CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL CLAUS GULMANN … · aplicado a um contrato de cessão de uma marca....

43
IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL CLAUS GULMANN apresentadas em 9 de Fevereiro de 1994 * Senhor Presidente, Senhores Juízes, 1. O Oberlandesgericht Düsseldorf subme- teu ao Tribunal de Justiça uma questão pre- judicial com vista a saber se os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE (actualmente Tratado CE) constituem obstáculo a que o titular de uma marca comercial num Estado-membro se oponha à importação, a partir de um outro Estado-membro, de mercadorias que osten- tam uma marca comercial idêntica, quando a importação é efectuada por uma filial do titular da marca idêntica neste outro Estado- membro e este último adquiriu a marca por contrato a uma sociedade-irmã da empresa que se opõe à importação. A Os antecedentes do litígio e a questão prejudicial 2. A American Standard é um grupo ameri- cano com filiais designadamente na Alema- nha e na França. Até 1976, o grupo dedicava-se à produção e comercialização de artigos sanitários e de instalações de aqueci- mento. Uma parte da produção das instala- ções de aquecimento estava concentrada em França, donde aquelas eram exportadas para o resto da Europa, nomeadamente para Itália e Espanha. Em 1975-1976, o grupo viu-se em dificuldades económicas no sector das insta- lações de aquecimento por isso decidiu cessar a sua actividade neste sector. Esta actividade não voltou a ser retomada. 3. A filial alemã da American Standard, Ideal-Standard GmbH, tem utilizado desde 1951 o nome comercial «Ideal Stan- dard» e é titular da marca alemã «Ideal Stan- dard» que foi registada em 1976 com priori- dade a contar de 1972, nomeadamente para as instalações de aquecimento e os artigos sanitários. Em conformidade com a decisão tomada dentro do grupo, a Ideal-Standard GmbH comercializa unicamente artigos sani- tários desde 1976. 4. A filial francesa da American Standard, Ideal-Standard SA, era titular da marca fran- cesa «Ideal Standard» até 1984, tanto para as instalações de aquecimento como para os artigos sanitários. A marca foi registada pela primeira vez em 1949. Uma concordata judi- cial em 1975 conduziu a um contrato de gestão nos termos do qual as actividades de produção e de comercialização da sociedade em matéria de instalações de aquecimento foram retomadas pela Société nouvelle Ideal Standard, pertencente à Société générale de * Língua original: dinamarquês. I - 2793

Transcript of CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL CLAUS GULMANN … · aplicado a um contrato de cessão de uma marca....

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL CLAUS GULMANN

apresentadas em 9 de Fevereiro de 1994 *

Senhor Presidente, Senhores Juízes,

1. O Oberlandesgericht Düsseldorf subme­teu ao Tribunal de Justiça uma questão pre­judicial com vista a saber se os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE (actualmente Tratado CE) constituem obstáculo a que o titular de uma marca comercial num Estado-membro se oponha à importação, a partir de um outro Estado-membro, de mercadorias que osten­tam uma marca comercial idêntica, quando a importação é efectuada por uma filial do titular da marca idêntica neste outro Estado-membro e este último adquiriu a marca por contrato a uma sociedade-irmã da empresa que se opõe à importação.

A — Os antecedentes do litígio e a questão prejudicial

2. A American Standard é um grupo ameri­cano com filiais designadamente na Alema­nha e na França. Até 1976, o grupo dedicava-se à produção e comercialização de artigos sanitários e de instalações de aqueci­mento. Uma parte da produção das instala­ções de aquecimento estava concentrada em França, donde aquelas eram exportadas para

o resto da Europa, nomeadamente para Itália e Espanha. Em 1975-1976, o grupo viu-se em dificuldades económicas no sector das insta­lações de aquecimento por isso decidiu cessar a sua actividade neste sector. Esta actividade não voltou a ser retomada.

3. A filial alemã da American Standard, Ideal-Standard GmbH, tem utilizado desde 1951 o nome comercial «Ideal Stan­dard» e é titular da marca alemã «Ideal Stan­dard» que foi registada em 1976 com priori­dade a contar de 1972, nomeadamente para as instalações de aquecimento e os artigos sanitários. Em conformidade com a decisão tomada dentro do grupo, a Ideal-Standard GmbH comercializa unicamente artigos sani­tários desde 1976.

4. A filial francesa da American Standard, Ideal-Standard SA, era titular da marca fran­cesa «Ideal Standard» até 1984, tanto para as instalações de aquecimento como para os artigos sanitários. A marca foi registada pela primeira vez em 1949. Uma concordata judi­cial em 1975 conduziu a um contrato de gestão nos termos do qual as actividades de produção e de comercialização da sociedade em matéria de instalações de aquecimento foram retomadas pela Société nouvelle Ideal Standard, pertencente à Société générale de * Língua original: dinamarquês.

I - 2793

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

fonderie (a seguir «SGF»), e pela sociedade de Dietrich, depois, a partir de 1979, apenas pela SGF. O contrato de gestão terminou em 1980. A SGF pretendia contudo conservar uma actividade no domínio das instalações de aquecimento e comercializar os produtos respectivos sob a marca «Ideal Standard». Foi por este motivo que a Ideal Standard SA transmitiu para a SGF, por contrato de 6 de Julho de 1984, as suas unidades de produção do sector das instalações de aquecimento e a sua marca relativa a essas mesmas insta­lações 1 A SGF, que pertence ao grupo francês Nord Est, cedeu seguidamente a marca comercial a uma outra sociedade deste mesmo grupo, a Compagnie internationale du chauffage (a seguir«CICh») 2. A Ideal--Standard SA continua a ser titular da marca para os artigos sanitários.

5. A CICh fabrica em França instalações de aquecimento sob a marca «Ideal Standard». Esta sociedade vende desde 1988 os seus pro­dutos na Alemanha por intermédio da sua filial alemã Internationale Heiztechnik GmbH (a seguir «IHT») 3.

Em consequência desta situação, a Ideal--Standard GmbH 4 propôs uma acção de contrafacção de marca contra a IHT 5, pedindo que a I H T seja proibida de comer­cializar instalações de aquecimento na Ale­manha sob a marca «Ideal Standard» e de fazer figurar esta marca em anúncios, listas de preços, etc. O Landgericht Düsseldorf julgou procedente o pedido da Ideal--Standard GmbH. Desta decisão foi inter­posto recurso para o Oberlandesgericht Düsseldorf, que submeteu ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«Existe restrição ilícita ao comércio entre Estados-membros na acepção dos artigos 30.° e 36.° no caso de ser proibida a uma filial, que opera num Estado-membro A, de um fabricante estabelecido num Estado--membro B, a utilização, a título de marca, da denominação Ideal-Standard, em virtude do risco de confusão com uma marca da mesma origem, quando este fabricante utiliza legalmente esta denominação no seu país de origem com base numa marca que aí é pro­tegida, adquirida por cessão e que pertencia originariamente a uma sociedade-irmã da empresa que se opõe no Estado-membro A à importação de mercadorias com a marca Ideal-Standard?»

1 — Resulta do n.° 1, alínea a) do contrato que a Ideal-Standard SA cedeu todos os seus direitos relativos à marca «Ideal-- Standard» em França, incluindo os departamentos e os terri­tórios ultramarinos, na Argélia e na Tunísia, no que se refere ao fabrico, à comercialização e à venda de instalações de aquecimento.

2 — Foi referido no processo que a Ideal-Standard SA propôs uma acção no tribunal de grande instance de Paris para obter a anulação da transmissão da marca comercial da SGF para a CICh. O fundamento é que o acordo entre a Ideal-Standard SA c a SGF contém uma cláusula de preferência em benefício da Ideal-Standard SA no caso de nova cessão e esta sociedade considera que a SGF não a respeitou.

3 — A IHT é sucessora, com efeitos a partir de Julho de 1992, nos direitos da sociedade Ideal Heizungstechnik GmbH, que foi inserita no registo comercial em 31 de Outubro de 1988.

4 — A demandada no processo principal, para além da Ideal-Standard GmbH, é a sociedade Wabco Standard-GmbH que assumiu a direcção da Ideal-Standard de GmbH a parar de 1 de Janeiro de 1991.

5 — Para além da IHT, é recorrente no processo principal Uwe Danzinger, engenheiro, que esteve empregado até 1975 na Ideal-Standard GmbH e seguidamente na IHT.

I - 2794

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

B — Perspectiva das questões mais impor­tantes suscitadas no processo

6. Foram apresentadas observações neste processo pelas partes no processo principal, pelos Governos alemão e britânico e ainda pela Comissão.

7. Nas observações apresentadas no Tribunal de Justiça, foi considerado assente que a dis­posição da lei alemã relativa às marcas que permite proibir a comercialização de merca­dorias constitui uma medida abrangida pelo artigo 30.°, que proíbe entre os Estados--membros as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equiva­lente, e que a questão decisiva é portanto a de saber se esta medida pode ser justificada com base no artigo 36.° do Tratado, que enu­mera uma série de razões que podem justifi­car tais proibições ou restrições, entre as quais razões de protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial.

8. A resposta à questão prejudicial assenta, portanto, numa ponderação de dois interes­ses contraditórios, a saber, por um lado, o interesse da livre circulação de mercadorias e, por outro lado, o da protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial. A IHT e a Comissão alegam que, numa situação como a do caso presente, a livre circulação de mercadorias tem mais peso, ao passo que a Ideal-Standard GmbH e os Governos alemão

e britânico alegam que as considerações liga­das à protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial devem prevalecer.

9. As observações apresentadas tomam como ponto de partida o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1990 no pro­cesso Hag II 6, no qual o Tribunal de Justiça interpretou os artigos 30.° e 36.° do Tratado numa situação em que o direito de marca tinha sido fraccionado entre vários titulares na sequência de uma expropriação. A con­frontação dos dois interesses reciprocamente contraditórios fez aí pender a balança a favor da protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial. O Tribunal de Justiça declarou que, em tal situação, cada titular da marca podia opor-se à importação, no Estado-membro em que dispunha do direito de marca, de mercadorias fabricadas pelo outro titular. Através deste acórdão, o Tribu­nal de Justiça alterou o acórdão que tinha proferido em 3 de Julho de 1974 no processo H A G I 7.

A Ideal-Standard GmbH e os dois governos alegam que resulta da fundamentação do acórdão que se deve aplicar o mesmo resul­tado no presente processo, enquanto a I H T e a Comissão alegam que existem diferenças importantes entre a situação no processo H A G II, em que o direito de marca tinha sido fraccionado na sequência de uma expro­priação e a situação no caso vertente, em que o direito de marca foi fraccionado por um contrato de cessão.

6 — C-10/89, HAG GF, Colect., p. I-3711. 7 — 192/73, Van Zuylen Frères/HAG AG, Rccueil, p. 731.

I - 2795

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

10. Três elementos principais entram em linha de conta para apreciar a questão preju­dicial. O primeiro é saber qual a importância que se deve atribuir ao consentimento dado pelo cedente para a comercialização pelo ces­sionário dos seus produtos sob a marca comercial cedida, o segundo é o de saber qual o significado do objecto específico do direito de marca à luz da sua função essencial e, o terceiro, saber que significado se deve atribuir ao facto de a relação jurídica entre as duas partes estar pelo menos potencialmente abrangida pelo artigo 85.° do Tratado. Será além disso necessário tomar posição sobre uma série de outras questões.

Optei pela estrutura seguinte para as minhas conclusões.

11. Importa apreciar se os artigos 30.° e 36.° do Tratado são aplicáveis ou não. Esta análise é necessária por duas razões.

12. A primeira é o facto de ter sido alegado que a questão prejudicial deve ser respondida não com base nos artigos 30.° e 36.° do Tra­tado, mas com base no direito comunitário derivado neste domínio. Esta questão será tratada na parte C.

13. A segunda é que no presente processo se está perante um obstáculo à livre circulação de mercadorias que tem a sua origem num

contrato de cessão e que incide sobre a relação directa entre o cedente e o cessioná­rio: v. quanto a este aspecto a parte H. A minha análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça na parte D mostrará que até aqui o Tribunal de Justiça decidiu tais processos com base no artigo 85.° do Tratado, que proíbe quaisquer acordos entre empresas susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-membros e que tenham por objec­tivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum.

Existe unanimidade nas observações apresen­tadas quanto ao facto de o artigo 85.° do Tra­tado poder, conforme as circunstâncias, ser aplicado a um contrato de cessão de uma marca. As observações não põem contudo em dúvida que os artigos 30.° e 36.° se apli­cam também nas relações directas entre um cedente e um cessionário. Este ponto de vista também está subjacente à formulação pelo tribunal de reenvio da questão prejudicial, que diz respeito unicamente aos artigos 30.° e 36.° do Tratado.

Tal ponto de vista parece certo de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Mesmo que a causa do entrave ao comércio esteja no contrato de cessão celebrado, o entrave em si consiste numa proibição de importação estabelecida por um órgão juris­dicional nacional com base na lei nacional em matéria de marcas, isto é, uma medida de direito público abrangida pelo artigo 30.° do Tratado. Assim, tomar-se-á posição quanto ao processo tal como este foi apresentado ao Tribunal de Justiça. Na parte K será aprecia­do o significado que se deve atribuir, para a

I - 2796

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

aplicação do artigo 30.°, ao facto de o artigo 85.° constituir, em minha opinião, uma base adequada para apreciar a legalidade, face ao direito comunitário, de contratos relativos à cessão separada de marcas, oferecendo às panes a possibilidade de protegerem, nas suas relações recíprocas, os seus respectivos mercados.

14. A perspectiva que apresentarei sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça na par­te D dará a oportunidade de apreciar se os princípios estabelecidos pelo Tribunal de Jus­tiça no que se refere à origem comum e ao esgotamento contêm a solução do problema que aqui se coloca. Como se verá, a resposta deve ser negativa (partes E e F).

15. Em contrapartida, uma resposta à questão prejudicial dependerá da ponderação das considerações de fundo. Antes de tomar posição sobre esta ponderação, considerei útil, por um lado, expor os traços fundamen­tais do direito de marca (parte G) e, por outro lado, questionar o significado do facto de a marca em França não ter sido cedida pela Ideal-Standard GmbH, que se opõe à importação na Alemanha, mas pela sociedade-irmã desta última (parte H).

16. A minha ponderação das considerações de fundo compõe-se de três partes. Na secção I pronunciar-me-ei sobre as razões

que me parecem apresentar uma importância decisiva para a resposta à questão. Na parte J, analisarei uma série de argumentos suple­mentares que foram apresentados no pro­cesso mas que, em minha opinião, não são relevantes ou têm uma relevância limitada. Na parte K, tomarei posição sobre o signifi­cado do artigo 85.° para a decisão da causa.

Revelar-se-á que se trata de uma ponderação difícil. Se nos termos do Tratado for de con­siderar legal, no que se refere à cessão de uma marca, uma situação em que as partes possam impedir através de acções de contra­facção a importação, nas suas respectivas zonas de acção, de mercadorias legalmente fabricadas e comercializadas sob a marca em questão pela outra parte, isto implicará um entrave sério à livre circulação de mercado­rias e, em consequência, uma compartimen­tação do mercado interno. Se, pelo contrário, tal proibição de importação for contrária ao Tratado, o titular de uma marca paralela em vários Estados-membros, que pretenda pro­ceder à cessão separada da sua marca para certos Estados-membros, deve aceitar que isso constitui um atentado sério à capacidade da marca para garantir ao consumidor que o produto foi fabricado sob o controlo de uma empresa única à qual pode ser atribuída a responsabilidade da sua qualidade.

17. A minha tomada de posição sobre esta ponderação e, portanto, a minha proposta de resposta à questão prejudicial estão contidas na parte M.

I - 2797

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

18. Foi alegado nas observações apresentadas no Tribunal de Justiça que as circunstâncias do caso presente são tão específicas que uma proibição de importação — mesmo que à partida tal proibição possa ser considerada como compatível com o direito comunitário — não poderá ser justificada nos termos do artigo 36.° Tomarei posição sobre a impor­tância deste circunstancialismo na parte N .

Trata-se em primeiro lugar e antes de tudo de uma série de circunstâncias relativas ao com­portamento do grupo American Standard e sobretudo ao facto de o grupo não fabricar ele próprio instalações de aquecimento, de o grupo ter efectuado em França uma cessão parcial da marca e, por esse facto, ter aceite que o cessionário possa utilizar a marca para instalações de aquecimento ao mesmo tempo que o grupo utiliza a marca para artigos sani­tários e ainda ao facto de, segundo a HIT, o grupo ter aceite que a SGF e depois a CICh tenham comercializado durante vários anos instalações de aquecimento noutros Estados--membros [parte N , alínea a)].

Foi ainda alegado que uma proibição de importação poderá ser contrária aos artigos 30.° e 36.° do Tratado pela simples razão de os artigos sanitários e as instalações de aque­cimento não serem produtos similares que possam dar lugar a confusão [pane N , alínea b)].

C — Significado das normas adoptadas pelas instituições comunitárias

19. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma medida nacional só pode ser apreciada à luz dos artigos 30.° e 36.° do Tra­tado enquanto as legislações dos Estados--membros não tiverem sido harmonizadas no domínio em questão por actos de direito comunitário 8.

20. O Conselho adoptou uma primeira Directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-membros em matéria de marcas 9. A directiva não realiza uma aproximação total das legislações dos Estados-membros, pois limita-se às disposições nacionais que têm incidência mais directa no funcionamento do mercado interno 10. A directiva só deveria ser transposta pelos Estados-membros em 31 de Dezembro de 1992 11 e, portanto, não é apli­cável ratione temporis às circunstâncias do caso presente 12. O Conselho adoptou além disso o Regulamento (CE) n.° 40/94, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comu­nitária 13. Como este regulamento só foi adoptado após a tramitação do processo no Tribunal de Justiça, os articulados fazem

8 — V., por exemplo, o acórdão de 30 de Junho de 1988, Thetford/Fiamma (35/87, Colect., p. 3585).

9 — JO 1989, L 40, p. 1. 10 — V. o terceiro considerando da directiva.

11 — V. a decisão do Conselho de 19 de Dezembro de 1991 (JO L 6, p. 35).

12 — Comparar com o acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 1993, Deutsche Renault (C-317/91, Colect.. p. I-6227 n.° 14).

13 — JO 1994, L 11, p. 1.

I - 2798

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

referência à proposta de regulamento 14. O regulamento que foi adoptado corresponde no essencial à proposta.

a) A directiva relativa às marcas

21. O Governo alemão alega que é possível resolver o presente processo com base nas disposições da directiva relativa às marcas. Invoca a este propósito a finalidade das dis­posições do artigo 5.°, n.° 1, conjugado com o artigo 7.°

22. Segundo o Governo alemão, o artigo 7.° enuncia de forma exaustiva os casos em que se verifica um esgotamento dos direitos liga­dos às marcas, isto é, em que os produtos são lançados no comércio pelo próprio titular ou com o seu consentimento 15. Um alarga­mento do âmbito de aplicação desta dispo­sição até abranger também os casos de cessão representaria uma tal ultrapassagem dos limi­tes que são fixados na disposição que esta seria na prática esvaziada do seu conteúdo. Como o artigo 7.°, segundo o Governo ale­mão, não se aplica na situação presente, o cedente poderia basear o seu direito directa­mente no artigo 5.°, que estabelece o direito

exclusivo ligado à marca e o direito daí resul­tante de se opor à utilização dá marca por terceiros 16.

23. O Governo alemão tinha apresentado argumentos comparáveis nas suas observa­ções no Tribunal de Justiça no acórdão Hag II e o advogado-geral F. G. Jacobs tinha tomado posição a este propósito nas suas conclusões 17. Posso aderir totalmente ao seu ponto de vista, que no essencial é retomado pela Comissão no presente processo: o artigo 7.° da directiva é conforme com a jurispru­dência do Tribunal de Justiça no que se refere ao esgotamento, mas não pode ser considerado como regulamentando de forma exaustiva a questão de saber em que momento o titular de uma marca perde o seu direito exclusivo. A maior parte dos conflitos entre os direitos imateriais não é devida a divergências entre as legislações nacionais, mas sim resultante da territorialidade destas. A directiva em nada limita esta territoriali­dade e, assim, não resolve os problemas que daí resultam. As legislações nacionais que conferem ao titular de uma marca o direito de se opor à importação proveniente de um outro Estado-membro devem assim conti­nuar a ser apreciadas à luz dos artigos 30.° e 36.° do Tratado. Este ponto de vista também deve ter servido de base ao Tribunal de Jus­tiça quando, no acórdão Hag II, fundou a sua resposta à questão prejudicial numa

14 — V. a proposta de regulamento (CEE) do Conselho sobre a marca comunitária cie 25 de Novembro de 1980 (TO C 351, p. 1), alterada pelo projecto de 9 de Agosto de 1984 (JO 1984, C 230, p. 1).

15 — O artigo 7.° dispõe: «1. O direito conferido pela marca não permite ao seu titu­lar proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu con­sentimento. 2. O n.° 1 nãoé aplicável sempre que existam motivos legí­timos que justifiquem que o titular se oponha à comerci­alização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

16 — O artigo 5.°, n.° 1, dispõe: «A marca registada confere ao seu titular um direito exclu­sivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial: a) de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou ser­

viços idênticos àqueles para os quais a marca foi regis­tada;

b) de um sinal relativamente ao qual, devidoà sua identi­dade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.»

17 — V. os pontos 51 a 57 nas conclusões apresentadas em 13 de Março de 1990, Colect., p. I-3711.

I - 2799

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

tomada de posição quanto às disposições do Tratado.

b) O regulamento sobre a marca comunitária

24. A Comissão alegou que o regulamento sobre a marca comunitaria não resolve os problemas ligados, como os do caso em apreço, à natureza territorial das marcas, uma vez que o regulamento pressupõe que as marcas nacionais existentes subsistirão ao lado da marca comunitária.

25. A IHT referiu que, segundo o artigo 7.° da proposta, que passou a ser o artigo 8.° do regulamento, uma marca comunitária será excluída do registo quando já existam marcas nacionais correspondentes, a menos que exista um consenso geral para renunciar à marca nacional e criar uma marca comunitá­ria. Segundo a IHT, daí resultará que o pro­prietário de marcas nacionais paralelas deve renunciar a um fraccionamento no plano nacional.

26. Como foi afirmado pela Comissão, não se pode extrair das disposições invocadas a conclusão muito ampla segundo a qual os titulares de marcas nacionais paralelas devem renunciar a exercer o seu direito de ceder as marcas. O problema do fraccionamento das marcas deve ser resolvido com base nos arti­gos 30.° e 36.° do Tratado.

D — A jurisprudência do Tribunal de Jus­tiça

27. O que adiante será exposto quanto aos mais importantes acórdãos do Tribunal de Justiça em matéria de direitos imateriais per­mitirá colocar os problemas suscitados no caso em apreço no seu verdadeiro contexto. Tomar-se-á como ponto de partida uma dis­tinção entre os casos em que um direito ima­terial é violado no Estado-membro em vir­tude de uma importação paralela efectuada por um terceiro independente e os casos em que esta lesão do direito imaterial resulta da venda directa pelo titular do direito paralelo num outro Estado-membro.

28. O Tribunal de Justiça pronunciou-se numa série de processos sobre as importações paralelas efectuadas por terceiros independen­tes. São de referir nomeadamente os acórdãos de 8 de Junho de 1971, Deutsche Grammo­phon 18, que dizia respeito a um direito apa­rentado ao direito de autor, de 30 de Outu­bro de 1974, Centrafarm/Sterling Drug 19, relativo a patentes, de 31 de Outubro de 1974, Centrafarm/Winthrop 20, em maté­ria de marcas, e de 14 de Setembro de 1982, Keurkoop/Nancy Kean Gifts 21, referente a desenhos e modelos.

29. Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou que uma disposição da legislação nacional em matéria de direito exclusivo que permita opor-se às importações paralelas

18 — 78/70, Recueil p. 487. 19 — 15/74, Recueil, p. 1147. 20 — 16/74, Recueil, p. 1183. 21 — 144/81, Recueil, p. 2853.

I - 2800

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

efectuadas por um terceiro independente é uma medida abrangida pelo artigo 30.° do Tratado. A questão da legalidade desta medida depende, assim, de saber se a mesma é justificada, nos termos do artigo 36.° do Tratado, por razões de protecção da proprie­dade industrial e comercial. Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça confrontou o interesse da livre circulação de mercadorias com o da protecção dos direitos imateriais formulando os dois princípios seguintes:

— o artigo 36.° só permite derrogações ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias no mercado comum na medida em que essas derrogações sejam justificadas pela protecção dos direitos que constituem o objecto específico do direito de propriedade industrial e comer­cial em questão;

— o titular de um direito de propriedade industrial e comercial protegido pela legislação de um Estado-membro não pode invocar esta legislação para se opor à importação ouà comercialização de um produto que foi distribuído legalmente, no mercado de um outro Estado-membro, pelo próprio titular do direito, com o seu consentimento, ou por uma pessoa a ele ligada por laços de dependência jurídicos ou económicos (a seguir «princípio do esgotamento»).

30. Não é decisivo para a aplicação do prin­cípio do esgotamento que a mercadoria tenha sido colocada no mercado num Estado--membro em que o direito imaterial em questão não beneficia de uma protecção cor­respondente (v. o acórdão do Tribunal de

Justiça de 14 de Julho de 1981, Merck/Stephar 22). Em contrapartida, não existe esgotamento só pelo facto de a comer­cialização num outro Estado-membro ser legal, quando esta comercialização não pode ser imputada ao titular da marca (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1989, EMI Electrola/Patricia Im- und Export 23).

31. N o que se refere especificamente às mar­cas, o Tribunal de Justiça declarou que um titular de uma marca pode opor-se, em certas circunstâncias, à importação de mercadorias, mesmo que estas sejam lançadas no comércio num outro Estado-membro por ele próprio ou com o seu consentimento, nomeada­mente, quando o terceiro reembalou a mer­cadoria e apôs a marca na nova embalagem. Em tais casos, contudo, uma oposição à importação poderá constituir uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados--membros, na acepção do artigo 36.°, segundo período, do Tratado, se se provar que o terceiro respeitou determinadas condi­ções, por exemplo, que a reembalagem não afectou o estado originário do produto (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 1978, Hoffmann-La Roche/Centrafarm 24, e o acórdão de 3 de Dezembro de 1981, Pfizer/Eurim-Pharm 25).

22 — 187/80, Recueil, p. 2063. V. também os acórdãos de 14 de Setembro de 1982, Keurkoop/Nancy Kean Gifts (144/81 Cole«. , p . 2863), e de 30 de Junho de 1988 Thetford/Fiamma (35/87 Recueil, p. 3585).

23 — 341/87, Colect., p. 79. 24 _ 102/77, Recueil, p. 1139. 25 — 1/81, Recueil, p. 2913. Será também incompatível com as

condições do artigo 36.°, segundo período, o facto de um produtor que comercializa a mesma mercadoria em diversos Estados-membros sob marcas diferentes se opor a que um terceiro importe paralelamente mercadorias suprimindo a marca do Estado exportador para a substituir pela marca do Estado importador, se for possível provar que o titular da marca utilizou marcas diferentes com vista a compartimen­tar os mercados. V. o acórdão de 10 de Outubro de 1978, Centrafarm/American Home Products (3/78, Recueil, p. 1823).

I - 2801

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

32. Em vários dos acórdãos que acabam de ser citados, o Tribunal de Justiça sublinhou que o Tratado não intervém no que se refere à existência dos direitos imateriais mas que o exercido de tais direitos pode ser limitado em certas circunstancias como consequência das proibições previstas no Tratado 26. Nas suas conclusões no processo H A G II, o advogado-geral F. G. Jacobs referiu esta dis­tinção entre a existência dos direitos imateri­ais e o seu exercício como o primeiro dos três princípios fundamentais desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça no domínio dos direitos imateriais 27. A distinção não foi contudo mencionada pelo Tribunal de Justiça no acórdão HAG II. E isto está certo, em minha opinião. Esta distinção, pelo que se vê, não tem significado próprio para as questões concretas de delimitação.

33. Os terceiros independentes têm também a possibilidade de se prevalecer do artigo 85.° do Tratado como fundamento do seu direito de efectuar importações paralelas no caso em que exista um acordo restritivo da concor­rência entre titulares de direitos paralelos em diversos Estados-membros. O Tribunal de Justiça declarou que a protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial basea­da na legislação nacional não pode ser invo­cada quando o exercício desses direitos é o objecto, o meio ou a consequência de um acordo proibido pelo artigo 85.° do Tratado (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig2 8 , e o

acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 1978, Tepea 29).

34. Em vários processos, o Tribunal de Jus­tiça pronunciou-se sobre os casos de venda directa efectuada por um dos tituUres de direitos imateriais no territorio do outro. Estes processos podem ser divididos em três grupos.

35. O primeiro grupo refere-se aos casos em que direitos paralelos em diversos Estados--membros se constituíram independente­mente uns dos outros. Para determinar a medida em que o titular de um direito imaterial pode invocar os seus direitos a título da legislação nacional relativa ao direito exclusivo, com vista a se opor a uma comercialização efectuada pelo titular dum direito correspondente num outro Estado--membro, é necessário confrontar interesses contraditórios, em conformidade com os artigos 30.° e 36.° do Tratado.

No seu acórdão de 22 de Junho de 1976 30, Terrapin/Terranova, o Tribunal de Justiça declarou que a possibilidade de se opor à comercialização em tais casos era necessária para proteger o objecto específico dos direi­tos de propriedade industrial e comercial. O

26 — V. nomeadamente os acórdãos de 29 de Fevereiro de 1968, Parke Davis/Centrafram (24/67, Recueil, p. 88), e de 8 de Junho de 1971, Deutsche Grammophon (78/70, Recueil, p. 487).

27 — V. ponto 11, supra. 28 — 56 /64 e 58/64, Recueil, p. 429.

29 — Processo 28/77, Recueil, p. 1391. V. também a este propó­sito a conclusão do Tribunal de Justiça no acórdão de 22 de Junho de 1976, Terrapin/Terranova (119/75, Recueil, p. 1039), e o acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Feve­reiro de 1971, Sirena (40/70, Recueil, p. 69). Um acordo referentei proibição de exportação entre duas partes não pode contudo afectar o direito de um terceiro baseado nos artigos 30.° e 36.° do Tratado, de proceder a importações paralelas. V. acórdão de 22 de Janeiro de 1981, Dansk Supermarked/Imerco (58/80 Recueil, p. 181).

30 — 119/75, Recueil, p. 1039.

I - 2802

I H T INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E D A N Z I N G E R

acórdão dizia respeito a marcas e o Tribunal de Justiça declarou que o titular de uma marca podia legitimamente opor-se à impor­tação de produtos similares, tanto no caso de estes produtos ostentarem uma marca idên­tica como no caso de ostentarem uma marca susceptível de se prestar a confusão 31.

36. O segundo grupo de processos diz res­peito aos casos em que os direitos paralelos em vários Estados-membros tinham na ori­gem o mesmo titular, mas foram repartidos entre titulares diferentes em circunstâncias sobre as quais o titular originário não teve qualquer influência. N o seu acórdão de 9 de Julho de 1985 32, Pharmon/Hoechst, o Tribu­nal de Justiça pronunciou-se sobre a situação em que uma patente tinha sido repartida entre vários titulares no âmbito de uma licença forçada e, no seu acórdão de 17 de Outubro de 1990, H A G II, pronunciou-se sobre o caso em que uma marca tinha sido fraccionada entre vários titulares na sequên­cia de uma expropriação.

O Tribunal de Justiça declarou que, em tais casos, o titular originário pode opor-se, no seu âmbito territorial, a um lançamento no mercado, pelo titular do direito exclusivo paralelo, da mesma forma que se os direitos

tivessem sido constituídos independente­mente uns dos outros.

37. O terceiro grupo de processos refere-se aos casos em que direitos paralelos em vários Estados-membros tiveram na origem o mesmo titular, mas foram divididos entre vários titulares por um acordo que tanto pode ser um contrato de licença como de cessão.

38. Pelo que se vê, o Tribunal de Justiça não teve a oportunidade de se pronunciar sobre o caso em que uma parte num contrato de licença pretende opor-se à venda directa efec­tuada pela outra parte. Mas em recursos de anulação interpostos de decisões da Comissão nos termos do artigo 85.°, o Tribu­nal de Justiça teve oportunidade de se pro­nunciar sobre a legalidade, face ao artigo 85.°, de determinadas cláusulas de protecção territorial nos contratos de licença (v. nomea­damente o acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1982, Nungesser/Comis-são 33). Deve também referir-se que a Comissão adoptou uma série de regulamen­tos de isenção de grupos nos termos do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado que implicam que é

31 — V., relativamente à interpretação dos conceitos de produtos similares e marcas susceptíveis de confusão, o acórdão de 30 de Novembro de 1993, Deutsche Renault (C-317/91, Colect., p. I-6227). Os titulares de marcas independentes poderão optar por celebrar acordos ditos «de delimitação», que têm como objectivo delimitar, no interesse recíproco das partes, os âmbitos de utilização respectivos das suas marcas, com vista a evitar confusões ou conflitos. Tais acordos poderão ser incompatíveis com o artigo 85.° do Tratado no caso de visa­rem igualmente realizar divisões de mercado ou outras res­trições à concorrência. V. acórdãos de 30 de Janeiro de 1985, BAT/Comissão (35/83 Recueil, p. 363).

32 — 19/84, Recueil, p. 2281.

33 — 258/78, Recueil, p . 2015. Este processo dizia respeito a um acordo de transmissão na Alemanha de um direito de obtenção relativo a certos produtos e do direito exclusivo de comercializar esses produtos na Alemanha. O Tribunal de Justiça considerou que uma licença exclusiva aberta, isto é, uma licença respeitante apenas às relações contratuais entre o titular do direito e o tomador da licença, tendo em conta a especificidade dos produtos em causa, não era em si incompatível com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Em con­trapartida, no respeitante às licenças exclusivas que permi­tem uma protecção territorial absoluta em benefício de um tomador de licença, com vista a controlar e impedir as importações paralelas de terceiros, o Tribunal de Justiça declarou que as mesmas eram incompatíveis com o artigo 85.° do Tratado, em conformidade com uma jurisprudência constante.

I - 2803

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

em cena medida lícito celebrar acordos de protecção territorial inter partes 34.

39. No seu acórdão de 18 de Fevereiro de 1971 35, Sirena, e no seu acórdão de 15 de Junho de 1976, EMI/CBS United King­dom 36, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre casos em que direitos de marca parale­los tinham sido repartidos entre vários titula­res por um contrato de cessão. Nestes proces­sos, o Tribunal de Justiça tomou como ponto de partida os acordos celebrados e apreciou a sua legalidade nos termos do artigo 85.° do Tratado 37. Esses processos serão adiante dis­cutidos na parte K. Se um acordo for contrá­rio ao artigo 85.° por conferir aos titulares do direito exclusivo a possibilidade de se opor à venda directa nos seus respectivos territórios, os direitos imateriais adquiridos por este acordo não podem ser invocados com vista a impedir tal venda.

40. O presente processo, como se disse, per­tence ao último grupo de processos mencio­nados e, como se pode ver, será a primeira vez que o Tribunal de Justiça se irá pronun­ciar sobre um processo destes com base nos artigos 30.° e 36.° do Tratado. Convém antes de mais analisar se os princípios relativos à

origem comum e ao esgotamento contêm a solução da questão aqui colocada.

E — O princípio da origem comum

41. O Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão H A G I que «o facto de se proibir a comercialização num Estado-membro de um produto que, num outro Estado-membro, tem legalmente aposta uma marca, pela única razão de existir no primeiro Estado uma marca idêntica com a mesma origem, é incompatível com as disposições que consa­gram a livre circulação de mercadorias no interior do mercado comum».

42. Esta decisão foi confirmada sob a forma de um obiter dictum no acórdão de 22 de Junho de 1976, Terrapin/Terranova. O Tri­bunal de Justiça declarou neste acórdão que o titular de um direito imaterial não podia invocar esse direito com vista a se opor à importação de uma mercadoria que foi legal­mente lançada no mercado num outro Estado-membro «... quando o direito invo­cado deriva do fraccionamento, quer volun­tário quer através de uma medida coerciva pública, de um direito de marca que perten­ceu originariamente a um mesmo titular... com efeito, nestas hipóteses, a função essen­cial da marca, que consiste em garantir aos consumidores a identidade de origem do produto, já se encontra posta em causa pelo próprio fraccionamento do direito originá­rio» (o sublinhado é meu).

43. Como se disse, a decisão do Tribunal de Justiça no acórdão Hag I foi alterada pela sua

3 4 — v- ™ particular o Regulamento (CEE) n.° 2349/84 da Comissão, de 23 de Julho de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acor­dos de licença de patente (JO L 219, p. 15; EE 08 F2 p. 135), e o Regulamento (CEE) n.° 4087/88 da Comissão, de 30 de Novembro de 1988, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de franquia J O L 359, p. 46). M

35 — 40/70, Recueil, p. 7. 36 — 51/75, Recueil, p. 811.

37 — Os acordos celebrados nas empresas que pertencem ao mesmo grupo na qualidade de socicdade-mãe e de filiais não estão abrangidos pelo artigo 85." no caso de as empresas formarem uma unidade económica no interior da qual a filial não goza de uma autonomia real na determinação da sua linha de acção no mercado e no caso destes acordos ou práticas concenadas terem por objectivo uma repartição interna de tarefas entre as empresas. V. os acórdãos de 31 de Outubro de 1974, Centrafram/Sterglinf Drug (15/74 Recueil, p. 1147) e de 31 de Outubro de 1974' Centrafarm/Winthrop (16/74, Recueil, p. 1183).

I - 2804

I H T INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E D A N Z I N G E R

decisão do acórdão H A G II que assentava sobre os mesmos factos 38. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que «os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE não obstam a que uma legislação nacional permita a uma empresa, titular de um direito de marca num Estado-membro, que se oponha à impor­tação de produtos similares provenientes de um outro Estado-membro que utilizem neste último Estado uma marca idêntica ou sus­ceptível de confusão com a marca protegida, mesmo que a marca com a qual os produtos em litígio são importados pertencesse inicial­mente a uma filial da empresa que se opõe às importações, tendo na sequência da expro­priação dessa filial sido adquirida por uma terceira empresa».

44. Como resulta da parte decisória dos acórdãos citados, no acórdão H A G I o Tri­bunal de Justiça formulou o seu acórdão como uma tomada de posição geral sobre situações em que as marcas têm uma mesma origem, enquanto no acórdão HAG II limi­tou expressamente a sua tomada de posição às situações em que uma marca foi fraccio­nada por expropriação. Convém acrescentar que no acórdão H A G II, o Tribunal de Jus­tiça não mencionou, e menos ainda discutiu expressamente, as suas declarações no Terrapin/Terranova, que ligavam a doutrina

da origem comum à cessão voluntária das marcas.

45. Nestas circunstâncias, é de questionar se o princípio da origem comum continua a desempenhar um papel em ligação com a cessão voluntária das marcas. Por várias razões penso que se deve responder negativa­mente.

Em primeiro lugar, a forma como o Tribunal de Justiça circunscreveu a sua resposta no acórdão H A G II não permite praticamente aí ver mais nada senão o desejo de se limitar à resposta que era necessária no caso concre­to 39. Em segundo lugar, a declaração do Tri­bunal no acórdão Terrapin/Terranova apenas constitui, como se disse, um obiter dictum, uma vez que o processo dizia respeito a direitos de marca que se tinham constituído independentemente uns dos outros e que assim se pode considerar esta declaração como uma tentativa a posteriori para justifi­car a decisão acórdão H A G I que tinha sido fortemente criticada 40. Em terceiro lugar, a argumentação do Tribunal no acórdão H A G II conduz, em minha opinião, a negar a pos­sibilidade de atribuir importância ao facto de as marcas terem a mesma origem.

É por isso que me parece errado extrair con­clusões autónomas da circunstância de se

38 — A sociedade alemã H A G GF registou em 1907-1908 a marca «HAG» para café descafeinado na Alemanha, Bélgica e Luxemburgo. Em 1935, as marcas belga e luxemburguesa foram cedidas a uma filial detida a 100% na Bélgica. Em 1944, a totalidade do activo da filial, incluindo as mar­cas belga e luxemburguesa, foi confiscada como proprie­dade do inimigo e vendida à família Van Oevelen. Em 1971, a marca foi cedida à sociedade em comandita belga Van Zuylen Frères. Quando em 1972, a H A G GF começou a exportar café para o Luxemburgo sob a marca «Kaffee HAG», a Van Zuylen Frères propôs uma acção de contra­facção. Foi este processo que conduziu à decisão prejudicial no acórdão H A G I. Em 1979, a Van Zuylen Frères foi comprada por uma soci­edade suíça e transformada numa filial detida a 100% sob o nome de CNL-SUCAL NV. Quando em 1985 esta socie­dade começou a exportar café para a Alemanha sob a marca «HAG», a H A G GF propôs uma acção de contrafacção. Esta última conduziu à decisão prejudicial no acórdão HAG II.

39 — V. a este propósito o ponto 73 das conclusões do advogado--geral F. G. Jacobs no processo H A G II, em que este declara que uma das críticas que podem ser feitas ao acórdão H A G I é por o mesmo estar formulado de forma inutilmente ampla e de este erro não dever ser repetido na formulação do acórdão H A G IL

40 — V. a este propòsito a parte VII das conclusões do advogado--geral F. G. Jacobs no processo HAG II.

I - 2805

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

constatar que marcas paralelas têm a mesma origem. A origem comum não é em si um argumento a favor de uma ou outra solução. A recusa em atribuir importância ao princí­pio da origem comum para decidir um pro­cesso não conduz todavia a dizer que direitos paralelos que, na origem, tinham o mesmo titular, mas que foram posteriormente fraccio­nados, devam sempre ser tratados como se se tivessem constituído independentemente um do outro. Deve tomar-se posição concreta­mente sobre a questão de saber se os direitos foram fraccionados de forma que implique que os mesmos devam na sequência ser tra­tados como direitos criados independente­mente um do outro. O que é determinante é uma apreciação das considerações de fundo que podem ser avançadas como argumentos para as possíveis soluções.

F — O princípio do esgotamento

46. Todas as alegações tomam como ponto de partida o princípio do esgotamento for­mulado pelo Tribunal de Justiça. A este pro­pósito, remetem para o acórdão H A G II, no qual o Tribunal de Justiça declarou:

«O facto determinante, em atenção às consi­derações precedentes, para apreciar uma situ­ação como a descrita pelo órgão jurisdicional nacional, é a inexistência de qualquer ele­mento de consentimento, por parte do titular do direito de marca protegido pela legislação nacional, na colocação em circulação noutro Estado-membro, com uma marca idêntica ou susceptível de confusão, de um produto

similar fabricado e comercializado por uma empresa sem qualquer laço de dependência jurídica ou econômica com o referido titu­lar» (n.° 15).

47. E facto assente no presente processo que não existe entre as sociedades do grupo American Standard, por um lado, e a SGF, a CICh e a IHT, por outro lado, qualquer laço de dependência jurídica ou econômica para além do próprio contrato de cessão, e que pudesse conduzir ao esgotamento do direito da marca.

48. Assim, o elemento decisivo para uma aplicação do princípio de esgotamento é saber se se trata de um produto lançado no mercado num outro Estado-membro com o consentimento do titular da marca.

49. A Ideal-Standard GmbH e os Governos alemão e britânico alegam que o elemento da vontade num contrato de cessão não pode ser equiparado ao consentimento quanto ao lançamento no mercado de produtos que ostentam a marca cedida. O que será decisivo para uma aplicação do princípio do esgota­mento é, nomeadamente, que se trate de pro­dutos fabricados pelo próprio titular da marca ou sob o seu controlo. Os direitos ligados a uma marca num Estado-membro não ficam assim esgotados pela cessão da marca num outro Estado-membro, uma vez que, neste caso, o titular da marca renunciou a qualquer forma de controlo sobre os pro­dutos.

I - 2806

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

50. A IHT e a Comissão alegam que através da cessão de uma marca é dado um consen­timento que tem como efeito o esgotamento do direito exclusivo. Este consentimento é contudo caracterizado de uma maneira ligei­ramente diferente. A IHT alega que foi pres­tado um consentimento recíproco entre o cedente e o cessionário para aceitar a expor­tação proveniente do território do outro. A Comissão alega que uma cessão contratual é a expressão de um consentimento directo para que os produtos que ostentam a marca cedida sejam colocados no mercado, tanto no país em questão como no resto da Comuni­dade. Segundo a IHT e a Comissão, o con­sentimento dado à cessão equivale à renúncia ao controlo sobre os produtos.

51. O princípio do esgotamento, tal como foi desenvolvido pela jurisprudência do Tri­bunal e Justiça, não contém, em minha opi­nião, a solução do problema em apreciação. A cessão autoriza incontestavelmente o cessio­nário a comercializar produtos que ostentam a marca no território para o qual a marca foi cedida. Mas desta circunstância não se podem extrair conclusões no que se refere às possibilidades de o cedente proteger a sua marca nos territórios para os quais não houve lugar a qualquer cessão. Decidir o pre­sente processo a partir de um ou outro ponto de vista sobre os efeitos jurídicos do «con­sentimento» que reside na cessão representa­ria uma tomada de posição puramente for­mal.

Em qualquer caso, é determinante nas cir­cunstâncias do presente caso que o esgota­mento do direito de marca que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é uma consequência de facto de a mercadoria ter

sido introduzida em livre prática num outro Estado-membro com o consentimento do titular, pressuponha que existe um consenti­mento para a comercialização de mercadorias «autênticas», no sentido de que se deve tratar de mercadorias produzidas pelo próprio titu­lar da marca ou sob o seu controlo. O prin­cípio do esgotamento não se aplica numa situação em que os titulares da marca em diferentes Estados-membros comercializam cada um os seus próprios produtos e em que não existe entre estas empresas qualquer forma de relação jurídica ou econômica 41.

52. A circunstância de ser de rejeitar a opi­nião da Comissão e da IHT segundo a qual o processo pode ser decidido com base no princípio do esgotamento tal como este foi estabelecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça não implica contudo que o ponto de vista jurídico da Ideal-Standard e dos dois governos seja necessariamente acertado.

O Tribunal de Justiça deve tomar posição sobre as consequências da exigência estabele­cida no Tratado em matéria de livre circu­lação de mercadorias no caso em que uma cessão separada de marcas paralelas possa conduzir a restrições sérias a esta circulação de mercadorias. Essa questão deve ser deci­dida com base em considerações de fundo e não com base num postulado quanto às con­sequências da cessão e do consentimento

41 — O Tribunal de Justiça estabeleceu e aplicou precisamente o princípio do esgotamento em ligação com importações paralelas por terceiros, mas negou que este princípio possa ser aplicado no caso de vendas directas efectuadas por titu­lares independentes de direitos paralelos, cada um no terri­tório do outro (v. supra parte D).

I - 2807

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

para a comercialização que reside nesta ces­são.

53. Não se pode excluir que, numa situação em que o fraccionamento dos direitos de marca foi voluntário, entrem em linha de conta considerações particulares susceptíveis de justificar um resultado diferente do do acórdão H A G II. Se o Tribunal de Justiça decidiu o processo H A G II como o fez e, desta forma, admitiu restrições sérias à livre circulação de mercadorias, foi porque era necessário proteger o objecto específico da marca à luz da sua função essencial. É, pois, com base no objecto específico e na função da marca que também o presente processo deve ser apreciado no caso concreto.

G — Os direitos de marca

54. As marcas encontram o seu fundamento jurídico nas leis nacionais em matéria de marcas. Devem preencher condições (registo ou utilização) fixadas em cada lei nacional e é a lei nacional em causa que determina as con­sequências jurídicas ligadas à marca no Estado em questão. Neste sentido, as marcas são territoriais. Uma vez que, como acima foi dito, não houve uma harmonização total das leis nacionais em matéria de marcas, podem estar ligadas à marca consequências jurídicas diferentes conforme os Estados--membros.

55. As marcas distinguem-se dos outros direitos imateriais nomeadamente pelo facto

de em princípio não estarem limitadas no tempo 42. Isto foi sublinhado no acórdão H A G I em que o Tribunal de Justiça decla­rou: «O exercício do direito à marca é sus­ceptível de contribuir para o isolamento dos mercados, prejudicando assim a livre circu­lação de mercadorias entre Estados-membros, tanto mais que, ao contrário de outros direitos de propriedade industrial e comercial, não se encontra sujeito a limita­ções de ordem temporal» (n.° 11).

a) O objecto e a função destes direitos

56. No seu acórdão HAG II, o Tribunal de Justiça repetiu, precisou e desenvolveu a sua jurisprudência relativa às marcas. O Tribunal de Justiça sublinhou sobretudo a importância essencial que deve ser atribuída à protecção das marcas para uma concorrência leal, sem a qual uma economia de mercado aberto não poderá funcionar. O Tribunal de Justiça declarou que o direito de marca «constitui um elemento essencial do sistema de concor­rência leal que o Tratado pretende criar e manter» (n.° 13).

57. Podem estar ligados às marcas interesses económicos bastante importantes, que repre­sentam para os operadores um bem cujo valor depende da protecção de que benefi-

42 — Resulta contudo dos artigos 10.° a 12.° da directiva relativa às marcas que um titular de uma marca pode perder os seus direitos quando a marca não foi objecto de uso sério num Estado-membro durante um período de cinco anos.

I - 2808

I H T INTERNATIONALE H E I Z T E C H N I K E D A N Z I N G E R

ciam contra os abusos dos concorrentes. Assim, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão HAG II: Num sistema de concor­rência leal «as empresas devem estar em con­dições de reter a clientela pela qualidade dos respectivos produtos ou serviços, o que só é possível graças à existência de sinais distinti­vos que permitam identificar aqueles produ­tos e serviços» (n.° 13).

58. O mais importante dos atributos gerais do titular de uma marca é o seu «direito de usar a marca para a primeira colocação do produto no mercado, protegendo-o assim contra os concorrentes que pretendessem abusar da posição e da reputação da marca, vendendo produtos que a utilizassem indevi­damente» (n.° 14). Este direito constitui «o objecto específico» do direito de marca e a sua protecção pode assim justificar um entrave à livre circulação de mercadorias.

59. O Tribunal de Justiça declarou seguida­mente no acórdão H A G II que «para deter­minar o alcance exacto deste direito exclu­sivo reconhecido ao titular da marca é necessário ter em atenção a função essencial desta, de garantir ao consumidor ou ao utili­zador final a identidade de origem do pro­duto que exibe a marca, permitindo-lhe dis­tinguir, sem confusão possível, aquele produto de outros que tenham proveniência diversa» (n.° 14). A aptidão da marca para representar perante consumidores uma ligação entre a origem e a qualidade já tem sido descrita como uma função de diferencia­ção. A utilização da marca permite ao seu titular diferenciar, no espírito dos consumi­dores, os seus produtos dos dos concorren­tes.

O valor econômico da marca e o seu signifi­cado para a concorrência leal estão estreita­mente ligados à aptidão da marca para preen­cher a sua função de diferenciação 43. O Tribunal de Justiça sublinhou no acórdão H A G II que «para que a marca possa desem­penhar este papel, terá que constituir a garantia de que todos os produtos que a ostentam foram fabricados sob o controlo de uma única empresa à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles» (n.° 13).

b) A transmissibilidade das marcas

60. O titular da marca pode nomeadamente fazer uso do seu direito exclusivo transmi­tindo o direito de utilizar a marca a um licenciado. Em conformidade com o artigo 8.° da directiva relativa às marcas «uma marca pode ser objecto de licenças para a totalidade ou parte dos produtos ou serviços para os quais tenha sido registada e para a totalidade ou parte do território de um

43 — Isto foi expresso nos termos seguintes pelo advogado-geral F. G. Jacobs nas suas conclusões no processo H A G II: «Enquanto as patentes recompensam a criatividade do inventor, estimulando por esta forma o progresso científico, as marcas recompensam o fabricante que se empenha em produzir mercadorias da alta qualidade, estimulando por esta forma o progresso econômico. Sem a protecção das marcas haveria pouco incentivo para os produtores desen­volverem novos produtos ou manterem a qualidade dos já existentes. As marcas podem obter este efeito porque fun­cionam como garantia, para o consumidor, de que todas as mercadorias que exibem uma determinada marca foram produzidas por, ou sob o controlo, de um mesmo fabri­cante, sendo portanto presumivelmente da mesma qualida­de...

Uma marca só pode cumprir o seu papel se for exclusiva. Se o proprietário for forçado a partilhá-la com um concor­rente, perderá o controlo solare o prestígio associadoà marca. A reputação dos seus produtos ficará prejudicada se o concorrente vender produtos de qualidade inferior. Do ponto de vista do consumidor, verificar-se-ão consequências igualmente indesejáveis, porque a clareza do sinal transmi­tido pela marca ficará enfraquecida. O consumidor ficará confuso e iludido» (n.°s 18 e 19).

I - 2809

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

Estado-membro. As licenças podem ser exclusivas ou não exclusivas».

61. O ponto de partida é também o de que uma marca pode ser cedida por contrato celebrado entre o seu titular e um outro ope­rador. As possibilidades de cessão podem contudo ser objecto de limitações.

62. Em certos países, a cessão só pode ter lugar para a totalidade do território para o qual a protecção foi obtida nos termos da lei nacional em matéria de marcas, enquanto tal não sucede noutros países.

63. Em certos países a marca só pode ser cedida simultaneamente com as unidades de produção, enquanto noutros países e, pelo que se sabe, na maior parte dos Estados--membros, a marca pode ser cedida de forma independente.

64. Finalmente, em certos países uma marca só pode ser cedida para a totalidade dos pro­dutos para os quais a protecção foi obtida. Noutros países não existem tais restrições e há ainda outros em que as únicas restrições incidem sobre o direito de cessão parcial na medida em que o fraccionamento poderá dar origem a confusões para o consumidor.

65. Foi alegado nos autos, em minha opinião com razão, que a evolução vai no sentido de uma extensão das possibilidades de um titu­lar ceder a sua marca.

66. Segundo o regulamento do Conselho sobre a marca comunitária, a marca comuni­tária pode ser cedida com a empresa ou inde­pendentemente e pode ser cedida para a tota­lidade ou apenas para uma parte dos produtos para os quais foi registada 44. Em contrapartida, só pode ser transferida para a totalidade do território da Comunidade 45.

H — O significado da ligação entre a Ideal--Standard GmbH e a Ideal-Standard SA dentro do mesmo grupo de empresas

67. As presentes conclusões assentam na ideia de que a situação sobre a qual o Tribu­nal de Justiça se deve pronunciar é na reali­dade uma situação em que o cedente da marca tenta impedir a venda directa, pelo ces­sionário, no território em que o cedente con­servou a sua marca. Contudo, como resulta

4 4 — V. o artigo 17.°, n.° 1, do regulamento que dispõe: «A marca comunitária pode, independentemente da transmissão da empresa, ser transmitida para a totalidade ou parte dos pro­dutos ou serviços para os quais esteja registada.»

45 — V. o artigo 1.°, n.° 2, do regulamento que dispõe: «A marca comunitária tem carácter unitário. A marca comunitária produz os mesmos efeitos em toda a Comunidade: só pode ser registada , transferida, ser objecto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação e o seu uso só pode ser proibido, para toda a Comunidade. Este prin­cípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

I -2810

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

da parte A e da questão prejudicial, a situa­ção presente caracteriza-se pelo facto de em França a marca ter sido cedida não pela Ideal-Standard GmbH, que pretende opor-se à importação na Alemanha, mas pela socie­dade francesa irmã desta última.

68. Em minha opinião é exacto, como ale­gam a IHT e a Comissão, que a relação entre a Ideal-Standard GmbH e a sociedade-irmã francesa, que fazem parte do mesmo grupo, implica uma assimilação das duas sociedades, de tal forma que a cessão pode ser imputada à Ideal-Standard GmbH, como se tivesse sido efectuada por esta propria sociedade. Contrariamente ao que alega a Ideal--Standard GmbH, deve bastar que empresas dentro do mesmo grupo tenham a possibili­dade de coordenar as suas políticas comerci­ais no interesse comum do grupo. A questão de saber se esta possibilidade é utilizada na prática não pode ser decisiva 46.

69. N o caso de o Tribunal de Justiça consta­tar que a cessão de uma marca é uma ope­ração que conduzirá eventualmente a que o seu titular perca o seu direito exclusivo nos Estados-membros em que a marca é conser­vada, não fará qualquer diferença que esta

operação não seja efectuada pelo próprio titular da marca mas sim por uma sociedade dentro do mesmo grupo.

É por isso que a seguir partirei do princípio de que é simultaneamente razoável e ade­quado tratar este processo como dizendo respeito à questão da relação jurídica directa entre um cedente e um cessionário.

I — Apreciação das considerações de fundo, e nomeadamente sobre o objecto específico e a função essencial da marca

70. A Ideal-Standard GmbH, e os Governos alemão e britânico alegam nomeadamente que em caso de cessão voluntária de uma marca, da mesma forma que em caso de cessão forçada, se verifica uma situação em que o cedente não tem qualquer influência sobre a qualidade dos produtos que o cessio­nário comercializa utilizando a marca cedida. Após uma cessão, as marcas tornam-se independentes. Se, em tal situação, o titular perder o seu direito exclusivo, a função essencial da marca será posta em causa, uma vez que a marca não poderá ser­vir de garantia da origem e da qualidade do produto em relação ao consumidor e o titu­lar da marca poderá correr o risco de ver ser--lhe imputada uma má qualidade da merca­doria de que não é de forma alguma responsável. Para que cada marca possa cum­prir a função de garantir que os produtos marcados provêm de uma única origem, é preciso que cada titular possa, no seu âmbito

46 — Este ponto de vista encontra apoio nos acórdãos do Tribu­nal de Justiça respeitantes ao princípio do esgotamento. Assim, haverá esgotamento quando um produto é lançado no mercado num outro Estado-membro por uma sociedade que tem uma ligação de dependência juridica ou económica com o titular, ou com o consentimento desu sociedade. V. nomeadamente o acórdão de 14 de Setembro de 1982, Keurkoop/Nancy Kean (144/81, Recueil, p. 2853), e parece sem importância quanto a este aspecto que as sociedades em questão tenham ou não exercido também na prática a sua possibilidade de coordenar as suas políticas em matéria de qualidade e de comercialização.

I -2811

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

territorial, invocar os seus direitos de marca em relação aos produtos fabricados pelo outro titular.

71. A IHT alega que admitir um entrave à livre circulação de mercadorias na situação presente neste caso conduzirá a sobrestimar a importância da função da marca enquanto garantia da origem e da qualidade dos produ­tos. A IHT salienta que a marca tem em pri­meiro lugar e antes de mais como objectivo proteger o seu titular face a concorrentes que poderiam abusar da sua reputação, enquanto a função de garantia relativamente aos consu­midores constitui um mero reflexo deste objectivo. O titular da marca pode renunciar ao controlo da qualidade dos produtos que está ligado à função de garantia, por exemplo quando celebra um contrato de licença, o que acontece frequentemente na prática segundo a IHT, ou quando cede a marca sem limita­ções.

72. A Comissão alega que o que é determi­nante é que o fraccionamento da marca resulte de um acto voluntário. Segundo a Comissão, a função principal da marca é dar ao titular o poder de decidir quais são os produtos que podem ostentar a marca e desta forma ligar os clientes ao seu produto. Em caso de cessão, o titular da marca consente todavia que outros coloquem a marca sobre os seus produtos e os comercializem, tanto no país em questão como no resto da Comu­nidade. O titular da marca procede, com conhecimento de causa e contra uma remu­neração, a uma renúncia voluntária ao con­trolo da qualidade dos produtos. O titular da marca perde o controlo do renome associado à marca quando é obrigado a compartilhar a marca com um concorrente, mas consentiu

nisso pelo que deve suportar as consequên­cias da sua opção. Em tal situação, não é necessário, para proteger a função essencial da marca, admitir um território protegido na Comunidade.

Segundo a Comissão, o interesse da pro­tecção dos consumidores está suficiente­mente salvaguardado, mesmo que o titular da marca perca o seu direito exclusivo quando de uma cessão. Tal como a IHT, a Comissão alega que o direito de marca não tem como primeiro e principal objectivo proteger os consumidores. Em contrapartida, o direito de marca deve garantir ao seu titular que os produtos que ostentam a sua marca são fabricados sob o seu controlo e que ele é de facto responsável pela sua qualidade, o que produz desta forma efeitos em relação aos consumidores. E o que mostra, nomeada­mente, o facto de o titular de uma marca poder livremente optar por utilizar ou não a sua marca quando comercializa produtos.

73. Em minha opinião, existem boas razões para pensar que os artigos 30.° e 36.° não se opõem a que o cedente de uma marca possa proibir a comercialização pelo cessionário de mercadorias que a ostentem no território em que o cedente conservou a sua marca. Com efeito, se o cedente perder o seu direito exclusivo quando da transmissão de uma marca paralela num outro Estado-membro, isso significará que

— cada uma das marcas deixará de poder cumprir de forma independente, no

I -2812

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

âmbito territorial que lhe pertence, a função de garantir que o produto foi fabricado sob o controlo de uma empresa única à qual pode ser atribuída a respon­sabilidade da sua qualidade uma vez que os produtos fabricados tanto pelo cedente como cessionário poderão ser comerciali­zados no mesmo mercado,

— o titular da marca não tem influência sobre os produtos que são lançados no mercado pelo cessionário e poderá ver ser-lhe imputada uma má qualidade das mercadorias de que não é de forma alguma responsável,

— os consumidores deixam de poder distin­guir sem confusão possível o produto dos que têm uma outra proveniência.

74. Estas razões foram de importância deci­siva para a conclusão a que o Tribunal de Justiça chegou no acórdão H A G II. A pri­meira vista, pode parecer lógico partir da ideia que estas razões também são suficientes para justificar a obrigação de aceitar, numa situação de cessão, uma compartimentação dos mercados nacionais contrária ao objec­tivo fundamental do Tratado.

75. Contudo, não se pode perder de vista que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o titular da marca pode perder o seu direito exclusivo também em casos em que

tal significa que a marca deixará de poder exercer completamente a sua função de dife­renciação. E o que sucede nos casos de con­tratos de licença. Resulta do princípio do esgotamento que aquele que cede uma licença deve aceitar que virá a estar em con­corrência no seu mercado com produtos fabricados pelo licenciado e importados paralelamente por terceiros. A Ideal--Standard GmbH e os Governos alemão e britânico atribuem importância ao facto de, nesta situação, os produtos serem comerciali­zados por uma empresa que está sujeita ao controlo do titular da marca. Mas o princípio do esgotamento não depende da questão de saber se o licenciante estabeleceu garantias, no quadro do contrato, de que o licenciado respeitará um certo nível de qualidade dos produtos. Basta que o licenciante tenha a possibilidade de estabelecer exigências em matéria de qualidade. Se omitir fazê-lo deve suportar as consequências da sua opção. Não é a função de diferenciação como tal que é protegida, mas sim a possibilidade de o titu­lar da marca poder salvaguardar esta função.

76. Deve questionar-se se o facto de no acórdão H A G II se tratar de um fracciona­mento forçado, enquanto no caso presente se trata de um fraccionamento voluntário, não confere precisamente um fundamento sufici­entemente sólido para uma solução diferente daquela a que chegou o Tribunal de Justiça no acórdão H A G II. A resposta a esta questão pressupõe uma análise mais deta­lhada dos interesses que são protegidos pela marca.

77. O acórdão H A G II reflecte a tomada em consideração de dois interesses, a saber, o do

I -2813

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

titular da marca, que, graças à sua marca, está em condições de participar na concor­rência em matéria de qualidade do produto e que, portanto, tem interesse em proteger-se contra a utilização ilícita da marca pelos seus concorrentes, e o dos consumidores, que têm interesse em poder determinar a origem do produto sem risco de confusão, pois isto permite-lhe contar com uma qualidade deter­minada do produto.

78. Numa situação em que uma marca foi fraccionada no âmbito de um acontecimento sobre o qual o titular da marca não teve influência, é claro que o interesse do titular da marca pesa bastante. Foi possivelmente para salientar isto que no acórdão H A G II o Tribunal de Justiça sublinhou «a inexistência de qualquer elemento de consentimento, por parte do titular do direito de marca protegi­do... na colocação em circulação noutro Estado-membro» (n.° 15, o sublinhado é meu) 47.

79. O interesse do titular da marca não tem a mesma força nos casos de cessão. O titular de marcas paralelas em diversos Estados--membros dispõe de uma série de alternati­vas. Pode evidentemente abster-se totalmente de ceder a marca. Se opta por cedê-la, a cessão pode ser global, isto é, valer em todos os Estados-membros em que a marca é protegida. Mas pode também optar, como no caso em apreço, por ceder a marca

separadamente, isto é, apenas para alguns dos Estados-membros em que esta é protegida.

80. A questão é saber se o titular de uma marca que actua num mercado único tem um interesse suficientemente importante em poder fraccionar esse mercado procedendo a cessões separadas para certos Estados--membros e mantendo o seu direito exclu­sivo nos Estados-membros onde conserva a marca.

81. Na hipótese de o Tribunal de Justiça declarar que uma cessão separada da marca tem como consequência que o titular da marca perca o seu direito exclusivo, o opera­dor interessado deve analisar se esta desvan­tagem pode ser compensada pela remune­ração obtida. As consequências que o titular da marca deve eventualmente tomar em con­sideração são as seguintes.

82. A marca não poderá cumprir inteira­mente a sua função, pois o consumidor não poderá distinguir os produtos do titular da marca de produtos comercializados sob a mesma marca pelo adquirente da marca para­lela.

83. Isto implica que o titular da marca não poderá proteger-se contra o facto de o adqui­rente, ao colocar os seus produtos no mer­cado do titular, tirar vantagens dos investi­mentos realizados por este último para constituir e conservar a reputação ligada à marca.

47 — Encontra-se expresso o mesmo ponto de vista no acórdāo Pharmon/Hoechst, em que o Tribunal e Justiça referiu que, pela atribuiçāo a um terceiro de uma licença obrigatória, um titular de patente fica privado do seu poder de decidir livre­mente as condições em que comercializa o seu produto.

I -2814

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

Só em certa medida limitada poderá proteger-se contra o risco de o adquirente lesar a reputação da marca vendendo produ­tos de qualidade inferior, ou seja, na medida em que tenha a possibilidade de exercer uma forma de controlo através da sua escolha da empresa cessionária da marca e da possibili­dade de incluir no contrato de cessão cláusu­las de preferência 48. Em contrapartida, não se pode partir da ideia de que o cedente de uma marca pode conservar, como pretende a Comissão, um controlo sobre a qualidade dos produtos incluindo no contrato de cessão cláusulas resolutivas destinadas a garantir o respeito do nível mínimo de qua­lidade. Como aliás a própria Comissão con­siderou, um contrato deste teor será na reali­dade um contrato de licença. O Governo britânico sobretudo sublinhou que, de um ponto de vista económico prático, é irrealista imaginar que o adquirente de um direito de marca aceitará a manutenção de um controlo por parte do cedente. Os contratos de cessão são escolhidos precisamente com vista a efec­tuar uma transmissão completa dos direitos ligados à marca.

84. As consequências que resultam de uma decisão com esse conteúdo para o titular da marca são desta forma sérias. Não se pode excluir que ele apesar de tudo tenha optado por proceder a uma cessão separada. Mas é quase certo que, na prática, opta normal­mente ou por não ceder a marca ou por a ceder globalmente para todos os Estados-membros em que a mesma é protegida.

Assim, tal decisão terá na realidade como efeito limitar as possibilidades de ceder a marca.

85. Foi neste contexto que a Ideal-Standard GmbH, o Governo britânico e o Governo alemão apresentaram uma série de argumen­tos que têm a sua origem no princípio da livre transmissibilidade das marcas. Estes argumentos podem ser resumidos da forma seguinte.

As marcas continuam a ser nacionais e, assim, geograficamente fraccionadas, razão pela qual podem ter titulares diferentes em diversos Estados-membros. Trata-se de direi­tos de propriedade que são regulamentados, independentemente uns dos outros, pelas legislações de cada Estado-membro e que o Tratado declara pretender proteger. A possi­bilidade de ceder livremente uma marca é uma prerrogativa fundamental do direito de marca e faz parte do objecto específico da marca. Se o titular de uma marca perder o seu direito exclusivo em caso de cessão, esta prerrogativa fundamental tornar-se-á inteira­mente teórica. Na realidade, marcas idênticas protegidas em vários Estados-membros só poderão então ser vendidas globalmente.

86. Em minha opinião, é de rejeitar a afir­mação segundo a qual uma tal limitação de facto da possibilidade de o titular ceder a sua marca constitui um atentado ao objecto espe­cífico da marca.

48 — Isto vem ilustrado precisamente no presente caso. A Ideal--Standard GmbH explicou que o contrato de cessão só tinha sido celebrado com base na situação particular em França, em que o adquirente tinha durante muito tempo

ferido a Ideal-Standard SA e conhecia desta forma muito em a política de qualidade desta sociedade e em que se tra­

tava portanto de confiar a qualidade da marca a uma socie­dade digna de confiança, ao mesmo tempo que tinha sido proibido a esta sociedade ceder a marca a outras empresas.

I -2815

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

87. Existem várias razões para que não se trate de uma limitação importante aos direi­tos do titular da marca.

88. Esta limitação, como se disse, tem um âmbito de aplicação restrito. O titular da marca pode sempre optar por cedê-la separa­damente se considerar que tal constitui uma solução economicamente aceitável, mesmo que isto o deva impedir de proteger a marca no seu próprio mercado. E conserva a possi­bilidade de proceder a uma cessão global, o que, como adiante se verá, será normalmente a solução mais adequada.

89. Aliás, não foi alegado no presente pro­cesso que a possibilidade de proceder a uma cessão separada constitua uma parte essen­cial, do ponto de vista econômico ou de outro, dos direitos que a marca confere ao seu titular. Por exemplo, não foram avança­dos argumentos sustentando que os operado­res sofreram inconvenientes graves devido ao facto de, no período que separou os acórdãos H A G I e H A G II, terem tido que se adaptar ao facto de uma cessão separada lhes fazer perder o seu direito exclusivo nos Estados--membros em que conservavam a marca.

90. A explicação disso é, verosimilmente, que o titular de uma marca de grande valor que procura realmente proteger este valor da sua marca optará em qualquer caso por só ceder a marca globalmente para todos os Estados-membros em que a mesma é prote­gida. Há boas razões para tal.

91. Uma cessão separada para certos Estados-membros terá como resultado que, no mercado interno, se encontrarão mercado­rias ostentando a mesma marca e que são fabricadas por diferentes titulares da marca. O mercado interno é um mercado sem fron­teiras internas, em que não só os produtos devem circular livremente, mas também em que os consumidores se podem deslocar livremente e é um mercado em que a publi­cidade das mercadorias em causa se desloca numa medida sempre crescente para lá das fronteiras dos mercados nacionais.

92. Mesmo que seja de interpretar os artigos 30.° e 36.° no sentido de que aquele que cede uma marca conserva o seu direito exclusivo e, portanto, pode através de uma proibição de importação proteger a função de diferen­ciação da marca no seu próprio mercado, a cessão separada porá em causa esta função da marca em relação ao consumidor que optar por usar o seu direito de livre circulação e obter depois produtos com a mesma marca em diversos Estados-membros. Foi talvez nesta óptica que o Tribunal de Justiça decla­rou no acórdão Terrapin/Terranova que «a função essencial da marca, que consiste em garantir aos consumidores a identidade da origem do produto, já se encontra posta em causa pelo próprio fraccionamento do direito originário» (n.° 6).

O fraccionamento de um direito de marca no interior de um mercado único, com consumi­dores que se deslocam para além das frontei­ras nacionais, significará que o adquirente cujos os produtos entram desta forma em concorrência com os produtos do cedente

I - 2816

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

pode tirar vantagem dos investimentos do cedente para conservar a reputação ligada à marca e poderá lesar essa mesma reputação vendendo mercadorias de qualidade inferior. É razoável pensar que este enfraquecimento da função de diferenciação da marca impede na prática o titular de marcas paralelas no território da Comunidade de proceder a um fraccionamento.

93. Contrariamente ao que alega o Governo britânico, não penso que a existência de limi­tações à possibilidade de o titular de uma marca fraccionar a sua marca vá contra os interesses da Comunidade. A este propósito, não deixa de ser significativo que o titular da marca seja simplesmente colocado na mesma situação que aquela em que se encontraria, de forma juridicamente obrigatória, se a sua marca fosse uma marca comunitária dotada dos efeitos jurídicos que lhe confere o regu­lamento sobre a marca comunitária, isto é, que a marca só pode ser cedida globalmente para todo o território da Comunidade.

94. A limitação das possibilidades de cessão do titular aqui tratada não poderá, em minha opinião, ser razoavelmente considerada como impedindo que as marcas possam desempe­nhar o seu papel no âmbito do sistema de concorrência leal que o Tratado pretende estabelecer e manter. As marcas continuarão a ser o meio que permite às empresas segurar a clientela pela qualidade dos seus produto ou dos seus serviços.

95. Nestas circunstâncias, não penso que o interesse do titular de uma marca em poder proceder a uma cessão separada para certos Estados-membros, preservando a função de diferenciação da marca nos Estados--membros em que conserva esta última, seja de uma importância susceptível de justificar a restrição séria à livre circulação de mercado­rias que tal situação jurídica implicará.

96. Não basta contudo, como se disse, apre­ciar o problema aqui colocado à luz dos inte­resses do titular da marca. Importa questio­nar em que medida a preocupação de protecção do interesse do consumidor em poder conhecer a origem da mercadoria mar­cada pode em si servir de base à protecção do direito exclusivo do titular da marca 49.

97. É incontestável que na prática a marca constitui, aos olhos dos consumidores, uma garantia de que os produtos que ostentam uma marca determinada são fabricados pela mesma empresa ou sob o controlo da mesma empresa e que, portanto, se pode pensar que são da mesma qualidade. Esta função essen-

49 — Tem interesse, a este propósito, o facto de o Landgericht Düsseldorf, ao interpretar o acórdão do Tribunal e Justiça no processo HAG II, ter declarado: «também não é possível justificar um tal primado da livre circulação de mercadorias pelo facto de não ser necessário proteger o titular de uma marca que cedeu livremente os seus direitos a um terceiro num ou vários Estados-membros. Dessa forma, não seria tomado em consideração o facto de a função de identifi­cação da marca não ter apenas que ser apreciada do ponto de vista do titular do direito, mas ser necessário também tomar em consideração a protecção dos consumidores que têm direito a que a determinação da origem da mercadoria protegida por uma marca lhes seja garantida de forma a que a possam distinguir de produtos provenientes de uma outra empresa. Quanto a este aspecto, não existe diferença perti­nente do ponto de vista jurídico entre um fraccionamento forçado e um fraccionamento voluntário de uma marca.»

I -2817

C O N C L U S Õ E S DE C. G U L M A N N — PROCESSO C-9/93

cial de uma marca coloca o seu titular em condições de entrar na concorrência com base na qualidade do seu produto e portanto, como acima se descreveu, aquele tem um interesse essencial em proteger a aptidão da marca para permitir ao consumidor distin­guir sem confusão possível o seu produto daqueles que têm uma outra proveniência.

Mas a questão é saber se as normas das leis nacionais relativas às marcas que permitem ao titular da marca proteger o seu direito exclusivo são baseadas em considerações autónomas de protecção dos consumidores. Existem boas razões para pensar que a preo­cupação de impedir a confusão e decepção dos consumidores apenas é, como alega a IHT e a Comissão, o simples reflexo do inte­resse do titular da marca em que os consumi­dores estejam em condições de identificar o seu produto e, portanto, não é um interesse autónomo que possa fundamentar em si uma protecção do direito exclusivo do titular da marca.

98. Como salienta o advogado-geral F. G. Jacobs nas suas conclusões no processo H A G II 50 pode-se afirmar que a marca não cria uma garantia absoluta da qualidade da mercadoria, quanto mais não seja porque o titular pode livremente alterar esta qualidade.

Se o titular de uma marca optar por adaptar a qualidade dos seus produtos aos diferentes mercados nacionais, resultará além disso do princípio do esgotamento que estes produtos poderão circular livremente entre os merca­dos em questão. A denominada garantia de qualidade não tem outro efeito senão o de criar nos consumidores a expectativa de que as mercadorias que ostentam uma marca determinada são produzidas pelo mesmo fabricante e, portanto, têm a mesma quali­dade que outras mercadorias que ostentam também essa marca.

99. Também se pode afirmar que a marca não constitui uma garantia absoluta de ori­gem. Há várias razões para tal. Como acima foi descrito, resulta do princípio do esgota­mento que se podem comercializar num Estado-membro produtos que ostentam a mesma marca mas que são fabricados por duas empresas diferentes, ou seja, o licencia­nte e o licenciado e que podem, conforme as circunstâncias, ser de qualidade diferente. Além disso, nada impede que uma empresa ceda a sua marca em certos Estados--membros aceitando expressamente que o adquirente possa exportá-la para os Estados--membros em que a empresa conservou a marca.

O facto de a protecção do direito exclusivo do titular da marca e, através dela, do seu direito de se opor à comercialização de pro­dutos que ostentem a mesma marca, não pro­teger em si os interesses dos consumidores e, portanto, dificilmente poder ser justificado de maneira autónoma por este interesse, resulta finalmente da circunstância de, pelo

50 — V. o n.° 18 das conclusões em que o advogado-geral F. G. Jacobs diz designadamente: «A garantia de qualidade dada por uma marca não é, certamente, absoluta, pois o fabri­cante tem liberdade para alterar a qualidade; contudo, fá-lo por sua conta e risco, sendo ele — e não os concorrentes — que sofrerá as consequências se permitir um declínio da qualidade. Assim, embora as marcas não forneçam qualquer forma de garantia jurídica de qualidade — a falta da qual pode ter levado a algumas a subestimar o significado daque­las — , em termos económicos fornecem uma garantia equi­valente, na qual os consumidores confiam quotidianamen­te».

I - 2818

I H T INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E D A N Z I N G E R

que se sabe, o titular da marca não ser obri­gado em nenhum dos outros Estados--membros a agir contra a utilização ilegal da marca pelos seus concorrentes com vista a impedir que os consumidores sejam induzi­dos em erro.

100. Isto não quer dizer que uma proibição de importação de produtos com uma marca que se possa prestar a confusão no espírito dos consumidores não possa ser legal con­forme as circunstâncias. Um tal entrave à livre circulação de mercadorias deverá con­tudo ser justificado, eventualmente, através de um exame concreto da questão de saber se se trata de uma medida indispensável por razões de protecção dos consumidores 51. Pelo menos em alguns Estados-membros, as leis nacionais em matéria de marcas contêm disposições que têm em conta de forma autó­noma o interesse dos consumidores, confe­rindo às autoridades do Estado a possibili­dade de intervirem contra a utilização de marcas que possam induzir os consumidores

em erro 52. Como salienta a Comissão, os consumidores estão além disso protegidos pela legislação relativa à concorrência desle­al 53.

101. Independentemente do facto de certas normas em matéria de direitos de marca visa­rem eventualmente proteger os consumido­res, o que antecede permite concluir que as normas que dão ao titular da marca a possi­bilidade de proteger o seu direito exclusivo através de acções de contrafacção da marca não visam tal protecção. O alcance do direito exclusivo do titular da marca não deve assim ser determinado perguntando o que é neces­sário à protecção dos consumidores, mas apenas apreciando se é necessário proteger o interesse do titular da marca para que a marca cumpra a sua função essencial que é

51 — Este ponto de vista encontra um certo apoio sobretudo no acórdão de 31 de Outubro de 1974, Centrefarm/Winthrop (16/74, Recueil, p. 1183), o Tribunal declarou nos n.os 19 e 23: «... Com esta questão pede-se ao Tribunal que declare se o titular de uma marca, a fim de poder controlar a distri­buição de um produto farmacêutico com o objectivo de protecção do público contra riscos provenientes de produ­tos defeituosos, é autorizado a exercer direitos que a marca lhe confere, não obstante a existência de normas comunitá­rias sobre a livre circulação de mercadorias. Constituindo a protecção do público contra os riscos devidos a produtos farmacêuticos defeituosos uma preocupação legítima, o artigo 36.° do Tratado autoriza os Estados-membros a der­rogar as normas sobre livre circulação de mercadorias por razões de protecção da saúde e da vida das pessoas e ani­mais. N o entanto, as medidas necessárias para este efeito devem ser adoptadas enquanto medidas próprias da área do controlo sanitário e não como desvio das regras em matéria de propriedade industrial e comercial. Aliás, o objectivo específico de protecção da propriedade industrial e comer­cial é distinto do objectivo da protecção do público e das eventuais responsabilidades que ela pode implicar. Deve portanto responder-se negativamente à questão formulada* (o sublinhado é meu).

52 — Por exemplo, podem encontrar-se regras que proíbam que uma marca seja cedida unicamente para uma parte dos pro­dutos para os quais é protegida. V. a este propósito igual­mente infra parte N , alínea a). V. igualmente o artigo 3.°, n.° 1, alínea g), da directiva rela­tiva às marcas segundo o qual poderá ser recusado o registo ou poderão ser declaradas nulas se já foram registadas as marcas susceptíveis de enganar o público por exemplo no que respeita à natureza, à qualidade ou à proveniência geo­gráfica do produto ou do serviço, e o artigo 4.°, n.° 1, da mesma directiva, nos termos do qual o registo de uma marca será recusado ou é susceptível de ser declarado nulo se a marca for idêntica a uma marca anterior e se devido à sua identidade ou à sua semelhança com a marca anterior existir no espírito do público um risco de confusão que compreenda o risco de associação com a marca anterior.

53 — V. a este propósito o sexto considerando da directiva rela­tiva às marcas em que se diz que «a presente directiva não exclui a aplicação às marcas de disposições do direito dos Estados-membros que não estejam abrangidas pelo direito de marcas, tais como disposições relativas à concorrência desleal, à responsabilidade civil ou à defesa dos consumido­res». V. também sobre este ponto o acórdão de 22 de Janeiro de 1981, Dansk Supermarked/Imerco (58/80, Recueil, p. 181) que dizia respeito, por um lado, às normas dinamarquesas relativas à protecção do direito de autor e das marcas e, por outro lado, às normas de direito comercial que tinham nomeadamente como objectivo a protecção dos interesses do consumidor. N o que se refere a esta última categoria de normas, o Tribunal de Justiça declarou: «que a importação para um Estado-membro de uma mercadoria comercializada de maneira lícita noutro Estado-membro não pode, como tal, ser qualificada de prática comercial irregular ou desleal, sem prejuízo, todavia, de aplicação eventual da legislação do Estado de importação que reprima tais práticas em virtude de circunstâncias ou de modalidades de colocação à venda que sejam independentes do facto da importação em si mesmo considerado...».

I -2819

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

colocar os consumidores em situação de dis­tinguir sem confusão possível o seu produto daqueles que tenham uma outra proveniên­cia.

102. O titular de uma marca que procede a uma cessão separada para certos Estados--membros renunciou voluntariamente a ser o único que comercializa as mercadorias que ostentam a marca em questão no território da Comunidade. Por este facto, o titular da marca enfraqueceu de qualquer maneira a função de diferenciação da marca em relação ao consumidor que se desloca para além das fronteiras nacionais e o seu interesse em poder efectuar uma cessão separada para cer­tos Estados-membros conservando um direito exclusivo de comercializar no seu próprio território não é suficientemente importante para justificar em si uma compar­timentação dos mercados nacionais contrária a um dos objectivos essenciais do Tratado: a fusão dos mercados nacionais num mercado único.

J — Argumentos suplementares

103. Como se disse, foram avançados alguns argumentos suplementares no sentido, res­pectivamente, de uma resposta afirmativa e de uma resposta negativa à questão de saber se uma proibição de importação ligada à cessão separada de uma marca para certos Estados-membros é contrária aos artigos 30.° e 36.° do Tratado.

104. O Governo alemão, em apoio de uma reposta negativa, alegou que nos Estados--membros em que o cedente continua a ser titular da marca, o adquirente obtém direitos comparáveis aos do titular de uma licença de marca. O Governo alemão refere-se ao facto de o adquirente poder usufruir vantagens dos investimentos feitos pelo cedente para pre­servar a posição e a reputação dessa marca, isto sem ter pago a mínima remuneração em contrapartida e sem estar sujeito às obriga­ções usuais de um licenciado no que se refere à qualidade dos produtos em questão.

A esse propósito basta notar que, como acima foi descrito, o titular de uma marca, quando celebra um contrato de cessão e, nomeadamente, quando fixa a remuneração, deve ponderar as consequências jurídicas de tal contrato à luz do direito comunitário e, de forma correspondente, essas consequên­cias jurídicas devem ser consideradas como entrando nas expectativas do adquirente.

105. Talvez se pudesse alegar, como foi declarado pelo Tribunal de Justiça no acórdão H A G I, que o cedente tem a possi­bilidade de garantir a informação dos consu­midores quanto à origem de um produto de marca por outros meios que atentem menos contra a livre circulação das mercadorias do que a proibição de importação. Não pode ser reconhecido peso a este ponto de vista. Quanto a este aspecto, estou de acordo com o advogado-geral F. G. Jacobs que, nas suas

I - 2820

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

conclusões no processo H A G II, considerou que

«há circunstâncias nas quais seria prático dis­tinguir marcas em conflito através da apo­sição de elementos adicionais, mas que estas circunstâncias constituem a excepção e não a regra. Duvido que aquele método seja alguma vez eficaz no caso de marcas idênti­cas usadas para produtos idênticos. Acima de tudo, tem que se sublinhar que aquela não é uma panaceia para todos os problemas susci­tados por conflitos de marcas, como o Tribu­nal de Justiça pareceu entender no acórdão H A G I»(n.° 45).

106. A IHT alegou, em apoio de uma res­posta afirmativa à questão, que se trata de umacessão de um direito que está esgotado, uma vez que em consequência do princípio do esgotamento a Ideal-Standard GmbH não podia, antes da cessão da marca em 1984, invocar os seus direitos de marca relativa­mente a produtos comercializados no territó­rio da Comunidade sob a marca «Ideal Stan­dard» e que o fraccionamento voluntário da marca devia ser considerado em direito comunitário como um prolongamento desta situação jurídica anterior.

Este argumento é puramente formal e não toma como ponto de partida as considera­ções de fundo que devem necessariamente determinar a resposta à questão.

107. O Governo alemão chamou a atenção para o facto de se dever questionar em que medida a possibilidade de o adquirente se opor no seu mercado à comercialização dos produtos do cedente pode influenciar a res­posta à questão.

108. N o acórdão H A G II, o Tribunal de Jus­tiça declarou que «cada um dos titulares do direito de marca deve poder opor-se à impor­tação e à comercialização de produtos prove­nientes do outro titular»(n.° 19). O Governo alemão salientou que, desta forma, o Tribu­nal de Justiça não tinha atribuído importân­cia ao facto de o adquirente ter obtido os direitos expropriados sabendo perfeitamente que esses direitos pertenciam a um terceiro fora do seu território. Do ponto de vista do adquirente, não existe, segundo o Governo alemão, diferença decisiva entre a situação em que uma marca foi adquirida na sequên­cia de uma expropriação e a situação em que não existiu expropriação prévia e, portanto, essas situações devem ser tratadas da mesma forma. Parece que o Governo alemão deduz daí que o titular originário de uma marca também deve ser tratado da mesma maneira, quer se trate de expropriação ou de cessão.

109. O acórdão do Tribunal de Justiça no processo H A G II não permite deduzir argu­mentos vinculativos no sentido de que a situa­ção do adquirente deva ser a mesma, quer tenha adquirido a marca na sequência de uma expropriação ou a tenha adquirido directa­mente ao titular originário.

I -2821

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

110. Em minha opinião, o acórdão do Tribu­nal de Justiça mais não é do que a expressão da vontade de assegurar um paralelismo entre a situação jurídica dos dois titulares da marca 54. O Tribunal de Justiça quis evitar uma situação jurídica de livre circulação de mercadorias unicamente num sentido, isto é, a partir do território do titular originário da marca para o do adquirente dos direitos expropriados.

111. Os argumentos apresentados no que se refere à situação jurídica do adquirente não militam assim nem a favor nem contra uma solução segundo a qual o titular de uma marca que procede a uma cessão separada para certos Estados-membros se não pode opor a que o adquirente comercialize produ­tos nos Estados-membros em que a marca é conservada. Em contrapartida, podem deduzir-se do que foi declarado pelo Tribu­nal de Justiça no acórdão H A G II argumen­tos no sentido de que, em tal situação, o adquirente deve admitir de forma correspon­dente que o cedente comercialize os seus produtos no território do adquirente.

112. A questão prejudicial apenas diz res­peito à possibilidade de o cedente se opor à importação de produtos fabricados pelo ces­

sionário mas, como mostra o acórdão do Tri­bunal de Justiça no processo H A G I I , em que a questão era limitada de forma idêntica, isto não impede o Tribunal de Justiça de se pronunciar expressamente sobre a situação jurídica do adquirente.

K — O artigo 85.° do Tratado

113. A Ideal-Standard GmbH, o Governo alemão e o Governo britânico alegam nos autos que não é necessário interpretar os artigos 30.° e 36.° no sentido de que, numa situação como a presente, uma proibição de importação é contrária ao Tratado, uma vez que as regras do direito da concorrência ofe­recem uma protecção suficiente contra con­tratos de cessão de marca que conduzam a uma compartimentação de mercados contrá­ria ao objectivo do Tratado. Contudo, ale­gam ao mesmo tempo que nada no despacho de reenvio permite supor que a cessão aqui em causa seja contrária ao artigo 85.° do Tra­tado. A IHT refere que todo o fracciona­mento contratual de marcas e o exercício de direitos de marcas nacionais que prolongue este fraccionamento conduz a um acordo ile­gal contrário ao artigo 85.°, mas não parece daí extrair argumentos no que se refere à interpretação dos artigos 30.° e 36.°

114. Foi dito na parte B que a legalidade dos entraves ao comércio que resultam de uma proibição de importação baseada na lei nacio­nal relativa às marcas deve sempre ser apre­ciada com base nos artigos 30.° e 36.° do Tra­tado, e daí resulta que a questão prejudicial

54 — O advogado-geral F. G. Jacobs exprimiu-se nos termos seguintes nas suas conclusões: «se a HAG Bremen tivesse cedido voluntariamente as marcas belga e luxemburguesa á Van Oevelen, seria fácil dizer que a HAG Bremen tinha consentido no uso da marca por Van Oevelen noutro Estado-membro, tendo por esta forma esgotado os seus direitos. Assim, a HAG Bremen não poderia invocar a sua marca alemã para impedir a importação para a Alemanha dos produtos de Van Oevelen. Mas o mesmo princípio aplicar-se-ia em sentido inverso? Logicamente, tal deveria acontecer, embora difícilmente se pudesse dizer que o ces­sionário da marca fraccionada tivesse esgotado o seu direito; seria mais exacto dizer que tinha adquirido um direito que já estava esgotado» (ponto 63).

I - 2822

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

incide unicamente sobre a interpretação des­tas disposições. Isto não exclui todavia que o artigo 85.° possa ter importância para apre­ciar a licitude da proibição de importação e que a existência do artigo 85.° possa conse­quentemente ser pertinente para a interpre­tação dos artigos 30.° e 36.°

115. O caso presente diz respeito à relação directa entre duas partes num contrato. O resumo da jurisprudência do Tribunal de Jus­tiça na parte D mostra que um titular de marca não pode invocar os seus direitos de marca nos termos da lei nacional quando o exercício destes direitos é o objecto, o meio ou a consequência de um acordo proibido nos termos do artigo 85.° do Tratado. Assim, é possível que, numa situação como a pre­sente, a licitude em direito comunitário de uma proibição de importação baseada na lei nacional em matéria de marcas dependa também de uma tomada de posição sobre a licitude do contrato de cessão de marca à luz do artigo 85.° do Tratado.

116. Nestas circunstâncias, deve per­guntar-se em que medida o artigo 85.° é pertinente para apreciar a licitude de um contrato de cessão.

Pode tratar-se de um caso em que as partes tenham tomado posição no contrato sobre as suas possibilidades de obter uma protecção territorial recíproca.

117. Se um contrato dever ser interpretado no sentido de que cada parte pode livremente exportar para o território da outra, as partes renunciaram através deste contrato a impedir, por meio de acções de contrafacção, as exportações efectuadas pela outra parte. Será discutido na parte N , alínea a), o facto de a IHT alegar que o contrato de cessão cele­brado com a Ideal-Standard GmbH tinha de facto este conteúdo.

118. Se um contrato contém uma proibição expressa ou tácita da comercialização dos produtos das partes no território de uma e de outra reciprocamente, a possibilidade de proibir com base na cláusula do contrato, através de uma acção baseada em incumpri­mento contratual, a importação no território protegido dependerá da licitude desta cláu­sula à luz do artigo 85.° do Tratado. Se a esti­pulação contratual for lícita face ao artigo 85.°, a proibição de importação pode logo ser declarada como resultante do incumprimento contratual 55. Se, em contrapartida, a cláusula do contrato for contrária ao artigo 85.°, a sua aplicação não poderá ser obtida nem através de uma acção declarativa de incumprimento contratual nem de uma acção de contrafac­ção.

119. Contudo, é necessário no presente con­texto tomar posição também sobre se o artigo 85.° tem importância para um contrato de cessão de marca «puro e simples», isto é,

55 — Uma interpretação dos artigos 30.° e 36.° no sentido de que é contrário a estes artigos utilizar acções de contrafacçãode marca para fraccionar o mercado interno como consequên­cia de cessões separadas de marcas paralelas não impede que se admita que nos termos do direito seja possível utilizar as sanções inerentes às contrafacções para reprimir o incum­primento dos contratos.

I - 2823

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

um contrato que tem como único objectivo permitir ao adquirente adquirir os direitos reconhecidos pela legislação nacional em matéria de marcas ao titular de uma marca, e que não contém disposições contratuais suplementares que determinem a possibili­dade de as panes utilizarem a marca fora dos seus territórios respectivos.

120. E possível que um simples contrato de cessão separada de marcas paralelas seja com­pletado no direito nacional por uma norma declaratória no sentido de que as partes não podem comercializar produtos com essa marca no território da outra parte. Nesse caso, uma parte poderá basear o seu direito no contrato com vista a impedir que a outra parte exporte para o seu território. Em tal situação, a possibilidade de a parte utilizar os seus direitos de marca com vista fazer cum­prir o contrato que celebrou, dependerá da licitude do contrato face ao artigo 85.°, da mesma forma que quando o contrato contém uma proibição de exportação expressa ou tácita.

121. Também é possível que o direito nacio­nal considere a simples cessão de uma marca como «neutra», de forma que uma parte não tenha a possibilidade de propor uma acção baseada no incumprimento do contrato, limitando-se a utilizar os seus direitos de marca para impedir, no âmbito de uma acção de contrafacção, as exportações da outra parte para o seu território. Neste caso, coloca-se a questão de saber se o artigo 85.° é pertinente ou se a licitude face ao direito comunitário de tal entrave ao comércio pode ser apreciada unicamente com base nos arti­gos 30.° e 36.°

122. Pode pretender-se que a possibilidade de utilizar os direitos de marca tem como fundamento o contrato de cessão e que, em consequência, a compartimentação dos mer­cados decorre assim, de facto, do contrato celebrado cuja licitude deve ser apreciada à luz do artigo 85.°

123. Pode também pretender-se que a com­partimentação do mercado não decorre do contrato de cessão celebrado, mas unica­mente do exercício dos direitos de marca nacionais. Se o contrato não puder servir de base a uma acção declarativa de incumpri­mento, não é este contrato como tal que pro­voca a compartimentação do mercado. O efeito de compartimentação dos mercados do contrato produz-se somente quando os titu­lares de direitos paralelos optam por fazer uso dos seus direitos nos termos da lei nacio­nal para impedir as importações através de acções de contrafacção.

124. A questão de saber qual destas soluções é acertada não foi debatida no caso presente e por isso não se afigura adequado nem aliás estritamente necessário tomar posição quanto a este aspecto. Todavia, não deixa de ter interesse constatar aqui que a cessão pura e simples de uma marca, se for encarada em direito comunitário na óptica referida em último lugar, não poderá ser contrária ao artigo 85.° e que a questão de saber em que medida é compatível com o mercado comum a proibição das importações com base em acções de contrafacção só deverá então ser resolvida com base nos artigos 30.° e 36.° do Tratado.

I - 2824

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

125. É nesta base que deve ser apreciado o argumento da Ideal-Standard GmbH e dos Governos alemão e britânico, segundo o qual o artigo 85.° oferece uma protecção sufici­ente contra as compartimentações do mer­cado interno incompatíveis com os objecti­vos do Tratado.

126. Esta opinião pressupõe que o artigo 85.° possa ser utilizado para determinar a licitude de todos os contratos de cessão sepa­rada de marcas. Como foi dito, essa hipótese de partida não é necessariamente acertada.

127. Determinante é, todavia, que esta opi­nião possa ser rejeitada, mesmo que se deva considerar que o artigo 85.° pode ser utili­zado para testar também os contratos de cessão de marca puros e simples que são neu­tros segundo o direito nacional.

128. Com efeito, ver-se-á que se pode inver­ter o ponto de vista que está na base desta opinião. É igualmente legítimo pretender que se pode atingir uma situação jurídica mais adequada declarando que os artigos 30.° e 36.° se opõem a que as partes num contrato de cessão possam utilizar os seus direitos de marca com vista a impedir reciprocamente as exportações nos seus territórios. Se as partes se vêem desta forma impedidas de fazer um uso independente do direito que lhes confere a legislação nacional para obter uma proi­bição de importação no âmbito de acções de

contrafacção, só será possível obter uma pro­tecção territorial recíproca através da exe­cução do seu contrato, na medida em que este contrato possa ser interpretado ou com­pletado, além disso, de forma a proibir a venda directa, por uma parte, no território da outra e na medida em que as cláusulas do contrato assim estabelecidas não sejam consi­deradas, após análise, contrárias ao artigo 85.°, n.° 1, ou beneficiem de uma isenção concreta nos termos do artigo 85.°, n.° 3. A vantagem deste ponto de partida é que obriga as partes a determinarem claramente, nas suas relações recíprocas, quais são os seus direitos sobre este ponto. Isto é bastante útil tanto no que se refere às relações recíprocas das partes como ao bom funcionamento do mercado interno.

129. Nestas circunstâncias, a existência do artigo 85.° não pode constituir argumento contra uma interpretação dos artigos 30.° e 36.° no sentido de que este artigos consti­tuem obstáculo a que uma proibição de importação resulte de acções de contrafacção em casos como o que está aqui em aprecia­ção.

130. Isto basta para que não tenha que se analisar como deve ser interpretado o artigo 85.° com vista a apreciar a licitude das ces­sões de marca. Além disso, é uma questão difícil. Como se disse na parte D, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão em dois acórdãos em que respondeu a questões prejudiciais ambas referentes a cessões sepa­radas de marca, anteriores à entrada em vigor do Tratado.

I - 2825

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

131. O primeiro desses acórdãos foi profe­rido em 18 de Fevereiro de 1971 no processo Sirena. Uma sociedade americana tinha ven­dido a sua marca para a Itália a uma socie­dade italiana e a sua marca paralela para a Alemanha a uma sociedade alemã. No caso concreto, o Tribunal de Justiça devia declarar se a sociedade italiana podia impedir a importação em Itália de produtos fabricados pela sociedade alemã ostentando a marca.

O Tribunal de Justiça declarou que «se a jus­taposição de transferências de direitos à marca nacionais, protegendo o mesmo pro­duto, a diferentes exploradores tiver por efeito a constituição de fronteiras impenetrá­veis entre os Estados-membros, essa prática pode afectar o comércio entre os Estados e alterar a concorrência no mercado comum»(n.° 10). O Tribunal prosseguiu sali­entando que os acordos relativos à utilização dos direitos nacionais de uma mesma marca podem ter lugar em condições que não con­duzam à compartimentação do mercado e conclui que «o artigo 85.° é... aplicável, já que, invocando-se o direito à marca, se impe­dem as importações provenientes de diferen­tes Estados-membros de produtos que têm a mesma marca, pelo facto dos seus titulares terem adquirido essa marca, ou o direito à sua utilização, por força quer de acordos entre eles quer de acordos celebrados com terceiros» (n.° 11).

132. O acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1976 no processo EMI/CBS United Kingdom dizia respeito a uma situa­ção em que uma sociedade americana tinha vendido a sua marca para todos os Estados--membros da Comunidade à sua filial britâ­nica, mas a tinha conservado para os Estados

Unidos. Na sequência de cessões posteriores nos Estados Unidos e na Inglaterra, a socie­dade britânica EMI tinha-se tornado titular da marca para toda a Comunidade e a socie­dade americana CBS titular da marca nos Estados Unidos. O Tribunal de Justiça foi chamado a decidir a questão de saber se seria contrário ao Tratado que a EMI impedisse a CBS, com base na lei nacional relativa às marcas, de exportar produtos com essa marca para o território da Comunidade.

O Tribunal de Justiça declarou liminarmente que o artigo 30.° do Tratado não era aplicável pois tratava-se de importações provenientes de um país terceiro. Seguidamente salientou que quando se trata de acordos que já não estão em vigor, para que o artigo 85.° se possa aplicar basta que os acordos prossigam os seus efeitos para além da cessação formal da sua vigência. O Tribunal concluiu segui­damente que «só se considera» «que o acordo continua a produzir efeitos, se do comportamento dos interessados se poder deduzir a existência de elementos de concer­tação e de coordenação típicos do acordo e se conduzir ao resultado projectado pelo acordo; tal não se verifica quando os referi­dos efeitos não transcendem os efeitos decor­rentes do mero exercício dos direitos nacio­nais de marca» (n.°s 31 e 32).

133. N o que se refere a estes acórdãos limitar-me-ei a observar que, em minha opi­nião, não é possível deduzir do acórdão Sirena que um contrato de cessão da marca constitua em si uma restrição à concorrên-

I - 2826

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

cia 56. Em contrapartida, não se pode deduzir do acórdão EMI/CBS United Kingdom que um simples acordo de cessão de marca nunca será contrário ao artigo 85.° Não se pode excluir que o Tribunal de Justiça decidiu este processo considerando concretamente que a protecção territorial adquirida por contrato era compatível com o mercado comum, nomeadamente porque não se tratava de um fraccionamento, mas simplesmente de um isolamento deste mercado.

L — A possibilidade de um titular da marca impedir as importações paralelas

134. A maior parte dos processos que no domínio dos direitos imateriais foram sub­metidos ao Tribunal de Justiça tem a sua ori­gem numa tentativa do titular do direito exclusivo de impedir as importações parale­las, isto é, as importações de produtos efec­tuadas por empresas que compraram estes últimos num outro Estado-membro onde eram comercializados por quem tinha o res­pectivo direito.

135. Se o Tribunal e Justiça considerar que o artigo 30.° impede o cedente de uma marca

de obter, no âmbito de uma acção de contra­facção, a proibição das exportações de pro­dutos que ostentam a marca, efectuadas pelo adquirente da marca para o mercado do cedente, por maioria de razão será proibido ao titular da marca opor-se às importações paralelas.

136. Se o Tribunal de Justiça considerar que os artigos 30.° e 36.° não constituem obstá­culo em que o cedente de uma marca se opo­nha, no âmbito de uma acção de contrafac­ção, às exportações realizadas para o seu mercado pelo adquirente da marca, então será de perguntar se o mesmo sucede relati­vamente às importações paralelas. Se se tiver em conta o facto de este resultado eventual ser incontestavelmente baseado em conside­rações de protecção do objecto específico da marca, à luz da função essencial desta, e de estas considerações se aplicarem evidente­mente também no que se refere às importa­ções paralelas, os artigos 30.° e 36.° não constituirão obstáculo à proibição de impor­tação no caso de importações paralelas. Em consequência, tal resultado conduzirá a uma compartimentação total dos mercados nacio­nais.

M — Síntese

137. Uma resposta à questão prejudicial pressupõe uma enunciação precisa das consi­derações a que o Tribunal de Justiça deve, em minha opinião, atribuir importância. Revelar--se-á que uma tomada de posição sobre a questão depende antes de mais da importân­cia atribuída ao objecto específico da marca à luz da sua função essencial e do significado

56 — V. sobretudo quanto a este aspecto o n.° 9 do acórdão em

que o Tribunal de Justiça salienta que «quando o exercício o direito à marca tem lugar por força de transferências

efectuadas a exploradores num ou em vários Estados--membros, convém, pois, determinar, caso a caso, se este exercício conduz a uma situação que se inscreve numa das proibições do artigo 85.°» (o sublinhado é meu).

I - 2827

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

atribuído ao facto de as leis nacionais permi­tirem ao titular da marca ceder os seus direi­tos.

138. As minhas reflexões conduziram-me a propor ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial no sentido de que os arti­gos 30.° e 36.° constituem obstáculo a uma proibição de importação em situações como a que está aqui em apreciação. Esta proposta é antes de mais baseada nas seguintes consi­derações:

— o cedente da marca não está numa situ­ação em que seja obrigado a aceitar que a função de diferenciação da marca não possa ser totalmente preservada;

— possibilidade de o titular da marca proce­der a cessões separadas será limitada de facto mas não constitui uma parte essen­cial dos direitos ligados à marca, nomea­damente porque é legítimo prever que um titular de uma marca terá em conta, sejam quais forem as circunstâncias, o facto de uma cessão separada significar que a função de diferenciação da marca ficará enfraquecida relativamente ao con­sumidor que se desloca para além das fronteiras nacionais num mercado único;

— a cessão global para todos os Estados-membros em que a marca é protegida é

mais conforme com o princípio funda­mental do Tratado relativo a um mercado único (v. a este propósito o regulamento do Conselho sobre a marca comunitária);

— as acções de contrafacção não correspon­dem a preocupações autónomas de protecção dos consumidores susceptíveis de justificar o direito do titular da marca de proteger a sua função de diferenciação através de uma proibição de importação, também no que se refere a cessões separa­das;

— se for de admitir que as cessões separadas podem, através das acções de contrafac­ção, conduzir a uma protecção territorial que pode em princípio aplicar-se sem limitação de tempo, estas cessões consti­tuirão um entrave importante à livre cir­culação de mercadorias e, por esse facto, uma compartimentação do mercado interno, o que é contrário aos objectivos do Tratado.

N — As circunstâncias particulares do pre­sente processo que podem ter importância para a apreciação da causa à luz do direito comunitário

139. O órgão jurisdicional de reenvio limitou-se a pedir ao Tribunal de Justiça a interpretação dos artigos 30.° e 36.° do Tra­tado com vista a decidir a questão abstracta acima debatida, isto é, saber se uma proi­bição de importação estabelecida com base

I - 2828

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

numa legislação nacional das marcas em ligação com a cessão separada de uma marca é incompatível com os referidos artigos. As circunstâncias de facto da causa, assim como uma série de fundamentos e argumentos apresentados no Tribunal de Justiça, dão contudo ocasião para perguntar se existem no caso presente circunstâncias particulares susceptíveis de excluir que a proibição de comercialização pela IHT de instalações de aquecimento na Alemanha possa ser justifi­cada com base no artigo 36.° do Tratado. Para o caso de o Tribunal de Justiça não estar acordo com a proposta de conclusão que acima enunciei, abordarei o assunto seguida­mente.

a) As circunstâncias concretas ligadas às rela­ções recíprocas entre as partes

140. A IHT alega que, pelo efeito cumula­tivo de vários elementos, uma proibição de importação constituirá no caso em apreço um abuso de direito e, portanto, será incom­patível com o direito comunitário. A IHT remete a este propósito para o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1982, Keurkoop/Nancy Kean Gifts, nos termos do qual«o artigo 36.° entende... subli­nhar que a conciliação entre as exigências da livre circulação de mercadorias e o respeito devido aos direitos de propriedade industrial e comercial deve ser realizada de modo tal que seja assegurada uma protecção ao exercí­cio legítimo, que implica as proibições de importação 'justificadas' na acepção deste artigo, dos direitos conferidos pelas legisla­ções nacionais, mas que a mesma seja recu­sada, por seu turno, a todo o exercício abu­sivo dos mesmos direitos, que seja de molde

a manter ou estabelecer compartimentações artificiais no interior do mercado comum» 57.

141. A IHT alegou que o grupo American Standard decidiu em 1976 retirar-se definiti­vamente e ao nível mundial do sector das instalações de aquecimento, que a Ideal--Standard GmbH deve aceitar as consequên­cias da dissociação voluntária da marca «Ideal-Standard» decidida pela sociedade-mãe e a que a sociedade irmã pro­cedeu em França, que se verificou de facto, quando da cessão da marca, uma dissociação da marca entre os artigos sanitários e as ins­talações de aquecimento para todo o territó­rio comunitário e que o contrato que foi celebrado deve em consequência ser interpre­tado no sentido de que permite à IHT expor­tar instalações de aquecimento sob a marca «Ideal Standard» para os outros Estados--membros da Comunidade. A este propósito, a IHT salientou

— que o contrato de cessão abrangia tudo o que se relacionava com a actividade de aquecimento, incluindo a clientela e, por­tanto, também os clientes fora de França, uma vez que já na altura da celebração do contrato de cessão eram exportadas para os outros Estados-membros instalações de aquecimento com a marca «Ideal Stan­dard» e que não tinha sido prevista no contrato qualquer forma de restrição das exportações,

57 — 144/81, Recueil, p. 2853, n.° 24. A IHT remete para além disso para as conclusões do advogado-geral G. Tesauro de 9 de Junho de 1993, Deutsche Renault (C-317/91), que comenta no ponto 7 o considerando do acórdão que acaba de ser citado.

I - 2829

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

— que desde 1976, isto é, desde há mais de quinze anos, a SGF e depois a CICh têm produzido instalações de aquecimento em França sob a marca «Ideal Standard» e as têm exportado para outros Estados--membros, nomeadamente, Itália, Espa­nha, Benelux, Grécia e, desde 1988, Ale­manha,

e

— que essas exportações foram aceites pelo grupo American Standard que só protes­tou contra as mesmas em 1991 na Alema­nha e que desde então só propôs acções de contrafacção em Itália, mas não nos outros países para onde as instalações são exportadas.

142. Quanto a este ponto a Ideal-Standard GmbH alega:

— que o contrato apenas operou a trans­missão dos direitos de marca em França, Tunísia e Argélia e não constitui a base de qualquer autorização para utilizar a marca registada noutros Estados--membros por via de exportações, pois isso pressuporia que a sociedade-irmã

titular das marcas paralelas participasse no contrato e que essas marcas nele fos­sem mencionadas e, nesse caso, a remune­ração da cessão teria sido consideravel­mente mais elevada,

— que o grupo American Standard apenas se retirou provisoriamente do sector das instalações de aquecimento e reservou-se o direito de retomar esta actividade no que se refere aos sistemas de climatização (ar condicionado e aquecimento) 58,

— que em momento algum o grupo aceitou a exportação de instalações de aqueci­mento a partir de França para os outros Estados-membros e que interveio nos países em que teve conhecimento de tal exportação, a saber, na Alemanha e na Itália,

e

— que é possível que o grupo tenha tolerado durante um certo número de anos a exportação para Itália, devendo a expli­cação disso ser procurada na decisão do Tribunal de Justiça no acórdão H A G I,

58 — A Ideal-Standard GmbH acrescentou que a marca «Ideal Standard· para as instalações de aquecimento continua a ser uma marca preciosa para o grupo que a pretenda utilizar comercialmente, por exemplo, atribuindo licenças ou vendendo-a (como aconteceu em França).

I - 2830

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

uma vez que as acções de contrafacção na Alemanha e na Italia foram propostas precisamente após a decisão do Tribunal de Justiça no acórdão H A G II.

143. Todos estes elementos constituem, em minha opinião, circunstâncias relevantes rela­tivamente a uma interpretação do contrato de cessão celebrado entre a Ideal-Standard SA e a SGF. É possível que este contrato deva ser interpretado no sentido de que com­porta realmente uma dissociação da marca para todo o território comunitário, uma vez que permite à SGF exportar instalações de aquecimento para os outros Estados--membros. É possível que seja de atribuir importância para a interpretação do contrato à conduta do grupo American Standard no período que se seguiu e talvez seja impor­tante, para compreender o contrato, que este último tenha sido celebrado quando o Tribu­nal de Justiça tinha proferido o acórdão H A G I, uma vez que este acórdão era sus­ceptível de conferir às empresas a sensação de que, de qualquer maneira, não poderiam invocar um direito de marca com vista a proibir a comercialização de produtos com uma marca idêntica quando essas marcas tinham a mesma origem.

144. Todavia, a questão de saber como inter­pretar o contrato de cessão que foi celebrado depende da apreciação das autoridades e dos órgãos jurisdicionais nacionais.

145. A IHT e a Comissão alegam contudo mais especificamente que uma norma da

legislação alemã em matéria de marcas que permita proibir à IHT a comercialização de instalações de aquecimento em circunstâncias como as do caso em apreço não é compatível com o direito comunitário. Referem-se ao facto de o grupo American Standard se opor à comercialização na Alemanha de instala­ções de aquecimento com a marca «Ideal--Standard», quando é certo que o grupo não produz ele próprio instalações de aqueci­mento, quando é certo queo grupo procedeu em França a uma cessão parcial da marca e aceitou por este facto que o adquirente possa utilizar nesse mercado a marca para instala­ções de aquecimento ao mesmo tempo que o grupo utiliza a marca para artigos sanitários, e quando é certo que o grupo permaneceu passivo relativamente à venda, noutros Estados-membros, de instalações de aqueci­mento ostentando a marca.

Sobre este ponto faço as seguintes observa­ções.

146. N o que se refere à eventual e aliás con­testada passividade do grupo American Stan­dard relativamente à utilização dos direitos de marca em certos Estados-membros, tal passividade não pode influenciar a aprecia­ção, à luz do direito comunitário, de uma norma que permite fazer uso de direitos de marca noutros Estados-membros.

147. Da mesma forma, o facto de em França a Ideal-Standard SA só ter cedido a sua marca para uma parte dos produtos para os

I -2831

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

quais a marca foi registada não é susceptível de tornar a legislação alemã incompatível com o direito comunitário. O direito comu­nitário não pode ter como consequência obrigar o titular de uma marca a dispor da sua marca da mesma forma em todos os Estados-membros. Também não poderá resultar do direito comunitário que o facto de o titular de marca optar por dispor da mesma de forma diferenciada seja conside­rado em si como uma circunstância tão grave que implique a extensão, a toda a Comuni­dade, do efeito jurídico das disposições tomadas pelo titular de uma marca num Estado-membro. Noutros termos, os órgãos jurisdicionais alemães não podem ser obriga­dos pelo direito comunitário a considerar o facto de em França o grupo Amercian Stan­dard ter expressamente aceite, sob a forma de uma cessão parcial, uma utilização simultâ­nea da marca para os aparelhos de aqueci­mento, como significando que o grupo não se deveria poder opor na Alemanha a tal uti­lização simultânea.

148. Isto é tanto mais válido quanto é certo que as possibilidades de dispor destes direi­tos em conformidade com as diversas legisla­ções nacionais apresentam diferenças. Em alguns Estados-membros a legislação relativa às marcas comporta regras que proíbem a um titular de marca cedê-la apenas para uma parte dos produtos para os quais a marca foi registada. O Governo alemão referiu que essa era precisamente a situação jurídica na Alemanha 59.

149. Se o Tribunal de Justiça não considerar que a cessão de uma marca num Estado--membro significa que o titular da marca perde o seu direito exclusivo nos Estados--membros onde conserva a marca, o facto de uma empresa fazer uso de uma faculdade de, em conformidade com a lei nacional, proce­der apenas à cessão parcial da marca, também não poderá conduzir a tal resultado.

150. Finalmente, a questão de saber em que medida pode ser incompatível com os artigos 30.° e 36.° do Tratado proibir a comerci­alização de produtos invocando uma marca que não é utilizada, não é pertinente no caso em apreço uma vez que, como resultará da parte seguinte, verifica-se em qualquer hipó­tese uma situação em que a Ideal-Standard GmbH não invoca a sua marca para as insta­lações de aquecimento mas sim a relativa aos artigos sanitários, que é bem utilizada, ale­gando que as instalações de aquecimento e os artigos sanitários são produtos similares.

b) O risco de confusão

151. O titular de uma marca só pode invocar o seu direito exclusivo com vista a se opor à importação de produtos com marcas idênti­cas ou que se prestem a confusão, quando se tratar de produtos que sejam os mesmos que aqueles para os quais a marca em questão está protegida ou que deles são similares. Com efeito, só nesta situação é que existe um

59 — O Governo alemão referiu que não eram autorizadas ces­sões parciais de marcas regisadas, mas que estava em pre­paração uma reforma de lei abrindo esu possibilidade.

I - 2832

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

risco de confusão. Nas observações apresen­tadas no Tribunal de Justiça foi discutida a questão de saber em que medida os artigos sanitários e as instalações de aquecimento são produtos similares, que possam originar um risco de confusão.

152. Não são muito claras as razões pelas quais este problema se coloca. Evidente­mente, é exacto que a Ideal-Standard apenas comercializa artigos sanitários, mas segundo as indicações dadas no caso em apreço, esta sociedade continua a ser titular da marca «Ideal-Standard» igualmente para as instala­ções de aquecimento 60 e deve portanto à pri­meira vista poder opor-se à comercialização, pela IHT, de instalações de aquecimento ale­gando que se trata de produtos da mesma natureza do que aqueles para os quais a marca está registada. A origem do problema deve-se talvez ao facto de a marca alemã para as instalações de aquecimento correr o risco de ser cancelada pelo não uso, o que tem como consequência que não pode ser invo­cada numa acção de contrafacção 61. Na sua decisão do presente caso, o Landgericht Düs­seldorf considerou em qualquer caso neces­sário apreciar a questão de saber em que

medida os artigos sanitários e as instalações de aquecimento são produtos similares e res­pondeu pela afirmativa 62.

153. A Ideal-Standard GmbH alega que os produtos da sociedade são muitas vezes con­fundidos com os produtos comercializados pela IHT na Alemanha sob a marca «Ideal--Standard». A IHT afirma que em virtude da evolução técnica e econômica que se verifi­cou já não existem entre o sector do aqueci­mento e o do sanitário relações susceptíveis de originar um risco de confusão 63. A Comissão alega que os conceitos de produtos similares e de risco de confusão devem ser interpretados restritivamente para garantir

60 — N o seu despacho de reenvio, o Oberlandesgericht Düssel­dorf explicou que a marca alemã foi registada para as insta­lações de aquecimento, as instalações geradoras de vapor, as instalações de ar condicionado, de secagem, de ventilação, de canalização e as instalações sanitárias, incluindo partes destes produtos, em particular os lavatórios, retretes, bidés, banheiras, duches (não médicos), os acessórios de canali­zação destas instalações, bem como os radiadores em aço e em ferro fundido e as caldeiras.

61 — A IHT referiu que em Abril de 1993 foi proposta uma acção contra a American-Standard com visu à anulação da marca alemã para as instalações de aquecimento por não uso.

62 — Para proceder a esta apreciação, o tribunal atribuiu impor­tância ao facto de estes dois sectores constituírem desde há muito tempo objecto de feiras comerciais comuns, de serem ambos representados pela mesma organização profissional nacional e de existir uma série de casos reais de confusão entre os produtos da Ideal-Standard GmbH e os da IHT. Finalmente, o tribunal atribuiu uma importância decisiva ao facto de o grupo American-Standard ter exercido activida­des no sector cías instalações de aquecimento até 1976 e de a marca Ideal-Standard continuar a ser conhecida neste sector, pelo que uma comercialização de instalações de aqueci­mento sob esta marca continuará quase inevitavelmente a fazer pensar que o grupo American Standard retomou as suas actividades neste sector. O tribunal acrescenta que, além disso, a I H T lançou os seus produtos sob oslogan «Come back d'une marque mondiale... IDEAL--STANDARD».

63 — Nas suas observações no Tribunal e Justiça, a I H T contesta o que Landgericht Düsseldorf na sua decisão declarou rela­tivamente ao facto de haverem vários casos reais de confu­são, e de as actividades do grupo American Standard em matéria de instalações de aquecimento, que cessaram desde há mais quinze anos, continuarem a ser conhecidas. A I H T refere seguidamente que após a segunda guerra mundial se operou uma separação quase total ao nível da produção entre o sector do aquecimento e o sector do sanitário e que essa separação se repercutiu em larga medida sobre o comércio retalhista e as empresas de instalação. A IHT sublinha que um terço das empresas no sector do gás, da água, do aquecimento central, da ventilação, da climatização e da canalização nada têm a ver com a venda ou a instalação dos artigos sanitários. Além disso, a IHT declara que foram criados em ambos os sectores uma série de grupos de inte­resses especializados e que os interesses industriais e comer­ciais são defendidos em cada ramo por duas organizações independentes.

I - 2833

CONCLUSÕES DE C. GULMANN — PROCESSO C-9/93

que a livre circulação de mercadorias não seja entravada para além daquilo que a protecção da marca exige. Tanto a Comissão como a IHT consideram que se deve atribuir uma importância essencial quanto a este aspecto ao facto de uma sociedade francesa do mesmo grupo não ter considerado que exis­tissem problemas em ceder a marca para ins­talações de aquecimento em França, conservando-a para os artigos sanitários.

154. A questão de saber em que medida os artigos sanitários e as instalações de aqueci­mento são produtos similares é da competên­cia do direito nacional. Resulta de jurispru­dência constante do Tribunal de Justiça que na falta de uma unificação ou de uma apro­ximação das legislações no âmbito da Comu­nidade, a fixação das condições e das moda­lidades de protecção de um direito imaterial compete à regulamentação nacional 64. Foi o que o Tribunal de Justiça esclareceu no seu acórdão Deutsche Renault ao declarar que «a determinação dos critérios que permitem concluir por um risco de confusão faz parte das formas de protecção do direito de marca que... são da competência do direito nacio­nal» e que «o direito comunitário não impõe um critério de interpretação restrita do risco de confusão» (n.°s 31 e 32).

155. O direito nacional está contudo sujeito, também quanto a este ponto, aos limites

enunciados no artigo 36.°, segundo período, do Tratado, nos termos do qual os entraves ao comércio não devem constituir nem um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-membros 65.

156. Em minha opinião, o Tribunal de Jus­tiça não tem que apreciar no presente pro­cesso se o direito alemão em matéria de mar­cas corresponde às condições do artigo 36.°, segundo período, na medida em que permite considerar que os artigos sanitários e as ins­talações de aquecimento são produtos simila­res. A primeira razão é que o Tribunal de Justiça, como também o sublinha o Governo alemão, não foi chamado a decidir uma questão sobre este ponto e a segunda razão é que me parece claro que os limites que pode­riam, quanto a este aspecto, ser deduzidos do artigo 36.°, segundo período, não foram aqui ultrapassados 66.

64 — V- como mais recente o acórdão de 30 de Novembro de 1993, Deutsche Renault AG/Audi AG (C-317/91 Colect., p. I-6227, n.° 20).

65 — V. a este propósito o n.° 19 do acórdão Deustche Renault, em que o Tribunal de Justiça declarou: «... a função do segundo período do artigo 36.° é impedir que as restrições ao comércio baseadas nos motivos indicados no primeiro período não sejam desviadas da sua finalidade e utilizadas de forma a_ estabelecer discriminações relativamente a mer­cadorias originárias dos outros Estados-membros ou a pro­teger indirectamente certas produções nacionais».

66 — V. a este propósito o n.° 33 do acórdão Deutsche Renault, em que Tribunal de Justiça declarou: «Importa lembrar todavia que o direito nacional está sujeito aos limites enun­ciados no segundo período do artigo 36.° do Tratado. Ora, nenhum elemento dos autos revela que esses limites tenham sido infringidos. Em particular, nada indica que os órgãos jurisdicionais alemães tenham procedido a uma interpre­tação extensiva do conceito de confusão quando se trau da protecção da marca de um produtor alemão, mas que pro­cedem a uma interpretação restritiva deste mesmo conceito quando se trau dá protecção da marca de um produtor estabelecido noutro Estado-membro».

I - 2834

IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER

Conclusão

Com base no que antecede, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial nos seguintes termos:

«Os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE obstam a que uma legislação nacional per­mita que uma empresa, titular de um direito de marca num Estado-membro, se oponha à importação, a partir de um outro Estado-membro, de produtos similares que neste último Estado ostentam legalmente uma marca idêntica ou que se presta a confusão com a marca protegida, quando a marca sob a qual os produtos con­trovertidos são importados pertencia inicialmente a uma sociedade-irmã da empresa que se opõe às importações e foi adquirida pelo seu novo titular no âmbito de um contrato celebrado com a sociedade-irmã.»

I - 2835