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Ipea
Nº 97AS TRANSFORMAÇÕES
ESTRUTURAIS DO COMÉRCIOEXTERIOR CHINÊS
30 de junho de 2011
2
Comunicados do Ipea Os Comunicados do Ipea têm por objetivo antecipar estudos e pesquisas mais amplas conduzidas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, com uma comunicação sintética e objetiva e sem a pretensão de encerrar o debate sobre os temas que aborda, mas motivá-lo. Em geral, são sucedidos por notas técnicas, textos para discussão, livros e demais publicações. Os Comunicados são elaborados pela assessoria técnica da Presidência do Instituto e por técnicos de planejamento e pesquisa de todas as diretorias do Ipea. Desde 2007, mais de cem técnicos participaram da produção e divulgação de tais documentos, sob os mais variados temas. A partir do número 40, eles deixam de ser Comunicados da Presidência e passam a se chamar Comunicados do Ipea. A nova denominação sintetiza todo o processo produtivo desses estudos e sua institucionalização em todas as diretorias e áreas técnicas do Ipea.
Governo Federal Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Ministro Wellington Moreira Franco Fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos. Presidente Marcio Pochmann Diretor de Desenvolvimento Institucional Fernando Ferreira Diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais Mário Lisboa Theodoro Diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia José Celso Pereira Cardoso Júnior Diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas João Sicsú Diretora de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais Liana Maria da Frota Carleial Diretor de Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura Márcio Wohlers de Almeida Diretor de Estudos e Políticas Sociais Jorge Abrahão de Castro Chefe de Gabinete Pérsio Marco Antonio Davison
Assessor-chefe de Imprensa e Comunicação Daniel Castro URL: http://www.ipea.gov.br Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
AS TRANSFORMAÇÕES ESTRUTURAIS DO COMÉRCIO EXTERIOR
CHINÊS1
1 Este comunicado foi elaborado a partir do capítulo 3 do livro “Comércio Internacional – aspectos teóricos e as experiências indiana e chinesa” (disponível em www.ipea.gov.br). O capítulo tem como autores Emilio Chernavsky e Rodrigo Pimentel Ferreira Leão, pesquisadores do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais (Deint) do Ipea. Colaboraram para a realização deste Comunicado Luciana Acioly, André Calixtre e Lucas Ferraz Vasconcelos, Técnicos de Planejamento e Pesquisa da Assessoria Técnica da Presidência do Ipea.
2
1 INTRODUÇÃO
A partir das reformas econômicas promovidas pelo governo, após a ascensão
ao poder de Deng Xiaoping no final da década de 1970, a economia chinesa
passou por profundas transformações que modificaram de modo radical a
estrutura produtiva interna, assim como o padrão de inserção externa do país.
Desde então, o produto interno bruto (PIB) da China se multiplicou por
quinze vezes em termos reais, crescendo a uma taxa média de quase 10% ao
ano (a.a.), valor muito superior ao de qualquer outro país neste período. Entre
os fatores que contribuíram para este crescimento extraordinário do produto
chinês, o comércio exterior assumiu uma posição central. De fato, a estratégia
adotada pelo governo, marcada pelas reformas que foram introduzindo lenta e
progressivamente, embora de forma inequívoca, elementos característicos do
funcionamento de uma economia capitalista, incorporava uma mudança
decisiva no papel do comércio exterior. O comércio deixava então de ter como
objetivo quase único a busca da autossuficiência para constituir-se numa
ferramenta fundamental no impulso ao desenvolvimento econômico do país.
Na nova estratégia, o aumento das exportações aparecia como
elemento central para a superação da restrição externa que historicamente
havia limitado as importações, tanto dos bens de consumo não duráveis
(principalmente alimentos) necessários para sustentar a expansão do mercado
de consumo interno, quanto dos insumos e bens de capital requeridos para
impedir a formação de gargalos estruturais (tão característicos no período
maoísta – 1949 a 1976) no rápido processo de industrialização. No entanto,
mais do que aumentar as exportações, o governo incentivou que elas fossem
dirigidas para aqueles setores mais dinâmicos da cadeia produtiva global. Por
sua vez, a regulação das importações também surgiu como forma de impedir
que seu aumento indiscriminado afetasse o desenvolvimento das indústrias
nacionais e pressionasse a taxa de câmbio. A coordenação de dois distintos
regimes de comércio criados neste período – o primeiro centralizado em
empresas estatais e o segundo apoiado na entrada de capital estrangeiro –
buscou alcançar simultaneamente estes objetivos. A maneira como estas
reformas foram conduzidas, tendo como pano de fundo algumas
3
transformações importantes no contexto internacional, trouxe impactos não
somente na pauta de comércio exterior da China, que passou a incluir uma
maior participação de setores mais intensivos em tecnologia, mas também na
configuração espacial dos fluxos comerciais.
Este capítulo procura discutir as mudanças comerciais da China,
tentando incorporar os aspectos mencionados. Para tanto, na segunda seção,
após esta introdução, apresenta-se o desempenho mais geral do comércio
exterior chinês, indicando as principais transformações em termos de volume,
pauta e dispersão geográfica das exportações e importações. Na terceira
seção, discute-se a lógica das reformas do comércio exterior do país desde o
início dos anos 1980, quando se conformaram dois regimes comerciais
distintos, destacando a importância da articulação entre o capital nacional e o
estrangeiro para dinamizar as exportações e atrair tecnologia. Na quarta seção,
apontam-se os instrumentos de política utilizados para implementar estas
reformas e analisa-se a forma de gestão ativa da taxa de câmbio. Por último,
seguem-se as considerações finais.
2 A EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR DA CHINA
Três processos fundamentais, que serão discutidos a seguir, marcam o
desenvolvimento do comércio exterior chinês do final da década de 1970 ao
final dos anos 2000. O primeiro se refere à rápida expansão dos fluxos de
comércio e da participação chinesa no comércio global, resultante da
liberalização comercial fortemente administrada pelo Estado nacional, que
culminou na drástica diminuição da quantidade e alcance dos controles
existentes, levada a cabo pelas políticas governamentais adotadas no período.
O segundo processo, que se inicia num momento à frente e passa a ocorrer
simultaneamente ao primeiro, do qual é em parte produto, consiste na
sofisticação da pauta do comércio externo do país, que resultou na
consolidação de um setor exportador dinâmico e com crescente intensidade
tecnológica. O terceiro, que responde não somente à progressiva liberalização
do comércio, mas também às transformações geopolíticas e à redefinição da
divisão regional do trabalho na Ásia, concerne ao redirecionamento dos fluxos
4
de comércio, em especial das exportações. Trata-se da formação de um
padrão espacial específico do comércio exterior chinês, no qual os Estados
Unidos se constituíram no principal mercado consumidor para as exportações
do país, e as nações asiáticas, nos principais fornecedores para a produção
destes bens exportados.
2.1 Evolução dos fluxos comerciais
Desde 1978, assistiu-se a um crescimento vertiginoso do comércio exterior da
China. As exportações se multiplicaram por mais de 160 vezes, crescendo a
uma taxa média de 17,2% a.a. De menos de 7% do PIB em 1978, elas
passaram a representar aproximadamente 27% em 2010. Quanto às
importações, embora tenham crescido a um ritmo um pouco mais lento, de
16,4% a.a., elas aumentaram quase 130 vezes, passando de cerca de 7% do
produto em 1978 para quase 24% em 2010, um grau de penetração quatro
vezes superior ao do Japão e igual ao dobro da participação das importações
no PIB dos Estados Unidos. Este comportamento excepcional das exportações
e importações chinesas pode ser observado no gráfico 1, tanto em valores
absolutos (eixo esquerdo) quanto em porcentagem sobre o PIB (eixo direito):
GRÁFICO 1
China: evolução das exportações e importações (US$ bilhões e %
PIB) – 1978-2010
Fonte: General Administration of Customs of the People’s Republic of China – PRC; World Bank.
Elaboração Ipea.
5
Entre 1978 e o final da década de 1990, as exportações cresceram, em
média, 15,3% a.a., e as importações, 13,8% a.a., um ritmo de expansão
sumamente elevado para um país que estava praticamente fechado até o início
do processo de reformas. Do ano 2000 a 2010, todavia, as exportações e
importações chinesas passaram a crescer a uma taxa média anual ainda
maior, respectivamente de 20,3% e 20%, fazendo com que a participação
mundial do comércio exterior chinês aumentasse consideravelmente.
Embora a crise financeira internacional tenha causado evidente quebra
estrutural na dinâmica do comércio exterior chinês, com a abrupta queda das
exportações e importações desse país no ano de 2009, houve forte
recuperação das mesmas no ano posterior. Importante ressaltar que, a
despeito do comportamento das exportações e importações em valor, quando
mensuradas em relação ao PIB, as mesmas já apresentavam sinais de
estabilização desde 2006, no caso das exportações, e 2005, para as
importações. Em 2010, essas variáveis apresentam recuperação em relação ao
PIB, mas a um ritmo bem mais modesto do que os verificados em termos de
valor.
Conforme aponta o gráfico 2, até o início dos anos 2000 a participação
da China nos fluxos de comércio global não tinha superado 4%. Desde então,
as taxas de crescimento das exportações e importações chinesas superiores à
taxa mundial impulsionaram a rápida expansão de sua participação, que
atingiu, em 2009, o valor de 9,7% no caso das exportações, e 7,9% no caso
das importações.
6
GRÁFICO 2
China: participação no comércio exterior global (%) – 1978-2009
Fonte: United Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD; World Trade
Organization – WTO.
Elaboração Ipea.
As profundas modificações nos fluxos de comércio exterior da China
evidentemente tiveram impactos importantes sobre a evolução da balança
comercial do país, conforme mostra o gráfico 3, que traz esta evolução em
termos absolutos (no eixo esquerdo) e em porcentagem sobre o PIB (eixo
direito):
GRÁFICO 3
China: resultado da balança comercial (US$ bilhões e % PIB) –
1978-2010
Fonte: General Administration of Customs of the PRC; World Bank.
Elaboração Ipea.
7
Os resultados observados mostraram que, até meados da década de
1990, o saldo comercial da China era muito reduzido e, inclusive, apresentava
frequentemente valores negativos. A partir deste período, o crescimento mais
acelerado das exportações em relação ao das importações permitiu a obtenção
de superávits sistemáticos na balança comercial que, contudo, mantiveram-se
(com exceção dos anos de 1997 e 1998) em níveis inferiores a 3% do PIB até
2004. Nos quatro anos que se seguiram, em meio à explosão verificada
especialmente nas exportações, que mais do que compensou o aumento das
importações no período, o saldo da balança comercial se multiplicou por pouco
mais de 9 vezes, chegando próximo da cifra de US$ 300 bilhões em 2008,
quase 7% do PIB.
Contudo, a crise financeira afetou consideravelmente este quadro de
superávit crescente, fazendo com que o saldo comercial, em 2010, fosse
reduzido em mais de US$ 100 bilhões em relação à 2008, recuando para
aproximadamente 3% do PIB.
2.2 Transformações na pauta comercial
Conforme mencionado, a segunda importante transformação do comércio
exterior chinês desde o início das reformas foi a sofisticação da pauta de
exportação, no que tange aos produtos e à intensidade tecnológica, além das
consequentes alterações na pauta de importação. Até o final dos anos 1970, as
exportações chinesas, muito reduzidas, concentravam-se basicamente em
produtos agrícolas e petróleo e derivados. Com o início das transformações,
ocorreu um deslocamento em direção à exportação de bens intensivos em mão
de obra, extremamente abundante e barata no país. Assim, os produtos
exportados pelo país passaram a se concentrar principalmente em manufaturas
leves tais como têxteis, calçados e brinquedos. Entre 1980 e 1998, a
exportação destes itens se multiplicou por mais de dez vezes, passando de
US$ 4,3 bilhões para US$ 53,5 bilhões e alcançando em 1998 uma
participação de quase 30% do total das exportações chinesas, e entre 8,5% (no
8
caso dos têxteis) e 20,7% (para os calçados) do total de exportações mundiais
destes produtos (LARDY, 2003).
Posteriormente, ainda preservando a posição de grande exportador
mundial de manufaturados leves, a China se transformou, num primeiro
momento, numa plataforma de montagem de produtos eletroeletrônicos e de
informática, atividade ainda intensiva em mão de obra. Mais recentemente,
começou a projetar e produzir os componentes utilizados nesta indústria.
Finalmente, nos últimos anos têm-se observado um crescimento das
exportações chinesas de máquinas e equipamentos de transporte, além da
continuidade da expansão, diversificação e sofisticação das exportações do
complexo eletroeletrônico, setores significativamente mais intensivos em
tecnologia.
Notou-se nessa evolução, portanto, a progressiva diversificação e
sofisticação da pauta de exportações da China, que responderam ao
expressivo aumento da participação das exportações de produtos de alta
tecnologia e à redução da participação das exportações de produtos intensivos
em trabalho, a despeito da grande importância que este setor ainda possuía.
De fato, durante a década de 1990, houve um aumento significativo das
exportações de produtos de média e alta intensidade tecnológica, em
detrimento de commodities e bens intensivos em trabalho e recursos naturais,
que, não obstante, continuariam, até o final da década, sendo as principais
categorias de exportação por intensidade tecnológica. Deste modo, em 1990
estes dois grupos de produtos básicos respondiam por quase 60% das
exportações chinesas, e os bens de média e alta intensidade tecnológica
representavam apenas 26% do total. Dez anos depois, as commodities e os
bens intensivos em trabalho e recursos naturais haviam reduzido sua
participação para 47% do total exportado – com destaque para a queda da
participação das commodities, de mais de 40% –, enquanto os bens de média
e alta intensidade tecnológica haviam aumentado sua participação para 43%
do total.
Mesmo após essas importantes mudanças na pauta de exportações
ocorridas na década de 1990, o ritmo de transformações acelerou-se no início
9
dos anos 2000. Assim, em 2004 a participação dos produtos de média e alta
intensidade tecnológica era de, respectivamente, 21% e 33% do total das
exportações, ao passo que as commodities e os bens intensivos em trabalho e
recursos naturais obtinham percentuais de 8% e 28% do total exportado,
tendência estrutural que foi reforçada nos anos seguintes. Em 2009, ano de
repercussão dos efeitos da crise, verifica-se uma acentuação do padrão
setorial das exportações, descrito acima, com a participação de produtos de
média e alta tecnologia respondendo por 57% da pauta. A evolução da
intensidade tecnológica das exportações chinesas está presente no gráfico 4.
GRÁFICO 4
China: composição das exportações por intensidade tecnológica
(%) – 1990-2009 (anos selecionados)
19%12% 11% 8% 7% 5%
39%41%
37%28% 26%
25%
6% 10%
7%
8% 9%10%
13% 11%22%
21% 23%19%
14% 19%21%
33% 33%37%
11% 7% 3% 2% 2% 4%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1990 1995 2000 2004 2006 2009
Commodities e Petróleo e outros ins. energ. Intensivos em Trabalho e Recursos naturaisBaixa intensidade Média intensidadeAlta intensidade Não classificados
Fonte: UNCTAD.
Elaboração Ipea.
Obs.: A metodologia dos dados foi baseada no relatório Trade and Development Report (2003) da
UNCTAD.
A evolução na intensidade tecnológica das exportações chinesas desde
o começo da década de 1980 pode ser também vista no gráfico 5, que utiliza
uma classificação distinta, dividindo as exportações por tipo de produto.
10
GRÁFICO 5
China: composição das exportações por tipo de produto (%) – 1980-
2010
Fonte: General Administration of Customs of the PRC.
Elaboração Ipea.
Pode-se observar que, no período inicial das reformas, os produtos
manufaturados (exceto máquinas e equipamentos) e os combustíveis
dominavam as exportações chinesas. Nos primeiros seis anos da década de
1980, quase três quartos dos fluxos exportados pela China eram de bens
manufaturados (excluindo máquinas e equipamentos) e de combustíveis. Os
dez anos seguintes assistiram a uma redução das exportações de bens
básicos, especialmente de combustíveis, que foram sendo progressivamente
substituídas pelas de máquinas e equipamentos. Como resultado desta
mudança, entre 1985 e 1995, a participação das exportações chinesas de
produtos básicos caiu de 50% para apenas 15%, enquanto a das exportações
do setor de máquinas e equipamentos cresceu de 3% para 21%.
Desde então, a participação relativa de combustíveis e outros produtos
básicos (provenientes da agricultura e do extrativismo mineral e vegetal) se
reduziu ainda mais, caindo para menos da metade, respectivamente, de 4% e
11% em 1995 para 2% e 3% em 2010. Agregou-se a isto uma diminuição das
exportações de outros manufaturados (categoria composta por bens intensivos
11
em mão de obra com baixa intensidade tecnológica), que em 1995
representavam 64% e em 2010, 45%. Em compensação, a participação das
exportações de máquinas e equipamentos, que era de 21% em 1995, mais do
que duplicou no período e atingiu 49% em 2010, demonstrando com isso o
aumento da intensidade tecnológica nas exportações do país.
A composição da pauta de importações, por sua vez, embora tenha sido
alterada de forma menos intensa do que a pauta de exportações, foi fortemente
afetada pelas mudanças verificadas nesta, conforme se pode constatar no
gráfico 6.
GRÁFICO 6
China: composição das importações por tipo de produto (%) – 1980-
2010
Fonte: General Administration of Customs of the PRC.
Elaboração Ipea.
Os resultados observados sugerem que no início da década de 1980,
em virtude da execução dos projetos de desenvolvimento industrial levados a
cabo no âmbito das reformas econômicas, a aquisição externa de bens
manufaturados, principalmente de máquinas e equipamentos, impulsionou uma
expansão da participação dos produtos industriais nas importações chinesas,
em detrimento dos básicos. Em 1980, a participação de básicos era de 34%, e
12
a de manufaturados, de 66%; em 1985, ela se reduziu na primeira categoria de
bens para 12% e se elevou na segunda para 88%.
A partir desse período, as importações de manufaturados continuaram
sendo o principal componente da pauta, embora nos anos 2000 se tenha
verificado uma elevação, ainda que sutil, das importações de produtos básicos,
em especial combustíveis, que refletiu não apenas o aumento da quantidade
importada, mas também dos preços internacionais das commodities. Entre as
décadas de 1990 e 2000, as importações desta categoria de bens, necessários
à sustentação do acelerado ritmo de crescimento econômico do país,
aumentaram quase oito vezes sua participação, passando de 2% em 1990 para
14% em 2010. Quanto ao setor de manufaturados, vale destacar que, por um
lado, sob o impacto da diversificação da produção altamente competitiva da
indústria nacional, a participação de produtos manufaturados (excluindo
máquinas e equipamentos) se contraiu, passando de 50% em 1990 para 30%
em 2010. Por outro lado, a participação das importações de máquinas se
tornou a mais importante, alcançando um percentual de 39% do total importado
em 2010.
Este aumento pode parecer paradoxal se considerar-se que, no mesmo
período, a participação das máquinas e equipamento nas exportações se
elevou significativamente. Tal resultado é, no entanto, previsível, uma vez que
a produção de produtos de alta intensidade tecnológica está em geral
internacionalmente integrada e depende, portanto, da importação de
componentes igualmente intensivos em tecnologia.2
2.3 Parceiros comerciais
2. “O elevado conteúdo tecnológico das exportações chinesas pode assim ser explicado pelo também elevado conteúdo tecnológico de suas importações. É interessante notar que a maioria das exportações de bens intensivos em tecnologia se refere a partes e componentes, o que ilustra o aprofundamento da divisão internacional do trabalho. Na China não se localizam somente os estágios finais da produção, mas têm lugar etapas situadas no meio da cadeia de valor. Bens finais respondem por menos da metade das exportações intensivas em tecnologia, com bens de capital representando de longe a maior categoria” (tradução livre). (The high-tech content of China’s exports can thus be explained by their high-tech import content. Interestingly, most exports of high-tech products also take place in parts and components, illustrating the deepening of the international division of labour. China is not only a location for the final stages of production but has taken place in the middle of the value-added chain. Final goods account for less that half of high-tech exports, with capital goods representing by far the largest category). (GAULIER, LEMOINE e ÜNAL-KESENCI, 2005, p. 27).
13
A terceira e última mudança a ser discutida é a configuração de um novo
padrão espacial para o comércio exterior chinês. As mudanças na economia
internacional, em especial nas relações com os Estados Unidos e com os
países asiáticos desenvolvidos, resultaram, entre os anos 1980 e começo dos
1990, em uma maior aproximação do comércio exterior chinês com os países
desenvolvidos. Entretanto, mais recentemente, em razão do acelerado
crescimento econômico e da diversificação da estrutura produtiva, a China tem
aumentado suas importações de bens primários e insumos industriais,
produzidos tradicionalmente por países em desenvolvimento. Desse modo, ao
contrário do que aconteceu com as exportações, a origem de grande parte das
importações chinesas, nos últimos anos, foi se deslocando para países da Ásia
em desenvolvimento e da América Latina, fabricantes de commodities e de
peças e componentes, a despeito da grande importância que as importações
de máquinas e equipamentos oriundas de nações desenvolvidas mantiveram.
Historicamente, inclusive nos primeiros anos das reformas, a China
dependia pesadamente das importações de bens de capital produzidos nos
países desenvolvidos para equipar e modernizar sua indústria, e de bens
intermediários para permitir o funcionamento do regime de processamento de
exportações. No entanto, conforme a indústria se desenvolvia e aumentava sua
capacidade de produzir e exportar, a China passou a depender relativamente
menos da importação de máquinas e equipamentos e mais intensamente das
importações de commodities, tais como petróleo e minério de ferro, fortemente
concentradas nos países em desenvolvimento. Mesmo nos setores mais
sofisticados, o estreitamento das relações comerciais com países vizinhos,
motivado pela abertura das zonas especiais, fez com que as importações de
insumos industriais e de bens de capital também sofressem um processo de
desconcentração.
Logo, a participação dos países desenvolvidos nas importações
chinesas, que superava 80% no início da década de 1980, reduziu-se
progressivamente e passou a flutuar em torno de 50% a partir da década de
1990, diminuindo ainda mais em anos recentes. Em compensação, conforme
pode ser observado no gráfico 7, as importações oriundas dos países em
desenvolvimento, que constituíam cerca de 15% do total em 1980, aumentaram
14
continuamente desde então (tanto em função das quantidades quanto dos
preços), até ver sua participação superar a dos países desenvolvidos em 2002
e chegar a 56,9% em 2009.
GRÁFICO 7
China: evolução das importações segundo a origem (%) – 1978-
2009
Fonte: UNCTAD.
Elaboração Ipea.
Ao contrário do ocorrido na trajetória das importações, a forte expansão
das exportações se deu simultaneamente ao crescimento da importância
relativa dos mercados de países desenvolvidos, cuja participação superou,
desde o início da década de 1990, a dos países em desenvolvimento.
Conforme aponta o gráfico 8, a participação dos países desenvolvidos
ultrapassou, em 1993, 50% do total exportado pela China e tem oscilado desde
então entre este patamar e 60%. A participação das economias em
desenvolvimento, que foi dominante na década de 1980 e chegou a superar
60% no início da década de 1990, apesar de ter perdido sua posição relativa
em 1993, manteve-se relevante, flutuando desde o início dos anos 2000 em
torno a valores pouco acima dos 40%. Esta mudança se deveu, principalmente,
15
ao fato de os Estados Unidos terem aumentado consideravelmente o volume
de importações provenientes da China.
GRÁFICO 8
China: evolução das exportações segundo o destino (%) – 1978-
2009
Fonte: UNCTAD.
Elaboração Ipea.
Não somente a participação dos países desenvolvidos como destino das
exportações chinesas aumentou fortemente, mas também importantes
modificações ocorreram dentro deste grupo de países, como se nota no gráfico
9. Tais mudanças são o resultado da reconfiguração da produção
compartilhada asiática – caracterizada pela transferência de etapas da cadeia
de produção de firmas dos países desenvolvidos para aqueles em
desenvolvimento do continente, e facilitada pela abertura do mercado
consumidor norte-americano às exportações com esta origem –, que produziu
um efeito-substituição na estrutura do comércio internacional chinês. Este
efeito-substituição se traduziu na ascensão dos Estados Unidos, que tomou o
lugar do Japão como maior importador da China, entre 1997 e 20083, o que
resultou no estabelecimento de um padrão de comércio crescentemente
3 Nos anos de 2009 e 2010 o maior importador da China é a União Europeia.
16
superavitário com os norte-americanos e deficitário com os países da Ásia,
especialmente Japão e Taiwan.
GRÁFICO 9
China: evolução das exportações para Estados Unidos, União
Europeia e Japão (% exportações totais) – 1984-2010
Fonte: General Administration of Customs of the PRC.
Elaboração Ipea.
Obs.: Os dados relacionados à União Europeia se referem apenas às cinco maiores nações de
destino das exportações chinesas (Alemanha, França, Holanda, Itália e Reino Unido).
Com a transferência das indústrias do Japão e de Taiwan para outros
países da Ásia, houve um deslocamento dos fluxos de comércio japoneses e
taiwaneses por meio da instalação de novas estruturas de exportações nestes
mercados asiáticos menos desenvolvidos, inclusive a China. Assim, conforme
mostram os dados do gráfico 9, o Japão deixou de ser o principal mercado para
as exportações chinesas, uma vez que entre 1984 e 2010 sua participação no
total caiu de 21% para apenas 8%. No entanto, o fortalecimento do comércio
chinês com os Estados Unidos e com a União Europeia compensou esta
queda. No mesmo período, a participação das exportações aos Estados Unidos
sobre o total aumentou 9 pontos percentuais (p.p.), e a das destinadas à União
Europeia cresceu 12 p.p., fazendo com que estes mercados representassem,
respectivamente, 18% e 20% das exportações chinesas em 2010.
17
Ainda que nesta seção tenham sido mencionados alguns aspectos
explicativos das mudanças sofridas pelo comércio internacional, estas somente
podem ser compreendidas se analisadas sob a lógica das reformas de
comércio exterior realizadas no período. Estas reformas, implementadas
mediante um espectro de políticas específicas, dirigiram setorialmente estas
transformações estruturais, bem como determinaram a oportunidade de sua
execução segundo os objetivos traçados pelo Estado nacional chinês. Desse
modo, torna-se fundamental discutir a lógica do processo de reformas e,
posteriormente, os instrumentos de política empregados para efetivá-las.
Sendo assim, na próxima seção discute-se a estratégia das reformas
para o comércio exterior, destacando a aproximação com o capital estrangeiro.
Mostra-se como efetivamente foram criados dois regimes distintos de comércio,
um liderado por empresas estatais responsáveis por regular o processo de
abertura e outro comandado pela articulação do capital estrangeiro com
empresas nacionais, que foi direcionada para acelerar o crescimento das
exportações.
3 A LÓGICA DAS REFORMAS E OS DOIS REGIMES DE COMÉRCIO
As impressionantes transformações do comércio exterior da China na década
de 1990 e, especialmente, nos anos 2000, indicadas na seção anterior,
resultaram em grande medida de uma nova estratégia formulada para o setor
externo, conduzida pelo governo desde o final da década de 1970. Esta
estratégia definiu uma lógica de execução das reformas de comércio exterior,
que não somente fez com que este crescesse exponencialmente, como
também foi responsável por determinar sua significativa mudança qualitativa.
Com a Revolução Chinesa, em 1949, o objetivo para o setor externo,
definido pelo Partido Comunista Chinês (PCC), era alcançar a autossuficiência
mediante a estatização de todas as relações comerciais com o mercado
externo. Assim, até os anos 1970 a China se manteve uma economia
extremamente fechada; suas importações, reduzidas, eram altamente
concentradas em itens considerados estratégicos para promover o
18
desenvolvimento da indústria pesada. Quanto às exportações, igualmente
limitadas, denotavam uma incapacidade estrutural para financiar as
importações, especialmente de alimentos e bens de capital, necessárias ao
avanço da industrialização e à garantia do consumo interno da população.
Essa situação de restrição externa vigorou sem grandes modificações
até o final da década de 1970. A partir de então, de forma lenta, progressiva e
cautelosa, foi sendo introduzida uma série de reformas que compõem um longo
cronograma, ainda em curso, em direção à maior abertura do país ao comércio
internacional. Longe de responder a um programa predefinido e abrangente de
reformas, esta abertura tem sido marcada por uma visão fortemente
pragmática, em que as mudanças são implementadas de forma incremental,
levando-se em conta os resultados de cada reforma no desenho da etapa
seguinte (NAUGHTON, 2007 e MARTIN e BACH, 1998).
Esse movimento tem como características centrais a flexibilização e
descentralização das operações ligadas ao comércio exterior. Até o início das
mudanças no final da década de 1970, o comércio internacional chinês era
quase inteiramente determinado pelo planejamento econômico centralizado. O
plano de importações da Comissão Estatal de Planejamento cobria até então
mais de 90% dos fluxos importados pelo país e especificava a pauta, composta
principalmente de maquinário, matérias-primas industriais e bens
intermediários, necessária para atingir as metas físicas de produção dos bens
finais prioritários. O plano de exportações era igualmente amplo, definindo as
quantidades físicas a serem exportadas de mais de três mil produtos (LARDY,
2003). O comércio somente podia ser exercido por um pequeno grupo de
trading companies (TC), empresas estatais especializadas no comércio exterior
que tipicamente se ocupavam de um espectro limitado de produtos, em relação
aos quais eram as únicas firmas autorizadas a transacionar com o exterior.
As reformas buscavam alterar essa situação por intermédio de,
basicamente, dois caminhos que correram de forma paralela. O primeiro
consistiu na expansão do número de companhias autorizadas a exportar e
importar estabelecido em acordo com o padrão existente. Isto ocorreu em boa
medida graças à permissão concedida para que este tipo de empresa fosse
criada por outros órgãos públicos que não o governo central. Na verdade, esta
19
permissão respondeu a um traço fundamental do programa de reformas
chinesas, que foi “a conciliação de mecanismos de planejamento central com
descentralização administrativa” (MEDEIROS, 2008, p. 288). Tendo em vista
que o objetivo do governo era acelerar as exportações das empresas estatais,
a orientação de descentralizar a gestão econômica fomentou a criação das TC
por províncias ou distritos urbanos, que passaram a articular sua produção com
indústrias regionais, proporcionando um novo dinamismo ao regime de
comércio exterior estatal. A combinação da expansão das exportações das
empresas estatais com a descentralização administrativa permitiu uma nova
configuração comercial na China, favorável à rápida ampliação das
corporações dedicadas às exportações e à incorporação de novas regiões na
realização do comércio internacional.
Com isso, se no começo das reformas apenas doze firmas centralmente
controladas possuíam o status de TC, este número cresceu vertiginosamente
ao longo da década de 1980 e, já em 1988, existiam mais de cinco mil
empresas desta natureza no território chinês, todas de propriedade estatal,
controladas tanto pelo governo central quanto pelos governos regionais
(NAUGHTON, 1996). O número de tais empresas não somente se expandiu,
como seu funcionamento foi se modificando, com a adoção crescente de
práticas comerciais típicas de empresas capitalistas. Um marco importante
neste processo foi a condição de entidades econômicas legalmente
independentes conferida a estas empresas em 1994, o que lhes permitiu
aumentarem progressivamente sua eficiência e flexibilidade operacional.
3.1 As zonas especiais e o capital estrangeiro
O segundo caminho por meio do qual as reformas realizadas a partir do final da
década de 1970 têm contribuído para reduzir o grau de centralização do
comércio exterior chinês foi a extensão dos direitos de comércio a outros tipos
de companhias que não as empresas estatais. Nesse sentido, a China integrou
sua política de abertura à criação de um novo regime de comércio, comandado
pela articulação entre o capital nacional e o capital estrangeiro, ou seja, pela
associação das empresas nacionais, principalmente as cooperativas instaladas
20
no campo, com o investimento direto estrangeiro (IDE). Esta articulação, no
entanto, previa que o IDE fosse dirigido para alcançar três diferentes tarefas: i)
aumentar a participação do país nas exportações mundiais; ii) favorecer o
acesso às fontes externas de capital e tecnologia avançada; e iii) introduzir
modernas técnicas administrativas nas empresas chinesas.
Visando alcançar essas três tarefas, as condições de entrada do IDE no
país foram estabelecidas em termos bastante seletivos. O gradualismo e a
seletividade que caracterizam as políticas de atração de investimento direto,
assim como a estrutura legal criada para lhes dar suporte, apenas ganham
sentido quando se levam em conta três conjuntos de preocupações centrais do
governo chinês: i) a questão da localização setorial e espacial dos
investimentos (para garantir investimentos em setores tradables); ii) a obtenção
de reservas em moeda estrangeira (para manter o ritmo da modernização); e
iii) o controle da propriedade do capital (tipos de associação entre o capital
estrangeiro e o capital nacional) (ACIOLY, 2005).
A materialização dessas condições de entrada foi propiciada pela
formação gradual de zonas especiais, onde era concedido às firmas de origem
estrangeira associadas em joint-ventures com empresas nacionais o direito de
exportarem seus bens produzidos localmente, dispondo de benefícios fiscais e
tarifários. No entanto, num primeiro momento, a criação destas zonas esteve
limitada a poucas províncias costeiras do país, o que permitia ao governo
chinês executar uma política na qual os impactos da entrada do IDE poderiam
ser avaliados num ambiente mais facilmente controlável, antes de permitir sua
expansão às demais províncias.4
Posteriormente, as zonas especiais se expandiram e tiveram suas
especificidades mais bem definidas. Assim, surgiram as Zonas de
Desenvolvimento Econômico e Tecnológico (ZDET) que, a partir de meados da
década de 1980, comandaram o aprofundamento da abertura ao IDE,
expandindo-o para outras regiões costeiras,5 a fim de aumentarem-se as
4. Essa estratégia, em grande medida responsável pela flexibilidade da experiência chinesa, já havia sido testada, por exemplo, nos contratos de responsabilidade na agricultura, implementados inicialmente apenas em algumas regiões antes de serem estendidos a outras (DULBECCO e RENARD, 1999). 5. Somente mais tarde, em meados da década de 1990, a instalação destas zonas foi autorizada em províncias localizadas no interior do país.
21
exportações e disseminar-se o progresso tecnológico. No caso das ZDET, “a
ideia central [era] criar um microambiente que reproduz[ia] as condições de
produção [vigentes] nos países desenvolvidos (...) [onde] as empresas
estrangeiras [podiam] manter vínculos tecnológicos e comerciais com
empresas chinesas localizadas no seu entorno” (RUIZ, 2004, p. 62).
Além das ZDET, o governo também fomentou a criação de outras zonas
especiais6 com características distintas. Entre elas, destacavam-se as Zonas
de Processamento de Exportação7 (ZPE) e as Zonas de Desenvolvimento da
Indústria Hi-Tech8 (ZDHT), cada uma com funções e regulamentações
particulares, mas sempre estimulando as exportações de filiais e a
disseminação de inovações em setores de alto conteúdo tecnológico de firmas
estrangeiras instaladas na China.
Desse modo, ainda que cada zona especial tivesse uma característica
específica, de modo geral todas elas praticavam o que ficou conhecido como
processamento de exportações: um regime no qual, a partir da entrada do IDE,
as firmas com investimento estrangeiro (FIE) poderiam realizar etapas de
montagem de produtos para exportação dentro do mercado chinês,
beneficiando-se da importação livre de impostos, do baixo custo da força de
trabalho e dos subsídios fiscais e financeiros. Em outras palavras, dentro deste
regime de processamento de exportações, as FIE realizavam, em aliança com
empresas locais, a montagem de bens finais destinados à exportação para
terceiros mercados, apoiando-se na importação de insumos produzidos em
seus países de origem.
O processamento de exportações inicialmente foi estimulado pela
entrada do investimento que provinha principalmente de Hong Kong – então
sob controle britânico – e dos países industrializados localizados próximos à
China – sobretudo Taiwan9 –, com os quais as zonas costeiras já possuíam
6. Para uma reflexão sobre o processo de criação de todas as zonas especiais chinesas, ver Ruiz (2004). 7. Áreas de processamento de exportações que estão obrigatoriamente ligadas aos investimentos das firmas com investimento estrangeiro (FIE). 8. Áreas de desenvolvimento industrial, nas quais participam apenas empresas estrangeiras (que necessariamente devem associar-se a empresas nacionais) voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico. Embora não tenham obrigação de exportar, elas devem internalizar e desenvolver novas tecnologias. 9. Hong Kong e Taiwan, juntamente com a China continental, formam o que é conhecido nos dias atuais como a “grande China”.
22
redes de negócio que encorajavam os investidores destes mercados a
alocarem seus recursos. Mas, rapidamente os investimentos começaram a fluir
também a partir de outros países que não apenas aqueles com os quais já
existiam redes de negócio estabelecidas. Este movimento era entendido como
resultado não somente do próprio processo de abertura a estes países
promovido pelo governo chinês, mas também das transformações no cenário
geoeconômico e geopolítico ocorridas no início da década de 1980.
A primeira fonte destas transformações se localizava nas pressões
realizadas pelos Estados Unidos para desvalorizar o dólar, que resultaram na
valorização do iene e na imposição de cotas voluntárias às exportações
nipônicas, sacramentadas no Acordo Plaza de 1985 e no Acordo do Louvre de
1987.
Ao mesmo tempo, contudo, as autoridades japonesas inauguraram um período
de forte relaxamento das condições monetárias domésticas, com o intuito de
contrabalançar os prováveis efeitos recessivos da valorização do câmbio sobre
o superávit comercial japonês (LEVI, 1997, p. 48).
Tal política impulsionou a transferência de empresas japonesas para as
regiões menos desenvolvidas da Ásia. As restrições impostas pelos Acordos
Plaza e do Louvre posteriormente também atingiram Taiwan e Coreia do Sul, o
que fez com que as firmas destes países, da mesma forma que as japonesas,
se deslocassem para outras nações menos desenvolvidas do continente. Este
deslocamento intrarregional da produção dos países mais desenvolvidos da
Ásia beneficiou a China, que passou a absorver investimentos e plantas
produtivas sofisticadas direcionadas para a exportação (MEDEIROS, 1997;
LEVI, 1997).
A segunda fonte destas transformações respondeu ao surgimento, no
início da década de 1980, do que Fiori (1997) chamou de Segunda Guerra
Fria.10 Nesta fase, a política do governo norte-americano, ao mesmo tempo que
procurava isolar e derrotar a União Soviética, buscava incitar o
10. A estratégia dessa Segunda Guerra Fria foi organizada em cinco frentes: o projeto militar e tecnológico Strategic Defense Initiative; o apoio aos movimentos anticomunistas em diversos lugares do planeta; a instalação de uma rede de mísseis MX; a campanha para reduzir o acesso da União Soviética às divisas internacionais; e a rápida aproximação dos EUA com a China por conta da abertura do mercado norte-americano para os produtos chineses e das concessões financeiras para apoiar seu desenvolvimento (FIORI, 1997).
23
desenvolvimento econômico das zonas de influência do bloco socialista. Neste
sentido, em razão da sua posição geopolítica privilegiada dentro da Ásia, a
China assumia um papel estratégico fundamental para a política dos Estados
Unidos. Para alcançar o objetivo de isolar a União Soviética e pulverizar a
ideologia socialista, os norte-americanos formularam uma estratégia de
aproximação com os demais países comunistas, apoiando grupos políticos e
movimentos sociais de oposição aos regimes socialistas então vigentes e
praticando políticas econômicas expansionistas, a fim de trazê-los para sua
órbita de influência, restringindo o espaço de atuação político e ideológico dos
soviéticos no sistema mundial.
Desse modo, a retomada das relações com a China e o apoio ao seu
crescimento era uma forma de os norte-americanos sinalizarem que os
principais países do bloco socialista estavam progressivamente se deslocando
para a zona de influência capitalista, não respondendo mais aos interesses dos
soviéticos.
Logo, ainda que os primeiros sinais de aproximação tivessem emergido
no governo Nixon (1969-1974), como no caso da concessão do tratamento de
Nação Mais Favorecida à China, foi entre 1979 e o início do decênio seguinte
que as relações entre os dois países avançaram decisivamente. Neste ínterim,
a China passou a ser classificada como nação em desenvolvimento, o que
permitiu a diminuição das tarifas norte-americanas para as exportações de
têxteis e vestuários em cerca de 50% (MEDEIROS, 1999). Ademais, o aumento
das exportações de grãos e o acesso crescente do crédito oficial norte-
americano levaram os chineses a conseguirem lançar um programa de
importação de máquinas e equipamentos sem comprometer os avanços que
vinham sendo obtidos tanto na agricultura quanto na indústria leve.
Em suma, pode-se constatar que as transformações no cenário
internacional que contribuíram para as reformas dos regimes comerciais da
China tiveram basicamente duas origens. A primeira, de natureza econômica,
encontra-se nas pressões mercantilistas dos Estados Unidos sobre o Japão,
Coreia do Sul e Taiwan, que impulsionaram o deslocamento das indústrias
destes países para outras nações asiáticas, como a China. A segunda origem,
de natureza política, identifica-se com o projeto de isolamento do socialismo
24
soviético, que motivou a abertura do mercado consumidor e creditício
americano para absorver e financiar as exportações da China.
O ambiente geopolítico descrito, juntamente com o sucesso do novo
regime de comércio em termos de crescimento das exportações e da criação
de novas áreas econômicas preferenciais no interior do país, passou a motivar
não somente as empresas de países asiáticos próximos a manterem e
expandirem seus investimentos, mas também as de países desenvolvidos a
investirem na China11. Logo, desde o início da década de 1990, as empresas
multinacionais (EMN) oriundas de países desenvolvidos passaram a elevar
consideravelmente sua presença no mercado chinês, investindo em setores
mais intensivos em tecnologia.
Se, por um lado, o governo permitia que estas EMN usufruíssem das
vantagens econômicas estabelecidas nas zonas especiais e de uma imensa
oferta de mão de obra relativamente qualificada e de baixíssimo custo, assim
como, posteriormente, explorassem o potencial do enorme mercado
consumidor chinês, por outro lado, direcionava-as para atuarem em setores
exportadores de bens de maior intensidade tecnológica. Este direcionamento
atendia aos objetivos de modernização econômica, aumentando a
competitividade do parque produtivo e a sofisticação dos bens produzidos e
exportados pelo país. Este processo se fortaleceu ao longo do tempo, atraindo
um número cada vez maior de EMN do mundo desenvolvido para o território
chinês, o que ensejou não somente a expansão da produção de empresas
estrangeiras, mas especialmente o aumento das exportações de bens
produzidos nas zonas especiais.
Os resultados observados no gráfico 10 mostram que, a partir de 2003,
as ZPE e as ZDTH começaram a contabilizar crescentes superávits comerciais,
graças à expansão de suas exportações, assim como as ZDTE que, a partir de
2005, também apresentaram crescentes saldos comerciais. No entanto, desde
2004, foram as ZPE que atingiram as maiores taxas de crescimento dos saldos
comerciais (45% em média entre 2004 e 2010). Este crescimento se traduziu
numa expansão de oito vezes do seu superávit comercial, que em 2010 estava
11 Os países desenvolvidos ainda se favoreceram das iniciativas do governo chinês de consolidar uma estrutura institucional estável e ampliar os setores que podiam receber o IDE.
25
na casa dos US$ 58 bilhões. A disparidade entre as zonas especiais foi
acentuada pela crise internacional.
GRÁFICO 10
China: resultado da balança comercial por zonas especiais (US$
bilhões) – 1993-2010
Fonte: General Administration of Customs of the PRC.
Elaboração Ipea.
Contudo, o fenômeno mais importante resultante da entrada das EMN
europeias e americanas foi a inauguração de uma nova via de absorção
tecnológica pelo comércio exterior da China. Até a década de 1990, apenas o
comércio exterior realizado pelas filiais asiáticas nas zonas especiais era
responsável por este processo. A produção compartilhada destas filiais, por
meio da importação de partes e componentes e exportação de bens finais,
realizada em parcerias com as empresas cooperativas, era a forma
predominante de catching-up tecnológico para a indústria chinesa. No entanto,
a partir da chegada das firmas americanas e europeias, a China passou a
absorver tecnologia também pela importação de produtos mais sofisticados,
especialmente bens de capital, e pela transferência para o país de segmentos
dos setores de pesquisa e desenvolvimento (P&D) destas empresas,
elementos que configuraram uma segunda forma de catching-up tecnológico
(GAULIER, LEMOINE e ÜNAL-KESENCI, 2005).
26
Com esse processo, as parcelas que as FIE detinham do comércio
exterior chinês expandiram-se cada vez mais rapidamente, ocupando a quase
totalidade das atividades de processamento de exportações e concentrando,
no período recente, quase 60% de todo o comércio exterior chinês.
GRÁFICO 11
China: participação e evolução dos fluxos de comércio das FIE
(US$ bilhões e %) – 1986-2010
Fonte: Ministry of Commerce of the People's Republic of China – MOFCOM.
Elaboração Ipea.
Esse crescimento pode ser visto no gráfico 11, que explicita, com escala
no eixo esquerdo, a evolução da participação relativa das FIE no total do
comércio exterior da China e, com escala no eixo à direita, os fluxos totais
relativos às exportações e importações geradas por essas empresas. A
participação relativa das FIE, que era de apenas 5% em meados da década de
1980, elevou-se continuamente e superou, a partir de 2000, 50%, mantendo-se
desde então acima deste patamar, mostrando com isso o peso das empresas
estrangeiras no comércio exterior chinês. Com a crise houve queda dessa
participação no ano de 2009, porém, houve recuperação das atividades
externas no ano posterior.
Num segundo momento, essas empresas também adquiriram um papel
mais importante na geração de inovações e disseminação de novas
27
tecnologias no país. Fato evidenciado pelo rápido crescimento da instalação,
por parte de empresas estrangeiras, de novos laboratórios de P&D, desde
2002.
Após explicar a lógica das reformas do comércio exterior, cumpre
entender quais instrumentos de políticas foram utilizados para possibilitar não
somente a execução das reformas, mas principalmente a regulação do
processo de abertura. Além disso, ainda deve-se analisar a gestão da política
cambial que foi conduzida de modo pragmático, sempre no intuito de
impulsionar as exportações.
4 INSTRUMENTOS DE POLÍTICA COMERCIAL E A TAXA DE
CÂMBIO
4.1 Os instrumentos de política comercial
Os dois processos discutidos, quais sejam, a multiplicação das TC e o
desenvolvimento das zonas especiais, efetivamente criaram um sistema de
comércio exterior muito mais descentralizado e dinâmico e mais adequado para
permitir o crescimento intenso verificado nas exportações e importações. Os
diferentes instrumentos de políticas aplicados a cada um deles fazem com que
o regime comercial chinês possa ser compreendido de duas perspectivas.
De um lado, há um regime próprio às zonas especiais, destinado à
promoção das exportações, no qual as importações cumprem o papel exclusivo
de fornecerem insumos para a produção de bens exportáveis. Neste regime, as
FIE assumem um papel central, intervindo na maior parte dos fluxos de
comércio. De outro lado, o restante do comércio exterior chinês, concentrado
nas TC, caracteriza o que se pode chamar de regime “ordinário”. Um ponto
fundamental deste segundo sistema é que sob sua regência são processadas
todas as importações cujo destino é o consumo no mercado interno. Medeiros
(1999) resume as características desses dois regimes:
A política econômica chinesa, tal como praticada desde os anos 1980,
introduziu simultaneamente o desenvolvimento do mercado interno e a
promoção de exportações. É possível falar na existência de dois regimes. O
28
regime de promoção de exportações foi estabelecido com as ZEE, que se
espalharam ao longo das zonas costeiras. (...) Esse regime baseia-se no
processamento de importações com empresas locais contratadas por
empresas estrangeiras ou com empresas com participação estrangeira com
autonomia de exportação. (...) As empresas que não se encontram sob o
regime das ZEE subordinam-se à política chinesa de comércio exterior,
fortemente protecionista e dirigida simultaneamente para as exportações e para
o desenvolvimento do mercado interno. [Nesse segmento] todo o comércio
exterior é centralizado em tradings estatais (TE), que exercem o monopólio
cambial e tomam a iniciativa das exportações, promovendo a produção das
EVM [Empresas de Vilas e Municípios].12 Do mesmo modo as importações são
centralizadas, as tarifas sobre importações são elevadas e existem barreiras
não tarifárias para diversos bens (MEDEIROS, 1999, p. 401).
Apesar do avanço no sentido da descentralização ter ocorrido nos dois
sistemas, as políticas impostas a cada um deles estiveram longe de serem as
mesmas. As diferenças verificadas puderam ser atribuídas aos distintos
objetivos fixados para cada regime. De fato, se no regime “ordinário” a
preocupação central consistiu em descentralizar e liberalizar as importações
sem impedir o desenvolvimento das exportações e das indústrias nascentes,
no regime de processamento o principal objetivo era gerar instrumentos
capazes de impulsionarem as exportações mantendo o controle do governo
chinês sobre o raio de ação das empresas instaladas nas zonas especiais.
Assim, no caso do último regime, ao lado da liberalização quase
completa das importações, já em meados da década de 1980 foram
estipulados incentivos fiscais para promover a participação das FIE no setor
exportador chinês, principalmente naqueles mais intensivos em tecnologia.
Uma corporação estrangeira que se estabelecesse no mercado chinês no setor
de tecnologia poderia conseguir isenção do imposto de renda por até dois
anos. Para estas empresas, além da isenção, haveria uma redução de metade
do pagamento de todos os impostos, desde que 70% de suas vendas totais
tivessem como destino o mercado externo (LAZZARI, 2005). Adicionalmente,
em 1986 entrou em vigor uma lei que protegia os lucros das empresas
12. Neste capítulo, em vez de TE e EVM, empregam-se TC (trading companies) e TVE (township and villages enterprises).
29
estrangeiras, mesmo quando elas ingressavam no mercado chinês sem
nenhuma associação com empresas locais.13 O governo chinês também podia
fornecer apoio financeiro às FIE; para tanto, foi criada uma nova
regulamentação possibilitando a estas empresas, no caso de reinvestirem seu
lucro na China, terem acesso a uma linha específica de crédito a taxas de juros
mais baixas (DANG, 2008).
Além disso, nesse período, os investidores estrangeiros receberam
subsídios fiscais e financeiros para formarem alianças com empresas locais
(principalmente as recém-criadas township and villages enterprises – TVE),
dando origem às joint-ventures. Nesse sentido, a criação das TVE, conforme
mostra Sicular (1998), revelou-se fundamental para possibilitar inicialmente aos
investidores asiáticos a entrada num país onde praticamente não existia um
setor privado, e onde o setor estatal era muito fechado e cercado de
controles.14 A associação com este tipo de companhia era extremamente
conveniente para as FIE, em especial as de países vizinhos à China, uma vez
que lhes permitia contar com vantagens tributárias regionais e acesso a um
13. “A Lei da República Popular da China sobre empresas de propriedade estrangeira (WFOE – Wholly Foreign-owned Enterprises), publicada em 12 de abril de 1986, forneceu uma proteção para os lucros e juros devidos a investidores estrangeiros que criarem WFOE na China. Uma série de outras leis e regulamentos expandiu o relaxamento das restrições chinesas à promoção de IDE com medidas que aumentavam a autonomia das empresas e facilitavam a remessa de lucros, o recrutamento da mão de obra e o uso da terra” (tradução livre). (The Law of People’s Republic of China on Wholly Foreign-owned Enterprises (WFOEs), published on April 12, 1986, provides for the protection for the profits and interest of foreign investors when they founded WFOEs in China. A series of other laws and regulations further relaxed China’s restriction in promoting FDI with measures for enterprise autonomy, profit remittances, labor recruitment and land use). (DANG, 2008, p. 14). 14.Ao comparar a China com a Rússia, tem-se que “uma razão que explica a atratividade da China para os investidores é a presença de um setor intermediário entre os setores estatal e privado. Ambos os países – [China e Rússia] – possuem grandes setores estatais, que têm apresentado, no entanto, um fraco desempenho em termos de lucratividade e [...] são problemáticos para investidores. Ambos os países também têm pequenos setores privados, mas que operam em condições regulatórias e de mercado imprevisíveis e não possuem o forte suporte oficial que pode ser essencial para o sucesso numa economia de transição. Investidores têm uma terceira alternativa na China, o setor de TVE. No curto e médio prazos, as TVE proporcionaram uma opção atrativa para investidores residentes e não residentes” (tradução livre). (One reason for China’s attractiveness to investors is the presence of an intermediate sector between the state owned and private sectors. Both countries – [China and Rússia] – have large state sectors, but these sectors have had weak profit performance and, for reasons discussed above, are problematic for investors. Both countries also have small private sectors, but the private sectors operate in an unpredictable regulatory and market settings and lack the strong official backing that can be essential to success in a transition economy. Investors have a third alternative in China, the TVE sector. In the short and medium run, TVEs have provided an option that attractive to both resident and nonresident investors. While Russia may lack initial conditions for a TVE sector resembling China’s, there may be routes for developing alternative sector for investors). (SICULAR, 1998, p. 12).
30
mercado de trabalho mais flexível e com salários mais baixos e, com isso, elas
poderiam aumentar sua competitividade.
Ao incentivo proporcionado às FIE pela possibilidade de formar alianças
com as TVE somava-se o desenvolvimento de um marco legal e de
procedimentos e regras que permitiam a atuação de empresas exportadoras.
Foi criado também um programa especial de incentivos para o processamento
de exportações que possibilitava a importação de insumos e bens
intermediários, livre de impostos, desde que fossem dirigidos para a produção
cujo destino seria a exportação.15 A operacionalização deste programa ocorria
de duas formas, como aponta o trecho abaixo:
Duas formas de realização dessa política foram efetivadas. A primeira delas, o
[...] comércio com processamento livre de impostos [...], ocorre sob um contrato
no qual a parte estrangeira, normalmente localizada em Hong Kong, envia
materiais para empresas chinesas para processamento ou montagem e
subsequente reexportação. A firma estrangeira retém a propriedade e paga
uma taxa de processamento para a empresa chinesa. Assim, a fábrica na
China exerce um papel fundamentalmente passivo, tomando as encomendas e
recebendo os materiais de empresas de comércio exterior. Fábricas de
propriedade local, frequentemente TVE, respondem pela maior parte do valor
exportado sob essa variante. Na segunda delas, a fábrica chinesa adquire
material importado e organiza a produção e o comércio de forma autônoma. As
firmas estrangeiras tem atuado de forma mais importante nessa segunda forma
de processamento de exportações (tradução livre).16
Nos anos 1990, novas políticas foram implementadas no sentido de
liberalizar-se a entrada do IDE, desde que dirigido para os setores
exportadores de bens intensivos em alta tecnologia. A principal iniciativa neste
sentido foi a formação do Guiding Foreign Investment – Industrial Catalogue,
15.De fato, as importações destinadas a esse fim vieram a representar uma grande parcela do total, superando 50% desde 1996. No gráfico A.4, apresenta-se uma evolução das importações segundo o regime de comércio. 16. “Two variants of this policy are in effect. The first type of duty free processing trade (...) takes place under a contract in which a foreign business, usually located in Hong Kong, ships materials to Chinese enterprises for processing or assembly and subsequent reexport. The foreign business retains ownership and pays a processing fee to the Chinese enterprise. The factory in China plays a fairly passive role, taking orders and receiving materials from foreign trading companies. Indigenously owned factories, often TVE, account for the bulk of the export value. In the second type of duty-free trade (...) the factory in China purchases the imported materials and organizes production and trade on its own. Foreign-invested firms account for the bulk of export value under this variant” (NAUGHTON, 1996, p. 299-300).
31
em 1995, que restringia setorial e regionalmente a entrada do IDE,
concentrando os mecanismos de apoio aos capitais estrangeiros intensivos em
tecnologia e direcionados ao setor exportador. Para aqueles setores
econômicos classificados como “incentivados” ou “permitidos”, como era o caso
das indústrias direcionadas às exportações e as de alta tecnologia, os
incentivos fiscais e financeiros, inclusive para importar livremente, foram
atrelados e expandidos.
Em contraste com o amplo conjunto de incentivos concedidos ao setor
de processamento, o comércio exterior realizado pelo setor “ordinário”, embora
também tenha sido flexibilizado ao longo do tempo, permaneceu objeto de forte
regulação. O monopólio comercial exercido por algumas poucas TC que
vigorou até o início das reformas foi eliminado, mas não emergiu no seu lugar
um sistema totalmente liberalizado. Em vez disso, foi substituído, inicialmente,
por um regime de licenciamentos compulsórios, largamente utilizado na década
de 1980, à medida que parcelas cada vez maiores do comércio eram
removidas do sistema de planejamento e escapavam aos controles do Estado.
Posteriormente, esse sistema de licenciamentos foi sendo substituído de
modo progressivo por um quadro de restrições baseado num conjunto de listas
tanto negativas quanto positivas, as quais especificavam os itens que somente
teriam a permissão de serem negociados por certas firmas (MARTIN e BACH,
1998). As restrições ao comércio neste regime se manifestaram não somente
na introdução de tais listas, mas também na elevação das tarifas de importação
e principalmente na imposição de maiores barreiras não tarifárias ao comércio
internacional, que se mantiveram num nível muito elevado até a década de
1990.17
17. “No começo dos anos 1980 foi publicado um novo e mais elevado conjunto de tarifas, que permaneceram elevadas ao longo da década seguinte. Em 1992, de acordo com a análise do Banco Mundial, as tarifas chinesas eram similares às de outros países em desenvolvimento altamente protegidos. A tarifa média era de 43% e a tarifa média ponderada pelo comércio era de 32% (a mesma do Brasil na época). Igualmente importantes eram as barreiras não tarifárias. O mesmo estudo do Banco Mundial mostrou que 51% das importações estavam sujeitas a uma ou mais de quatro barreiras não tarifárias diferentes e sobrepostas” (tradução livre). (In the early 1980s a new set of tariffs were promulgated that raised tariffs, which stayed high for the next decade. In 1992, according to the analysis in World Bank, China’s tariffs were similar to other highly protected developing countries. The unweighted mean tariff was 43%, and the trade-weighted mean tariff was 32% (the same Brazil at the time). Equally important were nontariff barriers (NTBs). The same World Bank study found that 51% of imports were subject to one or more of four different overlapping nontariff barriers.) (NAUGHTON, 2007, p. 385).
32
Portanto, longe de ser um regime liberalizado, o comércio exterior do
setor “ordinário” esteve submetido a um quadro regulador do Estado chinês,
por meio de um conjunto abrangente de regras e restrições impostas pelo
governo central. Assim, importantes restrições continuaram presentes, a
despeito de, como resultado das reformas das últimas três décadas, i) o
monopólio comercial e os rígidos sistemas de licenciamento terem sido
suprimidos; ii) o comércio de um número cada vez menor de bens estar ainda
limitado às TC; e iii) um número cada vez maior de empresas ser autorizado a
exportar e importar.18
Além das relevantes diferenças na forma como a abertura do comércio
se verificou entre os dois regimes, dentro de cada regime o ritmo das reformas
foi distinto, consideravelmente mais lento no caso das importações do que nas
exportações, conforme se observou pela quantidade de regulamentações
aplicadas ao longo do tempo às importações, em contraste com o número
limitado de restrições impostas às exportações.
Essa diferença é particularmente marcante no caso do regime
“ordinário”, em que as exportações, apesar de também sujeitas a restrições,
foram sendo mais rapidamente liberalizadas e inclusive receberam incentivos,
contrastando fortemente com o grande número de controles utilizados pelo
governo central sobre as importações, visando não expor as indústrias
18. Outras restrições às importações vigentes até meados da década de 1990 são descritas por Naugthon (1996, p. 306): “Antes das reformas, a importação de qualquer bem era monopólio de uma determinada TC nacional. Hoje, elementos importantes do monopólio persistem, devido às limitações do processo de liberalização. No primeiro caso, somente TC (...) são autorizadas a importar bens para a venda no mercado doméstico; as 3.400 empresas ligadas à produção que têm direito de comerciar somente são autorizadas a importar para suas próprias necessidades. [...] Além disso, as TC apenas têm o direito de fazer negócios dentro de um espectro limitado de produtos (escopo de negócios), estão frequentemente limitadas a uma província determinada, e por vezes são obrigadas a servir a uma categoria específica de cliente. Nenhuma TC é livre para escolher que produto importar. O escopo de negócios de uma firma pode ser muito estreito (especialmente se ele inclui um produto fortemente controlado) ou relativamente amplo (caso no qual tipicamente excluem-se todas as categorias importantes de produtos fortemente controlados)” (tradução livre). (Before reform, the import of any good was the monopoly of a certain national TC. Today, important elements of monopoly persist, due to the limitations of the liberalization process. In the first, only TC (...) are authorized to import goods for sale in the domestic market; the 3400 production enterprises that have trading rights are only authorized to import for their own production needs. In this sense, their position to that of the FIE, although they are subject to closer scrutiny. But import for sale in the domestic market requires the intermediation of a state-owned TC. Moreover, TC are chartered to engaged in business within a particular product range (business scope), are often limited to a designated province, and are sometimes constrained to serve a specified category of costumer. No TC is free to choose what products it imports. A firm’s business scope may be very narrow (especially if it includes a tightly controlled import) or relatively broad – in which case it typically will exclude all important categories of tightly controlled imports.)
33
nascentes à competição estrangeira. Os incentivos concedidos às exportações
tomaram principalmente duas formas. Por um lado, novas cidades foram
autorizadas a produzir para exportar. Por outro, foi permitida a associação das
atividades das TC e das TVE – possibilitando a subcontratação ou
transferência das etapas de produção de exportações das TC para as TVE,
reduzindo os custos de produção daquelas –, o que aumentava a atratividade
da produção para a exportação também neste sistema e elevava a participação
direta das TVE no total das exportações “ordinárias” (NAUGHTON, 1996).
Estes movimentos permitiram que a partir de meados da década de 1990 as
exportações realizadas dentro deste regime fossem inclusive capazes de
acompanhar as altas taxas de crescimento das exportações das zonas
especiais.
Mais tarde, com a entrada do país na Organização Mundial do Comércio
(OMC), em 2001, que somente foi possível após a negociação de um extenso
cronograma, ocorreu uma aproximação entre a legislação do regime “ordinário”
de comércio e o de processamento de exportações. Visando alcançar esta
meta, o governo iniciou um processo de redução das tarifas de importação, que
caíram de um pico relativamente elevado de 56% em 1982 para 15% em 2001,
e de forte diminuição do número de bens sujeitos à exigência de licenças de
exportação ou importação (LARDY, 2003). Além disso, foi garantida a maior
acessibilidade do setor de serviços ao investidor estrangeiro, principalmente a
partir de 1999, quando foi permitida a entrada de empresas do exterior
especializadas no comércio internacional de serviços (na forma de joint-
ventures) (LAZZARI, 2005; NAUGHTON, 2007).
Entretanto, mesmo depois de aderir à OMC, o processo de abertura
daqueles setores considerados estratégicos – infraestrutura, agricultura,
automotivo, energia etc. – permaneceu sujeito a fortes intervenções do governo
chinês. Na indústria automotiva, por exemplo, foram introduzidas novas
medidas resultantes de uma política específica para o setor em 2005. Segundo
as regras de importação desta política, peças adquiridas no exterior passaram
a ser altamente tarifadas, inibindo sua importação pelos fabricantes
automotivos locais. Foi ainda estabelecido que, se o valor das partes
importadas de um veículo excedesse um determinado limite, a tarifa aplicada
34
sobre cada parte importada seria equivalente à cobrada de automóveis
completos (25%), valor substancialmente superior ao da importação de
autopeças (10%).19 Desse modo, para continuar regulando e coordenando a
abertura, em especial daqueles setores considerados estratégicos, o governo
central ainda manteve boa parte destes setores sob a tutela do regime
“ordinário”, que ainda era bem mais protegido se comparado ao regime de
processamento.
Ficam, portanto, claramente identificadas as duas clivagens existentes
no processo de reforma no sistema de comércio exterior da China. Por um
lado, tem-se um regime de comércio exterior fortemente liberalizado, no que se
refere tanto às exportações quanto às importações, apoiado pelo capital
estrangeiro e realizado nas zonas especiais, e um regime de comércio
“ordinário” sujeito a importantes controles do Estado e a um processo de
abertura bem mais rígido. Por outro lado, pode-se constatar também que,
especialmente no regime “ordinário”, as reformas avançaram de forma mais
intensa no que tange às exportações do que às importações, sujeitas estas a
maiores restrições, a despeito dos avanços obtidos nas últimas décadas.
4.2 A política cambial
Um dos determinantes centrais do comportamento do comércio exterior de
qualquer país encontra-se na evolução da taxa de câmbio, preço relativo que
afeta a competitividade de uma economia. Se historicamente a China havia
mantido taxas de câmbio valorizadas de forma a implicitamente subsidiar a
importação de bens de capital, o que tornava fundamental o estabelecimento
de um rígido controle do mercado cambial, esta situação se alterou
radicalmente, embora de forma progressiva, com as reformas econômicas
(LARDY, 2003). As mudanças ocorreram ao longo de três períodos com
características próprias, conforme mostra a evolução das taxas de câmbio
nominal (entre 1980 e 2010) e real (entre 1980 e 2008) da moeda chinesa em
relação ao dólar, apresentada no gráfico 13.
19. Ainda em julho de 2008, em reunião da OMC, o governo chinês declarava que não reduziria suas barreiras para a importação de açúcar, arroz e algodão, além de recusar a proposta de corte profundo nas tarifas para bens industriais.
35
GRÁFICO 12
China: evolução das taxas de câmbio nominal e real (iuane/dólar) –
1980-2010
Fonte: Ipeadata.
Elaboração Ipea.
No primeiro período, entre 1980 e 1994, a taxa nominal, cuja média em
1980 era 1,50 iuane para cada dólar, depreciou-se contínua e intensamente até
descender, naquele último ano, à média de 8,62 iuanes por dólar. A
desvalorização da moeda não impactou apenas a taxa nominal, mas afetou
também a taxa de câmbio em termos reais,20 que saltou de 0,59 iuanes por
dólar em 1980 para 5,23 em 1994. Ao lado da forte desvalorização da moeda,
na primeira metade do período, em 1984, ocorreu uma alteração estrutural no
mercado de câmbio, que passou a dividir-se em dois compartimentos. O
primeiro era o oficial, administrado por meio de uma taxa flutuante, e o segundo
era o mercado de swaps, com acesso restrito às empresas localizadas nas
zonas especiais e às TC. Neste segundo mercado, a taxa de câmbio era ainda
mais desvalorizada, de modo a favorecer mais fortemente as exportações. 20. No cálculo da taxa real, utilizou-se como deflator a relação dos índices de preços ao consumidor dos Estados Unidos e da China.
36
“Essa situação permaneceu até 1994, quando ocorreu a unificação da taxa de
câmbio, com significativa desvalorização do iuane, e se estabeleceu um
mercado interbancário de divisas em Xangai, de forma a substituir os centros
de swaps” (MEDEIROS, 1999, p. 402).
Desde então, a despeito da estabilidade do câmbio nominal que
configurou um regime de câmbio fixo, a taxa real continuou se desvalorizando.
Se, depois de 1994, a taxa nominal permaneceu fixa em 8,28 iuanes por dólar,
a taxa real se desvalorizou de forma progressiva até alcançar, em 2005, o valor
de 8,07 iuanes por dólar.
Todavia, após um interregno de mais de dez anos, em julho de 2005
esse sistema de paridade fixa em relação ao dólar foi substituído por um
sistema cambial flexível, administrado segundo a variação de uma cesta de
moedas. Análises preliminares identificaram que o dólar respondia por 45%
desta cesta, enquanto o iene e o euro participavam, respectivamente, com 20%
e 15%.21 Desse modo, o regime que na prática funcionava como uma taxa
nominal fixa em relação ao dólar deu lugar a uma política na qual o câmbio
passou a poder flutuar dentro de uma banda estreita (inicialmente de 0,3%)
(CUNHA et al., 2006).
Foi graças à instauração desse novo regime que a taxa nominal de
câmbio sofreu uma discreta apreciação de 2004 a 2008, caindo de 8,27 para
6,95 iuanes por dólar e mantendo-se nesse patamar até 2010. Entretanto, ao
contrário do que se esperaria, a mudança do regime cambial não afetou a
competitividade da economia e das exportações chinesas em relação ao
conjunto de seus parceiros comerciais. Isto porque, depois de um período de
estabilidade ou mesmo valorização (particularmente acentuada em alguns
casos) frente às principais moedas do mundo na segunda metade da década
de 1990, os anos 2000 assistiram a uma consistente desvalorização do dólar
(ainda a principal moeda na ponderação do valor do iuane) nos mercados
globais de divisas, que mais do que compensou a apreciação da moeda
21. “Além da participação de cada país no comércio exterior chinês, também teriam sido levados em conta aspectos financeiros, tais como o perfil da dívida externa da China em termos de denominação monetária, bem como a origem dos fluxos de investimento externo, que tem sido a forma predominante de absorção de capitais” (CUNHA et. al, 2006, p. 19).
37
chinesa em relação ao dólar.22 A partir de julho de 2008, em razão do
aprofundamento da crise internacional, que retraiu a demanda externa, e do
interesse de fortalecer o uso da moeda local nas trocas regionais, a China
interrompeu a trajetória de valorização nominal da sua moeda, fixando
novamente a taxa de câmbio, desta feita em 6,8 iuanes por dólar.
Dessa maneira, os chineses procuraram, ao longo da implementação
das reformas comerciais, sustentar uma política cambial pragmática na qual as
taxas nominal e real deveriam se manter em patamares competitivos, levando-
se em conta não somente os aspectos internos, mas também as
transformações da economia global, e analisando seus possíveis efeitos para o
setor externo da economia do país. Foi sob esta perspectiva que se
compreendeu a postura do governo chinês de, num primeiro momento, ceder
às pressões externas e anunciar a valorização do iuane para reduzir os
desequilíbrios do balanço de pagamentos global,23 ainda que de maneira
gradual, a fim de não afetar o equilíbrio do sistema financeiro nacional,
segundo mostraram Cunha et al. (2006, p. 21):
Há nessa nova estratégia chinesa um reconhecimento de que os superávits em
conta corrente e na conta capital podem agravar o quadro de desequilíbrios no
comércio internacional, com um potencial político de provocar retaliações sobre
o país. (...) A opção de ligar o [iuane] a uma cesta de moedas, enfatizando o
caráter “gradual” e “adaptativo” do novo sistema, parece revelar a preocupação
do governo chinês em equilibrar tensões que são contraditórias. No front
externo a pressão pela valorização do [iuane] frente ao dólar manifesta-se no
plano comercial e diplomático, especialmente nas ameaças de retaliações
protecionistas dos EUA. Ademais, os influxos crescentes de capitais de curto
prazo posicionados nos mercados futuros em torno de apostas em um [iuane]
forte vêm adicionando um elemento especulativo ao processo corrente de
ajuste cambial. (...) Por outro lado, no plano interno, havia de se compatibilizar
um eventual fortalecimento da moeda doméstica com o equilíbrio do sistema
financeiro. Nos últimos anos os bancos chineses foram capitalizados com
22. Exemplo desse processo foi a desvalorização do dólar em relação ao euro, entre meados de 2001 e meados de 2008, de mais de 60%. Tamanha desvalorização influenciou a cotação da moeda chinesa, provocando a continuidade da desvalorização do iuane frente às moedas de uma parcela considerável dos parceiros comerciais da China e aumentando com isso a competitividade de seus produtos. 23. Para uma reflexão a respeito desses desequilíbrios do balanço de pagamentos global, ver Cunha et al. (2006).
38
ativos financeiros denominados em dólares. Com isso, uma valorização do
[iuane] nos níveis desejados em Washington e Wall Street – algo entre 10% e
20% – poderia causar um profundo desequilíbrio patrimonial nos bancos
chineses, com efeitos potencialmente desestabilizadores sobre o sistema
financeiro, em particular, e o conjunto da economia, em uma perspectiva mais
geral.
Pela mesma ótica se entendeu por que, num segundo momento, o
governo voltou a fixar o valor do iuane em relação ao dólar para ampliar o
papel regional de sua moeda e contrabalançar os efeitos negativos da crise,
tendo em vista a relevância de suas exportações para o avanço da
industrialização e para a manutenção do crescimento econômico.
Outro ponto importante da política cambial se refere à liberdade
concedida aos agentes para operarem com divisas. Nesse sentido, a livre
conversibilidade da conta-corrente somente foi instaurada em 1996 (este não
foi o caso das transações na conta de capital, para cujo controle foi mantido um
forte aparato regulatório). Esta mudança permitiu que os residentes e não
residentes instalados na China tivessem acesso às moedas estrangeiras,
facilitando, dessa forma, a importação de bens e serviços em moeda
estrangeira tanto pelas FIE quanto pelas empresas chinesas (desde que,
obviamente, possuíssem a autorização prévia do governo chinês para realizar
compras no exterior).
As características da evolução das taxas nominal e real no período
analisado permitem concluir que a política cambial foi efetivamente utilizada
enquanto instrumento decisivo para buscar e manter a competitividade externa
da economia do país. Além disso, procurou-se impedir que os movimentos
voláteis dos mercados cambiais afetassem seu sistema financeiro, fato
confirmado pelo emprego, até os dias atuais, dos controles de capitais. Com
este objetivo, foi trilhada num primeiro momento, após o início das reformas,
uma via deliberada de desvalorização da moeda, aprofundada com a
instalação do mercado dual do câmbio, seguida pela adoção de uma política de
câmbio quase fixo frente ao dólar até 2004. Desde então, houve uma
flexibilização do câmbio em relação a uma cesta de moedas, mas este
39
continuou sofrendo intervenções contínuas do Banco do Povo da China;
exemplo disto foi a recente fixação do câmbio nominal em relação ao dólar.
Essas mudanças deixam evidente a forma de gestão da política cambial
chinesa. Tal gestão está atrelada aos objetivos de dinamizar as exportações e
impedir grande volatilidade das taxas de câmbio. Em razão disso, o Banco do
Povo da China, especialmente em momentos de crise ou retração da demanda
externa, tem plena liberdade para atuar no mercado de câmbio a fim de
sustentar a estabilidade do iuane e garantir sua competitividade em relação às
moedas dos outros países.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O dinamismo do comércio exterior chinês nas últimas três décadas,
particularmente a partir dos anos 2000, contribuiu decisivamente para
transformar o país asiático numa das maiores economias do mundo. Este fato
chama mais atenção quando se leva em conta que a China realizou no período
uma transição de uma economia totalmente planificada, em que o comércio
internacional era extremamente limitado e centralizado, para uma economia de
mercado, em que as exportações líquidas se constituíram num instrumento
importante para o crescimento econômico do país.
Essa transição foi realizada sob a batuta do Estado chinês que, graças a
uma abertura gradual e pragmática, pôde controlar o ritmo de liberalização das
importações e de promoção das exportações. De fato, o governo procurou
manter o controle sobre o que era considerado estratégico dentro do comércio
internacional e, ao mesmo tempo, dinamizar os fluxos de comércio nas zonas
especiais, principalmente nos setores em que a China possuía vantagem
comparativa (intensivos em mão de obra) e naqueles ligados ao complexo
tecnológico.
Com esse objetivo, a estratégia de abertura resultou na formação de
dois regimes de comércio distintos: um primeiro, centralizado nas TC (estatais
especializadas no comércio exterior, submetidas a uma série de restrições,
principalmente no que diz respeito às importações) e com controle sobre
setores estratégicos; e um segundo, realizado nas zonas especiais sob a
40
liderança dos investimentos estrangeiros. O estabelecimento deste segundo
regime – com a permissão para a entrada de empresas estrangeiras e a
liberdade para importar –, aliado à concessão de subsídios cambiais, fiscais e
financeiros para as empresas que direcionassem suas atividades para o setor
exportador, constituiu a principal inovação do governo chinês para impulsionar
as exportações.
As reformas do comércio exterior que resultaram no desenvolvimento
dos dois regimes estavam inseridas num contexto de reorganização da
economia mundial em que se verificava, por um lado, o deslocamento de parte
da estrutura produtiva de Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong e Japão para
locais onde fosse possível produzir e exportar a custos mais baixos e, por
outro, a abertura do mercado norte-americano para as exportações dos países
asiáticos, entre eles a China. Neste quadro, os fluxos comerciais originados do
país ou a ele destinados foram progressivamente modificando suas direções.
Assim, se até a década de 1980 os países desenvolvidos eram os principais
fornecedores das importações e os em desenvolvimento o destino mais
importante das exportações chinesas, ao longo da década de 1990 esta
situação se inverteu, inicialmente no caso das exportações e, num segundo
momento, nos anos 2000, também para as importações.
Ao lado das mudanças na configuração dos fluxos comerciais, o
processo de reformas promovido pelo governo chinês conduziu à modificação
da pauta de exportações chinesa em direção a uma estrutura mais intensiva
em tecnologia. No início do processo de abertura, o país aproveitou sua força
de trabalho abundante e a proximidade com mercados razoavelmente
desenvolvidos para atrair empresas e gerar exportações de bens pouco
elaborados, como têxteis. Desde o final dos anos 1990, a geração de expertise
nas estatais e a apropriação de tecnologia ganharam força, principalmente em
virtude das parcerias realizadas com empresas estrangeiras e da diversificação
da indústria nacional. Como resultado, a participação das exportações de bens
mais sofisticados já superou a dos setores intensivos em trabalho ou recursos
naturais.
Por fim, é possível sugerir que a China, embora tenha de fato recorrido a
importantes reformas que introduziram no país características próprias ao
41
funcionamento de uma economia de mercado, utilizou e utiliza um amplo e
variado leque de instrumentos regulatórios e de intervenção direta sobre o
comércio exterior com o objetivo de controlar o processo de abertura,
especialmente das importações, priorizar o desenvolvimento de exportações
consideradas estratégicas e, simultaneamente, aproximar sua estrutura
produtiva às indústrias mais modernas da economia internacional.
42
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Com
unic
ados
do
Ipea
Nº 97A EVOLUÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES
ESTRUTURAIS DO COMÉRCIOEXTERIOR CHINÊS
29 de Junho de 2011