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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE SAÚDE E TECNOLOGIA RURAL UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS CAMPUS DE PATOS - PB DANILO GUSMÃO FERREIRA SOUTO OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS E EQUÍVOCOS NO ENSINO DE EVOLUÇÃO: O INSUCESSO NA RELAÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM PATOS PB 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE SAÚDE E TECNOLOGIA RURAL

UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

CAMPUS DE PATOS - PB

DANILO GUSMÃO FERREIRA SOUTO

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS E EQUÍVOCOS NO ENSINO DE

EVOLUÇÃO: O INSUCESSO NA RELAÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM

PATOS – PB

2016

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DANILO GUSMÃO FERREIRA SOUTO

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS E EQUÍVOCOS NO ENSINO DE

EVOLUÇÃO: O INSUCESSO NA RELAÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura Plena

em Ciências Biológicas da Universidade Federal de

Campina Grande, Centro de Saúde e Tecnologia Rural,

Campus de Patos, PB, como parte dos requisitos para

obtenção do grau de Licenciado Pleno em Ciências

Biológicas.

Orientador: Prof. Dr. Veneziano Guedes de Sousa Rêgo

PATOS – PB

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO CSTR

S726o

Souto, Danilo Gusmão Ferreira

Obstáculos epistemológicos e equívocos no ensino de evolução: o

insucesso na relação ensino–aprendizagem / Danilo Gusmão Ferreira

Souto. – Patos, 2016.

40f.: il. color.

Trabalho de Conclusão de Curso (Ciências Biológicas) - Universidade

Federal de Campina Grande, Centro de Saúde e Tecnologia Rural, 2016.

“Orientação: Prof. Dr. Veneziano Guedes de Sousa Rêgo”

Referências.

1. Epistemologia. 2. Bachelard. 3. Ensino. 4. Evolução.

5. Obstáculos epistemológicos. I. Título.

CDU 37.015.4: 573

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que, direta e indiretamente, contribuíram para a conclusão dessa

etapa da minha vida, em especial:

A minha família e aos amigos pelo apoio e confiança nas minhas ações e decisões.

Aos professores pela excelência no ensino e na orientação, em especial a Fernando

Zanella pelo acolhimento e instrução nas minhas primeiras atividades de iniciação científica.

Ao governo brasileiro pelo fomento necessário e oportunidade de realizar o

intercâmbio acadêmico através do programa Ciência sem Fronteiras (CsF).

Aos orientadores de TCC, Veneziano Guedes e Jair Moisés, pela compreensão,

cooperação, paciência e dedicação no desenvolvimento de meu trabalho.

Sou, eternamente, grato pela contribuição de todos que sempre estiveram ao meu lado

nessa jornada, independentemente do desfecho das relações.

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EPÍGRAFE

“Quem é ensinado deve ensinar. Quem

recebe instrução e não a transmite terá um

espírito formado sem dinamismo nem

autocrítica”.

(Bachelard, 1938)

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RESUMO

O ensino de evolução tem sido ineficaz, quando comparado a outros conhecimentos

científicos. Os professores de Biologia enfrentam diversos desafios ao abordar as ideias

evolutivas em suas aulas, como rejeição, desprezo, incompreensão e desestímulo. Com o

propósito de contribuir para o sucesso no ensino de evolução nas escolas, este trabalho

objetivou investigar a relação entre os obstáculos epistemológicos e os equívocos comuns, e

discutir sobre o efeito da persistência destes na relação ensino-aprendizagem.

Metodologicamente, foram feitas revisão de literatura com foco na obra de Gaston Bachelard,

A formação do espírito científico (1996), e análises reflexivas tendo como base a experiência

de magistério do Autor em escolas pública e privada entre 2012 e 2015. Foram investigados

os equívocos comuns no ensino ponderando os obstáculos epistemológicos impregnados, e

elaboradas propostas com vistas à superação dos entraves no ensino de evolução. Como

resultado observou-se que, de um total de dez, há seis obstáculos epistemológicos comuns no

ensino de evolução relacionados a inúmeros equívocos de forma simples ou composta. Com

base em análise reflexiva, ponderou-se que os obstáculos epistemológicos influenciam

negativamente no ensino de evolução levando os agentes escolares à falha e,

consequentemente, ao insucesso nas práxis escolares e prática científico-docente. Concluiu-se

que o sucesso no ensino de evolução é inversamente proporcional à persistência dos

obstáculos epistemológicos entre os agentes escolares. E os obstáculos precisam ser

entendidos e superados pelos agentes escolares para que a evolução biológica seja melhor

ensinada e compreendida. Considerando que a presente pesquisa se construiu

predominantemente no plano da reflexão, sugere-se novos estudos, principalmente aplicados a

estudantes e professores nas escolas, a fim de melhor averiguar as inferências aqui dadas.

Palavras-chave: Epistemologia. Bachelard. Ensino. Evolução Biológica. Obstáculos

Epistemológicos.

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ABSTRACT

The teaching of evolution has been ineffective when compared to other kinds of scientific

knowledge. Biology teachers face several challenges while teaching evolutionary ideas in

their classes such as rejection, contempt, misunderstanding and discouragement. In order to

make the teaching of evolution successful in schools, this study aimed to investigate the

relation between the epistemological obstacles and common misconceptions, also to discuss

the effect of their persistence on teaching-learning process. The research method included a

literature review focusing on Gaston Bachelard’s work The Formation of the Scientific Mind

(1938), and reflective analysis based on the Author's teaching experience in public and private

schools between 2012 and 2015. Common misconceptions were investigated in order to infer

their related epistemological obstacles, and actions to overcome these obstacles in the

teaching of evolution were suggested. As a result, it was observed that six out of ten

epistemological obstacles are common in the teaching of evolution, and they are related to

several misconceptions by simple or compound relations. Based on reflective analysis, it was

inferred that the epistemological obstacles have a negative effect on the teaching of evolution

leading teachers and students to mistakes and, consequently, to failure in school activities and

scientific teaching approaches. Success in the teaching of evolution is inversely proportional

to the persistence of epistemological obstacles within teachers and students. In order to

efficiently teach and learn evolution, teachers and students must understand and overcome the

epistemological obstacles. This is only a reflection paper. Therefore, to check the inferences

made here, new studies are suggested, specifically applied to students and teachers in schools.

Keywords: Epistemology. Bachelard. Teaching. Evolution. Epistemological Obstacles.

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 8

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................... 10

2.1. Os obstáculos epistemológicos ..................................................................................... 10

2.2. O ensino de evolução .................................................................................................... 11

3. METODOLOGIA ................................................................................................................. 13

3.1. Etapa de investigação dos equívocos comuns e ponderação dos obstáculos

impregnados (a) ................................................................................................................... 13

3.2. Etapa de propositura de ações com vistas à superação dos entraves (b) ................ 14

4. RESULTADO E DISCUSSÃO ............................................................................................ 15

4.1 Investigação dos equívocos comuns e suposição dos obstáculos impregnados ........ 15

4.1.1. O homem descende do macaco ................................................................................ 17

4.1.2. Evolução é progresso ............................................................................................... 18

4.1.3. Evolução é somente uma teoria ............................................................................... 20

4.1.4. A seleção natural é uma peneira .............................................................................. 21

4.1.5. A seleção natural dá aos organismos o que eles precisam ....................................... 23

4.1.6. Lamarck estava errado ............................................................................................. 24

4.1.7. A evolução só ocorre de forma lenta e gradual ....................................................... 25

4.2. Superação dos obstáculos epistemológicos ................................................................. 27

4.2.1. O homem não descende do macaco ......................................................................... 28

4.2.2. Evolução não é progresso ........................................................................................ 29

4.2.3. Evolução é uma teoria, e teorias são paradigmas de se ver o mundo ...................... 30

4.2.4. A seleção natural é mais do que uma simples peneira ............................................. 31

4.2.5. A seleção natural não dá aos organismos o que eles precisam ................................ 31

4.2.6. Lamarck não errou, ele ajudou a construir uma ideia .............................................. 31

4.2.7. A evolução não ocorre somente de forma lenta e gradual ....................................... 32

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 33

5.1. Equívocos, obstáculos epistemológicos, e insucesso no ensino de evolução ............ 33

5.2. Superação dos entraves ................................................................................................ 33

5.3. Sugestões ....................................................................................................................... 34

6. REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 35

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1. INTRODUÇÃO

A evolução é considerada, por muitos, um conceito unificador para as ciências

naturais. O estudo dela permite, em sentido amplo, uma compreensão do mundo natural, de

sua história e mudanças. Com os avanços dos estudos acerca da evolução, os cientistas,

educadores e a sociedade vêm discutindo a importância das ideias evolucionistas no contexto

socioeducacional, cultural e econômico. Contudo, tanto o ensino quanto a compreensão da

evolução biológica, em sua totalidade, ainda têm sido ineficazes, quando comparado com

outros conhecimentos científicos. E isso vem provocando grandes distorções nas ideias

evolutivas entre ampla parte de alunos, professores e sociedade.

No plano da experiência como professor da educação básica, vivenciei diferentes

situações constrangedoras em que os alunos desprezavam as ideias evolucionistas

ridicularizando a figura do professor que as ensinava. Além disso, identifiquei diversos

equívocos e entraves mentais que frequentemente ocorriam entre os agentes escolares quando

abordavam temas voltados à evolução. O insucesso no processo ensino-aprendizagem durante

as aulas de evolução e temas afins inquietou-me ao ponto de buscar entender esta

problemática que tanto assola a eficiência das práxis educativas.

Estudos mostram que os desafios para aceitar e entender evolução incluem obstáculos

epistemológicos (POBINER, 2016). Segundo Bachelard (1996), obstáculos epistemológicos

estão presentes na ciência e no ensino, levando à falha no fazer científico e nas práticas

pedagógicas. Para que esses obstáculos sejam superados, é necessário, primeiramente, prover

uma análise do que está ocorrendo de errado na prática científico-docente.

A realidade observada demonstra que o ensino de evolução apresenta insucessos que

acarretam perdas irreparáveis no plano educacional, o que demanda novos estudos capazes de

investigar essa problemática rumo a sua solução, e justifica o presente trabalho.

A dúvida sobre essa realidade é: qual é a influência da presença dos obstáculos

epistemológicos no ensino de evolução? Hipoteticamente, pondera-se que: se os obstáculos

epistemológicos persistirem, não sendo entendidos e superados pelos agentes escolares (x),

então a racionalização sobre ideias evolutivas tenderá ao insucesso (y), dada acumulação dos

equívocos no decorrer da relação ensino-aprendizagem (n) e a emergência de desestímulo,

incompreensão e desprezo por assuntos voltados à evolução (s).

Se os obstáculos epistemológicos não forem entendidos e superados, os equívocos se

acumularão no decorrer da relação ensino-aprendizagem, causando desestímulo,

incompreensão e o desprezo pelas ideias evolutivas ao longo das gerações. Assim, haverá

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grandes chances de o professor que ensina evolução ser tratado como lunático por abordar um

conhecimento abominável aos olhos de quem não o entende, acarretando o fracasso de suas

aulas.

Nesse contexto, o estudo proposto teve como objetivo geral contribuir para o sucesso

do ensino de evolução refletindo sobre a superação dos obstáculos epistemológicos na relação

ensino-aprendizagem. Especificamente buscou: a) investigar os equívocos comuns no ensino

ponderando os obstáculos que os impregnam; b) propor ações com vistas à superação dos

entraves no ensino de evolução.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Os obstáculos epistemológicos

A noção de obstáculo epistemológico foi introduzida, em 1938, por um filósofo

francês chamado Gaston Bachelard, em seu artigo La formation de l'esprit scientifique. No

geral, os obstáculos epistemológicos são definidos como ideias pré-concebidas e enganosas,

lentidões, conflitos, ou entraves na mente de um indivíduo. Eles são, muitas vezes,

provenientes da natureza da linguagem e cultura dos envolvidos, e impossibilitam o bom

desenvolvimento da ciência provocando a inércia do conhecimento. Além de estarem

presentes na formação científica, eles estão inseridos no ensino, pois a prática docente e a

aprendizagem dos discentes estão profundamente associadas ao fazer científico

(BACHELARD, 1996; FONSECA, 2008).

Gomes & Oliveira (2007) mostram que há existência de obstáculos epistemológicos

entre alunos e professores da educação básica no ensino de química. Após análise do ensino

atomista, eles verificaram que os obstáculos estão presentes nos livros didáticos usados nas

escolas, e estes expõem-se através do uso exagerado de analogias e metáforas.

Segundo Lopes (1992), o apelo às imagens fáceis, capazes de permitir ao aluno uma

associação imediata com as ideias que lhe são familiares, mostra-se como o caminho

preferido dos livros didáticos. Não há problematização do conceito, nem tampouco o

raciocínio do aluno. Transmite-se apenas a sombra da ciência, imprecisa e vaga.

Na tentativa de facilitar a compreensão e consequentemente fugir da abstração, as

analogias são usadas sem a devida relação com a teoria, o que acaba muitas vezes por esvaziar

o conceito científico. Esse fato pode vir a se tornar um entrave ao desenvolvimento dos

conhecimentos e, principalmente, à compreensão da Ciência ou, segundo a Epistemologia

bachelardiana, ao desenvolvimento do espírito científico (GOMES & OLIVEIRA, 2007).

Para Gomes-Firmino (2014), a Epistemologia e o conhecimento científico precisam

ser tratados como componentes fundamentais na formação docente a fim de se obterem

profissionais críticos e reflexivos no magistério. Com uma formação científica sólida nos

cursos de Licenciatura, os futuros professores estarão aptos a formar o espírito científico de

seus alunos a fim de superar os obstáculos epistemológicos impregnados no ensino de

evolução.

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2.2. O ensino de evolução

Além dos aspectos ecológicos fundamentais do mundo que nos rodeia, como as

semelhanças entre os seres vivos, a diversidade da vida e muitas outras características do

mundo físico, o ensino de evolução também aborda questões práticas na vida dos alunos.

Direta ou indiretamente, os estudos acerca da evolução têm trazido muitas contribuições para

a sociedade (NAS, 1998).

Na medicina, a evolução pode explicar por que muitos patógenos humanos têm

desenvolvido resistência a certos medicamentos, e sugerir formas de enfrentar esse problema

que está ficando cada vez mais grave (ver WHO, 2015). A biologia evolutiva tem contribuído

também para muitos avanços na agricultura (ver BALE et al., 2008; UE, 2016) explicando as

relações entre as plantas selvagens, as domesticadas, os animais, e seus inimigos naturais.

O conceito de evolução tem uma importância na educação que vai além de seu poder

como uma explicação científica. Diante das relações de reciprocidade entre ambiente e

indivíduo – de que modificações locais repercutem no todo e vice-versa –, o ensino de

evolução traz uma abordagem ampla, múltipla, diversa e profunda, superando as fronteiras

entre as disciplinas (como a física, química, geologia, paleontologia, e outras áreas biológicas

afins) (NAS, 2008).

Com uma formação científica precária, professores e estudantes tendem a falhar

gravemente ao ensinar e aprender os conceitos evolutivos, gerando interpretações e

explicações equivocadas das ideias evolucionistas. Alunos acabam possuindo uma visão

limitada da evolução. Assim, eles são levados a explicar os fenômenos biológicos e naturais

com base em suas crenças religiosas, culturais e sociais, o que intensifica os entraves no

ensino de evolução (OLIVEIRA, 2015; OLEQUES et al. 2011; SILVA et al. 2010; LICATTI,

2005).

O Criacionismo ainda é a explicação mais comum para a existência da biodiversidade

e origem do homem, a qual é, muitas vezes, tratada como patamar científico assim como é a

ideia de evolução biológica. Afirmam 89% dos brasileiros que o Criacionismo deve ser

ensinado nas escolas, e 75% defendem a substituição do ensino de evolução no currículo

escolar (BRUM, 2005; IBOPE, 2005).

Para Medeiros & Maia (2013), as crenças e pressupostos religiosos devem ser

respeitados nas relações de ensino, porém, não podem substituir no espaço acadêmico as

explicações científicas sobre a origem e diversificação das espécies. Para tanto, seria

interessante trabalhar com a ideia de que é possível encontrarmos várias explicações para um

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mesmo fenômeno e que a Teoria da Evolução se refere à lógica do pensamento científico e,

portanto, não concorre com a religiosa a partir deste ponto de vista.

Entre a população, nenhum tópico, em toda a ciência, é mais controverso ou

polarizante do que evolução. E a mídia, muitas vezes, só serve para ampliar essa polarização,

cobrindo os desafios para o ensino da evolução. Desafios para aceitar e compreender a

evolução incluem desconfiança e negação da ciência, obstáculos cognitivos e equívocos,

linguagem e terminologia, e uma visão de mundo religiosa, entre outros. Os professores, que

estão na linha de frente desses desafios, devem ser armados com ferramentas e técnicas para

ensinar a evolução, em contextos de educação formal dentre os diversos graus de ensino de

uma maneira simples, completa e sensível (POBINER, 2016).

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3. METODOLOGIA

A estratégia proposta para estudar os obstáculos epistemológicos e equívocos por eles

influenciados no ensino de evolução teve uma abordagem hipotético-dedutiva, e se

concentrou em dois focos principais de análise: investigação dos equívocos comuns

ponderando os obstáculos que os impregnam (a), e propositura de ações com vistas à

superação dos entraves ao ensino de evolução (b).

3.1. Etapa de investigação dos equívocos comuns e ponderação dos obstáculos

impregnados (a)

Foram realizadas revisões de literatura específica para buscar melhor embasamento da

natureza dos obstáculos epistemológicos, com enfoque à obra bachelardiana “A formação do

espírito científico (1996)”. A ideia central de cada obstáculo foi sintetizada e descrita para

facilitar a reflexão sobre os mesmos. Os equívocos comuns foram investigados e estudados

com base no catálogo educativo elaborado pelo Understanding Evolution Website1 (2012).

Dentre os equívocos presentes no catálogo, foram levados em conta somente os equívocos

mais acentuados (mais frequentes) durante a minha experiência no exercício do magistério da

educação básica (Ensino Médio), com enfoque no ensino de evolução, em escolas pública e

privada nas cidades de Patos e Piancó, Sertão da Paraíba, Brasil, entre os anos de 2012 e

2015. Foram levados em consideração o conhecimento prévio dos alunos, suas respostas a

indagações, e o rendimento na aprendizagem de conceitos evolutivos com base na capacidade

de suas argumentações por escrito e oral. Foram feitas análises reflexivas sobre a relação entre

obstáculos epistemológicos e equívocos comuns, inferindo a hipótese condicional de que se os

obstáculos persistirem, então os equívocos se fixarão entre os agentes escolares provocando o

insucesso na relação ensino-aprendizagem de evolução biológica (Figura 1).

1 Website educativo e não-comercial que ensina sobre a ciência e história da biologia evolutiva. É um projeto

colaborativo do Museu de Paleontologia da Universidade da Califórnia e do Centro Nacional para Educação

Científica (National Center for Science Education - NCSE), ambos nos EUA.

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Figura 1. Fluxograma da correlação entre os obstáculos epistemológicos, os equívocos comuns e a qualidade do

ensino de evolução. Os obstáculos são condição para a existência dos equívocos, e estes são uma das causas do

insucesso no ensino de evolução.

Fonte: Autor, 2016.

3.2. Etapa de propositura de ações com vistas à superação dos entraves (b)

A partir de cada ponderação (etapa a) foram elaboradas sugestões de superação dos

obstáculos epistemológicos identificados no ensino de evolução. Foram considerados estudos

específicos envolvendo a revisão de literatura específica sobre a temática, e a minha

experiência no exercício do magistério durante 4 anos (2012-2015).

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS

EQUÍVOCOS

INSUCESSO NO ENSINO DE EVOLUÇÃO

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4. RESULTADO E DISCUSSÃO

A partir da metodologia proposta, foi possível ponderar os obstáculos epistemológicos

impregnados e propor ações para superá-los enquanto entraves do ensino de evolução.

4.1 Investigação dos equívocos comuns e suposição dos obstáculos impregnados

No processo de análise do ensino de evolução, foram considerados 7 (sete) equívocos

comuns relacionados a 6 (seis) obstáculos epistemológicos, a saber: a primeira experiência, o

conhecimento geral, a natureza verbal, o conhecimento unitário e pragmático, o realismo, e o

conhecimento quantitativo (Tabela 1).

Tabela 1. Nomeação dos obstáculos com seus respectivos equívocos relacionados e locais de discussão no texto.

OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS EQUÍVOCOS

ÍNDICE DOS

EQUÍVOCOS NO

TEXTO

A primeira experiência

O homem descende do macaco;

Evolução é progresso;

Evolução é somente uma teoria.

4.1.1, 4.1.2, 4.1.3

O conhecimento geral

O home descende do macaco;

Evolução é progresso;

Evolução é somente uma teoria.

4.1.1, 4.1.2, 4.1.3

Natureza verbal A seleção natural é uma peneira 4.1.4

Conhecimento unitário e pragmático A seleção natural dá aos organismos o

que eles precisam 4.1.5

Realismo Lamarck estava errado 4.1.6

Conhecimento quantitativo A evolução só ocorre de forma lenta e

gradual 4.1.7

Fonte: Autor, 2016.

Observou-se que dos 10 (dez) obstáculos epistemológicos que compõem a obra de

Bachelard (1996), 4 (quatro) não foram identificados no presente estudo:

1) o mito da digestão: a necessidade natural de possuir o alimento sólido, durável,

integrável, assimilável; a verdadeira reserva de força e poder.

2) a substancialização: explicação breve e dogmática, acatando atribuições de

qualidade exageradas ao substantivo. Total relação com o materialismo.

3) o animismo: animar, atribuir vida e características humanas às substâncias para

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explicar fenômenos.

4) a libido: tratamento sexualizado dos fenômenos nos quais dois corpos são

diferenciados pelo fato de um ser descrito como ativo e outro, como passivo. Variações

antitéticas do tipo o bom e o mau, o puro e o impuro, o suave e o podre, também são outros

exemplos.

Diante do número restrito de equívocos investigados, foi ajuizado que, mesmo não

sendo identificados no presente estudo, esses 4 (quatro) obstáculos podem estar presentes

entre os mais diversos equívocos do ensino de evolução.

Constatou-se que os equívocos estão predominantemente relacionados a mais de um

obstáculo epistemológico. Este fato encontrou sintonia com Bachelard (1996) no instante em

que ele defendeu a inter-relação dos obstáculos, geralmente andando aos pares. Ajuizou-se

que há dois tipos gerais de relações entre os obstáculos e os equívocos: simples e composta

(Figura 2).

Figura 2. Exemplos de relações entre os obstáculos epistemológicos (em verde) e os equívocos (em azul). Os

obstáculos atuam como causa dos equívocos no ensino de evolução. a) relação simples: um só obstáculo gera um

ou mais equívocos; b) relação composta: coexistem dois ou mais obstáculos atuando para gerar os mesmos

equívocos.

a)

b)

Fonte: Autor, 2016.

Obstáculo verbal

A seleção natural é uma

peneira

Obstáculo da primeira

experiência

Obstáculo do conhecimento

geral

O homem descende

do macaco

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Essa classificação teve como parâmetro o número de obstáculos envolvidos na

provocação dos equívocos. O número de equívocos não foi considerado no processo de

classificação devido a sua imensurável quantidade e suas possibilidades de relações que não

se esgotam. Em outras palavras, cada obstáculo descrito por Bachelard (1996) está certamente

relacionado a inúmeros equívocos devido a infinita variedade destes.

Conforme a Figura 2, a relação simples é a que um só obstáculo epistemológico

provoca um ou mais equívocos. Por exemplo, no item 4.1.4 é discutida a relação simples do

obstáculo de natureza verbal e o equívoco “A seleção natural é uma peneira”. Ressalte-se que

o obstáculo epistemológico de natureza verbal pode gerar outros equívocos mantendo ainda a

classificação de relação simples, desde que não sofra influência de outro obstáculo. Caso ele

sofra, há então uma relação composta, em que dois ou mais obstáculos epistemológicos, em

conjunto, provocam um ou mais equívocos. No item 4.1.1, é discutido um exemplo de relação

composta entre o obstáculo da primeira experiência junto com o do conhecimento geral e o

equívoco “O homem descende do macaco”.

A análise e a discussão dos sete equívocos e obstáculos relacionados no presente

estudo estão detalhadas nesta sequência para melhor esclarecimento e reflexão.

4.1.1. O homem descende do macaco

Atualmente, a confusão sobre a descendência humana a partir dos macacos vem do

pressuposto implícito de que muitas pessoas se referem aos macacos modernos. De fato, isso

é, geralmente, a primeira imagem (Figura 3) que os alunos têm sobre a evolução nas escolas.

Figura 3. Evolução humana vista como um desenvolvimento/aperfeiçoamento do macaco.

Fonte: http://d2dr8938rg169c.cloudfront.net/wp-content/uploads/2014/11/human_evolution.jpg

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Comumente, percebe-se o seguinte questionamento dos alunos mal instruídos acerca

da evolução: “Se o homem veio do macaco, porque ainda existem macacos? ”. Assim,

observa-se um entendimento que, ao longo da história, os macacos foram desenvolvendo-se

até se transformarem em hominídeos: ganhando uma postura ereta e um andar bípede;

aumentando o tamanho do cérebro e sua capacidade cognitiva; e, tornando-se esteticamente

mais “bonitos”.

Essa primeira imagem criada pelas pessoas, não se trata de forma alguma da evolução

humana, mas de uma transformação do macaco para o homem.

Neste equívoco, que é habitual no ensino da evolução, ponderou-se a relação composta

com o obstáculo epistemológico da primeira experiência, explanado aqui, e o do

conhecimento geral, explanado a seguir no índice 4.1.2.

Para Bachelard (1996), a primeira observação é concreta, pitoresca e de fácil

assimilação, portanto, não explica a natureza real do fenômeno, sua ordem e hierarquização.

O autor ainda retrata que a primeira imagem provoca adesão a hipóteses não verificadas,

limitando a intelectualidade, gerando comodidade, e obscurecendo a compreensão dos

fenômenos.

Em outras palavras, a racionalização imediata – consequentemente errônea – de que o

homem descende do macaco, em vez de benefício, é um obstáculo para a compreensão de

evolução humana.

Segundo Bachelard (1996), essa substituição do conhecimento científico pela

admiração do fenômeno – das ideias pelas imagens –, são falsos centros de interesse, pois as

causas objetivas são esquecidas pelos alunos. Mais vale a ignorância total da ideia do que um

conhecimento esvaziado de seu princípio fundamental.

Pode-se inferir que mais vale não compreender como os processos evolutivos

ocorreram e ocorrem do que assimilar uma imagem esvaziada da ideia de evolução biológica.

4.1.2. Evolução é progresso

Geralmente, muitos alunos e professores, quando em contato com a teoria evolutiva,

assimilam evolução a progresso. Assim, pensam que os seres estão sempre se aperfeiçoando e

se tornando cada vez mais complexos, como já foi mencionado no índice anterior referente ao

exemplo da “progressão” humana.

Neste índice, outro exemplo tratado, muito comum em sala de aula, é o da história

evolutiva dos cetáceos. Seguindo o mesmo pensamento da falsa progressão humana, os

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agentes escolares veem um “cachorro terrestre” se transformando, ao longo do tempo, em um

grande animal aquático (Figura 4).

Figura 4. Evolução da baleia vista como processos de transformação.

Fonte: http://www.espada.eti.br/fc-2-2013.asp

E como já foi mencionado, é um grande equívoco ver a evolução dos seres como uma

escada progressiva de transformações, principalmente, uma escada em que, na maior parte dos

entendimentos, tem o Homo sapiens emergindo no topo como um ser “superior” (Figura 5).

Figura 5. Pirâmide com o homem no topo (EGO), e círculo com o ser humano fazendo parte do todo (ECO).

Fonte: http://i.politicomments.com/vk

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Neste equívoco da progressão da baleia, ponderou-se além do obstáculo

epistemológico da primeira experiência (explanado anteriormente no índice a), o obstáculo do

conhecimento geral ou a generalização de primeira vista. Isso entrou em sintonia com a

epistemologia bachelardiana onde esses dois obstáculos estão inter-relacionados e atuam

conjuntamente.

Para Bachelard (1996), generalizar os fenômenos acarreta interpretações equivocadas,

pois a falta de precisão limita o conhecimento científico tornando-o vago.

Corroborando com Bachelard (1996), compreende-se quando se generaliza que todos

os seres progridem, a biologia evolutiva passa a ter uma verdade absoluta, o que torna suas

definições intocáveis bloqueando os questionamentos, deixando então de ser ciência.

Dessa forma, passa-se a entender vagamente o conceito de evolução, e o verbo evoluir

se torna estritamente descritivo denotando somente o fenômeno de progresso ou de

aperfeiçoamento, como já é entendido pelo senso comum.

4.1.3. Evolução é somente uma teoria

No ensino da evolução, geralmente aborda-se a seguinte proposição de menosprezo:

“mas evolução é somente uma teoria, ela não é fato”. Percebe-se que há uma grande confusão

entre o uso casual e o científico da palavra “teoria” pelos agentes escolares.

Na linguagem cotidiana, a teoria é, muitas vezes, usada como significado de palpite ou

ideia simplória com pouco apoio probatório, ou algo hipotético que tem altas chances de ser

falso.

Dessa forma, quando os alunos menosprezam a ideia de evolução biológica

qualificando-a como algo simplesmente hipotético e que certamente não acontece, eles

acabam dando uma explicação breve, geral e dogmática à teoria evolutiva.

Segundo Bachelard (1996), opiniões formadas, como esta vista em relação ao conceito

de teoria, apesar de serem necessidades humanas, são contrárias ao espírito científico: elas

impendem a abertura a ideias novas, impedindo a construção do conhecimento e

entendimento da realidade.

Neste equívoco, ponderou-se a inter-relação dos obstáculos anteriormente já

explanados: o da primeira experiência e do conhecimento geral.

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4.1.4. A seleção natural é uma peneira

Habitualmente, os alunos tendem a explicar ou definir conceitos científicos

estabelecendo analogias entre objetos e ideias abstratas. Com a seleção natural não é

diferente. Muitas vezes, ela é vista metaforicamente como uma peneira que faz uma triagem

das variantes no ambiente (Figura 6).

Figura 6. A seleção natural vista como uma peneira.

Fonte: https://netnature.wordpress.com/2012/05/08/isolation-doomed-the-tasmanian-tiger-com-resenha/

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De acordo com essa metáfora, a peneira favorece algumas características e variações, e

desfavorece outras. Então, os seres mais adaptados ao ambiente passam por ela e os demais

não. Porém, o uso dessa analogia se torna um problema quando ela não consegue explicar a

passagem ou persistência de algumas variações desfavorecidas no ambiente, as quais podem

se tornarem favorecidas ao longo do tempo. Outro problema é que essa “peneira” não é fixa

como a que conhecemos comumente, ela muda gradualmente com o tempo e com as

adversidades da natureza. Logo, o que era desfavorecido pode se tornar favorecido e vice-

versa.

Neste equívoco, ponderou-se o obstáculo verbal que é o uso extensivo de imagens

usuais, de analogias e metáforas. Mas isso não impede de remetê-lo também aos dois

obstáculos explanados anteriormente, o da primeira experiência e do conhecimento geral.

Para Bachelard (1996), o obstáculo verbal prejudica o pensamento científico porque

uma única imagem, ou até uma única palavra, constitui toda uma explicação complexa. Então,

todo o pensamento começa a se nutrir dessa imagem ou palavra e não consegue se despregar

dela, atribuindo-lhe toda a propriedade fundamental do fenômeno. E mesmo quando o

indivíduo quer apagar essa primeira imagem, a função dela ainda persiste na mente.

Em outras palavras, pode-se afirmar que quando o aluno identifica a seleção natural

como uma peneira, daquelas usadas no cotidiano para separar substâncias de uma mistura, ele

tem grandes chances de se acomodar e sempre utilizar-se desse objeto concreto para definir os

mecanismos por trás do processo de seleção. Consequentemente, não conseguirá mais

explicar ou entender o processo de outra forma a não ser pela imagem usual que foi

impregnada na sua mente.

Para Sacarrão (1986), o uso abusivo de metáforas é, geralmente, compreensível pela

predisposição humana de antropomorfização ou zoomorfização das coisas. Segundo Andrade

(2002), mesmo o raciocínio metafórico e analógico sendo próprio do ser humano, é necessária

cautela ao usá-lo.

Vale salientar que Bachelard (1996) não rejeita totalmente o uso de metáforas e

analogias no ensino, porém, ele enfatiza que se deve ter cautela ao usá-las para que não

tomem o foco principal da ideia. Segundo o autor, as metáforas, se usadas, devem vir após a

teoria como um auxílio no entendimento.

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Ressalta-se que o próprio Charles Darwin2 utilizou metáforas na elaboração de sua

teoria da evolução.

Em suma, isso é um movimento pura e simplesmente linguístico, que ao associar uma

palavra abstrata a uma concreta, o professor ou aluno pensa ter feito avançar as ideias, o que

não é verdade.

4.1.5. A seleção natural dá aos organismos o que eles precisam

É comum escutar de professores e alunos que a seleção natural dá aos seres vivos o

que eles precisam para sobreviver. Eles atribuem à seleção natural uma utilidade prática, uma

razão à sua existência.

Um exemplo, é a indução de ganho de uma característica vantajosa provinda da

seleção natural em que um ser é beneficiado em detrimento de outros (Figura 7).

Figura 7. Seleção natural “ajudando” um castor.

Fonte: https://jephmeuspensamentos.wordpress.com/2015/07/13/1640/

2 Em sua obra A origem das espécies, Darwin trata a seleção natural como uma metáfora: “Ora, no sentido literal

de cada palavra, é óbvio que selecção natural é um termo incorrecto [...] Outros disseram que falo de selecção

natural como se fosse uma potência activa, uma divindade [...] Todos sabemos o que quer dizer e o que implica o

uso de expressões metafóricas; e estas são úteis e quase indispensáveis quando se pretende ser breve. Por isso é

difícil não personificar a palavra natureza [...] Da mesma forma que o homem consegue grandes resultados nos

seus animais domésticos e nas plantas que cultiva quando acumula num determinado sentido as diferenças

individuais, também a selecção natural pode obter esses resultados, e muito mais facilmente, pois não tem

constrangimentos naturais, e a sua acção pode decorrer num espaço de tempo muito superior. (DARWIN, 1876.

Tradução de Ana Afonso, 2009, p. 86-87)

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Neste equívoco, ponderou-se o obstáculo do conhecimento unitário e pragmático. Este

obstáculo retrata o simples fato de que as pessoas acreditam que qualquer fenômeno seria

irracional se não fosse útil.

Disso pode-se deduzir que os agentes escolares os quais carregam este obstáculo

impregnado tendem a buscar uma finalidade em tudo que se aprende, nesse caso na seleção

natural.

Para Bachelard (1996), o homem habitualmente procura uma utilidade para o

fenômeno3, não só pela vantagem que isso pode oferecer, mas como princípio de explicação,

o que o leva a generalizações exageradas.

É importante salientar que Ribeiro et al. (2015) relacionam o obstáculo do

conhecimento unitário e pragmático ao pensamento teleológico na biologia, dada a

proximidade dos aspectos salientados por ambos.

4.1.6. Lamarck estava errado

Ao lecionar a história do pensamento evolutivo, certos professores afirmam que

“Darwin concertou o erro de Lamarck”, ou que “Darwin substituiu as ideias erradas de

Lamarck”. Dessa forma, Lamarck é visto como um fracasso no processo de construção da

teoria evolutiva (Figura 8).

Figura 8. Sarcasmo sobre a vitória da ideia de Darwin sobre a de Lamarck.

Fonte: https://www.psychologytoday.com/blog/theory-knowledge/201312/revolution-in-evolution-return-

lamarck

3 Influência do Teleologismo Aristotélico presente nas culturas humanas e uma ameaça à compreensão de

evolução biológica.

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Isso é um equívoco perigoso no ensino de evolução, pois Lamarck contribuiu bastante

para a ciência como muitos outros também fizeram. Os agentes escolares cometem uma

grande falha ao menosprezar os antecessores de Darwin, como se, naquela época, a única

ideia evolutiva existente, ou a que tivesse mais valor, fosse a dele. A saber, o próprio Darwin

era Lamarckista.

Neste equívoco, ponderou-se o obstáculo do realismo que é entendido como a

acumulação de perfeições a determinado fenômeno ou ideia. O realista trata a substância de

um objeto como um bem pessoal, por isso ele a defende tanto, chegando até sobrepô-la a tudo.

Para Bachelard (1996), todo realista é um avarento e todo avarento é um realista.

Dessa forma, o realista que estuda a evolução se apaixona pela ideia darwinista, e

termina criando preconceitos a outros pensadores e suas ideias. Este tipo de obstáculo perdura

no ensino porque pode ser passado facilmente de geração a geração de educadores. É muito

simples afirmar que um estava errado e que outro estava certo, sem levar em conta o processo

de construção da ideia, a sua natureza histórica.

4.1.7. A evolução só ocorre de forma lenta e gradual

Ao rotular a evolução como um processo demorado e gradual, o obstáculo do

conhecimento quantitativo vem à tona. Neste caso, a grandeza de velocidade afirmada não é

um conhecimento objetivo, mas um “matematismo demasiado vago”.

Para Bachelard (1996), o método de mensuração deve ser mais importante que a

medida do objeto. O objeto medido nada mais é que um grau particular da aproximação do

método de mensuração. Portanto, o objeto pode mudar de natureza quando se muda o grau de

aproximação.

Em outras palavras, a velocidade do processo evolutivo (objeto de medida) varia do

acordo com método de mensuração ou ponto de vista do observador, podendo ela ser lenta ou

rápida.

Quando o aluno generaliza a evolução como um processo lento e gradual, ele parte do

ponto de vista, por exemplo, da evolução gradual dos cetáceos (Figura 9) a partir de seus

ancestrais mamíferos terrestres, conforme documentado em registro fóssil. Assim, ele baseia-

se em um método de mensuração que se apoia em dados paleontológicos de escalas

geológicas largas. Por isso, o aluno chega à conclusão que a evolução é demorada.

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Figura 9. Filogenia dos cetáceos.

Fonte: http://selvagemfurnas.blogspot.com.br/2013_09_01_archive.html

Porém, se esse mesmo aluno mudar seu método de mensuração, consequentemente seu

ponto de vista, ele perceberá uma evolução rápida acontecendo ao seu redor a todo o

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momento. A saber, nos últimos 50 anos, cientistas têm observado animais que se adaptaram a

novas épocas de reprodução em resposta às mudanças climáticas; espécies que desenvolveram

resistência a toxinas despejadas em seus habitats; e, uma série de microrganismos que

tornaram resistentes às drogas utilizadas em tratamentos médicos.

4.2. Superação dos obstáculos epistemológicos

A superação dos obstáculos epistemológicos impregnados no ensino de evolução está

intimamente relacionada à qualidade da formação científica dos agentes escolares.

Recomenda-se que o professor favoreça a formação do espírito científico no estabelecimento

educacional a fim de obter o sucesso na prática científico-docente e práxis escolares.

Conforme Tonidandel (2013), há uma evidente superação dos obstáculos conceituais

e, consequentemente, uma melhoria na capacidade de argumentação sobre fenômenos

evolutivos quando os alunos estão alicerçados em fundamentos científicos.

Para que haja uma compreensão sólida das ideias evolucionistas, deve-se: 1)

identificar os obstáculos epistemológicos impregnados pela construção ou concepção dos

conceitos evolutivos. 2) impor a supremacia do conhecimento abstrato ao conhecimento

primeiro e intuitivo. 3) dar ênfase na retificação constante do conhecimento durante o

processo ensino-aprendizagem.

Para Bachelard (1996), “não há verdade sem erro retificado”. Para este autor, a

formação do espírito científico provém de sua própria reforma. Em outras palavras, a

construção do conhecimento é feita a partir da reconstrução das ideias já existentes. Sem erro,

não há reparo. E sem reparo, não há superação.

Ainda conforme Bachelard (1996), os obstáculos epistemológicos estão impregnados

no inconsciente do indivíduo por seus conhecimentos de experiências diversas e não serão

erradicados todos de uma vez, visto que eles resistem, persistem, reaparecem e se reproduzem

de geração a geração.

Nesta sequência, registram-se propostas possíveis de ações com vistas à superação dos

equívocos e seus obstáculos relacionados (ambos anteriormente discutidos). Os prognósticos

obedeceram a mesma ordem abordada na análise e discussão dos equívocos (Item 4.1 –

Tabela 1).

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4.2.1. O homem não descende do macaco

Para evitar o equívoco “o homem descende do macaco” no ensino de evolução,

primeiramente, dever-se-ia procurar superar o obstáculo da primeira experiência e do

conhecimento geral. Para isso, sugere-se frisar que, de acordo com a biologia evolutiva, os

seres humanos não se desenvolveram a partir dos macacos, mas ambos possuem uma

ancestralidade em comum (Figura 10).

Figura 10. Árvore filogenética dos primatas.

Fonte: http://evolution.berkeley.edu/evolibrary/article/evograms_07

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Todos os primatas descendem de um ancestral primata comum mais antigo, embora

não seja qualquer tipo vivente hoje. Possuir um ancestral comum não significa que os

humanos vieram dos macacos, afinal, Darwin nunca disse isso. A fim de esclarecer a ideia de

ancestralidade comum, recomenda-se trabalhar o conceito de especiação não como uma

escada, mas como uma ramificação de táxons explicitando o processo de cladogênese.

4.2.2. Evolução não é progresso

No equívoco “evolução é progresso”, foi ponderada a inter-relação dos obstáculos da

primeira experiência e do conhecimento geral. A respeito da superação do obstáculo

epistemológico da generalização, Bachelard (1996) afirma que se deve trabalhar o

anticonceito ligado ao conceito. Neste caso, recomenda-se, durante as aulas de evolução,

definir e abordar o que não “progride”, ou o que impede a “progressão” dos seres.

Isso pode ser feito facilmente mostrando que muitos taxa (como alguns musgos,

protistas, e fungos) mudaram pouco ao longo de grandes extensões de tempo. Eles não estão

marchando vagarosamente até o ápice na escada do progresso, em vez disso, estão aptos o

suficiente para sobreviver e se reproduzir em seu meio garantindo a sua existência.

Apesar de alguns taxa (como as aves e insetos) terem mudado e diversificado bastante,

não significa dizer que eles são superiores ou mais desenvolvidos do que os demais. Dessa

forma, é importante que o professor esclareça que a evolução da baleia, resultado da seleção

natural, pode ser vista como ramificações que se divergiram ao longo do tempo (Figura 9), e

não como uma escada de organismos superiores e inferiores que progridem rumo à perfeição.

Além disso, pode-se complementar a explicação mostrando que realmente nenhum

organismo tem que ser “superior” ou “perfeito” para sobreviver, basta apenas possuir

características vantajosas em relação aos demais. E que por seleção natural, os indivíduos

mais adaptados, com características mais vantajosas naquele ambiente em determinado

período de tempo, terão mais chances de sobreviverem e de se reproduzirem, garantindo a

perpetuação de suas características em sucessivas gerações.

Vale a pena ressaltar que as condições climáticas, ecológicas e geográficas mudam

constantemente, e o que era adaptado há um milhão de anos, poderia não estar adaptado hoje.

O que funciona eficientemente em um local pode não funcionar tão bem em outro: fitness4

4 O valor adaptativo de um fenótipo, a medida de seu sucesso reprodutivo, onde aqueles que sobrevivem e

produzem maior número de prole capaz de se reproduzir, garantem a manutenção do pool gênico da sua

população.

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está relacionado ao ambiente, e não ao progresso ou complexidade.

4.2.3. Evolução é uma teoria, e teorias são paradigmas de se ver o mundo

No equívoco “evolução é somente uma teoria”, ponderou-se os obstáculos da primeira

experiência e o da generalização. Para superar estes obstáculos epistemológicos, segundo

Fonseca (2008), deve-se provocar rupturas entre o senso comum e o conhecimento científico.

Neste caso, recomenda-se mostrar o significado da palavra teoria no conhecimento popular e

na ciência, estabelecendo a diferença entre ambos.

É necessário que seja mostrado que as teorias científicas são ideias complexas que

explicam uma vasta gama de fenômenos naturais, e para serem aceitas pela comunidade

científica, elas devem ser fortemente apoiadas por diversas evidências. Em contraste com o

senso comum, as teorias científicas não se transformam em fatos através da acumulação de

provas. Em vez disso, elas são os pontos finais da construção do pensamento científico: são

entendimentos que se desenvolvem a partir da observação extensiva, experimentação, e

reflexão criativa, e incorporam um grande corpo de fatos, leis, hipóteses testadas, e

inferências lógicas. Nesse sentido, a evolução é uma das teorias científicas mais fortes e mais

úteis que temos atualmente, sendo bem amparada e amplamente aceita, e não apenas um

“palpite” (NAS, 1998).

Mesmo com o entendimento da diferença entre os conceitos científicos e os provindos

do senso comum, ainda se percebe a persistência da falsa compreensão do funcionamento do

processo evolutivo. Os agentes escolares, muitas vezes, pensam que a evolução ocorrera em

um passado distante, e veio a ser finalizada em seu ápice, com o surgimento do homem, não

ocorrendo mais em populações atuais.

Para afastar esta falsa ideia ou interpretação, sugere-se enfatizar que os seres vivos

estão sujeitos à seleção natural e não param de evoluir. E, sem dúvida, eles ainda enfrentam os

mais variados desafios para a sua sobrevivência e reprodução.

A direção evolutiva pode mudar, mas o fato de evoluir não cessa. Pode-se usar

inúmeros exemplos para esclarecer isso: (1) a recente evolução dos traços genéticos humanos

que protegem contra a malária (UE, 2008); (2) o surgimento de adaptações que permitem que

os seres humanos prosperem em altas altitudes (UE, 2014); (3) a recente tolerância à lactose

(UE, 2007); entre outros.

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4.2.4. A seleção natural é mais do que uma simples peneira

Para superar o obstáculo de natureza verbal ponderado no equívoco “a seleção natural

é uma peneira”, sugere-se que os professores e alunos se afastem bastante da imagem

corriqueira de uma peneira. Esta imagem tão clara, pode, quando aplicada, ficar mais confusa

e complicada.

O ideal é que a seleção natural seja ensinada como um processo direcional e

probabilístico, mostrando que isso não garante que as variações favoráveis sobreviverão e

reproduzir-se-ão eficientemente, porém aumenta as chances de acontecer. Nesse contexto, a

melhor maneira de compreender o processo de seleção natural é reforçando a leitura de suas

definições e aplicações.

4.2.5. A seleção natural não dá aos organismos o que eles precisam

Para evitar o equívoco “a seleção natural dá aos organismos o que eles precisam” e

superar o obstáculo unitário e pragmático, aconselha-se, primeiramente, evitar a busca de uma

finalidade para as coisas ou fenômenos, nesse caso para a seleção natural. Dever-se-ia

ressaltar que a seleção natural não tem intenções ou vontades: ela não pode pressentir o que

uma espécie ou um ser "necessita".

Na verdade, a seleção natural atua sobre a variação genética da população, e esta

variação é gerada por mutações aleatórias - um processo que não é afetado pelas necessidades

dos organismos no ambiente.

A variação genética na população permite que alguns indivíduos sobrevivam a

desafios naturais melhor do que outros, ou se reproduzam mais do que outros.

Consequentemente, eles terão mais descendentes na próxima geração e, provavelmente, a

população irá evoluir ao longo do tempo.

Se não há variação genética na população, ela poderá até sobreviver, porém não

evoluirá através da seleção natural, o que poderia levar a sua extinção como espécie. Logo, a

seleção natural não concede o que os seres "precisam" para sobreviver, mas seleciona os mais

aptos às condições atuantes.

4.2.6. Lamarck não errou, ele ajudou a construir uma ideia

Para superar o obstáculo do realismo ponderado no equívoco “Lamarck estava

errado”, recomenda-se tratar a ciência como um processo de investigação constante e que,

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muitas vezes, as ideias dos cientistas, à primeira vista, são simples e incompletas as quais

necessitam de um melhoramento ou reformulação posterior.

O método de abordagem da história do pensamento evolutivo merece bastante atenção

e cuidado, pois informações mal colocadas podem gerar até mesmo outros equívocos devido à

impregnação dos obstáculos na mente dos indivíduos.

Além disso, ao abordar a construção histórica da ideia de evolução, sugere-se mostrar

que Lamarck, assim como Darwin, propôs que as espécies não eram estáticas como se

acreditava na época, e que estavam relacionadas entre si por uma ancestralidade comum.

Lamarck foi um dos vários naturalistas5 que defenderam a ideia de evolução antes de

Darwin. Portanto, ele merece total crédito por ter trazido a evolução para a vanguarda do

debate científico e, dessa forma, ter aberto caminho para a elaboração da teoria de Darwin.

4.2.7. A evolução não ocorre somente de forma lenta e gradual

Para superar o obstáculo do conhecimento quantitativo ponderado no equívoco “a

evolução só ocorre de forma lenta e gradual”, recomenda-se explicar que diversos fatores

podem influenciar na velocidade da evolução: tamanho da população, tempo de geração, taxas

de mutação, intensidade das mudanças nas condições ambientais, entre outros.

Além do mais, dever-se-ia determinar, primeiramente, o método de mensuração a ser

usado, antes de afirmar equivocadamente que a evolução ocorre somente de forma lenta.

Segundo Bachelard (1996), o conhecimento torna-se objetivo na proporção em que se

torna instrumental. Em outras palavras, à medida que os instrumentos que medem a

velocidade do processo evolutivo se aperfeiçoam, seu produto científico (a grandeza da

velocidade) será mais bem definido.

5 Desde a Grécia Antiga já se especulava sobre as mudanças das espécies ao longo do tempo. Por exemplo, mais

de 2.500 anos atrás, o filósofo grego Anaximandro pensou que uma evolução gradual havia criado o mundo

orgânico a partir de uma condição inicial sem forma, e ele tinha uma visão bastante moderna da evolução de

espécies aquáticas em terrestres (NAS, 1998).

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1. Equívocos, obstáculos epistemológicos, e insucesso no ensino de evolução

O insucesso no ensino de evolução biológica está ligado à diversas causas, e uma delas

é a persistência dos obstáculos epistemológicos entre os agentes escolares.

Os obstáculos epistemológicos influenciam negativamente no ensino de evolução, pois

estes têm relação direta com as falhas (equívocos) do ensino-aprendizagem.

O sucesso no ensino de evolução é inversamente proporcional à persistência dos

obstáculos epistemológicos nas práxis escolares. Quanto maior a persistência, menor será o

sucesso.

Na epistemologia de Gaston Bachelard (1884-1962) há uma racionalização plausível

para compreender as adversidades cotidianas do ensino da evolução.

Não há possibilidade de se obter uma formação científico-educacional sólida se os

obstáculos epistemológicos persistirem no ensino.

Para que a evolução biológica seja melhor ensinada e compreendida, os obstáculos

precisam ser entendidos e superados pelos agentes escolares. Quando os obstáculos

epistemológicos são entendidos e superados, professores e alunos se estimulam rumo à

compreensão das ideias evolucionistas com sucesso.

5.2. Superação dos entraves

A racionalização da descendência humana pode ser bem-sucedida quando abordadas

as ideias de especiação, cladogênese, e ancestralidade comum.

A evolução não pode ser entendida como progresso, complexidade ou perfeição, mas

como significado de adaptação.

O significado de teoria científica pode ser melhor entendido quando trabalhado em

contraste com o senso comum.

A seleção natural deve ser ensinada como um processo direcional e probabilístico,

afastando o máximo possível a analogia a objetos concretos.

A seleção natural deve ser vista como um processo atuante sobre a variação genética

da população que favorece os mais vantajosos em determinado ambiente e período de tempo.

A compreensão da construção da teoria evolutiva, ao longo do tempo, pode ser

eficiente quando enfatizada a constante reformulação e o aprimoramento de ideias científicas,

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e a importância destas no espaço sócio-temporal em que foram propostas.

A velocidade do processo evolutivo pode ser melhor compreendida quando são bem

definidos os métodos de mensuração e os fatores observados.

5.3. Sugestões

Para vencer os entraves no ensino de evolução, além de elaborar recursos didáticos e

metodologias eficientes, o professor precisa compreender por que os seus alunos não

compreendem6 o conteúdo de evolução. Torna-se necessário traçar possíveis estratégias para

dirimir as dúvidas e fortalecer a relação ensino-aprendizagem, preferencialmente no plano da

interdisciplinaridade.

Para futuros estudos, indaga-se: 1) Qualquer adversidade encontrada no ensino de

evolução biológica tem relação com os obstáculos epistemológicos? 2) Como avaliar na

prática o nível de persistência dos obstáculos entre os agentes escolares? 3) Como mensurar a

eficiência das ações de superação dos obstáculos epistemológicos no ensino de evolução?

Evidencia-se a necessidade de estudos que forneçam uma melhor compreensão do

insucesso do ensino de evolução a fim de fornecer subsídios mais consistentes para que os

professores melhorem a qualidade de sua prática cientifico-docente. Este trabalho trata-se

apenas de uma reflexão, assim, sugere-se estudos aplicados que possam averiguar a hipótese e

as inferências aqui propostas. Por ser uma ciência, os estudos em biologia evolutiva são

sempre inacabados7, entretanto, a sua importância não deve ser desprezada para a

compreensão de vida pelos educandos.

6 Bachelard afirma em sua obra:

“Na educação, a noção de obstáculo pedagógico também é desconhecida. Acho surpreendente que os professores

de ciências, mais do que os outros se possível fosse, não compreendam que alguém não compreenda”.

(BACHELARD, 1938 – Tradução de Abreu, 1996. p. 23) 7 O mito da certeza da ciência: “O conhecimento é luz que sempre produz sombras”. (BACHELARD, 1996).

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6. REFERÊNCIAS

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