Comportamento Plástico Do Aço Inoxidável

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141 REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, 60(1): 141-147, jan. mar. 2007 Resumo Ensaios de tração uniaxiais foram empregados para deformar aços inoxidáveis austeníticos do tipo 304, em diferentes temperaturas abaixo da ambiente (de 77 K a 300 K). A relação entre a estabilidade da austenita e o encru- amento, em função da temperatura de teste, é discutida quanto à transformação martensítica induzida por defor- mação e ao deslizamento de discordâncias na austenita. Em curvas tensão-deformação que assumem a equação de Ludwik σ = σ o + kε n , na qual σ é a tensão verdadeira e ε a elongação plástica verdadeira, um modo conveniente para analisar o encruamento é por meio do diagrama log dσ / dε versus log ε. O aspecto significativo é a vari- ação da taxa de encruamento dσ / dε com a elongação plástica verdadeira nas diferentes temperaturas. As mu- danças no comportamento do encruamento motivando até três estágios de deformação são associadas a dife- rentes processos microestruturais. A transformação mar- tensítica pode ser considerada como um processo de deformação que compete com o processo usual de desli- zamento. A investigação desses estágios, na região plás- tica, produz uma referência qualitativa de como diferen- tes fatores, tais como o grau de deformação, temperatura e composição química da austenita, afetam a transforma- ção austenita-martensita. Palavras-chaves: Aço inoxidável austenítico, teste de tração, transformação induzida por deformação, encruamento. Abstract The Uni-axial tensile strength test was used for loading austenitic stainless steel of type 304 at different temperatures below room temperature (from 77 K to 300 K). The relation between austenite stability and work hardening, as affected by testing temperature, is discussed in terms of the relationship between the strain- induced martensitic transformation, which occurs during plastic deformation, and the dislocation slip in austenite. In stress-strain curves that assume the Ludwik equation σ = σ o + kε n , where σ is the true stress and ε the true plastic strain, a meaningful way to analyze work hardening is by plotting log dσ / dε against log ε. A significant aspect is the variation of the work hardening rate dσ/dε with the true plastic strain at different temperatures. The changes in work hardening behavior, which provoked up to three deformation stages, may be associated with different micro-structural processes. The martensitic transformation may be regarded as a deformation process that competes with the usual slip process. The investigation of these stages within the plastic range gives a qualitative picture of how different factors, such as the degree of deformation, temperature and chemical composition of austenite affect the austenite-martensite transformation. Keywords : Austenitic stainless steel, tensile test, strain-induced transformation, work hardening. Comportamento plástico do aço inoxidável austenítico em baixa temperatura Augusto Eduardo Baptista Antunes UNESP - Campus de Guaratinguetá - SP. E-mail: [email protected] Lidia Mikiko Doi Antunes Instituto de Estudos Avançados, CTA, São José dos Campos - SP. E-mail: [email protected] Metalurgia Física

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Ensaios de tração uniaxiais foram empregados para deformar aços inoxidáveis austeníticos do tipo 304, em diferentes temperaturas abaixo da ambiente (de 77K a 300K). A relação entre a estabilidade da austenita e o encruamento,em função da temperatura de teste, é discutidaquanto à transformação martensítica induzida por deformação e ao deslizamento de discordâncias na austenita

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141REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, 60(1): 141-147, jan. mar. 2007

Augusto Eduardo Baptista Antunes et al.

ResumoEnsaios de tração uniaxiais foram empregados para

deformar aços inoxidáveis austeníticos do tipo 304, emdiferentes temperaturas abaixo da ambiente (de 77 K a 300K). A relação entre a estabilidade da austenita e o encru-amento, em função da temperatura de teste, é discutidaquanto à transformação martensítica induzida por defor-mação e ao deslizamento de discordâncias na austenita.Em curvas tensão-deformação que assumem a equaçãode Ludwik σ = σo + kεn, na qual σ é a tensão verdadeira eε a elongação plástica verdadeira, um modo convenientepara analisar o encruamento é por meio do diagramalog dσ / dε versus log ε. O aspecto significativo é a vari-ação da taxa de encruamento dσ / dε com a elongaçãoplástica verdadeira nas diferentes temperaturas. As mu-danças no comportamento do encruamento motivandoaté três estágios de deformação são associadas a dife-rentes processos microestruturais. A transformação mar-tensítica pode ser considerada como um processo dedeformação que compete com o processo usual de desli-zamento. A investigação desses estágios, na região plás-tica, produz uma referência qualitativa de como diferen-tes fatores, tais como o grau de deformação, temperaturae composição química da austenita, afetam a transforma-ção austenita-martensita.

Palavras-chaves: Aço inoxidável austenítico, teste detração, transformação induzida por deformação,encruamento.

AbstractThe Uni-axial tensile strength test was used for

loading austenitic stainless steel of type 304 at differenttemperatures below room temperature (from 77 K to300 K). The relation between austenite stability andwork hardening, as affected by testing temperature, isdiscussed in terms of the relationship between the strain-induced martensitic transformation, which occursduring plastic deformation, and the dislocation slip inaustenite. In stress-strain curves that assume the Ludwikequation σ = σo + kεn, where σ is the true stress and ε thetrue plastic strain, a meaningful way to analyze workhardening is by plotting log dσ / dε against log ε. Asignificant aspect is the variation of the work hardeningrate dσ/dε with the true plastic strain at differenttemperatures. The changes in work hardening behavior,which provoked up to three deformation stages, may beassociated with different micro-structural processes. Themartensitic transformation may be regarded as adeformation process that competes with the usual slipprocess. The investigation of these stages within theplastic range gives a qualitative picture of how differentfactors, such as the degree of deformation, temperatureand chemical composition of austenite affect theaustenite-martensite transformation.

Keywords: Austenitic stainless steel, tensile test,strain-induced transformation, work hardening.

Comportamento plástico do aço inoxidávelaustenítico em baixa temperatura

Augusto Eduardo Baptista AntunesUNESP - Campus de Guaratinguetá - SP. E-mail: [email protected]

Lidia Mikiko Doi AntunesInstituto de Estudos Avançados, CTA, São José dos Campos - SP. E-mail: [email protected]

Metalurgia Física

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Comportamento plástico do aço inoxidável austenítico em baixa temperatura

1. IntroduçãoNos aços inoxidáveis austeníticos

deformados a baixas temperaturas ocor-re considerável aumento da resistência,sem, contudo, diminuir a ductibilidade.Esse efeito tem grandes implicações nosprocessos de conformação, usinagem eem aplicações criogênicas e está associ-ado à ocorrência de transformações defase. Assim, durante a deformação plás-tica em temperaturas abaixo da ambien-te, além do deslizamento de discordânci-as na austenita, pode ocorrer, simultane-amente, maclas de deformação e trans-formações de fase do tipo austenita →martensita. Esses micromecanismos atu-am como processos de deformação quecompetem com o deslizamento na auste-nita. A quantidade relativa entre eles de-pende, não apenas da temperatura, mas,também, do percentual de deformaçãoplástica. Quanto mais baixa a temperatu-ra de deformação e menor o teor de ligasdo aço, menor a estabilidade da austeni-ta, propiciando a formação de martensi-ta [Colombier & Hochmann, 1965].

A transformação martensítica dotipo γ → α’ é espontânea para tempera-turas inferiores a Mi, entretanto, com oauxílio de energia mecânica, poderá ele-var-se até a temperatura Md, definidacomo aquela acima da qual não ocorretransformação, qualquer que seja a de-formação plástica. Em conseqüência, nafaixa de temperaturas entre Mi e Md, ascaracterísticas mecânicas dos aços ino-xidáveis austeníticos são afetadas pelastransformações martensíticas induzidaspela deformação, que podem ocorrer deduas formas: reação martensítica induzi-da por tensão e reação induzida pela de-formação plástica [Pelletier & Cizeron,1977]. Uma caracterização simples des-sas reações resulta do modo como acon-tece o escoamento do material. Na pri-meira situação, o escoamento seria devi-do à transformação, ocorrendo, ainda,no regime elástico e no segundo caso, oescoamento seria por deslizamento dasdiscordâncias e, as transformações sur-giriam, posteriormente, no regime plásti-co. A reação martensítica induzida pordeformação é complexa e dinamicamen-

te associada às discordâncias, maclas eà fase martensítica intermediária ε. Numaço inoxidável austenítico do tipo 304, atemperatura Mi seria menor que 4 K, es-tando Md, aproximadamente, na tempe-ratura ambiente [Manganon & Thomas,1970].

No presente trabalho, para avaliaros aspectos mencionados, elaborou-seo seguinte procedimento: foram efetua-dos ensaios de tração em corpos-de-pro-va de aço inoxidável austenítico, em vá-rias temperaturas, e os resultados, na for-ma de curvas tensão-deformação verda-deiras, foram ajustados à relação poten-cial [Ludwik, 1909]

σ = σ0 + Kεη (1)

Seguiu-se com a análise dessa rela-ção através do gráfico logarítmico da taxade encruamento dσ / dε versus a elon-gação ε, que produz uma linha reta comcoeficiente angular (η-1) e cuja inter-secção com a linha log ε = 0 fornecelog ( kn ) [Crussard, 1953]. Segundo esseprocedimento, durante o ensaio, a partirde uma dada deformação plástica, o coe-ficiente angular, ou seja, o expoente deencruamento η pode modificar-se, sig-nificando a presença de outra reta asso-ciada a um novo estágio de encruamen-to. Com base nesse procedimento, temsido demonstrado que diferentes está-gios de encruamento assim definidospodem contribuir para avaliar os micro-mecanismos de deformação plástica dosmetais [Jaoul, 1957]. Dessa forma, o tra-balho procura correlacionar os mecanis-mos de deformação plástica dos açosinoxidáveis austeníticos nas diferentestemperaturas com os estágios de encru-amento detectados, caracterizando pro-priedades e parâmetros quantitativossignificativos para subsidiar suas apli-cações tecnológicas.

2. Materiais e métodosO material empregado, nos experi-

mentos, foi o aço inoxidável austeníticodo tipo 304, adquirido de duas proce-dências, aqui denominados de aço A eaço B, cujas composições químicas sãoindicadas na Tabela 1.

Para os ensaios de tração, corpos-de-prova cilíndricos foram torneadoscom a parte útil à deformação com 24mmde comprimento e 4mm de diâmetro. Asdemais geometrias e a fixação por roscaatendem a norma ABNT. Após a usina-gem, realizou-se um tratamento térmicode recozimento a 1100°C por meia hora,imerso em sal, resultando uma microes-trutura aproximadamente equiaxial.Quando empregado o aço A, o tamanhode grão foi da ordem de 26µm, e no casodo aço B, da ordem de 33µm. Posterior-mente ao tratamento térmico, os corpos-de-prova foram polidos eletroliticamen-te com solução de ácido perclórico, ál-cool etílico e glicerina (numa relação 7:2:1)sob 1A/cm² de densidade de corrente e15V, garantindo-se, assim, um bom aca-bamento superficial.

Os ensaios de tração foram efetu-ados em máquina mecânica, com velo-cidade constante do travessão de car-ga, gerando uma taxa de deformação ε& = 4,2 x 10-4/s. Os elementos criogêni-cos utilizados foram nitrogênio líquido,gelo seco com acetona e gelo com água,obtendo-se, respectivamente, as tempe-raturas de 77 K, 193 K e 273 K, e mais osensaios a 300 K.

3. ResultadosAs cargas e deslocamentos obtidos

da máquina de ensaio de tração foramprocessados por computador, obtendo-se, então, as curvas de tensão σ - defor-

Tabela 1 - Composição química dos aços inoxidáveis empregados (em % de peso).

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mação ε verdadeiras (curvas tensão - elongação), para osaços A e B, nas quatro temperaturas indicadas. Os resultadossão apresentados na Figura 1. Nessas curvas, sob o ponto devista do encruamento, o parâmetro de maior significado é oexpoente de encruamento η, que pode ser avaliado a partir dográfico logarítmico dσ/dε versus ε, da forma como indicadonas Figuras 2 a 6, nas quais percebe-se, facilmente, que osaços examinados podem apresentar até três estágios de en-cruamento, dependendo da temperatura de ensaio. Conseqüen-temente, pode-se avaliar o expoente de encruamento η emcada situação e a respectiva deformação plástica de transiçãoεT entre os estágios. Os resultados são resumidos na Tabela 2.

Figura 1 - Curvas tensão-elongação obtidas dos ensaios detração. Sobre as curvas estão indicados os respectivos estágiosde encruamento I, II e III.

Figura 2 - Variação logarítmica da taxa de encruamento com aelongação a 300 K no aço A.

Figura 3 - Variação logarítmica da taxa de encruamento com aelongação a 273 K no aço A

Figura 4 - Variação logarítmica da taxa de encruamento com aelongação a 193 K no aço A.

Figura 5 - Variação logarítmica da taxa de encruamento com aelongação a 77 K no aço A.

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Para correlacionar o efeito da elongação sobre a transfor-mação de fase (austenita γ para martensita α’), tracionaram-secorpos-de-prova até níveis definidos de elongação, nas tem-peraturas mencionadas. A intensidade da transformação mar-tensítica foi avaliada, indiretamente, pela resposta magnéticados corpos-de-prova à atração de um ímã plano, tendo emvista que a martensita α’ é ferromagnética. Os resultados sãoapresentados nas Figuras 7 e 8.

4. DiscussãoO aspecto mais significativo nos resultados são as sensí-

veis diferenças entre os estágios de encruamento caracteriza-das pelos expoentes de encruamento η. O motivo para istoadvém dos diferentes micromecanismos associados à defor-mação plástica.

Através da Tabela 2, observa-se que na temperatura am-biente, ocorreu, apenas, um estágio de encruamento, signifi-

Figura 8 - Variação da força de atração magnética relacionadaà fração de martensita transformada com a elongação.

Figura 6 - Variação logarítmica da taxa de encruamento com aelongação a 77 K no aço B.

Figura 7 - Variação da força de atração magnética relacionadaà fração de martensita transformada com a elongação

Tabela 2 - Valores do expoente de encruamento h nos estágios de encruamento (I, II e III) em função da temperatura de ensaio e aelongação de transição εT entre os estágios.

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cando a preponderância de um único me-canismo de deformação plástica, credi-tado à movimentação e multiplicação dediscordâncias na matriz austenítica. A Fi-gura 7 mostra que, nessa temperatura,apesar de reduzida, a força magnéticaindica a presença de martensita α’, po-rém numa quantidade insuficiente parainfluenciar no encruamento. A presençade fase ferromagnética evidencia que atemperatura Md do aço A encontra-seacima da temperatura ambiente.

No ensaio a 273 K notam-se doisestágios de encruamento. Nesse caso, aFigura 7 mostra que a força magnéticacresce mais rapidamente com a elonga-ção, mas, na elongação de transição εT(I-II), ela é da mesma ordem de grandezaque a 30% de elongação na temperaturaambiente. Conseqüentemente, o iníciodo segundo estágio de encruamento nãose associa, simplesmente, à ocorrênciada martensita α’, mas, também, com suataxa de nucleação, a partir de um deter-minado nível de energia acumulada narede pelo aumento na densidade de dis-cordâncias, motivada pelo estágio I.

Segundo a Tabela 2, os ensaios a193 K e 77 K manifestam três estágios deencruamento com as elongações de tran-sição entre os estágios I e II, respectiva-mente de 10% e 6%. Nesses estágios deencruamento, o inter-relacionamentoentre os micromecanismos de deforma-ção plástica não deve ser fundamental-mente diferentes daquele ocorridos nosensaios a 273 K. Estes são apenas maisintensos e precoces, particularmente a77 K.

Comparando a Figuras 7 com a Fi-gura 8, observa-se que, ao final da elon-gação uniforme, a força magnética, nastemperaturas de 193 K e 77 K, é, aproxi-madamente, duzentas vezes mais inten-sa do que na temperatura ambiente, de-monstrando uma intensa transformaçãode fase durante a deformação plástica.Na Figura 8, as curvas possuem um for-mato sigmoidal típico das reações auto-catalíticas, que tendem à saturação, emdecorrência disto apresentam um pontode inflexão.

As elongações de transição entreos estágios II e III, nos ensaios a 193 K e

77 K são, respectivamente, 30% e 25%,que correspondem, aproximadamente, àelongação das inflexões nas curvas daFigura 8. Assim sendo, no estágio II deencruamento, os micromecanismos dedeformação manifestam-se numa taxa detransformação de fase crescente, ocor-rendo o inverso no estágio III, no qual,ao seu término, ou seja, no final da elon-gação uniforme, observa-se, na curvacorrespondente a 77 K, que a taxa detransformação é muito reduzida.

A forma e a disposição das curvasna Figura 8, com a força magnética as-sintoticamente limitada à 21g, indicamque quanto mais baixa a temperatura deensaio, em menores elongações, mani-festa-se a transformação martensítica,mas, ao final do ensaio, ela não aumen-tará substancialmente com deformaçõesem temperaturas abaixo de 77 K. Apesardo caráter autocatalítico, a transforma-ção não é completa, porque, além deocorrer conjuntamente com outros mi-cromecanismos de deformação plástica,necessita ser pré-motivada pelas discor-dâncias na austenita. Esses são aspec-tos correlacionados à estabilidade daaustenita, que depende de vários parâ-metros, entre os quais do teor de ligados aços.

Tendo em vista que todos os ele-mentos de liga contribuem, em maior oumenor intensidade, para estabilizar aaustenita, quanto à transformação mar-tensítica, o aço A é mais estável que oaço B, particularmente pelo maior teorde cromo e níquel [Angel, 1954]. Segun-do a Tabela II, a diferença de sensibili-dade entre os aços não influencia naselongações de transição entre os está-gios de encruamento, nem na elonga-ção uniforme.

É interessante destacar que a mai-or elongação ocorre a 273 K, conformea Figura 9, justamente quando a estric-ção começa a manifestar-se durante oestágio II de encruamento, numa situa-ção em que a taxa de transformação mar-tensítica é crescente. Assim, fica eviden-te que esse estágio apresenta a condi-ção mais propícia para retardar a estric-ção através do fenômeno conhecidocomo “plasticidade induzida por trans-formação” [Guimarães, 1972].

É importante esclarecer que os pa-râmetros σo, k e η da equação (1) nãopossuem uma interpretação física sim-ples [Jaoul, 1957], mas o expoente doencruamento η identifica-se com a vari-ação da taxa de encruamento dσ / dε. Porexemplo, uma relação linear entre σ e εsignifica uma taxa de encruamento cons-tante, assim η = 1. À medida que aumen-ta a rapidez de variação de dσ / dε, ηpoderá assumir valores gradativamentemenores ou maiores que 1, significandorelações parabólicas para η > 0 e hiper-bólicas para η < 0 [Dubbel, 1979].

A variação da taxa de encruamen-to relaciona-se ao desenvolvimento mi-croestrutural durante a deformação[Crussard, 1953]. Como regra geral, quan-do η = 1, a microestrutura evolui unifor-memente. Por outro lado, um intenso re-arranjo da microestrutura, durante a de-formação, resulta valores de η divergen-tes de 1.

Um aspecto fundamental relativoaos aços inoxidáveis austeníticos defor-mados à baixa temperatura é a competiti-vidade entre os micromecanismos dedeformação plástica, que manifestam-sea partir do escoamento. A Figura 10 apre-senta um decréscimo linear da tensão deescoamento desde 77 K até a temperatu-ra ambiente, assim pressupõe-se a atua-ção de um único micromecanismo termi-camente ativado. O deslizamento dasdiscordâncias é o mecanismo que aten-de esse comportamento. Em vista disso,pode-se admitir, também, que, em todasas temperaturas de ensaio, o estágio I deencruamento inicia-se através da movi-mentação de discordâncias na matrizaustenítica e, muito provavelmente, con-tinua a ser o processo de deformaçãopredominante até a transição para o es-tágio II. Quanto mais baixa a temperatu-ra, maior a restrição da rede para movi-mentação das discordâncias, isto justifi-ca os valores decrescentes de ηI apre-sentados na Tabela 2.

A formação da martensita α’ é pre-cedida pela energia armazenada na redecristalina da austenita, em decorrênciada multiplicação das discordâncias e, emmenor escala, pela deformação elástica

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acumulada na distorção dos planos cristalográficos, devidoao carregamento externo. Tais deformações elásticas serão,proporcionalmente, mais intensas, quanto menor for a tempe-ratura de deformação [Andrade,1972]. Isto, indiretamente, podeexplicar a formação de maclas e martensita ε (associadas àbaixa energia da falha de empilhamento), precedendo a forma-ção de martensita α’ [Kerstenbach, 1976]. Os resultados expe-rimentais presentes não permitem avaliar as reações mencio-

Figura 10 - Inf luência da temperatura na tensão deescoamento e tensão máxima no aço A.

Figura 9 - Influência da temperatura no elongamento uniforme ede ruptura no aço A.

nadas, mas os valores baixos de ηI, na temperatura de 77 K,podem estar associados à geração de maclas e fase ε, quecontribuirão, adicionalmente para nuclear com mais precoci-dade e intensidade a martensita α’ no estágio II.

Conforme mencionado, no estágio II de encruamento, aformação de martensita α’ ocorre numa taxa crescente, sendomais intensa na temperatura de 77 K, quando o expoente deencruamento assume seu maior valor, significando que, nesseestágio, a curva tensão vs elongação tem um comportamentoparabólico associado a uma taxa de encruamento com valoresrapidamente crescentes, ou seja, a transformação martensíticaalém de tornar-se o principal micromecanismo de deformaçãoplástica, encrua, substancialmente, o material. Por outro lado,devido ao baixo teor de carbono do aço, a dureza da martensi-ta não é elevada [Vöhringer & Macherauch, 1977], permane-cendo uma estrutura tenaz com capacidade plástica.

No terceiro estágio de encruamento, a martensita α’ for-ma-se numa taxa decrescente, tendendo à saturação. Todavia,ao se iniciar esse estágio, conforme Figura 1, ainda persiste acapacidade plástica da liga, comportamento explicado pelapossibilidade de deformação plástica da fase martensítica.Nesse caso, os valores negativos do expoente de escoamen-to, apresentados na Tabela 2, indicam um comportamento hi-perbólico, típico de intensos rearranjos microestruturais quetendem à saturação [Jaoul, 1957]. Isto ocorre, não apenas emrelação à transformação de fase, mas, também, tanto pela exaus-tão da capacidade plástica da martensita, quanto a da austeni-ta residual, fenômeno que precede o início da estricção.

No estágio III, os valores dos expoentes de encruamentosão similares, independente da temperatura de ensaio e esta-bilidade do aço. Esse comportamento indica que todos os mi-cromecanismos de deformação plástica evoluem, similarmen-te, para a exaustão, independente do percentual participativode cada um no processo.

A natureza da interação dos micromecanismos de defor-mação plástica, na estrutura metaestável dos aços inoxidáveisausteníticos à baixa temperatura, é complexa e, na realidade,pode depender, também, de parâmetros não pesquisados nes-se trabalho, como: tipo de carregamento, taxa de deforma-ção, densidade inicial de discordâncias, energia de falha deempilhamento, textura, tamanho de grão [Nagy et alii, 2004],[Iwamoto, Tsuta, 2000].

5. ConclusãoDependendo da temperatura de ensaio, os aços inoxidá-

veis austeníticos do tipo 304 podem apresentar até três estági-os de encruamento marcantemente distintos (um estágio a 300K, dois estágios a 273 K e três estágios a 193 K e 77 K).

Demonstra-se que os estágios de encruamento estão,preponderantemente, associados aos seguintes micromeca-nismos de deformação plástica:

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• Estágio I - movimentação e multiplica-ção de discordâncias na matriz auste-nítica.

• Estágio II - transformação martensíti-ca em taxa crescente.

• Estágio III - transformação martensíti-ca em taxa decrescente, tendendo à sa-turação.

Os valores dos expoentes de en-cruamento η indicam que os estágios dacurva tensão-elongação apresentam asseguintes configurações:

• Estágio I - forma parabólica, com valo-res de η menores que 1, decrescendocom a diminuição da temperatura.

• Estágio II - forma parabólica, com va-lores de η maiores que 1, crescentecom a diminuição da temperatura.

• Estágio III - forma hiperbólica, comvalores de η de mesma ordem de gran-deza, independente da temperatura eestabilidade da austenita.

No estágio I, o decréscimo dos va-lores de η decorre da restrição à movi-mentação das discordâncias conforme adiminuição da temperatura. Dessa forma,esse comportamento viabiliza, alternati-vamente, a ocorrência de maclas e a trans-formação para martensita ε, o que con-duz aos baixos valores de η a 77 K, atémesmo ligeiramente negativos, quandoa austenita do aço é menos estável.

No estágio II, o expoente de encru-amento η cresce com a diminuição datemperatura e, também, quando a estabi-lidade da austenita do aço for menor. Acrescente taxa de transformação da mar-tensita é o micromecanismo de deforma-ção plástica mais efetivo para um rápidoaumento na taxa de encruamento.

No estágio III, os valores do expo-ente de encruamento η independem da

temperatura e, estabilidade da austenita.Admite-se que os micromecanismos dedeformação plástica envolvidos, taiscomo transformação martensítica e de-formação plástica da martensita transfor-mada e da austenita residual, evoluem,similarmente, para a saturação, indepen-dente do percentual participativo até ofinal do estágio, quando se inicia a es-tricção.

Quando a temperatura de ensaio émais baixa, a transformação martensíticamanifesta-se em menores elongações.Entretanto a quantidade de martensitaformada é correlacionada à estabilidadeda austenita do aço, sendo que seu teorcresce com a diminuição da temperaturaaté um percentual limite que não aumen-tará com a continuidade do resfriamentono ensaio.

Com os resultados experimentais ediscussões apresentados no trabalho,demonstra-se o potencial da análise docomportamento mecânico macroscópicodos aços inoxidáveis austeníticos defor-mados à baixa temperatura por meio dosestágios de encruamento. Desta forma,permite-se discernir a presença dos mi-cromecanismos de deformação plásticae mapear seus campos de ocorrência, emfunção dos parâmetros do processo decarregamento.

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Artigo recebido em 30/07/2006 eaprovado em 05/10/2006.

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