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COMO AVALIAR OS NÍVEIS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS Ler é mais importante que estudar. por Alexandre Lobão A frase tem o respaldo de quem sabe o que está falando Ziraldo, um dos mais bem sucedidos escritores de livros infantis no Brasil. Unem-se a Ziraldo outros escritores e educadores de expressão, como Monteiro Lobato, com sua já famosa frase Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê, e Jean Foucambert, que diz que os Alunos devem ser leiturizados, e não alfabetizados. O que tanto pais quanto educadores precisam ter sempre em mente especialmente nos primeiros anos da alfabetização é que aprender a ler não é o mesmo que aprender a decodicar as letras e conhecer a estrutura da língua; ler bem envolve a criação de uma relação profunda entre escrita e pensamento, que precisa ser tão natural quanto a relação entre a fala e o pensamento. Para garantir que a alfabetização (ou a leiturização, como sugere Foucambert) está sendo efetiva, é necessário que adultos na escola e em casa assumam ativamente a posição de pesquisadores, analisando a evolução dos alunos para descobrir eventuais deciências e poder saná-las o mais cedo possível. Para tanto, é necessário que o professor ou responsável (que será chamado aqui de pesquisador por questão de simplicidade) tenha noção que a leitura se dá em pelo menos três níveis: Leitura Objetiva: Trata-se do nível mais básico de leitura, o famoso be-a-bá, onde o estudante aprende a decodicar as letras e montar palavras e frases. Quando iniciando neste nível, a criança consegue reconhecer palavras e explicar o signicado de frases curtas, sendo capaz de falar dos elementos explícitos do texto. À medida em que evolui, o aluno melhora seu domínio do texto, aumentando o vocabulário e reconhecendo elementos de ligação, sendo inclusive capaz de reconhecer eventuais falhas de coerência na história. Já na transição para o nível de leitura inferencial está a capacidade de situar o texto no ambiente em que ele ocorre, o contexto espacial e temporal da história. Leitura Inferencial: Quando atinge este nível, o estudante se torna capaz de reconhecer não apenas o que está escrito, mas também deduzir elementos implícitos no texto. É o chamado infratexto, aquele conjunto de informações que todo bom leitor apreende sem se dar conta, mas que na verdade estão apenas sugeridos na história. Como esta capacidade inferencial está intimamente ligada à bagagem de conhecimento do leitor, ela se amplia conforme a quantidade de leituras realizadas, até que se chega nalmente ao nível da leitura avaliativa. Leitura Avaliativa: Leitores que estão neste nível têm a capacidade não só de ler o texto e responder questões sobre o que está explicitamente ou implicitamente sendo dito, mas também de fazer conexões com outros textos e informações sobre os temas tratados aprendidas de outras fontes. É o que os pedagogos chamam de intertexto, e que no fundo é a capacidade do leitor de dar sua opinião do leitor sobre o texto baseada em suas experiências anteriores. Quando avaliando o nível de leitura de um estudante ou uma turma de estudantes, o pesquisador deve tomar o cuidado de propor atividades que sejam lúdicas, em um ambiente natural e sem cobranças, até porque é essencial que a criança reconheça o hábito da leitura como algo prazeroso desde seus primeiros contatos com a língua escrita. PARTINDO PARA A AVALIAÇÃO Nesta linha, uma boa dica é realizar estas atividades em quatro etapas: Etapa de Motivação: Nesta etapa, o pesquisador deve se dedicar exclusivamente a estimular a curiosidade da criança sobre o texto a ser lido. Para isso, uma ótima tática é mostrar a capa do livro e o título do livro e perguntar ao estudante como ele acha que é a história do livro. Se não houver uma resposta objetiva, é possível mostrar algumas ilustrações ou dar sua opinião, sempre buscando mostrar o quão divertida deve ser aquela história. As perguntas que o

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COMO AVALIAR OS NÍVEIS DE LEITURA NA

ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS�Ler é mais importante que estudar�.

por Alexandre Lobão

A frase tem o respaldo de quem sabe o que está falando �

Ziraldo, um dos mais bem sucedidos escritores de livros

infantis no Brasil. Unem-se a Ziraldo outros escritores e

educadores de expressão, como Monteiro Lobato, com sua já

famosa frase �Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê�, e

Jean Foucambert, que diz que os �Alunos devem ser

leiturizados, e não alfabetizados�.

O que tanto pais quanto educadores precisam

ter sempre em mente � especialmente nos

primeiros anos da alfabetização � é que aprender

a ler não é o mesmo que aprender a decodi�car as

letras e conhecer a estrutura da língua; ler bem

envolve a criação de uma relação profunda entre

escrita e pensamento, que precisa ser tão natural

quanto a relação entre a fala e o pensamento.

Para garantir que a alfabetização (ou a �leiturização�,

como sugere Foucambert) está sendo efetiva, é necessário

que adultos na escola e em casa assumam ativamente a

posição de pesquisadores, analisando a evolução dos alunos

para descobrir eventuais de�ciências e poder saná-las o mais

cedo possível.

Para tanto, é necessário que o professor ou responsável

(que será chamado aqui de �pesquisador� por questão de

simplicidade) tenha noção que a leitura se dá em pelo menos

três níveis:

Leitura Objetiva: Trata-se do nível mais básico de

leitura, o famoso �be-a-bá�, onde o estudante aprende a

decodi�car as letras e montar palavras e frases. Quando

iniciando neste nível, a criança consegue reconhecer

palavras e explicar o signi�cado de frases curtas, sendo

capaz de falar dos elementos explícitos do texto. À medida

em que evolui, o aluno melhora seu domínio do texto,

aumentando o vocabulário e reconhecendo elementos de

ligação, sendo inclusive capaz de reconhecer eventuais

falhas de coerência na história. Já na transição para o nível

de leitura inferencial está a capacidade de situar o texto no

ambiente em que ele ocorre, o contexto espacial e temporal

da história.

Leitura Inferencial: Quando atinge este nível, o

estudante se torna capaz de reconhecer não apenas o que

está escrito, mas também deduzir elementos implícitos no

texto. É o chamado infratexto, aquele conjunto de

informações que todo bom leitor apreende sem se dar conta,

mas que na verdade estão apenas sugeridos na história.

Como esta capacidade inferencial está intimamente ligada à

bagagem de conhecimento do leitor, ela se amplia conforme

a quantidade de leituras realizadas, até que se chega

�nalmente ao nível da leitura avaliativa.

Leitura Avaliativa: Leitores que estão neste nível têm a

capacidade não só de ler o texto e responder questões sobre

o que está explicitamente ou implicitamente sendo dito, mas

também de fazer conexões com outros textos e informações

sobre os temas tratados aprendidas de outras fontes. É o que

os pedagogos chamam de intertexto, e que no fundo é a

capacidade do leitor de dar sua opinião do leitor sobre o

texto baseada em suas experiências anteriores.

Quando avaliando o nível de leitura de um estudante ou

uma turma de estudantes, o pesquisador deve tomar o

cuidado de propor atividades que sejam lúdicas, em um

ambiente natural e sem cobranças, até porque é essencial

que a criança reconheça o hábito da leitura como algo

prazeroso desde seus primeiros contatos com a língua

escrita.

PARTINDO PARA A AVALIAÇÃO

Nesta linha, uma boa dica é realizar estas atividades em

quatro etapas:

Etapa de Motivação: Nesta etapa, o pesquisador

deve se dedicar exclusivamente a estimular a curiosidade da

criança sobre o texto a ser lido. Para isso, uma ótima tática é

mostrar a capa do livro e o título do livro e perguntar ao

estudante como ele acha que é a história do livro. Se não

houver uma resposta objetiva, é possível mostrar algumas

ilustrações ou dar sua opinião, sempre buscando mostrar o

quão divertida deve ser aquela história. As perguntas que o

pesquisador pode fazer nesta etapa são tipicamente

inferenciais a partir do título e imagens da capa do livro,

como: �Veja só este título, o que esta história deve contar?�,

�Se você escrevesse uma história com este título, como ela

seria?�, �Quem você acha que é o personagem principal

desta história?�, �Onde será que esta história acontece?� e

outras do gênero.

É essencial que o educador também leia, não

apenas para dar o exemplo do que ensina, mas

para auxiliar, assim, o desenvolvimento do gosto

pela leitura no educando.

Etapa de Leitura: Nesta etapa a criança deve ser

deixada à vontade para ler o livro, sem pressa e sem nenhum

tipo de comparação com outras crianças. Quando lendo na

escola, devem ser evitadas questões como �Quem já acabou

de ler?� para que os que leem mais lentamente não se sintam

constrangidos ou compelidos a mentir sobre sua evolução;

antes, o professor deve ir de aluno em aluno, acompanhando

com os olhos e registrando em suas anotações aqueles que

demoram mais tempo para poder realizar atividades de

reforço nos momentos apropriados.

Etapa de Avaliação do Nível de Leitura: É neste

momento que o pai ou professor deve agir mais ativamente

como pesquisador, de forma a poder avaliar o nível de leitura

da criança e poder dar atividades apropriadas a este nível.

No caso dos professores, é essencial registrar as observações

de forma a permitir que seja dada a atenção adequada a

cada criança. Nesta etapa devem ser sugeridas atividades

que iniciam nos níveis mais básicos de leitura, indo de

maneira crescente até os níveis mais so�sticados - lembrando

que as crianças não devem sentir que estão sendo cobradas

ou avaliadas, mas sim que estão participando de uma

conversa descontraída sobre o livro que leram.

Comumente, as perguntas do pesquisador devem,

inicialmente, tratar dos elementos explícitos do livro, e ser

bem objetivas, como, por exemplo: �Qual o nome do

personagem principal?�, �Que idade tem ele?� ou �Qual é o

bicho que é vizinho do sapo?�.

Gradualmente, as perguntas devem contemplar

elementos menos explícitos no texto, chegando àqueles que

podem ser inferidos a partir do que está escrito. Nesta parte,

as perguntas começam a voltar-se mais para a opinião do

leitor, como em �O que você acha que os pais das crianças

descobriram no bosque, que fez com que eles �cassem tão

espantados?�, �Que idade deve ter Aninha?� ou �Qual será

a cor do bicho-folha?�.

Por �m, as perguntas devem chegar ao nível da leitura

avaliativa, levando os alunos a darem sua opinião sobre os

assuntos, explorando possibilidades e veri�cando sua

capacidade de cruzar informações das histórias com

informações de outras fontes. Nesta linha, perguntas comuns

seriam: �Como será viver na terra em que vive o Papai Noel,

onde faz tanto frio que a chuva congela e vira neve?�,

�Alguém conhece outra história, ou alguma piada, que

também fale sobre sapos?�, �Quem já viu algum �lme que

conte uma história parecida?�. Conforme as respostas,

seguem-se perguntas: �Você acha que esta outra história se

parece com a outra? Por quê?�, �Qual a diferença do sapo

desta história para o sapo da outra?�, �A casa do Papai Noel

deste �lme se parecia com a do livro?�.

Fase de Consolidação dos Resultados: O trabalho

do professor ou pai como pesquisador só se conclui com a

consolidação dos resultados, porque, mesmo em se tratando

de avaliar apenas uma criança, raramente se consegue uma

posição de�nitiva com a leitura de apenas um livro. À medida

que as forças e fraquezas da leitura da criança se tornam

evidentes, cabe ao educador estimular a criança elogiando

seus pontos fortes e trabalhando sutilmente seus pontos

fracos, de forma a garantir sua formação como leitor

independente.

Em um país onde o hábito de leitura ainda não faz parte

da rotina de grande parte da população, os educadores

devem conscientizar-se de que sua responsabilidade não é

meramente alfabetizar as crianças, mas sim desenvolver

nelas o gosto pela leitura que levarão pelo resto de suas

vidas.

Para isso é essencial que o educador - seja ele o professor

ou o responsável - também seja um leitor, não só porque a

criança aprende muito pelo exemplo, mas também porque é

impossível imitar o brilho no olhar daqueles que

verdadeiramente amam a leitura, este brilho que é a maior

inspiração no desenvolvimento destes novos leitores.

Nunca é tarde para descobrir o prazer da leitura...

Então, qual foi o último livro que você leu, simplesmente pelo

prazer de ler?

Alexandre Lobão é escritor, roteirista e realizador de

Workshops de Escr i ta de F icção. In formações:

h t t p : / / w w w . a l e x a n d r e l o b a o . c o m

|http://escritacriativa.net/3Wef

http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortogra�a/39/

como-avaliar-os-niveis-de-leitura-na-alfabetizacao-de-criancas-275033-1.asp

(Acessado em: 25/03/2013)