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CONCEPÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICA EM PROCESSOS EMANCIPATÓRIOS DE UMA EDUCAÇÃO CRÍTICA As concepções dos professores sobre processos emancipatórios e práticas pedagógicas que contemplam diversidades educacionais brasileiras formam o viés da discussão desse painel, que se insere no eixo temático 3, subeixo 2. Os artigos resultam de duas pesquisas de doutorado e uma de mestrado desenvolvidas em um Programa de Mestrado e Doutorado em Educação, e se inserem em um grupo de pesquisa que reflete “Currículo, práticas pedagógicas e formação de professores”. O objetivo é apresentar parte dos resultados alcançados nas investigações já concluídas como forma de discutir a prática docente na educação brasileira. O primeiro artigo aborda a didática e a preocupação com as questões sociais dos professores tendo como investigação: A contribuição da escola para a superação das desigualdades sociais, segundo os professores de uma escola pública com alto Ideb. O texto reflete a contribuição da escola para a superação de desigualdades sociais, considerando para tanto, a didática utilizada pelos professores. O segundo artigo analisa a compreensão dos professores da educação especial que exercem a docência em Salas de Recursos Multifuncionais sobre a in/exclusão do estudante com deficiência visual no processo de escolarização na educação básica. A investigação evidencia que a inclusão representa um avanço significativo nos processos educativos, pois proporciona uma maior interação e mediação de toda a comunidade escolar, não somente dos professores que atuam na educação especial. O terceiro artigo reflete as concepções de professores sobre a problemática ambiental e a educação ambiental. Analisa-se qual educação ambiental é compreendida pelos docentes e se a proposta contribui para a construção de um currículo crítico. Os dados mostram uma prática docente voltada aos alunos e as suas realidades, em consonância com processos emancipatórios que visam questões sociais, culturais e políticas. Palavras-chave: Desigualdades Socioambientais. In/Exclusão. Educação Ambiental. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 10366 ISSN 2177-336X

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CONCEPÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICA EM PROCESSOS

EMANCIPATÓRIOS DE UMA EDUCAÇÃO CRÍTICA

As concepções dos professores sobre processos emancipatórios e práticas pedagógicas

que contemplam diversidades educacionais brasileiras formam o viés da discussão desse

painel, que se insere no eixo temático 3, subeixo 2. Os artigos resultam de duas

pesquisas de doutorado e uma de mestrado desenvolvidas em um Programa de Mestrado

e Doutorado em Educação, e se inserem em um grupo de pesquisa que reflete

“Currículo, práticas pedagógicas e formação de professores”. O objetivo é apresentar

parte dos resultados alcançados nas investigações já concluídas como forma de discutir

a prática docente na educação brasileira. O primeiro artigo aborda a didática e a

preocupação com as questões sociais dos professores tendo como investigação: A

contribuição da escola para a superação das desigualdades sociais, segundo os

professores de uma escola pública com alto Ideb. O texto reflete a contribuição da

escola para a superação de desigualdades sociais, considerando para tanto, a didática

utilizada pelos professores. O segundo artigo analisa a compreensão dos professores da

educação especial que exercem a docência em Salas de Recursos Multifuncionais sobre

a in/exclusão do estudante com deficiência visual no processo de escolarização na

educação básica. A investigação evidencia que a inclusão representa um avanço

significativo nos processos educativos, pois proporciona uma maior interação e

mediação de toda a comunidade escolar, não somente dos professores que atuam na

educação especial. O terceiro artigo reflete as concepções de professores sobre a

problemática ambiental e a educação ambiental. Analisa-se qual educação ambiental é

compreendida pelos docentes e se a proposta contribui para a construção de um

currículo crítico. Os dados mostram uma prática docente voltada aos alunos e as suas

realidades, em consonância com processos emancipatórios que visam questões sociais,

culturais e políticas.

Palavras-chave: Desigualdades Socioambientais. In/Exclusão. Educação Ambiental.

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A COMPREENSÃO DOS PROFESSORES SOBRE A IN/EXCLUSÃO DO

ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA VISUAL NO PROCESSO ESCOLAR

Claunice Maria Dorneles

Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN)

Resumo

Este trabalho tem como principal objetivo analisar a compreensão dos professores da

educação especial que exerce a docência nas Salas de Recursos Multifuncionais sobre a

in/exclusão do estudante com deficiência visual no processo de escolarização na

educação básica e na sua prática educativa, bem como, compreender os processos de

in/exclusão escolar. A abordagem metodológica adotada é qualitativa, fundamentada na

teoria crítica da educação, que diz respeito à ênfase na análise das condições de

regulação social, desigualdade e poder. O recorte temporal para pesquisa de campo está

compreendido entre 2007 a 2012. Os instrumentos de coleta de dados foram entrevistas

semiestruturadas e observações. A pesquisa de campo foi realizada em duas Salas de

Recursos Multifuncionais de escolas da rede pública, com quatro professores

participantes como sujeitos, sendo uma professora da rede municipal e três da rede

estadual. As análises dos dados nos guiaram para os seguintes resultados: admite-se que

no programa de implantação das Salas de Recursos Multifuncionais (tipo II) ainda

existem falhas, como o distanciamento entre o prescrito em lei e o que é apresentado

nessas Salas. Todavia, as políticas públicas voltadas para a inclusão dos estudantes com

deficiência visual representam um avanço significativo, pois proporcionam uma maior

interação e mediação de todos, não somente dos professores que atuam na educação

especial, como também toda a comunidade escolar. Os esforços no entendimento de que

a inclusão seja levada a cabo à procura de respostas para um desafio precisa ser

encarado. Percebe-se o entusiasmo dos professores da educação especial, no sentido de

convencer os professores do ensino regular, de que a inclusão não é fácil, mas também

não é impossível.

Palavras - chave: Deficiência visual. Compreensão de Professores. In/exclusão.

Considerações iniciais

Este artigo apresenta uma descrição e análise da palavra dos professores da

educação especial, articulada com o referencial teórico crítico da educação. Estão

presentes os elementos que dizem respeito a compreensão dos professores que exerce a

docência nas Salas de Recursos Multifuncionais sobre a in/exclusão do estudante com

deficiência visual no processo de escolarização na educação básica e a atuação desses

docentes. A abordagem metodológica adotada é qualitativa, fundamentada na teoria

crítica da educação, que busca expor o modo como as relações de poder e desigualdade

social, cultural. A perspectiva teórica que assumimos nos impele explicitar que a

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inclusão e a exclusão são processos inseparáveis, pois em alguns momentos estamos

incluídos e em outros estamos excluídos.

Nesse entendimento, as autoras Lopes e Fabris (2013, p. 110 e 111) defendem

que “a in/exclusão deve ser a condição para pensarmos as nossas práticas educativas

escolares”, ou seja, “a inclusão e a exclusão não são opostas uma da outra,são faces da

mesma moeda”.

A contribuição dos teóricos que problematizaram o processo de in/exclusão

escolar, dos quais se destacam Freire (2011), Santos (2003) e Slee (2011), entre outros,

mantém-se uma dialógica entre as falas dos pesquisados e dos interlocutores citados na

busca das questões mais significativas para essa pesquisa, extraídas no processo de

estada no território dos e com os professores que foram sujeitos da pesquisa, dos quais

se obteve informações, dentre outras, sobre o convívio profissional junto a estudantes

com deficiência visual.

Diante do exposto, a educação com fundamento na teoria crítica “busca expor o

modo como as relações de poder e desigualdade (social, cultural, econômica...) [...] são

postas em questão na educação formal e informal das crianças e dos adultos.” (APPLE;

AU; GANDIN, 2011, p. 14). Por entender que a pesquisa é um ato político, a

metodologia precisa estar voltada para atender as ações dialógicas e transformadoras.

Os critérios utilizados para a seleção dos sujeitos da pesquisa foram os

seguintes: docentes da rede estadual e da rede municipal de ensino de Campo Grande,

capital do estado de Mato Grosso do Sul, que lecionam na Sala de Recursos

Multifuncionais (tipo II) que éum serviço de apoio educacional especializado da

educação especial instalado dentro dos mesmos espaços físicos das escolas do ensino

regular para atender à complementação para os estudantes com cegueira e/ou com baixa

visão. Trata-se de um total de 4 professores, com as seguintes formação docente: 1 em

Química e Física com mestrado em Química, 1 em Letra, 1 em Artes e 1 em

Matemática. Todos possui especialização em Educação Inclusiva e/ou curso de

formação em serviço em educação especial para atendimento à estudantes com

deficiência visual.

A compreensão desses professores está presentes nas suas falas, nas suas

práticas docentes e, sobretudo nas suas crenças e esperanças, no que tange a in/exclusão

dos estudantes com deficiência visual no processo de escolarização.

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Os professores das salas de recursos multifuncionais (tipo II): o processo de

in/exclusão escolar dos estudantes com deficiência visual

Os professores entrevistados expressam uma expectativa positiva em relação aos

seus estudantes com deficiência visual que frequentam a Sala de Recursos

Multifuncionais e estão incluídos no ensino regular, pois, segundo eles, a inclusão,

como tudo que é novo, causa angústia, entretanto dá a oportunidade da escola perceber

que todos são diferentes e que, para atender à diversidade presente no contexto

educacional, é preciso ser acolhedor, no sentido de potencializá-los numa relação

dialógica.

Vejamos o que dizem os professores entrevistados, que no decorrer desse texto,

as falas estão destacadas em itálico para diferenciá-las das citações bibliográficas:

Eu sei que estão falando que é uma enganação e tudo mais (referindo-

se à inclusão). Eu não vejo assim, eu acredito. Pode ser que está

lento! Mas a gente já vê muitos resultados. Vê assim, resultados em

relação aos própriosalunos. Não posso falar de uma maneira geral,

total, ao meu ver eu acho que está acontecendo inclusão (Professora

Eva).

Hoje, falando neste momento, eu acho que já melhorou bastante. Eu

acho que a inclusão está realmente acontecendo. Eu acho que a

inclusão está acontecendo realmente. [...] eu acho que está

acontecendo rapidamente, a meu ver (Professora Élida).

Eu confesso que percebo que está devagar ainda, mas eu vejo que é

assim, uma coisa significativa, positiva também. E que está

melhorando. Que a escola tem um olhar diferente sobre o aluno com

necessidade especial (Professor Dionísio, grifo nosso).

O que eu percebo é que hoje, a gente, na escola comum, a gente vê o

quanto tem dado certo a inclusão. Assim, o quanto é um movimento

que tem crescido e o quanto todos nós temos aprendido. E, assim, tem

falhas? Tem! Bastante ainda. Tem muita coisa para ser corrigida

(Professora Joana).

Percebe-se pelas entrevistas que a concretização das políticas que visam incluir é

de conhecimento dos professores, no que diz respeito à igualdade de acesso à educação

como um bem fundamental. De certo modo ela vem ressignificandoas práticas escolares

que, até então, eram voltadas para um modelo de um estudante ideal, uma educação

homogênea. Esse olhar da heterogenia “permite-nos mergulhar junto com o aluno no

processo de busca por significados, experimentando, tentando, errando e acertando”

(ACORSI, 2010, p. 190).

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A professora Joana disse:

Mas eles [referindo-se aos professores do ensino regular] não falam

mais como muitas vezes a gente ouvia falar criticando a inclusão.

Eles falam hoje angustiados, mas em querer ajudar. Em buscar um

caminho. Falam: Eu estou fazendo assim e não está dando certo. Aí,

eu tentei isso e está dando certo desse jeito (professora Joana).

Recorremos a Santiago, Akkari e Marques (2013), segundo as quais caminhar

rumo a uma educação inclusiva constitui o primeiro e decisivo passo rumo à

transformação tão sonhada e necessária. Para os autores, “trata-se de um desafio de

grande dimensão, mas de visibilidade plena e, por que não dizer, necessária”

(SANTIAGO; AKKARI; MARQUES, 2013, p. 112).

Como afirmam Orrico, Canejo e Fogli (2007), para propiciar o sucesso no

processo de inclusão dos estudantes com deficiência visual nas escolas regulares é

importante a viabilização de ações que possibilitem a remoção não apenas das barreiras

comunicacionais e arquitetônicas, mas também das barreiras atitudinais. Essas atitudes,

frequentemente são expressas por aqueles que, ao se depararem com uma pessoa cega,

não a cumprimentam, não lhe dirigem a palavra; portanto, não possibilitam que o

reconhecimento dapresença do outro. Quem coloca a pessoa com deficiência visual na

invisibilidade possivelmente não acredita na sua capacidade de aprender.

A professora Élida admite que no programa de implantação das Salas de

Recursos Multifuncionais (tipo II) ainda existem falhas, como o distanciamento entre o

prescrito em lei e o que é apresentado nessas Salas. Todavia, as políticas públicas

voltadas para a inclusão representam um avanço significativo, pois proporcionam uma

maior interação e mediação de todos, não somente os professores que atuam na

educação especial, como também toda a comunidade escolar, contribuindo para se

alcançar o sucesso na aprendizagem do estudante com deficiência visual.

Tem muita coisa para ser corrigida, em vista do que era, por exemplo,

aqui na escola. Eu estou aqui desde 2008, quando começou a

funcionar a Multifuncionais. Para o que é hoje, em 2012, que a gente

vê, desde os funcionários, como eles recebem esses alunos, como eles

conversam com essa família, a orientação pedagógica e os próprios

professores (Professora Élida).

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A professora Joana destaca as possibilidades de mediação que os recursos

didáticos adaptados abrem e como esses recursos passaram a ser mais solicitados tanto

da parte da escola como da parte dos estudantes.

Nas entrevistas, os professores da Sala de Recursos Multifuncionais (tipo II)

expressam que melhoraram as condições de atendimento em tempo hábil aos estudantes

com deficiência visual, uma vez que os recursos tecnológicos adequados estão

disponíveis nessas salas, o que favorece a adaptação dos recursos didáticos,

procedimento que conquistou credibilidade junto aos professores do ensino regular e

aos próprios estudantes, na busca pelo reconhecimento do direito à educação de

qualidade.

Sobre a demanda de recursos didáticos adaptados, a professora Joana explicita

que,

temos visto o resultado desse trabalho, porque em 2008, eu até

comentava com a minha colega, nós produzimos um quantitativo

mínimo de material, uma vez que fazemos adaptação, transcrição de

materiais, além dos atendimentos, produzimos jogos. Muitos materiais

são feitos aqui. [...]. Eu estava revendo o histórico para montar o

material, comparando: o que foi feito em 2008, 2009 e 2010. No ano

passado... é uma evolução muito grande. Isso é o resultado do

trabalho (Professora Joana).

A adaptação dos recursos didáticos para possibilitar a equidade do ensino é

defendida por Santiago, Akkari e Marques (2013). Para estes autores, a equiparação de

oportunidades implica todas as pessoas terem acesso aos serviços, nos quais a atitude de

não rejeitar, excluir ou discriminar qualquer pessoa por qualquer razão constitui um

objetivo. As condições digna de inclusão se trata de um “pilar que desafia a sociedade,

as instituições e as pessoas a criarem serviços, programas e desenvolverem atividades e

atitudes com o intuito de melhor atender às pessoas excluídas, resguardando sua

dignidade humana e o direito inalienável de cidadania de cada um” (SANTIAGO;

AKKARI; MARQUES, 2013, p. 109).

No cenário que estamos vivendo, há um interesse maior por parte dos meios de

comunicação no debate sobre a inclusão, como fala a professora Eva, que vê com

bastante otimismo a contribuição da mídia. De fato, os meios de comunicação exercem

papel significativo na sociedade.

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Uma coisa bacana que vem acontecendo e que ajuda esse processo de

inclusão é a mídia. As novelas, a televisão vem apresentando

programas que mostram informações sobre as pessoas com

deficiência. Isso ajuda na sensibilização das pessoas, a respeitarem

os cegos, por exemplo, no trânsito, sempre alguém aparece para

ajudar (Professora Eva).

Nesse sentido, a colaboração da mídia televisiva pode ser relevante, quando tem

a finalidade de trazer mais informações e contribuir para a quebra de preconceitos,

divulgando a potencialidade que as pessoas com deficiência visual têm.

Por outro lado, não podemos deixar de questionar (olhar de maneira crítica) a

restrição de recursos computacionais com interfaces de acesso amigável. Trata-se de

ampliadores e leitores de tela com síntese de voz que facilitam o acesso “aos ambientes

digitais para deficientes visuais [...] ampliadores de tela para aqueles que possuem perda

parcial da visão e recursos de áudio, tecla de atalho e impressora em braile para os

sujeitos cegos” (SOUZA; SANTAROSA, 2003, p. 3), bem como a programação

televisiva que facilite o acesso àinformação com audiodescrição para que as pessoas

com deficiência visual possam associar a palavra falada à própria descrição das

imagens.

Percebemos também que os personagens da televisão ou as mídias de

informação (computadores e internet) que atuam no papel de cegos ou de pessoas com

baixa visão são, em sua maioria representada por atores normovisuais, porque as

emissoras abrem pouco espaço para atores cegos atuarem nas telenovelas ou mesmo em

outras programações. Isso explicita um processo de in/exclusão, pois, ao mesmo tempo

em que esclarece sobre a potencialidade das pessoas com deficiência visual, também

pratica a exclusão.

De acordo Mota e Romeu Filho (2010) a audiodescrição é,

um recurso de acessibilidade que amplia o entendimento das pessoas

com deficiência visual [...] por meio [...] de mediação linguística, [...]

de tradução intersemiótica, que transforma o visual em verbal, abrindo

possibilidades de acesso à [...] inclusão cultural, social e escolar”

(MOTA; ROMEU FILHO, 2010, p. 5).

Para Soares (2009), os meios de comunicação têm grande peso na formação de

opiniões e na difusão de atitudes sobre os temas sociais. Os profissionais da mídia

poderão ajudar a diminuir preconceitos, haja vista têm a capacidade e o poder de

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divulgar e ampliar o trabalho das associações, escolas e instituições que se dedicam à

luta pela inclusão. Conseguir que esses profissionais desenvolvam um trabalho em favor

das pessoas com deficiência é uma tarefa complexa e penosa.

De maneira geral, os conhecimentos sobre a deficiência são muito pobres em

dados objetivos e em vivências pessoais, estando carregados de estereótipos e

preconceitos e requerendo mudanças substanciais (SOARES, 2009). Nesse sentido, os

meios de comunicação, sobretudo pelo seu alcance, ainda têm muito a avançar para

contribuir para uma potencialização das pessoas com deficiência visual.

Os esforços no entendimento de que a inclusão seja levada a cabo ficam

expressos, mais uma vez, nas falas dos professores Eva e Joana, que estão à procura de

respostas para um desafio que precisa ser encarado. Percebe-se o entusiasmo dessas

duas professoras, que se veem como responsáveis pela mobilização no sentido de

convencer os seus pares - professores do ensino regular -, de que a inclusão não é fácil,

mas que também não é impossível, o que as impulsiona a criar condições para que todos

se sintam menos ansiosos (se sintam assessorados) com a presença dos estudantes com

deficiência visual em suas salas de aula.

Mas vai caminhar, esperamos que melhore cada dia. Para isso

estamos trabalhando (Professora Eva).

Ainda temos muitas falhas, mas temos crescido bastante. Isso que é o

mais importante. Temos buscado acertar (Professora Joana).

Nesse sentido, Sanches (2011) afirma que, a inclusão é uma caminhada com

avanços e recuos, um fenômeno inacabado, que exige mudanças essenciais, tal como

ver o potencial de cada estudante:

No entendimento do autor citado, é necessário que haja uma reestruturação das

práticas de organização e funcionamento, de maneira que a escola possa responder à

diversidade de seus estudantes. Da mesma forma, é importante valorizar e

corresponsabilizar todos os envolvidos no processo educativo.

Os professores de apoio especializado concebem um processo contínuo entre o

projeto de integração e a inclusão escolar. Isso porque, quando questionadas sobre o que

de fato acontece nas escolas com os estudantes com deficiência visual - aos quais elas

dão o apoio especializado -, a professora Élida, que atua por mais tempo nesse

atendimento, expressa que, devido à inclusão ser recente, as práticas escolares ainda

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vêm ao encontro da proposta da integração: É claro que tem coisa que... mas porque é

muito recente a inclusão. Porque antes era só integração (Professora Élida).

O professor Dionísio, que atua há menos de um ano na Sala de Recursos

Multifuncionais (tipo II) e no ensino regular, afirma que os estudantes com deficiência

visual enfrentam dificuldades quanto ao apoio pedagógico em sala de aula do ensino

regular, o que os leva a vivenciar a in/exclusão: Eu percebo assim, que pelas

reclamações que eu vejo dos meus alunos, com relação à questão da inclusão é do

apoio pedagógico (Professor Dionísio).

A falta de apoio pedagógico, entre outras questões, diz respeito ao

distanciamento entre os profissionais da Sala de Recursos Multifuncionais e os

professores da educação regular. Muitas vezes, o estudante que recorre à Sala de

Recursos Multifuncionais, mesmo tendo agendado, precisa esperar porque o professor

está atendendo a situações de emergênciaou adaptando o material didático. Além disso,

ainda são atendidos vários estudantes ao mesmo tempo com conteúdos diferentes; os

professores estão ocupados com a confecção de material escolar adaptado a cada

necessidade ou com atendimento à família dos estudantes. Esses fatores sobrecarregam

os professores da Sala de Recursos Multifuncionais que precisam caminhar passo a

passo com os do ensino regular.

A professora Joana diz que são importantes os momentos de trocas, ou seja, de

diálogo com os professores do ensino regular. Esses momentos dizem respeito ao

rompimento com “um modelo médico baseado na imperfeição sobre o qual a educação

especial foi construída e praticada” (SLEE, 2011, p. 205).

Ao questionarmos os professores do atendimento educacional especializado

sobre a caracterização da inclusão escolar, as suas respostas foram “recheadas” do

entendimento de inclusão mais amplo, o que não está equivocado, pois a escola é um

dos vários segmentos da inclusão social. Como expressam a professora Eva:

A inclusão escolar é você estar inserido em toda a sociedade. Não só

na escola, no meio social. Eu acho que é você interagir em todo meio

social que você tem direito. E eles estão procurando fazer uso do seu

direito, no ônibus, eles já estão fazendo. [...] Eu acho que todos estão

percebendo o que está acontecendo. Os próprios professores falam

que não têm experiências. Mas eles percebem também que é

conhecendo os alunos que eles vão se adaptando. Os resultados são

vistos, ao conversar com os professores sobre os alunos. Dá para

acontecer, dá para incluir, está acontecendo. Devagar, mas está. E

acessibilidade, já tem em alguns lugares que a gente vai. E aqueles

que não têm, eles estão adaptando. Estão fazendo o possível para

mudar essa história (Professora Eva).

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Também segundo a fala de Joana, esses estudantes eram orientados a ficarem

quietos num cantinho, para não serem vistos comoestudantes que “dão trabalho,

incomodam”, muito menos que fracassam na aprendizagem do conteúdo, haja vista que

essas eram algumas das razões para que o professor desse destaque à deficiência e

justificasse que estes estudantes não se ajustavam às exigências da escola. É isso que

percebemos na fala da professora Joana (grifos nossos):

Eu vejo assim: a inclusão é ele participar, é ele fazer as atividades, é

ele participar dos trabalhos em grupo, é ele participar em pesquisa.

É, na hora que o professor perguntar, levantar o dedinho e falar. Dar

uma oportunidade para ele também. Não como antigamente que

ficava jogado em um cantinho da sala, só escutando, esquecido, é

ele participar igual os outros alunos. Tanto na sala, como na escola

também com a acessibilidade.

Destaca-se nesse contexto, a importância das políticas públicas, pois, ainda que

o processo de inclusão seja lento, elas possibilitam uma cobrança por parte dos

estudantes e dos professores. Isso de alguma forma, pressiona o poder público a investir

na acessibilidade arquitetônica, que faz parte de um plano articulado que necessita de

diferentes intervenções, seja mediante os recursos didáticos, seja mediante as

adaptações de grande porte que possam favorecer o acesso e o direito dos estudantes de

ir e vir com independência, não somente na sala de aula, mas em todo o seu entorno. É

isso que podemos verificar na fala do professor Dionísio, quando afirma:

A inclusão escolar é você dar oportunidade àquelas pessoas que têm

uma certa necessidade especial de poder ter acesso ao conhecimento.

E poder também interagir com os colegas da escola (Professor

Dionísio).

Fernandes, Antunes e Glat (2007) ponderam sobre a importância das estratégias

pedagógicas em sala de aula, tais como: ler o que está sendo escrito no quadro, colocar

umsinalizador auditivo para localizar onde estão ocorrendo determinadas atividades, ter

bolas com guizo para a prática das atividades desportivas, entre outras. Elas favorecem

a participação e acentuam o sentimento de pertença dos estudantes com deficiência

visual junto aos demais estudantes.

Considerações finais

Ao analisar de como professores das Salas de Recursos Multifuncionais (tipo II),

compreendemcomo o processo de in/exclusão dos estudantes com deficiência visual

está sendo materializado na prática escolar,se percebe que os professoresacreditam que

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estes estudantes podem aprender tanto quanto os demais, desde que os recursos

pedagógicos sejam adequados para fazer jus às condições peculiares da ausência da

visão.

Também foram constatadas as condições de trabalho, dificultando a interlocução

com os professores do ensino regular. A demanda de atendimento e a política de não

ampliação do quantitativo de professores especializados têm dificultado o trabalho do

atendimento especializado para a independência de locomoção com o Ensino da

Orientação e Mobilidade, mais uma vez prejudicando o processo de inclusão.Os

professores creem que a presença do estudante com deficiência visual é algo que está

posto no interior da escola, sem volta.

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10377ISSN 2177-336X

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A DIDÁTICA E A CONCEPÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE A

CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA PARA SUPERAÇÃO DAS DESGUALDEDES

SOCIAIS

Jucleides Silveira Pael Alcará (UCDB)

[email protected]

Resumo

O objetivo do artigo é analisar a concepção dos professores de uma escola pública com

alto IDEB sobre a contribuição da escola para a superação das desigualdades sociais,

considerando a relevância da didática estar aliada às questões sociais no processo

educativo. Considerando que a desigualdade social é um fenômeno que deve ser

versado no espaço escolar, a análise pauta-se no entendimento de que a desigualdade

social é fruto das relações sociais produzidas no contexto da sociedade capitalista e essa

desigualdade atravessa a educação básica e interfere no Índice do Desenvolvimento da

Educação Básica – IDEB. De acordo com os teóricos que pautam nossa discussão, a

educação de qualidade geralmente constitui privilégio para uma população com alto

poder aquisitivo, fato que resulta em consolidar uma educação antidemocrática. Daí a

relevância em conceber uma didática que se apresenta comprometida com as questões

socias e, esteja voltada para diminuição da desigualdade social. Os sujeitos da pesquisa

foram oito professores dos anos finais do Ensino Fundamental de uma instituição de

Educação Básica da Rede Pública de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul,

localizada no município de Campo Grande, que em 2011 obteve um alto IDEB. Esses

professores foram entrevistados e a análise das entrevistas mostrou que as concepções

dos professores denotam que as desigualdades interferem no processo educativo,

percebem que elas ocorrem em razão do sistema econômico capitalista, e ainda

concordam que a escola contribui para superar as desigualdades sociais. Contudo,

sinalizam a necessidade da família e governo estarem alinhados com a escola na

perspectiva de consolidar mudanças significativas na educação e na sociedade.

Palavras Chave: Desigualdade social. Didática. Escola Pública.

Considerações iniciais

Este artigo é resultado de um recorte da dissertação de mestrado junto ao

Programa de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade

Católica Dom Bosco e vincula-se ao Projeto Intitulado “Relações étnico-raciais, gênero

e desigualdade social no ensino fundamental do 6º ao 9º ano em escolas públicas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10378ISSN 2177-336X

14

estaduais de Campo Grande – MS”, do edital 049/2012/CAPES/INEP do Programa

Observatório em Educação. As investigações imprimidas levam-nos no decorrer do

texto a apropriar do referencial bibliográfico crítico capaz de desvelar a complexidade

que envolve o contexto da didática na educação, as desigualdades sociais e a análise da

concepção dos professores de uma escola pública com alto IDEB, sobre a contribuição

da escola para superação das desigualdades sociais, por aprendermos que a desigualdade

social é um fenômeno que deve ser considerado tanto na educação, quanto nas políticas

públicas direcionadas para a educação.

Compreendemos a relevância em problematizar a didática e a desigualdade

social no contexto educativo na perspectiva de defender que a qualidade social da

educação esteja voltada para o direito à cidadania e justiça social para todos os sujeitos

que procuram a escola. Desse modo, entendemos ser necessário levantar, questionar e

constatar elementos e fenômenos que impedem e/ou promovem a democratização da

educação.

Para consolidar a pesquisa com os professores utilizamos a abordagem

metodológica qualitativa configurada pela entrevista semiestruturada, considerando que

essa entrevista possibilita descrever os fenômenos sociais, assim como explicar e

entender o seu contexto, tanto numa dimensão específica quanto numa mais abrangente

(TRIVIÑOS, 2011).

No contexto das políticas educacionais delineadas pelo governo destaca-se o

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, que tem como propósito aferir

a qualidade do ensino por meio de metas projetadas para as escolas alcançarem. No

entanto, existem estudos com de teóricos Afonso (2010), Arroyo(2010), entre outros

que questionam a importância dessas políticas educacionais, por desconsiderarem o

contexto socioeconômico político e cultural dos sujeitos que estudam nas escolas

públicas, e que, na maioria das vezes mostram-se desconectadas com os interesses e

necessidades de aprendizagens dos alunos.

Reflexões teóricas sobre a didática e a preocupação com as questões sociais no

contexto educativo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10379ISSN 2177-336X

15

Os estudos e pesquisas demostram que a didática deve ser dialogada e

estruturada de acordo com as exigências da educação e sociedade no mundo

contemporâneo, no propósito de conceber uma sociedade democrática e, em

consequência, menos desigual. Desse modo, sabe-se que somente no decorrer dos anos

de 1980 colocam a questão da desigualdade social na disciplina, que, por excelência

trabalha com as relações espaço tempo da sala de aula.

Conforme expressa Candau (2011), antes desse período, a Didática era

refletida de maneira instrumental, com foco na disseminação de conteúdos que retratam

a ideologia conservadora, a qual desconsiderava a visão crítica. No entanto, no decorrer

dos anos 80, novos olhares passaram a caracterizar a Didática na educação, pois,

segundo Candau, “[...] a reflexão acadêmica em Didática no Brasil tem sido

especialmente fértil, viveu um período de ruptura de paradigmas, de buscas, de

desconstrução e reconstrução”. Isso, denotou maior produção teórica e relevância social.

Como participante dessa construção, Candau (2012) explicita que a crítica

que revela a instrumentalidade da Didática não tem o propósito de negar a Didática na

sua totalidade, pois “A prática pedagógica, exatamente por ser política, exige a

competência técnica. As dimensões política, técnica e humana da prática pedagógica se

exigem reciprocamente” (CANDAU, 2012, p. 23). Essa didática necessita ser

sistematizada. “Daí a necessidade de uma didática fundamental” (CANDAU,2012, p.

23). Pois, compreendendo a necessidade de contextualizar a prática pedagógica no

intuito de “repensar as dimensões técnicas e humana”, analisa os diferentes contextos

responsáveis por consolidar metodologias de acordo com o contexto da sociedade e

educação.

Nesta perspectiva, a reflexão didática parte do compromisso com a

transformação social, com a busca de práticas pedagógicas que tornem o

ensino de fato eficiente (não se deve ter medo da palavra) para a maioria da

população. Ensaia. Analisa. Experimenta. Rompe com uma prática

profissional individualista. Promove o trabalho em comum de professores e

especialistas. Busca as formas de aumentar a permanência das crianças na

escola. Discute a questão do currículo em sua interação com uma população

concreta e suas exigências, etc. (CANDAU, 1996, p. 20).

A autora observa que, além de fazer parte desse processo de mudanças, tem

participado de maneira enfática da análise das produções literárias e acadêmicas

apresentadas e publicadas em lugares em que se discute e vivencia a educação;

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10380ISSN 2177-336X

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consoante isso, vislumbra o avanço nos “estudos, nas pesquisas e nos trabalhos

realizados em Didática no nosso país na década de 80 [...]” (CANDAU 2011, p. 72).

Essa constatação reconhece componentes de diferentes naturezas, pois são evidenciadas

produções literárias que focam e delineiam diversos diálogos e raciocínios nesse espaço

de tempo.

Para propagar a Didática postulada por Candau acima, apoiamo-nos nas

palavras de Freire, que defende o método a seguir:

Os métodos da educação dialógica nos trazem à intimidade da sociedade, à

razão de ser de cada objeto de estudo. Através do diálogo crítico sobre um

texto ou um momento da sociedade, tentamos penetrá-lo, desvendá-lo, ver as

razões pelas quais ele é como é, o contexto político e histórico em que se

insere. Isto é para mim um ato de conhecimento e não uma mera

transferência de conhecimento, ou mera técnica para aprender [...]. (FREIRE

e SHOR, 2008, p. 24).

Para efetivar o método pedagógico anunciado na proposição de Freire e

Shor, é preciso investigar os elementos que compõem o contexto da sala de aula a fim

de compreender como a prática pedagógica articula o compromisso educativo

projetando-se na efetivação de uma didática comprometida com as questões sociais.

Silva (2010) contribui com algumas considerações ao explicitar que se faz necessário

estar atentos para apreender no contexto da prática educativa elementos que influenciam

a didática para que possamos identificar questões sociais, culturais na sociedade atual

que acaba por interferir “na maneira de ser e estar no mundo dos sujeitos envolvidos no

ato educativo; e teórico-metodológicas, construídas nos diferentes momentos da história

da educação e do ensino. (SILVA, 2009, p. 38)

Dada a premissa anterior, compreende-se que o espaço e tempo escolares

estão condicionados à capacidade de satisfazer as necessidades do sistema econômico;

daí o compromisso do professor em ir além das práticas pedagógicas que condicionam

os sujeitos na lógica do mercado e em ousar desvencilhar-se dessas amarras que

interferem na construção de uma prática fundamentada, contextualizada na direção da

transformação social. Para tanto, faz-se necessário conceber didáticas capaz de enunciar

práticas criativas e atrativas onde alunos e professores possam tornar-se sujeitos. Nesse

sentido, entendemos ser relevante para os professores conhecer e compreender a prática

social vivenciada pelos alunos, pois, desse modo, ambos constituem-se

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10381ISSN 2177-336X

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Protagonistas que analisam, problematizam, compreendem a prática

pedagógica, produzem e difundem conhecimentos. O professor é

protagonista, porque ele é quem faz a mediação do aluno com os objetos do

conhecimento. O aluno também é protagonista, porque é considerado como

sujeito da aprendizagem e, consequentemente, sua atividade cognitivo-afetiva

é fundamental para manter uma relação interativa com o objeto do

conhecimento. (VEIGA 2001, p. 147).

Para que as considerações explanadas acima se realizem,

O homem não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo, de

vez que é um „ser em situação‟, um ser do trabalho e da transformação do

mundo. [...] Nestas relações com o mundo, através de sua ação sobre ele, o

homem se encontra marcado pelos resultados de sua própria ação. Atuando,

transforma, cria uma realidade que, por sua vez, envolvendo-o, condiciona

sua forma de atuar. Não há, portanto, como dicotomizar o homem do mundo,

pois que não existe um sem o outro. (FREIRE, 1982, p. 28).

A concepção acima possibilita refletir sobre a relação entre professor e

aluno no cotidiano da sala de aula, pois aponta a necessidade desse espaço estar atento

aos fenômenos que ocupam o mundo, de modo que cada um dos sujeitos possa revelar

seus conhecimentos e, a partir deles, sistematizar novas aprendizagens com o intuito de

transformar a sociedade.

Cabe destacar que, nos anos 1990, houve novas mudanças na economia e,

em consequência, na educação, pois o projeto neoliberal se estabeleceu no contexto

mundial, refletindo, por meio do mundo globalizado, a exclusão social e cultural. Desse

modo, esta autora evoca que as necessidades impostas pela política neoliberal requer

refletir o contexto educativo, pois “[...] exige um balanço crítico do caminho realizado,

assim como a construção de novas categorias e práticas sociais que respondam aos

desafios do momento. Supõe ressituar o trabalho desenvolvido com um olhar diferente.”

(CANDAU, 2011, p. 72) Nesse intuito, a autora anuncia a necessidade de tecer algumas

indagações sobre a Didática e de perceber os “temas emergentes” (CANDAU, 2011, p.

72).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10382ISSN 2177-336X

18

Candau (2011, p. 72) atesta que chegou a pensar que a contraposição entre a

“[...] concepção instrumental e as diferentes abordagens críticas da Didática” já

estivesse superada, pois, como se sabe, a discussão sobre Didática vem se configurando

desde os anos 80. Contudo, Candau (2011) evoca que, no ano de 1996, ao ministrar o

curso de Didática para alunos de licenciatura de diversos cursos, a fim de interagir com

a concepção da Didática pelos acadêmicos, “fui-lhes perguntando o que esperavam

dessa disciplina [...]” (CANDAU, 2011, p. 75). A autora diz que os professores

declararam no decorrer da formação em serviço a utilização da didática instrumental na

perspectiva da prática pedagógica.

Nesse sentido, a autora conclui que essa investigação levou a perceber que

essa linha constitui “a visão dominante nas representações profissionais da área do papel

da Didática” (CANDAU,2011, p. 75). Isso mostra que a educação esquadrinhada ainda

preconiza práticas pedagógicas assentadas na Didática instrumental.

Essa Didática ainda se vê retratada na perda de autonomia dos professores,

mediante controles externos aos quais são submetidos programas e currículos e se

destinam a atender às necessidades da hegemonia econômica, pois um exemplo dessa

realidade pode-se constatar por meio dos exames e das formas de avaliação externa que

refletem o rigor desse controle (AFONSO, 2008).

Desse modo, apoiamo-nos em Candau (2012) ao ponderar a relevância da

pesquisa no propósito de desvelar caminhos para superar práticas pedagógicas que se

apoiam na Didática aprisionada no instrumentalismo. Seguindo esse raciocínio, é

preciso conhecer a representatividade da Didática para intervir no contexto da sala de

aula de maneira comprometida com as culturas e diferentes sujeitos que perpassam e

interagem no cotidiano escolar.

Em resumo, pelas explanações teóricas elencadas no decorrer do texto,

pode-se vislumbrar a urgência da academia e da instituição escolar trilharem o mesmo

caminho, no sentido de avançar, focalizar estudos e práticas pedagógicas que possam

aliar o universo da sala de aula, a Didática e as questões sociais no processo educativo.

Assim, a Didática precisa ser contextualizada e reconfigurada frente às transformações

que permeiam a sociedade e a educação e, nessa tendência, contribuir para a

materialização da democracia, formação de sujeitos críticos e emancipação social.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10383ISSN 2177-336X

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A contribuição da escola para superação das desigualdades sociais: o que pensam

os professores

Consideramos relevante essa investigação para entender a concepção

dos/das professores/as sobre a contribuição da escola para a superação da desigualdade

social afinal, o trabalho docente é protagonista nos espaços educativos, principalmente

para a população menos favorecida socialmente, que tem nas escolas públicas a

esperança de obter uma formação que lhes possibilite o direito de vivenciar uma

cidadania de qualidade. Para versar sobre uma educação democrática, visando

consolidar uma educação com justiça social capaz de superar a desigualdade social,

cabe apreciar a seguinte asserção de Guimarães-Iossif (2009, p. 206):

O sonho de uma escola pública ética, que nos inspire e que nos emancipe, é

um sonho urgente e viável. Para existir, essa escola precisa de nossa defesa,

da nossa participação, da nossa luta. Defender a escola pública de qualidade

para as minorias sociais, étnicas e raciais é a defesa contra a pobreza, contra a

desigualdade e contra a negação da cultura e dos direitos dos povos

marginalizados no Brasil e no mundo.

Expressamos concordância com a assertiva da autora acima, pois é fato que

a escola pública já existe, mas é necessário cerrar fileiras para que a educação

disponibilizada nesses espaços traga novos significados que possam realmente

transformar a sociedade No entanto, apesar dos estudos e pesquisas que sinalizam os

princípios que deveriam delinear uma escola democrática e compromissada com a

superação da desigualdade social, sabemos da existência de muitos entraves que

precisam ser contestados, como, por exemplo, a hegemonia do capital econômico que

dita as regras para a educação, limitando sua autonomia.

Daí a relevância de perseguir coletivamente caminhos para consolidar uma

educação bem sucedida. Consoante esse raciocínio, Arroyo (2010) chama atenção para

as políticas propostas para a educação, pois seguem isoladas das fronteiras que

caracterizam as desigualdades, onde os sujeitos vivem e externam suas lutas. Seguindo

esse viés, somos convocados a apreciar a explanação de Arroyo, que denota sua

inquietude ressaltando que “As desigualdades escolares, educativas, continuam

pensando-se como as desigualdades produtoras de todas as desigualdades sociais,

econômicas, dos campos e periferias” (ARROYO, 2010, p. 1397).

Conforme os autores que estamos utilizando, a escola é uma das instâncias

sociais que pode contribuir com a construção de uma sociedade mais justa, mas a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10384ISSN 2177-336X

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democratização econômica é imprescindível para a construção da justiça e a diminuição

das desigualdades. Desse modo, a educação, e no caso da nossa reflexão, a educação

escolar, sozinha, como já dizia Freire, não muda a sociedade, mas sem ela a sociedade

tampouco muda.

Partindo desse pressuposto, Arroyo (2010) ainda afirma que a confiança

depositada nas virtudes da democratização da educação básica se vê desacreditada até

pelo Estado que se encarrega de desenhar as políticas sociais, assim como para a

educação. Essas considerações evidenciam que as políticas do governo, apesar de

buscarem a superação da desigualdade social, não têm se mostrado eficazes, uma vez

que as desigualdades continuam existindo. Convergindo com esses princípios, o

professor José manifestou a sua descrença no sistema escolar como possibilidade para

superar as desigualdades sociais e, enfatizou a contribuição da escola na perspectiva de

treinar a população para receber baixos salários; além disso, de maneira crítica, sugere

ainda que talvez o objetivo do governo seja manter a população subjugada, evitando que

ocorra a superação das desigualdades.

[...] O sistema educacional do país como é, não. [...]Eu não acho que é culpa

do aluno, nem dos pais do aluno, nem do professor, menos ainda do

professor. Pra mim, é óbvio que não está explícito, não está no PCN, não está

em nenhuma política, mas a função da escola talvez realmente seja

marginalizá-los. Continuar deixando à margem para que não evoluam

intelectualmente, pra que não possam mexer nesse sistema. Para que não

consigam contribuir para uma mudança. Eu acho isso. Então, a culpa, talvez

o culpado seja o governo que tem que manter esse sistema, e a forma de

manter esse sistema é manter a sociedade dessa forma, calada, acrítica e

marginalizada. (PROFESSOR JOSÉ).

Diante das inquietações manifestadas no depoimento acima, concordamos

que “[...] a pedagogia que usamos deve ser capaz de inflacionar a capacidade humana de

lutar contra as forças dominantes, ao mesmo tempo rejeitando o desespero e a

capitulação do status quo. [...].” (McLAREN, 1997, p. 266-267). Nesse sentido, pode-se

compreender a relevância da pedagogia crítica, principalmente quando nos chama

atenção para o compromisso que deve conter no propósito de formar cidadãos imbuídos

de conhecimentos que lhes darão subsídio na luta pela superação das desigualdades

sociais que assolam a sociedade.

Chama-nos atenção, nesse sentido, o seguinte depoimento do professor

Lucas. Ao explanar a contribuição da escola na superação da desigualdade social,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10385ISSN 2177-336X

21

expressa que a escola tem a função de educar para a cidadania, o que levaria a superar a

“questão” da desigualdade social; contudo, quando aborda a formação para a vida, deixa

pairar a incerteza dessa cidadania. “Na verdade, hoje, a escola faz a função tanto de

formar alunos em termos de conhecimento e também como cidadão. [...] essa formação

de cidadania acaba influenciando cada dia para superar essa questão da desigualdade,

prepara para o emprego, entre aspas prepara pra vida.” (PROFESSOR LUCAS).

Não muito distante da concepção expressa pelo professor acima, o

depoimento do professor Antônio nomeia vários elementos que qualificam a escola

pública como um meio para superar as desigualdades sociais. No seu relato, externa

memórias que traduzem a relevância da escola para sua vida.

Eu penso e vou pegar uma realidade de vida da minha parte. Quando eu tinha

8 anos de idade, o meu pai ficou quebrado, falido. Se não fosse a escola

pública. [...] Eu creio que à medida que a gente agregar mais elementos para

a escola, por exemplo, nós deveríamos nas nossas escolas ter psicólogos [...]

Eu creio também que a questão do tempo integral é uma situação que nós

vamos ter que utilizar mais, [...]. Então, por isso que eu acredito que a escola

é um meio para superar essa desigualdade social. (PROFESSOR

ANTÔNIO).

O professor Antônio ainda defende a ampliação das escolas de tempo

integral ao enfatizar o valor da escola para superar as desigualdades. Já o relato da

professora Sílvia sobre a escola de tempo integral apresenta olhar crítico ao externar que

a inserção na instituição educativa não é suficiente para superar as desigualdades

sociais: “[...], ela [isto é, a escola de tempo integral] pode contribuir muito, sim, com

certeza. Agora, garantir, assegurar que seria uma solução total, isso não”.

O depoimento da professora Eliza denota otimismo quanto ao desempenho

da escola na superação das desigualdades sociais. “A escola está sempre contribuindo,

fazendo o máximo! [...]. Alunos que saíram daqui e estão em escolas particulares,

Ganharam bolsa, claro, por causa do desempenho deles”. (PROFESSORA ELIZA). O

relato da professora Eliza nos inquieta ao retratar o mérito como possibilidade para a

aquisição de bolsas nas escolas privadas. Desse modo, apoiamo-nos em Gentili para

discorrer sobre o direito à educação na sociedade. “O direito à educação torna-se assim

a quimera de um sistema que consagra a distribuição desigual dos benefícios

educacionais como o resultado natural de um mercado que premia e castiga os

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10386ISSN 2177-336X

22

indivíduos em virtude de seus supostos méritos cognitivos [...]”. (GENTILI, 2009, p.

1070).

As explanações da professora Laura delineiam diversos elementos que

considera relevantes para que a instituição escolar possa oferecer uma educação

comprometida com a igualdade dos sujeitos “Então, a gente trabalha muito a

afetividade, dialogando, mostrando o que é certo, o que é errado... [...]. A escola, ela faz

a diferença, sim. Precisamos do apoio da família, do governo, são os pilares, mas

também da escola.” LAURA (PRFESSORA).

Notadamente, o depoimento da professora Laura coloca em relevo a

afetividade como prioridade escolar tanto para superar metas educativas quanto para

contribuir com a superação da desigualdade social. Em relação à importância que a

professora Laura atribui à afetividade no espaço escolar, amparamo-nos em Freire

(2005, p. 29) ao afirmar que “ama-se na medida em que se busca comunicação”; assim,

aproximar-se dos diferentes sujeitos com suas trajetórias de vida traduz uma prática

educativa que pondera a humanização. Freire (2005, p. 29) ainda evoca de maneira

incisiva que “Quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há

educação imposta, como não há amor imposto. Quem não ama não compreende o

próximo, não o respeita” (FREIRE, 2005, p. 29). Essa assertiva salienta a

responsabilidade da educação no sentido de materializar uma didática que conduz uma

aprendizagem de qualidade para os diferentes sujeitos que buscam a escola para

conquistar seu espaço na sociedade.

Nesse universo de depoimentos dos/das professores/as sobre a contribuição

da escola para superar as desigualdades sociais, percebemos que os relatos, na maioria

das vezes, procuraram revelar os caminhos que a escola deve percorrer para contribuir

com a superação das desigualdades. Nesse cenário, chamou-nos a atenção o fato de

alguns relatos evidenciarem a necessidade de outros elementos sociais estarem

alinhadas com a escola na perspectiva de consolidar mudanças na educação. Isso

significa que a educação isoladamente não pode produzir os resultados que muitos

esperam da escola. Nesse sentido, é possível atestar no diálogo do/da professor/a o olhar

crítico sobre as desigualdades que caracterizam o contexto da sociedade.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10387ISSN 2177-336X

23

Conclusão

Em resumo, pelas explanações teóricas elencadas no decorrer da pesquisa,

pode-se vislumbrar a urgência da academia e da instituição escolar trilharem o mesmo

caminho, no sentido de avançar, focalizar estudos e práticas pedagógicas que possam

aliar o universo da sala de aula, a Didática e as questões sociais no processo educativo.

Assim, a Didática precisa ser contextualizada e reconfigurada frente às transformações

que permeiam a sociedade e a educação e, nessa tendência, contribuir para a

materialização da democracia, formação de sujeitos críticos e emancipação social.

A análise que se dedicou em constatar as concepções dos/das professores/as

sobre a contribuição da escola para a superação das desigualdades sociais nos leva a

considerar, a diversidade de relatos dos/das professores/as. Assim, alguns concordam

que a escola contribui para superar as desigualdades, enquanto outros descrevem os

caminhos que a escola deve percorrer para superar as desigualdades. Algumas

concepções exprimem que a escola por si só não pode contribuir para o fim das

desigualdades, pois a educação está sistematizada conforme os interesses das políticas

que a direcionam de acordo com os propósitos capitalistas. Desse modo, a população

torna-se acrítica. Além disso, há relato que expressa a necessidade da família e governo

estarem alinhadas com a escola para consolidar mudanças na educação, o que denota

que a educação isoladamente não pode alcançar os resultados que muitos esperam da

escola. Nesse sentido, é possível atestar nas manifestações dos/das professores/as o

olhar crítico sobre as desigualdades que permeia o contexto da sociedade.

Os dados revelados na pesquisa confirmam a necessidade de as políticas do

governo direcionadas para a educação empreenderem um projeto educativo que

assegure a qualidade de aprendizagem para todos os/as alunos/as, independentemente

das suas condições socioeconômicas, políticas e culturais, pois a educação configura

uma das possibilidades para transformar a sociedade na perspectiva de consolidar ideais

e ações capazes de superar as desigualdades sociais.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10389ISSN 2177-336X

25

A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: O QUE

PENSAM OS PROFESSORES NA ESCOLA SUSTENTÁVEL

Suzete Rosana de Castro Wiziack (UFMS)

[email protected]

Resumo

O artigo apresenta parte dos resultados alcançados em uma pesquisa de doutorado em

Educação concluída em 2015 que visou: “compreender os limites e as possibilidades da

formação docente para a EA que priorize a dimensão crítica e a realidade

socioambiental da escola, para a construção de concepções críticas de educação e

currículo, que potencialize um quefazer comprometido com a justiça ambiental”. A

reflexão se dá em relação às concepções sobre a problemática ambiental e a Educação

Ambiental (EA) segundo professoras e professores envolvidos em um projeto

desenvolvido em uma escola pública de Campo Grande -MS, participante do Programa

Escolas Sustentáveis - “Processo de Formação Escolas Sustentáveis e Com Vida”, que é

realizado em várias regiões do Brasil, sob a coordenação do Ministério da Educação e

universidades federais. A investigação ancora-se nas teorizações críticas de educação,

tendo a pesquisa qualitativa como proposta de investigação, pela qual se utilizou como

instrumentos teórico-metodológicos entrevistas semiestruturadas com os sujeitos da

pesquisa (professores de diferentes áreas do conhecimento), observações no cotidiano

escolar e análise documental de propostas oficiais de formação de educadores

ambientais e de documentos da escola. As concepções dos professores revelam

intencionalidades, necessidades e formas de se alcançar uma educação ambiental

transformadora na escola. Os resultados evidenciam uma prática docente voltada aos

alunos e as suas realidades, em consonância com processos emancipatórios que visam

questões sociais, culturais e políticas.

1 Introdução

O artigo reflete as concepções sobre a problemática ambiental e a Educação

Ambiental de professores e professoras de diferentes áreas do conhecimento de uma

escola que desenvolve a Educação Ambiental e que foi partícipe do “Programa Escolas

Sustentáveis – Processos Formativos em Educação Ambiental”.

O texto apresenta parte dos resultados e reflexões realizados em pesquisa de

doutorado em educação, cujo objetivo geral foi: compreender os limites e as

possibilidades da formação docente para a EA, que priorize a dimensão crítica e a

realidade socioambiental da escola, para a construção de concepções críticas de

educação e currículo, que potencialize um quefazer comprometido com a justiça

ambiental.

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Desenvolvido por universidades federais e o Ministério da Educação, este

programa visa à formação de professores, gestores e alunos de escolas num tripé

teórico-metodológico de enfoque na gestão, no espaço e no currículo escolar.

Com base nisso, a investigação situa-se no universo da escola, considerando que

a mesma, participou do Programa Escolas Sustentáveis e deu prosseguimento as suas

ações, com um projeto de Educação Ambiental desenvolvido na instituição.

O Programa atende a implantação da Política de Educação Ambiental no Brasil e

das Diretrizes Nacionais para a Educação Ambiental, sendo dirigido especialmente à

formações de professores, gestores e alunos e visa a inserção da EA nos currículos das

escolas brasileiras. Realizado a partir de 2010, sob a coordenação da Secretaria de

Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão/SECADI/MEC, o

programa em Mato Grosso do Sul está sob a coordenação da Universidade Federal de

Mato Grosso do Sul.

Cabe mencionar que nos últimos anos no Brasil, a EA ganhou espaço nas

escolas e no Ministério da Educação, sobretudo nas ações de formação de professores,

referendada pelas legislações que amparam seu desenvolvimento, pelas pesquisas que

comprovam sua presença e pela importância que lhe é concedida nas escolas, sobretudo,

pelos educadores ambientais que aderem a essa proposta educativa.

Ainda cabe considerar que a EA na escola pressupõe considerá-la no campo

curricular dessa instituição, entre várias outras reivindicações presentes atualmente no

currículo das escolas brasileiras. Com o apoio de Arroyo (2011) e de outros

curriculistas, busca-se compreendê-la como um dos protagonismos escolares, que a leva

a um território em disputa, sobretudo pelas questões e normatizações advindas de fatos

postos na dinâmica social e nos processos de seus protagonismos vistos atualmente.

Na reflexão assume-se a perspectiva crítica de EA, compreendida como práxis

educativa e social, cujos valores e ações “possibilitem o entendimento das realidades de

vida e atuação lúcida e responsável de atores sociais individuais e coletivos no

ambiente” (LOUREIRO, 2011, p. 73).

Com esse sentido, a EA crítica deve incidir/superar “armadilhas paradigmáticas”

que nos impeçam compreender a problemática socioambiental e a EA, em seu caráter

político, social, econômico e culturas, além de propiciar/favorecer processos educativos,

nos quais “estejamos educando e educadores, nos formando e contribuindo, pelo

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exercício de uma cidadania ativa, na transformação da grave crise socioambiental que

vivenciamos todos (GUIMARÂES, 2004, p. 30-31).

A preocupação com as armadilhas paradigmáticas se justifica para autor, pois

em sua concepção, embora muitas vezes bem intencionados, os educadores ficam presos

a elas, tendendo a perpetuar a mesma tendência “reprodutora de uma realidade

estabelecida por uma racionalidade hegemônica.” (GUIMARÃES, 2006, p. 23).

Coerente com tal premissa, e reafirmando a EA como uma alternativa educativa

emancipatória e potencializadora do fazer político do professor, busca-se refletir um

quefazer docente, intrinsecamente relacionado às concepções e ações dos envolvidos

com a EA crítica, capaz de subverter tal tendência.

Nesse sentido, o quefazer remete às novas formas de pensar e agir dos sujeitos.

Este conceito, cunhado por Paulo Freire, refere-se à “leitura crítica do mundo”, que é

“um quefazer político-pedagógico indicotomizável do que envolve a organização dos

grupos e das classes populares para intervir na sociedade” (FREIRE, 2014, p. 47).

Com esse pressuposto, a EA visa a justiça ambiental, e esta compreendida como

a promoção de uma melhor qualidade de vida a todos os grupos sociais, livre de riscos

ambientais, com acesso às informações e aos recursos e bens ambientais. A justiça

ambiental ressignifica a problemática ambiental, pois a coloca se maneira nas arenas

onde os embates sociais ocorrem (ASCELRAD, 2010).

Com isso, a problemática ambiental e a EA mostram-se no caminho para a

problematização da realidade, de valores, atitudes e comportamentos capazes de rever

novos modos de vida, numa “postura anticapitalista”, conforme o dizer de Löwy (2005).

Dessa forma, a EA é atividade emancipatória que se ancora em um currículo

crítico, pelo qual as questões culturais, socioambientais e políticas se fazem presentes

nas práticas de ensino.

Portanto, busca-se refletir por meio das concepções de professores e professoras,

as potencialidades de se fazer presente na escola processos emancipatórios voltados às

questões socioambientais e a Educação Ambiental.

1.1 Questões teórico-metodológicas da pesquisa

Para realizar a investigação utilizou-se da abordagem qualitativa da pesquisa em

educação, como metodologia pertinente e coerente com o campo empírico que buscou-

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se compreender, sobretudo pela aproximação significativa do cotidiano da escola, da

vida real dos sujeitos (OLIVEIRA, 2010).

Como enfatizado, o campo empírico da pesquisa é o de uma escola localizada

em Campo Grande - MS. Os sujeitos da pesquisa são 10 professores dessa escola. No

entanto, neste trabalho, para efeito de reflexão realizada, colaboram 06 professores

participantes do processo investigativo.

Na produção e análise dos dados, o estudo de caso etnográfico, delineou a

investigação, segundo a perspectiva de André (2005, p. 19) considerando-a “um estudo

em profundidade de um fenômeno educacional, com ênfase na sua singularidade e

levando em conta os princípios e métodos da etnografia”.

Como procedimentos de investigação, além dos estudos teóricos, foram

realizadas entrevistas semi-estruturadas, observações na escola e análise de documentos.

Como apontado anteriormente, a seguir, apresenta-se alguns dos resultados alcançados

na compreensão dos professores sobre a Problemática Ambiental e a Educação

Ambiental.

2 A Compreensão sobre a Problemática Ambiental e a Educação

Ambiental, segundo os profissionais da Escola Investigada

Na fala dos profissionais da escola, sujeitos da pesquisa, a ideia de pertencimento

ao ambiente foi recorrente e a “localidade” mostra-se como o caminho para que se possa

compreender o ambiente, ou seja, na concepção dos professores, o que é próximo ao

aluno deve ser trabalhado pelo professor, porque permite a sua percepção. Vejamos a

seguir o dizem os professores.

O professor Geraldo se posiciona indicando a necessidade de o aluno perceber-se

inserido no ambiente:

A Educação Ambiental seria ter consciência de que estou

inserido em um ambiente, ter consciência de onde estou. Esse

ambiente depende de minhas ações, as minhas atitudes definem

esse ambiente. Não quero salvar a Amazônia [se] eu estou

longe desse ambiente, se eu não sentir que a Amazônia faz parte

do meu ambiente...

A Professora Carmem focaliza a escola e a cidade onde seus alunos vivem como

o eixo inspirador de sua prática pedagógica: “... eu parto desse princípio, o meio que a

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criança está inserida, eu parto desse ambiente, [por exemplo] do pátio da escola”. Ou

seja, a professora indica a necessidade de a escola enfocar o cotidiano vivenciado pelos

alunos na escola, sobretudo porque é nesse espaço que os problemas imediatos podem

ser resolvidos. Para a professora, a EA demanda o trabalho com valores necessários à

cidadania. Vejamos:

Você deve trabalhar vários valores com a EA, o valor enquanto

cidadão, enquanto pessoa, a relação com o dinheiro, pois as

pessoas estão muito voltadas para a economia, a EA está acima

do trabalho que tanto dizem para a gente fazer com a

tecnologia, porque a Educação ambiental é um problema de

todos, envolve o planeta (Profa. Carmem).

Sobre a problemática ambiental infere a professora:

A problemática ambiental, ela é muito importante, eu me

preocupo muito com o amanhã, então se as pessoas continuarem

a agir como se não estão vendo nada.... É preciso ter mais

pessoas envolvidas, um envolvendo o outro. Existe também

aquele profissional que se envolve só no seu saber. Eu às vezes

me assusto com o que está acontecendo com a camada de

ozônio. Porque cada vez mais está calor. As enchentes, a

poluição do ar. O que eu vejo acontecendo em São Paulo,

aquela cidade imensa. Campo Grande não tá longe disso, tem

muito carro nas ruas. Eu vejo um futuro muito preocupante. Eu

falo para meus amigos: e o problema do consumismo, a pessoa

não precisar e comprar. Sabe: a pessoa deve comprar o

necessário, as pessoas fecham os olhos para isto (Professora

Carmem).

Da mesma forma a Professora Eva aponta o meio próximo e seus problemas

como o conteúdo a ser trabalhado pelos docentes.

A problemática ambiental está aí, tá de bandeja. O professor

[para trabalhar a EA] primeiro ele tem que compreender o que

está em seu entorno, para depois ter uma visão global. A

questão dos resíduos sólidos, a questão da água, por exemplo,

ele precisa entender esse contextinho para entender o mundo

dele.

A Professora Helena chama a atenção de aspectos da regionalidade como forma

de valorização do ambiente e da apropriação social de seus recursos.

Sabe, se a gente não valoriza o que temos, começa a perder.

Acho que falta informação mesmo, do que nós temos, se você

não valoriza, vem o outro e aí... Taí a Amazônia, que é um fato.

Se a gente não valoriza o que tem, aquilo já não te pertence. [...]

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Hoje nós temos Bonito aqui, as pessoas ficam de olho. O tempo

todo, começam a investir, investir. Me preocupo com uma

política nacional, sabe, realmente que não seja interesse

meramente político, mas interesse pelo ser humano mesmo. Se

a gente não fizer, a começar pela informação, a começar pelas

escolas fundamentais (Professora Helena).

A professora refere-se ao um dos municípios do Mato Grosso do Sul, conhecido

mundialmente pelo turismo voltado às áreas naturais. No entanto, a forma como a

atividade turística em Bonito vem sendo desenvolvida, não tem permitido que a

população do estado tenha acesso aos seus bens e recursos. Dessa forma, a professora

chama a atenção para o acesso às “informações” necessárias à compreensão do

ambiente.

Tal questão remete à ideia de que é preciso conhecer para compreender e

proteger, o que pode remeter a uma visão de EA em que “nas relações inerentes aos

sistemas ditos naturais, se impõe um retorno à condição natural, o que se faz

frequentemente desconsiderando as demais formas de relações sociais e culturais”

(LOUREIRO, 2008, p. 6). Mas, neste caso, a professora indica a questão político-

econômica que permeia as formas de planejamento no Brasil.

Com isso, é possível transcender a localidade para observar outras questões que

remetem às escalas e às territorialidades, o que é muito interessante para a compreensão

da problemática ambiental, como o pano de fundo do tema meio ambiente na escola,

aspecto apontado pela Professora Fabiana que aponta: “Eu acho assim, [a questão

ambiental] ela veio por questões globais. Na parte política, a obrigatoriedade vem desse

contexto global. Mas a minha contextualização vem do contexto local. Para mim é meu

ambiente” (grifo nosso).

Sobre isto Porto Gonçalves (2014) entende que a sociedade exerce

permanentemente um diálogo com o seu território imediato, e esse diálogo inclui as

coisas naturais e artificiais, a herança social e a sociedade em seu movimento atual.

Indica o pesquisador que a percepção do local é uma forma de empoderamento de povos

e comunidades. Entretanto, o pesquisador faz um alerta para o fato de que existem

contradições nos discursos veiculados pelas grandes potências, sobretudo em relação à

ênfase dada ao nacionalismo em que:

... chegou-se a falar do fim das regiões e a condenar-se a escala

nacional, sobretudo quando inspirava movimentos políticos de

caráter nacionalista, sobretudo quando protagonizados desde a

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América Latina, a Ásia e a África, muito embora esse espírito

nacional e mesmo nacionalista seja extremamente forte e

alimentado entre os estadunidenses, os franceses e os ingleses

para nos restringir a países onde, com frequência, se fazem as

maiores críticas aos nacionalismos quando emanados da

periferia do sistema mundo. Enfim, parece que o nacionalismo

só é válido quando invocado pelas grandes potências coloniais

(PORTO GONÇALVES, 2014, p.7).

Considerando fundamentais tais questões para a compreensão da problemática

ambiental faz muito sentido o que diz a Professora Helena e também a que apresenta a

professora a Professora Fabiana. Vejamos:

Eu acho assim, [a questão ambiental] ela veio por questões

globais. Na parte política, a obrigatoriedade vem desse contexto

global. Mas a minha contextualização vem do contexto local.

Para mim é meu ambiente (grifo nosso).

Em sua fala, a professora evidencia a compreensão de questões globais, sobretudo

o enfoque político da questão ambiental, mostrando que, em seu trabalho parte do

contexto local a abordagem educativa.

Mas ainda em relação a essa compreensão, o professor Antonio chama a atenção

para o perigo das simplificações que são realizadas no tratamento dos problemas

ambientais, o que em sua concepção, torna comprometido o seu tratamento na escola,

aspecto que dificulta uma Educação Ambiental articulada com a cidadania.

Entende-se que essa forma de compreensão, coaduna com uma educação

ambiental crítica, para além de uma concepção bancária/comportamentalista de EA,

conforme o que aponta Freire (2000) e Guimarães (2004, 2006).

A problemática ambiental nos dias atuais? Ela é uma

problemática que de certa forma, acaba sendo lembrada

somente... vou colocar assim, (risos) por umas poucas pessoas,

por uma minoria que acaba lembrando dessa problemática e a

grande mídia... E, a classe política que deveria tomar a frente...

alguns utilizam ela na verdade até mesmo no palanque. Isso é

nível mundial é uma questão que é responsabilidade de todos,

não é só a classe política, volto a dizer, que deveria tomar a

frente, que tem condições de resolver certos problemas que não

resolve, mais uma questão de todos, questão de consciência, de

cada um fazer sua parte. Campanhas publicitárias pequenas às

vezes as pessoas acham que fazem diferença, como aquela do

fazer xixi no banho, acham que aquilo vai fazer uma diferença

enorme na sociedade, mas não faz, acaba virando uma piada. Às

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vezes uma coisa que era para ser interessante, ah vamos

economizar água, faça xixi no banho, por exemplo, vira uma

piada, então é uma coisa que precisa ser melhor tratada.

Inclusive na escola, principalmente na escola, pois é como eu

disse no começo, aqui da escola é que saem os cidadãos de

amanhã (Prof. Antonio).

De forma correlata, o Prof.Geraldo alude ao modo de produção capitalista e

consequentemente, ao modo de vida inerente ao seu modelo como obstáculo para a

resolução da problemática ambiental e o desenvolvimento da EA. Vejamos:

A Problemática ambiental? Vejo sem solução numa sociedade

que queima combustível fóssil, em que estou me envenenando

todos os dias. Se eu tenho combustível fóssil, porque vou gastar

dinheiro com energia limpa. O Lixo? Há fica muito caro o

aproveitamento do pneu, se eu tenho. Então, enquanto esse

troço não acabar. Pode ser que eu tenha uma tomada de

consciência coletiva. Mas todo mundo quer ser classe

dominante (Prof. Geraldo).

O professor evidencia uma central questão presente na reflexão da problemática

ambiental e da EA, aspecto referendados pela ecologia política, conforme aponta

Loureiro (2012, p. 29), ou seja, “[...] a atenção nos modos que agentes sociais, nos

processos econômicos, culturais e político-institucionais disputam e compartilham

recursos naturais e em qual contexto ecológico tais relações se estabelecem.

Segundo Loureiro, [...] os limites presentes nas relações materiais estabelecidas

com a natureza e que são denunciados pela crise ambiental, apontam para a existência

alienada, destrutiva e acumuladora da riqueza. No dizer do pesquisador, a Ecologia

política advinda desse movimento mostra que “só é possível sustentar certo padrão de

vida para alguns em detrimento do péssimo padrão de vida para outros e com base no

uso abusivo da natureza” (LOUREIRO, 2012, p. 19-20).

Para o autor, numa “aliança teórica”, a EA crítica, a justiça ambiental e a

ecologia política representam, “em seus campos particulares, oportunidades de

enfrentamento contra-hegemônico da realidade socioambiental” (LOUREIRO;

LAYRARGUES, 2013, p. 68).

Porto Gonçalves (2012) indica que a crítica à escala nacional contribuiu para

esvaziar o profundo sentido político das escalas local e regional. Infere que o

slogan Agir Localmente e Pensar Globalmente convidou as comunidades para

privilegiarem as ações locais. No entanto, muitas vezes, as comunidades ao privilegiar

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somente a escala local se fragilizou politicamente, sobretudo diante de grandes

corporações que agem em todas as escalas (global, nacional, regional e local).

Dessa forma, o pesquisador chama a atenção às dimensões políticas que precisam

ser compreendidas em todas as escolas, processo que atualmente se relaciona com a

globalização.

Para Milton Santos (2000),

[...] os lugares tornam-se um dado essencial do processo

produtivo, em todas as suas instâncias, e passam a ter um papel

que não tinham antes. A globalização revaloriza os lugares e os

lugares – de acordo com o que podem oferecer às empresas –

potencializam a globalização na forma em que está aí,

privilegiando a competitividade. Entre o território tal como ele é

e a globalização tal como ela é, cria-se uma relação de

causalidade em benefício dos atores mais poderosos, dando ao

espaço geográfico um papel inédito na dinâmica social

(SANTOS, M., 2000, p. 22-23).

Com esse sentido, afirmam os pesquisadores que a noção de território pressupõe

a noção das territorialidades, estas se afirmam nas relações sociais e culturais e estão

imbricadas por relações de poder.

Evidentemente, uma problemática tão complexa exige conscientização e ação

coletiva que extrapola a escola enquanto uma instituição e não poderá sofrer

simplificações. Ao perceberem isto, os professores aludem a questão ambiental e sua

abordagem crítica na escola como um caminho para se desenvolver a EA.

A questão apontada pelos professores, em nosso entendimento, deve ser parte

de qualquer formação docente em EA, tanto a inicial, como a continuada. Saber como

trabalhar didaticamente o tema é inerente às práticas pedagógicas do professor e os

professores entendem a importância disso e aludem a sua necessidade. Os professores e

as professoras, além de apontarem à complexidade da questão ambiental, se mostram

abertos e próximos ao debate ambiental e à Educação Ambiental como uma ação

importante a ser efetivada na escola. Compreende-se que tais professores e a escola se

encontram em etapa interessante para ampliar a reflexão que permitirá o

prosseguimento de ações de formação e de prática docente críticas.

Considerações finais

Com as concepções dos professores apreende-se revelações que permitem

compreender fendas da realidade social e escolar, o que explicita questões presentes na

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cultura escolar, que em nosso entendimento, se forem conhecidas pelos profissionais

dessa instituição e transformadas em reflexão e ação, podem contribuir ou mesmo

manifestar-se como formas do quefazer em EA.

Sabemos com Sacristán (2000, p. 89) que:

“ [...] o currículo é também o projeto cultural que a escola torna

possível. Não é que qualquer fator que incida no currículo deva

ser considerado como um componente estrito do mesmo, mas

que, ao considerá-lo como a cultura que a escola torna possível,

os determinantes escolares se convertem algumas vezes em

fontes de estímulos educativos diretos e, em qualquer caso,

moduladores das propostas curriculares.

Se a escola e seus professores considerarem isto como um processo de reflexão e

ação, esta instituição e seus profissionais poderão encontrar mais estímulos para que, de

fato, se promova mudanças mais abrangentes na gestão e no currículo escolar, de modo

a atingir a escola como um todo, pois no conjunto de nossa investigação vimos um fazer

ainda a ser realizado para esse alcance.

As análises realizadas sobre a problemática ambiental e as concepções e da EA

denotam de forma propositiva, sua potencialidade no currículo revelado pelos

profissionais da escola.

A potência disso é que se quer transformar a prática. Mas isto não significa

dizer, com o apoio de Loureiro, que o ato educativo seja suficiente para gerar um o

processo e um sujeito ético (2012). O que tem centralidade nessa reflexão é a

possibilidade de uma práxis educativa ancorada na atividade consciente das professoras

e dos professores.

Por meio de suas concepções, os professores indicam a necessidade de uma

contínua reflexão que aprofunde a compreensão da EA no ambiente escolar, portanto,

em direção à práxis manifestada na indissociabilidade entre teoria-prática. Isto, de fato,

poderá permitir a permanente reflexão das condições de vida, e das condições postas na

prática concreta na escola.

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