COMPORTAMENTO ELETROQUÍMICO DO AÇO CARBONO …

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Revista Técnico-Científica do CREA-PR-ISSN 2358-5420–Edição Especial – Setembro de 2019 - página 1 de 16 COMPORTAMENTO ELETROQUÍMICO DO AÇO CARBONO INSERIDO NO CONCRETO DURANTE A PASSIVAÇÃO Jayson Pereira Godinho (Eng. Ambiental e de Segurança do Trabalho, Mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental - PPGCTA pela UTFPR, Doutorando em Eng. de Construção Civil - PPGECC pela UFPR); [email protected] Natalia Baggio Zermiani (Graduanda em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná - UFPR); [email protected] Rafael Luiz Neves de Oliveira (Eng. Civil, Especialista em Sistemas Estruturais em Concreto e em Gerenciamento e Execução de Obras (Instituto IDD), Mestrando em Eng. de Construção Civil - PPGECC pela UFPR); [email protected] Marcelo Henrique Farias de Medeiros (Eng. Civil, Mestre e Doutor em Eng. Civil pela Universidade de São Paulo - USP, Docente na UFPR, Departamento de Construção Civil - DCC e PPGECC); [email protected] Resumo: O objetivo deste trabalho foi avaliar a passivação e a estabilidade eletroquímica do aço carbono nas idades iniciais de hidratação do concreto armado. Para atingir esse objetivo foram moldados 5 diferentes concretos com uma barra de aço carbono previamente limpa e imersa em solução de Ca(OH) 2 . Os resultados indicaram o aumento da resistência ôhmica e velocidade de pulso ultrassônico ao longo dos primeiros 200 dias. Por meio de parâmetros eletroquímicos de potencial de corrosão e densidade de corrente foi possível observar a passivação do aço carbono a partir dos 7 dias e ficando constante até os 200 dias mesmo com o consumo acentuado de portlandita pelas reações pozolânicas ao final do experimento. Palavras-chave: Durabilidade, Hidratação do concreto, Película passivadora. ELECTROCHEMICAL BEHAVIOR OF CARBON STEEL INSERTED IN CONCRETE DURING PASSIVATION Abstract: The objective of this work was to evaluate the passivation and electrochemical stability of carbon steel at the initial hydration ages of the reinforced concrete. To achieve this objective, 5 different concretes were molded with a carbon steel rod previously cleaned and immersed in Ca(OH) 2 solution. The results indicated the increase of the ohmic

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COMPORTAMENTO ELETROQUÍMICO DO AÇO CARBONO

INSERIDO NO CONCRETO DURANTE A PASSIVAÇÃO

Jayson Pereira Godinho (Eng. Ambiental e de Segurança do Trabalho, Mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental - PPGCTA pela UTFPR, Doutorando em Eng. de Construção Civil -

PPGECC pela UFPR); [email protected] Natalia Baggio Zermiani (Graduanda em Engenharia Civil pela Universidade Federal do

Paraná - UFPR); [email protected] Rafael Luiz Neves de Oliveira (Eng. Civil, Especialista em Sistemas Estruturais em

Concreto e em Gerenciamento e Execução de Obras (Instituto IDD), Mestrando em Eng. de Construção Civil - PPGECC pela UFPR); [email protected]

Marcelo Henrique Farias de Medeiros (Eng. Civil, Mestre e Doutor em Eng. Civil pela Universidade de São Paulo - USP, Docente na UFPR, Departamento de Construção Civil -

DCC e PPGECC); [email protected]

Resumo: O objetivo deste trabalho foi avaliar a passivação e a estabilidade eletroquímica

do aço carbono nas idades iniciais de hidratação do concreto armado. Para atingir esse

objetivo foram moldados 5 diferentes concretos com uma barra de aço carbono previamente

limpa e imersa em solução de Ca(OH)2. Os resultados indicaram o aumento da resistência

ôhmica e velocidade de pulso ultrassônico ao longo dos primeiros 200 dias. Por meio de

parâmetros eletroquímicos de potencial de corrosão e densidade de corrente foi possível

observar a passivação do aço carbono a partir dos 7 dias e ficando constante até os

200 dias mesmo com o consumo acentuado de portlandita pelas reações pozolânicas ao

final do experimento.

Palavras-chave: Durabilidade, Hidratação do concreto, Película passivadora.

ELECTROCHEMICAL BEHAVIOR OF CARBON STEEL INSERTED IN

CONCRETE DURING PASSIVATION

Abstract: The objective of this work was to evaluate the passivation and electrochemical

stability of carbon steel at the initial hydration ages of the reinforced concrete. To achieve

this objective, 5 different concretes were molded with a carbon steel rod previously cleaned

and immersed in Ca(OH)2 solution. The results indicated the increase of the ohmic

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resistance and ultrasonic pulse velocity during the first 200 days. By means of

electrochemical parameters of corrosion potential and current density it was possible to

observe the passivation of the carbon steel from the 7 days and being constant until the 200

days even with the accentuated consumption of portlandite by the pozzolanic reactions at the

end of the experiment.

Keywords: Durability, Hydration of concrete, Passivation layer.

1. INTRODUÇÃO

A corrosão do concreto armado é um dos mecanismos mais comuns de degradação de

estruturas, sendo um processo espontâneo e lento, que pode ser acelerado devido a fatores

externos. Mas, quando a armadura está imersa no concreto hidratado, sem o ataque de

agentes agressivos, uma película protetora é formada envelopando-a. Essa película é

formada pelas reações eletroquímicas que ocorrem na interface armadura/concreto, e pode

ser analisada a partir do cálculo da densidade de corrente e do potencial de corrosão

(POURSAEE, 2016; JIANG et al., 2017; RIBEIRO et al., 2018).

Uma das técnicas para se medir o potencial de corrosão é utilizando um voltímetro,

conectado em um eletrodo de referência (geralmente cobre/sulfato de cobre) e no eletrodo

de trabalho (armadura em que deseja quantificar seu potencial de corrosão) (ASSOULI;

BALLIVY; RIVARD, 2008; MEDEIROS et al., 2017). É então lida a diferença de potencial

entre os dois eletrodos e assim é obtido o seu potencial de corrosão, que tem uma relação

com a probabilidade de ocorrência da corrosão na armadura (ROCHA et al., 2014; RIBEIRO

et al., 2018).

Por outro lado, a densidade de corrente, que tem correlação com a intensidade de

corrosão, pode ser medida por um potenciostato. É utilizado um eletrodo a mais que no

ensaio anterior, o contra-eletrodo. Assim, é aplicada uma pequena diferença de potencial

(ddp) e registrada a corrente obtida nessa ddp, calculando-se, então, a resistência de

polarização linear e a densidade de corrente (ANDRADE; ALONSO, 2004; BROOMFIELD,

2006).

Um metal passivo é aquele que resiste à corrosão em soluções oxidantes fortes ou

quando é aplicada uma polarização anódica. Um metal ativo-passivo tem três regiões

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características, quando se compara potencial e corrente registrada: região ativa, região

passiva e região de transição (LEACH; PEARSON, 1988; SATO, 1990).

Nas idades iniciais, a armadura está na região de transição, em que existem reações

eletroquímicas com correntes anódicas, porém ao chegar a certo potencial, a corrente

diminui drasticamente. Essa é a região passiva, onde se forma a película protetora.

Polarizando-se mais positivamente a armadura, esta começa a sofrer corrosão na parte

anódica. Essa sequência caracteriza o comportamento da armadura no concreto hidratado

(POURSAEE, 2016; MEIRA, 2017; RIBEIRO et al., 2018).

Deste modo, o objetivo deste trabalho foi avaliar a passivação e a estabilidade

eletroquímica do aço carbono nas idades iniciais de hidratação do concreto armado em

cinco diferentes formulações contendo aditivos cristalizantes.

2. PROGRAMA EXPERIMENTAL

2.1 Materiais

O cimento utilizado foi o CP V-ARI com substituição de 35 % da massa total de cimento por

cinza volante, para simular um cimento CP IV-32 RS, de acordo com a NBR 5737 (ABNT,

1992). As propriedades químicas dos aglomerantes são informadas na Tabela 1.

Tabela 1 – Propriedades químicas do cimento CP V-ARI e da cinza volante.

Aglomerante Composição química (%)

Demais Óxidos

Perda ao Fogo

Cimento CPV-ARI 60,61 18.71 4.26 2.95 3.52 3.12 - - 3.34

Cinza Volante 0,29 54,84 19,88 5,37 0.59 0.30 3.00 1.78 1.26

O agregado miúdo natural, oriundo da região metropolitana de Curitiba, obteve uma

distribuição granulométrica dentro da zona utilizável de acordo com a NBR 7211 (ABNT,

2009) e módulo de finura igual a 1,78 de acordo com a NBR NM 248 (AMN, 2003).

O agregado graúdo, também da região metropolitana de Curitiba, de origem

basáltica, pode ser classificado dentro da zona granulométrica 2,36 – 9,50 mm (Figura 1), e

possui diâmetro máximo característico (DMC) igual a 9,50 mm. A massa específica do

agregado miúdo foi de 2,30 g/cm³ e do agregado graúdo foi de 2,57 g/cm³.

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Figura 1 – Composição granulométrica dos agregados.

2.2 Moldagem dos corpos de prova

O traço adotado foi 1: 1,9: 2,47 (cimento, areia, brita) e a relação água / aglomerante 0,45,

com abatimento de 8 ± 2 cm, com a utilização de aditivo superplastificante à base de

policarboxilato MC-PowerFlow 1180 da marca MC-Bauchemie. Estes parâmetros são

semelhantes aos aplicados na construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE)

na cidade de Ponta Grossa-PR.

O adensamento foi realizado em mesa vibratória por 10 segundos, sendo o

preenchimento dos corpos de prova feito em 1 camada de concreto de acordo com a NBR

5738 (ABNT, 2016). Foram moldadas cinco formulações (com base no tipo de aglomerante

e adições cristalizantes), sendo elas apresentadas na Tabela 2:

Tabela 2 – Formulações dos cinco diferentes concretos.

Teor de aditivo superplastificante adicionado à mistura para atingir o abatimento especificado (%)

V R M P S

Cimento CP V-ARI sem substituição

por cinza volante

Cimentos CP V-ARI com 35 % de substituição de sua massa total por cinza volante.

(Referência) Sem adição de cristalizantes

Adicionado 1 % de

cristalizante comercial 1

Adicionado 1 % de

cristalizante comercial 2

Adicionado 1 % de solução de

silicato de sódio (Na2SiO3)

0,12 % 0,13 % 0,18 % 0,15 % 0,20 % 2.3 Procedimento de limpeza das barras de aço carbono

As barras de aço carbono, com 6,3 mm de diâmetro, foram limpas previamente em

consonância com o trabalho de Godinho et al. (2018b) utilizando uma escova de aço e água

potável corrente para a retirada da ferrugem superficial e resíduos de solo provenientes do

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local de armazenamento. Elas foram limpas duas vezes com solução descrita pela norma

ASTM G1 (ASTM, 2011) nas seguintes proporções: 500 mL de ácido clorídrico P.A; 3,5 g de

Hexametilenotetramina e 1000 mL de água destilada por cerca de 15 minutos. Após a

limpeza com a solução ácida, as barras foram enxaguadas com água destilada (Figura 2).

Figura 2 – Barras de aço carbono. (a) antes da limpeza; (b) após a limpeza.

(a) (b)

Imediatamente após enxague com água destilada as barras foram imersas em uma

solução de hidróxido de cálcio P.A e água destilada até o momento da moldagem, que não

demorou mais do que 20 dias. Antes da moldagem, as barras foram retiradas da solução de

hidróxido de cálcio, secas com papel toalha e isoladas as pontas com fita isolante e resina

epóxi por cima, deixando somente uma extensão de 7 cm de exposição no interior do

concreto (Figura 3).

Figura 3 – Corpos de prova prismáticos de concreto armado de dimensões 17 cm x 17 cm x 11 cm,

com barra de aço carbono de 6,3 mm de diâmetro: (a) esquema; (b) foto; (c) equipamento utilizado

para os ensaios eletroquímicos.

. (a) (b) (c)

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2.4 Procedimentos de ensaio

Para avaliar a estabilidade eletroquímica do aço carbono, por meio dos ensaios de potencial

de corrosão e de densidade de corrente de corrosão, foram moldados 9 corpos de prova

armados de dimensões 17 cm x 17 cm x 11 cm (Figura 3), para cada uma das 5

formulações (totalizando 45 corpos de prova).

Foram moldados também 3 corpos de prova de dimensões 4 cm x 4 cm x 16 cm

(Figura 4), para cada uma das 5 formulações e 3 idades de ruptura (totalizando 45 corpos

de prova), para os ensaios de velocidade de pulso ultrassônico (VPU) que avaliaram a

densificação e homogeneidade do concreto e, também, para os ensaios de DRX para

avaliar a quantidade relativa de portlandita na matriz cimentícia do concreto em 3 diferentes

idades durante os primeiros 200 dias de cura imersa em água saturada com cal.

A mensuração do potencial de corrosão Ecorr (mV), da densidade de corrente de

corrosão Icorr (µA/cm²) e da resistência ôhmica foi realizado com o equipamento GECOR 10,

da marca IDS S.L (Geocisa®), em consonância com o trabalho de Godinho et al. (2018b) e o

eletrodo de referência utilizado foi de cobre/sulfato de cobre - Cu/CuSO4.

A resistência ôhmica foi avaliada por ser um parâmetro diretamente ligado a

resistividade elétrica do material e representa a capacidade que um condutor tem de se opor

à passagem de corrente elétrica.

O critério de avaliação das medições de potencial de corrosão Ecorr atende ao

preconizado na ASTM C876 (ASTM, 2015), apresentado na Tabela 3.

Tabela 3 – Critério de avaliação do potencial de corrosão (eletrodo de referência: cobre-sulfato de

cobre - Cu/CuSO4). Fonte: ASTM C876 (ASTM, 2015). Potencial de corrosão (Ecorr) relativo ao eletrodo

de referência de cobre-sulfato de cobre (mV) Probabilidade de

corrosão

< -350 90 %

-350 a -200 Incerta

> -200 10 %

Utilizou-se o critério constante no trabalho de Andrade e Alonso (ANDRADE;

ALONSO, 2004) para atrelar a densidade de corrente, Icorr (µA/cm²), ao nível de corrosão

atuante na barra, conforme apresentado na Tabela 4.

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Tabela 4 – Critério de avaliação da densidade de corrente (eletrodo de referência: cobre-sulfato de cobre - Cu/CuSO4). Fonte: Andrade e Alonso (ANDRADE; ALONSO, 2004).

Densidade de corrente - Icorr (µA/cm²) Nível de corrosão

< 0,1 Desprezível 0,1 – 0,5 Baixo 0,5 a 1,0 Moderado

> 1,0 Alto

Em relação a velocidade de pulso ultrassônico (VPU), as amostras de concreto foram

ensaiadas conforme preconiza a norma NBR 8802 (ABNT, 2019). Para tal, foram utilizados

um aparelho digital de ultrassom (Figura 4) da marca Proceq, modelo Pundit Lab. e gel de

ultrassonografia para o contato dos transdutores (frequência de 250 kHz e 28 mm de

diâmetro) com a superfície do concreto, em consonância com os trabalhos de Godinho et al.

(2018a) e Godinho et al. (2018c).

Figura 4 – Esquema do posicionamento dos transdutores para emissão e recepção da onda

ultrassônica nos corpos de prova prismáticos de concreto de dimensões 4 cm x 4 cm x 16 cm.

Quanto ao ensaio de Difratometria de Raios-X (DRX), as amostras tiveram

paralisação da hidratação nas idades de 28 dias, 100 dias e 200 dias com álcool etílico

absoluto 99,5 % P.A por 24 h, levadas à estufa (40 ± 5) °C por mais 24 h, e armazenadas

em um dessecador contendo sílica gel até a idade das análises.

As amostras de concretos paralisadas tiveram a argamassa separada da brita, de

forma manual, sendo somente a argamassa finamente moídas em um moinho de panelas e

analisado apenas o material passante na peneira de 325 mesh (0,044 mm). Posteriormente,

as amostras pulverizadas foram preparadas por meio da prensagem manual e arrasamento

(com o auxílio de uma lâmina de vidro) no porta-amostra de alumínio (Figura 5), que possui

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9 g de massa, 35 mm x 55 mm de dimensões e 25 mm de diâmetro de cavidade para a

inserção da amostra (0,4 g) de argamassa em pó.

Figura 5 – Porta amostra de alumínio utilizado na análise de DRX.

A exposição aos raios-X das amostras pulverizadas foi realizada entre 5º e 75º 2θ,

com passo angular de 0,02º 2θ e tempo por passo de 1 segundo. O ensaio foi realizado

utilizando tubo com ânodo de cobre regulado para 40 kV / 30 mA e fenda divergente de 1º,

sendo a análise realizada no equipamento SHIMADZU, modelo XRD-7000 X -ray

diffractometer (Figura 6).

Figura 6 – Difratômetro SHIMADZU, modelo XRD-7000 X-ray diffractometer.

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3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Na Figura 7 são apresentados a evolução da resistência ôhmica e da velocidade de pulso ultrassônico ao longo de 200 dias de idade do concreto. Figura 7 – Avaliação indireta da densificação e homogeneidade do concreto. A – Resistência ôhmica;

B – Velocidade de pulso ultrassônico. Legenda: CP V – somente cimento CP V, sem adição; R – Referência; M e P – produtos comerciais; S – Solução de silicato de sódio neutro.

Na Figura 7A é possível avaliar o comportamento da resistência ôhmica, sendo que a

camada percorrida pela corrente elétrica envolve o espaço de concreto entre a barra de aço

(eletrodo de trabalho) e o eletrodo de referência apoiado sobre a superfície do corpo de

prova. Deste modo, a resistência ôhmica tem relação direta com a hidratação do concreto.

Mesmo para o CP V-ARI, cujo cimento apresenta teor diminuto de impurezas no clínquer

(MEHTA; MONTEIRO, 2014), há uma tendência de elevação, ainda que sensível, na

resistividade do concreto.

Portanto, as reações de passivação e de corrosão do aço embutido no concreto

(HANSSON, 1984; LEEK, 1991; POURSAEE, 2016) tem interdependência entre a

dificuldade de movimentação eletroquímica no concreto e a existência de caminhos

comunicáveis pelos poros do material cimentício (MEHTA; MONTEIRO, 2014).

Nesse sentido é possível inferir que a adição de cristalizantes é benéfico às

características mecânicas do concreto, pela densificação da matriz cimentícia causada pela

formação no interior dos poros de produtos de cristalização. Tal constatação é corroborada

pela Figura 7B, onde todos os espécimes apresentaram maior velocidade de pulso

ultrassônico ao longo do tempo se comparado com a série de referência (R). Lembrando

que o CP V-ARI se caracteriza pela expressiva finura do aglomerante, o que acelera as

reações iniciais do cimento principalmente nos primeiros 7 dias, é natural que o concreto

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com somente CP V-ARI apresente valores iniciais mais altos para a VPU em relação a todos

os outros concretos.

A Figura 7B demonstra que esta alta intensidade de hidratação continua até os

42 dias quando, então, permanece uma estabilização na estrutura do material. Em

contrapartida, ao substituir parte do cimento por cinza volante, estas reações preliminares

tendem a ocorrer de maneira mais lenta. A característica pozolânica da cinza volante

presente no concreto R, indica que a VPU se estabilizou para idades superiores a 120 dias.

Mas essa estabilização não foi verificada para a resistência ôhmica (Figura 7A), pois a

mesma aumentou até os 200 dias de idade.

Entre os cristalizantes, a evolução dos atributos de resistência ôhmica e velocidade

de ultrassom não resultou discrepância estatística. O concreto com cristalizante M obteve

uma elevação da resistência ôhmica mais intensa que os demais, mas em contrapartida, a

elevação da VPU foi mais intensa para o concreto com cristalizante P e também para o

concreto com solução de silicato de sódio neutro (S).

Na Figura 8 são apresentadas a evolução da densidade de corrente e do potencial

de corrosão das barras de aço carbono.

Figura 8 – Ensaios eletroquímicos. A - Densidade de corrente; B - Potencial de corrosão. Legenda:

CP V – somente cimento CP V, sem adição; R – Referência; M e P – produtos comerciais; S – Solução de silicato de sódio neutro.

É possível observar na Figura 8 que para ambos os atributos eletroquímicos, houve

um período inicial de instabilidade das reações, possivelmente causada pelas reações de

dissolução/precipitação inerente aos primeiros estágios da hidratação (MEHTA;

MONTEIRO, 2014). A dinâmica das concentrações iônicas e a disponibilidade de oxigênio

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não permitiria que os mecanismos de regulação dos processos eletroquímicos fossem

relacionados apenas à permeabilidade da matriz sólida (POURSAEE, 2016).

Consta na publicação de Hansson (1984) que, para um ambiente de alcalinidade

estável, maiores valores de potenciais estariam relacionados a menores taxas de corrosão

na célula eletroquímica, conceito implícito, também, nos parâmetros adotados pela ASTM

C876 (ASTM, 2015) conforme Tabela 3, que para valores maiores que -200 mV a

probabilidade de corrosão seria de apenas 10 %. Mas vale ressaltar que essa norma foi feita

com ensaios experimentais para o caso de ataque do concreto armado por íons cloreto e,

dessa forma, os valores podem variar para mais ou para menos, dependendo do tipo do

ataque.

Ainda segundo Hansson (1984), em situações sem agressividade, a passivação seria

regulada pela alcalinidade e pela disponibilidade de oxigênio, o qual, sendo mais espessa se

tornaria a camada passivadora. Ela cita que, em elementos submersos em água, a limitação

do oxigênio acaba, também, restringindo a taxa de corrosão. O oxigênio livre seria reduzido

na reação reduzindo o potencial de corrosão a valores abaixo do necessário para

estabilização da camada passivadora.

Na Figura 8B é notado que as amostras apresentaram queda progressiva nos

potenciais de corrosão até aproximadamente -200 mV, ou seja, ultrapassando o critério de

passividade da Tabela 3 atingindo a região de incerteza. No entanto, conforme os valores de

densidade de corrente (Figura 8A), é possível afirmar que o concreto proporcionou condição

de passividade às barras, mesmo após a tendência de intensificação do processo corrosivo

nos primeiros 40 dias, os valores de densidade de corrente se estabilizaram bem abaixo do

nível desprezível de corrosão estipulado na Tabela 4. Os resultados indicaram também que

o procedimento de limpeza adotado para as barras foi adequado, mantendo assim a

estabilidade e a passivação eletroquímica do aço carbono.

A imersão das barras em solução de hidróxido de cálcio com água destila foi

essencial para que o processo de passivação das armaduras já fosse iniciado antes da

moldagem dos corpos de prova. Ou seja, de acordo com a Figura 8 a armadura se verificava

passivada desde as idades inicias, com critérios da Tabela 3 e Tabela 4. Sem a imersão, a

curva de potencial de corrosão se iniciaria com valores mais negativos (< -200 mV), e a

curva da densidade de corrente se iniciaria com valores superiores a 0,1 µA/cm², e com o

tempo, o processo de passivação ocorreria de forma gradativa, como observado pelos

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autores Gurdián et al. (2014), Rocha et al. (2014), Capraro et al. (2016), Jiang et al. (2017),

Medeiros et al. (2017) e Godinho et al. (2018b).

Na Figura 9 é apresentada a evolução do pico principal de portlandita ao longo das

idades iniciais para o concreto referência (R), que possui somente a substituição de 30 % da

massa de cimento por cinza volante.

Figura 9 – Intensidade do pico principal de portlandita ao longo de 200 dias de idade do concreto

referência (R).

Sabe-se que a portlandita é a principal responsável pela manutenção do pH elevado

do concreto e consequentemente passivação do aço carbono no interior do mesmo

(MEHTA; MONTEIRO, 2014). Diante disso, foi possível notar, pela Figura 9, que durante o

período de cura em água saturada com cal, parte da Ca(OH)2 (portlandita) foi convertida em

C-S-H, em consequência das reações pozolânicas da cinza volante com o cimento, mas

mesmo com esse consumo acentuado de portlandita, a estabilidade eletroquímica do aço

carbono se manteve sem grandes variações, mantendo o aço carbono passivo ao longo de

todo o experimento, conforme indicou os ensaios eletroquímicos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos resultados apresentados foi possível concluir que a VPU foi influenciada pela

substituição do cimento por cinza volante, sendo que o concreto referência obteve menores

valores em relação ao CP V-ARI. Por outro lado, a adição de cristalizantes aumentou a VPU

em relação ao concreto referência.

Em relação a resistência ôhmica a comparação entre o concreto referência e o CP V-

ARI mostrou que a substituição do cimento por cinza volante influenciou no aumento desse

parâmetro, sendo os concretos com cristalizantes com os mais altos valores.

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Quanto aos resultados eletroquímicos do aço carbono, foi possível concluir que o

método de limpeza e a inserção das barras em hidróxido de cálcio P.A e água destilada, até

o momento da moldagem, proporcionou a passivação do aço carbono nas primeiras idades

e foi importante para que os valores de densidade de corrente e potencial de corrosão se

mantivessem dentro da zona de passivação ao longo dos primeiros 200 dias, mesmo com o

consumo acentuado de portlandita pelas reações pozolânicas.

5. AGRADECIMENTOS

Os autores expressam a sua gratidão as agências brasileiras CNPq, Capes e Fundação

Araucária pelas bolsas e apoio financeiro, à Universidade Federal do Paraná (UFPR)

câmpus Curitiba, Centro Politécnico, ao Departamento de Construção Civil (DCC), ao

Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Construção Civil (PPGECC), ao Centro de

Estudos de Engenharia Civil (CESEC), ao Laboratório de Materiais e Estruturas (LAME), ao

Centro de Microscopia Eletrônica (CME), ao Laboratório de Óptica de Raios X e

Instrumentação (LORXI), ao grupo de pesquisa de Patologia e Recuperação das

Construções (PRC), aos laboratórios do DACOC/NPT da Universidade Tecnológica Federal

do Paraná (UTFPR) câmpus Curitiba, sede Ecoville e, também, às empresas Cia. de

Cimentos Itambé, Votorantim Cimentos, Buschle & Lepper S.A, MC-Bauchemie Brasil,

Penetron Brasil Ltda. e a Lubeco Ltda., pela doação de materiais para a pesquisa.

REFERÊNCIAS

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