Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

11
Bock, A.M.B.; Ferreira, M.R.; Gonçalves, M.G.M.; Furtado, O. “Sílvia Lane e o Projeto do ‘Compromisso Social da Psicologia’” 46 SÍLVIA LANE E O PROJETO DO “COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA” Ana Mercês Bahia Bock Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil Marcos Ribeiro Ferreira Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil Maria da Graça M. Gonçalves Odair Furtado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil RESUMO: Este artigo apresenta os principais aspectos da trajetória da Profa. Sílvia Tatiana Maurer Lane, desde a construção de uma Psicologia Social crítica até a formulação de um projeto de compromisso social da Psicologia. A Profa. Sílvia Lane foi pioneira nas formulações teóricas que colocaram a Psicologia Social brasileira em questão, ressaltando a necessidade de se explicitar seu vínculo com interesses dominantes e de se redirecionar sua produção no sentido de contribuir para a transformação social. Nessa trajetória aliou teoria e prática, contribuindo para a revisão de conceitos e métodos e para a organização da área. Trabalhou incansavelmente e em várias frentes para produzir uma Psicologia Social que reconhecesse o caráter histórico dos fenômenos sociais e humanos e a pessoa como sujeito ativo e histórico. Inicialmente o artigo relata sua presença marcante, dentro dessa perspectiva, na história da Psicologia Social brasileira e latino-americana. A seguir, são apontadas as principais características de sua produção teórica na elaboração de uma Psicologia Social sócio-histórica. Por fim, discute-se seu importante papel na afirmação de uma psicologia comprometida com as realidades brasileira e latino-americana; conhecedora dessa realidade, contribuiu para a construção de instrumental teórico-prático para sua transformação na direção de uma sociedade justa e igualitária. Ou seja, uma psicologia com compromisso social. PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Sócio-Histórica; compromisso social; história da Psicologia Social. SÍLVIA LANE AND THE PROJECT FOR A SOCIALLY COMMITTED PSYCHOLOGY ABSTRACT: This article presents the main aspects of the academic trajectory of Professor Sílvia Tatiana Maurer Lane, from the initial proposal of a critical Social Psychology to the formulation of a project for a socially committed Psychology. Sílvia Lane was a pioneer in theoretical propositions which questioned mainstream Brazilian Social Psychology, emphasizing the need to expose its ties with the dominant economic and political interests and redirect- ing its production towards social transformation. In her career trajectory she brought together theory and praxis, contributing to the revision of concepts and methods, and to the organization of this area of knowledge. She worked tirelessly in various fronts to produce a Social Psychology that could recognize the historical character of social and human phenomena and that conceived people as active and historical beings. The text begins by situating her re- markable presence, within this critical perspective, in Brazilian and Latin American Social Psychology. In sequence, it presents the main characteristics of her theoretical production concerning the development of a Socio-Historical Social Psychology. At the conclusion, it emphasizes her role in consolidating a Psychology that is intrinsically compromised with Brazilian and Latin-American realities; being familiar with this reality, she contributed to the construction of theoretical-practical instruments for its transformation in the direction of a society based on justice and equality. To put is in a different manner, the development of a socially committed Psychology. KEYWORDS: Socio-Historical Psychology; social compromise; history of Social Psychology. A professora Sílvia Tatiana Maurer Lane tem uma trajetória de vida profissional, no campo da Psicologia Social, que faz dela uma das mais importantes influên- cias no desenvolvimento de um novo projeto para a Psi- cologia: o projeto do compromisso social. Seu trabalho, sempre aliado ao de outras pessoas, produziu novos ca- minhos para a Psicologia. Sua produção teórica permitiu a construção de novas perspectivas no campo da Psico- logia Social, sendo responsável pelo desenvolvimento da perspectiva sócio-histórica na Psicologia Social no Brasil. Suas idéias sobre a prática permitiram a constru- ção da Psicologia Social Comunitária. Seu empenho na América Latina criou intercâmbios e trocas, fortalecen- do o diálogo no campo da Psicologia entre profissionais deste continente. Seus princípios permitiram apoio na construção de um novo projeto de Psicologia.

Transcript of Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Page 1: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Bock, A.M.B.; Ferreira, M.R.; Gonçalves, M.G.M.; Furtado, O. “Sílvia Lane e o Projeto do ‘Compromisso Social da Psicologia’”

46

SÍLVIA LANE E O PROJETO DO

“COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA”Ana Mercês Bahia Bock

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, BrasilMarcos Ribeiro Ferreira

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, BrasilMaria da Graça M. Gonçalves

Odair FurtadoPontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil

RESUMO: Este artigo apresenta os principais aspectos da trajetória da Profa. Sílvia Tatiana Maurer Lane, desde aconstrução de uma Psicologia Social crítica até a formulação de um projeto de compromisso social da Psicologia. AProfa. Sílvia Lane foi pioneira nas formulações teóricas que colocaram a Psicologia Social brasileira em questão,ressaltando a necessidade de se explicitar seu vínculo com interesses dominantes e de se redirecionar sua produçãono sentido de contribuir para a transformação social. Nessa trajetória aliou teoria e prática, contribuindo para arevisão de conceitos e métodos e para a organização da área. Trabalhou incansavelmente e em várias frentes paraproduzir uma Psicologia Social que reconhecesse o caráter histórico dos fenômenos sociais e humanos e a pessoacomo sujeito ativo e histórico. Inicialmente o artigo relata sua presença marcante, dentro dessa perspectiva, nahistória da Psicologia Social brasileira e latino-americana. A seguir, são apontadas as principais características desua produção teórica na elaboração de uma Psicologia Social sócio-histórica. Por fim, discute-se seu importantepapel na afirmação de uma psicologia comprometida com as realidades brasileira e latino-americana; conhecedoradessa realidade, contribuiu para a construção de instrumental teórico-prático para sua transformação na direção deuma sociedade justa e igualitária. Ou seja, uma psicologia com compromisso social.

PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Sócio-Histórica; compromisso social; história da Psicologia Social.

SÍLVIA LANE AND THE PROJECT FOR A SOCIALLY COMMITTED PSYCHOLOGY

ABSTRACT: This article presents the main aspects of the academic trajectory of Professor Sílvia Tatiana MaurerLane, from the initial proposal of a critical Social Psychology to the formulation of a project for a socially committedPsychology. Sílvia Lane was a pioneer in theoretical propositions which questioned mainstream Brazilian SocialPsychology, emphasizing the need to expose its ties with the dominant economic and political interests and redirect-ing its production towards social transformation. In her career trajectory she brought together theory and praxis,contributing to the revision of concepts and methods, and to the organization of this area of knowledge. She workedtirelessly in various fronts to produce a Social Psychology that could recognize the historical character of social andhuman phenomena and that conceived people as active and historical beings. The text begins by situating her re-markable presence, within this critical perspective, in Brazilian and Latin American Social Psychology. In sequence,it presents the main characteristics of her theoretical production concerning the development of a Socio-HistoricalSocial Psychology. At the conclusion, it emphasizes her role in consolidating a Psychology that is intrinsicallycompromised with Brazilian and Latin-American realities; being familiar with this reality, she contributed to theconstruction of theoretical-practical instruments for its transformation in the direction of a society based on justiceand equality. To put is in a different manner, the development of a socially committed Psychology.

KEYWORDS: Socio-Historical Psychology; social compromise; history of Social Psychology.

A professora Sílvia Tatiana Maurer Lane tem umatrajetória de vida profissional, no campo da PsicologiaSocial, que faz dela uma das mais importantes influên-cias no desenvolvimento de um novo projeto para a Psi-cologia: o projeto do compromisso social. Seu trabalho,sempre aliado ao de outras pessoas, produziu novos ca-minhos para a Psicologia. Sua produção teórica permitiua construção de novas perspectivas no campo da Psico-

logia Social, sendo responsável pelo desenvolvimentoda perspectiva sócio-histórica na Psicologia Social noBrasil. Suas idéias sobre a prática permitiram a constru-ção da Psicologia Social Comunitária. Seu empenho naAmérica Latina criou intercâmbios e trocas, fortalecen-do o diálogo no campo da Psicologia entre profissionaisdeste continente. Seus princípios permitiram apoio naconstrução de um novo projeto de Psicologia.

Page 2: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 2: 46-56, 2007

47

Sílvia Lane foi guiada pelo princípio de que o conhe-cimento produzido deveria sempre ser útil para a trans-formação da realidade na direção da criação de condi-ções dignas de vida para todos. O conhecimento e a pro-fissão deveriam estar a serviço da transformação e, comestas idéias, Sílvia Lane contribuiu para uma revoluçãona Psicologia. Com o rompimento com a tradição elitistada Psicologia, com a preocupação com a construção deum novo projeto para a ciência e para a profissão, com aadesão a uma nova concepção de homem para a Psicolo-gia e com o esforço para aproximar a América Latina,Sílvia Lane apontou as exigências e condições para umnovo projeto para a Psicologia. E desta forma, pode-seapontar Sílvia Lane como uma das influências do quehoje se denomina de Projeto do Compromisso Social daPsicologia. Trabalho coletivo, consciência crítica e aten-ção permanente e comprometida com as urgências enecessidades da população se puseram como pedrasfundamentais da transformação da Psicologia e, não hádúvida, da importância de Sílvia Lane neste caminhar.Foi professora na Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP) e seu trabalho naquela Universi-dade merece ser resgatado, pois é a partir dali que seexpandem sua influência, suas idéias e seus convites paraque um coletivo dos psicólogos se engajasse nas novastarefas. No Brasil, muitos aceitaram o convite de SílviaLane para esta empreitada e podem-se encontrar marcasdesta contribuição espalhadas por todo lugar onde hápsicólogos. Importante registrar que este coletivo setornou diversificado e rico, porque Sílvia Lane entendiatambém que a partir de algumas idéias e princípios épossível e desejável esperar do outro sua produção ori-ginal. Neste artigo, quatro alunos de Sílvia Lane, desde adécada de 70 na graduação em Psicologia na PUC-SPaté os anos 90 nos estudos pós-graduados em PsicologiaSocial na mesma Universidade, retomam a história,refletindo sobre o caminho percorrido por Sílvia Lanena Psicologia Social brasileira e da América Latina, des-tacando a corrente da Psicologia Sócio Histórica quese instalou nos espaços onde ela estava na PUC-SP,desenvolveu-se na Faculdade de Psicologia daquela Uni-versidade e contribuiu com a construção dos alicercesdo novo projeto de Compromisso Social da Psicologia.Ao se fazer esta retomada, pretende-se prestar uma ho-menagem à professora que se tornou para todos modelode rigor científico, de compromisso político e de um“professorar” em permanente movimento, carregadosempre da melhor inquietação.

Inicialmente vamos retomar a história de Sílvia Lanee da Psicologia Social ressaltando a contribuição deSílvia Lane a partir de seu trabalho na PUC-SP. Em se-guida vamos destacar o desenvolvimento da PsicologiaSocial Sócio-histórica no Brasil e a importância e papelde Sílvia Lane nesta construção. E por fim traremos a

idéia de uma Psicologia atenta ao contexto social comosua contribuição a um novo projeto de Psicologia, comociência e profissão. Em todos estes momentos enfati-zaremos os aspectos que, a nosso ver, são fundamentoda idéia de compromisso social da Psicologia.

Um Pouco de HistóriaSílvia Lane formou-se em 1956 em Filosofia pela

Universidade de São Paulo (USP) e começou sua carrei-ra profissional no Conselho Regional de Pesquisa Edu-cacional, ligado ao Ministério da Educação, o qual tinhacomo finalidade reformular o ensino no Brasil. SílviaLane manteve-se no Conselho até 1960. Em 1965, con-vidada pela Profa. Maria do Carmo Guedes, passou aministrar aulas no curso de Psicologia da Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras São Bento da PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo, onde também tra-balhava Aniela Ginsberg. É neste espaço da PUC-SP queSílvia Lane construiu toda sua carreira de professora dePsicologia Social. Inicialmente, ligada ao Laboratório dePsicologia Experimental, começou a realizar suas pes-quisas em Psicologia Social. Defendeu seu doutoradoem 1970 na própria PUC-SP realizando pesquisa sobreo diferencial semântico de Charles Osgood com o título“Significado psicológico de palavras em diferentes gru-pos socio-culturais”. Na sua defesa da tese:

. . . Joel Martins provocou Sílvia, observando que elatrabalhara na pesquisa com Osgood mas estava“namorand” Skinner. De fato Sílvia confessa que,apesar de utilizar a escala de diferencial semântico,por considerá-la instrumento preciso, não aceitava ateoria de resíduo de Osgood. Leu muito Skinner parasua pesquisa e sentia mais consistência na sua teoriado que na de Osgood, com uma abertura para o ma-terialismo dentro da Psicologia ... Sílvia nunca se con-siderou skinneriana, mas a materialidade daquela teo-ria a atraía muito, e facilitou-lhe o entendimento daPsicologia Social soviética. (Sawaia, 2002, p. 33).

No final dos anos 60 e início dos anos 70, a PUC-SPe o Instituto de Psicologia, onde Sílvia Lane era profes-sora, passaram por grandes transformações. Foram mo-mentos importantes de mobilização universitária em prolda reforma e da inovação do ensino superior. Em 1971,foi criada a Faculdade de Psicologia da PUC-SP, a partirda fusão da Faculdade São Bento e do Sedes Sapientiae.Tornou-se a primeira diretora do curso de Psicologia re-cém criado. Tinha nas mãos o desafio de construir umnovo curso de Psicologia e a Profa. Sílvia Lane aceitou odesafio. A estrutura e organização da Psicologia da PUC-SP tornar-se-iam referência para os cursos no Brasil.

Era assim que Sílvia Lane definia esse período:

No curso de graduação da PUC-SP, tentávamos con-cretizar a tese da teoria e prática no ensino, levandoos alunos a observações, entrevistas, enfim, a coletar

Page 3: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Bock, A.M.B.; Ferreira, M.R.; Gonçalves, M.G.M.; Furtado, O. “Sílvia Lane e o Projeto do ‘Compromisso Social da Psicologia’”

48

dados do cotidiano e confrontá-los com os textos clás-sicos sobre os conceitos de atitudes, motivação e per-cepção sociais, dissonância cognitiva, socialização,dinâmica de grupo etc. (Lane, 1999).

A proposta era de chegar a uma revisão crítica dosconceitos. Sílvia Lane entendia que era preciso superara idéia e o hábito de fazer da realidade um exemplo dosconceitos teóricos. Ter a realidade material comoparâmetro era quase uma obsessão para Sílvia Lane, queconsiderava necessário tomá-la como referência para aprodução da ciência. A realidade deveria ser critério paraanálise da importância e fidedignidade de dados que aspesquisas produziam e não o contrário.

Essa preocupação traduziu-se em postura metodo-lógica, pois o objetivo era produzir conhecimento quepossibilitasse uma compreensão da realidade que impli-casse, necessariamente, sua transformação. Sílvia Lanefoi incansável na produção teórica e de pesquisa comesse norte: conhecimento científico como práxis, unida-de entre saber e fazer. Tinha claro que uma nova psico-logia social só se configuraria por meio de concepçõesteóricas fundadas em pesquisa relevante e socialmentecomprometida. Para Sílvia Lane, teoria e prática deve-riam ser vividas como militância.

No entanto, Sílvia Lane não tinha facilidade de en-contrar eco para suas preocupações. Insistentemente,manteve-se como professora de Psicologia Social e alifazia seu esforço para cultivar novas concepções sobrepesquisa, ciência e Psicologia e procurou ocupar espa-ços onde estas intenções pudessem ter desenvolvimento.Criou, em 1977, com o Prof. Alberto Abib, contandodepois com a participação da Profa. Odette de GodoyPinheiro, um trabalho em Psicologia nos Sindicatos ecomunidades operárias de Osasco em uma disciplinaintitulada “A Psicologia Social na prática clínica”. Atemática era um achado, na medida em que a maioriaesmagadora dos alunos da Faculdade de Psicologia daPUC-SP se especializava na área clínica. Esta área, mes-mo com o tipo de ensino crítico ministrado ali, apresen-tava um forte viés individualista. Apesar do compromis-so político de boa parte dos professores, o instrumentalteórico era voltado para o atendimento nos consultóriosprivados e a ideologia reproduzida por esse modelo deatendimento era a do psicólogo como profissional libe-ral.¹ O curso ministrado na Faculdade de Psicologiareunia a visão crítica e a militância acadêmica de SílviaLane e a militância no movimento operário de AlbertoAbib Andery.

Esta experiência, que ocorreu principalmente na ci-dade de Osasco, cidade pertencente à Grande São Paulo,com certa concentração industrial e com vários bairrosoperários, leva tanto os alunos nela envolvidos quantoseus professores a uma intensa reflexão sobre os limites

da teoria e da prática psicológicas. É esta experiênciaque lançou as bases daquilo que Sílvia Lane e BaderSawaia (1995) iriam, mais adiante, chamar de Psicolo-gia Social Comunitária. O relato sistematizado das inú-meras intervenções realizadas nessa ocasião foi apresen-tado no Primeiro Encontro Regional de Psicologia naComunidade promovido pela Associação Brasileira dePsicologia Social (ABRAPSO) e pela PUC-SP em 1981.Os anais desse encontro acabaram por se transformar nareferência mais freqüentemente citada por todos aque-les que passaram a trabalhar com a psicologia comuni-tária.²

Os trabalhos de Osasco permitiram um profundoquestionamento tanto da metodologia quanto da teoriada psicologia social. Recuperou-se a experiência jáconsagrada de Paulo Freire com sua obra “Pedagogiado oprimido”, leu-se Alberto Merani, debateu-se a ne-cessidade e preponderância do método qualitativo depesquisa, falou-se em pesquisa-ação ou pesquisa parti-cipante. Questionou-se profundamente o parâmetro teó-rico da psicologia social. De uma hora para outra, ape-nas a discussão crítica da Psicologia Social americananão era mais suficiente. Tratou-se de superar radicalmenteuma psicologia por demais comprometida ideologica-mente e que não cabia em nossa realidade.

Este processo teve seu início em outras iniciativastambém importantes: a disciplina “Estudos livres”, nocurso de graduação em Psicologia, ministrada pela Profa.Sílvia, permitia livres reflexões sobre o conhecimento ea relação da Psicologia com a realidade social, nos anos74 e 75. A disciplina ministrada pelo Prof. Abib, “Confi-guração sócio-psicológica do trabalhador brasileiro”, iana mesma direção. A idéia fixa de relacionar mais deperto a prática com a teoria, permitindo um conhecimentocrítico e uma prática consistente, levou Sílvia Lane à pro-posta de Núcleos como formas organizadoras do cursopara o 4º e 5º anos da Faculdade de Psicologia. Estáva-mos em 1974/75. Os núcleos eram práticas profissionaisem forma de estágio, acompanhadas de disciplinasteóricas que lhes davam sentido e permitiam a crítica apartir das experiências vividas como exercício e treina-mento profissional.

As críticas apontadas por Sílvia Lane e as reflexõesproduzidas nessas experiências encontraram espaço ade-quado para seu desenvolvimento, quando se consolidouo programa de estudos pós-graduados em PsicologiaSocial da PUC-SP. Criado em 1972, com a participaçãode Sílvia Lane, o programa permitiu a reunião de esfor-ços para a produção de uma nova perspectiva em Psico-logia Social. Sílvia ministrou disciplinas que se propu-nham a fazer revisões críticas de experimentos e pesqui-sas indexados no Psychological Abstracts. A constataçãoda inconsistência dos resultados encontrados e de sua

Page 4: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 2: 46-56, 2007

49

inadequação a fenômenos sociais presentes na realidadepesquisada no Brasil apontou para um vazio teórico quegerou a certeza de que era urgente o desenvolvimento depesquisas que levassem a uma nova sistematização.

Sua preocupação básica em construir uma psicolo-gia social voltada para a realidade brasileira e latino-americana, com vistas a contribuir para a superação dasdesigualdades e das situações de opressão, demandavauma construção teórica que permitisse compreender ohomem como participante do processo social. Nesse sen-tido, entendia que o conhecimento da psicologia deverialevar à compreensão dos mecanismos que provocam aalienação e contribuir para ampliar a consciência doshomens. Sua teoria sobre o psiquismo teve essa direção.

A obra teórica de Sílvia Lane pode ser lida de váriasformas, com diversos recortes. Mas, são fundamental-mente dois aspectos de grande complexidade os que es-tão na sua base e apontam para essa perspectiva de com-preensão do homem: a relação subjetividade e objetivi-dade; e a formação e o papel dos valores. A forma comotratou esses aspectos complexos revela outra marca daprodução de Silva Lane: simplicidade de proposições,calcada em pesquisa rigorosa.

A Profa. Sílvia Lane traduziu nessas duas questões apreocupação em investigar e compreender como o indi-víduo está implicado com a sua sociedade, como se co-loca nela, o que permite ou impede que ele compreendaas determinações sociais e como pode agir sobre elas.

Uma parte de sua discussão caminhou, como vimosacima, pela crítica à psicologia social predominante emnosso meio. Era a psicologia social norte-americana, debase experimental e positivista, que falava de mecanis-mos psicológicos universais e abstratos, desconsiderandoo conteúdo histórico e social presente na constituição dohomem.

A psicologia social cognitivista coloca como objetoas relações interpessoais e a influência de fatores sociaisno indivíduo, mas estabelecendo uma dicotomia entreindivíduo e sociedade e dentro de uma perspectivanaturalizante. Tais formulações estão baseadas em ummétodo experimental, que busca relações causais entrevariáveis e estabelece a necessidade de verificaçãoempírica de princípios teóricos. Baseado no positivismo,o método prega a neutralidade do conhecimento cientí-fico e a distinção entre o conhecimento e a ação, ou seja,entende que o conhecimento deve ser objetivo edesvinculado de qualquer intenção em relação a seu uso.

Cada um desses pontos foi questionado e discutidopor Sílvia Lane. Seu conhecimento sobre Lewin e Skinnerjá a levara a questionar a dicotomia entre subjetividade eobjetividade. Entendia que ambos traziam contribuiçõesimportantes para a compreensão do indivíduo, mas asperspectivas que desvinculavam o indivíduo de seu

contexto não eram suficientes para se entender o homemsocial.

Considerava que, no caso da psicologia social cog-nitivista, isso era mais grave, pois o que se produzia erauma psicologia que não atentava, realmente, para as ques-tões sociais, já que elas eram apenas “pano de fundo”para os acontecimentos do mundo psíquico.

A aproximação de Sílvia Lane com autores da Psico-logia Social de outros países da América Latina foi tam-bém essencial em todo este processo.

Foi a partir de 1976 que aqueles que realizavam ex-periências semelhantes na América Latina passaram aestabelecer contato e, de uma maneira informal, a traçarum programa alternativo para a Psicologia Social de cu-nho experimental desenvolvida nos Estados Unidos e queaté então era dominante também no Brasil. É o caso,entre outros tantos, da peruana Gladys Montecinos, dasvenezuelanas Maritza Monteiro e Maria AuxiliadoraBanchs, do cubano Fernando González Rey e do espa-nhol radicado em El Salvador, Ignacio Martín-Baró. Sil-via Lane analisou e se referiu a este período, trazendo aimportância de a Psicologia Social dialogar com outrasPsicologias Sociais de países da América Latina, comopode ser visto em entrevista publicada no PSI Jornal dePsicologia do Conselho Regional de Psicologia de SãoPaulo (CRP-SP) em 2000.

A Psicologia Social no Brasil era um ‘zero à esquer-da’, não interferia em nada, não ajudava em nada,quer dizer, era um saber que estava lá, que partia dasteorias americanas para explicar a realidade brasi-leira. Era preciso compreender como o latino-ameri-cano singulariza o universal na constituição particu-lar de sua existência. (Lane, 2000).

O trabalho social iniciado no curso de graduação daPUC-SP, o desenvolvimento das pesquisas no curso depós-graduação e as relações na América Latina se uni-ram enquanto aspectos fundamentais para a construçãoda nova perspectiva em Psicologia Social. Uma perspec-tiva que, segundo Sílvia Lane, deveria começarexplicitando uma nova concepção de homem na psico-logia: um homem social e histórico. E, para compreen-der esse homem e como as determinações históricas es-tão em relação com ele, seria necessário um outro méto-do. O materialismo histórico e dialético será o métodoque ela vai adotar e desenvolver na psicologia social.

Sem dúvida, o marxismo, como postura epistemoló-gica, estava na minha cabeça, como proposta parasuperar a ideologização da nossa ciência. E foi umdesafio encontrar um eixo marxista para desenvolveruma nova psicologia social (Lane, 2000).

Portanto, juntava-se, aos ingredientes já comentados,o marxismo. Esta perspectiva, como ela mesma disse,

Page 5: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Bock, A.M.B.; Ferreira, M.R.; Gonçalves, M.G.M.; Furtado, O. “Sílvia Lane e o Projeto do ‘Compromisso Social da Psicologia’”

50

epistemológica, vai contribuir para a superação dopositivismo na forma de fazer ciência, para a elaboraçãode novos métodos de pesquisa e para a afirmação dohomem como sujeito histórico.

A afirmativa de que o positivismo, na procura da ob-jetividade dos fatos, perdera o ser humano decorreude uma análise crítica de um conhecimento minucio-so enquanto descrição de comportamentos que, noentanto, não dava conta do ser humano agente demudança, sujeito da história. O homem ou era social-mente determinado ou era causa de si mesmo: socio-logismo vs biologismo? Se por um lado a psicanáliseenfatizava a história do indivíduo, a sociologia recu-perava, através do materialismo histórico, a especifici-dade de uma totalidade histórica concreta na análisede cada sociedade. Portanto, caberia à PsicologiaSocial recuperar o indivíduo na intersecção de suahistória com a história de sua sociedade – apenas esteconhecimento nos permitiria compreender o homemcomo produtor da história. (Lane, 1984a, p. 13).

Essa formulação expressa a elaboração realizada noprocesso de crítica à psicologia social tradicional e bus-ca de novas referências a que nos referimos acima. Umanova postura epistemológica, metodológica e ontológicavai subsidiando a constituição de novas categorias e con-ceitos explicativos do psiquismo.

A partir do materialismo histórico e dialético, Laneproduziu, então, uma nova psicologia social, cujo obje-to, em vez de “relações interpessoais e influências so-ciais”, como propunha a psicologia social tradicional,seria o homem como ser histórico, a dialética entre indi-víduo e sociedade, o movimento de transformação darealidade. O objetivo era compreender o indivíduo emrelação dialética com a sociedade; a constituição históri-ca e social do indivíduo e os elementos que explicam osprocessos de consciência e alienação; e as possibilidadesde ação do indivíduo frente às determinações sociais.

O método materialista histórico e dialético tem recur-sos para se compreender o homem dentro da totalidadehistórica, a partir das categorias da dialética (totalidade,contradição, empírico-abstrato-concreto, mediação).Além disso, esse método considera que sujeito e objetoestão em relação dialética, portanto não há neutralidadeno conhecimento, há sempre uma intenção do sujeitosobre o objeto. Essa intenção é histórica e deve ser con-siderada.

Em outras palavras, o materialismo histórico edialético permite trabalhar com a historicidade dos fe-nômenos e, por isso, contrapõe-se à sua naturalização.Boa parte da obra de Sílvia Lane foi para desenvolveruma compreensão do psiquismo fundamentada nessespressupostos.

E, de maneira coerente, tais formulações foram pro-duzidas a partir de pesquisas realizadas com métodos

adequados à compreensão da realidade como contra-ditória, em processo de transformação constante e doconhecimento como práxis.

Dentre as novas metodologias destacou-se a pes-quisa-ação participante. A concepção de pesquisa parti-cipante anulava toda discussão sobre a neutralidade daciência e do pesquisador. Tratava-se, então, de discutir ocompromisso social do pesquisador.

É importante situar no tempo estes esforços. Está-vamos nos anos 70, nos “anos de chumbo” da sociedadebrasileira e o desenvolvimento de concepções progres-sistas dentro de algumas Universidades, como a PUC-SP, era um fato. Havia clima adequado para as reflexõese críticas que Sílvia Lane propunha, agora já acompa-nhada de um grupo de professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (Bader Sawaia, SuelyRolnik, Leonor Gaioto, Antônio Ciampa, Maria do CarmoGuedes, entre outros) e reunindo alunos/ orientandos quebuscavam alternativas para a tradicional Psicologia So-cial (Wanderley Codo (1981), Renate Sanchez (1974),Antonio Ciampa (1977 e 1986), Alfredo Naffah (1983),Carlos Peraro Filho (1978 e 1988), Irede Cardoso (1978),Bader Sawaia (1979 e 1987), Ivanise Leite (1979),Eizabeth Lenza (1981), Maria Lucia Violante (1981),Fernando Pontes (1983), Sylvia Friedman (1985), BrígidoCamargo (1985), Elvira Wagner (1986), Sueli TerezinhaMartins (1987), Denise Camargo (1988), entre outros).

Sílvia Lane, seus alunos e colaboradores se volta-ram, dessa forma, para a tarefa de construir uma alter-nativa teórica que estivesse consoante com os proble-mas enfrentados no cotidiano da realidade brasilei-ra. E é importante frisar que essa construção teórica sedava em todos os espaços que Sílvia Lane ocupava comoprofessora, pesquisadora e militante por uma psicologiasocial crítica.

Ela foi protagonista dessa posição em vários even-tos, dentre eles debates com Aroldo Rodrigues, o repre-sentante no Brasil da psicologia social cognitivista.

Nos debates, Aroldo Rodrigues afirmava que aquiloque Sílvia Lane fazia não era ciência, era política. Se-gundo ele “. . . a Psicologia Social é uma ciência básicae neutra, a ela cabe descobrir as relações estáveis entrevariáveis psicossociais a fim de possibilitar ao tecnólogosocial a solução dos problemas sociais de forma cons-ciente e não improvisada” (Rodrigues, 1986, apudSawaia, 2002).

Em suas respostas, Sílvia Lane afirmava que: “. . . ofundamental neste momento é a psicologia rever sua prá-tica, pois teoria e prática têm que vir juntas. Não se podedividir a psicologia social em ciência aplicada e pura”(Lane, 1986, apud Sawaia, 2002).

No final dos anos 70 Sílvia e seus orientandos reali-zaram,uma intensa discussão teórico-metodológica no

Page 6: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 2: 46-56, 2007

51

Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia So-cial da PUC-SP, formalizando e sistematizando o pro-cesso de revisão metodológica da Psicologia Social.Nesse processo, foi feita a releitura de George Mead ede Politzer; discutiu-se a crítica feita à psicologia socialpor Poitou, Bruno e Pêcheux; a partir do livro organiza-do por Serge Moscovici, Introduction de la PsychologieSociale, discutiu-se o conceito de Representação Social;também debruçaram sobre as questões da linguagem,analisando e Teorias da Psicologia da Linguagem deRobert Terwilliger. Mas, é com a (re)descoberta deVigotski, Luria e Leontiev que se tornou possível o saltode qualidade que levou à fundamentação das categoriasbásicas do psiquismo: a consciência, a atividade e a iden-tidade, que foi levado ao público através da principalobra do período: Psicologia Social: O homem em movi-mento, organizado por Sílvia Lane e Wanderley Codoem 1984. Completaram este trabalho a teoria da iden-tidade como metamorfose, elaborada por Antonio daCosta Ciampa em tese de doutorado de 1987, A estóriado Severino e a história da Severina; e a discussão sobreconsciência realizada por Bader Sawaia no seu douto-rado, A consciência em construção no trabalho de cons-trução da existência, em 1987.

Com esse desenvolvimento teórico, pela primeira vez,criou-se, de fato, uma alternativa à psicologia socialnorte-americana. O mesmo movimento realizado porFlorestan Fernandes, de busca da realidade social, dotrabalho empírico, da busca de alternativas metodológicapara se construir a base de uma teoria consistente, foirealizado por Sílvia Lane no campo da Psicologia So-cial. Em artigo comentando os cursos e programas depsicologia social no Brasil, ministrados entre 1983 e 1993,Sergio Ozella identifica a importância que o aporte teó-rico desenvolvido na PUC-SP ganhou neste período. Em1983, os autores mais citados e indicados como leituranos cursos de psicologia social, eram Aroldo Rodrigues(54 menções); J. L. Freedman (36); Solomon Asch (29);Krech, Crutchfield e Ballachey (29) e Sílvia Lane com oseu introdutório O que é a Psicologia Social (22). Em1993, Sílvia Lane e Wanderley Codo com PsicologiaSocial: O homem em movimento, recebem 63 menções,seguidos do livro Psicologia Social de Aroldo Rodriguescom 36. Em terceiro lugar O que é a Psicologia Socialcom 28 menções. Foi o coroamento de um intenso e im-portante trabalho realizado por Sílvia durante todos aque-les anos, investindo na construção da Psicologia Socialno Brasil e na América Latina.

Naqueles intensos anos 70 e 80, com toda aquelamovimentação e esforços para a renovação, ocorreu aconstrução da ABRAPSO em 1980. Reunindo profes-sores da PUC-SP, orientandos do programa de pós-gra-duação e outros profissionais e professores de outras

escolas, Sílvia Lane fundou a Associação Brasileira dePsicologia Social. Havia, naqueles anos, a ALAPSO –Associação Latino-americana de Psicologia Social, masera uma entidade sem representatividade, que serviaapenas de espaço de projeção para alguns poucos quenela se mantinham, sem qualquer esforço de construçãode uma Psicologia para a América Latina. Em 1979, apro-vou-se no encontro da SIP (Sociedade Interamericanade Psicologia) no Peru, a proposta de criar associaçõesnacionais, substituindo a ALAPSO. Ainda em 1979,quando Sílvia Lane retornou ao Brasil, organizou umEncontro de Psicologia Social e realizou reunião paradebater a criação da ABRAPSO. “Segundo Sílvia, umadas principais realizações do encontro foi a de conscien-tizar os participantes psicólogos de que suas perplexida-des, percebidas até então como sentimentos individuais,eram compartilhadas por cientistas de diversas áreas”.(Sawaia, 2002, p. 66). Em 10 de julho de 1980, na Uni-versidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), foi funda-da a ABRAPSO. “A criação da ABRAPSO é um marcodecisivo na orientação da psicologia social brasileira emdireção à problemática de nossa realidade sócio-econô-mica-política-cultural. Também reafirma a importânciafundamental de Lane, que ficou na presidência nacionalaté 1983 . . .” (Molon apud Sawaia, 2002, p. 67). A histó-ria da Psicologia Social no Brasil tem assim uma fortepresença de Sílvia Lane. Esta história que caminha nadireção do compromisso com a realidade brasileira e daAmérica Latina e que em termos de produção teóricaculmina com a produção da chamada Psicologia SocialSócio-Histórica.

Sílvia Lane parecia sempre saber para onde cami-nhar e para onde levar a Psicologia Social, mas todosaqueles que com ela conviveram sabem que ela “inven-tou junto”, ou seja, prezou sempre os espaços de criaçãocoletiva. Por isto, houvesse mais espaço para traçarmostodas as linhas do desenvolvimento da Psicologia Socialno Brasil, a partir de Sílvia, os traços alcançariam a to-dos que hoje se encontram no campo de uma PsicologiaSocial comprometida e crítica.³

Uma Psicologia Social Sócio-Histórica

A Psicologia Social que veio a ser denominadasócio-histórica surgiu nesse processo de revisão e críticacom vistas à produção de um conhecimento comprome-tido com a transformação social. Como vimos, foramdiversos os atores desse processo, que resultou em umconjunto de elaborações teóricas afinadas com a idéiada desnaturalização dos fenômenos sociais.

Entretanto, vimos também que Sílvia Lane se des-tacou nesse processo e conduziu um conjunto de pes-quisas e elaborações conceituais que são identificadascomo psicologia social sócio-histórica.

Page 7: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Bock, A.M.B.; Ferreira, M.R.; Gonçalves, M.G.M.; Furtado, O. “Sílvia Lane e o Projeto do ‘Compromisso Social da Psicologia’”

52

Seus fundamentos epistemológicos, metodológicose ontológicos já foram mencionados. Decorrem do ma-terialismo histórico e dialético e permitem abordar osfenômenos sociais e psicológicos na sua historicidade.Também mencionamos anteriormente um recorte da obrateórica de Sílvia Lane, que nos permite perceber a coe-rente articulação entre suas proposições teóricas e práti-cas por meio da compreensão de duas importantes ques-tões: a dialética subjetividade-objetividade; e a forma-ção e mudança de valores.

A partir desses fundamentos, então, Sílvia Lane de-senvolveu a concepção de uma subjetividade em proces-so dialético, numa dialética subjetividade-objetividade.Teve acesso à obra dos soviéticos Luria, Leontiev eVigotski e, a partir deles, desenvolveu o estudo das cate-gorias do psiquismo: atividade, consciência e identida-de. Articulou seus estudos sobre linguagem e processogrupal à compreensão das categorias como processosconstituídos por mediações. Trabalhou também, nessaperspectiva, com a teoria das representações sociais deMoscovici.

Uma pessoa é a síntese do particular e do universal,ou seja, sua individualidade se constitui, necessaria-mente, na relação objetiva com o seu meio físico, geo-gráfico, histórico e social. que irão, através de suasações, desenvolver, o psiquismo humano constituído,fundamentalmente, pelas categorias: consciência, ati-vidade e afetividade, (trataremos da Identidade numsegundo momento).

Empiricamente, podemos constatar as mediaçõesconstitutivas dessas categorias: as emoções, a lingua-gem e o pensamento, responsáveis pela subjetivação/objetivação do psiquismo humano.

A análise só estará completa se considerarmos o serhumano, ontogeneticamente, como um ser sócio-his-tórico, ou seja, ele se desenvolveu através de ferra-mentas inventadas e de uma linguagem articulada afim de transmitir a utilidade dessas para os seu pares.

Estas relações se dão através da mediação de grupossociais dos quais um indivíduo participa, necessaria-mente, a fim de garantir sua sobrevivência, assim, alémde adquirir a linguagem produzida por esta socieda-de, desenvolve o pensamento, os afetos e sentimentos.É neste processo de interação que se desenvolve a suaIdentidade, como categoria constitutiva de seupsiquismo.

Indivíduo e Sociedade são inseparáveis, segundo adialética, pois o particular contem em si o universal,deste modo, se desejamos conhecer cientificamente oser humano, é necessário considerá-lo dentro do con-texto histórico, inserido em um processo constante desubjetivação/objetivação.

Nosso organismo é estimulado a todo momento: per-cebemos, sentimos, reagimos, refletimos e agimos,

objetivando a nossa subjetividade a qual por sua vezse transforma, num processo constante, de metamor-fose, isto se não nos deixarmos cristalizar por papéisdesempenhados sem uma reflexão crítica. (Lane, 2002,p. 12).

Nesta síntese, toda a riqueza das formulações teóri-cas de Sílvia Lane pode ser percebida. Estão aí coloca-das as suas principais contribuições: devemos compre-ender o psiquismo como processo constante, um proces-so constituído na vida concreta, por meio das ações,vivências, experiências do indivíduo e por meio de suasrelações. Processo contraditório, revelador da dinâmicaentre a totalidade social e a particularidade das situaçõesindividuais, entre o universal e o singular das experiên-cias humanas. E processo protagonizado por sujeitos his-tóricos, que, por serem sujeitos trazem emoção, refle-xão, ação, movimento.

A produção de Sílvia Lane não se desviou, em ne-nhum momento, de seu propósito maior: desenvolver umapsicologia que contribua com a transformação da socie-dade. A compreensão dos aspectos psicológicos comoconstituídos em uma dialética subjetividade-objetivida-de traz a possibilidade de superar explicações que ape-nas justapõem indivíduo e sociedade e permite que, aose falar do sujeito, fale-se, necessariamente, da realida-de social da qual participa. E compreender que ambos,sujeito e sociedade estão em um movimento que tem porbase as contradições do processo histórico, significa po-der apontar as possibilidades de transformação.

O aprofundamento dessa perspectiva, podemos di-zer, encontra-se com outra vertente importante da obrade Sílvia Lane: como se constituem e qual o papel dosvalores no processo subjetivo-objetivo ou na relação in-divíduo-sociedade. Seus estudos iniciais sobre a dimen-são valorativa presente nos significados das palavras,investigações realizadas com o diferencial semântico deOsgood, ampliaram-se com as noções de significado so-cial e sentido pessoal, desenvolvidas a partir de Leontieve Vigotski, no estudo da linguagem como mediação noprocesso atividade-consciência. Posteriormente, essasinvestigações desenvolveram-se com os estudos sobreemoções e a postulação da categoria afetividade.

Em relação à linguagem, Sílvia Lane sempre apon-tou a necessidade de se considerar os aspectos ideológi-cos presentes na construção de significados. Dessa ma-neira, pôde desenvolver a compreensão da linguagemcomo mediação no processo de consciência fazendo clarareferência ao lugar social ocupado pelo indivíduo e àsdeterminações históricas a que está sujeito. Ao mesmotempo, considerar o indivíduo também como produtorde sentidos recoloca-o em posição ativa, mesmo que demaneira contraditória. Na verdade, a investigação da ar-ticulação entre significados sociais e sentidos pessoais

Page 8: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 2: 46-56, 2007

53

possibilitada pela atividade, concretiza a investigação dadialética subjetividade-objetividade.

A análise que Leontiev faz da aprendizagem da línguamaterna aponta para dois processos que se interli-gam necessariamente: se, por um lado, os significa-dos atribuídos às palavras são produzidos pela coleti-vidade no seu processar históricos e no desenvolvi-mento de sua consciência social e, como tal, se subor-dinam às leis histórico-sociais, por outro, os signifi-cados se processam e transformam através de ativi-dades e pensamentos de indivíduos concretos e assimse individualizam, se ‘subjetivam’, na medida em que‘retornam’ para a objetividade sensorial do mundo queos cerca, através das ações que eles desenvolvem con-cretamente.

Desta forma, os significados produzidos historicamen-te pelo grupo social adquirem, no âmbito do indiví-duo, um ‘sentido pessoal’, ou seja, a palavra se rela-ciona com a realidade, com a própria vida e com osmotivos de cada indivíduo. (Lane, 1984b, p. 32-33).

A linguagem, produção ao mesmo tempo social eindividual é expressão da síntese e do movimento entresujeito e realidade. Significado e sentido, como unidadede contrários, ao mesmo tempo revelam e possibilitam econcretizam a dialética subjetividade-objetividade. Odesenvolvimento dos estudos sobre as categorias dopsiquismo possibilitou que Sílvia Lane avançasse na com-preensão da emoção e da criatividade. São os desafiosque sempre se propôs a enfrentar e de maneira coerente:é necessário compreender o que permite ao homem seimplicar, se reconhecer como sujeito, compreender asdeterminações a que está sujeito e as formas de agir so-bre elas. É necessário compreender o que impede e oque permite ao homem agir para transformar a realidadede forma libertadora e emancipadora.

Por isso, a necessidade de pesquisar como surgem,se mantém e se modificam as emoções. A afetividade étambém categoria fundamental do psiquismo, formula-ção de Sílvia Lane para indicar a ligação do indivíduocom o contexto social para além de um reconhecimentocognitivo.

O ser humano é um todo – fisiologia e psicologia sãomanifestações de uma mesma totalidade. Assim comoas funções fisiológicas estão integradas, também aspsicológicas interagem, desenvolvendo funçõespsiconeurológicas superiores que ampliam a capaci-dade humana. Em síntese, ele é produto de um longoprocesso histórico, no qual as mediações das emoções,da linguagem, do pensamento e dos grupos sociaisconstituem a subjetividade: consciência, atividade,afetividade e identidade.

Essa subjetividade, em sua unidade dialética com aobjetividade, permite o desenvolvimento de valoresmorais, éticos e estéticos. (Lane, 1999, p. 119).

Exatamente por trazer a questão dos valores e suaconstituição na dialética subjetividade-objetividade, semperder de vista a inserção histórica do indivíduo é queSílvia Lane realizou uma psicologia social que desven-dou a unidade contraditória entre indivíduo e sociedade.A psicologia social sócio-histórica coloca-se como umapsicologia que não aceita o que constata, mas uma psi-cologia social que se posiciona, porque o reconhecimentoda historicidade dos fenômenos que estuda assim o per-mite.

Coerente com a visão de que o conhecimento e a in-tenção prática em relação ao objeto não se separam, Síl-via Lane nos deixou desafios: avançar na pesquisa sobrea maneira como os indivíduos se implicam ou não comsua própria realidade é compromisso ético de quem sededica à Psicologia.

Procurei entender, primeiro, como se formam os valo-res nos seres humanos, como eles se dão e orientam ocotidiano das pessoas. . . Esse é o desafio, esmiuçarcomo se dão os processos, não só na formação de va-lores, mas na mudança de valores. Sem esquecer queeles vêm carregados de muita história – a familiar, asocial – e não é fácil mudar. A não ser que a pessoaassuma, realmente, uma reflexão crítica . . . Aí surgeoutro dilema, outra contradição: entre imaginação efantasia. A fantasia leva à alienação, é destrutiva, por-que perde os vínculos com o real, enquanto que a ima-ginação tem os pés no real, no cotidiano. Outro desa-fio que surgiu há pouco tempo é a apatia, o desinte-resse. Alguém indiferente às coisas está negando aprópria vida, a emoção, o afeto! Isso é terrível! Comose forma um sentimento de indiferença? Ele é a mor-te, é virar um robô. São desafios nos quais temos quenos aprofundar, pesquisar. Se assumirmos que a trans-formação social só se dará eticamente, quem mais doque nós, psicólogos, tem essa arma na mão? É exata-mente esse pensar ético que deve estar presente ondeo psicólogo estiver atuando. (Lane, 2000).

Um pensar ético, um compromisso ético que alia oconhecimento com a ação. A proposta, o desafio depesquisar para poder interferir, atuar para que os homenssejam sujeitos, não sejam robôs. Para que os homens seenvolvam, não sejam indiferentes. O referencial da psi-cologia social sócio-histórica, ao apontar a historicidadeconstitutiva dos fenômenos, ao apontar sua gênese con-traditória permite apontar ações de superação, permiteusar o conhecimento de forma posicionada.

Uma Psicologia Atenta ao Contexto Social ou“Toda a Psicologia é Social” 4

Cabe destacar, ainda, a questão do “social” que ca-racteriza e nomeia a Psicologia de Sílvia Lane. A noçãoteórica que nos faz colocar o epíteto de social na psico-logia merece atenção de todos nós, pois ele não tem omesmo sentido em todos os lugares onde aparece.

Page 9: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Bock, A.M.B.; Ferreira, M.R.; Gonçalves, M.G.M.; Furtado, O. “Sílvia Lane e o Projeto do ‘Compromisso Social da Psicologia’”

54

É fácil que ocorra nas áreas de conhecimento a acei-tação de nomenclaturas que refletem mais a acomoda-ção dos interesses de seus construtores do que a clarezana delimitação de suas possibilidades e obrigações. Tal éo caso, por exemplo, da Psicologia Social estadunidenseque, a despeito de contar uma enorme produção de arti-gos e livros, ainda na década de setenta tinha vários au-tores que afirmavam ser prejudicial tentar qualquer defi-nição de seu escopo porque isso tiraria a liberdade daspessoas que estavam engajadas na sua construção. Istoé, para essas pessoas a indefinição era a forma de manteraquela Psicologia Social.

Pois é possível afirmar que tenha sido exatamente aexigência de esclarecer o que seria o social na psicolo-gia que tenha gerado no Brasil a possibilidade de desen-volvimentos que diferenciaram de forma tão significati-va seus contornos e projetos de pesquisa e de atuação.Essa exigência permitiu que a inserção do grupo de tra-balho que Sílvia Lane compunha, ganhasse uma novaqualidade, pois foi diferente daquela mais comum nosgrupos então atuantes no Brasil. Não se tratava de apli-car ou proceder a algum desenvolvimento marginal naPsicologia, decorrente da apropriação do pensamentopsicológico encontrado pronto em outros países. Era pre-ciso indicar claramente a partir de qual solo se estavatrabalhando e, já aí, produzir algo novo, uma vez queadequado a este solo específico.

A inserção de seu grupo de trabalho foi diferenteporque eles se comportavam como construtores da Psi-cologia. A exigência de nomear sua produção pode tersido importante para que o comportamento desse gruponão fosse reprodutor, ou aplicador, ou pregador, ourepetidor, ou defensor de algo que lhes havia sido man-dado desde algum lugar supostamente especial onde aPsicologia brotava de forma mais espontânea do que nasterras tupiniquins. A Psicologia era algo que precisavaser construído e essa tarefa cabia a cada uma das pesso-as que participavam desse debate.

Claro que muitas das iniciativas surgiram a partir doexercício da crítica ao conhecimento que era encontradopronto. A partir desse exercício crítico, houve recusas devárias ordens às concepções advindas de outras plagas.Por exemplo, a recusa de que o epíteto “social” fossesimplesmente agregado aos diferentes tópicos aborda-dos pela Psicologia tradicional. Assim, para ser socialnão bastava tratar de uma possível “percepção social”,consoante com uma Psicologia que por tanto tempo es-tudara um conceito que ela denominava de percepçãoindividual. Também não bastava colher para exame al-gum evento grupal e aplicar sobre ele um procedimentode exame estabelecido para fenômenos individuais.

Nos debates em sala de aula, na busca de encontrarelementos fundamentais dessa perspectiva social, houve

algum momento de radicalização, talvez pueril, “apa-rentemente” desnecessária, nessa caracterização. Tal é ocaso da exigência de que a produção dessa psicologiativesse que ocorrer sempre de forma coletiva. Assim, paraser coerente com as exigências de construção de umapsicologia social, seria preciso que seus textos fossemproduzidos de forma claramente social e grupal. O ter-mo “aparentemente” vem entre aspas porque parece re-fletir uma exigência importante, ainda que formulada emsala de aula de forma pouco precisa, qual seja a de que ainstauração de uma psicologia efetivamente comprome-tida com as necessidades do povo brasileiro seria tarefade coletivos de psicólogos comprometidos com essa pers-pectiva.

Vale ressaltar um elemento caracterizador desse so-cial que resume o que se apresenta aqui. Tratava-se desituar cada evento, cada pessoa, cada iniciativa em seucontexto social. O social não seria simplesmente umacréscimo ao que a Psicologia já sabia fazer. Tampoucosignificava uma defenestração do que fora produzido atéentão. Ele teria que ser uma fonte de renovação dessaPsicologia, sua capacitação para enfrentar os desafiosque a sociedade lhe propunha e produzir respostas àsquestões que realidade lhe impunha.

Nessa perspectiva, o psicólogo social não seria so-mente aquele que trabalharia com problemas ou situa-ções de caráter social ou grupal. Um psicólogo clínico(em atendimento individual, em consultório particular),seria também um psicólogo social. Para isso, bastaria queele procedesse em seu trabalho ao exercício de contextua-lização do seu cliente no seu momento social e histórico.Na medida em que as fontes explicativas e os resultadosobtidos tivessem um caráter de habilitação de cada pes-soa para atuar e transformar sua realidade (isto é, parti-cipar dos processos de transformação), esse trabalhopoderia ser considerado como de psicologia social.

A atenção ao contexto do fazer humano foi uma for-ma de inserir no campo de visão da Psicologia aquiloque nos anos setenta era chamado de “realidade brasilei-ra”. Diante do reconhecimento de que a Psicologia sedesenvolvera quase sempre sem atentar para as necessi-dades, virtudes e problemas vividos pela maioria da po-pulação brasileira, o contexto a que se deveria dar aten-ção era o contexto econômico, histórico e social ondeviviam os brasileiros.

Neste sentido é que a expressão “toda a psicologia ésocial” ganha uma possibilidade de compreensão fértilpara o projeto de construção de uma psicologia socialefetivamente adequada aos povos brasileiro e latino-ame-ricano.

É possível afirmar que essa compreensão, do que sejao social na Psicologia, tenha se mantido válida até o fimda vida de Sílvia Lane. Seu entusiasmo e disposição para

Page 10: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 2: 46-56, 2007

55

colaboração, nas mais diferentes iniciativas, sereacenderam quando percebeu que um movimento, comessas características, ganhava espaço na Psicologia Bra-sileira. Ao longo da última década, Sílvia não poupouesforços para colaborar.

Uma Psicologia com Compromisso Social:Uma Herança de Sílvia Lane

Para finalizarmos este artigo, cabe fazer a relação daPsicologia Social produzida sob a orientação e empenhoda Profa. Sílvia Lane, com o projeto, hoje existente, deuma Psicologia com compromisso social.

Sílvia Lane tem sua produção e seu exercício, comoprofessora, marcados pela certeza de que a Psicologiadeveria se produzir de forma a ser útil para a transforma-ção da realidade social em nossos países de TerceiroMundo. Perseguiu isto como uma obsessão e sem des-cuidar de dar-lhe forma acadêmica e rigor científico.Buscou métodos, instrumentos, conceitos e teorias quepudessem dar conta disto. Não se acomodou e nem mes-mo se satisfez com o que estava posto em cada momen-to. Cada certeza era o início de um novo momento dedúvidas e buscas. Sílvia Lane dialogou com todos; acei-tou desafios e acolheu sugestões e iniciativas de seus alu-nos. Produziu coletivamente com eles, talvez seus prin-cipais interlocutores. A única certeza de que nunca abriumão foi a da necessidade da produção de uma ciênciacom compromisso social. Nunca se importou com rótu-los e com passeios por diferentes teorias, porque busca-va outra coisa: um conhecimento capaz de falar da vidavivida e de apresentar possibilidades de contribuição paraa transformação das condições de vida na busca da dig-nidade. Qualquer tema poderia ser eixo das pesquisasque seus orientandos traziam, mas todos deveriam lheresponder: qual a realidade que quero contribuir paramudar?

Esta intransigência ética marcou seu trabalho de pes-quisadora e professora. Deixou para a Psicologia umaobra importante nesta direção. Mas, mais do que isto, eladeixou um conjunto de psicólogos e pesquisadores, emsua maioria identificados com a ABRAPSO, que bus-cam de vários lugares teóricos produzir uma nova Psico-logia: uma psicologia com compromisso social com arealidade brasileira e da América Latina. Isto nos permi-te afirmar que Sílvia Lane mudou os rumos da Psicolo-gia no Brasil e permitiu a construção de um novo projetopara a ciência e para a profissão.

Notas

1. Para uma crítica profunda desse modelo veja Bock, Ana M.B. (1997). As aventuras do Barão de Münchhausen na Psi-cologia: Um estudo sobre o significado do fenômeno psico-lógico na categoria dos psicólogos. Tese de doutorado não-

publicada, Programa de Psicologia Social, Pontifícia Uni-versidade Católica de São Paulo.

2. Veja Bonfim, Elizabeth. Psicologia Social no Brasil; Freitas,Mª de Fátima Q. (1996, jan./jun.). Contribuições da Psicolo-gia Social e Psicologia Política ao desenvolvimento da Psi-cologia Social Comunitária: Os paradigmas de Sílvia Lane,Ignacio Martín-Baró e Maritza Montero. Psicologia & Soci-edade, 1(8), e também os próprios Anais do I Encontro Regi-onal de Psicologia na Comunidade (1981, set.), São Paulo,ABRAPSO, no qual Alberto Abib Andery relata a experiên-cia dos estágio em Osasco.

3. Dados sobre estas iniciativas podem ser encontrados em pu-blicação de Bader Sawaia (2002). Sílvia Lane: Vol. 8. Cole-ção Pioneiros da Psicologia Brasileira, de iniciativa do Con-selho Federal de Psicologia, Brasília, DF: Imago.

4. Esta afirmação citada entre aspas está presente em texto deSílvia Lane publicado em 1984 –Psicologia Social: O ho-mem em movimento – pela Ed. Brasiliense, organizado porela e por Wanderley Codo (Lane, 1984a).

Referências

Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história deSeverina: Um ensaio de Psicologia Social. São Paulo, SP:Brasiliense.

Lane, S. T. M. (1984a). A Psicologia Social e uma nova concep-ção de homem para a Psicologia. In S. T. M. Lane & W.Codo (Eds.), Psicologia Social: O homem em movimento (pp.10-19). São Paulo, SP: Brasiliense.

Lane, S. T. M. (1984b). Linguagem, pensamento e representa-ções sociais. In S. T. M. Lane & W. Codo (Eds.), PsicologiaSocial: O homem em movimento (pp. 32-39). São Paulo, SP:Brasiliense.

Lane, S. T. M. (1999). Os fundamentos teóricos e conclusões. InS. T. M. Lane & Y. Araújo (Eds.), Arqueologia das emoções(pp. 11-33, 119-120). Petrópolis, RJ: Vozes.

Lane, S. T. M. (2000, maio/jun.). Diálogos: Uma psicologia paratransformar a sociedade [Entrevista]. PSI Jornal de Psicolo-gia, São Paulo, 18(122), 4-6.

Lane, S. T. M. (2002). A dialética da subjetividade versus a obje-tividade. In O. Furtado, Odair & F. González-Rey (Eds.),Por uma epistemologia da subjetividade: Um debate entre ateoria sócio-histórica e a teoria das representações sociais(pp. 11-17). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.

Lane, S. T. M., & Sawaia, B. B. (1995). La Psicologia SocialComunitária en Brasil. In E. Wiesenfeld & E. Sánchez (Eds.),Psicologia Social Comunitaria: contribuciones Latinoame-ricanas (pp. 69-116). Caracas, Venezuela: Fondo Tropykos.

Sawaia, B. (1987). A consciência em construção no trabalho deconstrução da existência. Tese de Doutorado não-publicada,Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Sawaia, B. (2002). Sílvia Lane: Vol. 8. Coleção Pioneiros daPsicologia Brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Imago.

Page 11: Compromisso Social Da Psicologia - Silvia Lane Et

Bock, A.M.B.; Ferreira, M.R.; Gonçalves, M.G.M.; Furtado, O. “Sílvia Lane e o Projeto do ‘Compromisso Social da Psicologia’”

56

Ana Mercês Bahia Bock é Psicóloga e Professora titularda Faculdade de Psicologia da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP), ministrando aulas na

graduação e no programa de Pós-Graduação emEducação: psicologia da educação. É presidente do

Conselho Federal de Psicologia (CFP) gestão 2004/2007.Foi orientanda no mestrado e no doutorado da Profa.

Sílvia Lane. Endereço para correspondência: PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo, Rua Monte Alegre,

984, São Paulo, SP, 05014-001.

[email protected]

Marcos Ribeiro Ferreira é Psicólogo e Professoraposentado da Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC). Formou-se em Psicologia e obteve título dedoutor na PUC-SP. É presidente da Associação Brasileira

de Ensino de Psicologia gestão 2005/2007. Endereço paracorrespondência: Universidade Federal de Santa Catarina,

Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamentode Psicologia, Florianópolis, SC, 88040-970.

[email protected]

Maria da Graça M. Gonçalves é Psicóloga, Professora dePsicologia Social na Faculdade de Psicologia da PUC-SP;

diretora da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, gestões2001/2005; 2005/2009; presidente do Conselho Regionalde Psicologia (CRP) gestão 2004/2007. Foi orientanda da

Profa. Sílvia Lane no doutorado.

Odair Furtado é Psicólogo e Professor associado naFaculdade de Psicologia da PUC-SP, ministrando aulas nagraduação e na Pós-Graduação em Psicologia Social. Foiorientando da Profa. Sílvia Lane. Foi presidente do CFP

gestão 2001/2004.

Sílvia Lane e o Projeto do “Compromisso Socialda Psicologia”Ana Mercês Bahia Bock, Marcos Ribeiro Ferreira, Maria daGraça M. Gonçalves, Odair FurtadoRecebido: 23/05/20071ª revisão: 20/07/2007Aceite final: 14/09/2007