CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL CLAUS GULMANN … · aplicado a um contrato de cessão de uma marca....
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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL CLAUS GULMANN
apresentadas em 9 de Fevereiro de 1994 *
Senhor Presidente, Senhores Juízes,
1. O Oberlandesgericht Düsseldorf submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial com vista a saber se os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE (actualmente Tratado CE) constituem obstáculo a que o titular de uma marca comercial num Estado-membro se oponha à importação, a partir de um outro Estado-membro, de mercadorias que ostentam uma marca comercial idêntica, quando a importação é efectuada por uma filial do titular da marca idêntica neste outro Estado-membro e este último adquiriu a marca por contrato a uma sociedade-irmã da empresa que se opõe à importação.
A — Os antecedentes do litígio e a questão prejudicial
2. A American Standard é um grupo americano com filiais designadamente na Alemanha e na França. Até 1976, o grupo dedicava-se à produção e comercialização de artigos sanitários e de instalações de aquecimento. Uma parte da produção das instalações de aquecimento estava concentrada em França, donde aquelas eram exportadas para
o resto da Europa, nomeadamente para Itália e Espanha. Em 1975-1976, o grupo viu-se em dificuldades económicas no sector das instalações de aquecimento por isso decidiu cessar a sua actividade neste sector. Esta actividade não voltou a ser retomada.
3. A filial alemã da American Standard, Ideal-Standard GmbH, tem utilizado desde 1951 o nome comercial «Ideal Standard» e é titular da marca alemã «Ideal Standard» que foi registada em 1976 com prioridade a contar de 1972, nomeadamente para as instalações de aquecimento e os artigos sanitários. Em conformidade com a decisão tomada dentro do grupo, a Ideal-Standard GmbH comercializa unicamente artigos sanitários desde 1976.
4. A filial francesa da American Standard, Ideal-Standard SA, era titular da marca francesa «Ideal Standard» até 1984, tanto para as instalações de aquecimento como para os artigos sanitários. A marca foi registada pela primeira vez em 1949. Uma concordata judicial em 1975 conduziu a um contrato de gestão nos termos do qual as actividades de produção e de comercialização da sociedade em matéria de instalações de aquecimento foram retomadas pela Société nouvelle Ideal Standard, pertencente à Société générale de * Língua original: dinamarquês.
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fonderie (a seguir «SGF»), e pela sociedade de Dietrich, depois, a partir de 1979, apenas pela SGF. O contrato de gestão terminou em 1980. A SGF pretendia contudo conservar uma actividade no domínio das instalações de aquecimento e comercializar os produtos respectivos sob a marca «Ideal Standard». Foi por este motivo que a Ideal Standard SA transmitiu para a SGF, por contrato de 6 de Julho de 1984, as suas unidades de produção do sector das instalações de aquecimento e a sua marca relativa a essas mesmas instalações 1 A SGF, que pertence ao grupo francês Nord Est, cedeu seguidamente a marca comercial a uma outra sociedade deste mesmo grupo, a Compagnie internationale du chauffage (a seguir«CICh») 2. A Ideal--Standard SA continua a ser titular da marca para os artigos sanitários.
5. A CICh fabrica em França instalações de aquecimento sob a marca «Ideal Standard». Esta sociedade vende desde 1988 os seus produtos na Alemanha por intermédio da sua filial alemã Internationale Heiztechnik GmbH (a seguir «IHT») 3.
Em consequência desta situação, a Ideal--Standard GmbH 4 propôs uma acção de contrafacção de marca contra a IHT 5, pedindo que a I H T seja proibida de comercializar instalações de aquecimento na Alemanha sob a marca «Ideal Standard» e de fazer figurar esta marca em anúncios, listas de preços, etc. O Landgericht Düsseldorf julgou procedente o pedido da Ideal--Standard GmbH. Desta decisão foi interposto recurso para o Oberlandesgericht Düsseldorf, que submeteu ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:
«Existe restrição ilícita ao comércio entre Estados-membros na acepção dos artigos 30.° e 36.° no caso de ser proibida a uma filial, que opera num Estado-membro A, de um fabricante estabelecido num Estado--membro B, a utilização, a título de marca, da denominação Ideal-Standard, em virtude do risco de confusão com uma marca da mesma origem, quando este fabricante utiliza legalmente esta denominação no seu país de origem com base numa marca que aí é protegida, adquirida por cessão e que pertencia originariamente a uma sociedade-irmã da empresa que se opõe no Estado-membro A à importação de mercadorias com a marca Ideal-Standard?»
1 — Resulta do n.° 1, alínea a) do contrato que a Ideal-Standard SA cedeu todos os seus direitos relativos à marca «Ideal-- Standard» em França, incluindo os departamentos e os territórios ultramarinos, na Argélia e na Tunísia, no que se refere ao fabrico, à comercialização e à venda de instalações de aquecimento.
2 — Foi referido no processo que a Ideal-Standard SA propôs uma acção no tribunal de grande instance de Paris para obter a anulação da transmissão da marca comercial da SGF para a CICh. O fundamento é que o acordo entre a Ideal-Standard SA c a SGF contém uma cláusula de preferência em benefício da Ideal-Standard SA no caso de nova cessão e esta sociedade considera que a SGF não a respeitou.
3 — A IHT é sucessora, com efeitos a partir de Julho de 1992, nos direitos da sociedade Ideal Heizungstechnik GmbH, que foi inserita no registo comercial em 31 de Outubro de 1988.
4 — A demandada no processo principal, para além da Ideal-Standard GmbH, é a sociedade Wabco Standard-GmbH que assumiu a direcção da Ideal-Standard de GmbH a parar de 1 de Janeiro de 1991.
5 — Para além da IHT, é recorrente no processo principal Uwe Danzinger, engenheiro, que esteve empregado até 1975 na Ideal-Standard GmbH e seguidamente na IHT.
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B — Perspectiva das questões mais importantes suscitadas no processo
6. Foram apresentadas observações neste processo pelas partes no processo principal, pelos Governos alemão e britânico e ainda pela Comissão.
7. Nas observações apresentadas no Tribunal de Justiça, foi considerado assente que a disposição da lei alemã relativa às marcas que permite proibir a comercialização de mercadorias constitui uma medida abrangida pelo artigo 30.°, que proíbe entre os Estados--membros as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equivalente, e que a questão decisiva é portanto a de saber se esta medida pode ser justificada com base no artigo 36.° do Tratado, que enumera uma série de razões que podem justificar tais proibições ou restrições, entre as quais razões de protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial.
8. A resposta à questão prejudicial assenta, portanto, numa ponderação de dois interesses contraditórios, a saber, por um lado, o interesse da livre circulação de mercadorias e, por outro lado, o da protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial. A IHT e a Comissão alegam que, numa situação como a do caso presente, a livre circulação de mercadorias tem mais peso, ao passo que a Ideal-Standard GmbH e os Governos alemão
e britânico alegam que as considerações ligadas à protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial devem prevalecer.
9. As observações apresentadas tomam como ponto de partida o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1990 no processo Hag II 6, no qual o Tribunal de Justiça interpretou os artigos 30.° e 36.° do Tratado numa situação em que o direito de marca tinha sido fraccionado entre vários titulares na sequência de uma expropriação. A confrontação dos dois interesses reciprocamente contraditórios fez aí pender a balança a favor da protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial. O Tribunal de Justiça declarou que, em tal situação, cada titular da marca podia opor-se à importação, no Estado-membro em que dispunha do direito de marca, de mercadorias fabricadas pelo outro titular. Através deste acórdão, o Tribunal de Justiça alterou o acórdão que tinha proferido em 3 de Julho de 1974 no processo H A G I 7.
A Ideal-Standard GmbH e os dois governos alegam que resulta da fundamentação do acórdão que se deve aplicar o mesmo resultado no presente processo, enquanto a I H T e a Comissão alegam que existem diferenças importantes entre a situação no processo H A G II, em que o direito de marca tinha sido fraccionado na sequência de uma expropriação e a situação no caso vertente, em que o direito de marca foi fraccionado por um contrato de cessão.
6 — C-10/89, HAG GF, Colect., p. I-3711. 7 — 192/73, Van Zuylen Frères/HAG AG, Rccueil, p. 731.
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10. Três elementos principais entram em linha de conta para apreciar a questão prejudicial. O primeiro é saber qual a importância que se deve atribuir ao consentimento dado pelo cedente para a comercialização pelo cessionário dos seus produtos sob a marca comercial cedida, o segundo é o de saber qual o significado do objecto específico do direito de marca à luz da sua função essencial e, o terceiro, saber que significado se deve atribuir ao facto de a relação jurídica entre as duas partes estar pelo menos potencialmente abrangida pelo artigo 85.° do Tratado. Será além disso necessário tomar posição sobre uma série de outras questões.
Optei pela estrutura seguinte para as minhas conclusões.
11. Importa apreciar se os artigos 30.° e 36.° do Tratado são aplicáveis ou não. Esta análise é necessária por duas razões.
12. A primeira é o facto de ter sido alegado que a questão prejudicial deve ser respondida não com base nos artigos 30.° e 36.° do Tratado, mas com base no direito comunitário derivado neste domínio. Esta questão será tratada na parte C.
13. A segunda é que no presente processo se está perante um obstáculo à livre circulação de mercadorias que tem a sua origem num
contrato de cessão e que incide sobre a relação directa entre o cedente e o cessionário: v. quanto a este aspecto a parte H. A minha análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça na parte D mostrará que até aqui o Tribunal de Justiça decidiu tais processos com base no artigo 85.° do Tratado, que proíbe quaisquer acordos entre empresas susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum.
Existe unanimidade nas observações apresentadas quanto ao facto de o artigo 85.° do Tratado poder, conforme as circunstâncias, ser aplicado a um contrato de cessão de uma marca. As observações não põem contudo em dúvida que os artigos 30.° e 36.° se aplicam também nas relações directas entre um cedente e um cessionário. Este ponto de vista também está subjacente à formulação pelo tribunal de reenvio da questão prejudicial, que diz respeito unicamente aos artigos 30.° e 36.° do Tratado.
Tal ponto de vista parece certo de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Mesmo que a causa do entrave ao comércio esteja no contrato de cessão celebrado, o entrave em si consiste numa proibição de importação estabelecida por um órgão jurisdicional nacional com base na lei nacional em matéria de marcas, isto é, uma medida de direito público abrangida pelo artigo 30.° do Tratado. Assim, tomar-se-á posição quanto ao processo tal como este foi apresentado ao Tribunal de Justiça. Na parte K será apreciado o significado que se deve atribuir, para a
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aplicação do artigo 30.°, ao facto de o artigo 85.° constituir, em minha opinião, uma base adequada para apreciar a legalidade, face ao direito comunitário, de contratos relativos à cessão separada de marcas, oferecendo às panes a possibilidade de protegerem, nas suas relações recíprocas, os seus respectivos mercados.
14. A perspectiva que apresentarei sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça na parte D dará a oportunidade de apreciar se os princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no que se refere à origem comum e ao esgotamento contêm a solução do problema que aqui se coloca. Como se verá, a resposta deve ser negativa (partes E e F).
15. Em contrapartida, uma resposta à questão prejudicial dependerá da ponderação das considerações de fundo. Antes de tomar posição sobre esta ponderação, considerei útil, por um lado, expor os traços fundamentais do direito de marca (parte G) e, por outro lado, questionar o significado do facto de a marca em França não ter sido cedida pela Ideal-Standard GmbH, que se opõe à importação na Alemanha, mas pela sociedade-irmã desta última (parte H).
16. A minha ponderação das considerações de fundo compõe-se de três partes. Na secção I pronunciar-me-ei sobre as razões
que me parecem apresentar uma importância decisiva para a resposta à questão. Na parte J, analisarei uma série de argumentos suplementares que foram apresentados no processo mas que, em minha opinião, não são relevantes ou têm uma relevância limitada. Na parte K, tomarei posição sobre o significado do artigo 85.° para a decisão da causa.
Revelar-se-á que se trata de uma ponderação difícil. Se nos termos do Tratado for de considerar legal, no que se refere à cessão de uma marca, uma situação em que as partes possam impedir através de acções de contrafacção a importação, nas suas respectivas zonas de acção, de mercadorias legalmente fabricadas e comercializadas sob a marca em questão pela outra parte, isto implicará um entrave sério à livre circulação de mercadorias e, em consequência, uma compartimentação do mercado interno. Se, pelo contrário, tal proibição de importação for contrária ao Tratado, o titular de uma marca paralela em vários Estados-membros, que pretenda proceder à cessão separada da sua marca para certos Estados-membros, deve aceitar que isso constitui um atentado sério à capacidade da marca para garantir ao consumidor que o produto foi fabricado sob o controlo de uma empresa única à qual pode ser atribuída a responsabilidade da sua qualidade.
17. A minha tomada de posição sobre esta ponderação e, portanto, a minha proposta de resposta à questão prejudicial estão contidas na parte M.
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18. Foi alegado nas observações apresentadas no Tribunal de Justiça que as circunstâncias do caso presente são tão específicas que uma proibição de importação — mesmo que à partida tal proibição possa ser considerada como compatível com o direito comunitário — não poderá ser justificada nos termos do artigo 36.° Tomarei posição sobre a importância deste circunstancialismo na parte N .
Trata-se em primeiro lugar e antes de tudo de uma série de circunstâncias relativas ao comportamento do grupo American Standard e sobretudo ao facto de o grupo não fabricar ele próprio instalações de aquecimento, de o grupo ter efectuado em França uma cessão parcial da marca e, por esse facto, ter aceite que o cessionário possa utilizar a marca para instalações de aquecimento ao mesmo tempo que o grupo utiliza a marca para artigos sanitários e ainda ao facto de, segundo a HIT, o grupo ter aceite que a SGF e depois a CICh tenham comercializado durante vários anos instalações de aquecimento noutros Estados--membros [parte N , alínea a)].
Foi ainda alegado que uma proibição de importação poderá ser contrária aos artigos 30.° e 36.° do Tratado pela simples razão de os artigos sanitários e as instalações de aquecimento não serem produtos similares que possam dar lugar a confusão [pane N , alínea b)].
C — Significado das normas adoptadas pelas instituições comunitárias
19. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma medida nacional só pode ser apreciada à luz dos artigos 30.° e 36.° do Tratado enquanto as legislações dos Estados--membros não tiverem sido harmonizadas no domínio em questão por actos de direito comunitário 8.
20. O Conselho adoptou uma primeira Directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-membros em matéria de marcas 9. A directiva não realiza uma aproximação total das legislações dos Estados-membros, pois limita-se às disposições nacionais que têm incidência mais directa no funcionamento do mercado interno 10. A directiva só deveria ser transposta pelos Estados-membros em 31 de Dezembro de 1992 11 e, portanto, não é aplicável ratione temporis às circunstâncias do caso presente 12. O Conselho adoptou além disso o Regulamento (CE) n.° 40/94, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária 13. Como este regulamento só foi adoptado após a tramitação do processo no Tribunal de Justiça, os articulados fazem
8 — V., por exemplo, o acórdão de 30 de Junho de 1988, Thetford/Fiamma (35/87, Colect., p. 3585).
9 — JO 1989, L 40, p. 1. 10 — V. o terceiro considerando da directiva.
11 — V. a decisão do Conselho de 19 de Dezembro de 1991 (JO L 6, p. 35).
12 — Comparar com o acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 1993, Deutsche Renault (C-317/91, Colect.. p. I-6227 n.° 14).
13 — JO 1994, L 11, p. 1.
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referência à proposta de regulamento 14. O regulamento que foi adoptado corresponde no essencial à proposta.
a) A directiva relativa às marcas
21. O Governo alemão alega que é possível resolver o presente processo com base nas disposições da directiva relativa às marcas. Invoca a este propósito a finalidade das disposições do artigo 5.°, n.° 1, conjugado com o artigo 7.°
22. Segundo o Governo alemão, o artigo 7.° enuncia de forma exaustiva os casos em que se verifica um esgotamento dos direitos ligados às marcas, isto é, em que os produtos são lançados no comércio pelo próprio titular ou com o seu consentimento 15. Um alargamento do âmbito de aplicação desta disposição até abranger também os casos de cessão representaria uma tal ultrapassagem dos limites que são fixados na disposição que esta seria na prática esvaziada do seu conteúdo. Como o artigo 7.°, segundo o Governo alemão, não se aplica na situação presente, o cedente poderia basear o seu direito directamente no artigo 5.°, que estabelece o direito
exclusivo ligado à marca e o direito daí resultante de se opor à utilização dá marca por terceiros 16.
23. O Governo alemão tinha apresentado argumentos comparáveis nas suas observações no Tribunal de Justiça no acórdão Hag II e o advogado-geral F. G. Jacobs tinha tomado posição a este propósito nas suas conclusões 17. Posso aderir totalmente ao seu ponto de vista, que no essencial é retomado pela Comissão no presente processo: o artigo 7.° da directiva é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça no que se refere ao esgotamento, mas não pode ser considerado como regulamentando de forma exaustiva a questão de saber em que momento o titular de uma marca perde o seu direito exclusivo. A maior parte dos conflitos entre os direitos imateriais não é devida a divergências entre as legislações nacionais, mas sim resultante da territorialidade destas. A directiva em nada limita esta territorialidade e, assim, não resolve os problemas que daí resultam. As legislações nacionais que conferem ao titular de uma marca o direito de se opor à importação proveniente de um outro Estado-membro devem assim continuar a ser apreciadas à luz dos artigos 30.° e 36.° do Tratado. Este ponto de vista também deve ter servido de base ao Tribunal de Justiça quando, no acórdão Hag II, fundou a sua resposta à questão prejudicial numa
14 — V. a proposta de regulamento (CEE) do Conselho sobre a marca comunitária cie 25 de Novembro de 1980 (TO C 351, p. 1), alterada pelo projecto de 9 de Agosto de 1984 (JO 1984, C 230, p. 1).
15 — O artigo 7.° dispõe: «1. O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento. 2. O n.° 1 nãoé aplicável sempre que existam motivos legítimos que justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»
16 — O artigo 5.°, n.° 1, dispõe: «A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial: a) de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou ser
viços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;
b) de um sinal relativamente ao qual, devidoà sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.»
17 — V. os pontos 51 a 57 nas conclusões apresentadas em 13 de Março de 1990, Colect., p. I-3711.
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tomada de posição quanto às disposições do Tratado.
b) O regulamento sobre a marca comunitária
24. A Comissão alegou que o regulamento sobre a marca comunitaria não resolve os problemas ligados, como os do caso em apreço, à natureza territorial das marcas, uma vez que o regulamento pressupõe que as marcas nacionais existentes subsistirão ao lado da marca comunitária.
25. A IHT referiu que, segundo o artigo 7.° da proposta, que passou a ser o artigo 8.° do regulamento, uma marca comunitária será excluída do registo quando já existam marcas nacionais correspondentes, a menos que exista um consenso geral para renunciar à marca nacional e criar uma marca comunitária. Segundo a IHT, daí resultará que o proprietário de marcas nacionais paralelas deve renunciar a um fraccionamento no plano nacional.
26. Como foi afirmado pela Comissão, não se pode extrair das disposições invocadas a conclusão muito ampla segundo a qual os titulares de marcas nacionais paralelas devem renunciar a exercer o seu direito de ceder as marcas. O problema do fraccionamento das marcas deve ser resolvido com base nos artigos 30.° e 36.° do Tratado.
D — A jurisprudência do Tribunal de Justiça
27. O que adiante será exposto quanto aos mais importantes acórdãos do Tribunal de Justiça em matéria de direitos imateriais permitirá colocar os problemas suscitados no caso em apreço no seu verdadeiro contexto. Tomar-se-á como ponto de partida uma distinção entre os casos em que um direito imaterial é violado no Estado-membro em virtude de uma importação paralela efectuada por um terceiro independente e os casos em que esta lesão do direito imaterial resulta da venda directa pelo titular do direito paralelo num outro Estado-membro.
28. O Tribunal de Justiça pronunciou-se numa série de processos sobre as importações paralelas efectuadas por terceiros independentes. São de referir nomeadamente os acórdãos de 8 de Junho de 1971, Deutsche Grammophon 18, que dizia respeito a um direito aparentado ao direito de autor, de 30 de Outubro de 1974, Centrafarm/Sterling Drug 19, relativo a patentes, de 31 de Outubro de 1974, Centrafarm/Winthrop 20, em matéria de marcas, e de 14 de Setembro de 1982, Keurkoop/Nancy Kean Gifts 21, referente a desenhos e modelos.
29. Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou que uma disposição da legislação nacional em matéria de direito exclusivo que permita opor-se às importações paralelas
18 — 78/70, Recueil p. 487. 19 — 15/74, Recueil, p. 1147. 20 — 16/74, Recueil, p. 1183. 21 — 144/81, Recueil, p. 2853.
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efectuadas por um terceiro independente é uma medida abrangida pelo artigo 30.° do Tratado. A questão da legalidade desta medida depende, assim, de saber se a mesma é justificada, nos termos do artigo 36.° do Tratado, por razões de protecção da propriedade industrial e comercial. Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça confrontou o interesse da livre circulação de mercadorias com o da protecção dos direitos imateriais formulando os dois princípios seguintes:
— o artigo 36.° só permite derrogações ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias no mercado comum na medida em que essas derrogações sejam justificadas pela protecção dos direitos que constituem o objecto específico do direito de propriedade industrial e comercial em questão;
— o titular de um direito de propriedade industrial e comercial protegido pela legislação de um Estado-membro não pode invocar esta legislação para se opor à importação ouà comercialização de um produto que foi distribuído legalmente, no mercado de um outro Estado-membro, pelo próprio titular do direito, com o seu consentimento, ou por uma pessoa a ele ligada por laços de dependência jurídicos ou económicos (a seguir «princípio do esgotamento»).
30. Não é decisivo para a aplicação do princípio do esgotamento que a mercadoria tenha sido colocada no mercado num Estado--membro em que o direito imaterial em questão não beneficia de uma protecção correspondente (v. o acórdão do Tribunal de
Justiça de 14 de Julho de 1981, Merck/Stephar 22). Em contrapartida, não existe esgotamento só pelo facto de a comercialização num outro Estado-membro ser legal, quando esta comercialização não pode ser imputada ao titular da marca (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1989, EMI Electrola/Patricia Im- und Export 23).
31. N o que se refere especificamente às marcas, o Tribunal de Justiça declarou que um titular de uma marca pode opor-se, em certas circunstâncias, à importação de mercadorias, mesmo que estas sejam lançadas no comércio num outro Estado-membro por ele próprio ou com o seu consentimento, nomeadamente, quando o terceiro reembalou a mercadoria e apôs a marca na nova embalagem. Em tais casos, contudo, uma oposição à importação poderá constituir uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados--membros, na acepção do artigo 36.°, segundo período, do Tratado, se se provar que o terceiro respeitou determinadas condições, por exemplo, que a reembalagem não afectou o estado originário do produto (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 1978, Hoffmann-La Roche/Centrafarm 24, e o acórdão de 3 de Dezembro de 1981, Pfizer/Eurim-Pharm 25).
22 — 187/80, Recueil, p. 2063. V. também os acórdãos de 14 de Setembro de 1982, Keurkoop/Nancy Kean Gifts (144/81 Cole«. , p . 2863), e de 30 de Junho de 1988 Thetford/Fiamma (35/87 Recueil, p. 3585).
23 — 341/87, Colect., p. 79. 24 _ 102/77, Recueil, p. 1139. 25 — 1/81, Recueil, p. 2913. Será também incompatível com as
condições do artigo 36.°, segundo período, o facto de um produtor que comercializa a mesma mercadoria em diversos Estados-membros sob marcas diferentes se opor a que um terceiro importe paralelamente mercadorias suprimindo a marca do Estado exportador para a substituir pela marca do Estado importador, se for possível provar que o titular da marca utilizou marcas diferentes com vista a compartimentar os mercados. V. o acórdão de 10 de Outubro de 1978, Centrafarm/American Home Products (3/78, Recueil, p. 1823).
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32. Em vários dos acórdãos que acabam de ser citados, o Tribunal de Justiça sublinhou que o Tratado não intervém no que se refere à existência dos direitos imateriais mas que o exercido de tais direitos pode ser limitado em certas circunstancias como consequência das proibições previstas no Tratado 26. Nas suas conclusões no processo H A G II, o advogado-geral F. G. Jacobs referiu esta distinção entre a existência dos direitos imateriais e o seu exercício como o primeiro dos três princípios fundamentais desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça no domínio dos direitos imateriais 27. A distinção não foi contudo mencionada pelo Tribunal de Justiça no acórdão HAG II. E isto está certo, em minha opinião. Esta distinção, pelo que se vê, não tem significado próprio para as questões concretas de delimitação.
33. Os terceiros independentes têm também a possibilidade de se prevalecer do artigo 85.° do Tratado como fundamento do seu direito de efectuar importações paralelas no caso em que exista um acordo restritivo da concorrência entre titulares de direitos paralelos em diversos Estados-membros. O Tribunal de Justiça declarou que a protecção dos direitos de propriedade industrial e comercial baseada na legislação nacional não pode ser invocada quando o exercício desses direitos é o objecto, o meio ou a consequência de um acordo proibido pelo artigo 85.° do Tratado (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig2 8 , e o
acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 1978, Tepea 29).
34. Em vários processos, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre os casos de venda directa efectuada por um dos tituUres de direitos imateriais no territorio do outro. Estes processos podem ser divididos em três grupos.
35. O primeiro grupo refere-se aos casos em que direitos paralelos em diversos Estados--membros se constituíram independentemente uns dos outros. Para determinar a medida em que o titular de um direito imaterial pode invocar os seus direitos a título da legislação nacional relativa ao direito exclusivo, com vista a se opor a uma comercialização efectuada pelo titular dum direito correspondente num outro Estado--membro, é necessário confrontar interesses contraditórios, em conformidade com os artigos 30.° e 36.° do Tratado.
No seu acórdão de 22 de Junho de 1976 30, Terrapin/Terranova, o Tribunal de Justiça declarou que a possibilidade de se opor à comercialização em tais casos era necessária para proteger o objecto específico dos direitos de propriedade industrial e comercial. O
26 — V. nomeadamente os acórdãos de 29 de Fevereiro de 1968, Parke Davis/Centrafram (24/67, Recueil, p. 88), e de 8 de Junho de 1971, Deutsche Grammophon (78/70, Recueil, p. 487).
27 — V. ponto 11, supra. 28 — 56 /64 e 58/64, Recueil, p. 429.
29 — Processo 28/77, Recueil, p. 1391. V. também a este propósito a conclusão do Tribunal de Justiça no acórdão de 22 de Junho de 1976, Terrapin/Terranova (119/75, Recueil, p. 1039), e o acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 1971, Sirena (40/70, Recueil, p. 69). Um acordo referentei proibição de exportação entre duas partes não pode contudo afectar o direito de um terceiro baseado nos artigos 30.° e 36.° do Tratado, de proceder a importações paralelas. V. acórdão de 22 de Janeiro de 1981, Dansk Supermarked/Imerco (58/80 Recueil, p. 181).
30 — 119/75, Recueil, p. 1039.
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acórdão dizia respeito a marcas e o Tribunal de Justiça declarou que o titular de uma marca podia legitimamente opor-se à importação de produtos similares, tanto no caso de estes produtos ostentarem uma marca idêntica como no caso de ostentarem uma marca susceptível de se prestar a confusão 31.
36. O segundo grupo de processos diz respeito aos casos em que os direitos paralelos em vários Estados-membros tinham na origem o mesmo titular, mas foram repartidos entre titulares diferentes em circunstâncias sobre as quais o titular originário não teve qualquer influência. N o seu acórdão de 9 de Julho de 1985 32, Pharmon/Hoechst, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a situação em que uma patente tinha sido repartida entre vários titulares no âmbito de uma licença forçada e, no seu acórdão de 17 de Outubro de 1990, H A G II, pronunciou-se sobre o caso em que uma marca tinha sido fraccionada entre vários titulares na sequência de uma expropriação.
O Tribunal de Justiça declarou que, em tais casos, o titular originário pode opor-se, no seu âmbito territorial, a um lançamento no mercado, pelo titular do direito exclusivo paralelo, da mesma forma que se os direitos
tivessem sido constituídos independentemente uns dos outros.
37. O terceiro grupo de processos refere-se aos casos em que direitos paralelos em vários Estados-membros tiveram na origem o mesmo titular, mas foram divididos entre vários titulares por um acordo que tanto pode ser um contrato de licença como de cessão.
38. Pelo que se vê, o Tribunal de Justiça não teve a oportunidade de se pronunciar sobre o caso em que uma parte num contrato de licença pretende opor-se à venda directa efectuada pela outra parte. Mas em recursos de anulação interpostos de decisões da Comissão nos termos do artigo 85.°, o Tribunal de Justiça teve oportunidade de se pronunciar sobre a legalidade, face ao artigo 85.°, de determinadas cláusulas de protecção territorial nos contratos de licença (v. nomeadamente o acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1982, Nungesser/Comis-são 33). Deve também referir-se que a Comissão adoptou uma série de regulamentos de isenção de grupos nos termos do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado que implicam que é
31 — V., relativamente à interpretação dos conceitos de produtos similares e marcas susceptíveis de confusão, o acórdão de 30 de Novembro de 1993, Deutsche Renault (C-317/91, Colect., p. I-6227). Os titulares de marcas independentes poderão optar por celebrar acordos ditos «de delimitação», que têm como objectivo delimitar, no interesse recíproco das partes, os âmbitos de utilização respectivos das suas marcas, com vista a evitar confusões ou conflitos. Tais acordos poderão ser incompatíveis com o artigo 85.° do Tratado no caso de visarem igualmente realizar divisões de mercado ou outras restrições à concorrência. V. acórdãos de 30 de Janeiro de 1985, BAT/Comissão (35/83 Recueil, p. 363).
32 — 19/84, Recueil, p. 2281.
33 — 258/78, Recueil, p . 2015. Este processo dizia respeito a um acordo de transmissão na Alemanha de um direito de obtenção relativo a certos produtos e do direito exclusivo de comercializar esses produtos na Alemanha. O Tribunal de Justiça considerou que uma licença exclusiva aberta, isto é, uma licença respeitante apenas às relações contratuais entre o titular do direito e o tomador da licença, tendo em conta a especificidade dos produtos em causa, não era em si incompatível com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Em contrapartida, no respeitante às licenças exclusivas que permitem uma protecção territorial absoluta em benefício de um tomador de licença, com vista a controlar e impedir as importações paralelas de terceiros, o Tribunal de Justiça declarou que as mesmas eram incompatíveis com o artigo 85.° do Tratado, em conformidade com uma jurisprudência constante.
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em cena medida lícito celebrar acordos de protecção territorial inter partes 34.
39. No seu acórdão de 18 de Fevereiro de 1971 35, Sirena, e no seu acórdão de 15 de Junho de 1976, EMI/CBS United Kingdom 36, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre casos em que direitos de marca paralelos tinham sido repartidos entre vários titulares por um contrato de cessão. Nestes processos, o Tribunal de Justiça tomou como ponto de partida os acordos celebrados e apreciou a sua legalidade nos termos do artigo 85.° do Tratado 37. Esses processos serão adiante discutidos na parte K. Se um acordo for contrário ao artigo 85.° por conferir aos titulares do direito exclusivo a possibilidade de se opor à venda directa nos seus respectivos territórios, os direitos imateriais adquiridos por este acordo não podem ser invocados com vista a impedir tal venda.
40. O presente processo, como se disse, pertence ao último grupo de processos mencionados e, como se pode ver, será a primeira vez que o Tribunal de Justiça se irá pronunciar sobre um processo destes com base nos artigos 30.° e 36.° do Tratado. Convém antes de mais analisar se os princípios relativos à
origem comum e ao esgotamento contêm a solução da questão aqui colocada.
E — O princípio da origem comum
41. O Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão H A G I que «o facto de se proibir a comercialização num Estado-membro de um produto que, num outro Estado-membro, tem legalmente aposta uma marca, pela única razão de existir no primeiro Estado uma marca idêntica com a mesma origem, é incompatível com as disposições que consagram a livre circulação de mercadorias no interior do mercado comum».
42. Esta decisão foi confirmada sob a forma de um obiter dictum no acórdão de 22 de Junho de 1976, Terrapin/Terranova. O Tribunal de Justiça declarou neste acórdão que o titular de um direito imaterial não podia invocar esse direito com vista a se opor à importação de uma mercadoria que foi legalmente lançada no mercado num outro Estado-membro «... quando o direito invocado deriva do fraccionamento, quer voluntário quer através de uma medida coerciva pública, de um direito de marca que pertenceu originariamente a um mesmo titular... com efeito, nestas hipóteses, a função essencial da marca, que consiste em garantir aos consumidores a identidade de origem do produto, já se encontra posta em causa pelo próprio fraccionamento do direito originário» (o sublinhado é meu).
43. Como se disse, a decisão do Tribunal de Justiça no acórdão Hag I foi alterada pela sua
3 4 — v- ™ particular o Regulamento (CEE) n.° 2349/84 da Comissão, de 23 de Julho de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de licença de patente (JO L 219, p. 15; EE 08 F2 p. 135), e o Regulamento (CEE) n.° 4087/88 da Comissão, de 30 de Novembro de 1988, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de franquia J O L 359, p. 46). M
35 — 40/70, Recueil, p. 7. 36 — 51/75, Recueil, p. 811.
37 — Os acordos celebrados nas empresas que pertencem ao mesmo grupo na qualidade de socicdade-mãe e de filiais não estão abrangidos pelo artigo 85." no caso de as empresas formarem uma unidade económica no interior da qual a filial não goza de uma autonomia real na determinação da sua linha de acção no mercado e no caso destes acordos ou práticas concenadas terem por objectivo uma repartição interna de tarefas entre as empresas. V. os acórdãos de 31 de Outubro de 1974, Centrafram/Sterglinf Drug (15/74 Recueil, p. 1147) e de 31 de Outubro de 1974' Centrafarm/Winthrop (16/74, Recueil, p. 1183).
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decisão do acórdão H A G II que assentava sobre os mesmos factos 38. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que «os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE não obstam a que uma legislação nacional permita a uma empresa, titular de um direito de marca num Estado-membro, que se oponha à importação de produtos similares provenientes de um outro Estado-membro que utilizem neste último Estado uma marca idêntica ou susceptível de confusão com a marca protegida, mesmo que a marca com a qual os produtos em litígio são importados pertencesse inicialmente a uma filial da empresa que se opõe às importações, tendo na sequência da expropriação dessa filial sido adquirida por uma terceira empresa».
44. Como resulta da parte decisória dos acórdãos citados, no acórdão H A G I o Tribunal de Justiça formulou o seu acórdão como uma tomada de posição geral sobre situações em que as marcas têm uma mesma origem, enquanto no acórdão HAG II limitou expressamente a sua tomada de posição às situações em que uma marca foi fraccionada por expropriação. Convém acrescentar que no acórdão H A G II, o Tribunal de Justiça não mencionou, e menos ainda discutiu expressamente, as suas declarações no Terrapin/Terranova, que ligavam a doutrina
da origem comum à cessão voluntária das marcas.
45. Nestas circunstâncias, é de questionar se o princípio da origem comum continua a desempenhar um papel em ligação com a cessão voluntária das marcas. Por várias razões penso que se deve responder negativamente.
Em primeiro lugar, a forma como o Tribunal de Justiça circunscreveu a sua resposta no acórdão H A G II não permite praticamente aí ver mais nada senão o desejo de se limitar à resposta que era necessária no caso concreto 39. Em segundo lugar, a declaração do Tribunal no acórdão Terrapin/Terranova apenas constitui, como se disse, um obiter dictum, uma vez que o processo dizia respeito a direitos de marca que se tinham constituído independentemente uns dos outros e que assim se pode considerar esta declaração como uma tentativa a posteriori para justificar a decisão acórdão H A G I que tinha sido fortemente criticada 40. Em terceiro lugar, a argumentação do Tribunal no acórdão H A G II conduz, em minha opinião, a negar a possibilidade de atribuir importância ao facto de as marcas terem a mesma origem.
É por isso que me parece errado extrair conclusões autónomas da circunstância de se
38 — A sociedade alemã H A G GF registou em 1907-1908 a marca «HAG» para café descafeinado na Alemanha, Bélgica e Luxemburgo. Em 1935, as marcas belga e luxemburguesa foram cedidas a uma filial detida a 100% na Bélgica. Em 1944, a totalidade do activo da filial, incluindo as marcas belga e luxemburguesa, foi confiscada como propriedade do inimigo e vendida à família Van Oevelen. Em 1971, a marca foi cedida à sociedade em comandita belga Van Zuylen Frères. Quando em 1972, a H A G GF começou a exportar café para o Luxemburgo sob a marca «Kaffee HAG», a Van Zuylen Frères propôs uma acção de contrafacção. Foi este processo que conduziu à decisão prejudicial no acórdão H A G I. Em 1979, a Van Zuylen Frères foi comprada por uma sociedade suíça e transformada numa filial detida a 100% sob o nome de CNL-SUCAL NV. Quando em 1985 esta sociedade começou a exportar café para a Alemanha sob a marca «HAG», a H A G GF propôs uma acção de contrafacção. Esta última conduziu à decisão prejudicial no acórdão HAG II.
39 — V. a este propósito o ponto 73 das conclusões do advogado--geral F. G. Jacobs no processo H A G II, em que este declara que uma das críticas que podem ser feitas ao acórdão H A G I é por o mesmo estar formulado de forma inutilmente ampla e de este erro não dever ser repetido na formulação do acórdão H A G IL
40 — V. a este propòsito a parte VII das conclusões do advogado--geral F. G. Jacobs no processo HAG II.
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constatar que marcas paralelas têm a mesma origem. A origem comum não é em si um argumento a favor de uma ou outra solução. A recusa em atribuir importância ao princípio da origem comum para decidir um processo não conduz todavia a dizer que direitos paralelos que, na origem, tinham o mesmo titular, mas que foram posteriormente fraccionados, devam sempre ser tratados como se se tivessem constituído independentemente um do outro. Deve tomar-se posição concretamente sobre a questão de saber se os direitos foram fraccionados de forma que implique que os mesmos devam na sequência ser tratados como direitos criados independentemente um do outro. O que é determinante é uma apreciação das considerações de fundo que podem ser avançadas como argumentos para as possíveis soluções.
F — O princípio do esgotamento
46. Todas as alegações tomam como ponto de partida o princípio do esgotamento formulado pelo Tribunal de Justiça. A este propósito, remetem para o acórdão H A G II, no qual o Tribunal de Justiça declarou:
«O facto determinante, em atenção às considerações precedentes, para apreciar uma situação como a descrita pelo órgão jurisdicional nacional, é a inexistência de qualquer elemento de consentimento, por parte do titular do direito de marca protegido pela legislação nacional, na colocação em circulação noutro Estado-membro, com uma marca idêntica ou susceptível de confusão, de um produto
similar fabricado e comercializado por uma empresa sem qualquer laço de dependência jurídica ou econômica com o referido titular» (n.° 15).
47. E facto assente no presente processo que não existe entre as sociedades do grupo American Standard, por um lado, e a SGF, a CICh e a IHT, por outro lado, qualquer laço de dependência jurídica ou econômica para além do próprio contrato de cessão, e que pudesse conduzir ao esgotamento do direito da marca.
48. Assim, o elemento decisivo para uma aplicação do princípio de esgotamento é saber se se trata de um produto lançado no mercado num outro Estado-membro com o consentimento do titular da marca.
49. A Ideal-Standard GmbH e os Governos alemão e britânico alegam que o elemento da vontade num contrato de cessão não pode ser equiparado ao consentimento quanto ao lançamento no mercado de produtos que ostentam a marca cedida. O que será decisivo para uma aplicação do princípio do esgotamento é, nomeadamente, que se trate de produtos fabricados pelo próprio titular da marca ou sob o seu controlo. Os direitos ligados a uma marca num Estado-membro não ficam assim esgotados pela cessão da marca num outro Estado-membro, uma vez que, neste caso, o titular da marca renunciou a qualquer forma de controlo sobre os produtos.
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50. A IHT e a Comissão alegam que através da cessão de uma marca é dado um consentimento que tem como efeito o esgotamento do direito exclusivo. Este consentimento é contudo caracterizado de uma maneira ligeiramente diferente. A IHT alega que foi prestado um consentimento recíproco entre o cedente e o cessionário para aceitar a exportação proveniente do território do outro. A Comissão alega que uma cessão contratual é a expressão de um consentimento directo para que os produtos que ostentam a marca cedida sejam colocados no mercado, tanto no país em questão como no resto da Comunidade. Segundo a IHT e a Comissão, o consentimento dado à cessão equivale à renúncia ao controlo sobre os produtos.
51. O princípio do esgotamento, tal como foi desenvolvido pela jurisprudência do Tribunal e Justiça, não contém, em minha opinião, a solução do problema em apreciação. A cessão autoriza incontestavelmente o cessionário a comercializar produtos que ostentam a marca no território para o qual a marca foi cedida. Mas desta circunstância não se podem extrair conclusões no que se refere às possibilidades de o cedente proteger a sua marca nos territórios para os quais não houve lugar a qualquer cessão. Decidir o presente processo a partir de um ou outro ponto de vista sobre os efeitos jurídicos do «consentimento» que reside na cessão representaria uma tomada de posição puramente formal.
Em qualquer caso, é determinante nas circunstâncias do presente caso que o esgotamento do direito de marca que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é uma consequência de facto de a mercadoria ter
sido introduzida em livre prática num outro Estado-membro com o consentimento do titular, pressuponha que existe um consentimento para a comercialização de mercadorias «autênticas», no sentido de que se deve tratar de mercadorias produzidas pelo próprio titular da marca ou sob o seu controlo. O princípio do esgotamento não se aplica numa situação em que os titulares da marca em diferentes Estados-membros comercializam cada um os seus próprios produtos e em que não existe entre estas empresas qualquer forma de relação jurídica ou econômica 41.
52. A circunstância de ser de rejeitar a opinião da Comissão e da IHT segundo a qual o processo pode ser decidido com base no princípio do esgotamento tal como este foi estabelecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça não implica contudo que o ponto de vista jurídico da Ideal-Standard e dos dois governos seja necessariamente acertado.
O Tribunal de Justiça deve tomar posição sobre as consequências da exigência estabelecida no Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias no caso em que uma cessão separada de marcas paralelas possa conduzir a restrições sérias a esta circulação de mercadorias. Essa questão deve ser decidida com base em considerações de fundo e não com base num postulado quanto às consequências da cessão e do consentimento
41 — O Tribunal de Justiça estabeleceu e aplicou precisamente o princípio do esgotamento em ligação com importações paralelas por terceiros, mas negou que este princípio possa ser aplicado no caso de vendas directas efectuadas por titulares independentes de direitos paralelos, cada um no território do outro (v. supra parte D).
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para a comercialização que reside nesta cessão.
53. Não se pode excluir que, numa situação em que o fraccionamento dos direitos de marca foi voluntário, entrem em linha de conta considerações particulares susceptíveis de justificar um resultado diferente do do acórdão H A G II. Se o Tribunal de Justiça decidiu o processo H A G II como o fez e, desta forma, admitiu restrições sérias à livre circulação de mercadorias, foi porque era necessário proteger o objecto específico da marca à luz da sua função essencial. É, pois, com base no objecto específico e na função da marca que também o presente processo deve ser apreciado no caso concreto.
G — Os direitos de marca
54. As marcas encontram o seu fundamento jurídico nas leis nacionais em matéria de marcas. Devem preencher condições (registo ou utilização) fixadas em cada lei nacional e é a lei nacional em causa que determina as consequências jurídicas ligadas à marca no Estado em questão. Neste sentido, as marcas são territoriais. Uma vez que, como acima foi dito, não houve uma harmonização total das leis nacionais em matéria de marcas, podem estar ligadas à marca consequências jurídicas diferentes conforme os Estados--membros.
55. As marcas distinguem-se dos outros direitos imateriais nomeadamente pelo facto
de em princípio não estarem limitadas no tempo 42. Isto foi sublinhado no acórdão H A G I em que o Tribunal de Justiça declarou: «O exercício do direito à marca é susceptível de contribuir para o isolamento dos mercados, prejudicando assim a livre circulação de mercadorias entre Estados-membros, tanto mais que, ao contrário de outros direitos de propriedade industrial e comercial, não se encontra sujeito a limitações de ordem temporal» (n.° 11).
a) O objecto e a função destes direitos
56. No seu acórdão HAG II, o Tribunal de Justiça repetiu, precisou e desenvolveu a sua jurisprudência relativa às marcas. O Tribunal de Justiça sublinhou sobretudo a importância essencial que deve ser atribuída à protecção das marcas para uma concorrência leal, sem a qual uma economia de mercado aberto não poderá funcionar. O Tribunal de Justiça declarou que o direito de marca «constitui um elemento essencial do sistema de concorrência leal que o Tratado pretende criar e manter» (n.° 13).
57. Podem estar ligados às marcas interesses económicos bastante importantes, que representam para os operadores um bem cujo valor depende da protecção de que benefi-
42 — Resulta contudo dos artigos 10.° a 12.° da directiva relativa às marcas que um titular de uma marca pode perder os seus direitos quando a marca não foi objecto de uso sério num Estado-membro durante um período de cinco anos.
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ciam contra os abusos dos concorrentes. Assim, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão HAG II: Num sistema de concorrência leal «as empresas devem estar em condições de reter a clientela pela qualidade dos respectivos produtos ou serviços, o que só é possível graças à existência de sinais distintivos que permitam identificar aqueles produtos e serviços» (n.° 13).
58. O mais importante dos atributos gerais do titular de uma marca é o seu «direito de usar a marca para a primeira colocação do produto no mercado, protegendo-o assim contra os concorrentes que pretendessem abusar da posição e da reputação da marca, vendendo produtos que a utilizassem indevidamente» (n.° 14). Este direito constitui «o objecto específico» do direito de marca e a sua protecção pode assim justificar um entrave à livre circulação de mercadorias.
59. O Tribunal de Justiça declarou seguidamente no acórdão H A G II que «para determinar o alcance exacto deste direito exclusivo reconhecido ao titular da marca é necessário ter em atenção a função essencial desta, de garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto que exibe a marca, permitindo-lhe distinguir, sem confusão possível, aquele produto de outros que tenham proveniência diversa» (n.° 14). A aptidão da marca para representar perante consumidores uma ligação entre a origem e a qualidade já tem sido descrita como uma função de diferenciação. A utilização da marca permite ao seu titular diferenciar, no espírito dos consumidores, os seus produtos dos dos concorrentes.
O valor econômico da marca e o seu significado para a concorrência leal estão estreitamente ligados à aptidão da marca para preencher a sua função de diferenciação 43. O Tribunal de Justiça sublinhou no acórdão H A G II que «para que a marca possa desempenhar este papel, terá que constituir a garantia de que todos os produtos que a ostentam foram fabricados sob o controlo de uma única empresa à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles» (n.° 13).
b) A transmissibilidade das marcas
60. O titular da marca pode nomeadamente fazer uso do seu direito exclusivo transmitindo o direito de utilizar a marca a um licenciado. Em conformidade com o artigo 8.° da directiva relativa às marcas «uma marca pode ser objecto de licenças para a totalidade ou parte dos produtos ou serviços para os quais tenha sido registada e para a totalidade ou parte do território de um
43 — Isto foi expresso nos termos seguintes pelo advogado-geral F. G. Jacobs nas suas conclusões no processo H A G II: «Enquanto as patentes recompensam a criatividade do inventor, estimulando por esta forma o progresso científico, as marcas recompensam o fabricante que se empenha em produzir mercadorias da alta qualidade, estimulando por esta forma o progresso econômico. Sem a protecção das marcas haveria pouco incentivo para os produtores desenvolverem novos produtos ou manterem a qualidade dos já existentes. As marcas podem obter este efeito porque funcionam como garantia, para o consumidor, de que todas as mercadorias que exibem uma determinada marca foram produzidas por, ou sob o controlo, de um mesmo fabricante, sendo portanto presumivelmente da mesma qualidade...
Uma marca só pode cumprir o seu papel se for exclusiva. Se o proprietário for forçado a partilhá-la com um concorrente, perderá o controlo solare o prestígio associadoà marca. A reputação dos seus produtos ficará prejudicada se o concorrente vender produtos de qualidade inferior. Do ponto de vista do consumidor, verificar-se-ão consequências igualmente indesejáveis, porque a clareza do sinal transmitido pela marca ficará enfraquecida. O consumidor ficará confuso e iludido» (n.°s 18 e 19).
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Estado-membro. As licenças podem ser exclusivas ou não exclusivas».
61. O ponto de partida é também o de que uma marca pode ser cedida por contrato celebrado entre o seu titular e um outro operador. As possibilidades de cessão podem contudo ser objecto de limitações.
62. Em certos países, a cessão só pode ter lugar para a totalidade do território para o qual a protecção foi obtida nos termos da lei nacional em matéria de marcas, enquanto tal não sucede noutros países.
63. Em certos países a marca só pode ser cedida simultaneamente com as unidades de produção, enquanto noutros países e, pelo que se sabe, na maior parte dos Estados--membros, a marca pode ser cedida de forma independente.
64. Finalmente, em certos países uma marca só pode ser cedida para a totalidade dos produtos para os quais a protecção foi obtida. Noutros países não existem tais restrições e há ainda outros em que as únicas restrições incidem sobre o direito de cessão parcial na medida em que o fraccionamento poderá dar origem a confusões para o consumidor.
65. Foi alegado nos autos, em minha opinião com razão, que a evolução vai no sentido de uma extensão das possibilidades de um titular ceder a sua marca.
66. Segundo o regulamento do Conselho sobre a marca comunitária, a marca comunitária pode ser cedida com a empresa ou independentemente e pode ser cedida para a totalidade ou apenas para uma parte dos produtos para os quais foi registada 44. Em contrapartida, só pode ser transferida para a totalidade do território da Comunidade 45.
H — O significado da ligação entre a Ideal--Standard GmbH e a Ideal-Standard SA dentro do mesmo grupo de empresas
67. As presentes conclusões assentam na ideia de que a situação sobre a qual o Tribunal de Justiça se deve pronunciar é na realidade uma situação em que o cedente da marca tenta impedir a venda directa, pelo cessionário, no território em que o cedente conservou a sua marca. Contudo, como resulta
4 4 — V. o artigo 17.°, n.° 1, do regulamento que dispõe: «A marca comunitária pode, independentemente da transmissão da empresa, ser transmitida para a totalidade ou parte dos produtos ou serviços para os quais esteja registada.»
45 — V. o artigo 1.°, n.° 2, do regulamento que dispõe: «A marca comunitária tem carácter unitário. A marca comunitária produz os mesmos efeitos em toda a Comunidade: só pode ser registada , transferida, ser objecto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação e o seu uso só pode ser proibido, para toda a Comunidade. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»
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da parte A e da questão prejudicial, a situação presente caracteriza-se pelo facto de em França a marca ter sido cedida não pela Ideal-Standard GmbH, que pretende opor-se à importação na Alemanha, mas pela sociedade francesa irmã desta última.
68. Em minha opinião é exacto, como alegam a IHT e a Comissão, que a relação entre a Ideal-Standard GmbH e a sociedade-irmã francesa, que fazem parte do mesmo grupo, implica uma assimilação das duas sociedades, de tal forma que a cessão pode ser imputada à Ideal-Standard GmbH, como se tivesse sido efectuada por esta propria sociedade. Contrariamente ao que alega a Ideal--Standard GmbH, deve bastar que empresas dentro do mesmo grupo tenham a possibilidade de coordenar as suas políticas comerciais no interesse comum do grupo. A questão de saber se esta possibilidade é utilizada na prática não pode ser decisiva 46.
69. N o caso de o Tribunal de Justiça constatar que a cessão de uma marca é uma operação que conduzirá eventualmente a que o seu titular perca o seu direito exclusivo nos Estados-membros em que a marca é conservada, não fará qualquer diferença que esta
operação não seja efectuada pelo próprio titular da marca mas sim por uma sociedade dentro do mesmo grupo.
É por isso que a seguir partirei do princípio de que é simultaneamente razoável e adequado tratar este processo como dizendo respeito à questão da relação jurídica directa entre um cedente e um cessionário.
I — Apreciação das considerações de fundo, e nomeadamente sobre o objecto específico e a função essencial da marca
70. A Ideal-Standard GmbH, e os Governos alemão e britânico alegam nomeadamente que em caso de cessão voluntária de uma marca, da mesma forma que em caso de cessão forçada, se verifica uma situação em que o cedente não tem qualquer influência sobre a qualidade dos produtos que o cessionário comercializa utilizando a marca cedida. Após uma cessão, as marcas tornam-se independentes. Se, em tal situação, o titular perder o seu direito exclusivo, a função essencial da marca será posta em causa, uma vez que a marca não poderá servir de garantia da origem e da qualidade do produto em relação ao consumidor e o titular da marca poderá correr o risco de ver ser--lhe imputada uma má qualidade da mercadoria de que não é de forma alguma responsável. Para que cada marca possa cumprir a função de garantir que os produtos marcados provêm de uma única origem, é preciso que cada titular possa, no seu âmbito
46 — Este ponto de vista encontra apoio nos acórdãos do Tribunal de Justiça respeitantes ao princípio do esgotamento. Assim, haverá esgotamento quando um produto é lançado no mercado num outro Estado-membro por uma sociedade que tem uma ligação de dependência juridica ou económica com o titular, ou com o consentimento desu sociedade. V. nomeadamente o acórdão de 14 de Setembro de 1982, Keurkoop/Nancy Kean (144/81, Recueil, p. 2853), e parece sem importância quanto a este aspecto que as sociedades em questão tenham ou não exercido também na prática a sua possibilidade de coordenar as suas políticas em matéria de qualidade e de comercialização.
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territorial, invocar os seus direitos de marca em relação aos produtos fabricados pelo outro titular.
71. A IHT alega que admitir um entrave à livre circulação de mercadorias na situação presente neste caso conduzirá a sobrestimar a importância da função da marca enquanto garantia da origem e da qualidade dos produtos. A IHT salienta que a marca tem em primeiro lugar e antes de mais como objectivo proteger o seu titular face a concorrentes que poderiam abusar da sua reputação, enquanto a função de garantia relativamente aos consumidores constitui um mero reflexo deste objectivo. O titular da marca pode renunciar ao controlo da qualidade dos produtos que está ligado à função de garantia, por exemplo quando celebra um contrato de licença, o que acontece frequentemente na prática segundo a IHT, ou quando cede a marca sem limitações.
72. A Comissão alega que o que é determinante é que o fraccionamento da marca resulte de um acto voluntário. Segundo a Comissão, a função principal da marca é dar ao titular o poder de decidir quais são os produtos que podem ostentar a marca e desta forma ligar os clientes ao seu produto. Em caso de cessão, o titular da marca consente todavia que outros coloquem a marca sobre os seus produtos e os comercializem, tanto no país em questão como no resto da Comunidade. O titular da marca procede, com conhecimento de causa e contra uma remuneração, a uma renúncia voluntária ao controlo da qualidade dos produtos. O titular da marca perde o controlo do renome associado à marca quando é obrigado a compartilhar a marca com um concorrente, mas consentiu
nisso pelo que deve suportar as consequências da sua opção. Em tal situação, não é necessário, para proteger a função essencial da marca, admitir um território protegido na Comunidade.
Segundo a Comissão, o interesse da protecção dos consumidores está suficientemente salvaguardado, mesmo que o titular da marca perca o seu direito exclusivo quando de uma cessão. Tal como a IHT, a Comissão alega que o direito de marca não tem como primeiro e principal objectivo proteger os consumidores. Em contrapartida, o direito de marca deve garantir ao seu titular que os produtos que ostentam a sua marca são fabricados sob o seu controlo e que ele é de facto responsável pela sua qualidade, o que produz desta forma efeitos em relação aos consumidores. E o que mostra, nomeadamente, o facto de o titular de uma marca poder livremente optar por utilizar ou não a sua marca quando comercializa produtos.
73. Em minha opinião, existem boas razões para pensar que os artigos 30.° e 36.° não se opõem a que o cedente de uma marca possa proibir a comercialização pelo cessionário de mercadorias que a ostentem no território em que o cedente conservou a sua marca. Com efeito, se o cedente perder o seu direito exclusivo quando da transmissão de uma marca paralela num outro Estado-membro, isso significará que
— cada uma das marcas deixará de poder cumprir de forma independente, no
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âmbito territorial que lhe pertence, a função de garantir que o produto foi fabricado sob o controlo de uma empresa única à qual pode ser atribuída a responsabilidade da sua qualidade uma vez que os produtos fabricados tanto pelo cedente como cessionário poderão ser comercializados no mesmo mercado,
— o titular da marca não tem influência sobre os produtos que são lançados no mercado pelo cessionário e poderá ver ser-lhe imputada uma má qualidade das mercadorias de que não é de forma alguma responsável,
— os consumidores deixam de poder distinguir sem confusão possível o produto dos que têm uma outra proveniência.
74. Estas razões foram de importância decisiva para a conclusão a que o Tribunal de Justiça chegou no acórdão H A G II. A primeira vista, pode parecer lógico partir da ideia que estas razões também são suficientes para justificar a obrigação de aceitar, numa situação de cessão, uma compartimentação dos mercados nacionais contrária ao objectivo fundamental do Tratado.
75. Contudo, não se pode perder de vista que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o titular da marca pode perder o seu direito exclusivo também em casos em que
tal significa que a marca deixará de poder exercer completamente a sua função de diferenciação. E o que sucede nos casos de contratos de licença. Resulta do princípio do esgotamento que aquele que cede uma licença deve aceitar que virá a estar em concorrência no seu mercado com produtos fabricados pelo licenciado e importados paralelamente por terceiros. A Ideal--Standard GmbH e os Governos alemão e britânico atribuem importância ao facto de, nesta situação, os produtos serem comercializados por uma empresa que está sujeita ao controlo do titular da marca. Mas o princípio do esgotamento não depende da questão de saber se o licenciante estabeleceu garantias, no quadro do contrato, de que o licenciado respeitará um certo nível de qualidade dos produtos. Basta que o licenciante tenha a possibilidade de estabelecer exigências em matéria de qualidade. Se omitir fazê-lo deve suportar as consequências da sua opção. Não é a função de diferenciação como tal que é protegida, mas sim a possibilidade de o titular da marca poder salvaguardar esta função.
76. Deve questionar-se se o facto de no acórdão H A G II se tratar de um fraccionamento forçado, enquanto no caso presente se trata de um fraccionamento voluntário, não confere precisamente um fundamento suficientemente sólido para uma solução diferente daquela a que chegou o Tribunal de Justiça no acórdão H A G II. A resposta a esta questão pressupõe uma análise mais detalhada dos interesses que são protegidos pela marca.
77. O acórdão H A G II reflecte a tomada em consideração de dois interesses, a saber, o do
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titular da marca, que, graças à sua marca, está em condições de participar na concorrência em matéria de qualidade do produto e que, portanto, tem interesse em proteger-se contra a utilização ilícita da marca pelos seus concorrentes, e o dos consumidores, que têm interesse em poder determinar a origem do produto sem risco de confusão, pois isto permite-lhe contar com uma qualidade determinada do produto.
78. Numa situação em que uma marca foi fraccionada no âmbito de um acontecimento sobre o qual o titular da marca não teve influência, é claro que o interesse do titular da marca pesa bastante. Foi possivelmente para salientar isto que no acórdão H A G II o Tribunal de Justiça sublinhou «a inexistência de qualquer elemento de consentimento, por parte do titular do direito de marca protegido... na colocação em circulação noutro Estado-membro» (n.° 15, o sublinhado é meu) 47.
79. O interesse do titular da marca não tem a mesma força nos casos de cessão. O titular de marcas paralelas em diversos Estados--membros dispõe de uma série de alternativas. Pode evidentemente abster-se totalmente de ceder a marca. Se opta por cedê-la, a cessão pode ser global, isto é, valer em todos os Estados-membros em que a marca é protegida. Mas pode também optar, como no caso em apreço, por ceder a marca
separadamente, isto é, apenas para alguns dos Estados-membros em que esta é protegida.
80. A questão é saber se o titular de uma marca que actua num mercado único tem um interesse suficientemente importante em poder fraccionar esse mercado procedendo a cessões separadas para certos Estados--membros e mantendo o seu direito exclusivo nos Estados-membros onde conserva a marca.
81. Na hipótese de o Tribunal de Justiça declarar que uma cessão separada da marca tem como consequência que o titular da marca perca o seu direito exclusivo, o operador interessado deve analisar se esta desvantagem pode ser compensada pela remuneração obtida. As consequências que o titular da marca deve eventualmente tomar em consideração são as seguintes.
82. A marca não poderá cumprir inteiramente a sua função, pois o consumidor não poderá distinguir os produtos do titular da marca de produtos comercializados sob a mesma marca pelo adquirente da marca paralela.
83. Isto implica que o titular da marca não poderá proteger-se contra o facto de o adquirente, ao colocar os seus produtos no mercado do titular, tirar vantagens dos investimentos realizados por este último para constituir e conservar a reputação ligada à marca.
47 — Encontra-se expresso o mesmo ponto de vista no acórdāo Pharmon/Hoechst, em que o Tribunal e Justiça referiu que, pela atribuiçāo a um terceiro de uma licença obrigatória, um titular de patente fica privado do seu poder de decidir livremente as condições em que comercializa o seu produto.
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Só em certa medida limitada poderá proteger-se contra o risco de o adquirente lesar a reputação da marca vendendo produtos de qualidade inferior, ou seja, na medida em que tenha a possibilidade de exercer uma forma de controlo através da sua escolha da empresa cessionária da marca e da possibilidade de incluir no contrato de cessão cláusulas de preferência 48. Em contrapartida, não se pode partir da ideia de que o cedente de uma marca pode conservar, como pretende a Comissão, um controlo sobre a qualidade dos produtos incluindo no contrato de cessão cláusulas resolutivas destinadas a garantir o respeito do nível mínimo de qualidade. Como aliás a própria Comissão considerou, um contrato deste teor será na realidade um contrato de licença. O Governo britânico sobretudo sublinhou que, de um ponto de vista económico prático, é irrealista imaginar que o adquirente de um direito de marca aceitará a manutenção de um controlo por parte do cedente. Os contratos de cessão são escolhidos precisamente com vista a efectuar uma transmissão completa dos direitos ligados à marca.
84. As consequências que resultam de uma decisão com esse conteúdo para o titular da marca são desta forma sérias. Não se pode excluir que ele apesar de tudo tenha optado por proceder a uma cessão separada. Mas é quase certo que, na prática, opta normalmente ou por não ceder a marca ou por a ceder globalmente para todos os Estados-membros em que a mesma é protegida.
Assim, tal decisão terá na realidade como efeito limitar as possibilidades de ceder a marca.
85. Foi neste contexto que a Ideal-Standard GmbH, o Governo britânico e o Governo alemão apresentaram uma série de argumentos que têm a sua origem no princípio da livre transmissibilidade das marcas. Estes argumentos podem ser resumidos da forma seguinte.
As marcas continuam a ser nacionais e, assim, geograficamente fraccionadas, razão pela qual podem ter titulares diferentes em diversos Estados-membros. Trata-se de direitos de propriedade que são regulamentados, independentemente uns dos outros, pelas legislações de cada Estado-membro e que o Tratado declara pretender proteger. A possibilidade de ceder livremente uma marca é uma prerrogativa fundamental do direito de marca e faz parte do objecto específico da marca. Se o titular de uma marca perder o seu direito exclusivo em caso de cessão, esta prerrogativa fundamental tornar-se-á inteiramente teórica. Na realidade, marcas idênticas protegidas em vários Estados-membros só poderão então ser vendidas globalmente.
86. Em minha opinião, é de rejeitar a afirmação segundo a qual uma tal limitação de facto da possibilidade de o titular ceder a sua marca constitui um atentado ao objecto específico da marca.
48 — Isto vem ilustrado precisamente no presente caso. A Ideal--Standard GmbH explicou que o contrato de cessão só tinha sido celebrado com base na situação particular em França, em que o adquirente tinha durante muito tempo
ferido a Ideal-Standard SA e conhecia desta forma muito em a política de qualidade desta sociedade e em que se tra
tava portanto de confiar a qualidade da marca a uma sociedade digna de confiança, ao mesmo tempo que tinha sido proibido a esta sociedade ceder a marca a outras empresas.
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87. Existem várias razões para que não se trate de uma limitação importante aos direitos do titular da marca.
88. Esta limitação, como se disse, tem um âmbito de aplicação restrito. O titular da marca pode sempre optar por cedê-la separadamente se considerar que tal constitui uma solução economicamente aceitável, mesmo que isto o deva impedir de proteger a marca no seu próprio mercado. E conserva a possibilidade de proceder a uma cessão global, o que, como adiante se verá, será normalmente a solução mais adequada.
89. Aliás, não foi alegado no presente processo que a possibilidade de proceder a uma cessão separada constitua uma parte essencial, do ponto de vista econômico ou de outro, dos direitos que a marca confere ao seu titular. Por exemplo, não foram avançados argumentos sustentando que os operadores sofreram inconvenientes graves devido ao facto de, no período que separou os acórdãos H A G I e H A G II, terem tido que se adaptar ao facto de uma cessão separada lhes fazer perder o seu direito exclusivo nos Estados--membros em que conservavam a marca.
90. A explicação disso é, verosimilmente, que o titular de uma marca de grande valor que procura realmente proteger este valor da sua marca optará em qualquer caso por só ceder a marca globalmente para todos os Estados-membros em que a mesma é protegida. Há boas razões para tal.
91. Uma cessão separada para certos Estados-membros terá como resultado que, no mercado interno, se encontrarão mercadorias ostentando a mesma marca e que são fabricadas por diferentes titulares da marca. O mercado interno é um mercado sem fronteiras internas, em que não só os produtos devem circular livremente, mas também em que os consumidores se podem deslocar livremente e é um mercado em que a publicidade das mercadorias em causa se desloca numa medida sempre crescente para lá das fronteiras dos mercados nacionais.
92. Mesmo que seja de interpretar os artigos 30.° e 36.° no sentido de que aquele que cede uma marca conserva o seu direito exclusivo e, portanto, pode através de uma proibição de importação proteger a função de diferenciação da marca no seu próprio mercado, a cessão separada porá em causa esta função da marca em relação ao consumidor que optar por usar o seu direito de livre circulação e obter depois produtos com a mesma marca em diversos Estados-membros. Foi talvez nesta óptica que o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Terrapin/Terranova que «a função essencial da marca, que consiste em garantir aos consumidores a identidade da origem do produto, já se encontra posta em causa pelo próprio fraccionamento do direito originário» (n.° 6).
O fraccionamento de um direito de marca no interior de um mercado único, com consumidores que se deslocam para além das fronteiras nacionais, significará que o adquirente cujos os produtos entram desta forma em concorrência com os produtos do cedente
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pode tirar vantagem dos investimentos do cedente para conservar a reputação ligada à marca e poderá lesar essa mesma reputação vendendo mercadorias de qualidade inferior. É razoável pensar que este enfraquecimento da função de diferenciação da marca impede na prática o titular de marcas paralelas no território da Comunidade de proceder a um fraccionamento.
93. Contrariamente ao que alega o Governo britânico, não penso que a existência de limitações à possibilidade de o titular de uma marca fraccionar a sua marca vá contra os interesses da Comunidade. A este propósito, não deixa de ser significativo que o titular da marca seja simplesmente colocado na mesma situação que aquela em que se encontraria, de forma juridicamente obrigatória, se a sua marca fosse uma marca comunitária dotada dos efeitos jurídicos que lhe confere o regulamento sobre a marca comunitária, isto é, que a marca só pode ser cedida globalmente para todo o território da Comunidade.
94. A limitação das possibilidades de cessão do titular aqui tratada não poderá, em minha opinião, ser razoavelmente considerada como impedindo que as marcas possam desempenhar o seu papel no âmbito do sistema de concorrência leal que o Tratado pretende estabelecer e manter. As marcas continuarão a ser o meio que permite às empresas segurar a clientela pela qualidade dos seus produto ou dos seus serviços.
95. Nestas circunstâncias, não penso que o interesse do titular de uma marca em poder proceder a uma cessão separada para certos Estados-membros, preservando a função de diferenciação da marca nos Estados--membros em que conserva esta última, seja de uma importância susceptível de justificar a restrição séria à livre circulação de mercadorias que tal situação jurídica implicará.
96. Não basta contudo, como se disse, apreciar o problema aqui colocado à luz dos interesses do titular da marca. Importa questionar em que medida a preocupação de protecção do interesse do consumidor em poder conhecer a origem da mercadoria marcada pode em si servir de base à protecção do direito exclusivo do titular da marca 49.
97. É incontestável que na prática a marca constitui, aos olhos dos consumidores, uma garantia de que os produtos que ostentam uma marca determinada são fabricados pela mesma empresa ou sob o controlo da mesma empresa e que, portanto, se pode pensar que são da mesma qualidade. Esta função essen-
49 — Tem interesse, a este propósito, o facto de o Landgericht Düsseldorf, ao interpretar o acórdão do Tribunal e Justiça no processo HAG II, ter declarado: «também não é possível justificar um tal primado da livre circulação de mercadorias pelo facto de não ser necessário proteger o titular de uma marca que cedeu livremente os seus direitos a um terceiro num ou vários Estados-membros. Dessa forma, não seria tomado em consideração o facto de a função de identificação da marca não ter apenas que ser apreciada do ponto de vista do titular do direito, mas ser necessário também tomar em consideração a protecção dos consumidores que têm direito a que a determinação da origem da mercadoria protegida por uma marca lhes seja garantida de forma a que a possam distinguir de produtos provenientes de uma outra empresa. Quanto a este aspecto, não existe diferença pertinente do ponto de vista jurídico entre um fraccionamento forçado e um fraccionamento voluntário de uma marca.»
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cial de uma marca coloca o seu titular em condições de entrar na concorrência com base na qualidade do seu produto e portanto, como acima se descreveu, aquele tem um interesse essencial em proteger a aptidão da marca para permitir ao consumidor distinguir sem confusão possível o seu produto daqueles que têm uma outra proveniência.
Mas a questão é saber se as normas das leis nacionais relativas às marcas que permitem ao titular da marca proteger o seu direito exclusivo são baseadas em considerações autónomas de protecção dos consumidores. Existem boas razões para pensar que a preocupação de impedir a confusão e decepção dos consumidores apenas é, como alega a IHT e a Comissão, o simples reflexo do interesse do titular da marca em que os consumidores estejam em condições de identificar o seu produto e, portanto, não é um interesse autónomo que possa fundamentar em si uma protecção do direito exclusivo do titular da marca.
98. Como salienta o advogado-geral F. G. Jacobs nas suas conclusões no processo H A G II 50 pode-se afirmar que a marca não cria uma garantia absoluta da qualidade da mercadoria, quanto mais não seja porque o titular pode livremente alterar esta qualidade.
Se o titular de uma marca optar por adaptar a qualidade dos seus produtos aos diferentes mercados nacionais, resultará além disso do princípio do esgotamento que estes produtos poderão circular livremente entre os mercados em questão. A denominada garantia de qualidade não tem outro efeito senão o de criar nos consumidores a expectativa de que as mercadorias que ostentam uma marca determinada são produzidas pelo mesmo fabricante e, portanto, têm a mesma qualidade que outras mercadorias que ostentam também essa marca.
99. Também se pode afirmar que a marca não constitui uma garantia absoluta de origem. Há várias razões para tal. Como acima foi descrito, resulta do princípio do esgotamento que se podem comercializar num Estado-membro produtos que ostentam a mesma marca mas que são fabricados por duas empresas diferentes, ou seja, o licenciante e o licenciado e que podem, conforme as circunstâncias, ser de qualidade diferente. Além disso, nada impede que uma empresa ceda a sua marca em certos Estados--membros aceitando expressamente que o adquirente possa exportá-la para os Estados--membros em que a empresa conservou a marca.
O facto de a protecção do direito exclusivo do titular da marca e, através dela, do seu direito de se opor à comercialização de produtos que ostentem a mesma marca, não proteger em si os interesses dos consumidores e, portanto, dificilmente poder ser justificado de maneira autónoma por este interesse, resulta finalmente da circunstância de, pelo
50 — V. o n.° 18 das conclusões em que o advogado-geral F. G. Jacobs diz designadamente: «A garantia de qualidade dada por uma marca não é, certamente, absoluta, pois o fabricante tem liberdade para alterar a qualidade; contudo, fá-lo por sua conta e risco, sendo ele — e não os concorrentes — que sofrerá as consequências se permitir um declínio da qualidade. Assim, embora as marcas não forneçam qualquer forma de garantia jurídica de qualidade — a falta da qual pode ter levado a algumas a subestimar o significado daquelas — , em termos económicos fornecem uma garantia equivalente, na qual os consumidores confiam quotidianamente».
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que se sabe, o titular da marca não ser obrigado em nenhum dos outros Estados--membros a agir contra a utilização ilegal da marca pelos seus concorrentes com vista a impedir que os consumidores sejam induzidos em erro.
100. Isto não quer dizer que uma proibição de importação de produtos com uma marca que se possa prestar a confusão no espírito dos consumidores não possa ser legal conforme as circunstâncias. Um tal entrave à livre circulação de mercadorias deverá contudo ser justificado, eventualmente, através de um exame concreto da questão de saber se se trata de uma medida indispensável por razões de protecção dos consumidores 51. Pelo menos em alguns Estados-membros, as leis nacionais em matéria de marcas contêm disposições que têm em conta de forma autónoma o interesse dos consumidores, conferindo às autoridades do Estado a possibilidade de intervirem contra a utilização de marcas que possam induzir os consumidores
em erro 52. Como salienta a Comissão, os consumidores estão além disso protegidos pela legislação relativa à concorrência desleal 53.
101. Independentemente do facto de certas normas em matéria de direitos de marca visarem eventualmente proteger os consumidores, o que antecede permite concluir que as normas que dão ao titular da marca a possibilidade de proteger o seu direito exclusivo através de acções de contrafacção da marca não visam tal protecção. O alcance do direito exclusivo do titular da marca não deve assim ser determinado perguntando o que é necessário à protecção dos consumidores, mas apenas apreciando se é necessário proteger o interesse do titular da marca para que a marca cumpra a sua função essencial que é
51 — Este ponto de vista encontra um certo apoio sobretudo no acórdão de 31 de Outubro de 1974, Centrefarm/Winthrop (16/74, Recueil, p. 1183), o Tribunal declarou nos n.os 19 e 23: «... Com esta questão pede-se ao Tribunal que declare se o titular de uma marca, a fim de poder controlar a distribuição de um produto farmacêutico com o objectivo de protecção do público contra riscos provenientes de produtos defeituosos, é autorizado a exercer direitos que a marca lhe confere, não obstante a existência de normas comunitárias sobre a livre circulação de mercadorias. Constituindo a protecção do público contra os riscos devidos a produtos farmacêuticos defeituosos uma preocupação legítima, o artigo 36.° do Tratado autoriza os Estados-membros a derrogar as normas sobre livre circulação de mercadorias por razões de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais. N o entanto, as medidas necessárias para este efeito devem ser adoptadas enquanto medidas próprias da área do controlo sanitário e não como desvio das regras em matéria de propriedade industrial e comercial. Aliás, o objectivo específico de protecção da propriedade industrial e comercial é distinto do objectivo da protecção do público e das eventuais responsabilidades que ela pode implicar. Deve portanto responder-se negativamente à questão formulada* (o sublinhado é meu).
52 — Por exemplo, podem encontrar-se regras que proíbam que uma marca seja cedida unicamente para uma parte dos produtos para os quais é protegida. V. a este propósito igualmente infra parte N , alínea a). V. igualmente o artigo 3.°, n.° 1, alínea g), da directiva relativa às marcas segundo o qual poderá ser recusado o registo ou poderão ser declaradas nulas se já foram registadas as marcas susceptíveis de enganar o público por exemplo no que respeita à natureza, à qualidade ou à proveniência geográfica do produto ou do serviço, e o artigo 4.°, n.° 1, da mesma directiva, nos termos do qual o registo de uma marca será recusado ou é susceptível de ser declarado nulo se a marca for idêntica a uma marca anterior e se devido à sua identidade ou à sua semelhança com a marca anterior existir no espírito do público um risco de confusão que compreenda o risco de associação com a marca anterior.
53 — V. a este propósito o sexto considerando da directiva relativa às marcas em que se diz que «a presente directiva não exclui a aplicação às marcas de disposições do direito dos Estados-membros que não estejam abrangidas pelo direito de marcas, tais como disposições relativas à concorrência desleal, à responsabilidade civil ou à defesa dos consumidores». V. também sobre este ponto o acórdão de 22 de Janeiro de 1981, Dansk Supermarked/Imerco (58/80, Recueil, p. 181) que dizia respeito, por um lado, às normas dinamarquesas relativas à protecção do direito de autor e das marcas e, por outro lado, às normas de direito comercial que tinham nomeadamente como objectivo a protecção dos interesses do consumidor. N o que se refere a esta última categoria de normas, o Tribunal de Justiça declarou: «que a importação para um Estado-membro de uma mercadoria comercializada de maneira lícita noutro Estado-membro não pode, como tal, ser qualificada de prática comercial irregular ou desleal, sem prejuízo, todavia, de aplicação eventual da legislação do Estado de importação que reprima tais práticas em virtude de circunstâncias ou de modalidades de colocação à venda que sejam independentes do facto da importação em si mesmo considerado...».
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colocar os consumidores em situação de distinguir sem confusão possível o seu produto daqueles que tenham uma outra proveniência.
102. O titular de uma marca que procede a uma cessão separada para certos Estados--membros renunciou voluntariamente a ser o único que comercializa as mercadorias que ostentam a marca em questão no território da Comunidade. Por este facto, o titular da marca enfraqueceu de qualquer maneira a função de diferenciação da marca em relação ao consumidor que se desloca para além das fronteiras nacionais e o seu interesse em poder efectuar uma cessão separada para certos Estados-membros conservando um direito exclusivo de comercializar no seu próprio território não é suficientemente importante para justificar em si uma compartimentação dos mercados nacionais contrária a um dos objectivos essenciais do Tratado: a fusão dos mercados nacionais num mercado único.
J — Argumentos suplementares
103. Como se disse, foram avançados alguns argumentos suplementares no sentido, respectivamente, de uma resposta afirmativa e de uma resposta negativa à questão de saber se uma proibição de importação ligada à cessão separada de uma marca para certos Estados-membros é contrária aos artigos 30.° e 36.° do Tratado.
104. O Governo alemão, em apoio de uma reposta negativa, alegou que nos Estados--membros em que o cedente continua a ser titular da marca, o adquirente obtém direitos comparáveis aos do titular de uma licença de marca. O Governo alemão refere-se ao facto de o adquirente poder usufruir vantagens dos investimentos feitos pelo cedente para preservar a posição e a reputação dessa marca, isto sem ter pago a mínima remuneração em contrapartida e sem estar sujeito às obrigações usuais de um licenciado no que se refere à qualidade dos produtos em questão.
A esse propósito basta notar que, como acima foi descrito, o titular de uma marca, quando celebra um contrato de cessão e, nomeadamente, quando fixa a remuneração, deve ponderar as consequências jurídicas de tal contrato à luz do direito comunitário e, de forma correspondente, essas consequências jurídicas devem ser consideradas como entrando nas expectativas do adquirente.
105. Talvez se pudesse alegar, como foi declarado pelo Tribunal de Justiça no acórdão H A G I, que o cedente tem a possibilidade de garantir a informação dos consumidores quanto à origem de um produto de marca por outros meios que atentem menos contra a livre circulação das mercadorias do que a proibição de importação. Não pode ser reconhecido peso a este ponto de vista. Quanto a este aspecto, estou de acordo com o advogado-geral F. G. Jacobs que, nas suas
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conclusões no processo H A G II, considerou que
«há circunstâncias nas quais seria prático distinguir marcas em conflito através da aposição de elementos adicionais, mas que estas circunstâncias constituem a excepção e não a regra. Duvido que aquele método seja alguma vez eficaz no caso de marcas idênticas usadas para produtos idênticos. Acima de tudo, tem que se sublinhar que aquela não é uma panaceia para todos os problemas suscitados por conflitos de marcas, como o Tribunal de Justiça pareceu entender no acórdão H A G I»(n.° 45).
106. A IHT alegou, em apoio de uma resposta afirmativa à questão, que se trata de umacessão de um direito que está esgotado, uma vez que em consequência do princípio do esgotamento a Ideal-Standard GmbH não podia, antes da cessão da marca em 1984, invocar os seus direitos de marca relativamente a produtos comercializados no território da Comunidade sob a marca «Ideal Standard» e que o fraccionamento voluntário da marca devia ser considerado em direito comunitário como um prolongamento desta situação jurídica anterior.
Este argumento é puramente formal e não toma como ponto de partida as considerações de fundo que devem necessariamente determinar a resposta à questão.
107. O Governo alemão chamou a atenção para o facto de se dever questionar em que medida a possibilidade de o adquirente se opor no seu mercado à comercialização dos produtos do cedente pode influenciar a resposta à questão.
108. N o acórdão H A G II, o Tribunal de Justiça declarou que «cada um dos titulares do direito de marca deve poder opor-se à importação e à comercialização de produtos provenientes do outro titular»(n.° 19). O Governo alemão salientou que, desta forma, o Tribunal de Justiça não tinha atribuído importância ao facto de o adquirente ter obtido os direitos expropriados sabendo perfeitamente que esses direitos pertenciam a um terceiro fora do seu território. Do ponto de vista do adquirente, não existe, segundo o Governo alemão, diferença decisiva entre a situação em que uma marca foi adquirida na sequência de uma expropriação e a situação em que não existiu expropriação prévia e, portanto, essas situações devem ser tratadas da mesma forma. Parece que o Governo alemão deduz daí que o titular originário de uma marca também deve ser tratado da mesma maneira, quer se trate de expropriação ou de cessão.
109. O acórdão do Tribunal de Justiça no processo H A G II não permite deduzir argumentos vinculativos no sentido de que a situação do adquirente deva ser a mesma, quer tenha adquirido a marca na sequência de uma expropriação ou a tenha adquirido directamente ao titular originário.
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110. Em minha opinião, o acórdão do Tribunal de Justiça mais não é do que a expressão da vontade de assegurar um paralelismo entre a situação jurídica dos dois titulares da marca 54. O Tribunal de Justiça quis evitar uma situação jurídica de livre circulação de mercadorias unicamente num sentido, isto é, a partir do território do titular originário da marca para o do adquirente dos direitos expropriados.
111. Os argumentos apresentados no que se refere à situação jurídica do adquirente não militam assim nem a favor nem contra uma solução segundo a qual o titular de uma marca que procede a uma cessão separada para certos Estados-membros se não pode opor a que o adquirente comercialize produtos nos Estados-membros em que a marca é conservada. Em contrapartida, podem deduzir-se do que foi declarado pelo Tribunal de Justiça no acórdão H A G II argumentos no sentido de que, em tal situação, o adquirente deve admitir de forma correspondente que o cedente comercialize os seus produtos no território do adquirente.
112. A questão prejudicial apenas diz respeito à possibilidade de o cedente se opor à importação de produtos fabricados pelo ces
sionário mas, como mostra o acórdão do Tribunal de Justiça no processo H A G I I , em que a questão era limitada de forma idêntica, isto não impede o Tribunal de Justiça de se pronunciar expressamente sobre a situação jurídica do adquirente.
K — O artigo 85.° do Tratado
113. A Ideal-Standard GmbH, o Governo alemão e o Governo britânico alegam nos autos que não é necessário interpretar os artigos 30.° e 36.° no sentido de que, numa situação como a presente, uma proibição de importação é contrária ao Tratado, uma vez que as regras do direito da concorrência oferecem uma protecção suficiente contra contratos de cessão de marca que conduzam a uma compartimentação de mercados contrária ao objectivo do Tratado. Contudo, alegam ao mesmo tempo que nada no despacho de reenvio permite supor que a cessão aqui em causa seja contrária ao artigo 85.° do Tratado. A IHT refere que todo o fraccionamento contratual de marcas e o exercício de direitos de marcas nacionais que prolongue este fraccionamento conduz a um acordo ilegal contrário ao artigo 85.°, mas não parece daí extrair argumentos no que se refere à interpretação dos artigos 30.° e 36.°
114. Foi dito na parte B que a legalidade dos entraves ao comércio que resultam de uma proibição de importação baseada na lei nacional relativa às marcas deve sempre ser apreciada com base nos artigos 30.° e 36.° do Tratado, e daí resulta que a questão prejudicial
54 — O advogado-geral F. G. Jacobs exprimiu-se nos termos seguintes nas suas conclusões: «se a HAG Bremen tivesse cedido voluntariamente as marcas belga e luxemburguesa á Van Oevelen, seria fácil dizer que a HAG Bremen tinha consentido no uso da marca por Van Oevelen noutro Estado-membro, tendo por esta forma esgotado os seus direitos. Assim, a HAG Bremen não poderia invocar a sua marca alemã para impedir a importação para a Alemanha dos produtos de Van Oevelen. Mas o mesmo princípio aplicar-se-ia em sentido inverso? Logicamente, tal deveria acontecer, embora difícilmente se pudesse dizer que o cessionário da marca fraccionada tivesse esgotado o seu direito; seria mais exacto dizer que tinha adquirido um direito que já estava esgotado» (ponto 63).
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incide unicamente sobre a interpretação destas disposições. Isto não exclui todavia que o artigo 85.° possa ter importância para apreciar a licitude da proibição de importação e que a existência do artigo 85.° possa consequentemente ser pertinente para a interpretação dos artigos 30.° e 36.°
115. O caso presente diz respeito à relação directa entre duas partes num contrato. O resumo da jurisprudência do Tribunal de Justiça na parte D mostra que um titular de marca não pode invocar os seus direitos de marca nos termos da lei nacional quando o exercício destes direitos é o objecto, o meio ou a consequência de um acordo proibido nos termos do artigo 85.° do Tratado. Assim, é possível que, numa situação como a presente, a licitude em direito comunitário de uma proibição de importação baseada na lei nacional em matéria de marcas dependa também de uma tomada de posição sobre a licitude do contrato de cessão de marca à luz do artigo 85.° do Tratado.
116. Nestas circunstâncias, deve perguntar-se em que medida o artigo 85.° é pertinente para apreciar a licitude de um contrato de cessão.
Pode tratar-se de um caso em que as partes tenham tomado posição no contrato sobre as suas possibilidades de obter uma protecção territorial recíproca.
117. Se um contrato dever ser interpretado no sentido de que cada parte pode livremente exportar para o território da outra, as partes renunciaram através deste contrato a impedir, por meio de acções de contrafacção, as exportações efectuadas pela outra parte. Será discutido na parte N , alínea a), o facto de a IHT alegar que o contrato de cessão celebrado com a Ideal-Standard GmbH tinha de facto este conteúdo.
118. Se um contrato contém uma proibição expressa ou tácita da comercialização dos produtos das partes no território de uma e de outra reciprocamente, a possibilidade de proibir com base na cláusula do contrato, através de uma acção baseada em incumprimento contratual, a importação no território protegido dependerá da licitude desta cláusula à luz do artigo 85.° do Tratado. Se a estipulação contratual for lícita face ao artigo 85.°, a proibição de importação pode logo ser declarada como resultante do incumprimento contratual 55. Se, em contrapartida, a cláusula do contrato for contrária ao artigo 85.°, a sua aplicação não poderá ser obtida nem através de uma acção declarativa de incumprimento contratual nem de uma acção de contrafacção.
119. Contudo, é necessário no presente contexto tomar posição também sobre se o artigo 85.° tem importância para um contrato de cessão de marca «puro e simples», isto é,
55 — Uma interpretação dos artigos 30.° e 36.° no sentido de que é contrário a estes artigos utilizar acções de contrafacçãode marca para fraccionar o mercado interno como consequência de cessões separadas de marcas paralelas não impede que se admita que nos termos do direito seja possível utilizar as sanções inerentes às contrafacções para reprimir o incumprimento dos contratos.
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um contrato que tem como único objectivo permitir ao adquirente adquirir os direitos reconhecidos pela legislação nacional em matéria de marcas ao titular de uma marca, e que não contém disposições contratuais suplementares que determinem a possibilidade de as panes utilizarem a marca fora dos seus territórios respectivos.
120. E possível que um simples contrato de cessão separada de marcas paralelas seja completado no direito nacional por uma norma declaratória no sentido de que as partes não podem comercializar produtos com essa marca no território da outra parte. Nesse caso, uma parte poderá basear o seu direito no contrato com vista a impedir que a outra parte exporte para o seu território. Em tal situação, a possibilidade de a parte utilizar os seus direitos de marca com vista fazer cumprir o contrato que celebrou, dependerá da licitude do contrato face ao artigo 85.°, da mesma forma que quando o contrato contém uma proibição de exportação expressa ou tácita.
121. Também é possível que o direito nacional considere a simples cessão de uma marca como «neutra», de forma que uma parte não tenha a possibilidade de propor uma acção baseada no incumprimento do contrato, limitando-se a utilizar os seus direitos de marca para impedir, no âmbito de uma acção de contrafacção, as exportações da outra parte para o seu território. Neste caso, coloca-se a questão de saber se o artigo 85.° é pertinente ou se a licitude face ao direito comunitário de tal entrave ao comércio pode ser apreciada unicamente com base nos artigos 30.° e 36.°
122. Pode pretender-se que a possibilidade de utilizar os direitos de marca tem como fundamento o contrato de cessão e que, em consequência, a compartimentação dos mercados decorre assim, de facto, do contrato celebrado cuja licitude deve ser apreciada à luz do artigo 85.°
123. Pode também pretender-se que a compartimentação do mercado não decorre do contrato de cessão celebrado, mas unicamente do exercício dos direitos de marca nacionais. Se o contrato não puder servir de base a uma acção declarativa de incumprimento, não é este contrato como tal que provoca a compartimentação do mercado. O efeito de compartimentação dos mercados do contrato produz-se somente quando os titulares de direitos paralelos optam por fazer uso dos seus direitos nos termos da lei nacional para impedir as importações através de acções de contrafacção.
124. A questão de saber qual destas soluções é acertada não foi debatida no caso presente e por isso não se afigura adequado nem aliás estritamente necessário tomar posição quanto a este aspecto. Todavia, não deixa de ter interesse constatar aqui que a cessão pura e simples de uma marca, se for encarada em direito comunitário na óptica referida em último lugar, não poderá ser contrária ao artigo 85.° e que a questão de saber em que medida é compatível com o mercado comum a proibição das importações com base em acções de contrafacção só deverá então ser resolvida com base nos artigos 30.° e 36.° do Tratado.
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125. É nesta base que deve ser apreciado o argumento da Ideal-Standard GmbH e dos Governos alemão e britânico, segundo o qual o artigo 85.° oferece uma protecção suficiente contra as compartimentações do mercado interno incompatíveis com os objectivos do Tratado.
126. Esta opinião pressupõe que o artigo 85.° possa ser utilizado para determinar a licitude de todos os contratos de cessão separada de marcas. Como foi dito, essa hipótese de partida não é necessariamente acertada.
127. Determinante é, todavia, que esta opinião possa ser rejeitada, mesmo que se deva considerar que o artigo 85.° pode ser utilizado para testar também os contratos de cessão de marca puros e simples que são neutros segundo o direito nacional.
128. Com efeito, ver-se-á que se pode inverter o ponto de vista que está na base desta opinião. É igualmente legítimo pretender que se pode atingir uma situação jurídica mais adequada declarando que os artigos 30.° e 36.° se opõem a que as partes num contrato de cessão possam utilizar os seus direitos de marca com vista a impedir reciprocamente as exportações nos seus territórios. Se as partes se vêem desta forma impedidas de fazer um uso independente do direito que lhes confere a legislação nacional para obter uma proibição de importação no âmbito de acções de
contrafacção, só será possível obter uma protecção territorial recíproca através da execução do seu contrato, na medida em que este contrato possa ser interpretado ou completado, além disso, de forma a proibir a venda directa, por uma parte, no território da outra e na medida em que as cláusulas do contrato assim estabelecidas não sejam consideradas, após análise, contrárias ao artigo 85.°, n.° 1, ou beneficiem de uma isenção concreta nos termos do artigo 85.°, n.° 3. A vantagem deste ponto de partida é que obriga as partes a determinarem claramente, nas suas relações recíprocas, quais são os seus direitos sobre este ponto. Isto é bastante útil tanto no que se refere às relações recíprocas das partes como ao bom funcionamento do mercado interno.
129. Nestas circunstâncias, a existência do artigo 85.° não pode constituir argumento contra uma interpretação dos artigos 30.° e 36.° no sentido de que este artigos constituem obstáculo a que uma proibição de importação resulte de acções de contrafacção em casos como o que está aqui em apreciação.
130. Isto basta para que não tenha que se analisar como deve ser interpretado o artigo 85.° com vista a apreciar a licitude das cessões de marca. Além disso, é uma questão difícil. Como se disse na parte D, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão em dois acórdãos em que respondeu a questões prejudiciais ambas referentes a cessões separadas de marca, anteriores à entrada em vigor do Tratado.
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131. O primeiro desses acórdãos foi proferido em 18 de Fevereiro de 1971 no processo Sirena. Uma sociedade americana tinha vendido a sua marca para a Itália a uma sociedade italiana e a sua marca paralela para a Alemanha a uma sociedade alemã. No caso concreto, o Tribunal de Justiça devia declarar se a sociedade italiana podia impedir a importação em Itália de produtos fabricados pela sociedade alemã ostentando a marca.
O Tribunal de Justiça declarou que «se a justaposição de transferências de direitos à marca nacionais, protegendo o mesmo produto, a diferentes exploradores tiver por efeito a constituição de fronteiras impenetráveis entre os Estados-membros, essa prática pode afectar o comércio entre os Estados e alterar a concorrência no mercado comum»(n.° 10). O Tribunal prosseguiu salientando que os acordos relativos à utilização dos direitos nacionais de uma mesma marca podem ter lugar em condições que não conduzam à compartimentação do mercado e conclui que «o artigo 85.° é... aplicável, já que, invocando-se o direito à marca, se impedem as importações provenientes de diferentes Estados-membros de produtos que têm a mesma marca, pelo facto dos seus titulares terem adquirido essa marca, ou o direito à sua utilização, por força quer de acordos entre eles quer de acordos celebrados com terceiros» (n.° 11).
132. O acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1976 no processo EMI/CBS United Kingdom dizia respeito a uma situação em que uma sociedade americana tinha vendido a sua marca para todos os Estados--membros da Comunidade à sua filial britânica, mas a tinha conservado para os Estados
Unidos. Na sequência de cessões posteriores nos Estados Unidos e na Inglaterra, a sociedade britânica EMI tinha-se tornado titular da marca para toda a Comunidade e a sociedade americana CBS titular da marca nos Estados Unidos. O Tribunal de Justiça foi chamado a decidir a questão de saber se seria contrário ao Tratado que a EMI impedisse a CBS, com base na lei nacional relativa às marcas, de exportar produtos com essa marca para o território da Comunidade.
O Tribunal de Justiça declarou liminarmente que o artigo 30.° do Tratado não era aplicável pois tratava-se de importações provenientes de um país terceiro. Seguidamente salientou que quando se trata de acordos que já não estão em vigor, para que o artigo 85.° se possa aplicar basta que os acordos prossigam os seus efeitos para além da cessação formal da sua vigência. O Tribunal concluiu seguidamente que «só se considera» «que o acordo continua a produzir efeitos, se do comportamento dos interessados se poder deduzir a existência de elementos de concertação e de coordenação típicos do acordo e se conduzir ao resultado projectado pelo acordo; tal não se verifica quando os referidos efeitos não transcendem os efeitos decorrentes do mero exercício dos direitos nacionais de marca» (n.°s 31 e 32).
133. N o que se refere a estes acórdãos limitar-me-ei a observar que, em minha opinião, não é possível deduzir do acórdão Sirena que um contrato de cessão da marca constitua em si uma restrição à concorrên-
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cia 56. Em contrapartida, não se pode deduzir do acórdão EMI/CBS United Kingdom que um simples acordo de cessão de marca nunca será contrário ao artigo 85.° Não se pode excluir que o Tribunal de Justiça decidiu este processo considerando concretamente que a protecção territorial adquirida por contrato era compatível com o mercado comum, nomeadamente porque não se tratava de um fraccionamento, mas simplesmente de um isolamento deste mercado.
L — A possibilidade de um titular da marca impedir as importações paralelas
134. A maior parte dos processos que no domínio dos direitos imateriais foram submetidos ao Tribunal de Justiça tem a sua origem numa tentativa do titular do direito exclusivo de impedir as importações paralelas, isto é, as importações de produtos efectuadas por empresas que compraram estes últimos num outro Estado-membro onde eram comercializados por quem tinha o respectivo direito.
135. Se o Tribunal e Justiça considerar que o artigo 30.° impede o cedente de uma marca
de obter, no âmbito de uma acção de contrafacção, a proibição das exportações de produtos que ostentam a marca, efectuadas pelo adquirente da marca para o mercado do cedente, por maioria de razão será proibido ao titular da marca opor-se às importações paralelas.
136. Se o Tribunal de Justiça considerar que os artigos 30.° e 36.° não constituem obstáculo em que o cedente de uma marca se oponha, no âmbito de uma acção de contrafacção, às exportações realizadas para o seu mercado pelo adquirente da marca, então será de perguntar se o mesmo sucede relativamente às importações paralelas. Se se tiver em conta o facto de este resultado eventual ser incontestavelmente baseado em considerações de protecção do objecto específico da marca, à luz da função essencial desta, e de estas considerações se aplicarem evidentemente também no que se refere às importações paralelas, os artigos 30.° e 36.° não constituirão obstáculo à proibição de importação no caso de importações paralelas. Em consequência, tal resultado conduzirá a uma compartimentação total dos mercados nacionais.
M — Síntese
137. Uma resposta à questão prejudicial pressupõe uma enunciação precisa das considerações a que o Tribunal de Justiça deve, em minha opinião, atribuir importância. Revelar--se-á que uma tomada de posição sobre a questão depende antes de mais da importância atribuída ao objecto específico da marca à luz da sua função essencial e do significado
56 — V. sobretudo quanto a este aspecto o n.° 9 do acórdão em
que o Tribunal de Justiça salienta que «quando o exercício o direito à marca tem lugar por força de transferências
efectuadas a exploradores num ou em vários Estados--membros, convém, pois, determinar, caso a caso, se este exercício conduz a uma situação que se inscreve numa das proibições do artigo 85.°» (o sublinhado é meu).
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atribuído ao facto de as leis nacionais permitirem ao titular da marca ceder os seus direitos.
138. As minhas reflexões conduziram-me a propor ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial no sentido de que os artigos 30.° e 36.° constituem obstáculo a uma proibição de importação em situações como a que está aqui em apreciação. Esta proposta é antes de mais baseada nas seguintes considerações:
— o cedente da marca não está numa situação em que seja obrigado a aceitar que a função de diferenciação da marca não possa ser totalmente preservada;
— possibilidade de o titular da marca proceder a cessões separadas será limitada de facto mas não constitui uma parte essencial dos direitos ligados à marca, nomeadamente porque é legítimo prever que um titular de uma marca terá em conta, sejam quais forem as circunstâncias, o facto de uma cessão separada significar que a função de diferenciação da marca ficará enfraquecida relativamente ao consumidor que se desloca para além das fronteiras nacionais num mercado único;
— a cessão global para todos os Estados-membros em que a marca é protegida é
mais conforme com o princípio fundamental do Tratado relativo a um mercado único (v. a este propósito o regulamento do Conselho sobre a marca comunitária);
— as acções de contrafacção não correspondem a preocupações autónomas de protecção dos consumidores susceptíveis de justificar o direito do titular da marca de proteger a sua função de diferenciação através de uma proibição de importação, também no que se refere a cessões separadas;
— se for de admitir que as cessões separadas podem, através das acções de contrafacção, conduzir a uma protecção territorial que pode em princípio aplicar-se sem limitação de tempo, estas cessões constituirão um entrave importante à livre circulação de mercadorias e, por esse facto, uma compartimentação do mercado interno, o que é contrário aos objectivos do Tratado.
N — As circunstâncias particulares do presente processo que podem ter importância para a apreciação da causa à luz do direito comunitário
139. O órgão jurisdicional de reenvio limitou-se a pedir ao Tribunal de Justiça a interpretação dos artigos 30.° e 36.° do Tratado com vista a decidir a questão abstracta acima debatida, isto é, saber se uma proibição de importação estabelecida com base
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numa legislação nacional das marcas em ligação com a cessão separada de uma marca é incompatível com os referidos artigos. As circunstâncias de facto da causa, assim como uma série de fundamentos e argumentos apresentados no Tribunal de Justiça, dão contudo ocasião para perguntar se existem no caso presente circunstâncias particulares susceptíveis de excluir que a proibição de comercialização pela IHT de instalações de aquecimento na Alemanha possa ser justificada com base no artigo 36.° do Tratado. Para o caso de o Tribunal de Justiça não estar acordo com a proposta de conclusão que acima enunciei, abordarei o assunto seguidamente.
a) As circunstâncias concretas ligadas às relações recíprocas entre as partes
140. A IHT alega que, pelo efeito cumulativo de vários elementos, uma proibição de importação constituirá no caso em apreço um abuso de direito e, portanto, será incompatível com o direito comunitário. A IHT remete a este propósito para o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1982, Keurkoop/Nancy Kean Gifts, nos termos do qual«o artigo 36.° entende... sublinhar que a conciliação entre as exigências da livre circulação de mercadorias e o respeito devido aos direitos de propriedade industrial e comercial deve ser realizada de modo tal que seja assegurada uma protecção ao exercício legítimo, que implica as proibições de importação 'justificadas' na acepção deste artigo, dos direitos conferidos pelas legislações nacionais, mas que a mesma seja recusada, por seu turno, a todo o exercício abusivo dos mesmos direitos, que seja de molde
a manter ou estabelecer compartimentações artificiais no interior do mercado comum» 57.
141. A IHT alegou que o grupo American Standard decidiu em 1976 retirar-se definitivamente e ao nível mundial do sector das instalações de aquecimento, que a Ideal--Standard GmbH deve aceitar as consequências da dissociação voluntária da marca «Ideal-Standard» decidida pela sociedade-mãe e a que a sociedade irmã procedeu em França, que se verificou de facto, quando da cessão da marca, uma dissociação da marca entre os artigos sanitários e as instalações de aquecimento para todo o território comunitário e que o contrato que foi celebrado deve em consequência ser interpretado no sentido de que permite à IHT exportar instalações de aquecimento sob a marca «Ideal Standard» para os outros Estados--membros da Comunidade. A este propósito, a IHT salientou
— que o contrato de cessão abrangia tudo o que se relacionava com a actividade de aquecimento, incluindo a clientela e, portanto, também os clientes fora de França, uma vez que já na altura da celebração do contrato de cessão eram exportadas para os outros Estados-membros instalações de aquecimento com a marca «Ideal Standard» e que não tinha sido prevista no contrato qualquer forma de restrição das exportações,
57 — 144/81, Recueil, p. 2853, n.° 24. A IHT remete para além disso para as conclusões do advogado-geral G. Tesauro de 9 de Junho de 1993, Deutsche Renault (C-317/91), que comenta no ponto 7 o considerando do acórdão que acaba de ser citado.
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— que desde 1976, isto é, desde há mais de quinze anos, a SGF e depois a CICh têm produzido instalações de aquecimento em França sob a marca «Ideal Standard» e as têm exportado para outros Estados--membros, nomeadamente, Itália, Espanha, Benelux, Grécia e, desde 1988, Alemanha,
e
— que essas exportações foram aceites pelo grupo American Standard que só protestou contra as mesmas em 1991 na Alemanha e que desde então só propôs acções de contrafacção em Itália, mas não nos outros países para onde as instalações são exportadas.
142. Quanto a este ponto a Ideal-Standard GmbH alega:
— que o contrato apenas operou a transmissão dos direitos de marca em França, Tunísia e Argélia e não constitui a base de qualquer autorização para utilizar a marca registada noutros Estados--membros por via de exportações, pois isso pressuporia que a sociedade-irmã
titular das marcas paralelas participasse no contrato e que essas marcas nele fossem mencionadas e, nesse caso, a remuneração da cessão teria sido consideravelmente mais elevada,
— que o grupo American Standard apenas se retirou provisoriamente do sector das instalações de aquecimento e reservou-se o direito de retomar esta actividade no que se refere aos sistemas de climatização (ar condicionado e aquecimento) 58,
— que em momento algum o grupo aceitou a exportação de instalações de aquecimento a partir de França para os outros Estados-membros e que interveio nos países em que teve conhecimento de tal exportação, a saber, na Alemanha e na Itália,
e
— que é possível que o grupo tenha tolerado durante um certo número de anos a exportação para Itália, devendo a explicação disso ser procurada na decisão do Tribunal de Justiça no acórdão H A G I,
58 — A Ideal-Standard GmbH acrescentou que a marca «Ideal Standard· para as instalações de aquecimento continua a ser uma marca preciosa para o grupo que a pretenda utilizar comercialmente, por exemplo, atribuindo licenças ou vendendo-a (como aconteceu em França).
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uma vez que as acções de contrafacção na Alemanha e na Italia foram propostas precisamente após a decisão do Tribunal de Justiça no acórdão H A G II.
143. Todos estes elementos constituem, em minha opinião, circunstâncias relevantes relativamente a uma interpretação do contrato de cessão celebrado entre a Ideal-Standard SA e a SGF. É possível que este contrato deva ser interpretado no sentido de que comporta realmente uma dissociação da marca para todo o território comunitário, uma vez que permite à SGF exportar instalações de aquecimento para os outros Estados--membros. É possível que seja de atribuir importância para a interpretação do contrato à conduta do grupo American Standard no período que se seguiu e talvez seja importante, para compreender o contrato, que este último tenha sido celebrado quando o Tribunal de Justiça tinha proferido o acórdão H A G I, uma vez que este acórdão era susceptível de conferir às empresas a sensação de que, de qualquer maneira, não poderiam invocar um direito de marca com vista a proibir a comercialização de produtos com uma marca idêntica quando essas marcas tinham a mesma origem.
144. Todavia, a questão de saber como interpretar o contrato de cessão que foi celebrado depende da apreciação das autoridades e dos órgãos jurisdicionais nacionais.
145. A IHT e a Comissão alegam contudo mais especificamente que uma norma da
legislação alemã em matéria de marcas que permita proibir à IHT a comercialização de instalações de aquecimento em circunstâncias como as do caso em apreço não é compatível com o direito comunitário. Referem-se ao facto de o grupo American Standard se opor à comercialização na Alemanha de instalações de aquecimento com a marca «Ideal--Standard», quando é certo que o grupo não produz ele próprio instalações de aquecimento, quando é certo queo grupo procedeu em França a uma cessão parcial da marca e aceitou por este facto que o adquirente possa utilizar nesse mercado a marca para instalações de aquecimento ao mesmo tempo que o grupo utiliza a marca para artigos sanitários, e quando é certo que o grupo permaneceu passivo relativamente à venda, noutros Estados-membros, de instalações de aquecimento ostentando a marca.
Sobre este ponto faço as seguintes observações.
146. N o que se refere à eventual e aliás contestada passividade do grupo American Standard relativamente à utilização dos direitos de marca em certos Estados-membros, tal passividade não pode influenciar a apreciação, à luz do direito comunitário, de uma norma que permite fazer uso de direitos de marca noutros Estados-membros.
147. Da mesma forma, o facto de em França a Ideal-Standard SA só ter cedido a sua marca para uma parte dos produtos para os
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quais a marca foi registada não é susceptível de tornar a legislação alemã incompatível com o direito comunitário. O direito comunitário não pode ter como consequência obrigar o titular de uma marca a dispor da sua marca da mesma forma em todos os Estados-membros. Também não poderá resultar do direito comunitário que o facto de o titular de marca optar por dispor da mesma de forma diferenciada seja considerado em si como uma circunstância tão grave que implique a extensão, a toda a Comunidade, do efeito jurídico das disposições tomadas pelo titular de uma marca num Estado-membro. Noutros termos, os órgãos jurisdicionais alemães não podem ser obrigados pelo direito comunitário a considerar o facto de em França o grupo Amercian Standard ter expressamente aceite, sob a forma de uma cessão parcial, uma utilização simultânea da marca para os aparelhos de aquecimento, como significando que o grupo não se deveria poder opor na Alemanha a tal utilização simultânea.
148. Isto é tanto mais válido quanto é certo que as possibilidades de dispor destes direitos em conformidade com as diversas legislações nacionais apresentam diferenças. Em alguns Estados-membros a legislação relativa às marcas comporta regras que proíbem a um titular de marca cedê-la apenas para uma parte dos produtos para os quais a marca foi registada. O Governo alemão referiu que essa era precisamente a situação jurídica na Alemanha 59.
149. Se o Tribunal de Justiça não considerar que a cessão de uma marca num Estado--membro significa que o titular da marca perde o seu direito exclusivo nos Estados--membros onde conserva a marca, o facto de uma empresa fazer uso de uma faculdade de, em conformidade com a lei nacional, proceder apenas à cessão parcial da marca, também não poderá conduzir a tal resultado.
150. Finalmente, a questão de saber em que medida pode ser incompatível com os artigos 30.° e 36.° do Tratado proibir a comercialização de produtos invocando uma marca que não é utilizada, não é pertinente no caso em apreço uma vez que, como resultará da parte seguinte, verifica-se em qualquer hipótese uma situação em que a Ideal-Standard GmbH não invoca a sua marca para as instalações de aquecimento mas sim a relativa aos artigos sanitários, que é bem utilizada, alegando que as instalações de aquecimento e os artigos sanitários são produtos similares.
b) O risco de confusão
151. O titular de uma marca só pode invocar o seu direito exclusivo com vista a se opor à importação de produtos com marcas idênticas ou que se prestem a confusão, quando se tratar de produtos que sejam os mesmos que aqueles para os quais a marca em questão está protegida ou que deles são similares. Com efeito, só nesta situação é que existe um
59 — O Governo alemão referiu que não eram autorizadas cessões parciais de marcas regisadas, mas que estava em preparação uma reforma de lei abrindo esu possibilidade.
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risco de confusão. Nas observações apresentadas no Tribunal de Justiça foi discutida a questão de saber em que medida os artigos sanitários e as instalações de aquecimento são produtos similares, que possam originar um risco de confusão.
152. Não são muito claras as razões pelas quais este problema se coloca. Evidentemente, é exacto que a Ideal-Standard apenas comercializa artigos sanitários, mas segundo as indicações dadas no caso em apreço, esta sociedade continua a ser titular da marca «Ideal-Standard» igualmente para as instalações de aquecimento 60 e deve portanto à primeira vista poder opor-se à comercialização, pela IHT, de instalações de aquecimento alegando que se trata de produtos da mesma natureza do que aqueles para os quais a marca está registada. A origem do problema deve-se talvez ao facto de a marca alemã para as instalações de aquecimento correr o risco de ser cancelada pelo não uso, o que tem como consequência que não pode ser invocada numa acção de contrafacção 61. Na sua decisão do presente caso, o Landgericht Düsseldorf considerou em qualquer caso necessário apreciar a questão de saber em que
medida os artigos sanitários e as instalações de aquecimento são produtos similares e respondeu pela afirmativa 62.
153. A Ideal-Standard GmbH alega que os produtos da sociedade são muitas vezes confundidos com os produtos comercializados pela IHT na Alemanha sob a marca «Ideal--Standard». A IHT afirma que em virtude da evolução técnica e econômica que se verificou já não existem entre o sector do aquecimento e o do sanitário relações susceptíveis de originar um risco de confusão 63. A Comissão alega que os conceitos de produtos similares e de risco de confusão devem ser interpretados restritivamente para garantir
60 — N o seu despacho de reenvio, o Oberlandesgericht Düsseldorf explicou que a marca alemã foi registada para as instalações de aquecimento, as instalações geradoras de vapor, as instalações de ar condicionado, de secagem, de ventilação, de canalização e as instalações sanitárias, incluindo partes destes produtos, em particular os lavatórios, retretes, bidés, banheiras, duches (não médicos), os acessórios de canalização destas instalações, bem como os radiadores em aço e em ferro fundido e as caldeiras.
61 — A IHT referiu que em Abril de 1993 foi proposta uma acção contra a American-Standard com visu à anulação da marca alemã para as instalações de aquecimento por não uso.
62 — Para proceder a esta apreciação, o tribunal atribuiu importância ao facto de estes dois sectores constituírem desde há muito tempo objecto de feiras comerciais comuns, de serem ambos representados pela mesma organização profissional nacional e de existir uma série de casos reais de confusão entre os produtos da Ideal-Standard GmbH e os da IHT. Finalmente, o tribunal atribuiu uma importância decisiva ao facto de o grupo American-Standard ter exercido actividades no sector cías instalações de aquecimento até 1976 e de a marca Ideal-Standard continuar a ser conhecida neste sector, pelo que uma comercialização de instalações de aquecimento sob esta marca continuará quase inevitavelmente a fazer pensar que o grupo American Standard retomou as suas actividades neste sector. O tribunal acrescenta que, além disso, a I H T lançou os seus produtos sob oslogan «Come back d'une marque mondiale... IDEAL--STANDARD».
63 — Nas suas observações no Tribunal e Justiça, a I H T contesta o que Landgericht Düsseldorf na sua decisão declarou relativamente ao facto de haverem vários casos reais de confusão, e de as actividades do grupo American Standard em matéria de instalações de aquecimento, que cessaram desde há mais quinze anos, continuarem a ser conhecidas. A I H T refere seguidamente que após a segunda guerra mundial se operou uma separação quase total ao nível da produção entre o sector do aquecimento e o sector do sanitário e que essa separação se repercutiu em larga medida sobre o comércio retalhista e as empresas de instalação. A IHT sublinha que um terço das empresas no sector do gás, da água, do aquecimento central, da ventilação, da climatização e da canalização nada têm a ver com a venda ou a instalação dos artigos sanitários. Além disso, a IHT declara que foram criados em ambos os sectores uma série de grupos de interesses especializados e que os interesses industriais e comerciais são defendidos em cada ramo por duas organizações independentes.
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que a livre circulação de mercadorias não seja entravada para além daquilo que a protecção da marca exige. Tanto a Comissão como a IHT consideram que se deve atribuir uma importância essencial quanto a este aspecto ao facto de uma sociedade francesa do mesmo grupo não ter considerado que existissem problemas em ceder a marca para instalações de aquecimento em França, conservando-a para os artigos sanitários.
154. A questão de saber em que medida os artigos sanitários e as instalações de aquecimento são produtos similares é da competência do direito nacional. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que na falta de uma unificação ou de uma aproximação das legislações no âmbito da Comunidade, a fixação das condições e das modalidades de protecção de um direito imaterial compete à regulamentação nacional 64. Foi o que o Tribunal de Justiça esclareceu no seu acórdão Deutsche Renault ao declarar que «a determinação dos critérios que permitem concluir por um risco de confusão faz parte das formas de protecção do direito de marca que... são da competência do direito nacional» e que «o direito comunitário não impõe um critério de interpretação restrita do risco de confusão» (n.°s 31 e 32).
155. O direito nacional está contudo sujeito, também quanto a este ponto, aos limites
enunciados no artigo 36.°, segundo período, do Tratado, nos termos do qual os entraves ao comércio não devem constituir nem um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-membros 65.
156. Em minha opinião, o Tribunal de Justiça não tem que apreciar no presente processo se o direito alemão em matéria de marcas corresponde às condições do artigo 36.°, segundo período, na medida em que permite considerar que os artigos sanitários e as instalações de aquecimento são produtos similares. A primeira razão é que o Tribunal de Justiça, como também o sublinha o Governo alemão, não foi chamado a decidir uma questão sobre este ponto e a segunda razão é que me parece claro que os limites que poderiam, quanto a este aspecto, ser deduzidos do artigo 36.°, segundo período, não foram aqui ultrapassados 66.
64 — V- como mais recente o acórdão de 30 de Novembro de 1993, Deutsche Renault AG/Audi AG (C-317/91 Colect., p. I-6227, n.° 20).
65 — V. a este propósito o n.° 19 do acórdão Deustche Renault, em que o Tribunal de Justiça declarou: «... a função do segundo período do artigo 36.° é impedir que as restrições ao comércio baseadas nos motivos indicados no primeiro período não sejam desviadas da sua finalidade e utilizadas de forma a_ estabelecer discriminações relativamente a mercadorias originárias dos outros Estados-membros ou a proteger indirectamente certas produções nacionais».
66 — V. a este propósito o n.° 33 do acórdão Deutsche Renault, em que Tribunal de Justiça declarou: «Importa lembrar todavia que o direito nacional está sujeito aos limites enunciados no segundo período do artigo 36.° do Tratado. Ora, nenhum elemento dos autos revela que esses limites tenham sido infringidos. Em particular, nada indica que os órgãos jurisdicionais alemães tenham procedido a uma interpretação extensiva do conceito de confusão quando se trau da protecção da marca de um produtor alemão, mas que procedem a uma interpretação restritiva deste mesmo conceito quando se trau dá protecção da marca de um produtor estabelecido noutro Estado-membro».
I - 2834
IHT INTERNATIONALE HEIZTECHNIK E DANZINGER
Conclusão
Com base no que antecede, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial nos seguintes termos:
«Os artigos 30.° e 36.° do Tratado CEE obstam a que uma legislação nacional permita que uma empresa, titular de um direito de marca num Estado-membro, se oponha à importação, a partir de um outro Estado-membro, de produtos similares que neste último Estado ostentam legalmente uma marca idêntica ou que se presta a confusão com a marca protegida, quando a marca sob a qual os produtos controvertidos são importados pertencia inicialmente a uma sociedade-irmã da empresa que se opõe às importações e foi adquirida pelo seu novo titular no âmbito de um contrato celebrado com a sociedade-irmã.»
I - 2835