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COMO ALGUNS PATRIOTAS MOÇAMBICANOS “ROUBAM” O PATRIMÓNIO DE MOÇAMBIQUE - COMPILAÇÃO DE TEXTOS RETIRADOS, COM A DEVIDA VÉNIA, DO BLOG MASCHAMBA HTTP://MASCHAMBA.WEBLOG.COM.PT/ARQUIVO/CAT_INDICO.HTML ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 15: CARTA NO MEDIAFAX Aqui fica reprodução de "Carta a Jacinto Veloso", da autoria de Maura Quatorze e Machado da Graça (a quem agradeço a sua partilha), publicada no Mediafax de 16 de Maio de 2004 (nº 3052). Texto relativo à problemática da exploração do património arqueológico subaquático em águas moçambicanas. E que surge, explicitamente, em diálogo com anterior entrada: Arqueologia subaquática 12. *** CARTA A JACINTO VELOSO Em resposta à sua carta, publicada no jornal O PAÍS de 12 de Junho de 2004, gostaríamos de dizer o seguinte: Em relação aos princípios básicos que enuncia estamos de acordo com as alíneas a) (soberania moçambicana sobre navios e cargas naufragados nos nossos mares); b) (Exploração das estações respeitando as normas da arqueologia marítima e; c) (Recuperação dos bens e realização de estudos). Em relação à alínea d) não podemos estar de acordo por prever algo que, de acordo com a nossa

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COMO ALGUNS PATRIOTAS MOÇAMBICANOS “ROUBAM” O PATRIMÓNIO DE MOÇAMBIQUE

- COMPILAÇÃO DE TEXTOS RETIRADOS, COM A DEVIDA VÉNIA, DO BLOG MASCHAMBAHTTP://MASCHAMBA.WEBLOG.COM.PT/ARQUIVO/CAT_INDICO.HTML

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 15: CARTA NO MEDIAFAX

Aqui fica reprodução de "Carta a Jacinto Veloso", da autoria de Maura Quatorze e

Machado da Graça (a quem agradeço a sua partilha), publicada no Mediafax de 16 de

Maio de 2004 (nº 3052).

Texto relativo à problemática da exploração do património arqueológico subaquático

em águas moçambicanas. E que surge, explicitamente, em diálogo com anterior entrada:

Arqueologia subaquática 12.

***

CARTA A JACINTO VELOSO

Em resposta à sua carta, publicada no jornal O PAÍS de 12 de Junho de 2004,

gostaríamos de dizer o seguinte:

Em relação aos princípios básicos que enuncia estamos de acordo com as alíneas a)

(soberania moçambicana sobre navios e cargas naufragados nos nossos mares); b)

(Exploração das estações respeitando as normas da arqueologia marítima e; c)

(Recuperação dos bens e realização de estudos). Em relação à alínea d) não podemos

estar de acordo por prever algo que, de acordo com a nossa interpretação da lei

moçambicana, e a interpretação de juristas por nós consultados, é ilegal.

Na verdade não nos parece que a decisão do Conselho de Ministros, de 5 de Novembro

de 1998, possa servir de cobertura à retirada da classificação de peças arqueológicas

encontradas vários anos mais tarde.

É nossa interpretação que a retirada da classificação dos bens culturais só pode ser feita,

pelo Conselho de Ministros, a posteriori, em presença das peças em causa e, peça a

peça, através de uma peritagem que possa determinar se as peças são, ou não, de valor

patrimonial. Ora, Segundo a Directora Nacional Angela Kane isso não foi feito.

Continuamos, portanto, a pensar que a venda das peças no leilão na Holanda foi feita à

margem da lei.

No que diz respeito ao facto de as peças exportadas serem duplicados de outras que

ficaram para o espólio moçambicano, parece-nos fraco consolo, na medida em que é

muito diferente possuir um prato Ming ou uma colecção de uma dúzia de pratos Ming

iguais.

Concordamos que o ideal seria que se conseguissem financiamentos (por exemplo da

UNESCO) para realizar o trabalho sem se recorrer à venda dos artefactos. Estará a ser

feito algum esforço nesse sentido?

Igualmente nos parece que seria interessante o tal projecto de recuperação da nau

portuguesa junto a Inhambane. Não estará o governo português disposto a uma parceria

nesse sentido? Mais uma vez gostaríamos de saber se algum esforço está a ser feito

nesse sentido.

Surpreendente, também, o facto de terem sido já feitas partilhas dos bens recuperados,

na medida em que o próprio relatório da Arqueonautas, de Dezembro de 2002, afirma

que “foi decidido que sem uma detalhada publicação das descobertas e escavações era

impossível naquele estágio discutir a repartição da porcelana.” Ora não temos

conhecimento de que tenha sido feita qualquer publicação sobre este assunto e é óbvio

que as partilhas foram já feitas e a parte da Arqueonautas exportada.

Lamentável também que essas peças tenham abandonado o país e sido dispersas, através

da venda em leilão, sem que os moçambicanos tenham tido a possibilidade de, ao

menos, as verem numa exposição em Moçambique.

Lamentamos igualmente que só agora, depois de toda esta questão levantada, os

moçambicanos tenham ficado a saber que possuímos um tão rico espólio de porcelana

chinesa, conhecimento até aqui mantido no segredo dos deuses.

E isto introduz a questão geral da falta de transparência com que todo este processo tem

sido tratado.

Na verdade o art. 6, ponto 1 do contrato entre o Estado e a Arqueonautas/Património

Internacional, refere um segredo rigoroso e completo, muito para além da protecção dos

locais prevista no art. 19 da Convenção da UNESCO que cita . Refere-se a todo o

conteúdo do contrato. O público tem sido mantido na ignorância do que está a

acontecer, com excepção de raros, e pouco informativos, artigos em jornais.

Em relação à questão da fiscalização, o problema nos parece mais grave. Segundo o

relatório da Arqueonautas, as escavações propriamente ditas começaram a 25 de

Outubro de 2001 e a nomeação do Dr. Leonardo Adamovicz como fiscal só foi

realizada em 2003.

A situação atingiu mesmo o ponto, como sabe, de ter sido assinado um anexo ao

contrato, a 18 de Junho de 2003, cujo art. 14 afirma que: “O Contratado é irresponsável

e o projecto em desenvolvimento mantém-se ininterrupto e inalterável se o Contratante,

ou qualquer entidade com ele relacionada, não providenciar a necessária equipa de

fiscalização, conforme o estipulado no contrato”. Este anexo ao contrato foi assinado

pela Dra. Ângela Kane, por si próprio e por um representante da Arqueonautas.

Ora este artigo, pura e simplesmente, afirma que o Estado moçambicano autoriza, por

escrito, que os trabalhos se realizem sem qualquer fiscalização.

Debruçando-nos agora sobre o relatório produzido pelo Dr. Adamovicz verificamos que

ele próprio foi colocado perante uma situação em que lhe foram negados elementos

essenciais para o seu trabalho. Refere ele a:

a) Falta dos relatórios preliminares;

b) Falta de divulgação dos resultados parciais através dos mass-media;

c) Falta de envolvimento dos arqueólogos e técnicos nacionais;

d) Falta do plano de formação para futuros arqueólogos e técnicos nacionais na área da

arqueologia sub-aquática.

Encarando ainda o relatório da Arqueonautas do ponto de vista científico, Leonardo

Adamovicz refere ainda a:

a) Falta de documentação fotográfica das pesquisas efectuadas (no laboratório e no

campo);

b) Falta dos mapas, ilustrações e exemplos das fichas básicas do registo.

Tudo isto nos diz que a questão da fiscalização é bem mais grave do que o simples ter

tido momentos de maior presença no local do que outros, como refere na sua carta.

Isto se não partirmos logo do contrato inicial em que se define que a equipa de

fiscalização será paga pelo Contratado. Isto é, por contrato os fiscais são pagos pela

parte a ser fiscalizada! Mais uma curiosidade de um contrato tão cheio delas.

Termina a sua carta afirmando: “Fico à disposição”.

Muito lhe agradecemos, na medida em que desde o dia 1 de Junho temos vindo a insistir

com a sua secretária no sentido de podermos ser recebidos por si, sem que esse encontro

tenha sido possível até ao momento em que escrevemos esta carta (terça-feira 15 de

Junho).

Porque achamos que as respostas devem ser dadas nos órgãos de informação onde

foram publicados os textos a serem respondidos, enviamos esta carta para o jornal O

PAÍS e, igualmente, para o SAVANA e o MEDIAFAX, onde levantámos a questão pela

primeira vez.

Os nossos cumprimentos

Maura Quatorze

Machado da Graça

……………………………………………………………ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 13

Reprodução de comunicação de Nikolaus Sandizell, Administrador Delegado da

"Arqueonautas", relativa à polémica sobre o destino do património arqueológico

subaquático. Recolhida no Naufrágio.

Associada ao artigo do "País" abaixo transcrito estarão apresentados os principais

argumentos da "Arqueonautas" e seus associados. Os dos seus oponentes foram-no nas

anteriores entradas "Arqueologia Subaquática".

Este parece ser assunto pouco interessante para as visitas do Ma-schamba (quiçá

resmungando com o tamanho de todas estas entradas). Ainda assim a ele voltarei para a

semana para botar a minha opinião. Se com tempo para tal, e se tiver obtido a

documentação da UNESCO sobre a matéria.

Entretanto, apelo a que reparem na desconexão entre discursos e aparentes contextos

sociopolíticos dos locutores. Que isto das estratégias retóricas faz dizer cada coisa...

*******

Arqueologia Marítima vs. Caçadores de Tesouros

Ladies and Gentlemen,

Please apologize for this un-solicited email, your kind attention concerning this issue is

greatly appreciated.

Recent articles published in the Internet and through the national and international

press, make it necessary to clarify Arqueonautas involvement in maritime

archaeological projects. Most of the articles were based on information, not always

correct, distributed by a small group of Portuguese marine archaeologists. This group is

known already for some time in the international academic community for their extreme

views.

We believe it only to be faire to "look at both sides of the coin" to better understand the

polemic of this issue. Kindly open the attached word document, in either English or

Portuguese language, to read our statement.

The scientific publications concerning our work in Cabo Verde and Mozambique are

currently being prepared. Please do not hesitate to contact me for any further

clarifications required.

Sincerely yours,

Nikolaus Sandizell

CEO / Administrador Delgado

ARQUEONAUTAS S.A.

Representative Office, Av. da Suica, 468, 2765-288 Estoril, PORTUGAL

Tel.: +351.21.4663040; Fax: +351.21.4662769; Mob PT: +351.93.4663040

Mob MZ: +258.82.897699; Mob DE: +49.172.1303994; Website: www.arq.de

A História repete-se mais uma vez – a discussão da arqueologia marítima vs. “caçadores

de tesouros” faz-nos lembrar a famosa história contada por Luís de Camões acerca do

“Velho do Restelo”, quando um pequeno grupo de conservadores/reaccionários, sem

qualquer tipo de visão e de conhecimentos, tentou levantar uma polémica no sentido de

impedir a Coroa de enviar a sua frota na continuação da epopeia dos descobrimentos.

Ignorando a polémica, Portugal tornou-se num dos maiores impérios na história da

humanidade! Tão importante lição ... mais de uma vez esquecida – é a de que por vezes

temos de assumir pequenos sacrifícios para pudermos atingir grandes objectivos. Ora

para realizar um grande objectivo é importante mantermos o olhar na floresta apesar das

árvores que nos toldam a vista.

Infelizmente o assunto da arqueologia vs. “caçadores de tesouros” não é tão a preto e

branco como nos é feito crer ou como nos possa parecer à primeira vista. Para

compreender tão complexa matéria , é necessário analizar:

1. Formas de protecção da herança maritíma;

2. Diferenças de objectivos dos grupos envolvidos;

3. Causas reais de preocupação.

1. Como proteger a herança marítima cultural

A capacidade de protecção da herança marítima nacional depende exclusivamente das

capacidades da nação para controlar as suas águas territoriais. Infelizmente, países

industrializados e do terceiro mundo são em termos económicos, ainda mundos á parte

e, por vezes, substimamos os problemas que muitos dos países em desenvolvimento têm

para assegurar, as necessidades básicas como alimentação, saúde e educação para a sua

população. A protecção da herança cultural marítima destes países torna-se

consequentemente uma segunda prioridade, somente uma de muitas áreas a necessitar

de atenção. A maioria destes despreveligiados países, não se conseguem proteger como

os “países industrializados” o fazem, os quais têm meios económicos para operar uma

marinha, uma guarda costeira ou polícia marítima. A herança marítima cultural destas

nações é por isso uma preza fácil para caçadores de tesouros, pescadores sem instrução,

mergulhadores desportivos desonestos e sem educação e, ocasionalmente, burocratas

corruptos que facilitam a venda ilegal de artefactos recuperados.

O conceito teórico da Unesco, presente na sua recente “Convenção da Herança Cultural

Subaquática” promovendo a protecção dos naufrágios “in situ” (registar a localização

do naufrágio mas deixando o local intacto), poderia funcionar em tempo limitado, se

medidas de segurança apropriadas, fossem tomadas. Contudo, mesmo nos países

desenvolvidos, alguns deles não podem controlar e proteger as suas vastas costas e

águas territoriais, a protecção dos seus naufrágios “in-situ” não passa de um “wishful

thinking”, com muitos destes locais quer registados quer não registados, a ser

destroçados e destruídos a uma velocidade alarmante. E que podem estes países fazer

sem peritos arqueológicos, sem fundos apropriados, sem meios para proteger a sua

herança marítima?

a. Fechar os olhos e perder a sua herança cultural marítima para “caçadores de

tesouros”;

b. Ter esperança de que, talvez um dia, alguma instituição, ONG ou um patrocinador

que apareçam e desenvolvam um programa arqueológico que permita o controle a longo

termo pela nação ribeirinha;

c. Tomar uma atitude que lhes permita adiantarem-se a “caçadores de tesouros” e

salvarem a sua herança marítima com a ajuda de grupos privados de arqueologia

marítima, antes que os seus mais importantes naufrágios sejam pilhados, destruídos e

perdidos para sempre. Apesar da alternativa b. ser a solução perfeita ela é infelizmente

irrealista.

O tempo de execução de um projecto é da maior importância, pelo que concessões

institucionais podem ajudar no desenvolvimento de um projecto específico, mas não

suportarão ilimitadamente um projecto de larga escala, o qual é muito difícil de

definição prévia e pode demorar décadas a ser correctamente executado. A opção c. é

pois, a única solução viável. Um grupo auto sustentado e experiente de arqueologistas

marítimos podem treinar especialistas locais, fornecer informações compiladas dos

naufrágios, estabelecer prioridades nas decisões de intervenção, e gerar rendimento e,

assim, como consequência, a herança marítima cultural da nação obterá a desejada

protecção a longo termo.

2. A diferença de objectivos dos grupos envolvidos e a necessidade em definir o que é a

arquelogia marítima versus “caçadores de tesouros”

O preto e branco da visão fundamentalista dos “Velhos do Restelo” vê somente dois

grupos e define-os como “os bons” e os “maus” Num mundo em que a política

tradicional (esquerda e direita) deixou de ser suficiente tivemos de optar pelo meio

termo, uma “terceira via”; o equilíbrio entre a consciência social e uma economia

saudável.

Se este mesmo compromisso for utilizado na resolução do nosso problema torna-se

necessário em primeiro lugar, analizar quem são as partes envolvidas:

- Grupo I – Arqueólogos pagos pelo estado ou patrocinados por instituições estatais (Ex.

CNANS ou a Universidade do Texas)

- Grupo II – Arqueólogos não pagos e que trabalham com o único propósito da edição

de uma publicação cientifíca (Ex. Margarete Rule ou Mensun Bound)

- Grupo III – Arqueólogos, pagos por uma fundação ou patrocinados de outra forma

(Ex. Frank Goddiot)

- Grupo IV – Arqueólogos que trabalham para uma empresa privada, auto sustentada e,

cientificamente organizada. (Ex. Arqueonautas S.A.)

- Grupo V – Caçadores de tesouros, portanto ilegais, que trabalham com fins comerciais

sem qualquer interesse científico.

A existência destes diferentes grupos leva-nos a reflectir em dois pontos:

a. O financiamento necessário para a condução de um projecto marítimo arqueológico;

b. A capacidade científica para documentar a recuperação de um naufrágio, com a

finalidade da sua publicação;

Se a utilização do dinheiro dos contribuintes ou de patrocínios de longo termo não

forem uma opção, temos de procurar alternativas comerciais estando atentos à natureza

repetitiva das cargas, sejam elas, moedas, porcelanas, armas, objectos comercializáveis

ou qualquer outro artefacto. Não existe qualquer dúvida ou discussão de que só é

aceitável trabalhar comercialmente com grupos de arqueologia marítima consolidados, e

de que todos os achados únicos ou repetidos, classificados por peritos neutrais em

arqueologia marítima, como herança cultural marítima permanecam no país para serem

expostos em museus nacionais ou para integrarem exposições itinerantes. A venda de

objectos repetidos, já representados na herança cultural marítima nacional permite,

todavia, o financiamento consequente da protecção da herança marítima nacional – o

segundo príncipio juntamente com a recomendação teórica “in-situ” embora contrário à

convenção da UNESCO UCH.

Existem alguns conhecidos arqueólogos marítimos independentes com larga

experiência, que estão interessados em suportar comercialmente grupos de

arqueologistas marítimos, com a condição de que estes grupos:

a – Sejam contractualmente obrigados a que a parte da herança selecionada e a

informação científica recolhida permaneça no país onde foi encontrada;

b – Que operem de acordo com uma metodologia arqueológica específica, permitindo a

preparação da documentação relativa ao naufrágio em causa, sua localização e os

artefactos recuperados.

Os grupos II e IV podem assim trabalhar em conjunto, com melhores resultados para

todas as partes envolvidas:

- A nação em causa recuperará a sua herança perdida;

- O grupo privado terá o potencial para pagar aos seus investidores;

- O arqueólogo responsável poderá enriquecer a colecção das suas publicações

científicas e aumentar o conhecimento e o lazer do público.

3. As causas reais de preocupação

Para o funcionário público de um país ocidental, empenhado na preservação da herança

marítima cultural do seu país e que beneficia de um sistema o qual, através da marinha

ou da guarda costeira, permite a protecção da sua herança marítima nacional, é fácil

criticar os países mais pobres, os quais vivem uma realidade completamente diferente.

Algumas pessoas oriundas de países de antigos impérios coloniais e que exploraram

países do terceiro mundo durante centenas de anos, ainda hoje se arrogam o direito de

dizer a estes países como devem conduzir os seus interesses. Pior ainda, algumas destas

pessoas estão a tentar com que a herança marítima cultural destes países, a qual pela lei

marítima internacional é pertença das nações onde ocorreu o naufrágio, vá para os seus

próprios países, reclamando que esses barcos eram barcos de guerra e,

consequentemente, sob a soberania da sua bandeira.

Quando acusados muito justamente por estes países, pela sua postura neo-colonialista,

reagem sem compreensão e tentam encontrar razões para acusar estes países de estarem

errados e que eles “os únicos que são peritos por inteiro” estão certos. Que melhor

forma que utilizar o nome da UNESCO e impor uma doutrina em que a única forma

correcta é a de (a) a protecção de naufrágios “in-situ” e (b) a proibição da venda de

quaisquer objectos recuperados num ambiente marítimo?

Quando da ractificação destas duas regras, essas pessoas estariam então em posição de

reclamar a “sua” herança marítima, declarando a outra nação como incapaz na sua

protecção – uma vez que estas não jogam de acordo com estas ractificações.

Quando o mundialmente famoso arqueologista George Bass, em 1979, publicou “O

homem que roubou as estrelas” ao explicar a triste perda de alguns naufrágios para

companhias de salvados, que não tinham qualquer noção acerca da importância histórica

e cultural destes naufrágios, que vieram a ser completamente destruídos no processo de

recuperação de bens valiosos – ele estava cheio de razão.

Hoje – cerca de um quarto de século mais tarde – uma terceira forma está ela própria a

eatabelecer-se, para o benefício da protecção da herança marítima cultural, em países

em desenvolvimento. A vida não ficou mais fácil desde então, e por vezes temos de

olhar para além do nosso pequeno mundo e tentar arranjar soluções pragmáticas – que

tal lembrar “os Velhos do Restelo”!

(de Conde Nikolaus Sandizell, Estoril Junho 2004)

…………………………………………………………………………….

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 12

Artigo no jornal "O País", edição nº 79, 5 de Junho de 2004

(minha transcrição)

"Ilha de Moçambique. A Venda de Objectos Arqueológicos é Legal"

(...)

Jacinto Veloso, presidente do Conselho de Administração da Património Internacional,

empresa que está associada à Arqueonautas Worldwide no projecto de investigação,

divulgou o seguinte esclarecimento que transcrevemos:

O "Mediafax" com o número 2039 de 28.05.04 publicou um artigo com o título

"Património Arqueológico Nacional Exportado ilegalmente". Sobre o seu conteúdo

gostaria de tecer as seguintes considerações:

1. As peças arqueológicas foram legalmente exportadas por aprovação do Conselho de

Ministros no quador do contrato que é referido no citado artigo do Mediafax: a Lei

10/88 dá esta competência ao Conselho de Ministros (...).

2. O projecto arqueológico realizado pela Arqueonautas e pelo Património Internacional

Sarl (sociedade maioritariamente estatal, sem fins lucrativos) não é de "Caça ao

Tesouro" ; é sim um projecto que respeita rigorosamente o prescrito na lei, no seu Art.

14, isto é, realizou-se segundo as normas científicas e obedecendo a princípios

internacionais aplicáveis; me parece assim que as opiniões que contrariam a de Teixeira

Duarte são as mais correctas;

3. Declara o arqueólogo moçambicano que "foi a primeira vez que objectos de

Monumento do Património Cultural da Humanidade foram vendidos em hasta

pública...". É verdade. Mas tudo legal, Até agora todos os objectos de monumentos do

Património Cultural levados e/ou vendidos no estrangeiro saíram ilegalmente do país,

foram literalmente pilhados e as estações arqueológicas correspondentes destruídas.

Foram muitas e muitas! Será que o arqueólogo e a UNESCO não se deveriam

preocupara mais com a pilhagem dos bens culturais e com a melhor forma de a

proteger?

4. Mais grave ainda é a atitude da UNESCO que "inventou" uma Convenção de

Protecção do Património Cultural Subaquático que apenas protege os países ricos e

aqueles que dizem ter sido no passado os proprietários das cargas afundadas: algumas

delas roubadas e que são hoje consideradas património cultural; ao mesmo tempo, a dita

convenção prejudica os países do terceiro mundo que são legalmente e pela lei geral os

legítimos proprietários das cargas afundadas nas suas águas territoriais e também os

donos actuais dos destroços dos navios que as transportavam.

5. Sabiam os leitores do "Mediafax" que até hoje nenhum país ratificou a mencionada

Convenção da UNESCO, aprovada em 2001?

6. Terão os leitores do "Mediafax" sido informados que no processo da Convenção da

UNESCO, a 4 de Novembro de 2001, se abstiveram ou votaram contra os seguintes

países: Noruega, Rússia, Turquia, Venezuela, Brasil, Alemanha, Grécia, Guiné-Bissau,

Islândia, Israel, Holanda, Paraguai, Suécia, Suíça, Reino Unido e Paraguai?

7. Conhecerão a existência de países que são favoráveis, ainda que sob certas condições,

à comercialização de bens do património cultural subaquático? São eles entre outros:

Cuba, Indonésia, Filipinas, Reino Unido, EUA, Cabo-Verde, Colômbia, Uruguai,

Vietname, Bahamas, Malásia, Seychelles, Maurícias, China, Madagascar, Barbados,

República Dominicana e outros do Caribe."

……………………………………………………………

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 11: ARTIGO NO SAVANA

Transcrição do artigo publicado na última edição do "Savana" sobre a problemática do

património arqueológico subaquático em águas moçambicanas. E agradecendo o seu

envio a Machado da Graça.

Arqueologia em águas turvasMaura Quatorze e Machado da Graça

Savana, 4 Junho 2004

A 19 de Maio, em Amsterdão, a conhecida empresa Christie's organizou um leilão de

porcelanas chinesas, da dinastia Ming, e peças de ouro, retiradas de um navio

naufragado em frente da Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique. Tratou-se

de 125 objectos de porcelana e 21 peças de ouro, que renderam no leilão 117.289 Euros.

Calcula-se que o navio, um galeão português, tenha naufragado na segunda metade do

século 16. Uma das peças de porcelana continha uma data chinesa que corresponde, no

nosso calendário, ao ano de 1553. De acordo com o estilo das peças de porcelana, a

maior parte delas pertence à época do imperador chinês Wanli (1573-1619).

Segundo um press release da Chistie's, cerca de 1500 peças de porcelana foram

encontradas nos restos do navio, bem como 12 quilos de ouro. Muitos arqueólogos

nacionais e estrangeiros condenam este leilão. Se foi ou não legal, de acordo com a lei

moçambicana é outra questão em debate. Mas como é que essas peças de porcelana e

ouro chegaram a Amsterdão para serem vendidas em leilão?

A sua exportação para fora de Moçambique é um dos aspectos que mais polémica tem

levantado tanto a nível nacional, como por especialistas no estrangeiro, que têm

acompanhado o processo e muito têm comentado sobre o assunto.

De acordo com o artigo 15 da lei 10/88 - lei de protecção dos bens materiais e imateriais

do património cultural moçambicano -, sobre a importação e exportação de bens

culturais, "é proibida a exportação de bens classificados do património cultural".

Aquela lei define, no seu artigo 7, que são, com efeito imediato, considerados como

bens classificados do património cultural "a) todos os monumentos e elementos

arqueológicos; ...". Complementando o anterior, o artigo 10 estabelece que "são

considerados propriedade inalienável do Estado os seguintes bens do património

cultural conhecidos ou que venham a ser encontrados no território nacional: a) estações

e objectos arqueológicos".

Contudo, numa conferência de imprensa realizada na última quarta-feira, a Directora

Nacional do Património Cultural, Ângela Kane, defendeu que a lei moçambicana

estabelece a existência de objectos arqueológicos alienáveis e inalienáveis, e garantiu

que apenas os bens considerados não classificados passaram para as mãos da

Arqueonautas.

O fiscalizador nomeado pelo governo para controlar a actividade da Arqueonautas,

Leonardo Adamovitz, defendeu na mesma ocasião que todos os bens considerados

raros, exclusivos, em bom estado de conservação e, portanto, de grande valor

patrimonial, ficaram com o Estado moçambicano.

Para sustentar a tese de que existem bens culturais alienáveis e inalienáveis, Ângela

Kane apontou o artigo 18 da lei 10/88, que diz que "o uso ou exploração de bens

classificados do património cultural para fins industriais ou comerciais carece de

autorização expressa em termos a definir pelo Conselho de Ministros".

É precisamente ao Conselho de Ministros que cabe determinar que objectos

considerados como bens patrimoniais inalienáveis podem passar a alienáveis (artigo 7).

Contudo, ainda segundo a Directora Nacional, o assunto nunca foi levado àquele

organismo.

Ademais, e embora o destino dos objectos fosse o referido leilão, segundo o contrato

firmado entre o Governo, a Património Internacional e a Arqueonautas, ao levar as

peças encontradas no galeão português para fora de Moçambique, a Arqueonautas tem o

direito a isenção de todos os encargos fiscais.

Sobre isto, estabelece o contrato que "o "Contratante" providenciará para que os bens

culturais atribuidos ao "Contratado" sejam, no momento da sua exportação, isentos de

pagamento de qualquer taxa, direito, emolumento ou imposto, mercê do benefício

previsto na Lei de Protecção do Património Cultural (Lei n. 10/88, Artigo 16)".

Ora o referido artigo 16 da lei moçambicana refere a tal isenção "desde que os bens se

destinem a ser utilizados para fins culturais, científicos ou, de outro modo de utilidade

pública, no âmbito de acordos com Estados, organizações internacionais e entidades

públicas e privadas de outros países."

Dificilmente se pode incluir a exportação para venda em leilão entre as várias categorias

que o artigo refere.

Mas, afinal, como começou o projecto que culminou com o leilão de 19 de Março?

Em Dezembro de 1997, segundo o jornal METICAL, o Governo acordou o projecto

com um "consórcio internacional" com as seguintes empresas: Património Internacional,

Genoux Surveys, Maritime Archeological Explorations e Lox Rhodia- Sociedade

Portuguesa de Exploração Arqueológica Nautica.

Segundo o mesmo jornal a Património Internacional detinha 50% do consórcio. O

montante de despesas previsto era, na época, de 1 milhão de dólares e previam a

exploração de cinco zonas: Junto ao rio Rovuma, Junto a Angoche, A Norte da Beira.

Junto a Inhambane e a Norte de Inhambane.

Jacinto Veloso, Presidente do Conselho de Administração da Património Internacional,

disse ao METICAL que a venda do espólio seria "em certas circunstâncias" para, entre

outros objectivos, "repor os fundos investidos" e investir o resto no "património cultural

do país" como a Ilha de Moçambique. "Não se prevê que haja lucros" afirmou Veloso.

Pressionado pelo jornal a falar sobre a legalidade do empreendimento, Jacinto Veloso

respondeu que "se o contrato for ilegal será anulado".

Na opinião de Adamovitz, a assinatura por Moçambique do contrato com a Património

Internacional e a Arqueonautas significa que "o governo moçambicano escolheu o mal

para não ficar com o pior". Neste caso foi escolher entre o pior "uma anarquia em que

não havia nenhuma fiscalização e em que cada um, incluindo muitos piratas, tirava o

que queria dos barcos" ou "assinar o contrato com uma empresa, embora às vezes a sua

reputação seja duvidosa", disse o arqueólogo. "É melhor ter um ladrão do que cem

ladrões", acrescentou.

Actividades decorreram sem fiscalização durante 2 anos

Embora o contrato firmado entre o governo moçambicano e as duas empresas refira

claramente a necessidade de que todas as actividades sejam acompanhadas de um

trabalho de fiscalização, durante cerca de dois anos a Arqueonautas agiu livremente,

sem que o Estado tivesse um fiscalizador que zelasse pelos seus interesses.

As actividades iniciaram, de acordo com dados na posse do SAVANA, no ano 2001.

Numa primeira fase, o Departamento de Antropologia e Arqueologia da Universidade

Eduardo Mondlane (UEM) ficou responsável pela fiscalização mas a sua colaboração

não durou muito.

E só em 2003 foi nomeado o arqueólogo Leonardo Adamovitz, representante do Comité

ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e Sitios), em Moçambique, que

assumiu o papel de fiscalizador pelo Estado moçambicano.

De acordo com a Directora Nacional do Património Cultural, Ângela Kane, não

constitui verdade que a empresa Arqueonautas tenha estado a trabalhar sem fiscalização

durante dois anos.

"O Ministério da Cultura nomeou a UEM em 2000. Eles contribuiram numa primeira

fase mas depois deixaram de o fazer, e foi aí que recorremos à ICOMOS", disse a

responsável numa conferência de imprensa realizada na última quarta-feira.

Contudo, diversos documentos na posse do SAVANA indicam que a Arqueonautas

esteve a trabalhar sem qualquer fiscalização durante um período considerável de tempo.

Aliás, num encontro de trabalho com a liderança municipal da Ilha de Moçambique, em

Junho de 2002 o Ministro da Cultura, Miguel Mkaima, aludiu à falta de fiscalização.

Já em 2003, num relatório do Ministério da Cultura sobre a arqueologia subaquática no

país foi classificado de urgente a nomeação de uma equipa de fiscalização para garantir

"um controle rigoroso da actividade de pesquisa subaquática", como prevê o contrato de

concessão

E, segundo a fonte documental, tanto a Património Internacional como a Arqueonautas

já haviam solicitado em mais de uma ocasião que fosse nomeada a tal equipa de

fiscalização.

Sobre este assunto diz o contrato que:

"Os encargos financeiros decorrentes do trabalho de fiscalização deste programa serão

custeados em partes iguais pela PATRIMÓNIO INTERNACIONAL, SARL, e pela

ARQUEONAUTAS WORLDWIDE, ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA S.A., que

serão posteriormente reembolsadas quando o "Contratado" vier a usufruir dos prémios e

indemnizações previstos no Artigo 20 do presente contrato.

1. Será constituida para este programa uma equipa de fiscalização, que será designada

pelo Governo em coordenação com a Universidade Eduardo Mondlane. O responsável

da equipa de fiscalização deverá ser de preferência um arqueólogo moçambicano e

poderá contratar assessoria especializada sempre que se revele necessário.

2. A equipa de fiscalização deve manter uma presença permanente no local dos

trabalhos."

E o artigo prossegue explicando as tarefas dos fiscais.

No entanto, numa adenda do contrato de concessão, assinada de 18 de Junho de 2003,

diz, no seu artigo 14, "O Contratado é irresponsável e o projecto em desenvolvimento

mantém-se ininterrupto e inalterável se o Contratante ou qualquer entidade com ele

relacionada não providenciar a necssária equipa de fiscalização conforme o estipulado

no contrato".

Ou seja, este documento autoriza a Arqueonautas a trabalhar sem qualquer fiscalização,

o que, de qualquer forma, só passou a poder acontecer a partir da data da sua assinatura.

POLÉMICA

O anúncio de que o consórcio cirado se preparava para retirar do fundo do mar objectos

existentes em navios afundados, que seriam apresentados no pavilhão moçambicano da

Expo 98, em Portugal, deu lugar a uma grande polémica lançada por alguns arqueólogos

nacionais, com destaque para Ricardo Teixeira Duarte, que contestavam os fins e os

meios a adoptar pelo referido consórcio, bem como a um protesto da Comissão

Científica da participação moçambicana na Expo, que declarou nada ter a ver com tal

projecto.

A polémica baseava-se em duas posições opostas: para uns, os bens arqueológicos

recuperados eram pertença inalienável do Estado. Para outros era defensável um

contrato com empresas privadas que fariam o trabalho de recuperação, dividindo-se os

resultados de forma a ser regulada no dito contrato, sendo as empresas livres de

venderem a sua parte como forma de obter lucros.

Na altura, ainda segundo o METICAL, o reitor da Universidade Eduardo Mondlane,

Brazão Mazula afirmou que o contrato era "uma aberração" e que dava razão a Ricardo

Teixeira Duarte. Igualmente o Departamento de Arqueologia e Antropologia da UEM

condenou o projecto considerando-o ilegal e desvantajoso para Moçambique.

O Ministro da Cultura e Juventude na altura, Mateus Katupha, defendeu o contrato

dizendo que, como era legalmente obrigatório, este foi elaborado após consulta ao

Conselho Nacional do Património Cultural. No entanto o próprio Ministro afirmou,

ainda segundo o METICAL, que o parecer foi de que os contratos não deviam ser

assinados.

Não obstante, o referido consórcio andou pelas costas do Norte de Moçambique.

O PROCESSO CONTINUA

Após esta polémica deixou de se falar publicamente no assunto e na empresa criada pelo

governo moçambicano, nessa altura, para lidar com o projecto, a Património

Internacional SARL, com cerca de 80% de capital estatal e o resto na mão de privados.

Isto não quer dizer que as actividades de arqueologia submarina não se tenham iniciado

e continuado até hoje desembocando agora no leilão de Amsterdão. A Património

Internacional SARL colabora nestes trabalhos com a Arqueonautas Worldwide,

Arqueolologia Subaquática S.A., uma empresa criada em 1994. (Ver abaixo: Quem são

os Arqueonautas ).

Esta colaboração é feita ao abrigo de um contrato assinado entre o Governo e aquelas

duas empresas, a 11 de Novembro de 1999, em que se concede uma área, à volta da Ilha

de Moçambique para o desenvolvimento das actividades de arqueologia submarina.

Contrato estabelecido por um período de 3 anos e que terá sido, segundo informações

em nosso poder, recentemente renovado até 2006.

CURIOSIDADES DO CONTRATO

Um dos aspectos mais curiosos do contrato é o facto de ele ser considerado

confidencial. Na realidade, há todo um artigo no articulado sobre a questão do

secretismo que deve rodear o projecto. Senão vejamos:

Art. 6 (CONFIDENCIALIDADE)

1. Com o objectivo de assegurar uma verdadeira protecção ao "Contratado" beneficiário

da autorização e de preservar o resultado do programa decidido de comum acordo, as

partes abaixo assinadas comprometem-se a observar, em relação a terceiros que não

fazem parte do presente Contrato, um segredo rigoroso e completo.

2. Serão particularmente guardadas confidenciais todas as indicações, mesmo indirectas,

sobre as coordenadas dos lugares onde estariam situados, ou presumivelmente situados,

os destroços de navioas afundados e sobre todos os bens culturais encontrados ou

apenas presumivelmente encontrados.

3. As partes poderão, no entanto, de comum acordo, divulgar aspectos específicos da

realização do programa a um certo nível da sua execução e decidir de medidas

adequadas de protecção das zonas de investigação.

Art. 20 (INDEMNIZAÇÕES E PRÉMIOS POR DESCOBERTAS

ARQUEOLÓGICAS)

1. o "Contratante" reconhece à sociedade ARQUEONAUTAS WORLDWIDE,

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA S.A. do "Contratado" o direito de receber e tornar-

se proprietária de bens culturais cujo valor apreciado representará cinquenta por cento

(50%) do valor global do total dos bens culturais encontrados, que só poderá cobrir

elementos semelhantes a outros itens descobertos na mesma localização em termos de

natureza dos seus materiais, tipo, características, originalidade, história artística e que

não sejam considerados de valor excepcional. O "Contratante" reconhece também que a

sociedade PATRIMÓNIO INTERNACIONAL, SARL, tem igualmente o direito de

receber e tornar-se proprietária de bens culturais cujo valor apreciado representará os

restantes 50% (cinquenta por cento) do valor global dos bens encontrados ao qual será

posteriormente deduzido o valor dos bens escolhidos pelo "Contratante" e que este

seleccionou como sendo parte do "Património Inalienável do Estado".

Neste artigo a expressão "Contratante" refere o Estado Moçambicano e a "Contratado"

refere o consócio entre as duas empresas.

UNESCO

Na primeira semana de Maio de 2003 realizou-se em Maputo uma conferência,

patrocinada pela UNESCO, com o tema PROTECÇÃO DO PATRIMÓNIO

CULTURAL SUBAQUÁTICO. Era objectivo dessa conferência pressionar as

autoridades moçambicanas para que fosse ratificada a Convenção da UNESCO,

aprovada em Paris, em Novembro de 2001. A Arqueonautas WW esteve representada

no encontro pelo seu arqueólogo chefe Alejandro Mirabal.

No entanto Moçambique ainda não o fez, bem como alguns outros países,

nomeadamente o Brasil, Cuba e os Estados Unidos.

Um dos aspectos que torna esta questão importante é o facto de a Ilha de Moçambique

ter sido considerada, pela UNESCO, Património Mundial da Humanidade, incluindo,

logicamente, os materiais arqueológicos que lá se encontram.

Se Moçambique já tivesse ratificado a Convenção da UNESCO a organização das

Nações Unidas teria força para agir de forma a impedir a exportação dos achados

arqueológicos para fora de Moçambique e a sua comercialização em Amsterdão.

E a posição da UNESCO sobre esta matéria está exposta de forma clara na Convenção.

O documento define que "a exploração comercial do património cultural subaquático

para comércio ou especulação, ou a sua dispersão de forma irrecuperável é

fundamentalmente incompatível com a protecção e a correcta gestão do mesmo. Os

bens do património cultural subaquático não devem ser negociados, vendidos, ou

comprados como objectos comerciais".

INTERESSES DE OUTROS PAÍSES

Em Outubro de 2003 as duas empresas pediram autorização para a entrada em Portugal

e posterior reexportação de parte das peças recuperadas. A intenção era que elas fossem

apresentadas a público em exposições, mas o governo português recusou essa entrada,

argumentando com a diferença existente entre a legislação portuguesa e a moçambicana

sobre esta área. Em carta assinada pela Chefe de Gabinete do Ministro Português da

Cultura, Rosário Calvão, destaca-se "o facto de o pedido apresentado pelos requerentes

ser equívoco no que respeita à nacionalidade da nau naufragada".

Esta questão da nacionalidade é importante na medida que há quem defenda que os

navios e os bens que contêm continuam pertença dos seus anteriores donos seja qual for

o local onde naufragaram e o tempo decorrido.

Não é essa, no entanto, a posição das autoridades moçambicanas, que se baseiam na

Convenção da UNESCO que, no seu art. 7 afirma que: Os Estados Partes no exercício

da sua soberania têm o direito exclusivo de regulamentar e autorizar actividades

dirigidas ao património cultural subaquático nas suas águas interiores, nas suas águas

arquipelágicas e no seu mar territorial.

Segundo o Dr. Leonardo Adamovitz, responsavel no nosso país do ICOMOS que, no

entanto, lamenta a realização do leilão, o dinheiro obtido destina-se à formação de

arqueólogos sub-aquáticos moçambicanos, à fundação do Instituto de Arqueologia

Subaquática na Ilha de Moçambique e à preparação da exposição permanente da

cerâmica chinesa na Ilha. Ele refere que já existe alguma cooperação com a China e

alguns portugueses nesse sentido.

Ainda segundo Leonardo Adamovitz, o ICOMOS testemunhou a deposição da

documentação e das melhores peças únicas ou colecções completas no Museu da Ilha de

Moçambique e tem a certeza de que esta colecção não foi objecto de exportação e nunca

será comercializada.

A ver vamos...

Quem é a Arqueonautas?

Segundo Paulo Alexandre Monteiro, da Archport, "A Arqueonautas, AS é uma empresa

de caça ao tesouro formada em 1994. Tinha como director de operações John Grattan,

ex-oficial da Royal Navy e protagonista de vários desacatos e crimes na ilha Terceira,

onde operou em 1972. A empresa que tem (ou tinha) como accionistas, entre outros,

membros do Grupo Espírito Santo, Francisco Pinto Balsemão e José Manuel de Mello,

opera (ou operou) em Cabo Verde com o beneplácito do Ministro do Mar, depois de ter

visto frustrada a sua intenção de proceder a prospecções e recuperações nos mares dos

Açores, ao abrigo do revogado dec.lei 289/93.

A sua arqueóloga contratada, Margareth Rule, declarou em público não se

responsabilizar pelos trabalhos da empresa, servindo apenas de consultora, não

assumindo, portanto, quaisquer responsabilidades caso a administração da empresa não

seguisse os seus conselhos.

Existem – ou existiam – algumas pessoas e entidades – como a Fundação Ricardo

Espírito Santo e a Faculdade de Letras de Lisboa – associadas a esta empresa. Entre as

individualidades referidas contam-se José Hermano Saraiva, consultor cultural da

empresa, e Dom Duarte de Bragança, presidente do Conselho de Acompanhamentos da

Arqueonautas, AS. Este último, segundo as suas declarações à Agência Lusa aquando

da sua estadia no aerquipélago cabo-verdiano, em Julho de 1995, teria usado a sua

influência para sensibilizar as autoridades locais para a recuperação de naufrágios

históricos, num projecto que custaria milhões de dólares. O gabinete de Dom Duarte

admitiu mesmo ao jornal Público que o pretendente ao trono participara na reunião

havida entre a Arqueonautas e o governo cabo-verdiano, reunião na qual foi negociada a

concessão de exploração de uma zona marítima junto à ilha do Fogo".

Segundo o seu próprio site na Internet, a Arqueonautas foi fundada a 10 de Agosto de

1995, na ilha da Madeira e registada na Conservatória do Registo Comercial da Zona

Franca da Madeira. Apresentava, em 2003, um capital totalmente realizado de 3 milhões

de Euros. No site da empresa não foi possível detectar nenhum endereço físico, mas em

outros sites aparece um endereço no Estoril, perto de Lisboa. Como face representativa

da empresa aparece um conde Nikolaus (Nikky) Sandizel, como presidente do conselho

executivo. Os outros dois membros desse conselho são o Barão Howard Strouth e o

Barão Reinout Sloet to Everlo.

Através de outras informações fica a saber-se que o governo de Cabo Verde terá

rescindido o seu contrato com a Arqueonautas por razões que não foi possível conhecer.

Ainda na Internet surge um comunicado da Marinha Americana informando que os

objectos leiloados pela Arqueonautas, retirados de um barco de guerra americano

naufragado junto a Cabo Verde, são pertença do governo americano e não podem ser

comercializados.

O QUE DIZ A LEI

A Lei 10/88 define com clareza, no seu artigo 3, ponto 5 b) que: Elementos

arqueológicos (instrumentos líticos, cerâmicas)... são bens culturais móveis.

No seu artigo 7, ponto 2, afirma: "São, com efeito imediato, declarados bens

classificados do património cultural: a) Todos os monumentos e elementos

arqueológicos; ..."

No seu artigo 10 afirma que: "São considerados propriedade inalienável do Estado os

seguintes bens do património cultural, conhecidos ou que venham a ser encontrados no

território nacional: a) Estações e objectos arqueológicos ..."

No artigo 15 a mesma lei afirma que: "É proibida a exportação de bens classificados do

património cultural".

O artigo 16, no seu ponto 1 afirma que: "Importação ou exportação temporária ou

definitiva de bens culturais poderá ser isenta de direitos de importação e exportação

desde que os bens se destinem a ser utilizados para fins culturais, científicos ou, de

outro modo, de utilidade pública, no âmbito de acordos com Estados, organizações

internacionais e entidades públicas e privadas de outros países."

No artigo 24 diz que: "A exportação de bens classificados do património cultural será

punida nos termos do art. 21, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal a que o

infractor ficar sujeito."

O Regulamento de Protecção do Património Arqueológico, decreto n. 27/94 define, no

seu artigo 2, que: "Património arqueológico é o conjunto de bens móveis e imóveis de

valor arqueológico, paleontológico, antropológico ou geológico, relacionados com as

gerações antepassadas, encontrados por meio de descobertas fortuitas, prospecções ou

escavações arqueológicas, bem como os que venham ainda a ser descobertos ou

escavados...".

No seu artigo 7 este regulamento afirma que: "1. Quem descobrir um elemento

arqueológico, consoante o valor que se prove que ele tenha sob o ponto de vista

artístico, histórico, científico ou de preciosidade dos seus materiais, pode requerer ao

Ministro da Cultura e Juventude um prémio que compense o valor do achado. 2. O

requerente, sujeito às condições definidas no art. 6 do presente capítulo, pode requerer

ao Ministro da Cultura e Juventude que o prémio pela descoberta dos elementos

arqueológicos seja substituído pelo direito a se tornar proprietário de parte do espólio

recolhido durante a realização de trabalhos arqueológicos. (...) 4. Para os casos previstos

nos parágrafos anteriores a alienação é precedida do processo de anulação da

classificação dos respectivos bens, ao abrigo do n. 1 do artigo 7 da Lei 10/88, de 22 de

Dezembro e podem os mesmos ser exportados temporariamente ou definitivamente ao

abrigo da isenção prevista no parágrafo 1 do artigo 16 da Lei n. 10/88, de 22 de

Dezembro."

O artigo 18 refere que: "1. A anulação de elementos arqueológicos como bens

classificados do património cultural é da competência do Conselho de Ministros. 2. O

processo de anulação de elementos arqueológicos como bens classificados do

património cultural é realizado através de uma proposta feita pelo depositário e

entidades responsáveis pela elaboração dos inventários de elementos e estações

arqueológicas, após o que é enviado à DNPC que o submete ao Ministro da Cultura e

Juventude. 3. A proposta de anulação da classificação deve referir o insuficiente valor

patrimonial do elemento arqueológico, com base na análise e estudos efectuados."

Analisando o presente leilão à luz desta legislação pode concluir-se que a única forma

de as peças leiloadas terem saído legalmente do país era mediante a sua prévia

desclassificação, pelo Conselho de Ministros, ao abrigo do art. 18 do regulamento.

Terá isso sido feito?

E, se foi, como é que o Conselho de Ministros considerou ter "insuficiente valor

patrimonial" uma colecção de 125 peças de cerâmica chinesa da dinastia Ming? Peças

que acabaram por ser leiloadas por mais de 100 mil Euros?

………………………………………………………………….

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 10

No Savana (sem ligação ao texto referido) trabalho aprofundado sobre a acção da

"Arqueonautas" em Moçambique: "Arqueologia em águas turvas", de Maura Quatorze e

Machado da Graça. Acentuando a ilegalidade face à legislação moçambicana. E

sublinhando o facto da empresa caça-tesouros não trabalhar sob nenhuma fiscalização

estatal, como foi contratualizado (nem isso, nem isso). Destaque acentuado, ocupa as

páginas centrais.

(Para quando o Savana na internet?).

Publicado por JPT em 10:14 PM | Comentários (0) | TrackBack

SOBRE PRINCÍPIOS: ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 9

Os arqueólogos Filipe Castro do Oeste Bravio (via email) e Alexandre Monteiro do

Naufragios tiveram a amabilidade de agradecer o eco que aqui tenho dado à questão do

património arqueológico subaquático.

Agradeço os agradecimentos. Aliás, retribuo os agradecimentos. No sentido em que tal

questão não é dos arqueólogos, é de todos. Os arqueólogos são (apenas) os "nossos"

especialistas nesta(s) matéria(s). [piscadela de olho]

Mas talvez alguns leitores do Ma-schamba estejam até cansados/surpresos com tanta

atenção [é o 9º apontamento longo sobre o assunto]. Então, e principalmente para os

menos ligados a estas questões, aqui deixo um texto que o Alexandre Monteiro me

enviou sobre o assunto pois poderá contextualizar melhor a importância da matéria em

causa.

Tanto no texto como nos emails recebidos fala-se de princípios. Que são fundamentais.

Mas eu gostaria de lhes somar algo, mais pragmático, ainda que com voz de não-

especialista. Portanto hei-de fazer 10º apontamento.

Então aqui transcrevo o texto do Alexandre Monteiro:

""O tipo de património com que trata a arqueologia, neste caso a subaquática,

encontra-se, no mínimo, em ampliação constante à medida que as escavações se vão

realizando e à medida que os achados fortuitos se vão multiplicando, um pouco por

todo o espaço nacional e internacional.

Cabe aos órgãos governativos de cada país - a quem compete legislar, estudar,

defender, animar e classificar o património cultural - a definição de uma política de

intervenção esclarecida, responsável, orientada pelo sentido das prioridades e assente

em estruturas de futuro, desde que esta seja devidamente suportada pela comunidade

académica e amadora.

Finalmente todas estas premissas nada serão se não gozarem do apoio da população

directamente envolvida nos processos de gestão arqueológica.

O primeiro passo a dar, será sem sombra de duvida, a elaboração de uma carta

arqueológica subaquática, com todo os sítios da área considerada marcados e

posicionados.

Ora, a necessidade de conhecer os sítios arqueológicos de uma região implica a

obrigatoriedade de se obter um vasto número de dados arqueométricos e geofísicos. O

trabalho de prospecção torna-se assim, uma ferramenta essencial para a colecção

desses dados, ao mesmo tempo que corrobora ou amplia as informações fornecidas

pelas fontes escritas, sendo de destacar a importância da fidelidade de prospecção ,

bem como o aumento da importância do conceito de sítio.

A definição de "sítio arqueológico" está intimamente ligada com os limites das

conclusões que se podem tirar dos trabalhos de prospecção, já que é uma definição

necessariamente aproximativa devido ao carácter restrito das interpretações

cronológicas e funcionais.

A arqueologia e a história constroem imagens que retratam, de uma forma verosímil, o

que se passou anteriormente em determinado espaço, imagens essas que são validadas

diferencialmente por diferentes públicos. Estas imagens, consumidas pelos próprios

utentes do território, atribuem ao património arqueológico um valor de recurso

corrente e de primeira necessidade porque, sem ele, a paisagem perde qualidade e

transforma-se num vasto deserto desmemoriado. É, pois, fundamental a abertura do

debate e do diálogo entre as forças sociais e políticas sobre o que realmente se

pretende como política cultural para este tipo de património.

No caso de Moçambique e da putativa polémica que se tentou levantar relativamente à

reclamação dos achados, no meu entender, esse património, tal como o seu congénere

em terra, é inalienável, indivisível e único.

Logo, a questão da propriedade deixa de se colocar. O património cultural subaquático

das águas de Moçambique passa a pertencer, não à região ou ao país, mas sim à

Humanidade. Como a Ilha de Moçambique, Património Mundial.

O fundamental agora é saber quem é que vai assumir as responsabilidades inerentes à

sua gestão, com todos os custos que isso implica... até porque se pode sempre optar

pela opção zero: afinal, um património afundado há 500 anos, poderá esperar outros

500 anos em condições de estabilidade ideais..."

……………………………………………………………………….

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 8

O Naufragios colocou um texto do arqueólogo moçambicano Ricardo Teixeira Duarte

sobre a venda do património arqueológico.

Aqui o transcrevo. O negrito é meu....

Caça ao Tesouro em Moçambique Ricardo Teixeira Duarte

E lá foi leiloado o património da Ilha de Moçambique.

Na minha qualidade de arqueólogo lamento o facto. Lamentam-no igualmente todos os

meus colegas arqueólogos Moçambicanos. Lamenta o povo da Ilha, indignado pelos

seus tesouros terem ido parar às colecções de meia dúzia de capitalistas diletantes.

Em Novembro de 1997 encontrava-me a trabalhar na Ilha de Moçambique, num

projecto financiado pela cooperação Sueca (ASDI), juntamente com um biólogo do

Museu de História Natural, o José Rosado, num mergulho, mesmo em frente à fortaleza

da ilha, a cerca de 20 m de profundidade encontrámos um conjunto de jarrões

enterrados na areia e uma grande âncora, em direcção à superfície pelo declive acima

uma profusa quantidade de vestígios arqueológicos misturavam-se com corais e peixes

num magnifico espectáculo que se ia proporcionando em direcção à plataforma de coral,

mesmo em frente à fortaleza da Ilha, onde repousavam as pedras de lastro e o resto do

casco de uma antiga nau portuguesa. Estava descoberto o naufrágio cujo espólio agora

foi leiloado pela Christie´s em Amesterdão.

Em Fevereiro de 1998 com a ajuda dos arqueólogos Steve Lubkmann e David Colin do

Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos iniciei o estudo deste importante

naufrágio com grande entusiasmo. Numa primeira campanha de 15 dias fizemos um

reconhecimento do local e o levantamento da zona dos jarrões. Os resultados foram

apresentados numa conferência no centro cultural Americano em Maputo. Um dos

jarrões foi retirado e depositado no museu da Marinha da Ilha de Moçambique. Sobre

este assunto foi feito na altura um documentário para a televisão Moçambicana (TVM)

pela saudosa jornalista Teresa Sá Nogueira.

Os trabalhos estavam devidamente autorizados por uma licença da Direcção Nacional

do Património Cultural. Programávamos um importante projecto de pesquisa da

Universidade no local. Mas este entusiasmo foi “sol de pouca duração”: no mesmo ano

o Governo assina um contrato de exploração comercial de achados arqueológicos com a

empresa Arqueonautas, precisamente para a zona onde estávamos a trabalhar. E assim

traçou o destino dos restos da nau portuguesa que durante séculos tinha sido conservada

no fundo do mar e cujo espólio foi agora parar às colecções privadas de meia dúzia de

ricaços na Europa.

No meio de toda esta tristeza que nem vale a pena discutir, somente deixo um

comentário e uma pergunta:

O comentário:

Foi a primeira vez que objectos de um Monumento do Património Cultural da Humanidade foram vendidos em hasta pública !! Isto perante a passividade da UNESCO !! Como é possível?

A pergunta:

Como autoriza o Governo a venda de objectos de uma estação arqueológica quando a lei

nº 10/88 de 22 de Dezembro no seu artigo 10 considera “Estações e objectos

arqueológicos” propriedade inalienável do Estado ?

A empresa Arqueonautas cometeu assim uma infração flagrante à lei. Quem vai fazer

justiça, quem vai zelar pelo cumprimento da lei neste caso?

………………………………………………………………

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 7

O Naufrágios acaba de colocar mais dois textos sobre a exploração do património

histórico subaquático nas costas moçambicanas, realizada pela empresa

"Arqueonautas". Ecoando o Mediafax de sexta-feira com a posição dos arqueólogos

moçambicanos, e um artigo na última Grande Reportagem, onde mais uma vez se

denuncia a cumplicidade do auto-proclamado pretendente ao trono português nesta

malfeitoria.

……………………………………………………………

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 6

No Oeste Bravio Filipe Castro com mais uma achega para desmontar a credibilidade

(???) dos piratas Arqueonautas

………………………………………………………………..

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 5

Um texto mais sobre a empresa caça-tesouros "Arqueonautas", que actua nas costas

moçambicanas. Da autoria de João Villalobos, publicado na revista Vega neste Maio e

colocado no Naufragios: A Ilha dos Tesouros

……………………………………………………………………….

ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 4

Alexandre Monteiro envia-me ainda um texto por publicado em 1998 (já!) sobre a

questão do património arqueológico subaquático em Moçambique, e iniciativas aqui

desenvolvidas por empresas caça-tesouros portuguesas e outras.

Aqui o transcrevo parcialmente, agradecendo ao autor, o envio e a atenção.

***************************

"Há um mês atrás, o Governo Moçambicano assinou um contrato "não público" para a

exploração do património arqueológico subaquático jazente nas suas águas territoriais, o

qual implica a comercialização de parte desse património.

Há mais de um ano, escrevi nestas páginas - ao concluir um artigo premonitório,

referente à sociedade portuguesa Lex Rhodia - que esta empresa de caça ao tesouro teria

de se dirigir a um outro país do terceiro mundo que não Portugal para poder pilhar à

vontade o património subaquático, que pertence, por definição, à Humanidade e não a

qualquer indivíduo mais "empreendedor".

Essa previsão confirmou-se em parte - felizmente para a nossa reputação, como país

civilizado - ao ser promulgada a nova legislação nacional relativa a protecção jurídica

desses bens, que efectivamente impediu as pretensões da Lex Rhodia. Confirmou-se

também, infelizmente, que a empresa se viraria para outros países que não o nosso,

quiçá menos despertos para a mesma problemática.

No dia 2 de Dezembro de 1997, o Ministério da Cultura, Juventude e Desportos assinou,

em nome do Governo Moçambicano, um contrato "não público" para a exploração do

património arqueológico subaquático jazente nas suas águas territoriais, o qual implica a

comercialização de parte desse património.

(...) o Comissariado Geral de Moçambique na Expo’98, Jacinto Veloso,(...) fala da

realização de um projecto de arqueologia subaquática de prospecção, pesquisa e

valorização de bens culturais naufragados na plataforma continental daquele país da

África Austral. O próprio Comissário confirmou que o contrato determina

efectivamente a comercialização de parte do património encontrado.

Ao que parece, o Governo moçambicano acordou o projecto com um consórcio

internacional formado pelas empresas Património Internacional - uma empresa

constituída por várias entidades moçambicanas, que deterá 50% do capital do consórcio,

que rondará um milhão de dólares - pela Genoux Surveys, pela Maritime

Archaeological Explorations e pela Lex Rhodia, Sociedade Portuguesa de Explorações

Arqueológicas Marítimas, SA.

... Esta tenciona prospectar cinco locais da plataforma continental - junto ao rio

Rovuma, junto a Angoche, no norte da Beira, junto a Inhambane e na zona norte

daquela província - não se prevendo que hajam lucros provenientes dessa exploração,

visto que a venda de espólio será feita em certas circunstâncias, de modo a repor os

fundos investidos e a investir o restante no património cultural do país como, por

exemplo, na ilha de Moçambique.

Apesar da lei 10/88 - a lei moçambicana relativa à protecção do património cultural

nacional - referir, no seu número 10, que as estações e objectos arqueológicos são

propriedade inalienável do Estado (...) o Comissário Geral de Moçambique para a

Expo’98 defende o projecto com base no argumento de que o património subaquático

moçambicano está a ser pilhado, importando fazer alguma coisa para parar essa

pilhagem. No entanto, este argumento parece não convencer a comunidade científica

daquele país, que tem protestado vigorosamente contra o que clama ser uma ilegalidade

por parte do Estado.

Com efeito, este contrato "não público" deveria ter sido precedido de um parecer da

Procuradoria Geral da República, o que não aconteceu. De igual modo, um

procedimento destes teria de ser antecedido de uma delegação de poderes da parte do

Conselho de Ministros no Ministro da Cultura, que o deveria ter assinado. Tal não

aconteceu também, o que confere poderes ao parlamento Moçambicano para exigir que

o Governo lhe mostre o contrato.

A liderar o processo de contestação, surge o arqueólogo moçambicano Ricardo Teixeira

Duarte, professor no Departamento de Arqueologia e Antropologia da UEM. De acordo

com este académico, nem aquele Departamento - a única instituição moçambicana a

realizar pesquisas arqueológicas naquele país - nem qualquer outro arqueólogo

moçambicano foram consultados sobre o assunto.

(...) A contestação é ainda maior visto que, no entender de Ricardo Duarte, as

actividades de comercialização do património arqueológico são rejeitadas pelos

arqueólogos moçambicanos em bloco e são actualmente alvo de grande reacção por

parte da comunidade científica internacional.

Uma das empresas que surgiu à frente das manobras que levaram à assinatura deste

contrato foi a Lex Rhodia, Sociedade Portuguesa de Explorações Arqueológicas

Marítimas, SA. Indo buscar a sua designação à antiga lei do direito romano que

superintendia a actividade dos salvados por mergulhadores em apneia, esta empresa foi

constituída em 1994 por 5 accionistas, cada um deles detentor de acções no valor de mil

contos, no intuito de explorar a situação criada em Portugal pela aprovação do decreto-

lei 289/93, agora revogado.

Entre os accionistas encontravam-se André Hüsken - antiquário alemão de renome que

assegurava os recursos financeiros e que promovia todas as acções de venda do espólio

a recuperar; João Ricardo Vasconcellos - relações públicas, agente para a

comercialização de imagens e outro material de divulgação; António Camarão - o

arqueólogo de serviço; António Emílio Sachetti - vice-almirante da Marinha Portuguesa

e ex-presidente do Conselho de Justiça da mesma instituição; e João Filipe Galvão.

João Filipe Galvão, bacharel em Engenharia Mecânica Naval pela Universidade de

Rhode Island, colaborou activamente na elaboração do decreto 289/93 e associou à Lex

Rhodia toda uma série de instituições - à primeira vista totalmente idóneas - entre as

quais se contava o Departamento de História da

Faculdade de Letras de Lisboa, o Instituto Superior Técnico e a Sociedade de Geografia

de Lisboa.

Esta empresa, gerida (...) por António Sachetti e João Filipe Galvão, tinha como

objectivo primordial a identificação e recuperação de naufrágios de navios ibéricos de

reconhecida importância económica, pelo que se voltou para duas zonas principais, a

barra de Setúbal - em que supõe haver, pelo menos, 12 naufrágios espanhóis e 4

portugueses nessas condições - e a zona de aproximação ao porto de Lisboa.

Ao que parece, o peso das conexões e dos conhecimentos pessoais, quer de Galvão,

quer de Sachetti, facilitaram a assinatura deste contrato. Agora que as atenções dos

caçadores de tesouros se voltaram para países menos alertado para esta problemática - o

caso do Brasil é paradigmático, já que um diploma em tudo semelhante ao 289/93, se

encontra agora em discussão no Parlamento Brasileiro e é mesmo alvo de ataque por

parte de um artigo na edição de hoje do jornal O Globo - é necessário que nos unamos e

que façamos por eles o que os outros países mais desenvolvidos fizeram por nós,

quando passámos por situação idêntica, há quatro anos atrás."

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ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 3

Transcrição de texto de Alexandre Monteiro colocado hoje no Naufragios

A Arqueonautas avant la lettre

A 18 de Janeiro de 1972 desembarca no aeroporto das Lajes, ilha Terceira, Açores, o

inglês Sidney Wignall. O seu propósito confesso é o de procurar o navio Revenge,

afundado na costa da ilha em 1591. Tencionando encontrá-lo num prazo de 5 meses,

Wignall, devidamente autorizado pelo Ministério da Educação Nacional, bem pode

gabar-se de ter obtido a primeira licença para pesquisas subaquáticas concedida no

âmbito da legislação então em vigor sobre os achados no mar.

A 4 de Fevereiro sabe-se pelo Diário Popular que Wignall tenciona passar os próximos

cinco a dez anos na Terceira, em escavações. Sabe-se também que o custo da expedição

rondará os 4.000 contos e que esta será em parte custeada por canais de televisão

britânicos. Wignall deixa a entender que será benéfica para a Terceira toda a

publicidade gerada pela sua expedição.

A 12 de Abril chegam os primeiros onze elementos da expedição conjuntamente com o

arquitecto Jorge Albuquerque, do Centro Português de Actividades Subaquáticas. A

expedição, denominada Azores International Marine Archaeological Expedition terá o

seu centro operacional em São Carlos, na quinta Jesus Maria José.

A segunda expedição

A 20 de Abril eis que surge o primeiro golpe de teatro: uma segunda expedição, de cariz

pretensamente arqueológico, chega a Angra do Heroísmo.

A vedeta T.S.R. Preston é comandada por Michael Stewart, ex-oficial mergulhador da

Royal Navy e ex-braço direito de Wignall. O navio conta na sua tripulação com o

comandante da Royal Navy, John Grattan - que participou em explorações na Irlanda

com o mesmo Wignall - e com três irmãos de apelido McCormack: John, caixeiro-

viajante; Terrence, empreiteiro e Joseph, mergulhador profissional. Este último, com 6

anos de pena cumprida em Hong-Kong por crime violento, para além de ser suspeito de

um tiroteio em Liverpool foi também levado por Wignall a comparecer perante a justiça

irlandesa por se ter tentado apoderar dos locais por este pesquisados no mesmo país -

mais interessante ainda, havia suspeitas de que o barco Grey Dove, que Joseph

McCormack comandava na altura, juntamente com o seu irmão Terry, participava em

operações de tráfico de armas para o IRA.

Em todo o caso, os recém-chegados invadiram a Quinta Jesus Maria José, logo na noite

em que desembarcaram na Terceira, e ameaçaram verbalmente os membros da equipa

de Wignall. Este apresentou queixa em tribunal e pressionou os seus contactos em

Portugal e em Inglaterra com o fim de se desembaraçar de tão incómodo concorrente.

A equipa de Grattan, que se autodenominava Expedição Arqueológica Submarina

Britânica, começou a trabalhar numa zona diametralmente oposta à de Wignall, que

operava na Vila Nova. Toda a costa sul, desde a Ponta das Contendas até para além da

Serreta, foi pesquisada pela equipa de Grattan tendo este, no dia 9 de Maio, declarado

oficialmente o primeiro destroço.

A 19 de Maio a imprensa local, fazendo eco dos jornais ingleses e continentais, começa

a interrogar-se sobre a idoneidade das expedições. Aventa-se, finalmente, a hipótese da

existência de caçadores de tesouros nas águas terceirenses.

Zangam-se as comadres...

... sabem-se as verdades. A 28 de Maio e em desespero de causa, Wignall presta uma

declaração à imprensa. Diz que sua expedição fora planeada há mais de dois anos e que

tinha conhecimento de 31 navios afundados nas costas da Ilha Terceira. Confirma a

existência de dois galeões na baía de Angra e de um outro, descoberto a 15 de Maio, na

baía das Águas durante uma sessão de treino.

Prossegue na sua declaração, qualificando a expedição de Grattan como uma equipa de

caçadores de tesouros, por detrás da qual estaria um grupo de investidores de Liverpool.

Afirma que os achados noticiados por Grattan já estariam definidos num documento que

teria circulado por possíveis investidores seus há cerca de 18 meses atrás. Afirma

também que Stewart esteve para ser o seu director de mergulho mas que este teria

abandonado o projecto três semanas antes de Wignall ter partido para os Açores.

Queixa-se, assim, de fuga de informações e de deslealdade por parte do seu antigo

colaborador.

A 12 de Junho, pelas 20 horas, um cargueiro de cor negra passou ao largo do pesqueiro

Pedra Velha, a 2 ou 3 milhas do Monte Brasil. Foi abordado pela vedeta de John

Grattan, tendo-se mantido as duas embarcações lado a lado durante cerca de 10 minutos.

A 16 de Junho, alguns mergulhadores da equipa de Grattan emergiram na baía do Fanal

e içaram para o barco pneumático um volume aparentemente pesado. Soube-se ainda

que a mesma equipa procedeu a uma hipotética recuperação na baía da Salga, utilizando

para tal o guincho que se encontrava instalado na embarcação. No mesmo dia

procederam à colocação de pequenas bóias pretas nas águas de uma baía junto de São

Mateus.

A 21 de Junho sabia-se que tinha sido recentemente vendido em Madrid um crucifixo

em ouro da época filipina. Daí a se chegar à sua provável proveniência foi um passo:

acusou-se imediatamente a equipagem do T.S.R Preston e procedeu-se à vistoria da

embarcação. Como é óbvio, nada de suspeito foi encontrado. Fazem-se referências a

anéis e moedas de ouro supostamente encontrados na baía das Águas.

A 25 de Junho parte definitivamente a vedeta de John Grattan em direcção à Corunha. A

8 de Agosto foi recuperada aquela que viria a ser a única recordação material, deixada

nos Açores, da expedição de Wignall: uma meia-colubrina de bronze içada com a ajuda

do Destacamento Norte-Americano estacionado na Terceira.

Wignall informa que Grattan terá feito circular em Inglaterra uma carta reservada nela

informando possíveis investidores de que a sua expedição descobrira onze destroços nas

costas da ilha Terceira e que um deles poderia conter materiais no valor de 6 milhões de

libras. A 9 de Maio, o comandante John Grattan é condenado pela justiça portuguesa a

25 dias de prisão, remíveis a multa. Para responder ao processo contra si instaurado

encontravam-se apenas John e Terry McCormack. Estes, em declarações à imprensa,

declararam estar dispostos a regressar em 1974...

24 anos depois

Vinte e quatro anos depois, ao abrigo da legislação criada para a exploração dos

tesouros submersos, uma nova empresa de caça ao tesouro quis ir operar para as águas

da Terceira.

A Arqueonautas, SA tinha como director de operações o mesmíssimo John Grattan, que

regressava duas décadas depois ao local do crime. A empresa, que tinha (tem ainda?)

como accionistas, entre outros, membros do Grupo Espírito Santo, Francisco Pinto

Balsemão e José Manuel de Mello, opera actualmente em Moçambique com o

beneplácito do governo moçambicano.

Uma das suas arqueólogas contratadas, Margareth Rule, declarou que não se

responsabilizava pelos trabalhos da empresa senão como consultora e que não assumia

qualquer responsabilidade se a administração da empresa não seguisse os seus

conselhos.

O que é mais grave é que pessoas e entidades - como a Fundação Ricardo Espírito Santo

e a Faculdade de Letras de Lisboa, com grandes responsabilidades a nível de imagem

pública, se associaram a em 1995 a esta empresa com intuitos muito pouco honestos e

lesivos do património nacional.

Entre as individualidades referidas contavam-se José Hermano Saraiva, consultor

cultural da empresa, e Dom Duarte de Bragança, presidente do conselho de

acompanhamento da Arqueonautas, SA. Este último, segundo as suas declarações à

agência Lusa aquando da sua estadia no arquipélago cabo-verdiano em Julho de 1995,

onde operava a Arqueonautas, teria usado a sua influência para sensibilizar as

autoridades locais para a recuperação de cascos abandonados num projecto que envolvia

milhões de dólares.

O gabinete de Dom Duarte admitiu mesmo ao jornal Público que o pretendente ao trono

participara na reunião havida entre a Arqueonautas e o Governo local, em que foi

negociada a concessão de exploração de uma zona marítima junto à ilha do Fogo.

É lamentável que uma personalidade que se quer representativa de uma certa maneira de

estar, na cultura e na sociedade, apoie uma empresa que desenvolve uma actividade que

vai contra tudo o que se encontra internacionalmente consagrado, no domínio da

protecção do património, por organismos tão insuspeitos como a UNESCO.

(Confrontado, aliás, com as posições desta instituição no que toca à exploração

selvagem do património subaquático, o presidente do Instituto Nacional de Cultura de

Cabo Verde e interlocutor do Governo com a Arqueonautas, SA, à altura afirmou

textualmente, a UNESCO não aprova este tipo de operação porque tem uma visão

meramente cultural e entende que todos os achados arqueológicos devem ser património

da Humanidade. Só que a UNESCO não tem meios para constituir uma alternativa a

países pobres como Cabo Verde, obrigados a procurar os meios para restaurar o

património”).

Vinte e quatro anos após a caça ao tesouro nas águas açorianas, dois anos após a

pilhagem de Cabo Verde, o Rei vai nu para quem o quer ver e Moçambique vai atrás,

cantando e rindo.

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ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA 2

Reproduzido ontem no Naufragio

Os Tesouros da Ilha

por Boaventura de Sousa Santos

Visão, 22 de Agosto de 2002

A Ilha de Moçambique é um lugar incomparável, tanto pela sua história e pelas marcas

visíveis dela na arquitectura e na arqueologia subaquática, como pelas suas

potencialidades enquanto centro de reflexão sobre contactos e relações interculturais;

um futuro que a Ilha começou, de facto, a construir há muitos séculos, antes e depois de

os portugueses ali aportarem no séc. XV.

Fazendo jus a este impressionante conjunto arquitectónico, grande parte dele em ruínas,

a UNESCO declarou a Ilha, em 1991, como património cultural da humanidade. Esta

declaração faz com que a preservação e o florescimento da Ilha sejam tarefas

imperativas tanto para Moçambique como para todos os restantes países do mundo, e

nomeadamente para os que, para o mal e para o bem, partilham com Moçambique parte

da sua história, como é o caso de Portugal.

O futuro da Ilha reside na valorização do seu riquíssimo património e no contexto único

que ele pode oferecer para a promoção de diálogos entre culturas, para além,

naturalmente, daqueles de que a Ilha é já testemunho vivo. Nesse futuro querem se

activamente envolvidos os habitantes da Ilha e as suas associações como, aliás, decorre

do estatuto de património cultural da humanidade. Ora, uns e outros estão preocupados.

Temem que o seu património esteja a ser dilapidado se não mesmo pilhado. Ao largo da

costa de Moçambique estão identificados e catalogados mais de cem naufrágios de

navios, muitos deles à volta da Ilha. Um alvo apetecido para caçadores de tesouros.

Desde há algum tempo, a empresa internacional Arqueonautas, em associação com a

empresa moçambicana Património Internacional SARL, está a realizar pesquisa

arqueológica subaquática à volta da Ilha.

Desconheço os termos do contrato de pesquisa celebrado com o Governo moçambicano

e a empresa moçambicana, mas a versão aprovada do contrato-tipo concede a esta

empresa o direito de se tornar proprietária de bens culturais cujo valor represente 50%

do valor global do total dos bens encontrados. Mesmo que se faça a ressalva de os

objectos a conceder à empresa serem semelhantes a outros descobertos na mesma

localização e não serem considerados de valor excepcional, fica aberta a porta para a

venda do património da Ilha.

Aqui reside a inquietação dos seus habitantes. Como não vêem nenhuma autoridade a

fiscalizar os achados, perguntam-se sobre quem define o todo em relação ao qual se

repartem os 50% dos achados. Como não são credivelmente informados, vêem ou

imaginam ver peças valiosas a serem trazidas para terra embrulhadas em toalhas, vêem

ou imaginam ver pequenos aviões a levantar do aeródromo do Lumbo com peças não

declaradas, vêem ou imaginam ver peças valiosas exportadas sem controlo alfandegário.

Os habitantes e os amigos da Ilha estão inquietos e a sua inquietação aumenta cada dia

que passa, sem que, estranhamente, o Governo moçambicano assine a Convenção da

UNESCO sobre a protecção do património cultural subaquático, adoptada em

Novembro de 2001, que expressamente proíbe a comercialização desse património. E só

por uma via pode o Governo pôr fim a tal inquietação: assinando a Convenção e pondo

fim a contratos que envolvam a comercialização do património arqueológico. Há que

evitar o risco de a Ilha vir a perder o estatuto de património cultural da humanidade.

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ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA

No Abrupto, José Pacheco Pereira dá voz a um dos seus leitores, Filipe Castro,

Professor de Arqueologia Náutica na Universidade do Texas, o qual, segundo me diz

hoje Ricardo Teixeira Duarte, tem assumido papel de relevo na denúncia dos

acontecimentos de seguida narrados.

Escreve assim o Prof. Castro: “Vai amanhã (dia 19) a leilão, na Christie’s de

Amsterdão, parte da carga de um navio português do século XVI naufragado na Ilha de

Moçambique. A carga que agora se vai dispersar foi salva pela empresa de caça aos

tesouros Arqueonautas SA.

Em todo o mundo se aperta o cerco contra a actividade das empresas de caça ao tesouro.

A aprovação de uma convenção da UNESCO para a proteção do património cultural

subaquático da Humanidade é um bom exemplo desta tendência.

Por outro lado, cada vez mais governos de países com um passado ligado a expansão

marítima europeia reclamam direitos sobre os restos dos seus navios, perdidos nos

quatro cantos do mundo. Assim, o governo espanhol ganhou recentemente um processo

em tribunal, contra uma empresa de caça aos tesouros e o Estado da Virgínia, nos EUA,

que havia atribuído a concessão de salvados. Acho que temos o direito de saber porque

é que o estado português não faz nada para proteger os restos arqueológicos dos nossos

navios, à semelhança dos outros países do mundo.".

Este é um tema complexo, abordá-lo em mero apontamento é o típico "Rossio na

Betesga". Mas avanço algumas notas:

1. parece-me complicado que Portugal surja reclamando os direitos sobre o património

arqueológico subaquático. Não me refiro a questões do direito internacional, abordadas

no texto acima, e em devido tempo ecoadas no Naufrágios, que transcreveu (presumo

que parcialmente) a sentença do tribunal da Virgínia.

Refiro-me a três pontos essenciais:

a. não creio que o país tenha recursos financeiros e humanos para proceder à pesquisa e

recuperação científica desse património;

b. sendo o objectivo fundamental a recuperação científica, e concomitante preservação,

dos achados arqueológicos, tal reclamação de direitos (aliada à escassez de meios) iria

conduzir a reacções contrárias locais, donde abrindo caminho para a continuação de

uma prática de pilhagem sob capa de "salvados" (reparem que até a semântica do

vocabulário é dúbia);

c. tenho as minhas dúvidas ideológicas sobre a legitimidade destas reclamações, que não

podem ser apartadas da mais vasta questão das reclamações sobre o património histórico

transferido [já aqui abordei o assunto]. Mas essa é questão mais vasta, pano de fundo

desta problemática;

d. mas uma tendência internacional de aceitar direitos sobre património histórico

submerso poderia ser utilizada para uma mais acurada participação portuguesa na

campanha da sua preservação e recuperação. Ao nível da sensibilização e da pesquisa.

2. Pelo menos desde 1997 que venho assistindo a tentativas de "pesquisa" dos

naufrágios em costa moçambicana por parte de caçadores de tesouros, de início centrada

na Ilha de Moçambique. Nesses anos uma campanha de intelectuais moçambicanos

obstou à sua realização (lembro Luís Filipe Pereira, Ricardo Teixeira Duarte, José

Forjaz, António Sopa, Rafael da Conceição entre outros). Mas passados alguns anos foi

concedida à empresa "Arqueonautas" a possibilidade de trabalhar na Ilha.

Creio que esta realidade se prendeu com a inexistência de alternativas palpáveis quanto

à exploração destes recursos, bem como à (falsa) perspectiva de aí se encontrarem

incontáveis riquezas.

3. O resultado dessas pesquisas está explícito no Naufrágio, com transcrição do jornal

Público.

A lógica destas actividades é sempre a mesma. Recolha de alguns bens, considerados

mais valiosos e sua venda. O objectivo é lucrativo, veja-se a mero título de exemplo The

Christie's auction of part of the Ming porcelain and gold recovered from the 'Fortress

San Sebastian Wreck' (IDM-002) in Amsterdam on 19.05.04 was a great success! The

total result represents more then twice the price previously stipulated in our sales

catalogue.

O resultado universal, a destruição dos sítios arqueológicos e a inviabilização do seu

estudo e utilização enquanto recurso cultural e turístico.

4. Tem havido algumas tentativas de sensibilizar o governo moçambicano para o

desenvolvimento de um projecto de articulação de pesquisa, preservação e turismo

cultural. Há propósitos norte-americanos de estabelecer apoio (público até) a um

projecto desse tipo. Nesse sentido uma delegação do Ministério do Turismo esteve nos

EUA em 2003 para se inteirar das possibilidades que projectos destes abrem para o

desenvolvimento local, com repercussões turísticas, cuja proveitos a médio prazo em

muito ultrapassam o falso brilho de algumas centenas de milhares de USD agora

arrematados. Nesse programa algo tem colaborado Steve Lubkemann, antropólogo da

George Washington University, pois também ele assumiu causa científica e de

cidadania cultural.

Também a muito credível Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique, bem como

prestigiados académicos moçambicanos têm apoiado essa alternativa. Da parte

portuguesa Francisco Alves participou no encontro de 2003 em Maputo, organizado

pela UNESCO para lançamento deste processo de sensibilização das autoridades

moçambicanas, e penso ter acompanhado o programa ocorrido nos EUA.

Em suma, penso ser possível um caminho às autoridades portuguesas. Apoio científico e

financeiro na medida das nossas possibilidades e, se necessário, sensibilização

diplomática, para uma questão que interessará para a história portuguesa, para a história

comum, mas também como item fundamental do desenvolvimento local (e sustentável)

a prazo nas regiões moçambicanas onde há vestígios arqueológicos subaquáticos, se

considerados como turbos de turismo, cultural, académico e de lazer.

5. Finalmente sobre a empresa "Arqueonautas", que actuaram na Ilha num navio

afundado e que estão agora em Angoche. Não têm qualquer credibilidade. Um dos seus

responsáveis, presumido conselheiro científico, apresentava um CV como reitor de uma

universidade britânica inexistente. O seu objectivo é puro: recuperar, vender, lucrar.

Já estiveram em Cabo Verde, de onde partiram com muito má imagem, segundo consta.

Pois não só nada fica para o futuro, como é recorrência nestas expedições, como

realmente pouco se lucra em termos locais.

6. Piratas? Talvez, em linguagem de senso comum. Mas, para nós portugueses,

enquanto ligados historicamente a este património histórico subaquático, e também

como dotados de instituições científicas com responsabilidade cívica, a questão é ainda

mais grave.

Ao que consta a empresa, com trabalhadores de vários países, tem registo legal

português. E mais, diz-se que conta nos seus membros com a presença (em posições de

accionistas ou honoríficas) de vários Almirantes na reserva e do próprio Duarte Pio de

Bragança, dotado do capital simbólico de pretendente ao trono e figura, muito

justamente, grata na sociedade portuguesa.

A ser isso verdade estou crente que a participação destes indivíduos será de boa-fé, e

sustentada por um legítimo interesse na história marítima cruzado por algum

desconhecimento. Das práticas científicas actuais e possíveis, das veras práticas da dita

empresa.

Mas por parte da sociedade e do Estado português seria urgente um sinal explícito, um

abandono público de qualquer associação com este tipo de iniciativas. Em termos

administrativos e em termos individuais.

Porque senão poder-se-á dizer (forçando um pouco a nota, é certo) que os

"Arqueonautas" não são piratas. Mas sim (nossos) corsários.

ADENDA: via google chega-se facilmente (de que é que o google não é capaz?) à

página da empresa Arqueonautas.

Procurei escrever o apontamento com pinças. Mas veja-se isto (o negrito é meu):

[ ARQUEONAUTAS WORLDWIDE - Arqueologia Subaquática, S.A. (AWW) was

established on the 10. of August 1995 as private shareholding company in Madeira,

Portugal, registered in the 'Conservatoria do Registo Comercial de Zona Franca da

Madeira' under registration number 01750/950825. The security registration number is

552 928. AWW has 3,000,000 shares outstanding at a nominal value of EUR 1.00 per

share and a registered capital of EUR 3,000,000.00.

AWW's purpose is to preserve the submerged cultural heritage and advance learning

through the archaeological survey and excavation of historical shipwrecks, with the aim

to structure operations economically viable.

MEMBERS OF THE ADVISORY, EXECUTIVE AND SCIENTIFIC BOARDS

Advisory Board

President HRH Dom Duarte Pio, Duke of Bragança

Vice President Admiral Isaías Gomes Teixeira

Speaker Dra. Rita Delgado

Secretary Dr. Heribert Keil

Finance Dr. António Portugal Catalão

Controlling Dr. Tristão da Cunha

Director Baron Stefan von Breisky ]

É absolutamente lamentável. Absolutamente inaceitável. E absolutamente inacreditável

que a sociedade portuguesa possa dar qualquer tipo de relevo e respeito (ainda que

meramente simbólico) a cidadãos agentes de malfeitorias.

E, entenda-se, republicano fundamentalista mas de família com longa tradição militar, o

que custa mesmo é ver um Almirante a sujar os galões com esta tralha. Que malta...