BURKE - Uma Investigação Filosófica Sublime e Belo - Introdução
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COMUNICAÇÃO SOCIAL E HISTÓRIA: MOVIMENTOS DE
APROXIMAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
JOSÉ MILTON ROCHA1
Resumo: Este artigo aborda algumas proximidades da comunicação social e a história,
na construção do conhecimento, do saber histórico. Sobretudo, a partir do advento das
novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) e a internet, que reconfiguram
também a temporalidade e a historicidade das duas ciências. A história tem apresentado
proximidades e imbricações com a comunicação. Por vezes, as duas ciências se
convergem; por outras, complementam-se, na produção do pensamento, do
conhecimento e na construção da realidade da sociedade, seja pela via das
representações simbólicas, ou das representações sociais. O artigo trata de alguns
aspectos do projeto de pesquisa Dos impressos aos cibermeios: um estudo da mídia de
Dourados (1996-2012), que pesquisa as transformações promovidas pelo uso das
NTICs em quatro veículos da mídia douradense: O Progresso, Diário MS, Folha de
Dourados e Dourados News, no período entre 1996 e 2012, em desenvolvimento pelo
autor no PPGH-UFGD. Utiliza como base referencial teórico autores da História como
Vicente (2009), Bresciano (2010), Chartier (2009), Nora (1988), Le Goff (2003), Burke
(1992) e da Comunicação e Internet como Alsina (2009), Barbosa (2007), Bardoel e
Deuze (2001), Palacios (2003), Mielniczuk (2001); Machado (2003) e Castells (2012).
Palavras-chave: História, Comunicação, Proximidades, Convergência, Midia de
Dourados.
1 Introdução
A história tem apresentado proximidades e imbricações com a comunicação,
notadamente, nas décadas recentes, em função da internet. Por vezes, essas duas
ciências se convergem; por outras, distanciam-se, mas em outras ocasiões
complementam- se, na produção do pensamento, do conhecimento e na construção da
realidade da sociedade, seja pela via das representações simbólicas, ou das
representações sociais.
Maximiliano Vicente (2009, p. 16) percebe uma relação de conflito e afinidade,
ao definir a conexão entre história e comunicação, já que segundo ele, a similaridade
decorre da proximidade e da convergência das duas ciências, pois história e
1 Aluno do Curso de Doutorado em História no PPGH-UFGD. Jornalista, mestre em Comunicação pela UFMS. Bolsista da CAPES.
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comunicação “coincidem na sua finalidade, ou seja, na compreensão e na decodificação
da formação da sensibilidade”, o que torna necessário, todavia, “identificar quais os
procedimentos usados na construção de narrativas explicativas dos fatos sociais”.
Vicente (2009) entende que o objetivo final da comunicação é ser o receptor da
mensagem produzida pelos meios de comunicação, já que “a tecnologia e as mensagens,
sem dúvida, adquirem papel relevante, na construção da comunicação e em como ela
traçou sua trajetória”, porque para perceber “os estudos da comunicação sob uma
perspectiva histórica, a questão central residirá na forma de abordar os efeitos e
mudanças na sociedade ocasionadas pelos meios” (VICENTE, 2009, p. 35).
Um dos movimentos de aproximação das duas ciências observado por Vicente
(2009, p. 94) está relacionado à lógica conceitual da história presente, história imediata
e a historia debate. Segundo ele, “a diferença entre elas incide no estabelecimento do
tempo necessário, entre o historiador e o fato, para constituir uma interpretação, ou seja,
elaborar uma narrativa capaz de ser aceita como tal”, enquanto os meios de
comunicação são “aceitos como instrumentos nos quais se manifestam os problemas a
serem estudados, espelhariam uma realidade passível de crítica e intervenções e de
intervenção por parte dos historiadores”. O autor se utiliza do entendimento de Furet
(1989) sobre o debate dos anos 1970, entre a história-narrativa e a história problema
para possibilitar essa aproximação e o dialogo da comunicação com a história.
Justamente por aceitar a reinterpretação do passado e por sofrer influencias
dos dilemas do momento em que vive, as observações de Furet permitem
avançar no procedimento de aproximação do historiador como alguém que
dialoga com os tempos e problemas da época em que vive sem que isso
ocasione rupturas temporais. Agora, tal procedimento seria insuficiente para
justificar por que o historiador e o comunicador social devem dialogar e
elaborar uma agenda para aprofundar seus procedimentos na (des)construção
social da realidade. Um bom caminho que pode ajudar a entender suas
especificidades e, consequentemente, estabelecer rumos de aproximação e de
soluções benéficas para ambos é entender como se processa a elaboração de
sua narrativa (VICENTE, 2009, p. 98).
Vicente (2009) observa ainda aspectos da história como teorias, abordagens,
metodologias e o próprio funcionalismo marxista como elementos que tiveram
contribuições importantes na consolidação da história da comunicação social. E ressalta
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que o movimento conhecido como Escola dos Annales2, incorporou duas maneiras de
trabalhar a história para melhor compreensão da afinidade das ciências. “O primeiro diz
respeito à interdisciplinaridade e o segundo se relaciona com o papel de destaque
adquirido pelas movimentações de massas, protagonistas das transformações sociais”
(VICENTE 2009, p. 25).
Ao problematizar as nuances e diferenças cronológicas ou mesmo as concepções
teóricas de cada área, Vicente (2009) busca no conceito de campo social de Bourdieu
(1978) o argumento para justificar as disputas que surgem nesse espaço, em que cada
grupo tenta construir seus valores.
A nossa compreensão sobre as diferenças e proximidades da história com a
comunicação, ou mesmo o jornalismo, remete principalmente ao modus operandi de
cada ciência; além da visão particular, que cada uma delas lança sobre o que parece ser
a sua matéria prima. A matéria prima do jornalismo, por exemplo, é o acontecimento, o
fato, ou evento, etc. Enfim, a informação bruta, propriamente dita, cuja narrativa
decorre a partir da construção da notícia sobre o ocorrido.
Claro, que há uma série de processos teórico-procedimentais, que vão ser
considerados na escolha do que será notícia. Desde o critério que o repórter usou para
construir sua narrativa, no local do evento, até as questões de noticiabilidade apontadas
por (Tuchman, 1973), passando pela ação de gatekeeper dos editores, na redação. Para
Tuchman (1983), a notícia está em processo de definição e redefinição dos fenômenos
sociais. Essa assertiva nos leva a pensar que, do ponto de vista simbólico, a noticia está
em constante reconstrução da realidade social e, nesse movimento, a mídia espelha a
sociedade e não apenas o que a imprensa quer noticiar como insinua (ALTHEIDE,
1976).
2 Movimento criado na primeira metade do século XX pelos franceses Lucien Febvre e March Bloch
contra a história tradicional, a história política e a história dos eventos. Pode ser dividido em três fases, a
primeira, de 1920 a 1945, caracterizou-se por um pequeno movimento, mais radical e subversivo. Após a
Segunda Guerra Mundial ocorre a segunda fase, que mais se aproxima verdadeiramente de uma “escola”,
com conceitos diferentes (particularmente estrutura e conjuntura) e novos métodos (especialmente a
“história serial” das mudanças na longa duração). A terceira fase inicia por volta de 1968, marcada
profundamente pela fragmentação (BURKE, 1992).
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Para o historiador francês Jacques Le Goff (2003), a matéria fundamental da
história é o tempo, e, ao longo da caminhada da humanidade, a cronologia tem
desempenhado papel de destaque nesse processo “como fio condutor e ciência auxiliar
da história”. Assim, na construção da representação social do papel da mídia, não se
pode deixar de olhar para trás e perceber o caminho percorrido por ela, até aqui, e, de
que maneira ocorreu essa trajetória. Por isso, ao se referir sobre o encontro do passado
com o presente, o autor francês observa que a construção da memória a partir “da
experiência individual e coletiva tende a introduzir, junto destes quadros mensuráveis
do tempo histórico a noção de duração, de tempo vivido, de tempos múltiplos e
relativos, de tempos subjetivos ou simbólicos”, uma vez que o “tempo histórico
encontra, num nível muito sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a
história e alimenta” (LE GOFF, 2003, p. 13).
2 O acontecimento entre a história e a comunicação
O artigo “A historicidade do acontecimento jornalístico na perspectiva da
história imediata”, de Dornelles e Costa (2012), segue essa tendência, do acontecimento
no movimento de aproximação da história com a comunicação. Os autores abordam a
relação entre jornalismo e história, partindo da hipótese “de que a cobertura jornalística
de grandes acontecimentos pode ser considerada como uma forma de fazer história
(NORA, 1976)”. Esse artigo, a exemplo do trabalho de Vicente (2009), apresenta
também, uma preocupação em evidenciar a historicidade do jornalismo. Os autores
consideram importante o diálogo entre as duas ciências, na “perspectiva de que uma
maior aproximação entre o jornalismo e a história poderá, ao contrário de circunscrever
essas áreas, propor uma ampliação na busca de uma complementaridade pertinente a
ambas as áreas” (DORNELLES; COSTA, 2012, p. 10).
Alsina (2009) compreende o acontecimento como um fenômeno social
determinado histórica e culturalmente, em que cada sistema cultural define que
fenômenos são considerados acontecimentos. Tudesq (1973) em citação de Alsina
(2009, p. 117) historiciza o acontecimento apresentado pela mídia em três momentos da
comunicação: “a) o acontecimento anterior à imprensa para as massas, b) o
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acontecimento durante a hegemonia da imprensa de massas e c) o acontecimento na
atualidade”; enquanto Fernand Terrou (1990) também citado por Alsina (2009)
apresenta a evolução dos meios de comunicação em três períodos correspondes à
classificação do acontecimento por Tudesq, que são: 1) das origens até 1815: os
primórdios da imprensa, 2) de 1815 a 1914: impulso e apogeu da imprensa e 3) de 1914
até a atualidade: a informação Moderna (ALSINA, 2009). Com base no entendimento
de Nora (1972) sobre o controle do acontecimento pelas sociedades, por intermédio da
mídia, Alsina (2009) afirma que esse domínio, envolve, além da relação tempo-espaço,
a luta pelo poder político. Por outro lado, há que se ressaltar que na percepção sobre
representação, quem confere sentido ao acontecimento é o sujeito observador, uma vez
que “os acontecimentos estariam sendo formados por aqueles elementos externos ao
sujeito, a partir dos quais, ele mesmo reconhecerá e consistirá o acontecimento”
(ALSINA, 2009, p. 112).
Se a comunicação tem na informação, ou mais precisamente no acontecimento, a
sua matéria prima que vai dar origem à notícia; a história tem, no tempo, a sua matéria
prima, conforme Le Goff (2003). Talvez esteja aí, a primeira grande diferença entre as
duas ciências, enquanto a comunicação, pela premência do tempo na publicação de um
acontecimento, tem a pressa como fator determinante na aceleração da circulação da
notícia, embora agora pela presença da internet, bem menos. A história, por outro lado,
faz um movimento contrário, a distensão do tempo para tentar entender o
acontecimento. É como se a imprensa fizesse um zoom para ver bem de perto o ocorrido
e a história abrisse a lente para enxergar mais detalhes ao redor, ou a intertextualidade, a
coexistência de outros fatos interconectados ao evento maior. Já que para a história, os
acontecimentos são fatos sociais em sequencia que necessita de uma problematização.
3 O ciberespaço como ponto de convergência
A história produz elementos que propiciam o entendimento e a compreensão de
contextos em que ocorreram os acontecimentos que constroem a trajetória e a memória
de uma sociedade. Por isso, a história, em sintonia com a comunicação, pode
representar, também, o fio condutor das transformações sociais, tecnológicas,
comportamentais e culturais desta sociedade (ROCHA, 2014).
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Por outro lado, se a história mantém proximidade e convergência com a
comunicação pelas razões já expostas, não há exagero também, em dizer que elas estão
agora, mais juntas, em função do avanço das tecnologias - nos referimos às tecnologias
da informação, informática e comunicação, as TICs e a internet - e consequente
convergência tecnológica e cultural (JENKINS, 2013) que fez as duas ciências
desembocarem no ciberespaço3.
Ainda é considerada de pequeno porte, a literatura sobre a historiografia da
internet, mas já é possível encontrar, todavia, razoável número de estudos e estudiosos
sobre a teia mundial de computadores, do ponto de vista da história como observa
Rodrigues (2014, p. 136). Um dos estudiosos que se pode destacar nesse processo é o
historiador uruguaio Juan Andrés Bresciano. Autor de várias obras, entre elas, o livro
“La Historiografia em El amanhecer de La cultura digital”, publicado em 2010, que
“trata dos novos documentos no formato digital, bem como metodologias que envolvem
estas novas questões”, já que “o crescimento das fontes digitais da segunda metade do
século XX aos nossos dias foi tão grande que tem afetado as forma de se relacionar com
o texto impresso, processo que tem também afetado o campo historiográfico”.
(RODRIGUES, 2014, p. 136).
Na visão de Bresciano (2010), a prática historiográfica ganha novas
perspectivas, pois passa a considerar a possibilidade de novos olhares sobre o passado,
embora ressalte algumas questões sobre os documentos digitais tais como o acesso às
fontes e as formas atuais de difusão massiva, a conservação de documentos que pela
própria natureza do suporte web tendem a ser descartadas rapidamente e o
desenvolvimento de novos repositórios.
O historiador francês Roger Chartier, em seu livro “A história ou a leitura do
tempo” lançado no Brasil, em 2009, também aborda a relação da história com a
revolução digital e reflete vários aspectos do processo recente. O teórico faz uma
reflexão sobre aspectos como os efeitos no interior do campo historiográfico, os 3 A palavra ciberespaço foi criada em 1984, por William Gibson, em seu romance de ficção científica
Neuromancer. O termo, no livro, refere-se ao universo das redes digitais, descrito como campo de batalha
entre as multinacionais. O termo foi imediatamente retomado pelos usuários de redes digitais. Para Pierre
Lévy, ciberespaço é o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial de computadores e das
memórias dos computadores (LÉVY, 1999). O jornalismo também se apropriou desse conceito.
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impactos da transformação no trabalho do pesquisador, no trabalho de produção do
saber histórico, os efeitos teóricos e metodológicos da digitalização na cultura, entre
tantos outros pontos.
Sobre a textualidade eletrônica afetar de forma direta a recepção do discurso
histórico, em seus clássicos elementos da prova do discurso histórico, que são citação,
referência e nota, Chartier (2009) reconhece como uma mutação epistemológica que
transforma essas técnicas de provas e a validação do discurso do saber. Ele entende que
“a textualidade eletrônica, de fato, transforma a maneira de organizar os argumentos
históricos, ou não, e os critérios que podem mobilizar o leitor para aceitá-las ou rejeitá-
las” (Chartier, 2009, p. 59). Já sobre o trabalho do pesquisador, o teórico destaca a
possibilidade que terá de poder desenvolver demonstrações segundo a lógica
hipertextual, possibilitada pela internet, não linear, ou dedutiva “como é a que impõe a
inscrição, seja qual for a técnica, de texto em uma página”, pois a ferramenta permite
“uma articulação aberta, fragmentada, relacional do raciocínio, tornada possível pela
multiplicidade das ligações hipertextuais”, através dos links. Quanto ao leitor, poderá
validar ou rejeitar essa dinâmica, a partir da consulta de textos, imagens móveis ou
fixas, áudio e vídeos, agora, as modalidades de prova, construção e validação do
discurso do saber.
4 A metamorfose da mídia douradense
É neste cenário de proximidade e afastamento, de junção e disjunção da história
com a comunicação, da “nova” relação tempo, lugar e espaço, proporcionada pela
internet, quando ambas as ciências convergem para o ambiente web, no tempo presente,
que propomos um estudo sobre o processo de metamorfose da mídia impressa de
Dourados para mídia online. Dourados é a segunda maior cidade de Mato Grosso do
Sul, com uma população aproximada de 210 mil habitantes, segundo o IBGE.
Tomamos como marco referencial inicial da pesquisa, o ano de 1996, quando o
primeiro jornal da cidade, O Progresso passou a veicular seu conteúdo na internet,
embora ainda de forma rudimentar. Isso acontece um ano após os primeiros grandes
jornais do País, migrarem para a rede mundial de computadores. O Estado de São
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Paulo, em São Paulo, o Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro e o Jornal do Commércio,
em Pernambuco, foram os pioneiros periódicos a mergulharem nessa experiência, ao
publicarem seus conteúdos no suporte world wide web (WWW), em 1995.
O Dourados News 4 lançado, em 2000, foi o primeiro cibermeio5 douradense a
ser veiculado no ciberespaço, ou seja, criado exclusivamente com a ajuda das
ferramentas e potencialidades oferecidas pela internet, sem qualquer ligação com outros
suportes tecnológicos como o papel, por exemplo. E sem qualquer ligação também com
grupos de mídia já estabelecidos. O nascimento de uma mídia totalmente voltada para a
internet será, portanto, o segundo marco referencial da pesquisa, pois marca o momento
em que a internet é utilizada na produção e veiculação de conteúdos próprios para o
ambiente web.
O Dourados News surge de maneira até curiosa. Da necessidade de veiculação
de uma denúncia que, o então ecologista e produtor rural Primo Fioravante queria fazer
contra a Prefeitura de Dourados. Como a mídia local não quis publicar a matéria
denúncia, ele conseguiu, por meio de amigos, a publicação no Campo Grande News,
que por sua vez foi o primeiro cibermeio de Mato Grosso do Sul, lançado na Capital, no
início de 2000. A partir dai, foram surgindo outros cibermeios, como o Dourados
Agora, Douranews, Dourados informa, entre tantos outros, além de outros impressos
como Diário MS e Folha de Dourados, que optarem pela plataforma web, na primeira
década deste século.
Pesquisadores em jornalismo na internet como Mielniczuk (2001); Machado
(2003) e Barbosa (2007) classificam em três gerações, os estágios do jornalismo online.
A primeira geração compreende a etapa em que os conteúdos dos jornais impressos são
transpostos para o novo suporte, praticamente do mesmo jeito da edição em papel.
Podemos citar como exemplo, as primeiras experiências do jornal O Progresso online,
em 1996. A segunda geração apresenta as primeiras tentativas de alterar o conteúdo do
impresso na internet; enquanto que a terceira geração, “o meio deve produzir conteúdos
4 www.douradosnews.com.br. 5 Conceito aplicado pelo teórico em comunicação, o espanhol Ramon Salaverría (2005a) ao meio de
comunicação social que emprega o ciberespaço como âmbito de difusão pública de informações
jornalísticas. Veiculo, cujo conteúdo é feito a partir da, e para a internet.
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originais em formatos multimídia, constituindo sistemas descentralizados próprios,
capazes de incorporar as contribuições de usuários, para a apuração, produção e
circulação” (MACHADO, 2003, p. 131). O atual estágio da mídia online douradense
reflete a realidade da terceira geração, pois os cibermeios têm seus produtos concebidos
a partir das potencialidades da internet de acordo com estudos de Bardoel e Deuze
(2001) e Palacios (2003), que definem seis características do jornalismo produzido com
e para a internet: hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, personalização,
memoria e instantaneidade.
Além de ampliar a pesquisa acadêmica sobre a historiografia da mídia local, a
proposta traz também outra motivação: dar seguimento aos estudos deste autor sobre a
mídia de Dourados, iniciados com o projeto que resultou na dissertação de Mestrado de
Comunicação, “O ‘Glocal’ no ciberjornalismo regional: análise dos sítios de
webnotícias de Dourados”, em 2014, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS), cujo trabalho contempla ainda o mapeamento e catalogação dos 20 cibermeios
mais importantes da cidade, no período da pesquisa, bem como a presença do “glocal”
na produção de conteúdo destes veículos. Agora, todavia, estudando o processo de
transformação sofrido por essa mídia, contemplando também o ponto de vista do leitor,
como ele percebe essa transformação como interage com a nova plataforma e que
interação essa nova tecnologia lhe propicia.
5 O papel da mídia na sociedade
Para se entender esse processo de mudança, algumas questões se tornam
prementes, inquietantes e necessitam de respostas a fim de melhor compreensão do
ocorrido. Como ocorreu essa mudança, o que significa essa transformação da mídia,
tanto do ponto de vista tecnológico, quanto estrutural para as empresas e para o público?
O que representa para a mídia e para a sociedade essa metamorfose, em termos de
representações sociais e simbólicas? Como os efeitos dessa mudança são percebidos e
recebidos pela audiência, pois com a nova plataforma, muda totalmente a forma de
recepção do discurso jornalístico, já que agora, o fluxo do conteúdo é visto, lido e
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ouvido? Porque alguns periódicos como O Progresso e o Diário MS, aliás, os dois
principais da cidade, continuam com suas respectivas versões impressas, embora,
tenham seus conteúdos na web? Quanto tempo eles vão resistir à crise do papel? Há
público suficiente para bancar os custos do papel? Sabe-se que com a gama de
informação disponível no ciberespaço e a maneira fluídica e ubíqua de acessá-la
provoca uma queda de tiragem nos impressos, que muitas vezes para reduzir os custos
se transformam em tabloides, nesse sentido, qual a estratégia de sobrevivência desses
resistentes periódicos locais e até quando pretendem estar no papel? O impresso vai
acabar como previu Nicolas Negromonte, no início da década de 90 do século passado?
Para entender melhor o papel da mídia, é importante situar e destacar o lugar
dela na sociedade da qual faz parte, porque a história da imprensa mantém uma relação
simbiótica com a história da sociedade capitalista e o controle da difusão da informação
configura um embate entre organizações, pessoas de todas as classes sociais, culturais e
políticas, de acordo com seus interesses e aspirações. “Mas há ainda, um traço
ostensivo, que comprova a estreita ligação entre o desenvolvimento da imprensa e o
desenvolvimento da sociedade capitalista, aquele acompanhando a este numa ligação
dialética e não simplesmente mecânica” (SODRÉ, 1977, p. 1). As raízes históricas,
portanto, explicam a ligação umbilical da imprensa com o contexto econômico,
histórico, social, político e cultural a que pertence.
Em termos de Brasil, percebe-se também que o desenvolvimento da imprensa foi
condicionado ao desenvolvimento do país e que o estreito vínculo mantido pela
imprensa e a ordem capitalista é percebida também na evolução da questão da liberdade
de informar e de opinar.
Em Dourados, onde se situa o objeto de investigação deste trabalho, a situação
não é diferente, a história da imprensa está diretamente ligada à história da cidade. Esta
percepção é explicitada também pela psicologia social quando considera as
representações sociais uma forma de recriar a realidade, tendo como um dos meios
desse processo a comunicação, porque por meio dela, “as pessoas e os grupos concedem
uma realidade física a ideias e imagens, a sistemas de classificação e fornecimento de
nomes”, uma vez que “toda a realidade é a realidade de alguém, ou é uma realidade para
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algo” (MOSCOVICI, 2011, p. 90). Assim, a mídia online como as demais, também,
reflete, atualmente, as vozes que circulam e produzem sentido da realidade na
sociedade.
6 Considerações finais
Na esteira do surgimento da mídia online, os impressos locais, bem como todas
as outras mídias (rádio, televisão, etc.) passam a utilizar a internet como plataforma de
divulgação de seus conteúdos. Isso provoca outro marco na história da mídia
douradense, o encontro da história das mídias. Antes, só existia a analógica, no caso da
impressa principalmente, agora, digital e, principalmente toma o rumo e a estrada da
mundialização (ORTIZ, 2000).
É importante ressaltar aqui, que essa transformação dos meios de comunicação
motivada pelo avanço das novas tecnologias resulta também de um processo maior que
envolve todo o planeta, que é a globalização. Ao longo da história da mídia, várias
transformações foram sentidas, tais como o próprio surgimento da imprensa a partir da
prensa de Gutenbeg, no século XV. Depois, o surgimento do rádio, no inicio do século
passado e a televisão, no final da primeira metade do século passado, se constituíram em
grandes impactos na história da mídia, trazendo consequências marcantes para a
sociedade.
Mas é a partir da internet, resultado direto da globalização, que se delineia o
maior impacto na própria humanidade, cujas consequências ainda são desconhecidas
pelos próprios estudiosos do assunto, que não chegaram a um consenso. Para John
Thompson (2004, p. 135), um dos aspectos mais marcantes da comunicação no mundo
moderno é o fato de ela acontecer numa escala cada vez mais global, porque “as
mensagens são transmitidas, através de grandes distâncias com relativa facilidade, de tal
maneira que indivíduos têm acesso à informação e comunicação provenientes de fontes
distantes”; de forma quase instantânea, já que “a reordenação do espaço e do tempo
provocada pelo desenvolvimento da mídia faz parte de um conjunto mais amplo de
processos que transformaram (e ainda estão transformando) o mundo moderno”. O autor
credita à globalização essas mudanças, bem como a interconexão entre as diferentes
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partes do mundo, que tornam o globo menor, reduzido pela agilidade do fluxo de
informações, em contextos de aproximação e afastamento de mercados, onde o local se
aproxima do global, interagindo com outras culturas e costumes.
A globalização recebe por parte dos teóricos culturais como Thompson,
Appadurai, Ianni, Ortiz conceitos similares como os de transnacionalização,
mundialização e internacionalização. Para Castells (2012, p. 287), a rapidez com que
ocorre o fluxo comunicacional está diretamente relacionada ao protagonismo da internet
no contexto da globalização, pois segundo ele, a internet “é o coração de um novo
paradigma sóciotécnico, que se constitui na realidade, a base material de nossas vidas e
de nossas formas de relação, de trabalho e de comunicação”. De acordo com essa
concepção, a internet processa a virtualidade, transformando-a em realidade, em uma
sociedade que, aos poucos, funciona em rede.
Neste momento, em que o passado se encontra com o presente, pelas malhas dos
fluxos promovidos pela internet, a mídia douradense, sem dúvida, lança bases para o
futuro da comunicação local, regional, quais sejam, as potencialidades oferecidas pela
internet, além do uso das tecnologias tanto na produção como circulação do seu
conteúdo. Mas por enquanto, nos deparamos mais com inquietações, indagações; do que
as respostas para o norteio do cenário que baliza esta pesquisa. Importante destacar,
contudo, a sua importância para o entendimento e principalmente para perceber esse
caminho que duas ciências podem trilhar e principalmente, construir juntas, o
conhecimento da realidade social de uma sociedade.
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