Conceitos - Mies Van Der Roe

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Mies van der Rohe SOBRE O SIGNIFICADO E A TAREFA DA CRÍTICA (1930) Não receiem que eu vá contribuir à longa sucessão de reprovações e ataques. Juízos equivocados não são esperados no curso natural dos fatos? A crítica é assim tão fácil? A verdadeira crítica não é tão rara quanto a verdadeira arte? Gostaria, contudo, de chamar sua atenção para os pré- requisitos básicos de qualquer crítica, pois acredito que sem tal esclarecimento não poderá haver crítica verdadeira, e se pedirá da crítica aquilo que ela não está apta a responder. A crítica é o exame de um feito com relação a seu significado e valor. Para tanto é necessário posicionar-se em relação ao objeto a ser examinado, ter contato com ele. Isto não é fácil. As obras de arte têm uma vida própria. Não são acessíveis a todos. Para que se expressem, deve-se abordá-las em seus próprios termos. Esta é a obrigação do crítico. Outra obrigação da crítica diz respeito à graduação de valores. Aí a crítica encontra sua escala de medida. A verdadeira crítica está, no fim, a serviço do valor.

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Estudos sobre a arquitetura de Mies Van Der Roe

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  • Mies van der Rohe SOBRE O SIGNIFICADO E A TAREFA DA CRTICA (1930) No receiem que eu v contribuir longa sucesso de reprovaes e ataques. Juzos equivocados no so esperados no curso natural dos fatos?

    A crtica assim to fcil? A verdadeira crtica no to rara quanto a verdadeira arte? Gostaria, contudo, de chamar sua ateno para os pr-requisitos bsicos de qualquer crtica, pois acredito que sem tal esclarecimento no poder haver crtica verdadeira, e se pedir da crtica aquilo que ela no est apta a responder. A crtica o exame de um feito com relao a seu significado e valor. Para tanto necessrio posicionar-se em relao ao objeto a ser examinado, ter contato com ele. Isto no fcil. As obras de arte tm uma vida prpria. No so acessveis a todos. Para que se expressem, deve-se abord-las em seus prprios termos. Esta a obrigao do crtico. Outra obrigao da crtica diz respeito graduao de valores. A a crtica encontra sua escala de medida. A verdadeira crtica est, no fim, a servio do valor.

  • Mies van der Rohe A ARTE DE CONSTRUIR E O ESPRITO DA POCA (1924) No so as realizaes arquitetnicas dos tempos primitivos que fazem seus edifcios nos parecer to significativos, mas sim a particularidade de que os templos antigos, as baslicas romanas e tambm as catedrais da Idade Mdia so menos o trabalho individual de personalidades que criaes de toda uma poca. Quem pergunta, ao ver tais edifcios, quais os nomes ou o que a personalidade fortuita dos seus construtores queria dizer? Estes edifcios so, pela sua prpria natureza, totalmente impessoais. So representativos do esprito da sua poca. Este o seu significado. S assim podem se tornar smbolos do seu tempo. A arte de construir sempre o esprito de uma poca apreendido no espao, nada mais. S quando esta verdade simples for claramente reconhecida, estar efetivamente direcionado o esforo pelos fundamentos de uma nova arquitetura. At ento dever permanecer um caos de foras confusas. Por esta razo, uma questo como a natureza da arte de construir de importncia decisiva. Deve-se entender que toda arte de construir nasce da sua prpria poca e s pode se manifestar ocupando-se de tarefas vitais com os meios do seu prprio tempo. Nunca foi de outro modo. Por esta razo, um esforo intil usar contedos e formas de edifcios primitivos hoje. A, at mesmo o talento artstico mais forte fracassar. Vemos freqentemente excelentes arquitetos fracassarem porque o trabalho deles no satisfaz o esprito da sua poca. Em ltima instncia, apesar do seu enorme talento, so diletantes, j que o entusiasmo com que concordam com a coisa errada irrelevante. a essncia o que importa. No se pode ir adiante enquanto se olha para trs, e no se pode ser o instrumento do esprito da poca se se vive no passado. Observadores distantes caem no mesmo velho erro quando responsabilizam a poca por tais tragdias. Toda a energia da nossa era est direcionada ao laico. Os esforos dos msticos continuaro espordicos. Apesar de nossa compreenso da vida ter se tornado mais profunda, no construiremos catedrais. At mesmo o grandiloqente gesto dos romnticos nada significa para ns, uma vez que percebemos, por trs dele, seu vazio formalista. Nosso tempo nada pattico, no apreciamos os grandes gestos mas sim a racionalidade e o realismo. As demandas do nosso tempo por realismo e funcionalidade devem ser satisfeitas. Se isto plenamente assumido, os edifcios do nosso tempo

  • demonstraro a grandeza de que nosso tempo capaz, e s um tolo diria o contrrio. Questes de natureza comum so de interesse capital. O individual se torna cada vez menos importante seu destino no nos interessa mais. Os xitos decisivos em todas as reas so de ordem objetiva e seu autores, na maioria, desconhecidos. aqui que o grande marca do nosso tempo aparece. Nossas obras de engenharia so exemplos tpicos. Diques gigantescos, extensos complexos industriais e pontes importantes surgem com uma destreza natural imensa, sem mencionar o nome dos seus construtores. Ademais, estas estruturas mostram os meios tcnicos que teremos de empregar no futuro. Se compararmos o peso pesado do aqueduto romano com a agilidade de uma grua moderna, ou as volumosas construes abobadadas com a impetuosa falta de gravidade das recentes estruturas de concreto armado, teremos noo de quanto nossa forma e expresso diferem daquelas de ento. Os mtodos de produo industrial vo exercer sua influncia. A objeo de que so apenas estruturas funcionais irrelevante. Se rejeitarmos todos os pontos de vista romnticos, reconheceremos que as estruturas de pedra da antigidade, as construes de tijolo e concreto dos romanos e as catedrais medievais foram incrveis proezas da engenharia e pode-se estar certo de que o primeiro edifcio gtico foi tido, no seu entorno romnico, como um corpo estranho. As nossas construes somente sero arquitetura quando, satisfazendo sua finalidade, tornarem-se instrumentos do esprito da nossa poca. A finalidade de um edifcio o seu verdadeiro significado. Os edifcios de todas as pocas atenderam propsitos, e alguns bastante concretos. Estes propsitos eram, contudo, diferentes no tipo e no carter. A finalidade do edifcio sempre foi decisiva (e o caracterizava). Determinava sua forma sagrada ou profana. Nossa histrica educao no tem clareado nossa viso destas coisas, por isso sempre confundimos efeito e causa. Isto contribui para a crena de que os edifcios existem para o bem da arquitetura. At mesmo a linguagem ritual dos templos e catedrais o resultado de um propsito. Este a regra e no a exceo. A cada poca, o propsito da edificao modifica sua linguagem, assim como seus meios, seu material e sua tcnica. As pessoas que tm apreo pelo essencial (e cuja profisso ocupar-se com antigidades) sempre tentam ressaltar os resultados de pocas passadas como paradigmas para o nosso tempo e recomendam velhos mtodos de trabalho como meio para o sucesso artstico. Ambos so equvocos; no podemos nos valer de nenhum deles. No precisamos de paradigmas. Aqueles

  • sugestivos mtodos artesanais, nos nossos dias, provam que eles sequer tm noo das inter-relaes do novo tempo. O prprio artesanato no mais que um mtodo de trabalho e uma forma de economia. (E aqui, de novo, so os historiadores quem recomendam uma forma antiquada, outra vez o mesmo erro. Aqui, tambm, eles confundem forma com essncia). Acredita-se sempre que o artesanato melhor e atribui-se a ele um valor tico inato. No sendo nunca o mtodo de trabalho que tem tal valor e sim o prprio trabalho. Como nasci numa velha famlia de canteiros, estou acostumado a trabalhos artesanais, e no s como observador da esttica. Minha receptividade beleza do trabalho manual no me impede de reconhecer que o artesanato como forma de produo da economia est morto. So raros os verdadeiros artesos ainda vivos na Alemanha, seu trabalho pode ser adquirido somente por pessoas muito ricas. O que realmente importa algo totalmente distinto. Nossas necessidades tm assumido tamanhas propores que no podem mais ser atendidas com meios artesanais. Isto clama o fim dos trabalhos manuais: no podemos mais salv-los, mas podemos aperfeioar os mtodos industriais at o ponto em que obtenhamos resultados comparveis ao artesanato medieval. Quem quer que tenha a coragem de afirmar que ainda podemos sobreviver sem a indstria deve prov-lo. A necessidade de apenas uma nica mquina abole o artesanato como um sistema econmico. Tenhamos em mente que todas aquelas teorias sobre o artesanato foram formuladas por estetas sob o claro da luz eltrica. Eles comeam sua campanha com papel que foi produzido por mquinas, impresso por mquinas e encadernado por elas. Se algum dedicasse somente um porcento a mais de cuidado para melhorar a m encadernao do livro, (faria um grande servio humanidade) reconheceria por este exemplo a imensido de possibilidades que os mtodos de produo industrial oferecem. Trazer isto tona nossa tarefa. Como estamos apenas na fase inicial do desenvolvimento industrial, no podemos comparar imperfeies e hesitaes iniciais com uma cultura do artesanato altamente amadurecida. Esta eterna preocupao com o passado nossa runa. Ela nos impede de cumprir a tarefa mo da qual s pode surgir uma arquitetura suprema. Velhos contedos e formas, velhos meios e mtodos de trabalho tm, para ns, somente valor histrico. A vida nos enfrenta diariamente com novos desafios, e eles so mais importantes que toda essa bobagem histrica. Demandam gente criativa, gente que enxergue longe, que no tenha medo de resolver cada tarefa sem preconceito de fio a pavio e que no pense excessivamente nos resultados. O resultado simplesmente um subproduto. Toda tarefa representa um novo desafio e leva a novos resultados. Ns no resolvemos problemas de forma mas problemas de construo, a forma no a meta e sim o resultado de nosso trabalho. Esta a essncia de nossa dedicao e este ponto de vista ainda

  • nos isola de muitos. At da maioria dos mestres da arquitetura moderna. Mas nos une com todas as disciplinas da vida moderna. Muito do conceito da edificao no est, para ns, preso s velhas formas e contedos, como tambm no est conectado a materiais especficos. Estamos muito familiarizados com o charme das pedras e dos tijolos, mas isto no nos impede de usar, hoje, vidro e concreto, metal e vidro, considerando-os como materiais totalmente equivalentes. Em muitos casos, estes materiais correspondem melhor aos propsitos hodiernos. (O ao se aplica hoje em arranha-cus como esqueleto estrutural, e o concreto armado provou ser, em muitos casos, um excelente material de construo. Se j se constri um edifcio com ao, difcil entender porque se deveria ento fech-lo com paredes macias de pedra e dar-lhe a aparncia de uma torre. At mesmo do ponto de vista da segurana contra incndio isto no se justifica. um absurdo parecido com revestir uma estrutura de concreto armado com uma manta. Em ambos casos, mais idias ao invs de mais materiais atingiriam a meta.) Os propsitos de nossas obras so, na maioria, muito simples e claros. Basta reconhec-los e formul-los, ento eles conduziro a significativas solues arquitetnicas. Arranha-cus, edifcios de escritrios e estruturas comerciais praticamente exigem solues compreensivas, claras, e estas s podem ser invalidadas se repetidamente tentamos adaptar estes edifcios a atitudes e formas antiquadas. O mesmo se aplica ao edifcio residencial. A, tambm, certos conceitos de casa e cmodos levam a resultados impossveis. Ao invs de simplesmente desenvolver uma residncia que satisfaa seu objetivo - a saber: organizar a moradia - alguns a tomam como um objeto que demonstra ao mundo at onde chegou seu proprietrio no reino da esttica. Uma residncia deve servir somente moradia. O lugar, a insolao, o programa dos cmodos e os materiais de construo so fatores essenciais para o projeto de uma casa. A edificao deve ser formada de acordo com estas condies. As velhas imagens-comuns devem desaparecer e no seu lugar surgiro residncias que so funcionais em todos os aspectos. O mundo no se tornou mais pobre quando a carruagem foi substituda pelo automvel.

  • Mies van der Rohe OS NOVOS TEMPOS (1930) Os novos tempos so um fato: existem, quer digamos sim ou no a eles. Mas, no so nem piores nem melhores que outros tempos. So um simples dado e, em si mesmo, indistinto. Por isso no me demorarei em descrever os novos tempos e apontar suas relaes e esclarecer sua estrutura bsica. Igualmente, no queremos superestimar a mecanizao, a padronizao e a estandardizao. At mesmo as novas condies scio-econmicas, ns as tomaremos como fato. Todas estas coisas seguem seu caminho cego, fatal. O que decisivo somente o modo como nos posicionaremos diante destes dados. aqui que comeam os problemas do esprito. O que importa no o que mas somente o como. O que produzimos e os meios pelos quais o fazemos, espiritualmente, no nos dizem nada. Se construmos em pavimentos ou trreo, em ao ou em vidro, isto no uma questo de valor espiritual. Apontar a centralizao ou a descentralizao no planejamento urbano uma questo prtica, no de valores. E o que decisivo exatamente esta questo de valores. Devemos estabelecer novos valores e apontar metas bsicas a fim de obter novos critrios. Pois o significado e a justificativa de cada poca, inclusive os novos tempos, consiste em estabelecer condies para que o esprito possa existir.

  • Mies van der Rohe ESTAMOS NO PONTO CRTICO DOS TEMPOS: A ARTE DE CONSTRUIR COMO A EXPRESSO DE DECISES ESPIRITUAIS (1928) A arte de construir no o objeto de uma especulao inteligente, na verdade, somente entendida como um processo vital, uma expresso da habilidade do homem ao posicionar-se e ao dominar seu entorno. Um conhecimento da poca, suas incumbncias e seus meios so pr-requisitos necessrios para o trabalho do arquiteto, a arte de construir sempre a expresso espacial de decises espirituais. O trfego cresce. O mundo encolhe mais e mais, mais e mais chega aos mais remotos ermos. Conscincia do mundo e conscincia da humanidade so os resultados. A economia comea a ditar as regras, tudo est a seu servio. O aproveitamento torna-se lei. A tecnologia traz com ela atitudes econmicas, transforma matria em fora, quantidade em qualidade. A tecnologia pressupe o conhecimento das leis naturais e trabalha com suas foras. O uso mais efetivo da fora introduzido deliberadamente. Estamos no ponto crtico dos tempos.