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COMPORTAMENTO VERBAL Terem Maria de Azevedo Pires Sério Maria Ama lia Andery Os homens agem sobre o inundo, modificam-no e são, por sua vez, modificados pelas consequências de sua ação. (Skinner, 1992, p.l) Essa afirmação talvez seja uma das frases mais citadas de Skinner. É com ela que o autor inicia seu livro Verbal behavior, publicado pela primeira vez em 1957. Esse talvez seja um dos livros de Skinner que tenha sido objeto de mais análise: muitas criticas e muitas respostas às críticas. A frase destacada é importante porque expressa de forma contundente a noção de comportamento operante, noção essa que sustenta todo o sistema conceituai da análise do comportamento. Colocada logo no início de um livro sobre comportamento verbal, ela passa a ter uma dupla importância: além 113

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COMPORTAMENTO VERBAL

Terem Maria de Azevedo Pires Sério

Maria Ama lia Andery

Os homens agem sobre o inundo,modificam-no e são, por sua vez,modificados pelas consequências desua ação. (Skinner, 1992, p.l)

Essa afirmação talvez seja uma das frases mais

citadas de Skinner. É com ela que o autor inicia seu

livro Verbal behavior, publicado pela primeira vez em

1957. Esse talvez seja um dos livros de Skinner que

tenha sido objeto de mais análise: muitas criticas e

muitas respostas às críticas.

A frase destacada é importante porque expressa

de forma contundente a noção de comportamento

operante, noção essa que sustenta todo o sistema

conceituai da análise do comportamento. Colocada

logo no início de um livro sobre comportamento

verbal, ela passa a ter uma dupla importância: além

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de expressar muito bem a noção de comportamentooperante, a afirmação já indica o âmbito no qual ocomportamento verbal será tratado; Skinner iniciaseu livro afirmando que comportamento verbal écomportamento operante.

Tal proposta quer dizer que os conceitos jáelaborados no estudo do comportamento operantepodem ser utilizados na análise do comportamentoverbal. Todos os processos que podem ocorrer comrelações operantes (por exemplo, reforçamento, ex-tinção, discriminação) podem ocorrer quando essecomportamento operante for verbal. Nenhum concei-to básico novo - no âmbito do comportamento ope-rante - será necessário para descrição e explicaçãodo comportamento verbal.

Diante de tal proposta, é bem possível que surjade imediato a pergunta: por que, então, destacar ocomportamento verbal como objeto de estudo?

A resposta para essa pergunta é encontradatambém nos primeiros parágrafos do livro Verbalbehavior. Logo após a frase destacada, Skinner(l992) afirma:

Determinados processos que o organismo humanopartilha com outras espécies alteram o compor-tamento de forma que ele realize intercâmbios maisseguros e mais úteis com um ambiente particular. (...)

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O^ comportamento altera o ambiente por meio deação mecânica e suas propriedades ou dimensõesfrequentemente estão relacionadas de uma maneirajjitnples aos efeitos produzidos. Quando um homemanda na direção de um objeto, cie usualmente ficamais perto desse objeto; se ele procura alcançá-lo, éprovável que contato físico seja a consequência (...).Tudo isso deriva de princípios mecânicos egeométricos simples.Entretanto, a maior parte do tempo um homem ageindirctamentc sobre o ambiente a partir do qualemergem as consequências últimas de seu compor-tamento. Seu primeiro efeito é sobre outro homem. Aoinvés de ir até um bebedouro, um homem sedento podesimplesmente "pedir um copo de água" - isto é, elepode engajar-se em comportamento que produz umdeterminado tipo de padrão sonoro que, por sua vez,induz alguém a trazer-lhe um copo de água. (p. 1)

Skinner, nesse trecho, está propondo uma dis-tinção entre as relações operantes: a) há comporta-mentos operantes que se caracterizam por mantercom o ambiente uma relação direta e mecânica; essescomportamentos envolvem processos que são co-muns à espécie humana e às demais espécies animais;b) há comportamentos operantes que se caracterizampor manter com o ambiente uma relação indireta enão-mecânica, comportamentos que alteram, em pri-meiro lugar, um outro homem; esses comportamen-

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tos parecem envolver processos típicos da espéciehumana. Esse segundo tipo de comportamento ope-rante é que Skinner chama de comportamento verbal.E, apesar de poder ser descrito com os mesmosconceitos básicos que descrevem qualquer outrocomportamento operante, o comportamento verbalapresenta peculiaridades derivadas da relação não-mecânica que mantém com o ambiente:

O comportamento que é cfetivo apenas por meio damediação de outras pessoas tem tantas propriedadestopográficas e dinâmicas peculiares que umtratamento especial é justificado e, realmente,exigido. Os problemas originados por esse modoespecial de ação são usualmente atribuídos ao campoda fala ou linguagem. (1992, p. 2)

Podemos, então, concluir que o comportamentoverbal é um tipo espprial dp r.nmpnrtaTnp.nfn npp.ran-

te. O estudo desse tipo de comportamento operante^deverá envolver tanto a identificação e a descrição,dos processos básicos comuns a todo comportamento

_pperante, como a identificação e a descrição dos^processos que lhe são próprios, e as característicasdesse estudo começam a ser explicitadas_na escolhade uma nova terminologia.

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Por que comportamento verbal?

A compreensão da proposta skinneriana para oestudo do comportamento verbal começa com a com-preensão da escolha do nome dado para esse tipo decomportamento operante. Por que recorrer a umaexpressão nova? Por que, por exemplo, não chamartal comportamento "linguagem" ou "linguístico"?

Como reconhece Skinner(1945, 1992), quandoele apresentou sua proposta para o estudo do compor-tamento verbal, os fenómenos que pretendia abran-ger com o rótulo de comportamento verbal já estavamsendo estudados há muito tempo. Assim, já existiauma variada terminologia referente a tais fenómenose, mais do que isso, estavam já difundidos diferentesmodos de estudá-los e estavam disponíveis diferen-tes explicações para tais fenómenos. Entretanto, aoestender o conceito de comportamento operante a taisfenómenos, Skinner apresentou uma proposta peculiarque diferia muito das propostas mais em voga e queexigiria uma reformulação total dos conceitos que fun-damentavam tais propostas.

Para evitar quaisquer vínculos com conceitoscomprometidos com outras propostas e para indicara diferença de perspectiva que estava propondo,Skinner deu um "nome" novo para o conjunto defenómenos que pretendia abranger. Como ele próprio

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indica, esse tipo diferente de relação operante, que sóocorre "por meio da mediação de outros", tem cons-tituído o "campo da fala e da linguagem", mas "fala"e "linguagem" tinham já conotações que não combi-navam com a perspectiva nova que estava sendoproposta. Segundo Skinner (1992), o termo "fala"estava muito comprometido com linguagem vocalapenas e a relação não mecânica, característica docomportamento verbal, não ocorre apenas quando asrespostas são vocais. O termo "linguagem", por suavez, não tem a limitação do termo "fala", mas, temsido usado para descrever "as práticas da comunidadelinguística e não o comportamento de qualquer umde seus membros" (1992, p. 2). Além de evitar essesproblemas,

O termo "comportamento verbal" tem muitas re-comendações. (...) cie enfatiza o falante individual e(...) especifica o comportamento que é modelado emantido por consequências mediadas. Ele tem tam-bém a vantagem de ser relativamente não familiarnos modos de explicação tradicionais. (1992, p. 2)

A escolha do termo comportamento verbalindica, assim, algumas marcas da proposta deSkinner: (a) pretende-se compreender (descrever eexplicar) o comportamento operante que é criado

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e mantido por consequências mediadas; (b) isso deveser feito tendo em vista o comportamento de indiví-duos, isto é, como o repertório comportamcntal comas características indicadas foi/está sendo modeladoe mantido em indivíduos particulares; e, (c) as des-crições e explicações assim produzidas não deverãoestar comprometidas com as explicações tradicional-mente propostas para tal tipo de comportamento.

A que explicações Skinner está se referindo,aqui? Como acontece com outros conceitos que cons^tituem o sistema explicativo da análise do comporta-mento, com o conceito de compnaamcnto verbalpretende-se romper com qualquer explicação docomportamento que o atribua a fatos que ocorrem nointerior do indivíduo. No caso do comportamentoverbal, tais fatos têm recebido diferentes nomes:ideias, imagens, significados, informaçãq.

Em todos esses casos, o modelo da explicaçãoé o mesmo. A caracterização que Skinner (1992) fazdesse modelo é bem ilustrada no exemplo do recurso

a "ideias" como "causa"/explicação do compor-tamento verbal:

Dizia-se que uma asserção estaria explicada explici-tando as ideias que ela expressava. Se o falante tivessetido uma ideia diferente, ele teria dito palavras diferen-tes ou um arranjo de palavras diferente. Se sua as-

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serção fosse incomum seria por causa da novidadeou originalidade de suas ideias. Se a asserção pare-cesse vazia, era porque deveriam faltar ideias ao falanteou ele teria sido incapaz de colocá-las em palavras. Seele não pudesse ficar em silêncio, era por causa da forçade suas ideias. Se ele falasse de maneira hesitante eraporque suas ideias vinham lentamente ou estavam malorganizadas. E assim por diante. Todas as pro-priedades do comportamento verbal parecem, assim,ser explicadas, (pp. 5-6)

Há, para Skinner, um conjunto de problemasnesse modelo de explicação, quer o evento que explicao comportamento verbal seja uma "ideia", quer sejauma "imagem", um "significado" ou "informação":

a) nesse tipo de explicação, as característicasatribuídas ao evento causador são identificadas apartir do comportamento verbal observado, de modoque as características de ambos serão sempre coinci-dentes.

Obviamente não há uma verdadeira explicação.Quando dizemos que um comentário é confuso por-que a ideia não é clara, parecemos estar falando sobredois níveis de observação, embora, de fato, hajaapenas um. (1992, p. 6)

b) Nesse modelo explicativo atribuindo àsideias, aos significados, às imagens ou à informação

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o papel de agentes causadores do comportamentoverbal, passa-se a considerá-los como eventos ouentidades com existência independente;

c) com esse tipo de explicação considera-se afala como tendo existência separada do comporta-mento do falante.

Palavras são consideradas como ferramentas ou instru-mentos, análogas a sinais, marcas e bandeiras desinalização algumas vezes empregadas com propósi-tos verbais. (1992, p. 7)

Esses dois últimos aspectos acabam por levar àdecomposição do comportamento verbal em três ins-tâncias separadas e independentes: as palavras, ossupostos agentes causais (ideias, significados, ima-gens oujnformação) e_as respostas emitidas (o ato dafala). Essa separação é especialmente problemáticapara a perspectiva da análise do comportamento, poiscom ela as relações que constróem o comportamentooperante são ignoradas ou, até mesmo, destruídas.

Tendo apresentado as razões para a escolha deum novo nome - comportamento verbal - para umconjunto de fenómenos que vinha já sendo estudadopela psicologia e por outras áreas do conhecimento,devemos voltar para a definição de comportamentoverbal, de forma a torná-la clara e a identificar algu-mas implicações que ela acarreta no estudo dessesfenómenos.

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A definição de comportamento verbal

Iniciamos o texto distinguindo dois tipos decomportamento operante e apresentando as basesdessa distinção; na distinção desses dois tipos está jáa apresentação de um dos elementos da definição decomportamento verbal. Çomportamemo verbal foidefinido como "o comportamento reforçado por meioda mediação de outras pessoas" (1992, p. 2).

Como já foi enfatizado, essa é a característicabásica desse tipo de comportamento operante; é essacaracterística que o torna um tipo especial. Skinner(1974), ao comparar a proposta por ele apresentadacom outras, já difundidas, afirma:

Uma visão muito mais produtiva é que compor-tamento verbal é comportamento. Ele tem um caráterespecial apenas porque é reforçado por seus efeitossobre as pessoas - no início outras pessoas, masfinalmente o próprio falante. Como resultado, ele clivre de relações espaciais, temporais e mecânicasque prevalecem entre o comportamento operante econsequências não sociais, (pp. 88-89)

Essa é, efetivamente, a característica básica docomportamento verbal; entretanto, como o próprioSkinner afirma, a definição de comportamento verbal

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precisa ser completada. A expressão "mediado pelocomportamento de outro" deve ser esclarecida: nem

todo comportamento mediado é considerado, naanálise do comportamento, como comportamentoverbal. São excluídas da definição de comportamentoverbal as seguintes situações que envolvem me-diação: (a) quando a participação da pessoa que coa-seqiiencia o comportamento equivale à de um objetofísico ou quando se recorre à força física, por exem-plo, quando alguém serve de apoio para outro ouquando empurra outro; (b) quando a resposta do outroproduz um estímulo eliciador incondicionado, como,quando se assopra o olho de alguém; .(c) quando aspropriedades do comportamento do outro, que con-trolam o comportamento de alguém são produto derelações acidentais. Com a exclusão desses casos demediação, resta como característica da mediação queé típica do comportamento verbal aquela que foiespecialmente produzida para afetar o compor-tamento de outro. A esse respeito Skinner (1992)afirma:

O condicionamento especial do ouvinte é o X doproblema. Comportamento verbal é modelado esustentado por um ambiente verbal - por pessoas querespondem ao comportamento de determinadasmaneiras por causa das práticas do grupo de que são

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membros. Essas práticas c a interação de falante e

ouvinte resultante produzem os fenómenos que sãoconsiderados aqui sob a rubrica de comportamentoverbal, (p. 226)

Nesse trecho Skinner apresenta a segunda ca-racterística do comportamento verbal: a preparação

sistemática do mediador. Podemos, então, apresentar

uma definição mais completa de comportamento ver-

bal: comportamento verbal é comportamento operan-

te que é reforçado pela mediação de outras pessoas

que foram especialmente preparadas para reagir

como mediadores.

Skinner, a partir dessa data, em vários outros

momentos, enfatizou essa segunda característica do

comportamento verbal. Por exemplo, em 1987, em

artigo sobre a evolução do comportamento verbal,

Skinner destaca a importância desse aspecto, ao se

perguntar quando uma resposta operante tornar-se-ia

verbal. Para responder a pergunta Skinner apresenta

três alternativas: (a) quando a resposta operante tiver

sido fortalecida pela reação de outra pessoa; (b)

quando a mesma resposta puder ser emitida em outras

situações com outras consequências, independentemente

do estado momentâneo do sujeito; (c) quando a

resposta tiver sido produzida e mantida por "um

ambiente verbal, transmitido de uma geração a outra

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(quando ela se tornou parte de uma linguagem)"

(p. 89), Apesar dessas três alternativas, possivel-mente, descreverem momentos do processo queoriginou e desenvolveu o repertório verbal na espéciehumana, para Skinner (1987), é O terceiro momentoque é definidor do comportamento verbal:

Comportamento verbal é comportamento que c re-forçado por meio da mediação de outra pessoa, masapenas quando a outra pessoa está se comportando demaneiras que foram modeladas e imintidas por umambiente verbal que evoluiu, ou linguagem, (p. 90)

Definir comportamento verbal dessa forma trazde imediato duas consequências: a primeira delas é a

de tornar comportamento verbal um objeto da psi-cologia. É interessante notar que Skinner (1992) é

bastante claro e enfático a esse respeito:

A responsabilidade final [do estudo do compor-tamento verbal] deve ficar com as ciências com-portamentais e particularmente com a psicologia. Oque acontece quando um homem fala ou responde à

fala é claramente uma questão a respeito do compor-tamento humano e, assim, uma questão a ser respon-dida com os conceitos e técnicas da psicologia comouma ciência experimental do comportamento, (p. 5)

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A segunda consequência diz respeito à unidadede análise do comportamento verbal.

Ao definir comportamento verbal como compor-tamento reforçado por meio da mediação de outraspessoas nós não especificamos, e não podemos espe-cificar, qualquer forma, modo, ou meio. Qualquermovimento capaz de afctar um outro organismopode ser verbal. Nós provavelmente destacamos ocomportamento vocal, não apenas porque ele é maiscomum mas porque ele tem pouco efeito sobre oambiente físico c, assim, é quase necessariamenteverbal. (1992, p. 14)

Diferentes formas de resposta, tais como ges-tos, manipulação de objetos físicos ou a própria pro-dução de sons, poderão ou não ser definidas comocomportamento verbal, dependendo de sua relaçãocom o ambiente: nada há na forma da resposta que aidentifique como verbal. Entretanto, como salientaSkinner, a forma vocal tem sido tomada como repre-sentativa do comportamento verbal em geral e, porisso, referimo-nos a quem emite a resposta verbalcomo falante e a quem consequência o responder dofalante como ouvinte (mesmo quando a forma daresposta não é vocal). Intimamente relacionada a essaausência da forma como característica distintiva docomportamento verbal, também não se caracteriza

uma resposta verbal por sua dimensão, mas, sim, pelarelação resposta-conseqiiência; considerando comoexemplo O comportamento vocal, um som, uma pa-lavra, uma frase ou mesmo um texto inteiro podemser, em diferentes situações, tomados como umaresposta verbal.

Finalmente, a caracterização do comportamen-to verbal como comportamento operante leva a umaconcepção especial com relação à noção de signifi-cado. Como para qualquer outro comportamento, osignificado de uma resposta verbal deve ser buscadonas variáveis de controle dessa resposta.

(...) o significado não é uma propriedade do compor-tamento como tal, mas das condições sob as quais ocomportamento ocorre. Tecnicamente signifi-cados devem ser encontrados entre as variáveisindependentes em uma descrição funcional, e nãonas propriedades da variável dependente. Quandoalguém diz que pode ver o significado de umaresposta ele quer dizer que pode inferir algumasdas variáveis das quais a resposta é usualmenteuma função. A questão é particularmente impor-tante no campo do comportamento verbal no qualo conceito de significado desfruta de um prestígioincomum. (Skinner, 1992, pp. 13-14)

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Dessa forma, a única unidade de análise possí-

vel no estudo do comportamento é a tríplice contin-

gência, isto é, as inter-relações entre a situação na

qual a resposta é emitida, a resposta e as consequên-

cias produzidas pela resposta (Skinner, 1969). No

caso do comportamento verbal, diferentes situações

e condições poderão se constituir em situação ante-

cedente; como já foi dito, a resposta poderá ter dife-

rentes formas e dimensões, e uma característica que

se mantém constante é que o primeiro efeito dessa

resposta é sobre o ouvinte.

Uma outra característica comum a essas dife-

rentes contingências se refere às condições antece-

dentes controladoras da resposta verbal. Além das

condições peculiares de uma dada contingência, há,

em geral, como parte dessas condições, a presença de

uma audiência. Segundo Skinner (1992):

Comportamento verbal usualmente ocorre apenas napresença de um ouvinte. Quando o falante estáfalando para si mesmo, naturalmente, um ouvinteestá quase sempre presente. (...) O ouvinte, comouma parte essencial da situação na qual o compor-tamento verbal é observado c (...) um estímulo dis-criminativo. Ele é parte da ocasião na qual ocomportamento verbal c reforçado e, portanto, ele setorna parte da ocasião que controla a força do com-portamento. Esta função deve ser diferenciada da

lação do ouvinte no reforçamentO do compor-tamento. Quando o ouvinte estimula o falante antesda emissão do comportamento verbal, podemos falardele como a audiência. Uma audiência, então, c umesiímulo discriminativo na presença do qual o com-portamento verbal c caracteristicamente reforçado ena presença do qual, portanto, ele é caracteristi-camente forte, (p. 172)

Um primeiro esforço para compreender o com-

portamento verbal pode ser visto na tentativa de iden-

tificar semelhanças e diferenças nas contingências que

descrevem o comportamento verbal. Isso produziu uma

classificação dessas contingências, que foram

chamadas por Skinner (idem) de operantes verbais.

Operantes verbais

Skinner identificou seis operantes verbais pri-mários: mandq, tato, ecóico, textual, transcrição eintraverbal.

Mando

Um operante verbal é chamado de um mando

quando a resposta verbal é emitida sob controle de

condições específicas de privação ou da presença

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de estimulação aversiva. Frequentemente, são exemplos

de mando respostas verbais tradicionalmente chama-

das de ordens, pedidos e avisos. Nesse tipo de ope-

rante a resposta verbal especifica o reforçador (por

favor, um copo de água) ou o comportamento do

ouvinte (por favor, feche a janela). Diferentemente

de outros operantes verbais, a resposta não tem uma

relação específica com um estímulo antecedente,

mas, sim, com uma condição de privação ou estimu-

lação aversiva do falante. Skinner sintetiza essas

características, salientando que.o repertório verbal de_

mandos, em geral, opera em benefício do falante,

uma vez que produz como consequência, um refor-

çador específico (positivo ou negativo).

Tato

Um operante verbal é chamado de tato quando

a resposta verbal é emitida sob controle de um estí-

mulo antecedente específico não verbal (um objeto,

um evento ou propriedade de um objeto ou evento) e

produz como consequência reforço condicionado ge-

neralizado ou um conjunto de estímulos reforçadores

distintos (não específicos). O estabelecimento do

repertório de tatos supõe o enfraquecimento da rela-

ção de controle dos estados de privação específicos

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ou de estimulação aversiva sobre a resposta, de talforma que se estabelece uma relação especial de

controle com a estimulação antecedente (por exem-

plo, sob controle da presença de chuva, alguém diz"está chovendo"). A estimulação antecedente que

exerce caracteristicamente controle sobre as respos-tas verbais no tato

(...) nada mais é que todo o ambiente físico - omundo das coisas e eventos de que se dia o falante"fala a respeito", O comportamento verbal sob con-trole desses estímulos é tão imponanie que, frequen-temente, é com ele que se trabalha exclusivamenteno estudo da linguagem c nas teorias do significado.(1992, p. 81)

Essa caracterização de Skinner ressalta a im-portância do estabelecimento de controle de estímu-

los e do desenvolvimento de um repertório de tatos.

Skinner sintetiza essas características, enfatizandoque um repertório de tatos, em geral, opera em bene-fício do ouvinte, uma vez que permitiria ao ouvinte"acesso" a informações sobre o mundo (os eventosque controlam o comportamento do falante) ou mes-mo a informações sobre o próprio falante.

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Operantes verbais sob controlede estímulos antecedentes verbais

Quatro dos operantes verbais - ecóico, textual,

transcrição e intraverbql - descrevem relações espe-

cíficas entre estímulos antecedentes verbal e respos-

tas verbais. Nesses casos, assim como no caso do tato,

em geral, o estímulo reforçador que mantém o res-

ponder é um estímulo condicionado generalizado.

No caso do operante verbal ecóico, o estímulo

antecedente é um estímulo verbal vocal (sonoro) e a

resposta verbal, também vocal, reproduz o estímulo,

sem o que não há reforçamento (por exemplo, diante

do som "au-au", repetir "au-au").No caso do operante verbal textual, o estímulo

antecedente é um estímulo verbal impresso ou escritc

e a resposta é uma resposta vocal. Há entre o estímulo

e a resposta uma correspondência formal, arbitraria-

mente estabelecida (por exemplo, diante da palavra

impressa "operante", dizer "operante"). É importante

ressaltar, aqui, que a relação de controle que caracte-

riza o comportamento textual é diferente da relaçãode controle que caracteriza leitura com compreensão.

Transcrição é um operante verbal no qual o

estímulo antecedente é vocal ou escrito e a resposta

verbal é sempre escrita. Em qualquer dos casos, assim

como no caso do comportamento textual, a corres-

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l

pendência entre o estímulo e a resposta é umacorrespondência formal, arbitrariamente estabele-

cida. Um exemplo bastante comum do operante ver-bal transcrição são as atividade de cópia e ditado

realizados pelas crianças na escola,Finalmente, o operante verbal intraverbal é

caracterizado por uma relação na qual uma resposta

verbal - vocal ou escrita - fica sob controle de estimuloantecedente - vocal ou escrito, Nesse caso, a relaçãoentre estímulo e resposta, no entanto, não obedece £i

uma correspondência formal. Skinner (l 992) exempli-fica os vários tipos de respostas verbais que podem

ser incluídas no operante verbal intraverbal:

Quando um longo poema c recitado, frequentementepodemos explicar a maior parte do recitar apenassupondo que uma parte controla uma outra de umamaneira in t raverba l . Caso interrompamos ofalante, o controle pode ser perdido; mas voltar aoinício o restabelece, recriando o estímulo verbaladequado, O alfabeto é adquirido como uma sériede respostas intraverbais, assim como contar, adi-cionar, multiplicar e reproduzir tabelas matemáti-cas em geral. A maior parte dos "fatos" da históriasão adquiridos e relidos como respostas intraver-bais. Assim como ocorre com muitos dos fatos daciência , embora haja respostas aqui tambémfrequentemente sob um outro tipo de controle [ocontrole envolvido no tato]. (p. 72)

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Parte importante de nosso conhecimento formal

- da história, das ciências, etc. - é composto de operan-

tes verbais que são intraverbais: respondemos sob con-trole de estímulos verbais que servem como estímulos

discriminativos para a emissão de respostas.

Comportamento verbal secundário

Além dos operantes verbais primários já apre-

sentados, Skinner (1992) identifica mais um tipo de

comportamento verbal, o chamado autoclítico.

As propriedades importantes do comportamentoverbal que ainda devem ser estudadas dizem respeitoaos arranjos especiais de respostas. Parte do compor-tamento de um organismo torna-se, por sua vez, umadas variáveis controladoras de uma outra parte. Hápelo menos dois sistemas de respostas, um baseadono outro. O nível superior pode ser entendido apenasem termos de suas relações com o inferior. (...) Osistema controlador 6 ele mesmo comportamentotambém. O falante pode "saber ('know') o que estádizendo" no sentido de que ele conhece ('knows')qualquer parte ou aspecto do ambiente. Parte do seucomportamento (a "conhecida") serve como umavariável no controle de outras partes ("conhecer")."Atitudes preposicionais" tais como asserção,negação e quantificação, o plano produzido por meio

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da revisão e rejeição ou emissão de respostas, ageração de quantidades de comportamento verbal e asmanipulações altamente complexas de pensamentoverbal podem todas (...) ser analisadas cm termos docomportamento que é evocado por, ou age sobre, outrocomportamento do falante. (1992, p. 313)

O que Skinner chama de sistema de respostas

de nível inferior são os operantes verbais primários eo que chama de sistema de respostas de ordem supe-

rior são os comportamentos verbais secundários ou

autoclíticos.

Os autoclíticos são respostas verbais que não

podem ser emitidas isoladamente, mas apenas em

conjunção com algum outro operante verbal. São

respostas controladas por algum aspecto do compor-

tamento verbal do falante e que alteram o efeito do

comportamento verbal do falante sobre o compor-

tamento do ouvinte. Tipicamente, respostas como

"por favor", respostas que indicam a fonte dos tatos

como "eu vejo que está chovendo", "acho que está

chovendo", ou respostas que descrevem condições do

falante como "sinto-me feliz em dizer que", são auto-

clíticos que especificam ou destacam características

do comportamento verbal primário que está sendo

emitido pelo falante. Além disso, são respostas tipi-

camente autoclíticas as respostas verbais que depen-

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,dem de outras respostas verbais e estabelecem re-

lações entre elas. Essas respostas incluem desde ter-

mos que relacionam eventos como "o livro de João",

até partículas como as que indicam tempo em que

ocorreu a ação como "chove»", ou que indicam

género, como "menino" ou "menina" ou que indi-

cam número como, por exemplo, "menino^-".

A multideterminação do comportamento verbal

Os tipos de contingências que descrevem com-

portamento verbal são apenas instrumento de análise.

Seria um erro supor que qualquer um desses tipos decomportamento verbal pode ser encontrado em sua

forma pura em uma instância qualquer de compor-tamento verbal.

Como qualquer outro comportamento, o com-

portamento verbal é multideterminado, em outras

palavras, uma resposta verbal pode estar sob controle

de muitas variáveis; assim, por exemplo, além da

audiência, do estímulo antecedente não verbal - va-

riável de controle típica de um tato -, podem exercer

controle sobre a resposta verbal "água", por exemplo,o estado de privação do sujeito ou, até mesmo, algum

estímulo verbal, como o sinal de um bebedouro

próximo. Segundo Skinner (1992):

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Dois fatos emergem a partir de nossa investigaçãodas relações funcionais básicas no comportamentoverbal: (1) a lorça de uma úmea resposta pode ser, cusualmente é, função de mais de uma variável, c (2)uma única variável usualmente afeta mais do queuma resposta, (p. 227)

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