Comportamentos eleitorais - Prof. Doutor Rui Teixeira Santos

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Sistemas Políticos Comparados Comportamentos Eleitorais: Voto Sincero e Voto Estratégico Sistemas Políticos e Económicos Docente: Prof. Doutor Rui Teixeira Santos [Escrito segundo as regras do novo Acordo Ortográfico]

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Sistemas Políticos Comparados

Comportamentos Eleitorais: Voto Sincero e Voto Estratégico

Sistemas Políticos e EconómicosDocente: Prof. Doutor Rui Teixeira Santos[Escrito segundo as regras do novo Acordo Ortográfico]

Introdução

• Em eleições políticas o comportamento dos eleitores é diferenciado, não só no

sistema eleitoral do próprio país, como varia entre os países, de acordo com

os seus próprios sistemas políticos.

• O livro Sistemas Políticos Comparados, de Gianfranco Pasquino, professor de

Ciência Política na Universidade de Bolonha, analisa os sistemas políticos de

França, Alemanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos da América (EUA), Portugal

e Itália, fazendo a comparação dos sistemas maioritários e proporcionais.

• No Cap. 2, Comportamentos Eleitorais: Voto Sincero e Voto Estratégico, págs.

49 a 83, o autor analisa o comportamento dos eleitores quando exprimem o

seu voto, o qual, influenciado pelo sistema partidário pode assumir-se como

um voto sincero ou como um voto estratégico, de acordo com as

circunstâncias que se apresentem.

• As particularidades de cada sistema eleitoral refletem-se na repartição dos

votos pelos mandatos e produzem consequências nas formações dos

parlamentos e dos governos. Saber como a expressão do voto, em cada um

dos países alvo de análise, é influenciada quer pelo sistema partidário, quer

pelo sistema eleitoral de cada país, é o objecto da análise comparada deste

capítulo do livro.

• A análise ao sistema eleitoral em Portugal que se apresenta neste trabalho de

grupo, embora seguindo a linha de raciocínio traçada neste livro, é uma

elaboração autónoma do mesmo e, por isso, não aparece enquadrada na

estrutura deste trabalho, que segue a ordem dos sistemas analisados na obra

de Gianfranco Pasquino, mas no final da nossa análise ao mesmo.

Oferta dos partidos e resposta dos eleitores

• Os eleitores decidem o seu voto de acordo com vários parâmetros, de

acordo com o sistema político do respectivo país, atribuindo maior ou

menor grau de importância aos seguintes elementos: a identificação com

o partido; as temáticas relevantes; a personalidade dos candidatos.

• De acordo com estes elementos, o voto do eleitor constitui uma resposta à

oferta que na campanha eleitoral lhe foi feita pelos candidatos, partidos e

coligações. A natureza da resposta é feita, também, com base nas

preferências do eleitor e na credibilidade do candidato, face ao

desempenho político deste, o chamado voto retrospetivo. Ou, na

fiabilidade que esse candidato ou força política dá a um determinado

eleitor, o voto prospectivo. Ou seja, o voto de um eleitor “pode ser

influenciado pelo seu conhecimento do sistema eleitoral” (Pasquino, pág.

51).

• A persuasão dos eleitores por parte dos candidatos e dos partidos varia de

acordo com cada sistema eleitoral ou sistema partidário e, também, pela

forma como os processos de coordenação da oferta é apresentada ao

eleitor, o qual, poderá estar, ainda, disponível ou não para acatar

indicações do partido da sua preferência. O voto, nestas circunstâncias,

tem a designação de “voto sincero/voto estratégico, ou tático”.

• O voto poderá ser considerado sincero quando o eleitor decide votar no

candidato ou no partido preferido. O eleitor pode decidir votar não no

candidato ou no partido da sua preferência mas em outrem, por diversas

razões. Fá-lo porque este lhe dará mais confiança, ou porque queira votar

no candidato que à partida seja o que se apresente como vitorioso. Ou,

ainda, porque queira garantir que determinado partido tenha

representação parlamentar, deseje manifestar desacordo com o candidato

ou o partido, pretenda que determinado partido mantenha força política

para intervir na política. Nestes casos, trata-se do voto estratégico.

• A esta capacidade de decisão dos eleitores, os candidatos e os partidos

intervêm na tentativa de influenciar as decisões de voto e fazê-lo-ão

quanto melhor interpretarem os mecanismos eleitorais e souberem

influenciar o comportamento dos eleitores. Os sistemas eleitorais,

condicionam ou facilitam o uso estratégico do voto. Neste contexto, o

sistema eleitoral proporcional será, segundo Pasquino (pág. 52), “o que

menos se presta à utilização estratégia do voto”. O sistema proporcional

permite aos eleitores manifestar as suas verdadeiras preferências, o que

poderia representar, em absoluto, o melhor sistema eleitoral. Muitos

fatores, porém, segundo Pasquino, pág. 53, condicionam este sistema,

designadamente, quanto a cláusula de representação parlamentar,

número dos círculos eleitorais, recuperação de votos, existência ou não do

voto de preferência, assim como, ainda, do “jogo de coordenação”

desenvolvido pelos dirigentes políticos.

Voto sincero e voto estratégico em sistemas proporcionais

• Na Alemanha o eleitor dispõe de dois votos, que pode assinalar no mesmo

boletim de voto, facilitando-lhe o uso do voto estratégico. Nesse boletim,

o eleitor escolhe um candidato para o mandato uninominal do seu círculo

eleitoral e, também, o partido que concorre pelo mesmo círculo.

• A particularidade reside no facto do mandato uninominal poder ser ganho

por um candidato de um partido que obtenha, a nível nacional, menos de

5% dos votos e não eleja, por essa via, nenhum candidato. Existe, ainda, a

peculiaridade dos mandatos do Bundestag, o parlamento alemão, serem

atribuídos de forma proporcional aos partidos que obtenham mais de 5%

dos votos e, também, aqueles que, embora não tenham alcançado esta

fasquia, tenham eleito três candidatos em lugares uninominais.

NA ALEMANHA

• Deste modo, este sistema de representação na Alemanha é um sistema

proporcional. O comportamento eleitoral dos alemães pode, assim,

permitir o voto estratégico e a coordenação partidária, esta última, por

exemplo, quanto à formação das coligações de governo. Aliás, é na

formação de coligações de governo que reside boa parte da estratégia

eleitoral dos partidos alemães quanto ao voto estratégico. A análise a

alguns atos eleitorais permite verificar que existem coligações que

alcançaram mais votos nas suas listas regionais do que nos seus

candidatos uninominais. Aqui resulta a estratégia de concentrar os votos,

em cada círculo, no candidato de um dos partidos com melhores

condições a ganhar. Estas opções dos eleitores são “encorajadas” pelos

dirigentes partidários.

• O voto estratégico, em geral, no sistema alemão funciona bem quando os

interesses e preferências dos eleitores são expressos numa perspetiva de

governo, e constituem uma resposta do eleitorado de aprovação de

alianças políticas. Mas, como salienta Pasquino (pág. 59), tal facto é

facilitado pela existência do voto duplo e cláusula dupla para o acesso à

representação parlamentar.

• Em Itália, a representação proporcional não facilitou o voto estratégico.

Até 1993, o sistema proporcional que vigorava no sistema italiano

baseava-se em dois patamares de acesso ao parlamento: Um exigia que

um partido atingisse o mínimo de 300 mil votos; outro, para eleger um

candidato a nível de um círculo teria de alcançar 65 mil votos. Estes

limites tiveram como primeira consequência varrerem da cena política

largas dezenas de pequenos partidos.

• Este sistema também permitia que o eleitor manifestasse as suas

preferências em relação aos candidatos da lista do partido, situação que

foi muito criticada pelo facto de permitir a exploração do voto, a nível

local ou regional, em troca de favores em decisões de interesse local.

EM ITÁLIA

• O eleitor italiano tinha, porém, pouco incentivo para o voto estratégico,

dado que os partidos estavam mais interessados nos seus próprios votos.

Raros foram os casos de eleições com apelo ao voto estratégico. Na história

da democracia italiana do pós-II guerra mundial, as coligações nem sempre

resultaram como previsto, muitas vezes com os eleitores a deslocarem o seu

voto tradicional para outro partido em melhores condições para derrotarem

um partido indesejável que se apresentaria com hipóteses de ganhar. Estas

foram das poucas vezes que utilizaram o voto estratégico, muitas vezes

“tapando o nariz” mas atento às consequências do seu voto.

O voto estratégico nos sistemas maioritários

• No caso britânico os eleitores são, em grande medida, os principais

responsáveis pela atual estrutura do sistema partidário, como efeito do

seu comportamento estratégico. Um sistema maioritário uninominal pode

levar, em determinadas condições, a um sistema bipartido. Dado que, no

sistema maioritário o mandato é ganho pelo candidato com maior número

de votos, ao longo dos anos, após a sequência de consultas eleitorais, os

eleitores foram abandonando os candidatos não ganhadores e dirigiram a

sua escolha para os candidatos de entre os que poderão serem

vencedores.

CASO BRITÂNICO

• Pasquino considera existirem dois fatores que explicam as motivações

deste voto estratégico: mecânico e psicológico (pág. 67). O grau de

estruturação do sistema partidário, com lideranças credíveis, transmitem

ao eleitor confiança (fator mecânico); por sua vez, quando o candidato

preferido do eleitor está numa situação em que poderá não ganhar, este é

incentivado a votar no candidato que menos lhe desagrada, como meio

para não desperdiçar o voto e, desse modo, impedir a vitória a um

candidato não desejado.

• Esta tendência para optarem pelo menos mau dos candidatos, impedindo

o sucesso do considerado pior, significa que os eleitores compreendem

que o seu voto pode ser considerado perdido se votarem no partido da sua

simpatia, caso este se apresente sem condições para ganhar. O resultado

deste fenómeno de “polarização” conduz à bipolarização, pois favorece os

mais favoritos.

• No contexto, há, contudo, o exercício do voto estratégico quando os partidos anunciam

coligações de governo, ou estratégias eleitorais comuns, com outras formações

partidárias de menor expressão. É o caso do Partido Liberal que, ao longo dos anos,

tem servido, quer aos partidos, quer aos eleitores, para derrotar um dos principais

partidos – o Conservador ou o Trabalhista – ou conduzi-lo ao poder. Um dos melhores

exemplos da utilização de táticas concertadas ocorreu nas eleições de 1997 e 2001, que

deram a vitória ao Partido Trabalhista de Tony Blair. Nos círculos onde o candidato

liberal se apresentava em melhores condições do que candidato trabalhista para

ganhar ao candidato conservador, muito eleitores trabalhistas votaram no liberal, para

derrotar o candidato conservador. Onde o candidato trabalhista se encontrava em

equilíbrio com o conservador, os liberais convergiram o seu voto no candidato

trabalhista.

• Concluindo, como frisa Pasquino (pág. 68), o uso do voto estratégico de “uma parte dos

eleitores cujo candidato preferido não se encontre em condições de ganhar”, fazendo

confluir “os votos no menos desejado dos dois potenciais vencedores”, ocorre nas

situações mais competitivas, de maior pluralidade de resultados e os candidatos

estejam mais próximos em termos de consenso eleitoral.

CASO EUA

• O sistema político dos EUA carateriza-se pelas eleições para a Presidência,

para a Câmara dos Representantes e para o Senado, sob a liderança de dois

grandes partidos. Terceiros candidatos e partidos não têm tido qualquer

oportunidade de vender eleições aos vários níveis.

• Neste sistema, à partida, o voto estratégico não terá margem de manobra,

exceto em algumas situações, não menos importantes, caso das eleições dos

candidatos a Presidente e nas votações nas primárias. Ocorre nas primárias

que os eleitores, sejam os “ativistas”, os mais conscientes e informados,

escolham para candidatos à Câmara dos Representantes ou ao Senado, não o

seu candidato preferido, mas sim aquele que tenha maiores possibilidades

para derrotar o candidato do outro partido, o que, na prática, é um voto

estratégico. Situação idêntica ocorre nas primárias presidenciais.

• Em várias situações, aquele tipo de eleitores atrás referenciados, ao

avaliarem de entre os candidatos quem poderá vencer, poderão orientar o

seu voto no sentido de fazer perder o candidato não desejado e, assim,

abrir o caminho para a nomeação ao candidato mais desejado. Os

candidatos derrotados, com frequência, apelam aos seus eleitores a

confluência dos seus votos para permitir a vitória de determinado

candidato de entre os que ficaram na corrida eleitoral.

• Em síntese, salienta Pasquino (pág. 70), o voto estratégico, seja no caso

britânico ou no dos EUA, “também é possível onde o sistema eleitoral é

maioritário a uma só volta”. E acrescenta que existem “condições

facilitadoras” nos EUA. Refere que, nas primárias, “é frequentemente

pedida uma vitória por maioria absoluta”, a fim de se impedir um segundo

escrutínio, cujos resultados poderiam ser negativos, face às informações que

recolheram no decorrer da primeira volta da votação. Nas primárias

presidenciais, por sua vez, o processo repete-se, de forma sequencial, de

Estado para Estado, recolhendo-se informações e experiências que

permitem aos candidatos e aos eleitores fazerem apelos ao voto estratégico.

• O exercício do voto estratégico encontra uma situação ideal, como define

Pasquino (pág. 70), nos sistemas eleitorais a duas voltas, que aponta o caso

francês, com numerosas variantes do sistema a duas voltas, como dos mais

interessantes.

• Em França, a fórmula de desempate eleitoral é muito peculiar. A lei define

como se podem apresentar candidatos à primeira volta, a partir da

recolha de um número mínimo de assinaturas, o que permite a um

número indeterminado de candidatos apresentarem-se às eleições. Mas só

passam à segunda volta os dois candidatos mais votados. Nesta perspetiva

seria lógico o voto sincero por uma elevada percentagem de eleitores na

primeira volta. Pode, contudo, ser influente a motivação de muitos

eleitores para que passe à segunda volta, não o seu candidato preferido,

mas aquele que se apresente com mais hipóteses de derrotar o candidato

mais indesejável. Na segunda volta a situação apresenta-se diferente, pois

os eleitores sentem-se obrigados a votar, de entre dois candidatos, no da

sua preferência. Observa Pasquino (pág. 71), que, caso o candidato

preferido não estivesse em liça, “o voto sincero seria expressa de melhor

forma através da abstenção”, mas, neste caso, funcionará o voto

estratégico, dado que muitos eleitores irão votar para derrotar o

candidato menos desejado.

CASO FRANCÊS

• O voto sincero poderá, por vezes, ter efeitos catastróficos. São disso exemplo

as eleições presidenciais de 2002. O primeiro-ministro socialista Lionel Jospin

era o mais forte candidato da esquerda e todas as sondagens davam como certa

a sua passagem à sua volta. Tendo isso em conta, os eleitores de esquerda

expressaram o seu voto sincero ao votarem no candidato da sua preferência. O

resultado foi uma estrondosa derrota de Jospin, que se viu relegado para

terceiro lugar e ultrapassado, por 200 mil votos, pelo candidato da extrema

direita Jean-Marie Le Pen. A situação teria sido evitada caso a esquerda não se

tivesse apresentado às eleições com oito candidatos, o que causou dispersão de

votos, os quais não teriam sido inúteis se um significativo número de eleitores

de esquerda tivesse feito uso do voto estratégico. Na segunda volta, para

impedir a vitória de Le Pen, os dirigentes dos partidos de esquerda, com a lição

aprendida, apelaram ao voto em Jacques Chirac. O voto estratégico resultou,

recolhendo Chirac cinco vezes mais votos do que na primeira volta, alcançando

82,21% dos votos expressos. Na prática, este comportamento “estratégico”

significa que um número significativo de eleitores, ao votar em Chirac, o fez,

não propriamente a favor do mesmo, mas sim contra o racista Le Pen.

• Pasquino sustenta que os objectivos alcançados por um sistema eleitoral são

múltiplos (pág. 73), a saber: os eleitores obtêm mais informação e poder,

dado que o seu voto decide na segunda volta; o trabalho de coordenação dos

partidos tem melhor informação sobre a popularidade do candidato e a

receptividade quanto às suas políticas; os partidos estão em melhores

condições para fazerem acordos de formação do governo. Conclui Pasquino

que “os sistemas maioritários a duas voltas oferecem grandes oportunidades

políticas”, como é exemplo o sistema adotado pela V República francesa. De

referir, no entanto, que o voto mais seguro nestas estratégias dos partidos,

se verifica caso as propostas de coligação entre partidos se afirme como

credível.

Efeitos da votação a duas voltas francesa

•  Na eleição da Assembleia Nacional, o sistema a duas voltas em França permite e encoraja, o voto estratégico, a coordenação pelos partidos, a formação de alianças de governo. Pasquino faz notar que este sistema “encerra nos seus mecanismos eleições primárias incorporadas” (pág. 75).

• Durante muitos anos, este sistema conduziu à formação de dois grupos de coligação, um na esquerda (socialistas e comunistas) e outro no centro-direita (gaullistas e giscardianos). A consistência destas coligações foi sempre um fator que influenciou o eleitor e ditou o resultado das eleições.

• De facto, a história demonstrou que a falta de coordenação a nível dos dirigentes partidários, somada ao voto sincero, dá origem a derrotas eleitorais, pelo simples facto de não serem dadas alternativas estratégicas aos eleitores.

• A constatação destas peculiaridades tem-se mostrado útil aos partidos, ao permitirem interpretarem e prever como os eleitores se vão comportar. Pasquino afirma não haver qualquer “dúvida sobre o facto de o sistema a duas voltas, qualquer que ele seja, facilitar e mesmo encorajar o exercício do voto estratégico”. E conclui que o mesmo “constitui um verdadeiro recurso nas mãos de hábeis dirigentes partidários” e, também, “especialmente, dos eleitores informados e competentes”.

O voto estratégico em Itália• A reforma do sistema eleitoral italiano ocorreu em 1993, abandonando o sistema de

representação proporcional. No sistema atual o eleitor dispõe de dois votos, o voto dividido, que pode caraterizar-se, ou não, como voto estratégico. Assim, o eleitor pode exprimir os dois votos em diversos boletins, escolhendo, num, o candidato ao colégio uninominal, e, noutro, vota num partido. Este novo sistema, como observa Pasquino (pág. 78), não tinha por objectivo favorecer o voto estratégico. Na prática, para o eleitor, o voto dividido pode caracterizar-se , ou não, como voto estratégico. É o caso do eleitor votar num candidato para presidente municipal mas, para que ele não tenha a maioria no conselho municipal, com o outro voto escolhe um partido oposto. Contudo, esta opção é muito aleatória, pois o resultado pode não ser o esperado pelo eleitor. O voto dividido só raramente é também um voto estratégico, ou seja, como faz notar Pasquino, a questão é que “o voto dividido não é, de facto, automaticamente assimilável ao voto estratégico” (pág. 78).

• Outra particularidade deste sistema eleitoral italiano reside no facto do chamado boletim proporcional, onde estão inseridos os partidos, permitir a atribuição de um quarto dos mandatos com repartição/recuperação, desde que se obtenha, pelo menos, 4% dos votos a nível nacional. Os objectivos são dois, um, para reduzir o efeito maioritário das circunscrições uninominais e, outro, salvaguardar a eleição dos dirigentes partidários, garantindo a sua eleição.

• O voto nos partidos, neste segundo boletim, não se presta a um voto estratégico, mas sim ao voto sincero, dado que os partidos se empenham para convergir os votos no seu símbolo inscrito no boletim. É sintomático, porém, que um partido obtenha resultados muito diferentes nos dois boletins, o que ocorre por diversas razões, seja por não ter expressão nacional, seja porque integra uma coligação que não seja do agrado do eleitor, entre outros motivos. No sistema partidário italiano as coligações ainda não se encontram consolidadas e, também por esse facto, o eleitor avalia e faz as suas escolhas de entre candidatos, coligações, partidos, liderança. Esta opção de voto dividido acaba por se revelar como um sinal de vitalidade pois, com a deslocação do seu voto, o eleitor contribui para a

alternância no governo.

Conclusão

• Os eleitores, nos diversos sistemas eleitorais analisados, podem fazer uso do voto sincero para eleger o seu candidato preferido mas, também, poderão usar o voto estratégico para evitar a eleição de um candidato indesejável. Em vários sistemas, os dirigentes partidários sugerem e coordenam o voto estratégico, muitas vezes para potenciar coligações de governo. Pasquino aponta três grandes conclusões, a saber (pág. 82/83):

• Todos os sistemas eleitorais permitem o voto estratégico e que o mesmo seja orientado pelos dirigentes partidários;

• Alguns sistemas eleitorais, por exemplo, o de voto a duas voltas, de tipo francês (e em alguma medida, o alemão), permite maiores oportunidades ao recurso ao voto estratégico;

• O voto estratégico é de fundamental importância para a formação de coligações eleitorais com vista à conquista do governo.

O sistema político português

• Em Portugal o sistema eleitoral é um sistema proporcional e assenta no método de Hondt (método dos quocientes ou método da média mais alta D'Hondt), que vigora desde a Constituinte de 1976. É um sistema de representação proporcional que visou, segundo os constitucionalistas, numa forma direta de legitimidade democrática, contrariando alguns sistemas eleitorais “revolucionários”, que permitiria, segundo os seus defensores, numa “descoberta, o mais fiel possível, do desenho da opinião pública do país, durante tantos anos ignorada, que reforçasse os partidos políticos emergentes, ainda pouco consolidados, e favorecesse a consociatividade, em reacção à longa governabilidade maioritária do autoritarismo do regime anterior”. [1]

• A grande questão e tema de discussão, junto dos constitucionalistas, prende-se com o facto de ser um método de eleição direta que há muito passou a ser para eleger um primeiro-ministro e não os representantes partidários nas regiões, acabando por existir uma personalização da escolha e do eleito, sem que os eleitores se interroguem primeiro quem é o candidato da região ou que melhor pode servir os interesses do Concelho ou Distrito. Uma ideia que é defendida por alguns constitucionalistas mas que vem contrariar o artigo 152 , número 2, da Constituição que afirma serem os deputados eleitos representantes do país e não de uma região.

• Ainda segundo Nuno Sampaio, “…como se escolhe sobretudo quem liderar o governo, tem havido uma pessoalização da escolha, que sobreleva sobre a escolha partidária. A pessoalização que tem falhado é a dos deputados, não a dos governantes. O que explica, em parte, conjuntamente com a debilitação da função de enquadramento dos partidos e com o aumento da volatilidade eleitoral, a capacidade desses líderes mais fortes de superar o “eleitorado de origem” dos partidos, atingindo-se maiorias num sistema proporcional que não pretendia favorecê-las. As maiorias conseguiu-as, não o sistema eleitoral, mas a capacidade de mobilização carismática dos líderes…”[2]

• Há, no entanto, quem defenda uma revisão da Constituição e do sistema eleitoral, de forma a permitir que grupos de cidadãos possam aparecer a sufrágio, com o fim de terminar com um sistema que só permite organizações partidárias de concorrerem ao ato eleitoral, tornando-se num sistema eleitoral fechado, já que só os partidos podem apresentar listas bem como os nomes de quem as compõe.

• Lembrando atos eleitorais recentes e principalmente os dois maiores partidos representados na Assembleia da República, os seus dirigentes pareciam estar em consonância de pensamento ao falarem pela primeira vez na criação dos círculos uninominais. Argumentos que caíram por terra, já que o PS e José Sócrates venceram com maioria absoluta, mas que voltaram a ser tema na última campanha eleitoral, com o PSD e Passos Coelho a querer discutir o assunto em sede de revisão constitucional. Existem, no entanto, perigos: “…Caso seja implantado, este sistema vai provocar um “abalo sísmico” na proporcionalidade do sistema político e poderá levar à extinção dos pequenos partidos (PCP, BE e CDS/PP). Partidos estes que consideram que este sistema, proporcionará um maior bipartidarismo, entre PS e PSD/PPD, pelo que temem perder representatividade e, no limite, “desaparecer” do espectro político…”[3]

• Curiosamente, a Constituição, no seu artigo 149, prevê a constituição de círculos uninominais, mas também assegura o sistema de representação proporcional. Mas afinal quais as diferenças entre o sistema proporcional e o de criação de círculos uninominais?

• O sistema proporcional “representa” uma pessoa um voto, ou cem mil pessoas, cem mil votos. Neste sistema são minimizadas as diferenças entre a percentagem de votos e o número de deputados, ou seja, quem tem 25% de votos tem 25% dos deputados. Mas aqui chegados, temos de entender o que é o método de Hondt, já que este significa numa fórmula matemática, destinada a calcular a distribuição dos mandatos pelas listas concorrentes, em que cada mandato é sucessivamente alocado à lista cujo número total de votos dividido pelos números inteiros sucessivos, começando na unidade (isto é no número 1) seja maior. O processo de divisão prossegue até se esgotarem todos os mandatos e todas as possibilidades de aparecerem quocientes iguais aos quais ainda caiba um mandato. Em caso de igualdade em qualquer quociente, o mandato é atribuído à lista menos votada.

• No sistema de círculos uninominais é dado a quem vota a capacidade de identificar cada deputado com o seu círculo de origem, isto é, existe uma maior identificação entre eleitores e eleitos, o que, por hipótese, permite uma melhor avaliação do seu trabalho e uma decisão mais “informada” aquando da votação. Além disso, pode-se ter a certeza de que o eleito cumpre o seu mandato até ao fim (ou que, se o não fizer, o seu lugar não será preenchido por um obscuro suplente, como atualmente acontece, mas sim substituído por uma nova eleição parcial). E neste particular é um ato normal, um deputado eleito por um determinado círculo, também ser candidato a presidente de câmara, o que no caso de ser eleito virá a abandonar a Assembleia da República, sendo sempre substituído por alguém que não teve votos suficientes para ser eleito deputado.

• Uma certeza fica, no entanto, a quem estuda e acredita que o sistema eleitoral tem mesmo de ser mudado. Se olharmos para os números de abstenção constatamos que em 1975, ano das primeiras eleições livres no nosso país, o nível de abstenção ficou-se pelos 8,34%, enquanto nos anos de 2009 e 2011 ultrapassaram a fasquia dos 40 por cento.

• [1] e [2] Nuno Sampaio, O Sistema Eleitoral Português, Alêtheia Editores, Lisboa, 2009

• [3] Enrique Neto, Que sistema eleitoral para Portugal?