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CONFEITARIA COLOMBO: Mais de um século de gastronomia, cultura e turismo no cenário do Rio de Janeiro.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS

CURSO DE TURISMO

CAIO LOURES MATTOS FERREIRA

CONFEITARIA COLOMBO:

Mais de um sculo de gastronomia, cultura e turismo no cenrio do Rio de Janeiro.

Juiz de Fora MG

2013

CAIO LOURES MATTOS FERREIRA

CONFEITARIA COLOMBO:

Mais de um sculo de gastronomia, cultura e turismo no cenrio do Rio de Janeiro.Monografia apresentada ao curso de Turismo, Instituto de Cincias Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, com requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Turismo.

Orientadora: Tereza Cristina BelosiJuiz de Fora MG

2013

RESUMO

O presente trabalho tem como fundamento abordar como um empreendimento com propsito inicialmente gastronmico tem o poder de atrair turistas de diversas partes do Brasil e do mundo, que visitam o Rio de Janeiro, desvinculando-os do roteiro tradicional de turismo na cidade. Para tais concluses observaremos, de diferentes perspectivas, os produtos e servios oferecidos pela Confeitaria Colombo juntamente com toda sua histria, influncia e representatividade para a cultura e para o turismo no Rio de Janeiro. Atravs de entrevistas aos visitantes da confeitaria teremos uma idia do que os turistas buscam ao visit-la. Faremos tambm uma anlise a partir de questionamentos administrao da confeitaria e da Riotur. Pretende-se, portanto, verificar como a Colombo se destaca dentro outros atrativos de potencial turstico na regio da cidade, permanecendo h anos como um cone para o Rio de Janeiro.

Palavras-chaves: Confeitaria Colombo, gastronomia, cultura, turismo e Rio de Janeiro.ABSTRACT

This work is based on showing how a business with initially gastronomic purpose has the power to attract tourists from various parts of Brazil and the world who visit Rio de Janeiro, separating them from the traditional circuit of tourism in the city. To such conclusions, we will observe from different perspectives the products and services offered by Confeitaria Colombo along with all its history, influence and representation for our culture and for tourism in Rio de Janeiro. Through interviews with visitors of confectionery we will have an idea of what the tourists seek to visit it. We are also going to do an analysis from questions made to confectionarys administration and Riotur employees. It is intended, therefore, to observe how the confectionary stands out within other attractive touristy potential of the region, staying for years as an icon for Rio de Janeiro and of extreme importance to tourism in the city.Keywords: Confectionery Colombo, gastronomy, culture, tourism and Rio de Janeiro.LISTA DE SIGLAS

OMT Organizao Mundial do Turismo.

IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.

SPHAN Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.

UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura.IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.

LISTA DE ILUSTRAES

FIGURA 1 OS PRIMEIROS ANOS DA CONFEITARIA COLOMBO 68FIGURA 2 ESPELHOS BELGAS MOLDADOS EM JACARAND 69FIGURA 3 CLARABIA DE VITRAIS COLORIDOS 69FIGURA 4 - O AMBIENTE ATUAL DA RUA GONALVES DIAS 70FIGURA 5 A PAISAGEM URBANA DO CENTRO DO RIO DE JANEIRO 70FIGURA 6 A FACHADA DA CONFEITARIA COLOMBO71FIGURA 7 A PRIMEIRA VISTA DENTRO DA CONFEITARIA 71FIGURA 8 OS FAMOSOS DOCES DA CONFEITARIA 72FIGURA 9 O CARDPIO DE SALGADOS 72FIGURA 10 SUVENIERS 73FIGURA 11 O ESPAO DO BAR 73FIGURA 12 A VISTA DO BAR JARDIM 74FIGURA 13 O RESTAURANTE CRISTVO 74FIGURA 14 O RESTAURANTE CABRAL 75FIGURA 15 PRINCIPAIS PONTOS TURSTICOS DA REGIO SUL DO RIO DE JANEIRO76FIGURA 16 PRINCIPAIS PONTOS TURSTICOS DO CENTRO DO RIO DE JANEIRO 76FIGURA 1 PANORAMA DO OBJETO EM ESTUDO77SUMRIO

7INTRODUO

101CULTURA E TURISMO: QUESTES E CONSIDERAES

121.1O TURISMO SOB UMA PERSPECTIVA CULTURAL

11.2O PATRIMNIO HISTRICO E CULTURAL NO CONTEXTO TURSTICO.

9252DA ALIMENTAO GASTRONOMIA

22.1O LEGADO GASTRONOMICO NO BRASIL

9322.2GASTRONOMIA E TURISMO: TENDNCIAS E POTENCIALIDADES

403CONFEITARIA COLOMBO: CULTURA, GASTRONOMIA E TURISMO

443.1A PAISAGEM URBANA E TURSTICA DO RIO DE JANEIRO

3.2 48a receita da confeitaria centenria

CONCLUSO58

REFERNCIAS59APENDICES63ANEXOS68INTRODUO

A cultura o elemento mais caracterstico de um povo. Ela considerada um conjunto complexo de manifestaes e expresses advindas da ao do homem. A partir dela podemos conhecer sobre hbitos e costumes de um determinado grupo, tal como sua histria, especialmente atravs de sua alimentao.

O que se come em um determinado lugar o retrato das influncias histricas e culturais daquela regio. Talvez por este motivo tambm, ao longo dos anos ela tenha se tornado um importante elemento para o turismo. Quem conhece outros pases, outras cidades, busca experimentar pratos tpicos destes lugares, podendo aprender muito sobre essas regies apenas na forma de alimentao de seu povo. As particularidades na alimentao de cada cultura com o passar dos anos comea a assumir um valor mercadolgico, tendo a gastronomia como um recurso capaz de gerar renda para uma comunidade, por atrair pessoas interessadas em suas diversidades.

Contudo, dificilmente, a gastronomia ser o principal motivador na atrao de turistas. Ela muitas vezes aparece como um componente secundrio para outras atividades, ou surge aliada a outros atrativos, assim tendo maior possibilidade de sucesso.

A cultura em mbito geral pode ser considerada um dos principais veculos para promoo de um determinado lugar. O Brasil, alm do cenrio tropical difundido como imagem do pas, ainda oferece uma grande diversidade cultural. Esta diversidade est presente na prpria miscigenao de nosso povo, nas comemoraes, nas singularidades da natureza, na culinria, na arquitetura e outras tantas formas que a cultura assume.

A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, conhecida internacionalmente pelos seus atrativos naturais. Sua tradicional imagem marcada pelas suas belas praias, uma paisagem natural mpar e lindas mulheres. A praia de Copacabana, o Po de Acar e o Corcovado so os mais conhecidos pontos da cidade e forte catalisadores de turistas que visitam o Rio de Janeiro. Alm desses atrativos, ainda destaca-se as comemoraes como o Carnaval e o Reveillon, onde ntida uma maior concentrao de turistas na cidade.

No entanto, o Rio de Janeiro ainda dispe de atrativos de cunho histrico-cultural como museus, igrejas, bibliotecas e outros monumentos. No menos importante, a centenria Confeitaria Colombo se destaca no apenas pela gastronomia, mas tambm por ser considerado patrimnio artstico e cultural do estado do Rio de Janeiro.

Alm da grande variedade de salgados, doces, sobremesas e outras iguarias, a confeitaria tornou-se famosa por ter sido um ponto tradicional de encontro entre intelectuais, artistas e polticos. A arquitetura do prdio, que remete a belle poque, ainda um grande atrativo para turistas interessados nas caractersticas culturais do Rio Antigo. A confeitaria um importante centro de visitao, com maior notoriedade at do que outros monumentos de carter histrico da cidade.

Portanto, a importncia deste trabalho considerar que neste caso, no s a gastronomia foi responsvel por sustentar a Confeitaria por mais de cem anos, mas tambm o conjunto de atributos culturais vinculados a ela. Alm disso, esses elementos so capazes de atrair turistas para uma rea que ainda conta com uma insuficincia no turismo no Rio de Janeiro, ainda que, se localiza meio a tantas opes oferecidas. Embora seja repleta de prdios em maioria comerciais e monumentos histricos, a regio apesar do grande potencial, foge ao eixo tradicional de turismo na cidade.

Este trabalho pretende contribuir tambm para mostrar que apesar do poder que possui, a gastronomia assim como alguns dos demais segmentos tursticos ainda so mal explorados. Especificamente o segmento gastronmico, em muitos casos, pode ser uma ferramenta importante para a preservao de caractersticas histricas e culturais. Desta forma espera-se que aumentando o debate sobre a importncia da gastronomia e seu curso dentro da atividade turstica, futuramente ela possa ser mais bem explorada. Uma alternativa seria ali-la a elementos culturais e histricos. Como vamos observar no caso da Confeitaria Colombo.

O primeiro captulo deste trabalho pretende mostrar como a cultura est presente na atividade turstica, tal como sua fundamental importncia para esta. Para isto iniciamos o trabalho com conceitos e definies sobre turismo, tiradas da obra de Beni (2002) e Barreto (2000, 2007 e 2008), e o que cultura, obtidas tambm atravs de publicaes Barreto e ainda Yazigi; Carlos; Cruz (2002), Furnari, Pinsky (2005) e fontes importantes como Pellegrini (1999) e Laraia (2009). Desta forma podemos observar o turismo sob uma perspectiva cultural e melhor entender como a cultura presente nos diversos setores do turismo responsvel pela atrao de muitos visitantes. Tambm ser estudado como esses elementos interferem na satisfao da experincia turstica e como eles so essenciais na escolha de um destino.

Alm disso, ser apresentada a questo dos patrimnios histricos, uma vez que apenas o ttulo de bem cultural capaz de atrair boa parte dos visitantes. E como esses ingredientes culturais inseridos no turismo, alm da promoo, ainda atuam em sua prpria conservao.

O captulo dois trata da gastronomia, assim como todo o simbolismo por trs dela. Em um primeiro momento distinguindo-a da alimentao e depois sendo observanda aliada atividade turstica. Ser estudada a contribuio para o legado brasileiro a partir de concluses publicadas por Leal (1998). Demais discusses sobre gastronomia se basearo nas obras de Braune (2007), Freixa, Chaves (2008), Franco (2001) e Arajo, Tenser (2006) ambos descrevem a histria da gastronomia e seu significado social e cultural. E ainda ser utilizada a obra de Montanari (2008). E por fim deste captulo, sobre as reflexes entre turismo e gastronomia sero usados conceitos e pensamentos de Santos (1997) e Schlter (2003) principalmente, e outras publicaes j citadas.

Em seqncia, para concluso deste trabalho, foram selecionados alguns textos sobre a Confeitaria Colombo, assim como uma srie de outras pesquisas sobre a mesma. Alm de terem sido respondidos determinados questionrios por clientes, funcionrios e agentes de turismo da cidade, especficos para cada um deles. A partir da foram expostas algumas constataes e depoimentos fundamentais para fornecer a concluso deste trabalho.

1 CULTURA E TURISMO: QUESTES E CONSIDERAES

Um dos conceitos mais comuns de turismo de que ele consiste no deslocamento de seu domiclio cotidiano por no mnimo 24 horas, com finalidade de retorno, definio segundo a OMT. Assim como os demais estudos das cincias humanas, a definio de turismo dificilmente ter uma admisso unnime. Embora muitos especialistas e estudiosos da rea julguem algumas teorias como obsoletas, outra corrente de pensamento, seno a mais aceitvel caracteriza o turismo pela motivao do indivduo em sair de sua rotina. Essa idia de migrao temporria pode vir da busca por descanso, diverso e lazer, ou at mesmo a trabalho, entre muitas outras aceitaes.

Nas palavras de De La Torre, o autor caracteriza o turismo como: [...] um fenmeno social que consiste no deslocamento voluntrio e temporrio de indivduos ou grupos de pessoas que, fundamentalmente por motivos de recreao, descanso, cultura, ou sade, saem do seu local de residncia habitual para outro. (DE LA TORRE, 1992 apud BARRETO, 2008, p.13). Em uma corrente de pensamento generalista, Morgenroth descreve o turismo como:

Trfego de pessoas que se afastam temporariamente do seu lugar fixo de residncia, para se deter em outro local com o objetivo de satisfazer suas necessidades vitais e de cultura, ou para realizar desejos de diversas ndoles, unicamente como consumidores de bens econmicos e culturais. (MORGENROTH, apud MOESCH, 2002 p.10).

De acordo com Barretto (2008) os elementos mais importantes em todas as definies sobre o turismo so: o tempo de permanncia, o carter no lucrativo e principalmente a procura de prazer por parte dos turistas. O turismo uma atividade em que a busca pela satisfao parte do prprio visitante. Ou seja, o turista por vontade prpria motivado a conhecer um determinado lugar e este possui suas prprias intenes como viajante.

As principais motivaes vm da busca por lazer, descanso, cura, interesses religiosos, profissionais e voltados prtica de esportes. Essas motivaes vo direcionar ao segmento turstico que melhor atende as necessidades e o propsito do individuo: o turismo de sol e mar; o turismo de sade; o turismo de negcios e eventos; o turismo desportivo, de aventura e ecolgico, entre vrias outras ramificaes do segmento turstico. Contudo o turista em geral procura conhecer culturas diferentes, interagir com o ambiente no habitual, busca a excentricidade de outras regies e diversas prticas assimiladas com a cultura e identidade local. Mesmo os turistas no motivados pelas prticas culturais tero uma relao com o meio receptivo.

Desta forma, quaisquer sejam as motivaes do viajante, estas sero incapazes de impedir seu contato com o meio cultural.

J em suas primeiras obras, Hunziker e Krapf (Zurique, 1942) estabelecem a premissa de que sem cultura no h turismo. Sessa (Roma, 1968) afirma que o turismo traz uma dupla contribuio: direta, como resultado de uma experincia cultural que enriquece a populao visitada e a visitante com a aquisio dos valores que ambas possuem; indireta, que consiste no planejamento (antes da viagem) e na verificao natural dos pontos de dvida entre o turista e o estrangeiro. (BENI, 2002, p.87).

A insero do homem num ambiente distinto a de seu meio habitual, mesmo que temporariamente ou com a mnima interao possvel, ainda sim provoca uma mtua troca de informaes.

A cultura est presente em todo universo do homem, seja como um bem tangvel ou de forma intangvel. Ela pode aparecer como: uma manifestao artstica ou religiosa, crenas, dana, msica, culinria, objetos, desde que estas representem um valor para um coletivo.

[...] a cultura engloba tanto aspectos materiais como no materiais e se encarna na realidade emprica da existncia cotidiana: tais sentidos, ao invs de meras elucubraes mentais, so parte essencial das representaes com as quais alimentamos e orientamos nossa prtica (e vice-versa) e, lanando mo de suportes materiais e no materiais, procuramos produzir inteligibilidade e reelaboramos simbolicamente as estruturas materiais de organizao social, legitimando-as, reforando-as ou as contestando e transformando. V-se pois que, antes que um refinamento ou sofisticao, a cultura uma condio de produo e reproduo da sociedade. (MENESES, 1996 apud YAZIGI et al., 2002, p.89).

Na verdade, a questo cultural no apenas est presente nas formas intelectuais que a cultura assume, e nem sempre nas de cunho erudito expressa em museus, prdios histricos, em manifestaes musicais, cnicas e literrias como isso ocorre. Mas tambm na presena de qualquer objeto ou representao na qual atribudo um valor ou considerao por um grupo de pessoas.

Laplatine complementa com o pensamente de que:

O peso da cultura no se manifesta apenas nas formas diversificadas de comportamentos e atividades facilmente localizveis de uma sociedade para outra (como alimentao, o habitat, a maneira de vestir, os jogos...), mas tambm nas estruturas perceptivas, cognitivas e afetivas constitutivas da prpria personalidade. (LAPLATINE, 1997, p.125)Segundo Laraia, cultura muito mais do que uma herana que determina o comportamento do homem e justifica suas aes. O autor completa ainda que:

Culturas so sistemas de padres de comportamento socialmente transmitidos que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biolgicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organizao econmica, padres de estabelecimento, de agrupamento social e organizao poltico, crenas, prticas religiosas e assim por diante. (LARAIA, 2009, p. 59).

O meio cultural muito amplo e possui uma variada oferta de produtos tursticos. Os principais atrativos so: os stios histricos que carregam algum valor sobre a histria local; as edificaes, incluindo runas de algum antigo patrimnio; as instituies ou espaos culturais; obras de arte, artesanato e produtos tpicos; msica, dana, teatro e cinema; festas, celebraes locais, feiras e exposies; a gastronomia tpica e demais eventos. Quanto maior a diversidade cultural de uma regio, maior ser sua oferta de produtos tursticos. Alm de estimular a permanncia do turista na localidade por um tempo mais longo, ainda pode servir como atrativo em baixas temporadas.

1.1 O TURISMO SOB UMA PERSPECTIVA CULTURAL

Quando tentamos relacionar cultura e turismo provavelmente vamos nos deparar com o termo Turismo Cultural. Embora esta expresso nos remeta a atrativos de carter histrico e cultural, seu entendimento abrange vrios outros segmentos tursticos. Os recortes da atividade turstica como o turismo cvico, religioso, mstico/esotrico, tnico, rural entre quase todos os outros tipos esto includos dentro do que se chama Turismo Cultural. At mesmo o turismo de compras e eventos podem, de certa forma, ser considerados parte desse tipo de turismo. Portanto h uma generalizao quanto ao termo Turismo Cultural.

A relao entre turismo e cultura se estabelece pela motivao do indivduo e sua disposio e interesse de conhecer a cultura do outro. O turismo e a cultura possuem uma afinidade intrnseca, considerando que a prtica turstica , na maioria das vezes estendida a um ato ou uma prtica cultural. Beni explica que a cultura, por se tratar de um conjunto de intervenes do trabalho fsico e mental do homem, deu origem aos tantos desdobramentos do Turismo Cultural. [...] hoje o chamado turismo cultural se desdobra em tantos ttulos: ecolgico, antropolgico, religioso, arqueolgico, artstico, arqueo-teosfico e muitos outros. (BENI, 2002, p. 88).

Nos estudos sobre o campo turstico, o Turismo Cultural tratado tambm de forma mais objetiva como um descolamento no qual o indivduo tem por finalidade estudo sobre a cultura do outro. Contudo vale ressaltar que esse tipo de turismo no se restringe apenas a adquirir conhecimentos e informaes formais. Todo o conjunto material e imaterial que compe o ambiente faz parte daquela cultura local, portanto, eles podem interferir no processo de aculturao do turista.

De acordo com Varico Pereira, especificamente no turismo cultural, a motivao vem de:

A procura de conhecimento, de informaes, de interao com outras pessoas, comunidades e lugares, da curiosidade cultural, dos costumes, da tradio e da identidade cultural (). Esta atividade turstica tem como fundamento o elo entre o passado, o presente e o futuro, o contacto e a convivncia com o legado cultural, com tradies que foram influenciadas pela dinmica do tempo, mas que permanecem com as formas expressivas reveladoras do ser e fazer de cada comunidade. (VARICO PEREIRA apud REMOALDO; RIBEIRO, 2008, p.1307).

Conforme Delma Andrade (2008), em certa acepo por turismo cultural pode entender-se a maneira pela qual os turistas consomem a cultura da comunidade hospedeira. Entretanto,

[...] pensar desta maneira ter em vista um aspecto reducionista, utilitrio ou funcional da cultura. O turista no s consome cultura, mas tambm, e, sobretudo, interage com ela a partir do confronto com a alteridade, do jogo de identidades, de uma experincia mediatizada pelos smbolos culturais. Ao vivenciar a cultura local, o turista realiza um processo de re-visitao, de reinterpretao do outro e de si prprio, enfim de renovao espiritual e emocional. (DELMA ANDRADE apud REMOALDO; RIBEIRO, 2008, p.1310).

A satisfao e o interesse dos turistas na maioria das vezes consumam-se na mera contemplao. Esta observao mesmo que por parte involuntria, fornece ao turista, em alguns casos um enriquecimento cultural pelo simples fato de olhar alguma coisa. Um simples passeio por uma rua pode contribuir para o conhecimento do estilo de vida do povo deste local. A observao da arquitetura, o jeito de se vestir e modos de agir do povo, as formas de alimentao, seus meios de entretenimento, expresses de religiosidade entre muitas outras formas culturais que so observadas, permitem ao turista uma base sobre aquela cultura.

Pode-se e deve-se, portanto, discutir-se o fato em si do deslocamento j consistiu um fato cultural. Talvez seja mais adequado observar que o turismo cultural efetiva-se quando da apropriao de algo que possa ser caracterizado como bem cultural, seja o que for. Antes que nos entendam mal, no estamos nos referindo a apropriar-se de um cinzeiro num caf parisiense, um coral em Fernando de Noronha ou um santo barroco sobrevivente em uma igreja de Ouro Preto. Uma caminhada demorada pelo Quartier Latin, em Paris, pode ser culturalmente mais expressiva do que uma visita burocrtica no Museu do Louvre (e seguramente mais do que uma tarde de compras no Magazine Printemps), da mesma forma que um simples feijo com arroz num pequeno restaurante freqentado por baianos, na Baixa do Sapateiro, em Salvador, pode nos ajudar a entender mais a cidade do que um vatap saboreado na companhia de uma legio de turistas. (FURNARI, PINSKY, 2005, p. 8).

No entanto, o turista apenas como observador tende, em muitos casos, a comprometer a legitimidade do que observado. Isto , a falta de conhecimento e informao pode proporcionar uma viso perifrica ou deficiente dos fatos. Esse fato conhecido como Voyeurismo Cultural restringe apenas viso e pode ser presumida a superficialidade da observao e pela falta do contato real com o meio estranho. Isto se d principalmente pela massificao turstica que afasta de certa forma, o visitante da realidade cultural, conduzindo-o a pouca interao como o ambiente.

Outra questo que tambm possibilita o turista a uma experincia superficial o cenrio criado pelo prprio turismo para cativar ou atrair mais visitantes. A encenao, por exemplo, exalta aspectos marcantes de determinada regio com intuito de captar a ateno dos turistas, alienando-os para uma representao exaltada e no autntica. Assim, proporcionando ao indivduo uma experincia ilegtima.

O turismo enquanto experincia cultural deve constituir-se experincia autntica e emocional e deve ser memorvel. Ainda que vivenciada, essa fruio cultural dever trazer algum tipo de satisfao para o turista, fazendo parte de sua experincia como algo prazeroso. Esta vivncia pretende relacionar o turista com os aspectos culturais, primeiramente no sentido de conhecimento e posteriormente na contemplao e entretenimento.

A abrangncia deste chamado turismo cultural impede traar um tipo nico de turista. Esses possuem diferentes percepes, motivaes, restries, interpretaes e incentivos. Como descreve Beni sobre o turismo:

Um elaborado e complexo processo de deciso sobre o que visitar, onde, como e a que preo. Nesse processo intervm inmeros fatores de realizao pessoal e social, de natureza motivacional, econmica, cultural, ecolgica e cientfica que ditam a escolha dos destinos, a permanncia, os meios de transporte e o alojamento, bem como o objetivo da viagem em si para a funo tanto material como subjetiva dos contedos de sonhos, desejos, de imaginao projetiva, de enriquecimento existencial histrico-humanstico, profissional, e de expanso de negcio. (BENI, 2002, p. 37).

Mesmo os considerados turistas culturais, ainda sim tero diferenas quanto a esses quesitos. A qualidade do produto turstico est interferindo tambm no tipo de turista. Este est cada vez mais consciente e exigente em relao ao produto que lhe oferecido, seja comparando outros destinos j visitados, ou pelas informaes que j possui. Desta forma, surge um turista que no movido por todas aquelas possibilidades atribuidas ao turismo cultural, o turista especfico que qualificado de acordo com o tipo de produto turstico de seu interesse.

O tipo de turismo mais comum, seno o mais praticado aquele em que o turista quer ter contato com o que faz parte da origem de um determinado local. Apreciar a gastronomia, observar a arquitetura e a paisagem, conhecer monumentos, aprender a lingua local, ter contato com a populao e com tudo que faz parte da identidade daquele meio.

Certamente indiscutvel o importante papel do patrimnio na atrao de visitantes. Segundo Schlter, h coincidncia no aspecto de que quando as pessoas sentiram-se livres para deslocar-se segundo seu gosto e convenincia, o patrimnio exerceu um papel preponderante. Principalmente o patrimnio visvel seja ele natural ou cultural consegue, a primeira vista, seduzir grande parte desse pblico. Locais histricos ou cenrios com belas e excntricas paisagens, estas urbanas ou naturais, notavelmente atraem a ateno de um nmero maior de turistas. A autora ainda completa:

O pblico em geral e os turistas, em particular, se dirigem principalmente aos museus representativos da histria, da cultura e das tradies do pas anfitrio no af de conhecer o que lhes parea mais indito e especial. Tal o caso das instituies de carter regional ou local, onde mais direta a relao com as comunidades. (SCHLTER, 2003, p.83)

A Europa, abrigo dos maiores plos tursticos do mundo, possui uma grande demanda de visitantes pela presena de centros essencialmente culturais. Devido ao conjunto de atributos como hbitos, costumes, tradies e valores cultivados por diversas geraes. As tradicionais naes europias so privilegiadas tambm pelos acervos dos museus mais visitados do mundo, fruto das obras de vrios artistas importantes e marcantes que l viveram. A arte, em geral um dos elementos que mais atraem visitantes. O patrimnio de natureza histrica, materializado pela arquitetura das construes antigas e contemporneas constitui-se o cenrio dos maiores centros para esse tipo de turista. Nas cidades brasileiras de cunho histrico como Ouro Preto, Diamantina, Tiradentes ou at mesmo alguns atrativos histricos e culturais do Rio de Janeiro e outras cidades, atraem um pblico semelhante a este.

Esse turista atrado pela diversidade cultural, busca conhecer o conjunto que faz parte do cotidiano daquela cultura. Geralmente possuem um perfil observador, detalhista e crtico, so interessados em saber mais, experimentar, praticar coisas novas, interagir melhor com o ambiente e assim como a maioria dos turistas pretende tornar a experincia marcante.

H tambm aquele tipo de turista que se contenta apenas pela admirao e apreciao, no se questionam sobre a origem daquilo tudo. Um turista interessado na arquitetura pode se ver satisfeito por observar os traos artsticos e decorativos de um monumento, sem ter a dvida de porque a utilizao de certos materiais ou porque daquele estilo de construo. Da mesma forma, um turista motivado pela gastronomia experimenta vrios pratos da cozinha local e tambm pode no se interessar em saber mais sobre a origem daquela culinria. O mesmo pode ocorrer com a dana, a msica, pinturas e todos os outros bens culturais. Apenas o ato de observar j satisfatrio para esse perfil de turistas.

Outro tipo de satisfao desses turistas se estabelece a partir da sensao de estar vivendo em outra realidade, at mesmo em outra poca. Isto possvel devido ao conjunto dos elementos que compem o cenrio visitado. Os patrimnios edificados, a msica, as artes, a gastronomia, muitas vezes nos remete ao passado legtimo ou a um passado imaginrio. Ainda, atravs da lembrana de algum cenrio, som, cheiro, sabor, um objeto, nos remete a revivenciar um perodo de nossas vidas gravado em nossa memria. A memria tambm constituinte da identidade, ela capaz de relacionar um evento atual com um evento passado do mesmo tipo, portanto podendo evocar o passado atravs do presente. Para Santos: A memria no pode ser entendida como apenas um ato de busca de informaes do passado, tendo em vista a reconstituio deste passado. Ela deve ser entendida como um processo dinmico da prpria rememorizao, o que estar ligado questo de identidade. (SANTOS, 2004, p.54) Desta forma, podemos dizer que o turismo transporta as pessoas ao passado permitindo ter uma noo sobre a cultura da poca, por intermdio das construes, dos museus, das tradies preservadas, costumes, das artes, da gastronomia, e todo o legado cultural.

Esses ingredientes culturais so um os principais elementos da existncia do turismo. A curiosidade de poder experimentar e fazer parte desta realidade incomum ainda que por um breve tempo fez da cultura o principal fator de estimulo das viagens. O deslumbre pela paisagem humana e natural, as comidas tpicas, as festas e comemoraes e o prprio povo foram importantes para despertar o interesse alheio. A heterogeneidade da cultura popular vem a reforar a procura pela excentricidade das prticas que provem do povo, contrrias aos modos de vida considerados refinados, civilizados, ou cultos.

A pluralidade da cultura brasileira tem sido reconhecida como uma das principais caractersticas patrimoniais do pas. Talvez essa diversidade tenha feito do nosso pas um dos destinos mais comentados atualmente.

No Brasil, o histrico da forma de colonizao e os vrios atores que trouxeram suas singularidades desde sua descoberta at a imigrao dos povos orientais, contriburam para a diversidade de nossa cultura. Apesar de esta cultura ser montada atravs dos vrios povos que se ocuparam desta terra, dentre os principais, os povos indgenas, os africanos, os italianos e alemes, em um mbito geral possui grande influncia dos primeiros descobridores.

Os portugueses foram os principais a deixar seu legado no Brasil, afinal, foram os primeiros no nativos em solo brasileiro e ainda por mais de trs sculos colonizaram o pas. Deixaram sua presena nos modos de vestir, se comportar, nos costumes, do que certo e errado, na religiosidade, seus conhecimentos sobre gastronomia, cincia e tecnologia da poca e principalmente a lngua presente em todo o territrio brasileiro. Essa influncia lusitana foi de extrema importncia para a presente cultura brasileira.

A herana cultural e patrimonial constitui um elemento identitrio de uma nao, esta tambm se potencializa em atrativos tursticos. Na Europa, o turismo ligado a esse tipo de cultura teve origem a partir do desenvolvimento dos meios de transportes e da consolidao da burguesia no incio do sculo XIX. Com o trmino da Segunda Guerra Mundial, houve uma ascenso da classe mdia fortalecida pelo desenvolvimento tecnolgico e as transformaes sociais da poca. A reconstruo das cidades destrudas pela guerra possibilitou uma associao de resgate de identidade e nacionalismo poltico nos povos europeus. Com a formao da Unio Europia esse resgate das origens dos elementos histrico-culturais mostrou-se mais forte.

Segundo Camargo (2002), a primeira viagem na qual o patrimnio cultural e histrico figurou como atrativo para o turismo, no Brasil, ocorreu em 1924, na cidade Mineira de Ouro Preto. Participaram dessa viagem, cones do Modernismo Brasileiro como: Mrio de Andrade, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Esses artistas apelavam pela necessidade de se preservar as razes histricas e culturais brasileiras. Isso levou aos primeiros resultados importantes do turismo da dcada 1930, criado pelo Governo de Getlio Vargas, o Servio de Patrimnio e Artstico Nacional (SPHAN) que garante a proteo do patrimnio histrico e artstico nacional por meio do tombamento dos bens.

Desde a ultima dcada do sculo XX, esse turismo de carter cultural vinha sendo considerado como uma alternativa ao turismo de sol e mar. Atualmente o turismo com base nesses atrativos que fazem parte da histria do pas, uma realidade de regies que buscam se desenvolverem de forma sustentvel e agregar mais valor a sua cidade. Como o caso do Turismo Rural. Este segmento est sendo um propulsor para a economia das pequenas cidades, integrando o visitante com a realidade das roas. Proporcionando uma experincia neste meio rstico atravs da gastronomia, da arquitetura, dos modos de vida, dos produtos artesanais, das atividades com animais, dentre vrias outras atividades.

Os produtos de consumo transformados das identidades e diversidades culturais contribuem significativamente para o desenvolvimento turstico como atividade social e econmica. A atividade turstica uma modalidade de crescente demanda e precursora para o desenvolvimento local e/ou regional. Segundo o IBGE, o turismo impacta 52 segmentos diferentes da economia, empregando, em sua cadeia, desde a mo-de-obra mais qualificada, em reas que se utilizam desde alta tecnologia (transportes e comunicao) at as de menor qualificao, tanto no emprego formal quanto no informal.

A utilizao turstica dos bens culturais pressupe sua valorizao, promoo e a manuteno. Implica na permanncia atravs do tempo dos smbolos da memria histrica e de identidade cultural.

Especificamente o Turismo Cultural pode tambm atuar como um importante fator de valorizao e preservao no s de edificaes como tambm de hbitos, tradies e costumes. Isto , ele de maneira sustentvel permite a utilizao dos componentes tursticos condicionando a manuteno e preservao dos mesmos. Contudo, embora parea um paradoxo, o principal e quase nico prejudicado pelos problemas que gera o prprio turismo. De fato, a estruturao turstica sem um principio sustentvel pode a longo prazo prejudicar o visitante e a prpria rede turstica envolvida nesta construo, porm a mais afetada ser a identidade cultural.

Deste modo, antes de beneficiar a comunidade apenas em questes econmicas, o turismo deve atuar na utilizao moderada dos recursos culturais a fim de conseguir um maior controle dos impactos causados a autenticidade local. Isto , os limites do turismo devem-se fixar no desenvolvimento local mantendo ao mximo suas origens para que no destrua, mesmo que construindo, o legado original.

1.2 O PATRIMNIO HISTRICO E CULTURAL NO CONTEXTO TURSTICO

A preocupao com a degradao dos elementos histrico-culturais devido a crescente demanda turstica despertou a ateno quanto durabilidade desses recursos. A utilizao de forma irrestrita desses bens em longo prazo causaria maior deteriorao e at mesmo impossibilidade do uso. Agravando-se principalmente com a popularizao do turismo massificado.

Os bens imateriais provenientes das manifestaes sociais tm maiores chances de sofrer influncia pela imposio de novos padres culturais, especialmente em pequenas comunidades, por ser incapaz de ponderar o contato social do homem. Houve e h acima de tudo uma falta de percepo quanto aos impactos provocados pela implantao e promoo do turismo, originalidade da cultura local. O modo como a atividade turstica foi implementada e o despreparo do prprio turista para a experincia do contato direto se unem a esses agravantes. A partir destes impactos conseqentes direta e indiretamente do turismo, foi necessrio criar formas sustentveis de uso desses recursos.

Diante disto, o governo brasileiro em 1937 criou um organismo federal responsvel pela proteo do patrimnio material e imaterial, o Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN), e a partir de 1970 transformou-se em Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN). A descentralizao do IPHAN em 1979 permitiu o reconhecimento do conjunto do nosso patrimnio como patrimnio mundial, nacional, estadual ou municipal. Eles podem se enquadrar em mais de uma categoria, desde que reconhecido como tal por duas ou mais instncias. Outro rgo de atuao no reconhecimento e proteo patrimonial a UNESCO, rgo das Naes Unidas para a Cultura, tambm contribui para a proteo de lugares especiais no mundo todo, dando-lhes o ttulo de Patrimnio Cultural da Humanidade.

Em 1988, estabeleceu que o patrimnio cultural brasileiro seria composto por bens de natureza material e imaterial e dispe sobre sua proteo e promoo, e respectivos instrumentos, tais como inventrios, registros, vigilncia, tombamento e desapropriao, remetendo lei definir a punio por danos e ameaas a sua integridade. O patrimnio material protegido por um instrumento legal chamado tombamento, e o imaterial por registro.

O conceito de bens imateriais como parte do patrimnio brasileiro nem sempre foi bem aceito quanto os elementos de natureza tangvel. A expresso pedra e cal, desde a criao do SPHAN, foi designada somente ao patrimnio edificado como parte da memria nacional, passando assim a ser preservado segundo a constituio.

Por muito tempo, apenas o bem cultural concreto e solidificado era conceituado como patrimnio histrico e cultural. Assim como as manifestaes de cunho artstico e cultural, porm de forma materializada. As artes pintadas, esculpidas e manuscritas, segundo a lei, no eram desconsideradas do legado nacional, enquanto as danas, o teatro, as religies foram excludas desta classificao.

De acordo com Schlter, enfatizando a atividade turstica, todo o legado de significncia para um povo merece ateno, mesmo este tendo menor evidncia diante de outros elementos mais considerveis.

No entanto, no s o legado monumental arquitetnico ou artstico visvel constitui um foco de ateno. Os aspectos tradicionais da cultura, como as festas, as danas e a gastronomia, ao conter significados simblicos e referirem-se ao comportamento, ao pensamento e expresso dos sentimentos de diferentes grupos culturais, tambm fazem parte do consumo turstico, sejam por si mesmas ou como complemento de outras atraes de maior envergadura. (SCHLTER, 2003, p.10).

A incluso do conceito de patrimnio que abrange a natureza imaterial ocorreu de forma gradativa, embora a nao brasileira possusse uma cultura intangvel marcante e bastante diversificada. Vrios intelectuais da poca contriburam para a incluso desta cultura intangvel como patrimnio histrico e cultural do pas. A partir da foi admitida a concepo de que nossa realidade histrica vem da presena de elementos tanto materiais quanto imateriais aparentes e de forte valor no cotidiano das comunidades. Portanto, nesta nova ordem, fazem parte do patrimnio cultural brasileiro, segundo a Constituio Federal de 1988: o conjunto de bens portadores de valores culturais, delimitados a identidade, ao e memria dos grupos formadores da sociedade brasileira. Desta forma, pertencem ao patrimnio histrico e artstico nacional aqueles bens vinculados a fatos memorveis da histria, de excepcional valor ou de feio notvel.

A palavra patrimnio vem do latim patrimonium, que associada idia de uma herana paterna ou bens de famlia. O patrimnio no considera somente o legado herdado, como tambm existe uma escolha cultural pela vontade de repassar algum tipo de valor s geraes futuras. Apesar de muitos desses bens perderem sua funcionalidade, eles ainda carregam seu valor histrico e sentimental para um conjunto de pessoas.

A esta idia de posse dada ao sentido literal da palavra patrimnio deixa implcito como algo de valor mercadolgico. Embora haja realmente esse valor de troca ou venda, o maior valor se refere ao sentido de afeio com sua prpria histria, seu prprio passado. Importante destacar que nem todos os vestgios do passado podem ser considerados patrimnio.Aquilo que ou no patrimnio s depende do valor atribudo a ele por um coletivo social. O que para alguns no passam de algo comum, para outros pode ser uma caracterstica da localidade e deve ser mantida preservada.

Os bens culturais esto impregnados de sentidos que vo alm de sua materialidade. A razo de um monumento ser considerado um patrimnio cultural ou artstico est no apenas em sua materialidade, mas na demonstrao da engenhosidade humana que contm sua construo e, geralmente, no simbolismo que lhe atribudo. (SANTOS, 2001 p.48).

O patrimnio conforme Barbosa rene: "o conjunto de edificaes separados ou conectados, os quais, por sua arquitetura, homogeneidade ou localizao na paisagem, sejam de relevncia universal do ponto de vista da histria, da arte ou das cincias" (BARBOSA, 2001, p.70). Porm essa noo de patrimnio material ainda abrange, alm dos prdios e outros monumentos, a complexidade do desenho paisagstico dos centros urbanos.

Destarte, o patrimnio cultural, sendo considerado por determinado conjunto social como sua cultura prpria, que sustenta sua identidade e o diferencia de outros grupos, no abarca apenas os monumentos histricos, como foi por bastante tempo considerado, mas tambm o desenho urbanstico e outros bens fsicos [...] (CANCLINI, 1994, p. 99).

Os elementos patrimoniais de natureza intangvel so aquelas expresses advindas da racionalidade do homem: os usos, representaes, manifestaes, conhecimentos e as tcnicas caractersticas de um povo. Trata-se de modos de vida, saberes e fazeres e que evoluem ou se alteram constantemente. So esses de forma exemplificada: a religio, crenas, costumes, teatro, danas e gastronomia. As vezes, a solenidade atribuda ao termo patrimnio sugere que dele faam parte apenas os grandes edifcios ou grandes obras de arte, mas o patrimnio cultural abrange tudo que constitui parte do engenho humano. (FURNARI, PINSKY, 2005, p. 9)

Patrimnio tudo aquilo que o homem produz, tanto material quanto imaterial, mas que assuma um valor na construo de nossa identidade. Para Pellegrini (1999) o significado dos elementos culturais muito amplo, sendo includos outros produtos do sentir, do pensar e do agir humanos, variadas peas de valor etnolgico, arquivos e colees bibliogrficas, desenhos de sentido artstico ou cientfico, peas significativas para o estudo da arqueologia de um povo ou de uma poca, e assim por diante. Barreto acrescenta que esto includas as artes que transcorrem no tempo, assim como a dana, a literatura, o teatro e a msica. Cita tambm as representaes populares e seus elementos inseridos no conceito de patrimnio os bens tangveis como tambm os intangveis, no s as manifestaes artsticas, mas todo o fazer humano, e no s aquilo que representa a cultura das classes mais abastadas, mas tambm o que representa a cultura dos menos favorecidos. (BARRETO, 2000, p.11).

O patrimnio permite ainda o conhecimento dos meios que devemos manter preservados ao mximo para que estes sob influncia do homem no percam seus valores originais. A recuperao da memria leva ao conhecimento do patrimnio e este a sua valorizao por parte dos prprios habitantes. (BARRETO, 2007, p. 135).

O patrimnio deve ter uma relao com sua comunidade onde est inserido, do contrrio ele perde seu significado e deixa de ser valorizado. H uma necessidade de interao de uma coletividade com o bem cultural para que efetivamente seja reconhecido, no apenas em um documento, mas como parte do habitual deste grupo. Ressalta Meneses: A cidade passa, assim, a ser vista como construo histrico-cultural, como patrimnio de seus moradores, como espao de memria. A cidade enfim monumento e documento. (MENESES apud YAZIGI et al., 2002, p.86).Quando o bem no se identifica na sociedade, ele possivelmente ter menor evidncia como atrativo. Por isso, ele deve mostrar importncia para o meio no qual ele est includo, aliado a um smbolo, um significado para o popular e no somente reconhecimento oficial. Contudo, muitas vezes a falta da oficialidade no trar significncia ao mesmo, assim dificilmente ser atribudo algum valor pela comunidade. Desta forma ambos devem permanecer juntos.

O turismo, em especial o cultural, a partir da apreciao e do contato com esses elementos permite acrescer o nvel de compreenso da populao. Para Furnari e Pinsky: Os bens culturais podem constituir-se em importantes elementos de atrao turstica e, porque no, de conscientizao social. (FURNARI, PINSKY, 2005, p. 9)A importncia dada ao bem cultural amplia a percepo dos moradores em relao aos seus impactos sobre o patrimnio cultural. A valorizao dos patrimnios no s contribui com a conscientizao social, mas tambm com a do prprio turismo que atua direta e indiretamente na preservao do patrimnio.

inegvel que a atividade turstica cada vez mais vem assumindo um importante papel no desenvolvimento social e econmico de determinadas regies. Assim como sua crescente contribuio para a preservao de bens referentes a patrimnios histricos e culturais. So notveis ainda as possibilidades que o turismo oferece quanto revitalizao desses patrimnios tal qual a potencializao de determinados elementos e atributos do patrimnio cultural. De acordo com a OMT, o Turismo Cultural possibilita o: fortalecimento da cultura e da identidade cultural, despertando o orgulho nas comunidades, o resgate de manifestaes culturais, a redescoberta da histria dos lugares e a dinamizao cultural da regio.

O desenvolvimento turstico deve primeiramente basear-se em princpios sustentveis, na finalidade de manuteno do patrimnio para usufruto de moradores e turistas, e da valorizao das identidades culturais locais. O uso turstico deve, portanto, atuar no fortalecimento e resgate das culturas agindo como estratgia de preservao do patrimnio.

O turismo, por sua natureza e essncia, implica a busca de diferenas que so traadas pela cultura e pelo patrimnio. Ao representar um dos veculos mais importantes de divulgao cultural, o turismo emerge como instrumento de reafirmao de culturas e de patrimnios singulares. Esta atividade tem, na cultura e no patrimnio, esteios relevantes que lhe permitem promover encontros de singularidades. (AZEVEDO; IRVING, 2002, p. 133).

As alteraes adjacentes do reconhecimento de um bem como parte do patrimnio afetam o comportamento social que passa, por sua vez, a influenciar no aumento na qualidade de vida da comunidade. Essa melhoria no se d apenas atravs da relao entre os habitantes locais. Ele se altera tambm em funo da comunidade se dedicar a atividades rentveis que vo atender ao mercado turstico e de alguma maneira acaba incidindo no prprio patrimnio.

Neste espao onde o patrimnio se encontra, na maioria das vezes tomada uma srie de iniciativas pblicas que daro suporte ao turismo. A melhoria ou construo de vias de acesso, sinalizao, redes de gua, iluminao, telefonia, esgoto e demais aes para assegurar uma infra-estrutura adequada ao ambiente.

A conseqente turistificao mercadolgica dos espaos urbanos e naturais embora traga benefcios econmicos para a sociedade e comprometimento desta em relao preservao dos bens patrimoniais, gradativamente ir provocar a perda ou descaracterizao de sua identidade. O patrimnio quando transformado em um atrativo de consumo pode perder seu real significado histrico e identitrio e passa a assumir um carter comercial. Brown demonstra que as inovaes provocadas pelo turismo no so exclusivas do turismo e podem ser boas ou ruins, de acordo com as condicionantes histricas e polticas dos pases receptores.

Sem dvidas, um dos grandes desafios do turismo em meio globalizao manter a legitimidade cultural. A fuso de tradies implicaria na dominncia de uma cultura sobre a outra. Portanto, uma sofreria influncia da outra perdendo aos poucos seus antigos valores. Esses problemas fizeram do turismo, segundo Cascudo, o principal inimigo do folclore, no o folclore de lendas e crenas, mas a cultura em sua totalidade.

O contato de caractersticas culturais de um povo com a localidade receptiva intervm na identidade cultural e histrica da mesma. Essa interferncia nas tradies e costumes um fato conhecido como Hibridismo Cultural, e ocorre principalmente devido ao fluxo de diferentes culturas proveniente das atividades tursticas. Isso acontece quando determinado grupo absorve alguns elementos de outra cultura e estes passam a se tornar parte dos hbitos destas pessoas. Cunha (2007) enfatiza que este fato acontece Sempre que os valores alheios substituem os valores locais ou sempre que se adotem figurinos estranhos, descaracterizando uma regio, produz-se a uniformizao, reduzindo ou eliminando as diferenas, que constituam a sua fora competitiva. (CUNHA apud REMOALDO, RIBEIRO, 2008, p. 1309)O resultado desta descaracterizao implica principalmente na legitimidade do patrimnio imaterial. Esse legado pode por parte sofrer alteraes em seus valores perdendo assim sua identidade. Portanto o reconhecimento como Patrimnio auxilia significativamente na preservao dos bens de carter imaterial.

A tradio da dana, da msica, das peas teatrais e demais manifestaes sociais foram incorporadas ao patrimnio cultural nacional tambm como alternativa a preservao e manuteno. A gastronomia um forte exemplo de cultura a ser preservada. A cultura gastronmica tende a ser facilmente influenciada por atributos culturais de outro povo, tais como os prprios alimentos e temperos, mas tambm a preparao e os modos na mesa. Desta forma o patrimnio surge como forma de reconhecimento da gastronomia, valorizando-a e conscientizando a sociedade da importncia das singularidades de cada cultura.

2 DA ALIMENTAO GASTRONOMIA

A alimentao sempre esteve presente em nosso cotidiano como ingrediente essencial e indispensvel para nossa sobrevivncia. Os alimentos so fundamentais ainda para a reproduo e atuam como fonte de reposio de energia. Os nutrientes contidos neles, podem evitar e combater doenas e tambm servir como tratamento de alguma enfermidade. No entanto, a comida nem sempre teve tantos significados como os atribudos a ela hoje.

A alimentao nem sempre teve as mesmas consideraes atuais. Ao longo da histria, ela foi se modificando com de acordo com a prpria evoluo humana. Nos primrdios da humanidade, ela era considerada apenas como um componente necessrio sobrevivncia. J nos dias atuais ela assume um carter mais social.

A referncia mais concreta e remota do ato de se alimentar acontece na pr-histria. Enquanto os homens eram responsveis pela caa e pesca, as mulheres se dedicavam a colher frutos e razes. A alimentao era primitiva, havia certa carncia quanto s tcnicas de preparo dos alimentos, quando no os eram consumidos crus. Uma das caractersticas do homem que o diferenciou dos demais animais, certamente foi a maneira de lidar com a comida. A partir da descoberta do fogo, h mais de 500 mil anos, os alimentos passaram a ser mais saborosos devido a sua coco. O calor libera mais sabor e odor ao alimento e ainda, em alguns casos, prolonga seu tempo de consumo, alm de facilitar a ingesto. Para Braune (2007) esta etapa junto inveno de utenslios, descobrimento de especiarias e novos ingredientes, aprimoramento de tcnicas e formas de conservao, foram essenciais para o desenvolvimento da gastronomia.

De acordo com Barreto; Senra, com o desenvolvimento e riqueza das naes, novos alimentos foram incorporados mesa. Ainda com o progresso, a idia de se alimentar como necessidade de sobrevivncia vai se desfazendo e se entregando busca de um certo hedonismo na arte de comer. Esse marco teve maior evidencia aps a idade mdia quando exoticidades e produes culinrias do apogeu do imprio romano foram banidas das mesas, at um ponto de retrocesso cultural.

A comida pouco a pouco foi deixando de ser um artifcio capaz apenas de cessar a fome e passou a adotar um sentido de prazer. Ligado no s ao gosto, mas tambm no prazer a mesa, que segundo Brillat-Savarin: [...] a sensao refletida que nasce de vrias circunstncias, dos fatos, do local, das coisas e das pessoas que esto presentes refeio. (BRILLAT-SAVARIN, 1995, p.196)Schlter ressalta que a comida no apenas representa uma necessidade fsica, mas tambm um valor cultural para a sociedade.

[...] o alimento no simplesmente um objeto nutritivo que permite saciar a fome, mas algo que tambm tem um significado simblico em uma determinada sociedade. Partindo de elementos similares, distintas culturas preparam sua alimentao de diversas formas. Essa variedade na preparao dos pratos est condicionada pelos valores culturais e cdigos sociais em que as pessoas se desenvolvem. (SCHLTER, 2003, p.16)

A comida alm do alimento a ser ingerido, ainda deve ser aceita socialmente e culturalmente por um grupo. Ela selecionada a partir de fatores como as crenas, valores sociais, cultura, costumes e muitos outros. Santos afirma que: no suficiente que uma coisa seja comestvel, para que efetivamente seja consumida. necessria uma srie de condicionamentos como o biolgico, o psicolgico, o cultural e o social para que se d um passo. (SANTOS, 1997, p.160). Para Schlter: A identidade tambm comunicada pelas pessoas atravs da gastronomia, que reflete suas preferncias e averses, identificaes e discriminaes, e, quando imigram, a levam consigo, reforando seu sentido de pertencer ao lugar que deixaram. (SCHLTER, 2003, p.32)A gastronomia, diferente da alimentao no apenas trata da necessidade vital do ser humano. Ela envolve os alimentos, as bebidas, temperos, mas tambm o modo de preparo, os utenslios utilizados, e as caractersticas culturais a ela vinculadas ou no. realmente um estudo sobre tudo que rege a alimentao, e inclui prtica tambm.

Outro aspecto importante da gastronomia seu carter cultural: e ser humano um animal que cria cultura e est preso a uma cultura, e a se incluem crenas, costumes, moral e tambm culinria. Do instinto de sobrevivncia vem a necessidade de comer; entretanto, cada povo criou sua cozinha de acordo com os recursos disponveis e uma seleo prpria de alimentos ditada por sua cultura. (BRAUNE, 2007, p.18)

. Portanto, ela compreende a histria, a cultura por trs do prato, envolve principalmente o comportamento humano diante do alimento, e a culinria.

A culinria por sua vez a arte de cozinhar, a prtica no manejo dos alimentos e temperos. Ela abrange a parte prtica de preparar as refeies, juntamente com os aspectos de cada costume que interferem no modo de preparo. Tais aspectos podem ser compreendidos como: os diferentes tipos de utenslios, o local de preparo, a prpria maneira de cozinhar, entre outras peculiaridades.

De acordo com Freixa, Chaves para entendermos a gastronomia hoje, e suas inter-relaes, precisamos estudar a alimentao do princpio da humanidade.

Desde os primrdios, o ser humano sentiu necessidade de se reunir em grupo. Como ser social e inteligente desenvolveu normas para reger a vida em comunidade, consagrou costumes, crenas e tambm produziu arte. Entre os saberes passados de gerao em gerao, est a cultura ligada ao ato de caar, de coletar e de como preparar os alimentos parar compartilh-lo. (FREIXA, CHAVES, 2008, p.26)

A tradio gastronmica formada por um conjunto de fatores sociais e naturais de uma sociedade. Um grupo vive e adapta seus modos de vida de acordo com as condies impostas pelo ambiente em que ele foi criado. Desta forma cada sociedade passa a ter uma alimentao de acordo com seu espao e sua cultura. A gastronomia, portanto, passa a representar nas formas e tipos de alimentao, parte da histria e identidade de um povo.

Os hbitos culinrios de uma nao no decorrem somente do meio instinto de sobrevivncia e da necessidade do homem de se alimentar. So expresses de sua histria, geografia, clima, organizao social e crenas religiosas. [...] Assim a exaltao de alguns pratos da culinria materna, ou do pas de origem, mesmo quando medocres, podem durar a vida inteira e a sua degustao gera, s vezes associaes mentais surpreendentes. Os hbitos alimentares tm razes profundas na identidade social de indivduos. So por isso, hbitos mais persistentes no processo de aculturao dos imigrantes. (FRANCO, 2001, p.23 -24)

A gastronomia est intimamente ligada cultura. Cada regio possui atributos prprios de sua identidade, estes podendo ser os prprios alimentos, os objetos de cozinha, ou mesmo a maneira de preparar suas iguarias. Essas particularidades transmitem um sentido alm do gosto, possibilitando, um breve conhecimento da cultura alheia.

A comida e o modo de alimentar-se falam mais que o valor nutricional do alimento. Hbitos e costumes alimentares so formados a partir da disponibilidade local de produtos e representam o simbolismo e a lgica das prticas, dos valores familiares e das condies e relaes sociais de grupos, povos e naes afirmando-se como identidade cultural. Partilhar o alimento tem significados que demonstram civilidade. O ato de alimentar-se traduz o pertencer, o fazer parte, o reconhecer-se. [...] O ritual realizado para alimentar-se releva aspectos culturais: me, famlia, corpo, sade, trabalho, terra, relaes sociais, religio e como cada um desses aspectos determina a qualidade, a apresentao e os horrios da comida. (ARAJO, TENSER, 2006, p.11)

Para Montanari, tanto a comida quanto a fala, possuem sentido de comunicao. Elas transmitem valores simblicos e significados de natureza variada: econmicos, sociais, polticos, religiosos, tnicos, estticos, etc.

Assim como a lngua falada, o sistema alimentar contm e transporta a cultura de quem a pratica, depositrio das tradies e da identidade de um grupo. Constitui, portanto, um extraordinrio veculo de auto-representao e de troca cultural: instrumento de identidade, mas tambm o primeiro modo para entrar em contato com culturas diversas, uma vez que comer a comida de outros mais fcil pelo menos aparentemente do que decodificar sua lngua. (MONTANARI, 2008, p. 183-184)

Apesar do interesse em conhecer novas culturas, alimentos e sabores, o homem tem ainda necessidade de se comunicar com outras pessoas. O ser humano sente vontade de se relacionar, interagir com outras pessoas e relacionar tambm com o ambiente. De acordo com Gastral: Se estas, antes estavam vinculadas premncia biolgica da sobrevivncia, agora envolvem tambm o social e cultural. (GASTRAL, In GASTRAL, CASTROGIOVANINNI, 2003, p.54) O momento das refeies, portanto, de um simples ato biolgico passou a ser um artifcio capaz de suprir outras necessidades humanas.

Para Rodrigues (1998): Nem de longe o homem pode ser visto apenas como ser movido apenas pelo estmago: por isso preciso que em sua vida pulsem tambm o intelecto, a imaginao, assim como as emoes caracteristicamente humanas. (RODRIGUES In GASTRAL, CASTROGIOVANINNI, 2003, p.43) Segundo o mesmo autor, s podemos compreender a humanidade a partir de trs eixos: o da existncia biolgica, movida pelo instinto; o do plano identitrio, no qual est presente a existncia social; e do plano simblico, que compreende os costumes, saberes e produo artstica, mas tambm mitologias e a questo de religiosidade.

Portanto a considerao atribuda gastronomia faz da linguagem alimentar um veculo de representao das identidades, posies sociais, gneros, significados religiosos e artsticos, entre diversas outras atribuies estabelecidas pelo homem. A satisfao em desfrutar da gastronomia ultrapassa o gosto e atinge um carter prazeroso tambm no contato social. Ainda pela satisfao em conhecer formas distintas de se alimentar e desfrutar da prpria iguaria, alm de realizar muitas vezes um programa no habitual.

A gastronomia se inventou da identidade cultural de seus povos. Os recursos disponveis junto s tcnicas e maneiras de cada grupo foram moldando um carter particular na composio de um prato. No entanto, a cozinha, como outras manifestaes culturais sofre grande influncia de conhecimentos advindos do contato com povos distintos. Em nosso pas no foi diferente. A presena de imigrantes vindos de vrias partes do mundo e que aqui se instalaram foi determinante para inventar uma cultura rica e mista.

2.1 O LEGADO GASTRONOMICO DO BRASIL

Durante muitas dcadas as naes europias disputavam o controle de novas rotas, almejando descobrir novas terras, riquezas minerais, novos alimentos e a explorao de outros recursos. No incio dos tempos modernos, a tecnologia e os conhecimentos de navegao impulsionaram uma corrida martima em busca desses novos tesouros, principalmente pela Inglaterra, Espanha e Portugal, pioneiros da navegao da poca. No sculo XIV, o descobrimento do Novo Mundo permitiu a essas naes uma nova fonte de recursos a serem explorados.

Em abril de 1500 os portugueses chegaram ao Brasil. Os primeiros a ocuparem em nossa terra recm descoberta, com exceo dos indgenas, nativos da regio. Os portugueses se apropriaram da terra e dela obtiveram madeiras de lei, borracha, minerais abundantes nos primeiros sculos, e alimentos naturais. Logo em sua ocupao, introduziram no pas animais e plantas comestveis, assim como seus conhecimentos culinrios fruto das experincias seculares da cozinha europia e do contato com outras culturas. Principalmente com os povos provenientes do Oriente colocaram em seus pratos, condimentos e novas tcnicas de preparao.

No entanto, em uma terra estranha os portugueses tambm tinham muito que aprender. Os ndios como donos da terra tinham conhecimento de todos os recursos que a natureza os oferecia. A alimentao dos nativos inclua pescados em geral, eles apreciavam a carne assada de animais de caa acompanhados de mandioca, milho, inhame e possuam uma rica dieta diria de frutas. A influncia alimentar dos indgenas foi de fundamental importncia no s para o interesse portugus, como para montar a cultura brasileira atual.

J era farta em nosso territrio a variedade de frutas e alimentos advindos do solo. As terras amerndias possuam condies propcias plantao, principalmente plantas tropicais. Mais tarde, alm de rvores frutferas, vegetais, animais e temperos, chegavam Amrica: a cana-de-acar e o caf. O caf bastante consumido na Europa e o acar considerado como produto de luxo da poca. Ambos foram cultivados no pas e se tornaram de extrema importncia para a economia colonial e de interesse para a coroa portuguesa.

Para impulsionar a economia do acar, foi empregada a mo de obra escrava, vindas da frica, nas lavouras e engenhos. Esses africanos tinham custo e manuteno barata. Alm de trabalharem em funo da economia do caf e do acar, as senhoras ainda exerciam funes domsticas das casas dos donos de engenho, principalmente no preparo das refeies. Desta forma, eles foram introduzindo na cozinha, os alimentos e tcnicas de preparao da comida.

A gastronomia brasileira ganha novos sabores e influncias quando a mulher africana assume a cozinha e introduz em nossa culinria produtos de seu continente natal, trazidos pelas naus mercantes portuguesas que transportavam mercadorias entre a Coroa e as colnias de frica e das Amricas. (BRAUNE, 2007, p.72)

Assim, a maneira de preparo dos alimentos e novos sabores trazidos pelos africanos aos poucos foi incorporada aos pratos tpicos portugueses e indgenas. As receitas originais de cada povo a partir destas influencias foram se modificando e dando forma cozinha brasileira.

A adaptao do caf e do acar nas terras brasileiras mudou os hbitos alimentares dos europeus, principalmente, no que diz respeito s sobremesas. A produo do acar em larga escala resultou em um menor preo do produto. Deste modo, ele foi incorporado ao cotidiano substitudo pelo mel. Receitas antigas passaram a adicionar o ingrediente em seus doces, bolos, tortas, pes e todos os tipos de guloseimas. Tambm foram adicionadas nas receitas, frutas tropicais como: o coco, a banana, a goiaba, o maracuj e vrias outras frutas que aqui foram encontradas ou de adaptao favorvel ao clima.

O Brasil tornou-se independente no fornecimento de caf devido ao aumento do consumo do gro na Europa e nos Estados Unidos. A partir da, foi notvel o surgimento dos cafs estabelecimentos que oferecem vrios tipos de sobremesas e lanches, alm de chs e caf que popularizaram entre a burguesia europia da poca. Aqui no Brasil mais tarde, meio urbanizao comearam a chegar os primeiros restaurantes, enquanto os cafs demoraram mais um tempo para se adaptarem no pas.

A nova terra, vista produtiva e rentvel atraiu olhares de outros pases europeus. O Brasil, assim, foi palco de entrada para vrias outras naes. Italianos, alemes, rabes, tardiamente os japoneses, entre outros. Esses vrios povos de origens distintas trouxeram para o pas suas crenas, costumes e hbitos. De certa forma esses atributos foram combinados com a nossa cultura. Cultura esta onde a gastronomia faz parte. No entanto a maior contribuio cultural foi imposta pelos portugueses.A maior, mais forte e definitiva influncia sobre a culinria brasileira a portuguesa, cuja marca est na maneira de preparar os alimentos, no uso do doce e do sal, na fritura, nos refogados, nos cozidos e sopas (...) Mas tambm recebemos vrios ensinamentos dos indgenas, sendo que a maior herana foi a farinha de mandioca. J dos negros tivemos o inhame, o azeite-de-dend, o quiabo, o cuscuz, a galinha dangola e a melancia. (...) No podemos nos esquecer ainda da influncia dos povos imigrantes, principalmente da Europa e da sia. (LEAL, 1998, p. 123)

Segundo Cascudo, aos portugueses devem-se duas grandes contribuies ao paladar brasileiro: a valorizao do sal e a revelao do acar aos nativos da terra e aos africanos escravizados.

Alm disso, a mulher portuguesa valorizou iguarias simples, como o beiju, e molh-lo ao leite e sou usar o ovo de galinha [...]. Introduziu a fritura. Com o acar ou mel acrescentou seu toque cultural de mingau de curim (farinha de mandioca seca e fina). E dela foram saindo os primeiros bolos brasileiros com leite de vaca e gema de ovo [...]. E fixou no gosto nacional o conceito alm-mar: sobremesa que boa no a de frutas, mas a de doce. (CASCUDO, apud BRAUNE, 2007, p.75-76)

Portanto, a presena desses trs protagonistas contribuiu para a construo de nossa identidade, tanto na cozinha como nos demais aspectos culturais. De acordo com Leal (1998), a partir do sculo XIX outroscostumes alimentares trazidos da Europa, principalmente da Frana e Inglaterra foram sendo incorporados ao comportamento e hbitos do brasileiro. Mas devido evidncia da lavoura cafeeira por volta de 1850, outros colonizadores vieram somar a cultura do pas, como os espanhis, alemes, aorianos, suos e italianos.

Podemos dizer que atualmente a gastronomia no Brasil caracterizada principalmente por cozinhas regionais. Reconhecida por produtos de regies distintas do pas, como: a feijoada mineira, o acaraj e vatap na Bahia, o churrasco no Rio Grande de Sul, os peixes e frutas da regio norte e assim por seguinte.

Analisando-se a realidade da gastronomia no Brasil e sua importncia para o turismo observamos que algumas gastronomias chegam a transcender sua origem geogrfica, tornando-se quase emblemticas peas de propaganda de seus estados. Podemos citar dois grandes exemplos: a cozinha baiana e mineira. Ambas extremamente ciosas de sua histria, praticamente popularizadas em todo o territrio nacional. Atual como veculo complementar da propaganda turstica, criando no imaginrio popular a associao entre os destinos tursticos e a boa mesa. (BARRETO, SENRA, In ANSARAH, 2000, p.396)

A mesa do brasileiro conhecida principalmente pelo arroz e feijo. No entanto, a diversidade de frutas, vegetais, gros, temperos, peixes, aves e outros animais so fundamentais ainda para qualificar nosso produto gastronmico. Todos esses elementos entre outros fazem parte do habitual do povo brasileiro, portanto, constitui nossa identidade. Porm,gb a cultura trazida pelos imigrantes distribudos em nosso vasto territrio cria possibilidades de encontrar um tipo de alimentao de acordo com cada regio. Desta forma pode se concluir que alguns alimentos e temperos da dieta do brasileiro tm maior presena conforme as regies do pas.

Contudo, a idia de diversidade ressaltada aqui com as contribuies do negro, do ndio e do portugus faz da nossa gastronomia algo mpar. Ainda, a partir do convvio das distintas cozinhas herdadas de inmeras outras naes imigrantes, leva percepo de uma cozinha indefinida. Tal miscigenao impossibilita traar um perfil ntido e marcante da nossa cozinha em mbito nacional. Deste modo, nossa gastronomia se revela uma mescla de todos esses fatores antes citados, tornando alguns pratos caractersticos a cada canto do pas.

2.2 GASTRONOMIA E TURISMO: TENDNCIAS E POTENCIALIDADESA gastronomia um dos elementos mais representativos de um povo. O que se come em um determinado lugar o retrato das influncias histricas e culturais daquela regio. A cultura gastronmica oferece muitas informaes e conhecimentos sobre um local e at mesmo sobre uma pessoa. No apenas a comida, mas a maneira de comer, o modo de preparo e todo o simblico atribudo ao alimento define as caractersticas culturais de quem a ingere, ou seja, revela sua origem, seus hbitos e costumes. Assim, a gastronomia vem se mostrando como um importante motivador para conhecer uma outra cultura. Talvez por isso, ao longo dos anos ela tenha ganhado maior importncia como componente e atrativo para turismo.

O turismo e a gastronomia sempre mantiveram um vnculo e certamente essa relao entre eles no vai deixar de existir. Independente da motivao do indivduo em seu deslocamento, este dificilmente conseguir escapar de experimentar algum prato da culinria local.

A relao entre turismo e gastronomia se tornou mais evidente desde o sculo XIX com a Revoluo Industrial devido ao avano tecnolgico da poca e a instituio de leis trabalhistas. A produo em larga escala dos meios de transporte permitiu uma maior facilidade para se viajar, juntamente com a diminuio da jornada de trabalho e o direito ao descanso semanal.

Durante as viagens era freqente o contato com novas paisagens, culturas e diferentes sabores. Isso despertou interesses variados em torno da rede turstica, assim a gastronomia tambm ganhou lugar de destaque, sobretudo ao atrair um segmento de viajantes e estimular seus sentidos atravs da cozinha do outro. Este marco implicou no fortalecimento e valorizao da cozinha regional. Santos (2004) ressalta que a gastronomia dentro do turismo est sendo mais valorizada principalmente no que diz respeito aos restaurantes especializados em comidas tpicas. Schlter completa com o pensamento de que o turista motivado pelo que original e no pelo usual, ditado atravs da cultura.

Como destacam os estudiosos, a gastronomia est assumindo cada vez maior importncia como mais um produto do turismo cultural. As motivaes principais encontram-se na busca do prazer atravs da alimentao e da viagem, embora deixando de lado o standart para favorecer o genuno. [...] A cozinha tradicional est sendo reconhecida cada vez mais como um componente valioso do patrimnio intangvel dos povos. Ainda que o prato esteja vista, sua forma de preparao e o significado para cada sociedade constituem os aspectos que no se vem, mas que lhe do seu carter diferenciado. (SCHLTER, 2003, p.11)

A culinria tpica, por exemplo, muito ofertada por turistas de todo o mundo que buscam experimentar pratos da cozinha tradicional de determinados lugares. Esses turistas no buscam encontrar comidas semelhantes de seu habitual. Eles se interessam por pratos caractersticos daquela regio e que possuam diferena na preparao dos alimentos, na forma de se comer e na prpria matria-prima utilizada. Assim, a busca de prazer por parte dos turistas vai alm da comida em si.

A alimentao dentro da atividade turstica permite ao visitante conhecer outras culturas alm de dar continuidade e legitimidade a esta experincia, tendo a gastronomia como diferencial para isto.

[...] o diferente torna-se original, encantador e a identidade local fortalecida. A gastronomia, destacada como um dos produtos do turismo cultural, possibilita esse desenvolvimento por ser um dos elementos mais marcantes da identidade de um povo. A degustao de alimentos e bebidas tpicas possibilita interao do visitante com a cultura local, evidenciando a importncia cada vez maior que a gastronomia est assumindo para o turismo. (SANTOS, 1996, p. 469)

Segundo Gimenes, a experincia no se apega exclusivamente ao plano esttico e gustativo da comida, mas ainda, das propriedades culturais que deram origem quele sabor.

Tem-se clara a perspectiva de que a experincia gastronmica transcende experincia esttica, tendo em vista que a degustao de uma iguaria tpica pode constituir uma forma de consumo simblico, de aproximao com a realidade visitada, tornando esta realidade tambm passvel de uma degustao. (GIMENES, 2006, p. 4)

Franco (2001) ressalta que a alimentao alm de toda esta tecnologia e aprimoramento que recebeu durante sua constituio histrica carregada de smbolos que so diretamente ligados cultura dos povos, ou seja, pela alimentao e pela forma que ela se d possvel reconhecer um povo. Desta forma, a gastronomia pode proporcionar ao turista conhecer a cultura da comunidade receptora, sua histria, seus costumes e hbitos, podendo ser adotada como o diferencial pelo qual o mesmo procura.

Alm disso, os turistas no se alimentam movidas apenas pela necessidade de sobrevivncia, mas tambm por puro prazer. Alm da satisfao em saborear uma boa comida, o turista busca conhecer a cultura e histria daquele povo. Ele procura tambm conhecimento de novos valores, uma maior interao com a localidade, contato social, busca o que extico e diferente, e a gastronomia oferece tudo isto. Podemos ento dizer que o turista busca experimentar atravs da gastronomia, uma parte daquela cultura.

Contudo, ela possui uma caracterstica porttil, ou seja, em qualquer parte do mundo pode-se encontrar um prato de uma regio distinta e/ou distante geograficamente uma da outra. Por isso, a comida quando saboreada fora de seu contexto cultural, pode no ter o mesmo sabor quando consumida em sua regio de origem. Esta sensao se d atravs do nosso imaginrio, pelo que ou pensamos ser caractersticos daquele lugar. Essa portabilidade, entretanto, compromete a experincia gastronmica em seu todo, principalmente no que diz respeito cultura existente por trs do prato. Nesse contexto, o que se come to importante quanto onde se come. E porque no dizer tambm, quando, como e com quem se come.

O papel da gastronomia est diretamente ligado ao prazer e sensao de bem estar, podendo se concretizar atravs do paladar e juntamente com o ambiente que a cerca. Ela capaz de tornar a experincia prazerosa e agradvel para o visitante. No devendo ser tratada como secundria pelo turismo. Segundo Franco, embora tenha muita significncia, a histria culinria foi ignorada por muitos estudiosos.

A histria culinria foi, quase sempre, ignorada pela maioria dos historiadores, socilogos e etnlogos. curioso que atividade to importante como a obteno, preparao e ingesto de alimentos tenha sido objeto de tal omisso. Entretanto apesar da pouca ateno que o mundo acadmico lhes tem reservado, a alimentao e a arte culinria no podem ser consideradas aspectos secundrios das civilizaes. (FRANCO, 2001, p. 234)

No turismo, a gastronomia sempre foi de fundamental importncia. Afinal os visitantes sempre necessitaram de refeies durante suas viagens. Tal mrito apontado ainda, pela agregao de patrimnio cultural gastronomia. De acordo com Schlter: a dimenso social e cultural da gastronomia determinou incorpor-la ao complexo emaranhado de polticas de patrimnio cultural. (SCHLTER, 2003, p.69). O ato de se alimentar no apenas biolgico, tambm social e cultural. Ele representa um valor simblico para sociedade, assim podendo ser considerado parte daquela cultura e do patrimnio histrico e cultural da mesma. Serra (2001) afirma que como patrimnio cultural, a gastronomia , certamente, muito mais do que simples arte culinria. Assume-se, tambm, como um importante veculo da cultura popular, ao mesmo tempo em que possibilita uma percepo acerca da forma como vivem os habitantes de cada regio, numa dada poca.

A gastronomia faz parte da nova demanda por parte dos turistas de elementos culturais. Como patrimnio local, est sendo incorporada aos novos produtos tursticos, permitindo que pessoas da prpria comunidade sejam envolvidas na produo desses elementos, participando do desenvolvimento sustentvel da atividade. (SANTOS, 1997, p.469)

A busca por novas culturas, necessidade de interao com outras pessoas, e demais formas de prazer pretendem, atravs do turismo, um meio apto a atender essas novas caractersticas do mundo moderno. Assim o turismo se une a gastronomia para melhor satisfazer as aspiraes deste segmento.

A opo por um determinado tipo de destino implica na demanda desses produtos. Desta forma, a predileo por um determinado prato condiciona a exigncia desses sabores. O gosto, que muitos acreditam ser prprio, uma constelao de extrema complexidade na qual entram no jogo, alm da identidade idiossincrtica, fatores como: sexo, idade, nacionalidade, religio, grau de instruo, nvel de renda, classe e origens sociais. O gosto , portanto, moldado culturalmente e socialmente controlado. (FRANCO, 2001 p.24)

Schlter (2003) cita que apesar de a alimentao ser um ato individual, na escolha dos alimentos intervm uma srie de condicionamentos que fazem com que tudo que comestvel no seja consumido necessariamente em todas as sociedades. Para Santos a preferncia no paladar condicionada a sociedade em que pertencemos, a cultura que praticamos e a fatores psicolgicos prprios ou coletivos. O gosto segundo ele:

[...] determinado no apenas pelas contingncias ambientais e econmicas, mas tambm pelas mentalidades, pelos ritos, pelo valor das mensagens que se trocam quando se consome um alimento em companhia, pelos valores ticos e religiosos, pela transmisso inter-gerao (de uma gerao outra) e intra-gerao (a transmisso vem de fora, passando pela cultura no que diz respeito s tradies e reproduo de conduta) e pela psicologia individual e coletiva que acaba por influir na determinao de todos estes fatores. (SANTOS, 1997, p.160).

Na gastronomia o gosto no a nica seduo de um prato. A experincia prazerosa para o visitante ultrapassa a degustao. Ela ainda envolve o odor e da esttica. O sabor, mas tambm a composio do prato e o cheiro de uma comida podem nos levar associaes mentais sobre alguma coisa ou momento passado. Sobretudo esses sentidos e ainda o ambiente em si, remetem direta e indiretamente a perodos de nossa vida, assim como a acontecimentos e pessoas presentes nesses momentos. Alm dos sentidos humanos, todo o ambiente que cerca o alimento ir de alguma forma interferir em nossas sensaes, como descreve Franco:

A gastronomia induz a fazer do comer uma imensa fonte de satisfaes, uma experincia sensorial total. Assim, alm dos sabores, consistncias, texturas e odores so importantes o cenrio, os sons, as cores, a intensidade da luz, as alfaias, o flamejar das velas, o tilintar dos cristais e evidentemente, a interao com os convivas. Em decorrncia do clima favorvel gastronomia, um nmero maior de pessoas considera cozinhar, ainda que esporadicamente, uma fonte de prazer. (FRANCO, 2001, p.234)

Portanto, embora a gastronomia se apresente em muitos casos como produto principal, ela ainda deve trabalhar aliada a outros detalhes que vo estar inseridos em um mesmo contexto. Essas aes vo atender as expectativas do pblico, proporcionando uma experincia mais agradvel e memorvel. Ainda para Franco

O prazer da mesa a sensao que advm de vrias circunstancias, fatos, lugares, coisas e pessoas que acompanham a refeio. prazer peculiar espcie humana. Pressupe cuidado com o preparo da refeio, com a arrumao do local onde ser servida e com o nmero de convivas. (FRANCO, 2001, p.22)

A gastronomia possui uma gama de possibilidades para a satisfao do cliente. Ela possui caractersticas singulares e excentricidades pelas quais muitos turistas se vem deslumbrados. Desta forma, faz do alimento um veculo de promoo e captao de novos consumidores tursticos. O fenmeno do turismo est intimamente relacionado a todas as caractersticas da sociedade e dos sistemas que ela apresenta, tendo consequentemente a valorizao da diversidade cultural. A gastronomia constitui-se uma importante ferramenta de representao cultural de um grupo, por isso, ela tem conquistado um espao cada vez maior como produto e vem incrementando o setor do turismo.

O ato de se alimentar ainda pode representar um parmetro de posio social. Muitas pessoas buscas conhecer lugares considerados finos e de certa relevncia por mera questo de status. E desta forma a importncia dada a uma comida considerada sofisticada justificada por um nvel social mais elevado, interferindo assim em seu valor do mercado. Como argumenta Schlter: No h dvida de que o prazer gastronmico e a busca de prestgio tendem a aumentar, todavia o nvel monetrio aparece como uma varivel explicativa do comportamento. (SCHLTER, 2003, p.20) O momento das refeies passa tambm a ser adotado como uma alternativa a rotina, de forma a ser um programa agradvel e prazeroso. A gastronomia ainda, tornou-se uma desculpa para um encontro. Observa-se que o homem vem usando da gastronomia em seu tempo livre como opo de lazer. Logo ela se mostra ainda como importante alternativa de lazer e entretenimento. A hora das refeies se tornou um momento para confraternizar com outras pessoas, reunir a famlia, se entreter, celebrar de algum acontecimento, comunicar alguma notcia e vrios outros motivos. Da mesma forma que o homem sente prazer em conhecer lugares diferentes, ele procura esta mesma sensao atravs de um programa gastronmico.

No turismo, o uso da gastronomia fortalece o crescimento e o desenvolvimento destas duas atividades simultaneamente. Ela em muitos casos transformada em um atrativo prprio do consumo como em roteiros gastronmicos e festivais de pratos da culinria local.

A gastronomia como um produto, ou mesmo um atrativo de uma determinada localidade, bastante interessante e importante do ponto de vista turstico, pois apresenta novas possibilidades, na verdade, no to novas, mas nem sempre bem exploradas, que so as diversas formas de turismo voltadas para as caractersticas gastronmicas de cada regio. (FURTADO, 2004).

A gastronomia aos poucos foi assumindo um maior valor mercadolgico. Atualmente ela vem sendo includa junto a roteiros ou servios aproveitando de suas peculiaridades locais para a atrao de turistas interessados neste segmento. Alguns destinos esto sendo divulgados principalmente a partir de sua cozinha regional. De acordo com Schlter, o turismo est se apropriando da cultura local e a partir dela se promovendo e ganhando maior destaque, principalmente pelo diferencial que a gastronomia oferece.

A gastronomia, sem dvidas, est ganhando terreno como atrao tanto para residentes como para turistas. No s nutre o corpo e o esprito, mas faz parte da cultura dos povos. Cada sociedade conta com uma ampla bagagem de tradies e costumes, e o turismo vale-se delas para atrair os visitantes interessados em diferentes manifestaes culturais que se observam tanto no mbito urbano como no rural. (SCHLTER, 2003, p.89)

Contudo, a experincia gastronmica avaliada por uma perspectiva cultural, perde seu encanto e originalidade com a falta de informao sobre a histria e demais caractersticas que envolvem a comida. Todavia, a falta de conhecimento parte tambm da prpria indstria gastronmica.

Tanto as viagens como os meios de comunicao massivos tornam homogneas as pautas culturais e fazem com que a gastronomia parea pouco diferenciada. No entanto as diferenas existem e as possibilidades de intercmbio se expandem. O conhecimento das pautas culturais associadas gastronomia no so apenas importantes para a confeco de produtos de turismo cultural, mas necessrio que sejam conhecidas pelos que atuam na indstria da hospitalidade em seu conjunto. (SCHLTER, 2003, p.90)

A cozinha at a atualidade sofreu uma srie de modificaes. Uma das mudanas mais significativas do nosso sculo foi o surgimento dos conhecidos fast foods - em traduo literal comida rpida. Esses empreendimentos fornecem lanches e acompanhamentos de forma rpida, alternativa a falta de tempo e cansao de tarefas dirias. Alm de terem um preo razoavelmente barato, esse tipo de lanche ainda oferece praticidade ao cliente. Schlter afirma que a forma de alimentao hoje est condicionada ao nosso tempo livre. Os tempos modernos alteraram os tradicionais ritos da mesa, a jornada de trabalho j no est subordinada s refeies, mas a refeio est subordinada jornada de trabalho. (SCHLTER, 2003, p.54)

Outra transformao que ocorre nas cozinhas do mundo todo a tendncia a se globalizar. Receitas correm o mundo inteiro principalmente atravs dos meios de comunicao. Porm a culinria regional continua sendo resgatada e cada vez mais valorizada. Pratos exclusivos tm conquistado um nmero considervel de clientes. A alimentao e suas singularidades tornam-se atrativos tursticos e influenciadores no deslocamento desses visitantes. A indstria turstica deste modo vem a utilizar da gastronomia como produto principal ou como chamariz na escolha de um determinado destino. No entanto, dificilmente a gastronomia ser o principal motivador na atrao de visitantes.

Devido ao fato de que a gastronomia rara vezes seja o agente motivador principal de um deslocamento turstico, recorre-se geralmente criao de rotas temticas e culturais que permitem integrar em um produto os elementos que individualmente no atraem interesse suficiente ou contam com certas dificuldades de promoo ou comercializao, tornando possvel um produto final de maior valor que a soma das partes e incrementando assim seus benefcios econmicos e sociais. (SCHLTER, 2003, p.71).

A integrao da gastronomia junto a outros produtos, alm de atrair uma demanda maior, ainda contribui com o resultado final da experincia. Podendo esta ser um sucesso ou um desastre. Principalmente em um evento, onde muitas vezes a comida se mostra mais interessante do que o mesmo.

A utilizao da gastronomia em eventos pode caracterizar tanto a gastronomia quanto o evento, separadamente ou juntos, em um objeto de utilizao do turismo, pois estes acontecimentos acarretaro em uma demanda que muitas vezes pode ser da localidade somente, mas como tambm pode ser originria de outros centros, que passa a ser emissores. Para tanto, a indstria turstica vem sendo implantada de maneira rpida e crescente nas localidades que tinham um grande potencial com relao ao patrimnio, cultura e ambiente. (TREVIZAN, 2009)

A comida tem um forte poder de seduzir e atrair pessoas. Ela apresenta um grande potencial, ainda, para explorar um destino. E, alm disso, pode contribuir para uma experincia tornar-se completa e agradvel.

A importncia culinria para a rede turstica vem sendo comparada a atrativos como os monumentos histricos, paisagens e outros elementos culturais. A diversidade de sabores possibilitou tambm um cardpio de alternativas a serem exploradas. A crescente quantidade de opes aumentou a percepo quanto aos guias e roteiros de viagem. Nos quais, os turistas vem sendo alimentados pelas novas imagens da gastronomia. Isso faz com que viajantes em potencial e que desejam desfrutar dessa realidade distinta de seu cotidiano, tenham um estmulo maior em se deslocarem a encontro desses produtos.

Frente importncia mercadolgica que a gastronomia vem assumindo as agncias de turismo, hotis, espaos de lazer e entretenimento, cruzeiros martimos e at mesmo a aviao, tem dado ateno redobrada e vem utilizando-a como gancho de comercializao a possibilidade de novas experincias gastronmicas em seus roteiros. Assim, tida como diferencial competitivo para captar e conquistar novos clientes.

Portanto, a utilizao da gastronomia determina que ela adquira maior importncia para promover um destino turstico. No entanto, aliada a outro tipo de atrativo, a possibilidade de se obter sucesso ainda maior. Como veremos no caso da Confeitaria Colombo, uma casa de doces secular do Rio de Janeiro que tem como referencial sua famosa culinria, alm de seu conjunto esttico e arquitetnico ser considerado um atrativo a parte.

3 confeitaria colombo: Cultura, gastronomia e turismo

A Confeitaria Colombo localiza-se no ncleo comercial da cidade do Rio de Janeiro. Fundada em 17 de setembro de 1894 pelos imigrantes portugueses: Joaquim Borges de Meireles e Manuel Jos Lebro, seu nome foi dado em homenagem ao descobridor da Amrica, Cristvo Colombo. A confeitaria ainda guarda a memria portuguesa nas receitas de seus tpicos doces apreciados por muitos turistas e freqentadores assduos. atualmente um dos principais pontos tursticos da regio central da cidade, instalada desde sempre na Rua Gonalves Dias.

Famosa no s pela sua culinria, mas tambm pela fabulosa arquitetura que retrata a Belle Epoque carioca a Colombo tornou-se, inclusive, patrimnio cultural e artstico do estado. Alguns anos aps sua inaugurao a confeitaria passou por uma grande reforma na qual foi adotada sua decorao em estilo Art Nouveau, que mantida at hoje. Poucos anos depois outra reforma ampliou o espao do prdio. (ANEXO A FIGURA 1)No salo principal da confeitaria, seu estilo preservado em perfeito estado e mantm seus mnimos detalhes. Seu edifcio possui quatro andares, sendo dois deles destinados aos bares e restaurantes. So trs amplos sales decorados com oito espelhos trazidos da Blgica todos emoldurados em jacarand. As bancadas so em mrmore italiano. Os lustres, o piso e o mobilirio permanecem intactos at hoje. Cinco cristaleiras guardam uma grande variedade de doces e tortas, alm das louas do incio do sculo e taas de cristal bordadas em detalhes dourados. Enfeitando o teto, no ltimo andar, uma clarabia de mosaicos coloridos oferece a todo o restaurante uma luz natural e agradvel. (ANEXO A FIGURAS 2 e 3)

A Confeitaria Colombo [...] lembrava um esmerado caf europeu. Inaugurada no final do sculo XIX, ainda mantinha a aparncia adquirida aps a reforma que sofreu em 1912. Sua decorao Art Nouveau inclua gigantescos espe