Comparação Crítica Medéia Gota dAgua

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07.05.2011 Filipo Pires Figueira RA: 131692-3 Professora Ude Comparação entre “Medéia” e “Gota d’Água”. A comparação entre as duas peças, Medéia (de Eurípedes) e Gota d’Água (de Chico Buarque e Paulo Pontes), mesmo sendo uma (Gota d’água) baseada na outra (Medéia), tem muito mais diferenças, do que igualdades. As obras se assemelham no esqueleto de suas histórias, e em relação a alguns personagens. O Coro de Medéia, por exemplo, mesmo não tendo um personagem de mesmo nome, é representada em Gota d’Água pelas vizinhas, que assistem à protagonista (Medéia ou Joana) durante toda a peça. Ambas trazem acontecimentos iguais, como a traição de Jasão e preferencia deste por outra mulher; a morte dos filhos pelas mãos da mãe; e o temperamento descontrolado de Joana, ou Medéia, que tem acessos de raiva, tristeza, e tem uma sede incontrolável por vingança. Ainda em relação à trama, o desfecho de ambas, mesmo terminando com morte, tem diferenças significativas. Temos, como exemplo, o fato de que a solução dada por Eurípedes para o desenlace de Medéia é um Deus ex Machina, um solução externa à peça, com Medéia indo embora em um carro enviado pelo deus Sol, seu avô. Já em Gota d’Água, o final é resolvido pela própria trama, com Joana cometendo suicídio e matando seus filhos, frustrada por não ter conseguido matar a mulher que Jasão escolheu viver ao lado, fracassando, assim, em ter sua vingança. O fim dado nas peças reflete também o seu motivo e o ponto de vista do autor: Em Médeia é mitológico, uma retomada ao passado de teor religioso; em Gota d’Água é político-social, criticando a má distribuição de renda, a miséria em que vivia o povo brasileiro, e uma denuncia ao Estado ditatorial autoritário ¹ Gota d´Água, ed. Civilização Brasileira, ano 2001

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07.05.2011

Filipo Pires Figueira

RA: 131692-3

Professora Ude

Comparação entre “Medéia” e “Gota d’Água”.

A comparação entre as duas peças, Medéia (de Eurípedes) e Gota d’Água (de Chico Buarque e Paulo Pontes), mesmo sendo uma (Gota d’água) baseada na outra (Medéia), tem muito mais diferenças, do que igualdades.

As obras se assemelham no esqueleto de suas histórias, e em relação a alguns personagens. O Coro de Medéia, por exemplo, mesmo não tendo um personagem de mesmo nome, é representada em Gota d’Água pelas vizinhas, que assistem à protagonista (Medéia ou Joana) durante toda a peça.

Ambas trazem acontecimentos iguais, como a traição de Jasão e preferencia deste por outra mulher; a morte dos filhos pelas mãos da mãe; e o temperamento descontrolado de Joana, ou Medéia, que tem acessos de raiva, tristeza, e tem uma sede incontrolável por vingança.

Ainda em relação à trama, o desfecho de ambas, mesmo terminando com morte, tem diferenças significativas. Temos, como exemplo, o fato de que a solução dada por Eurípedes para o desenlace de Medéia é um Deus ex Machina, um solução externa à peça, com Medéia indo embora em um carro enviado pelo deus Sol, seu avô. Já em Gota d’Água, o final é resolvido pela própria trama, com Joana cometendo suicídio e matando seus filhos, frustrada por não ter conseguido matar a mulher que Jasão escolheu viver ao lado, fracassando, assim, em ter sua vingança.

O fim dado nas peças reflete também o seu motivo e o ponto de vista do autor: Em Médeia é mitológico, uma retomada ao passado de teor religioso; em Gota d’Água é político-social, criticando a má distribuição de renda, a miséria em que vivia o povo brasileiro, e uma denuncia ao Estado ditatorial autoritário vigente na época, que é personificado em Creonte, o credor dos prédios em que os personagens da peça vivem, e que também serve de cenário para mesma. Podemos ver tal personificação em falas do personagem, como: “[...] Mostra total descontração, deixa os braços soltos no ar e o lombo sempre recostado. Assim é fácil dizer não, pois ninguém vai imaginar que foi um não premeditado. Cruza as pernas que teu parceiro vai se sentir mais impotente vendo a sola do seu sapato. E se ele ousar falar primeiro descruza as pernas de repente, que ele vai entender no ato.” (p. 52/53)¹, ou “[...] Vou lhe dizer o que é o que é o povo brasileiro: Alma de marginal, fora-da-lei, à beira-mar deitado, biscateiro, malandro incurável, folgado paca, vê uma placa assim “não cuspa no chão”, brasileiro pega e cospe na placa. Isso é que é brasileiro, seu Jasão...” (p. 106)¹. Tais falas demonstram a autoridade que faz descaso com o povo, e é autoritária com o mesmo.

¹ Gota d´Água, ed. Civilização Brasileira, ano 2001

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Gota d’Água traz, além de tudo, uma representação do cotidiano do povo brasileiro, trazendo assim também uma construção de identidade dos mesmos, e usa essa construção como embasamento para sua crítica, e para todo o desenvolvimento da história, mostrando as vizinhas no seu dia-a-dia, o dono do bar, o gigolô, o dono da oficina, e seu aprendiz, que quando tem oportunidade de subir na vida a agarra e vai até onde conseguir, com ela.

O que tem em comum as obras se dá pelo fato de uma ser baseada na outra, mas a época e o teor cultural em cada uma delas as diferem, e faz com que sejam obras completamente diferentes, tragédias que retratam problemáticas e temas distintos, e, inclusive, com finais específicos. Duas peças belas por serem únicas, e originais.

¹ Gota d´Água, ed. Civilização Brasileira, ano 2001