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COMPLEMENTOS AO CURSO DE FÍSICAMATEMÁTICA II: FUNÇÃO DEGREEN E TEORIA ESPECTRAL DE OPERADORES COMPACTOS

DOMINGOS H. U. MARCHETTI

IFUSP - 2018

Conteúdo

1. Preliminares à Teoria de SturmLiouville 31.1. Solução geral e solução do PVI 41.2. Teoremas de Sturm 101.3. Problema de SturmLiouville 121.4. Existência de autovalores 152. O Problema de Sturm-Liouville 182.1. Considerações Algébricas 182.2. Operador integral inverso a L0 seu núcleo integral de Green 212.3. A equação integral do Problema de Sturm-Liouville 262.4. Redução de uma forma quadrática Hermiteana aos eixos principais 323. Operadores Compactos: Teoria Espectral 443.1. Compacidade na reta e em espaços métricos 443.2. Equicontinuidade 483.3. Operadores compactos 493.4. Teoria espectral de operadores compactos autoadjuntos 534. Equações integrais 604.1. O método de aproximações Sucessivas 604.2. Transformação inversa, valores regulares e singulares 664.3. Aproximação por núcleos integrais de posto nito 724.4. Alternativa e determinante de Fredholm 74

Nestas notas temos por objetivo coletar e reorganizar os principais resultados da teoria espectralde operadores hermitianos compactos contidos no texto do Prof. Chaim S. Hönig Análise funcionale o problema de Sturm-Liouville e empregados no tratamento da Teoria de SturmLiouville. Estareorganização do material se faz necessário por conta de nossa preocupação em desenvolver oproblema de SturmLiouville concisamente, inserindo apenas o que lhe é própriamente pertinente.

1

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COMPLEMENTOS 2

Faremos uma discussão preliminar do problema de Sturm-Liouville por intermédio dos teoremasde comparação e oscilação de Sturm. Nesta abordagem seguiremos o Cap. IV do texto do Prof.Jorge Sotomayor Lições de equações diferenciais ordinárias .Dividiremos o assunto em quatro seções. A Seção 1 introduz o problema de Sturm-Liouville

como concebido em sua forma clássica, por intermédio dos teoremas de Sturm. A Seção 2 introduza função de Green G(x, y) do problema de SturmLiouville e dene o operador integral Gρ quetem como núcleo esta função. Segue desta representação que as autofunções ϕn(x) do problemaassociados ao autovalor λn são autofunções do operador integral Gρ associado ao autovalor 1/λn.A teroria espectral para Gρ é muito mais simples pois Gρ é um operador Hermitiano compacto. NaSeção 3 estudamos a teoria espectral dos operadores compactos em geral. Na Seção 2 aplicamosesta teoria a Gρ, estendendo em seguida o método da função de Green ao sentido generalizado.Visando dar uma base algébrica mais sólida ao tratamento via função de Green do problema deSturmLiouville, faremos na Seção 4 uma exposição da teoria de Fredholm das equações integrais.

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COMPLEMENTOS 3

1. Preliminares à Teoria de SturmLiouville

O objetivo é estudar o problema de SturmLiouville cuja formulação se dá em termos de umaequação diferencial ordinária de segunda ordem da forma

− Lλ[y]def.= (p(x)y′)

′+ (λρ(x)− q(x)) y = f(x) (1.1)

onde p, p′, q e ρ são funções contínuas denidas em um intervalo [a, b] tais que p(x), ρ(x) ≥ 0

(p(x) > 0 problema regular) e λ ∈ R.Primeiramente, por que estudar este tipo de equação e quais as motivações para este estudo?

Apontamos, ao menos, três motivações principais (para uma discussão sobre esta questão, vejahttps://math.stackexchange.com/questions/1915313): 1. Seja Lλ : C 2(a, b) −→ C (a, b) a transfor-mação linear (entre espaços vetoriais de funções) cuja ação é denida pelo lado direito da igualdade

(1.1) e seja (f, g) =

∫ b

a

f(x)g(x)dx o produto interno nestes espaços. Lλ é um operador dife-

rencial autoadjunto, i. e., a equação adjunta L∗λ[v], denida por (Lλ[u], v) = (u, L∗λ[v]) paraquaisquer duas funções u e v no domínio de Lλ, e obtida por integração parcial, mantém a mesmaforma (1.1): L∗λ[v] = Lλ[v]. Por conta disso, os valores próprios λ's, da equação de autovaloresLλ[y] = L0[y]− λy = 0, são reais e as autofunções yλ's, correpondentes a autovalores distintos, sãoortogonais; 2. Denimos sobre o espaço (a = 0 e b = L)

H10 (0, L) =

f : (0, L) −→ R : f, f ′ ∈ L2(0, L), f(0) = f(L) = 0

de Sobolev os funcionais

E, J : H10 (0, L) −→ R

de energia e norma ponderada:

E[y] =

∫ L

0

(p(x)y′(x)2 + q(x)y(x)2

)dx (1.2)

J [y] =

∫ L

0

ρ(x)y(x)2dx = ‖y‖2ρ . (1.3)

Equações de EulerLagrange do problema de SturmLiouville são obtidas pelo cálculo das variações.Para calcular a derivada funcional de E e J na direção do vetor v (satisfazendo v(0) = v(L) = 0):

limε→0

1

ε(E[y + εv]− E [y]) =

(v,δE

δy[y]

)=

∫ L

0

v(x)δE[y]

δy(x)dx

limε→0

1

ε(J [y + εv]− J [y]) =

(v,δJ

δy[y]

)substituímos (1.2) e (1.3) no lado esquerdo destas equações e integramos por partes, resultando asequações

δE[y]

δy(x)= −2 (p(x)y′)

′+ 2q(x)y

δJ [y]

δy(x)= 2ρ(x)y . (1.4)

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COMPLEMENTOS 4

O mínimo do funcional energia E[y] sujeito ao vínculo de normalização ‖y‖ρ = 1:

miny∈H1

0 (0,L)E[y] : J [y] = 1

satisfaz, pelo método do multiplicador de Lagrange:

limε→0

1

ε(E[y + εv]− λJ [y + εv]− E [y] + λJ [y]) =

(v,δE[y]

δy− λδJ [y]

δy

)= 0

resultando por (1.4) a equação de EulerLagrange (1.1) com f ≡ 0:1

− (p(x)y′)′+ (q(x)− λρ(x))y = 0 ,

sujeita ao vínculo ‖y‖ρ = 1 e cuja única solução dado pelo par (λ, y(x)), fornece o menor autovalorλ1 e autofunção y1(x) correspondente ao problema de autovalores de SturmLiouville (mínimoglobal do funcional energia vinculado). Dados λ1 e y1(x), minimizamos o funcional energia E[y]

sujeito ao vínculo de normalização e ortogonalidade:

miny∈H1

0 (0,L)

E[y] : J [y] = 1 e (y, y1)ρ =

∫ L

0

y(x)y1(x)ρ(x)dx = 0

cuja única solução (λ, y(x)), fornece o segundo menor autovalor λ2 > λ1 e autofunção correspon-dente y2(x) normalizada ‖y2‖ρ = 1. Prosseguindo, os minimizantes do funcional de energia E[y]

sujeitos ao vínculo de normalização e ortogonalidade com respeito as soluções obtidas anterior-mente, produzem uma coleção enumerável de autovalores e autofunções correspondentes

λ1 < λ2 < · · · < λn < · · ·y1(x), y2(x), . . . , yn(x), . . . (1.5)

mutuamente ortogonais e normalizadas do problema de autovalores de SturmLiouville. 3. Aterceira e última motivação para se estudar as equações da forma (1.1) é que as leis que descrevema eletrostática/eletrodinâmica, que regem a dinâmica e regime estacionário de meios contínuos,como por exemplo a propagação do calor e vibrações em meios elásticos, e que descrevem a funçãode onda de uma partícula quântica em um potencial podem ser reduzidas a uma ou mais equaçõesdesta forma por separação de variáveis adequada a simetria do problema.Este estudo está dividido em quatro Subseções:

1.1. Solução geral e solução do PVI. Inicialmente, estudaremos as propriedades básicas deuma equação diferencial linear de segunda ordem

y′′ + p(x)y′ + q(x)y = f(x) (1.6)

onde p, q, f : (a, b) −→ R são funções contínuas.

1Escrevemos a ação A = E−λJ =∫

L dx, onde a Lagrangeana L = L [y, y′] = p(x) (y′)2+(q(x)−λ)y2. A equação

de EulerLagrange ∂/∂xLy′ −Ly = 0, onde Ly′ e Ly denotam, respectivamente, as derivadas parciais de L comrespeito a y′ e y, associada a esta Lagrangeana coincide com a equação de SturmLiouville.

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COMPLEMENTOS 5

Existência e unicidade do PVI. Consideremos o problema de valor inicial (PVI) dado pelaequação (1.6) juntamente com os dados iniciais:

y(x0) = y0

y′(x0) = v0 (1.7)

com (x0, y0, v0) ∈ (a, b)× R× R arbitrário.

Teorema 1.1. Se p, q e f são contínuas em (a, b), então o PVI, equações (1.6) e (1.7), tem uma,

e somente uma, solução denida no intervalo (a, b).

Prova. Seja

y1(x) = y(x)

y2(x) = y′(x)

as componentes de uma função y = (y1, y2) : J ⊂ (a, b) −→ R2 a valores vetoriais. Como

y′1 = y2

y′2 = −q(x)y1 − p(x)y2 + f(x)

a função y satisfaz um PVI

y′ = f(x,y) (1.8)

y0 = y(x0) (1.9)

onde f = (f1, f2) com f1 = f1(x, y1, y2) = y2 e f2 = f2(x, y1, y2) = −q(x)y1 − p(x)y2 + f(x) ey0 = (y0, v0) ∈ R2 para algum x0 ∈ J ⊂ (a, b). Note que cada componente fi de f é contínua em x

e diferenciável em y1 e y2 e o campo vetorial (x,f) está denido no cilíndro aberto Ω = (a, b)×R×R.Logo, pelo Teorema de existência e unicidade do PVI para um sistema de equações diferenciais deprimeira ordem, existe um aberto J contendo x0 e uma única função y : J −→ R2 tal que y(J) ⊂ R2

e satisfaz o PVI (1.8) e (1.9) para todo x ∈ J . A existência do PVI pode ser estendida a um intervalomaximal J∗ que coincide com intervalo (a, b) pois as soluções de um sistema linear são globais nointervalo de denição e isso conclui a prova do Teorema 1.1.

Equação homogênea (f ≡ 0). Considere agora a equação (1.6) homogênea

y′′ + p(x)y′ + q(x)y = 0 , x ∈ (a, b) (1.10)

com p, q contínuas. Pelo Teorema 1.1, existe uma única solução para cada um dos dados iniciais:

y(x0) = 1 , y′(x0) = 0 (1.11)

ey(x0) = 0 , y′(x0) = 1 (1.12)

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COMPLEMENTOS 6

para algum x0 ∈ (a, b). Sejam

φ1 : (a, b) −→ R

φ2 : (a, b) −→ R

as soluções do PVI (1.10) juntamente com (1.11) e (1.12), respectivamente. Então, qualquer função

φ(x) = α1φ1(x) + α2φ2(x) , α1, α2 ∈ R (1.13)

é solução do PVI (1.10) comφ(x0) = α1 , φ′(x0) = α2 .

A recíproca também é verdadeira.

Proposição 1.2. Qualquer solução de (1.10) é da forma (1.13) para algum par α1, α2 ∈ R.

Prova. Seja φ : (a, b) −→ R uma solução de (1.10) e tome φ(x0) = α1 e φ′(x0) = α2, x0 ∈ (a, b).Então, devido a linearidade da equação (1.10),

ψ(x) = φ(x)− α1φ1(x)− α2φ2(x) ,

satisfaz (1.10) com ψ(x0) = ψ′(x0) = 0. Pelo Teorema 1.1, ψ(x) ≡ 0 é a única solução do PVI,concluindo a demonstração.

De onde se conclui que (1.13) é a solução geral da equação (1.10).

Denição 1.3. Duas funções φ1, φ2 : (a, b) −→ R são linearmente dependentes (L. D.) se

existir uma constante k ∈ R tal que

φ2(x) = kφ1(x) , ∀x ∈ (a, b) .

Duas funções (φ1 e φ2) são linearmente independentes (L. I.) se a condição

α1φ1(x) + α2φ2(x) = 0 , ∀x ∈ (a, b)

implicar que α1 = α2 = 0 (obviamente, φ1 e φ2 são L. I. se não forem L. D.).

Denição 1.4. Dadas duas funções φ1, φ2 : (a, b) −→ R diferenciáveis, o determinante

W (φ1, φ2;x) =

∣∣∣∣∣ φ1(x) φ2(x)

φ′1(x) φ′2(x)

∣∣∣∣∣= φ1(x)φ′2(x)− φ2(x)φ′1(x) (1.14)

é chamado Wronskiano das funções φ1, φ2 em x ∈ (a, b) ou simplesmente função Wronskiana.

Proposição 1.5. Sejam φ1, φ2 : (a, b) −→ R duas funções diferenciáveis cujo Wronskiano

W (φ1, φ2;x0) é diferente de 0 em um ponto x0 ∈ (a, b). Então φ1, φ2 são L. I..

Prova. Suponhamos, por contradição, que φ1, φ2 sejam L. D.. Então existem α1 e α2 tais que|α1|+ |α2| 6= 0 e

α1φ1(x) + α2φ2(x) = 0 , ∀x ∈ (a, b) .

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COMPLEMENTOS 7

Derivando esta equaçãoα1φ

′1(x) + α2φ

′2(x) = 0

e tomando x = x0, temos (φ1(x0) φ2(x0)

φ′1(x0) φ′2(x0)

)(α1

α2

)=

(0

0

). (1.15)

Como por hipótese W (φ1, φ2;x0) 6= 0, a única solução de (1.15) para (α1, α2) é α1 = α2 = 0,contradizendo |α1|+ |α2| 6= 0 e a suposição de φ1, φ2 serem L. D..

Observação 1.6. A reciproca é falsa, como pode ser visto pelo seguinte exemplo: φ1(x) = x3 e

φ2(x) = |x|3, denidas em R, são L. I. porém W (φ1, φ2;x0) = 0 para todo x0 ∈ R.

Teorema 1.7. Sejam φ1, φ2 : (a, b) −→ R duas soluções quaisquer de (1.10). Então φ1 e φ2 são L.

I. se, e somente se, W (φ1, φ2;x0) 6= 0 em um ponto x0 ∈ (a, b). Se, além disso, W (φ1, φ2;x0) 6= 0

em algum ponto x0, então W (φ1, φ2;x) 6= 0 para todo x ∈ (a, b).

Prova. Devido a Proposição 1.5, resta provar para a primeira assertiva que, se φ1, φ2 são soluçõesL. I. de (1.10), então W (φ1, φ2;x0) 6= 0 em algum ponto x0. Vamos mostrar que W (φ1, φ2;x) 6= 0,∀x ∈ (a, b).Suponhamos, por contradição, que W (φ1, φ2;x0) = 0. Então o sistema de equações

α1φ1(x0) + α2φ2(x0) = 0

α1φ′1(x0) + α2φ

′2(x0) = 0 (1.16)

tem solução nãoDerivando a expressão trivial ((α1, α2) 6= (0, 0)) para (α1, α2). Escrevemos

φ(x) = α1φ1(x) + α2φ2(x) , x ∈ (a, b)

que, por hipótese, é solução da equação (1.10) e, por (1.16), satisfaz as condições iniciais

φ(x0) = φ′(x0) = 0 .

Logo, pelo Teorema 1.1, φ(x) = 0 para todo x ∈ (a, b) e isso implica que φ1, φ2 são L. D.,contradizendo a hipótese. A segunda assertiva segue da fórmula de AbelLiouville (veja Teorema1.8 a seguir).

Teorema 1.8. Sejam φ1, φ2 : (a, b) −→ R duas soluções quaisquer de (1.10). Então

W (φ1, φ2;x) = W (φ1, φ2;x0) exp

(−∫ x

x0

p(s)ds

), x0 ∈ (a, b) . (1.17)

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COMPLEMENTOS 8

Prova. Diferenciando (1.14) com respeito a x, temos

W ′(φ1, φ2;x) = φ′1(x)φ′2(x)− φ′2(x)φ′1(x) + φ1(x)φ′′2(x)− φ2(x)φ′′1(x)

= φ1(x)φ′′2(x)− φ2(x)φ′′1(x)

= φ1(x) (−p(x)φ′2(x)− q(x)φ2(x))− φ2(x) (−p(x)φ′1(x)− q(x)φ1(x))

= −p(x) (φ1(x)φ′2(x)− φ2(x)φ′1(x))

= −p(x)W (φ1, φ2;x) .

Integrando (logW )′ = W ′/W = −p(x) sobre o intervalo (x0, x) obtemos pelo teorema fundamentaldo cálculo a fórmula (1.17) desejada.

Observação 1.9. Pela fórmula de AbelLiouville (1.17), uma de duas alternativas ocorre: ou

W (φ1, φ2;x) = 0, ∀x ∈ (a, b) ou W (φ1, φ2;x) 6= 0, ∀x ∈ (a, b).

Teorema 1.10. Sejam ψ1, ψ2 : (a, b) −→ R duas soluções L. I. de (1.10). Então qualquer solução

φ de (1.10) é da forma

φ(x) = α1ψ1(x) + α2ψ2(x) , (1.18)

para algum par α1, α2 ∈ R.

Prova. Seja φ(x) uma solução de (1.10). Fixe x0 ∈ (a, b) e escreva

α1ψ1(x) + α2ψ2(x) = φ(x0)

α1ψ′1(x) + α2ψ

′2(x) = φ′(x0) .

Como W (ψ1, ψ2;x0) 6= 0, então α1 e α2 são determinados pelos valores φ(x0) e φ′(x0) da solução esua derivada no ponto x0.Considere a função

σ(x) = α1ψ1(x) + α2ψ2(x)

que é uma solução de (1.10) com

σ(x0) = α1ψ1(x0) + α2ψ2(x0) = φ(x0)

σ′(x0) = α1ψ′1(x0) + α2ψ

′2(x0) = φ′(x0) .

Pelo Teorema 1.1, de existência e unicidade, σ(x) = φ(x). Note que a diferença δ(x) = σ(x)−φ(x)

satisfaz (1.10) com δ(x0) = δ′(x0) = 0, cuja única solução é δ(x) = 0 para todo x ∈ (a, b), concluindoa demonstração do teorema.

Observação 1.11.(1) Se encontrarmos quaisquer duas soluções ψ1, ψ2 L.I. de (1.10), então escrevemos sua solução

geral (1.18).

(2) Se y1(x) e y2(x) são duas soluções da equação nãohomogênea , então y1(x)− y2(x) é uma

solução da equação homogênea (1.10). Portanto, se yp(x) é uma solução particular qualquer

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de (1.6) então uma solução geral de (1.6) é

y(x) = α1ψ1(x) + α2ψ2(x) + yp(x)

(3) Se conhecermos duas soluções L. I. de (1.10), então podemos determinar uma solução geral

de (1.6) pelo método da variação das constantes.

Comentário Algébrico. Seja C j(a, b), j ≥ 0, o espaço vetorial (real) das funções φ : (a, b) −→ Rda classe C j (isto é, a classe das funções continuamente diferenciáveis até a jésima derivada). Aequação (1.6) dene um operador diferencial em C 2(a, b):

L : C 2(a, b) −→ C (a, b)

φ 7−→ L [φ] = φ′′ + p(x)φ′ + q(x) ,

com p, q : (a, b) −→ R contínuas.O núcleo (ou espaço nulo) N (L) do operador L é um subespaço vetorial de C 2(a, b):

N (L) =φ ∈ C 2(a, b) : L[φ] = 0

(lembre que a combinação linear de duas soluções φ1 e φ2 de é uma solução de (1.10). 0 é afunção em (a, b) identicamente nula, isto é, o elemento 0 do espaço vetorial C 0(a, b)). Vimos quedim (N (L)) = 2.A imagem R(L) do operador L em C 2(a, b) é o subespaço vetorial de C 0(a, b)

R(L) =f ∈ C 0(a, b) : ∃φ ∈ C 2(a, b) e L[φ] = f

.

Segue do Teorema 1.1, de existência e unicidade da solução de (1.6), que R(L) = C 0(a, b). Logo,o operador L é sobrejetivo. Porém, como N (L) tem dimensão 2, o operador L não é inversível.2

A imagem inversa L−1[f ] de um elemento f ∈ C 0(a, b) é uma variedade linear (am) da forma

yp + N (L)

onde yp(x) é qualquer elemento de L−1[f ].Incluindo ao espaço C 2(a, b) no domínio D (Lµ) do operador diferencial Lµ = L0− µρ, dado por

(1.1), as condições de contorno,

D (Lµ) =φ ∈ C 2(a, b) : αφ(a) + βφ′(a) = γφ(b) + δφ(b) = 0

,

se µ é diferente de qualquer autovalor λ de L0: µ 6∈ λ ∈ R : Lλ[φ] = L0[φ]−λρφ = 0 para algum φ 6=0, então, como veremos,

(L0 − µρ) : D (Lµ) −→ C 0(a, b)

é injetivo e sobrejetivo. O operador inverso Sµ = (L0 − µρ)−1 é compacto S é um operadorintegral e seu núcleo integral é a função de Green G(x, x′;µ): Sµ[f ](x) =

∫ baG(x, x′;µ)f(x′)dx′.

Por isso iremos retornar a nossa leitura do texto do Prof. Elon Lima Espaços métricos sobreespaços métricos (Banach e Hilbert) compactos e separaveis.

2Para ser inversível L precisaria ser injetivo, isto é, N (L) = 0. Equivalentemente, L[φ1 − φ2] = L[φ1]− L[φ1] =0 =⇒ φ1 − φ2 = 0 .

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Nos tópicos a seguir desta seção preliminar, seguiremos de perto o Cap. IV do texto do Prof.Jorge Sotomayor Lições de equações diferenciais ordinárias.

1.2. Teoremas de Sturm. Introduziremos aqui os instrumentos necessários para a análise doproblema de autovalores mencionado nas motivações. Demonstraremos dois teoremas devido aSturm e duas aplicações que nos permitem provar de maneira ilustrativa a existência de umainnidade de autovalores e autofunções correspondentes do problema de Sturm-Liouville. Vejaequação (1.5).

Teorema 1.12 (de separação). Sejam u, v : (a, b) −→ R duas soluções L. I. de (1.10) com p,

q : (a, b) −→ R contínuas. Então os zeros de u e v se alternam em (a, b).

Prova. Pelo Teorema 1.7, se u e v são L. I., então o Wronskiano W (u, v;x) não se anula em algumponto x0 ∈ (a, b) e, devido ao Teorema 1.8,

W (u, v;x) = u(x)v′(x)− v(x)u′(x) 6= 0 , ∀x ∈ (a, b) . (1.19)

Em consequência disso, o sinal de W (u, v;x) permanece constante para todo x ∈ (a, b).Se x1 e x2 são quaisquer dois zeros consecutivos de u(x) em (a, b), então os sinais da derivada

u′(x) nestes pontos são distintos: ou

u′(x1) < 0 < u′(x2) (1.20)

e, neste caso, u(x) < 0 para x ∈ (x1, x2); ou

u′(x2) < 0 < u′(x1) (1.21)

e u(x) > 0 para x ∈ (x1, x2). Como, devido a (1.19),

W (u, v;x1) = −v(x1)u′(x1)

W (u, v;x2) = −v(x2)u′(x2)

têm o mesmo sinal, segue de (1.20) ou (1.21) que os sinais de v(x1) e v(x2) são também distintos.Este fato implica que v(x) deve se anular pelo menos uma vez no interval (x1, x2). Trocando u e vde papeis, se por outro lado x1 e x2 são quaisquer dois zeros consecutivos de v(x) em (a, b), entãou(x) deve se anular pelo menos uma vez no interval (x1, x2). Logo os zeros de u e v se entrelaçamem (a, b) pois, caso contrário, teríamos uma contradição.

Teorema 1.13 (de comparação). Sejam u, v : (a, b) −→ R soluções não triviais (i. e., não

identicamente nulas) de

(p(x)u′)′+ q(x)u = 0 (1.22)

e

(p(x)v′)′+ q(x)v = 0 (1.23)

onde p, p′, q e q são contínuas em (a, b), p(x) > 0 e q(x) ≥ q(x). Se x1 < x2 são zeros consecutivos

de u, então v se anula pelo menos uma vez em (x1, x2), a menos que q(x) = q(x) neste intervalo

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COMPLEMENTOS 11

e, nesse caso u e v são L. D.:

v(x) = ku(x) , ∀x ∈ (x1, x2)

para algum k ∈ R.

Prova. Subtraindo (1.22) multiplicado por v de (1.23) multiplicado por u, obtemos

(p(x)u′)′v − (p(x)v′)

′u− (q(x)− q(x))uv = 0 . (1.24)

Reescrevendo os dois primeiros termos como uma derivada total

(p(x)u′)′v − (p(x)v′)

′u = (p(x)u′v − p(x)v′u)

= − (p(x)W (u, v;x))′ ,

a integral de (1.24) sobre o intervalo (x1, x2), pelo teorema fundamental do cálculo, pode ser escritacomo ∫ x2

x1

(q(x)− q(x))u(x)v(x)dx = p(x1)W (u, v;x1)− p(x2)W (u, v;x2) .

Suponha, por contradição, que v(x) não se anule no intervalo (x1, x2). Podemos ainda supor, semperda de generalidade, que ambos u(x) > 0 e v(x) > 0 em (x1, x2). Como u1(x1) = u1(x2) = 0 eu′(x1) > 0 e u′(x2) < 0, concluímos∫ x2

x1

(q(x)− q(x))u(x)v(x)dx = −p(x1)v(x1)u′(x1) + p(x2)v(x2)u′(x2) ≤ 0

que é uma contradição pois q(x) ≥ q(x), por hipótese, a não ser que q(x) = q(x) em (x1, x2) e,nesse caso, pelo Teorema de separação 1.12, as duas soluções u e v são L. D.: ∃k ∈ R tal quev(x) = ku(x) para todo x ∈ (x1, x2).

Daremos a seguir duas aplicações do Teorema de comparação.

Proposição 1.14. Considere a equação (1.22) no intervalo (a, b) com p, p′ e q contínuas e p(x) > 0.

Se q(x) ≤ 0 em (a, b), então as soluções não triviais de (1.22) tem no máximo um zero neste

intervalo.

Prova. Uma solução (não identicamente nula) de

(p(x)v′)′= 0

é

v(x) =

∫ x

a

1

p(s)ds

(note que p(x)v′(x) = 1, pelo teorema fundamental do cálculo). Como pela hipótese sobre p(x),v(x) se anula apenas em x = a, segue do Teorema de comparação 1.13 que u(x) tem no máximoum zero no intervalo (a, b).

Proposição 1.15. Sejam c, K constantes tais que

0 < c2 < q(x) < K2

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COMPLEMENTOS 12

em (a, b) e seja u(x) uma solução não trivial de

u′′ + q(x)u = 0 .

i. Se x1 e x2 são zeros sucessivos de u, então

π

K≤ x2 − x1 ≤

π

c. (1.25)

ii. Se u(a) = u(b) = 0 e u tem n− 1 zeros em (a, b), então

cb− aπ≤ n ≤ K

b− aπ

. (1.26)

Prova. Para o ítem i., z(x) = sin c(x− x1) é uma solução de

z′′ + c2z = 0

tal que z(x1) = 0 e o zero sucessivo de z(x) é x1 + π/c. Pelo Teorema de comparação 1.13, temos

x2 ≤ x1 + π/c

que prova a segunda desigualdade de (1.25). Usando o mesmo raciocínio para a solução z(x) =

sinK(x− x1) dez′′ +K2z = 0

obtemosx2 − x1 ≥

π

K,

concluindo a demonstração de i.. Sob as hipóteses do ítem ii., existem exatamente n intervalosentre zeros consecutivos de u em (a, b). Aplicando a cada um dos intervalos, iterativamente, asestimativas do ítem i., obtemos

K≤ b− a ≤ n

π

cou seja, as desigualdades (1.26), concluindo a prova da Proposição 1.15.

1.3. Problema de SturmLiouville. A equação(equação (1.1) com f ≡ 0)

− Lλ[y] = (p(x)y′)′+ (λρ(x)− q(x)) y = 0 (1.27)

com p(x), ρ(x) > 0, é chamada equação de StrmLiouville homogênea. Considere (1.27) denidano intervalo I = [a, b], p(x) da classe C 1(a.b), q(x) e ρ(x) da classe C (a.b) e λ1 e λ2 valores distintosde λ para os quais (1.27) admite em I soluções y1(x) e y2(x) não triviais.Subtraindo

(p(x)y′1)′y2 + (λ1ρ(x)− q(x)) y1y2 = 0

de(p(x)y′2)

′y1 + (λ2ρ(x)− q(x)) y2y1 = 0

resulta(λ1 − λ2) ρ(x)y1y2 = (p(x)y1y

′2 − p(x)y′1y2)

′. (1.28)

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COMPLEMENTOS 13

Integrando (1.28) sobre I, segue do teorema fundamental do cálculo que

(λ1 − λ2)

∫ b

a

ρ(x)y1(x)y2(x)dx = p(x) (y1(x)y′2(x)− y′1(x)y2(x))|ba . (1.29)

e para que o lado direito desta igualdade se anule, impomos às soluções de (1.27) condições adicio-nais nas extremidades do intervalo I:Condições de contorno (ou fronteira) autoadjuntas (separadamente em a e b),

αy(a) + βy′(a) = 0

γy(b) + δy′(b) = 0 (1.30)

com |α|+ |β| 6= 0 e |γ|+ |δ| 6= 0.Se p(a) = p(b), podemos então também assumir condições de contorno periódicas:

y(a) = y(b)

y′(a) = y′(b) .

Denição 1.16. Um problema de SturmLiouville regular em [a, b] consiste de uma equação da

forma (1.27) juntamente com condições de contorno autoadjuntas (1.30).

Os valores λ para os quais (1.27) e (1.30) admitem solução não trivial são ditos autovalores

do problema.

As soluções soluções u(x) não triviais de (1.27) e (1.30) correspondentes a um autovalor λ são

ditas autofunções do problema associado a λ.

Proposição 1.17. Considere um problema de SturmLiouville regular em [a, b], Se λ1 e λ2 são

autovalores distintos e y1(x) e y2(x) autofunções a eles associadas, então y1 e y2 são ortogonais em

[a, b] em relação ao produto interno com peso

〈y1, y2〉ρ =

∫ b

a

y1(x)y2(x)ρ(x)dx = 0 .

Prova. Segue imediatamente de (1.29) juntamente com (1.30) (verique!).

Exemplo 1.18. A equação y′′ + λy = 0 em [0, π] com condição de contorno (autoadjunta com

α = γ = 0 e β = δ = 1): y(0) = y(π) = 0 tem autovalores

λ ∈

1, 4, . . . , n2, . . .

(1.31)

e a autofunção

un(x) = sinnx (1.32)

associada ao nésimo autovalor λn = n2 possui n− 1 zeros no intervalo (0, π).

A mesma equação com a condição de fronteira (autoadjunta com α = γ = 0 e β = δ = 1):

y′(0) = y′(π) = 0

tem autovalores no mesmo conjunto (1.31) e a autofunção

vn(x) = cosnx (1.33)

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COMPLEMENTOS 14

associada ao nésimo autovalor λn = n2 também possui n− 1 zeros no intervalo (0, π).

A mesma equação y′′ + λy = 0 em [−π, π] com a condição de contorno periódica: u(−π) = u(π)

e u′(π) = u′(π) possui autovalores

λ ∈

0, 1, . . . , n2, . . .

e a cada autovalor λn = n2 6= 0 temos associado um autoespaço bidimensional de funções geradas

por un(x) e vn(x) dadas pelas autofunções (1.32) e (1.33).

Denição 1.19. Se a equação (1.27) denida no interior (a, b) do intervalo I = [a, b] em uma ou

ambas extremidades uma das funções p(x), q(x) e ρ(x) não é contínua ou uma das funções p(x),

q(x) se anula, então dizemos que o problema de contorno para (1.27) em I é singular. Se I for

um intervalo innito a equação (1.27) em I também é dita ser singular.

Em qualquer um destes casos, se λ1 e λ2 são valores distintos para os quais (1.27) em I admite

soluções não triviais y1 e y2, então (1.28) continua válida mas (1.29) pode divergir. Exigimos nestes

casos que as soluções de (1.27) sejam de quadrado integrável em I em relação a ρ.

Note que, pela desigualdade de CauchySchwarz(∫ b

a

|y1(x)| |y2(x)| ρ(x)dx

)2

≤∫ b

a

y1(x)2ρ(x)dx

∫ b

a

y2(x)2ρ(x)dx <∞

e no lugar de (1.29) temos

(λ1 − λ2)

∫ b

a

ρ(x)y1(x)y2(x)dx = limwa,zb

p(x) (y1(x)y′2(x)− y′1(x)y2(x))|zw . (1.34)

Proposição 1.20. Considere um problema singular para (1.27) em um intervalo I = [a, b] (a ou b

ou ambos pode ser innito) com condições de contorno que impliquem que o lado direito de (1.34)

seja nulo. Se λ1 e λ2 são autovalores distintos e y1(x) e y2(x) autofunções a eles associadas de

quadrado integrável em relação a ρ, então

〈y1, y2〉ρ := limya,zb

∫ z

y

y1(x)y2(x)ρ(x)dx = 0 .

Exemplo 1.21. A equação de Bessel

(xy′)′+

(k2x− n2

x

)y = 0

denida no intervalo (0, a], a > 0, é da forma (1.27) com p(x) = ρ(x) = x, q(x) = n2/x e λ = k2,

para n ∈ Z. Trata-se de um problema de SturmLiouville singular em vista de p se anular e

q divergir em x = 0. Uma condição de contorno apropriada a este problema: y(a) = 0 e y(x)

limitada quando x tende a 0, a qual garante soluções não triviais do problema de autovalores de

quadrado integrável.

Exemplo 1.22. Há muitas outras equações de relevancia Física da forma de Sturm-Liouville

(1.27), sendo a maioria delas singular: i. Equação de Legendre e associada de Legendre((1− x2)y′

)′+

(l(l + 1)− m2

1− x2

)y = 0

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COMPLEMENTOS 15

em (−1, 1) com p(x) = 1− x2 e q(x) = m2/(1− x2), m ∈ Z (com m = 0 temos a eq. de Legendre),

é singular nos pontos x = ±1; ii. Equação de Laguerre(xe−xy′

)′+ λe−xy = 0 ,

em (0,∞) com p(x) = xe−x, ρ(x) = e−x e λ ∈ R, é singular nos pontos x = 0 e ∞; iii. Equação

de Hermite (e−x

2

y′)′

+ λe−x2

y = 0

em (−∞,∞) com p(x) = ρ(x) = e−x2e λ ∈ R, é singular nos pontos x = ±∞.

1.4. Existência de autovalores. Por simplicidade, considere o Problema de SturmLiouville :

u′′ + (λρ(x)− q(x))u = 0 (1.35)

regular em [a, b] com condição de contorno de Dirichlet

u(a) = u(b) = 0 . (1.36)

Veremos nesta subseção como os resultados anteriores devido a Sturm permitem provar a existênciade uma innidade de autovalores e autofunções correspondentes. O objetivo é mostrar a seguinte

Proposição 1.23. Os autovalores do Problema de SturmLiouville regular em [a, b] dado por (1.35)

e (1.36) formam uma sequência λ0 < λ1 < · · · < λn < · · · tal que limn→∞ λn =∞.

A menos de um fator constante, existe apenas uma autofunção un(x) associada a cada λn e un(x)

tem exatamente n zeros em (a, b).

A prova deste resultado envolve vários Lemas preparatórios a seguir. Veremos ao nal como(1.35) está relacionada a forma geral da equação (1.27).Para cada λ ∈ R, seja uλ(x) a única solução de (1.35) com

uλ(a) = 0 e u′λ(a) = 1

e considere a aplicação

N : R −→ Z+ = 0, 1, . . .λ 7−→ N(λ)

que associa a cada λ o número de zeros de uλ(x) no intervalo semiaberto (a, b].

Lema 1.24. (i) λ > ν implica N(λ) ≥ N(ν); (ii) Se uλ(b) = 0, então N é descontínua no ponto

λ.

Prova. Se λ > ν, então devido a ρ(x) > 0 temos λρ(x) − q(x) > νρ(x) − q(x). Pelo Teorema dacomparação 1.13 (com νρ(x)−q(x) no lugar de q(x) e λρ(x)−q(x) no lugar de q(x)) uλ(x) se anulapelo menos uma vez entre dois zeros consecutivos de uν(x). Como em x = a ambos uλ(x) e uν(x)

se anulam, o número de zeros de uν em (a, b) é menor ou igual ao número de zeros de uλ nesteintervalo, que implica a desigualdade do ítem (i).Para o ítem (ii), se uλ(b) = 0, então ν < λ implica, pelo ítem (i),

N(ν) ≤ N(λ)− 1

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COMPLEMENTOS 16

provando que N é discontínua no ponto λ.

Lema 1.25. (i) 0 ∈ N(R) onde N(R) = R(N) é o conjunto imagem de N . (ii) limλ→∞N(λ) =

∞.

Prova. Se λ é tal que λρ(x)− q(x) ≤ 0 em [a, b], então pela Proposição 1.14 segue-se que uλ não seanula em [a, b]. Isto é, N(λ) = 0 para λ ≤ λ0 onde λ0 é o maior λ tal que a desigualdade anterioré satisfeita.Para o ítem (ii), se λ é tal que

λρ(x)− q(x) ≥ n2π2

(b− a)2

em [a, b], então pelo ítem (i) da Proposição 1.15, uλ tem pelo menos n zeros no intervalo [a, b], ouseja,

N(λ) ≥ n .

Como n ∈ Z+ é arbitrário e ρ(x) e q(x) é contínua em um intervalo fechado e limitado, isto provaa segunda asserção.

Lema 1.26. N é contínua à direita e λ é um ponto de discontinuidade se, e somente se, uλ(b) = 0.

Neste caso

N(λ)− limν↑λ

N(ν) = 1 . (1.37)

Prova. O caso N(λ) ≡ 0 é trivial. Seja λ ∈ R e suponha que

N(λ) = m ≥ 0 .

Sejama = x0 < x1 < · · · < xm ≤ b

os zeros da função uλ(x) em [a, b]. Como u′λ(x0) = 1 6= 0, . . ., u′λ(xm) 6= 0, existem ε1 > 0 e δ > 0

tais que seMi = x ∈ [a, b] : |x− xi| < δ

e

M =m⋃i=0

Mi ,

então x ∈ M implica |u′λ(x)| > ε1. Além disso, se uλ(b) 6= 0 (isto é, xm 6= b) podemos supor queδ < b− xm. Seja

ε2 = inf |uλ(x)| : x ∈ [a, b] \M > 0 ,

e observe que x ∈ [a, b] \M implica |uλ(x)| > ε2. Pela continuidade e diferenciabilidade (isso nãofoi demonstrado no texto do Djairo e Aloizio) das soluções de (1.35) em relação a λ, resulta que∃ r > 0 tal que

|uλ(x)− uν(x)| < ε2

|u′λ(x)− u′ν(x)| < ε1

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COMPLEMENTOS 17

para todo x ∈ [a, b], se |λ− ν| < r, pelo teorema do valor médio: para cada x ∈ [a, b], existe

λ ∈ [ν, λ] tal que uλ − uν =

∫ λ

ν

duα/dα dα = (λ − ν)uλ e o mesmo para u′λ − u′ν . Para ν nestas

condições, se x ∈ [a, b] \M então uν(x) 6= 0 e tem o mesmo sinal de uλ. Além disso, uν(x) tem nomáximo um zero em cada um dos Mi, pois u′ν não se anula em M .Logo, por conta do sinal de uν(x) que concorda com uλ(x) em [a, b] \M , uν(x) tem exatamente

um zero em cada Mi, 0 ≤ i ≤ m em− 1 ≤ N(ν) ≤ m .

Pelo ítem (i) do Lema 1.24, temos que N é contínua à direita em λ e se λ é um ponto de discon-tinuidade de N , então temos (1.37). Se uλ(b) 6= 0, existe um zero de uν(x) em Mm e N(ν) = m,provando a continidade de N em λ.

Segue dos Lemas 1.24, 1.25 e 1.26 que os pontos λ0 < λ1 < · · · < λn < · · · de descontinuidade

de N(λ) formam uma sequência innita satisfazendo

(1) λ < λ0, uλ(x) não se anula em (a, b];(2) Para n ≥ 1, se λn−1 < λ < λn, então uλ(x) tem exatamente n zeros em (a, b) mas uλ(b) 6= 0;(3) Para todo n ≥ 0, uλn(x) tem exatamente n zeros em (a, b) e uλn(b) = 0;(4) limn→∞ λn =∞.

Prova da Proposição 1.23. Os autovalores do Problema de SturmLiouville (1.35) e (1.36) coinci-dem com as discontinuidades λn's de N(λ), que formam uma sequência innita, e as autofunçõescorrespondentes são dadas pelas funções uλn(x), n = 0, 1, 2, . . ., com n zeros no intervalo (a, b).

Observação 1.27. Considere a equação (1.27) para o problema de SturmLiouville regular em [a, b]

com a condição de contorno (1.36) de Dirichlet. Fazendo a mudança da variável independente x

para

w(x) =

∫ x

a

ds

p(s)

reduzimos a equação (1.27) em uma equação do tipo (1.35) regular em [0, w(b)] (veja Exercício 1.b

da sexta lista de exercícios).

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COMPLEMENTOS 18

2. O Problema de Sturm-Liouville

Consideremos o operador diferencial linear de segunda ordem

Lλ[u] = L0[u]− λρ(x)u (2.1)

eL0[u] = − (p(x)u′)

′+ q(x)u , (2.2)

onde p : [a, b] −→ R é continuamente diferenciável, q, ρ : [a, b] −→ R são contínuas com p(x) > 0

e ρ(x) > 0 para x ∈ [a, b], atuando sobre espaço vetorial de funções u : [a, b] −→ R da classe C 2

sujeitas às condições de fronteira autoadjuntas:

F1[u] = αu(a) + βu′(a)

F2[u] = γu(b) + δu′(b) (2.3)

com α, β, γ e δ reais tais que

|α|+ |β| 6= 0 e |γ|+ |δ| 6= 0 . (2.4)

Denição 2.1. O problema de Sturm-Liouville consiste em achar uma função u = u(x) que é

solução do sistema de equações

Lλ[u] = f(x) (2.5)

em [a, b] e

F1[u] = F2[u] = 0 , (2.6)

com f : [a, b] −→ R uma função contínua.

Dizemos que λ é um autovalor do problema de Sturm-Liouville se a equação homogênea

Lλ[y] = L0[y]− λρ(x)y = 0

tem uma solução y = y(x), não identicamente nula, que satisfaz a condição de fronteira (2.6). A

solução y chama-se autofunção correspondente ao autovalor λ.

2.1. Considerações Algébricas. Faremos um sumário das propriedades algébricas do problemade SturmLiouville, algumas já mencionada na Seção 1 outras tocadas brevemente e aprofundadasmais adiante na presente seção.Identidade de Lagrange e suas consequencias.

Proposição 2.2. Dados u, v ∈ C 2(a, b), então vale a indentidade de Lagrange

〈v, L0[u]〉 − 〈L0[v], u〉 = p(b)W (u, v; b)− p(a)W (u, v; a) . (2.7)

Prova. Temos

vL0[u]− L0[v]u = v (p(x)u′)′ − (p(x)v′)

′u

= (v (p(x)u′)− (p(x)v′)u)′

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COMPLEMENTOS 19

e, pelo teorema fundamental do cálculo ,∫ b

a

(vL0[u]− L0[v]u) dx =

∫ b

a

(v (p(x)u′)− (p(x)v′)u)′dx

= p(x) (u(x)v′(x)− v(x)u′(x))|ba (2.8)

de onde se conclui, juntamente com a denição (1.14), a demonstração da proposição.

Proposição 2.3. Sejam duas funções u, v ∈ C (2)(a, b) satisfazendo as condições de fronteira (2.6)

(ou p(a) = p(b) = 0 para o problema singular), então temos p(b)W (u, v; b) = p(a)W (u, v; a) = 0 e

〈v, L0[u]〉 = 〈L0[v], u〉 .

O operador L0 neste caso é dito ser formalmente autoadjunto.

Prova. Se u e v satisfazem (2.6), então o sistema

αu(a) + βu′(a) = 0

αv(a) + βv′(a) = 0

para as incógnitas (α, β) tem uma solução não trivial: (α, β) 6= (0, 0), por hipótese. Disso segueque

W (u, v; a) =

∣∣∣∣∣ u(a) v(a)

u′(a) v′(a)

∣∣∣∣∣ = u(a)v′(a)− v(a)u′(a) = 0 ,

e o mesmo ocorre para a outra extremidade: W (u, v; b) = 0, de onde se conclui, juntamente com(2.7), a demonstração da proposição.

Proposição 2.4. (i) Todos os autovalores do problema de SturmLiouville (2.1)-(2.3) são reais.

(ii) Toda autofunção correspondente a um dado autovalor λ deste problema e combinação linear

de autofunções reais.

Prova. Seja L0[y] = λρ(x)y com y(x) não identicamente nula. Então L0[y] = λρ(x)y. Por (2.8),temos

0 =

∫ b

a

(yL0[y]− L0[y]y) dx

=

∫ b

a

(yλρ(x)y − λρ(x)yy

)dx = (λ− λ)

∫ b

a

|y(x)|2 ρ(x)dx

e como a integral não se anula pela hipótese de y ∈ C 2[a, b] ser não trivial, concluimos que λ = λ.Para o ítem (ii), seja y = v+ iw 6= 0 uma autofunção do problema de SturmLiouville correspon-

dente ao autovalor λ. Como as funções p(x), q(x) e ρ(x) e parâmetros λ, α, β, δ e γ que denemo problema (2.1)-(2.3) são reais, segue imediatamente da linearidades das equações

L0[v + iw] = L0[v] + iL0[w] = λ (v + iw)

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COMPLEMENTOS 20

eFj[v + iw] = Fj[v] + iFj[w] = 0 , j = 1, 2

que as funções reais u e v são autofunções do problema correspondentes ao mesmo autovalor λ.

Proposição 2.5. As autofunções (reais) do problema de SturmLiouville (2.5) e (2.6) correspon-

dentes a autovalores distintos são ortogonais relativamente a ρ(x), isto é, se L0[y1] = λρ(x)y1 e

L0[y2] = µρ(x)y2, com λ 6= µ, então

〈y1, y2〉ρ =

∫ b

a

y1(x)y2(x)ρ(x)dx = 0 .

Prova. Segue da Proposição 2.4 que λ e µ e auto funções associadas y1 e y2 são reais e, de (1.29) eProposição 2.3 que

(λ− µ)

∫ b

a

y1(x)y2(x)ρ(x)dx = p(x) (y1(x)y′2(x)− y′1(x)y2(x))|ba = 0

concluindo a demonstração.

Enumerabilidade dos autovalores. A nalidade deste parágrafo é esboçar uma prova que as auto-funções ortogonais (e, consequentemente, os autovalores a estes associados) do probema de SturmLiouville formam um conjunto enumerável. Argumentaremos ainda que este conjunto é completono sentido que a solução y(x) de (2.5) e (2.6), quando λ não é um autovalor, pode ser expressapor uma série de autofunções do problema, uniformemente convergente e convergente em médiaquadrática. Estes resultados serão demonstrados no Teorema , fundamental deste parágrafo.Lembremos de nossa leitura do texto Espaços Métricos de Elon L. Lima, que uma coleção

B de abertos em um espaço métrico (M,d) chama-se uma base quando todo aberto A ⊂ M seexprime como uma união A =

⋃α

Bα de conjuntos Bα ∈ B. Isto é equivalente a dizer que, dados

arbitrariamente um aberto A de M e x ∈ A, existe B ∈ B tal que x ∈ B ⊂ A. Em particular,diz-se que M tem uma base enumerável quando existe uma coleção B = B1, B2, . . . , Bn, . . .de abertos de M tais que todo aberto de M é a união de Bn's. Lembremos que um subconjuntoE ⊂ M diz-se denso em M quando E = M , isto é, quando todo ponto de M é limite de umsequência de pontos de E. Veja pág. 305 do texto para a demonstração da caracterização a seguir:

Proposição 2.6. As seguintes armações com respeito a um espaço métrico (M,d) são equivalen-

tes:

(1) M contém um subconjunto enumerável denso;

(2) M possui uma base enumerável de abertos;

(3) Toda cobertura aberta de M admite uma subcobertura enumerável.

Proposição 2.7. Os autovalores do problema de Sturm-Liouville formam um conjunto enumerável.

Prova. Pela Proposição 2.5, aos autovalores corresponde autofunções ortogonais aos pares da classeC 2(a, b) e, portanto, de quadrado integrável. A coleção das funções contínuas de quadrado integrá-veis CL2(ρ)(a, b) forma um espaço vetorial e, portanto, métrico cuja métrica d2(f, g) = ‖f − g‖2,ρ =

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COMPLEMENTOS 21√∫ b

a

(f(x)− g(x))2 ρ(x)dx, para quaisquer duas funções f, g : [a, b] −→ R, é induzida pela norma

no espaço CL2(ρ)(a, b). Como este espaço é separável (pois o espaço C (a, b) com a métrica da con-vergência uniforme, que tem uma topologia mais na que CL2(ρ)(a, b), o é) então o conjunto detodos autovetores ortogonais é necessariamente enumerável.

Seja (λn)n≥1 a sequência de autovalores do problema de SturmLiouville e (yn(x))n≥1 a sequência

das autofunções correspondentes. Admitindo que os yn's formam uma base ortonormal de CL2(a, b):〈ym, yn〉ρ = δm,n, podemos então resolver formalmente o problema (2.5) e (2.6): seja

y(x) =∑n≥1

cnyn(x)

cn = 〈y, yn〉ρ .

Por linearidade das equações, temos

L0[y] =∑n≥1

cnL0[yn] =∑n≥1

cnλnρ(x)yn

e, por conseguinte, Lλ[y] = f implica

L0[y]− λρ(x)y = ρ(x)∑n≥1

cn (λn − λ) yn(x)

= f(x)

= ρ(x)∑n≥1

〈fρ, yn〉ρyn(x)

= ρ(x)∑n≥1

〈f, yn〉yn(x) (2.9)

pois

〈fρ, yn〉ρ =

∫ b

a

f(x)

ρ(x)yn(x)ρ(x)dx =

∫ b

a

f(x)yn(x)dx = 〈f, yn〉 .

Igualando as duas séries em (2.9), temos cn (λn − λ) = 〈f, yn〉 por ortogonslidade dos yn's, isto é

cn =〈f, yn〉

(λn − λ)

e, portanto,

y(x) =∑n≥1

〈f, yn〉(λn − λ)

yn(x)

se λ 6= λn para todo n. Esta fórmula será deduzida novamente, veja ítem (e) do Teorema 2.15, porintermédio de uma equação integral equivalente com informação sobre a sua convergência.

2.2. Operador integral inverso a L0 seu núcleo integral de Green. Vamos a seguir assumirque λ = 0 não é um autovalor do problema (2.5) e (2.6).

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COMPLEMENTOS 22

Teorema 2.8. Existe uma função G : [a, b] × [a, b] −→ R contínua tal que, dado f ∈ C [a, b],

u ∈ C 2[a, b] é solução do sistema

L0[u] = f(x) , x ∈ [a, b] (2.10)

e

F1(u) = F2(u) = 0 , (2.11)

se, e somente se,

u(x) =

∫ b

a

G(x, y)f(y)dy . (2.12)

A função G chama-se função de Green do problema.

Prova. Estabeleceremos, primeiramente, a existência de uma solução da forma (2.12). A demons-tração divide-se em duas partes.a. Construção da função de Green. Seja φi = φi(x), i = 1, 2, uma solução real nãonula deL0[φi] = 0, satisfazendo Fi[φi] = 0.Observe que φ1(x) e φ2(x) são L. I. pois, do contrário, seriam proporcionais: φ2(x) = kφ1(x).

Por denição, se φi, i = 1, 2 satisfaz L0[φi] = 0 e Fi[φi] = 0, então φ = φ2 = kφ1, com k ∈ R, énãonula, satisfaz L0[φ] = 0 e F1[φ] = F2[φ] = 0. Pela Denição 2.1, φ seria uma autofunção doproblema associada ao autovalor λ = 0, em contradição com a hipótese assumida anteriormente.Procuremos a função G da forma

G(x, y) =

G1(x, y) = cφ1(x)φ2(y) se a ≤ x ≤ y

G1(x, y) = cφ2(x)φ1(y) se y ≤ x ≤ b(2.13)

com c = c(y) uma constante a ser determinada, como veremos a seguir, por uma condição sobre aderivada ∂G/∂x de G em x = y.Quando a variável y é mantida xa, escremos Gy(x) = G(x, y). Temos assegurado que

L0[Gy](x) = 0 , ∀x 6= y

Fi[Gy] = 0 , i = 1, 2 , (2.14)

pois, por linearidade, L0[Gy](x) = cφ2(y)L[φ1](x) = 0 se x < y, L0[Gy](x) = cφ1(y)L[φ2](x) = 0 sex > y, F1[Gy] = cφ2(y)F1[φ1] = 0 e F2[Gy] = cφ1(y)F2[φ2] = 0.Observe que (2.13) é contínua em R = [a, b]×[a, b], incluindo a diagonal L = (x, y) ∈ R : x = y:

G1(y, y) = cφ1(y)φ2(y) = G2(y, y) , y ∈ [a, b] .

Mas exigir continuidade da derivada ∂G(x, y)/∂x em mathcalL implica, como veremos, que afunção de Green (2.13) é trivial. Para xar o valor da constante c = c(y), vamos adotar a condição

∆G(y) =−1

p(y)(2.15)

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COMPLEMENTOS 23

onde ∆G(y) denota o salto da derivada ∂G/∂x da função de Green G em (x, y) ao se aproximarde L horizontalmente de ambos os lados.Temos

∆G(y) =∂G

∂x(x, y)

∣∣∣∣x=y+0

− ∂G

∂x(x, y)

∣∣∣∣x=y−0

=∂G2

∂x(y, y)− ∂G1

∂x(y, y)

= c (φ1(y)φ′2(y)− φ′1(y)φ2(y))

= cW (φ1, φ2; y) .

Como a função Wronskiana W (φ1, φ2; y) de φ1 e φ2 para algum ponto y é diferente de 0 (pois docontrário seriam L. D. e, portanto, proporcionais: φ2 = kφ1, em contradição com λ = 0 não serautovalor), obtemos de (2.15) que

c(y) =−1

p(y)W (φ1, φ2; y).

Vamos mostrar que pW = −c−1 é, de fato, constante em y. Diferenciando esta quantidadejuntamente com L0(φi) = − (p(y)φ′i)

′ + q(y)φi = 0, i = 1, 2, temos

(pW )′ = p′W + pW ′

= p′ (φ1φ′2 − φ′1φ2) + p (φ1φ

′′2 − φ′′1φ2)

= − (pφ′′1 + p′φ′1)φ2 + φ1 (pφ′′2 + p′φ′2)

= −qφ1φ2 + qφ1φ2 = 0 .

Logo c(y) assume o mesmo valor para todo y ∈ [a, b], o qual xamos igual a

c =−1

p(a)W (φ1, φ2; a). (2.16)

Substituindo c em (2.13), resulta

G(x, y) =

φ1(x)φ2(y)

−p(a)W (φ1, φ2; a)se a ≤ x ≤ y

φ1(y)φ2(x)

−p(a)W (φ1, φ2; a)se y ≤ x ≤ b

(2.17)

de onde se conclui que G é simétrica:

G(x, y) = G(y, x) . (2.18)

Em vista de (2.18), (2.15) e (2.16), o salto ∆G(x) da derivada da função de Green quando nosaproximamos verticalmente de L é

∆G(x) =∂G

∂x(x, y)

∣∣∣∣y=x−0

− ∂G

∂x(x, y)

∣∣∣∣y=x+0

=−1

p(x). (2.19)

Passemos à segunda parte.

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COMPLEMENTOS 24

b. Vericação de que (2.12) resolve ( 2.10) e (2.11). Lembremos que as condições de fronteira(2.11) já estão asseguradas por (2.14). Temos

u(x) =

∫ x

a

G2(x, y)f(y)dy +

∫ b

x

G1(x, y)f(y)dy . (2.20)

Diferenciando esta expressão, usando o teorema fundamental do cálculo,

u′(x) =

∫ x

a

∂G2

∂x(x, y)f(y)dy +G2(x, x)f(x) +

∫ b

x

∂G1

∂x(x, y)f(y)dy −G1(x, x)f(x)

=

∫ x

a

∂G2

∂x(x, y)f(y)dy +

∫ b

x

∂G1

∂x(x, y)f(y)dy

pela continuidade de G(x, y) e f(x). Diferenciando novamente,

u′′(x) =

∫ x

a

∂2G2

∂x2(x, y)f(y)dy +

∂G2

∂x(x, x)f(x) +

∫ b

x

∂2G1

∂x2(x, y)f(y)dy − ∂G1

∂x(x, x)f(x) .

Multiplicando u, u′ e u′′ respectivamente por q(x), −p′(x) e −p(x), somando em seguida os termos,resulta da denição (2.2) e (2.19)

L0[u](x) =

∫ x

a

L0[G2y](x)f(y)dy +

∫ b

x

L0[G1y](x)f(y)dy − p(x)∆G(x)f(x)

= f(x) . (2.21)

A solução das equações (2.10) e (2.11) é necessariamente da forma (2.12), contanto que a soluçãodo problema seja única. Suponha, por contradição, que existam duas soluções u1 e u2 de (2.10) e(2.11). Segue da linearidade das equações que u = u1 − u2 satisfaz L0[u] = 0 e F1[u] = F2[u] = 0

que, pela hipótese de λ = 0 não ser autovalor, tem apenas a solução trivial: u ≡ 0, provando aunicidade de (2.12) e concluindo a demonstração.

Observação 2.9. A demonstração do teorema mostra que a aplicação

f ∈ C [a, b] 7−→ u = G f ∈ C 2[a, b]

onde

G f(x) =

∫ b

a

G(x, y) f(y) dy (2.22)

é o operador integral com núcleo G(x, y), é contínua. Esse fato pode ser demonstrado pelo teorema

do gráco fechado: se o gráco (f,G f), f ∈ C ([a, b]), é fechado em C [a, b] × C 2[a, b], então G

é contínua (na métrica do supremo ou de quadrado integrável). Veremos que a aplicação G é

equicontínua e esse fato irá determinar as propriedades dos autovlores e autofunções do problema

de SturmLiouville.

Exemplo 2.10. Considere a equação

−u′′ = f(x) ,

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COMPLEMENTOS 25

em [a, b] com u(a) = u(b) = 0 e f ∈ C ([a, b]). Sabemos que λ = 0 não é um autovalor do problema:

L0[u] = −u′′ = λu, com F1[u] = u(a) = 0 e F2[u] = u(b) = 0, cujos autovalores e autofunções

correspondentes são: λn = n2π2/(b− a)2 e ϕn =√

2 sinnπ(x− a)/(b− a), n ∈ N.Seja φi(x), i = 1, 2, uma solução de L0[φi] satisfazendo Fi(φi) = 0:

φ1(x) = x− aφ2(x) = x− b .

Temos

W (φ1, φ2;x) =

∣∣∣∣∣ x− a x− b1 1

∣∣∣∣∣ = b− a 6= 0 .

A função de Green do problema é dada por (2.17):

G(x, y) =

−(x− a)(y − b)

b− ase a ≤ x ≤ y

−(y − a)(x− b)b− a

se y ≤ x ≤ b

e podemos facilmente vericar que

u(x) =b− xb− a

∫ x

a

(y − a)f(y)dy +x− ab− a

∫ b

x

(b− y)f(y)dy

satisfaz as equações do problema, sendo esta sua única solução.

Exemplo 2.11. Considere a equação

−u′′ − u = f(x) ,

em [0, π] com u(0) = u′(π) = 0. Sabemos que λ = 0 não é um autovalor do problema: L0[u] =

−u′′ − u = 0, com F1[u] = u(0) = 0 e F2[u] = u′(π) = 0. A solução geral da equação homogênea

correspondente e sua derivada

u(x) = A cosx+B sinx

u′(x) = −A sinx+B cosx ,

juntamente com as condições de fronteira: F1[u] = A = 0 e F2[u] = B cos π = −B = 0, fornecem

somente a solução trivial para λ = 0.

Seja φi(x), i = 1, 2, uma solução de L0[φi] satisfazendo Fi[φi] = 0:

φ1(x) = sinx

φ2(x) = cosx .

Temos

W (φ1, φ2;x) =

∣∣∣∣∣ sinx cosx

cosx − sinx

∣∣∣∣∣ = −1 6= 0 .

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COMPLEMENTOS 26

A função de Green do problema é dada por (2.17):

G(x, y) =

sinx cos y se 0 ≤ x ≤ y

sin y cosx se y ≤ x ≤ π

e podemos facilmente vericar que

u(x) = cos x

∫ x

0

sin y f(y)dy + sinx

∫ π

x

cos y f(y)dy

satisfaz as equações do problema, sendo esta sua única solução. De fato,

u′(x) = − sinx

∫ x

0

sin y f(y)dy + cosx

∫ π

x

cos y f(y)dy

e

u′′(x) = − cosx

∫ x

0

sin y f(y)dy − sin2 xf(x)− sinx

∫ π

x

cos y f(y)dy − cos2 xf(x)

= −u(x)− f(x) .

2.3. A equação integral do Problema de Sturm-Liouville. Uma consequência desse teoremaé a equivalência entre o problema de Sturm-Liouville (veja Denição 2.1) e a solução de uma equaçãointegral, similar em espírito à equivalência do problema de valor inicial para equações diferenciaisde primeira ordem e a equação integral correspondente. Estendemos, para isso, a denição dooperador integral incluindo o peso ρ:

Gρf(x) =

∫ b

a

G(x, y) f(y) ρ(x) dy (2.23)

de modo que G1 = G , dado por (2.22), seja um caso particular com ρ ≡ 1.A aplicação

f ∈ CL2(ρ)[a, b] 7−→ u = Gρf ∈ C 2L2(ρ)[a, b]

atua sobre o espaço métrico(CL2(ρ)[a, b], d2

)das funções f : [a, b] −→ C contínuas de quadrado

integrável em relação ao peso ρ(x):∫ b

a

|f(x)|2 ρ(x)dx := ‖f‖22,ρ <∞ ,

munido de um produto interno com peso ρ(x):

〈f, g〉ρ :=

∫ b

a

f(x)g(x)ρ(x)dx ,

e cuja norma ‖f‖22,ρ = 〈f, f〉ρ dene a métrica d2(f, g) = ‖f − g‖2,ρ.

Proposição 2.12. u ∈ C 2[a, b] é solução do problema de SturmLiouville (2.5) e (2.6) se, e

somente se, satisfaz a equação integral

u(x)− λGρu(x) = g(x) (2.24)

com g(x) = G f(x).

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COMPLEMENTOS 27

Prova. Pelo Teorema 2.8, u é solução do problema L0[u] = λρu + f com F1[u] = F2[u] = 0 se, esomente se, u satisfaz

u(x) =

∫ b

a

G(x, y) (λρ(y)u(y) + f(y)) dy ,

concluindo a prova da proposição.

Corolário 2.13. (a) λ é autovalor do problema de SturmLiouville (2.5) e (2.6) se, e somente se,

1/λ é autovalor de Gρ. (b) u é autofunção do problema de SturmLiouville correspondente a λ se,

e somente se, u é autofunção de Gρ correspondente a 1/λ.

Prova. Segue da proposição anterior com f = 0, juntamente com a Denição 2.1, que u é autofunçãodo problema de SturmLiouville correspondente ao autovalor λ se, e somente se (faça g = G f = 0

em (2.24)),

Gρu(x) =1

λu(x) ,

concluindo a demonstração.

Sendo o núcleo G(x, y) do operador Gρ real e simétrico: G(x, y) = G(y, x), (2.23) dene umoperador Hermitiano:

〈Gρf, g〉ρ = 〈f,Gρg〉ρ , ∀ f, g ∈ CL2(ρ)[a, b] .

De fato, ∫ b

a

Gρf(x)g(x)ρ(x)dx =

∫ b

a

(∫ b

a

G(x, y)f(y)ρ(y)dy

)g(x)ρ(x)dx

=

∫ b

a

f(y)

(∫ b

a

G(y, x)g(x)ρ(x)dx

)ρ(y)dy

=

∫ b

a

f(y)Gρg(y)ρ(y)dx

onde na segunda igualdade usamos a simetria de G(x, y) e o teorema de Fubini para trocar a ordemde integração. Note que o integrando é contínuo em [a, b]× [a, b] e, portanto, a integral é uniformee absolutamente convergente.

Corolário 2.14. (a) Todo autovalor λ do problema de SturmLiouville é real e tem uma autofunção

correspondente real.

Prova. Se u é uma solução não trivial de L0[u] = λρu com F1[u] = F2[u] = 0, então u é soluçãonão trivial de L0(u) = λρu com F1[u] = F2[u] = 0. Pelo Corolário 2.13, temos

Gρu =1

λu , Gρu =

1

λu

e

0 = 〈Gρu, u〉ρ − 〈u,Gρu〉ρ =

(1

λ− 1

λ

)〈u, u〉ρ =

λ− λ|λ|2

‖u‖22,ρ

implica que λ = λ. A segunda parte segue da Proposição 2.4.

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COMPLEMENTOS 28

Solução do problema de SturmLiouville e suas propriedades. Mais adiante iremos mostrarque Gρ, denido em C [a, b] ou em CL2(ρ)[a, b], é um operador compacto e estudaremos as propri-edades espectrais destes operadores. A aplicação da teoria espectral de operadores compactos aoproblema de SturmLiouville produz o seguinte

Teorema 2.15. Considere o problema de SturmLiouville

Lλ[u] = − (p(x)u′)′+ (q(x)− λρ(x))u = f(x) (2.25)

e

F1[u] = F2[u] = 0 (2.26)

onde Lλ, F1 e F2 satisfazem as condições adotadas em (2.1)-(2.3). Então,

(a) Os autovalores do problema, isto é, λ's para os quais uma solução u 6= 0 de Lλ[u] = 0,

juntamente com (2.26), exista, formam uma sequencia innita crescente (λn)n≥1 de números

reais tais que

limn→∞

λn =∞ (2.27)

e ∑n≥1

1

λn<∞ (2.28)

(i. e. Gρ é compacto da classe traço).

(b) Cada autovalor λn tem multiplicidade 1, isto é, o espaço vetorial N (Lλ) invariante pela

ação de Lλ tem dimensão 1; xando uma autofunção real ϕn tal que

‖ϕn‖22,ρ =

∫ b

a

ϕn(x)2ρ(x)dx = 1 ,

então qualquer outra autofunção correspondente a λn é multipla de ϕn.

(c) A sequência (ϕn)n≥1 forma uma base ortonormal do espaço pré-Hilbertiano CL2(ρ)[a, b].

(d) Para toda função u ∈ C 2[a, b] tal que F1[u] = F2[u] = 0, temos

u(x) =∞∑n=1

cnϕn(x)

onde os cn's são coecientes de Fourier em relação a base ortonormal:

cn = 〈u, ϕn〉ρ =

∫ b

a

u(x)ϕn(x)ρ(x)dx ,

sendo a série uniformemente e absolutamente convergente em [a, b].

(e) Seja λ 6= λn para todo n ∈ N e f ∈ C [a, b]. O problema de SturmLiouville (2.25) e (2.26)

tem uma, e só uma solução u dada por

u(x) =∑n≥1

〈f, ϕn〉λn − λ

ϕn(x) ,

sendo a série uniformemente e absolutamente convergente em [a, b].

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COMPLEMENTOS 29

(f) Se λ = λm para algum m ∈ N, dado f ∈ C [a, b], o problema de SturmLiouville (2.25) e

(2.26) tem solução se, e somente se, 〈f, ϕm〉 = 0, isto é,∫ b

a

f(x)ϕm(x)dx = 0 .

Neste caso a solução u(x) é como no ítem (e), sendo arbitrária a componente cm de ϕm.

Prova de (a). Provamos (2.27) na Proposição 1.23 para o caso particular (1.35) e (1.36). PeloCorolário 2.13 e o fato de Gρ ser compacto, os autovalores 1/λn de Gρ só podem acumular em 0.Logo (2.27) para o problema de SturmLiouville (2.25) e (2.26) segue de limn→∞(1/λn) = 0.Antes de provar que 1/λn tende a 0 de forma somável, vamos primeiramente mostrar que∑

n≥1

1/λ2n < ∞. Para isso, iremos aplicar a desigualdade de Bessel (como nas séries de Fourier

- consulte a Sec. 3.5 de Análise de Fourier e equações diferenciais parciais, Djairo G. de Figuei-redo) à função

y 7−→ G(x, y) .

O nésimo coeciente de Fourier desta função, mantendo x ∈ (a, b) xo, é

cn = 〈G(x, ·), ϕn〉ρ

=

∫ b

a

G(x, y)ϕn(y)ρ(y)dy = (Gρϕn) (x) .

Portanto ∑n≥1

|cn|2 ≤∫ b

a

G(x, y)2ρ(y)dy . (2.29)

Como Gρϕn = (1/λn)ϕn, pelo Corolário 2.13, reescrevemos (2.29) como∑n≥1

1

λ2n

ϕn(x)2 ≤∫ b

a

G(x, y)2ρ(y)dy (2.30)

e integrando na variável x, tendo em conta a normalização de ϕn, obtemos∑n≥1

1

λ2n

≤∫ b

a

∫ b

a

G(x, y)2ρ(x)dxρ(y)dy <∞

por G(x, y) ser uniformemente contínua em [a, b]× [a, b].Equação (2.28) é consequência do Teorema de Mercer (consulte Methods of Mathematical Phy-

sics por R. Courant e D. Hilbert, págs. 130-140):

G(x, y) =∑n≥1

1

λnϕn(x)ϕn(y) (2.31)

sendo a soma convergente uniformemente e absolutamente em [a, b], que veremos mais adiante.Integrando esta identidade em x e y, juntamente com a normalização dos ϕn's, temos∑

n≥1

1

λn=

∫ b

a

∫ b

a

G(x, y)ρ(x)dxρ(y)dy <∞ .

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COMPLEMENTOS 30

Prova de (b). Suponhamos que existam duas soluções u1(x) e u2(x) L. I. de Lλ[u] = 0 comF1[u] = F2[u] = 0 . Considere a função Wrosnskiana

W (u1, u2;x) =

∣∣∣∣∣ u1(x) u2(x)

u′1(x) u′2(x)

∣∣∣∣∣ .Como u1 e u2 são L. I. ,W 6= 0. Como (pW )′ = 0, segue que p(x)W (u1, u2;x) = p(a)W (u1, u2; a) 6=0. Porém, o sistema

F1[u1] = αu1(a) + βu′1(a) = 0

F1[u2] = αu2(a) + βu′2(a) = 0

para (α, β) tem solução não trivial (α, β) 6= (0, 0) devido a condição (2.4). Isto implica que(u1(a) u2(a)

u′1(a) u′2(a)

)(α

β

)=

(0

0

)tem solução não identicamente nula se, e somente se, W (u1, u2; a) = 0, em contradição com asuposição de u1 e u2 serem L. I.. Logo N(Lλ) = 1.

Prova de (c). A prova é análoga à prova do Teorema da base no contexto de séries de Fourier(consulte a Sec. 3.11 e veja Teorema 3.9 de Análise de Fourier e equações diferenciais parciais,Djairo G. de Figueiredo). Um sistema ortonormal (ϕn)n≥1 é dito completo se cada função g :

[a, b] −→ R da classe C[a, b] pode ser aproximada por uma série nitan∑k=1

ckϕk(x), em média

quadrática: ∥∥∥∥∥g −n∑k=1

ckϕk

∥∥∥∥∥2

2,ρ

=

∫ b

a

(g(x)−

n∑k=1

ckϕk(x)

)2

ρ(x)dx < ε

com precisão ε > 0 arbitráriamente pequena, tomando n sucientemente grande. Para um sistema

ortonormal completo a desigualdade de Bessel:

∥∥∥∥∥g −∞∑k=1

ckϕk

∥∥∥∥∥2

2,ρ

≥ 0 torna-se uma igualdade e,

consequentemente, para qualquer g ∈ C[a, b] a identidade de Parseval:∑n≥1

c2n = ‖g‖2

2,ρ ,

onde os cn = 〈g, ϕn〉ρ são os coecientes de Fourier de g, é satisfeita.

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COMPLEMENTOS 31

Prova de (d). Aplicando o Teorema 2.8 ao problema L0[u] = h(x) com F1[u] = F2[u] = 0, temos

u(x) = (G h) (x)

=

∫ b

a

G(x, y)h(y)dy

=

∫ b

a

G(x, y)h(y)

ρ(y)ρ(y)dy = (Gρh/ρ) (x) .

Se h/ρ ∈ CL2(ρ)[a, b], então pelo ítem (c),

h(x)

ρ(x)=

∑n≥1

cnϕn(x)

cn = 〈h/ρ, ϕn〉ρ (2.32)

e, consequentemente,

u(x) = (Gρh/ρ) (x) =∑n≥1

cn1

λnϕn(x) .

Vamos mostrar que, se h/ρ ∈ C [a, b], então a série para u(x) é uniformemente e absolutamenteconvergente em [a, b]. Note que u = (Gρh/ρ) é da classe C 2[a, b] se h/ρ ∈ C [a, b]. Pela desigualdadede Schwarz,

∑n≥1

∣∣∣∣cn 1

λnϕn(x)

∣∣∣∣ ≤(∑n≥1

|cn|2)1/2(∑

n≥1

1

λ2n

ϕn(x)2

)1/2

≤ ‖h/ρ‖2,ρ

(∫ b

a

G(x, y)2ρ(y)dy

)1/2

≤ ‖h/ρ‖2,ρ

√b− aM

onde usamos a identidade de Parseval:∑

n≥1 |cn|2 = ‖h/ρ‖2

2,ρ, a desigualdade de Bessel (2.30) eM2 = maxx,y∈[a,b] G(x, y)2ρ(y).

Prova de (e). Pela Proposição 2.12, Lλ[u] = L0[u] − λρ(x)u = f(x), juntamente com F1[u] =

F2[u] = 0, é equivalente a equação integral

u− λGρu = Gρf/ρ . (2.33)

Tomando o produto interno desta equação, em relação a ρ, com a né sima autofunção ϕn, resulta

〈u, ϕn〉ρ − λ〈Gρu, ϕn〉ρ = 〈Gρf/ρ, ϕn〉ρ

e, como Gρ é um operador autoadjunto e Gρϕn = 1/λnϕn, temos

〈u, ϕn〉ρ −λ

λn〈u, ϕn〉ρ =

1

λn〈f/ρ, ϕn〉ρ . (2.34)

Resolvendo para 〈u, ϕn〉ρ, obtemos

〈u, ϕn〉ρ =1

λn − λ〈f/ρ, ϕn〉ρ =

1

λn − λ〈f, ϕn〉 (2.35)

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COMPLEMENTOS 32

de onde se conclui que a solução de (2.33) é dada pela série

u(x) =∑n≥1

〈f, ϕn〉λn − λ

ϕn(x) (2.36)

convergente em média quadrática e, pelo mesmo argumento utilizado no ítem anterior, uniforme-mente e absolutamente convergente em [a, b].

Prova de (f). Supondo λ = λm, para algum m ∈ N, equação (2.34) com n = m implica

0 = λm

(〈u, ϕm〉ρ −

λmλm〈u, ϕm〉ρ

)= 〈f/ρ, ϕm〉ρ = 〈f, ϕm〉 .

Somando a equação (2.35) sobre n ∈ N\m, temos

u(x) =∑

n≥1,n 6=m

〈f, ϕn〉λn − λm

ϕn(x) , (2.37)

onde a convergência da série já foi discutida no ítem anterior. Portanto, uma solução geral doproblema de SturmLiouville não homogêneo quando λ = λm é dada por

u(x) =∑

n≥1,n 6=m

〈f, ϕn〉λn − λm

ϕn(x) + cmϕm(x) (2.38)

com cm ∈ R uma constante arbitrária. Aplicando o operador de SturmLiouville 1/ρLλ − λm àsolução u(x), obtemos

1

ρ(x)Lλ[u]− λmu =

∑n≥1,n 6=m

〈f, ϕn〉λn − λm

(λn − λm)ϕn(x)

=∑

n≥1,n 6=m

〈f, ϕn〉ϕn(x)

=∑n≥1

〈f, ϕn〉ϕn(x)

=∑n≥1

〈f/ρ, ϕn〉ρϕn(x) =f(x)

ρ(x)

onde usamos a ortogonalidade 〈f, ϕm〉 = 0.

2.4. Redução de uma forma quadrática Hermiteana aos eixos principais . Seja A = A∗

uma matriz n × n Hermiteana, onde A∗ é a matriz adjunta denida por 〈y, Ax〉 = 〈A∗y,x〉 paratodo x, y ∈ Cn. Considere a base e1, e2, . . . , en de Cn ortonormal: 〈ei, ej〉 = δij que diagonalizaa matriz A:

E∗AE = Λ

= diag (λi, i = 1, . . . , n) ,

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COMPLEMENTOS 33

onde λ1, λ2, . . . , λn enumera os autovalores de A contando multiplicidades e E = [e1e2 · · · en] é amatriz n× n unitária: E−1 = E∗, com os autovetores nas correspondentes colunas.Reduzimos a forma quadrática 〈y, Ax〉 aos eixos principais

〈y, Ax〉 =n∑i=1

λiyixi

=n∑i=1

λi〈y, ei〉〈ei,x〉

onde xi = 〈ei,x〉 e yi = 〈y, ei〉 = 〈ei,y〉 são as componentes do vetor x e y na base. Segueque a matriz A pode ser decomposta em termos de seus elementos espectrais: σ = λ1, λ2, . . . , λno conjunto de autovalores ou espectro e P1, P2, . . . , Pn a coleção de projetores nas direções dosautovetores correspondentes: Pi = 〈·, ei〉〈ei, ·〉 = eie

Ti :

A =n∑i=1

λi〈·, ei〉〈ei, ·〉

=n∑i=1

λiPi .

Em geral, se f é um polinômio ou uma função que pode ser expressa por uma série de potências,temos

f(A) =n∑i=1

f(λi)〈·, ei〉〈ei, ·〉

e, em particular,

I =n∑i=1

〈·, ei〉〈ei, ·〉

é a decomposição espectral da identidade. Entre todas as notações do projetor Pi preferimos〈·, ei〉〈ei, ·〉 por ser mais simples de estender para o espaço vetorial de funções.Considere o operador integral Gρ dado por (2.23). Do Teorema 2.15 extraímos que as autofunções

ϕn(x), n = 1, 2, . . ., associadas aos autovalores 1/λn's formam uma base ortonormal para o espaçovetorial CL2(ρ)[a, b]. Seja f , g ∈ CL2(ρ)[a, b], isto é, as normas ‖f‖2,ρ, ‖g‖2,ρ são ambas nitas. Sejamfn = 〈f, ϕn〉ρ e gn = 〈g, ϕn〉ρ as componentes de f e g na direção do nésima autofunção ϕn(x).Analogamente, reduzimos a forma quadrática 〈g,Gρf〉ρ aos eixos principais

〈g,Gρf〉ρ =∑n≥1

1

λngnfn

=∑n≥1

1

λn〈g, ϕn〉ρ〈ϕn, f〉ρ

de onde segue a decomposição espectral do operador integral

Gρ = L−10 ρ =

∑n≥1

1

λn〈·, ϕn〉ρ〈ϕn, ·〉ρ . (2.39)

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COMPLEMENTOS 34

Em termos de seu núcleo integral G(x, y), devido a

〈g,Gρf〉ρ =

∫ b

a

g(x) (Gρf) (x)ρ(x)dx

=

∫ b

a

∫ b

a

g(x)G(x, y)f(y)ρ(y)dyρ(x)dx ,

temos

G(x, y) =∑n≥1

1

λnϕn(x)ϕn(y) (2.40)

(compare com (2.31)), sendo que o traço de Gρ,

TrGρ =

∫ b

a

G(x, x)ρ(x)dx

=

∫ b

a

∑n≥1

1

λnϕn(x)2ρ(x)dx

=∑n≥1

1

λn

∫ b

a

ϕn(x)2ρ(x)dx

=∑n≥1

1

λn<∞

por G(x, x)ρ(x) ser uma função uniformemente contínua em [a, b]. A troca da integral com osomatório na terceira igualdade é justicada pela convergência uniforme da série (2.40), devido aoseguinte resultado

Teorema 2.16 (T. Mercer (1909)). Seja G(x, y) o núcleo do operador integral Gρ dado por (2.23).

Suponha G(x, y) simétrico e positivo denido, isto é, todos autovalores µn = 1/λn, n ≥ 1, positivos:

1/λn > 0 (com 0 o único ponto de acumulação por Gρ ser compacto). Então a série (2.40) que o

representa converge uniformemente e absolutamente em [a, b]× [a, b].

Prova. Armamos inicialmente que G(x, x) ≥ 0, ∀x ∈ [a, b]. Caso contrário, se G(x0, x0) < 0 emalgum ponto x0 ∈ (a, b), então G(x, x) < 0 em uma vizinhança Ix0 = (x0 − δ, x0 + δ), δ > 0, porcontinuidade, que contradiz o fato de G(x, y) ser positiva denida: 〈χ,Gρχ〉ρ ≥ 0 ao escolhermosuma função χ(x) = 1 para x ∈ Ix0 e χ(x) = 0 para x ∈ [a, b] \Ix0 .Observamos, além disso, que a função

H(x, y) = G(x, y)−n∑k=1

1

λkϕk(x)ϕk(y)

dene um núcleo de um operador integral Hρ:

Hρf(x) =

∫ b

a

H(x, y)f(y)ρ(y)dy

que é simétrico e positivo denido, para todo n ∈ N. Hρ é um operador denido no complementoortogonal CL2(ρ)[a, b]\Mk ao subespaço vetorial Mk gerado pelas autofunções ϕk(x), k = 1, . . . , nde Gρ, ortonormais com respeito ao produto interno 〈·, ·〉ρ com peso ρ(x). Como os autovalores

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COMPLEMENTOS 35

µk = 1/λk, k ∈ N, de Gρ são todos positivos os autovalores µk = 1/λk, k > n, de Hρ são igualmentepositivos.Segue destas observações que

H(x, x) = G(x, x)−n∑k=1

1

λkϕk(x)2 ≥ 0 , ∀x ∈ [a, b]

de onde se conclui que o somatórion∑k=1

1

λkϕk(x)2 ≤ max

x∈[a,b]G(x, x) <∞

é nito uniformemente em [a, b], para todo n ∈ N. Pela desigualdade de Schwarz, temos(n∑k=1

ϕk(x)√λk· ϕk(y)√

λk

)2

(n∑k=1

ϕk(x)2

λk

(n∑k=1

ϕk(y)2

λk

)sendo ambas as somas do lado direito uniformememente nitas em [a, b] × [a, b]. Segue destadesigualdade que a série (2.40) converge absolutamente e uniformemente em [a, b]× [a, b].

Observação 2.17. A convergência uniforme continua sendo válida se Gρ tiver um número nito

de autovalores negativos e esse é o caso dos operadores de SturmLiouville.

Segue da decomposição (2.39), que(1

ρL0 − λρ

)−1

= (L0 − λρ)−1 ρ =∑n≥1

1

λn − λ〈·, ϕn〉ρ〈ϕn, ·〉ρ (2.41)

(compare com 2.36).As decomposições espectrais do operadores (2.39) e (2.41) sugerem a seguinte denição de G que

torma explícita a construção da função de Green, agora para o problema (2.25) e (2.26) com λ 6= 0:

Denição 2.18. Considere λ 6= λn para todo n ≥ 1. A função G : [a, b]× [a, b] −→ R contínua é o

núcleo integral da solução de L0[u]−λρ(x)u = f(x), com condições de contorno F1[u] = F2[u] = 0:

u(x) =

∫ b

a

G(x, y)f(y)dy ,

se, e somente se,

(1) Para cada y ∈ (a, b), G(x, y) = Gy(x) é contínua em x, satisfaz F1[Gy] = F2[Gy] = 0;

(2) Se x 6= y, Gy(x) é da classe C 2[a, b] em x e

limxy

∂G

∂x(x, y)− lim

xy

∂G

∂x(x, y) =

−1

p(y);

(3) Se x 6= y, Gy(x) satisfaz1

ρ(x)L0[Gy]− λGy = 0.

Suponhamos que λ1 seja um autovalor do problema L0[u]−λρ(x)u = 0, juntamente com F1[u] =

F2[u] = 0 e f/ρ ∈ C [a, b] seja ortogonal à autofunção ϕ1(x) correspondente: 〈f/ρ, ϕ1〉ρ = 0. Então,

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COMPLEMENTOS 36

por (2.37),

u(x) =

(1

ρL0 − λ1

)−1f

ρ(x)

=∑n≥2

〈f/ρ, ϕn〉ρλn − λ1

ϕn(x)

=

∫ b

a

∑n≥2

ϕn(x)ϕn(y)

λn − λ1

f(y)

ρ(y)ρ(y)dy

=

∫ b

a

G(x, y)f(y)

ρ(y)ρ(y)dy (2.42)

e1

ρ(x)L0[u]− λ1u =

∫ b

a

∑n≥2

ϕn(x)ϕn(y)f(y)

ρ(y)ρ(y)dy

de onde se conclui que

1

ρ(x)L0[Gy]− λ1Gy =

∑n≥2

ϕn(x)ϕn(y) = −ϕ1(x)ϕ1(y) , x 6= y (2.43)

devido a completeza do sistema ortogonal (ϕn(x))n≥1:∑n≥1

ϕn(x)ϕn(y) = δ(x− y) , (2.44)

isto é, a função delta de Dirac é o núcleo integral do operador identidade (formalmente)

(I f/ρ) (x) =

∫ b

a

δ(x− y)f(y)

ρ(y)ρ(y)dy

=

∫ b

a

∑n≥1

ϕn(x)ϕn(y)f(y)

ρ(y)ρ(y)dy

=∑n≥1

〈f/ρ, ϕn〉ρ ϕn(x) = f/ρ(x) . (2.45)

Observação 2.19. Note que o núcleo integral denido em (2.42)

G(x, y) =∑n≥2

ϕn(x)ϕn(y)

λn − λ1

(2.46)

é simétrico com respeito a troca das variáveis x e y:

G(x, y) = G(y, x) . (2.47)

Note que a série (2.44) é uniformemente e absolutamente convergente em toda região fechada e

limitada (compacta) em R\L = (x, y) ∈ [a, b]× [a, b] : x 6= y. A troca entre a integral e soma

na equação (2.45]) é, portanto, justicada com exceção do ponto y = x.

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COMPLEMENTOS 37

Teorema 2.20. Suponha que L0[u] − λ1ρ(x)u = 0, juntamente com F1[u] = F2[u] = 0, tenha

solução não identicamente nula ϕ1(x) tal que ‖ϕ1‖2,ρ = 1. Existe uma função contínua

G : [a, b]× [a, b] −→ R

tal que, dado f/ρ ∈ C [a, b], u ∈ C 2 [a, b] é solução de Lλ1 [u] = f(x), com F1[u] = F2[u] = 0 se, e

somente se, 〈ϕ1, f〉 = 0 e

u(x) =

∫ b

a

G(x, y)f(y)dy , (2.48)

onde G é chamada função de Green generalizada, é a única solução do problema no complemento

ortogonal à direção ϕ1(x).

Prova. (=⇒) 〈ϕ1, f〉 = 0 é uma condição necessária: suponha ϕ1(x) e u(x) soluções do problemade SturmLiouville homogêneo e não homogêneo, respectivamente. Então, integrando em [a, b] oproduto de ϕ1(x) pela equação (2.25) (sem o peso ρ(x)):

〈ϕ1, (L0[u]− λρu)〉 = 〈ϕ1, f〉 . (2.49)

Mas L0, juntamente com 2.26, é auto adjunto

〈ϕ1, (L0[u]− λρu)〉 = 〈(L0[ϕ1]− λρϕ1), u〉 = 0

de onde se conclui que o lado direito de (2.49) é nulo, concluindo a asserção.Prova. (⇐=) Construção da função de Green generalizada (inversa do operador diferencial nocomplemento ortogonal à direção ϕ1(x)): Seja φi = φi(x; y), i = 1, 2, uma solução real nãonula de

1

ρ(x)L0[φi]− λ1φi = −ϕ1(x)ϕ1(y) , x 6= y (2.50)

satisfazendo Fi[φi] = 0.Procuramos a função G da forma

G(x, y) =

φ1(x; y) se a ≤ x < y

φ2(x; y) se y ≤ x ≤ b(2.51)

que é contínua em x = y:G(y + 0, y) = G(y − 0, y) (2.52)

Primeiro passo. A condiçãoφ1(y; y) = φ2(y; y)

determina uma das duas constantes arbitrárias, uma de cada solução φi(x; y). Note que φi(x; y)

satisfaz uma equação não homogênea e a solução geral é dada por uma solução particular da nãohomogênea mas a solução geral da homogênea. Uma constante desta solução geral é xada pelacondição de fronteira Fi[φi] = 0.Vamos mostrar que ∂G/∂x(x, y) é descontínua em x = y, sem ter que impôr esta condição para

se xar a constante que ainda resta arbitrária. Armamos que

∂G

∂x(y + 0, y)− ∂G

∂x(y − 0, y) =

−1

p(y). (2.53)

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COMPLEMENTOS 38

Usando (2.43), temos

ϕ1(x)(L0[Gy](x)− λ1ρ(x)Gy(x))− Gy(x)(L0[ϕ1](x)− λ1ρ(x)ϕ1(x)) = −ρ(x)ϕ1(x)2ϕ1(y) (2.54)

onde o segundo termo do lado esquerdo é nulo: L0[ϕ1](x) − λ1ρ(x)ϕ1(x) = 0. O lado esquerdodesta equação pode, por outro lado, ser escrito como uma derivada total:

ϕ1(x)L0[Gy](x)− Gy(x)L0[ϕ1](x) = − d

dx

(p(x)

(ϕ1(x)G′y(x)− ϕ′1(x)Gy(x)

))(2.55)

Integrando sobre [a, b] a equação (2.54), juntamente com (2.55), ‖ϕ1‖2,ρ = 1 e as condições de

fronteira (2.26) satisfeitas por ϕ1 e Gy, resulta

p(x)ϕ1(x)G′y(x)∣∣∣ya

+ p(x)ϕ1(x)G′y(x)∣∣∣by− p(x)ϕ′1(x)Gy(x)

∣∣∣ba

= ϕ1(y)

e, consequentemente,

p(x)W(ϕ1, Gy;x

)∣∣∣ba

+ p(y)ϕ1(y)G′y(y − 0)− p(y)ϕ1(y)G′y(y + 0) = ϕ1(y) ,

de onde se conclui (2.53). Note que usamos apenas as propriedades até agora deduzidas para Gy(x).A equação (2.53) é necessária para se mostrar que (2.48) satisfaz (2.25).Segundo passo. Para determinar a constante restante, impomos a ortogonalidade: 〈ϕ1, Gy〉ρ = 0.Juntamente a isso, vamos mostrar que a ortogonalidade da função de Green generalizada estáintimamente relacionada com sua simétria pela troca de x por y (veja comentário na Observação2.19):

G(x, y) = G(y, x) . (2.56)

Sejam y e z dois pontos quaisquer distintos no intervalo (a, b) e escreva Gy(x) = G(x, y) eGz(x) = G(x, z). Usando

0 = Gy(x)Lλ[Gz](x)− Gz(x)Lλ[Gy](x) = − d

dx

(p(x)

(Gy(x)G′z(x)− G′y(x)Gz(x)

))(2.57)

e integrando sobre [a, b], pela descontinuidade de G′y e G′z em x = y e x = z, respectivamente,temos

0 = p(x)Gy(x)G′z(x)∣∣∣za

+ p(x)Gy(x)∣∣∣bz− p(x)G′y(x)Gz(x)

∣∣∣ya− p(x)G′y(x)Gz(x)

∣∣∣by

= p(x)W(Gy, Gz;x

)∣∣∣ba

+ p(z)G(z, y)(G′z(z − 0)− G′z(z + 0)

)−p(y)

(G′y(y − 0)− G′y(y + 0)

)G(y, z)

= p(z)G(z, y) (1/p(z))− p(y) (1/p(y)) G(y, z)

= G(z, y)− G(y, z)

demonstrando (2.56).

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COMPLEMENTOS 39

Por outro lado, por (2.57),

0 = 〈Gy,1

ρLλ[Gz]〉ρ − 〈Gz,

1

ρLλ[Gy]〉ρ

= −ϕ1(z)〈Gy, ϕ1〉ρ + ϕ1(y)〈Gz, ϕ1〉ρ

de onde se conclui que,〈Gy, ϕ1〉ρ = 0 , ∀y ∈ (a, b) . (2.58)

A condição de ortogonalidade (2.58), juntamente com a continuidade (2.52) de G(x, y) em x = y,garantem a simetria da função de Green e determinam ambas constantes.Terceiro passo. Vericação de que (2.48) resolve (2.25) com λ = λ1 e (2.26): Vamos mostrar que(2.48) com G(x, y) dado por (2.51):

u(x) =

∫ x

a

φ2(x; y)f(y)dy +

∫ b

x

φ1(x; y)f(y)dy (2.59)

satisfaz Lλ1 [u] = f e F1[u] = F2[u] = 0. Consulte as equações (2.20)-(2.21) para a dedução deexpressões análogas.Cada termo de (2.59) depende da variável x através da função φi(x; y) e dos extremos do intervalo

de integração. Derivando (2.59) em relação a x, temos

u′(x) =

∫ x

a

∂φ2

∂x(x; y)f(y)dy +

∫ b

x

∂φ1

∂x(x; y)f(y)dy + (φ2(x;x− 0)− φ1(x;x+ 0))f(x)

=

∫ x

a

∂φ2

∂x(x; y)f(y)dy +

∫ b

x

∂φ1

∂x(x; y)f(y)dy ,

devido a continuidade de G(x, y) em x = y. Derivando (2.59) mais uma vez em relação a x, temos

u′′(x) =

∫ x

a

∂2φ2

∂x2(x; y)f(y)dy +

∫ b

x

∂2φ1

∂x2(x; y)f(y)dy +

(∂φ2

∂x(x;x− 0)− ∂φ1

∂x(x;x+ 0)

)f(x)

=

∫ x

a

∂2φ2

∂x2(x; y)f(y)dy +

∫ b

x

∂2φ1

∂x2(x; y)f(y)dy − 1

p(x)f(x)

pela simetria G(x, y) = G(y, x) e (2.53). Segue destas expressões, juntamente com (2.25) e (2.50),que

Lλ1 [u] =

∫ x

a

Lλ1 [φ2](x; y)f(y)dy +

∫ b

x

Lλ1 [φ1](x; y)f(y)dy + f(x)

= −ρ(x)ϕ1(x)

(∫ x

a

ϕ1(y)f(y)dy +

∫ b

x

ϕ1(y)f(y)dy

)+ f(x)

= f(x) ,

pela ortogonalidade 〈ϕ1, f〉 =

∫ b

a

ϕ1(y)f(y)dy = 0, e F1[u] = F2[u] = 0 devido a Fi[φi] = 0, i = 1 e

2, e continuidade de G(x, y) em x = y, concluindo a demonstração do teorema.

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COMPLEMENTOS 40

Exemplo 2.21. Considere a equação

− u′′ = f(x) , em [0, 1] (2.60)

com

u(0) = 0 , u(1)− u′(1) = 0 . (2.61)

A solução geral da equação homogênea: u(x) = a+ bx, juntamente com a condição (2.61) implica

que ϕ0(x) =√

3x é uma autofunção (normalizada) do problema, associada ao autovalor λ = 0.

Neste caso, a solução de (2.60) requer a função de Green no sentido generalizado, isto é, vamos

inverter o operador L0[u] = −u′′, com F1[u] = F2[u] = 0 dado por (2.61), no complemento ortogonal

à direção ϕ0(x) =√

3x.

Função de Green generalizada: A função φ1 = φ1(x; y) satisfaz

− φ′′1 = −3xy (2.62)

com F1[φ1] = φ1(0) = 0; A função φ2 = φ2(x; y) satisfaz

− φ′′2 = −3xy (2.63)

com F2[φ2] = φ2(1)− φ′2(1) = 0.

A solução geral de (2.62) ou (2.63) é

φ(x, y) =x3y

2+ a(y)x+ b(y) .

Usando as condições de contorno:

φ1(0) = b1(y) = 0

e, por φ′(x; y) = 3x2y/2 + a(y),

φ2(1)− φ′2(1) =y

2+ a2 + b2 −

3y

2− a2

= b2 − y = 0 ,

logo b2(y) = b. A função de Green do problema é, por (2.51),

G(x, y) =

x3y

2+ a1(y)x se 0 ≤ x < y

x3y

2+ a2(y)x+ y se y ≤ x ≤ 1

.

Impondo a condição de continuidade,

φ1(y, y) =y4

2+ a1(y)y =

y4

2+ a2(y)y + y = φ2(y; y) ,

obtemos a1(y) = a2(y) + 1 e, consequentemente,

G(x, y) =

x3y

2+ a(y)x+ x se 0 ≤ x < y

x3y

2+ a(y)x+ y se y ≤ x ≤ 1

. (2.64)

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COMPLEMENTOS 41

Impondo a condição de ortogonalidade,∫ 1

0

G(x, y)ϕ0(x)dx =√

3

∫ y

0

φ1(x; y)xdx+√

3

∫ 1

y

φ2(x; y)xdx

=√

3

(∫ y

0

(x3y

2+ a(y)x+ x

)xdx+

∫ 1

y

(x3y

2+ a(y)x+ y

)xdx

)=√

3

(∫ y

0

x2dx+ y

∫ 1

y

xdx+

∫ 1

0

(x4y

2+ a(y)x2

)dx

)=√

3

(y3

3+y

2(1− y2) +

y

10+a(y)

3

)= 0

implica

a(y) = 3

(y3

6− 6y

10

)=y3

2− 9y

5.

Substituindo este resultado em (2.64), concluímos

G(x, y) =

xy

2(x2 + y2) +

9

5xy + x se 0 ≤ x < y

xy

2(x2 + y2) +

9

5xy + y se y ≤ x ≤ 1

.

A solução do problema (2.60) e (2.61) é, portanto,

u(x) =

∫ 1

0

(xy

2

(x2 + y2

)+

9

5xy

)f(y)dy +

∫ x

0

yf(y)dy + x

∫ 1

x

f(y)dy .

Note que a derivada segunda em x do primeiro termo do lado direito desta expressão se anula por

ortogonalidade: 3x

∫ 1

0

yf(y)dy = ϕ0(x)

∫ 1

0

ϕ0(y)f(y)dy = ϕ0(x)〈ϕ0, f〉 = 0.

Exemplo 2.22. Considere −u′′ − π2/4u = f(x) em [0, 1] com

u(0) = u′(1) = 0 .

λ = π2/4 é um autovalor para este problema, isto é, Lπ2/4[u] = −u′′ − π2/4u = 0 com F1[u] =

u(0) = 0 e F2[u] = u′(1) = 0 tem uma solução não identicamente nula: ϕ1(x) =√

2 sinπx/2,

normalizada

‖ϕ1‖22 = 2

∫ 1

0

sin2 π

2xdx = 2

∫ 1

0

1− cos πx

2dx = 1 ,

onde usamos cos πx = cos2 πx/2− sin2 πx/2 = 1− 2 sin2 πx/2 e

∫ 1

0

cos πxdx = (1/π) sinπx|10 = 0.

Função de Green generalizada: A função φ1 = φ1(x; y) satisfaz −φ′′1 − π2/4φ1 =

−2 sinπx/2 sinπy/2 com F1[φ1] = φ1(0) = 0; A função φ2 = φ2(x; y) satisfaz −φ′′2 − π2/4φ2 =

−2 sinπx/2 sinπy/2 com F2[φ2] = φ′2(0) = 0. A solução geral de

−φ′′i −π2

4φi = −2 sinπx/2 sinπy/2

é

φi(x; y) = − 2

πx cos

π

2x sin

π

2y + ai(y) cos

π

2x+ bi(y) sin

π

2x .

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COMPLEMENTOS 42

Impondo as condições de fronteira, temos

F1[φ1] = φ1(0) = a1(y) = 0

e

F2[φ2] = φ′2(1) = sinπ

2y − π

2a2(y) = 0 =⇒ a2(y) =

2

πsin

π

2y .

Substituindo as expressões de φ1 e φ2 em (2.51), temos

G(x, y) =

− 2

πx cos

π

2x sin

π

2y + b1(y) sin

π

2x se 0 ≤ x < y

2

π(1− x) cos

π

2x sin

π

2y + b2(y) sin

π

2x se y ≤ x ≤ 1

.

Da continuidade de G(x, y) em x = y, resulta

b1(y) = b2(y) +2

πcos

π

2y

e, consequentemente,

G(x, y) =

2

πsin

π

2x cos

π

2y − 2

πx cos

π

2x sin

π

2y + b(y) sin

π

2x se 0 ≤ x < y

2

π(1− x) cos

π

2x sin

π

2y + b(y) sin

π

2x se y ≤ x ≤ 1

para alguma b(y) a ser determinada pela condição de ortogonalidade:

0 =

∫ 1

0

G(x, y)ϕ1(x)dx

=√

2

(− 2

πsin

π

2y

∫ 1

0

x sinπ

2x cos

π

2x dx+ b(y)

∫ 1

0

sin2 π

2x dx

)+√

2

(2

πcos

π

2y

∫ y

0

sin2 π

2x dx+

2

πsin

π

2y

∫ 1

y

sinπ

2x cos

π

2x dx

)=√

2

(− 1

π2sin

π

2y +

1

2b(y) +

1

πcos

π

2y

(y − 1

πsinπy

)+

2

π2sin

π

2y cos2 π

2y

)=√

2

(− 1

π2sin

π

2y +

1

2b(y) +

1

πy cos

π

2y

)resultando

G(x, y) =

2

π(1− y) sin

π

2x cos

π

2y − 2

πx cos

π

2x sin

π

2y +

2

π2sin

π

2x sin

π

2y se 0 ≤ x < y

2

π(1− x) cos

π

2x sin

π

2y − 2

πy sin

π

2x cos

π

2y +

2

π2sin

π

2x sin

π

2y se y ≤ x ≤ 1

.

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COMPLEMENTOS 43

A solução u : [0, 1] −→ R da equação não homogênea no complemento ortogonal à direção da

autofunção ϕ1(x) =√

2 sinπx/2 é

u(x) =2

πsin

π

2x

∫ 1

0

(−y cos

π

2y +

1

πsin

π

2y

)f(y) dy − 2

πx cos

π

2x

∫ 1

0

sinπ

2y f(y) dy

+2

πcos

π

2x

∫ x

0

sinπ

2y f(y) dy +

2

πsin

π

2x

∫ 1

x

cosπ

2y f(y) dy

=−2

πsin

π

2x

∫ 1

0

y cosπ

2y f(y) dy

+2

πcos

π

2x

∫ x

0

sinπ

2y f(y) dy +

2

πsin

π

2x

∫ 1

x

cosπ

2y f(y) dy ,

pela ortogonalidade 〈f, ϕ1〉 =√

2

∫ 1

0

sinπ

2y f(y) dy = 0.

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COMPLEMENTOS 44

3. Operadores Compactos: Teoria Espectral

O objetivo desta seção é introduzir uma subclasse H [a, b] da classe C [a, b] das funções f :

[a, b] −→ R contínuas que tem um papel importante na análise espectral dos operadores integraisGρ cujo núcleo integral G(x, y), dado pela função de Green do problema de SturmLiouville. Asubclasse H [a, b] é formada pelas funções equicontínuas que, por intermédio do Teorema deAscoli, caracterizam os subconjuntos H (relativamente) compactos da classe C [a, b] de funçõescontínuas com a métrica d (f, g) = maxa≤x≤b |f(x)− g(x)| da convergência uniforme.Faremos aqui uso de conceitos apresentados nos Caps. 8 e 9 do belíssimo livro Espaços Métricos

do Prof. Elon L. Lima (veja Terceiro roteiro de leitura, para mais detalhes) e do texto Análisefuncional e o problema de SturmLiouville do Prof. Chaim S. Hönig.Em seguida, desenvolveremos em detalhes o Teoria espectral de operadores compactos Hermiti-

anos em espaços pré-Hilbertianos. Para este assunto seguiremos os textos Análise funcional e oproblema de SturmLiouville do Prof. Chaim S. Hönig e Lições de equações diferenciais ordiná-rias do Prof. Jorge Sotomayor.

3.1. Compacidade na reta e em espaços métricos. Enunciaremos três resultados clássicos daAnálise de R, sobre sua topologia, que nos oferecem diferentes caracterizações de um compacto Kde R.

Teorema 3.1 (BolzanoWeierstrass). Todo subconjunto innito limitado K ⊂ R possui um ponto

de acumulação.

Teorema 3.2 (chamado, às vezes, Bolzano-Weierstrass). Toda sequência (xn)n≥1 limitada de nú-

meros reais possui uma subsequência(xnj

)j≥1

convergente.

Teorema 3.3 (BorelLebesgue). Seja [a, b] ⊂⋃λ∈L

Aλ onde (Aλ)λ∈L é uma família de conjuntos

abertos. Então existem λ1, . . . , λn ∈ L tais que

[a, b] ⊂ Aλ1 ∪ · · · ∪ Aλn .

Observação 3.4. No Teorema 3.3, [a, b] pode ser substituído por um subconjunto F fechado e

limitado qualquer de R. Basta tomar um intervalo [a, b] tal que F ⊂ [a, b], incluir o aberto Aλ0 =

R\F e aplicar o Teorema 3.3 com [a, b] ⊂ Aλ0 ∪ Aλ1 ∪ · · · ∪ Aλn e⋃λ∈L

Aλ uma cobertura de F por

abertos.

Vamos incluir as provas destes resultados pois ilustram o conceito que pretendemos descrever emespaços métricos em geral.Prova do Teorema 3.1. Seja A = x ∈ R : K ∩ [x,∞) é innito, isto é, A é o conjunto de todos osx's tais que existam innitos pontos de K à sua direita. Como K é limitado, K ⊂ [a, b] para alguma e b de R, sendo b uma quota superior para K. Seja c = supA, isto é, c é a menor quota superiorde A de tal maneira que (c− ε, c+ ε) ∩ K é innito, existem innitos pontos de K à direita dec − ε mas não há uma innidade de pontos à direita de c + ε. Como ε > 0 é arbitrário, c é umponto de acumulação de K, concluindo a demonstração.

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COMPLEMENTOS 45

Prova do Teorema 3.2. Sejam α e β tais que

α < xn < β , ∀n ∈ N

e Xn = xn, xn+1,..., n = 1, 2, . . ., uma sequencia decrescente de conjuntos com innitos pontos de(xn)n≥1:

[a, b] ⊃ X1 ⊃ X2 ⊃ · · · ⊃ Xn ⊃ · · · .Se an = inf Xn é a maior quota inferior do conjunto Xn, então o ínmo da sequencia decrescentesatisfaz

a1 ≤ a2 ≤ · · · ≤ an ≤ · · · .Por (xn)n≥1 ser uma sequência limitada e a sequência (an)n≥1 dos ínmos de Xn ser monotonica,existe o limite

a = limn→∞

an .

Consequentemente, dado ε > 0 existe n0 = n0(ε) tal que

a− ε < an0 < a+ ε .

Como an0 = inf Xn0 , existe n ≥ n0 tal que an0 ≤ xn < a+ ε e

a− ε < xn < a+ ε . (3.1)

Basta agora escolher uma sequência (εj)j≥1 com εj = 1/j e tomar a subsequência(xnj

)j≥1

de(xn)n≥1 tal que para cada j a desigualdade (3.1) seja satisfeita: a− εj < xnj

< a + εj, concluindoa demonstração do teorema.

Prova do Teorema 3.3. Pela hipótese e denição de cobertura, para cada y ∈ [a, b] existe algumíndice λ ∈ L tal que y ∈ Aλ. Seja X o conjunto dos pontos x ∈ [a, b] tais que o intervalo [a, x] estácontido em uma união nita:

Aλ1 ∪ · · · ∪ Aλn .O conjunto X 6= ∅ pois para algum λ, temos a ∈ Aλ e como Aλ é um aberto, existe δ > 0 tal quea+δ < b e [a, a+δ) ⊂ Aλ. Então [a, a+δ) ⊂ X, isto é, está contido em uma união nita de abertosAλ's. É evidente que, qualquer y tal que a ≤ y < x, então y ∈ X. Logo X é um intervalo [a, c) ou[a, c], onde c = supX. Armamos que X = [a, c], pois existe λ0 tal que c ∈ Aλ0 . Por outro lado,como Aλ0 é aberto, existe ε > 0 tal que (c− ε, c+ ε) ∈ Aλ0 . Pela denição de supremo, podemosencontrar x ∈ X tal que

c− ε < x ≤ c .

Porém,[a, x] ⊂ Aλ1 ∪ · · · ∪ Aλn

e[a, c] ⊂ Aλ1 ∪ · · · ∪ Aλn ∪ Aλ0 .

Portanto, c ∈ X e c = b, pois se não for contradiz a denição de supremo, concluindo a demons-tração.

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COMPLEMENTOS 46

Introduziremos agora algumas denições para espaço métrico (M,d) em geral.

Denição 3.5. Seja X um subconjunto de um espaço métrico (M,d).

(1) Uma cobertura de X é uma família F = (Cλ)λ∈L de subconjuntos de M tal que

X ⊂⋃λ∈L

Cλ ≡ S ,

isto é, cada x ∈ X, ∃λ ∈ L tal que x ∈ Cλ.(2) Se existe L′ ⊂ L tal que para cada x ∈ X ainda podese obter λ ∈ L′ com x ∈ C, então a

subfamília F ′ = (Cλ)λ∈L′ chamase subcobertura de X. A subcobertura F ′ é própria se L′

é um subconjunto próprio de L.

(3) Uma cobertura= (Aλ)λ∈L de X dizse aberta quando cada subconjunto Aλ, λ ∈ L, é abertoem M . F é nita se L é um conjunto nito: L = λ1, . . . , λn e escrevemos neste caso

X ⊂ Aλ1 ∪ · · · ∪ Aλn .

Denição 3.6. Um espaço métrico (M,d) chama-se compacto se toda cobertura F aberta possui

uma subcobertura nita.Um subconjunto X de M chama-se um subconjunto compacto quando o

subespaço métrico (X, d|X), onde d|X é a restrição da métrica d em M aos pontos do subconjunto

X, é compacto.

Enunciaremos sem demonstrações algumas implicações do conceito compacto. Para uma provados resultados a seguir, consulte o Cap. 8 do texto Espaços Metricos de Elon L. Lima.

Proposição 3.7. Todo subconjunto fechado de um espaço métrico compacto é compacto. Um

subconjunto compacto de qualquer espaço métrico é necessariamente fechado.

Corolário 3.8. Qualquer intresecção K =⋂λ∈L

Kλ de compactos Kλ é compacto.

Corolário 3.9. Todo espaço métrico compacto é completo.

Proposição 3.10. Todo espaço métrico compacto é limitado.

De fato, se B(x, r) = y ∈M : d (x, y) < r denota a bola aberta de centro em x ∈ M e raior > 0, então M é compacto se, e somente se, for possível extrair da cobertura M =

⋃x

B (x, 1) uma

subcobertura nita M = B (x1, 1)∪ · · ·∪B (xn, 1). Porém uma subcobertura nita de M por bolasde raio 1 é necessariamente limitada por B(x1, 2n).Segue das Proposições 3.7 e 3.10 que qualquer K ⊂ M compacto é fechado e limitado. Se M é

R ou Rn, então a recíproca

K fechado e limitado =⇒ K compacto

é também satisfeita. A reciproca porém não é em geral válida, como podese ver do seguinteexemplo.

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COMPLEMENTOS 47

Exemplo 3.11. Considere o espaço métrico (de Hilbert)

l2 (R) =

x = (xn)n≥1 ∈ RN : ‖x‖2

2 =∑n≥1

x2n <∞

das sequências (xn)n≥1 em R de quadrado somável, munido com o produto interno 〈x, y〉 =∑n≥1

xnyn

e métrica d(x, y) = ‖x− y‖2 induzida pela norma ‖x‖22 = 〈x, x〉. Considere o subconjunto X =

e1, e2, . . . , en, . . . ⊂ l2(R) formado pelas sequências en = (0, . . . , 0, 1, 0, . . .) cuja única compo-

nente não nula na nésima posição é 1. Como ‖en‖2 = 1 e ‖en − em‖ =√

2, ∀n,m ∈ N com

n 6= m, temos X ⊂ B (0, r), r > 1, é limitado, innito e discreto e, portanto, fechado mas não é

compacto:

X ⊂⋃n≥1

B (en, r) , r <

√2

2

não admite subcobertura nita.

Proposição 3.12. A imagem f(K) de um conjunto compacto K por uma aplicação f : M −→ N

contínua, de um espaço métrico (M,d) em um espaços métrico (N, d′), é um conjunto compacto.

Corolário 3.13. Se M é compacto, então toda aplicação f : M −→ N contínua é fechada (F ⊂M

fechado =⇒ f(F ) ⊂ N fechado)

Corolário 3.14. Se M é compacto, então toda apliacação contínua é limitada.

Teorema 3.15. Se (E, d) é um espaço métrico, são equivalentes as armações:

A. E é compacto;

B. E é sequencialmente compacto (toda sequência de pontos de E contém uma subsequência

convergente);

C. E é completo e totalmente limitado, isto é, para todo ε > 0, existe um recobrimento nito

de E formado por conjuntos de diâmetro ≤ ε.

Uma variante deste resultado, útil em aplicações, é o seguinte

Teorema 3.16. São equivalentes as armações:

A'. X é relativamente compacto em E, isto é, X é compacto;

B'. Toda sequência de pontos em X contém uma subsequência convergente em E;

C'. X é totalmente limitado.

Observação 3.17. (E, d) é totalmente limitado se, e somente se, E é compacto. Todo espaço

metrico totalmente limitado é separável, isto é, cumpre uma das seguintes armações equiva-

lentes:

(1) E contém um subconjunto enumerável denso;

(2) E contém uma base enumerável de abertos;

(3) Toda cobertura aberta de E admite uma subcobertura enumerável.

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COMPLEMENTOS 48

De fato, se E é totalmente limitado, então para cada n existe Fn ⊂ E nito tal que d (x, Fn) < 1/n

para todo x ∈ E. Seja F =⋃n≥1

Fn. Como F é uma união enumerável de conjuntos nitos, é

enumerável e para todo x ∈ E temos d (x, F ) = 0. Logo, F é denso em E.

Após esta breve exposição sobre os diversos conceitos relacionados a compacidade de um conjunto,estenderemos estes conceitos de maneira a estabelecer a teoria espectral de operados integraiscompactos.

3.2. Equicontinuidade. Seja (E, d) um espaço métrico compacto, (F, d′) um espaço métrico com-pleto e C (E,F ) o conjunto das funções f : E −→ F contínuas munido da distância

d∞(f, g) = supx∈E

d′ (f(x), g(x)) .

Observe que (C (E,F ) , d∞) é um espaço métrico completo. Na aplicação em mãos, E é um intervalofechado [a, b], F é a reta R e C ([a, b] ,R) (C [a, b], por brevidade) denota o conjunto da aplicaçõescontínuas de [a, b] em R. A imagem de uma f : [a, b] −→ R contínua é um intervalo fechado elimitado de R, portanto, compacto.

Denição 3.18. Seja H ⊂ C (E,F ) um conjunto de aplicações de E em F . Dizemos que H é

equicontínuo no ponto x0 ∈ E se, e somente se, dado ε > 0, existe uma vizinhaça Vx0 de x0 tal

que

d′(f(x), f(x0)) < ε , se x ∈ Vx0para todo f ∈H .

Dizemos que H é equicontínuo se H é equicontínuo em todo ponto x ∈ E. Observe que

H ⊂ C (E,F ).

Exemplo 3.19. Dado m > 0, o conjunto

H =

f ∈ C 1 [a, b] : sup

a≤x≤b|f ′(x)| ≤ m

é um subconjunto equicontínuo de C [a, b] pois, pelo teorema do valor médio:

|f(x)− f(y)| ≤ m |x− y| , ∀x, y ∈ [a, b]

(f é Lipschitz contínua) para todo f ∈H .

Teorema 3.20 (Ascoli). Um subconjunto H ⊂ C (E,F ) é relativamente compacto se, e somente

se, ele satisfaz as condições

(1) H é equicontínuo;

(2) Para todo x ∈ E, o conjunto Hx = f(x) : f ∈H é relativamente compacto em F .

Prova. Seguiremos o Cap. III, 1, B. do texto Análise funcional e o problema de SturmLiouvilledo Prof. Chaim S. Hönig. Implicação (=⇒), iniciaremos pelo ítem 2. Se H é relativamentecompacto, então Hx, por ser a imagem de uma aplicação contínua, também o é:

f ∈ C (E,F ) 7−→ f(x) ∈ F .

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COMPLEMENTOS 49

Resta provar o ítem 1.: H é equicontínua. Do ítem C' do Teorema 3.16 segue que existe umrecobrimento nito H1, . . . , Hn de H por conjuntos de diâmetro ε/3. Fixemos f1 ∈ H1, . . . ,fn ∈ Hn. Da continuidade das funções f1, . . . , fn, segue que, dado x0 ∈ E, existe uma vizinhançaVx0 de x0 tal que, para x ∈ Vx0 , temos

d′ (fi(x), fi(x0)) <ε

3, i = 1, . . . , n .

Dado f ∈H , seja i tal que f ∈ Hi. Para x ∈ Vx0 , pela desigualdade triangular, temos

d′ (f(x), f(x0)) ≤ d′ (f(x), fi(x)) + d′ (fi(x), fi(x0)) + d′ (fi(x0), fi(x0)) < ε ,

o que prova a equicontinuidade de H no ponto x0 e, consequentemente, em todo ponto x ∈ E.Implicação (⇐=): seja H ⊂ C (E,F ) equicontínuo e tal que, para todo x ∈ E, Hx seja relativa-

mente compacto em F . Para demonstrar que H é relativamente compacto é suciente, pelo ítemC' do Teorema 3.16, mostrar que H é completamente limitado, isto é, dado ε, existe um recobri-mento nito de H por conjuntos de diâmetro ≤ ε. Sendo H equicontínuo, para todo x ∈ E, existeuma vizinhança aberta Ax de x tal que, se x′ ∈ Ax então d′ (f(x′), f(x)) < ε/3. Sendo E compacto,H pode ser recoberto por um número nito de abertos Ax1 , . . . , Axn com esta propriedade. Poroutro lado Hi = Hxi , i = 1, . . . , n, é por hipótese relativamente compacto e existe, portanto, umrecobrimento nito Hi,1, . . . , Hi,mi

por conjuntos de diâmetro ≤ ε/3.Para cada sequência de inteiros p1, . . . , pn com 1 ≤ pi ≤ mi, seja

Hp1,...,pn = f ∈H : f(xi) ∈ Hi,pi , i = 1, . . . , n .

Esses conjuntos evidentemente formam um recobrimento nito de H e resta mostrar que cadaHp1,...,pn tem diâmetro < ε. Sejam f, g ∈ Hp1,...,pn quaisquer. Para todo x ∈ E, existe i tal quex ∈ Axi e, pela desigualdade triangular,

d′ (f(x), g(x)) ≤ d′ (f(x), f(xi)) + d′ (f(xi), g(xi)) + d′ (g(xi), g(x)) < ε ,

concluindo a demonstração.

3.3. Operadores compactos. Sejam E e F espaços normados, isto é, E e F são espaços métricoscom a métrica induzida por uma norma d(x, y) = ‖x− y‖, e seja

k : E −→ F (3.2)

uma aplicação linear:k (αx+ βy) = αk(x) + βk(y)

quaisquer que sejam α, β ∈ R e x, y ∈ E.O conjuto das aplicações lineares contínuas de E em F forma um espaço vetorial L (E,F ) munido

da norma k ∈ L (E,F ) 7−→ ‖k‖ = sup‖x‖≤1 ‖k(x)‖. Para todo x ∈ E temos ‖k(x)‖ ≤ ‖k‖ ‖x‖ e ‖k‖é a menor constante c tal que ‖k(x)‖ ≤ c ‖x‖. Um exemplo de aplicação linear contínua, pertinenteao problema de SturmLiouville desenvolvido nestas notas, tem suas propriedades deduzidas nosseguintes

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COMPLEMENTOS 50

Lema 3.21. Sejam E e F espaços normados e k uma aplicação linear de E em F . São equivalentes

as seguintes propriedades:

(1) k é contínua na origem;

(2) sup‖x‖≤1 ‖k(x)‖ = M <∞;

(3) existe C > 0 tal que ‖k(x)‖ ≤ C ‖x‖ para todo x ∈ E;(4) k é contínua.

Prova. 1.⇒2.: sendo k contínua na origem, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que ‖x‖ < δ implica‖k(x)‖ < ε e, portanto, ‖x/δ‖ ≤ 1 implica

‖k(x/δ)‖ = ‖k(x)/δ‖ = ‖k(x)‖ /δ < ε/δ ≡M <∞ .

2.⇒3.: para todo x ∈ E, x 6= 0, o elemento x/ ‖x‖ tem norma 1 e, portanto, ‖k (x/ ‖x‖)‖ ≤ C

implica‖k(x)‖ = ‖k (x/ ‖x‖)‖ ‖x‖ ≤ C ‖x‖ .

3.⇒4.: se ‖x− x0‖ ≤ ε/C = δ, então

‖f(x)− f(x0)‖ = ‖f(x− x0)‖ ≤ C ‖x− x0‖ ≤ ε .

4.⇒1.: é evidente.

Lema 3.22. Sejam E = C [a, b], F = C [c, d] e K : [c, d] × [a, b] −→ R uma função contínua.

Dena para todo f ∈ E

(K f) (s) =

∫ b

a

K(s, t)f(t)dt , s ∈ [c, d] . (3.3)

A aplicação K é linear de C [a, b] em C [c, d], com ambos espaços munidos da norma do supremo

‖f‖ = supx∈[a,b] |f(x)|, é contínua: K ∈ L (C [a, b] ,C [c, d]) e sua norma satisfaz

‖K ‖ ≤ sups∈[c,d]

∫ b

a

|K(s, t)| dt . (3.4)

Prova. Sendo f(t) e K(s, t) contínuas, a aplicação (3.3) está bem denida. Sendo K uniformementecontínua em [c, d] × [a, b], dado ε > 0, existe δ = δ(ε) > 0 tal que |t1 − t2|,|s1 − s2| < δ implicam|K(s1, t1)−K(s2 − t2)| < ε. Logo,

|(K f) (s1)− (K f) (s2)| ≤∫ b

a

|K(s1, t)−K(s2 − t)| |f(t)| dt

≤ ε(b− a) ‖f‖ (3.5)

de onde se conclui a continuidade de (K f) (s). A linearidade da aplicação é devido a linearidadeda operação de integração e sua continuidade segue de

|(K f) (s)| ≤∫ b

a

|K(s, t)| |f(t)| dt

≤∫ b

a

|K(s, t)| dt · ‖f‖ (3.6)

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COMPLEMENTOS 51

que implica

‖K f‖ ≤ sups∈[c,d]

∫ b

a

|K(s, t)| dt · ‖f‖ (3.7)

e a desigualdade (3.4). Pode-se mostrar que ‖K ‖ = sups∈[c,d]

∫ ba|K(s, t)| dt e como esta norma é

nita, devido a continuidade uniforme de K(s, t), Lema 3.21 juntamente com (3.7) implicam queK : C [a, b] −→ C [c, d] é uma aplicação linear contínua.

A seguir introduziremos o ingrediente necessário para a denição de operadores compactos (veja

o texto Análise funcional e o problema de SturmLiouville do Prof. Chaim S. Hönig, para suademonstração)

Proposição 3.23. São equivalentes as seguintes assertivas:

a. k leva a bola unitátia B(x, 1) = y ∈ E : ‖x− y‖ < 1 de E, centrada em algum x, em um

conjunto relativamente compacto de F ;

b. k leva conjuntos limitados de E em conjuntos relativamente compactos de F ;

c. Toda sequência limtada de pontos (xn)n≥1 de E contém uma subsequência(xnj

)j≥1

tal que

a sequência(k(xnj

))j≥1

é convergente.

Denição 3.24. Dizemos que a aplicação linear k : E −→ F é compacta ou completamente

contínua se ela satisfaz as condições equivalentes a., b. e c. da Proposição 3.23.

Observação 3.25. Como todo conjunto relativamente compacto de um espaço normado é limi-

tado, segue que toda aplicação linear compacta é contínua. O conjunto das aplicações lineares

compactas de E em F é, portanto, um subespaço vetorial de L (E,F ).

Retornemos ao exemplo pertinente ao problema de SturmLiouville.

Lema 3.26. A aplicação linear K : C [a, b] −→ C [c, d] dada por (3.3) é compacta.

Prova. Basta mostrar que K (B), onde B é uma bola unitária em C [a, b]: B = B(g, 1) =

f ∈ C [a, b] : ‖f − g‖ < 1 para algum g ∈ C [a, b], é um conjunto relativamente compacto deC [c, d]. Para isso, pelo Teorema de Ascoli, é suciente mostrar que

(1) K (B) é equicontínua e(2) para todo s0 ∈ [c, d], o subconjunto de R,

K (B)s0 = (K f) (s0) : f ∈ B ,

é limitado.

Itens 1. e 2. seguem da prova do Lema 3.22 (veja equações (3.5) e (3.6)). Por K ser umaaplicação linear em um espaço normado, é suciente tomar a bola B centrada na origem (funçãonula): g(s) = 0, ∀s ∈ [a, b] (veja Lema 3.21). Neste caso f−g = f e K (f−g) = K f−K g = K f .Se |s1 − s2| < δ, então

|(K f) (s1)− (K f) (s2)| ≤ ε(b− a) ‖f‖ ≤ ε(b− a) ,

qualquer que seja f ∈ B, provando a equicontinuidade de K (B).

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COMPLEMENTOS 52

Para todo f ∈ B e s0 ∈ [a, b], temos

|(K f) (s0)| ≤∫ b

a

|K(s0, t)| dt · ‖f‖ ≤∫ b

a

|K(s0, t)| dt <∞ .

Logo K (B)s0 é limitado, concluindo a demonstração do lema.

Lemas 3.22 e 3.26 se aplicam ao operador Gρ : C [a, b] −→ C [a, b] dado por

(Gρf) (x) =

∫ b

a

G(x, y)ρ(y)dy

onde ρ : [a, b] −→ R e G : [a, b] × [a, b] −→ R são uniformemente contínua e tais que ρ(x) > 0

e G(x, y) = G(y, x). Os resultados são válidos na topologia (mais na) uniforme, com a mé-trica d∞(f, g) = supx∈[a,b] |f(x)− g(x)| = ‖f − g‖∞ induzida pela norma do supremo ‖f‖∞ =

supx∈[a,b] |f(x)|, como também na topologia do espaço preHilbertiano CL2(ρ) [a, b] com a métrica

d2(f, g) = ‖f − g‖2,ρ induzida pela norma ‖f‖22,ρ =

∫ b

a

f(x)2ρ(x)dx = 〈f, f〉ρ.

Lema 3.27. A aplicação linear K : CL2 [a, b] −→ CL2 [c, d] dada por (3.3) é compacta.

Prova. Basta mostrar que K (B), onde B é uma bola unitária em CL2 [a, b]: B = B(0, 1) =

f ∈ CL2 [a, b] : ‖f‖ < 1, é um conjunto relativamente compacto de CL2 [c, d]. Para isso, peloTeorema de Ascoli, é suciente mostrar que

(1) K (B) é equicontínua e(2) o subconjunto de R,

‖K (B)‖2 =

(∫ d

c

|(K f) (s)|2 ds)1/2

: f ∈ B

,

é limitado.

Novamente, ítens 1. e 2. seguem de uma variante da prova do Lema 3.22 (veja equações (3.5) e(3.6)). Se |s1 − s2| < δ, então, pela desigualdade de Cauchy-Schwarz,

|(K f) (s1)− (K f) (s2)| ≤∫ b

a

|K(s1, t)−K(s2 − t)| |f(t)| dt

≤(∫ b

a

|K(s1, t)−K(s2 − t)|2 dt)1/2

‖f‖2

≤ ε√b− a ‖f‖2 ≤ ε

√b− a ,

qualquer que seja f ∈ B, provando a equicontinuidade de K (B).

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COMPLEMENTOS 53

Para todo f ∈ B e s ∈ [a, b], temos, pela desigualdade de Cauchy-Schwarz,

|(K f) (s)| ≤∫ b

a

|K(s, t)| |f(t)| dt

≤(∫ b

a

|K(s, t)|2 dt)1/2

‖f‖2

≤(∫ b

a

|K(s, t)|2 dt)1/2

e, portanto,

‖K f‖2 =

(∫ d

c

|(K f) (s)|2 ds)1/2

≤(∫ d

c

∫ b

a

|K(s, t)|2 dtds)1/2

<∞

Logo ‖K (B)‖2 é limitado, concluindo a demonstração do lema.

Observação 3.28. Como a métrica d∞ (f, g) = ‖f − g‖∞ = supx∈[c,d] |f(x)− g(x)| é mais na que

a métrica d2(f, g) = ‖f − g‖2: ‖f − g‖2 ≤√d− c ‖f − g‖∞, a função identidade i : C [c, d] −→

CL2 [c, d], i(f) = f , é contínua. Bastava provar no lema acima que a aplicação linear K :

CL2 [a, b] −→ C [c, d] é compacta.

3.4. Teoria espectral de operadores compactos autoadjuntos. Seja A : E −→ E umoperador (aplicação linear de E em E) compacto em um espaço E pre-Hilbertiano cuja norma‖x‖ =

√〈x, x〉 de x ∈ E (‖x‖ = 0⇔ x = 0) é induzida por um produto interno

〈·, ·〉 : E × E −→ C

denido pela forma sesquilinear Hermitiana: 〈x, y〉 = 〈y, x〉. Dados x, y ∈ E quaisquer, é satisfeitaa desigualdade de CauchySchwarz

|〈x, y〉| ≤ ‖x‖ ‖y‖ (3.8)

e a identidade do paralelogramo

‖x+ y‖2 + ‖x− y‖2 = 2(‖x‖2 + ‖y‖2) . (3.9)

Denotamos o núcleo e, respectivamente, a imagem de A por N (A) = x ∈ E : Ax = 0 eI (A) = Ax : x ∈ E. λ é um autovalor de A se, e somente se, N (A− λI) 6= 0. Nestecaso, o subespaço N (A− λI) de E, invariante pela ação de A, é formado pelos autovetores de Aassociados a λ e o vetor nulo 0. O operador A, sendo compacto, é contínuo e A ∈ L(E), o espaçodos operadores limitados de E para E: ∃c > 0 tal que ‖Ax‖ ≤ c ‖x‖, cuja norma é induzida pelanorma do espaço vetorial E (‖A‖ é a menor quota superior c):

‖A‖ = sup‖x‖=1

‖Ax‖ . (3.10)

O operador A é autoadjunto se, para todo x, y ∈ E temos

〈y, Ax〉 = 〈Ay, x〉 .

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COMPLEMENTOS 54

Proposição 3.29. Seja A ∈ L(E) um operador autoadjunto contínuo. Então

‖A‖ = sup‖x‖=1

〈x,Ax〉 .

Prova. Verica-se facilmente que

4〈x,Ay〉 = 〈x+ y, A (x+ y)〉 − 〈x− y, A (x− y)〉 .

Seja γ = sup‖x‖=1 |〈x,Ax〉|, onde o supremo é atingido pela menor quota superior desta quantidade.

Pela denição de quota superior: |〈z, Az〉| ≤ c ‖z‖2 com z = x ± y e identidade do paralelogramo(3.9), temos

4 |〈x,Ay〉| ≤ γ(‖x+ y‖2 + ‖x− y‖2)

= 2γ(‖x‖2 + ‖y‖2) .

Se ‖x‖ = ‖y‖ = 1, então esta desigualdade ca

|〈x,Ay〉| ≤ γ .

Fazendo y = Ax/ ‖Ax‖, obtemos

|〈x,Ay〉| = |〈Ax, y〉| = |〈Ax,Ax/ ‖Ax‖〉| = ‖Ax‖ ≤ γ

para todo x ∈ E tal que ‖x‖ = 1 e, em particular, para x∗ ∈ E que atinge o supremo em (3.10).Logo,

‖A‖ ≤ γ . (3.11)

Por outro lado, pela desigualdade de Cauchy-Schwarz (3.8), temos

|〈x,Ax〉| ≤ ‖x‖ ‖Ax‖ = ‖Ax‖ ,

∀x ∈ E tal que ‖x‖ = 1. Tomando o supremo nesta desigualdade, concluimos γ ≤ ‖A‖ que,juntamente com (3.11), demonstra a proposição.

Lema 3.30. Se A é um operador auto-adjunto compacto, então existe um autovalor λ de A com

|λ| = ‖A‖.

Prova. Pela Proposição 3.29, ‖A‖ = sup‖x‖=1 |〈x,Ax〉|, onde x ∈ E 7−→ 〈x,Ax〉 ∈ R é uma funçãocontínua de x. Existe, portanto, uma sequência (xn)n≥1 em E com ‖xn‖ = 1 e tal que

limn→∞〈xn, Axn〉 = ‖A‖ . (3.12)

Como 〈xn, Axn〉 é limitado em R e A é compacto, existe uma subsequência (xnk)k≥1 de (xn)n≥1 tal

que 〈xnk, Axnk

〉 e Axnk=: yk convergem

limk→∞〈xnk

, Axnk〉 = λ

limk→∞

Axnk= y

para um λ ∈ R e um ponto y ∈ E. Observe que, devido a (3.12), |λ| = ‖A‖.

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COMPLEMENTOS 55

Porém, devido a ‖Axnk‖2 ≤ ‖A‖2 = λ2, temos

‖(A− λI)xnk‖2 = ‖Axnk

‖2 − 2λ〈xnk, Axnk

〉+ λ2

≤ 2(λ2 − λ〈xnk

, Axnk〉)−→ 0

quando k tende a ∞. Isso prova que y = limk→∞ λxnké não nulo (pois λ 6= 0 e ‖xnk

‖ = 1) e, pelacontinuidade a aplicação x 7−→ Ax,

Ay = A limk→∞

λxnk= λ lim

k→∞Axnk

= λy .

Logo, λ é um autovalor de A com |λ| = ‖A‖ e y é um autovetor de A associado a λ.

Lema 3.31. Se A é um operador auto-adjunto compacto, então

(i) Os autovalores de A estão contidos no intervalo [−‖A‖ , ‖A‖];(ii) Os autovetores x e y associados a autovalores λ e η distintos são ortogonais: 〈x, y〉 = 0;

(iii) O subespaço invariante N (A− λI) = x ∈ E : (A− λI)x = 0 de autovetores associados

a algum autovalor λ 6= 0 de A tem dimensão nita.

Prova. Se x é um autovetor associado ao autovalor λ de A (de norma unitária: ‖x‖ = 1), entãopela denição (3.10) de norma de A segue que

‖A‖ ≥ ‖Ax‖ = |λ| ‖x‖ = |λ|

de onde se conclui a demonstração do ítem (i) se λ ∈ R. Mas, como A é autoadjunto, os autovaloresde A devido a

λ = λ ‖x‖2 = 〈λx, x〉 = 〈Ax, x〉 = 〈x,Ax〉 = 〈x, λx〉 = λ ‖x‖2 = λ

são necessariamente reais. Se x e y são autovetores associados a autovalores λ e η distintos, então

λ〈x, y〉 = 〈λx, y〉 = 〈Ax, y〉 = 〈x,Ay〉 = 〈x, ηy〉 = η〈x, y〉

e, portanto,(λ− η)〈x, y〉 = 0 ,

concluindo a prova do ítem (ii). Suponhamos, por contradição, que dim (N (A− λI)) = ∞.Podemos então encontrar uma sequência ortonormal innita x1, x2, . . . , xn, . . . que gera estesubespaço invariante. Como os xn's pertencem a N (A− λI), temos que, para todo n, Axn = λxn.Segue-se que, se m 6= n,

‖Axn − Axm‖2 = λ ‖xn − xm‖2 = λ〈xn − xm, xn − xm〉 = λ(‖xn‖2 + ‖xm‖2) = 2λ

ou seja, a distância entre quaisquer dois vetores xn e xm desta sequência: ‖xn − xm‖ =√

2 émantida positiva e igual para todo par de vetores pela ação de A: ‖Axn − Axm‖ =

√2λ > 0, devido

a hipótese λ 6= 0. Disso segue que: 1. o conjunto X = x1, x2, . . . , xn, . . . é limitado e fechado.2. não podemos extrair da sequencia Ax1, Ax2, . . . , Axn, . . . , uma subsequência convergente, emcontradição como a hipótese de A ser um operador compacto, concluindo a demonstração do ítem(iii).

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COMPLEMENTOS 56

Lema 3.32. Os autovalores de A ou são em número nito ou formam uma sequência que tem 0

como único ponto de acumulação.

Prova. Por (i) do Lema 3.31 sabemos que o espectro de A, isto é, o conjunto de autovaloresde A, é limitado, com ±‖A‖ suas quotas inferiores e superiores. Sendo o intervalo [−‖A‖ , ‖A‖]um conjunto compacto de R, toda sequencia innita de autovalores tem ao menos um ponto deacumulação. Suponhamos, por contradição, que λ 6= 0 é um ponto de acumulação. Neste caso existeuma subsequência λn1 , λn2 , . . . , λnk

, . . . de autovalores de A convergente para λ: limk→∞ λnk= λ.

Sem perda de generalidade, podemos escolhê-la tal que |λnk| > |λ| /2, k ≥ 1. Se xn1 , xn2 , . . . , xnk

,. . . são autovetores associados a estes autovalores com ‖xnk

‖ = 1, então se k 6= l,

‖Axnk− Axnl

‖2 = ‖λnkxnk− λnl

xnl‖2

= 〈λnkxnk− λnl

xnl, λnk

xnk− λnl

xnl〉

= |λnk|2 ‖xnk

‖2 + |λnl|2 ‖xnl

‖2

= |λnk|2 + |λnl

|2 ≥ |λ|2

Resulta, como na demonstração de (iii) do Lema 3.31, que a sequência Axn1 , Axn2 , . . . , Axnk, . . .

não admite uma subsequência convergente, em contradição com A ser um operador compacto (vejaDenição 3.24). Isso conclui a demonstração pois um número nito de pontos (autovalores de A)não se acumula em parte alguma do intervalo.

Dado um subespaço H ⊂ E, denimos o subespaço ortogonal a H por

H⊥ = x ∈ E : 〈x, y〉 = 0 para todo y ∈ H .

Notemos que H⊥ é fechado.Sejam λ1, λ2, . . . , λn, . . . os autovalores não nulos de A e seja H o subespaço fechado de E gerado

pelos pelos subespaços dois a dois ortogonais: N (A− λ1I), N (A− λ2I), . . . , N (A− λnI), . . . .Como N (A) é o subespaço dos autovalores associados ao autovalor λ = 0, segue por (ii) do Lema3.31 que N (A) ⊂ H⊥.Por outro lado, H é invariante pela ação de A e, em consequência, H⊥ também o é. Como a

restrição A|H⊥ de A a H⊥ não tem autovalores não nulos (pois os autovalores não nulos estão emH) segue-se que A|H⊥ ≡ 0 em decorrência do Lema 3.30. Obtemos então que H⊥ ⊂ N (A), o queacarreta, juntamente com a inclusão oposta obtida anteriormente, H⊥ = N (A).Além disso, como N (A− λnI) ⊂ I (A) (note, para isso, que αx : α ∈ C ⊂ N (A− λnI) é

invariante pela ação de A: Aαx = λnαx) temos H ⊂ I (A). Se x ∈ E e y ∈ N (A) então 〈Ax, y〉 =

〈x,Ay〉 = 0, isto é, I (A) ⊂ N (A)⊥. Consequentemente, N (A) ⊂ I (A)⊥ ⊂ H⊥ = N (A), ouseja, N (A) = I (A)⊥.Como H é gerado pelos subespaços N (A− λnI)'s, segue-se que existe uma base ortonormal de

H composta pelos autovetores e1, e2, . . . , en, . . . associados aos autovalores λ′1, λ′2, . . . , λ

′n, . . .

de A. Por (iii) do Lema 3.31, a mutiplicidade geométrica dim (N (A− λnI)) de cada autovalorλn é nita, os autovalores λ′n foram renumerados repetindo λn um número de vezes igual a estamultiplicidade.

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COMPLEMENTOS 57

Lema 3.33. H = I (A).

Prova. Já sabemos que H ⊂ I (A), restando mostrar a inclusão no outro sentido. Dado x ∈ E,denimos ym ∈ H por (série parcial de x na base de H)

ym =m∑i=1

〈x, ei〉ei .

Pela desigualdade de Bessel‖ym‖2 ≤ ‖x‖2

e

Aym =m∑i=1

〈x, ei〉Aei =m∑i=1

〈x, ei〉λ′iei =m∑i=1

〈x, λ′iei〉ei =m∑i=1

〈x,Aei〉ei =m∑i=1

〈Ax, ei〉ei . (3.13)

Como A é um operador compacto, existe uma subsequência (ymk)k≥1 tal que (Aymk

)k≥1 convergea um ponto y de H (lembre que H é invariante pela ação de A). Mas, por continuidade da formasesquilinear 〈·, ·〉, juntamente com (3.13),

〈Ax− y, ej〉 = 〈Ax, ej〉 − limk→∞〈Aymk

, ej〉

= 〈Ax, ej〉 − limk→∞〈∑mk

i=1〈x, ei〉Aei, ej〉

= 〈Ax, ej〉 − limk→∞

∑mk

i=1〈Ax, ei〉〈ei, ej〉

= 〈Ax, ej〉 − 〈Ax, ej〉 = 0

para todo j ≥ 1, que acarreta

Ax− y ∈ H⊥ = N (A) = I (A)⊥ .

Mas Ax−y ∈ I (A) (pois Ax−y = limk→∞ (Ax− Aymk) = limk→∞A (x− ymk

)). Logo Ax−y = 0

e isso prova que Ax ∈ H qualquer que seja x ∈ E, de onde se conclui que I (A) ⊂ H e a prova dolema.

Estamos prontos para enunciar o principal resultado sobre o espectro de operadores compactos

atuando sobre um espaço préHilbertiano, isto é, um espaço vetorial separável, munidos de umproduto interno, porém, não necessariamente completo. O seguinte resultado sumariza os conteúdosdos Lemas 3.303.33.

Teorema 3.34 (espectral de operadores compactos Hermitianos). Seja E um espaço pré-Hilbertiano

e A um operador compacto Hermitiano (sinônimo de auto-adjunto), com A 6= 0. Existe uma

sequência (nita ou innita) (λn)n≥1 de autovalores λn 6= 0 e uma sequência (en)n≥1 de autovetores

correspondentes, formando um conjunto ortonormal: 〈en, em〉 = δn,m tal qye, para todo x ∈ E,

Ax =∑n≥1

λn〈x, en〉en .

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COMPLEMENTOS 58

A sequência (λn)n≥1 contém todos os autovalores nãonulos de A, está ordenada de forma que

|λn| ≥ |λn+1|

e necessariamente satisfaz, quando innita,

limn→∞

λn = 0 .

Por m, a dimensão do subespaço invariante N (A− λI) correspondente a qualquer um autovalor

λ é nita e igual ao número de vezes que λ comparece na sequência.

Prova. Indiquemos por λ1 e e1 o par autovalor e autovetor correpondente de A com |λ1| = ‖A‖,cuja existência foi demonstrada no Lema 3.30. Se E1 = E e A1 = A|E1

= A, temos |λ1| = ‖A1‖ eE2 = N (A− λ1I)⊥ é um subespaço de E1 invariante pela ação de A ortogonal a e1.A restrição A2 = A1|E2

de A1 ao subespaço E2 é um operador hermitiano compacto. Logo,aplicando o Lema 3.30, existe um par λ2 e e2 de autovalor e autovetor correspondente de A1 (e,portanto, de A) com |λ2| = ‖A2‖ ≤ ‖A1‖. Segue que |λ2| ≥ |λ1|.Repetindo, Lema 3.30 aplicado a An : En −→ En, onde An = A|En−1

é hermitiano compactoEn = E⊥n−1 é pré-Hilbrtiano, obtemos um par λn e en de autovalor e autovetor correspondente deAn (e, portanto, de A) tal que λn = ‖An‖. Segue que os autovalores não-nulos λ1, λ2, . . . , λn de Asatisfazem

|λ1| ≥ |λ2| ≥ · · · ≥ |λn| ;

os autovetores correspondentes e1, e2, . . . , en de A são ortogonais dois a dois, normalizados e formamum sistema ortonormal; os subespaços E1, E2, . . . , En+1 de E onde En+1 = E⊥n é o subespaço deEn ortogonal aos vetores e1, e2, . . . , en.A. Se a restrição An+1 = A|En+1

= 0 de A ao subespaço En+1 for nula, então temos,

Ax =n∑i=1

λi〈x, ei〉ei (3.14)

para todo x ∈ E, isto é, o conjunto A(E) é o subespaço gerado por e1, e2, . . . , en. De fato, sex = x−

∑ni=1〈x, ei〉ei então 〈x, ei〉 = 0 para i = 1, . . . , n e, por conseguinte, x ∈ En+1 donde segue

que Ax = 0 e (3.14).B. Se para todo n ≥ 1 a restrição An+1 = A|En+1

de A ao subespaço En+1 for não nula, entãotemos uma sequência innita (λn)n≥1 de autovalores e um sistema ortonormal (en)n≥1 de autovetorescorrespondentes tais que

(a) a sequencia decrescente |λn| tende a 0. Caso contrário, existiria um ε > 0 tal que |λn| > ε

para todo n e uma sequência (en/λn)n≥1 limitada (‖en/λn‖ ≤ 1/ε ) sem que Aen/λn = en,n ≥ 1, contivesse uma subsequência convergente. Veja Lema 3.32 para uma outra provadesta asserção;

(b) para todo x ∈ E, temosAx =

∑n≥1

λn〈x, en〉en

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COMPLEMENTOS 59

sendo esta série convergente para Ax. Basta para isto mostrar que, dado x ∈ E e ε > 0,existe m0 tal que, para m ≥ m0, ‖Ax−

∑mn=1 λn〈x, en〉en‖ < ε, o que resulta de∥∥∥Ax−∑m

n=1λn〈x, en〉en

∥∥∥ =∥∥∥A(x−∑m

n=1〈x, en〉en

)∥∥∥≤ ‖Am+1‖

∥∥∥x−∑m

n=1〈x, en〉en

∥∥∥≤ |λm+1| ‖x‖

uma vez que |λm+1| tende a 0 quando m→∞;(c) todo autovalor λ 6= 0 de A encontra-se na sequência (λn)n≥1, pois se não, o autovetor

correspondente e seria ortogonal a todos os en e, de (b), teríamos Ae = 0, contrário ahipótese de que Ae = λe 6= 0.

(d) Dado um autovalor λ 6= 0 que aparece p vezes na sequência (λn)n≥1, o subespaço N (A− λI)

invariante gerado pelos autovetores correspondentes a λ tem dimensão ≥ p, pois pelo Lema3.30 existem pelo menos p autovetores ortonormais correspondentes a λ. O subespaço nãopode ter dimensão > p pois, neste caso, existiria pelo um autovetor e correspondente aλ ortogonal aos anteriores e a todos os en's e, como em (c), seguiria que Ae = 0, emcontradição à hipótese λ 6= 0.

Corolário 3.35. Sob as mesmas condições do Teorema 3.34, temos a seguinte caracterização fun-

cional de um autovalor λn 6= 0 de A

|λn| = supx∈E

|〈x,Ax〉|〈x, x〉

: 〈x, ei〉 = 0, i = 1, . . . , n− 1

(3.15)

e, para quaisquer x, y ∈ E, temos

〈Ax, y〉 =∑n≥1

λn〈x, en〉〈en, y〉 . (3.16)

A fórmula (3.15) aplicada ao problema de SturmLiouville aparece nas motivações para se estudaras equações da forma (1.1) como operadores em espaços vetoriais de funções no contexto dasequações de EulerLagrange. A fórmula (3.16) foi utlizada na Subseção 2.4 para deduzir a equação(2.50), satisfeita pela função de Green no sentido generalizado.

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COMPLEMENTOS 60

4. Equações integrais

4.1. O método de aproximações Sucessivas.Núcleo integral limitado. Esta seção é dedicada às equações integrais do segundo tipo da forma

u(x)−∫ b

a

K(x, y)u(y)dy = f(x) (4.1)

com f, |f | : [a, b] −→ R integráveis e o núcleo integral K : [a, b]× [a, b] −→ R uma função limitadae contínua, com exceção talvez de x = y, também chamadas de equações integrais de Fredholm.Permitimos discontinuidade na diagonal com a nalidade de incluir os núcleos integrais de Volterra,contínuos na região triângular a ≤ y ≤ x ≤ b e nulo no complemento.Para qualquer função f(x) integrável, a integral

Kf(x) :=

∫ b

a

K(x, y)f(y)dy (4.2)

é uma função contínua de x e (4.1) pode ser reescrita como

u = f +Ku . (4.3)

Tentaremos inicialmente uma solução de (4.3) pelo método de aproximações sucessivas. Tomandoa 0ésima aproximação u0(x) = 0, obtemos sucessivamente melhores aproximações: u1 = f +Ku0,u2 = f +Ku1, . . . ,

un = f +Kun−1

= f +Kf + · · ·+Kn−1f

onde a nésima iterada Knf de K em f é denida pelas relações de recorrência

K1f = Kf

K2f = K (Kf)

...

Knf = K(Kn−1f

)=

∫ b

a

K(·, xn) · · ·∫ b

a

K(x3, x2)

∫ b

a

K(x2, x1)f(x1)dx1dx2 · · · dxn (4.4)

...

Somos assim levados a uma solução tentativa na forma de série de funções, chamada de série deNeumann:

u(x) = f(x) +K1f(x) + · · ·+Kn−1f(x) + · · · (4.5)

Se a série de Neumann (4.5) convergir uniformemente, sua soma u(x) será uma solução de (4.3).De fato, aplicando K em (4.5), obtemos a equação (4.3):

Ku = K(f +Kf + · · ·+Kn−1f + · · ·

)= Kf +K2f + · · ·+Knf + · · · = u− f . (4.6)

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COMPLEMENTOS 61

Am de assegurar a convergência uniforme de (4.5), é suciente assumir que

M := maxa≤x,y≤b

|K(x, y)| < 1

b− a(4.7)

pois, pelas denições (4.2) e (4.4), a série (4.6) é majorada pela séries numérica:

maxa≤x≤b

|Ku(x)| ≤ M ‖f‖1 +M2(b− a) ‖f‖1 + · · ·+Mn(b− a)n−1 ‖f‖1 + · · ·

=M ‖f‖1

1−M(b− a)<∞

convergente pela hipótese (4.7), onde

‖f‖1 =

∫ b

a

|f(x)| dx .

A condição (4.7) é de forma alguma necessária para a convergência uniforme de (4.5), como podeser visto pelos seguintes exemplos.

Exemplo 4.1.(1) K(x, y) = α(x)β(x), onde α(x) e β(x) são duas funções contínuas arbitrárias, sujeitas

somente à condição: ∫ b

a

α(x)β(x)dx = 0 .

Para qualquer f(x) contínua, temos então

Kf(x) =

∫ b

a

α(x)β(x)f(x)dx = Cα(x)

K2f(x) =

∫ b

a

α(x)β(y)Cα(y)dy = Cα(x)

∫ b

a

β(y)α(y)dy = 0

...

Knf(x) = K(Kn−1f

)(x) = 0 , ∀n ≥ 2 .

A série de Neumann (4.5) neste caso se reduz a apenas dois termos e a solução de (4.3) é

u(x) = f(x) + Cα(x)

onde C =

∫ b

a

β(y)f(y)dy.

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COMPLEMENTOS 62

(2) Núcleo integral de Volterra: K(x, y) = 0 para a ≤ x < y ≤ b. Mantendo a notação

M = max |K(x, y)| e ‖f‖1 =

∫ b

a

|f(x)| dx, temos

|Kf(x)| =

∣∣∣∣∫ x

a

K(x, y)f(y)dy

∣∣∣∣ ≤M ‖f‖1∣∣K2f(x)∣∣ =

∣∣∣∣∫ x

a

K(x, y)Kf(y)dy

∣∣∣∣ ≤ ∫ x

a

M ·M ‖f‖1 dy = M2 ‖f‖1 (x− a)

∣∣K3f(x)∣∣ =

∣∣∣∣∫ x

a

K(x, y)K2f(y)dy

∣∣∣∣ ≤M3 ‖f‖1

∫ x

a

(y − a) dy = M3 ‖f‖1

(x− a)2

2

...∣∣Kn+1f(x)∣∣ =

∣∣∣∣∫ x

a

K(x, y)Knf(y)dy

∣∣∣∣ ≤Mn+1 ‖f‖1

∫ x

a

(y − a)n−1

(n− 1)!dy = Mn+1 ‖f‖1

(x− a)n

n!

...

A série (4.6) é, portanto, majorada pela série numérica

S = M ‖f‖1 +M2 ‖f‖1 (b− a) +M3 ‖f‖1

(b− a)2

2+ · · ·+Mn+1 ‖f‖1

(b− a)n

n!+ · · ·

= M ‖f‖1 exp (M(b− a)) <∞

convergente, não importando quão grande seja M . Consequentemente, as séries de Neu-

mann (4.5) para os núcleos integrais de Volterra sempre convergem uniformemente para a

solução de (4.3).

Núcleo integral de quadrado integrável. A condição (4.7) pode ser substituída por uma con-dição menos restritiva ∫ a

b

∫ b

a

|K(x, y)|2 dxdy < 1 . (4.8)

Sob esta condição podemos ainda dispensar qualquer hipotese de continuidade, sendo sucienteassumir que K : [a, b] × [a, b] −→ C seja quadrado integrável, isto é, pertencente ao espaço L2

correspondente ao domínio de integração [a, b] × [a, b]. Denotaremos este espaço por L2 paradistinguir do espaço de funções em [a, b] . O produto escalar e a norma em L2 e L2 são denotadospor ( , ) e ‖ ‖ e 〈 , 〉 e ‖||‖, respectivamente. Além disso, se as hipóteses sobreK forem generalizadasentão será necessário restringir a função f apropriadamente: f, |f | e |f |2 devem ser integráveis em[a, b], isto é, f pertence ao espaço L2.Seja K ∈ L2. Segue do teorema de Fubini sobre integrações sucessivas que a integral∫ b

a

|K(x, y)|2 dy

existe para quase todo x e∫ b

a

∫ b

a

|K(x, y)|2 dydx =

∫ b

a

∫ b

a

|K(x, y)|2 dxdy = ‖|K|‖2 .

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COMPLEMENTOS 63

Portanto,

k(x) =

(∫ b

a

|K(x, y)|2 dy)1/2

é um elemento do espaço L2 e ‖k‖ = ‖|K|‖. Se f ∈ L2, a integral

Kf(x) :=

∫ b

a

K(x, y)f(y)dy

faz sentido para todos os pontos x para os quais k(x) é nito e dene uma função em L2: peladesigualdade de Schwarz,∣∣∣∣∫ b

a

K(x, y)f(y)dy

∣∣∣∣2 ≤ ∫ b

a

|K(x, y)|2 dy ·∫ b

a

|f(y)|2 dy = k2(x) ‖f‖2 (4.9)

e, portanto,

‖Kf‖2 =

∫ b

a

∣∣∣∣∫ b

a

K(x, y)f(y)dy

∣∣∣∣2 dx ≤ ‖k‖2 ‖f‖2 = ‖|K|‖2 ‖f‖2 . (4.10)

Como K pertence ao espaço L2, ‖|K|‖2 < ∞ e o núcleo integral K(x, y) gera a transformaçãolinear: K : f ∈ L2 −→ Kf ∈ L2 a qual satisfaz (∀f, g ∈ L2, c ∈ C)

(1) Aditividade: K (f + g) = Kf +Kg,(2) Homogeneidade: K (cf) = cKf ,(3) Quota superior: ∃M tal que ‖Kf‖ ≤ M ‖f‖ (a menor quota M é denominada norma da

transformação linear K, que denotamos por ‖K‖).

Toda transformação linear K é contínua no sentido que, se (fn)n≥1 é uma sequência de funções

em L2 convergente em média quadrática para f : ‖f − fn‖2 =

∫ b

a

|f(x)− fn(x)|2 dx → 0, então a

sequência (Kfn)n≥1 converge em média quadrática para Kf :

‖Kf −Kfn‖ = ‖K (f − fn)‖ ≤ ‖K‖ ‖f − fn‖ → 0

quando n → ∞. Por outro lado, toda transformação K que é aditiva, homogênea e contínua étambém limitada e, portanto, linear. De fato, se K nestas condições não fosse limitada, existiriauma sequência (hn)n≥1 de funções em L2 tal que

‖Khn‖ > n ‖hn‖ ,

para todo n ≥ 1. Escrevendo gn = hn/(n ‖hn‖), teríamos

‖gn‖ =1

n→ 0 e ‖Kgn‖ =

1

n ‖hn‖‖Khn‖ > 1

em contradição com a hipótese de continuidade.

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COMPLEMENTOS 64

As operações de adição e multiplicação para uma transformação linearK são denidas de maneirausual:

(cK) f = cKf

(K1 +K2) f = K1f +K2f

(K1K2) f = K1 (K2f)

de onde se conclui, imediatamente, que

‖cK‖ = |c| ‖K‖‖K1 +K2‖ ≤ ‖K1‖+ ‖K2‖‖K1K2‖ ≤ ‖K1‖ ‖K2‖ .

Em particular, para iteração da transformação linear K em (4.4), temos∥∥K2∥∥ ≤ ‖K‖2

...

‖Kn‖ ≤ ‖K‖n

...

A convergência de uma sequência (Kn)n≥1 de transformações lineares para uma transformaçãolinear K pode ser denida de várias maneiras:

a. para cada f ∈ L2, Knf converge fracamente paraKf : limn→∞ (h,Knf −Kf) = 0, ∀h ∈ L2;b. para cada f ∈ L2, Knf converge fortemente (em média quadrática) para Kf , isto é,

limn→∞ ‖Knf −Kf‖ = 0;c. limn→∞ ‖Kn −K‖ = 0

Denominamos, respectivamente, a. convergência fraca, b. convergência forte (ou simplesmenteconvergência), c. convergência na norma. Obviamente, convergência forte implica convergênciafraca (basta usar a desigualdade de Schwarz). Se (Kn)n≥1 tende para K na norma então, para cadaelemento f de L2,

‖Knf −Kf‖ = ‖(Kn −K) f‖ ≤ ‖Kn −K‖ ‖f‖ → 0

quando n → ∞ e, portanto, Knf tende fortemente para Kf . Sendo, além disso, a convergênciauniforme em f , em todo subconjunto limitado de L2 (i.e. em todo conjunto de elementos f cujanorma ‖f‖ ≤ C para algum C < ∞) a convergência na norma é também chamada convergência

uniforme.Tendo introduzido estas noções preliminares, estamos prontos para demonstrar o seguinte.

Teorema 4.2. Se o núcleo integral K(x, y) satisfaz a condição (4.8), a equação integral

u−Ku = f (4.11)

tem uma única solução u pertencente a L2 para todo f pertencente a L2. Esta solução é obtida

como o limite da série de Neumann (4.5) em média quadrática e no sentido ordinário para quase

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COMPLEMENTOS 65

todo ponto x. Além disso, é suciente assumir que K(x, y) pertença a L2 e que a transformação

linear K satisfaça ‖K‖ < 1.

Prova. Pela equação (4.10) e denição 3. a seguir, temos

‖K‖ ≤ ‖|K|‖ < 1 , (4.12)

pela hipótese (4.8), onde ‖K‖ denota a norma da transformação linear K no espaço L2. Vamosagora mostrar que é suciente assumir ‖K‖ < 1. Para isso, notamos que a série de Neuman

u = f +K1f + · · ·+Kn−1f + · · · (4.13)

converge em média quadática, pois

‖un − um‖ =∥∥Kmf + · · ·+Kn−1f

∥∥≤

(‖K‖m + · · ·+ ‖K‖n−1) ‖f‖

=‖K‖m − ‖K‖n

1− ‖K‖‖f‖

tende a 0 quando n,m tendem a innito, pela hipótese (4.12). O limite da série (4.13) é claramnenteum elemento de L2:

‖u‖ =∥∥f +Kf + · · ·+Kn−1f + · · ·

∥∥≤

(1 + ‖K‖+ · · ·+ ‖K‖n−1 + · · ·

)‖f‖

=1

1− ‖K‖‖f‖ <∞ (4.14)

para qualquer f pertencente a L2.Em vista da continuidade da transformação linear K,

K (limun) = limKun

= lim(Kf +K2f + · · ·+Knf

),

é permitido aplicar a transformação K à equação (4.13), no lado direito termo-a-termo:

Ku = Kf +K2f + · · ·+Knf + · · ·=

(f +Kf +K2f + · · ·+Knf + · · ·

)− f = u− f .

O elemento u de L2, representado pela série de Neumann (4.13), é portanto uma solução da equaçãointegral (4.11).A série (4.13) também converge no sentido ordinário uma vez que, pela equação (4.9), temos

|Knf(x)| ≤ k(x)∥∥Kn−1f

∥∥ ≤ k(x) ‖K‖n−1 ‖f‖

e a série (4.13) no sentido ordinário (veja (4.4) e (4.5)) é necessariamente igual ao elemento u(x)

de L2 para (quase) todo ponto x para os quais k(x) é nito pois, por hipótese (4.12), Kf deneuma função em L2.

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COMPLEMENTOS 66

Sob a condição (4.12) a solução é única. Suponha, em contradição, que existam dois elementosu1 e u2 distintos de L2 tais que u1 −Ku1 = f e u2 −Ku2 = f . Então

u1 − u2 −K (u1 − u2) = 0

e‖u1 − u2‖ = ‖K (u1 − u2)‖ ≤ ‖K‖ ‖u1 − u2‖ < ‖u1 − u2‖ .

devido a ‖K‖ < 1. Temos necessariamente que ‖u1 − u2‖ = 0 e, consequentemente, u1(x) = u2(x)

para quase todo x.

4.2. Transformação inversa, valores regulares e singulares. Seja I a transformação em L2

identidade: If = f , ∀f ∈ L2 e O a transformação nula: Of = 0. Podemos escrever a equaçãointegral (4.11) como

(I −K)u = f . (4.15)

O Teorema 4.2 de existência e unicidade da solução de (4.15) estabelece, sob a condição (4.12),uma correspondência entre os elementos de L2: u e f por intermédio de uma transformação R,

u = Rf

que é aditiva, homogênea e, em virtude de (4.14), também limitada. Logo, R : L2 −→ L2 é umatransformação linear.Temos,

(I −K)Rf = (I −K)u = f , ∀f ∈ L2

e, portanto,(I −K)R = I . (4.16)

Em particular, temos

(I −K)R (I −K)h = (I −K)h, ∀h ∈ L2

que implicaR (I −K)h = h, ∀h ∈ L2

e, consequentemente,R (I −K) = I . (4.17)

Sumarizamos as equações (4.16) e (4.17) pela armação: R é a transformação inversa de I − K.Denotamos R = (I −K)−1.A inversa de uma transformação linear T qualquer, quando existe, é univocamente denida.

Quando a inversa à direita Sd: TSd = I e a inversa à esquerda Se: SeT = I de T existem sãonecessariamente iguais Sd = Se = S à inversa de T . A existência da inversa à direita não assegura,em geral, a existência da inversa à esquerda. Entretanto, se T transforma elementos distintos emelementos distintos de L2, isto é, se

Tf1 = Tf2 =⇒ f1 = f2 ,

então a equação TS = I implica que ST = I, pela mesma razão que (4.16) implica (4.17).

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COMPLEMENTOS 67

Temos visto que toda transformação linear da forma I −K, onde ‖K‖ < 1, tem uma inversa aqual pode ser construída por intermédio da série de Neuman (4.13):

(I −K)−1 = I +K + · · ·+Kn−1 + · · ·

convergente em norma:∥∥(I −K)−1 −(I +K + · · ·+Kn−1

)∥∥ =∥∥∥∑

m≥nKm∥∥∥

≤∑

m≥n‖K‖m

=‖K‖n

1− ‖K‖→ 0

quando n→∞.É claro que a inversa de I−K pode existir mesmo se ‖K‖ > 1, como pode ser visto nos Exemplos

1 2. Por isso vamos introduzir um parâmetro λ ∈ C na equação (4.15), juntamente com a seguintedenição.

Denição 4.3. Considere a equação integral

(I − λK)u = f (4.18)

com λ um número complexo, f e K pertencentes respectivamente a L2 e L2. O valor λ é dito ser

regular com respeito a K se (I − λK)−1 existir. Para λ regular escrevemos

(I − λK)−1 = I + λKλ (4.19)

onde Kλé uma transformação linear em L2, univocamente denida por esta equação para todo λ

exceto λ = 0; denimos K0 = K (por continuidade). Kλ é denominada transformação resolvente.

Os valores não-regulares de λ são chamados singulares.

Aplicando o Teorema 4.2 com λK no lugar de K, concluímos

Corolário 4.4. Todo valor λ tal que |λ| < 1/ ‖K‖ é regular e

(I − λK)−1 = I + λK + · · ·+ λn−1Kn−1 + · · · , (4.20)

no sentido de convergência na norma.

Por sua denição (4.19), a transformação resolvente Kλ satisfaz

(I − λK) (I + λKλ) = (I + λKλ) (I − λK) = I

que, por sua vez, é equivalente para λ 6= 0 à equação (válida também para λ = 0)

λKKλ = λKλK = Kλ −K . (4.21)

Vamos mostrar que Kλ e Kµ comutam para quaisquer dois valores λ e µ regulares:

KλKµ = KµKλ . (4.22)

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COMPLEMENTOS 68

Para isso, note que a mesma equação (4.21) é válida com λ substituído por µ. Reescrevendo (4.21)como

(Kλ −K)µKµ = (λKλK)µKµ = λKλ (µKKµ) = λKλ (Kµ −K) ,

concluímosµ (KλKµ −KKµ) = λ (KλKµ −KλK)

que juntamente com (4.21), resulta

(λ− µ)KλKµ = λKλK − µKKµ = (Kλ −K)− (Kµ −K) = Kλ −Kµ

e, em consequência,

KλKµ =Kλ −Kµ

λ− µ. (4.23)

Como o lado direito é simétrico em relação a λ e µ, equação (4.22) é deduzida desta equação.O conjunto dos valores λ regulares é, além disso, um conjunto aberto. Mais precisamente,

Proposição 4.5. Se µ é um valor regular para equação (4.18) então todos os valores λ tais que

|λ− µ| < 1

‖Kµ‖(4.24)

são regulares e temos (no sentdo de convergência na norma)

Kλ = Kµ + (λ− µ)K2µ + · · ·+ (λ− µ)n−1Kn

µ + · · · . (4.25)

Prova. Observe que, de acordo com a hipótese, λ − µ é um valor regular com respeito a trans-formação Kµ e a transformação resolvente correspondente, denotada por (Kµ)λ−µ, é representadapela série no lado direito de (4.25). Portanto, o problema se reduz a mostrar que (Kµ)λ−µ = Kλ,ou equivalentemente,

λ (Kµ)λ−µK = λK (Kµ)λ−µ = (Kµ)λ−µ −K .

Claramente, temos que (Kµ)−µ = K. Nossa asserção segue, portanto, da equação (4.23) com K

substituído por Kµ e os valores λ e µ substituídos por λ− µ e −µ:

(Kµ)λ−µK =(Kµ)λ−µ −K

λ.

Em particular, segue do desenvolvimento em série que a norma de Kλ é uma função contínua de

λ:

|‖Kλ‖ − ‖Kµ‖| ≤ ‖Kλ −Kµ‖≤ |λ− µ| ‖Kµ‖2 + · · ·+ |λ− µ|n−1 ‖Kµ‖n + · · ·

= |λ− µ| ‖Kµ‖2

1− |λ− µ| ‖Kµ‖→ 0

quando λ → µ. Além disso, se (λn)n≥1 é uma sequência de valores regulares tendendo para λ∞então, por (4.23),

‖Kλn −Kλm‖ ≤ |λn − λm| ‖Kλn‖ ‖Kλm‖ ≤ |λn − λm|M2 → 0

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COMPLEMENTOS 69

para m,n→∞. A sequencia de transformações resolventes (Kλn)n≥1 satisfaz, portanto, o critériode convergência de Cauchy com respeito a convergência na norma, convergindo na norma para umatransformação linear K∞. Equação (4.21) com λ substituído por λn torna-se no limite

λ∞K∞K = λ∞KK∞ = K∞ −K

que implica que λ∞ é um valor regular e que Kλ∞ = K∞.Estes fatos podem ser sumarizados como:

Teorema 4.6. A transformação resolvente Kλ é uma função analítica regular de λ em cada ponto µ

o qual é um valor regular para K. Kλ não pode ser continuada analiticamente além deste conjunto

e quando um ponto regular se aproxima de um ponto singular a norma de Kλ diverge.

Prova. Pela Proposição 4.5, Kλ é uma função de λ analítica regular em algum ponto µ enquantosua série de potência em torno de µ tiver raio de convergência estritamente positivo que, por suavez, é garantido enquanto ‖Kµ‖ < ∞ pela equação (4.24). A Proposição 4.5 aplicada a todo µregular dene o conjunto aberto resolvente, cujos pontos aderentes de sua fronteira necessariamentedevem satisfazer ‖Kµ‖ =∞.

Núcleo integral da transformação resolvente. Vimos que toda função K(x, y) pertencente aoespaço L2 gera uma transformação linear K do espaço L2 nele mesmo, cuja norma não excedea norma de K(x, y) como um elemento de L2: ‖K‖ ≤ ‖|K|‖. Em seguida, operamos com astransformações, sem fazer uso dos núcleos que o geram. Põe-se o problema de se examinar comoestas operações com as transformações lineares podem ser interpretadas em termos de operaçõescom núcleos integrais.É evidente que se as transformações F e G são geradas por núcleos F (x, y) e G(x, y) pertencentes

a L2, então as transformações cF e F + G são geradas por núcleos cF (x, y) e F (x, y) + G(x, y),igualmente pertencentes a L2. Vamos mostrar a asserção, menos evidente, que a transformaçãoH = FG é gerada pelo núcleo

H(x, y) =

∫ b

a

F (x, z)G(z, y)dz ,

o qual também pertence a L2 e satisfaz, pela desigualdade de Schwarz (basta adaptar as fórmulas(4.9) e (4.10), veja (4.26) a seguir)

‖|H|‖ ≤ ‖|F |‖ ‖|G|‖ .

Para um elemento h de L2 arbitrário, as ações Hh e F (Gh) são denidas pelas integrais

Hh(x) =

∫ b

a

(∫ b

a

F (x, z)G(z, y)dz

)h(y)dy

e

F (Gh) (x) =

∫ b

a

F (x, z)

(∫ b

a

G(z, y)h(y)dy

)dz .

Para mostrar que estas integrais existem e são iguais uma a outra para quase todo x, evocamoso teorema de Fubini. Isso reduz a mostrar que para um ponto x = x0 não excepcional a função

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COMPLEMENTOS 70

F (x0, z)G(z, y)h(y) é integrável no quadrado [a, b]× [a, b] e isso segue do fato que as funções G(z, y)

e F (x0, z)h(y) são quadrado integrável no quadrado. Para isso aplicamos a desigualdade de Schwarze notamos que G e h pertencem a L2 e L2 e F (x0, ·) a L2.Segue imediatamente destes fatos que se a transformaçãoK é gerada pelo núcleo integralK(x, y),

as transformações K2, K3, . . . , são geradas pelos núcleos integrais K(2)(x, y), K(3)(x, y), . . . , de-nominados núcleos integrais iterados e denidos pela fórmula recursiva

K(n)(x, y) =

∫ b

a

K(x, z)K(n−1)(z, y)dz , n = 2, 3, . . .

com K(1)(x, y) = K(x, y).Pela desigualdade de Schwarz,∣∣K(n)(x, y)

∣∣2 =

∣∣∣∣∫ b

a

K(x, z)K(n−1)(z, y)dz

∣∣∣∣2 ≤ ∫ b

a

|K(x, z)|2 dz∫ b

a

∣∣K(n−1)(z, y)∣∣2 dz (4.26)

e integrando em x e y, resulta∥∥∣∣K(n)∣∣∥∥ ≤ ‖|K|‖ · ∥∥∣∣K(n−1)

∣∣∥∥ ≤ · · · ≤ ‖|K|‖nao ser iterada n vêzes.Considere a série para o nucleo integral

Kλ(x, y) = K(x, y) + λK(2)(x, y) + · · ·+ λn−1K(n)(x, y) + · · · (4.27)

onde λ é um parâmetro complexo. A série é majorada na norma do espaço L2 pela série numérica

‖|Kλ|‖ ≤ ‖|K|‖+ |λ| ‖|K|‖2 + · · ·+ |λ|n−1 ‖|K|‖n + · · · .

Disso segue que, para todo valor de λ tal que

|λ| < 1

‖|K|‖(4.28)

a série (4.27) converge em média quadrática para Kλ(x, y), que é um elemento de L2.

Proposição 4.7. Os valores de λ tais que a desigualdade (4.28) é satisfeita são regulares com

respeito a transformação linear K gerada pelo núcleo integral K(x, y). A transformação resolvente

Kλ denida por (4.19) é também do tipo integral, isto é, gerada pelo núcleo integral pertencente a

L2, sendo Kλ(x, y) dado pela soma (4.27), convergente em média quadrática e no sentido ordinário,

para quase todo (x, y) ∈ [a, b]× [a, b].

Prova. A transformação linear Kλ gerada pelo núcleo integral Kλ(x, y) coincide com a transfor-mação resolvente denida por (4.19) no parágrafo anterior. De fato, a convergência em médiaquadrática da série (4.27) implica na convergência na norma da transformação linear correspon-dente

Kλ = K + λK2 + · · ·+ λn−1Kn + · · · (4.29)

e a asserção segue por comparação com (4.19) e (4.20).Além disso, sob a condição (4.28), (4.27) converge, não somente na média como no sentido

ordinário, para o mesmo limiteKλ(x, y), para quase todo (x, y). Isso segue da seguinte desigualdade,

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COMPLEMENTOS 71

válida para n > 2, ∣∣K(n)(x, y)∣∣ =

∣∣∣∣∫ b

a

∫ b

a

K(x, s)K(n−2)(s, t)K(t, y)dsdt

∣∣∣∣=

∣∣(K(n−2), Hxy

)∣∣≤ ‖|K|‖n−2 ‖|Hxy|‖

onde Hxy(s, t) denota a função K(x, s)K(t, y), a qual pertence a L2 para quase todo (x, y).

A condição (4.28) é suciente, porém não necessária para a convergência da série (4.27) comopode-se ser visto pelos Exemplos 1 e 2 trocando-seK por λK na séries (4.6) seguida da multiplicaçãopor K.Entretanto, é possível que para certas transformações K o valor de λ seja regular, isto é, a trans-

formação resolvente Kλ para este λ exista, sem que a série (4.29) correspondente seja convergente.A questão que se coloca é: a transformação Kλ continua do tipo integral também nestes casos?Para respondê-la, multiplicando os dois membros da igualdade (4.19), que dene a transformação

resolvente Kλ, pela direita por K, fazendo uso em seguida da relação (4.21), obtemos

(1− λK)−1K = K + λKλK = K +Kλ −K = Kλ . (4.30)

Provaremos na próxima subseção o seguinte

Lema 4.8. Toda transformação a qual pode ser representada pelo produto TK de duas transfor-

mações lineares, sendo K do tipo integral, é também do tipo integral.

Segue do Lema 4.8 e (4.30) que, para todo valor λ regular, a transformação resolvente Kλ é dotipo integral. Observamos, de passagem, que existem transformações lineares em L2 que não sãodo tipo integral, por exemplo, a indentidade If = f . De fato, se I fosse gerada pelo núcleo integralI(x, y), teríamos então ∫ b

a

∫ b

a

f(x)I(x, y)f(y)dydx = (If, g) = (f, g) (4.31)

para todo f e g em L2. Escolhendo, em particular, f e g iguais a função característica de doisintervalos J1 e J2 disjuntos J1 ∩ J2 = ∅ arbitrários e contidos em [a, b], teremos

(f, g) = 0

enquanto que o primeiro membro de (4.31) é a integral de I(x, y) sobre o quadrado [a, b] × [a, b]

no plano xy cujos lados são paralelos aos eixos e não interseptam a diagonal x = y. Portanto,a integral é nula sobre todo o quadrado e, consequentemente, I(x, y) = 0 para quase todo (x, y)

neste, que é impossível para uma função.

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COMPLEMENTOS 72

4.3. Aproximação por núcleos integrais de posto nito. Uma classe particularmente simplesde transformações lineares em L2 é formada pelas assim ditas transformações de posto nito,representadas na forma

Kf =r∑i=1

(f, ψi)ϕi (4.32)

onde ϕ1, ϕ2, . . . , ϕr e ψ1, ψ2, . . . , ψr são elementos do espaço L2 dados. Cada transformação deposto nito é do tipo integral com núcleo integral

K(x, y) =r∑i=1

ϕi(x)ψi(y) (4.33)

sendo que este núcleo é dito ser de posto nito. O núcleo integral de posto nito é, claramente,um elemento do espaço L2. Além disso, podese passar de núcleos de posto nito para núcleopertencentes a L2 em geral, fazendo uso do seguinte

Teorema 4.9. Todo núcleo integral K(x, y) pertencente a L2 pode ser aproximado, tão bem quanto

se deseja, por um núcleo integral de posto nito, onde a aproximação se dá no sentido da métrica

em L2, isto é, em média quadrática: dado ε > 0, existe R = R(ε) tal que para todo r > R, existe

Kr representado na forma (4.32) tal que

‖|K −Kr|‖ < ε .

Prova. Sabemos que a séries de Fourier em ambas variáveis x e y de uma funçãoK : [a, b]×[a, b] −→C quadrado integrável converge em média para esta função. Basta então tomar a série parcial comíndice (número de termos) sucientemente grande.

Se preferir, há uma outra prova que não faz menção a séries de Fourier. Consulte para isso o

texto "Functional Analysis"de Frigyes Riesz e Béla Sz.-Nagy, Seção 69. Prosseguiremos com duasaplicações deste resultado. Iniciaremos com a seguinte prova concernente à transformação linearTK ser do tipo integral se T é limitada e K é gerada pelo núcleo integral K(x, y) pertencente aL2.Prova do Lema 4.8. Seja (Kn(x, y))n≥1 uma sequência de núcleos integrais de posto nito da forma

Kn(x, y) =rn∑i=1

ϕn,i(x)ψn,i(y) ,

convergente em média para K(x, y). Seja χn,i = Tϕn,i e escreva

Hn(x, y) =rn∑i=1

χn,i(x)ψn,i(y) .

Para y ∈ [a, b] xo, Kn(x, y) e Hn(x, y) são elementos de L2 e, além disso,

Hn(x, y) = TKn(x, y) , ∀y .

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COMPLEMENTOS 73

Consequentemente,∫ b

a

|H(x, y)−Hn(x, y)|2 dx = ‖T‖2

∫ b

a

|K(x, y)−Kn(x, y)|2 dx

e tomando a integral com respeito a y, temos

‖|H −Hn|‖2 ≤ ‖T‖2 ‖|K −Kn|‖2 .

Pelo Teorema de RieszFischer da convergência em média, Teorema 4.9, a convergência em médiade (Kn(x, y))≥1 para K(x, y) implica a convergência em média de (Hn(x, y))≥1 para, digamos,H(x, y). Denotando a transformação linear correspondente por H, temos

‖H −Hn‖ ≤ ‖|H −Hn|‖ −→ 0

e‖TK − TKn‖ ≤ ‖T‖ ‖K −Kn‖ ≤ ‖T‖ ‖|K −Kn|‖ −→ 0 ,

quando n tende a ∞.Por outro lado, para cada elemento f ∈ L2, temos

Hnf =rn∑i=1

(f, ψn,i)χn,i

= Trn∑i=1

(f, ψn,i)ϕn,i = T (Knf)

e, consequentemente,Hn = TKn e H = TK ,

o que prova que a transformação TK é gerada pelo núcleo integral H(x, y), concluindo a demons-tração.

Como segunda aplicação do teorema da aproximação vamos mostrar que núcleos integrais distin-

tos geram sempre transformações lineares distintas, quase certamente, no sentido que se K1(x, y) eK2(x, y) diferem em apenas um conjunto nulo do plano, então K1 ≡ K2.É suciente mostrar que a transformação K gerada pelo núcleo integral K(x, y) não pode ser

igual a transformação nula O (denida por Of = 0 para qualquer f ∈ L2) a não ser que K(x, y)

é quase certamente zero. Suponha, por absurdo, que K = O. Então, para duas funções f , g ∈ L2

arbitrárias e F (x, y) = g(x)f(y) em L2, temos

(K,F ) =

∫ b

a

∫ b

a

K(x, y)F (x, y)dxdy

=

∫ b

a

(∫ b

a

K(x, y)f(y)dy

)g(x)dx = (Kf, g) = 0 .

Segue que K(x, y) é ortogonal a todos os núcleos integrais de posto nito e, como estes são densosem L2 pelo Teorema 4.9, K(x, y) é ortogonal a si próprio: ‖|K|‖2 = (K,K) = 0, implicando queK(x, y) = 0 quase certamente e concluindo a demonstração da armação.

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COMPLEMENTOS 74

4.4. Alternativa e determinante de Fredholm.Equação integral com núcleo de posto nito. No caso em que o núcleo integral K(x, y) é deposto nito (4.33), o estudo da equação integral

f −Kf = g (4.34)

reduz-se ao estudo de um sistema linear de equações algébricas. Sem perda de generalidade, pode-mos assumir que as ϕi(x)'s em (4.33) formam um conjunto de funções L. I. e assumimos o mesmodas ψi(x)'s.A equação (4.34) é da forma

f −r∑i=1

(f, ψi)ϕi = g (4.35)

e toda solução f desta equação pode ser escrita como

f = g +r∑j=1

ξjϕj (4.36)

com constantes numéricas ξj's a serem determinadas pela equação. Substituindo (4.36) em (4.35),resulta uma relação linear homogênea das ϕj(x)'s

r∑j=1

(ξj − (g, ψj)−

r∑i=1

(ϕi, ψj) ξi

)ϕj = 0

que implica, por serem L. I., que todos os coecientes desta relação devem se anular. Consequen-temente, os coecientes ξj's da expansão (4.36) de uma solução f de (4.35) satisfazem um sistemade equações algébricas

ξj −r∑i=1

cijξi = ηj , j = 1, . . . , r, (4.37)

onde

cij = (ϕi, ψj)

ηj = (g, ψj) .

No outro sentido, cada solução (ξj)rj=1 do sistema (4.37) fornece, por meio de (4.36), uma solução

f da equação (4.35).Escrevendo as matrizes r×r identidade I = [δij]

ri,j=1 e C = [cij]

ri,j=1 e vetor η = [ηj]

rj=1, a equação

(4.37) na forma matricial(I − C) ξ = η (4.38)

tem uma única solução ξ = [ξj]rj=1, se o determinate d := det (I − C) 6= 0 de (I − C) é diferente de

0, dada pela fórmula de Cramer

ξi =1

d

r∑j=1

d

(i

j

)ηj , i = 1, . . . , r , (4.39)

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COMPLEMENTOS 75

onde d

(i

j

)denota o menor da matriz I − C em relação a entrada ij, isto é, o determinante de

I − C com a iésima e jésima coluna subtraídas. Para isso, note que

ξ = (I − C)−1 η

=1

dAdj (I − C)η (4.40)

é a única solução ξ de (4.38) quando d 6= 0. A matriz adjunta Adj (A) de uma matriz A é a

transposta da matriz dos cofatores de A: Adj (A) = Cof(A)T , com Aij = (−1)i+jd

(i

j

)o cofator de

A em relação a entrada ij, reproduzindo assim a regra de Cramer (4.39) (VERIFICAR!).A única solução de (4.34) é portanto

f = g +1

d

r∑i,j=1

d

(i

j

)(g, ψj)ϕi = (I +K1) g (4.41)

sendo K1 uma transformação linear com núcleo integral

K1(x, y) =1

d

r∑i,j=1

d

(i

j

)ϕi(x)ψj(y) .

Em particular, a equação integral homogênea

f −r∑i=1

(f, ψi)ϕi = 0 (4.42)

ou sua equivalente equação algébrica,

ξj −r∑i=1

cijξi = 0 , j = 1, . . . , r, (4.43)

tem como única solução a trivial: f = 0 ou ξi = 0, i = 1, . . . , r.Por outro lado, quando d = 0, tanto (4.42) como (4.43) admitem soluções não identicamente

nulas, o número de soluções L. I. sendo igual a nulidade da matriz (I − C), isto é, a diferençaentre a ordem r e o seu posto.Considere a equação integral adjunta de (4.34) 3,

f ′ −K∗f ′ = g′ (4.44)

onde o núcleo integral K∗(x, y) da transformação adjunta K∗ é adjunto do núcleo integral K(x, y)

de acordo com a relaçãoK∗(x, y) = K(y, x) ,

isto é,

K∗(x, y) =r∑i=1

ψi(x)ϕi(y) .

3O linha nas funções f e g signica apenas outras funções f ′ e g′ da mesma classe. A equação adjunta quando Ktem posto nito é da forma (4.45) (compare com 4.42).

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COMPLEMENTOS 76

Como anteriormente, introduzimos as quantidades correspondentes: a matriz C∗ =[c∗ij]de

ordem r, e os determinantes d∗ e d∗(i

j

)da matriz I − C∗ e de I − C∗ com a iésima linha e

jésima coluna removidas. Temos

c∗ij = (ψi, ϕj) = (ϕj, ψi) = cji

de onde segue que d∗ = d, d∗(i

j

)= d

(i

j

)e que as duas matrizes I − C e I − C∗ tem a mesma

nulidade. Consequentemente, quando d 6= 0 temos d∗ 6= 0 e a equação (4.44) tem uma únicasolução f ′ para qualquer g′ pertencente a L2, enquanto que quando d = d∗ = 0, a equação (4.42) ea equação

f −r∑i=1

(f, ϕi)ψi = 0 (4.45)

tem o mesmo número ν, ν ≥ 1, de soluções L. I..Para certos g's, equação (4.34) tem uma solução mesmo se d = 0, a saber, quando g é ortogonal

a todas as soluções de (4.45). De fato, escrevendo

f = g +r∑j=1

ξjϕj , f ′ =r∑j=1

ξ′jϕj , ηj = (g, ψj)

passamos para o sistema de equações algébricas

ξj −r∑i=1

cijξi = ηj , (4.46)

ξ′j −r∑i=1

cijξ′i = 0 j = 1, . . . , r, (4.47)

e observamos que a ortogonalidade entre g e f ′ é equivalente à entre os vetores η = [ηj]rj=1 e

ξ′ =[ξ′j]rj=1

:

(g, f ′) =(g,∑r

j=1ξ′jψj

)=∑r

j=1ξ′j (g, ψj) =

∑r

j=1ξ′jηj = η · ξ .

e o problema se reduz a um bem conhecido teorema de álgebra para um sistema de equações: asolução ξ = [ξj]

rj=1 de (4.46) existe se, e somente se, o vetor η = [ηj]

rj=1 é ortogonal a todas as

soluções ξ′ =[ξ′j]rj=1

do sistema adjunto homogêneo (4.47).Resumindo,

Teorema 4.10 (alternativa de Fredholm). Ou as equações integrais (I) f − Kf = g e (I*)

f ′−K∗f ′ = g′ cujos núcleos integrais são, respectivamente, K(x, y) e K∗(x, y) = K(y, x), têm uma

única solução, f e f ′, quaisquer que sejam g e g′ (têm a única solução f = 0 e f ′ = 0 quando g = 0

e g′ = 0), ou as equaçõs homogêneas (H) ϕ − Kϕ = 0 e (H*) ϕ′ − K∗ϕ′ = 0 tem soluções não

identicamente nulas, o número ν de soluções L. I. é nito e mesmo para (H) e (H*).

No segundo caso, a condição necessária e suciente para que (I) e (I*) tenham soluções é que

g seja ortogonal a todas soluções ϕ's de (H*) e que g′ seja ortogonal a todas soluções ϕ′'s de (H).

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COMPLEMENTOS 77

Veremos a seguir que a alternativa de Fredholm, expressa no enunciado do Teorema 4.10, semantém inalterada para equações integrais cujo núcleo não é de posto nito.Consideremos agora equações integrais

f − λKf = g (4.48)

com um parâmetro λ ∈ C. Vamos substituir nos cálculos anteriores K(x, y) por λK(x, y); a matriz

C será substituída por λC e o determinante d e seus menores d

(i

j

)tornar-se-ão polinômios em λ,

denotados respectivamente por d(λ) e d

(i

j, λ

). Como d(0) = 1, d(λ) não é identicamente nulo

e possuem no máximo um número nito ≤ r de raízes, λ1, . . . , λν . Todos os valores de λ diferentesdestes zeros são regulares e o núcleo resolvente é igual a

K1(x, y) =1

d

r∑i,j=1

d

(i

j, λ

)ϕi(x)ψj(y) .

Os valores λ1, . . . , λν são singulares, pois para estes valores a equação (4.48) não pode ser resolvidapara todos os g's e, consequentemente, a transformação I − λK não possue uma inversa. Para

uma equação integral com núcleo de posto nito existem no máximo um número nito de valores

singulares; o núcleo integral da tranformação resolvente é uma função racional do parâmetro λ aqual tem pólos nestes valores singulares.Determinantes de Fredholm. Ivar Fredholm4 foi o primeiro a propor um método de resoluçãode equações integrais da forma

f(x)− λ∫ b

a

K(x, y)f(y)dy = g(x) (4.49)

sob a hipótese que K : [a, b]× [a, b] −→ C é uniformemente contínuo. Fredholm parte da idéia, jáutilizada por Volterra, de substituir a integral em (4.49) por uma soma∫ b

a

K(x, y)f(y)dy −→n∑j=1

K(x, ξj)f(ξj)h

e considerar a equação (4.49) apenas nos pontos x = ξi, i = 1, . . . , n, igualmente espaçados porh = (b− a)/n no intervalo [a, b]:

ξi = a+ ih , i = 1, . . . , n .

A equação integral torna-se um sistema de equações lineares algébricas para as variáveis desconhe-cidas fi = f(ξj), j = 1, . . . , n:

fi − λhn∑j=1

kijfj = gi , i = 1, . . . , n , (4.50)

4Sur une nouvelle méthode pour la résolution du problème de Dirichlet, Vetenskaps-Academiens Förh. Stockholm,3946 (1900); Sur une classe d'équations fonctionnelles, Acta Math. 27, 365390 (1903)

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COMPLEMENTOS 78

onde kij = K(ξi, ξj) e gi = g(ξi) são as entradas de uma matriz K = [kij]ni,j=1 e as componentes

do vetor g = (g1, . . . , gn), ambos de ordem n. Se f = (f1, . . . , fn) denota o vetor das incógntas,o sistema de equações (4.50) na forma matricial pode ser escrito como (note a semelhança com(4.38))

(I − λhK)f = g ,

cuja solução f = (I − λhK)−1 g será obtida por intermédio de uma fórmula para inversa (I − λhK)−1

análoga a (4.40), isto é, a razão entre a transposta da matriz dos cofatores e o determinante damatriz em um sentido mais amplo como veremos a seguir.Observamos primeiramente que o determinante da matriz I − λhK é um polinômio de ordem n

em λh que pode ser desenvolvido de acordo com a seguinte fórmula:

Proposição 4.11. Com d(λ) = det (I − λhK), temos

d(λ) = 1− λhn∑i=1

kii +λ2h2

2!

n∑i,j=1

∣∣∣∣∣ kii kijkji kjj

∣∣∣∣∣− · · ·+

+ (−1)nλnhn

n!

n∑i1,...,in=1

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ki1i1 ki1i2 · · · ki1in

ki2i1 ki2i2. . . ki2in

......

......

kini1 kini2 · · · kinin

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣. (4.51)

Prova. Para obter (4.51), empregaremos a clássica fórmula do determinante

d(λ) =∑π

(−1)|π| (I − λhK)1π1· · · (I − λhK)nπn (4.52)

onde o somatório é sobre todas as permutações π =

(1 2 . . . n

π1π2 . . . πn

)do conjunto de índices In =

1, 2, . . . , n e (−1)|π| indica o sinal da permutação, com |π| denotando o número de permuta-ção elementares (transposições), entre pares de índices, de In necessária para tornar a sucessãoπ1π2 . . . πn na ordem natural 1 2 . . . n. Notamos que |π| não é unívoca e o sinal da permutaçãoindepende da maneira que é realizada a contagem. Para estas e outras noções utilizadas na prova,veja Caps. 1 e 4 de Álgebra exterior de Elon L. Lima.Desenvolvendo o produto de elementos da matriz I−λhK em (4.52), juntamente com I = [δij]

ni,j=1

onde δij = 0 se i 6= j e δii = 1, obtemos

d(λ) = 1−∑π

(−1)|π|

(λh

n∑i=1

kiπi∏j 6=i

δj,πj+

+λ2h2∑

1≤i<j≤n

kiπikjπj∏

k 6=i,j

δk,πk − · · ·+ (−1)n λnhnk1π1 · · · kinin

(4.53)

que ainda não tem a forma (4.51) devido as somas sobre os índices dos λhKiπi 's que aparecem naexpansão estarem ordenados para evitar contagem repetida de termos. Para que os índices das

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COMPLEMENTOS 79

somas percorram todos os valores em In, observe que o coeciente∑π

(−1)|π|∑

1≤ii<···<ik≤n

ki1πi1 · · · kikπik∏

k 6=i1,...,,ik

δk,πk

de (−1)kλkhk, para algum k ∈ In, é da forma

∑1≤ii<···<ik≤n

∑π

(−1)|π|ki1πii · · · kikπik =∑

1≤ii<···<ik≤n

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ki1i1 ki1i2 · · · ki1ik

ki2i1 ki2i2. . . ki2ik

......

......

kiki1 kiki2 · · · kikik

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣=

1

k!

n∑i1,...,ik=1

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ki1i1 ki1i2 · · · ki1ik

ki2i1 ki2i2. . . ki2ik

......

......

kiki1 kiki2 · · · kikik

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣onde a soma sobre π percorre as permutações π =

(i1 i2 . . . ikπi1 πi2 . . . πik

)do conjunto de índices reduzidos

i1, i2, . . . , ik, fazendo com que a soma resulte um determinante, isto é, algum menor de K daordem k. Como o determinante de uma matriz é a única função multilinear antisimétrica porpermutações de suas linhas e/ou colunas, se anulando portanto quando duas ou mais linhas oucolunas forem repetidas, podemos substituir a soma ordenada nos índices pela soma irrestrita,dividindo pela multiplicidade k! dos termos que não se anulam, em correspondência com o númerode permutações do conjunto i1, i2, . . . , ik de índices reduzidos. Note que toda vez que transpomosum par de linhas transpomos igualmente o par correspondente de colunas, mantendo com isso osinal do determinante e concluindo a prova da proposição.

Sendo p(λ) um polinômio não identicamente 0, pois p(0) = 1, o sistema (4.50) tem uma única

solução f = (f1, . . . , fn) para todo λ, com exceção de no máximo um número nito de valores≤ n; além disso, a solução f tem a forma de n razões cujo denominador é o determinante d(λ) e onumerador determinantes construídos a partir dos menores de K e das coordenadas gi de g.No lugar de investigar se a solução de (4.50) tende, quando n→∞, para um limite e se este, por

sua vez, fornece a solução de (4.49), Fredholm utilizou a fórmula clássica algébrica somente paradeduzir a partir desta, por uma passagem puramente formal de n para ∞, uma expressão a qualele mostrou de uma maneira direta convergir e fornecer a solução de (4.49).Para simplicar as expressões, introduzimos a notação

K

(x1x2 . . . xny1y2 . . . yn

)=

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣K (x1, y1) K (x1, y2) · · · K (x1, yn)

K (x2, y1) K (x2, y2). . . K (x2, yn)

......

......

K (xn, y1) K (xn, y2) · · · K (xn, yn)

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

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COMPLEMENTOS 80

e observamos que este determinante muda de sinal pela troca de posição entre quaisquer par devariáveis xi e xk ou de variáveis yi e yk e, consequentemente, permanece inalterado quando se aplicaum número par de transposições deste tipo. Em particular, o determinante permanece inalterado

por permutações quaisquer dos elementos

(xiyi

).

Os coecientes de λm/m! na expansão (4.51) podem ser escritos de maneira mais compacta como

hmn∑

i1,...,in=1

K

(ξi1ξi2 . . . ξimξi1ξi2 . . . ξim

)e esta soma tem como limite formal, quando h→ 0, as integrais de Riemann multiplas∫ b

a

∫ b

a

· · ·∫ b

a

K

(ξ1ξ2 . . . ξmξ1ξ2 . . . ξm

)dξ1dξ2 . . . dξm .

O limite formal do determinante (4.51) é então dado pela série completa

d(λ) = 1− λ∫ b

a

K

(ξ1

ξ1

)dξ1 +

λ2

2!

∫ b

a

∫ b

a

K

(ξ1ξ2

ξ1ξ2

)dξ1dξ2 − · · ·+

+ (−1)nλn

n!

∫ b

a

∫ b

a

· · ·∫ b

a

K

(ξ1ξ2 . . . ξnξ1ξ2 . . . ξn

)dξ1dξ2 . . . dξn + · · · . (4.54)

Primeiramente, observamos que esta série é convergente em valor absoluto para todo λ ∈ C.Para mostrar isso, usaremos o fato que o determinante de ordem n de uma matriz cujos elementossão limitados, em valor absoluto, por M é no máximo Mnnn/2. Este resultado é um Corolário dadesigualdade de Hadamard, a qual será demonstrada mais adiante.Disso segue, juntamente com max |K(x, y)| < M , que a série (4.54) é estimada pela seguinte

série majorante

|d(λ)| ≤∞∑n=0

nn/2

n!Mn(b− a)n |λ|n (4.55)

que converge pelo teste da razão, uma vez que

1

n+ 1

(n+ 1)(n+1)/2

nn/2M(b− a) |λ| = (1 + 1/n)n/2√

n+ 1M(b− a) |λ| ≤

√e

n+ 1M(b− a) |λ| < 1

quaisquer que sejaM , b−a e |λ|, se n for suciente grande. A série (4.54), não sendo identicamente0 por d(0) = 1, é uma função inteira de λ denominada determinante de Fredholm.O limite formal para a clássica fórmula algébrica para o numerador da solução de (4.50) leva a

um núcleo integral, similar a K1 na expressão (4.41), na forma de uma série

K

(x

y

)− λ

∫ b

a

K

(xξ1

yξ1

)dξ1 +

λ2

2!

∫ b

a

∫ b

a

K

(xξ1ξ2

yξ1ξ2

)dξ1dξ2 − · · ·+

+ (−1)nλn

n!

∫ b

a

∫ b

a

· · ·∫ b

a

K

(xξ1ξ2 . . . ξnyξ1ξ2 . . . ξn

)dξ1dξ2 . . . dξn + · · · (4.56)

que converge para todo λ ∈ C, pela mesma razão que d(λ) converge; a soma d

(x

y

)(λ) é chamada

de menor de Fredholm. Desenvolvendo cada termo desta expressão por Laplace em relação a

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COMPLEMENTOS 81

primeira linha, obtemos

K

(xξ1ξ2 . . . ξnyξ1ξ2 . . . ξn

)= K

(x

y

)K

(ξ1ξ2 . . . ξnξ1ξ2 . . . ξn

)−K

(x

ξ1

)K

(ξ1ξ2 . . . ξnyξ2 . . . ξn

)+K

(x

ξ2

)K

(ξ1ξ2 . . . ξnyξ1 . . . ξn

)−

− · · ·+ (−1)nK

(x

ξn

)K

(ξ1ξ2 . . . ξnyξ1 . . . ξn−1

)= K

(x

y

)K

(ξ1ξ2 . . . ξnξ1ξ2 . . . ξn

)−K

(x

ξ1

)K

(ξ1ξ2 . . . ξnyξ2 . . . ξn

)−K

(x

ξ2

)K

(ξ2ξ1 . . . ξnyξ1 . . . ξn

)−

− · · · −K(x

ξn

)K

(ξnξ1 . . . ξn−1

yξ1 . . . ξn−1

)e como a variável em uma integral denida pode ser denotada por qualquer outra letra, segue destaexpressão que∫ b

a

∫ ba· · ·∫ baK

(xξ1ξ2 . . . ξnyξ1ξ2 . . . ξn

)dξ1dξ2 . . . dξn = K

(x

y

)∫ ba

∫ ba· · ·∫ baK

(ξ1ξ2 . . . ξnξ1ξ2 . . . ξn

)dξ1dξ2 . . . dξn−

−n∫ ba

∫ ba· · ·∫ baK

(x

z

)K

(zξ1 . . . ξn−1

yξ1 . . . ξn−1

)dzdξ1dξ2 . . . dξn−1 .

Comparando (4.54) com (4.56), juntamente com a expressão acima, concluímos que d

(x

y

)=

d

(x

y

)(λ) satisfaz a seguinte equação integral

d

(x

y

)= K(x, y)d+ λ

∫ b

a

K(x, z)d

(z

y

)dz .

Por um cálculo análogo, partindo do desenvolvimento de K

(xξ1ξ2 . . . ξnyξ1ξ2 . . . ξn

)por Laplace em relação

a primeira coluna, fornece a seguinte relação

d

(x

y

)= K(x, y)d+ λ

∫ b

a

d

(x

z

)K(z, y)dz .

Estas duas relações expressam o fato que

1

dd

(x

y

)coincide com o núcleo integral do resolvente Kλ(x, y) associado ao núcleo K(x, y) (veja, para isso,equações (4.18), (4.19) e (4.29)), para todos valores de λ para os quais d(λ) 6= 0. Estes valoressão regulares com respeito a K(x, y). Por outro lado, os zeros de d(λ) são valores singulares. De

fato, um zero λ0 de d(λ) é um polo de Kλ(x, y), pois d

(x

y

)(λ) não é divisível por (λ− λ0), uma

imediata consequência da relação

− d′(λ) =

∫ b

a

d

(x

x

)(λ) dx . (4.57)

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COMPLEMENTOS 82

Suponha por contradição que d

(x

y

)(λ) é divisível por (λ− λ0). Então o lado direito de (4.57)

deve se anular em λ = λ0 embora o lado esquerdo da (4.57), sendo limλ→λ0 d(λ)/(λ − λ0) =

limλ→λ0(d(λ) − d(λ0))/(λ − λ0) = d′(λ0) 6= 0, assumindo por simplicidade λ0 um zero simples ded(λ), não se anula neste valor. Para provar a relação (4.57), diferenciamos termo-a-termo a série(uniformemente convergente) (4.54) em λ e integramos termo-a-termo (4.56), com y = x, em x

sobre o intervalo [a, b]. Concluindo: os valores singulares são precisamente os zeros da funçãointeira d(λ); estes por sua vez ou são em número nito ou enumeráveis, não possuindo ponto deacumulação nito.É possível estender o método de solução de Fredholm, e ele próprio fez isso, para o caso que λ

é um valor singular. Porém as fórmulas são menos elementares por envolver menores de ordemsuperior. Notamos, como consequência de (4.57), uma fórmula interessante

− (log d(λ))′ =1

d(λ)

∫ b

a

d

(x

x

)(λ) dx

=

∫ b

a

K(x, x)dx+ λ

∫ b

a

K(2)(x, x)dx+ · · ·+ λn−1

∫ b

a

K(n)(x, x)dx+ · · ·

válida no maior círculo no plano complexo de centro na origem e que não contenha valores sin-

gulares em seu interior. A segunda igualdade segue da substituição d

(x

x

)(λ)/d(λ) = Kλ(x, y) e

de sua expansão em série de Neumann (4.27), a qual é uniformemente convergente. Uma últimaobservação: a hipótese que K(x, y) é uma função continua e [a, b] × [a, b] pode ser enfraquecidapara uma função limitada e integrável para quase todo ponto. Para a versão fraca é necessário acondição adicional que K(x, x) = 0 em [a, b] pois integrabilidade de K(x, y) em [a, b] × [a, b] nãogarante integrabilidade na diagonal x = y.Desigualdade de Hadamard. Demonstraremos agora uma desigualdade para determinantes,cujo Corolário foi utilizado para estimar a série em λ do determinante de Fredholm (4.54) poruma série majorante (4.55), uniformemente convergente.

Teorema 4.12. Se C = [cij]ni,j=1 é uma matriz n × n com entradas ckl = akl + ibkl em C então o

determinante |C| de C satisfaz

|C| ≤ A1A2 · · ·An (4.58)

onde

Ak =

√∑n

l=1|ckl|2 =

√∑n

l=1

(|akl|2 + |bkl|2

).

Com exceção do caso obvio quando o lado direito de (4.58) é zero, a igualdade de (4.58) é atingida

somente quando os vetores nas linhas de C forem aos pares ortogonais:n∑k=1

cikcjk = 0 , para i 6= j .

Prova. Se o lado direito de (4.58) não é zero, o problema pode ser reduzido ao caso onde asquantidades Ak's são iguais a 1, dividindo os elementos de matriz ck,l, l = 1, . . . , n, da késimalinha por Ak.

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COMPLEMENTOS 83

O determinante |C| é uma função contínua das 2n2 variáveis akl's e bkl's as quais variam em umdomínio limitado caracterizado pelas condições A1 = 1, A2 = 1, . . . , An = 1. Uma função contínuaem um domínio limitado atinge seu máximo valor |C|∗ = |C∗| em certos valores c∗ij. O máximovalor |C|∗ é certamente ≥ 1 pois a matriz identidade I = [δkl]

nk,l=1 tem determinate |I| = 1 e satisfaz

A1 = · · · = An = 1.Armamos que o determinante extremal |C|∗ tem os vetores de suas linhas ortogonais aos pares.

Para mostrar isso, basta considerar apenas duas linhas i e j. Vamos mostrar que a hipótese que

Sij =n∑k=1

c∗ikc∗jk 6= 0

leva a uma contradição. Partindo de |C|∗, construímos um determinante |C|′ = |C ′| cujos elementosc′kl da matriz C ′ são idênticos aos elementos c∗kl da matriz C∗exceto por aqueles na jésima linha:c′jl 6= c∗jl, l = 1, . . . , n, que denimos como sendo uma combinação linear das iésima e jésimalinhas de C∗:

c′jl = λc∗il + µc∗jl .

As quantidades λ e µ são determinadas por duas condições: (i) ortogonalidaden∑k=1

c∗ikc′jk = 0

e (ii) normalizaçãon∑k=1

∣∣c′jk∣∣2 = 1 .

Da condição (i) deduzimos que λ+ Sijµ = 0; da condição (ii) deduzimos que

|λ|2 + λµSij + λµSij + |µ|2 = 1 .

Substituindo a primeira na segunda, resulta(1− |Sij|2

)|µ|2 = 1

ou seja, |µ| > 1. Mas, escolhendo µ positivo, temos |C|′ = µ |C|∗ > |C|∗uma contradição com ofato que |C∗| é o máximo valor de |C|.Como as linhas de C∗ são ortogonais, temos

|C|∗ |C|∗ = |C∗|∣∣∣(C∗)T ∣∣∣ =

∣∣∣C∗ (C∗)T ∣∣∣ =∣∣∣[c∗ik] [c∗jk]T ∣∣∣ =

∣∣∣[∑n

k=1c∗ikc

∗jk

]∣∣∣ = |[δij]| = 1 ,

concluindo a demonstração do teorema.