Compaixão-Misericórdia. Retórica Das Paixões Aristotélicas

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  • Dilogos Pertinentes Revista Cientf ica de Letras Franca (SP) v. 6 n. 1 p. 143-162 jan./jun. 2010

    8Luiz Alves de SouzaProfessor do Departamento de Letras na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Mestrando em Lingusitca/Unifran.Maria Flvia FigueiredoDoutora em Lingustica pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Docente do Mestrado em Lingustica na Universidade de Franca (Unifran).

    COMPAIXO-MISERICRDIA: UMA PAIXO ARISTOTLICA

    RESUMOEste trabalho explora o tema da compaixo-misericrdia no conjun-

    to das quatorze paixes descritas pela argumentao aristotlica na obra Retrica, em uma edio denominada Retrica das paixes, com amplo prefcio por Michel Meyer. Este artigo se desenvolve a partir dos conceitos de paixes e do (leos) aristotlicos, adotando a expresso compaixo-misericrdia como traduo desse termo grego. Sequencialmente apresenta consideraes etimolgicas e semnticas dessa composio, expe alguns antecedentes necessrios para compre-enso do pathos, e faz detalhamentos sobre a compaixo-misericrdia como presente na obra, quais sejam: quem sente ou no compaixo; os motivos que a fazem surgir; a inspirao ou circunstncias em que ela emerge; de quem se deve ter ou no compaixo e tambm detalha o que digno de compaixo. O estudo dessa paixo como exposto neste intratexto abre possibilidades de expandi-la em estudos inter-textuais temticos que a mesma estabelece com outras obras. Alm dessa perspectiva intertextual, no universo discursivo, o conhecimento das caractersticas conceituais da compaixo-misericrdia abre espao

    COMPASSION-MERCY: AN ARISTOTELIAN PASSION

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    para anlises polissmicas do sujeito no texto e, por isso, fortalece, pelo conhecimento do funcionamento da lngua, o desvendar das atitudes humanas na literatura e na vida.Palavras-chave: pathos; paixo; compaixo; retrica; argumentao.

    ABSTRACTThis paper argues over the theme of compassion-mercy within the

    set of fourteen passions as described by Aristotles argumentation in Rhetoric, in a Brazilian edition called Retrica das paixes, with a large preface by Michel Meyer. This paper develops the concepts of passion and (leos) in Aristotle, adopting the words compassion-mercy as a translation for the Greek term . Some etymological and semantic considerations on compassion-mercy as well as some necessary background for understanding pathos are presented initially; then it presents some details on compassion-mercy as described in the Brazilian edition, which are: those who feel compassion or not, the reasons that give rise to it; the inspiration or circumstances in which it arises; for whom one should have compassion or not, and it also details what is worthy of compassion. The study of this passion as exposed in this work opens up possibilities for expanding it into intertextual thematic studies that it establishes with other works. Besides this intertextual perspective, in the discursive universe, knowledge of the conceptual characteristics of compassion-mercy makes room for polysemic analyses of the subject in the text and, therefore, by knowing how the language works, it strengthens the disclosure of human attitudes in literature and in life. Key words: pathos; passion; compassion; rhetoric; argumentation.

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    INTRODUOEste trabalho explora o tema da compaixo-misericrdia dentro do

    conjunto das catorze paixes descritas pela argumentao aristotlica na obra Retrica, em uma edio denominada Retrica das Paixes.

    Aristteles, em Retrica das paixes, usou o termo compaixo para se referir a uma paixo humana. As paixes so todos aqueles sen-timentos que, causando mudanas nas pessoas, fazem diferir seus julgamentos... (ARISTTELES, 2000, p. 5). Originalmente, Aris-tteles usou, no texto grego, o termo (leos), cuja traduo mais prxima, em portugus, seria o vocbulo misericrdia.

    No senso comum, a palavra misericrdia refere-se normalmente a um sentimento de compaixo ou piedade por aquele que sofre as adversidades da vida. O Michaelis (1998, p. 1.387) apresenta o vo-cbulo como de origem latina (misericordia), definindo-o da seguinte maneira:

    1. Pena causada pela misria alheia; comiserao; 2. Perdo concedido por bondade pura. 3. Graa ou perdo. 4. Punhal com que antigamente os cavaleiros matavam o adversrio depois de derrubado, se ele no pedia misericrdia. 5.Insti-tuio de piedade e caridade. Interjeio: exclamao para pedir piedade, compaixo ou socorro. Misericrdia divina: atributo de Deus que o leva a perdoar as faltas e os pecados dos homens.

    Analisando a palavra etimologicamente, v-se que se trata de um vocbulo formado pela composio de duas bases latinas: misri e cor. Misri (miservel) - crdia ou crdia (corao). Misri deriva de mser (mser, msera, mserum), adjetivo para o qual o Dicionrio Latim-Portugus/Portugus-Latim, da Porto Editora (2005, p. 300), traz para o portugus as palavras miservel, infeliz, pobre. Para o substantivo cor (cor, cordis), o mesmo dicionrio traz corao; alma; inteligncia; sentimento; pessoa; estmago (p. 115). Dessa composio,

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    podem-se obter vrias acepes, como, por exemplo, corao infe-liz; corao contrito; sentimento de infelicidade. Altruisticamente, pode-se ter tambm, a ideia de uma pessoa por completo, de um ser total com todo o seu sentimento voltado para quem est na misria, infelicidade ou pobreza.

    Alm dessas projees semnticas, o prprio dicionrio j traz a traduo dessa composio que forma um substantivo feminino: mi-sericrdia, (pl.) misericordiae, cuja traduo no surpreendente , segundo o dicionrio da Porto Editora (p. 300), compaixo, mise-ricrdia. Percebe-se que, na lngua latina e, consequentemente, na lngua portuguesa, o termo misericrdia pode ser tomado por com-paixo, piedade. Em relao outra pessoa, seria um sentimento de compaixo pela sua misria.

    Para esse mesmo termo, no dicionrio Houaiss, encontramos:MISERICRDIA substantivo feminino 1 sentimento de dor e solidariedade com relao a algum que sofre uma tragdia pessoal ou que caiu em desgraa, acompanhado do desejo ou da disposio de ajudar ou salvar essa pessoa; d, compaixo, piedade (...). 2 ato concreto de manifestao desse sentimento, como o perdo; indulgncia, graa, clemncia (...). (HOUAISS verso eletrnica) (grifos nossos).

    Vemos acima a sinonmia entre compaixo e misericrdia na lngua portuguesa. A propsito da palavra piedade em destaque na mesma citao, ao parafrasear Aristteles em Retrica das paixes, Michel Meyer alterna entre os vocbulos compaixo e piedade, como na pgina XLVI do prefcio desta obra. No mesmo dicionrio acima, a entrada compaixo remete comiserao que, por sua vez, remete misericrdia. Percebe-se que tanto para o dicionarista quanto para o filsofo do prefcio os termos compaixo/misericrdia so convergentes.

    Portanto, v-se que, na traduo do texto grego usado em Retrica das paixes, entre os termos misericrdia e compaixo, a tradutora

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    brasileira1 fez opo por este ltimo, sendo que ambos se referem ao mesmo sentimento expresso no mencionado compndio.

    A misericrdia torna-se assim, do ponto de vista humano, uma das catorze paixes mencionadas pelo filsofo. Diferiria cultural e teologicamente da noo de misericrdia divina presente na Bblia, em que essa se refere a um comportamento sempiterno ou atitude de Deus em relao ao ser humano em funo da sua prpria essncia e fidelidade em relao criatura.

    No desenvolvimento da retrica de Aristteles, as paixes, incluin-do a compaixo-misericrdia, no so entendidas como virtudes ou vcios permanentes, mas esto relacionadas com situaes transitrias provocadas pelo orador (FONSECA, 2000, p. XV apud Aristteles, 2000).

    Sequencialmente, as quatorze paixes mencionadas na obra so: clera, calma, temor, segurana (confiana, audcia), inveja, impu-dncia, amor, dio, vergonha, emulao, compaixo ( - leos), favor (obsequiosidade), indignao e desprezo (cf. MEYER, 2000, p. XLI).

    OS ANTECEDENTESA fim de se compreenderem as paixes em Aristteles, necessrio

    se ter em mente a rea do conhecimento qual este tpico se vincula. A prpria forma como a obra Retrica das paixes2 se organiza, com amplo prefcio que supera em quase o dobro o nmero de pginas destinadas ao texto do autor em si, sugere a importncia dos ante-cedentes necessrios para a compreenso desta obra filosfica cuja

    1 Dr.a Isis Borges B. da Fonseca, professora do departamento de Letras Clssicas da Universidade de So Paulo. 2 O texto de Retrica das paixes publicado nesta edio da Editora Martins Fontes corresponde, conforme nota do prefcio, ao livro II, captulos 1 a 11, da Retrica. Esta edio traz o texto grego e respectiva traduo em portugus em pginas alternadas. Esta foi a nica edio utilizada como base terica para este estudo lingustico.

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    publicao inicial se deu no sculo I a.C., sendo atribuda ao autor nascido em 322 da mesma era.

    No prefcio Retrica das paixes, o filsofo Michel Meyer ins-creve a obra em seu contexto histrico-filosfico, referindo-se aos dilogos platnicos, suas origens que, talvez, remontem a Scrates e aos sofistas (MEYER, 2000, p. XVII) bem como sua interseo, oposio e insero junto a outras obras clssicas. Porm, para o nosso propsito, gostaramos de destacar apenas a finalidade da retrica e a noo do pathos subjacente ao termo paixo.

    Inicialmente, encontramos, nas palavras de Aristteles (2000), o que vem a ser a finalidade da retrica. Ele afirma:

    Visto que a retrica tem como fim um julgamento (com efeito, julgam-se os conselhos, e o veredicto um julgamento), necessrio no s atentar para o discurso, a fim de que ele seja demonstrativo e digno de f, mas tambm pr-se a si prprio e ao juiz em certas disposies (ARISTTELES, 2000, p. 3).

    Na citao seguinte, Michel Meyer parafraseia o pensamento aris-totlico fundamental para o desenvolvimento da argumentao sobre as paixes. Ele assim escreve:

    O pathos preserva a identidade do sujeito graas diferena daquilo que no ele, mas que mesmo assim, . O pathos constitui, portanto, esse lugar impossvel da diferena pro-posicional sem a qual no haveria identidade de substncia. Diferena ontolgica verdadeira, o pathos representa a su-presso da alternativa e do problemtico como uma etapa momentnea que se supe no ter surgido jamais, mas sem a qual o prprio resultado da resoluo no teria sentido. Da a ambiguidade das paixes: no h sujeito sem essa contin-gncia que o afeta e o define e no h sujeito quando a ele se chega somente por seus atributos contingentes (MEYER, 2000, p. XXXIII et seq.).

    Ou seja, fundamentando-se em Meyer (2000, p. XXXIV), tem-se que a identidade necessria de um sujeito afetada e definida pelos

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    seus atributos contingentes, isto , os atributos contingentes conferem essncia do sujeito sua identidade, o que torna possvel distinguir, por exemplo, Plato de Scrates. Contudo, no se chega a uma identidade suficiente do sujeito apenas por tais contingncias. E o pathos pre-cisamente a voz da contingncia, da qualidade que se vai atribuir ao sujeito, mas que ele no possui por natureza, por essncia (MEYER, 2000, p. XXXII).

    Para esse filsofo, a paixo a alternativa, sede da ordem do que primeiro para ns, dissociada essa ordem daquilo que em si e irredutvel a este (MEYER 2000, p. XXXV). Por causa disso, a paixo o lugar do outro, o espao da possibilidade diferente daquilo que somos. Ela , dessa forma, o individual por oposio ao universal indiferenciado. E, nas palavras do autor, a paixo , ainda:

    relao com o outro e representao interiorizada da diferena entre ns e esse outro. A paixo a prpria alteridade, a alternativa que no se far passar por tal, a relao humana que pe em dificuldade o homem e, eventualmente, o opor a si mesmo (MEYER 2000, p. XXXV).

    AS PAIXES EM RETRICASegundo Michel Meyer (2000, p. XL), as paixes no so nem

    meios nem fins, mas respostas s representaes que os outros concebem de ns. Posteriormente, segundo ele, essas sero chamadas formas da conscincia de si.

    Em Aristteles, as paixes se diferem em nmero e conceitualmente quando comparadas com o que os modernos classificariam de paixes, certamente excluindo dentre elas a calma e a vergonha. Mesmo em Aristteles, tomando obras distintas, a lista delas diferente. Meyer diz que na tica a Nocmano h onze paixes, na Retrica, quatorze. A razo, segundo ele, seria a diferente nfase que lhes dada. Na primeira, h a alegria, o desejo ou o pesar, que so estados de alma

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    da pessoa considerada isoladamente, por assim dizer, ou em todo o caso, tomada em sua temporalidade individual. Na Retrica, que nossa obra referencial, ao contrrio da primeira, temos que:

    As paixes passam por resposta a outra pessoa, e mais pre-cisamente representao que ela faz de ns em seu esprito. As paixes ref letem, no fundo, as representaes que faze-mos dos outros, considerando-se o que eles so para ns, realmente ou no domnio de nossa imaginao (MEYER, 2000, p. XLI).

    Em suma, para Meyer (2000, p. XLI), a proposta explcita de Aris-tteles em Retrica mostrar que as paixes constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencer.

    A COMPAIXO-MISERICRDIA EM RETRICA DAS PAIXES Para o termo (leos) misericrdia/compaixo , na traduo

    de Retrica das paixes, em portugus, a tradutora optou pela palavra compaixo. Aristteles (2000, p. 53) discorre sobre tal sentimento definindo-o como certo pesar por um mal que se mostra destrutivo ou penoso, e atinge quem no o merece, mal que poderia sofrer a prpria pessoa ou um dos seus parentes, e isso quando esse mal parece iminente (ARISTTELES, 2000, p. 53).

    Afirma tambm que se trata de um sentimento de pesar pelos infor-tnios imerecidos. Deve-se sentir af lio e compaixo pelos que so infelizes sem o merecer (ARISTTELES, 2000, p. 59). Segundo este filsofo, a compaixo se ope, sobretudo, indignao, pois se aquela um sentimento de pesar pelos infortnios imerecidos, esta um sentimento que se tem pelos que imerecidamente so felizes (ARISTTELES, 2000, p. 53). E, a esse propsito, comenta: De fato, injusto o que acontece contrariamente ao mrito e, por isso mesmo, atribumos aos deuses a indignao (ARISTTELES, 2000, p. 59).

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    Quanto ao fato de se atribuir aos deuses a indignao, conforme citado acima, pode-se inferir que, do ponto de vista conjunto do autor/destinatrios (atribumos aos deuses a indignao), seria possvel haver a ideia, entre os gregos da poca, de deuses que tivessem o sentimento de indignao pelos que imerecidamente so felizes. Ora, se teriam indignao pelos que imerecidamente so felizes, e estando tal indignao diretamente em oposio compaixo, poder--se-ia concluir que tais deuses tivessem tambm o sentimento oposto a esse segundo Aristteles e, assim, talvez seja aceitvel dizer que eles sentiriam o (leos) misericrdia/compaixo pelos que so infelizes sem o merecer. Alinhado com a noo sobre o Deus de Israel presente no Antigo Testamento, haveria, tambm entre os contemporneos de Aristteles, a ideia de deuses misericordiosos e compassivos.

    Aristteles estabelece uma relao simultnea entre inveja, com-paixo/misericrdia e indignao. Vejamos:

    Poderia parecer que a inveja se ope da mesma maneira com-paixo, por estar bem prxima da indignao e identificar-se com ela, mas diferente, porque a inveja tambm um pesar perturbador ante um sucesso, entretanto no de pessoa indigna, mas igual e semelhante a ns (ARISTTELES, 2000, p. 59).

    Escreve tambm sobre o que h em comum entre os que sentem dois dos sentimentos acima:

    Ora, todos os que sentem inveja e indignao devem ter isto em comum: experimentar tais sentimentos no porque vai acontecer-lhes algum mal, mas por interesse do prximo; pois no haver inveja ou indignao, mas medo, se a causa da dor e da turbao for a possvel consequncia, para ns, da felicidade alheia (ARISTTELES, 2000, p. 59).

    QUANDO A COMPAIXO-MISERICRDIA ACONTECEEm Retrica das paixes, captulo oitavo, Aristteles faz um de-

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    talhamento de (1) quem sente ou no sente a compaixo; (2) sobre as disposies para se ter tal sentimento, ou seja, os motivos que o fazem surgir; (3) sobre qual seria a inspirao de tal paixo, isto , os casos em que as pessoas sentem compaixo-misericrdia referindo-se s circunstncias em que ela emerge; (4) de quem se deve ter ou no ter compaixo e (5), tambm, detalha o que digno de compaixo.

    Na sequncia, exporemos em detalhes o pensamento do filsofo expresso nesse referido captulo, cujo caput 8 [Da compaixo], bem como faremos inseres diretamente relacionadas ao termo compaixo e tambm explicaremos os termos constantes quando esses so detalhados ou mencionados em outros captulos do mesmo compndio. Por razes j expostas quanto traduo do (le-os) aristotlico, usaremos a expresso compaixo-misericrdia para nossas exposies, mas, forosamente, preservaremos a ocorrncia da palavra compaixo nas citaes.

    Vale lembrar que no detalhamento de cada uma das quatorze pai-xes, Aristteles (2000, p. 5) prope e distingue trs pontos de vista, segundo ele, indispensveis para a inspirao da paixo: a respeito da clera, por exemplo, em que disposies esto as pessoas em clera, contra quem habitualmente se encolerizam, e por quais motivos (grifos nossos). Essas chamadas disposies, so denominadas pelo autor ora como estado de nimo, ora como estado de esprito.

    QUEM SENTE OU NO SENTE A COMPAIXO

    A compaixo-misericrdia , de antemo, definida por Aristteles (2000, p. 59) nos seguintes termos: certo pesar por um mal que se mostra destrutivo ou penoso, e atinge quem no o merece, mal que poderia sofrer a prpria pessoa ou um dos seus parentes, e isso quando esse mal parece iminente.

    Acerca das pessoas que sentem ou no tal emoo, Aristteles afirma:

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    Com efeito, evidentemente necessrio que quem vai sentir compaixo esteja em tal situao que creia poder sofrer algum mal, ou ele prprio ou um de seus parentes, e um mal tal como dito na definio, ou semelhante ou quase igual; por isso no sentem compaixo os que esto completamente perdidos (pois acham que nada mais podem sofrer, visto que tudo j sofreram), nem os que se julgam extremamente felizes e so, ao contrrio, insolentes, porque se creem ter todos os bens, evidentemente pensam que nenhum mal possa atingi-los; de fato, esse um dos bens (ARISTTELES, 2000, p. 53).

    No trecho inicial da citao acima, veem-se parcialmente implicn-cias quanto ao estado psicolgico das pessoas compassivo-miseri-cordiosas: elas se encontram em determinada circunstncia, na qual acreditam que elas prprias ou seus familiares tambm possam sofrer algum mal, ou seja, possvel perceber a sensao de certa igualdade entre eles pela empatia mostrada. Assim, se poderia pensar: o que aconteceu com o outro pode tambm ocorrer a mim ou a algum meu, dado ao fato de que nem o outro nem eu merecemos sofrer tal penria. Isso revelaria, por um lado, certo grau de percepo do estado de igualdade e identidade entre o grupo e, por outro lado, certa superioridade em relao queles que suposta e merecidamente seriam infelizes.

    Ainda segundo a citao acima, do prprio autor, tambm no grupo de pessoas compassivo-misericordiosas, no haveria explicitamente lugar para aqueles que esto completamente perdidos, ou seja, os desesperados, dado ao fato de que acham que nada mais podem sofrer, visto que tudo j sofreram. Quase paradoxalmente ao que se poderia naturalmente pensar, os que se julgam extremamente felizes e so, ao contrrio, insolentes tambm no se enquadram no grupo dos compassivo-misericordiosos, pois, se poderia pensar que os felizes teriam compaixo dos que esto na infelicidade. Mas tal paradoxo se desfaz dado que se diz que os que se julgam extre-mamente felizes, isto , tais pessoas apenas se julgam como tal; na

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    verdade, pelas palavras do autor, essas seriam, de fato, insolentes ou, usando os sinnimos do Dicionrio Michaelis (p. 1161), seriam ins-litas, desaforadas, atrevidas, grosseiras, injuriosas, desumanas, brbaras, cruis. Para o termo insolncia, o mesmo dicionrio traz, entre outros, inconvenincia, orgulho desmedido, desaforo, atrevimento. De fato, tais indivduos estariam enganados ou iludidos quanto prpria sor-te, pois apenas pensam que nenhum mal possa atingi-los. Pode-se concluir, das palavras do autor grego (porque se creem ter todos os bens, evidentemente pensam que nenhum mal possa atingi-los; de fato, esse um dos bens), que, para os insolentes, a iluso em se ter todos os bens torna-se um bem que no possibilita ter sentimento de misericrdia-compaixo, ou seja, insolncia e misericrdia-compaixo seriam sentimentos simultaneamente excludentes em um mesmo ser. De fato, o filsofo afirma: aqueles que esto em disposio insolente, com efeito, no calculam que sofrero algum mal (ARISTTE-LES, 2000, p. 53).

    Ao analisarmos novamente a afirmativa de que quem vai sentir compaixo esteja em tal situao que creia poder sofrer algum mal, ou ele prprio ou um de seus parentes, observa-se que seja fundamental a crena ou pensamento de tambm vir a padecer do mesmo mal para suscitar tal sentimento. Para tanto, Aristteles afirma que so capazes de pensar que podem sofrer aqueles que j sofreram e se livraram do mal, e os velhos por sua prudncia e por sua experincia; os fracos e sobretudo os tmidos; e os instrudos, pois so aptos para calcular (ARISTTELES, 2000, p. 53), isto , pessoas que trazem em si lembranas de sofrimentos passados, as prudentes, experientes, fracas, tmidas e as instrudas seriam pessoas potencialmente compassivo--misericordiosas. Igualmente o seriam os que tm pais, ou filhos, ou esposas, porque esses seres so desse gnero e susceptveis de sofrer os males citados, e tambm aqueles que no estejam em um estado de paixo capaz de incutir bravura, como os que esto sob o domnio

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    da clera ou da audcia, pois segundo Aristteles, essas paixes no possibilitam o clculo do futuro (ARISTTELES, 2000, p. 53).

    Aristteles igualmente afirma que os que sentem grande temor tambm no tm compaixo-misericrdia, pois no tm compai-xo aqueles que esto assombrados, pois se ocupam do prprio sofrimento (ARISTTELES, 2000, p. 55). Ao discorrer sobre o amor e o dio, Aristteles (2000, p. 29) tambm afirma que o colrico poderia sentir compaixo em muitas circunstncias, mas aquele que odeia, no, pois, segundo ele, a clera provm daquilo que nos toca pessoalmente, enquanto o dio surge mesmo sem ne-nhuma ligao pessoal (ARISTTELES, 2000, p. 29). De fato, a compaixo-misericrdia aristotlica pressupe essa mencionada ligao pessoal em sua prpria definio: sentimento de pesar por infortnio no merecido, mal que poderia sofrer a prpria pessoa ou um dos seus parentes. Assim, compaixo-misericrdia e dio, pelo exposto, seriam paixes simultaneamente excludentes numa mes-ma relao. Da mesma forma que os assombrados, os que odeiam tambm no podem ter compaixo-misericrdia, e isso de modo permanente j que o dio, ao contrrio da clera, que pode ser curada com o tempo, incurvel.

    MOTIVOS PARA O SURGIMENTO DA COMPAIXO-MISERICRDIA

    Aristteles (2007, p. 82) faz um detalhamento sobre o que ele cha-ma de disposies para se ter compaixo-misericrdia, ou seja, os fundamentos para que se tenha tal sentimento em relao ao infor-tunado. Assim, ele o explicita:

    Sente-se compaixo se se pensa que h pessoas honestas, pois quem cr no existir ningum assim achar que todos merecem seu infortnio. , em geral, quando estamos em tal disposio que nos lembramos de que esses males acontece-ram a ns ou a algum dos nossos, ou esperamos acontecer a ns ou a algum dos nossos (ARISTTELES, 2000, p. 55).

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    A INSPIRAO DA COMPAIXO-MISERICRDIA

    Outro detalhamento de Aristteles diz respeito inspirao do sen-timento de compaixo-misericrdia, isto , os casos em que as pessoas sentem compaixo (ARISTTELES, 2000, p. 55), referindo-se s circunstncias que a fazem emergir. Segundo ele, tal inspirao se torna evidente pela prpria definio de misericrdia-compaixo. Ele expe que:

    ... entre as coisas penosas e dolorosas, todas as destruti-vas so dignas de compaixo; e quantas so aniquiladoras; igualmente, todos os males graves causados pela m sorte. So males dolorosos e destrutivos as mortes, os ultrajes corporais, os maus tratos, a velhice, as doenas, a falta de alimento; (ARISTTELES, 2000, p. 55) (grifos nossos).

    A respeito dos ultrajes citados, vale inserir neste ponto o que foi afirmado em captulo precedente da mesma obra. Para ele, ultraje consiste em fazer ou dizer coisas que causam vergonha vtima, no para obter uma outra vantagem para si mesmo, afora a realizao do ato, mas a fim de sentir prazer, pois quem paga na mesma moeda no comete ultraje, mas sim vingana (ARISTTELES, 2000, p. 9). Diz tambm que prprio do ultraje o desrespeito, e o desrespei-tador despreza; aquilo que no tem nenhum valor como bem, nem como mal, no respeitado por ningum (ARISTTELES, 2000, p. 9). Pode-se inferir, pelo exposto, que quando algum que nos seja prximo sofre desrespeito, isso tambm serviria como inspirao da compaixo-misericrdia.

    Percebe-se no excerto acima uma ateno voltada para a questo do sofrimento em relao a aspectos fsicos. Mas sofrimentos de cunho psicolgico e outros so mencionados na sequncia imediata do excerto anterior. Temos:

    (...) entre os males causados pela m sorte esto a falta ou o pequeno nmero de amigos (por isso digno de lstima

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    ser arrancado aos amigos e aos familiares), a fealdade, a de-bilidade, a mutilao e a ocorrncia de um mal resultante do que necessariamente devia ser um bem. E igualmente o acontecer, com frequncia, algo semelhante. E ainda a vinda de um bem, depois de se ter sofrido o mal, como os presentes do Grande Rei enviados a Diopites, depois de morto. Igual-mente, ou nada de bom ter-nos acontecido, ou no fruirmos das coisas boas que nos ocorreram (ARISTTELES, 2000, p. 55). (grifos nossos).

    Em outro trecho do mesmo captulo, ele resume e reafirma que em geral devemos admitir tambm aqui que tudo quanto recea-mos que nos acontea causa compaixo, quando ocorre a outros (ARISTTELES, 2000, p. 57).

    No captulo que trata do temor e da confiana, Aristteles (2000, p. 33) declara que so temveis as coisas contra as quais os recursos no existem, ou so difceis. Completa o pensamento falando de modo geral que tudo o que, acontecendo ou estando prestes a acontecer a outros, provoca compaixo.

    DE QUEM SE DEVE TER OU NO COMPAIXO

    No primeiro detalhamento que se fez, discorreu-se sobre quem tem ou no compaixo-misericrdia. Neste penltimo detalhamento, de modo oposto, discute-se sobre o destinatrio de tal sentimento, ou de quem as pessoas devem ou no se compadecer. A esse respeito, o estagirita afirma que elas se compadecem dos conhecidos, se no so parentes muito prximos; para com estes, dispem-se como para consigo mesmas, se devessem sofrer provaes (ARISTTELES, 2000, p. 57) (grifos nossos). Dado talvez aparente estranheza que pudesse causar aos interlocutores pela afirmativa de que no se tem compaixo-misericrdia de parente prximo, Aristteles exemplifica e esclarece a sua proposio:

    Por isso mesmo Amsis, ao que dizem, no chorou pelo fi-lho que era conduzido para a execuo, mas pelo amigo que

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    mendigava, porque este caso era digno de compaixo, en-quanto aquele era terrvel; o terrvel diferente do digno de compaixo; no a admite e serve muitas vezes ao sentimento contrrio, porque no mais se sente compaixo quando o perigo est iminente (ARISTTELES, 2000, p. 55) (grifos nossos).

    Quanto ao sentimento contrrio, supracitado, promovido por aquilo considerado terrvel, pode-se dizer que seja a clera, pois essa se refere ao desejo acompanhado de tristeza, de se vingar ostensivamente de um manifesto desprezo por algo que diz respeito a determinada pessoa ou a algum dos seus quando esse desprezo no merecido (ARISTTELES, 2000, p. 7). Reiterando o j dito, o sentimento paternal de Amsis, acima, no seria compaixo-misericrdia, mas clera, pois de acordo com o mesmo autor sentimos clera contra os que desdenham aqueles seres que nos seria vergonhoso no socorrer, por exemplo, pais, filhos, esposas, subordinados (ARISTTELES, 2000, p. 15).

    Acrescenta na mesma sequncia que Temos compaixo dos que nos so semelhantes na idade, no carter, nos hbitos, nas dignidades, na origem, porque em todos esses casos mais evidente a possibilidade de tambm ns sofrermos os mesmos reveses (ARISTTELES, 2000, p. 57) (grifos nossos).

    Por deduo, baseando-se nas disposies para se ter compaixo--misericrdia, se poderia afirmar que os desonestos no a mereceriam, visto que a honestidade constitui o fundamento dessa emoo. No a possuindo, por esta lgica aristotlica, o apenado mereceria o seu infortnio e provocaria emoes contrrias, pois quem sente pesar pelos que imerecidamente so infelizes se alegrar, ou pelo menos no experimentar pesar pelos que merecidamente so infelizes (ARISTTELES, 2000, p. 59). E acrescenta que nenhuma pes-soa de bem se af lige quando parricidas e assassinos so castigados; nesses casos, segundo ele, deve-se sentir regozijo da mesma forma

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    que se sentiria perante aqueles que merecidamente so felizes (cf. ARISTTELES, 2000, p. 59). V-se que a base para julgamentos to opostos se d pelo fato de as pessoas serem ou no honestas. A questo da honestidade retomada novamente pelo autor no fecha-mento do captulo sobre compaixo-misericrdia e, subsequente-mente, no incio do captulo nove, sobre a indignao, o que, pelas recorrncias, demonstra certa importncia desse atributo para o autor.

    Ao falar da inveja, que dirigida para os iguais e quer tirar-lhes o que tm (MEYER, 2000, p. XLVI apud ARISTTELES, 2000), Aristteles (2000, p. 69) afirma que se aqueles que pretendem inspirar compaixo ou obter um bem so como os citados anteriormente (isto , invejosos em diferentes circunstncias), claro que no obtero a compaixo dos que tm autoridade para conced-la.

    O QUE DIGNO DE COMPAIXO-MISERICRDIA

    O ltimo detalhamento feito pelo autor neste captulo diz respeito ao que seja digno de se ter compaixo-misericrdia. Inicia afirmando, enfaticamente, que os infortnios que nos parecem cronologicamente prximos so dignos de compaixo. Na sequncia, esse estabelece uma gradao, a comear pelos mais distantes, quanto temporalidade e capacidade desses infortnios em suscitar compaixo-misericrdia. Escreve:

    Ademais, nossa compaixo estimulada pelos sofrimentos dos outros, quando estes esto prximos de ns (no po-demos relembrar quais desastres aconteceram h sculos, nem aguardamos ansiosamente aquilo que acontecer s-culos depois e, portanto, nos apiedamos de tais coisas, caso ocorram). Segue-se que aqueles que intensificam o efeito de suas palavras por meio de gestos adequados, entonaes, aparncia e aes dramticas em geral, so bem-sucedidos no estmulo da compaixo. Dessa maneira, eles colocam os desastres diante dos nossos olhos e f-los parecer prximos a ns, tanto no passado quanto no futuro (ARISTTELES, 2007, p. 103).

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    O autor prossegue o discurso e, na sua gradao, defende que o infortnio

    que ocorreu recentemente ou est para ocorrer mais digno de compaixo; por isso so assim tambm os sinais, por exemplo, as vestes dos que sofreram e todas as coisas se-melhantes, igualmente as aes, os discursos e tudo mais que se relaciona com os que esto sofrendo, por exemplo,os moribundos (ARISTTELES, 2000, p. 57).

    Conclui sua exposio retomando a questo da honestidade j men-cionada quando do seu detalhamento das disposies para se ter compaixo-misericrdia, sendo entendidas tais disposies como os fundamentos para que se tenha tal sentimento. Foi afirmado que se sente compaixo-misericrdia quando os apenados so considerados pessoas honestas, pois, do contrrio, se acharia que esses merecem seu infortnio. Aristteles (2000, p. 57) conclui que

    sobretudo digno de compaixo o fato de serem honestas as pessoas que esto em tais circunstncias, pois todos esses fatos, por parecerem prximos, avivam nossa compaixo, uma vez que o infortnio imerecido e aparece diante de nossos olhos.

    Ao falar da indignao, sentimento que se ope, sobretudo, com-paixo, Aristteles (2000, p. 59) lembra, ainda, que ambos os sen-timentos decorrem de um carter honesto.

    Foram expostas acima, conforme pretendido, as consideraes sobre a compaixo-misericrdia dentro do conjunto das quatorze paixes exploradas pela argumentao aristotlica. Na concluso delas, ele diz que as paixes so fonte de onde se tiram os argumentos ret-ricos (ARISTTELES, 2000, p. 73) cujas finalidades, como se v na prpria definio de paixes As paixes so todos aqueles sentimentos que, causando mudanas nas pessoas, fazem diferir seus julgamentos... (ARISTTELES, 2000, p. 5) , servem para fazer um julgamento de algum.

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    Gostaramos de encerrar nossas consideraes sobre a compaixo--misericrdia com uma citao de Aristteles que afirma, em relao aos julgamentos j citados, que esses variaro segundo o prprio status da pessoa que os emite, pois

    Para as pessoas que amam, as coisas no parecem ser as mes-mas que para as pessoas que odeiam, nem, para os dominados pela clera, as mesmas que para os tranquilos; mas elas so ou totalmente diferentes ou de importncia diferente; aquele que ama tem por certo que a pessoa sob julgamento ou no pratica ato injusto ou comete delitos de pouca importncia, e aquele que odeia tem por certo o contrrio, e, para o que tem aspiraes e esperana, se o que vai acontecer agra-dvel, parece-lhe que isso acontecer e ser bom, mas para o indiferente e para o descontente parece ser o contrrio (ARISTTELES, 2000, p. 5).

    Conforme nosso propsito, so esses os detalhamentos sobre a com-paixo-misericrdia que este trabalho pretendeu explorar. Longe de ser exaustivo, o estudo dessa paixo neste intratexto abre possibili-dades de expandi-la em estudos intertextuais temticos que a mesma estabelece com outras obras. Alm dessa perspectiva intertextual, no universo discursivo, a exemplo do que foi alegado por Figueiredo (2008, p. 196) a respeito da inveja, o conhecimento das caractersticas conceituais da compaixo-misericrdia, de maneira anloga, abre espao para anlises polissmicas do sujeito no texto e, por isso, for-talece, pelo conhecimento do funcionamento da lngua, o desvendar das atitudes humanas na literatura e na vida.

    REFERNCIAS ARISTTELES. Retrica. Traduo de Marcelo Silvano Madeira. So Paulo: Rideel, 2007. (Coleo Biblioteca Clssica).

    . Retrica das paixes. Prefcio de Michel Meyer; introduo, notas e traduo do grego: Isis Borges B. da Fonseca. So Paulo: Martins Fontes, 2000.

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    DICIONRIO Latim-Portugus/Portugus-Latim. Porto: Porto Editora, 2005. 618p.FIGUEIREDO, M. F.; FERREIRA, L. A. Olhos de Caim: a inveja sob as lentes da lingustica e da psicanlise. In: . Sentidos em movimento: identidade e argumentao. Franca: Editora Unifran, 2008. p. 181-198. (Coleo Mestrado em Lingustica).FONSECA, I. B. B. da. Introduo. In: ARISTTELES. Retrica das paixes. So Paulo: Martins Fontes, 2000. p. IX-XV.HOUAISS. Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa. Verso eletr-nica. 2001.MEYER, M. Prefcio Aristteles ou a retrica das paixes. In: ARISTTELES. Retrica das paixes. So Paulo: Martins Fontes, 2000. p. XVII-LI.MICHAELIS. Moderno dicionrio da lngua portuguesa. So Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.