(Comunicação e Literatura) Ensaio Sobre a Cegueira

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A presente análise crítica procura aplicar os conhecimentos sobre os elementos sujeito, espaço e tempo ficcionais ao filme “Ensaio Sobre a Cegueira”, adaptação de Fernando Meireles para o livro de José Saramago. As duas obras em questão (tanto a película como o livro que a originou) são um marco artístico com conteúdo muito atual, construído de forma que os três elementos textuais já citados contribuam para aguçar a leitura poética do fato em questão e das suas consequências. No enredo, uma doença chamada de Mal Branco aflige a população, começando com casos isolados e tornando-se após um tempo uma epidemia global. A partir dessa situação, Saramago constrói um tocante e incômodo caminho para suas personagens, de uma forma tão forte e crítica que alguns expectadores sentem-se incomodados. O fato do livro ser adaptado para o cinema ainda tonaliza a questão do incomodo, pois esteticamente a obra é trabalhada para conferir com o imaginário de situação caótica que o interlocutor traz consigo. Por este viés, pode-se iniciar a análise do elemento espaço no filme de Meireles. O espaço delimitado, insalubre e sufocante é utilizado com astúcia para enclausurar e chocar o receptor. A imundice acumulada, o descaso das autoridades com as condições materiais dos doentes, o sentimento de absurdo em colocar seres sôfregos presos como animais, tudo é utilizado ilustrando um ponto interno do livro e do filme: Como o ser humano é egocêntrico e hedonista. O clímax da utilização dos conceitos de espaço no filme dá-se quando a nova família de personagens consegue escapar do manicômio, e ao contrário da suavização esperada pelo público, o

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A presente anlise crtica procura aplicar os conhecimentos sobre os elementos sujeito, espao e tempo ficcionais ao filme Ensaio Sobre a Cegueira, adaptao de Fernando Meireles para o livro de Jos Saramago.As duas obras em questo (tanto a pelcula como o livro que a originou) so um marco artstico com contedo muito atual, construdo de forma que os trs elementos textuais j citados contribuam para aguar a leitura potica do fato em questo e das suas consequncias. No enredo, uma doena chamada de Mal Branco aflige a populao, comeando com casos isolados e tornando-se aps um tempo uma epidemia global. A partir dessa situao, Saramago constri um tocante e incmodo caminho para suas personagens, de uma forma to forte e crtica que alguns expectadores sentem-se incomodados. O fato do livro ser adaptado para o cinema ainda tonaliza a questo do incomodo, pois esteticamente a obra trabalhada para conferir com o imaginrio de situao catica que o interlocutor traz consigo.Por este vis, pode-se iniciar a anlise do elemento espao no filme de Meireles. O espao delimitado, insalubre e sufocante utilizado com astcia para enclausurar e chocar o receptor. A imundice acumulada, o descaso das autoridades com as condies materiais dos doentes, o sentimento de absurdo em colocar seres sfregos presos como animais, tudo utilizado ilustrando um ponto interno do livro e do filme: Como o ser humano egocntrico e hedonista.O clmax da utilizao dos conceitos de espao no filme d-se quando a nova famlia de personagens consegue escapar do manicmio, e ao contrrio da suavizao esperada pelo pblico, o estado espacial alarmante toma propores globais, pois o mundo todo encontra-se deteriorado aps a pandemia se alastrar.Se o espao utilizado de forma explcita, com grande caracterizao dos elementos para chocar o receptor, o tempo, mesmo sendo um elemento bem explorado na narrativa, est muito mais atrelado a outras perspectivas do que ao tempo cronolgico real. O tempo retratado de forma que intensifique algumas nuances da obra, sem fazer uma delimitao precisa. Apesar de haver marcadores exatos, como personagens reclamando sobre a falta de assistncia que j dura um ms, ou as vrias semanas que foram necessrias para entregarem uma p de lixo, o fluxo do tempo utilizado para intensificar o sofrimento das personagens. Quanto mais duradoura a estadia dos mesmos na recluso, quanto mais se prolonga a cegueira geral, mais profunda torna-se a catarse do conjunto. O uso dessa estratgia percebido quando, em meio a marcadores longos, uma sub-histria tem um desfecho relativamente rpido (como no momento que os moradores da Ala 3 tomam o controle sobre os suprimentos: Ningum sabe precisamente quanto tempo passou antes, nem durante este domnio, mas a impresso que o leitor absorve de uma situao que se alastrava sofre uma reviravolta durante um tempo, e logo todas as novidades deste perodo so submersas na rotina maante).Por fim, temos o elemento sujeito, utilizado de forma que Ensaio Sobre a Cegueira torne-se mais verossmil e prximo do expectador. No h presena de um narrador, qui de um personagem encarregado de explicar o que est ocorrendo, assim o receptor da obra ter exatamente a mesma impresso dos personagens afetados pelo Mal Branco: No h defesas conhecidas, a nica defesa atacar o prprio semelhante a fim de evitar o prprio risco. Os sujeitos na narrativa so ento pequenas peas de um fluxo muito maior, enfatizando o ar de incapacidade e fragilidade que o filme busca revelar. Quanto as vozes dos autores no texto, discutvel a que ponto chega o mbito pessoal das passagens retratadas, mas irrefutvel o fato de que o texto traz pesadas crticas e reflexes propostas de forma penetrante sobre a vida em sociedade, o domnio mediante o caos, o manejo do poder em geral, dentro outras situaes propostas tanto por Saramago quanto por Meireles em sua adaptao.Desta forma, o filme Ensaio Sobre a Cegueira um exemplo atual de utilizao dos artifcios literrios pesquisados, das relaes que as diferentes formas de apresentao dos mesmos despertam no pblico e da sua interligao dentro de uma obra textual/visual.