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IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil _______________________________________________________ Conectores Ambientais A Construção de Estratégia Vinculada a Instrumentos de Planejamento Anamaria de Aragão Costa Martins [email protected] Arquiteta e doutora em Urbanismo pela Universidade Politécnica da Catalunha. Assessora Especial da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal. Cláudia Varizo Cavalcante Geógrafa, mestranda de Geografia da Universidade de Brasília. Analista de Administração Pública da especialidade de meio ambiente da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal. [email protected] Carlos Roberto Machado Vieira Engenheiro Civil e especialista em Geoprocessamento pela Universidade de Brasília. Assessor da Subsecretaria de Planejamento Urbano da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal. [email protected] Resumo Este trabalho apresenta a potencialidade da configuração de conectores ambientais, a ser adotada em Planos Diretores, na estruturação do sistema de espaços livres no território. Tal estratégia permite a articulação de unidades de conservação isoladas, a partir do manejo adequado de estruturas lineares de vegetação nativa e de outros espaços livres, tanto de ambiência urbana quanto rural, que se prestem a esta finalidade. A identificação, o mapeamento e a caracterização dos conectores ambientais possibilitam a proposição e implementação de um modelo de planejamento e gestão integrado, que necessita ser incorporado ao Plano Diretor como instrumento básico da política urbana e rural de municípios com mais de 20.000 habitantes. Esta estratégia foi adotada no Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal com o objetivo de reconhecer a vocação de determinados espaços para a função socioambiental de conexão de ecossistemas e determinar ações para a preservação e consolidação de espaços importantes para a qualidade de vida da população. Palavras-chave Conexão de ecossistemas, planejamento urbano, sistemas de espaços livres

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IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF – Brasil _______________________________________________________

Conectores Ambientais

A Construção de Estratégia Vinculada a Instrumentos de

Planejamento

Anamaria de Aragão Costa Martins [email protected]

Arquiteta e doutora em Urbanismo pela Universidade Politécnica da Catalunha. Assessora Especial da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal.

Cláudia Varizo Cavalcante

Geógrafa, mestranda de Geografia da Universidade de Brasília. Analista de Administração Pública da especialidade de meio ambiente da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do

Distrito Federal. [email protected]

Carlos Roberto Machado Vieira

Engenheiro Civil e especialista em Geoprocessamento pela Universidade de Brasília. Assessor da Subsecretaria de Planejamento Urbano da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente

do Distrito Federal. [email protected]

Resumo Este trabalho apresenta a potencialidade da configuração de conectores ambientais, a ser adotada

em Planos Diretores, na estruturação do sistema de espaços livres no território. Tal estratégia permite

a articulação de unidades de conservação isoladas, a partir do manejo adequado de estruturas

lineares de vegetação nativa e de outros espaços livres, tanto de ambiência urbana quanto rural, que

se prestem a esta finalidade. A identificação, o mapeamento e a caracterização dos conectores

ambientais possibilitam a proposição e implementação de um modelo de planejamento e gestão

integrado, que necessita ser incorporado ao Plano Diretor como instrumento básico da política urbana

e rural de municípios com mais de 20.000 habitantes. Esta estratégia foi adotada no Plano Diretor de

Ordenamento Territorial do Distrito Federal com o objetivo de reconhecer a vocação de determinados

espaços para a função socioambiental de conexão de ecossistemas e determinar ações para a

preservação e consolidação de espaços importantes para a qualidade de vida da população.

Palavras-chave Conexão de ecossistemas, planejamento urbano, sistemas de espaços livres

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1. Introdução

Este trabalho discute a necessidade de articular unidades de conservação segregadas no território

pelas áreas urbanizadas, especialmente em regiões onde se observa um padrão de urbanização

disperso, baseado em propriedades de grande dimensão e baixas densidades.

No atual debate sobre as mudanças climáticas, a manutenção de áreas de vegetação nativa,

considerando seus efeitos sobre o balanço de carbono na atmosfera, assume uma dimensão mais

ampla, que inclui sua relação com as dinâmicas urbana e rural a elas associadas. Essa

perspectiva reveste de importância questões como a expansão urbana, a intensificação do uso

das áreas agricultáveis, a ampliação de atividades pastoris, bem como a expansão da rede

rodoviária, por impactarem os diversos biomas, com a remoção crescente da cobertura de

vegetação nativa, ocasionando processos de fragmentação e isolamento de ecossistemas

preservados e o incremento das taxas de extinção de espécies, comprometendo a biodiversidade

e a integridade dos ambientes naturais.

De modo a contornar a fragmentação do habitat remanescente, o presente artigo apresenta uma

estratégia passível de ser adotada em instrumentos de planejamento urbano, na orientação da

forma de organização do território: a configuração de conectores ambientais, que inclui diversas

unidades de conservação e estruturas lineares de vegetação nativa, e atua na recuperação de

espaços com importância ambiental e promoção da conectividade dos biomas. Tal estratégia foi

desenvolvida na proposta do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT

/2007, em tramitação na Câmara Legislativa do Distrito Federal – CLDF, e constitui uma

experiência piloto de como a função socioambiental de conexão de ecossistemas pode ser

incluída em um instrumento de planejamento urbano.

Em termos teóricos, o trabalho discute a potencialidade de adotar a estratégia de conectores

ambientais no âmbito de planos diretores urbanos, trazendo para um contexto específico o

conceito da estratégia de conservação ambiental de corredores ecológicos. Embora ambas as

estratégias se pautem na concepção de ligação entre espaços naturais que permita a dispersão

de fauna e flora e a manutenção de funções ecológicas, sua distinção radica na abordagem do

tema, em termos de abrangência e exigências para sua configuração.

Em termos metodológicos, o trabalho utiliza a ferramenta do geoprocessamento para cruzamento

e produção de informações, que permitem determinar um diagnóstico ambiental dos espaços de

maior sensibilidade e fragilidade, além das manchas mais preservadas. A sistematização de tais

informações levou a construção do mapa síntese sobre o qual são propostos os conectores

ambientais.

Inicialmente, apresenta-se como a gradação de densidades e a estruturação de sistema de

espaços livres estão presentes na tradição do planejamento urbano como elementos de

organização das metrópoles industriais até o presente. Desenvolve-se, então, como a

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preocupação com o desenvolvimento sustentável e o padrão de dispersão das aglomerações

urbanas indicam a necessidade de estruturar sistemas de espaços livres de modo a preservar a

biodiversidade. Em seguida, o trabalho apresenta os principais impactos da dispersão urbana no

contexto do Distrito Federal, área onde a estratégia discutida encontra-se em processo de

implementação. Continuando, o trabalho desenvolve o conceito de conectores ambientais,

apresentando a metodologia empregada para delmitação das áreas passíveis de funcionar como

conectores.

Finalmente, são apresentadas as medidas necessárias para a implementação dos conectores

ambientais, considerando-se que a configuração de um conector exige a adoção de

procedimentos de gestão integrada e articulada deste mosaico de espaços, bem como realização

de intervenções que tornem evidente a função socioambiental para a qual estes espaços estão

vocacionados, seja em ambiência rural, urbana ou nos espaços naturais.

2. A trajetória do planejamento territorial na definição de sistemas de

espaços livres

A anexação de inúmeros povoados à principal cidade da região, configurando um aglomerado em

termos políticos, administrativos, urbanísticos e socioeconômicos, em finais do século XIX e

princípios do século XX, dá origem ao conceito contemporâneo de metrópole. Para esta

metrópole, vista como o resultado negativo do processo de industrialização, o planejamento

urbano e regional idealizou, especialmente no período entre guerras do século XX, diferentes

modelos territoriais que consideravam além dos povoados anexados, outros núcleos urbanos da

região, na ambição de que estes pudessem abrigar parte da população e atividades econômicas

que congestionavam a grande maioria dos centros urbanos.

Os modelos de organização territorial desde meados do século XX têm em comum a lógica de

organizar a área metropolitana por faixas decrescentes de densidades do núcleo urbano principal

em direção a sua periferia, onde diferentes atividades (condizentes com tais densidades) seriam

instaladas. O excedente populacional do núcleo central seria transferido para cidades satélites

interligadas por sistemas de transporte (inicialmente coletivo, o trem de proximidades, e,

posteriormente, individualizada, a rede rodoviária) e separadas entre si e do núcleo principal por

um sistema de espaços livres. O sistema de espaços livres aparece sob diferentes formas, desde

o cinturão verde em torno do núcleo principal que caracterizou a metropolização de Londres,

passando pelos “fingers”, os dedos verdes de Copenhagen, ou o Coração Verde em torno do qual

se organiza o Randstad holandês. Na maior parte das cidades européias, este espaço verde

estruturador caracterizava-se, inicialmente, já como um espaço agrícola.

A definição de cinturões verdes nas metrópoles atuais é motivada pela ampliação dos limites

urbanos, tendo em vista o processo de dispersão da residência no território. O desenvolvimento

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sustentável e a preocupação com a preservação de áreas ambientalmente frágeis no aglomerado

urbano surgem como principais motivações para idealizar um sistema de espaços livres

estruturador da forma urbana.

A expansão urbana e a dispersão da residência pelo território, a intensificação do uso das áreas

agricultáveis, a ampliação de atividades pastoris, bem como expansão rodoviária despertaram a

preocupação dos planejadores com respeito aos impactos sobre diversos biomas. Em geral, com

a remoção crescente da cobertura de vegetação nativa em prol da urbanização ou das atividades

agrícolas, observam-se processos de fragmentação e isolamento do habitat remanescente, com

impacto sobre sua integridade, repercutindo, certamente, sobre o balanço de carbono na

atmosfera e no processo de mudanças climáticas. Assim, inicia-se nova etapa de estruturação de

sistema de espaços livres, relacionada com a necessidade de proteção de ecossistemas e da

biodiversidade.

Se nos planos do século XIX e princípios do século XX, o cinturão verde incidia principalmente

sobre áreas rurais, e a intenção era preservar o espaço agrícola, rural e bucólico por oposição ao

espaço urbano da metrópole industrial, no presente, trata-se de preservar o espaço natural,

intocado, uma vez que os limites entre urbano e rural são cada vez mais tênues.

3. A necessidade de conectividade de ecossistemas no panorama da

dispersão urbana

A manutenção de ecossistemas e da biodiversidade esteve a princípio relacionada com a

configuração de espaços naturais destinados à preservação de seus atributos, resguardados da

interferência antrópica. Nessa vertente, espaços territoriais foram legalmente protegidos com o

objetivo de manter manchas representativas da vida natural do planeta.

No entanto, a delimitação de áreas para preservação não se mostrou suficiente para a saúde dos

ecossistemas, uma vez que elas se implantaram com um padrão espacial altamente fragmentado.

Estudos sobre os efeitos desse fracionamento de ambientes na dinâmica das comunidades de

flora e fauna, como os de Ricklefs (1996); Plummer & Mann (1995); e Wilson (1988), apontam que

nessas condições as populações tendem à extinção, sendo a interposição de obstáculos ao

acasalamento dos animais que leva ao desenvolvimento de endemismos, uma das maiores

ameaças à biodiversidade (BRASIL, 2000).

Os impactos da fragmentação dos habitat naturais, como afirma Fernandez (1996), também

podem ser percebidos na redução do número absoluto de espécies como conseqüência imediata

da diminuição das áreas preservadas; no processo de insularização que diz respeito à diminuição

da relação espécie-área; e no efeito de bordadura, que corresponde ao aumento de bordas

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expostas onde a elevação de temperatura e do déficit de pressão de vapor afetam os processos

bióticos e a composição de espécies nesses espaços (BRASIL, 2000).

O acelerado processo de urbanização, bem como a expansão de fronteiras agrícolas, promoveu

uma rápida perda de habitat naturais e o isolamento das áreas remanescentes. Diante do padrão

de ocupação do espaço, Miller (1997) admite que o destino das áreas protegidas mundiais

caminha para a formação de ilhas de diversidade biológica em meio a um mar de assentamentos

humanos (BRASIL, 2000).

O caminho para a manutenção da biodiversidade, diante desse quadro de ocupação urbana

associada à fragmentação de ecossistemas, passa pela promoção de formas de intercâmbio de

espécies por meio de corredores de dispersão, que conectam parte de fauna e flora que foram

isolados, e reduzem as taxas de extinção. Esta conexão se torna possível em faixas de habitat

nativo que ligam áreas remanescentes de ecossistemas preservados. Os animais precisam de

caminhos naturais para se movimentar e migrar, e desta forma prevenir a consangüinidade e a

superexploração de presas. A conectividade também é fundamental para espécies que não

possuem espaço suficiente para manter a população viável.

No sentido de incorporar as preocupações com a conectividade de espaços à gestão de Unidades

de Conservação e de áreas protegidas no Brasil, o Sistema Nacional de Unidades de

Conservação, lei nº 9.985/2000, define corredores ecológicos como:

“[...] porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de

conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da

biota, facilitando a dispersão das espécies e a recolonização de áreas

degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam, para a sua

sobrevivência, áreas com extensão maior do que aquelas de unidades

individuais” (art. 2º, inciso XIX da lei nº 9.985/2000).

O Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA - já tratava do tema estabelecendo

parâmetros e procedimentos para a identificação e implantação de corredores ecológicos em sua

Resolução nº 09/1996. Este dispositivo define corredores entre áreas preservadas como sendo

“faixa de cobertura vegetal existente entre remanescentes de vegetação primária, em estágio

médio e avançado de regeneração, capaz de propiciar habitat ou servir de área de trânsito para

fauna residente nos remanescentes” (art 1º da Resolução CONAMA nº 09/1996). Os corredores

mencionados, ainda segundo a Resolução, são constituídos pelas matas ciliares em toda sua

extensão e respectivas faixas marginais definidas por lei; e pelas faixas de cobertura vegetal

existentes nas quais seja possível a interligação de remanescentes, em especial, às unidades de

conservação e áreas de preservação permanente.

Os mencionados instrumentos legais associam a conectividade de áreas preservadas ao processo

de gestão de unidades de conservação, tornando-a medida necessária e estabelecendo

parâmetros para sua implementação a partir do conceito de corredores ecológicos.

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No contexto de crescimento das cidades brasileiras, o padrão de dispersão da mancha urbana,

com áreas cada vez mais esparramadas por um extenso território, que tem certamente contribuído

para o processo de perda e fragmentação de habitat naturais, a conectividade surge como uma

alternativa para a melhoria da qualidade do ambiente urbano como um todo, significando tanto a

manutenção de processos ecológicos importantes daquelas áreas que ainda permanecem

preservadas, como também qualidade em termos do ambiente construído que incorpora espaços

livres a convivência urbana.

Entretanto, nessa mancha urbana dispersa, torna-se tarefa difícil encontrar as faixas de habitat

natural que serviriam de caminhos naturais para animais e para a distribuição de fauna e flora. As

ligações existentes encontram-se, na maior parte das vezes, sensivelmente alteradas pela ação

antrópica. Se a qualidade dessas ligações, como habitat natural, pode ser questionada, enquanto

espaços livres permanecem como únicas possibilidades de conexão e sua valorização como tal se

apóia no que defende Quasmmen (1997), que a conexão entre áreas preservadas, mesmo que

tênue, permite que elas possam suportar um número maior de espécies.

No quadro de dispersão urbana, a busca de mecanismos para a promoção da conectividade

ambiental é crucial e não pode se prender exclusivamente àqueles caminhos que comprovados

por estudos técnicos se enquadrem como corredores ecológicos, mas também incluir toda a

potencialidade que um sistema de espaços livres venha a oferecer para o fluxo gênico.

4. Os impactos da dispersão urbana sobre o meio ambiente em Brasília

As características de relevo, de solos e de entalhe dos cursos de água do Distrito Federal

condicionaram, sobremaneira, a dinâmica de uso e ocupação do solo em seu território. A grande

disponibilidade de áreas planas nas chapadas e nas áreas de dissecação intermediária atraiu,

naturalmente, os assentamentos urbanos e a implantação de grandes glebas de agricultura

irrigada. Por outro lado, os elementos de fragilidade e sensibilidade presentes em seu território

diante das intervenções antrópicas, levaram à delimitação e à criação de espaços legalmente

protegidos, com o objetivo de manter especialmente os recursos hídricos, atributo ambiental

considerado estratégico para a região.

A dinâmica da ocupação do território do Distrito Federal foi conduzida por um ritmo acelerado de

crescimento demográfico. O crescimento da Capital, nos últimos anos, tem se realizado a partir de

tendências metropolitanas de descentralização, dado que a ocupação polinucleada do território

(Plano Piloto e as cidades satélites) deu lugar desde a década de 1990 a um panorama de

dispersão da residência, como conseqüência do aparecimento de numerosos parcelamentos

irregulares de classe média.

O parcelamento de glebas rurais, de propriedade pública ou privada, relativamente desconectadas

dos núcleos urbanos consolidados, em unidades de menor dimensão, caracteriza o crescimento

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por dispersão (MARTINS, 2006). Esta forma de urbanização verificada no Distrito Federal vem

ocorrendo à margem do planejamento, em locais próximos às unidades de conservação

constituídas para a proteção de áreas mais sensíveis à ocupação humana.

Aparentemente, o padrão de ocupação do solo com lotes de maior dimensão e menores

densidades – ou o modelo de chácaras de recreio – utilizado em inúmeros bairros do ínicico de

Brasília sugere, do ponto de vista ambiental, maior respeito à capacidade de suporte do território,

na medida em que haveria menor impermeabilização do solo, maior preservação da cobertura

vegetal, menor incidência de processos erosivos, entre outros aspectos.

Deve-se recordar que este modelo, além do apelo ambiental, reflete também um modelo cultural,

associado com o culto à cidade-jardim como a alternativa por excelência à problemática da cidade

industrial do século XIX, com suas altas densidades, mescla de usos impróprios, tais como

residência e indústria, ausência de saneamento, em um padrão de insalubridade que ocasionou

grandes epidemias. Por oposição a esse modelo, a cidade-jardim e os modelos utópicos dos pré-

urbanistas progressistas do século XIX (CHOAY, 1965) idealizaram a desconcentração da cidade

industrial com a criação de comunidades no campo (com população controlada) a distâncias e

localizações compatíveis com o sistema ferroviário. Os modos de locomoção, que aumentam a

mobilidade no território, criaram a possibilidade material de difusão do tecido urbano. Este modelo

foi reelaborado em diferentes versões, sendo uma delas o modelo de cidade-parque de Brasília

(MARTINS, 2006).

Estes três fatores – apelo ambiental, modelo cultural e mudança nos modos de locomoção –

foram determinantes no padrão de dispersão urbana verificado em grande parte das áreas

metropolitanas, assim como em Brasília.

A relação com a natureza buscada tanto no modelo ambiental e cultural da baixa densidade

residencial, em pequenas comunidades fora do centro urbano, foi substituída por outras formas de

interpretação do que é “natureza”: os grandes lotes não necessariamente optam por preservar a

cobertura vegetal original, mas seus proprietários preferem gramados e espécies exóticas; os

lotes não necessariamente apresentam grandes percentuais permeáveis, já que são construídas

inúmeras estruturas de lazer nas áreas livres, como piscinas, churrasqueiras, quadras de

esportes, salões de jogos e áreas pavimentadas para ocasiões festivas, por exemplo.

No Distrito Federal, o impacto desta forma urbana fica envidenciado em algumas situações como

a contaminação do lençol freático derivada de poços artesianos abertos nas chácaras de recreio,

o represamento ilegal de córregos para formação de “piscinas naturais” no interior de tais

propriedades em áreas do Setor de Mansões Park Way, Lago Sul e Lago Norte.

Além disso, o alto consumo de água encontrada nas áreas com maior índice de dispersão urbana

geram outro tipo de impacto. De acordo com dados da Companhia de Abastecimento de Água do

DF (CAESB, 2003 apud MANCINI, 2008), enquanto o consumo de água em tecidos urbanos mais

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compactos, como o da cidade de Celândia, é da ordem de 180 l/hab/dia, no Lago Sul, o consumo

é de 597 l/ha/dia, no Lago Norte é de 349 l/ha/dia. O Plano de Água e Esgotos de 2000 (CAESB,

PDAE, 2000 apud MANCINI, 2008) apresenta que, em 1990, a cota de água reservada para o

Parkway era de 750 l/ha/dia e a do Lago Norte e Lago Sul era de 600 l/hab/dia. Embora as

medições de consumo das áreas tenham permitido a redução desta cota (ParkWay- 323 l/ha/dia e

Lago Norte – 306 l/hab/dia), o padrão de consumo de áreas com grandes propriedade é pelo

menos 3 vezes maior que o de áreas mais densas e compactas, evidenciando uma tendência

pouco sustentável, frente à pouca disponibilidade hídrica do DF.

Outro tipo de impacto, que interessa diretamente ao presente trabalho, diz respeito à

fragmentação do habitat remanescente. A sucessão de propriedades de grande dimensão, que

muitas vezes estão próximas a unidades de conservação, interrompem os fluxos naturais da fauna

que passa a enfrentar inúmeros obstáculos como cercas e muros.

Como resultado, este modelo disperso de ocupação urbana, horizontal e de baixa densidade,

muito contribuiu para que o Distrito Federal perdesse rapidamente sua cobertura vegetal nativa.

Hoje, o Cerrado corresponde a cerca de 42,36% do seu território, entre matas, cerrado stricto

sensu e campos, segundo dados da UNESCO (2001).

Além de perda em termos absolutos da área de Cerrado, observa-se significativa fragmentação do

bioma. O maior percentual de cobertura vegetal remanescente no DF corresponde a algumas das

áreas legalmente protegidas - o Parque Nacional, a Reserva Ecológica do IBGE e as Estações

Ecológicas de Águas Emendadas, do Jardim Botânico e da UnB. O restante são áreas

fracionadas associadas a situações de fragilidade físico-territorial, onde as dificuldades no

desenvolvimento de atividades urbanas ou rurais (encostas mais acentuadas, solos pouco

profundos, maior susceptibilidade a processos erosivos) impediram uma ocupação mais intensa.

Importante lembrar que grande parte do território do Distrito Federal foi reconhecida como

Reserva da Biosfera do Cerrado pelo programa da UNESCO “O Homem e a Biosfera”, que tem

como objetivo justamente promover formas de conservação do Bioma em áreas sujeitas às

pressões da urbanização. A mencionada Reserva da Biosfera identifica suas zonas núcleo,

espaços preservados, a zona tampão, em seu entorno imediato, e indica o que seria uma zona de

transição, responsável pela ligação entre as zonas núcleo. Entretanto, os espaços que compõem

esta zona de transição não foram detalhados.

Assim, do ponto de vista ambiental, contraditoriamente a sua premissa inicial, o aparente respeito

à capacidade de suporte do território, a que esta forma de ocupação extensiva e em baixas

densidades propõe-se, transforma-se na contínua urbanização ao longo das principais vias de

conexão territorial, configurando transições ambíguas entre espaço urbano e rural e levando à

ocupação de áreas de interesse ambiental que, em situações mais compactas, poderiam ser

preservadas. Neste cenário territorial, o isolamento é cada vez maior de espaços remanescentes

de vegetação natural, sendo poucos os caminhos possíveis para as trocas bióticas.

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Considerando os problemas decorrentes do isolamento e fragmentação para a manutenção dos

ecossistemas e biodiversidade, a qualidade desses ambientes ainda preservados, bem como do

ambiente construído no Distrito Federal, passa pela manutenção de ligações que viabilizem trocas

bióticas. De forma que a conexão entre remanescentes de espaços naturais é condição a ser

buscada e garantida também no contexto da ocupação urbana.

5. A estratégia de conectores ambientais

As ligações entre espaços remanescentes naturais, especialmente em ambientes urbanos,

conforme já mencionado, devem ser propiciadas mesmo que de forma tênue, diante da

possibilidade de ganhos na preservação de espécies. É nesta perspectiva de construir alternativas

que contribuam num processo de manutenção da biodiversidade que reside a estratégia de

conectores ambientais1.

O desenvolvimento do conceito de conector ambiental surge da necessidade de definir os

caminhos naturais que propiciam a ligação de sistemas preservados em contextos urbanos cada

vez mais dispersos, que seguem um modelo urbano extensivo e em baixa densidade, que se

propaga em áreas de interesse ambiental. Por isso, a delimitação dos conectores ambientais parte

de informações de um diagnóstico físico-ambiental do território capaz de identificar sistemas

preservados e pouco antropizados, muitas vezes os únicos espaços livres ainda possíveis de

serem articulados e preservados pois a mancha urbana se dispersou sobre os espaços naturais.

Assim, tal conceito pode ser facilmente incorporado como um elemento dos planos diretores, isto

é, como um dos instrumentos da política urbana.

A metodologia para a identificação de conectores e a indicação de medidas para a sua

implementação tem como base a experiência aplicada no Distrito Federal, desenvolvida no

contexto da revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF, entre 2004 e 20072.

1 Um paralelo entre os conceitos de corredores ecológicos e conectores ambientais ajuda a explicitar a concepção deste último. Embora, os dois conceitos se pautem na concepção de ligação entre espaços naturais que permita a dispersão de fauna e flora, e a manutenção de funções ecológicas, o corredor ecológico já tem sua definição estabelecida no SNUC. Como o SNUC vincula os procedimentos relacionados à delimitação e implementação dos corredores ecológicos ao plano de manejo das unidades de conservação, sua delimitação pressupõe a realização de estudos de representatividade dos ecossistemas para o estabelecimento de prioridades de conservação.

2 Os autores integraram a equipe responsável pela revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF, em processo de discussão na Câmara Legislativa (PLC 46/2007). A estratégia de integração ambiental, como denominada no Plano Diretor, foi discutida com técnicos do órgão ambiental, tendo sido revalidada na 3ª Audiência Pública Geral do Plano, em 02 de junho de 2007. Desde a Audiência, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente vem empreendendo estudos para viabilizar a implantação dos conectores ambientais em diferentes localidades. O resultado desta experiência é apresentada no artigo.

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5.1. A metodologia para identificação de conectores ambientais

A introdução da estratégia de integração ambiental, no âmbito do Plano Diretor do Distrito Federal,

buscou enfatizar a organização do território a partir das possibilidades de articulação geradas

pelos espaços naturais. Observa-se no território do DF que tanto as unidades de conservação

como a estrutura de parques não configuram um sistema, por se encontrarem extremamente

fragmentados e desconectados. Nesse sentido, a delimitação dos conectores ambientais abriu a

possibilidade de desenhar um sistema de espaços livres.

Os exemplos internacionais corroboram com o método empregado na identificação dos

conectores ambientais. O Fingerplan de Copenhagen, de 1944, identificou cursos de água,

corredores verdes e estradas isoladas como os caminhos naturais para a definição dos “dedos

verdes” que estruturariam o crescimento da aglomeração de Copenhagen. Mais recentemente, o

Plano Geral Metropolitano de Barcelona (1992) criou a Anella Verda, um sistema de espaços

livres interconectados capazes de manter a biodiversidade. Este sistema é composto por espaços

naturais, pelo sistema hidrográfico, por corredores florestais, tendo os espaços agrícolas como

elementos de contenção.

A visualização dos principais conectores ambientais do território do DF emergiu naturalmente a

partir da construção de mapas temáticos, relativos às diferentes variáveis do meio físico,

necessários para a identificação dos condicionantes da urbanização, utilizando como ferramenta

metodológica o geoprocessamento.

O geoprocessamento é o tratamento informatizado de dados georreferenciados. Utiliza

ferramentas computacionais, chamadas de Sistemas de Informação Geográfica – SIG, que

permitem realizar análises, sobreposições e cruzamentos de informações cartográficas e

mapeamentos temáticos, a partir de um banco de dados georreferenciado.

O Distrito Federal conta com o Sistema de Informações Territoriais e Urbanas do Distrito Federal –

SITURB, criado pela Lei nº 353, de 18 de novembro de 1992, atualmente sob a coordenação da

Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente - SEDUMA. O SITURB é o

Sistema de Informações Geográficas que responde pelas informações relacionadas ao

planejamento territorial e urbano do DF e está dividido em quatro grandes temas: dados físicos,

circulação e transporte, equipamentos urbanos e uso e ocupação do solo. Os trabalhos de

sistematização dos dados do SITURB foram iniciados em 2000, com a utilização do software

ArcView.

A partir do banco de dados do SITURB foi construído um mapa síntese proveniente da sobresição

de três temas que expressam a integridade de certos espaços para se prestarem à função de

conexão ambiental, assim como a fragilidade de determinadas áreas para a ocupação urbana:

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a) hidrografia do Distrito Federal, constituída por cursos d’ água que são caminhos naturais

da dispersão das espécies, em especial devido aos remanescentes de matas ciliares ainda

presentes no território do DF;

b) mapa de uso do solo (UNESCO/2001 – escala 1:100.000), que identifica as diversas

fitofisionomias do cerrado presentes no Distrito Federal, e a partir do qual podem-se

identificar os remenescentes de vegetação nativa possíveis de propiciar a conectividade

desejada;

c) mapa de suceptibilidade à erosão (figura 1), construído a partir do cruzamento dos dados

relativos à pedologia (Mapa de reconhecimento dos Solos do Distrito Federal-1978-

EMBRAPA- Escala 1:100.000) e a declividades do terreno (CODEPLAN - Escala

1:100.000 – 1989). No mapa de declividades, foram destacados os intervalos mais

íngremes em duas classes de caimento dos terrenos: entre 10% e 20% e acima de 20%.

No mapa da pedologia, utilizaram-se os tipos de solo mais susceptíveis a processos

erosivos. Na categoria de susceptíveis, foram destacados os solos brunizem

avermelhados, e na categoria de muito fortemente susceptíveis a processos erosivos

foram destacados os cambissolos e as areias quartzosas. As áreas que possuem algum

grau de suceptibilidade à processos erosivos, coincidentes em grande parte com espaços

pouco antropizados devido a sua inadequação à ocupação urbana e rural, apresentam por

outro lado boas condições de atender à função de conectividade ambiental.

Figura 1- Mapa de suceptibilidade à erosão

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Da leitura deste mapa síntese (figura 2) foram identificados dois sistemas ambientais relevantes

no contexto da estrutura territorial do Distrito Federal:

a) Sistema Ambiental Preservado do Cerrado

Corresponde a espaços naturais com manchas contínuas de Cerrado ainda preservado, onde

importantes funções ecológicas foram mantidas, especialmente devido à extensão das áreas

abrangidas. Os espaços que compõem esse sistema são elementos fundamentais na sustentação

ambiental do território, exigindo manejo compatível para manutenção dessa condição. A

conformação deste sistema guarda estreita correlação com as principais Unidades de

Conservação de Proteção Integral instituídas no Distrito Federal, demonstrando a eficácia deste

instrumento na manutenção de grandes extensões de espaços preservados. Compõem ainda este

sistema alguns parques e outras categorias de unidades de conservação, bem como áreas

institucionais, da Embrapa e das Forças Armadas, que mantiveram espaços livres estratégicos.

b) Sistema Ambiental Frágil (ou Sensível)

Corresponde às áreas com maior risco a processos erosivos, onde as declividades mais

acentuadas dificultaram a sua exploração tanto por atividades rurais como por urbanas,

configurando um sistema formado de espaços naturais pouco antropizados. A presença de

elementos, como vales fluviais e fragmentos de vegetação nativa recobrindo as encostas, confere

a estes espaços um forte potencial para a conexão ambiental e fluxo biótico. Nesses espaços

deve-se considerar, ainda, que a cobertura com vegetação nativa é uma condição para a

estabilidade das encostas e, portanto, a sua manutenção cumpre também importante papel

ambiental na qualidade dos recursos hídricos e solos.

Figura 2- Mapa de síntese

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A partir da identificação desses dois sistemas ambientais as possibilidades de conexão puderam

ser indicadas. Nesse processo, primeiramente, foi reconhecida a vocação das áreas integrantes

do Sistema Ambiental Frágil para a conexão entre os espaços contínuos de cobertura vegetal

natural do Sistema Ambiental Preservado. Posteriormente, dois critérios foram utilizados para

apontar os conectores ambientais que estabelecem as ligações entre os diversos fragmentos dos

sistemas ambientais: os elementos da hidrografia (cursos d’água e lagos) que, juntamente com a

vegetação no seu entorno a ser obrigatoriamente preservada, delineiam um caminho natural para

a fauna; e a presença de espaços especialmente protegidos (parques e unidades de conservação)

que constituem espaços livres em ambiência tanto rural como urbana que podem ser articulados e

interligados, de maneira a estabelecer um conjunto de áreas dispostas linearmente e de forma

contínua. As conexões apontadas por meio dessa metodologia estão representadas no Mapa

esquemático da estratégia de Conectores Ambientais - (figura 3).

Em síntese, os conectores ambientais correspondem a porções do território dispostas linearmente

que mantém ambientes preservados, tais como fragmentos de vegetação nativa, ou estrutura

física e ambiental própria, tal como vales fluviais, que, por estes aspectos, possibilitam a conexão

funcional entre ecossistemas.

Figura 3- Mapa esquemático da estratégia de Conectores Ambientais

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5.2. Medidas para a implantação de Conectores Ambientais

O Plano Diretor, de acordo com o disposto na Constituição e no Estatuto das Cidades, deve

abranger áreas urbanas, rurais e naturais. Entretanto, na prática, observa-se a maior incidência

das diretrizes dos planos sobre os espaços urbanos. Mesmo ao tratar do sistema de espaços

livres, em geral os Planos Diretores descrevem as unidades de conservação definidas em

zoneamentos ambientais e focam os espaços livres em ambiência urbana.

O ponto de inovação pretendido com a definição de conectores ambientais, no contexto do Plano

Diretor, é abordar um sistema de espaços livres na escala do território, passíveis de definir a

organização da aglomeração. No caso do Distrito Federal, o Plano Diretor de Ordenamento

Territorial procurou indicar procedimentos para a implementação dos conectores ambientais,

considerando a ambiência – urbana, rural ou natural – em que estes se encontram.

Quando os espaços delimitados como conectores inserem-se no espaço natural, muitas vezes é

necessário formalizar a proteção de novas áreas para garantir a integração e articulação da

gestão das unidades de conservação e demais áreas protegidas. Entretanto, em grande parte dos

casos, a recuperação e manutenção das Áreas de Preservação Permanente ao longo dos cursos

d’água é suficiente para reestabelecer os caminhos naturais dos conectores ambientais.

Em ambiência rural, a implantação dos conectores ambientais passa pela demarcação das

reservas legais de propriedades rurais em áreas que estabeleçam, sempre que possível, espaços

contínuos e compatíveis com a função de conexão entre ecossistemas. O incentivo ao

desenvolvimento de atividades consonantes com a proteção do meio ambiente, tais como

ecoturismo, agroecologia, entre outras, constituem caminhos para que a implantação do conector

ambiental receba um estímulo econômico.

Em ambiência urbana, a implantação dos conectores requer um conjunto de ações destinadas a

valorizá-los e qualificá-los também em relação ao seu entorno urbano, e favorecendo as medidas

necessárias para que a comunidade vizinha seja a principal responsável pela proteção,

manutenção e recuperação das áreas que integram o conector. Estes espaços trazem maior

qualidade de vida para as comunidades vizinhas, uma vez que podem contribuir para o lazer. Por

isso, a criação de parques lineares com a finalidade de interligar unidades e áreas protegidas, já

constituídas, e a realização de obras que minimizem o impacto da circulação de veículos sobre as

rotas da fauna estão entre intervenções fundamentais.

A implantação de um conector ambiental encontra-se em desenvolvimento no âmbito da

Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal. O projeto

de requalificação de São Sebastião, um dos núcleos urbanos do Distrito Federal, procura integrar

as demandas relativas a melhoria do ambiente construído com aquelas de implantação de um

conector ambiental que atravessa a área urbana. Trata-se de uma conexão importante, pois

estabelece a ligação entre uma área preservada, que reúne as unidades de conservação

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Estações Ecológicas da UnB e do Jardim Botânico e a Reserva Ecológica do IBGE, e o vale do rio

São Bartolomeu, que interliga toda a região até a Estação Ecológica de Águas Emendadas, outra

unidade de conservação de Proteção Integral.

Onde esse conector atravessa os espaços naturais, é proposta a ampliação da Área de Relevante

Interesse Ecológico Mata Grande. Já no contexto urbano, as medidas para sua implantação

buscam basicamente a eliminação de obstáculos ao livre trânsito da fauna (como a elevação de

vias); a recuperação de áreas degradadas; a recomposição de vegetação, principalmente, em

áreas de preservação permanente; e a qualificação daqueles espaços especialmente protegidos

de maneira que a população faça uso adequado dessas áreas e cooperem com a sua

manutenção.

Observa-se, assim, que a implantação de um conector ambiental exige a adoção de

procedimentos de articulação do mosaico de espaços que o integram, bem como realização de

intervenções e pequenas soluções de engenharia podem significar um grande ganho ambiental,

com mínimos impactos sobre a urbanização.

6. Conclusão

Mesmo sendo o território do Distrito Federal, e suas condicionantes ambientais para ocupação

amplamente estudados desde a definição da localização da nova capital, e não obstante a riqueza

de informação disponível na administração pública e em trabalhos acadêmicos sobre a fauna e

flora da região, o órgão responsável pelo estabelecimento da política ambiental do Distrito

Federal, sujeito a uma serie de limitações de ordem operacional, ainda não dispõe de trabalho

conclusivo sobre o estabelecimento de corredores ecológicos. Com a conclusão do Zoneamento

Ecológico e Econômico, em escala distrital, em elaboração pela Secretaria de Desenvolvimento

Urbano e Meio Ambiente – SEDUMA, são esperados estudos mais aprofundados quanto a esta

questão.

Nesse contexto de indisponibilidade de um diagnóstico abrangente quanto às conexões entre

Unidades de Conservação no DF, historicamente, tem cabido aos Planos Diretores de

Desenvolvimento Territorial e Urbano recorrer ao mosaico de informações disponível, ou ao

estabelecimento de diagnósticos ambientais simplificados. Por outro lado, as condições de

preservação dos remanescentes de matas de galeria e de espaços livres ao longo dos fundos de

vale que, no processo de ocupação do território foram destinados à agricultura, oferecem uma boa

condição para a manutenção das conexões ambientais, em comparação à maioria das cidades

brasileiras, onde córregos estão canalizados e fundos de vale já estão ocupados.

De forma que a inclusão no Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal da

estratégia de conectores ambientais e a adoção de medidas que visam a sua implementação,

convergem aos objetivos dos instrumentos da política ambiental e urbana.

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A indicação de conectores ambientais no plano diretor não pretende esgotar todas as

possibilidades de conexão entre ecossistemas no território. Mediante a metodologia aplicada,

ficam estabelecidas as conexões mais evidentes e com maior possibilidade de gestão integrada,

introduzindo um instrumento importante no planejamento da cidade.

Cria-se, assim, um novo campo de intervenção para políticas públicas voltadas ao

desenvolvimento urbano sustentável.

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