conceito renascentista impressionista

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Revista Eletrônica Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia> Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p. 43-50, 1998/1999 O CONCEITO DE IMITAÇÃO NA PINTURA RENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA Maria Tereza Resende Raposo (COFIL-FUNREI) Orientador: Professor Alberto Tibaji (DELAC-FUNREI) Resumo: O trabalho pretende discutir o significado e o alcance da ruptura da pintura Impressionista do século XIX com a Renascentista do Quattrocento, em função de seus conceitos de imitação e expressão da realidade e do real; comparar os esquemas de composição, os sistemas de figuração, as expressões plásticas, as representações de espaço e as conquistas de novas técnicas e, finalmente, mostrar que a pintura não é uma representação do real, mas uma expressão da interação mundo-artista. Palavras-Chave: Mimese. Quattrocento. Impressionismo. Abstract: The work intends to discuss the meaning and the reach of the rupture of the painting Impressionist of the century XIX with Renascentist of Quattrocento, in function of its concepts of imitation and expression of the reality and of the real; to compare the composition outlines, the figuration systems, the plastic expressions, the space repre- sentations and the conquests of new techniques and finally to show that the painting is not a representation of the real, but an expression of the interaction world-artist. Key word: Mimese. Quattrocento. Impressionism. Introdução arte sempre foi um valioso recur- so cultural; promove a comunica- ção, a transmissão de conheci- mentos, a abordagem das relações ho- mem-natureza e a expressão e criação humanas. Um dos primeiros conceitos de arte, criado pelos gregos e que, por lon- gos séculos, constituiu a principal refe- rência artística foi o conceito de imita- ção, chamado de mimese. A mimese pode ser identificada, a partir sobretudo de Aristóteles, com a função de ligar o mundo sensível ao ideal-divino; ou com o sentido de cópia em conformidade e semelhança com o modelo real e natural; ou ainda interpretada como alegoria de exemplos éticos/morais/religiosos. Sa- bemos hoje que mimese significa mais que uma simples imitação. Para discu- tir este conceito vamos abordar a produ- ção pictórica em dois períodos e locais distintos: o Renascimento do séc. XV, denominado Quattrocento, na Itália, e o Impressionismo do séc. XIX, na França. O século XV, o Quattrocento da História das Artes, foi um importante estágio na expressão plástica sob o ponto de vista da imitação. Valendo-se do aperfeiçoa- mento e utilização da pintura a óleo, da aplicação de técnicas de perspectiva, das regras de redução das dimensões, do sistema das linhas de fuga, da esco- lha do ponto de fuga único, da redução para o ponto de vista monocular e sob a influência do espírito científico e filosófi- co racional da época, os artistas desen- volveram um sistema pictórico capaz de satisfazer as necessidades figurativas da época. Este sistema buscava o racional figurativo, o realismo pitoresco, e a fide- lidade da representação. Segundo Pierre Francastel, a tentativa de imitação do real no Renascimento não é definitiva e nem única. Conforme a mudança do ritmo da existência, confor- me a avaliação filosófica, social ou ide- ológica de grandezas, do eterno, do con- tingente, haverá a descoberta de outros sistemas para reprodução de aspectos que a percepção renascentista não ex- pressou. Novos propósitos de imitação do real serão procurados, por exemplo, pelos pintores do Impressionismo. No séc. XIX há um remanejamento da imagem em conseqüência de um enriquecimento do vocabulário plástico e da inauguração de novos conceitos e técnicas. A pintura dos impressionistas é, até certo ponto realista, figurativa, não muda os funda- A

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    O CONCEITO DE IMITAO NA PINTURARENASCENTISTA E IMPRESSIONISTA

    Maria Tereza Resende Raposo (COFIL-FUNREI)Orientador: Professor Alberto Tibaji (DELAC-FUNREI)

    Resumo: O trabalho pretende discutir o significado e o alcance da ruptura da pinturaImpressionista do sculo XIX com a Renascentista do Quattrocento, em funo de seusconceitos de imitao e expresso da realidade e do real; comparar os esquemas decomposio, os sistemas de figurao, as expresses plsticas, as representaes deespao e as conquistas de novas tcnicas e, finalmente, mostrar que a pintura no uma representao do real, mas uma expresso da interao mundo-artista.

    Palavras-Chave: Mimese. Quattrocento. Impressionismo.

    Abstract: The work intends to discuss the meaning and the reach of the rupture of thepainting Impressionist of the century XIX with Renascentist of Quattrocento, in function ofits concepts of imitation and expression of the reality and of the real; to compare thecomposition outlines, the figuration systems, the plastic expressions, the space repre-sentations and the conquests of new techniques and finally to show that the painting isnot a representation of the real, but an expression of the interaction world-artist.

    Key word: Mimese. Quattrocento. Impressionism.

    Introduo

    arte sempre foi um valioso recur-so cultural; promove a comunica-o, a transmisso de conheci-

    mentos, a abordagem das relaes ho-mem-natureza e a expresso e criaohumanas. Um dos primeiros conceitos dearte, criado pelos gregos e que, por lon-gos sculos, constituiu a principal refe-rncia artstica foi o conceito de imita-o, chamado de mimese. A mimesepode ser identificada, a partir sobretudode Aristteles, com a funo de ligar omundo sensvel ao ideal-divino; ou como sentido de cpia em conformidade esemelhana com o modelo real e natural;ou ainda interpretada como alegoria deexemplos ticos/morais/religiosos. Sa-bemos hoje que mimese significa maisque uma simples imitao. Para discu-tir este conceito vamos abordar a produ-o pictrica em dois perodos e locaisdistintos: o Renascimento do sc. XV,denominado Quattrocento, na Itlia, e oImpressionismo do sc. XIX, na Frana.

    O sculo XV, o Quattrocento da Histriadas Artes, foi um importante estgio naexpresso plstica sob o ponto de vistada imitao. Valendo-se do aperfeioa-mento e utilizao da pintura a leo, daaplicao de tcnicas de perspectiva,das regras de reduo das dimenses,

    do sistema das linhas de fuga, da esco-lha do ponto de fuga nico, da reduopara o ponto de vista monocular e sob ainfluncia do esprito cientfico e filosfi-co racional da poca, os artistas desen-volveram um sistema pictrico capaz desatisfazer as necessidades figurativas dapoca. Este sistema buscava o racionalfigurativo, o realismo pitoresco, e a fide-lidade da representao.

    Segundo Pierre Francastel, a tentativade imitao do real no Renascimentono definitiva e nem nica. Conforme amudana do ritmo da existncia, confor-me a avaliao filosfica, social ou ide-olgica de grandezas, do eterno, do con-tingente, haver a descoberta de outrossistemas para reproduo de aspectosque a percepo renascentista no ex-pressou.

    Novos propsitos de imitao do realsero procurados, por exemplo, pelospintores do Impressionismo. No sc. XIXh um remanejamento da imagem emconseqncia de um enriquecimento dovocabulrio plstico e da inauguraode novos conceitos e tcnicas. A pinturados impressionistas , at certo pontorealista, figurativa, no muda os funda-

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    mentos da representao e da morfolo-gia da arte, mas renova o sistema decodificao. Seu esquema de composi-o anlogo ao clssico, mas elaboranova linguagem plstica para reproduziro real. que o real deixa de ser registromecnico de uma viso bruta e docu-mental. H outras dimenses da realida-de, mais efmeras talvez, mas que atin-gem estruturas mais ntimas, segredosda vida, sensaes ligadas emoo,ao sentimento, experincia vivida. Aquia cor e a luz so fundamentais. A cortem significao espacial absoluta enovo espao plstico vai se processan-do. Desaparece a linha e a forma dadapela cor e pelos efeitos da luminosidadeatmosfrica. Entretanto, como o real no mais definitivo nem eterno, pelo con-trrio, efmero, fugaz e inexaurvel -surge a impossibilidade da imitao nosentido primordialmente atribudo mi-mese.

    2. O Renascimento

    No Quattrocento algo importante acon-teceu na arte pictrica renascentista. Emespecial na Itlia, em Florena, desen-volveu-se um sistema de figurao emperspectiva, uma representao plsticaque, pelos quatro sculos seguintes,satisfez as necessidades figurativas dacivilizao ocidental.

    Comeou com Brunelleschi, na constru-o da cpula da catedral de Santa Ma-ria del Fiori. Ali ele materializou a espe-culao terica sobre a luz e o espao,explorou as relaes dos planos, o ma-nejo pictrico e escultural e demonstrouque a luz manejvel tanto quanto aforma1. Atravs dos clculos que re-sultaram na edificao de sua cpula,mostrou ser possvel levar em conta umelemento impalpvel: a luz. E atravs daluz, fazer a ligao de objetos distancia-dos. Doravante as superfcies sero en-caradas como o ponto de encontro deplanos no espao. A partir das contribui-es de Filippo Brunelleschi e de LeonBattista Alberti, posteriormente elabora-das por Leonardo da Vinci, o infinito ga-nha uma representao espacial atravsda perspectiva cnica. Esta tcnica pro-cura um realismo tico com as imagens 1 Francastel, Pierre. Pintura e Sociedade. p.30.

    diminuindo de tamanho medida que seencontram mais afastadas e com aslinhas convergindo para um mesmoponto, o ponto de fuga. O ponto de en-contro das linhas o lugar em que aao se perde na distncia e por istorepresenta o infinito.

    Na pintura Quattrocentista aplicou-sepela primeira vez as regras de reduodas dimenses pela distncia. O sistemade linhas de fuga ps fim ao sistemamedieval de compartimentao e abriucaminho para uma nova pintura, umnovo mtodo de representao do espa-o e da luz. Inicialmente isto se deu emmltiplas experincias, sem frmula de-finitiva. Apurou-se a tcnica da pintura aleo, que aliada introduo da pers-pectiva, transformou a inteno da mi-mese em possibilidade.

    O novo sistema aplicou as leis da pers-pectiva linear de Euclides, reduziu oponto de vista viso monocular, mesma escala, estabeleceu ponto con-cordncia das coordenadas geomtricas,escolheu um ponto de fuga nico nofundo do quadro.

    A pintura do Quattrocento devedorados cenrios e acessrios tradicionais doteatro antigo e medieval - rochedos,troncos, arcos, colunas, pavilhes - poristo mais prxima dos cenrios de teatrodo que da realidade das ruas de Floren-a. Utilizaram-se temas clssicos, religi-osos e mticos porque ainda no se con-seguia romper com os parmetros mo-rais convencionais mas, gradualmente,foram sendo substitudos os signos denotao das crenas religiosas medie-vais e os acessrios cnicos do teatro eda arquitetura clssica presentes emsuas propostas por um novo sistema derepresentao. S gradualmente ps-sefim compartimentao e representa-o medievais conservadoras cujo obje-tivo era visualizar representaes mo-rais.

    Multiplicaram-se experincias na primei-ra metade do Quatttrocento, s vezescontraditrias ou hesitantes e sem fr-mula definitiva. Gradualmente foramsubstituindo o conservador pelo inova-dor. A renovao no foi inveno re-pentina como opo esttico-social.Gradualmente o corte de silhuetas ou afigurao em relevo de grupos escultu-

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    rais foi sendo substituda pela frmulados corpos tornados macios unica-mente pelos efeitos da luz2. S bemtarde vem a organizao unitria do es-pao e integrao de planos distantes.Primeiro apareceu em forma de virtuali-dade, depois como sistema susceptvelde aplicao e enfim como mtodo.

    No Renascimento permaneceram signosconvencionais de crenas e valores, sque dentro de novas tcnicas pictricas.Seu alcance foi precedido pelo giottismo,sucedido pela primeira gerao doQuatttrocento (Masaccio, Masolino, An-gelico, Castagno), evoluiu na metade doQuattrocento (Ucello, Donatello), paraque a terceira gerao quattrocentista jencontrasse fixadas as leis de figuraoespacial.

    De incio houve a aplicao da frmulade Alberti, denominada cubo de Alberti,formulada com rigidez como regra deouro na representao do espao na telade duas dimenses. Na frmula de Al-berti, as imagens se inscrevem no interi-or de um cubo aberto de um lado. Dentrodeste cubo um universo reduzido, obe-dece a leis da fsica e da tica. Todas aspartes mensurveis esto na mesmaescala, os lugares e objetos esto dentrodo ponto de concordncia de coordena-das geomtricas, ou seja, h conserva-o das horizontais e verticais em qual-quer distncia e a viso monocular captada de um ponto fixo. Desta maneiraele pretende que tudo o que for repre-sentado aparea como em relevo. Estaconcepo de espao fechado, cbico,de Alberti, suscitou o respeito e seduziumuitos artistas porque antes eles extra-am efeitos de profundidade precaria-mente, s dos espaos cnicos. Aomesmo tempo a imposio de uma uni-dade e concentrao iconogrfica entraem conflito com a necessidade de re-presentar espaos abertos e extensos.Para resolver isto os artistas deram svastas extenses uma viso reduzida edistante, com tratamento arbitrrio efragmentrio que, embora apresentenitidez irreal quanto perspectiva econtrrio lei dos campos pticos3.

    2 Francastel, op. cit, p. 15.3 Id., ibid., p.37

    Nas admirveis paisagens de fundo dosquadros do Renascimento, temos deidentificar outra tcnica aplicada paraconseguir os efeitos de profundidade eextenso do espao. O recurso deno-minado de veduta e consiste em re-cortar uma janela na parede do cubo queabre uma vista para a natureza. Estajanela pode ser fictcia e estar localizadaentre dois motivos ou dois membros deuma figura , por exemplo. O fato queela permite acrescentar a extenso quefaltava ao espao fechado e permitevisualizar representaes objetivas oumorais.

    3. O Impressionismo

    A primeira grande ruptura linear se deucom o Impressionismo. A Europa do finaldo sc. XIX no aceitou imediatamenteo impressionismo porque ela era palcode propostas lineares e acadmicas(Neo-classicismo, Romantismo e Rea-lismo). O trabalho clssico, perfeccio-nista, que chegava a corrigir imperfei-es do modelo, dava grande valor proporo e ao equilbrio, era mais dese-nho que cr, mais impessoal que pesso-al, tinha temticas relativas nobreza, mitologia. Ex: Caravaggio. O trabalhoromntico, tambm acadmico, era car-regado de subjetivismo - transmitia an-gstia, clera, alegria, dramaticidade.Era mais colorista que desenhista. Orealista era linear, acadmico, retratavaa realidade nua e crua, como se via.Pintava como se tivesse vendo o mundoatravs de uma vidraa. Ex: Coubert.

    Mas, um desejo de mudana torna-secomum entre intelectuais e artistas mar-ginais influenciados por Charles Baude-laire. Baudelaire desejava que os verda-deiros artistas fossem pintores da vidamoderna e tivessem um olhar de infn-cia4, isto , que houvesse compromissodo pintor com o seu presente e que seuolhar fosse desprovido de preconceitos.O contexto poltico-social favorecia avinculao entre a arte no-acadmica ea vanguarda engajada politicamente, detal maneira que o desejo de mudanaentre eles se traduzia em tentativas dereformulao pictrica. A partir das expe-rincias das pinturas de paisagens ao ar 4 Coli, Jorge, Manet: o enigma do olhar, p.233.

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    livre da Escola de Barbizon (s possvelcom a industrializao da tinta a leo emtubos metlicos facilmente transport-veis); da introduo de novos elementostemticos (o povo desfavorecido, o tra-balho, as cidades nascidas do industria-lismo) e da popularizao da fotografiacomo recurso de reproduo da imagem,a pintura fica mais livre para trilhar novocaminho. Este novo caminho vai possi-bilitar a expresso da prpria capacidadeplstica e tcnica do artista que procurana natureza o material pictrico.

    Em Paris, entre 15 de abril e 15 de maiode 1874, no atelier do fotgrafo Nadar,aconteceu a primeira exposio dos ar-tistas excludos e rejeitados pela eliteacadmica. Foram chamados de im-pressionistas pelo crtico de arte L. Le-roy, no jornal Le Charivari, que os asso-ciou pejorativa e hostilmente com o ttuloda obra Impresses do Sol Nascente,de Claude Monet.

    No Impressionismo h luz, sol, cor, mo-vimento que passa, desaparece a linha,o artista sai do ambiente fechado de seuatelier e pinta luz do dia. A arte liberta-se da escravido linear e a forma dadapela cor, com amplas pinceladas. Oartista abandona a luz nica de seu ate-li, trabalha sob luz difusa e descobreque a luz do sol produz diferentes tonali-dades nos elementos da natureza. Oartista pinta a rvore do meio-dia comum tom avermelhado e da tardinha comum tom azulado. A pintura passa a serconstruda rapidamente para no perdero momento em que passa e por isso opintor no entra em detalhes.

    Em resumo, so caractersticas da pintu-ra Impressionista:

    Trabalho fora do atelier, direto nanatureza.

    Pintura sobre o motivo, sem idiaspreconcebidas.

    Concepo da pintura como estudopreciso das aparncias.

    Submisso da teoria experincia. A forma resultante da cor. Percepo instantnea, dispersa,

    dissolvida, leve, atmosfrica. Uso das 7 cores do prisma. Eliminao dos terras, ocres e ne-

    gros. Justaposio de cores. A luz e reflexos cobrem os objetos.

    Objetos so envolvidos em muitaluminosidade, sombras claras.

    Construo rpida. Pinceladas curtas, vrgulas, manchas

    descontnuas e multicores. Abolio do contorno que precisa

    forma e sugere volume. Ausncia de contraste violento entre

    claro-escuro. Sombras nuanadas, coloridas com

    reflexos.

    Impressionismo no ainda arte moder-na, mas ruptura linear com as tcnicasanteriores, ruptura com o clssico, nova tcnica a partir da qual surgir aArte Moderna. No se pode exagerar aruptura do impressionismo com os mo-vimentos anteriores. De incio h amplia-o e no rejeio pois o sculo XIXconserva enquadramento, planos seleci-onados, esquemas de composio. Co-mea a haver uma distncia entre cor edesenho. Enquanto a crtica censura ostemas e as tcnicas, os impressionistasavanam em sua pintura realista e po-tica, num estilo prximo do real, inde-pendente do tema e com renovado sis-tema de codificao do espao imagin-rio. H uma crise de expresso sem mu-dar a morfologia da arte e os fundamen-tos da representao.

    Uma gerao de pintores transformou asrelaes entre pintor-natureza, entrepintor-espectador, com invenes tcni-cas revolucionrias. Avanaram peno-samente, eles hesitaram, foram maisprecursores que realizadores. O Impres-sionismo no receita descoberta re-pentinamente e suas obras no so pro-dutos s de teorias e de ideologias. De-terminado nmero de obras dos impres-sionistas possibilitou evoluo da lingua-gem visual, transformou figurao doespao, libertou artistas de convenesseculares, introduziu pesquisa.

    O alcance desta transformao seme-lhante do Quattrocento porque umaelaborao simultnea e coerente designos e representao imaginria, linguagem nova para o seu tempo. Talcomo o Renascimento, o Impressionismotenta elaborao de nova linguagemplstica, tende a substituir sistemas figu-rativos do espao por outros mais adap-tados s preocupaes tcnicas e senti-mentais. O que o Impressionismo faz romper com a histria das imagens e se

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    preocupar com fenmenos ticos: refle-xos, transparncias, saturao da at-mosfera, variao de tons, mudanas deluminosidade.

    Um aspecto lrico foi apreendido de in-cio, dando valor expressivo e original aouso das novas tcnicas. preciso sabero alcance e influncia do registro dassensaes luminosas no modo de repre-sentao do espao. H uma nova redede signos significativos (sombras verdese azuis). O sistema combina espao equalidade da cor. Tambm antes o verdeindicava distanciamento, o azul repouso,o vermelho movimento. Mas enquantono renascimento o contorno era geom-trico, no impressionismo os limites sodados pelas manchas de cor, h umareelaborao da relao linha e cor,numa inverso tcnica, e no da viso,que permite nova figurao do espao,ainda fiel a concepes do imaginrio ede acordo com nvel mental e social.Portanto, ela integra novos elementos doespao sensvel, mas no subverte osistema figurativo. Modifica tcnicas dafigura espacial, descobre novos proble-mas (tema, ar livre, notao diferencialdas reaes da luz com as formas). Im-pressionismo ponto de partida de pes-quisa que vai prosseguir na renovadaarte moderna. Ele faz especulaes so-bre o espao, faz exerccios de desarti-culao do cubo de Alberti, integra espa-o imaginrio a experincias ntimas. Aruptura no foi na recusa do cenrio pito-resco, mas foi no aprofundamento dasestruturas ntimas, dos segredos da vida,do mistrio da sensao. O impressio-nismo procura viso mais inquisitiva,numa atitude nova semelhante ao des-envolvimento da filosofia. Como o tempopossui apenas uma realidade, a do ins-tante, os atos de criao dos impressio-nistas so instantneos. Segundo MottaPessanha, esta a razo pela qual Mo-net fica numa contnua tortura de tentarseguir a natureza sem poder alcan-la. o instante efmero, sbita morada dopotico5 o que Monet quer aprisionarcom suas tintas. Ele quer notar a rpidae fugitiva impresso, o triunfo da sensa-o sobre a concepo racional. Paratanto, o desafio multiplicar artimanhasda linguagem pictrica na tentativa dedeter na tela a passagem ininterrupta do 5 Pessanha, J. A. M. Bachelard e Monet: oolho e a mo, p. 160.

    tempo revelado na itinerncia daluz/sombra. Na marca que o instanteimprime no corpo da natureza, na pega-da do fluxo universal e infinito ele querCaptar a alteridade do mesmo que sempre outro quando visto sob outraluz6, mas tudo isto com recursos ex-guos e finitos. Por isto as catedrais deRouen ora so areas, de matria azul,ora so esponja de luz ao sol.

    Depois de atingir o ponto mximo dereconhecimento, o Impressionismo tam-bm se transformou e sofreu variaescom o neo-impressionismo, ou pontilhis-mo, ou divisionismo. Algumas tendnciasindividuais so elaboradas criando novosmecanismos estticos de percepoluminosa, cromtica e temtica precurso-ras da arte moderna. Os precursores daArte Moderna tm razes no impressio-nismo:

    Van Gogh - evolui para expressio-nismo;

    Paul Gauguin - evolui para fovismoou fauvismo;

    Paul Czanne - evolui para cubismo.

    No Impressionismo h uma dificuldadequase paradoxal tambm para pintar ocotidiano, o efmero, surpreendido peloolhar e perenizado na tela. As soluestentadas pelo Impressionismo so estra-tagemas mltiplos e conjugados parafixar o passageiro, perenizar o efmero,resguardar a acidentalidade fugaz. Comoreferncia mais usual citamos a srie detelas das ninfias, onde Monet investigaa reflexo da natureza na superfcie dasguas e acrescenta sua imaginao cria-dora para ento nos privilegiar comexemplos de expresso da interaohomem-mundo.

    4. A Arte no mera cpia

    Entretanto, pode-se afirmar junto comPierre Francastel que, no Renascimento,a ambientao-padro, no real, j queera procedimento de ateli - acaba im-pedindo a imitao da verdadeira reali-dade: A realidade, embora imitada comnitidez, acaba sendo irreal7

    6 Id., ibid. p.1607 Francastel, op. cit, p. 38.

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    preciso que o espectador das obrasfaa um exerccio ativo para integrar oselementos das imagens, estabelecendouma unidade entre elas a partir de seuesprito e no da coerncia obra. Por-tanto, a obra renascentista oferece umailuso da realidade. Ela pretende serimitativa porque foi edificada num siste-ma de alto nvel tcnico e racional deespeculao terica sobre a luz, o trao,o espao, a relao dos planos, o manejopictrico e o uso de tcnicas positivas.

    A viso nunca ser total nem exata por-que o quadro no duplo da realidade,no registro, signo8. O que est natela no o real nem o pensado, umsigno, um sistema de linhas, manchas,dos quais o exerccio ativo humano ex-trai elementos e os integra.

    Na verdade, o Quattrocento se caracteri-za por ares de busca do mais complexoe mais humano. Os detalhes das obras,selecionados pelo interesse e pelo en-canto, so inseridos no trabalho dentrodo maior rigor tcnico vigente nos atelise, ainda segundo Francastel, mesmoquando representados com nitidez, aca-bam sendo irreais9.

    Este um aparente contra-senso artsti-co: o Renascimento, nascido do espet-culo da natureza e fielmente interpretadoacaba sendo arte de ateli. H uma apa-rente contradio, mas o fato que aambientao-padro impede a imitaoda realidade, e esta realidade, emboraimitada com nitidez acaba sendo irre-al10.

    O Quattrocento foi feliz ao inaugurarnovo estilo plstico junto com nova atitu-de que aliava a tcnica ao esprito. Atransformao dos espritos foi maissignificativa que a descoberta do mtodode quadriculao, que o sistema de pro-jeo geomtrica, que a adoo de pontode vista nico. A descoberta do novosistema foi um produto de atitude doesprito humano, uma renovao damatria imaginativa, que, aliada a tcni-cas positivas conquistaram um espaofictcio, um ambiente-padro no real.Isto afinal ilustra a concepo de que o 8 Id. Ibid., p.389 Francastel, op.cit. p.3810 Id.Ibid.,p. 38

    homem um ator eficaz e no um repro-dutor da cena do mundo. A ambientaoproduzida no espao pictrico criao,projeo de necessidades e experinciasdentro de sistemas simblicos que voda matemtica, da geometria, da estticaat a significao social. Na verdade, asnovas tcnicas e a aplicao da geome-tria vieram fornecer meios para o ar-ranjo de um novo material imaginrio11.

    A pintura enquanto linguagem umaalternativa de apresentar, representar,expressar, criar ou recriar o mundo - uma resposta ao desafio da insero doartista no mundo provocativo da imagi-nao.

    H uma inovadora concepo de imagi-nao de Bachelard a Merleau-Ponty. Aimaginao no faculdade de reprodu-o, fabricao ou manipulao de cpi-as ou duplos dos objetos reais. DesdeBachelard, que se rebelou contra a tradi-o da pintura como metfora, alegoria,mimetismo, trampolim entre sensvel einteligvel, imagem como passagem en-tre real e conceitual, em detrimento daimaginao. A imaginao no facul-dade de formar imagens da realidade,mas de formar imagens que ultrapas-sam a realidade, que cantam a realidadenuma sobre-humanidade12.

    Na verdade, no em funo do realmas em funo do irreal que a mo dopintor escolhe, arbitra, cria, atinge objetomaterial que, s vezes, resistente. Opintor tem a oportunidade de criar, impor corporeidade do mundo os seus deva-neios e a sua vontade. Ento, o papel, afibra, a pedra, a madeira, a tela, soprovocaes para a mo sonhadora seautodeterminar e impor sua vontade aocorpo do mundo. Ao recuperar as razesdos mitos, dos devaneios infantis, aorecuperar a experincia originria deinsero do corpo do homem no corpodo mundo, o pintor toca o mundo emsua concretude sem reduzi-lo a umpanorama de totalidade ou unidade de-finitivas.

    Concluso

    11 Id.Ibid p. 42.12 Pessanha, op.cit, p.153

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    A criao de novo estilo plstico noQuattrocento tem a ver com a mudanade posio do homem em relao aDeus e ao universo. O mundo medievalera uma representao do pensamentode Deus e a natureza era uma realidadeem si. No Quattrocento houve um esfor-o gradativo e racional de distino entreo material e o moral para no final valori-zar o homem. H um crescimento apartir do sc. XV, no sentido do racionalfigurativo, do realismo pitoresco, do in-ventrio dos usos, costumes, lugares,gestos da sociedade, que preparam asfuturas liberalidades do homem influen-ciado pela filosofia. O espao do renas-cimento afinal no foi um sistema derepresentao fiel, antes foi um produtodo esprito, uma renovao da imagina-o que, ao usar novas tcnicas con-quistou um espao fictcio, aquele daambientao-padro, no real.

    Leonardo havia usado exaustivamenteas relaes de grandeza que o olhoapreende e leis de projeo a partir defoco nico. Isto foi visto como a chaveda representao e se banalizou aoponto de se acreditar, ainda hoje, queexiste representao objetiva e realistado mundo e que ela foi descoberta noQuattrocento. Algumas histrias da arte,equivocadamente, atriburam ao renas-cimento a abordagem decisiva da repre-sentao verdadeira do mundo exterior.

    Mas lembremos que quando o pintortranspe um objeto para a tela, mesmosob regras intransigentes, ele nunca re-produz a imagem exata do que est ven-do. O ideal de representao fiel umailuso. No somente o esprito quepinta, o corpo que, operante, num en-trelaado dos sentidos - em especial oda viso - e do movimento habilidosodas mos e dos dedos, faz a transubs-tanciao e transforma o mundo empintura. Entre a imagem percebida e a

    imagem criada est a imagem imaginadapela percepo, pela memria, que diferente da imaginao reprodutora doreal e extensiva da tica.

    Na verdade, o universo no um dadoque o homem apenas decifra ou um ob-jeto cujos segredos podem ser reveladose desvendados pela intuio, pela cin-cia ou pela arte. O espao no realida-de em si, mas sim a experincia do ho-mem, e a perspectiva no lei cons-tante do esprito humano. A forma comoo olho v ou acredita ver no a mesmaque as leis da perspectiva impem nossa razo. Pela educao convencio-nal somos levados a desenvolver a pers-pectiva euclidiana como evidncia eiluso perfeita da realidade. Mas as pes-quisas modernas sobre a anlise do esp-rito humano provam a possibilidade deconceber vrias formas na linguagemplstica ou falada. Nas palavras de Fran-castel, a idia de um espao naturalimutvel, que as artes s fariam transporcom mais ou menos fidelidade, ope-sea tudo o que sabemos das estruturas dapercepo e do pensamento13..

    O espao plstico deixa de satisfazeraos propsitos dos pintores quando no-vos tempos abrem novos horizontes esonhos e vises. Com a quebra do equi-lbrio entre aes e idias tanto os artis-tas quanto a sociedade saem daqueleespao plstico gradativamente e lanamnovas bases para a arte. H outros mei-os, no para interpretar a natureza, maspara dobr-la vontade humana. Com amudana do ritmo da existncia, com amudana de avaliao das grandezas,das distncias, do eterno, do contingente,haver a descoberta e posse de outrasverdades, de outras vises que criaronovo espao para novas escolas deapreciao e valor da arte.

    13 Pintura e Sociedade, p. 42.

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