisa supor que as outras pessoas tm crenas e desejos; no podemos sentir uma crena ou desejo na cabea de outra pessoa do mesmo modo como sentimos 40
  41. 41. o cheiro de uma lkranja. Se no vssemos o mundo social atravs das lentes dessa suposio, seramos como o rob Samaritano I, que se sacrificava por um saquinho de caroos de lima, ou como o Samaritano II, que se jogava na gua em benefcio de qualquer objeto com uma cabea semelhante cabe- a humana, mesmo se ela pertencesse a um grande brinquedo de corda. (Ve- remos adiante que os indivduos acometidos de uma determinada sndrome no tm a suposio de que as pessoas possuem mente e de fato tratam as pes- soas como brinquedos de corda.) At mesmo nossos sentimentos de amor pelos membros da famlia incluem uma suposio especfica quanto s leis do mundo natural, neste caso um inverso das leis ordinrias da gentica. Os sentimentos pelos familiares destinam-se a ajudar nossos genes a se replicar, mas no podemos ver ou cheirar genes. Os cientistas empregam a gentica comum para deduzir como os genes distribuem-se entre os organismos (por exemplo, a meiose e o sexo fazem com que a prole de duas pessoas tenha 50% de seus genes em comum); nossas emoes em relao aos familiares usam um tipo de gentica invertida para adivinhar quais dentre os organismos com os quais interagimos tm probabilidade de compartilhar nossos genes (por exemplo, se algum parece ter os mesmos pais que voc tem, trate essa pessoa como se o bem-estar gentico dela coincidisse com o seu). Retomarei esse assunto em captulos posteriores. A mente tem de ser construda com partes especializadas porque preci- sa resolver problemas especializados. S um anjo poderia ser um soluciona- dor geral de problemas; ns, mortais, temos de fazer suposies falveis com base em informaes fragmentrias. Cada um de nossos mdulos mentais resolve seu problema insolvel com um grande ato de f no modo como o mundo funciona, fazendo suposies que so indispensveis mas indefens- veis sua nica defesa sendo que as suposies funcionaram a contento no mundo de nossos ancestrais. A palavra "mdulo" faz lembrar componentes que se podem destacar ou encaixar, e isso enganoso. Os mdulos mentais no tendem a ser visveis a olho nu como territrios circunscritos na superfcie do crebro do mesmo modo que distinguimos a barrigueira ou a traseira de um boi na vitrine do aougue. Um mdulo mental provavelmente se parece mais com um bicho atropelado na estrada, espalhando-se desordenadamente pelas protubern- cias e fendas do crebro. Ou pode ser fragmentado em regies que se interli- gam por meio de fibras, as quais fazem a regio atuar como uma unidade. A beleza do processamento de informaes est na flexibilidade de sua deman- da por terreno. Assim como a administrao de uma grande empresa pode estar espalhada por vrios prdios ligados por uma rede de telecomunicaes, ou um programa de computador pode estar fragmentado em diferentes partes 41
  42. 42. do disco ou da memria, os circuitos que aliceram um mdulo psicolgico podem estar distribudos pelo crebro de um modo espacialmente aleatrio. E os mdulos mentais no precisam estar impermeavelmente isolados uns dos outros, comunicando-se apenas por meio de alguns canais estreitos. (Essa uma concepo especializada de "mdulo" que muitos cientistas cog- nitivos debateram aps uma definio de Jerry Fodor.) Os mdulos so defi- nidos pelas coisas especiais que fazem com as informaes sua disposio, e no necessariamente pelos tipos de informao de que dispem. Portanto, a metfora do mdulo mental um pouco desajeitada; met- fora melhor a do "rgo mental", proposta por Noam Chomsky. Um rgo do corpo uma estrutura especializada talhada para desempenhar uma fun- o especfica. Mas nossos rgos no vm num saquinho, como os midos de ave; so integrados em um todo complexo. O corpo compe-se de siste- mas divididos em rgos, construdos com tecidos feitos de clulas. Alguns tipos de tecido, como o epitlio, so usados, com modificaes, em muitos rgos. Alguns rgos, como o sangue e a pele, interagem com o resto do cor- po atravs de uma superfcie comum convoluta, amplamente difundida, e no podem ser circundados por uma linha pontilhada. As vezes no est claro onde um rgo termina e outro comea, ou que tamanho de um pedao do corpo desejamos chamar de rgo. (A mo um rgo? E um dedo? E um osso do dedo?) Essas so questes pedantes de terminologia , e os anatomis- tas e fisiologistas no perderam tempo com elas. O que est claro que o cor- po no como carne de porco prensada e enlatada; ele possui uma estrutura heterognea de muitas partes especializadas. Tudo isso provavelmente vale para a mente. Quer estabeleamos ou no fronteiras exatas para os compo- nentes da mente, est claro que ela no uma carne enlatada mental, pos- suindo uma estrutura heterognea de muitas partes especializadas. Nossos rgos fsicos devem seu design complexo s informaes con- tidas no genoma humano, e o mesmo, a meu ver, aplica-se aos nossos rgos mentais. No aprendemos a ter um pncreas, e tambm no aprendemos a ter um sistema visual, aquisio de linguagem, bom senso ou sentimentos de amor, amizade e justia. Nenhuma descoberta isolada comprova essa afirma- o (assim como nenhuma descoberta isolada comprova que o pncreas tem uma estrutura inata), mas muitas linhas de evidncias convergem nessa direo. A que mais me impressiona o Desafio do Rob. Cada um dos gran- des problemas de engenharia resolvidos pela mente insolvel na ausncia de hipteses incorporadas sobre as leis que se aplicam na respectiva arena de integrao com o mundo. Todos os programas criados por pesquisadores da 42
  43. 43. inteligncia artificial foram especificamente projetados para uma rea espe- cfica, como linguagem, viso, movimento ou um dos muitos tipos diferen- tes de bom senso. Nas pesquisas sobre inteligncia artificial, o orgulhoso criador de um programa s vezes o apregoa como uma mera amostra de um sistema de uso geral a ser elaborado futuramente, mas todo mundo da rea rotineiramente descarta bazfias desse tipo. Predigo que ningum jamais construir um rob semelhante a um ser humano e me refiro a um rob realmente semelhante a um ser humano a menos que o equipe com siste- mas computacionais feitos sob medida para resolver diferentes problemas. Ao longo de todo o livro, encontraremos outras linhas de evidncias indicativas de que nossos rgos mentais devem seu design bsico ao nosso programa gentico. J mencionei que boa parte da primorosa estrutura de nossa personalidade e inteligncia compartilhada por gmeos idnticos criados separadamente e, portanto, mapeada pelos genes. Bebs e crianas pequenas, quando testados com mtodos engenhosos, demonstram um entendimento precoce das categorias fundamentais do mundo fsico e social e, s vezes, dominam informaes que nunca lhes foram apresentadas. As pessoas acalentam muitas crenas que contradizem suas experincias, mas foram verdadeiras no meio em que se desenvolveram, e se empenham por objetivos que subvertem seu prprio bem-estar, mas foram adaptativos naquele ambiente. E, contrariamente difundida crena de que as culturas variam de maneira arbitrria e sem limite, estudos da literatura etnogrfica mostram que os povos do mundo compartilham uma psicologia universal assombrosamente minuciosa. Mas, se a mente possui uma estrutura inata complexa, isso no signifi- ca que aprender no importante. Expor a questo de modo que estrutura inata e aprendizado sejam lanados um contra o outro, como alternativas ou, quase to ruim quanto isso, como ingredientes complementares ou for- as interagentes, um erro colossal. No que esteja absolutamente errada a afirmao de que existe interao entre estrutura inata e aprendizado (ou entre hereditariedade e meio, natureza e criao, biologia e cultura). Em vez disso, ela se enquadra em uma categoria de idias que so to ruins que nem ao menos esto erradas. Imagine o seguinte dilogo: "Este novo computador rico em tecnologia avanada. Tem processador de quinhentos megahertz, um gigabyte de RAM, um terabyte de armazenagem em disco, monitor colorido com realidade virtual tridimensional, sada para voz, acesso direto World Wide Web, especializao em doze matrias e edies incorporadas da Bblia, Encyclopaedia Britannica, Bartlett's famous quotations e 43
  44. 44. as obras completas d