Conciliação trabalhista
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SERVIO SOCIAL
Jaime Hillesheim
CONCILIAO TRABALHISTA: OFENSIVA SOBRE OS
DIREITOS DOS TRABALHADORES NA PERIFERIA DO
CAPITALISMO
Florianpolis/SC
2015
Jaime Hillesheim
CONCILIAO TRABALHISTA: OFENSIVA SOBRE OS
DIREITOS DOS TRABALHADORES NA PERIFERIA DO
CAPITALISMO
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Servio Social do Centro
Socioeconmico da Universidade Federal de Santa
Catarina como requisito parcial para obteno do
Grau de Doutor em Servio Social.
Orientadora: Prof. Beatriz Augusto de Paiva, Dr.
Florianpolis/SC
2015
Para minha me, Petronilda Senem.
Obrigado por tudo.
AGRADECIMENTOS
A responsabilidade pelo contedo apresentado nesta tese
minha, mas o que sou e o que penso resultado da minha interao nesse
desafiador mundo do gnero humano e das relaes que nele estabeleo.
Muitas pessoas, por isso, devem, aqui, ser lembradas.
Agradeo aos trabalhadores do mundo e do Brasil, criadores da
riqueza social e razo das minhas inquetaes polticas e tericas.
Obrigado minha famlia, lugar do aconchego, do riso e dos
conflitos afetivos e de opinies. Que possamos continuar sempre unidos
pelo prazer de fazermos parte da vida uns dos outros!
Ao Nilton, pelo constante estmulo, companheirismo e preciosas
contribuies sobre o controvertido direito do trabalho. Que esse seu ser
baiano inquieto continue a nos incitar a sonhar, apesar de tudo.
Eleonora, pela amizade e pela leitura atenta dos meus escritos
relacionados ao instituto jurdico, objeto do presente trabalho.
Aos colegas do Departamento de Servio Social da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT), sou muito grato por terem assumido
mais encargos para liberar-me para cursar o doutorado. Agradeo
especialmente s professoras Izabel, Madalena, Tnia, Vera, Janana e
Ivone, pessoas que me acolheram, de diferentes formas e intensidade, no
calor do centro-oeste brasileiro.
Aos colegas e funcionrios do Departamento de Servio Social
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), agradeo pelo apoio
institucional que me permitiu concluir o presente trabalho. Obrigado
tambm aos professores, coordenao e pessoal tcnico do Programa de
Ps-Graduao em Servio Social (PPGSS/UFSC), pela ateno
dispensada a mim, sempre que foram solicitados.
Aos colegas do Ncleo de Estudos e Pesquisas: Trabalho,
Questo Social e Amrica Latina, pelas contribuies que deram
proposta inicial de tese.
Aos membros titulares e suplentes da banca de qualificao e,
agora, da banca examinadora, por terem aceitado o convite de participar
do processo avaliativo da presente tese. A todos e todas, muito obrigado!
Agradeo especialmente a minha orientadora, Prof. Dr. Beatriz
Agusto de Paiva, pelo estmulo, crticas e sugestes, e por ter assumido
comigo o desafio de pensar estes tempos to difceis para os
trabalhadores.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Nvel
Superior (CAPES), pela concesso, ainda que por tempo limitado, de
bolsa de estudos de doutorado.
[O] motivo que impulsiona e a finalidade que
determina o processo de produo capitalista a
maior autovalorizao possvel do capital, isto , a
maior produo possvel de mais-valor e, portanto,
a mxima explorao possvel da fora de trabalho
pelo capitalista.
(MARX, 2013)
[...] a crescente socializao do ser social se externa
no fato de que, na vida cotidiana, tanto de
oprimidos como de opressores, a fora bruta passa
cada vez mais para o segundo plano e substituda
pela regulao jurdica, pela adequao dos pores
teleolgicos ao respectivo status quo
socioeconmico. [...] [Jamais] se deve esquecer,
porm, que a fora nunca poder desaparecer, nem
no Estado de direito pleno, mas apenas
transformar-se da permanente atualidade em
predominante latncia.
(LUKCS, 2013)
[...] a fraqueza das burguesias submetidas e
identificadas com a dominao imperialista
meramente relativa. Quanto mais se aprofunda a
transformao capitalista, mais as naes
capitalistas centrais e hegemnicas necessitam de
parceiros slidos na periferia dependente e
subdesenvolvida no s de uma burguesia
articulada internamente em bases nacionais, mas de
uma burguesia bastante forte para saturar todas as
funes polticas autodefensivas e repressivas da
dominao burguesa.
(FERNANDES, 2005)
RESUMO
Sob o ttulo Conciliao trabalhista: ofensiva sobre os direitos dos
trabalhadores na periferia do capitalismo, este trabalho pretendeu
analisar a conciliao tanto em seu sentido mais amplo, como elemento
estruturante das relaes sociais da sociedade brasileira desde a sua
formao, quanto em sua forma de instituto jurdico usado para dirimir
conflitos de natureza trabalhista. O processo de pesquisa permitiu
verificar como a conciliao constituiu-se num recurso indispensvel para
obstar os processos de rupturas que poderiam levar o Brasil a trilhar
caminhos diversos aos impostos pelas relaes de dependncia s
economias centrais e que exigiram dos trabalhadores brasileiros enormes
sacrifcios em virtude da apropriao de excedentes econmicos que,
historicamente, tm servido para financiar os processos de modernizao
capitalista e, consequentemente, perpetuar aquelas relaes. Nos perodos
recentes, quando em 2003 chegam ao poder central foras polticas
forjadas no interior do prprio movimento sindical vinculado esquerda
brasileira, a tendncia poltico-ideolgica conciliadora, ao invs de ser
revertida, foi reforada pelas propostas de concertao nacional
consubstanciadas no dilogo social. Sob o argumento de que as relaes
de trabalho no Brasil precisam ser modernizadas, a livre negociao, a
flexibilizao e a desregulamentao dessas relaes so defendidas pelos
capitalistas e, em grande medida, assimiladas acriticamente por parte do
movimento sindical. As estratgias para fazer o capital avanar sobre os
direitos do trabalho exigiram uma reorganizao de estruturas, fluxos,
formas de pensar e de conduzir as prticas judicantes, razo pela qual o
poder judicirio, especificamente a justia do trabalho, tambm precisou
alinhar-se s novas exigncias do mercado. O estudo realizado mostra que
a perspectiva da conciliao, assim como qualquer instrumento de
dominao, ganha novas roupagens, mas continua a ser extremamente
importante para amenizar os conflitos de classes, a despeito da
impossbilidade de elid-los. Como instituto jurdico, a conciliao tem
servido para estimular a violao das normas protetivas do trabalho e
contribudo sobremodo para o barateamento da fora de trabalho. Ao ser
relacionado com a teoria do valor marxiana, idenficamos que o
mencionado instituto permite que o capitalista aproprie-se tambm do
valor criado no tempo de trabalho necessrio que deveria compor o fundo
de salrio destinado reproduo do trabalhador, o que evidencia o fato
de que a conciliao acaba por reforar o fenmeno da superexplorao.
Pelo uso das prticas conciliatrias, os capitalistas burlam, assim, no s
as leis de natureza jurdica, mas tambm a prpria lei do valor nos termos
discutidos por Marx. A conciliao, ao constituir a forma privilegiada de
resoluo de conflitos laborais e legitimada pelo judicirio ou permitida
por regras legais criadas pelo Estado para viabiliz-la pelos mecanismos
extrajudiciais, acaba por tornar ainda mais tnues as fronteiras entre o
trabalho formal e o trabalho informal. A conciliao provoca um processo
de informalizao por dentro das relaes de trabalho consideradas
formais. O uso aodado e indiscriminado desse instituto jurdico
defendido para responder a problemas relacionados administrao da
justia tem, por isso, resultado em prejuzos polticos e econmicos
irreparveis aos trabalhadores, tanto individual quanto coletivamente.
Resistir aos avanos do capital sobre os direitos dos trabalhadores na
periferia do capitalismo implica assumir uma postura crtica em face das
prticas conciliatrias disseminadas pela classe e pelo Estado burgus.
Exige pautar a luta poltica em valores inerentes perspectiva da
emancipao humana e nas prticas de enfrentamento que reafirmem
uma nova ordem social.
Palavras-chave: Conciliao de classes. Conciliao trabalhista. Direito
do trabalho.
ABSTRACT
Under the title Labor Conciliation: an offensive against workers rights
on the periphery of capitalism, this dissertation intends to analyze the
conciliation in its broadest sense, both as a structuring element in the so-
cial relations of the Brazilian society since its formation, as well as in its
form as juridical institution used to settle disputes of labor origin. The
research process allowed the verification of how conciliation was an in-
dispensable resource to prevent the rupture processes that could lead Bra-
zil to take paths other than those imposed by realtions of dependency to
the central economies, and that demanded enormous sacrifices from the
Brazilian workers by virtue of the appropriation of economic surpluses
which, historically, have served to finance the processes of capitalist mod-
ernization, and, consequently, perpetuate those relations. In the recent
past, when in 2003 political powers formed within the trade union move-
ment itself linked to the Brazilian left reached the central power, the con-
ciliatory political-ideological tendency, instead of being reverted, was re-
inforced by the national consultation proposals embodied in the social
dialog. Under the argument that labor relations in Brazil need to be mod-
ernized, free negotiation, flexibilization and deregulation of these rela-
tions, are defended by the capitalists and, in large measure, acritically as-
similated by part of the trade union movement. The strategies to make
capital advance over labor rights demanded a reorganization of structures,
flows, patterns of thinking and conducting judicial practices, by reason of
which the judiciary power, specifically labor justice, also had to align it-
self to the new market requirements. The study undertaken shows that the
perspective of conciliation, as well as other domination instruments,
wears new clothes, but continues to be extremely important to minimize
the class conflicts, despite the impossibility of suppressing them. As a
juridical institution, conciliation has served to stimulate the violation of
labor protective norms and contributed particularly to the cheapening of
labor costs. Relating to the marxian value theory, we identfy that the
aforementioned institution allows that the capitalist also takes the value
created during the necessary work time which should be part of the salary
fund destined to the reproduction of the worker, which evidences the fact
that the conciliation in the end reinforces the phenomenon of superexplo-
ration. By use of conciliatory practices, the capitalists thus cheat not only
the laws of juridical nature, but also the value law itself in the terms dis-
cussed by Marx. Conciliation, being the preferred form of resolution of
labor conflicts and legitimated by the juduciary system or allowed by le-
gal rules created by the State to make it feasible through the extrajudicial
mechanisms, results in weakening the frontiers between formal and in-
forma labor. Conciliation induces a process of informalization within the
labor relations considered formal. The overhasty and indiscriminate use
of this juridical institution to respond to problems related to the admin-
istration of justice has, therefore, resulted in irreparable political and eco-
nomical losses to the workers, individually as well as collectively. Re-
sisting the advances of capital over the rights of workers on the periphery
of capitalism implies assuming a critical posture in face of the concilia-
tory practices disseminated by the bourgeois class and State. It demands
the support of the political struggle on values inherent to the perspective
of human emancipation, and in the practices of confrontation which reaf-
firm a new social order.
Keywords: Class conciliation. Labor conciliation. Labor law.
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1- Movimentao processual na Justia do Trabalho no perodo
de 1941 a 2014 .................................................................................... 534
Grfico 2 - Nmero de dissdios coletivos recebidos/autuados e julgados
no TST
e nos TRT, entre 2004 e 2014 ............................................................. 555
Grfico 3 - Percentual de conciliaes realizadas na Justia do Trabalho,
2000 a 2013 ......................................................................................... 561
Grfico 4 - Valores pagos aos trabalhadores na Justia do Trabalho, 2007
a 2014 .................................................................................................. 567
Grfico 5 - Despesa da Justia do Trabalho por habitante, em reais, 2004
- 2013 .................................................................................................. 578
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Centrais Sindicais registradas no MTe, com nmero e
percentuais correspondentes aos sindicatos filiados e trabalhadores
sindicalizados, 2014 ............................................................................ 339
Tabela 2 - Resultados da Semana de Conciliao, 2006 -2014 ........... 472
Tabela 3 - Nmero de greves no Brasil, 1985 -2014 ........................... 558
Tabela 4 - Valores pagos aos reclamantes pela Justia do Trabalho, 2004
-2013 ................................................................................................... 570
Tabela 5 - Valores arrecadados pela Justia do Trabalho, 2005 a
2014 ..................................................................................................... 579
LISTA DE SIGLAS
ABC - Santo Andr, So Bernardo, So Caetano
ABIMAQ - Associao Brasileira da Indstria de Mquinas e
Equipamentos
ACE - Acordo Coletivo Especial
ACT - Acordo Coletivo de Trabalho
ADIN - Ao Direta de Inconstitucionalidade
ADIn-MC - Ao Direta de Inconstitucionalidade em Matria
Constitucional
ADR - Alternative Dispute Resolution
AJUFE - Associao dos Juzes Federais do Brasil
AMB - Associao dos Magistrados Brasileiros
ANAMATRA - Associao Nacional dos Magistrados da Justia do
Trabalho
ANBIMA - Associao Brasileira das Entidades dos Mercados
Financeiro e de Capitais
ANFAVEA - Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos
Automotores
ANP - Agncia Nacional do Petrleo
ANS - Agncia Nacional de Sade
APROSOJA - Associao dos Produtores de Soja
ASSOBRAV - Associao Brasileira de Distribuidores Volkswagen
BACENJUD - Sistema eletrnico de comunicao entre o poder
judicirio e as instituies financeiras
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM - Banco Mundial
BNDS - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
BNDT - Banco Nacional de Devedores Trabalhistas
BR - Brasil
CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CBDT - Central Brasileira Democrtica dos Trabalhadores
CBTE - Central Brasileira dos Trabalhadores e Empreendedores
CCP - Comisso de Conciliao Prvia
CCT - Conveno Coletiva de Trabalho
CCV - Comisso de Conciliao Voluntria
CDES - Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social
CEF - Caixa Econmica Federal
CEPAL - Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe
CESCI - Comisses Extrajudiciais de Soluo de Conflitos Individuais
CGT - Central Geral de Trabalhadores
CGTB - Central Geral dos Trabalhadores do Brasil
CIESP - Centro das Indstrias do Estado de So Paulo
CLT - Consolidao das Leis do Trabalho
CN - Congresso Nacional
CNA - Confederao da Agricultura e Pecuria do Brasil
CNC - Confederao Nacional do Comrcio de Bens, Servios e Turismo
CNCC - Comisso de Negociao Coletiva do Comrcio
CNDT - Certido Negativa de Dbitos Trabalhistas
CNES - Cadastro Nacional de Entidades Sindicais
CNI - Confederao Nacional da Indstria
CNJ - Conselho Nacional de Justia
CNRT - Conselho Nacional de Relaes do Trabalho
CNSEG - Confederao Nacional das Empresas de Seguros Gerais,
Previdncia Privada e Vida, Sade Suplementar e Capitalizao
COFINS - Contribuio para Financiamento da Seguridade Social
COLEPRECOR - Colgio de Presidentes e Corregedores da Justia do
Trabalho
CONAT - Congresso Nacional dos Trabalhadores
CONCLAT - Coordenao Nacional da Classe Trabalhadora
CONSIF - Confederao Nacional do Sistema Financeiro
CONTRAF - Confederao Nacional dos Trabalhadores do Ramo
Financeiro
CNTED - Conferncia Nacional de Emprego e Trabalho Decente
CPI - Comisso Parlamentar de Inqurito
CRFB - Constituio da Replica Federativa do Brasil
CRT - Conselho de Relaes do Trabalho
CSB - Central dos Sindicatos Brasileiros
CSP - Central Sindical de Profissionais
CSP - Conlutas - Central Sindical e Popular
CSJT - Conselho Superior da Justia do Trabalho
CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
CTPS - Carteira de Trabalho Profissional
CUT - Central nica dos Trabalhadores
DEJT - Dirio Eletrnico da Justia do Trbalho
DENATRAN - Departamento Nacional de Trnsito
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos
Socioeconmicos
DJ - Dirio de Justia
DNA - Deoxyribonucleic acid/ADN - cido desoxirribonucleico
DPC- Departamento de Portos e Costas
EC - Emenda Constitucional
ENAM - Escola Nacional de Mediao e Conciliao
ESNA - Encontro Sindical Nossa Amrica
EUA - Estados Unidos da Amrica
FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador
FEBRABAN - Federao Brasileira de Bancos
FEEB - Federao dos Empregados em Estabelecimentos Bancrios
FEMAR - Fundao de Estudos do Mar
FENABAN - Federao Nacional dos Bancos
FENADISTRI - Federao Nacional das Empresas Distribuidoras de
Ttulos e Valores Mobilirios
FESERPMG - Federao nica Democrtica de Sindicatos das
Prefeituras, Cmaras Municipais, Empresas Pblicas e Autarquias de
Minas Gerais
FGTS - Fundo de Garantia Por Tempo de Servio
FHC - Fernando Henrique Cardodo
FIESP - Federao das Indstrias do Estado de So Paulo
FMI - Fundo Monetrio Internacional
FNT - Frum Nacional do Trabalho
FPA - Frente Parlamentar da Agropecuria
FS - Fora Sindical
FUP - Federao nica dos Petroleiros
GAP - Grupo de Anlise e Previses do IPEA
GM - General Motors
GT - Grupo de Trabalho
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICSID - Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre
Investimentos
IEL - Instituto Euvaldo Lodi
INFOJUD - Sistema de Informaes ao Judicirio (acesso ao banco de
dados da Receita Federal)
INSS - Instituto Nacional de Seguro Social
Intersindical - ILCT - Intersindical Instrumento de Luta e Organizao da
Classe Trabalhadora
Intersindical - CCT - Intersindical Central da Classe Trabalhadora
IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
ISDS - Investor-State Dispute Settlement
ISPS - Instituto So Paulo Sustentvel
LOTTT - Lei Orgnica do Trabalho Para os Trabalhadores e
Trabalhadoras da Venezuela
MARC - Meio Alternativo de Resoluo de Conflitos
MARE - Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado
MNC - Movimentao Nacional de Conciliao
MP - Medida Provisria
MPT - Ministrio Pblico do Trabalho
MPV - Medida Provisria
MTe - Ministrio do Trabalho e Emprego
NCST - Nova Central Sindical de Trabalhadores
NINTER - Ncleo Intersindical de Conciliao Trabalhista Rural de
Patrocnio
NJC - Ncleos de Justia Comunitria
NUPEC - Ncleo Permanente de Conciliao do Tribunal Superior do
Trabalho
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
OIT - Organizao Internacional do Trabalho
OJ - Orientao Jurisprudencial
ONG - Organizao No Governamental
ONU - Organizao das Naes Unidas
PAC - Programa de Acelerao do Crescimento
PAEG - Plano de Ao Econmica do Governo
PASEP - Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico
PBF - Programa Bolsa Famlia
PDT - Partido Democrtico Brasileiro
PDV - Programa de Demisso Voluntria
PEC - Projeto de Emenda Constitucional
PFL - Partido da Frente Liberal
PIB - Produto Interno Bruto
PIS - Programa de Integrao Social
PJe - Processo Judicial eletrnico
PJNTACI - Poltica Judiciria Nacional de Tratamento Adequado dos
Conflitos de Interesses
PL - Projeto de Lei
PLC - Projeto de Lei da Cmara
PLS - Projeto de Lei do Senado
PMDB - Partido do Movimento Democrtico Brasileiro
PMT - Propostas Para Modernizao Trabalhista
PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos
PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
PPE - Programde Proteo ao Emprego
PPL - Partido Ptria Livre
PR - Presidncia da Repblica
PSB - Partido Socialista Brasileiro
PSD - Partido Social Democrtico
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PT - Partido dos Trabalhadores
PUC/SP - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
RAIS - Relao Anual de Informaes Sociais
RENAJUD - Sistema de Comunicao entre o poder judicirio e o
Departamento Nacional de Trnsito - DENATRAN para Realizar
Restries Judiciais de Veculos Automotores
RENAVAN - Registro Nacional de Veculos Automotores
SBDI - Orientaes Jurisprudenciais que tratam de matrias transitrias
e/ou de aplicao restrita no TST ou a determinado Tribunal Regional.
SDI - Seo de Dissdios Individuais
SDS - Social Democracia Sindical
SEBRAE - Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
SEDES - Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econmico e
Social
SENAC - Servio Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI - Servio Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR - Servio Nacional de Formao Profissional Rural e Promoo
Social
SESI - Servio Social da Indstria
SIESPJ - Sistema de Estatsticas do Poder Judicirio
SIITEP-PR - Sindicato das Industrias e Empresas de Instalao, Operao
e Manuteno de Redes, Equipamentos e Sistemas de Telecomunicao
do Estado do Paran
SIMPI - Sindicato da Micro e Pequena Indstria do Estado de So Paulo
SINDBAST - Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento
de Alimentos do Estado de So Paulo
SINDGRAF/DF - Sindicato dos Trabalhadores nas Indstrias Graficas
no Distrito Federal
SINTEACJF - Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Asseio,
Conservao e Limpeza Urbana de Juiz de Fora
SINTER - Sistema Nacional de Trabalho, Emprego e Renda
SIRT/MTe - Sistema Integrado de Relaes do Trabalho do Ministrio do
Trabalho e Emprego
SITRO - Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodovirios do
Paran
SMABC - Sindicato dos Metalrgicos do ABC Paulista
SNC - Semana Nacional da Conciliao
SRJ - Secretaria de Reforma do Judicirio
SRT - Secretaria de Relaes do Trabalho
STJ - Superior Tribunal de Justia
STF - Supremo Tribunal Federal
SUS - Sistema nico de Sade
SUT - Sistema nico do Trabalho
TAC- Termo de Ajustamento de Conduta
TAFTA - Transatlantic Free Trade Area
TJAM - Tribunal de Justia do Estado do Amanonas
TRCT - Termo de Resciso de Contrato de Trabalho
TRT - Tribunal Regional do Trabalho
TST - Tribunal Superior do Trabalho
UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
UGT - Unio Geral dos Trabalhadores
UnB - Universidade de Braslia
USA - Estados Unidos da Amrica
USAID - Agncia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional
UST - Unio Sindical dos Trabalhadores
VT - Vara do Trabalho
WTP - World Bank Techinical Paper
SUMRIO
1 INTRODUO .................................................................. 29
2 A CONCILIAO DE CLASSES NA FORMAO E
DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
E SUA ASSIMILAO NO INTERIOR DO COMPLEXO JURDICO ........................................................................... 41
2.1 OS NOVOS CONTORNOS DAS ESTRATGIAS DE
CONCILIAO DE CLASSES E AS REPERCUSSES NO
MBITO DO JUDICIRIO TRABALHISTA: SITUANDO O
OBJETO DE ESTUDO ......................................................... 42
2.2 A CONCILIAO DE INTERESSES DE CLASSES NA
FORMAO SCIO-HISTRICA DA SOCIEDADE
BRASILEIRA ....................................................................... 55
2.2.1 A conciliao como elemento crucial para viabilizar a
insero do Brasil colnia nos processos de expanso do capitalismo mundial ............................................................ 56
2.2.2 A gnese da sociedade nacional, a emergncia e expanso
do mercado capitalista moderno: as novas formas de dominao e conciliao de interesses ............................... 65
2.2.3 A emergncia e expanso do capitalismo competitivo: o
papel da conciliao na redefinio e fortalecimento das
relaes de dependncia e no processo de transio do
trabalho escravo para o trabalho livre .............................. 78
2.2.4 Consolidao do capitalismo dependente: a conciliao de
interesses de classes compensada pela superexplorao do
trabalho e os caminhos tortuosos de uma democracia
marcada pela cooptao ..................................................... 91
2.3 O DIREITO COMO COMPLEXO SOCIAL NAS
SOCIEDADES DE CLASSES: ALGUNS APONTAMENTOS
MARXIANOS .................................................................... 116
2.3.1 O Direito como posio teleolgica secundria: as
contribuies de Lukcs para a compreenso das formas de
regulamentao dos conflitos de classes na sociabilidade burguesa ............................................................................. 123
2.3.2 O Direito como ideologia: instrumento de resoluo de
conflitos de classes ............................................................. 152
3 RELAES ENTRE ECONOMIA E DIREITO: A CRISE
ESTRUTURAL DO CAPITAL E SEUS IMPACTOS NAS
ECONOMIAS CENTRAIS E PERIFRICAS ............... 167
3.1 SE AS CRISES SO INERENTES AO CAPITALISMO, DE
QUE CRISE ESTAMOS FALANDO? ............................... 168
3.2 A FUNCIONALIDADE DO DIREITO NO PROCESSO DE
RECOMPOSIO DO CAPITAL ...................................... 184
3.3 CLASSES E LUTAS DE CLASSES: UMA BREVE
INCURSO NOS ESCRITOS DE MARX, ENGELS E
OUTROS AUTORES DA TRADIO MARXISTA ........ 203
3.4 A CONSTITUIO DA CLASSE TRABALHADORA NA
ATUALIDADE: DESAFIOS TERICOS E POLTICOS . 221
3.5 AS TRANSFORMAES NO MUNDO DO TRABALHO E
A OFENSIVA SOBRE OS DIREITOS DOS
TRABALHADORES: RECORTES SOBRE A REALIDADE
BRASILEIRA ...................................................................... 229
3.6 A PERSPECTIVA CONCILIATRIA NOS ESPAOS
INSTITUCIONALIZADOS DE PARTICIPAO NOS
GOVERNOS PETISTAS .................................................... 254
3.6.1 A concertao nacional vislumbrada no processo de
articulao entre governo e sociedade civil por meio do Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social ......... 261
3.6.2 A alternativa conciliatria como pressuposto para
reorganizar as relaes de trabalho no Brasil: os debates e
encaminhamentos no interior do Forum Nacional do
Trabalho ............................................................................. 274
3.6.3 O Conselho de Relaes do Trabalho: mais um mecanismo de educao do consenso ................................................... 282
4 A ESSENCIALIDADE DA CONCILIAO:
PRECARIZAO DO TRABALHO SOB O MANTO DA
MODERNIZAO DAS RELAES LABORAIS .. 297
4.1 O REI TRITO PERSONIFICADO NA
MODERNIZAO DAS RELAES DE TRABALHO
REQUERIDA PELA BURGUESIA BRASILEIRA ........... 298
4.2 A PREVALNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O
LEGISLADO: A FLEXIBILIZAO E A
DESREGULAMENTAO DOS DIREITOS LABORAIS
NO CENTRO DAS PROPOSTAS DE MODERNIZAO
DAS RELAES TRABALHISTAS ................................. 320
4.3 A CONCILIAO NOS POSICIONAMENTOS DE
EMPREGADORES E TRABALHADORES: O
ESVAZIAMENTO DA LEGISLAO LABORAL ......... 377
5 O JUDICIRIO TRABALHISTA COMO CONDUTOR
DA CONCILIAO: CONTRADITRIOS
PROCESSOS DE GARANTIA DE DIREITOS ............ 417
5.1 REESTRUTURAO DO JUDICIRIO: SUPREMACIA
DOS INTERESSES DE MERCADO E ESTMULO AOS
MECANISMOS ALTERNATIVOS DE RESOLUO DE
CONFLITOS MARC ....................................................... 418
5.1.1 A Reforma do Judicirio: as orientaes dos organismos internacionais .................................................................... 419
5.2 A REFORMA DO JUDICIRIO BRASILEIRO NO
CONTEXTO DA CONTRARREFORMA DO ESTADO .. 436
5.3 A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45 E A REFORMA
DO JUDICIRIO: A MATERIALIZAO DAS
ORIENTAES DO BANCO MUNDIAL E SUAS
CONTRADIES .............................................................. 452
5.4 A RESOLUO N 125 DO CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIA E A OFENSIVA CONCILIADORA ................ 471
5.4.1 A necessidade de mensurar os litgios para planejar aes de ofensiva a direitos ......................................................... 477
5.4.2 A necessidade de os juzes e servidores assimilarem a
cultura da pacificao social ............................................ 479
5.4.3 O reconhecimento das boas prticas relacionadas
conciliao ...................................................................... 483
5.4.4 A formao da opinio pblica sobre as vantagens da conciliao .................................................................... 486
5.4.5 A estruturao das Justias para ampliar as prticas conciliatrias ...................................................................... 488
5.5 ACESSO JUSTIA, CELERIDADE, REDUO DE
CUSTOS E DO NMERO DE PROCESSOS: A
CONCILIAO COMO (FALSO) ANTDOTO PARA
RESOLVER TODOS OS PROBLEMAS DO
JUDICIRIO ...................................................................... 503
5.5.1 O judicirio trabalhista e o reverso da conciliao:
a negao de direitos ......................................................... 516
5.6 A DIALTICA DA CONCILIAO: COMO OS
TRABALHADORES SEMPRE PERDEM ...................... 549
6 CONCLUSO ................................................................... 595
REFERNCIAS ................................................................ 617
29
1 INTRODUO
Conciliao trabalhista: ofensiva sobre os direitos dos
trabalhadores na periferia do capitalismo representa um esforo
reflexivo sobre a realidade do mundo do trabalho no Brasil, mais
especificamente sobre as estratgias utilizadas pelo capital para
flexibilizar, desregulamentar, reduzir e suprimir direitos conquistados
historicamente pela classe trabalhadora. Nesse intento, a perspectiva
conciliatria foi colocada no centro do debate para que pudssemos mos-
trar como, por essa via poltico-jurdica e ideolgica, os antagonismos e
contradies de classe so negados e como vm sendo construdas as
condies objetivas e subjetivas para que as investidas do capital sobre os
direitos dos trabalhadores sejam viabilizadas.
Talvez muito mais do que uma produo intelectual de carter
terico, a presente tese representa uma denncia sociedade e um alerta
aos movimentos dos trabalhadores sobre os efeitos perversos daquela
perspectiva sobre as condies e as relaes de trabalho na realidade
brasileira no tempo presente.
A questo da conciliao no mbito das relaes laborais surgiu
a partir dos estudos e pesquisas que tm sido por ns desenvolvidos desde
o incio da dcada de 1990 sobre as temticas relacionadas ao trabalho.
poca, fizemos uma ps-graduao lato sensu em Servio Social do
Trabalho, promovida pelo Departamento de Servio Social da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Naquela oportunidade,
as questes relacionadas s transformaes do mundo do trabalho foram
debatidas e, por certo, inquietando-nos. Na elaborao de nossa
dissertao de mestrado junto ao Programa de Ps-Graduao em Servio
Social da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC/SP), em
1994/1996, deparamo-nos com a temtica do desemprego, apontada
como um dos problemas vividos no espao citadino pelos trabalhadores
entrevistados1. A partir da, nossas incurses tericas tiveram sempre
direta ou indiretamente - o trabalho como centro de preocupaes.
Tambm, em virtude disso, desistimos de seguir, no incio dos anos 2000,
o curso de doutorado em sociologia poltica na UFSC para iniciarmos a
1 Em nossa dissertao de mestrado, discutimos a cidade como espao social e
politicamente definido a partir da luta de classes. Nosso estudo teve como refe-
rncia a cidade de Blumenau/SC, caracterizada por ser, poca, um polo txtil
da regio, na qual os trabalhadores passavam a enfrentar os efeitos das trans-
formaes do mundo do trabalho sob a gide do modelo de acumulao flex-
vel.
30
graduao em direito. Considervamos que havia uma forte relao entre
o projeto poltico do Servio Social e os debates mais progressistas da
rea jurdica, especialmente quanto defesa dos direitos e garantias
fundamentais e, dentre estes, o direito do trabalho.
Foi no curso dessa segunda graduao que nos aproximamos
ainda mais da dura realidade enfrentada pelos trabalhadores quando estes
buscam a tutela do Estado para a efetivao de direitos violados pelos
empregadores. Nas audincias que tivemos a oportunidade de
acompanhar na condio de estagirio e, depois, j como advogado,
passamos a constatar como o uso aodado e indiscriminado da conciliao
trabalhista traz prejuzos aos trabalhadores, tanto do ponto de vista
econmico quanto poltico. Desde ento, o tema foi objeto de estudos,
transformando-se numa proposta de tese, quando do nosso ingresso, em
2011, no curso de doutorado do Programa de Ps-Graduao em Servio
Social (PPGSS) da UFSC, junto linha de pesquisa Questo Social,
Trabalho e Emancipao Humana. A proposta inicial foi sendo
qualificada a partir das discusses com os professores das disciplinas por
ns cursadas e com os estudos do acervo terico marxiano realizados no
Ncleo de Estudos e Pesquisas: Trabalho, Questo Social e Amrica
Latina, vinculado ao mencionado programa.
A proposta de tese ora apresentada nasce de uma pergunta
simples: se os direitos positivados em si mesmos (apesar de todos os
limites) j indicam uma pactuao entre capital e trabalho em que ambas
as partes logram conquistas e fazem concesses reciprocamente - e se, no
Brasil, a estrutura judiciria trabalhista existe para dirimir eventuais
conflitos advindos dessa relao e para fazer valer os direitos pactuados
e expressos em leis (em sentido amplo), por que os trabalhadores, coletiva
ou individualmente, so induzidos (ou forados?) a fazer acordos que, via
de regra, implicam abrir mo do acervo desses direitos conquistado como
classe trabalhadora por meio da sua organizao poltica?
As respostas formuladas pela ideologia conservadora e
assimiladas no s pelos governos, empresrios e juristas, mas tambm
por representantes dos trabalhadores so basicamente as seguintes: a) a
conciliao uma forma de resoluo de conflitos que promove a
autodeterminao dos sujeitos, pois tem como princpio a autonomia da
vontade dos envolvidos nas decises; b) a via conciliatria possibilita uma
resposta mais clere e efetiva s demandas jurdicas, em particular,
quelas de natureza trabalhista, haja vista a existncia de uma crise do
judicirio ptrio, traduzida especialmente no acmulo de processos em
tramitao em todas as justias. Nesse sentido, as formas
autocompositivas e at as heterocompositivas de resoluo de conflitos
31
baseadas na conciliao constituiriam uma importante estratgia para
desafogar o judicirio, permitindo que ele desempenhe seu papel com
mais celeridade e qualidade; c) durante um longo perodo, no Brasil,
estimulou-se a cultura do conflito e da judicializao, cujo resultado mais
evidente tem sido a frustrao dos cidados diante da incapacidade de
essa estrutura judiciria responder com brevidade (e se possvel com
justia) s demandas a ela direcionadas. Em virtude disso, estaria na hora
de reverter esse quadro e construir uma cultura da pacificao social.
Essas perspectivas tomam como pressuposto que os conflitos
originrios da dinmica prpria do modo de produo capitalista podem
ser resolvidos sem que as estruturas que os geram sejam transformadas.
No entanto, como bem ensina Mszros (2015), a centrifugabilidade do
capital marcada por uma dialtica atrofiada prova que isso no
possvel. Segundo ele, [os] defeitos estruturais das determinaes
materiais diretas do sistema do capital nunca
poderiam ser superadas sem enfraquecer, e at
mesmo minar a eficcia do prprio sistema
autoexpansionista, que , orientado para a
expanso e impulsionado pela acumulao, e,
claro, vice-versa, de acordo com as circunstncias
prevalecentes. Nesse sentido, os corretivos do
Estado sempre foram problemticos, mesmo na
fase ascendente sistematicamente construtiva. Pois
puderam intervir apenas dentro de limites bem
demarcados, j que seu mandato primordial no era
a superao, mas a preservao da
centrifugabilidade competitiva do capital [...]
(MSZAROS, 2015, p. 103-104, grifo do autor).
Nesse mesmo sentido, Mszaros (2015, p. 107-108) pondera:
A verdadeira preocupao o crculo vicioso do
intercmbio alienado entre os domnios
material/econmico e poltico do sistema do
capital. Esse crculo vicioso contrape-se a
qualquer tentativa de encontrar solues racional-
mente sustentveis para nossos graves problemas.
Pois o intercmbio recproco entre os domnios
material/econmico e poltico assume a forma de
uma incorrigvel dialtica atrofiada, porque um
lado na base material do processo sociometablico
deve dominar o outro isto , o valor de troca deve
prevalecer sobre o valor de uso, a quantidade sobre
32
a qualidade, o abstrato sobre o concreto, o formal
sobre o substantivo, o comando sobre a execuo,
e, claro, o capital sobre o trabalho (grifo do autor).
Por nos filiarmos tradio marxista que entende que a aparncia
dos fenmenos apenas um momento (e s vezes falseado), mas no
toda a realidade, no nos contentamos com aquelas rasas justificativas
e explicaes dadas pelo pensamento conservador. Por isso, procuramos
encontrar mediaes que nos permitissem entender as conexes da
valorizao dessa estratgia conciliatria no mbito das relaes de
trabalho com os processos sociais mais amplos, considerando o contexto
da luta de classes no capitalismo brasileiro, em sua condio dependente
e perifrica, relacionando tais determinaes com o processo de transfor-
mao ditada pela acumulao flexvel, com as novas requisies
impostas pelo capital ao trabalho e com a dinmica da crise estrutural do
capitalismo nos termos apontados por Mszros (2002, 2011).
A conciliao de interesses uma dimenso inerente s relaes
entre estes dois polos (capital e trabalho), e assim o exatamente porque
tais relaes so marcadas pela contradio e pelo antagonismo, o que faz
da conciliao uma estratgia ideolgica que tem por objetivo contribuir
com a equalizao e o mascaramento dos conflitos de classes.
Nossa anlise parte desse pressuposto e considera a realidade
brasileira marcada historicamente pelas condies de um capitalismo
perifrico e dependente. Na abordagem do objeto, procuramos expor
como a perspectiva da conciliao de classes foi especialmente
institucionalizada por meio das prticas conciliatrias no mbito da
justia do trabalho. Ao mesmo tempo, tentamos evidenciar como e por
que hodiernamente aquela perspectiva vem ganhando maior centralidade.
Para darmos conta de nossa empreitada de estudos, realizamos
um conjunto de procedimentos que, acreditamos, permitiram sucessivas
aproximaes ao objeto com o fito de apreend-lo em seu movimento
real. Do ponto de vista do mtodo crtico dialtico, importante ressaltar,
h uma prioridade ontolgica (do objeto) sobre o sujeito (aquele que se
dispe a conhecer) que aponta para os caminhos a serem percorridos no
processo de conhecimento. Assim, o percurso metodolgico percorrido
vislumbrou, ainda que de modo aproximado, reproduzir aquele
movimento real no pensamento, transformando o concreto em
concreto pensado, sem que para isso fossem previamente estabelecidas
regras metodolgicas rgidas consusbstanciadas em uma perspectiva
meramente gnosiolgica e no ontolgica. Nesse sentido, concordamos
com Tonet (2013, p. 113), quando afirma:
33
[...] o caminho que nos leva do desconhecido ao
conhecido no absolutamente desprovido de
qualquer indicao. Ele balizado por elementos
genricos (abstratos, gerais) que vo se tornando
menos genricos (abstratos) na medida em que se
aproximam do objeto especfico. Assim, se
soubermos que algo est articulado com todos os
outros elementos, isto , que faz parte de uma
totalidade maior, e, portanto, no uma partcula
sem conexo alguma, isto nos permitir buscar
quais so essas conexes e quais os outros
elementos com os quais est conectado. Desse
modo, aqueles elementos genricos serviro, de
algum modo, de orientao quanto ao caminho a
ser seguido.
Nessa perspectiva, tomamos nosso objeto a conciliao no
mbito das relaes laborais no como uma mera abstrao ou como
uma parte da realidade que pode ser apreendida nela mesma. Ao
contrrio, ele foi entendido e abordado como [...] o resultado de um
determinado processo histrico e social. Totalidade, historicidade e prxis
so, pois, categorias fundamentais na configurao dos caminhos [...]
para se conhecer qualquer objeto (TONET, 2013, p. 114).
Diz o mesmo autor: A parte desconhecida, assim, no absolutamente
desconhecida porque h elementos nela que a
conectam a uma totalidade maior, tanto sincrnica,
como diacronicamente. Na medida em que
conhecemos as determinaes gerais da realidade,
o que nos proporcionado pela ontologia do ser
social, estas orientaro a descoberta daqueles
aspectos ainda desconhecidos. Assim, saber que o
ser social radicalmente histrico e social, que
uma totalidade e no uma soma aleatria de partes,
que composto de essncia e aparncia, que
resultado da interatividade humana, que
permeado por contradies e mediaes, que seu
movimento implica sempre a existncia de um
momento predominante, essas e outras
determinaes gerais sero importantes elementos
balizadores para orientar a busca pelo
desconhecido. (TONET, 2013, p. 114).
Na trilha desse entendimento sobre o processo de conhecimento,
alm da questo inicial que alhures apresentamos, outras foram
34
formuladas, entre as quais destacamos: 1) Quais as conexes entre as
formas alternativas de resoluo de conflitos jurdicos implementadas e
em implementao no Brasil com os interesses do capital internacional?;
2) Por que e como a conciliao trabalhista potencializa a explorao do
trabalho?; 3) Considerando a crise estrutural do capital e sua reverberao
no desenvolvimento e na dinmica do capitalismo no Brasil, quais as
consequncias ideopolticas da conciliao trabalhista?; 4) Os conflitos,
objetos de conciliao, so efetivamente jurdicos, ou esta apenas a
forma de eles aparecerem?
No processo investigativo, inmeras dvidas surgiram medida
que identificvamos dimenses da realidade que se conectam direta e
indiretamente ao nosso objeto. Assim, do ponto de vista metodolgico, a
viagem de ida nos inquiriu a definir critrios para fazer os recortes in-
dispensveis de modo a no nos afastarmos dos objetivos delineados
previamente. A complexidade da realidade revelada, a partir das
tentativas de transitar da sua aparncia fenomnica para a sua essncia,
por meio de um conjunto significativo de mediaes, mostrou-nos que o
caminho de volta tambm exigiria um grande esforo para reconstruir
e apreender a processualidade do objeto. Isso porque dimenses
importantes dessa totalidade poderiam ser equivocadamente
desconsideradas no momento da exposio dos resultados da pesquisa. A
despeito dessa preocupao, em virtude das condies objetivas e
subjetivas que precisaram ser levadas em conta para expor nossas
descobertas, definimos que problematizaramos a questo da conciliao
a partir daqueles elementos mais afetos s relaes de trabalho no
contexto brasileiro atual, procurando evidenciar as conexes entre o
econmico e o poltico por meio do protagonismo das classes.
Para responder quelas questes supracitadas, apropriamo-nos de
um acervo terico que julgamos capaz de lanar luzes sobre nosso objeto
de estudo. Assim, consideramos necessrio tratar teoricamente de
algumas categorias mais essenciais, tais como: capital, trabalho, valor,
mais-valor, classe, luta de classes, Estado, direito, ideologia, crise
estrutural do capitalismo, capitalismo dependente, reestruturao
produtiva, e, por bvio, a prpria conciliao, tanto em sua forma
poltico-ideolgica quanto em sua forma de instituto jurdico.
Trabalhamos, nesse sentido, mais intensamente com as obras de
Marx e Engels e autores da tradio marxista, especialmente, com
Lukcs, Mszros, Gramsci, Harvey, Chesnais, etc. Para pensar a
realidade latino-americana e brasileira, foram de extrema valia as
produes de Florestan Fernandes, Ruy Mauro Marini, Adrin Sotelo
Valencia, somente para citar alguns.
35
No debate em torno do direito, alm das leituras das reflexes de
Marx (2013) sobre o que chama de legislaes sanguinrias contra os
expropriados desde o final do sculo XV e as leis para a compresso
dos salrios em O Capital, ocupamo-nos de outros escritos anteriores do
autor que tratavam do tema, ainda que de modo perifrico. Alm disso,
apropriamo-nos das ideias de Lukcs que, em sua obra Para uma ontologia do ser social, nos captulos da reproduo e da ideologia, trata
especificamente sobre o complexo jurdico. Servimo-nos tambm das
discusses de autores que estudam as particularidades do direito do
trabalho no Brasil, entre os quais destacamos: Mrcio Tlio Viana,
Arnaldo Sssekind, Jorge Luiz Souto Maior, Maurcio Godinho Delgado,
etc. Em relao conciliao trabalhista, procuramos incorporar
criticamente as discusses realizadas por inmeros juristas atravs de
textos e livros publicados sobre o tema.
No que se refere s transformaes no mundo do trabalho, ao
mercado de trabalho e s tendncias do movimento sindical brasileiro na
atualidade, apoiamo-nos nas anlises de autores como Ricardo Antunes,
Giovanni Alves, Graa Druck, Mrcio Pochmann, entre outros.
Considerando a natureza do nosso objeto de estudo, procuramos
identificar e analisar os posicionamentos institucionais a respeito da
perspectiva conciliatria, em particular no mbito das relaes de
trabalho. Aqui, ganharam relevo as posies polticas das organizaes
do empresariado e as dos trabalhadores, bem como as do governo federal
e as do prprio judicirio ptrio, com destaque para as posies assumidas
no interior do judicirio trabalhista. Para essa anlise, definimos o lapso
temporal compreendido entre os anos de 2006 - ano de criao do
Movimento Nacional pela Conciliao (MNC) - e 2014/2015. Esse lapso
temporal tambm singular porque contempla os governos de Luiz Incio
Lula da Silva e Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT), que,
diferentemente das expectativas de parte da esquerda brasileira, deram
continuidade poltica macroeconmica dos governos anteriores e
pautaram-se na perspectiva da conciliao de classes revelada no projeto
de concertao nacional.
As fontes da pesquisa emprica foram essencialmente
documentos - relatrios, mensagens oficiais, exposio de motivos de
propostas legislativas, projetos de leis (em sentido amplo), atas e outros
documentos impressos e eletrnicos -, artigos, matrias jornalsticas e
notcias publicadas nos sites oficiais das organizaes antes mencionadas,
do governo federal e de seus rgos executivos e instncias participativas
(Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social (CDES), Frum
Nacional do Trabalho (FNT) e Conselho de Relaes do Trabalho
36
(CRT)), do Conselho Nacional de Justia (CNJ), do Conselho Superior
da Justia do Trabalho (CSJT), do Supremo Tribunal Federal (STF) e do
Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Nas fontes consultadas, identificaram-se os seguintes aspectos:
- posio poltico-institucional em face da perspectiva de
conciliao dos interesses de classes e da conciliao trabalhista, seja
como instituto jurdico usado no curso de processos judiciais, seja como
um Meio Alternativo de Resoluo de Conflitos (MARC);
- indicaes e avaliaes sobre o impacto da conciliao
trabalhista sobre os direitos dos trabalhadores e sobre as relaes entre
capital e trabalho;
- proposies legais e polticas em face dos posicionamentos
adotados pelos rgos representativos do empresariado, dos trabalhado-
res, do executivo federal e do poder judicirio;
- fundamentos utilizados na defesa dos posicionamentos
adotados.
Os resultados desse processo investigativo que combinou estudos
tericos sobre a poltica de conciliao dos interesses de classes e anlises
de dados empricos, em particular sobre a conciliao no mbito das
relaes trabalhistas no Brasil est, aqui, organizado em quatro sees,
conforme os contedos descritos a seguir.
Iniciamos nossas reflexes situando o leitor quanto forma de
aparecer do fenmeno da conciliao no mbito das relaes de trabalho
como prtica intensificada pelo judicirio trabalhista brasileiro,
entendendo-o como uma expresso renovada das novas estratgias de
conciliao de interesses de classes. Procuramos mostrar que a criao de
uma justia especializada de natureza conciliatria no Brasil dos anos de
1930 j foi uma estratgia para tentar controlar os conflitos laborais, ainda
que a justia do trabalho seja tambm uma resposta do Estado s presses
e reivindicaes da classe trabalhadora organizada. No por acaso, ela
ainda hoje considerada pelos trabalhadores uma conquista advinda das
intensas lutas e confrontos com a classe burguesa. Nesse sentido, a
conciliao tratada como um elemento constitutivo da formao scio-
histrica da sociedade brasileira, repercutindo em todas as dimenses da
vida social, inclusive nas prticas institucionais do poder judicirio e mais
especificamente na justia do trabalho.
Os estudos sobre a formao scio-histrica da sociedade
brasileira mostram a importncia da perspectiva conciliatria desde os
perodos de ocupao do territrio sob a gide de um regime colonial
escravocrata, na conformao da sociedade nacional e no
desenvolvimento das relaes sociais puramente capitalistas. A
37
conciliao de interesses figura como uma importante estratgia de domi-
nao que se renova medida do prprio desenvolvimento da sociedade
de classes. Foi essa perspectiva que permitiu, por exemplo, que, a partir
da degradao do regime colonial, surgissem formas econmicas que
combinavam o arcaico e o moderno e que alavancaram o
desenvolvimento e a conformao de uma economia nacional hbrida,
mas perifrica e dependente. Isso porque, segundo Florestan Fernandes
(2005), somente o capitalismo dependente poderia requerer tal
combinao e forar uma descolonizao mnima e uma modernizao
mxima. Essas condies sero determinantes para o tipo de relaes que
se estabelecero entre capital e trabalho, haja vista que, ao longo do
desenvolvimento da sociedade capitalista brasileira, as perdas da
burguesia nacional decorrentes das relaes de dependncia so
compensadas pela superexplorao do trabalho, o que exige um conjunto
de estratgias repressivas, polticas e ideolgicas para sujeitar os
trabalhadores a esse processo, dentre as quais, figura a perspectiva
conciliatria no trato dos conflitos decorrentes das relaes laborais.
Ainda na segunda seo, nossas reflexes foram direcionadas
para os debates de Marx (2013) sobre as conexes entre o
desenvolvimento do modo de produo capitalista - mediadas pelo poder
estatal - e a construo das primeiras legislaes laborais, resultados das
lutas entre capital e trabalho. J nessa anlise marxiana, verifica-se que a
existncia de alguma proteo formal do trabalho no necessariamente
significa a sua efetividade, o que evidencia os limites da luta poltica na
regulao das relaes laborais e aponta a necessidade histrica da luta
pela emancipao humana. Nesse diapaso, tanto quanto o Estado, o
direito tambm reflexo dos interesses da classe dominante e conforma-
se na justa medida em que surgem as necessidades prprias do
desenvolvimento das foras produtivas e das relaes de produo
capitalistas. Marx sustenta, assim, a conectividade entre as formas
jurdicas e as relaes de produo para concluir que a supresso do
Estado burgus e o fenecimento do direito pressupem a ultrapassagem
do modo de produo capitalista. Esses pressupostos so assimilados por
Lukcs (2013), que aborda o direito como um complexo social secundrio
que, embora organicamente vinculado ao complexo originrio do
trabalho, dele diferencia-se e alcana uma relativa autonomia. Esse
complexo constitui um conjunto de imperativos que objetivam influenciar
os pores teleolgicos dos homens, mas que no reflete adequadamente a
realidade econmica, pois expresso de uma manipulao abstrato-
conceitual homogeneizadora dessa realidade, de acordo com Lukcs
(2013). Assim, a localizao do direito como ideologia corolrio dessas
38
reflexes do autor, aspecto tambm problematizado nessa mesma seo
do trabalho.
Na terceira seo, tratamos da crise estrutural do capital nos
termos utilizados por Mszros (2002), destacando suas caractersticas
distintivas das tradicionais crises cclicas, bem como suas repercusses
no interior do metabolismo do capital, em particular nas relaes entre o
centro e a periferia do sistema capitalista sob o domnio da
financeirizao. Nesse contexto, nossas reflexes procuram apontar as
intrnsecas conexes entre o direito e os processos de recomposio do
capital. Na tentativa de desconstruir iluses reformistas, refutamos a ideia
de que o complexo do direito pode conter os efeitos da crise estrutural,
haja vista os limites impostos pela prpria dinmica social que o
determina. Convergimos com Mszros, nesse sentido, para quem, no
interior da estrutra econmica capitalista, nenhuma conquista econmica
imediata [...] pode com ela romper. Ao contrrio, atuar em sentido
oposto, amenizando os efeitos da crise e contribuindo para reforar [...]
o velho mecanismo reprodutivo abalado pela crise (MSZROS, 2002,
p. 1077).
Ainda nessa terceira seo, confrontando aquelas iluses
reformistas, discutimos a atualidade da luta de classes e sua importncia
nos processos revolucionrios, situando, a, a tarefa histrica dos
trabalhadores, protagonistas das transformaes que podero fazer nascer
uma sociedade emancipada. As contradies que envolvem o Estado
burgus, como espao de disputa, por isso, tambm so, aqui,
problematizadas. Em face dos conflitos decorrentes dos antagonismos de
classes, as estratgias de dominao operadas pela burguesia so
constantemente renovadas e atualizadas, e, por isso, situamos nesse
debate as tentativas de conciliao de interesses que permeiam as
diferentes dimenses da vida social para alm daquelas relaes
estritamente estabelecidas no espao da produo.
A constituio da classe trabalhadora na atualidade ou, nos
termos adotados por Antunes (2002), sua morfologia, bem como os
desafios tericos e polticos dessa classe diante dos processos
contrarrevolucionrios, so tambm aspectos abordados na mesma seo.
Nesse mesmo momento, procuramos apontar as principais
transformaes ocorridas no mundo do trabalho e o avano do capital
sobre os direitos dos trabalhadores, fazendo, a, um recorte sobre a
realidade brasileira, especialmente a partir das ltimas duas dcadas do
sculo XX e seus rebatimentos no movimento sindical obreiro.
Como no poderia deixar de ser, refletindo sobre as relaes entre
as classes mediadas pelo Estado, discorremos sobre a poltica
39
conciliatria assumida pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT)
por meio de mecanismos institucionalizados de participao, cujo
objetivo central tem sido o de imputar ao movimento sindical uma
identidade colaboracionista com o capital, em detrimento das posturas de
enfrentamento e de confronto. A programtica adotada desde o primeiro
mandato de Lula da Silva, como procuraremos demonstrar, tem sido
determinante para a reorganizao das relaes de trabalho no Brasil sob
bases conservadoras, distante das reais necessidades da classe
trabalhadora.
Na quarta seo, apresentamos o debate em torno da
modernizao das relaes de trabalho no Brasil, dando destaque para
os posicionamentos e propostas tanto dos rgos representativos dos
empresrios quanto dos trabalhadores. Ganham relevo, aqui, os discursos
do atraso da legislao trabalhista e o da defesa do negociado sobre o
legislado, aspectos que esto vinculados s propostas de flexibilizao e
desregulamentao das relaes de trabalho, nem sempre rechaadas
pelas prprias representaes dos trabalhadores.
Ainda nessa mesma seo, evidenciamos como a conciliao tem
sido assimilada pelas classes por meio de suas entidades representativas
para a resoluo de conflitos no mbito das relaes de trabalho. Tambm
procuramos mostrar que as implicaes negativas da conciliao sobre o
acervo de direitos dos trabalhadores tm sido desconsideradas nas pautas
do movimento sindical brasileiro, mesmo entre aquelas foras mais
alinhadas s perspectivas socialistas.
Na quinta e ltima seo, refletimos sobre as orientaes do
Banco Mundial (BM) para a reestruturao do judicirio na Amrica
Latina e Caribe, dando nfase para a realidade brasileira. Os argumentos
desenvolvidos vo no sentido de demonstrar que essas orientaes
pretendem garantir a prevalncia dos interesses de mercado sobre
qualquer ideia de justia. Nesse sentido, situamos a reorganizao do
judicirio ptrio no contexto da contrarreforma do Estado brasileiro.
Demonstramos que aquelas orientaes ganham materialidade a partir da
aprovao da Emenda Constitucional n. 45/2004, conhecida como
emenda da reforma do judicirio. Uma anlise mais detalhada do
contedo da Resoluo n. 125 do CNJ tambm aqui desenvolvida, de
maneira a evidenciar as estratgias para fazer frente cultura da
litigiosidade por meio das formas alternativas de resoluo de conflitos,
com destaque para a conciliao, seja ela judicial ou extrajudicial.
Procuramos demonstrar como o poder judicirio foi sendo estruturado
para levar a cabo o que na mencionada normativa chamado de Poltica
Judiciria Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses
40
(PJNTACI). Nesse sentido, discorremos sobre as condies objetivas e
subjetivas construdas para que a cultura da pacificao social fosse
incorporada no interior das diferentes justias, em particular no mbito da
justia do trabalho, bem como pela sociedade em geral.
tambm nesse momento que realizamos algumas reflexes
sobre a centralidade dada conciliao como se ela fosse um antdoto
para todos os problemas do judicirio brasileiro. Refutando o pensamento
dominante que enaltece as perspectivas conciliatrias, procuramos de-
monstrar como, na justia do trabalho, a conciliao tem constitudo um
instrumento de negao de direitos, aspecto encoberto principalmente
pelo discurso ideolgico do acesso justia e da celeridade processual.
Nessa mesma direo, ao analisar a dialtica da conciliao, apontamos
como o uso aodado dessa forma de resoluo de conflitos laborais tem
prejudicado os trabalhadores econmica e polticamente, tanto do ponto
de vista individual quanto coletivo.
Pretende-se, aqui, evidenciar e explicar a essncia da perspectiva
conciliatria na justia do trabalho. De modo algum este estudo cancela a
contraditoriedade que atravessa toda a estrutura daquela justia. A
dialtica do mundo revela que, no interior do judicirio trabalhista, h
importantes tendncias contra-hegemnicas, verdadeiras vozes
dissonantes que provocam tenses no seu interior. Mais do que se
contrapor ou refutar a lgica e funcionamento da forma social capitalista,
as posies polticas e prticas contra-hegemnicas evidenciam que a
justia do trabalho constitui-se num profcuo espao de luta social dos
trabalhadores, assumido precisamente por singulares membros/rgos
vinculados a ela que, por meio da solidariedade de classe, do
materialidade a um projeto estratgico de justia.
Assim, a tese que desenvolvemos no realiza qualquer generali-
zao absoluta, uma vez que se vale da dialtica presente nessas contra-
dies. A postura crtica que assumimos, contudo, no deixa de ser in-
clemente com a tendncia hegemnica que, tal como analisada, baseia-
se na plena afirmao da justia dos patres, denominada, aqui, de justia
burguesa.
Levando isso em conta, ao final, apresentamos algumas snteses
provisrias sobre nosso objeto de estudo, vislumbrando subsidiar
teoricamente a luta poltica dos trabalhadores para conter o avano do
capital sobre os direitos trabalhistas.
41
2 A CONCILIAO DE CLASSES NA FORMAO E
DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA E SUA
ASSIMILAO NO INTERIOR DO COMPLEXO JURDICO
As varas de trabalho do pas fizeram conciliao em 422.316
processos no primeiro semestre deste ano[2014], apontam
dados da Corregedoria-Geral da Justia do Trabalho. Isso
corresponde a 49,75% das 848.815 aes examinadas no
perodo, na fase de conhecimento.
A regio que realizou o maior nmero de conciliaes foi So
Paulo, com 79.447 processos (ou 54,1% do total)
solucionados. O estado foi seguido por Minas Gerais, com
54.009 acordos, e pela cidade paulista de Campinas, com
50.636.
A Justia de Alagoas apresentou o melhor aproveitamento,
com conciliaes em 65,37% dos processos. As varas
trabalhistas que atendem os estados do Par e Amap vm em
seguida, com 59,43% das aes acordadas. Em Mato Grosso,
em 58,95% dos casos houve conciliao.
Uma das varas que tm obtido destaque na conciliao a de
Videira, localizada no meio-oeste de Santa Catarina. A
unidade conquistou, por dois anos consecutivos, o Prmio
Excelncia, concedido pelo Tribunal Superior do Trabalho
(TST) at 2012. Em 2011, por exemplo, de cada 100 processos
solucionados na unidade, 86 foram por acordo e apenas 14 por
sentena.
Somos uma cidade de 50 mil habitantes, onde o pessoal aceita
bem o dilogo e o acordo, explica o juiz titular da vara
trabalhista de Videira, Luiz Osmar Franchin. No primeiro
semestre deste ano, dos 946 processos solucionados na
unidade, 851 ou seja, quase 90% do total , foram por
acordo.
As pessoas sabem que, se tiver de cobrar, eu cobro, assinala
Franchin. Mas ajuda o fato de que, na faculdade de direito
daqui, os alunos j trabalham com a linha de pensamento
voltada para a conciliao. H um esforo conjunto dos
servidores e dos advogados para buscar o acordo. As empresas
tambm sabem que essa soluo significa segurana jurdica2.
2 Cf. notcia divulgada no site do Conselho Nacional de Justia (CNJ). Ver:
JUSTIA trabalhista concilia quase metade dos processos no primeiro
semestre. Braslia: CNJ, 2014. Disponvel em:
. Acesso em: 3 jul. 2015.
42
Nesta seo do presente trabalho, procuraremos demonstrar
como a conciliao constitui um elemento intrnseco s relaes sociais
historicamente construdas no Brasil. Por certo ela no pode ser tomada
como um elemento restrito formao scio-histrica brasileira, ainda
que, aqui, tenha ganhado particularidades, em virtude de o pas ter se
desenvolvido primeiro sob a condio de uma colnia e, posteriormente,
sob a gide do sistema capitalista dependente.
Do ponto de vista jurdico-doutrinrio, a conciliao entendida
como um princpio processual extremamente aplicado na justia do
trabalho, at mais do que nos outros ramos do direito. Tal princpio
tomado de maneira positiva e enaltecedora pelos juristas, de modo a
considerar a conciliao uma verdadeira marca da justia do trabalho.
Em sntese, a conciliao surge como elemento integrante da cultura
trabalhista brasileira, mas, antes, como pretendemos demonstrar, ela se
pe como elemento constitutivo da formao scio-histrica do Brasil.
Hodiernamente, a perspectiva conciliatria tem se mostrado
essencial para disseminar uma cultura da paz em todas as esferas da
vida social, numa tentativa ideolgica de negar os antagonismos e
contradies prprias do modo de produo capitalista. No bojo dessa
estratgia burguesa que implica objetivamente mascarar os conflitos de
classes, as prticas conciliatrias tm se constitudo um verdadeiro
estelionato aos direitos dos trabalhadores e uma forma de dar
continuidade aos processos de superexplorao do trabalho, dadas as
condies poltico-econmicas e sociais do Brasil no sistema mundial do
capital, caracterizadas pela dependncia.
As prticas conciliatrias tiveram e tm uma importncia poltica
indiscutvel para a manuteno da ordem social, em diferentes momentos
histricos, de modo a salvaguardar interesses hegemnicos. Assim, sua
instrumentalidade no mbito jurdico no foi e nem poderia ser
desprezada, especialmente na regulao das relaes entre capital e
trabalho.
2.1 OS NOVOS CONTORNOS DAS ESTRATGIAS DE
CONCILIAO DE CLASSES E AS REPERCUSSES NO MBITO
DO JUDICIRIO TRABALHISTA: SITUANDO O OBJETO DE
ESTUDO
No contexto da crise estrutural do capital no mundo inteiro, os
trabalhadores tm enfrentado processos intensos de desregulamentao,
43
flexibilizao e supresso de direitos (MSZROS, 2002, 2011). Esta
a frmula encontrada pelos proprietrios dos meios de produo para
tentar construir contratendncias queda das taxas de lucro, o que, por
consequncia, faz acirrar os antagonismos de classes. Assim, as prticas
conciliatrias para resolver os conflitos entre capital e trabalho so
reatualizadas e estimuladas. A reproduo da ordem burguesa passa pela
lei geral da acumulao capitalista e pela lei do valor, mas a perspectiva
conciliatria pe-se como uma estratgia assessria ou compsita nesse
processo, com um peso ainda maior no contexto de reproduo do
modelo de capitalismo dependente. Os conflitos de classes atravessam as
instituies do Estado, em particular as estruturas do judicirio e, nelas,
aparecem como simples contendas jurdicas abstraindo-se deles o
carter de classe passveis de serem dirimidos pela conciliao de
interesses. Eis, pois, porque o instituto jurdico da conciliao trabalhista
e formas autocompositivas de resolver os conflitos entre capital e trabalho
ganham centralidade, em face daquela crise estrutural, conforme nosso
ponto de vista.
Cabe relembrar que as prticas conciliatrias existem h muito
na histria das sociedades, desde que as formas de resoluo de conflitos
pela fora, pela autotutela ou por inspiraes divinas passaram a ser tam-
bm limitadas e administradas, j que no efetivamente superadas.
Estudos indicam a existncia daquelas prticas na soluo de conflitos
entre os hebreus, na antiga legislao grega e na Lei das Doze Tbuas,
importante documento jurdico romano.
O prprio Marx, em sua obra O Capital, apontava para a
perspectiva da conciliao como uma histrica e permanente tentativa de
dominao. Ao tratar do carter capitalista da manufatura, e mais
especificamente sobre a distribuio de trabalhos parciais especficos
entre diferentes indivduos, o autor afirma que, nesse processo, o prprio
trabalhador individualmente dividido e transformado [...] no motor
automtico de um trabalho parcial, dando materialidade fbula de
Mennio Agripa, na qual o ser humano aparece como [...] mero
fragmento do seu prprio corpo (MARX, 2013, p. 434). Nessa
passagem, Marx recupera uma lenda segundo a qual, no ano 494 d.C.,
Agripa havia usado uma parbola para convencer os plebeus a uma
conciliao com os patrcios. A postura de resistncia daqueles em
relao a estes era comparada [...] recusa dos membros do corpo
humano a permitir que o alimento chegasse ao estmago [...], cuja
consequncia seria o definhamento dos prprios membros. A recusa dos
plebeus a cumprir suas obrigaes levaria, assim, runa do Estado
romano (MARX, 2013, p. 434). Hodiernamente, resistir s ofensivas de
44
conciliao de interesses de classes, do ponto de vista do capital, significa
a destuio do prprio trabalhador, haja vista que a este no resta outra
possibilidade a no ser a obrigao de ser subserviente e perpetuar as
relaes sociais de produo inerentes forma social capitalista.
De acordo com Menendez-Pidal (apud SAAD; SAAD;
BRANCO, 2011, p. 1220), os antecedentes mais remotos e conhecidos da conciliao so encontrados [...] nos mandaderos de paz del Fuero
Juzgo, nas Ordenanas de Bilbao, na Instruo de Corregedores de Carlos III [1788] e nas Ordenanas de Matrculas de Carlos IV (grifo
dos autores).
A conciliao tambm identificada na tradio francesa, pois,
segundo Suguimatsu (2013, p. 332-333), quando da existncia dos Conselhos de Prudhommes, restabelecido por
Napoleo I em 1806 a pedido dos fabricantes de
seda de Lyon, a conciliao era utilizada em suas
prticas. Ainda havia previso nas Ordenanes do
Reino, no Livro III, Ttulo XX, 1, sendo
suprimida a obrigatoriedade de sua tentativa em
1890 (grifo do autor).
No final do sculo XVIII, pode-se dizer, com as revolues
poltica e industrial ou tcnico-cientfica, tem-se as condies objetivas
para o nascimento de um conjunto mais definido do que viria a constituir
o direito do trabalho, sendo certo que, no mbito das relaes laborais, as
prticas conciliatrias para gerir as controvrsias delas decorrentes foram
sempre usuais. Com a revoluo poltica, afirma Vianna3 (2005), [...] o
3 Tomamos como fonte os escritos de Segadas Vianna (2005) especialmente para
recuperar aspectos histricos das instituies do direito do trabalho. No entanto,
importante ressalvar que se trata de um autor democrata-liberal que revela seu conservadorismo, por exemplo, ao posicionar-se em face das ocupaes dos
espaos de produo nos momentos de greve. Para ele, a greve de ocupao,
tambm denominada de greve de habitao, ultimamente tem se verificado
com a invaso de fbricas, como aconteceu no ABC, Estado de So Paulo,
quando operrios invadiram fbricas ou nelas permaneceram, depois de
ingressarem como se fossem, realmente, trabalhar, e se recusaram a sair, mesmo
aps o final da jornada [...], e, em alguns casos, chegaram ao extremo de reter,
como refns, empregados de escritrio que se encontravam dentro do
estabelecimento. Tais fatos excedem ao exerccio do direito de greve e se
enquadram nas leis penais. [...] A ocupao dos locais de trabalho visa impedir,
de maneira abusiva, a produo, seja com a admisso de novos empregados,
seja com os empregados que se recusaram a aderir a greve. Este tipo de greve
45
homem tornava-se livre, criava o cidado como categoria racional na
ordenao poltica da sociedade. Com a revoluo industrial, [...]
transformava-se a liberdade em mera abstrao, com a concentrao das
massas operrias sob o jugo do capital empregado nas grandes
exploraes com unidade de comando. Brevemente constatou-se que a
liberdade no seria suficiente para assegurar a igualdade, uma vez que a
realidade mostrava que os mais fortes haviam se convertido tambm nos
opressores (VIANNA, 2005, p. 33) ou, adotando um termo mais preciso,
exploradores. Reproduzindo as reflexes de Joaquim Pimenta, Vianna
(2005, p. 36) assevera: O nvel de capacidade legal de agir, de contratar,
em que se defrontavam operrio e patro, ambos
iguais porque ambos soberanos no seu direito,
cedia e se tornava fico com a evidente
inferioridade econmica do primeiro em face do
segundo. Se a categoria cidado colocava os dois
no mesmo plano de igualdade, no impedira essa
igualdade [...] que o cidado-proletrio,
politicamente soberano no Estado, acabasse,
economicamente, escravo na fbrica [...] (grifo do
autor).
Nessas condies que se observaria o progressivo
intervencionismo do Estado - com seu poder de jurisdio numa
tentativa de buscar o equilbrio social, amenizando os antagonismos de
classes escancarados por meio das estratgias polticas levadas a cabo
pelas organizaes proletrias, considerando, por certo, aqui, a realidade
do velho continente europeu. Esse processo organizativo dos
trabalhadores, contudo, no ocorreu sem enfrentar intensa e permanente
opresso, bastando aqui fazer meno publicao da Lei Chapelier -
logo no incio do perodo revolucionrio na Frana que proibia a
atividade sindical, as greves e as manifestaes obreiras, punindo
severamente at com a pena de morte - os que a descumprissem. Nesse
diapaso, a histria plena de fatos que indicam que, apesar da represso
e da regulao das relaes de trabalho, seria necessrio que outras
condenado, em todos os pases, como um duplo delito: atentado liberdade de trabalho e atentado propriedade privada. Ao Estado cabe promover a desinterdio dos locais de trabalho, sob pena de, por falta de segurana,
causada pela inao governamental, responder pelos danos decorrentes (VIANNA, 2005, p. 1262). Na mesma perspectiva terico-poltica, situamos
Sussekind (2005), Schiavi (2009), Delgado (2013), Saad (2011), entre outros
doutrinadores trabalhistas citados neste trabalho.
46
estratgias ideolgicas fossem implementadas, entre as quais, o estmulo
harmonizao entre patres e empregados por meio da conciliao. Essa
perspectiva paulatinamente vai sendo assimilada pelos prprios
organismos representativos dos trabalhadores. Na Inglaterra, j nas duas
primeiras dcadas do sculo XX, [...] o Partido Trabalhista lana
manifesto propondo que as questes proletrias [...] [fossem] resolvidas
por entendimentos entre as partes (VIANNA, 2005, p. 44, grifo nosso).
No Brasil, segundo Vianna (2005, p. 51-56), j no perodo
colonial possvel identificar dispositivos e contedo de leis de cunho
laboral, ainda que somente no incio do sculo XX seja possvel
reconhecer a edificao propriamente dita de legislaes trabalhistas que
tomavam como objeto de regulao a sorte operria. Merece relevo o
fato de que, j em 1915, foi apresentado, pela primeira vez, projeto
legislativo de criao de um cdigo de trabalho. Essa necessidade de
regulao das relaes laborais foi sentida mais nitidamente medida que
se desenvolvia o mercado de trabalho capitalista.
Nas protoformas da legislao trabalhista brasileira, ento, a pr-
tica da conciliao nos conflitos entre patres e empregados j se
impunha, o que foi incorporado com o advento da Consolidao das Leis
do Trabalho (CLT), em 1943. Como bem lembra Schiavi (2009, p. 93),
a justia do trabalho no Brasil, tradicionalmente, foi reconhecida como a
Justia da Conciliao. Os primeiros rgos de composio dos conflitos
trabalhistas foram, eminentemente, rgos de conciliao.
Concordamos com Vianna (2005, p. 49) quando afirma que [...]
o processo evolutivo da legislao trabalhista tem uma correlao direta
com o ambiente poltico e, sobretudo, com o ambiente social e
econmico, razo pela qual podemos dizer que a origem e estruturao
da chamada justia do trabalho e as legislaes trabalhistas que foram
sendo criadas no Brasil refletem contradies, resistncias e pactuaes
formuladas pelas foras em disputa.
Para Vianna (2005), no mundo, as leis trabalhistas foram
conquistas decorrentes do processo de organizao poltica da classe
trabalhadora no contexto do desenvolvimento do capitalismo industrial, o
que, na opinio do autor, no ocorreu no Brasil. Para ele, aqui, a legislao
trabalhista, pelo menos inicialmente, foi fruto de um movimento
descendente, resultado de [...] uma ao de cima para baixo, do
Governo para a Coletividade (VIANNA, 2005, p. 49-50). Nesse sentido,
o autor argumenta que nos movimentos descendentes, nos quais pode
enquadrar-se o processo ocorrido no Brasil em relao legislao
laboral, esto presentes as seguintes caractersticas:
47
[...] a) inexistncia de luta, sem que isso indique a
ausncia de uma questo social, embora latente; b)
falta de associaes profissionais de expressiva
representatividade; c) os grupos sociais so ainda
inorgnicos; d) no h atividades econmicas que
exijam massas proletrias densas. (VIANNA,
2005, p. 50).
Discordamos em parte de tal anlise pois entendemos que, apesar
do aludido dficit organizativo dos trabalhadores brasileiros nas primeiras
dcadas do sculo passado, a luta de classes constitua a realidade do
capitalismo industrial nascente, pressionando as classes empregadoras e
o governo a incorporarem determinadas demandas trabalhistas4.
De acordo com Giglio e Corra (2005, p. 3), a pioneira tentativa
instituda para redimir conflitos laborais ocorreu em 1922, em So Paulo,
por meio dos tribunais rurais, constitudos por juzes de direito,
representantes dos trabalhadores e empregadores-fazendeiros, dadas as
caractersticas das atividades econmicas predominantes poca. Na ava-
liao dos autores, contudo, tal experincia no apresentou resultados
satisfatrios.
No final de 1932, foram criadas as Juntas de Conciliao e
Julgamento e, tambm, as denominadas Comisses Mistas de
Conciliao, ambas rgos de natureza administrativa. As primeiras
tinham a funo de dirimir demandas trabalhistas individuais, mas no
tinham competncia para executar as decises proferidas. Essa
competncia era dada justia comum. De acordo com Giglio e Corra
(2005, p. 3), as Juntas de Conciliao e Julgamento sofriam inmeras in-
terferncias do Ministro do Trabalho 5 , que tinha poder de avocar
processos por meio de cartas avocatrias, prolatando decises revelia
dos juzes que, poca, no tinham o respaldo da vitaliciedade.
4 De todo modo, a rplica do autor s anlises como a nossa consiste na afirmao
de que no perodo imediatamente anterior dcada de 1930, [...] justamente quando o Pas comeava a se industrializar e o proletariado, sob influncias
internas e externas, ia adquirindo a conscincia de classe, foi que se verificou
menor ao, quer por parte do Governo, quer dos parlamentares. que tambm nesse perodo o Pas atravessava grandes dificuldades polticas que culminaram
em duas rebelies militares (1922 e 1924) (VIANNA, 2005, p. 56). 5 De acordo com Vianna (2005, p. 56-57), a legislao social do Brasil teve sua
gnese especificamente aps a terceira dcada do sculo XX. Em 1930, no
governo de Getlio Vargas, foi criado o Ministrio do Trabalho, Indstria e
Comrcio, dando incio construo das leis sociais.
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Em relao s Comisses Mistas de Conciliao, estas, segundo
Giglio e Corra (2005, p. 4), tinham a atribuio de tentar promover
acordos entre as partes, contudo, no tinham poder de julgar os dissdios
coletivos. Estes eram decididos pelo Conselho Nacional do Trabalho,
funcionando tambm como tribunal arbitral e como ltimo grau de
jurisdio para os dissdios individuais, quando as situaes eram afetas
a empregados estveis ou as demandas tratavam de questes previdenci-
rias.
O carter administrativo da justia do trabalho - instituda pela
Constituio Federal de 1934 e instalada em todo o pas em 1941 -, foi
alterado em 1946, quando, ento, esta passou a constituir o poder
judicirio ptrio e, ao longo dos anos, a estruturao e dinmica de
funcionamento dessa especializada sofreram alteraes. Contudo, seu
carter conciliador pode ser considerado perene desde sua criao at os
dias atuais.
Ao fazer-se uma digresso histrica, observa-se que a ampliao
da justia do trabalho ocorre em consonncia com a intensificao dos
conflitos de classes no Brasil, gerados pela precarizao das condies de
trabalho de um lado e, de outro, pela tentativa patronal de fugir do
cumprimento das normas legais trabalhistas.
Marcada pelos iderios dominantes de uma poca, a justia do
trabalho, ao longo do tempo, foi reconhecida como protecionista ao
trabalhador, considerado hipossuficiente na relao com o capital. E,
apesar da ntida funo controladora e ideolgica da Justia Laboral na
regulao dos conflitos entre capital e trabalho, essa especializada,
contraditoriamente, foi tambm sendo percebida pelos trabalhadores
como um espao de luta na conquista e consolidao de seus direitos. No
entanto, a conciliao continuou sendo enfatizada, tanto que, no ritual
processualstico, o juiz sempre foi estimulado e at mesmo obrigado a
utilizar essa via para tentar resolver os litgios envolvendo patres e
empregados. A ausncia dessas tentativas em determinados momentos do
ritual processualstico pode ser, ainda hoje, considerada motivo de
nulidade.
Em 1943, na exposio de motivos da CLT, ficou consignado que
o referido estatuto jurdico havia sido construdo com base na ideia da
busca pela composio harmnica entre capital e trabalho e no esprito de
equidade e confraternizao entre as classes fundamentais.
O conjunto das leis consolidadas foi uma das respostas do
chamado Estado Novo s tenses sociais que se intensificaram com o
processo de industrializao, com as altas taxas de urbanizao e com o
avano da organizao poltica da classe trabalhadora. O que se observa,
49
segundo Luiz Werneck Vianna (1976, p. 33-34), que as leis trabalhistas
foram ganhando contornos que refletiam, indubitavelmente, o
aprofundamento das contradies entre capital e trabalho, mas tambm
significaram uma reorganizao das estruturas do poder na qual o Estado
ganhava um cariz autoritrio-corporativo.
No por acaso que, na tentativa de criar uma cultura da paz e
negar os conflitos de classes em face da crise estrutural do capital, a
adoo dos Mecanismos Alternativos de Resoluo de Conflitos (MARC)
tem sido estimulada aqui e em todo o mundo nos processos de
reorganizao das estruturas jurdicirias, considerando, inclusive, as
demandas da liberalizao dos mercados e a constituio dos mercados
comuns.
Calmon (2008, p. 143-144) expe: Diversos pases tm empreendido a reorganizao
do aparelho judicirio, verificando-se que alguns
que se orgulhavam de antigas tradies, nos
ltimos tempos, vm cedendo presso de moder-
nizao e diversificao, com o objetivo de deter a
inflao processual, sob a constatao de que a
oferta no tem conseguido acompanhar a demanda.
A Unio Europeia um exemplo de busca
incessantemente da diversificao judiciria, e a
modernizao uma exigncia imprescindvel
convivncia, diante do crescimento das relaes
entre comunitrios de pases diversos. Todavia, a
reorganizao da estrutura judiciria interna e do
processo mais difcil e, portanto, os avanos mais