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COMPOSIÇÃO FLORÍSTICA, ESTRUTURA DA VEGETAÇÃO E FERTILIDADE DO SOLO DE ÁREA DE MINERAÇÃO DE OURO A CÉU ABERTO: ESTUDO DE CASO DO GARIMPO DA LAVRINHA, PONTES E LACERDA-MT Tatiani Botini 1 , Maria Aparecida Pereira Pierangeli 1 , José Ricardo Peixoto 2 ( 1 Universidade do estado de Mato Grosso, Campus Universitário de Pontes e Lacerda, Departamento de Zootecnia, Br 174, Km 209 Caixa Postal 181, 78250-000, Pontes e Lacerda, MT. e-mail: [email protected], [email protected]) Termos para indexação: Cerrado, áreas degradadas, matéria orgânica, Bacia Amazônica. Introdução A região sudoeste do Estado de Mato Grosso, incluindo o município de Pontes e Lacerda, encontra-se em área de transição de três domínios: Floresta Amazônica; Cerrado e Pantanal (Seplan 2007). Segundo Ruggiero et al. (2006), a grande diversidade fitofisionômica do Cerrado tem sido relacionada à variação de características edáficas, dentre elas principalmente a disponibilidade de nutrientes e os teores de alumínio no solo, além de outros fatores como o relevo e topografia. Esse bioma com características únicas, por abrigar espécies típicas e por apresentar uma gama de recursos viáveis ao consumo representa um patrimônio nacional com relevância mundial (Assunção & Felfili 2004). Apesar de vários estudos mostrando sua alta diversidade, o Cerrado apresenta hoje, aproximadamente, 37% de sua cobertura vegetal perdida principalmente para a abertura de áreas de pastagens. Diferentemente da agricultura, da pecuária e outras atividades que causam impactos em grandes áreas, a exploração mineral causa impacto pontual, em pequenas áreas, mas na maioria das vezes de elevada intensidade. Durante a instalação de um garimpo, a maior parte da vegetação é suprimida dando espaço para máquinas e outros equipamentos. Após esta etapa, inicia-se a remoção da camada fértil do solo, a qual deveria ser depositada de modo adequado para posterior preenchimento das cavas, seguida da remoção da camada estéril para posterior lavagem do cascalho. Alterações edáficas, tais como, perda do horizonte A, perda de nutrientes e drenagem ácida alteram a capacidade produtiva dos solos, refletindo no ambiente como um todo.

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COMPOSIÇÃO FLORÍSTICA, ESTRUTURA DA VEGETAÇÃO E FERTILIDADE

DO SOLO DE ÁREA DE MINERAÇÃO DE OURO A CÉU ABERTO: ESTUDO DE

CASO DO GARIMPO DA LAVRINHA, PONTES E LACERDA-MT Tatiani Botini1, Maria Aparecida Pereira Pierangeli1, José Ricardo Peixoto2 (1Universidade do estado de Mato Grosso, Campus Universitário de Pontes e Lacerda, Departamento de Zootecnia, Br 174, Km 209 Caixa Postal 181, 78250-000, Pontes e Lacerda, MT. e-mail: [email protected], [email protected]) Termos para indexação: Cerrado, áreas degradadas, matéria orgânica, Bacia Amazônica.

Introdução

A região sudoeste do Estado de Mato Grosso, incluindo o município de Pontes e

Lacerda, encontra-se em área de transição de três domínios: Floresta Amazônica; Cerrado e

Pantanal (Seplan 2007). Segundo Ruggiero et al. (2006), a grande diversidade fitofisionômica

do Cerrado tem sido relacionada à variação de características edáficas, dentre elas

principalmente a disponibilidade de nutrientes e os teores de alumínio no solo, além de outros

fatores como o relevo e topografia. Esse bioma com características únicas, por abrigar

espécies típicas e por apresentar uma gama de recursos viáveis ao consumo representa um

patrimônio nacional com relevância mundial (Assunção & Felfili 2004). Apesar de vários

estudos mostrando sua alta diversidade, o Cerrado apresenta hoje, aproximadamente, 37% de

sua cobertura vegetal perdida principalmente para a abertura de áreas de pastagens.

Diferentemente da agricultura, da pecuária e outras atividades que causam impactos

em grandes áreas, a exploração mineral causa impacto pontual, em pequenas áreas, mas na

maioria das vezes de elevada intensidade. Durante a instalação de um garimpo, a maior parte

da vegetação é suprimida dando espaço para máquinas e outros equipamentos. Após esta

etapa, inicia-se a remoção da camada fértil do solo, a qual deveria ser depositada de modo

adequado para posterior preenchimento das cavas, seguida da remoção da camada estéril para

posterior lavagem do cascalho. Alterações edáficas, tais como, perda do horizonte A, perda de

nutrientes e drenagem ácida alteram a capacidade produtiva dos solos, refletindo no ambiente

como um todo.

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Deste modo, o presente trabalho teve como objetivo determinar a composição

florística, estrutura da vegetação e fitossociologia e os atributos de fertilidade de solo de uma

área de mineração de ouro a céu aberto no município de Pontes e Lacerda-MT.

Material e Métodos

Este estudo foi realizado na área de garimpo denominada Lavrinha (Fig. 1), localizado

na Serra do Patrimônio, próximo à cidade de Pontes e Lacerda, estado de Mato Grosso. Esta

área encontra-se há aproximadamente 20 anos sem nenhuma atividade de mineração, segundo

informação da empresa que detêm o controle da área. O clima regional é do tipo Tropical

Continental com características de Úmido a Sub-Úmido, com período seco entre abril a

setembro. Durante o período chuvoso o índice de pluviosidade pode variar entre 1.400 a 2.400

mm ano-1 (Seplan 2007). Na área da Lavrinha, o relevo é fortemente ondulado, caracterizado

como uma extensa superfície com predominância de relevos com topos tabulares amplos

Para o levantamento florístico e fitossociológico foi utilizado a implantação de

parcelas, na qual a área amostral é subdivida em parcelas em número suficiente para

estabilização da curva espécie-área (Durigan 2006). Desse modo, foram estabelecidas cem

parcelas de 10 × 10 m totalizando um hectare (10.000 m2) em área submetida a garimpo de

ouro a céu aberto há 20 anos. Estas parcelas foram distribuídas de modo que em cinqüenta

amostrou-se a vegetação remanescente no entorno da área minerada, doravante chamada de

área natural e em cinqüenta amostrou-se a vegetação presente no local efetivamente minerado

(área minerada). Nestas parcelas foram coletados e identificados todos os indivíduos lenhosos

(Fig. 7) com circunferência tomada a 30 cm da altura do solo (CAS) igual ou superior a 9 cm.

A altura total de cada indivíduo também foi medida. O material botânico coletado foi

preparado e identificado. A suficiência do número de amostras de vegetação foi testada pela

curva espécie-área. Os dados obtidos foram analisados com o auxílio do programa

FitopacShell (versão 1.6.4) de Shepherd (2006) obtendo-se os seguintes parâmetros

fitossociológicos: densidade, freqüência, Índice de Valor de Importância (IVI), número de

indivíduos amostrados, diâmetro máximo e mínimo, altura máxima e mínima e o Índice de

diversidade de espécies de Shannon-Wiener. Em cada parcela onde a vegetação foi amostrada

também foram coletadas amostras de solo. As amostras de solo foram coletadas com o auxílio

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de um trado holandês, sendo cada parcela amostrada nas profundidades de 0-20 e de 20-40

cm. As amostras foram analisadas para atributos químicos relacionados à fertilidade do solo

conforme Embrapa (1997). Todas as parcelas foram geo-referenciadas e o solo classificado

em nível de ordem, segundo Embrapa (2006).

Resultados e Discussão

O solo da área amostrada foi classificado como Neossolo Litólico, com horizonte A,

assentado diretamente sobre a rocha de origem na maioria das vezes. A cobertura pedológica

da região é muito variada devido à diversidade litológica e de relevo ou modelado de

paisagem, ocorrendo Latossolos, Argissolos, Neossolos, Plintossolos e Gleissolos (Moreira &

Vasconcelos 2007). A vegetação da área de estudo caracteriza-se por ser uma formação de

cerrado típico (Ribeiro & Walter 1998), conforme constatado pelas espécies encontradas. No

geral, as famílias com maior abundância foram Myrtaceae (191 espécimes), Fabaceae (163

espécimes), Dilleniaceae (95 espécimes) e Vochysiaceae (79 espécimes). Destaca-se a

ocorrrência de 129 espécimes mortos. Na área minerada as famílias com maior abundância

foram Dilleniaceae (54) Cecropiaceae (28) e Fabaceae (11), enquanto na área no entorno as

famílias com maior abundância foram Myrtaceae (188), Fabaceae (152) e Vochysiaceae (74).

Conforme é mostrado na tabela 1, a densidade total foi de 1.408,79 indivíduos por hectare

(ind ha-1) e a área basal foi de 11,2 m² ha-1 considerando as duas áreas (minerada e natural).

Na área minerada as espécies com maiores IVI foram Curatella americana (89,10)

Cecropia hololeuca (40,91), Roupala montana (12,55) e Pouteria ramiflora (10,24), o que

demonstra a posição hierárquica destas espécies com base na sua dominância e densidade,

enquanto na área natural prevaleceram respectivamente Myrcia multiflora (25,60), Caryocar

brasiliense (15,73), Magonia pubescens (14,80) e Vatareia macrocarpa (14,44). Felfili et al.

(2002) consideram que resultados de IVI semelhantes obtidos no presente estudo, tanto para

as espécies, como para as famílias, é um padrão de ocupação encontrado no Cerrado e

definem que esta condição em que um número reduzido de espécies prevalece sobre as

demais, seja considerada em projetos de recuperação de áreas degradadas.

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Figura 1. Localização da área do estudo, destacando o garimpo da Labrinha (seta) em relação

ao município de Pontes e Lacerda. Fonte: http://na.unep.net/digital_atlas2/google.php.

Tabela 1. Resumo dos parâmetros estruturais encontrados na área de mineração de ouro a céu aberto no garimpo da Lavrinha, Pontes e Lacerda-MT

Parâmetros Área Total Área Minerada Área natural

Número de parcelas 100 50 50 Área total amostrada (ha) 1,0 0,5 0,5 Número de indivíduos amostrados 1.291 181 1.110 Densidade total (indivíduos/ha) 1.408,79 430,95 2.220 Área basal total (m²) 10,445 1,379 9,066 Área basal por hectare (m²) 11,2 3,284 18,132 Diâmetro máximo (cm) 49,66 32,79 49,66 Diâmetro mínimo (cm) 2,86 2,86 2,86 Altura máxima (m) 15 8,90 15,00 Altura mínima (m) 0,40 0,40 1,00 Número de espécies 92 43 82 Número de famílias 43 27 40 Índice de Shannon-Wiener (espécies) 3,659 2,912 3,560 Índice de Shannon-Wiener (famílias) 3,041 2,622 2,937

O solo da área estudada, classificado como Neossolo Litólico, apresenta baixa

disponibilidade de nutrientes (Tabela 2), havendo diferenças significativas entre os valores

encontrados na área minerada e na área natural. Com relação aos teores altos de Al3+, na área

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natural, cabe destacar a presença das espécies Qualea grandiflora, Qualea multiflora e

Qualea parvifora, que pertencem à família Vochysiaceae, as quais são plantas acumuladoras

de alumínio (Silva-Júnior 2005).

Tabela 2. Atributos relacionados à fertilidade de solos na área total amostrada no garimpo da Lavrinha, Pontes e Lacerda-MT

Área natural Área minerada

Atributos do solo Média Desvio padrão Média Desvio padrão pHágua 5,16 ± 0,21 6,00 ± 0,65 pH CaCl2 4,12 ± 0,15 4,84 ± 0,76 Matéria Orgânica (dag kg-1) 2,55 ± 0,90 0,49 ± 0,73 P (mg dm-³) 4,16 ± 8,31 3,80 ± 2,66 K+ (mg dm-³) 77,56 ± 71,14 28,79 ± 24,07 Ca²+ (cmolc dm-3) 0,81 ± 0,58 0,63 ± 0,67 Mg²+ (cmolc dm-3) 0,40 ± 0,24 0,28 ± 0,19 Al3+ (cmolc dm-3) 1,74 ± 0,56 0,20 ± 0,34 H+Al (cmolc dm-3) 7,70 ± 2,43 1,48 ± 0,39 P-rem (mg L-1) 24,85 ± 10,06 49,42 ± 5,58 Soma de Bases (cmolc dm-3) 1,40 ± 0,86 0,98 ± 0,87 CTCe

(2) (cmolc dm-3) 3,14 ± 0,92 1,18 ± 0,89

CTC pH7,0 (cmolc dm-3) 9,10 ± 2,84 2,47 ± 1,24 Saturação por Al (m %) 57,32 ± 14,90 1,38 ± 1,03 Saturação por Bases (V%) 15,48 ± 6,93 3,45 ± 2,11

Conclusões

Considerando as características atuais da área estudada, a influência do garimpo a céu

aberto e o tempo decorrido desde o final desta atividade na área (20 anos) observa-se que no

local em que o garimpo efetivamente se instalou a recolonização da vegetação da área é lenta

e que a mineração local, provavelmente, interferiu na vegetação. Mesmo após um período

aproximado de 20 anos, sem a atividade direta de garimpo, ainda não foi possível o total

restabelecimento da cobertura natural indicando a necessidade da intervenção antrópica com a

adoção de práticas de recuperação destas áreas.

Referências bibliográficas

DURIGAN, Giselda. Métodos para análise de vegetação arbórea. In: CULLEN JR., L.; RUDRAN, R.; VALLADARES-PADUA, C. Métodos de estudo em biologia da

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conservação manejo e da vida Silvestre. Curitiba: Ed. Universidade Federal do Paraná, 2006.p. 455-480.

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SILVA JÚNIOR, Manoel Gláucio da. 100 árvores do cerrado: guia de campo. Brasília: Rede de Sementes do Cerrado, 2005.