COMO UMA DEUSA: Considerações acerca da representação da mulher negra nas HQs de superaventura

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COMU 30 TÍTULO: COMO UMA DEUSA: Considerações acerca da representação da mulher negra nas HQs de superaventura Lucas do Carmo Dalbeto 1 [email protected] RESUMO: Este trabalho visa analisar a representação da mulher negra nas Histórias em Quadrinhos (HQs) por meio de uma abordagem que resgata o contexto histórico e sociocultural de produção e divulgação destas narrativas. Toma-se por base a afirmação do filósofo norte-americano Douglas Kellner de que a geração de conteúdos midiáticos originou uma nova cultura dominante, a Cultura da Mídia. Desta forma a compreensão da sociedade contemporânea envolve, entre outros fatores, a compreensão desta nova forma de cultura que se manifesta também nas HQs. Como produtos de uma indústria cultural e difundidos pela mídia, as Histórias em Quadrinhos são obras que levantam questões socioculturais. No entanto estas questões são retratadas em um mundo fantástico, que é amplo, rico e complexo, o que lhe permite diferentes interpretações e infinitas abordagens. A análise aqui apresentada parte da criação de uma das primeiras personagens femininas das superaventuras, a Mulher Maravilha (1941), passando por outras representantes icônicas do mundo dos quadrinhos mainstream, Garota Marvel e Mulher invisível (ambas criadas na década de 60). Nota-se que a representação da mulher nestas narrativas, até este momento, era feita sob um olhar masculino e dominante, assim estes personagens - incluindo a Mulher Maravilha, cujo criador defendia publicamente os valores feministas representavam personagens frágeis, estereotipadas e, quase sempre, sob o comando de figuras masculinas. Outra importante consideração a ser apontada é quanto às suas características físicas que as enquadram no conceito de beleza perpetuado pela cultura de massa a ideia de uma mulher caucasiana, com corpo escultural e rosto angelical. Este padrão foi rompido apenas na década seguinte, com a eclosão dos valores da contrarrevolução sexual e os valores anti-racistas, que tomaram grandes proporções no final dos anos 60. Neste novo contexto sociocultural foi apresentada no título X-Men a personagem Tempestade, uma afrodescendente radicada no Quênia que passa a integrar a formação multiétnica da equipe mutante em 1975. A inserção de um personagem feminino, negro e de grande destaque nas HQs está atrelada, também, a um interesse econômico da editora responsável pelo título, cujo objetivo era atrair novos leitores e consumidores para a revista que enfrentava grande queda de vendas. Ainda que sua criação tenha um viés econômico é possível, por meio da análise da trajetória de Tempestade, identificar alguns paralelos que corroboram e questionam o papel social naturalizado às mulheres e às mulheres negras nas Histórias em Quadrinhos. Diferente das demais personagens analisadas a sexualidade não é tabu para Tempestade, ainda que a abordagem deste aspecto esteja vinculada a uma percepção estereotipada das mulheres africanas. É possível apontar também a dependência e a insubordinação da personagem a figuras masculinas. A personagem se torna um marco de grande valia nas HQs por se afastar do modelo de heroína doméstica, voltada a atrair a atenção dos leitores masculinos. É possível considerar que a mulher, e mais especificamente a mulher negra, quando inscrita na cultura de massas tem sua identidade definida por estereótipos naturalizados ao longo dos anos. A força, o misticismo, a sensualidade, a beleza exótica e misteriosa 1 Mestrando em Comunicação (UEL); Especialista em Gestão Estratégica do Design (UEL); Especialista em Gerenciamento de Projetos (SENAC); Bacharel em Design de Produto (UEM).

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Este trabalho visa analisar a representação da mulher negra nas Histórias emQuadrinhos (HQs) por meio de uma abordagem que resgata o contexto histórico esociocultural de produção e divulgação destas narrativas. Toma-se por base a afirmaçãodo filósofo norte-americano Douglas Kellner de que a geração de conteúdos midiáticosoriginou uma nova cultura dominante, a Cultura da Mídia. Desta forma a compreensãoda sociedade contemporânea envolve, entre outros fatores, a compreensão desta novaforma de cultura que se manifesta também nas HQs.

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TÍTULO: COMO UMA DEUSA: Considerações acerca da representação da

mulher negra nas HQs de superaventura

Lucas do Carmo Dalbeto1

[email protected]

RESUMO: Este trabalho visa analisar a representação da mulher negra nas Histórias em

Quadrinhos (HQs) por meio de uma abordagem que resgata o contexto histórico e

sociocultural de produção e divulgação destas narrativas. Toma-se por base a afirmação

do filósofo norte-americano Douglas Kellner de que a geração de conteúdos midiáticos

originou uma nova cultura dominante, a Cultura da Mídia. Desta forma a compreensão

da sociedade contemporânea envolve, entre outros fatores, a compreensão desta nova

forma de cultura que se manifesta também nas HQs. Como produtos de uma indústria

cultural e difundidos pela mídia, as Histórias em Quadrinhos são obras que levantam

questões socioculturais. No entanto estas questões são retratadas em um mundo

fantástico, que é amplo, rico e complexo, o que lhe permite diferentes interpretações e

infinitas abordagens. A análise aqui apresentada parte da criação de uma das primeiras

personagens femininas das superaventuras, a Mulher Maravilha (1941), passando por

outras representantes icônicas do mundo dos quadrinhos mainstream, Garota Marvel e

Mulher invisível (ambas criadas na década de 60). Nota-se que a representação da mulher

nestas narrativas, até este momento, era feita sob um olhar masculino e dominante, assim

estes personagens - incluindo a Mulher Maravilha, cujo criador defendia publicamente os

valores feministas – representavam personagens frágeis, estereotipadas e, quase sempre,

sob o comando de figuras masculinas. Outra importante consideração a ser apontada é

quanto às suas características físicas que as enquadram no conceito de beleza perpetuado

pela cultura de massa – a ideia de uma mulher caucasiana, com corpo escultural e rosto

angelical. Este padrão foi rompido apenas na década seguinte, com a eclosão dos valores

da contrarrevolução sexual e os valores anti-racistas, que tomaram grandes proporções no

final dos anos 60. Neste novo contexto sociocultural foi apresentada no título X-Men a

personagem Tempestade, uma afrodescendente radicada no Quênia que passa a integrar

a formação multiétnica da equipe mutante em 1975. A inserção de um personagem

feminino, negro e de grande destaque nas HQs está atrelada, também, a um interesse

econômico da editora responsável pelo título, cujo objetivo era atrair novos leitores – e

consumidores – para a revista que enfrentava grande queda de vendas. Ainda que sua

criação tenha um viés econômico é possível, por meio da análise da trajetória de

Tempestade, identificar alguns paralelos que corroboram e questionam o papel social

naturalizado às mulheres e às mulheres negras nas Histórias em Quadrinhos. Diferente

das demais personagens analisadas a sexualidade não é tabu para Tempestade, ainda que

a abordagem deste aspecto esteja vinculada a uma percepção estereotipada das mulheres

africanas. É possível apontar também a dependência e a insubordinação da personagem a

figuras masculinas. A personagem se torna um marco de grande valia nas HQs por se

afastar do modelo de heroína doméstica, voltada a atrair a atenção dos leitores masculinos.

É possível considerar que a mulher, e mais especificamente a mulher negra, quando

inscrita na cultura de massas tem sua identidade definida por estereótipos naturalizados

ao longo dos anos. A força, o misticismo, a sensualidade, a beleza exótica e misteriosa

1 Mestrando em Comunicação (UEL); Especialista em Gestão Estratégica do Design (UEL); Especialista em

Gerenciamento de Projetos (SENAC); Bacharel em Design de Produto (UEM).

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são elementos que constituem esta representação e estão presentes na caracterização de

Tempestade, porém é possível destacar que a personagem atende a muitas das

reivindicações do feminismo. Desta forma, os resultados obtidos levam a crer que, através

da análise de bens culturais voltados ao entretenimento, é possível traçar considerações

acerca das relações entre gênero e etnia na sociedade ocidental contemporânea.

Palavras-chaves: História em Quadrinhos; Personagens Negros; Personagens

Femininos; Feminismo.

BIBLIOGRAFIA

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