CONCRETO REFORÇADO COM FIBRAS
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ANTONIO DOMINGUES DE FIGUEIREDO
CONCRETO REFORADO COM FIBRAS
So Paulo 2011
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ANTONIO DOMINGUES DE FIGUEIREDO
CONCRETO REFORADO COM FIBRAS
Texto apresentada Escola Politcnica
da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Livre Docente
Cpia com correes
So Paulo 2011
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FICHA CATALOGRFICA
Figueiredo, Antonio Domingues de
Concreto reforado com fibras / A.D. de Figueiredo. -- So Paulo, 2011.
248 p.
Tese (Livre-Docncia) - Escola Politcnica da Universidade de So Paulo. Departamento de Engenharia de Construo Civil.
1. Concreto reforado com fibras 2. Controle de qualidade 3. Tneis 4. Tubos I. Universidade de So Paulo. Escola Politc-nica. Departamento de Engenharia de Construo Civil II. t.
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Aos meus amores: Ivone,
Thas, Gabriel, Juliana e Maria
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AGRADECIMENTOS
O trabalho de um professor de uma universidade pblica fruto de um grande investimento do poder pblico. Por isso, muito devo agradecer Escola Politcnica da Universidade de So Paulo que me supriu de todo apoio durante estes mais de vinte anos de carreira.
Agradeo especialmente aos colegas professores do grupo de materiais e componentes, Joo Gaspar Djanikian, Vahan Agopyan, Paulo Helene, Slvia Selmo, Vanderley John, Rafael Pileggi e Srgio ngulo, que muito me auxiliaram e auxiliam neste caminho.
Agradeo de maneira muito especial ao trabalho dos co-autores dos trabalhos que possibilitaram a produo deste documento: Albert de la Fuente, Alrio Gimenez, Aluzio Caldas, Andria Nince, Antonio Aguado, Aquiles Cravo, Bernat Violas, Bruno Franco, Carla Costa, Carlos Tango, Cleber Dias, Climent Molins, Cristiana Guimares, Francisco Dantas, Frederico Mourad, Guilherme Paiva, Hernando Faria, Hugo Armelin, Ivie Pietra, Jorge Carvalho, Jussara Tanesi, Lcia Higa, Luiz Prudncio, Maira Tiguman, Marcelo Quinta, Marcos Ceccato, Maristela Silva, Nelson Nunes, Paola Torneri, Paulo Helene, Pedro Chama, Reginaldo da Silva, Renata Escariz, Renata Monte, Ricardo Telles, Rodrigo Kalil, Tlio Bittencourt, Vahan Agopyan, Valdir Pignatta e Vanderley John.
Agradeo s entidades de fomento que proporcionaram os subsdios necessrios para a conduo de vrias das minhas pesquisas, atravs de verbas de auxilio a projetos de pesquisa ou bolsas conferidas diretamente a mim ou a meus orientados: FAPESP, CAPES e CNPq.
Alm dessas entidades, tive a ventura de ser auxiliado por empresas que acreditaram na possibilidade de desenvolvimento tecnolgico em parceria com a universidade, em especial Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO), Vulkan do Brasil, Belgo Bekaert Arames Finos, Maccaferri do Brasil.
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RESUMO
O concreto reforado com fibras (CRF) um compsito que pode ser utilizado como uma alternativa ao uso do concreto armado para estruturas contnuas e pr-moldados. Estas aplicaes do CRF esto associadas a obras de infra-estrutura com grande demanda social, como as de saneamento bsico e de transportes, envolvendo pavimentos e tneis. No entanto, o CRF tem as especificidades de um compsito que devem ser observadas para a aplicao de engenharia do material de maneira segura. Este trabalho tem por objetivo apresentar uma reviso sistematizada, circunstanciada e crtica da produo de pesquisa do autor que cobriu os principais aspectos tecnolgicos do compsito, de modo a garantir o uso otimizado do material nas suas principais aplicaes. Para tal, apresentada uma reviso dos conceitos fundamentais, abordando os materiais bsicos e a interao entre fibra e matriz, especialmente no que se refere comportamento ps-fissurao. So analisados fatores determinantes para o desempenho do compsito, como a influncia do teor de fibra, de suas caractersticas fsicas e mecnicas e da resistncia da matriz. As contribuies para os principais mtodos de ensaio destinados ao controle do material so discutidas em conjunto com os principais aspectos relacionados garantia da confiabilidade, bem como suas limitaes e possibilidades de aplicao. A fundamentao dos mtodos de dosagem desenvolvidos para os CRF, objetivando atender as exigncias especficas de desempenho, tambm apresentada. Neste sentido, apresenta-se com detalhes o mtodo proposto para os concretos plsticos destinados a pavimentos e a aduelas pr-moldadas para o revestimento de tneis pelo sistema TBM. Tambm so abordadas as especificidades da dosagem do concreto projetado reforado com fibras de ao que exige utilizao do sistema de projeo para tal. Estes conceitos gerais so a fundamentao para a aplicao do material em outras condies de uso de maior demanda tecnolgica. Este o caso do revestimento de tneis NATM, onde se deve dar especial ateno s exigncias especficas de desempenho, como o caso da evoluo da tenacidade nas primeiras horas. Finalmente, aborda-se a utilizao de fibras em tubos de concreto para obras de saneamento, cuja discusso foi mais detalhada pelo fato de ser um componente e pelo enfoque diferenciado desenvolvido pelo autor nesta rea de pesquisa. As contribuies visaram a uma melhor compreenso do comportamento mecnico e dos meios para obter melhores condies de controle do material, alm da otimizao do consumo de fibras garantindo o desempenho final adequado do componente. A partir do panorama de pesquisa levantado foi possvel apontar parmetros tecnolgicos fundamentais a serem transferidos sociedade e, em especial, indstria da construo, que ainda no foi capaz de por em prtica muitos dos conceitos necessrios correta aplicao do CRF.
Palavras-chave: Concreto com fibras. Controle da qualidade. Comportamento
mecnico. Dosagem. Pavimentos. Tneis. Tubos de concreto.
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ABSTRACT
The fiber reinforced concrete (FRC) is a composite that can be used as an alternative to the ordinary reinforcement for continuous concrete structures and pre-cast components. These applications of FRC are associated to infrastructure projects with high social demand such as sanitation and transport systems, involving pavements and tunnels. However, the FRC has the composite characteristics that must be taken in account for safe engineering application. This work aims to present a systematic review, and detailed assessment of the research production of the author. This research production had covered the main composite technology aspects in order to ensure the optimized use of the material in its main applications. So, a review of fundamental concepts is presented addressing the row-materials and the interaction between fiber and matrix, especially regarding to post-cracking behavior. A review of the factors influencing the performance of the composite as the influence of fiber content, the physical and mechanical characteristics of the fibers, and the matrix strength is presented. Contributions to the quality control test methods are presented in conjunction with the main aspects related to their reliability, as well as its limitations and possibilities of application. The rationale for the mix-design methods developed specifically for FRC in order to fit specific performance requirements is also presented. Special focus is given to concrete with plastic consistency destined to pavements and for precast tunnel lining segments for TBM systems. The mix-design method developed for steel fiber reinforced shotcrete, where the use of the entire projection system is necessary, is also analyzed. These general concepts are the fundamentals for others applications with higher technological demands. This is the case of the NATM tunneling method, where special attention should be give to the specific performance requirements, such as the toughness evolution since shotcrete early age. Finally, the use of FRC pipes for sewage systems is presented with a different treatment due to the fact that is a component, and due to the innovations provided by the author in the research approach. The contributions were aimed at better understanding the mechanical behavior and the means to obtain better control and optimize the fiber consumption ensuring the final appropriate performance of the component. From the research results overview, it was possible to identify key technological parameters to be transferred to society and, in particular, to the construction industry, which has not been able to put into practice many of the concepts required for correct application of FRC.
Keywords: Concrete fibers. Quality control. Mechanical behavior. Mix-design
method. Pavements. Tunnels. Concrete pipes.
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SUMRIO
1 Introduo ..................................................................................... 1
1.1 O concreto com fibras no Brasil e no mundo ...................................... 2
1.2 O enfoque do trabalho ........................................................................ 5
1.3 Objetivos ............................................................................................. 6
1.4 Organizao do texto .......................................................................... 7
2 Conceitos fundamentais .............................................................. 9
2.1 As fibras .......................................................................................... 9
2.1.1 Aspectos bsicos .............................................................................. 9
2.1.2 Exigncias da norma brasileira para as fibras de ao ......................19
2.2 A matriz de concreto ....................................................................... 26
2.3 O compsito e a interao fibra-matriz ........................................... 29
2.3.1 O efeito do teor de fibras .................................................................. 31
2.3.2 O efeito da geometria das fibras ...................................................... 38
2.3.3 O efeito da resistncia das fibras ..................................................... 49
2.3.4 O efeito da resistncia da matriz ...................................................... 56
3 O controle especfico do concreto com fibras ........................... 64
3.1 Tenacidade em prismas ................................................................. 65
3.2 Tenacidade em placas ................................................................... 82
3.3 Trabalhabilidade ............................................................................. 88
3.4 Teor de fibra ................................................................................... 95
4 Dosagem do concreto com fibras ............................................... 101
4.1 Concretos de consistncia plstica ................................................. 102
4.1.1 Correlao da tenacidade com o teor de fibras ................................ 102
4.1.2 Dosagem da matriz ........................................................................... 107
4.1.3 Dosagem da fibra ............................................................................. 110
4.2 Concreto projetado ......................................................................... 113
4.2.1 Correlao da tenacidade com o teor de fibras ................................ 114
4.2.2 Dosagem da fibra .............................................................................. 118
5 Concreto de revestimento de tneis ........................................... 128
5.1 Concreto com fibras para anis segmentados ................................ 129
5.1.1 Exigncias de desempenho .............................................................. 131
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5.1.2 Parmetros de dosagem e controle .................................................. 134
5.2 Concreto projetado com fibras para tneis ...................................... 139
5.2.1 Vantagens do uso da fibra ................................................................ 142
5.2.2 A evoluo da tenacidade nas primeiras idades ............................... 144
5.2.3 Controle do material .......................................................................... 152
5.2.4 Controle da estrutura ........................................................................ 155
6 Tubos de concreto reforados com fibras de ao ..................... 157
6.1 Fabricao ....................................................................................... 162
6.2 Trabalhabilidade do compsito ........................................................ 169
6.3 A normalizao especfica ............................................................... 174
6.3.1 Concepo da norma para o uso das fibras ..................................... 175
6.3.2 Classes de resistncia ...................................................................... 175
6.3.3 Demais exigncias ............................................................................ 180
6.4 Comportamento mecnico .............................................................. 182
6.4.1 O ensaio de compresso diametral .................................................. 182
6.4.2 A comparao de desempenho com o reforo convencional ........... 193
6.4.3 A influncia do teor de fibra e do dimetro do tubo .......................... 203
6.4.4 A modelagem do comportamento ..................................................... 207
6.5 Controle especfico do tubo de concreto com ................................. 212
6.5.1 Esclerometria .................................................................................... 212
6.5.2 Ensaio de compresso diametral ..................................................... 219
6.5.3 Outras avaliaes ............................................................................. 222
6.6 Dosagem das fibras ........................................................................ 223
6.7 Comentrios finais .......................................................................... 228
7 Consideraes finais ................................................................... 233
8 Referncias ................................................................................... 236
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1 Introduo
O concreto possui uma srie de caractersticas que lhe garantem o posto
de material estrutural mais utilizado no mundo. Entre as principais vantagens,
pode-se listar o baixo custo e a capacidade de se adequar a variadas
condies de produo, alm de possibilitar infinitas variaes de forma para
as peas moldadas. Apesar disso, o concreto apresenta tambm vrias
limitaes, como a baixa relao resistncia/peso e o fato de ter sua qualidade
aferida apenas depois que a pea estrutural foi produzida. Ou seja, pelo
controle regular de qualidade, apenas 28 dias aps a execuo de um pilar
possvel verificar com certa confiana se o mesmo atende aos requisitos
associados ao desempenho estrutural. Alm disso, o concreto simples
apresenta um comportamento marcadamente frgil e uma baixa capacidade de
deformao antes da ruptura quando submetido a esforos de trao. Uma vez
fissurado, o concreto simples perde completamente a capacidade de resistir
aos esforos de trao e, por essa razo, surgiram alternativas tecnolgicas,
como o concreto armado, onde estas limitaes so compensadas pelo reforo
de barras de ao. Mais recentemente surgiu uma nova possibilidade de reforo
do concreto atravs do uso de fibras.
Os concretos reforados, tanto com fibras como com barras ou fios de
ao, so exemplos de materiais compostos, tambm conhecidos como
compsitos. O prprio concreto um compsito no qual se pode considerar
como fases a pasta, os poros e os agregados, ou at mesmo a argamassa e os
agregados grados. No entanto, mais freqentemente utilizado o termo
compsito para os materiais que possuem algum tipo de reforo. O concreto
com fibras e o concreto armado fazem parte de uma classe de compsitos que
constituda por uma matriz frgil e algum tipo de reforo. Pode-se citar como
exemplos desses materiais o polister reforado com fibras de vidro, o
fibrocimento, a argamassa armada, o adobe, entre outras.
Alguns compsitos so utilizados na construo civil h muito tempo. H
registros que indicam que sua utilizao j ocorria no Antigo Egito, como
reportam as Sagradas Escrituras: Naquele mesmo dia o Fara deu esta ordem
aos inspetores do povo e aos capatazes: no continueis a fornecer palha ao
povo, como antes, para o fabrico dos tijolos (xodo 5, 6-7). Isto se deve ao
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fato de o material composto apresentar um comportamento mais adequado a
determinadas aplicaes, pois combina as distintas capacidades dos materiais
que lhe deram origem. freqente, inclusive, haver uma sinergia tal que o
comportamento do compsito superior ao obtido com os materiais que lhe
deram origem individualmente. Desta forma, algumas das limitaes das
matrizes frgeis, como o caso do concreto, podem ser compensadas pelo
material que utilizado para seu reforo. Alm disso, como a adio da fibra ao
concreto ocorre como qualquer outra matria-prima, como cimento e
agregados, h toda uma facilitao de aplicao do material. Em geral, todas
as atividades relacionadas com montagem e instalao da armadura
convencional so eliminadas, proporcionando uma grande facilidade executiva.
Ou seja, no necessria a instalao de um ptio de montagem da armadura
e se ganha muito tempo eliminando as etapas de instalao das mesmas na
frma. Por essas razes, a intensidade de utilizao do concreto reforado com
fibras (CRF) vem aumentando progressivamente no mundo e especialmente no
Brasil.
1.1 O concreto com fibras no Brasil e no mundo
Muitas aplicaes do CRF esto associadas a obras de grande
demanda social e que so carncias nevrlgicas da sociedade brasileira.
Exemplo claro disso so as obras de infra-estrutura, notadamente as de
saneamento bsico e de transportes.
Atualmente, o mercado brasileiro de fibras centralizado em aplicaes
de baixo consumo de fibras e estruturas contnuas. Num levantamento
realizado pelo autor junto aos principais fabricantes e representantes nacionais
de fibras para reforo do concreto, foi possvel verificar que as aplicaes do
CRF so muito concentradas. Como se pode observar da Figura 1.1, o
mercado de fibras de ao tem como principal aplicao os pavimentos
industriais. Em segundo lugar vem o concreto projetado e, em terceiro, os pr-
moldados. Percebe-se uma queda significativa na frao do mercado
correspondente aos pr-moldados quando se comparam os dados referentes a
2009 e ao primeiro semestre de 2010. Isto se deve ao fato do encerramento da
produo de segmentos para a obra da Linha Amarela (Linha 4) do Metr de
So Paulo. Assim, o mercado mais constante, continua sendo o de pavimentos
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e, juntamente com o concreto projetado e os pr-moldados, formam a quase
totalidade de aplicaes de fibras de ao no Brasil. J as macrofibras
polimricas tm seu mercado quase que restrito aos pavimentos industriais
(Figura 1.3), o que pode ser apontada como a aplicao de CRF mais relevante
do Brasil, em termos de volume.
Figura 1.1 Distribuio do mercado brasileiro de fibras de ao por tipo de aplicao
no ano de 2009 e no primeiro semestre de 2010.
Figura 1.2 Distribuio do mercado brasileiro de macrofibras polimricas por tipo de aplicao que se manteve constante no ano de 2009 e no primeiro semestre de 2010.
Este quadro dever sofrer algumas alteraes no futuro dadas as
grandes necessidades de obras de saneamento e de sistemas de transporte de
massa. No entanto, para enfrentar esta situao, ainda devem ser vencidas
vrias dificuldades tecnolgicas. Isto necessrio para a confirmao da
Pavimentos63%
Concreto projetado
22%
Pr-fabricados
11%
Outros4%
2009
Pavimentos74%
Concreto projetado
20%
Pr-fabricados
3%
Outros3%
1o Semestre de 2010
Pavimentos 85%
Concreto projetado
3%
Pr-fabricados
10%
Outros 2%
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aplicao do CRF como uma tcnica amadurecida do ponto de vista de
engenharia nas condies nacionais. Esta afirmao no advm da
possibilidade de haver dvidas quanto viabilidade da tecnologia, como
tambm no h a esperana de que o CRF venha a ser a soluo que
resolver todos os problemas de construo de obras de infra-estrutura. Na
verdade, ainda falta embasamento tcnico de muitos especificadores e
aplicadores brasileiros, o que agravado pela carncia de referncias
normativas a respeito do assunto. Esta situao pode ser explicada, em parte,
pelo fato de haver poucos pesquisadores brasileiros atuando de maneira
sistemtica na rea do CRF. Alm disso, h uma grande dificuldade de
transferncia dos resultados de pesquisa para o meio produtivo.
Atualmente, a prtica de utilizao do CRF no Brasil pode ser descrita
como uma atividade basicamente emprica, pois muito freqente a utilizao
de teores fixos de fibras e a total ausncia de procedimentos de controle da
qualidade do compsito. Os consumos de fibras de ao so normalmente
fixados como mltiplos de 5 kg por metro cbico e no h a preocupao da
realizao de uma dosagem para a otimizao do mesmo, dado que no h
verificao de desempenho. Apesar de custar cerca de quinze vezes mais que
o cimento, a dosagem da fibra no recebe a mesma ateno deste para a
definio de teores mais precisos. Isto chama particularmente a ateno pelo
fato do CRF ser aplicado em grandes volumes, numa condio tpica das suas
principais aplicaes.
A pesquisa sobre o CRF no mundo liderada pela Europa e Estados
Unidos da Amrica. Nos pases desenvolvidos a realidade bem distinta dos
demais e do Brasil em particular, a comear por uma normalizao bem
estabelecida. Utilizaes corriqueiras de CRF em pavimentos e outras
aplicaes de infra-estrutura so mais raras, dado que no h grande demanda
por projetos deste tipo nesses pases. Assim, a menor demanda por obras de
infra-estrutura acaba gerando um cenrio de pesquisa com enfoque
direcionado, principalmente, a aplicaes mais sofisticadas. No principal evento
internacional da rea do CRF (7th International RILEM Symposium on Fibre
Reinforced Concrete - BEFIB, 2008), a grande maioria dos trabalhos
publicados abordava o uso de fibras no concreto auto-adensvel, nos
concretos de alta e muito alta resistncia e os CRF de elevados teores de
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fibras. Como exemplo marcante deste enfoque, h o trabalho experimental
apresentado por Destre (2008) que utilizou o CRF como reforo de lajes
suspensas de edifcios, demandando um consumo de fibras de 100 kg/m3.
Numa aplicao como esta, o custo do metro cbico do concreto seria
multiplicado por cerca de cinco vezes. Isto praticamente inviabiliza sua
aplicao para cenrios de mercado como o brasileiro, por exemplo.
O outro grande campo de investimento em pesquisa recente o da
modelagem do comportamento do CRF (7th International RILEM Symposium on
Fibre Reinforced Concrete - BEFIB, 2008). Este um tema de grande
importncia atual pelo fato de possibilitar melhores orientaes para o
desenvolvimento do material e, inclusive, para direcionar a pesquisa
tecnolgica. As pesquisas desenvolvidas so, principalmente, de modelagem
numrica e podero gerar, no futuro, modelos de dimensionamento para vrias
aplicaes dos CRF. A falta de modelos consensuais de dimensionamento
acaba por gerar a grande diversidade de mtodos de ensaio propostos para o
controle do CRF. Paradoxalmente, apesar dessa grande diversidade de
mtodos de ensaio existentes no exterior, freqente a omisso da utilizao
de qualquer mtodo de ensaio para a verificao do comportamento bsico do
material nas obras brasileiras. Ou seja, a realidade brasileira bem distinta da
dos pases desenvolvidos e, por isso, merece uma ateno especfica.
1.2 O enfoque do trabalho Ao longo dos anos dedicados pelo autor pesquisa do CRF foi possvel
abranger uma srie de aspectos da tecnologia do material. Esta pesquisa
esteve focada, principalmente, para a viabilizao do CRF nas aplicaes de
grande demanda para o cenrio brasileiro como o revestimento de tneis, os
pavimentos e, mais recentemente, foi dada uma especial ateno para os
tubos de concreto para obras de saneamento. Ou seja, as principais reas de
aplicao atual do material no Brasil.
Os trabalhos j desenvolvidos abordaram desde a avaliao do
comportamento bsico do material, passando pelo controle tecnolgico e os
procedimentos de dosagem, a normalizao e at a otimizao de aplicaes
especficas, como o caso dos tubos de concreto para obras de saneamento.
No entanto, apenas uma pequena parcela do trabalho desenvolvido na
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universidade permeou para a prtica. Dessa forma, surgiu a inteno de
produzir um documento que pudesse facilitar esta transferncia e, dessa
maneira, proporcionar um maior retorno social do trabalho desenvolvido na
universidade. Alm das publicaes j produzidas, havia o desejo de produzir
um livro sobre o assunto e, por essa razo, optou-se por ampliar o escopo
deste texto, indo um pouco alm da estrita apresentao crtica da produo
cientfica do autor.
A abrangncia estendida do trabalho tem um carter complementar, ou
seja, amplia-se o escopo esperado para um texto destinado livre docncia e
se produz algo direcionado ao livro que se pretende publicar em futuro prximo.
Assim, este trabalho vem apresentar uma reviso sistematizada e crtica da
produo de pesquisa do autor na rea do concreto com baixos consumos de
fibras. Alm disso, circunstancia-se a pesquisa em cada um dos aspectos
analisados no cenrio pertinente do conhecimento cientfico j desenvolvido.
Parte dos resultados j divulgados foi atualizada com pequenas adaptaes de
modo a ampliar o potencial de aplicao dos trabalhos j publicados que
permanecem atuais e relevantes.
1.3 Objetivos O objetivo principal deste texto apresentar uma reviso crtica do
trabalho de pesquisa do autor na rea dos CRF. Para tal, faz-se uma reviso
de toda a produo cientfica e tecnolgica abordando o CRF de maneira
atualizada. O contedo do texto referente este objetivo constitui a maior
parcela do seu contedo, ultrapassando os 80%.
Como objetivo secundrio, procurou-se elaborar um texto com uma
maior abrangncia de modo torn-lo mais didtico e aproxim-lo das
caractersticas do livro de divulgao cientfica que se pretende publicar no
futuro prximo. Assim, h o complemento do texto com informaes que
circunstanciem os trabalhos publicados pelo autor no estgio atual de
conhecimento do setor e, simultaneamente, ampliem a didtica do texto. A
parcela do texto referente a esta parte complementar no ultrapassa 20% do
contedo total.
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1.4 Organizao do texto Para atingir os objetivos propostos, este documento foi organizado em
sete captulos. No primeiro captulo h a introduo ao tema CRF
apresentando sua importncia para as obras de infra-estrutura. No captulo 2
so apresentados os conceitos fundamentais ligados aos concretos com fibras,
abrangendo, os materiais bsicos e os aspectos ligados a interao entre fibra
e matriz que governam o comportamento do compsito. Estes conceitos sero
a base da discusso do contedo dos captulos seguintes.
No captulo 3 focado o controle especfico do CRF, abrangendo a
tenacidade medida em prismas e em placas, a trabalhabilidade e o controle do
teor de fibras do concreto no estado fresco e endurecido.
No captulo 4 se aborda a dosagem dos concretos com fibras focando
especialmente o concreto projetado e os concretos de consistncia plstica.
Com isto, tem-se abarcada as aplicaes de pavimentos, anis pr-moldados
para o revestimento de tneis e tambm o concreto projetado que pode ser
utilizado tambm para o revestimento de tneis e outras aplicaes como o
revestimento de taludes.
Duas das principais aplicaes do CRF so analisadas de maneira
especial devido sua maior demanda tcnica e o carter inovador do trabalho
de pesquisa desenvolvido na rea. A primeira delas o revestimento de tneis
que tratado no Captulo 5. Ali so discutidos diversos aspectos especficos a
partir dos subsdios apresentados nos captulos anteriores. Este captulo 5 est
dividido em duas partes principais, quais sejam, os anis segmentados para a
produo dos tneis pelo sistema TBM (Tunnel Boring Machine) e o concreto
projetado destinado aos revestimentos de tneis produzidos pelo sistema
NATM (New Austrian Tunnelling Method). Estas so os dois principais sistemas
de produo de tneis empregados no Brasil e internacionalmente.
O captulo 6 aborda os tubos de concreto reforados com fibras de ao.
Como se trata de um componente, estes capitulo bem mais abrangente que o
anterior dada a especificidade da aplicao. Assim, so tratados aqui aspectos
relativos produo dos tubos, a trabalhabilidade do compsito e a
normalizao especfica. Tambm so abordados o comportamento mecnico
do tubo, onde se faz uma comparao com o comportamento apresentado
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pelos tubos com armadura convencional, o controle especfico dos
componentes e tambm a dosagem das fibras para o atendimento s
exigncias de desempenho mecnico do componente.
O captulo 7 apresenta os comentrios finais da tese, suas principais
concluses e sumariza os temas destinados a futuras pesquisas na rea do
CRF.
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2 Conceitos fundamentais
2.1 As fibras
Como foi dito antes, o CRF pode ser considerado um compsito, onde
as fibras tem um papel essencial. As fibras so elementos descontnuos, cujo
comprimento bem maior que a maior dimenso da seo transversal. As
fibras destinadas ao reforo do concreto so atualmente chamadas de maneira
genrica como macro-fibras e podem ser de ao ou polimricas. H tambm as
microfibras, polimricas em geral, cujo emprego no foca o reforo do concreto.
Os aspectos gerais dessas fibras esto discutidos a seguir.
2.1.1 Aspectos bsicos
Geralmente, as fibras de ao possuem extremidades na forma de
gancho para aumentar sua ancoragem e tm comprimento variando de 25 mm,
chamadas fibras curtas (Figura 2.1a), a 60 mm, chamadas fibras longas (Figura
2.1b). Podem ser fornecidas soltas (Figura 2.1a e 2.1b) ou coladas em pentes
(Figura 2.1c). Como apresentado no item 3.3, estas fibras coladas facilitam o
processo de mistura e homogeneizao do material.
Como mencionado, o Brasil j conta com a norma de especificao para
as fibras de ao ABNT NBR 15530 (2007). Sua elaborao contou com a
participao direta do autor na comisso de estudos. Esta norma traz vrias
contribuies como a determinao de uma tipologia e classificao de fibras
de ao (FIGUEIREDO, 2008a). Esta classificao, proposta pelo autor e aceita
pela comisso de estudos, se encontra apresentada na Tabela 2.1. Nessa
tabela, pode-se observar a configurao geomtrica dos tipos e classes de
fibras previstas pela norma. Esta classificao permitiu estabelecer os
requisitos e tolerncias especficas do material que se encontram apresentadas
no item 2.1.2 em conjunto com as demais exigncias da norma. So previstos
na norma trs tipos bsicos de fibras em funo de sua conformao
geomtrica:
Tipo A: fibra de ao com ancoragens nas extremidades
Tipo C: fibra de ao corrugada
Tipo R: fibra de ao reta
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Figura 2.1 Fibras de ao soltas curtas (a) e longas (b) e longas coladas (c)
(Figueiredo, 2005a).
Deve-se atentar para o fato que esta configurao geomtrica,
associada a cada um dos tipos de fibra de ao, no contempla o formato da
seo transversal, mas somente o perfil longitudinal da fibra. O formato da
seo transversal ir depender do tipo de ao utilizado na produo da fibra
que pode ser trefilado ou laminado. Assim, alm dos tipos, a especificao
brasileira prev trs classes de fibras, as quais foram associadas ao tipo de
ao que deu origem s mesmas:
Classe I: fibra oriunda de arame trefilado a frio
Classe II: fibra oriunda de chapa laminada cortada a frio
Classe III: fibra oriunda de arame trefilado e escarificado
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Tabela 2.1 Classificao e geometria das fibras de ao para reforo de concreto
(Figueiredo et al., 2008).
Tipo Classe da fibra Geometria
A
I
II
C
I
II
III
R
I
II
Deve-se atentar para o fato de que, ao adotar esta classificao, a
norma procurou cobrir a maioria, se no a totalidade, das fibras
disponibilizadas no mercado brasileiro poca. Isto possibilitou o
estabelecimento de requisitos mnimos que podero ser correlacionados com o
desempenho final do CRFA (FIGUEIREDO et al., 2008). Como exemplo
l
d
d
l
d
l
d
l
l
A A
W
SEO A-A
e
l
e
w
l
e
w
l
e
w
l
e
w
l
ew
l
ew
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ilustrativo, pode-se relatar o fato de que, quando esta norma foi publicada, era
possvel encontrar a fibra tipo A-II, a qual se encontra ilustrada na Figura 2.2.
No entanto, por dificuldades de mercado a mesma teve sua produo
encerrada no Brasil. Por outro lado, fibras do tipo C-III (Figura 2.3), apesar de
apresentarem baixo desempenho em relao concorrncia (FIGUEIREDO,
1997), ainda se encontram disponveis no mercado brasileiro. Isto ocorre
devido ao baixo custo deste tipo de fibra que produzida a partir do fio chato
que sobra da produo da l de ao, tratando-se, portanto de um resduo
industrial. Este fio cortado no comprimento desejado, o qual varia de 25 mm a
60 mm, e conformado longitudinalmente para se obter o formato corrugado.
Isto tem por objetivo melhorar a aderncia da fibra com a matriz.
Figura 2.2 Fibras de ao tipo A-II segundo a norma ABNT NBR 15530 (2007) produzida a partir de chapas de ao cortadas (Figueiredo, 2005a).
Figura 2.3 Fibras de ao tipo C-III segundo a norma ABNT NBR 15530 (2007)
produzida a partir fios de ao escarificados (Figueiredo, 2005a).
-
13
As fibras de polipropileno so fornecidas em duas formas bsicas: as
microfibras e as macrofibras. As microfibras, por sua vez, possuem dois tipos
bsicos, quais sejam, as monofilamento e as fibriladas. As fibriladas (Figura
2.4a) apresentam-se como uma malha de finos filamentos de seo retangular.
A estrutura em malha das fibriladas promove um aumento na adeso entre a
fibra e a matriz, devido a um efeito de intertravamento (BENTUR; MINDESS,
1990). As fibras chamadas de monofilamento consistem em fios cortados em
comprimento padro (Figura 2.4b).
Figura 2.4 Fibras de polipropileno fibriladas (a) e monofilamento (b) (Figueiredo,
2005a).
As macrofibras de base polimrica surgiram no mercado internacional
nos anos 1990 quando comearam a ser fornecidas em cilindros que
consistiam em feixes de um grande nmero de fibras unidos por uma fita
externa (Figura 2.5). As primeiras aplicaes ocorreram para o concreto
projetado, especialmente na Austrlia e no Canad (MORGAN; RICH, 1996).
Aos poucos esta tecnologia se disseminou e chegou ao Brasil em anos mais
recentes. Atualmente, existem vrios fabricantes disponibilizando diferentes
tipos de macrofibras no mercado brasileiro, como ocorre com os exemplos
apresentados na Figura 2.6. No entanto, ao contrrio das fibras de
polipropileno convencionais, estas macrofibras foram concebidas para se obter
um reforo estrutural, nos mesmos moldes que uma fibra de ao. Tambm se
encontram atualmente disponvel no mercado brasileiro, fibras que mesclam
estes dois tipos de polipropileno, como a apresentada na Figura 2.7. Estas
fibras compostas foram produzidas com a inteno de propiciar ao concreto
-
14
para pavimentos uma condio otimizada de controle de fissurao nas
primeiras idades e reforo no estado endurecido.
Figura 2.5: Cilindro de macrofibras polimricas produzido para lanamento direto na betoneira para mistura no concreto (Figueiredo, 2010a).
Figura 2.6 Macrofibras polimricas disponveis no mercado brasileiro fornecidas soltas (Figueiredo, 2010a).
O papel que a fibra ir desempenhar no concreto ir depender de uma
srie de caractersticas da mesma. No entanto, para a classificao bsica do
material, as propriedades que so mais relevantes so o mdulo de
elasticidade e a resistncia mecnica, pois estas duas propriedades iro definir
a capacidade de reforo que a fibra pode proporcionar ao concreto
-
15
(FIGUEIREDO, 2005a). As fibras que possuem mdulo de elasticidade inferior
ao do concreto endurecido, como as de polipropileno e nilon, so
tradicionalmente chamadas de fibras de baixo mdulo. J as fibras que
possuem mdulo de elasticidade superior ao do concreto so conhecidas como
fibras de alto mdulo.
Figura 2.7 Macrofibras polimricas fornecidas como uma mescla de fibras de baixo e
de alto mdulo de elasticidade (Figueiredo, 2011).
Para ilustrar a importncia deste aspecto, foi produzido o esquema
simplificado apresentado na da Figura 2.8. Neste esquema existe uma matriz
hipottica reforada com trs tipos de fibras, uma de baixo mdulo de
elasticidade e duas de alto mdulo, sendo uma de baixa e outra de alta
resistncia mecnica. Todas as fases deste compsito hipottico foram
consideradas como de comportamento elstico perfeito. A curva de tenso por
deformao da matriz est representada pela linha O-A, enquanto as linhas O-
B e O-C representam o trabalho elstico das fibras de alto mdulo com alta e
baixa resistncia respectivamente. O comportamento da fibra de baixo mdulo
se encontra representado pela linha O-D. Supondo que, inicialmente, as fibras
esto perfeitamente embutidas na matriz e h uma aderncia perfeita entre
ambas, o compsito quando for submetido a uma tenso de trao ir se
deformar com diferentes nveis de tenso para cada uma das fases. No
momento em que a matriz que est sendo carregada chega prximo sua
tenso de ruptura (ponto A) o nvel de tenso atingido pela fibra de baixo
mdulo (ponto D) bem mais baixo que o da matriz. Ou seja, quando a matriz
se rompe, surgindo assim uma fissura na mesma, a fibra de baixo mdulo
-
16
apresenta uma tenso mais baixa que a matriz nesse nvel de deformao (
fibra de E baixo); logo, para que a fibra de baixo mdulo apresente capacidade de
reforo, dever estar presente na matriz em elevado teor, para que a tenso
por fibra no exceda a tenso de ruptura, a qual guarda certa
proporcionalidade para o prprio mdulo de elasticidade (Tabela 2.2).
Figura 2.8 Diagrama de tenso por deformao elstica de matriz e fibras de alto e
baixo mdulo de elasticidade trabalhando em conjunto (Figueiredo, 2005a).
O nvel de tenso na fibra tambm no pode ser muito alto de modo a
produzir um elevado nvel de deformao da mesma, o que ir se refletir numa
grande abertura de fissura. Assim, este tipo de fibra convencionalmente
considerado como de baixa capacidade de reforo ps-fissurao. Devido a
isso, os teores dessas fibras, medidos em volume, devem ser muito elevados
para possibilitar o reforo da matriz, o que pode inviabilizar a aplicao do
material devido aos elevados custos e dificuldade que ser produzida para a
manuteno da trabalhabilidade do concreto. J a fibra de alto mdulo de
elasticidade apresentar um elevado nvel de tenso ( fibra de E alto e alta resistncia)
no momento em que o compsito atinge sua deformao crtica ( de ruptura da
matriz) pouco antes de sua ruptura. Isto permitir a este tipo de fibra proporcionar
um elevado nvel de reforo da matriz quando esta se romper, mesmo com
consumos de fibras mais baixos, caso sua resistncia no seja superada, o que
muito freqente quando se utiliza um consumo muito baixo de fibras.
-
17
Tabela 2.2 Valores de resistncia mecnica e mdulo de elasticidade para diversos tipos de fibra e matrizes (Bentur; Mindess, 1990).
Material Dimetro
( m)
Densidade
(g/cm3)
Mdulo de elasticidade
(GPa)
Resistncia trao (GPa)
Deformao na ruptura
(%)
Ao 5-500 7,84 190-210 0,5-2 0,5-3,5
GVidro 9-15 2,60 70-80 2-4 2-3,5
Amianto 0,02-0,4 2,6 160-200 3-3,5 2-3
Polipropileno fibrilado
20-200 0,9 1-7,7 0,5-0,75 8,0
Kevlar 10 1,45 65-133 3,6 2,1-4,0
Carbono 9 1,9 230 2,6 1,0
Nylon 1,1 4,0 0,9 13-15
Celulose 1,2 10 0,3-0,5
Acrlico 18 1,18 14-19,5 0,4-1,0 3
Polietileno 0,95 0,3 0,7x10-3 10
Fibra de madeira 1,5 71 0,9
Sisal 10-50 1-50 0,8 3,0
Matriz de cimento (para comparao)
2,50
10-45
3,7x10-3
0,02
Por outro lado, mesmo que uma fibra tenha elevado mdulo de
elasticidade, mas tenha uma baixa resistncia trao ou ao cisalhamento,
sua capacidade de reforo ps-fissurao tambm ser reduzida ou at
inexistente. Ou seja, a combinao de baixa resistncia e alto mdulo ir
corresponder necessariamente a um material frgil de baixa capacidade de
deformao elstica. Assim, fibras com estas caractersticas tero
inviabilizadas suas capacidades de apresentar condies de reforar a matriz
aps sua fissurao. Observando-se a linha O-C da Figura 2.8, pode-se
constatar que, no momento em que ocorre a ruptura da matriz (ponto A),
tambm se ter ultrapassado seu limite ltimo de deformao. Qualquer que
seja a situao, como a utilizao de baixo ou alto consumo de fibra, haver a
ruptura das fibras antes da ruptura da matriz. Ou seja, quando a matriz se
romper, as fibras j tero sido rompidas e no conferiro nenhum tipo de
reforo. Dessa forma, s so consideradas fibras com capacidade de reforo
das matrizes cimentcias, aquelas que apresentam maior capacidade de
deformao na ruptura e maior resistncia trao que a matriz de concreto,
-
18
conforme o ilustrado na Tabela 2.2. Este aspecto importante, pois a base do
desempenho dos concretos reforados com fibras est no papel exercido pelas
fibras como ponte de transferncia de tenso pelas fissuras surgidas no
momento da ruptura da matriz, como ser mais bem discutido adiante.
Pode-se concluir assim que a eficincia de reforo das fibras de baixa
resistncia e baixo mdulo de elasticidade ser to maior quando menores
forem o mdulo de elasticidade e a resistncia do concreto, como ocorre
quando este material est no estado fresco e no incio de seu processo de
endurecimento. Assim, fibras de polipropileno e nilon so freqentemente
utilizadas para o controle de fissurao plstica em pavimentos (TANESI;
FIGUEIREDO, 2001). Vale ressaltar que essas fibras no eliminam a
necessidade de realizao de uma boa cura, mas atuam no sentido de
minimizar o risco de fissurao plstica. No entanto, estas fibras podem vir a
ser muito interessantes em aplicaes onde o reforo da matriz no o
principal objetivo. Nesta condio se encontra, por exemplo, a proteo contra
danos fsicos durante incndios em tneis. Tal preocupao foi levantada aps
o acidente ocorrido no Eurotnel, onde um incndio produziu o lascamento
explosivo do revestimento de concreto devido tenso interna gerada pela
presso de vapor com total comprometimento do revestimento (RLE, 1997).
Com a utilizao de fibras de polipropileno pode-se evitar este tipo de
problema, pois com o aumento da temperatura, elas se fundiam produzindo um
caminho livre para a sada do vapor de gua (NINCE et al., 2003a), conforme o
ilustrado pela Figura 2.9. Apesar da ao do fogo sempre trazer danos ao
concreto, reduzindo sua capacidade resistente, a fibra possibilita ao material se
manter ntegro mesmo que degradado (NINCE et al., 2003b). No entanto, a
eficcia da fibra muito dependente da resistncia da matriz e da sua condio
de saturao (NINCE, 2007) ou o uso de adies (NINCE; FIGUEIREDO,
2008). No entanto, como o foco desta tese o reforo mecnico proporcionado
pelas fibras ao concreto, este assunto no ser desenvolvido de maneira mais
detalhada.
-
19
Figura 2.9 Canais deixados pelas fibras de polipropileno fibriladas aps a exposio do concreto a temperaturas de 400oC (Nince et al. 2003a).
J as fibras de ao, que possuem alta resistncia e alto mdulo de
elasticidade, atuam como um reforo do concreto endurecido, podendo at
substituir a armadura convencional em algumas aplicaes. Outras fibras de
maior capacidade resistente, como o caso das fibras de carbono, acabam por
no serem utilizadas como reforo da matriz de concreto devido a seu elevado
custo. Outra grande vantagem da fibra de ao o fato de j contar com norma
de especificao no Brasil, definindo as exigncias que garantem sua
capacidade de atuar como reforo do concreto, conforme est discutido no
prximo item.
2.1.2 Exigncias da norma brasileira para as fibras de ao
Conforme o apontado por Figueiredo (2008a), na elaborao da
especificao brasileira para fibras de ao ABNT NBR 15530 (2007), intitulada
Fibras de ao para concreto Especificao procurou-se regular dois fatores
primordiais: a geometria da fibra e a resistncia do ao que lhe deu origem. Isto
advm do fato da geometria da fibra ser um dos principais aspectos definidores
do desempenho do compsito, conforme discutido no item 2.3.2. Outro fator
relevante na definio do desempenho da fibra no concreto reforado com
fibras de ao (CRFA) a resistncia do ao utilizado na sua produo (item
-
20
2.3.3) que particularmente mais significativa para concretos de maior
resistncia mecnica. Assim, os requisitos e tolerncias especificados para as
fibras procuram regular, primordialmente, estes dois aspectos.
A definio da resistncia mnima do ao ocorre em funo da classe da
fibra analisada. Na Tabela 2.3 se encontram apresentados o nvel de
resistncia mnima do ao e a respectiva classe da fibra. Constata-se que a
norma prev diferentes nveis de resistncia em funo do tipo e,
principalmente, da classe de fibra. Isto configura uma evoluo em relao
normalizao internacional como da ASTM A820, onde o nvel de resistncia
mnimo especificado de 345 MPa, independentemente do tipo de fibra de
ao. No Brasil, a menor resistncia prevista para o ao da fibra ser 500 MPa,
ou seja, um nvel superior ao requerido para fibras no EUA.
Tabela 2.3 Requisitos especificados pela norma ABNT NBR 15.530 (2007) para as fibras de ao.
Fibra Limite de resistncia a trao do ao MPa (*)fu
A I 1000
A II 500
C I 800
C II 500
C III 800
R I 1000
R II 500
(*)Esta determinao deve ser feita no ao, no dimetro equivalente final imediatamente antes do corte.
A grande dificuldade encontrada na normalizao da resistncia da fibra
reside no fato de no se poder realizar com facilidade o ensaio de trao que
caracteriza o material diretamente na fibra devido s suas pequenas
dimenses. Assim, optou-se pela pr-qualificao da matria-prima que deve
ser realizada pelo fabricante segundo as normas ABNT NBR 6207 - Arames de
ao: Ensaio de trao e ASTM A 370 - Standard test methods and definitions
for mechanical testing of steel products. A NBR 6207 define o ensaio a ser
empregado na determinao da resistncia do ao utilizado na produo das
fibras Classe I e III, enquanto a norma ASTM A370 deve ser empregada na
qualificao do ao destinado produo das fibras Classe II.
-
21
Outra preocupao do grupo que participou da elaborao da norma foi
a garantia de uma ductilidade mnima para a fibra de ao, o que fundamental
para evitar a fragilizao do compsito (FIGUEIREDO, 2005a). Para isto, foi
estabelecido o ensaio de dobramento da fibra, o qual deve ser executado
diretamente nas fibras em uma amostra de 10 exemplares retirados
aleatoriamente de cada lote a ser analisado. Neste ensaio, deve-se verificar
manualmente o dobramento da fibra sobre um pino de 3,2 mm de dimetro a
uma temperatura acima de 16 C. Neste ensaio, as fibras devem ser dobradas
at formarem um ngulo de 90 (Figura 2.10) sem quebra em, no mnimo, 90%
das fibras ensaiadas.
Figura 2.10 Esquema adotado no ensaio de dobramento da fibra de ao segundo o previsto na norma ABNT NBR 15.53 (2007).
Uma das principais preocupaes observada na elaborao da
especificao das fibras de ao para concreto foi a de evitar uma variao
exagerada de desempenho futuro do CRFA provocada pela variabilidade do
fator de forma da fibra ( ) (FIGUEIREDO, 2008a). O fator de forma a relao
geomtrica obtida a partir da diviso do comprimento da fibra (l), no alongado,
pelo dimetro do crculo com rea equivalente de sua seo transversal. Este
dimetro foi definido na norma como dimetro equivalente (de). Assim, o fator
de forma de uma fibra dado pela equao 1.
= l de (1)
Onde,
= fator de forma da fibra; l = comprimento da fibra (mm) e de = dimetro equivalente da fibra (mm).
-
22
Esta determinao relativamente simples para as fibras de Classe I,
oriundas de fios de ao trefilado onde basta dividir o comprimento l pelo
dimetro mdio da seo transversal calculado atravs da equao 2:
de = (d1+d2)/2 (2)
Onde,
d1 e d2 = medidas em milmetros tomadas na regio central da fibra em duas direes ortogonais entre si. Estas medidas esto esquematicamente inseridas nas figuras apresentadas na Tabela 2.1.
As fibras A-II, C-II e R-II tm seu dimetro equivalente determinado
atravs da equao 3, que leva em conta as dimenses da seo transversal,
sendo a menor definida por e e a maior definida por w, conforme o
apresentado nas figuras inseridas na Tabela 2.1, onde tambm possvel
verificar como o comprimento total (l) deve ser determinado.
(3)
As fibras C-III so especificadas pela faixa de dimetros equivalentes
(de) obtidos atravs da maior dimenso da seo transversal (w) e da menor dimenso da seo transversal (e), comprimento total da fibra (l). O dimetro equivalente (de) deve ser calculado atravs da equao 4.
(4)
Determinado o fator de forma atravs dos comprimentos de fibra e do
dimetro equivalente das mesmas, deve-se verificar se elas atendem
exigncia da especificao quanto aos seus valores mnimos. Estes valores
so funo da classe da fibra, ou seja, tm uma correspondncia direta com o
tipo de ao utilizado para sua produo. As fibras com maior nvel de exigncia
neste aspecto so as de ao trefilado, conforme pode ser observado na Tabela
2.4. Ressalte-se o fato que a definio de um valor mnimo para o fator de
forma independe do tipo de fibra, ou seja, independe da sua conformao
geomtrica. Isto ocorre porque o fator de forma funo do dimetro
equivalente, o qual pode ser bem reduzido quando se realiza a trefilao do
ao, ao contrrio das chapas cortadas. J o ao trefilado e escarificado
normalmente aproveitado da sobra da produo da l de ao, o que impede um
maior controle de sua conformao transversal.
de = (4.e.w)/
de = 2(3.e+4.e.w)/(3.w. )
-
23
Tabela 2.4 Requisitos de fator de forma mnimo das fibras de ao para concreto
especificados pela norma ABNT NBR 15.530 (2007).
Classe da fibra Tipo de ao Fator de forma mnimo
I Fio de ao trefilado 40
II Chapa de ao cortada 30
III Fio de ao trefilado e escarificado
30
Para as fibras produzidas a partir de arames trefilados (A-I, C-I e R-I) e
chapas cortadas (A-II, C-II e R-II) a norma permite uma variao para o
comprimento (l) em relao ao valor especificado de 5 %. Para fibras com
comprimento menor ou igual a 35 mm a variao permitida para o comprimento
(l) em relao ao valor especificado de 10%. A variao mxima permitida
para os valores de de em relao ao valor nominal deve ser de 5%, enquanto a
variao mxima permitida para a diferena entre as medidas d1 e d2 de 4%.
A norma alerta para o fato de que as medies devem ser feitas nas fibras sem
nenhuma retificao. Estes limites rigorosos tm a inteno de preservar o
CRFA de uma maior variabilidade nas suas propriedades. No entanto, para as
fibras produzidas a partir de fios trefilados e escarificados (C-III), no h
possibilidade tcnica de se manter este mesmo rigor e, por isto, as tolerncias
foram maiores. Variao mxima permitida para o comprimento (l) em relao
ao valor especificado de 5%. J a variao mxima permitida para o valor de
de em relao ao valor especificado no pode ultrapassar 0,15mm.
A norma prev que a medio das dimenses deve ser executada para
cada lote em uma amostra de 60 fibras coletadas de, no mnimo, 10% das
embalagens que compem o referido lote. Os valores individuais medidos
devem atender aos requisitos estabelecidos em no mnimo 90% das fibras
ensaiadas. A definio do lote pela norma considera que o mesmo corresponde
a uma quantidade mxima de quatro toneladas de fibra ou o correspondente a
cada remessa, caso seja inferior a esta quantidade.
Toda esta preocupao da norma com a variao dimensional para se
garantir que o fator de forma da fibra no apresente grandes variaes para
no prejudicar o comportamento do CRFA quanto resistncia ps-fissurao.
-
24
A influncia do fator de forma nas propriedades do CRF j foi evidenciada h
bastante tempo (item 2.3.2).
Existe sempre a possibilidade de ocorrerem fibras com defeitos, dado o
grande nmero das fibras presente num quilograma do material. A verificao
destes defeitos deve ser executada para cada lote que est sendo analisado
em uma amostra de no mnimo 200 gramas, segundo a norma. O lote deve ser
aceito quando a amostra apresentar, no mximo, 5 % da massa de fibras com
defeitos. A norma considera defeituosas fibras de qualquer tipo que estiverem
emendadas pelo topo, conforme o apresentado na Figura 2.11. Este defeito
particularmente prejudicial quando da utilizao das fibras no concreto
projetado, pois podem produzir graves entupimentos durante a projeo. Outro
defeito previsto pela norma e que deve ser controlado quando ocorre o corte
da ancoragem nas fibras do tipo A, conforme o apresentado na Figura 2.12.
Este defeito no prejudica a condio de aplicao do concreto. Porm, se
ocorrer em uma quantidade grande de fibras poder prejudicar a tenacidade do
concreto, por reduzir o seu fator de forma real. Assim, estaria prejudicando
aquela que a principal contribuio da fibra para o CRF (item 2.3). A norma
aceita certa oxidao superficial, caso a mesma seja removvel sem a
utilizao de material abrasivo e que as exigncias de tolerncia dimensional
sejam atendidas simultaneamente.
Figura 2.11 Fibras emendadas pelo topo (ABNT NBR 15.530, 2007).
-
25
Figura 2.12 Fibras sem ancoragem completa (ABNT NBR 15.530, 2007).
A norma prev que, para a aceitao de um lote amostrado e ensaiado,
o mesmo deve se mostrar em conformidade com todas as exigncias
estabelecidas para a resistncia ao dobramento, de variao dimensional e
atendendo aos limites impostos para a quantidade de fibras defeituosas. Ela
estabelece um plano de amostragem, conforme o apresentado na tabela 2.5.
Se algum lote no atender aos requisitos, est prevista a realizao de um
novo plano de ensaios no respectivo quesito, sendo que deve ser utilizada uma
amostra com o dobro do tamanho da anterior. Caso o resultado negativo se
confirme, o lote dever ser ento definitivamente rejeitado.
Tabela 2.5 Plano de amostragem preconizado pela norma ABNT NBR 15.530 (2007)
para um lote de fibras que ser submetido ao controle de recebimento.
Ensaio Amostra mnima Porcentagem mnima de fibras em conformidade com os
requisitos
Dobramento 10 fibras 90
Verificao dimensional 60 fibras 90
Verificao de defeitos 200g 95
A nova especificao de fibras de ao para concreto, pode ser
considerada um marco da tecnologia do CRF no Brasil (FIGUEIREDO, 2008a).
Ela traz avanos tecnolgicos incorporados, como o nvel de exigncia elevado
para a resistncia do ao, o que perfeitamente compatvel com a condio de
produo de fibras hoje instalada no pas. Alm disso, os requisitos
especificados, alm de atenderem a condio nacional, podem ser
-
26
considerados em conformidade com o mercado externo, ou seja, uma fibra
produzida no Brasil e que atenda aos requisitos desta especificao, estar em
condies de ser aceita em qualquer mercado internacional.
2.2 A matriz de concreto O concreto de cimento Portland j , por si s, um compsito
formado por vrias fases: a pasta de cimento, os agregados midos, os
grados e os poros. o nico material estrutural que normalmente
processado pelos prprios engenheiros civis de modo a atender as exigncias
de engenharia, tanto para as condies de aplicao, como para seu
comportamento no estado endurecido. Assim, possvel obter uma grande
variao de suas propriedades em funo do tipo de componentes principais e
de suas propores, bem como da utilizao de uma grande variedade de
aditivos e adies. A esta srie muito grande de opes disponveis para a
engenharia da matriz, soma-se a possibilidade da modificao do seu
comportamento com a adio de fibras.
A princpio, praticamente todos os concretos, sejam eles plsticos,
fludos ou secos, de baixa ou alta resistncia podem ser reforados com fibras.
No entanto, o ganho de desempenho no atingido sem que princpios
tecnolgicos bsicos sejam observados. As fibras tero sempre uma ao de
aumento no custo unitrio, podero dificultar a mobilidade das partculas
maiores, reduzindo assim a fluidez do material, e tambm proporcionar uma
resistncia propagao das fissuras que possam vir a surgir na matriz. Estas
fissuras podem ser originadas por inmeras causas. Entre as principais est a
prpria retrao da pasta de cimento dentro da matriz. Esta retrao
restringida pelos agregados que so bem mais rgidos causando esforos de
trao na pasta e sua possvel fissurao. Esta fissurao pode ocorrer at em
argamassas, como as observadas na micrografia da Figura 2.13 e,
conseqentemente, podem ser freqentes em concretos cujos agregados tm
maiores dimenses. Estas fissuras iro conduzir a uma induo de tenses em
suas bordas quando o material carregado, facilitando a ruptura do material.
-
27
Figura 2.13 Imagem de micrografia obtida por eletros retroespalhados de argamassa de cimento de escria ativada com silicato de sdio j apresentando fissuras na pasta
(John, 1995).
Assim, o concreto apresenta resistncia trao direta bem inferior
resistncia compresso cuja relao est, geralmente, em torno de 7% e
11% (MEHTA; MONTEIRO, 2008). Ou seja, as fissuras que se formam ou j
esto presentes no concreto prejudicam muito mais o material quando
solicitado trao do que compresso.
Pode-se associar a reduzida capacidade de resistncia trao do
concreto sua grande dificuldade de interromper a propagao das fissuras
quando submetido tenses de trao (MEHTA; MONTEIRO, 2008). Isto
particularmente intenso quando a direo de propagao das fissuras
transversal direo principal de tenso. Assim que se principia o crescimento
de cada nova fissura, a rea disponvel de suporte de carga reduzida
causando um aumento das tenses presentes nas extremidades das fissuras.
Logo, a ruptura trao causada por algumas fissuras que se unem e no
por numerosas fissuras, como ocorre quando o concreto comprimido
(MEHTA; MONTEIRO, 2008). O impacto de uma fissura na tenso efetiva
aplicada ao material pode ser avaliada pela modelagem representada na
Figura 2.14. Pela teoria da fratura, pode-se estimar a tenso de borda de uma
fissura como as esquematizadas na Figura 2.14 onde o seu comprimento a
bem maior que o raio da borda e, da seguinte forma:
-
28
m = 2 0(a/ e) (5)
Onde,
m = tenso na extremidade da fissura
0 = tenso de trao aplicada no material a = comprimento da fissura interna ou comprimento da fissura superficial
e = raio de curvatura da extremidade da fissura
Figura 2.14 Representao simplificada da transferncia de tenso de compresso
por meio de uma superfcie (adaptado de Callister, 2002)
Pode-se ligar este conceito teoria de Griffith (CALLISTER, 2002) que
associa a ruptura do material a uma energia de superfcie que deve ser
formada atravs da determinao da tenso crtica de propagao de fissura:
c = (2E s/ a) (6)
Onde, E = mdulo de elasticidade
s = energia de superfcie especfica a = metade do comprimento de uma fissura interna
Ou seja, quanto maior for a falha na matriz, menor a tenso crtica
para a propagao da fissura. Isto pode ser utilizado para a determinao da
tenacidade fratura:
Kc = Y(a/W) c ( a) (7)
Onde, Kc = tenacidade fratura Y = funo adimensional dependente de a (comprimento da fissura) e W (largura da pea).
-
29
Assim, pode-se concluir que, por apresentar uma superfcie total de
ruptura menor, o gasto energtico associado ruptura por trao no concreto
tambm reduzido quando comparada energia associada ruptura por
compresso. Logo o trabalho de ponte de transferncia de tenso que a fibra
realiza atravs das fissuras do concreto um mecanismo muito interessante de
aumento da energia associada ruptura do material trao. Este
comportamento auxilia tambm na restrio propagao de fissuras por
reduzir o efeito da concentrao de tenses em sua borda e, logo, aumenta a
tenso crtica de propagao de fissura. Estes aspectos esto mais bem
discutidos no prximo item.
2.3 O compsito e a interao fibra-matriz No concreto simples, representado na Figura 2.15a, uma fissura ir
proporcionar uma barreira propagao de tenses de trao, representadas
simplificadamente pelas linhas de tenso. Esse desvio das linhas de tenso ir
implicar numa concentrao de tenses nas extremidades da fissura e, no caso
de essa tenso superar o valor da tenso crtica, ocorrer a ruptura abrupta do
material. Caso o esforo seja cclico, pode-se interpretar a ruptura por fadiga da
mesma forma. Assim, para cada ciclo h uma pequena propagao das
microfissuras e, conseqentemente, um aumento progressivo na concentrao
de tenses em sua extremidade at que ocorra a ruptura completa do material.
Assim, a partir do momento em que a fissura atinge um comprimento crtico,
ocorre a ruptura abrupta do material, caracterizando um comportamento
tipicamente frgil. Assim, no se pode contar com nenhuma capacidade
resistente residual trao do concreto fissurado.
Quando se adicionam fibras de resistncia e mdulo de elasticidade
adequados e num teor apropriado, o concreto deixa de ter o carter
marcadamente frgil. Isso ocorre pelo fato de a fibra servir como ponte de
transferncia de tenses pelas fissuras, cuja concentrao de tenses nas
extremidades ser ento minimizada, conforme o ilustrado na Figura 2.15b.
Com isso, tem-se uma grande reduo da velocidade de propagao das
fissuras no compsito que passa a ter um comportamento pseudo-dctil ou no
frgil. Em outras palavras, apresenta certa capacidade resistente aps a
fissurao. Assim, com a utilizao de fibras, poder ser obtida uma menor
-
30
fissurao do concreto. Este fato pode vir a recomendar sua utilizao mesmo
para concretos convencionalmente armados, como uma armadura
complementar para reduzir a fissurao do material (MINDESS, 1995). J
conhecimento clssico o fato de que, com a utilizao de fibras, ser
assegurada uma menor fissurao do concreto (LI, 1992).
Figura 2.15 Esquema de concentrao de tenses para um concreto sem (a) e com
reforo de fibras (b) (Figueiredo, 2000).
Uma das caractersticas do reforo proporcionado pelas fibras o fato
de estas se distriburem aleatoriamente no material, reforando toda a pea, e
no uma determinada posio, como ocorre com as armaduras convencionais.
Isto pode ser muito interessante para o caso de estruturas contnuas, como o
caso dos pavimentos, onde as tenses de trao variam de posio na pea ao
longo de um dia. Isto ocorre devido s variaes de temperatura ambiente,
aquecendo a superfcie superior ao longo do dia e resfriando-a durante a noite.
Dada a inrcia trmica do concreto, isto capaz de gerar tenses de trao
nas duas faces do pavimento (SEVERI, 2002). No entanto, se a pea estrutural
tem esforos bem localizados, como o caso de uma laje suspensa apoiada
em vigas, por exemplo, onde as tenses de trao se concentram na parte
inferior, o uso das fibras pode ser considerado invivel, pois no conseguem
-
31
substituir as barras de ao de maneira econmica. Isto ocorre porque as barras
de ao podem ser posicionadas de forma precisa para otimizar o reforo da
estrutura. Em outras situaes, como o caso dos tubos de concreto, pode
haver a situao em que a melhor condio de reforo conseguida com o uso
combinado de fibras e armadura convencional (Captulo 6).
2.3.1 O efeito do teor de fibras
Como a eficincia da fibra depende de sua atuao como ponte de
transferncia de tenso ao longo da fissura que aparece no concreto, pode-se
deduzir uma srie de aspectos tecnolgicos fundamentais. Um deles o fato
de a capacidade de reforo que as fibras apresentam depender diretamente do
teor de fibra utilizado. Dessa maneira, quanto maior for o teor, maior ser o
nmero de fibras atuando como ponte de transferncia de tenso ao longo da
fissura, o que aumenta o reforo ps-fissurao do concreto. Imaginando-se
uma seo fissurada de uma viga fletida como a apresentada na Figura 2.16,
pode-se adotar o diagrama de distribuio de tenses na regio como o
mostrado esquematicamente na figura. Este esquema adaptado do modelo
proposto pelo Comit RILEM de CRF (RILEM TC 162, 2003). Percebe-se que a
resistncia trao da seo abaixo da linha neutra a somatria das cargas
resistidas pelas fibras presentes na seo. Naturalmente, se o nmero de fibras
presente na seo de ruptura aumentar, maior ser o nmero de cargas e,
portanto, maior ser a resultante de trao e a capacidade resistente do
compsito.
Esta influncia j foi demonstrada inmeras vezes para os concretos
reforados com fibras e um exemplo disso se encontra apresentado na Figura
2.17. Nesta figura esto apresentadas as curvas mdias de carga por
deslocamento num ensaio de trao na flexo com deslocamento controlado.
Este ensaio consiste no principal meio de controle da capacidade de reforo
das fibras (ver item 3.1). No grfico, observa-se que o trecho elstico inicial, em
que a matriz de concreto trabalha antes da fissura que ocorre at um
deslocamento de cerca de 0,04 mm, fica praticamente estvel, sem sofrer
influncia significativa do teor de fibras. Por outro lado, a carga resistida aps a
fissurao da matriz aumenta com o incremento no consumo de fibras, isto , o
-
32
consumo de 40 kg/m3 de fibras proporciona uma resistncia residual ps-
fissurao mais elevada que o consumo de 30 kg/m3, o qual, por sua vez,
supera o consumo de 20 kg/m3. Ou seja, o volume de fibras (Vf) o primeiro
elemento a definir o comportamento do compsito, como j apontava o modelo
de Aveston, Cupper e Kelly (1971).
Figura 2.16 Modelo de distribuio de tenses na seo transversal de um elemento
reforado com fibras durante a flexo, adaptado do modelo RILEM TC 162 (2003).
O teor de fibras pode ser apontado como o principal parmetro definidor
do comportamento dos compsitos. Assim, Naaman (2008) props que a
principal via de classificao dos compsitos base de cimento reforados
com fibras descontnuas deveria se guiar pelo desempenho. Assim, haveria
duas principais classes de compsitos. Na primeira, denominada strain-
softening, haveria uma perda de capacidade resistente progressiva aps a
fissurao da matriz. Na segunda, denominada strain-hardening, o compsito
apresentaria um ganho de capacidade resistente aps a fissurao da matriz.
Esta classificao est intimamente associada ao antigo conceito de volume
crtico de fibras.
-
33
Figura 2.17 Curvas mdias de carga por deslocamento obtidas no ensaio de trao
na flexo de concretos de fck=20MPa e com diferentes consumos de fibra de ao (FIGUEIREDO, NUNES & TANESI, 2000).
A definio bsica do volume crtico a de que ele corresponde ao teor
de fibras que mantm a mesma capacidade resistente para o compsito a partir
da ruptura da matriz. Ou seja, abaixo do volume crtico ocorre necessariamente
o comportamento de strain-softening. Acima do volume crtico, o compsito
continua aceitando nveis de carregamentos crescentes mesmo aps a ruptura
da matriz, ou seja, apresenta o comportamento de strain-hardening. Este
conceito se encontra ilustrado na Figura 2.18 onde se encontram apresentadas
curvas de carga por deslocamento obtidas em ensaios de trao na flexo de
prismas de concretos com fibras. Existe um trecho elstico linear inicial
correspondente ao estgio de trabalho elstico da matriz do compsito e outro,
similar a um patamar de escoamento, onde se pode verificar a influncia do
teor de fibra no comportamento do concreto.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3
Carg
a (
kN
)
Deslocamento (mm)
20kg/m3 30kg/m3 40kg/m3
-
34
Figura 2.18 Compsitos reforados com volume de fibras (VF) abaixo (A), acima (B) e igual (C) ao volume crtico de fibras durante o ensaio de trao na flexo
(Figueiredo, 2000).
A determinao do volume crtico est associada modelagem proposta
por Aveston, Cupper e Kelly (1971), a qual focaliza um compsito ideal, com
fibras contnuas e alinhadas direo do esforo principal. A seguir ser feita a
apresentao da deduo algbrica para determinao do volume crtico de
fibras, conforme o apresentado em Figueiredo (2000):
Definies iniciais:
mu = deformao ltima da matriz
mu = tenso ltima da matriz
Vfcrit = volume crtico de fibras dado em porcentagem em relao
ao volume total do compsito
fu = tenso ltima das fibras
Ef = mdulo de elasticidade da fibra
Em = mdulo de elasticidade da matriz
Vc = volume de compsito = Vf + Vm = 1
Vf = volume de fibra no compsito
Vm = volume da matriz no compsito
CARGA
DEFLEXO
(C) VF =Vcrtico
(B) VF >Vcrtico
(A) VF
-
35
O estado de tenses e deformao do compsito no exato momento em
que h a ruptura da matriz define as condicionantes do volume crtico de fibras.
Assim, neste momento, a deformao da fibra a mesma da matriz ( f = um) e
a tenso aplicada na fibra dada por f = mu x Ef. J a tenso de ruptura da
matriz obtida por mu = mu x Em e, assim, tem-se:
c = mu x Ef x Vfcrit + mu x (1 - Vfcrit) (8)
Logo aps a ocorrncia da ruptura da matriz h a transferncia do
carregamento da matriz, que transfere a sua carga resistida para a fibra. Ou
seja, a tenso assumida pelo compsito corresponde a c = fu x Vfcrit.
Aplicando-se este hiptese equao (8) tem-se:
fu x Vfcrit = mu x Ef x Vfcrit + mu x (1 - Vfcrit) (9)
Ou
Vfcrit = mu / ( fu - mu x Ef + mu) (10)
Sabendo-se que:
Ec = Ef x Vf + Em x Vm (11)
Para o caso especfico do volume crtico, tem-se:
Ec = Ef x Vfcrit + Em x (1 - Vfcrit), que corresponde a:
Ef = (Ec - Em + Em x Vfcrit) / Vfcrit (12)
Substituindo-se (12) em (11), tem-se:
Vfcrit = ( mu x Ec) / fu (13)
No caso particular do CRFA, adotando-se os valores de mu = 100 x 10-6,
de fu = 1000 MPa, considerando o valor de Ec como tendendo ao valor da
matriz Em, dado o pequeno volume de fibras em relao matriz (equao 11)
e considerando Ec = 30 GPa, tem-se como Vfcrit um valor da ordem de 0,3%.
Este valor corresponde a um consumo de 23 kg/m3 de fibras de ao, o que
um valor muito baixo para se ter um comportamento elasto-plstico perfeito na
prtica. Isto ocorre porque o valor obtido pelo modelo de Aveston, Cooper e
Kelly (1971) considera um compsito ideal, onde as fibras so contnuas e
perfeitamente alinhadas ao eixo de tenses principais.
Pela modelagem de Aveston, Cooper e Kelly (1971) chega-se tambm a
um teor de 0,8% para a fibra de polipropileno (aproximadamente 1 kg/m3), o
-
36
que tambm est longe de ser verificado nas condies prticas. Tal
disparidade se deve ao fato das fibras normalmente utilizadas serem
descontnuas, ou seja, curtas e aleatoriamente distribudas no concreto. Assim,
quando ocorre a ruptura da matriz, haver certa inclinao das fibras em
relao fissura que no estar na posio ortogonal s mesmas, conforme o
previsto pelo modelo. Alm disso, o comprimento de fibra que permanecer
embutido na matriz e definir a carga de arrancamento que ela sustentar ser,
no mximo, igual metade do seu comprimento, caso a fissura ocorra
exatamente na metade do comprimento da fibra. Com isto deve-se utilizar os
coeficientes de correo ou fatores de eficincia para o volume crtico que so
funo da inclinao da fibra em relao direo ortogonal fissura e ao
comprimento da fibra. Estes fatores permitem uma maior aproximao do Vfcrit
terico e aquele obtido experimentalmente. Os fatores de eficincia
considerados so basicamente dois: o 1 e o 2. O valor de 1 est associado
ao efeito da orientao da fibra. Na Tabela 2.6 se encontram apresentados
alguns dos valores apontados para 1.
Tabela 2.6 Valores para o fator de eficincia n1 majorador do volume crtico em funo da direo da fibra (Hannant, 1978).
Orientao Valores de 1
Cox Krenchel
Uma direo 1 1
Duas direes 0,333 0,375
Trs direes 0,167 0,200
Desta forma a equao (8), anteriormente apresentada, pode ter a
seguinte alterao para incorporar o efeito do direcionamento da fibra na
matriz:
c = mu x Ef x 1 x Vfcrit + mu x (1 - 1 x Vfcrit) (14)
A equao (9) passar a ser:
fu x 1 x Vfcrit = mu x Ef x 1 x Vfcrit + mu x (1- 1 x Vfcrit) (15)
Assim, tem-se como nova formulao para a equao (10):
-
37
Vfcrit = mu / [( fu - mu x Ef + mu) x 1] (16)
Desta maneira, o valor de Vfcrit corrigido em funo da orientao da
fibra corresponde ao Vfcrit sem correo dividido pelo fator 1. Isto atende a:
Vfcrit = ( mu x Ec) / ( fu x 1) (17)
Assim, o valor determinado para Vfcrit de 0,3% para compsitos de matriz
de CRFA passa a ser:Vfcrit corrigido = Vfcrit/ 1 = 0,31/0,375 = 0,83
Adotou-se aqui o valor referente s fibras orientadas em duas direes
proposto por Krenchel (Tabela 2.6), que o normalmente esperado para
algumas aplicaes especficas como o caso dos tubos de concreto para
obras de saneamento. Isto pode ser verificado pelos resultados experimentais
apresentados no item 6.4.3. Este efeito de direcionamento to mais intenso
quanto menor for o dimetro do tubo, pois isto implicar em espessuras mais
delgadas. Em estudo desenvolvido com tubos de 600 mm de dimetro nominal
interno e espessura de parede de 72 mm reforados com fibras do tipo AI, com
60 mm de comprimento e fator de forma 80 (FIGUEIREDO et al., 2010),
obteve-se os grficos de carga por deformao diametral apresentados na
Figura 2.19. Observa-se que, neste caso, o teor de fibras de 40 kg/m3,
correspondente a um teor em frao volumtrica de 0,5%, j proporcionou um
comportamento do tipo strain-hardening, muito prximo do obtido para o
reforo com barras de ao. Isto pode estar associado maior intensidade no
direcionamento da fibra, dado que seu comprimento (60 mm) pouco menor
que a espessura da parede do tubo (72 mm), o que pode levar a um forte
direcionamento da fibra na direo do esforo principal.
Vale ressaltar tambm importncia da influncia da resistncia da fibra
na definio do valor crtico, como fica muito bem demonstrado pela equao
(13), que a tenso ltima da fibra um importante fator a influenciar o teor
crtico e, naturalmente, o desempenho ps-fissurao do compsito, conforme
est mais bem discutido no item 2.3.3. Alm disso, pela mesma equao (13)
em conjunto com a equao (11) denota-se que o mdulo de elasticidade da
matriz, que o principal elemento definidor do mdulo de elasticidade do
compsito (Ec), influencia diretamente no volume crtico das fibras. Em outras
palavras, matrizes cimentcias de maior mdulo ou resistncia mecnica iro
demandar um volume maior de fibras para atingir o teor crtico. Esta influncia
-
38
se encontra melhor descrita no item 2.3.4. No entanto, antes de abordar estes
aspectos, ser apresentado outro fator fundamental na definio do
comportamento dos compsitos que a geometria das fibras, conforme o
demonstrado no prximo item.
Figura 2.19 curvas mdias de carga por deformao diametral dos tubos reforados com fibras e armadura convencional (Figueiredo et al., 2010).
2.3.2 O efeito da geometria das fibras
Alm do teor de fibras, o desempenho ps-fissurao do concreto
depende muito da geometria da fibra que est sendo utilizada. Para melhor
representar essa influncia, importante apresentar outro conceito
fundamental associado eficincia das fibras que o comprimento crtico (Lc).
A definio do comprimento crtico est baseada no modelo que prev a tenso
entre a matriz e a fibra aumentando linearmente dos extremos para o centro da
mesma. Esta tenso mxima quando a tenso a que a fibra est submetida
se iguala tenso de cisalhamento entre a esta e a matriz. Na Figura 2.20 se
encontram apresentadas as situaes possveis de distribuio de tenso na
fibra em relao ao comprimento crtico, quais sejam: L = Lc, L > Lc e L < Lc,
onde L = comprimento da fibra.
0
50
100
150
200
0 2 4 6 8
Car
ga (
kN)
Deformao diametral mdia (mm)
tela
fibra
-
39
Figura 2.20 Distribuies possveis de tenso ao longo de uma fibra em funo do comprimento crtico (adaptado de Bentur; Mindess, 1990).
O comprimento crtico de uma fibra (Lc) aquele que atinge uma tenso
no seu centro igual sua tenso de ruptura quando a fissura ocorre
perpendicular fibra e posicionada nesta mesma regio. Quando a fibra tem
um comprimento menor que o crtico, a carga de arrancamento proporcionada
pelo comprimento embutido na matriz no suficiente para produzir uma
tenso que supere a resistncia da fibra. Nesta situao, com o aumento da
deformao e conseqentemente da abertura da fissura, a fibra que est
atuando como ponte de transferncia de tenses pela fissura ser arrancada
do lado que possuir menor comprimento embutido. Este o caso normalmente
encontrado para as fibras de ao no concreto de baixa e moderada resistncia
mecnica. Quando se tem um concreto de elevada resistncia mecnica ou se
utiliza uma fibra de menor resistncia, melhora-se a condio de aderncia
relativa entre a fibra e a matriz e, nestes casos, possvel ultrapassar o valor
do comprimento crtico causando ruptura de algumas fibras.
Pelo apresentado no modelo da Figura 2.16, pode-se levar concluso
de que, quanto maior o comprimento da fibra, maior o seu embutimento e,
-
40
por conseguinte, maior a capacidade resistente ps-fissurao conferida pela
fibra ao concreto. No entanto, a utilizao de elevados comprimentos de fibras
ir produzir dois grandes inconvenientes. O primeiro a grande dificuldade
gerada pelas fibras mobilidade da mistura (item 3.3). O segundo problema de
ultrapassar o comprimento crtico que a fibra acabar por se romper no
momento em que a fissura surge, o que reduz a resistncia residual. Com isto,
perde-se uma das principais contribuies das fibras s matrizes cimentcias,
que a reduo de sua fragilidade. Por essa razo, as fibras normalmente
disponibilizadas no mercado para o reforo do concreto de resistncia
convencional possuem comprimentos menores que o crtico e o mecanismo de
reforo passa a ser governado pelo processo de arrancamento da fibra
garantindo assim a tenacidade do compsito.
Segundo Bentur e Mindess (1990), o mecanismo bsico de reforo da
matriz fissurada composto por uma parcela elstica e outra parcela de atrito.
Devido existncia de uma zona de transio, estes autores advogam a
condio de que a tenso de cisalhamento por aderncia elstica sempre
superior resistncia ao cisalhamento entre fibra e matriz na interface. Com
isto, tem-se o descolamento da fibra que acaba por gerar o seu
escorregamento a partir da borda da fissura. Este processo levar ao
arrancamento da fibra quando o compsito carregado de maneira a aumentar
a abertura de fissura, sendo que um dos principais mecanismos de
transferncia de tenso o atrito. No modelo proposto por estes autores, a
tenso de atrito uniforme ao longo da fibra, enquanto a tenso de
cisalhamento elstico guarda uma distribuio particular conforme o
apresentado esquematicamente na Figura 2.21. Por este modelo, possvel
compreender que, medida que a fibra arrancada da matriz durante o
carregamento que aumenta a abertura de fissura, ocorre um aumento da
parcela de transferncia de tenso por atrito em relao elstica. Alm disso,
o comprimento embutido da fibra diminui e, conseqentemente, a carga P
resistida pela fibra tambm.
A importncia do comprimento da fibra na definio do comportamento
ps-fissurao do concreto j foi demonstrada inmeras vezes e quantificada
por Figueiredo et al. (1997). Neste estudo foram utilizadas duas fibras AII de
mesma seo transversal e comprimentos diferentes produzidas a partir da
-
41
mesma chapa, ou seja, possuam a mesma resistncia mecnica. Como pode
ser observado na Figura 2.22, em que se apresentam as curvas mdias obtidas
de uma srie de dez corpos-de-prova submetidos ao ensaio de trao na
flexo, a resistncia aps a fissurao foi maior para a fibra mais longa. No
entanto, se esse comprimento for aumentado muito mais, ou se a resistncia
da matriz aumentar muito, o comprimento adotado poder ultrapassar o
comprimento crtico. Como conseqncia, a fibra deixar de escorregar em
relao matriz aumentando muito a fora de atrito entre fibra e matriz. Dessa
maneira ocorrer a ruptura da fibra e, conseqentemente, haver uma perda
de capacidade resistente ps-fissurao do compsito.
Figura 2.21 Configurao esquemtica da distribuio de tenses de cisalhamento elstico e de atrito ao longo de uma fibra atuando como ponte de transferncia de
tenso em uma matriz fissurada (Bentur; Mindess, 1990) Alm do comprimento, a variao da seo transversal da fibra tambm
implicar numa alterao do comportamento ps-fissurao do compsito.
Quanto menor a seo transversal, menor ser a rea de contato da fibra com
a matriz e, portanto, menor ser a carga que a fibra poder suportar durante o
seu arrancamento. A influncia deste parmetro no comportamento ps-
fissurao do concreto projetado foi estudada por Figueiredo (1997), que
utilizou uma matriz de composio fixa e resistncia mdia de cerca de 35
MPa. As fibras utilizadas se encontram apresentadas na Tabela 2.7 e os
-
42
resultados se encontram apresentados na Figura 2.23. Todas as fibras
utilizadas possuam comprimentos similares, pois esta uma limitao da
tecnologia do concreto projetado que impede a utilizao de fibras longas que
causariam entupimentos no equipamento. Cada corpo-de-prova ensaiado foi
aberto e o nmero de fibras presente na seo de ruptura foi determinado.
Assim, foi possvel correlacionar o desempenho ps-fissurao com nmero de
fibras presentes na seo de ruptura. Percebe-se nitidamente que fibras de
maior seo transversal apresentam um maior desempenho para um nmero
fixo de fibras presente na seo de ruptura. Isto ocorre porque a maior seo
transversal da fibra proporciona uma maior rea de contato com a matriz e
aumenta a resistncia individual ao arrancamento. No entanto, como as fibras
so dosadas no em nmero, mas em volume ou em massa por metro cbico
de concreto, as fibras de maior fator de forma, para um comprimento constante,
estaro presentes em muito maior nmero na seo de ruptura, o que ir
conferir uma maior resistncia ps-fissurao global para um dado teor. Isto
pode ser verificado na figura 2.24 onde as mesmas fibras tm seu respectivo
desempenho correlacionado com o consumo global.
Figura 2.22 Curvas mdias de carga por deslocamento obtidas no ensaio de trao na flexo de concretos de fck = 30 MPa reforados com uma fibra de 36 mm e outra de
45 mm de comprimento e mesma seo transversal (Figueiredo; Ceccato; Torneri, 1997).
0
5
10
15