Computadores e ilícitos criminais

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Julho de 2011 23 O agregador da advocacia www.advocatus.pt Cibercrime “De salientar que em todos os ilícitos criminais previstos na “lei do Cibercrime” se exige um dolo específico no seu elemento objectivo, não se bastando com a negligência” Paulo monteverde Sócio da BMA (Baptista, Monteverde & Associados). Terminou a sua licenciatura em Direito na Universidade Católica de Lisboa em 1997 e, posteriormente, completou duas pós-graduações: uma em Propriedade Intelectual outra em Direito da Sociedade de Informação, ambas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Petra Fernandes Associada da BMA (Baptista, Monteverde & Associados). Terminou a sua licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa em 2003. Colaborou com a sociedade de advogados Albuquerque & Associados, entre 2003 e 2011 Computadores e ilícitos criminais As tecnologias de informação passaram a ser utilizadas na prática de ilícitos criminais. Alguns desses ilícitos já existiam na nossa sociedade (por exemplo, os crimes contra a honra). Com a massificação do uso da internet surgiram novas práticas criminosas, como “o acesso ilegítimo” Na actualidade, a internet per- mite um acesso quase ilimitado à informação. Daí que os riscos associados à sua utilização sejam também muito significativos. As tecnologias de informação pas- saram a ser utilizadas na prática de ilícitos criminais. Alguns desses ilícitos já existiam na nossa so- ciedade (por exemplo, os crimes contra a honra). Com a massifica- ção do uso da internet surgiram novas práticas criminosas, como, por exemplo, “o acesso ilegítimo”. No entanto, não existe uma defini- ção legal para o fenómeno habitu- almente designado por cibercrime. Alguns autores americanos de- finem o cibercrime como sendo uma actividade na qual compu- tadores, ou uma rede informática, são utilizados como um meio, fim ou local para a prática de uma ac- tividade ilícita. Não cabem neste conceito os casos em que o hard- ware é utilizado para prática de ilícitos, em oposição ao entendi- mento da maioria dos autores e legislação europeia, que incluem, no conceito de cibercrime, a utili- zação de mecanismos de hardwa- re na prática de ilícitos criminais. Aliás, até ao início do século XXI, não se verificou uma elevada pre- ocupação legislativa na autonomi- zação dos ilícitos criminais com recurso a tecnologias de informa- ção. Apenas com a Convenção sobre o “Cibercrime” do Conselho da Europa, adoptada em Budapeste, em 23 de Novembro de 2001, é que se debateu, pela primeira vez, a necessidade de um combate conjunto, a nível europeu, ao ci- bercrime, conceito que constituiria o somatório dos diversos tipos de ilícitos criminais relacionados com as tecnologias da informação. “Apenas com a Convenção sobre o ‘Cibercrime’ do Conselho da europa, adoptada em Budapeste, em 23 de novembro de 2001, é que se debateu, pela primeira vez, a necessidade num combate conjunto, a nível europeu, ao ‘Cibercrime’” Com esta convenção e com a Decisão Quadro 2005/222/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro, a Europa tomou a dianteira da luta contra o cibercrime. Esta Decisão Quadro foi trans- posta para Portugal em 2009, com a publicação de um diplo- ma legal especialmente dedicado à luta contra o cibercrime, a Lei 109/2009, de 15 de Setembro (co- nhecida como Lei do Cibercrime), na senda da Lei da Criminalidade Informática (Lei n.º 109/1991, de 17 de Agosto). Na Lei do Cibercrime, o legislador optou por não definir expressa- mente o que é o cibercrime, an- tes englobando-o nos seguintes ilícitos criminais: falsidade infor- mática; dano relativo a programas ou outros dados informáticos; sabotagem informática; acesso ilegítimo; intercepção ilegítima; reprodução ilegítima de programa protegido. Estes ilícitos poderão ser subdivi- didos nas seguintes categorias: 1. Interferência de dados: consiste na eliminação de dados, alte- ração dos dados, restrição do acesso aos dados, na grande maioria das vezes identificados como vírus informáticos; 2. Hacking/cracking: consiste no acesso ilegítimo a um sistema informático alheio, através da violação dos sistemas de se- gurança (passwords e software de protecção), considerado por muitos como sendo o primeiro ilícito associado ao cibercrime. Inicialmente associado a um grupo de pessoas que preten- diam exibir as suas capacida- des como hackers, hoje em dia é visto como uma forma de mar- ginalidade, ou de promoção de software de protecção; 3. Intercepções Ilegais: consiste na intercepção de comunica- ções efectuadas através de emails e outros meios de comu- nicação e envio de informação; 4. Ofensas relacionadas com vio- lações de direitos de proprie- dade intelectual: consiste no acesso ilícito a conteúdos pro- tegidos por direitos de autor; 5. Ofensas relacionadas com mar- cas: consiste em associar a uti- lização de uma marca registada com o propósito de iludir o uti- lizador e, assim, prosseguir um determinado intuito ilícito. De salientar que, em todos os ilí- citos criminais previstos na Lei do Cibercrime, se exige um dolo específico no seu elemento objec- tivo, não se bastando com a ne- gligência. Este artigo é o primeiro de uma série de três artigos sobre o cibercrime

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Computadores e ilícitos criminais

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Julho de 2011 23O agregador da advocacia

www.advocatus.pt Cibercrime

“De salientar que em todos os ilícitos criminais

previstos na “lei do Cibercrime” se exige um dolo específico no seu

elemento objectivo, não se bastando com

a negligência”

Paulo monteverdeSócio da BMA (Baptista, Monteverde &

Associados). Terminou a sua licenciatura em Direito na Universidade Católica

de Lisboa em 1997 e, posteriormente, completou duas pós-graduações: uma

em Propriedade Intelectual outra em Direito da Sociedade de Informação,

ambas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Petra FernandesAssociada da BMA (Baptista,

Monteverde & Associados). Terminou a sua licenciatura em Direito pela

Faculdade de Direito de Lisboa em 2003. Colaborou com a sociedade de

advogados Albuquerque & Associados, entre 2003 e 2011

Computadores e ilícitos criminaisAs tecnologias de informação passaram a ser utilizadas na prática de ilícitos criminais. Alguns desses ilícitos já existiam na nossa sociedade (por exemplo, os crimes contra a honra). Com a massificação do uso da internet surgiram novas práticas criminosas, como “o acesso ilegítimo”

Na actualidade, a internet per-mite um acesso quase ilimitado à informação. Daí que os riscos associados à sua utilização sejam também muito significativos.As tecnologias de informação pas-saram a ser utilizadas na prática de ilícitos criminais. Alguns desses ilícitos já existiam na nossa so-ciedade (por exemplo, os crimes contra a honra). Com a massifica-ção do uso da internet surgiram novas práticas criminosas, como, por exemplo, “o acesso ilegítimo”.No entanto, não existe uma defini-ção legal para o fenómeno habitu-almente designado por cibercrime.Alguns autores americanos de-finem o cibercrime como sendo uma actividade na qual compu-tadores, ou uma rede informática, são utilizados como um meio, fim ou local para a prática de uma ac-tividade ilícita. Não cabem neste conceito os casos em que o hard- ware é utilizado para prática de ilícitos, em oposição ao entendi-mento da maioria dos autores e legislação europeia, que incluem, no conceito de cibercrime, a utili-zação de mecanismos de hardwa-re na prática de ilícitos criminais.Aliás, até ao início do século XXI, não se verificou uma elevada pre-ocupação legislativa na autonomi-zação dos ilícitos criminais com recurso a tecnologias de informa-ção.Apenas com a Convenção sobre o “Cibercrime” do Conselho da Europa, adoptada em Budapeste, em 23 de Novembro de 2001, é que se debateu, pela primeira vez, a necessidade de um combate conjunto, a nível europeu, ao ci-bercrime, conceito que constituiria o somatório dos diversos tipos de ilícitos criminais relacionados com as tecnologias da informação.

“Apenas com a Convenção sobre o ‘Cibercrime’ do

Conselho da europa, adoptada em Budapeste,

em 23 de novembro de 2001, é que se

debateu, pela primeira vez, a necessidade num

combate conjunto, a nível europeu, ao ‘Cibercrime’”

Com esta convenção e com a Decisão Quadro 2005/222/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro, a Europa tomou a dianteira da luta contra o cibercrime. Esta Decisão Quadro foi trans-posta para Portugal em 2009, com a publicação de um diplo-ma legal especialmente dedicado à luta contra o cibercrime, a Lei 109/2009, de 15 de Setembro (co-nhecida como Lei do Cibercrime), na senda da Lei da Criminalidade Informática (Lei n.º 109/1991, de 17 de Agosto).Na Lei do Cibercrime, o legislador optou por não definir expressa-mente o que é o cibercrime, an-tes englobando-o nos seguintes ilícitos criminais: falsidade infor-mática; dano relativo a programas ou outros dados informáticos; sabotagem informática; acesso ilegítimo; intercepção ilegítima; reprodução ilegítima de programa protegido. Estes ilícitos poderão ser subdivi-didos nas seguintes categorias:1. Interferência de dados: consiste

na eliminação de dados, alte-ração dos dados, restrição do acesso aos dados, na grande maioria das vezes identificados como vírus informáticos;

2. Hacking/cracking: consiste no acesso ilegítimo a um sistema informático alheio, através da violação dos sistemas de se-gurança (passwords e software de protecção), considerado por muitos como sendo o primeiro ilícito associado ao cibercrime. Inicialmente associado a um grupo de pessoas que preten-diam exibir as suas capacida-des como hackers, hoje em dia é visto como uma forma de mar-ginalidade, ou de promoção de software de protecção;

3. Intercepções Ilegais: consiste na intercepção de comunica-ções efectuadas através de emails e outros meios de comu-nicação e envio de informação;

4. Ofensas relacionadas com vio-lações de direitos de proprie-dade intelectual: consiste no acesso ilícito a conteúdos pro-tegidos por direitos de autor;

5. Ofensas relacionadas com mar-cas: consiste em associar a uti-lização de uma marca registada com o propósito de iludir o uti-lizador e, assim, prosseguir um determinado intuito ilícito.

De salientar que, em todos os ilí-citos criminais previstos na Lei do Cibercrime, se exige um dolo específico no seu elemento objec-tivo, não se bastando com a ne-gligência.

Este artigo é o primeiro de uma série de três artigos sobre o cibercrime