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Comunicação e Expressão - MATEMATICANDO | A ...tulo 6 Professor: Edson Você acabou de ler o...
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Capítulo 6
Professor: Edson
A Narração
Caro aluno:
Vamos, a partir de agora, analisar outro tipo de texto, igualmente importante: o
texto narrativo.
Então, pense um pouco: você se lembra de quando era pequeno e ouvia histórias?
Vivemos em meio a infinitas narrativas. Desde pequenos somos levados a ouvir e a
contar histórias. Contamos o que acontece e o que poderia ter acontecido, assim
como contamos, muitas vezes, o que desejamos que aconteça. Narramos casos de
amor, de morte, de lutas, de mistérios.
Relatamos o que aconteceu na novela, no filme,
no livro que lemos. Contamos sonhos, piadas.
Em cada uma das narrativas experimentamos,
com maior ou menor intensidade, o gosto de
contar. Transformamo-nos em outras
personagens, transportamo-nos para outros
lugares e tempos, vivemos outros destinos. Essa
é a sedução do ato de narrar, tanto para quem conta como para quem lê. Uma
história bem narrada faz-nos viver outros momentos. Cada narrativa é um convite a
uma viagem, em que recriamos imaginariamente a existência.
Vamos então identificar qual é diferença básica entre narrar e descrever e, para
isso, leia atentamente o poema de Manuel Bandeira:
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia, num barracão sem número Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Capítulo 6
Professor: Edson
No início deste texto, temos a apresentação de quem era João Gostoso, todavia,
não são as qualificações da personagem que têm maior importância, mas são as
suas ações: um carregador de feira-livre chegou a um bar, bebeu, cantou, dançou e
depois se suicidou.
Repare que temos apenas algumas dicas de como era João Gostoso, mas nós não
sabemos como era o bar e como era a lagoa; para termos essas informações o
texto deveria ser descritivo, no entanto, o texto só atribui importância ao
acontecimento das ações em si, o que o torna predominantemente narrativo.
Para construir um texto narrativo, é necessário que elaboremos algumas questões:
Portanto, narrar consiste em construir um conjunto de
ações realizadas por personagens, em um determinado tempo
e espaço, para a construção de uma história, que chamamos
de enredo, cuja ação é contada por um narrador.
Quem participa nos acontecimentos? (personagens);
O que acontece? (enredo);
Onde e como acontece? (espaço, ambiente e situação
dos fatos);
Quem narra? (narrador);
Como? (o modo que os fatos aconteceram);
Quando? (o tempo dos acontecimentos);
Onde? (local onde se desenrolou o acontecimento);
Por quê? (a razão, motivo do fato).
Capítulo 6
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Elementos Básicos da Narração
Para falar sobre os elementos da narração, tomemos como base o texto a seguir:
Pausa
Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavou-se. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:
- Vais sair de novo, Samuel? Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas
as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura.
- Todos os domingos tu sais cedo - observou a mulher com azedume na voz.
- Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente. Ela olhou os sanduíches: - Por que não vens almoçar? - Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche. A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse a carga,
Samuel pegou o chapéu: - Volto de noite. As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o carro da
garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas.
Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Deteve-se ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando
Capítulo 6
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um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôs-se de pé.
- Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este, não é? A gente...
- Estou com pressa, seu Raul! – atalhou Samuel. - Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. – estendeu a chave. Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante. Ao chegar ao
último andar, duas mulheres gordas, de chambre floreado, olharam-no com curiosidade.
- Aqui, meu bem! - uma gritou e riu: um cacarejo curto. Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta à chave. Era um
aposento pequeno: uma cama de casal, um guarda-roupa de pinho; a um canto, uma bacia cheia d’água, sobre um tripé. Samuel correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de viagem, deu corda e colocou-o na mesinha de cabeceira.
Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na cama comeu vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no papel de embrulho, deitou-se e fechou os olhos.
Dormir. Em pouco dormia. Lá embaixo a cidade começava a mover-se: os
automóveis buzinando, as jornaleiras gritando, os sons longínquos. Um raio de sol filtrou-se pela cortina, estampou um círculo luminoso no
chão carcomido. Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa,
perseguido por um índio montado a cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as pernas, corriam. Samuel mexia-se e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentou-se na cama, os olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassá-lo com a lança. Esvaindo-se em sangue, molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio.
Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para a bacia, lavou-se. Vestiu-se rapidamente e saiu.
Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista. - Já vai, seu Isidoro? - Já – disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o troco em
silêncio. - Até domingo que vem, seu Isidoro – disse o gerente. - Não sei se virei – respondeu Samuel, olhando pela porta; a noite
caía. - O senhor diz isto, mas volta sempre – observou o homem, rindo.
Samuel saiu. Ao longo do cais guiava lentamente. Parou um instante, ficou olhando
os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa.
Moacyr Scliar (http://www.michiganprevestibular.com.br/site/content/artigos/detalhe.php?artigo_id=17)
Capítulo 6
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Você acabou de ler o conto Pausa de Moacyr Scliar. Vejamos como se apresenta a
estrutura dessa narrativa.
Enredo
Um texto narrativo pode contar fatos fictícios ou verdadeiros. No caso do conto,
Pausa, os fatos narrados são fictícios. Se fôssemos relatar os acontecimentos
narrados no texto, poderíamos apresentá-los de forma bastante simples: “um
homem sai de casa bem cedo, todos os domingos, e vai para uma espécie de
pequeno hotel, ou pensão, onde permanece todo o dia. Após dormir por um longo
tempo, acorda às sete horas da noite e volta para casa.” Todos os fatos
apresentados no texto estão identificados nesse relato.
O texto lido conta-nos um pequeno drama humano: a história de uma personagem
– Samuel/Isidoro – que precisa sair de sua rotina, fugir da presença da esposa, do
cotidiano que o aprisiona, para sonhar que vive aventuras e que corre livre por
espaços sem fronteiras. O que essas constatações nos indicam a respeito da
narrativa? Em primeiro lugar, que os fatos, embora presentes, podem significar
muito pouco. A narrativa os amplia por meio da ficção. Assim, o que poderia ser
contato como uma história curiosa sobre um homem que sai de sua casa, aos
domingos, para dormir em um quarto mal cuidado, transforma-se em um drama
humano que evidencia a angústia da personagem aprisionada pelas grades de sua
vida medíocre.
O enredo pode ser organizado de diversas formas. Esta é a mais comum:
• Situação inicial: É a parte do texto em que são apresentadas algumas
personagens e expostas algumas circunstâncias da história, como o
momento e o lugar em que a ação se desenvolverá. Cria-se, assim, um
cenário e uma marcação de tempo para as personagens iniciarem suas
ações. Atente para o fato de que nem todo texto narrativo tem esta
primeira parte: há casos em que já de início se mostra a ação em pleno
desenvolvimento.
• Conflito: É a parte do texto em que se inicia a ação: por algum motivo,
acontece alguma coisa ou algum personagem toma uma atitude que dá
Capítulo 6
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origem a transformações no estado inicial, expressas em um ou mais
episódios. Encadeados, esses episódios se sucedem, conduzindo ao
clímax.
• Clímax: É o ponto da narrativa em que a ação atinge seu momento
crítico, tornando inevitável o desfecho.
• Desfecho ou desenlace: É a solução do conflito produzido pelas ações
das personagens. Restabelece-se o equilíbrio, podendo haver espaço
para uma avaliação de tudo o que foi narrado.
Diante dessas definições, retome o conto Pausa e procure analisar como se
organiza o enredo desse conto. Quais são a situação inicial, o conflito, o clímax e o
desfecho?
Veja se você foi pelo mesmo caminho. Eis, brevemente, a organização do enredo.
No decorrer de uma narrativa longa, como um romance, uma novela ou filme, esse
ciclo - situação inicial, conflito, clímax e desfecho - pode se repetir várias vezes.
A sequência do enredo pode ser linear ou não-linear. É linear quando as
personagens, o tempo e o espaço são apresentados de maneira lógica e as ações
e situações desenvolvem-se cronologicamente, atribuindo à narrativa um começo,
um meio e um fim, tal como ocorre no conto Pausa.
O enredo é considerado não-linear, como o próprio nome revela, quando
desenvolve uma descontinuidade, com saltos, com cortes, com vaivens na
Situação inicial: apresentação de Samuel e sua esposa. Samuel sai
todos os domingos para trabalhar.
Conflito: Samuel, tido por nome Isidoro, vai para um hotel pequeno e
sujo e pede um quarto: o de sempre.
Clímax: Nesse conto, a narrativa do clímax se estende um pouco, pois
vai desde o momento em que Samuel entra no quarto, chegando ao
seu ápice no sonho e no toque do despertador.
Desfecho: Samuel se arruma, sai do hotel e volta para casa.
Capítulo 6
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sequência da história, com retrospectivas e/ou antecipações e com rupturas do
tempo e do espaço em que se desenvolve a ação. Isso é muito comum em
narrativas que iniciam com uma personagem contando um fato ocorrido. Barbosa
(1991, p.64) nos dá um exemplo desse tipo de enredo. Leia o poema a seguir de
Oswald de Andrade.
O Capoeira - Qué apanhá sordado? - O quê? - Qué apanhá? Pernas e cabeças na calçada. Oswald de Andrade
Esse é um enredo não-linear, pois a luta ficou subentendida, sugerida por “Pernas e
cabeças na calçada.” Há um corte construindo o enredo de mistura complexa de
presente e futuro, apresentando um desenrolar simultâneo de ações.
Personagens
Numa narrativa pode haver a personagem protagonista, que é tida como a
personagem principal, pois ocupa o primeiro lugar num acontecimento e a
personagem antagonista, que é a adversária da protagonista. Não
necessariamente é uma pessoa, mas pode ser um grupo social, como exemplo: as
regras escolares. Também aparecem as personagens secundárias, que são
consideradas co-adjuvantes, pois participam da narrativa, têm um papel importante,
mas não é em torno deles que ocorre a narrativa.
No conto Pausa, quem são essas personagens? Vejamos se você as identificou
corretamente.
Personagem principal: Samuel
Personagem antagonista: mulher de Samuel
Personagens secundárias: Raul e as duas mulheres gordas.
Capítulo 6
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A criação de personagens implica no desenvolvimento de características físicas e
psicológicas para elas. Na elaboração textual, é preciso mostrar ao leitor não só
como se parecem ou vestem, mas também como andam, falam, pensam e sentem.
Em algumas narrativas, há descrições mais elaboradas, mas, quando esse
procedimento não é possível, a descrição do espaço somada a uma característica
da personagem já pode dar uma boa ideia de como ela é. A personagem pode ser
pessoa, animal, sentimento ou objeto personificado.
Espaço
O espaço é muito importante, pois a sua construção contribui para elaboração dos
personagens. No caso do conto, temos três espaços: a casa de Samuel, o carro e,
principalmente, o hotel. Devido à descrição do hotel, sabemos que a personagem
não ligava para a obtenção do luxo e nem tinha boas condições financeiras. O que
era mais importante era ter um local em que ele pudesse repousar.
Pode-se dizer que o espaço é
“o conjunto de elementos da paisagem exterior (espaço físico)
ou interior (espaço psicológico), onde se situa as ações das
personagens. Ele é imprescindível, pois não funciona apenas
como pano de fundo, mas influencia diretamente no
desenvolvimento do enredo, unindo-se ao tempo.” (SOARES,
Angélica. Os gêneros literários. São Paulo: Ática.)
As principais funções do espaço são identificar o lugar em que transcorre a ação,
auxiliar na caracterização das personagens e contribuir para a construção do tempo
da narrativa. Para identificarmos como é feita a ambientação, precisamos perceber
de que maneira o espaço determina a situação daquela narrativa. Nesse caso,
podemos nos referir ao espaço como ambiente. Podemos considerar, inclusive,
elementos de vestuário como constitutivos de um espaço narrativo, uma vez que
nos informam sobre a situação social das personagens, seu estado de ânimo,
contribuindo efetivamente para que entendamos melhor em que condição a história
está se passando.
Capítulo 6
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Tempo
O tempo é expresso na narrativa principalmente pelos tempos verbais e pelos
advérbios de tempo. A temporalidade situa os acontecimentos em relação ao
momento da fala, que é marcado pelo presente ou em relação a marcos temporais
inscritos no texto, que podem ser passado ou futuro em relação a ele. Isso significa
que os marcadores temporais são indicações de que os acontecimentos são
anteriores (passado), posteriores (futuro) ou concomitantes (presentes) ao
momento em que se produz a narrativa.
Observe que no conto Pausa nós temos duas marcações temporais: passado e o
presente. No parágrafo que temos a voz do narrador, ou seja, aquele que nos conta
a narrativa, ocorre o tempo passado: “Às sete horas o despertador tocou. Samuel
saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavou-se. Vestiu-se
rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a
mulher apareceu, bocejando”. Todavia, quando ocorre o diálogo, ou seja, a fala das
personagens, o tempo passa ser presente:
“- Vais sair de novo, Samuel? Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas
as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura.
- Todos os domingos tu sais cedo - observou a mulher com azedume na voz.
- Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente.”
O tempo de uma narrativa é caracterizado pela duração da ação nela apresentada.
Ele pode ser cronológico, quando os fatos são apresentados de acordo com a
ordem dos acontecimentos. Como exemplo, no conto Pausa ocorre o tempo
cronológico, pois há uma sequência de ações em que não ocorre uma quebra da
linearidade temporal. Ela procura narrar o dia de domingo da personagem Samuel,
iniciando com o momento em que o despertador toca “Às sete horas o despertador
tocou. Samuel saltou da cama, correu (...)” e até o final da tarde, quando ele retorna
para casa “Ao longo do cais guiava lentamente. Parou um instante, ficou olhando os
guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa.”
Capítulo 6
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O tempo pode ser, também, psicológico, quando a rememoração do passado
desencadeia a narrativa, ele está na mente do narrador e não segue uma ordem
linear, sequencial. Como exemplo, podemos ter a fala de um narrador: “Estive
relembrando os tempos em que corria descalça na terra batida do quintal da casa
grande no sítio da minha avó. Senti por alguns instantes o cheiro de terra molhada
quando chovia... A memória nos faz reviver tempos que jamais voltarão.”
http://loucurasedevaneios.blogspot.com/
Observe que nesse trecho a retomada do tempo da infância ocorre na mente do
narrador.
Normalmente, nossa atenção não se volta para o tempo como elemento narrativo,
porque assumimos como um fato evidente que acontecimentos pressupõem um
tempo no qual ocorrem. A análise da construção do tempo na narrativa, porém,
pode ser muito valiosa para a compreensão da construção do enredo, à medida que
nos informa, por exemplo, sobre o estado de espírito das personagens,
principalmente se tivermos lidando com o tempo psicológico.
Foco Narrativo
Toda narrativa tem um narrador – aquele que conta a história -, que estabelece um
ponto de vista a partir do qual a história vai ser contada, o que chamamos de foco
narrativo. O narrador é elemento fundamental para o sucesso do texto, pois ele é o
dono da voz, quem relata os fatos e seu desenvolvimento. Atua como intermediário
entre a ação narrada e o leitor. O narrador assume uma posição em relação ao fato
narrado (foco narrativo), o seu ponto de vista constitui a perspectiva a partir da
qual o narrador conta a história. Ela pode ser contada em 1ª pessoa ou em 3ª
pessoa.
O foco narrativo em 1ª pessoa
Na narração em 1ª pessoa, o narrador é uma das personagens, protagonista ou
secundário. Tudo vai depender se a história ocorre em torno dele ou não. A história
é narrada em 1ª pessoa, porque o narrador apresenta aquilo que presencia ao
participar dos acontecimentos. Dessa forma, nem tudo aquilo que o narrador afirma
refere-se à “verdade”, pois ele tem sua própria visão acerca dos fatos; sendo assim
Capítulo 6
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expressa sua opinião. Leia o excerto abaixo do romance Aparição de Vergílio
Ferreira.
Eis que me levanta de novo a imagem de meu pai, caído de
bruços sobre a mesa, ao jantar, dias antes de eu partir. Todos
os anos, pela vindima, meus pais queriam ali os três filhos pelo
Natal. O Tomás vivia perto, tinha também a sua lavoura, mas
não deixava nunca de comparecer ao jantar. Mas o Evaristo
vivia na Covilhã. E agora, que escrevo esta história à distância
de alguns anos, exatamente neste mesmo casarão em que tudo
se passou, relembro vivamente o estrépito da sua chegada
nessa manhã de Setembro.
Em Aparição, o fato principal da vida do narrador Alberto, acontece em Évora; no
entanto, como recorda sua trajetória desde criança, percebemos que alguns
episódios estão presentes somente em sua mente, isso marca a forma como a
personagem viu e interpretou os fatos, por isso, ele narra na primeira pessoa (me
levanta, meus pais, que escrevo etc.)
O foco narrativo em 3ª pessoa
Na narração em 3ª pessoa o narrador é onisciente. Ele nos oferece uma visão
distanciada da narrativa; além de dispor de inúmeras informações que o narrador
em 1ª pessoa, normalmente, não oferece. Como exemplo, quando ele sabe o que
se passa na mente da personagem, quando ele descreve a dor que a personagem
sente com a ausência de alguém que ama. Dessa forma, nesse tipo de narrativa, os
sentimentos, as ideias, os pensamentos, as intenções, os desejos das personagens
são informados graças ao conhecimento que o narrador possui. Esse tipo de
narrador é chamado de observador.
Qual é o tipo de narrador que ocorre no conto Pausa: narrador personagem ou
narrador observador?
Se você respondeu narrador observador, acertou, porque a narração é feita em 3ª.
pessoa e não em 1ª. pessoa. O narrador não participa das ações, ele apenas nos
conta a história. Agora, leia o poema “O Bicho” de Manuel Bandeira,
Capítulo 6
Professor: Edson
O bicho Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.
Nesse poema, a história é contada em 1ª. pessoa “vi ontem um bicho”. O narrador
relata um acontecimento que o impressionou: um bicho catando restos de comida.
Note que, no desenvolvimento do enredo, não sabemos de que animal se trata. Só
no desfecho o narrador nos revela que o bicho é um ser humano.
Tipos de Discurso
Outro aspecto, intimamente relacionado ao foco narrativo, é o tipo de discurso
utilizado pelo narrador. O discurso pode ser direto, indireto e indireto livre.
Discurso Direto
Esse discurso ocorre quando o narrador deixa de falar e passa a dar voz a
personagem, ou seja, a fala da personagem é apresentada de modo integral. Para
registrá-lo, o narrador pode fazer uso do verbo dito elocucional (falar, dizer,
perguntar, retrucar etc.) seguido de dois pontos (:) e de travessão (-) na linha
seguinte. Nas narrativas contemporâneas, também é comum a fala das
personagens por meio das aspas (“ ”) no lugar dos travessões. No conto Pausa, as
falas das personagens ocorrem pelo discurso direto. Temos como exemplo, os
trechos marcados pelos travessões.
- Todos os domingos tu sais cedo - observou a mulher com azedume na voz.
- Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente. Ela olhou os sanduíches: - Por que não vens almoçar? - Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.
Capítulo 6
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• Discurso Indireto
Nesse discurso, em lugar de apresentar a fala das personagens tal como ocorre em
um diálogo, o narrador reconstrói, por meio de sua linguagem, o que a personagem
teria dito, ou seja, o narrador, usando suas próprias palavras, conta o que foi
dito por outra pessoa. Temos então uma mistura de vozes, pois as falas das
personagens passam pela elaboração da fala do narrador. Sérgio, no Recanto da
Letras (http://recantodasletras.uol.com.br/), traz-nos um exemplo sobre esse tipo de
discurso:
“Quando o camareiro Barbosa entrou no quarto para fazer a barba, Vargas estava de pé, imóvel no centro do quarto, vestido em seu pijama de listras. O camareiro pediu-lhe que vestisse um roupão, pois fazia frio.”
Ele diz que, nesse fragmento, a fala do camareiro (trecho em itálico) foi reproduzida
na 3ª. pessoa pelo narrador. Sempre que isso ocorrer, temos um discurso indireto.
Observa-se também, que a fala do camareiro não vem precedida de travessão, nem
está entre aspas, mas está inserida no discurso do narrador. Ainda, no trecho
grifado, a fala é aberta com “O camareiro pediu-lhe que”, daí dizer que no discurso
indireto as falas começam, geralmente, com o sujeito + o verbo + a conjunção que,
seguido da fala da personagem. Observe essa estrutura a seguir:
A turma da sala disse que
sujeito verbo conjunção
• Discurso Indireto Livre
Esse terceiro modo do narrador organizar o discurso na narrativa é o mais
complicado, porque envolve a combinação de diferentes pontos de vista, por isso é
preciso ler com muito cuidado. O narrador insere pensamentos das personagens no
seu próprio discurso, dificultando a identificação precisa de quem seria o
responsável pelo que está sendo dito: narrador ou personagem. Vejamos como
esse discurso é utilizado no texto, tomando como exemplo um texto de Adriana
Falcão.
Capítulo 6
Professor: Edson
Não parava de cantar, Antônio, afirmando que ia para outro tempo enquanto o povo todo desconfiava que era para outro mundo que ele ia, e só se ouvia o martelo martelando lá dentro, toc, toc, toc, e quando os sete dias se passaram, o oitavo dia acordou e deu de cara com a máquina da morte prontinha. Mas ficou bonita demais, dava até gosto de ficar vendo. E isso anda? Não andava. Voa? Não voava. Nada? Não. Claro que não cabia na compreensão de ninguém, como é que Antônio diz que vai pra outro tempo se essa máquina não sai do canto? E ele até se irritava, isso aí é a máquina da morte, eu é que sou a máquina do tempo. Mas o povo duvidava: e é, é? Desde quando? (Adriana Falcão. A máquina)
Podemos observar que no primeiro parágrafo, a fala de Antônio é feita na 3ª.
pessoa, que é característica do discurso indireto. Já no segundo, o narrador
reproduz as falas/pensamentos do povo (personagens) durante a sua narrativa,
causando certa confusão em relação a quem está falando no momento, se é o
narrador ou se é a personagem. Contudo, se fizermos uma leitura mais cuidadosa,
veremos que quem faz as perguntas é o povo (que no texto aparece em itálico) e
não o narrador, dessa forma, as falas apontam para o pensamento do povo, que
são as personagens, enquanto sua forma estrutural que é mostrada na narrativa
indica aparentemente um posicionamento do narrador. Assim, sempre que a fala
(ou pensamento) da personagem se confundir com a voz do narrador, diz-se que foi
utilizado o discurso indireto livre.
Vejamos outro exemplo que demonstra os três discursos, mostrando como é
desenvolvido o discurso indireto livre.
Primeira possibilidade: “E continuou a andar. Com o jornal debaixo do braço. Mas disse para si mesmo: - Minha vontade é voltar, chamar o homem, devolver o jornal, readquirir o duzentão.”
Nesta possibilidade, a personagem fala sem interferência do narrador, ou seja, você ouve a voz da personagem. Por isso, temos aqui o discurso direto.
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Segunda possibilidade
“E continuou a andar. Com o jornal debaixo do braço. Mas disse para si mesmo que sua vontade era voltar, chamar o homem, devolver o jornal, readquirir o duzentão.”
Nesta possibilidade, a fala da personagem é controlada pelo narrador, ou seja, é o narrador que fala no lugar da personagem, tomando para si a voz da personagem. Por isso, temos aqui o discurso indireto
Terceira possibilidade “E continuou a andar. Com o jornal debaixo do braço. Queria voltar, chamar o homem, devolver o jornal, readquirir o duzentão.”
Essa possibilidade pode ser considerada quanto à sua estrutura idêntica ao discurso indireto, com a omissão, porém, do verbo de elocução (disse que), ou seja, nós ouvimos a voz da personagem, mas o narrado não usa nenhum verbo para marcar essa voz. É necessário que o leitor esteja bem atento para perceber o momento dessa fala, que na realidade, é a expressão do pensamento, do desejo da personagem. O narrador restringe seu ângulo de onisciência, transmitindo apenas os pensamentos da personagem, a quem ele cede seu posto de observador. Por isso, temos aqui o discurso indireto livre
Condições de emprego do Discurso Indireto Livre: - foco narrativo em terceira pessoa; - o narrador deve focalizar a consciência da personagem; - devem ser omitidos os verbos de elocução (disse que, pensou que etc)
Agora, leia o texto a seguir e procure analisá-lo depreendendo os elementos da
narração.
A morte da Tartaruga
O menininho foi ao quintal e voltou chorando: a tartaruga tinha morrido. A mãe foi ao quintal com ele, mexeu na tartaruga com um pau (tinha nojo daquele bicho) e constatou que a tartaruga tinha morrido mesmo. Diante da confirmação da mãe, o garoto pôs-se a chorar ainda com mais força. A mãe a princípio ficou penalizada, mas logo começou a ficar aborrecida com o choro do menino. "Cuidado, senão você acorda o seu pai". Mas o menino não se conformava. Pegou a tartaruga no colo e pôs-se a acariciar-lhe o casco duro. A mãe disse que comprava outra, mas ele respondeu que não queria, queria aquela, viva! A mãe lhe prometeu um carrinho, um velocípede, lhe prometera uma surra, mas o pobre menino parecia estar mesmo profundamente abalado com a morte do seu animalzinho de estimação. Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro, e veio, estremunhado, ver de que se tratava, O menino mostrou-lhe a tartaruga morta. A mãe disse: "Está aí assim há meia hora,
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chorando que nem maluco. Não sei mais o que faço. Já lhe prometi tudo, mas ele continua berrando desse jeito". O pai examinou a situação e propôs: "Olha, Henriquinho. Se a tartaruga está morta não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí e vem cá com o pai". O garoto depôs cuidadosamente a tartaruga junto do tanque e seguiu o pai, pela mão. O pai sentou-se na poltrona, botou o garoto no colo e disse: "Eu sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava muito dela. Mas nós vamos fazer pra ela um grande funeral". (Empregou de propósito a palavra difícil.) O menininho parou imediatamente de chorar. "Que é funeral?" O pai lhe explicou que era um enterro. "Olha, nós vamos à rua, compramos uma caixa bem bonita, bastante balas, bombons, doces e voltamos para casa. Depois botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha e rodeamos de velinhas de aniversário. Aí convidamos os meninos da vizinhança, acendemos as velinhas, cantamos o Happy-Birth-Day-To-You pra tartaruguinha morta e você assopra as velas. Depois, pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal, enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia em que ela morreu. Isso é que é funeral! Vamos fazer isso?" O garotinho estava com outra cara. "Vamos papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no céu, não vai? Olha, eu vou apanhar ela." Saiu correndo. Enquanto o pai se vestia, ouviu um grito no quintal. "Papai, papai, vem cá ela está viva!" O pai correu pro quintal e constatou que era verdade. A tartaruga estava andando de novo normalmente. "Que bom, heim!"- disse "Ela está viva! Não vamos ter que fazer o funeral!" "Vamos sim, papai"- disse o menino ansioso, pegando uma pedra bem grande "Eu mato ela".
(Millôr Fernandes, "Morte da Tartaruga", in: Fábulas Fabulosas, 9ª ed., Rio de Janeiro, Nórdica, 1985, p. 100-101.)
Capítulo 6
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E aí, conseguiu encontrar os elementos da narração nessa fábula? Espero que não
tenha encontrado dificuldades. Caso não tenha conseguido, dê uma relida no texto
teórico.
Mas, você deve ter percebido que esse texto “A morte da Tartaruga” é
predominantemente figurativo, ou seja, ele trabalha predominantemente com
termos concretos: menininho, quintal, tartaruga, pai, mãe, rua, poltrona etc. Tanto o
texto descritivo quanto o narrativo são predominantemente figurativos. Todavia,
enquanto a descrição é um texto estático, em que não há uma progressão temporal,
na narração temos uma sucessão de ações, os episódios se articulam numa
relação de anterioridade e posterioridade. Na fábula, essa sucessão temporal é
marcada pelo advérbio depois: “Depois botamos a tartaruga na caixa em cima da
mesa da cozinha e rodeamos de velinhas de aniversário. (...) Depois, pegamos a
caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal”.
Portanto, a narração é um texto totalmente dinâmico, que narramos ações após
ações. O que torna interessante um texto narrativo é a forma como o narramos,
portanto, quando elaboramos uma narração o importante não é o que vamos narrar,
mas COMO IREMOS NARRAR. E nessa narração nós podemos enfatizar um dos
aspectos da narrativa: o tempo, o espaço, o foco narrativo, a personagem ou o
próprio enredo.