como estratégIa mane;o da resistência - Agropedia...

3
ALGODÃO , . REFUGIO como estratégIa de mane;o da resistência Entreas ações para evitar a danosa resistência das plantas Btestá o refúgio. No caso do algodão, significa plantar 20% da área com sementes não-transgênicas. Eesta atitude depende do produtor Pesquisadores José Miranda, da Embrapa Algodão, Simone Mendes Martins, da Embrapa Milho e Sorgo, e Edson Hirose, da Embrapa Soja U m assunto bastante discutido atu- almente, de importância tremenda para a humanidade, mas que ain- da causa bastante controvérsia éa transgenia. Transgenia é um processo biotecnológico descoberto na década de 1970 cuja inovação consistiu da ma- nipulação de um ser vivo com a intro- dução de um gene de uma outra espé- cie neste organismo a fim de lhe trans- mitir uma característica desejável. Par- tindo-se do princípio de que todos os organismos vivos são constituídos de células cujos DNA contém genes, têm sempre a mesma estrutura e obedecem aos mesmos mecanismos biológicos em todos os seres vivos, verificou-se ser possível retirar um gene de uma 40 I NOVEMBRO 2017

Transcript of como estratégIa mane;o da resistência - Agropedia...

ALGODÃO

, .REFUGIO como estratégIade mane;o da resistênciaEntre as ações para evitar a danosa resistência das plantas Bt está o

refúgio. No caso do algodão, significa plantar 20% da área com sementesnão-transgênicas. E esta atitude depende do produtor

Pesquisadores José Miranda, da Embrapa Algodão, Simone Mendes Martins, da Embrapa Milho e Sorgo, e Edson Hirose, da Embrapa Soja

Um assunto bastante discutido atu-almente, de importância tremendapara a humanidade, mas que ain-

da causa bastante controvérsia é atransgenia. Transgenia é um processobiotecnológico descoberto na década

de 1970 cuja inovação consistiu da ma-nipulação de um ser vivo com a intro-dução de um gene de uma outra espé-cie neste organismo a fim de lhe trans-mitir uma característica desejável. Par-tindo-se do princípio de que todos os

organismos vivos são constituídos decélulas cujos DNA contém genes, têmsempre a mesma estrutura e obedecemaos mesmos mecanismos biológicosem todos os seres vivos, verificou-seser possível retirar um gene de uma

40 I NOVEMBRO 2017

espécie e colocá-lo em outra, sem al-terar sua função original.

Duas áreas onde estas novas téc-nicas têm sido amplamente utilizadassão a medicina e a agricultura. Naagricultura, as culturas onde a trans-genia mais está sendo empregada sãoa soja, o milho e o algodão. Nestasplantas, eventos expressam caracte-rísticas agronômicas interessantescomo a resistência a insetos e a tole-rância a herbicidas, que facilitam omanejo destas culturas. Assim, plan-tas transgênicas com ação inseticida,popularmente conhecidas como plan-tas Bt, obtiveram esta característicapor meio da introdução de genes dabactéria Bacillus thuringiensis (Bt).A este processo onde uma célula deuma determinada planta é transfor-mada pela introdução de um geneoriundo de outro organismo chama-mos evento de transformação. Todalinhagem de planta derivada de umevento de transformação é conside-rada uma planta transgênica.

Hoje no Brasil existem 72 eventostransgênicos aprovados para uso naagricultura e que apresentam caracte-rísticas de tolerância a herbicidas e/ouresistência a insetos. Destes, 41 even-tos são Bt, que expressam proteínasdo grupo Cry1, Cry2 ou Vip. Sendoassim, apesar do relativamente altonúmero de eventos, os modos de açãopraticamente se resumem em três, poiscada grupo vai agir de uma determina-da forma sobre as populações de inse-tos-alvos.

Concebidos para controlar popula-ções de pragas nas culturas agrícolas,os eventos Bt tem ação específica so-bre o grupo dos lepidópteros (as lagar-tas) e coleópteros (as vaquinhas). Maspara que a transgenia para resistênciaa insetos tenha longa vida existem trêsestratégias que devem ser utilizadas. Aprimeira estratégia, chamada "alta dose"considera que a expressão da proteínaletal às pragas-alvos seja numa dose ele-vada o suficiente para causar a morta-lidade da maioria da população das pra-gas, incluído os heterozigotos, permi-tindo a sobrevivência apenas dos inse-tos totalmente resistentes à tecnologia.No caso da existência de várias pra-gas-alvos, a dose letal para cada espé-cie varia, assim é preciso que a doseexpressada seja suficiente para contro-

lar a espécie menos sensível.Uma vez que as proteínas Bt são

expressas continuamente nas plantastransgênicas, embora em taxas variá-veis a depender da fase fenológica e defatores abióticos, a praga ou as pra-gas-alvos estão sofrendo pressão deseleção permanente, o que pode favo-recer ao aumento da frequência de in-divíduos resistentes, comprometendoessa tecnologia. Aqui entra então a se-gunda estratégia de manejo de resis-tência, que é a possibilidade da pirami-dação, que consiste na combinação dedois ou mais genes letais às pragas nummesmo evento. Tal combinação preten-de reduzir a possibilidade do apareci-mento de insetos resistentes às proteí-nas letais.

Um inseto que porventura seja re-sistente a uma proteína, provavelmen-te não será à segunda proteína. Assim,eventos piramidados têm sido lançadosem cultivares de milho e algodão, con-tendo dois ou mais genes Bt, com osquais se pretende diminuir significati-vamente a evolução da resistência dosinsetos-alvos às proteínas contidas nasplantas Bt. Atualmente são disponibili-zados cultivares com até quatro dife-rentes genes Bt, a fim de minimizar apossibilidade de evolução de resistên-cia dos insetos à tecnologia. Estas duasprimeiras estratégias são intrínsecas datecnologia que está sendo disponibili-zada ao produtor na forma de semen-te, ou seja, estão contidas nas semen-tes que o produtor adquirir para o cul-tivo.

Refúgio estrutura do - A terceiraestratégia é dependente da ação do usu-ário, o produtor. Trata-se do refúgioestruturado, que é o manejo da lavourade forma a manter uma percentagemmínima da área com plantas não Bt, ouseja, que não expressam a transgeniade resistência a pragas. Plantas trans-gênicas resistentes a pragas promovemuma pressão de seleção constante queaumenta a frequência de indivíduos re-sistentes às proteínas Bt. Contrapon-do-se a esta pressão para seleção deindivíduos resistentes, a área de refú-gio é necessária para fornecer insetossuscetíveis que irão se acasalar comos resistentes.

O cruzamento de resistentes e sus-cetíveis gera indivíduos heterozigotos,que são controlados devido à alta dose

de expressão da proteína Bt. Desta for-ma, a pressão de seleção constantemen-te exerci da sobre a população de pra-gas-alvos pelas plantas transgênicas édiminuída. Isso assegura a manuten-ção da viabilidade da biotecnologia. Aocontrário, a ausência de área mínimade refúgio ou a má implementação destaprática (como o uso excessivo de in-seticidas que praticamente eliminem osinsetos suscetíveis) pode comprome-ter a tecnologia, como já aconteceucom alguns eventos de milho, porexemplo.

Estratégias de manejo da resis-tência - Assim verificamos que as trêsestratégias de manejo da resistência sãoimportantes. Destas, a que depende doprodutor, o cultivo de área de refúgio,muitas vezes é menosprezada. Então,se esta estratégia é mesmo tão impor-tante, porque o produtor se mostra ain-da reticente quanto ao uso desta estra-tégia? Entre os fatores que poderiamexplicar esta decisão estão provavel-mente a falta de conhecimento da im-portância do refúgio, a errônea percep-ção de perda de lucratividade nas áreasconvencionais e a convicção de quenovas tecnologias serão lançadas parasubstituir uma eventual tecnologia per-dida.

Nesse sentido é importante ressal-tar que o produtor aceita pagar pela tec-nologia por estar ciente dos benefíciosque ela pode trazer a sua lavoura. Con-tudo, a rapidez da seleção de resistên-cia depende, dentre outros fatores su-pracitados das estratégias de manejo deresistência de insetos (MRI) que o pro-dutor adota. A principal estratégia dis-ponível ao produtor é o plantio da áreade refúgio. Inúmeros dados de pesqui-sa reforçam o papel da área de refúgioem retardar a velocidade da seleção deresistência. Assim, é razoável pensarque se o produtor está disposto a pa-gar pela tecnologia, deve usá-Ia demodo adequado, para usar mais tem-po.

O plantio da área de refúgio deveser feito, na mesma época da área complantas Bt, com cultivar de ciclo se-melhante, utilizando-se o mesmo sis-tema de produção. É fundamental quea área com plantas não Bt seja semea-da margeando a área Bt com uma dis-tância máxima de 800 metros entre umaplanta Bt e uma não-Bt. Esta distância

A GRANJA I 41

ALGODÃO

foi baseada na dispersão das maripo-sas no campo. Portanto, as recomen-dações visam maximizar a possibilida-de de encontro (e acasalamento) dospossíveis adultos sobreviventes da áreade plantas Bt com os insetos suscetí-veis emergidos na área de refúgio. As-sim o refúgio estruturado deve ser de-senhado de acordo com a área cultiva-da e com a logística e topografia decada propriedade. Para talhões comdimensões acima de 800 metros culti-vadas com plantas Bt, serão necessá-rias faixas de refúgio internas nos res-pectivos talhões.

Até para que o produtor não tenhaprejuízos, é permitido controlar pragasna área de refúgio. Porém é importantelembrar que o objetivo do refúgio é ge-rar insetos suscetíveis. Portanto, deve-se fazer um uso racional de inseticidas(ou outras alternativas de controle) nasáreas de refúgio.

Assim, o atingimento do nível decontrole de cada praga é o momento deusar outra estratégia, que pode ser aaplicação de bioinseticidas à base debaculovírus, ou mesmo inseticidas quí-micos, de acordo com recomendaçãopara cultura. Desse modo, é recomen-dado o uso do MIP, que envolve moni-toramento para tomada de decisão, tam-bém na área de refúgio.

Produtor, a primeira vítima - Oprodutor que não utilizar a prática domanejo da resistência pode ser a pri-meira vítima da quebra desta tecnolo-gia, não obtendo controle das pragas-alvo apesar do uso de plantas Bt. Éimportante lembrar que os impactos daresistência de insetos às tecnologias Btpodem ser regionais, afetando diver-sas propriedades, daí a importância detodos os agricultores plantarem refú-gio. A seleção de insetos resistentes àstoxinas do Bt pode ser rápida em al-guns casos. Portanto, a utilização daárea de refúgio é essencial para garan-tir a manutenção da funcionalidade eda durabilidade das diversas tecnologi-as Bt.

Há de se considerar que o Brasil éum dos países que apresentou aumentomais rápido na área plantada com plan-tas geneticamente modificadas. O uso deplantas Bt é uma das estratégias maisúteis para o manejo e controle de lepi-dópteros-praga. Cada evento Bt é efici-ente no controle de alguns insetos, mas

não de todos. Asdemais pragas quepodem ocorrer deforma sazonal ouem menor intensi-dade podem nãoser alvo da proteí-na Bt, por isso devem também ser moni-toradas e manejadas. O monitoramentoda lavoura é atividade fundamental quenão deve ser negligenciada, tanto paraas pragas-alvo dos eventos Bt quantopara as consideradas pragas secundári-as. O MIP é estratégia chave para garan-tir a proteção da lavoura de maneira eco-nômica e sustentável.Aproporção de áreade refúgio recomenda para as culturas éa seguinte: milho: 10% da área total complantas não-Bt; algodão e soja: 20% da

área total complantas não-Bt.

Além dasplantas Bt, a lu-crati vidade daárea de refúgioou a manuten-

ção da população de insetos- pragaalvo da tecnologia pode ser assegu-rada pelo uso de outras estratégias demanejo integrado de pragas (MIP),como controle químico com inseti-cidas seletivos, controle biológico emanejo cultural. Assim, compete aoprodutor zelar pela tecnologia hojedisponível, para que ela continue sen-do uma boa ferramenta que contribuino conjunto das táticas de manejo depragas.~

42 I NOVEMBRO 2017