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XI Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Curitiba – 2008 1 COMPREENSÕES DE PROFESSORES A RESPEITO DO PRINCÍPIO DE ARQUIMEDES TEACHERS` COMPREHENSION ABOUT THE ARCHIMEDES PRINCIPLE José Ricardo da Silva Alencar1, George Anderson Macedo Castro2 1 SEDUC-PA/EEEFM Luiz Nunes Direito, [email protected] 2 UFPA/NPADC/[email protected] Resumo Este trabalho tem por finalidade discutir o uso de modelos científicos no Ensino de Física, especificamente, os conceitos que professores de Física possuem sobre um modelo físico tradicionalmente ensinado em sala de aula: o princípio de Arquimedes para corpos flutuantes. Deste modo, esta pesquisa de caráter descritivo e exploratório visa avaliar que compreensões os docentes apresentam a respeito deste modelo físico, sua validade e possíveis restrições de utilização. Para efetivar esta pesquisa, utilizou-se com os docentes investigados um questionário com questões fechadas e abertas, bem como um conjunto de situações de corpos de vários formatos em contato com um fluido ideal em equilíbrio estático. Como resultado desta pesquisa, percebe-se, que a falta de reflexão e crítica dos modelos físicos apresentada pelos sujeitos investigados possivelmente devido a formação docente acrítica ou a interpretação errônea dos enunciados científicos em livros didáticos utilizados atualmente influencia a formação dos estudantes destes docentes com visões equivocadas da Ciência. Palavras-chave: princípio de Arquimedes, modelos físicos, compreensões docentes. Abstract This article aimed to discuss the use of scientific models in teaching physics, specifically, the conceptions physics` teachers about a physics model traditionally taught in classroom: the Archimedes Principle of floating bodies. This exploratory and descriptive research, therefore, aims to assess what the understanding of teachers on this model, the concept and validity. In this research it was used a questionnaire with closed and open questions, as well as a number of cases of bodies of various formats in contact with ideals fluids in static equilibrium. The investigation suggests the lack of reflection and criticism of physical models showed by the teachers investigated possibly due to non-critic teacher formation or erroneous interpretation of the scientific concepts in the scientific textbooks damaging the students` formation in High School with mistaken visions of Science. Keywords: Archimedes` principle ; physics model; teachers' comprehensions .

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XI Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Curitiba – 2008 1

COMPREENSÕES DE PROFESSORES A RESPEITO DO PRINCÍPIO DE ARQUIMEDES

TEACHERS` COMPREHENSION ABOUT THE ARCHIMEDES PRINCIPLE

José Ricardo da Silva Alencar1, George Anderson Macedo Castro2

1 SEDUC-PA/EEEFM Luiz Nunes Direito, [email protected]

2 UFPA/NPADC/[email protected]

Resumo

Este trabalho tem por finalidade discutir o uso de modelos científicos no Ensino de Física, especificamente, os conceitos que professores de Física possuem sobre um modelo físico tradicionalmente ensinado em sala de aula: o princípio de Arquimedes para corpos flutuantes. Deste modo, esta pesquisa de caráter descritivo e exploratório visa avaliar que compreensões os docentes apresentam a respeito deste modelo físico, sua validade e possíveis restrições de utilização. Para efetivar esta pesquisa, utilizou-se com os docentes investigados um questionário com questões fechadas e abertas, bem como um conjunto de situações de corpos de vários formatos em contato com um fluido ideal em equilíbrio estático. Como resultado desta pesquisa, percebe-se, que a falta de reflexão e crítica dos modelos físicos apresentada pelos sujeitos investigados possivelmente devido a formação docente acrítica ou a interpretação errônea dos enunciados científicos em livros didáticos utilizados atualmente influencia a formação dos estudantes destes docentes com visões equivocadas da Ciência.

Palavras-chave: princípio de Arquimedes, modelos físicos, compreensões docentes.

Abstract

This article aimed to discuss the use of scientific models in teaching physics, specifically, the conceptions physics` teachers about a physics model traditionally taught in classroom: the Archimedes Principle of floating bodies. This exploratory and descriptive research, therefore, aims to assess what the understanding of teachers on this model, the concept and validity. In this research it was used a questionnaire with closed and open questions, as well as a number of cases of bodies of various formats in contact with ideals fluids in static equilibrium. The investigation suggests the lack of reflection and criticism of physical models showed by the teachers investigated possibly due to non-critic teacher formation or erroneous interpretation of the scientific concepts in the scientific textbooks damaging the students` formation in High School with mistaken visions of Science.

• Keywords: Archimedes` principle ; physics model; teachers' comprehensions.

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1. Física: ensino e modelos científicos

O ensino de Física, quando de caráter prescritivo é dogmático, utiliza algoritmos para resolução de exercícios pré-estabelecidos para “compreensão” da natureza e seus fenômenos quando da práxis educacional. Em geral, a resolução de problemas é a estratégia usual para compreensão dos princípios tratados nesta disciplina. Quando o professor utiliza esta estratégia como recurso didático por excelência, ele majoritariamente recorre a exercícios cujas respostas já lhe são conhecidas e os passos de resolução (algoritmos) são pré-estabelecidos aos alunos em exercícios resolvidos em sala de aula pelo professor. Após este pequeno treinamento , o professor solicita aos alunos que resolvam situações semelhantes ou que pouco acrescentem aos exercícios resolvidos. Por causa da hegemonia deste tipo de ensino, percebemos hoje que, nos mais variados níveis, o ensino desta disciplina acontece centrando o estudo somente na descrição (não-crítica) de modelos matemáticos (leis) e, posteriormente, na resolução de exercícios pré-estabelecidos.

Tal metodologia de ensino já é tradicional e desconsidera as dificuldades inerentes ao processo do conhecer devido a ter como referência, segundo Gil-Pérez et al. (2001) o ensino empírico-indutivista, ou seja, o professor transmite um conjunto básico de conhecimentos e o aluno ao resolver exercícios (tratados como aplicações da teoria) deverá compreender sobre o assunto discutido. Dentre outros motivos, podemos inferir que assim se age na escola devido a esta concepção racionalista-técnica que transforma o ensino de Física em algo descontextualizado histórica e socialmente . No entanto, este tipo de ensino vem sendo criticado por vários pesquisadores (CARRIJO, 1999; CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2003; CHASSOT, 2000; PIETROCOLA, 1999), pois ao invés de proporcionar uma aprendizagem significativa, prejudica o entendimento da ciência como uma construção constante da intelectualidade humana. Neste caso, podemos afirmar que o processo de ensino-aprendizagem ocorre na utilização de leis matemáticas “inquestionáveis” que explicam certo fenômeno.

1.1. Modelo Matemático e Física

O termo modelo foi introduzido na Matemática no último Século com a descoberta das geometrias não euclidianas de Riemann e Lobachewski. Entretanto, antes disso, podemos encontrar Modelos Matemáticos nos trabalhos que envolviam conceitos como função, números naturais, conjuntos, entre outros. Atualmente, o termo Modelo Matemático é amplamente utilizado no circuito acadêmico (BASSANEZI, 1994). Este termo tem diversas conotações e algumas poucas definições. Para esta investigação assumimos o conceito de modelo matemático apresentado por Biembengut (1997, p. 89), qual seja: “é um conjunto de símbolos e relações matemáticas que traduz, de alguma forma, um fenômeno em questão ou um problema de situação real”.

O trabalho científico embora não tão linear como a seguir apresentamos pode ser visto com os seguintes modos de ação: para um problema ou fenômeno real o cientista obtém a solução matemática ou conceitual, em seguida, sendo identificados os elementos constituintes que servirão para descrever a situação em tela - escolha esta delimitada pela teoria física a partir da qual esta será descrita. O seguinte estágio deste

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processo é a formalização de tais propriedades, ou seja, a determinação das equações que as entrelaçam e a exploração das mesmas. Por último, se tem a validação do modelo, em que se investiga se os resultados obtidos a partir dele são coerentes com a informação que se tem sobre o sistema (GRECA; SANTOS, 2005).

Observamos então, que no contexto abordado nesta pesquisa, a definição de Biembegut (1997) é a mais adequada para explicar o modelo matemático aplicado em Física, ou que podemos chamar somente de modelo físico. Estes modelos podem ser formulados em termos familiares, tais como, expressões numéricas, algébricas, fórmulas, diagramas, gráficos, representações geométricas, tabelas, e outros. Um modelo físico é proveniente de aproximações realizadas para se poder entender melhor um fenômeno e, nem sempre, tais aproximações condizem com a realidade. Seja como for, um modelo físico retrata uma visão simplificada, aspectos da situação pesquisada que não possuem toda a extensão da realidade.

Na Física, como em outras ciências, existe uma necessidade de reduzir os fenômenos a entes ideais e trabalhar com essa realidade simplificada e idealizada. Os modelos físicos de uma situação envolvem expressar matematicamente as relações entre os objetos idealizados para a explicação de um fenômeno. Isso envolve a manipulação de entidades matemáticas abstratas que logo são traduzidas em entidades físicas relacionadas com tais fenômenos.

Podemos entender que existem aspectos importantes a serem considerados quando o professor de física ou o próprio cientista discute os modelos físicos com os alunos ou seus pares, isto porque entendemos, conforme Greca e Santos (2005), que os modelos são representações simbólicas da realidade, não são a natureza em sua essência. Uma teoria física pode ser vista atualmente como sendo a construção sistemática de representações sobre os fenômenos, segundo Greca e Santos (idem), nas quais é necessário para estabelecer uma comunicação científica entre dois tipos de signos: os signos matemáticos e os signos lingüísticos. As referidas representações pretendem descrever o fenômeno “natural” e adquirir significado dentro de um corpo teórico em construção ou já estabelecido no meio científico. Tais comunicações entre os signos estabelecem uma relação entre teoria e realidade.

No caso do modelo analisado neste trabalho, o princípio de Arquimedes para os corpos flutuantes, não são consideradas, durante seu ensino em sala de aula e em uma gama de livros textos da área, certas situações em que poderiam alterar o resultado, como por exemplo: a turbulência provocada pelo movimento do corpo imerso no fluido ou o contato do corpo em uma parede do recipiente ou, ainda, a ação do ar sobre o corpo. Ora, os modelos físicos potencializam a teoria e, ainda conforme Greca e Santos (ibid.), estabelece imagens e metáforas sobre os fenômenos, cria uma particular "concepção de mundo" determinando perguntas e explicações formuladas, a percepção das classes de fenômenos vinculadas a eles. Os cientistas os utilizam como instrumentos de trabalho que permitem representar um problema de forma simplificada. Não obstante, tais modelos são simplificações, ou seja, são constituídos vínculos e restrições necessárias ao trabalho da ciência normal, na acepção de Kuhn (1976). Os modelos físicos constituem-se em poderosas representações heurísticas que resumem os aspectos essenciais da teoria de modo que é possível "visualizar" com maior facilidade os princípios explicativos da teoria, segundo Greca e Santos (2005). Cremos

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ser importante considerar tais limitações aos modelos físicos quando do ensino, pois validades e restrições fazem parte da práxis cientifica na explicação da natureza.

1.2. Considerações sobre o princípio de Arquimedes

Em nossa pesquisa tomaremos como objeto de estudo do uso de modelos científicos no ensino o caso particular do princípio de Arquimedes, que é utilizado para estudar a ação de forças atuantes em corpos flutuantes em situações ideais, como por exemplo, quando a ação do ar é desprezível, quando não há turbulência no fluido, etc. Segundo Bendick (2002) e Strathern (1999), no primeiro livro do tratado sobre os corpos flutuantes, Arquimedes em linguagem simples atesta que um corpo flutuante é capaz de deslocar uma quantidade de fluido equivalente ao seu peso. Segundo este principio, fica evidente a aplicação deste modelo para explicar a flutuação de corpos. Como nas representações a seguir (Figura 1) em que apresentamos situações de corpos em equilíbrio estático sobre a ação da força peso P e da força empuxo E.

Figura 1 - Situações em que o principio de Arquimedes é valido (casos 1 e 3 – Anexo 1).

Sabemos que a forca de empuxo E surge a partir da interação entre o corpo e o fluido, sendo esta proporcional ao volume de líquido deslocado pelo corpo. Note que nas situações da Figura 1, os corpos não entram em contato com nenhuma superfície além do fluido (ou do ar). Desta forma, nestas situações estão representadas situações em que os corpos deslocam uma quantidade de líquido exatamente igual ao seu peso e, portanto o princípio de Arquimedes é válido. Este princípio é válido para os casos 1,3 e 4 do Anexo 1.

No entanto, caso o corpo entre em contato com uma superfície do recipiente que o contém (Figura 2), não é aplicável o princípio de Arquimedes como normalmente se conhece. Considerando-se agora a representação a seguir na Figura 2, temos:

Figura 2 - Situação em que o princípio de Arquimedes (caso 2 – Anexo 2).

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Para esta situação, mesmo estando o corpo em equilíbrio e totalmente submerso, não podemos aplicar o princípio de Arquimedes, pois este não é o caso de um corpo flutuante. Se considerarmos que a parte inferior do corpo esteja totalmente solidarizada ao fundo do recipiente, teremos uma força resultante F devido a ação do fluido atuando para baixo, e não para cima, como é por definição a força empuxo E. Verificamos também a existência de uma terceira força normal N, que é a força de reação do fundo do recipiente sobre o corpo. Este princípio não é válido para os casos 2, 5, 6,7 e 8 do Anexo 2.

Existe então, um aspecto limitante no principio de Arquimedes para este caso da Figura 2, que acreditamos ao não ficar totalmente esclarecido para professores, conseqüentemente não ficará para os alunos destes docentes. Isto por que é comum encontrarmos em livros didáticos, importante referência para o trabalho docente, o tratamento deste modelo a partir de definições em que expressões podem levar ao erro conceitual, por exemplo, encontramos estas definições nos livros citados pelos professores: 1) Todo corpo mergulhado em um líquido recebe um empuxo vertical, para cima, igual ao peso do volume de líquido deslocado (ALVARENGA; MÁXIMO, 2000); 2) Todo corpo imerso num fluido sofre a ação de uma força – denominada empuxo – dirigida verticalmente para cima, cujo módulo é igual ao módulo do peso do volume de fluido deslocado (GASPAR, 2005) 3) Todo corpo mergulhado num liquido recebe por parte deste a aplicação de uma força de baixo para cima denominada empuxo (PARANÁ, 2003); 4) Um corpo, total ou parcialmente submerso em um fluido em equilíbrio, sofre a ação de uma força, denominada empuxo, cuja direção é vertical, o sentido é oposto ao da gravidade e a intensidade é igual á do peso do volume de liquido deslocado (CALÇADA, 2000). Analisando estes enunciados observamos que nenhum deles trata o princípio de Arquimedes como um modelo, que como tal possui exceções. A Expressão “todo corpo”, leva-nos a crer que este princípio ganha aspecto de uma verdade ampla e inviolável que o mesmo não tem. Permitindo interpretações deturpadas do princípio e, por conseguinte, dos modelos físicos.

2. Procedimentos da investigação

Investigamos dezenove professores de ensino médio a respeito do princípio de Arquimedes. A pesquisa foi exploratória descritiva, numa abordagem qualitativa. Esta foi desenvolvida em duas etapas, ambas na forma de questionário (ANEXO 1 e 2), a serem respondidas por professores – colegas de trabalho de um dos pesquisadores - atuantes no nível médio. Tal investigação nos remete ao que aprenderam em seus respectivos cursos ou livros didáticos da disciplina, o que nos dois casos vem quase sempre acompanhado de uma falta de reflexão a respeito da validade do modelo que norteia este princ ípio. Assim sendo, Questionamo-nos, que compreensões professores de física apresentam sobre a validade e as restrições de um modelo físico, nomeadamente o princípio de Arquimedes?

Como estratégia investigativa, as etapas foram cumpridas separadamente. Primeiro, entregamos um conjunto de casos (Anexo 1) em que corpos de vários formatos geométricos (prismático, esférico, trapezoidal) estão em um vasilhame contendo um fluido. Nesta primeira etapa, solicitamos aos sujeitos da pesquisa a representação de todas as forças de volume e de superfície - peso, normal, empuxo,

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força vertical resultante do fluido- que interagissem sobre um corpo homogêneo cuja forma e volume foram propositalmente variados. O corpo e o fluido foram apresentados em equilíbrio em oito situações prototípicas - três presentes em livros didáticos cujo corpo flutua no fluido em equilíbrio (casos 1, 2 e 4) e, nas demais, o corpo se encontra em repouso no fundo do recipiente (casos 3, 5, 6, 7 e 8).

Em um segundo momento, só após as representações respondidas pelos investigados, foi-lhes distribuído um questionário (Anexo 2) contendo no total doze questões. Nesta segunda etapa, utilizamos um questionário que continha: i) três questões fechadas que procuravam situar o tempo de docência, a formação universitária e tipo de escola que atua – pública ou particular ii) nove questões abertas, sendo quatro questões, no intuito de caracterizar a atuação docente com o referido assunto em evidência na nossa pesquisa, mais quatro intentando depreender a qualidade da fundamentação teórico-metodológica e , por fim, uma questão referente a primeira etapa, sobre a validade do princípio em todos os casos apresentados.

2.1. Caracterização dos sujeitos da pesquisa

A pesquisa foi realizada com dezenove professores de física, dez atuantes na rede pública e nove na rede particular de ensino da cidade de Belém, Estado do Pará. Tendo dezoito deles passado pelo curso de licenciatura em Física, dos quais nove graduados e nove graduandos, e um engenheiro civil. Os sujeitos da pesquisa apresentaram experiência docente muito variada: dez disseram ter menos de 3 anos de experiência, quatro disseram ter entre 3 e 5 anos de experiência, dois disseram ter entre 5 e 10 anos, e três disseram possuir mais de 20 anos de atuação docente. Para o assunto em questão, em geral, os professores mais experientes, destinam no mínimo duas aulas para conceituar o princípio de Arquimedes, elegendo até oito aulas para trabalhar com exercícios e exemplos. Quando perguntados se alguma vez já haviam ministrado o assunto hidrostática, a resposta de todos foi sim. Sobre o tempo destinado especificamente a apresentação dos conceitos, definições e aplicações do principio de Arquimedes as respostas foram muito díspares, onde um professor declarou destinar até 8 horas-aula para isso, quatro declararam destinar até 4 horas-aula, dois declararam destinar três horas-aula, cinco disseram destinar apenas 2 horas-aula, e sete disseram destinar apenas uma hora-aula em sua explicação acerca do principio de Arquimedes. No que tange as estratégias de ensino, treze professores declararam utilizar experimentos em suas aulas, cinco disseram utilizar apenas aulas expositivas e exemplos ilustrativos, e apenas um declarou recorrer ao aspecto histórico do principio de Arquimedes como ferramenta de ensino. Ao elencar as dificuldades encontradas quando ministram o conteúdo: Principio de Arquimedes, os professores declararam ter como mais dificuldades: 1) Fazer os alunos representarem, vetorialmente, as forças atuantes num corpo imerso; 2) Fazê-los (os alunos) entenderem que o empuxo ocorre em fluidos, portanto o ar exerce empuxo sobre qualquer corpo introduzido em seu interior; 3) Fazer os alunos compreenderem as demonstrações matemáticas acerca do principio de Arquimedes; 4) Falta de tempo para se ministrar tranquilamente este conteúdo; 5) Falta de materiais adequados, para realização de experiências, necessários a explicação.

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3. Discussão dos resultados

Percebemos a partir da análise das respostas dos sujeitos da pesquisa, que algumas concepções acerca do principio de Arquimedes são comuns à maioria. Podemos dar destaque a algumas, como:

1) Quando perguntados se tinham dúvidas sobre a aplicação do principio de Arquimedes, em algum dos casos apresentados a eles, a resposta da maioria (14 professores) foi não. O mesmo se repetiu quando a pergunta foi mais direta, e lhes foi perguntado se o principio é aplicável a todos os casos por eles analisados, para quatorze professores a resposta foi sim, apresentando como justificativa o fato de o corpo estar em contato com o fluido. Dos que disseram não a esta última pergunta, apenas um apresentou justificativa compreensível, dizendo que o empuxo só atuará nos casos 7 e 8 se a parte inferior do recipiente estiver em contato com o líquido.

2) No que tange às fontes de consulta mais utilizadas pelos professores, percebemos que os livros didáticos e sites consultados foram praticamente os mesmos para os dezenove sujeitos de nossa pesquisa. Colocamos no tópico 1.2 Sobre o modelo físico utilizado em nossa pesquisa: considerações sobre o princípio de Arquimedes, os conceitos utilizados pelos livros didáticos apontados no intuito de estabelecer uma relação entre o estudo do modelo e as compreensões dos professores.

3) Quase a totalidade dos entrevistados, com exceção de um (Figura 3), não demonstrou reconhecer uma restrição ao princípio de Arquimedes.

Figura 3 – Resposta s do único professor investigado que conseguiu reconhecer uma restrição ao

princípio de Arquimedes nos casos apresentados.

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A partir da análise das respostas, podemos destacar que os conceitos de praticamente todos os sujeitos até o momento desta pesquisa apresentam erros. Dentre outros motivos, conversas livres com esses professores nos leva a acreditar que suas formações e livros de consulta não são esclarecedores quanto aos limites de aplicação do referido modelo. Harres (1999), por exemplo, refletindo sobre as concepções de futuros docentes do nível fundamental de ensino da Europa, identifica visões claramente absolutistas, expressas por princípios de objetividade e infalibilidade do método científico e de veracidade absoluta e superioridade do conhecimento científico. Tal visão acaba por influenciar uma visão tradicional do ensino associada à visão da aprendizagem em ciências como apropriação de significados acadêmicos acabados, portanto, segundo esta concepção, verdadeiros, inquestionáveis.

Ao não perceber condições de validade e de restrição do modelo matemático, tem-se conseqüentemente,o tratamento por parte de professores e alunos dos modelos científicos como inquestionáveis, o que nos parece transparecer nesta pesquisa quando do não entendimento da validade do princípio de Arquimedes por parte dos sujeitos pesquisados. Percebemos, deste modo, a falta de reflexão e crítica dos modelos físicos. Este não questionamento provavelmente acarreta uma perda para os alunos que freqüentam a disciplina Física lecionada pelos professores com esta caracterização, e que como estes futuros docentes não terão maior compreensão das limitações de um modelo teórico feito sobre uma determinada situação. Ao não refletir o caráter provisório e representacional da ciência, professores e alunos perdem uma grande oportunidade de refletir sobre a própria Ciência como constructo humano, por exemplo: a ciência feita de paradigmas provisórios e sujeitos à evolução intelectual, a ciência com limitações inerentes ao próprio processo do conhecimento ou, ainda, a ciência como representação simbólica da realidade.

4. Considerações finais

Entendemos, portanto, que o ensino de modelos físicos quando não questionados quanto às suas restrições promovem uma falha, tanto na formação de professores, quanto no alunado de forma geral. Assim sendo, um ponto importante a chamar atenção é sobre a contextualização histórica e social do modelo, já que, conforme Peduzzi (2001), a compreensão da história do desenvolvimento dos conceitos científicos já poderia trazer consigo as condições em que este modelo é aplicável.

A discussão da validade dos modelos utilizados no ensino de física, ou seja, até que ponto estes são precisos na descrição da realidade, possibilita uma maior compreensão deles enquanto construções metafóricas de um fenômeno. É preciso entender que a compreensão de um fenômeno não pode ser entendida globalmente por um único tipo de abordagem, e, aliás, entendê-lo globalmente não quer dizer compreendê-lo totalmente, é apenas conseguir olhá-lo através de várias formas diferentes e ter a certeza de que apenas assim conseguiremos ir o mais próximo da realidade e que ainda assim não compreenderemos este fenômeno em sua plenitude.

No ensino de Física, as compreensões devem estar relacionadas com a capacidade dos estudantes de perceberem os fenômenos físicos segundo uma determinada teoria e a formalização matemática desta disciplina. Ou seja, para

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compreender um fenômeno ou processo em Física, é primeiramente necessário entender os enunciados que conformam a estrutura semântica da teoria, seus modelos físicos, modificando ao mesmo tempo, a maneira em que os fenômenos são percebidos. Isto envolve que os indivíduos, por uma parte, consigam dar significado às equações matemáticas, percebendo nessas relações matemáticas os conceitos envolvidos e, ao mesmo tempo, que sejam capazes de perceber os fenômenos segundo essas equações. Quando este duplo processo é atingido a respeito de um determinado fenômeno, de forma que seus "resultados" (predições e explicações) coincidem com os cientificamente aceitos, podemos dizer que o indivíduo construiu um modelo mental apropriado, do modelo físico da teoria. Depois deste processo "semântico" é necessária a utilização do modelo matemático para fazer a tradução dos fenômenos à linguagem matemática, etapa fundamental para a completa descrição dos sistemas (ou fenômenos) segundo os cânones aceitos na Física. No entanto, a utilização deste modelo em sala de aula deve estar mais bem explicitada no sentido que o poder de uma teoria é, em geral, limitado por condicionantes ou condições de contorno. No caso do princípio de Arquimedes, vale lembrar a situação que o corpo tem de estar imerso no fluido em equilíbrio.

Esperamos que o assunto discutido neste trabalho possa levar a reflexão e posterior desenvolvimento de estratégias educacionais diferenciadas dos modelos clássicos de ensino e, portanto, mais apropriadas aos contextos atuais de educação preconizado nos diversos discursos de inovação do ensino de física. O ensino de ciências vem tradicionalmente tratando os modelos científicos, como é o caso do teorema de Arquimedes, de maneira simplista e isolada do contexto de modelos físicos, suas validades e restrições. Isto nos parece ser um equívoco educacional que desconsidera muitas características históricas e epistemológicas presentes na formação de conceitos, leis e teorias científicas.

Segundo nossa pesquisa este modelo físico ainda é pouco compreendido pelos docentes pesquisados, no que diz respeito às limitações e restrições do princípio de Arquimedes. Possivelmente nós educadores devêssemos adotar uma postura mais kuhniana no sentido de compreender que as ciências progrediram e se especializaram a partir de contestações ao paradigma estabelecido, procurando desvendar as anomalias presentes no corpus teórico dos cientistas.

Intentando deste modo, fornecer um aspecto mais crítico à educação científica, coadunamos com a idéia de Teixeira (2003), que indica a necessidade de discussões e reflexões críticas e, assim, possivelmente obter ganhos cognitivos, axiológicos e, ainda, atitudinais mais relevantes no estabelecimento de uma alfabetização científica que ensine o aluno a ler e compreender as representações construídas para interpretar a realidade que nos circunda. Novas estratégias para o ensino da Física precisam considerar este aspecto complexo do estabelecimento dos modelos científicos que estabelecem multivisões abstratas do mundo.

Referências

ALVARENGA, B.; MÁXIMO, A. Curso de Física. 5 ed. V. 1. São Paulo: Scipione, 2000.

BASSANEZI, R. Modelagem Matemática. Blumenau: Dynamis, 1994.

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BENDICK, J. Arquimedes uma porta para a ciência. Série imortais da ciência: Ed. ODYSSEUS, 2002. p. 68 - 84.

BIEMBENGUT, M. S. Qualidade de Ensino de Matemática na Engenharia: uma proposta metodológica e curricular. Florianópolis: UFESC, 1997. Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas.

CALÇADA, C. S. Física clássica. São Paulo: Atual, 2000.

CARRIJO, I. Do professor “ideal(?)” de ciências ao professor possível. Araraquara: JM Editora, 1999.

CARVALHO, A M P. de e GIL-PÉREZ, D. Formação de Professores de Ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

CHASSOT, A. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. Ijuí: EdUNIJUÍ, 2000.

GASPAR, A. Física. 4 ed. V. 1. São Paulo: ática, 2005.

GIL-PÉREZ, D. et al. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. In: Ciência & Educação, v.7, n.2, p.125-153, 2001.

GRECA, I. M. & SANTOS, F. M. T. dos. DIFICULDADES DA GENERALIZAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE MODELAÇÃO EM CIÊNCIAS: O CASO DA FÍSICA E DA QUÍMICA. IN: Revista eletrônica Investigações Em Ensino De Ciências. vol. 10, n. 1. Porto Alegre: Instituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, março de 2005.

HARRES, J. B. S. Uma revisão de pesquisas nas concepções de professores sobre a natureza da ciência e suas implicações para o ensino. In: INVESTIGAÇÕES EM ENSINO DE CIÊNCIAS (Revista Eletrônica). v. 4. n. 3. Porto Alegre: UFRGS, 1999.

PARANÁ, D. Física. São Paulo: ática, 2005.

PEDUZZI, L . Sobre a utilização didática da História da Ciência. In: Pietrocola, Maurício. Ensino de Física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa concepção integradora. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2001. p. 151-170.

PIETROCOLA, M. Construção e realidade: o realismo científico de Mário Bunge e o ensino de ciências através de modelos. In: INVESTIGAÇÕES EM ENSINO DE CIÊNCIAS (Revista Eletrônica). v. 4. n. 3. Porto Alegre: UFRGS, 1999.

STRATHERN, P. Arquimedes e a alavanca. Série 90 minutos. São Paulo: Ed. JORGE ZAHAR, 1999.

TEIXEIRA, P. M. M. A educação científica sob a perspectiva da pedagogia histórico-crítica e do movimento CTS no ensino de ciências. In: Ciência & Educação, n. 2, São Paulo, 2003. p. 177-190. Disponível em: <http://www.fc.unesp.br/pos/revista/pdf/revista9num2/a3r9v2.pdf>. Acesso em 03.01.2005.

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Caso 1 Caso 2

Caso 3 Caso 4

Caso 5 Caso 6

Caso 7 Caso 8

ANEXO 1

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ANEXO 2

Nesta etapa necessitaremos que você responda o questionário abaixo.

1) Qual seu tempo de atuação como professor?

(a) inferior a 3 anos (b) 3 a 5 anos (c) 5 a 10 anos

(d) 10 a 20 anos (e) 20 anos em diante

2) Qual a sua formação? Qual a área?

(a) Superior completo a) Licenciatura em ___________________

(b) Superior incompleto b) Outra ___________________________

(c) Outro ___________________

3) Nos últimos cinco anos a sua atuação profissional se deu em que tipo de escola?

(a) pública

(b) privada

4) Qual (is) série (s) você ensina com mais freqüência?

5) Quais os três assuntos que você ministra com mais freqüência?

6) Hidrostática fez parte do conteúdo programático ministrado por você nos últimos

cinco anos?

7) Quanto tempo de aula você reserva ou reservaria para ministrar o princípio de

Arquimedes?

8) Como você explica (ria) aos seus alunos o princípio de Arquimedes ? Que

estratégia (s)?

9) Qual (is) a (s) maior (es) dificuldade (s) encontrada (s) por você quando ministra

o princípio de Arquimedes?

10) Existe (m) alguma (s) dúvida (s) sua a respeito deste princípio? Qual (is)?

11) Você acha que este princípio é válido para todos os casos que você analisou na

primeira etapa?Justifique a sua resposta.

Quais suas fontes de consulta sobre este assunto? Aponte a fonte que você mais utiliza

(Livros, Internet, Revistas de divulgação cientifica, Outro tipo de fonte de consulta).