Como Estudar Nômades Com Um Pensamento Nômade

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Como estudar nômades com um pensamento nômade? Sugestões para definir um campo em antropologia (Florencia Ferrari) Como estudar nômades com um pensamento nômade? Sugestões para definir um campo em antropologia* Florencia Ferrari PPGAS - USP Diante de um formulário para pedido de bolsa, o que deve assinalar um antropólogo que se propõe estudar ciganos? Seria "etnologia", por estudar um "grupo étnico"? No Brasil, etnologia, só "indígena". Seria antropologia urbana, caso esses ciganos vivam na cidade; ou antropologia rural caso vivam no campo? Parece que essas separações não fazem sentido. Só sobrou então antropologia das populações afro- brasileiras... Tendo que assinalar o campo, fatalmente o infeliz e desnorteado pesquisador se verá obrigado a fazer um "x" em "outra área antropologia social". [1] Ora, esse embaraço aponta já para algumas questões de ordem teórica. Em primeiro lugar, chama a atenção para certa arbitrariedade na definição dos "campos" de pesquisa em antropologia. Os pressupostos que produzem o formulário e fazem o doutorando se questionar dessa

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Florencia Ferrari

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Como estudar nômades com um pensamento nômade? Sugestões para definir um campo em antropologia (Florencia Ferrari)

Como estudar nômades com um pensamento nômade?

Sugestões para definir um campo em antropologia*

Florencia Ferrari

PPGAS - USP

Diante de um formulário para pedido de bolsa, o que deve assinalar um antropólogo que se propõe estudar ciganos? Seria "etnologia", por estudar um "grupo étnico"? No Brasil, etnologia, só "indígena". Seria antropologia urbana, caso esses ciganos vivam na cidade; ou antropologia rural caso vivam no campo? Parece que essas separações não fazem sentido. Só sobrou então antropologia das populações afro-brasileiras... Tendo que assinalar o campo, fatalmente o infeliz e desnorteado pesquisador se verá obrigado a fazer um "x" em "outra área antropologia social". [1]

Ora, esse embaraço aponta já para algumas questões de ordem teórica. Em primeiro lugar, chama a atenção para certa arbitrariedade na definição dos "campos" de pesquisa em antropologia. Os pressupostos que produzem o formulário e fazem o doutorando se questionar dessa maneira - e que no entanto fundamentam grande parte das pesquisas em andamento nas universidades, bem como os grupos de trabalho da ABA e da Anpocs - tomam como dados conceitos que vêm sendo alvo de crítica por uma linhagem de autores que fazem (direta ou indiretamente) de Gabriel Tarde seu precursor, e que ganha força em vozes contemporâneas. A noção de sociedade, sobre a qual se erigiram a sociologia e a antropologia ao longo do século xx, passa de consenso a pedra no sapato, e leva a uma discussão que põe em dúvida o próprio exercício

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antropológico. Minha intenção aqui é refletir sobre as respostas oferecidas por esses autores, entre eles Roy Wagner, Marilyn Strathern e Bruno Latour, e, num outro registro Gilles Deleuze e Félix Guattari, fazendo tanto quanto possível uma leitura interessada para a construção de um campo de pesquisa no qual tenha lugar o estudo sobre ciganos.

O problema da noção de "grupo social"

Relativamente poucos antropólogos dedicaram-se a conhecer "ciganos". Os mais sérios entre eles trataram de esquivar-se do nominativo "cigano", referindo-se ao grupo estudado como "Traveller-Gypsies da Inglaterra", "os Gypsies da Califórnia", ou "os Manush da França" (Okely, Sutherland, Williams), como que evitando generalizações. Há um mal-estar longamente discutido por pesquisadores de ciganos em usar o termo genérico e universalizar suas observações como forma de não reificar estereótipos, obrigando-os a se reportar apenas a um "grupo" de indivíduos. Mas, seria o caso de nos perguntar onde exatamente começa e termina esse grupo, e se é mesmo de um grupo que se trata. Cada etnografia faz um esforço em delimitar, definir um grupo, proliferando ressalvas para que o que é dito ali não ultrapasse as fronteiras do recorte proposto. E no entanto, as etnografias se conectam por todos os lados. A "ciganidade" atravessa as formações descritas pelos etnógrafos. Minha sugestão é que o incômodo que aflige esses antropólogos passa em grande parte pela concepção de grupo social vigente na antropologia, à qual suas pesquisas estão sujeitas, e na dificuldade de reconhecer a possibilidade de deslocamento entre pontos de vista em disitintas escalas. <p class="p2">

Um artigo não exatamente jovem, publicado em 1974, propõe uma questão a toda uma área etnográfica: há (realmente) grupos sociais nas terras altas da Nova Guiné? Roy Wagner, o indagador, faz na verdade uma provocação que, para bom entendedor, se estende a todo o campo antropológico. Sua questão poderia ser lida de modo menos restritivo: há grupos sociais? Quer dizer, há grupo no sentido de uma "coisa" concreta, passível de descrição, uma unidade separada do entorno? Ou a idéia de grupo social é um modo de pensar e recortar a realidade, filtrada por nossa cultura? A tacada vem como resposta primeiro ao

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transplante de noções desenvolvidas em um campo para outros lugares do mundo - como chamou a atenção Joanna Overing (1977) sobre a inapropriação do modelo dos sistemas de linhagens africanos para pensar a Amazônia -; mas ela acaba atacando sobretudo o uso despreocupado de concepções ocidentais para caracterizar povos, ou pensamentos, não-ocidentais.

Wagner faz uma revista do conceito de sociedade desde que Durkheim chamara a atenção para a importância do "social", no final do século xix. A ladainha do "fato social como coisa", isto é, como algo exterior, supra individual e suprabiológico a ser estudado objetivamente, e a preocupação com a "integração" social - não importa quão estranhas sejam as práticas sociais, o que importa é que elas funcionem no sentido de manter a sociedade coesa - foram possivelmente o maior legado deixado para as escolas antropológicas que se seguiram. Os ingleses, com Radcliffe-Brown à frente, desenvolveram o conceito-chave do funcionalismo focando-se na polaridade indivíduo/sociedade. O estrutural-funcionalismo, como ficou denominado, admitia tanto a imagem de uma rede de relações entre indivíduos, como a de uma rede entre grupos. Mas, ao se apegar à noção de estrutura como conjunto de normas que impõem aos indivíduos direitos e deveres (propriedade, herança, status) conforme sua pertença a uma coletividade, a chamada teoria da descendência, e a antropologia social britânica à qual ela deu forma, exportou ao estudo de povos tribais concepções ocidentais tais como "política", "lei", "direito", "propriedade", ali aplicados "como se" fossem próprios dos nativos, ou como se o sentido que elas tivessem para nós fosse o mesmo que para eles. A concepção de grupo gerada por essas teorias tornou-se hegemônica na antropologia. A antropologia social teria se tornado por um bom tempo "a ciência dos grupos de descendência" (Wagner 1974: 97).

Essa imagem da sociedade como um universo fechado, no qual pode-se identificar um grupo étnico definido, vivendo sob costumes e instituições que configurariam uma cultura particular, sofreu ataques sucessivos, primeiramente vindos do outro lado da Mancha, com a abordagem estruturalista de Lévi-Strauss, cuja preocupação maior centrava-se nas contradições que operavam na produção das sociedades. Mais do que definir unidades, descrever "termos", trata-se de investir nas relações. Nas Estruturas elementares do parentesco, "grupo social" ganha um aspecto radicalmente diferente, na medida em que é descrito em termos conceituais e simbólicos, e não em termos legais e materiais. Não se trata mais do grupo A, de tais e tais características, e do grupo B, com tais e tais outras. A e B, são doadores ou tomadores de esposas (e outras coisas também), conforme a situação. São termos intercambiáveis, numa relação que é dada anteriormente. [2]

Dessa escola lévi-straussiana, Leach aprendeu a lição que importaria do continente à ilha: "Sociedade não é uma coisa: é uma maneira de ordenar

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experiência" (grifo meu). [3] Elo entre ingleses e franceses, o autor pode ser visto como detonador da crítica à concepção britânica de grupo social a partir da noção de estrutura de Lévi-Strauss, como "relações de relações". Ao menos é assim reconhecido por Marilyn Strathern, que lhe presta homenagem no debate organizado por Tim Ingold sobre a obsolescência do conceito de sociedade (1989).

Strathern defende a moção de que o conceito de sociedade é obsoleto. Sua argüição centra-se na crítica à noção de sociedade como "coisa", como entidade discreta, que cria a imagem de um mundo dividido em unidades. Leach já havia mostrado, usando com certa ironia o trabalho de Goody como exemplo, aonde se pode chegar com esse pressuposto: se a intenção é classificar para comparar tipos de sociedades, cada discrepância nos dados de campo entre duas comunidades vizinhas permite subdividi-las em novas sociedades, este procedimento podendo ser levado ao extremo de "demonstrar que cada aldeia no mundo todo constitui uma sociedade distinta que pode ser diferenciada como um tipo, de qualquer outra" ( [1959]2001: 16-17). Na esteira desse raciocínio, e seguindo Gabriel Tarde, diremos que é possível encontrar sociedade em toda parte: cada indivíduo, cada célula, cada átomo, "toda coisa é uma sociedade, [...] todo fenômeno é um fato social" (Tarde 1893, iv, grifos do autor). Se o problema do observador for definir "a última unidade", seu trabalho é inócuo, ou infinito, pois sempre resta algo a ser diferenciado. Como diz Strathern, a diferenciação "corre solta". O que permanece constante nessas diferentes escalas é justamente a capacidade de diferenciar. A descrição que se vale da noção de grupo como uma unidade definitiva permanece cega a todo o resto: a todas as outras escalas e pontos de vista que permitiriam ver em campo, muito mais do que um grupo.

Quer dizer, o problema não é, com Goody, chegar à conclusão que os ciganos Calon de Santa Fé do Sul são um grupo distinto dos ciganos Calon de Birigui, ambas no Estado de São Paulo. [4] Restringir o escopo a um "grupo" delimitado, por mais tranqüilizante que seja seu efeito sobre o pesquisador, não resolve a questão, pois é na formulação desta que reside o problema: não há produção de conhecimento nesse tipo de abordagem. Qualquer que seja a conclusão, ela dirá mais respeito ao que o observador pensa do que ao que pensam e fazem os sujeitos observados. Em outras palavras, segundo esses autores, a preocupação com o fato de haver ou não grupo é nossa, não deles; motivo pelo qual temos que nos livrar dela para compreender e dizer algo novo, que faça sentido para eles. <p class="p2">

Resta saber o que seria então o foco de atenção dessa "escola". Se não há a "sociedade" como algo passível de ser observado como "coisa", se o termo não deve ser utilizado por nos fazer pensar as populações como unidades, e os indivíduos como partes do todo exterior a eles, um conceito de outra natureza deve substituí-lo: ele deve ser de natureza relacional, e não entitária. Essa

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substituição deve-se à concorrência de duas fontes distintas. Uma delas, já avançada aqui, vem de Lévi-Strauss, cujo conceito de estrutura privilegia a relação em detrimento dos termos. A outra provém das etnografias melanésias, mais particularmente, do "sistema M", como Alfred Gell (1999) denomina o resultado da interação entre a teoria e a etnografia feita por Marilyn Strathern.

A etnografia de Strathern, The Gender of the Gift teria adotado um ponto de vista idealista, isto é, ela descreve um mundo em que o real é uma idéia, ou um sistema de idéias mais do que uma coleção de objetos sobre os quais nós ou os outros têm idéias. Essa abordagem se opõe a um ponto de vista realista, segundo o qual o mundo consistiria numa coleção de coisas que existem independentemente umas das outras e que entram em relações causais externas. No sistema "M" (fusão de "Melanésia" e "Marilyn"), ao contrário, as relações são sempre internas, elas são a base do sistema, e não seu efeito. As relações não são entre entidades visíveis, os termos são entidades ideais, não aparências perceptíveis de objetos no mundo físico. É a relação entre mãe e filho, ou a que está implícita na afirmação que "4 é menor que 5", que interessa à autora. "Mãe" e "filho" não são termos que existem independentes e se associam numa relação posterior. É a relação que define os termos. Estes últimos são idéias decorrentes da relação entre eles, dada anteriormente. Ocorre que na Melanésia de Marilyn as relações assim definidas são todas relações de troca e, além disso, genderizadas, isto é, expressas sob a estética do gênero. E o que vemos como "coisa", não é senão a aparência de relações eclipsadas. O porco trocado entre homens não é jamais apenas um porco, não é uma "coisa" passível de ser descrita por sua aparência, ele é, ao contrário, a objetificação de relações genderizadas (same sex, cross sex). Um porco contém eclipsadas as relações entre a porca e o porco que o produziram, mas também a capacidade produtiva da mulher que os alimentou, que por sua vez objetifica uma série de outras relações também eclipsadas. De modo que em cada "coisa" se esconde um mundo de relações, cuja forma pode ser expressa pela imagem do fractal - objeto de extensão infinita que reproduz em cada escala a forma da escala anterior, mantendo a complexidade e a relação entre seus elementos -, conceito que será desenvolvido pela autora mais tarde em Partial connexions (2005). Na verdade, "se esconde" para nós, que costumamos olhar essas coisas como "coisas", mas entre os melanésios de Strathern não há "coisas", tudo é apreendido de modo relacional.

O contato com essa visão melanésia do que são as relações sociais permitiu a Strathern estabelecer "conexões parciais" com a teoria antropológica e com etnografias "at home" e fazer uma crítica ao conceito de sociedade como base da antropologia. Ao defender a moção de que o conceito de sociedade é teoricamente obsoleto, Strathern tem o exemplo melanésio de relação como paradigma. A partir do contraste entre a nossa noção de indivíduo (ou de personhood) e a noção melanésia pode-se aceder ao contraste entre nossa noção de sociedade e o que Marilyn chama de "socialidade melanésia". Se, opondo-se a nossa idéia de que o indivíduo é uma entidade discreta, os melanésios afirmam

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que um indivíduo não é nunca um, mas a expressão das múltiplas relações que o constituem, [5] a noção de sociedade como a soma de indivíduos independentes forçosamente se altera. Assim, o conceito de socialidade, como "matriz relacional que constitui a vida das pessoas" (in Ingold 1996:64) é intrínseco à definição de personhood melanésia, e não extrínseco como é o conceito de sociedade em relação ao indivíduo - chegando mesmo a opor-se a ele. A noção de "socialidade" é portanto uma alternativa não apenas para o uso do conceito de sociedade, mas principalmente um dispositivo teórico que permite ver o curso da vida das pessoas junto às quais se vive de outra maneira. Será preciso então levar a cabo um relacionismo radical, em que tudo - e este tudo inclui humanos e não-humanos - é posto em relação. Nesse sentido, a leitura "da vida como ela é" sob a abordagem da imagem do grupo social, privilegia a extração de uma unidade discreta de um fundo contínuo ou um plasma de relações e que passa a existir como autônoma por meio da própria descrição (ou invenção).

Também contra essa concepção de grupo, Bruno Latour propõe pensar alternativamente a formação de grupo. Embora os teóricos sociais, diz ele, se esforcem para definir agrupamentos sociais, "a experiência no mundo social é a de estar simultaneamente moldado por diversos chamados possíveis e contraditórios de reagrupamento" (2005:28). Sua concepção tardeana do social [6] como um conector - e não como um domínio alternativo e complementar à economia, à psicologia, à lingüística - permite compreender a referência a um ou outro grupo como "um processo em andamento feito de laços incertos, frágeis, controversos e em constante mutação" (id.). Sua "sociologia das associações" tem portanto como prerrogativa seguir os caminhos dos atores, seguir os traços deixados por sua atividade de formar e desmantelar grupos, seguir as conexões.

O que Strathern (e Latour, e, veremos, Deleuze) propõe é justamente o oposto da noção clássica de grupo social. Se a deixarmos de lado, sobra tudo. Passaremos a nos movimentar no outro plano, o do contínuo, em que não se encontram unidades discretas, em que tudo esta conectado, ou pelo menos tudo é conectável. Já não se vê o social separado em planos organizacional, representacional e relacional. Na abordagem stratherniana, o plano relacional engloba os demais, tornando-os indistintos. O foco vira-se portanto para os modos de ação, as socialidades. Estas últimas não devem ser confundidas com a sociabilidade, à qual muitas vezes é associada. A socialidade não carrega nenhuma conotação de reciprocidade como altruísmo e de relação como solidariedade ou de ações econômicas como motivações econômicas. A socialidade não se restringe às pessoas, ao contrário, ela é a conexão entre homens, mulheres, porcos, canoas, alimentos etc.

Mas esse termo "socialidade" desenvolvido por Strathern já aparecia no artigo citado de Wagner sobre grupos sociais. Wagner apresenta ali uma descrição original de como opera a noção de sociedade na antropologia: "Quando um

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antropólogo reduz as vidas e imaginações de seus objetos (sujeitos) em um "sistema" determinista de sua invenção, prendendo em armadilhas suas fantasias e inclinações com as necessidade de suas próprias economias, ecologias, e lógicas, ele dá prioridade ao seu modo de criatividade por cima do deles" (1974:103). Ele já prepara nesse artigo o vocabulário que desenvolveria mais tarde em A invenção da cultura. "Invenção", "criatividade", "imaginação" são para ele os mecanismos que antropólogos e nativos se valem para produzir "cultura" (ver abaixo). Em 1974, portanto, ele já definia "sociedade" como a invenção de um sistema por parte do antropólogo, levado por suas fantasias e lógicas próprias. Nessa invenção do outro como "sociedade", o modo do nativo fazer suas coletividades se reduz ao nosso modo de produzir grupos. O problema reside então na formulação de critérios adequados para compreender a "socialidade", definida ali como "a maneira pela qual as pessoas [das Terras Altas] se criam a si mesmas socialmente".

Wagner constrói sua argumentação introduzindo nova batelada de questões: Como os povos das terras altas da Nova Guiné criam socialidade? O que são os "fatos", conforme os nativos os fazem? Eles têm mesmo um "problema de sociedade" e uma solução sistêmica, ou seus problemas são concebidos de uma maneira totalmente diferente, que apenas indiretamente se relaciona aos agrupamentos sociais? A esses questionamentos Wagner responde com seu campo, sugerindo abordá-lo "dos mais variados pontos de vista possíveis".

Essa "técnica" de levantar questões é bastante didática e permite com facilidade transpô-la para outros campos. Negações do modo corrente de indagar o campo - que logo se apressaria a dar o "grupo" como dado, passando então a descrevê-lo, sem se preocupar se a noção é válida para aqueles a quem se está descrevendo -, elas podem servir como ponto de partida para deslocar a visão habitual que se tem dos ciganos. Pode-se extrair como que princípios básicos para essa nova forma de ir a campo: é preciso livrar-se de nossas pressuposições, não reproduzir nossos modelos, tratar de não ver no campo analogias de nossas formas de organização. Wagner dá o exemplo da reorganização levada a cabo pela administração colonial, assentando os Daribi em aldeias, isto é, grupos tais como nós os entendemos. O fato dessa organização tornar grupos visíveis para o ocidente não é suficiente para afirmar que há realmente grupos ali (assim como o fato de eles usarem roupas ocidentais não os torna ocidentais).

Parece-me que a questão de Wagner é pertinente para pensar os ciganos. Retrospectivamente eu poderia me perguntar se, quando fui a Santa Fé do Sul para uma festa de casamento, havia ali um grupo de ciganos. Quais as relações entre essas pessoas? Será mesmo que elas se fechariam num sistema, localizável geograficamente, ou desenhando uma genealogia? Não, certamente não. De saída, a festa reuniu pessoas de diversas proveniências: a mãe do noivo, que vinha a ser irmã da avó da noiva, e o noivo moravam em outra cidade, perto

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dali; nos limites da cidade acamparam parentes vindos de Minas Gerais; por outro lado, parentes próximos dos quais se falava constantemente estavam fora, viajando. Talvez, durante os três dias de festa, pudéssemos dizer que o casamento formou um grupo, aquele das pessoas que ali estavam. E a que serviria essa constatação? Apenas para preencher a necessidade do antropólogo de circunscrever seu objeto de pesquisa. Mas justamente é disso tudo que queremos escapar. Não se trata de circunscrever, e sim de ser levado, não pelos objetos, mas pelos sujeitos com os quais decidimos entrar em relação.

No caso dos ciganos de Santa Fé eu teria grande dificuldade de descrever um grupo. Embora curto, o campo permitiu perceber que a rede de relações entre ciganos ultrapassa os limites da localidade em que estão assentados há quarenta anos. Se deixarmos de usar o "filtro" do grupo, e seguirmos a socialidade, ou as relações que fazem a vida das pessoas, veremos que não há limites para a descrição. Se o recorte for o parentesco, seremos levados a seguir rotas que cobrem todo o Brasil. Se, por outro lado, quisermos delimitar os ciganos por territórios, seremos surpreendidos por sua efemeridade: o seu nomadismo nos prega peças constantemente. Não faria sentido escrever um texto sob o título "os ciganos calon de Santa Fé do Sul". A festa de casamento cria uma estabilização de um grupo circunstancial que talvez possa ser traçado pelas relações decorrentes da união de duas pessoas. Mas logo que a festa termina, a vida das pessoas continua, e dá lugar a outras formações. A viagem que está sendo preparada para a semana seguinte já aponta para isso: alguns membros de algumas famílias vão se encontrar com calon de outras cidades, aparentados ou não, e empreenderão uma "viagem" para o sul do país, onde visitarão fazendas para vender acolchoados e cobertores. Somente seguindo-os seria possível descrever como os ciganos criam socialidade, para, com Latour, acompanhar a pista de Wagner. Segundo me contaram, vão primeiro à região de Americana (SP) para comprar a mercadoria, partindo para outros estados para vendê-la. Nessa viagem há provavelmente de tudo: relações comerciais com gadjes conhecidos, gadjes desconhecidos, encontros com calon parentes, com calon amigos, com calon inimigos, festejos, batizados e sabe-se lá mais o quê. Procurar compreender como se dão essas relações, que posições ocupam esses diferentes atores nas relações, como elas se reproduzem ao longo dos anos, como entram as mercadorias, o transporte, os acampamentos, os lugares nessa rede... esse é o trabalho do antropólogo, que deverá dizer, por meio dos dados etnográficos, o que é relevante para eles.

Etnografia, último bastião

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Antes de partir para a Amazônia onde ficaria entre os Achuar por três anos, Philippe Descola, foi visitar Claude Lévi-Strauss,

Depois de eu o ter bombardeado com detalhes das técnicas de pesquisa que eu contava empregar e com os problemas sutis que elas me possibilitariam resolver, ele concluíra nosso encontro com essas simples palavras: "Deixe-se levar pelo campo".

Caberia perguntar se alguma vez não foi assim. Quer dizer, se há alguma outra maneira de fazer campo que não seja deixando-se levar por ele. Ou ainda, se o etnógrafo é capaz de interromper o fluxo do dia-a-dia compartilhado com outros com preocupações teóricas que compartimentem a experiência em cercados de significação. Parece-me pouco provável. Aliás, esse deve ser o motivo pelo qual a etnografia "sobreviveu" à demolição conceitual que os autores contemporâneos vêm fazendo da antropologia clássica. Mesmo entre os pós-modernos - cuja proposta igualmente demolidora, mas narcisista, pouco nos interessa -, a etnografia segue sendo o centro, mesmo que para negar a possibilidade de produção de conhecimento positivo sobre o que quer que seja.

Se o trabalho de campo é ainda a grande cartada da antropologia, a etnografia passa a ter um foco especial. Sim, pois é na grafia dos dados de campo que reside o ponto de virada para os autores de que tratamos. A questão não é seguir o "nativo" em campo - muitos fizeram isto desde Malinowski -, mas sim segui-lo na escrita, isto é, fazer com que a escrita dê conta do modo como se vive em campo; é preciso falar com o nativo. As implicações dessa proposição não são, no entanto, automáticas. As dificuldades aparecem quando se toma consciência que as descrições que nós produzimos dos outros contêm, ou melhor, são elas próprias nossas formas de descrever. Em entrevista a Eduardo Viveiros de Castro e Carlos Fausto, Strathern desfia a importância da descrição em sua teorização sobre a Melanésia, ao sugerir que mais do que nos modos de pensar, a diferença [entre os Melanésios e nós, p.ex.] está nos modos de descrever:

nós produzimos descrições de nós mesmos que são diferentes daquelas que os melanésios produzem de si mesmos. [...] O que estou dizendo é que a diferença que existe está no fato de que os modos pelos quais os melanésios descrevem, dão conta da natureza humana, são radicalmente diferentes dos nossos. (1999: 172)

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Strathern projeta a idéia de cosmologia - o modo como uma "cultura" pensa - para o seio da discussão proposta por Wagner sobre a noção de invenção da cultura. Dizer que os Melanésios pensam diferente de nós não é suficiente (aliás em certo sentido, sequer é possível dizer isso), pois o problema está justamente em como descrever, por meio de nossa cultura, outra cultura, cuja forma de descrição é diferente. "O estudo da cultura é cultura", diz Wagner, "o estudo da cultura é na verdade nossa cultura" ( [1981]2007: ??). Ao fazermos antropologia operamos com nossas formas, criamos em nossos termos, usando nossas palavras e conceitos para falar dos significados de outros.

Wagner escreve avant la lettre - publica a primeira edição de A invenção da cultura em 1975 - uma teoria bombástica sobre a idéia de "cultura", e seus desdobramentos (mudança e continuidade cultural, a relação entre pesquisador e pesquisado, a própria noção de antropologia), cuja reverberação pode ser sentida nos autores aqui mencionados, que na última década avançaram trabalhos na mesma direção. De maneira algo grosseira, o que ele diz é que aquilo que nós tomamos como dado, e portanto sequer nos perguntamos a respeito (p. ex. a nossa concepção de natureza), é também construído por nós, conseqüentemente não deve ser tomado como dado quando se vai estudar outros povos. Aquilo que chamamos e acreditamos ser a "realidade", é na verdade inventada por nós, logo, não é a mesma realidade que outros povos inventam para si mesmos. Nesta formulação estão implícitas duas novidades: a primeira é que não é a "maneira de ver" o mundo o que muda quando se passa de uma sociedade a outra, o que muda é o mundo mesmo, a realidade. Não há, nessa abordagem, um mundo e várias perspectivas sobre ele; um real e várias representações "culturais" (sendo que a nossa é a mais verdadeira pois quem define o que é esse mundo somos nós com a Ciência). [7] Para Wagner há vários mundos. Com isto, é possível escapar à proposição algo hipócrita do antropólogo ocidental que considera complacentemente o outro com suas "crenças" diferentes, quando na intimidade se sente aliviado por "saber" que as coisas são como a Ciência (o universal) diz que são. "É improvável que encontremos", diz Wagner, "um antropólogo ecológico tão ingênuo a ponto de negar que membros de diferentes culturas reconheçam e vivam em diferentes realidades 'subjetivas'; o ponto crucial, todavia, envolve a avaliação da realidade objetiva" (id., cap. 6). Wagner desafia a atuação intuitiva do antropólogo (que leva para campo sua concepção de natureza - do que é dado, isto é, o seu contexto convencional), propondo que se estabeleça uma relação que inclua as duas compreensões de realidade, a do antropólogo e a de quem ele estuda. [8]

A segunda novidade implícita na sugestão de Wagner é que, no encontro com um outro, no caso o antropólogo, os povos que estudamos também inventam "cultura". Isto porque, "se nossa cultura é criativa, então as 'culturas' que estudamos, como outros exemplos do mesmo fenômeno, também têm de sê-lo" (id.), e negar-lhes essa criatividade seria tornar as pessoas e seus modos de vida

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subservientes a nós, algo, que, todos concordamos, não seria uma atitude digna de antropólogo... Aqui Wagner estica a corda, sugerindo que, nesse sentido, os nativos são como antropólogos, pois inventam a cultura do antropólogo para eles em seus próprios termos - afirmação que quando lida fora do contexto deixa estarrecida a audiência acadêmica. Pois é claro que Wagner não pretende que sejamos todos antropólogos do mesmo modo, até porque ser antropólogo no mundo Daribi deve ser tão diferente do que é ser antropólogo aqui, quanto os conceitos de riqueza, de tempo, ou de cargo o são para nós. Strathern (1987) é categórica nesse aspecto: imaginar que a antropologia seja a mesma em qualquer parte é supor que as sociedades são homólogas em suas técnicas de teorização, em suas formas de conhecimento, o que é disparatado defender. Mas é a idéia de que é possível tratar os procedimentos de conhecimento, as práticas nativas em continuidade epistêmica às práticas antropológicas de conhecer (Viveiros de Castro 2002) que permite a Wagner reconceitualizar a própria antropologia. Se não formos capazes de aplicar essa relatividade objetivamente, a criatividade das culturas que estudamos será sempre derivada de nossa própria criação da realidade; e nossas descrições permanecerão enrijecidas por nossos termos, por nossa maneira de ver e inventar nosso mundo. Mais uma vez, isso não quer dizer que o antropólogo deva "acreditar" nas realidades dos povos estudados, ou que ele deva "tornar-se nativo", mas, antes, Wagner entende que um indivíduo que seja capaz de compreender o funcionamento da invenção e da "crença", poderá com mais facilidade lidar com significados sem ser "usado" por eles. "Ele será um antropólogo melhor, um cidadão melhor".

A equivalência entre as criatividades do antropólogo e do "nativo" leva o autor a concluir que "há estilos de criatividade, não tipos de sociedade", o que nos recoloca o problema da descrição. Não se trata mais de encaixar os dados de campo em modelos e conceitos pré-concebidos. É preciso ir a campo suficientemente aberto para ser afetado pela criatividade do outro, permitindo que nosso mundo se expanda, por meio da descrição, com os conceitos novos que nos são apresentados. Por extensão da concepção wagneriana de cultura como uma dialética (sem síntese) entre a invenção e a contra-invenção, entre o modo convencional e o modo diferenciante, é possível compreender sua imagem de antropologia. Se a cultura muda [9] a si mesma por meio desse processo em que uma ação diferenciante cria ao mesmo tempo uma contra-ação convencionalizada - é assim que funciona a propaganda, vendendo o "novo" - e vice-versa, pode-se entender a antropologia funcionando com a mesma engrenagem: o contato com "outros mundos" alimentando o "nosso mundo" de modos diferenciantes, os quais temos que nomear com novos conceitos, para que mais tarde nosso mundo se amplie e mude, contendo essas novas formas de criar realidade, ou o conflito que elas provocaram. Marilyn Strathern dá exemplo desse procedimento ao extrair da etnografia melanésia o conceito de socialidade, e conectá-lo à teoria antropológica, desempenhando o papel de crítica à noção entitária de sociedade. Sem a tensão gerada pela etnografia, talvez o conceito convencional de sociedade não fosse questionado. É portanto nessa dialética que o pensamento se altera.

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A antropologia deveria, nesse sentido, se espelhar mais no trabalho de campo que lhe serve de matéria, e buscar abolir a distância entre teoria e prática: ao invés de tratar de formatar algo nos moldes de nossa cultura (o texto acadêmico com categorias pré-estabelecidas pela disciplina), ela deveria explorar todas as conseqüências possíveis dessa prática dialógica, mantendo-se consciente da diferença e da contradição:

As contradições inerentes às várias abordagens teóricas devem ser explicitadas e usadas para elicitar uma comunidade profissional implícita. A ética e as metodologias do trabalho de campo deveriam tornar-se 'transparentes' para a criatividade sob estudo. Deveríamos subordinar suas pressuposições e preconcepções à inventividade dos 'povos estudados' de modo a não esvaziar previamente sua criatividade no interior de nossa própria invenção. (Wagner cap. 6)

O mundo convencional ao qual nos apegamos e damos o nome de "cultura", ou "sociedade", é apenas a parte "estabilizada" (Latour), do turbilhão de ações contraditórias que fazem "a vida". Wagner fala da vertigem da chegada a campo. Pois é exatamente nesse registro que querem se movimentar os autores de que viemos tratando. Strathern reivindica a necessidade de indissociar teoria e prática, isto é, transpor na escrita a densidade, as contradições e o relacionismo vividos em campo. Bruno Latour propõe abandonar a sociologia do social - dedicada ao estudo "do que já foi associado", estabilizado, enfim, a sociologia durkheimiana clássica que estuda "grupos sociais" - e dar lugar à "sociologia das associações". Invocando Gabriel Tarde, o social deixa de ser tomado como um domínio particular da realidade, e passa a ser tratado como um "princípio de conexão", que não distingue o social humano de outras associações. Também inspirados por Tarde, Deleuze e Guattari descrevem sistemas a-centrados, rizomáticos, nos quais "a comunicação se faz de um vizinho a um vizinho qualquer" (:27), e "qualquer" significa que a conexão pode e deve ser feita entre heterogêneos, enquanto tais. Há portanto a possibilidade de ver o mundo (ou os mundos) de outra perspectiva, atentando para o aspecto molecular das conexões, em que o foco está antes na relação do que no que é relacionado. Para Strathern e Wagner esse é o mundo vivido, cuja experiência múltipla é seccionada pela etnografia clássica em unidades de significação (parentesco, vida doméstica, atividades femininas, atividades masculinas, sistemas classificatórios, religião etc.). Faz-se, assim, necessário escrever conectando tudo, fazendo as conexões existentes visíveis, ou, com Latour, traçáveis.

Com Reassembling the social, Latour oferece uma espécie de guia para "seguir as associações" na escrita. Filósofo de formação e sociólogo da ciência de "repartição", Latour escolhe a antropologia como modelo de descrição do mundo;

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seu objetivo é retomar o empirismo e a etnografia que vem a reboque. A tarefa é pois traçar associações, seguir os atores, lentamente (slowsociology), e conectar indiscriminadamente seres humanos, animais, coisas, átomos, todos considerados igualmente actantes e participantes desses "coletivos". A ANT (teoria do ator-rede) é mais um método do que um objeto. É preciso tratar as coisas como redes. Uma boa descrição, nesse sentido, é aquela capaz de deixar que os conceitos nativos sejam mais fortes que os do analista, e que guiem o traçado. Em lugar de se defender (de si mesmo) com noções como a de "representação", sempre que o antropólogo se vir diante de uma esquisitice nativa, ele deve parar para pensar e tentar conectar: aquela esquisitice pode ser a porta para um outro mundo.

Todos esses autores, cada um à sua maneira e em relação a um campo particular, convergem na crítica ao modelo "moderno" (Latour), ou "euro-americano"(Strathern), ou "americano de classe média"(Wagner), ou à perspectiva do "Estado"(Deleuze & Guattari), tratando de se posicionar em outro plano. A idéia de "platô" - não por acaso retirada da etnografia balinesa de Bateson (prova do argumento de Wagner, em que o contato com um contexto diferenciante, os balineses, nos provê de novos conceitos que nos permite expandir e mudar nossa concepção de mundo, e por extensão mudar nosso mundo) - como uma região contínua de intensidades, em oposição a pontos concentrados e isolados, como multiplicidades conectáveis de modo a formar e estender rizomas, pode ser tomada como imagem de apoio para os trabalhos desenvolvidos por cada um dos autores. Os platôs reuniriam numa só imagem as noções de relação, conexão, heterogeneidade, perspectiva.

Se é assim, como voltar para nossos próprios problemas e pensar os ciganos nesses termos? Já sabemos o que não fazer. Ao chegar em campo, não tentar formatar grupos, não interromper uma conexão com idéias preconcebidas, não separar pessoas de coisas. Partido abstrato a priori, mas cujas conseqüências determinam o caminho da pesquisa. É o caso então de imaginar o que seria "seguir as associações", guiados pelos ciganos. A rede que devemos seguir não é uma rede social (apenas entre pessoas), mas as redes de Latour (associações), Deleuze (rizoma) e Strathern (socialidade), em que não há separação entre humanos e não-humanos. Trata-se de lidar com uma imagem relacional da antropologia. Nos exemplos de Latour, minha impressão é de que qualquer rede que nos proponhamos seguir, acabaremos chegando a átomos, genes, à camada de ozônio, à onu. Mas isto porque sua questão é a Ciência, e a relação entre natureza/cultura e poder ali implícita. Que redes nos fariam seguir os ciganos?

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Dificilmente, suponho, chegaríamos à camada de ozônio... Os problemas que envolvem e mobilizam os ciganos são próprios a eles. Que tipo de "coisas", não-humanas, entrariam nas redes dos ciganos? Ouro, carros, cavalos, cachorros, mantas, trailers, barracas, panos, instrumentos musicais, mortos (mulos). Falaríamos então do devir-trailer do cigano, pois que ciganos e meios de transporte estão conectados, enquanto heterogêneos, nesse rizoma? Que conseqüências tiraríamos dessas formulações para descrever o mundo cigano?

Não se trata, evidentemente, de enrijecer essas teorias e, de novo, forçar o "material" cigano a se encaixar nelas. Ao contrário, o exercício está em deixar-se afetar por essas concepções que ampliam nossa capacidade de compreensão da realidade, e que, a cada situação, podem ser acionadas em conexões parciais. Quando se está em campo entre ciganos, não há um sistema centrado, hierárquico, definido, embora haja posições de poder desempenhadas por alguns indivíduos; é claro que todos participam de distintas redes, com outros ciganos, com diversos gadjes, com outros lugares, com outras "coisas". Um grupo se forma numa cidade, mas logo linhas de fuga explodem desterritorializando aqui e territorializando alhures. [10] Como seria pensar a ciganidade como multiplicidade? Não haveria ciganos, não haveria "grupos étnicos", mas ciganidade, em diferentes graus, em diferentes intensidades. O gadje como um sujeito de ciganidade zero. O cigano em continuidade com as sociedades em que ele vive. Um modelo molecular. A ciganidade como linha de fuga. Como qualidade do agenciamento contra o Estado, contra a propriedade privada (seu ideal é estar sempre alhures), contra a idéia de identidade territorial (ela não existe entre eles), contra o imaginário da nação (ela permite ser transregional, transnacional, não ser de lugar nenhum), contra o consumismo (ela implica desapego material: uma vida cabe num carro, num trailer, numa barraca), contra a exploração do trabalho (não se empregam, viajam). A ciganidade definida pelo fora, como princípio de desterritorialização que estende seu território e muda sua natureza ao se conectar a outras multiplicidades. "O cigano desliza por encima da terra / Não podendo acima dela, sobrepairado; Jamais a toca, sequer calçadamente, / Senão supercalçado: de cavalo, carro.", diz João Cabral. A desterritorialização constitui sua relação com a terra; ele é o vetor de desterritorialização. [11]

Para desenvolver estes desvarios promissores é imperativo ir a campo. É imperativo buscar ao máximo falar com o nativo, seguir suas associações, impedir que nossas preconcepções importunem nossa vivência de outro mundo.

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Que antropologia?

Voltando às questões iniciais que atormentavam o pesquisador ao preencher o formulário, a dificuldade de encontrar um campo de estudo a ser assinalado remete à ausência mesma de um campo que leve em conta a imagem de antropologia que viemos discutindo. O fato das opções parecerem sempre insuficientes para caracterizar o estudo que tenho interesse em desenvolver não é gratuito, deve-se à institucionalização de uma imagem da antropologia que pensa o mundo por categorias, que divide a vida das pessoas em "grupos" e "sociedades", que divide o conhecimento antropológico em "áreas". A alternativa a isso é a imagem de pensamento dos platôs, com foco na continuidade. Por esta via, estudar ciganos não se define com o estudo de um grupo particular, mas com o de uma rede de associações conectada a muitas outras urbanas, rurais, marítimas...

No "Pretexto" de seu interessante livro sobre os vivos e os mortos entre os Manuch, no Maciço Central, Patrick Williams pede licença, num tom de desculpas, por aproximar sua etnografia sobre os mortos às etnografias de Leonardo Piasere, com Roma da Eslováquia, e de Judith Okely, entre os Traveller Gypsies da Inglaterra. Diz ele: "nous avons tous les trois critiqué la démarche qui consiste à généraliser à tous les Tsiganes des observations faites chez certains Tsiganes et affirmé la nécessité, pour chaque nouveau groupe que l'on aborde, de tout reprendre à zero" (1993:1). Estes autores estão, a meu ver, entre os melhores etnógrafos de ciganos. E no entanto, ao carregar consigo a noção de grupo, perversamente põem barreiras aos seus estudos, perdendo a oportunidade de multiplicar e estabelecer conexões entre suas redes de ciganos. Como seria a etnografia desses autores se eles contornassem a idéia de grupo? Ao invés de localizar, restringir um campo, um grupo, não seria mais interessante conectá-los?

Já falamos da impossibilidade (e irrelevância) de se chegar a uma unidade última e indivisível de análise. Os Manuch de Patrick Williams devem apresentar tantas diferenças internas quanto são as diferenças deles em relação aos Roma de Piasere. O problema da unidade de comparação é antes de tudo metodológico. Quer dizer, não é, como faz parecer a formulação de Williams, mais legítimo generalizar numa escala local do que numa escala global, pois mesmo no nível local a capacidade de diferenciação permanece. Como na imagem fractal usada por Strathern (2004), uma vez definido em que escala se estuda, a quantidade de informação e complexidade a ser comparada e analisada permanece

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constante. Dizer "os ciganos são..." não é a priori um sacrilégio antropológico, mas não pode ser enunciado em qualquer escala, só funciona em determinado nível de magnificação. A dificuldade de Williams deve ser compreendida, nos termos de Strathern, como o problema de desproporção que aparece na comparação de elementos de escalas distintas. O problema se reduz então a definir em que escala se situar em cada momento; o que é comparado a o que. Esta formulação, em que relativizamos perspectivas múltiplas, fará tudo parecer parcial; e no entanto, se passarmos de uma escala a outra veremos a recorrência de informações similares e tudo parecerá conectado. O trabalho de conexão parcial torna-se procedente, uma vez que a etnografia Manush se conectará parcialmente a outros materiais ciganos, sem nunca formar um "todo" cigano.

Tutto somato, que antropologia reivindicar para estudar ciganos? Defendemos aqui uma antropologia cuja noção de cultura permita ser ampliada com o pensamento dos povos estudados; cuja etnografia, em lugar de se fechar, se abra, se deixe levar pelos atores estudados. Uma etnografia sem noção de todo, porosa por todos os lados, passível sempre de ser continuada para além dos limites impostos pela noção de grupo, de sociedade, de cultura. Uma etnografia vivaz [12] dos ciganos, que faça rizoma com a sociedade gadje; Ou uma etnografia que se permita basear na imagem fractal da praia, em que a distinção entre areia e mar é sempre transposta a um nível mais reduzido, como que a postergar ao infinito uma separação, [13] buscando manter a continuidade o máximo possível.

O desafio será ir a campo e desenvolver as questões que me interessam particularmente - as relações entre ciganos e gadje, de quem falam o tempo todo - com essa nova imagem da antropologia. "Desafio" porque ao menos aparentemente os ciganos eles próprios operam pelas dicotomias das quais buscamos escapar aqui: a separação do mundo entre puro/impuro, interior/exterior, cigano/gadje é recorrente em seu discurso. Partindo de uma suposta continuidade com os ciganos - semelhante à que supôs Strathern quando realizou sua "antropologia em casa" sobre parentesco em Elmdon -, conectaremos parcialmente este balanço teórico e trataremos de avaliar seus rendimentos. Talvez cheguemos, como Strathern, a outras descontinuidades, mas importa que elas não sejam dadas a priori. Consideraremos que um grupo já não é uma unidade de estudo, e portanto nos levaremos pelo que dizem e fazem os ciganos ao traçar rotas, ao se relacionar com pessoas, coisas, lugares.

Esta bibliografia parece especialmente pertinente para pensar linhas gerais de meu projeto de pesquisa, em que eu sugiro uma teoria cigana da fronteira. Ela permite inverter o sentido da diferenciação entre Calon/Rom e gadjes, mostrando que essa preocupação com a fronteira é o outro lado da profunda conexão entre eles. O problema, em termos deleuzeanos não será compreender ciganos numa equação "ciganos ou gadje", mas, ao contrário, será substituir a conjunção

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alternativa por uma aditiva: como pensar "ciganos e gadjes". Isto reforçado pelo fato de que uma das principais características recorrentes entre esses grupos de famílias que se designam Rom ou Calon é seu convívio cotidiano e inevitável com a sociedade ocidental, desde que se sabe algo deles. O cigano é intrinsecamente um ser-para-o-outro, é heterônomo; sua relação de alteridade com a sociedade que o entorna é dada.

Ainda, o modelo molecular e de linha de fuga nos serve como uma luva para refletir sobre uma intuição de Judith Okely sobre a origem dos ciganos, da qual compartilho: embora se saiba que tenham vindo da Índia, [14] pela língua que falam derivada do hindi, sua efervescência no Ocidente coincide historicamente com o final do feudalismo e início do capitalismo; com os grandes êxodos rurais e o surgimento e adensamento das cidades. Na esteira de Okely, nada impede que levantemos a hipótese de que determinado grupo de descendentes de párias da Índia, [15] que se mantinha cuidadosamente separado dos habitantes dos lugares aonde chegavam, tenha atraído resíduos de uma sociedade em desintegração e rearranjo, graças aos ideais e valores que era capaz de mobilizar a despeito da pressão externa. A hipótese, que só pode ser comprovada pelo trabalho do historiador, oferece à antropologia a oportunidade de pensar teoricamente um modelo de alteridade particular, no qual o campo da fronteira não se desenha pelo contato entre duas sociedades separadas como entidades, em que duas formas de pensamento têm bases distintas e buscam um terreno de comunicação, como é o caso colonial clássico que deu origem à disciplina. No modelo aqui proposto, seria interessante pensar uma base comum: os ciganos nascem há pelo menos cinco séculos no seio do Ocidente e conhecem perfeitamente seus valores (comerciam com ocidentais, falam a língua nacional, assistem à televisão, eventualmente vão à escola...), no entanto, não se integram a ele, como se poderia esperar se levarmos em conta estudos de imigração, por exemplo, que observam a assimilação de um grupo de estrangeiros à sociedade local em poucas gerações. Os ciganos parecem gentes de outro tipo: vivem rodeados de gadjes e aceitam suas regras, mas não sem uma resistência muito regrada, que evita a mistura e, graças a isso, permanecem ciganos.

Voltamos assim ao problema de que antropologia adotar para estudar ciganos. Bruno Latour propõe uma antropologia simétrica, mas o sentido dessa simetria teria que ser ampliado para dar conta de objetos que não sejam especificamente centrais na sociedade ocidental, como a Ciência. Os ciganos não seriam o central dessa sociedade, mas sua linha de fuga. E no entanto, compreender como funcionam as linhas de fuga parece-me tão relevante quanto compreender o territorializado, o Estado. As linhas de fuga falam desse centro, mas desde outra perspectiva. Desde que tomado como linha de fuga, e não como grupo, o lugar

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equívoco do cigano é capaz de expressar muito do que não é estabilizado, do que não é oficial, do que não foi capturado pelo Estado, e é essa a pertinência de seu estudo.

Seria então necessário reivindicar uma nova cadeira, ou novo campo de pesquisa, para a "Antropologia em casa" definida por Strathern, que me parece suficientemente ampla para abarcar pesquisas sobre laboratórios científicos, partidos políticos e ciganos. Como ela esclarece bem, nem sempre a antropologia em casa será auto-antropologia. Esta implica que os conceitos estudados sejam contínuos aos dos utilizados pelo pesquisador, como é o caso da antropologia da ciência de Latour. Mas a antropologia em casa inclui também descontinuidades. Apesar de compartilharmos língua, nacionalidade, religião, e tantas outras coisas, não podemos dizer a priori que usos os ciganos fazem delas. Okely mesmo relatou como teve de aprender "outra língua" usando as mesmas palavras da sua própria língua ao se referir ao Traveller. Se a roupa ocidental, a configuração em aldeias ou a evangelização não fazem dos índios menos índios, o mesmo podemos intuir acerca dos ciganos: mesmo o familiar não deve ser tomado como análogo a nossa maneira de compreendê-lo, ele deve ser tratado como exótico, como algo a ser compreendido. Podemos pensar os ciganos como um grupo? Não, aonde parece que o problema acaba ele apenas começou.

NOTAS

* Ref. Trabalho final do curso: Simetria, Reversibilidade e Reflexividade na Antropologia Contemporânea, Marcio Goldman, 1º semestre de 2006, PPGAS-USP.

1. "Esta é uma história real". Os campos são as opções fornecidas pela Fapesp para preenchimento de formulário de bolsa de doutorado.

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2. Mais tarde, nas Mitológicas, embora o foco não seja este, a noção de grupo ainda presente nas EEP é "explodida" pelas intermináveis séries de relação e transformação que fazem os mitos. Deixando de lado a idéia do universal (que pressupõe um mundo dado igual para todos), Marilyn Strathern assume em sua obra este legado estruturalista que privilegia as relações e as transformações.

3. Wagner atribui aos construtos estruturalistas o advérbio "groupy", "gruposos", apontando a dependência da explicação estruturalista da noção de sistema para pensar a organização social.

4 E tampouco, num nível mais alto, que "os ciganos" são um grupo distinto dos "gadje". De nada servem estas "conclusões".

5. Nos termos de Deleuze e Guattari, em lugar de indivíduo, pensaríamos em multiplicidade, rompendo com a idéia de unidade, e no seu lugar apostando na continuidade, numa rede em que tudo está conectado.

6. Tarde afirma vigorosamente que o social não constitui um domínio particular da realidade, mas um princípio de conexão; que não há nenhuma razão para separar o social humano de outras associações.

7 Ao defender a idéia de diversidade cultural, a antropologia reconheceu nos outros povos distintas "culturas". No entanto, a noção de "cultura" é ela mesma

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"euro-americana", como é a antropologia: "Um componente essencial do conceito antropológico de Cultura é seu deslocamento a um plano de transcendência: 'nós' e 'eles' somos equivalentes na medida em que mantemos com a Cultura (conceito) uma mesma relação: todos pertencemos a uma cultura (efetuação). Note-se que a relação entre 'nós' e 'eles' não é direta, mas intermediada por um terceiro termo, através do qual se ligam de modo quase totêmico ("a relação que eu mantenho com a Cultura é homóloga à que fulano mantém"). Trata-se, de fato, menos de uma relação que de uma correlação. O problema é que o termo de transcendência (o conceito de Cultura) provém de um dos termos correlacionados ('nós') no plano de imanência." (Gordon 2006).

8. Há ecos desta discussão na contraposição que faz Homi K. Bhabha (1998) entre "diversidade cultural" e "diferença cultural": a diversidade cultural seria a representação de uma retórica radical da separação em culturas totalizadas, "intocadas pela intertextualidade de seus locais históricos, protegidas na utopia de uma memória mítica de uma identidade coletiva única."(idem:63); Enquanto que o sentido que Bhabha confere a "diferença cultural" propõe abandonar a idéia simples de múltiplas culturas, para pensá-las em situação, quer dizer, a cultura só emerge como tal, quando sofre um embate com outra cultura e nele se percebem as diferenças. A diferença cultural deixa de se um dado para se transformar em um processo de enunciação da cultura, em que se constroem sistemas de identificação cultural. A negociação seria a forma de compreensão da relação entre essas realidades em contato.

9. Ao argumento de Christina Toren contra a idéia de socialização, subjaz uma teoria de mudança social compatível com a de Wagner: um bebê não é "moldado" pela sociedade - formulação que implica uma exterioridade da sociedade em relação ao indivíduo. Se assim fosse, o mundo não mudaria, seria mera repetição, aliás não seria possível explicar como o mundo se tornou o que ele é. Ela defende, ao contrário, que "só podemos conhecer o mundo em e através de relações com outros" (in Ingold 1996:74), também de acordo com a noção de socialidade de Strathern. Nessa perspectiva, uma pessoa é sujeito e objeto históricos das ações de outros, é produtor e produto de significados infinitamente variados, não arbitrários, decorrentes das relações sociais. Nos termos de Wagner, cada "novo" indivíduo que nasce, contribui com um modo diferenciante a este mundo convencionalizado, alterando-o. Cada indivíduo é uma potencialidade de mudança.

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10. A relação aparentemente direta entre o "Tratado de nomadologia" com o nomadismo cigano deve, no entanto, ser traçada. Isto porque, embora nômades, as abordagens dos pesquisadores seguiram sempre o modelo molar, da territorialização, eles foram sempre tratados sob a ótica do grupo.

11. O desenvolvimento de uma abordagem deleuziana dos ciganos terá que ser adiado. Me limito aqui a levantar hipóteses de conexão.

12. Em Botânica, "vivaz", diz-se de planta que apresenta rizoma...

13. Como o paradoxo de Zenão contra o movimento, segundo o qual uma flecha, ao ser lançada, jamais alcançará seu alvo, porque antes deverá percorrer a metade do caminho, e antes a metade da metade, e antes a metade da metade, e assim até o infinito.

14. Conjetura-se que, saídos da Índia, tenham permanecido nos domínios bizantinos dos séculos x a xv, quando partiram em direção ao continente europeu e, no século xvi, teriam se espalhado também pelo Novo Mundo. Dados lingüísticos e recentemente, estudos provenientes da genética comprovam a tese (Iovita &Schurr 2004)

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15. De onde pode ter herdado não só a língua, como a ideologia do puro/impuro, e onde o nomadismo pode ter uma explicação mais conjuntural e menos cosmológica.

Bibliografia

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