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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE CONFLITOS AMBIENTAIS, O DIREITO À ÁGUA E MEDIAÇÃO NO BAIXO SÃO FRANCISCO: A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE Autor: Pablo Coutinho Barreto Orientador: Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa Novembro – 2011 São Cristóvão – Sergipe Brasil

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO

E MEIO AMBIENTE

CONFLITOS AMBIENTAIS, O DIREITO À ÁGUA E

MEDIAÇÃO NO BAIXO SÃO FRANCISCO: A ATUAÇÃO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE

Autor: Pablo Coutinho Barreto

Orientador: Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa

Novembro – 2011

São Cristóvão – Sergipe

Brasil

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO

E MEIO AMBIENTE

CONFLITOS AMBIENTAIS, O DIREITO À ÁGUA E

MEDIAÇÃO NO BAIXO SÃO FRANCISCO: A ATUAÇÃO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Núcleo de Pós-Graduação em

Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de

Sergipe como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em

Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Autor: Pablo Coutinho Barreto

Orientador: Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa

Novembro – 2011

São Cristóvão – Sergipe

Brasil

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

B273c

Barreto, Pablo Coutinho Conflitos ambientais, o direito à água e mediação no baixo São Francisco : a atuação do Ministério Público Federal em Sergipe / Pablo Coutinho Barreto. – São Cristóvão, 2011.

167 f.

Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Núcleo de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Programa Regional de Desenvolvimento e Meio Ambiente, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Universidade Federal de Sergipe, 2011.

Orientador: Profª. Drª. Flávia Moreira Guimarães Pessoa.

1. Meio ambiente. 2. Bacias hidrográficas. 3. São Francisco, Rio, Bacia. 4. Direito ambiental. I. Título.

CDU 502.51(282.281.5)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO

E MEIO AMBIENTE

CONFLITOS AMBIENTAIS, O DIREITO À ÁGUA E

MEDIAÇÃO NO BAIXO SÃO FRANCISCO: A ATUAÇÃO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE

Dissertação de Mestrado defendida por Pablo Coutinho Barreto e aprovada no dia 09 de

dezembro de 2011 pela banca examinadora constituída pelos doutores:

________________________________________________

Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa

PRODEMA-UFS

________________________________________________

Prof. Dr. Rodolfo Pamplona Filho

DIREITO-UFBA

________________________________________________

Profa. Dra. Maria José Nascimento Soares

PRODEMA-UFS

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Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento e

Meio Ambiente.

________________________________________________

Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa

PRODEMA-UFS

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É concedido ao Núcleo de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da

Universidade Federal de Sergipe permissão para disponibilizar e reproduzir cópias desta

dissertação.

________________________________________________

Pablo Coutinho Barreto

PRODEMA-UFS

________________________________________________

Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa

PRODEMA-UFS

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Às quatro mulheres da minha vida,

Leila, Sofia, Alice, e Maria das Graças.

Aos homens que são meus exemplos de conduta,

Adelino e Antonio.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por tudo.

À minha família, sempre presente, pelo apoio, compreensão e paciência.

À minha orientadora, Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa, pelo incentivo e

aconselhamento sem os quais a conclusão desta pesquisa não teria sido possível.

Ao Prof. Dr. Antenor de Oliveira Aguiar Netto pelas suas importantes contribuições na

fase inicial desta caminhada.

Ao PRODEMA pela oportunidade de crescimento ao participar de sua incansável luta

pela construção de uma (cons) ciência ambiental.

Aos meus colegas e amigos do Ministério Público Federal em Sergipe, sem o auxílio

dos quais eu não teria conseguido compatibilizar trabalho e estudo.

À toda equipe que compõe o ofício da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão

da PR-SE, que muito me ajudou na coleta de dados.

À Coordenadoria Jurídica da Procuradoria da República em Sergipe, pela excelência

dos serviços prestados ao público interno e externo.

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RESUMO

A presente pesquisa se debruça sobre a forma como o Ministério Público enfrenta os conflitos

ambientais relacionados ao direito fundamental à água. Seu objetivo geral é analisar a atuação

do Ministério Público Federal em Sergipe na mediação dos conflitos ambientais relativos à

água no baixo São Francisco entre os anos de 2004 e 2010. Os objetivos específicos são três:

i) examinar as características dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de

enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe; ii) especificar os instrumentos

jurídicos e a estratégia de atuação utilizados; iii) investigar se a atuação do Ministério Público

Federal na mediação desses conflitos ambientais é efetiva. Foram selecionados todos os

dezesseis casos em que o Ministério Público Federal atuou na mediação de conflitos hídricos

no baixo São Francisco, entre os anos de 2004 e 2010, e aplicados sobre eles uma ficha com a

finalidade de coletar e sistematizar as informações referentes as partes envolvidas no conflito

hídrico, as circunstâncias que originaram a atuação do Ministério Público Federal, o tipo de

conflito ambiental estabelecido, as medidas jurídicas adotadas para a resolução de tais

conflitos, e o resultado do processo de mediação. Após a análise dos dados obtidos, constatou-

se que a maior parte dos conflitos ambientais relativos ao direito à água se referem a danos à

área de preservação permanente e à poluição das águas, sendo os de maior relevância os

relacionados à restrição aos usos múltiplos. Os instrumentos mais utilizados são o inquérito

civil e o procedimento preparatório, a requisição e a notificação, não havendo registro da

utilização de recomendação ou termo de ajustamento de conduta. A estratégia utilizada pelo

Ministério Público Federal em Sergipe não tem conseguido obter resultados efetivos

extrajudicialmente de forma ágil, havendo um grande direcionamento dos conflitos hídricos

ao Poder Judiciário.

PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente, bacia hidrográfica, conflito.

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ABSTRACT

This present study focuses on how the prosecutor faces environmental conflicts related to the

fundamental water right. Its general purpose is to analyze the performance of the Federal

Prosecutor in Sergipe in the mediation of environmental conflicts related to water down the

San Francisco between the years 2004 and 2010. The specific objectives are threefold: i)

examine the characteristics of the low water conflicts object facing San Francisco by federal

prosecutors in Sergipe ii) specify the legal instruments used and operating strategy; iii) to

investigate whether the actions of the Federal Prosecutor in the mediation of environmental

conflicts is effective. We selected all sixteen cases in which federal prosecutors acted in the

mediation of conflicts in water below San Francisco, between 2004 and 2010, and applied

them on a sheet in order to collect and systematize information about the parties involved

water in the conflict, the circumstances that led to the actions of the Federal Public Ministry,

the type of environmental conflict established the legal measures taken to resolve such

conflicts, and the result of the mediation process. After analyzing the data obtained, it was

found that most environmental conflicts related to water rights refer to damage to the area of

preservation and water pollution, the most relevant being those related to the restriction on

multiple uses. The instruments most commonly used are the civil investigation and

preparatory procedure, the request and notification, there is no record of the use of the term

recommendation or adjustment of conduct. The strategy used by federal prosecutors in

Sergipe has achieved effective results out of court swiftly, with a major reallocation of water

disputes to the courts.

KEYWORDS: Environment, watershed conflict..

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LISTA DE FIGURAS

Página

Figura 4.1: Níveis de conflitos entre usos da água na bacia hidrográfica do rio São

Francisco............................................................................................................................ 114

Figura 4.2. Barragem de Xingó.......................................................................................... 116

Figura 5.1: Número de instaurações entre os anos de 2004 e 2010................................... 123

Figura 5.2: Origem............................................................................................................. 124

Figura 5.3: Tipologia.......................................................................................................... 127

Figura 5.4: Agente causador do dano ou risco................................................................... 130

Figura 5.5: Instrumentos jurídicos utilizados..................................................................... 132

Figura 5.6: Resultado final................................................................................................. 139

Figura 5.7: Tempo de tramitação....................................................................................... 142

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LISTA DE TABELAS

Página

Tabela 4.1. Principais características físicas e hidroclimáticas da bacia hidrográfica do rio São

Francisco............................................................................................................................ 109

Tabela 4.2. Principais características socioeconômicas da bacia hidrográfica do rio São

Francisco............................................................................................................................ 110

Tabela 5.1. Casos em que o MPF atuou na mediação de conflitos hídricos no baixo São

Francisco entre os anos de 2004 a 2010............................................................................. 121

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LISTA DE SIGLAS

Siglas

ACP – Ação civil pública

ADEMA – Administração Estadual do Meio Ambiente

ANA – Agência Nacional das Águas

APP – Área de preservação permanente

CBH – Comitê de Bacia Hidrográfica

CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

CF – Constituição Federal de 1988

CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público

CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos

COORJUR – Coordenadoria Jurídica

CSMPF – Conselho Superior do Ministério Público Federal

GEF – Fundo para o Meio Ambiente Mundial

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

LACP – Lei da Ação Civil Pública

LOMP – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993)

LOMPU – Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/1993)

MP – Ministério Público

MPF – Ministério Público Federal

MPU - Ministério Público da União

OEA – Organização dos Estados Americanos

PNRH – Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997)

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PR-SE – Procuradoria da República em Sergipe

SINGREH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

SRH – Superintendência de Recursos Hídricos

TAC – Termo de ajuste de conduta

ÚNICO – Sistema Integrado de Informações Institucionais do Ministério Público Federal

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SUMÁRIO

Página

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 16

1.1 Problema de pesquisa, justificativa e objetivos........................................................... 19

1.2 Metodologia................................................................................................................. 20

1.3 Estrutura da pesquisa................................................................................................... 23

2. SUSTENTABILIDADE, CONFLITOS AMBIENTAIS E O DIREITO DO MEIO

AMBIENTE...................................................................................................................... 26

2.1. Entre a racionalidade econômica e a racionalidade ambiental: a busca da

sustentabilidade.................................................................................................................. 27

2.2. Conflitos ambientais: a natureza em disputa ou a disputa entre a natureza?.............. 37

2.3. As éticas ambientais e a gestação de um direito do meio ambiente........................... 45

3. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

AMBIENTAIS.................................................................................................................. 58

3.1. A evolução institucional do Ministério Público no Brasil: de acusador a mediador de

conflitos.............................................................................................................................. 59

3.2. A mediação como técnica de enfrentamento de conflitos ambientais pelo Ministério

Público............................................................................................................................... 69

3.3. O instrumental jurídico do Ministério Público mediador............................................ 77

3.3.1. O inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório.................. 78

3.3.2. A notificação................................................................................................. 83

3.3.3. A requisição.................................................................................................. 83

3.3.4. A recomendação........................................................................................... 84

3.3.5. A audiência pública...................................................................................... 86

3.3.6. O compromisso de ajustamento de conduta................................................. 88

4. O DIREITO À ÁGUA, O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE

RECURSOS HÍDRICOS E OS CONFLITOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO....... 92

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4.1 O direito à água e suas múltiplas faces......................................................................... 93

4.2 A institucionalização de um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

voltado para o arbitramento de conflitos........................................................................... 101

4.3 Os conflitos ambientais do baixo curso do rio São Francisco..................................... 107

5. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE E A MEDIAÇÃO DE

CONFLITOS AMBIENTAIS NO BAIXO SÃO FRANCISCO................................... 120

6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES................................................................................ 146

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 151

APÊNDICE.........….......................................................................................................... 165

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

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1. INTRODUÇÃO

A vida em sociedade é marcada pela presença constante de conflitos. Não pode ser de

outra forma, pois o conflito é uma das possíveis formas de interação social (SIMMEL, 2006),

que implica disputa no acesso e distribuição de recursos escassos (BOBBIO et. al., 1998). O

conflito é inerente à convivência humana, todavia, o seu acirramento e descontrole

contribuem para o esgarçamento do tecido social e a erosão das condições ambientais, essa

última consequência em se tratando de conflito ambiental.

Essa percepção leva os grupamentos sociais organizados a tentar diluir os conflitos,

canalizá-los dentro de formas previsíveis, submetê-los a regras precisas e explícitas, contê-los

e, às vezes, direcionar o seu potencial de mudança para um sentido preestabelecido

(BOBBIO, 1998). Não se trata, entretanto, de resolver o conflito no sentido de eliminá-lo do

meio social, porquanto impossível e indesejável. Os conflitos são processos sociais que

podem evoluir ou involuir. As soluções podem ser dadas apenas aos problemas que surgem

dos conflitos. Além disso, somente há como tratar e controlar a fase pública, externa do

conflito: a disputa (SUARES, 2005)1.

Ao longo das últimas três décadas, um novo perfil institucional do Ministério Público

foi sendo construído através de sucessivas mudanças legislativas. Esse processo histórico

convergiu para que a atuação do Ministério Público na defesa do meio ambiente ganhasse

importância e relevo, transformando a Instituição em um ator de destaque na mediação de

conflitos ambientais.

O pano de fundo da presente pesquisa é a forma como o Ministério Público Federal

enfrenta os conflitos ambientais relacionados aos usos múltiplos da água, no desincumbir de

sua função institucional de proteger o meio ambiente e, por conseguinte, fazer valer o direito à

água.

1 Em razão disso, no desenvolvimento da presente pesquisa, prefere-se falar em tratamento ou equalização à

resolução do conflito.

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Marchesan (2005) destaca a tutela da água como um dos temas que mais têm

absorvido a atuação do Ministério Público no Estado do Rio Grande do Sul, quer pela

urgência (na área ambiental o tempo milita, como em nenhuma outra matéria, contra o êxito

da atuação institucional); pela complexidade (a transdisciplinaridade é característica desta

forma de atuação); pela abrangência (os interesses difusos envolvidos nas demandas por água

de qualidade transbordam em muito a esfera ambiental) e pela transcendência (o que hoje se

constrói em termos de prevenção e reparação de recursos hídricos se projeta para o futuro de

gerações não nascidas). Aponta, ainda, que os assuntos que se sobressaem nesse contexto pelo

envolvimento direto e/ou indireto com a tutela da água são os poços artesianos, as matas

ciliares, os esgotos, a utilização de agrotóxicos, a deposição inadequada de resíduos sólidos e

captações de água para irrigação.

A relevância da atuação do Ministério Público para a prevenção da degradação das

águas, decorre não só dos inquéritos civis instaurados e das ações civis públicas propostas,

mas dos acordos efetuados, visando ao atendimento da legislação. A simples possibilidade da

sua intervenção costuma inibir muitas atividades poluidoras (POMPEU, 2010).

Soares (2005) sustenta que os avanços na capacidade de se dar tratamento democrático

aos conflitos ambientais no Estado do Rio de Janeiro depende da aproximação e do trabalho

harmônico entre Ministério Público e os demais órgãos governamentais, do amadurecimento

dos instrumentos de atuação de procuradores e promotores, em especial da ação civil pública

(ACP) e do termo de ajustamento de conduta (TAC), bem como do aumento da participação

da população no controle público do respeito à legislação ambiental. Sugere, ainda, que o

Ministério Público apresenta-se como um ator político central para a regulação de conflitos

ambientais no Rio de Janeiro.

Debruçando-se sobre a atuação do Ministério Público na proteção da água na Região

Norte-Noroeste Fluminense, Totti et al. (2007) apontam diversos fatores que dificultam essa

atuação, tais como uma má compreensão por parte dos agentes sobre a real função do

Ministério Público, falta de entrosamento entre os agentes públicos, que inclusive fazem parte

dos agressores, falta de capacitação dos envolvidos, inclusive do próprio pessoal do

Ministério Público. Apesar das dificuldades indicadas, registram que a instituição vem se

consolidando como importante referencial para assuntos de ordem ambiental, especificamente

em relação à água.

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Mio et. al. (2005) sustentam que a utilização do inquérito civil em conjunto com o

termo de ajustamento de conduta permite a resolução mais eficiente e mais rápida dos

conflitos ambientais, importando, inclusive, em menores custos quando comparados à

abordagem tradicional pelo Poder Judiciário. Apontam, ainda, que o emprego em conjunto

desses dois instrumentos jurídicos representa o diferencial do Ministério Público em relação à

proteção ao meio ambiente, quando comparado a outras instituições de gestão e fiscalização

também legitimadas à assinatura de termo de ajustamento de conduta.

1.1 Problema de pesquisa, justificativa e objetivos

O problema de pesquisa que se pretende esclarecer com esta investigação é a forma de

atuação do Ministério Público Federal em Sergipe no tratamento dos conflitos ambientais

relativos à água no baixo São Francisco, entre os anos de 2004 e 2010. Três questões de

pesquisa se mostram visíveis na presente investigação: i) Quais as características dos conflitos

hídricos do baixo São Francisco objeto de atuação do Ministério Público Federal em Sergipe?;

ii) Quais os instrumentos jurídicos que compõem a estratégia desta atuação; iii) Esses

conflitos ambientais são efetivamente mediados pelo Ministério Público Federal em Sergipe

ou são encaminhados ao Poder Judiciário?

A presente pesquisa é motivada pelo interesse em se conhecer as características dos

conflitos ambientais relacionados ao direito à água e como eles são tratados no âmbito do

Ministério Público, de forma a possibilitar uma visão estrutural da conflituosidade existente e

extrair elementos que possam orientar uma ação efetiva no enfrentamento de conflitos

ambientais.

Seguindo uma sequência lógica e sistemática, a presente pesquisa tem como objetivo

geral analisar a atuação do Ministério Público Federal em Sergipe na mediação dos conflitos

relacionados com o direito à água no baixo São Francisco entre os anos de 2004 e 2010. Os

objetivos específicos são três, podendo ser assim enumerados: i) examinar as características

dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério

Público Federal em Sergipe; ii) especificar os instrumentos jurídicos que compõe a estratégia

desta atuação; iii) investigar se esses conflitos ambientais são efetivamente mediados ou são

submetidos ao Poder Judiciário.

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1.2. Metodologia

A presente pesquisa está voltada para a análise da atuação do Ministério Público na

mediação de conflitos ambientais relacionados à água. Debruça-se, portanto, sobre os embates

estabelecidos entre as diversas formas de apropriação da água e como o Ministério Público

busca velar para que os valores ecológicos, social, cultural, econômico e espiritual desse

elemento da natureza sejam respeitados de forma equânime, atuando como mediador de tais

conflitos.

Antes de tudo cabe revelar que o autor da pesquisa é Procurador da República, então,

membro do Ministério Público Federal. Esse fato por si não afasta a credibilidade científica da

investigação realizada. Há muito sabe-se que não se pode falar em uma objetividade científica

pura, uma vez que o objeto observado é construído na sua inter-relação com o sujeito. Cabe,

sim, ao investigador minimizar essa circunstância através do rigor técnico a ser adotada na

metodologia escolhida.

Encontrando-se em situação idêntica, Rodrigues (2006) assim justificou a honestidade

científica de sua pesquisa:

Com efeito, a relação do cientista com o fato investigado não é anódina, e nem mesmo nas ciências exatas se pode infirmar plenamente a relação de influência entre o investigador e o investigado. Em se tratando de ciências sociais a “ilusão objetivista”, tão criticada por Habermas, tem, ainda, menos força. Não chegamos a conclusões pela mera observância dos fatos. É inevitável superar a simples faticidade para a bordagem de um dado fenômeno social, sendo recorrente o auxílio a elemento de ordem subjetiva para a sua compreensão. Até mesmo, com já afirmamos, a problematização da questão ocorre a partir do contexto social e histórico em que se insere o investigador. Seria leviano afirmar que o nosso status profissional não venha a influir na nossa abordagem, uma vez que já partimos de algumas noções dadas. Contudo, não podemos condenar, de antemão, ao descrédito dados que foram objetivamente levantados, ainda que a sua análise não seja infensa ao contesto do pesquisador. De qualquer sorte, já se indicia um grau satisfatório de honestidade científica na revelação da posição do investigado, o que permitirá aos que examinem o resultado da pesquisa tomar em consideração esse fato (RODRIGUES, 2006, p. 243-244).

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Esclarecido este importante ponto, avança-se com a descrição do método e técnica

utilizados para a coleta e a interpretação dos dados empíricos obtidos.

A investigação em tela tem natureza exploratória-descritiva (MARCONI &

LAKATOS, 2009). Trata-se de pesquisa empírica que além de levantar informações sobre um

determinado objeto de estudo, objetiva descrever completamente esse fenômeno específico

através de análises empíricas e teóricas. Dentro de uma abordagem quantitativa-qualitativa

(SEVERINO, 2007), uma vez que a presente investigação envolveu questões mensuráveis e

outras não-mensuráveis. Adotou-se como método de pesquisa o monográfico, criado por Le

Play (MARCONI & LAKATOS, 2009). Parte-se do princípio de que o estudo aprofundado

da atuação do Ministério Público Federal no baixo São Francisco, entre os anos de 2004 e

2010, pode servir como modelo de análise para outros casos em que o Ministério Público atue

no enfrentamento de conflitos ambientais relacionados à água.

Não se pretende, todavia, inferir uma verdade geral ou universal acerca da atuação do

Ministério Público partindo-se dos dados particulares obtidos na observação do fenômeno no

baixo São Francisco, apenas se busca a construção de um modelo de análise que possa ser útil

à compreensão de uma manifestação da realidade – o enfrentamento de conflitos hídricos pelo

Ministério Público.

Afere-se a eficiência da metodologia escolhida para a análise do objeto de estudo da

presente pesquisa em razão da circunstância da representação (ato de levar a existência de um

conflito ambiental ao conhecimento do Ministério Público) caracterizar por si só a presença

de algum grau de conflito pelo usufruto do meio ambiente, bem como a existência de

impactos indesejáveis transmitidos pelo solo, pela água ou pelo ar (SOARES, 20052).

Totti et. al. (2007) apontam que uma análise da atuação do Ministério Público no

controle do meio ambiente é uma boa estratégia metodológica, pois é onde vão se confluir as

explicitações dos conflitos ambientais e as suas soluções. Ressaltam, ainda, que “a vinculação

metodológica entre MP e recursos hídricos constitui uma estratégia organizacional de

conhecimento sistematizado, ainda pouco explorado no âmbito nacional, podendo ser

escalonado em diferentes abrangências de tempo e espaço geográfico” (TOTTI et al, 2007, p.

195). 2 Adota-se na presente pesquisa o termo representação e não denúncia, nomenclatura utilizada por Soares

(2005), em razão desta última expressão ser utilizada para nomear a petição que inicia uma ação penal

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De forma a viabilizar a conclusão da presente pesquisa obedecendo a tempo e modo às

regras vigentes no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da

Universidade Federal de Sergipe, o objeto de estudo foi delimitado à análise dos conflitos

ambientais relativos à água ocorridos na região fisiográfica do baixo São Francisco que foram

alvo da atuação do Ministério Público Federal em Sergipe, entre os anos de 2004 e 2010.

A delimitação espacial da pesquisa ao baixo São Francisco deve-se a duas razões: a

primeira, em face da existência de conflitos ambientais de grande destaque que ainda não

foram objeto de um número representativo de estudos (ANA et. al., 2004). A segunda, tendo

em vista a importância da bacia hidrográfica do São Francisco, a maior em área e a que

apresenta a maior disponibilidade hídrica em seu território. A importância do rio São

Francisco para o desenvolvimento e a sustentabilidade do Estado de Sergipe fica evidente em

razão de ser o curso d'água responsável pelo abastecimento dos principais perímetros públicos

irrigados, da maior parcela da população e indústria sergipana (AGUIAR NETTO et. al.,

2010).

De acordo com a Constituição Federal de 19883, o rio São Francisco é um bem

público do domínio da União, portanto cabe ao Ministério Público Federal, um dos ramos do

Ministério Público da União, tratar os conflitos ambientais relacionados à bacia hidrográfica

onde está inserido esse curso d'água. Em território sergipano esta incumbência está acometida

à Procuradoria da República em Sergipe.

A abrangência temporal do estudo ficou delimitada ao período compreendido entre os

anos de 2004 e 2010, ou seja, sete anos. O marco inicial coincide com a data de implantação

de controles e registros da atuação extrajudicial do Ministério Público Federal na

Procuradoria da República em Sergipe.

A presente pesquisa foi eminentemente documental (MARCONI & LAKATOS, 2009),

com a aplicação de uma ficha para a coleta dos dados4 necessários ao alcance dos objetos

inicialmente propostos (RODRIGUES, G., 2006).

Inicialmente, foi solicitado à Coordenadoria Jurídica [COORJUR] da Procuradoria da

República em Sergipe a realização de uma pesquisa no sistema integrado de informações do

3 Artigo 20, inciso III, da Constituição Federal. 4 A ficha de coleta de dados se encontra reproduzida no apêndice da presente pesquisa.

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Ministério Público Federal [ÚNICO], que fornecesse uma relação dos casos em que

ocorreram a atuação do Ministério Público Federal em questões relacionadas à água, no baixo

São Francisco, entre os anos de 2004 e 2010. Esse levantamento de dados foi realizado

utilizando-se como parâmetro de pesquisa as expressões “rio São Francisco”, “água”, “bacia

hidrográfica”, “recursos hídricos”.

Da relação obtida a partir dos parâmetros utilizados, foram submetidos a tratamento e

análise os casos em que o Ministério Público atuou como mediador de conflitos relativos ao

direito à água. Assim, foram descartados aqueles casos em que a Instituição desempenhou o

seu papel tradicional de órgão de acusação. Com este corte metodológico, obteve-se uma

relação indicativa da existência de dezesseis casos em que o Ministério Público Federal atuou

na mediação de conflitos hídricos no baixo São Francisco, entre os anos de 2004 a 2010.

Após reprografia/digitalização de todos os casos selecionados, a documentação obtida

foi analisada, sendo aplicada uma ficha sobre o material empírico coletado, com a finalidade

de sistematizar as informações obtidas levando em consideração, especificamente, as partes

envolvidas no conflito hídrico, as circunstâncias que originaram a atuação do Ministério

Público Federal, o tipo de conflito ambiental estabelecido, as medidas jurídicas adotadas para

a resolução de tais conflitos, e o resultado do processo de mediação. Esse modelo

metodológico tem como referência conceitual aquele desenvolvido nos trabalhos de José Luiz

Soares (2005) e Totti et. al. (2007).

1.3 Estrutura da pesquisa

A presente pesquisa está organizada em um capítulo introdutório, três capítulos que

trazem em seu corpo o referencial teórico adotado, seguidos por outro que apresenta os

resultados obtidos a partir da investigação realizada. Ao final, um capítulo apresenta as

últimas considerações sobre o tema objeto de estudo.

Neste capítulo introdutório, são apresentados os motivos que originaram a presente

pesquisa, uma breve contextualização teórica a respeito da temática abordada, é enunciado o

problema de estudo, são formulados as questões e os objetivos da presente investigação,

expõe-se a sua relevância científica e social e os limites escolhidos para a pesquisa em

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desenvolvimento, apresenta-se a metodologia utilizada e, por fim, são apresentados os

capítulos que a integram.

Apresentado em três breves seções, o segundo capítulo lança-se pelo tortuoso caminho

dos conceitos e categorias. Inicia-se com a abertura de um debate sobre a racionalidade

econômica que impera nos dias atuais e a proposta de uma nova racionalidade – a ambiental,

na necessária busca de uma trilha segura que conduza à sustentabilidade. Discute-se,

posteriormente, os diversos enfoques que permeiam a análise da denominada problemática

ambiental e os distintos conceitos apresentados para os conflitos ambientais. Ao fim,

apresenta-se, em resumo, as diferentes propostas de ética ambiental e como influenciaram e

influenciam na construção de um direito do meio ambiente.

No terceiro capítulo, o referencial teórico apresentado passeia pela evolução

institucional que transformou completamente o perfil do Ministério Público, deslocando-o de

sua posição tradicional de órgão estatal responsável pela acusação para se constituir em uma

instituição vocacionada para a mediação de conflitos ambientais. Em seguida, detalha-se um

pouco mais a mediação como técnica de enfrentamento de conflitos ambientais. O capítulo se

encerra com uma descrição sintética dos instrumentos utilizados pelo Ministério Público no

enfrentamento dos conflitos ambientais.

Expõe-se, no quarto capítulo, o estado da arte acerca da afirmação de um direito

fundamental à água, uma das múltiplas dimensões do direito do meio ambiente, construído

historicamente como um reflexo dos direitos à vida, à saúde e consequência direta do

princípio da dignidade da pessoa humana. Aborda-se, também, a institucionalização de um

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, criado com a finalidade de arbitrar

os conflitos relacionados ao uso e à apropriação das águas no Brasil. Por fim, registra-se a

literatura científica que analisa o conteúdo, as causas e as consequências dos conflitos

ambientais existentes no baixo São Francisco.

O quinto capítulo, apresentado em seguida, encontra-se dividido em duas seções. A

primeira delimita a área de estudo da presente investigação – o baixo São Francisco,

apontando ainda as suas principais características socioambientais. A segunda seção descreve

os procedimentos metodológicos utilizados para a investigação do objeto de estudo. A

pesquisa desenvolvida tem natureza exploratória-descritiva (MARCONI & LAKATOS,

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2009), utilizando-se de uma abordagem quantitativa-qualitativa (SEVERINO, 2007),

porquanto envolve dados mensuráveis, que podem ser traduzidos em números e classificados

com a utilização de técnicas estatísticas, e, de outro lado, dados que não podem ser

mensurados.

Em seguida, o sexto capítulo retrata os resultados obtidos com o desenvolvimento da

presente pesquisa sobre a atuação do Ministério Público Federal em Sergipe na mediação de

conflitos ambientais no baixo São Francisco. Apresenta-se um quadro sistemático que indica

as principais características dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de

enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe; especifica os instrumentos

jurídicos que compõem a estratégia desta atuação do MPF; e, ao cabo, esclarece se esses

conflitos ambientais são efetivamente mediados ou são levados ao crivo do Poder Judiciário.

No capítulo final, são apresentadas as conclusões e sugestões sobre o tema objeto de

estudo da presente investigação, desenvolvida no intuito contribuir para o debate acerca da

efetividade da atuação do Ministério Público Federal na mediação de conflitos ambientais

relacionados com o direito à água.

O presente capítulo é metodológico. Cuida, em sua primeira parte, da delimitação e da

caracterização da área de estudo da presente pesquisa – o baixo São Francisco. A segunda

parte descreve os procedimentos metodológicos utilizados para o desenvolvimento da

investigação. Traça-se a correlação entre os objetivos propostos e os métodos e as técnicas

utilizados.

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CAPÍTULO 2

SUSTENTABILIDADE, CONFLITOS AMBIENTAIS E O

DIREITO DO MEIO AMBIENTE

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2. SUSTENTABILIDADE, CONFLITOS AMBIENTAIS E O DIREITO DO MEIO

AMBIENTE

Este capítulo se empenha na exposição de conceitos e categorias. A abordagem

começa delineando o debate travado entre a racionalidade econômica que impera nos dias

atuais e a proposta de uma nova racionalidade – a ambiental, na necessária busca de uma

trilha segura que conduza à sustentabilidade. Discute-se, posteriormente, os diversos enfoques

que permeiam a análise da denominada problemática ambiental e os distintos conceitos

apresentados para os conflitos ambientais. Ao fim, apresenta-se, em resumo, as diferentes

propostas de ética ambiental e como influenciaram e influenciam na construção de um direito

do meio ambiente.

2.1. Entre a racionalidade econômica e a racionalidade ambiental: a busca da

sustentabilidade

É na natureza que o homem se envolve e se desenvolve. O homem pertence à natureza

e deve a ela a sua sobrevivência. Ao mesmo tempo em que o homem a constrói [cultural e

materialmente], ele a destrói. O certo é que, embora essa relação seja marcada por uma tensão

permanente, seus destinos – homem e natureza – estão atados por correntes inquebrantáveis.

Para uma melhor compreensão da relação homem-natureza, faz-se necessário a

percepção de que conceito de natureza não é natural, mas histórico, uma construção cultural

de cada sociedade. Nesta direção, Porto-Gonçalves (2008) esclarece que toda sociedade, toda

cultura, cria, inventa, institui uma determinada ideia do que seja a natureza. Assim, o conceito

de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens. Constitui um

dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material

e espiritual, enfim a sua cultura.

Ao longo da história, diversas concepções informaram a relação homem-natureza. Nas

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eras primitivas, a natureza era divina, sagrada, e o homem, sempre temeroso, percebia-se

subjugado pelo mundo natural, esse visto como onipotente, imprevisível e indominável

(CAMARGO, 2008).

A visão sacralizada da natureza cedeu espaço, no mundo ocidental, à concepção do ser

humano dominador, externo à natureza e seu senhor. Iniciada sob a influência do pensamento

de Sócrates e Platão, a separação e subjugação da natureza pelo homem recebeu grande

contribuição da filosofia judaico-cristã. Entretanto, a oposição homem-natureza somente

ficaria completa na obra Discurso sobre o Método de René Descartes, para quem o homem

deveria se tornar o senhor e possuidor da natureza (DESCARTES, 2002).

Para Leite (2010), a visão antropocêntrica tradicional já era verificada nos escritos dos

filósofos gregos e na própria Bíblia. O animal era visto por Aristóteles como um escravo, um

fornecedor de matéria-prima, um bem útil para a alimentação e para o uso diário. Trechos da

Bíblia, Gênesis (I 26-28), por muito tempo, foram utilizados como fundamentação para a

visão antropocêntrica5, porquanto a interpretação vigente era que Deus teria outorgado ao

homem, criado à sua imagem e semelhança, o domínio sobre todas as coisas. A visão

utilitarista da natureza também está presente na obra de Tomás de Aquino, de Kant e da

maioria dos filósofos ocidentais (VIDAL, 2010).

Na mesma linha, Antunes (2001) registra que a tradição humanista ocidental sempre

esteve enlaçada com a concepção da existência de uma contradição entre homem e natureza e

que o ser humano deveria dominar a natureza para alcançar o progresso e a felicidade.

A modernidade foi marcada fortemente pela filosofia cartesiana de sentido pragmático

e utilitarista, voltada para o antropocentrismo. O homem passou a ser visto como o centro do

mundo, o sujeito em oposição ao objeto, a natureza.

O século XIX será o do triunfo desse mundo pragmático, com a ciência e a técnica adquirindo, como nunca um significado central na vida dos homens. A natureza cada vez mais um objeto a ser possuído e dominado, é agora subdividida em física, química, biologia. O homem em economia, sociologia, antropologia, história, psicologia, etc. Qualquer tentativa de

5 “Qualquer perspectiva que aumente a importância dos seres humanos no cosmo, e. g., vendo-o como algo

que foi criado para o nosso benefício, é antropocêntrica” (BLACKBURN, 1997).

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pensar o homem e a natureza de forma orgânica e integrada torna-se agora mais difícil, até porque a divisão não se dá somente enquanto pensamento (GONÇALVES, 2008, p. 34).

A natureza nada mais é do que um recurso a ser utilizado em benefício das atividades

humanas, daí falar-se em recurso natural. Instrumentaliza-se a natureza, retirando-lhe seu

valor intrínseco, sua finalidade exclusiva é servir ao atendimento das necessidades humanas.

Inicialmente, os impactos negativos decorrentes desta relação utilitarista – a

apropriação e a exploração da natureza pelo homem – eram totalmente assimilados pelo

ecossistema, em razão do uso voltado para a satisfação das necessidades humanas básicas,

centradas principalmente na sobrevivência; da pequena quantidade de seres humanos no

planeta; da ausência de conhecimento para a exploração em larga escala, enfim de uma

situação diametralmente oposta àquela dos dias atuais (COSTA, 2010).

A revolução industrial radicalizou a gravidade do impacto antrópico sobre a natureza.

O estabelecimento de uma economia industrializada centrada espacialmente na urbe e

lastreada em tecnologias de produção e consumo predatórios vem provocando grande impacto

sobre a natureza (CAMARGO, 2008). A expansão geométrica da produção e a ausência de

preocupação com a capacidade de suporte da natureza caracterizaram esse período.

A chamada sociedade industrial no século XX foi fortemente marcada pela tradição da

cultura ocidental de controlar e dominar a natureza, característica pertinente tando às

sociedades capitalistas quanto às sociedades socialistas, que, apesar de apresentarem

diferenças estruturais, são caracterizadas por um padrão profundamente agressivo de relação e

apropriação dos recursos naturais. A combinação de várias formas de exploração da natureza e

de seus respectivos efeitos sobre o meio ambiente transformou o planeta no século XX. Se

inicialmente a sociedade industrial acreditava ter à sua disposição fontes ilimitadas de energia,

em suas três últimas décadas, ficou evidente que o padrão de produção, exploração da

natureza e a consequente degradação ambiental a inviabilizariam por completo a médio e

longo prazo (ENNES, 2008).

Para Portilho (2005), o consumo total da economia humana tem excedido a capacidade

de reprodução natural e assimilação de resíduos da ecosfera, enquanto a distribuição de tais

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rejeitos e da riqueza produzida é socialmente desigual e injusta. Essas duas dimensões,

exploração excessiva dos recursos naturais e iniquidade inter e intra geracional na distribuição

desigual dos benefícios e dos resíduos gerados conduziram à reflexão sobre a

insustentabilidade ambiental e social dos atuais padrões de consumo e seus pressupostos

éticos-normativos.

Os impactos negativos causados pela ação antrópica no meio ambiente, antes

desapercebidos ou, ao menos não levados em conta pela maioria da população, passaram a ser

objeto de preocupação da comunidade científica e de grupos sociais específicos

(ambientalistas). Isso se deveu à ocorrência, ao longo do tempo, de diversos impactos

ambientais graves, a exemplo da contaminação da baía de Minamata no Japão por mercúrio,

em 1930; as drásticas consequências do uso de DDT, relatadas na obra silent spring de Rachel

Carson, que resultou na criação da primeira agência de proteção ambiental; o acidente nuclear

da usina de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986; e a atual discussão sobre o aquecimento global

decorrente da emissão de gases do efeito estufa (COSTA, 2010).

Na visão de Daltro Filho & Soares (2010):

O cenário atual, no tocante às questões ambientais, revela uma crise sem precedentes na história da vida humana no planeta Terra. O modelo de desenvolvimento adotada até a primeira metade do Século XX foi notadamente predatório, voltado para o acúmulo de riquezas com grande usurpação dos recursos naturais, o que ocasionou impactos ambientais de grande magnitude e muita destruição em todo o ecossistema global. Desse modo, a temática ambiental tem sido uma preocupação em nosso dia a dia, pois a preservação da Natureza é uma questão da sobrevivência da espécie humana e de todas as demais espécies de nosso planeta. Uma vez que é o próprio homem o grande responsável pela crise ambiental, pois suas ações, por vezes, culminaram na espoliação dos recursos naturais e na geração de resíduos de toda forma, comprometendo o equilíbrio do Meio Ambiente, é dele a responsabilidade de tentar aplacar os impactos que vem causando (DALTRO FILHO & SOARES, 2010, p. 7).

A inserção do debate sobre a questão ambiental6 na academia e nos demais espaços

6 Seguindo a lição de Portilho (2005), entende-se por questão ambiental o conjunto de fatores e variáveis

existentes na relação homem-natureza em seus diversos aspectos: biológicos, éticos, estéticos, territoriais, políticos, sociais, culturais, econômicos, axiológicos, espirituais, etc.

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públicos na atualidade, entretanto, não é orientada por uma unidade discursiva, ao revés, há

uma profusão de discursos e práticas que emergem de diferentes lugares e atores, expressando

diferentes ideologias que orientam a definição do significado da questão ambiental, bem como

as propostas e agendas políticas para o seu enfrentamento. A tentativa de se obter uma

resposta para a pergunta sobre as causas estruturais que estariam na raiz da degradação

ambiental enseja a percepção de que o tema envolve uma disputa ideológica. Não existe uma

crise ambiental única, mas uma pluralidade de formas de se problematizar a questão e uma

disputa por proposições e tentativas de solução entre diferentes campos sociais e políticos,

sendo que as diversas formas de se perceber a questão ambiental tem se alterado em razão do

aprofundamento do debate, da ampliação dos atores que dele participam, da agudização dos

problemas e do desenvolvimento de novos estudos científicos (PORTILHO, 2005).

O início do debate ecológico pode ser representado por duas grandes correntes: o

preservacionismo, amparado nas ideias de John Muir, que pregava o “culto à vida silvestre” e

tinha por base a exclusão do homem para a preservação do espaço intocado, que influenciou

fortemente as éticas ambientais contemporâneas, como o biocentrismo e o ecocentrismo; e o

conservacionismo, fundado no pensamento de Gifford Pinchot, que pregava o uso adequado e

criterioso dos recursos naturais e defendia o crescimento econômico com base na

ecoeficiência e na modernização ecológica, precursor do que hoje se chama desenvolvimento

sustentável (DIEGUES, 2008; ALIER, 2007; LARRÈRE, 2008).

O conservacionismo de Pinchot tinha por objetivo assegurar a renovação dos recursos

naturais disponíveis para o desenvolvimento nacional, através de uma gestão racional das

populações florestais, amparada em conhecimentos científicos. Sua finalidade era

eminentemente econômica e seu raciocínio utilitarista. A filosofia preservacionista de Muir

afirmava o valor intrínseco da natureza e tinha por modelo a ser protegido a wilderness. A

natureza aparece como uma alteridade radical a ser preservada ,em sua pureza original, da

nociva ação humana (LARRÈRE, 2008).

Até a década de 70, prevalecia uma definição estreita da questão ambiental, mantida

pelo poder político das nações industrializadas, que atribuía a degradação do meio ambiente e

o esgotamento da capacidade de suporte da natureza ao crescimento demográfico dos países

pobres, àquela época chamados de Países do Terceiro Mundo. É com o advento da

Conferência de das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, no ano de 1972, que se

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inicia a progressiva mudança desta perspectiva neomalthusiana (PORTILHO, 2005).

Segundo Leff (2008), foi na Conferência de Estocolmo que se assinalaram os limites

da racionalidade econômica e os desafios da degradação ambiental ao projeto civilizatório da

modernidade. A escassez, alicerce da teoria e prática econômica, foi alçada a nível global que

já não se resolve através do progresso tecnológico, pela substituição de recursos escassos por

outros mais abundantes ou pela utilização de espaços não saturados para o depósito de rejeitos

originados do processo produtivo.

A Conferência de Estocolmo ficou marcada por acalorados debates sobre meio

ambiente e desenvolvimento. De um lado os países ricos buscando conferir ênfase à explosão

demográfica, do outro os países pobres apontando como as principais causas da crise

ambiental a iniquidade econômica entre os países e o estilo de produção, seja capitalista ou

socialista, das nações ricas, que requeria grande quantidade de recursos e energia do planeta,

causando grande parte dos problemas ambientais, especialmente os de impacto global

(PORTILHO, 2005). Neste evento da Organização das Nações Unidas ficou famosa a frase a

então primeira ministra da Índia, Indira Gandhi, “a pobreza é a maior das poluições” que bem

simboliza o conteúdo das discussões ali travadas.

A partir dos debates travados em Estocolmo72, surgem diversos questionamentos ao

conceito tradicional de desenvolvimento, que, amparado na concepção de que o lucro gera o

progresso, busca o crescimento da produção na certeza de que isso trará o bem-estar coletivo

(CAMARGO, 2008). Como se percebe, não se diferenciava a ideia de crescimento econômico

do conceito de desenvolvimento. Como bem ilustra Veiga (2006, p. 161)

Na verdade, até meados dos anos 70 praticamente todo mundo identificava o desenvolvimento apenas com progresso material. Para alguns, esse progresso levaria espontaneamente à melhoria dos padrões sociais. Para outros, a relação aprecia mais complexa, pois o jogo político intervinha, fazendo com que o crescimento tomasse rumos diferenciados, com efeitos heterogêneos na estrutura social. Mas todos ainda viam o desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico.

No âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, resultado da

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Conferência de Estocolmo, surgiu a estratégia do ecodesenvolvimento, termo utilizado

inicialmente por Maurice Strong para designar uma alternativa de política para o

desenvolvimento, cujas premissas básicas foram formuladas por Ignacy Sachs (CAMARGO,

2008).

Sachs (2007, p. 64) conceitua o ecodesenvolvimento como um “estilo de

desenvolvimento que insiste em buscar soluções específicas, em cada ecorregião, para seus

problemas particulares, tendo em vista não somente os dados ecológicos, mas também os

culturais e as necessidades imediatas e de longo prazo”. Esta nova visão integrou seis grandes

diretrizes para o desenvolvimento: a satisfação das necessidades básicas; a solidariedade com

as gerações futuras; a participação da população envolvida; a preservação dos recursos

naturais e do meio ambiente em geral; a elaboração de um sistema social garantindo emprego,

segurança social e o respeito a outras culturas; e programas de educação (CAMARGO, 2008).

A estratégia do ecodesenvolvimento buscava abranger, simultaneamente, cinco

dimensões de sustentabilidade: a social, que tem por objetivo a construção de uma civilização

com maior equidade na distribuição de renda e de bens, de modo a reduzir o abismo de

diferenças entre os padrões de vida dos ricos de dos pobres; a econômica, em busca de maior

eficiência na alocação e gerenciamento de recursos, da superação dos obstáculos criados pelos

países ricos para o desenvolvimento dos países pobres, devendo ser avaliada em termos

macrossocial e não da conveniência da rentabilidade empresarial; a ecológica, através da

utilização de novas tecnologias para otimizar o uso da natureza e a capacidade de suporte, da

limitação e substituição dos recursos e produtos não renováveis por outros renováveis, da

redução da produção de rejeitos poluentes, da limitação do consumo e implementação de uma

normatização ambiental sistêmica e efetiva; a espacial, que confere ênfase para uma

configuração urbano-rural mais equilibrada; e a cultural com a adoção de modelos e soluções

fundados no saber local e adequados a cada ecorregião específica (SACHS, 1993).

Leff (2008) aponta que ecodesenvolvimento teve seu potencial crítico e transformador

dissolvido pelas estratégias de resistência à mudança na ordem econômica, antes de conseguir

vencer as barreiras da gestão setorializada do desenvolvimento, reverter os processos de

planejamento centralizado e penetrar nos domínios do conhecimento tradicional. Em seu

lugar, foram buscar um conceito capaz de esverdear a economia, com o objetivo de mascarar

a contradição entre crescimento econômico e preservação da natureza. Assim, o conceito de

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ecodesenvolvimento foi suplantado pelo discurso do desenvolvimento sustentável.

A retórica do desenvolvimento sustentável converteu o sentido crítico do conceito de ambiente numa proclamação de políticas neoliberais que nos levariam aos objetivos do equilíbrio ecológico e da justiça social por uma via mais eficaz: o crescimento econômico orientado pelo livre mercado. Este discurso promete alcançar seu propósito sem uma fundamentação sobre a capacidade do mercado de dar o justo valor à natureza e à cultura; de internalizar as externalidades ambientais e dissolver as desigualdades sociais; de reverter as leis da entropia e atualizar as preferências das futuras gerações (LEFF, 2008, p. 24).

Para Zhouri et. al. (2005), o surgimento da crítica transformadora desencadeada pela

ecologia política suscitou reações por parte dos defensores da industrialização, que

começaram a incorporar, paulatinamente, as chamadas variáveis ambientais, centrando o seu

discurso na fé irrestrita nas soluções tecnológicas como solução para a questão ambiental.

Dessa forma, na medida em que as forças hegemônicas da sociedade reconheciam e

institucionalizavam temas ambientais que não colocavam em risco as instituições da

sociedade vigente, houve uma certa despolitização do debate ecológico. Os mesmos autores

falam de uma “adequação ambiental”, que se constituiria em um verdadeiro paradigma

inserido dentro da visão desenvolvimentista que motiva ações políticas que atribuem ao

mercado a capacidade institucional de resolver a degradação ambiental, apostando na

modernização ecológica. Sendo um paradigma reformador, a adequação ambiental se coloca

como obstáculo aos discursos que visam à construção de um paradigma transformador para a

sustentabilidade.

Na mesma linha, Ennes (2008) aponta que houve uma apropriação e uma

ressignificação da questão ambiental pelo pós-industrialismo. Com isso, é o modo de

produção que passa a ter necessidade de garantia da sustentabilidade, reduzindo o alcance da

ideia de sustentabilidade e afastando o seu potencial transformador e inovador quanto às

formas de relação entre a sociedade e a natureza.

O discurso hegemônico conseguiu manter o foco do debate ambiental concentrado

“em mudanças técnicas, tecnológicas e de procedimentos dentro do mesmo modelo de

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produção industrial, preservado-o das críticas ideológicas por parte dos ambientalistas”,

conforme relata Portilho (2005, p. 47). Houve um certo consenso político-econômico sobre a

necessidade da adoção de novas tecnologias, mais eficientes. Entretanto, conseguiu-se manter

o debate sobre a questão ambiental distante da iniquidade na distribuição, acesso e gestão dos

recursos naturais do planeta, dos valores da sociedade moderna e dos estilos de vida e padrões

de consumo desiguais (PORTILHO, 2005).

O núcleo da crise ambiental se limitaria ao desperdício de matéria e energia, que

encontraria resposta em ações da chamada modernização ecológica ou ecoeficiência inseridas

dentro da lógica econômica, que atribuem ao mercado a capacidade institucional de resolver a

degradação ambiental, através da “economia” do meio ambiente e da abertura de mercados

para novas tecnologias. Celebra-se o mercado, consagra-se o consenso político e promove-se

o progresso técnico, que seria capaz de superar a crise ambiental fazendo uso das instituições

da modernidade, sem abandonar o padrão da modernização e sem alterar o modo de produção

capitalista de modo geral. Não se vê presente no discurso da modernização ecológica a

diversidade social na construção da crise ambiental e a possibilidade de existir uma lógica

política na distribuição desigual dos problemas ambientais (ACSELRAD, 2002).

A apropriação e ressignificação da questão ambiental pelo modo de produção

capitalista, apresentando como solução para a crise a adoção de tecnologias mais eficientes,

guarda identidade com a estratégia descrita na obra-prima “O Gattopardo”, de Tomasi de

Lampedusa, quando Tancredi, príncipe de Falconeri e sobrinho de Don Fabrizio, incita seu tio

cético e conservador a abandonar sua lealdade aos Bourbons do Reino das Duas Sicílias e

aliar-se com os Saboia: “Se nós não estivermos presentes, eles aprontam a república. Se

queremos que tudo continue com está, é preciso que tudo mude. Fui claro?” (LAMPEDUSA,

2007, p. 69).

Da análise das críticas lançadas ao modelo de desenvolvimento propugnado pelo

discurso capitalista, percebe-se a existência de uma disputa ideológica relativas às diversas

formas que o homem se relaciona com a natureza, sendo que uma corrente privilegia o

modelo de desenvolvimento econômico atual e a outra que se preocupa com um modelo

voltado para a sustentabilidade. Há, em verdade, uma crise de paradigmas (KUHN, 2009)

representada pelo contraponto entre duas visões, uma com fundamento na racionalidade

econômica vigente e outra, ainda em construção, que busca sustentáculo em uma nova

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racionalidade, a racionalidade ambiental.

O paradigma da racionalidade econômica está em crise. A natureza e a humanidade

sofrem com os seus efeitos perversos e, com isso, busca-se trilhar novos caminhos éticos,

epistemológicos, científicos, tecnológicos e políticos através da construção de novos

paradigmas. Dentro do contexto de crise, o princípio da sustentabilidade aparece como uma

resposta à fratura da razão modernizadora e como um pressuposto para a construção de uma

nova racionalidade produtiva, lastreada no potencial ecológico e em novos sentidos de

civilização a partir da diversidade cultural do gênero humano. Trata-se da reapropriação da

natureza e da reinvenção do mundo que abarca e respeita os diversos outros mundos, abrindo

o cerco da ordem econômico-ecológica globalizada (LEFF, 2008).

A racionalidade ambiental é uma categoria que aborda as relações entre instituições,

organizações, práticas e movimentos sociais, que atravessam o campo conflitivo do ambiental

e afetam as formas de percepção, acesso e usufruto dos recursos naturais, assim como a

qualidade de vida e os estilos de desenvolvimento das populações (LEFF, 2006). Opõe-se,

frontalmente, à racionalidade econômica e ao modelo de desenvolvimento predominantes nos

dias atuais. A construção de uma racionalidade ambiental, nas palavras de Leff (2006),

implica a necessidade de desconstrução não só dos conceitos e métodos de diversas ciências e

campos disciplinares do saber, assim como dos sistemas de valores e as crenças em que se

fundam e que promovem a racionalidade econômica e instrumental onde repousa uma ordem

social e produtiva insustentável. A racionalidade ambiental é aberta à diferença, à diversidade

e pluralidade de racionalidades que definem e dão sua especificidade e identidade à relação do

material e do simbólico, da cultura e da natureza.

Essa visão crítica tem motivado o desenvolvimento de uma concepção de

sustentabilidade que associa as dimensões sociais com as relacionadas à natureza, a exemplo

da sustentabilidade socioambiental citada por Leff (2008). O desenvolvimento da noção de

sustentabilidade socioambiental traz ao debate duas dimensões pouco consideradas pela

tradição do pensamento ocidental acerca da relação entre sociedade e natureza: a política e a

cultura, que ganham, de forma gradativa, mais importância com a crítica que se faz à ideia de

avanço tecnológico como única solução para os problemas ambientais. Resultando, também,

no reconhecimento da existência de relações de poder e de dominação que envolvem os

sujeitos, as comunidades, os órgãos e representantes do Estado, as universidades e a iniciativa

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privada envolvidos em projetos “sustentáveis” (ENNES, 2008). A sustentabilidade ecológica

aparece como um critério normativo para a reconstrução da ordem econômica, como uma

condição para a sobrevivência humana e um suporte para chegar a um desenvolvimento

duradouro, questionando as próprias bases da produção (LEFF, 2008).

Atualmente, o sistema jurídico brasileiro, conformado pelos princípios inseridos na

Constituição Federal de 1988 parece trilhar o caminho da racionalidade ambiental. O texto

constitucional acolheu a sustentabilidade como o princípio diretivo do modelo

socioeconômico brasileiro, ao eleger a defesa do meio ambiente como princípio da ordem

econômica vigente, como expresso no seu artigo 170, inciso VI, e inserir o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, artigo 225, dentro do título destinado à ordem social.

2.2. Conflitos ambientais: a natureza em disputa ou disputa entre a natureza?

A palavra conflito tem origem latina, conflictu, significando choque, embate, combate,

luta (HOUAISS, 2009). O conflito é uma das possíveis formas de interação entre indivíduos,

grupos, organizações e coletividades, que implica disputa no acesso e distribuição de recursos

escassos (BOBBIO et. al., 1998). O conflito é inerente à convivência humana. As aspirações

do ser humano, materiais ou espirituais, além dos limites impostos pela natureza das coisas,

operam em fronteiras delimitadas por desejos ou necessidades de outro indivíduo ou da

própria coletividade. Naquele primeiro caso, o conflito tem uma conotação eminentemente

individual ou, quando muito plural. Neste, diversamente, o conflito adquire ares de

supraindividualidade (BENJAMIN, 2003).

Para Alonso & Costa (2002), a definição de um conflito supõe considerar a interação

entre diversos grupos de agentes em choque pelo controle de bens e recursos ou do poder de

gerar e impor certas definições da realidade. Os conflitos se estruturam em torno de interesses

e de valores.

Prevalece no senso comum ocidental a noção de conflito como um dado negativo, um

obstáculo para a coesão do tecido social, motivo de desordem e desarmonia, e por isso deveria

ser evitado ou eliminado (NASCIMENTO, 2001). Todavia, não se pode emprestar ao conflito

uma significação essencialmente negativa. O conflito é intrínseco à condição humana e

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próprio da vida em sociedade, não sendo, a princípio, positivo ou negativo, apenas indicativo

da existência de diferenças intersubjetivas. Na China, isso é bem visualizado a partir do

símbolo utilizado para a representação da ideia de conflito, composto por dois ideogramas

superpostos: risco e oportunidade (SOARES, S., 2008).

As abordagens teóricas sobre os conflitos podem ser agrupadas em duas grandes

enfoques, um primeiro que aceita a existência do conflito como elemento inerente à estrutura

social, e outro que foca em questões como o consenso e ordem social (BARBANTI JR, 2002;

BOBBIO et. al., 1998; MACIEL, M., 2011). O primeiro entende que qualquer grupo ou

sistema social é constantemente marcado pelo conflito e que em nenhuma sociedade a

harmonia ou o equilíbrio foram normais. Ao revés, a desarmonia e o desequilíbrio constitui a

regra e isso é um bem para a sociedade. Aqui se alinham Marx, Sorel, John Stuart Mill,

Simmel, Dahrendorf e Touraine, dentre outros. A segunda abordagem percebe qualquer grupo

social, qualquer sociedade ou organização como um todo harmônico e equilibrado. A

harmonia e o equilíbrio constituiriam a normalidade e o conflito uma perturbação, uma

patologia social que deve ser reprimida e eliminada. São dela partidários Comte, Spencer,

Pareto, Durkheim, Talcott Parsons, dentre outros (BOBBIO et. al., 1998).

Um dos grandes teóricos da sociologia, Georg Simmel, aponta que o conflito se dá

entre o indivíduo, na tentativa de realização plena de seu “eu”, e a sociedade em busca de se

tornar uma totalidade e unidade orgânica (SIMMEL, 2006). Para Nascimento (2001), o

melhor desenvolvimento do conceito de conflito encontra-se em Simmel, para o qual os

conflitos são uma das formas de interação social, portanto, constituintes das relações sociais

na sociedade moderna. Eles não são apenas presentes mas indispensáveis, são fatores de

coesão social e não de distúrbio, pois a sociedade é construída através de conflitos.

As sociedades organizadas buscam diluir o conflito, canalizá-lo dentro de formas

previsíveis, submetê-lo a regras precisas e explícitas, controlá-lo e, às vezes, orientar o seu

potencial de mudança para um sentido preestabelecido. A ligação entre conflito e mudanças,

sejam elas sociais ou políticas, é clara e indiscutível. Não se pode concluir daí que todas as

mudanças decorrentes do conflito sejam positivas, indiquem melhoramentos e produzam

maior adesão aos valores da liberdade, justiça e da igualdade. Todavia, onde os conflitos são

suprimidos ou desviados ou não chegam a se realizar, a sociedade estagna e enfraquece e sua

decadência se torna inevitável (BOBBIO et. al., 1998).

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A análise e a compreensão de conflitos demandam aportes teóricos da sociologia, do

direito, da ciência política, da psicologia e da psicanálise, dentre outras disciplinas (SOARES,

S., 2008), não sendo suficiente a utilização de uma única disciplina do conhecimento humano

(BARBANTI JR, 2002; SOARES, S., 2008). Surge como solução viável para o entendimento

dos conflitos o estudo interdisciplinar, marcado pela complexidade7. Redorta (2004) aponta

uma nova forma de pensar o conflito dentro do paradigma da complexidade, onde está

inserido o pensamento não linear ou não determinista. Segundo o autor, são características do

conflito não poder ser rotulado ou definido, ele não “é”, mas deve ser entendido como uma

“tendência a”, afastando-se da lógica binária e assumindo a existência de “zonas cinzentas”.

Sendo o enfoque da presente pesquisa limitado à análise de conflitos que gravitam em

torno do meio ambiente, cumpre apresentar a sua conceituação. O meio ambiente é uma rede

complexa de interações e conexões entre os elementos bióticos [o ser humano incluído] e

abióticos que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Sua compreensão abrange

tanto o todo unitário, indivisível, incorpóreo e imaterial, quanto os elementos que integram

essa totalidade, a exemplo do ar, da água, do solo, do próprio ser humano, da fauna, da flora

etc.

A Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/81, conceitua o meio ambiente

como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e

biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, encarando-o sob o ponto

de vista imaterial e dinâmico.

Marcelo Abelha Rodrigues (2010, p. 42) compreende o meio ambiente como “o

conjunto de elementos bióticos e abióticos que, interagindo entre si, abrigam e permitem todas

as formas de vida”, destaca, ainda, que o homem é parte indissociável deste ecossistema. Para

Silva (2010, p. 18), o meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais,

artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”.

A Constituição Federal de 1988 consagrou essa visão integrada homem-natureza no

conceito de meio ambiente, tanto o é que o capítulo acerca do meio ambiente está inserido

7 “Pode-se dizer que o que é complexo, diz respeito, por um lado, a um mundo empírico, à incerteza, à

incapacidade de ter certeza de tudo, de formular uma lei, de conceber uma ordem absoluta. Por outro lado diz respeito a alguma coisa de lógico, isto é, à incapacidade de evitar contradições” (MORIN, 2011, p. 68).

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dentro do título que disciplina a ordem social. Neste sentido, Antunes (2001, p. 46) aponta

que a Constituição Federal “modificou inteiramente a compreensão que se deve ter sobre o

assunto, pois inseriu, de forma bastante incisiva, o conteúdo humano e social no interior do

conceito” de meio ambiente.

A questão ambiental, até pouco tempo atrás, era analisada apenas dentro do enfoque

consensual. Assim, não haveria conflitos ambientais, a não ser como embates de valor

transitório que tenderiam a se converter em práticas sustentáveis (ALONSO & COSTA,

2002). Esta visão é criticada por Acselrad (2004b) para quem as forças hegemônicas buscam

consagrar na agenda pública as tecnologias do consenso, constitutivas do modelo de “pós-

democracia consensual”, que é caracterizado pelo encobrimento dos conflitos e o

esvaziamento da política.

Não se pode limitar a percepção do meio ambiente apenas a uma relação de

cooperação entre os homens. Ao revés, deve ser percebido principalmente através da

contestação e do conflito, uma vez que não é composto somente por elementos materiais

ameaçados de esgotamento, mas também é atravessado por sentidos socioculturais e

interesses diferenciados. A mata pode ser ao mesmo tempo espaço de vida de seringueiros e

espaço de acumulação e reserva de valor para a especulação fundiária. A água dos rios pode

ser meio de subsistência de pescadores ribeirinhos e instrumento para a produção de energia

barata para as empresas eletrointensivas. O meio ambiente é um espaço comum de recursos

expostos a distintos projetos, interesses e formas de apropriação e uso material e simbólico

(ACSELRAD, 2005).

Zhouri & Zucarelli (2008) sustentam que a ideia de uma conciliação entre os

interesses econômicos, ecológicos e sociais ocupa papel chave na noção de desenvolvimento

sustentável adotada em âmbito mundial. Prevalece a crença de que os conflitos entre os

diferentes segmentos da sociedade poderiam ser resolvidos através da gestão do diálogo entre

os atores, com a finalidade de se alcançar um consenso. Nessa perspectiva, os problemas

ambientais e sociais são entendidos como meras questões técnicas e administrativas,

passíveis, portanto, de medidas mitigadoras e compensatórias. Desta maneira, os impactos da

espacialização do processo de acumulação de capital sobre os territórios, suas condições

naturais e populações são percebidos como solucionáveis por meio da utilização de novas

tecnologias e de um planejamento racional. O que subjaz a essa visão é a concepção do meio

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ambiente como uma realidade objetiva, instância separada e externa às dinâmicas sociais e

políticas da sociedade.

O enfoque objeto da crítica formulada por Zhouri & Zucarelli (2008) pode ser

percebido nas entrelinhas de artigo de autoria de Mio et. al. (2005), para quem a resolução de

conflitos ambientais, mediante negociação, visando implementar o desenvolvimento

sustentável, é uma proposta que vem sendo desenvolvida em vários países e considera a

construção do desenvolvimento sustentável como um processo gradual e embasado na

construção do consenso.

Nas últimas décadas, tem se desenvolvido um enfoque crítico que reconfigura a

questão ambiental, colocando em seu centro a noção de conflitos ambientais (CARNEIRO,

2006; BARBANTI JR, 2002). Todavia, não há uma unidade de conceitos acerca de conflitos

que se referem ao meio ambiente, cada autor analisa e conceitua o conflito ambiental segundo

sua posição frente à relação homem-natureza (SOARES, S., 2008).

Agra Filho (2008) afirma que a origem da problemática ambiental decorre dos usos

conflitantes provocados tanto pela diversas demandas da sociedade em relação a um

determinado recurso ou sistema ambiental quanto pelas próprias alterações das condições

ambientais. Os conflitos ocorreriam ainda quanto uma determinada atividade econômica

ameça determinadas áreas que contêm importantes atributos ecológicos ou ecossistemas

sensíveis que são protegidos legalmente.

Nesses casos é indispensável salientar que, entre outros usos sociais ou econômicos a que um recurso ou sistema ambiental pode se destinar, deve-se considerar o uso de existência como fundamental para preservar a integridade do próprio recurso ou ecossistema. O uso de existência representa o uso de preservação de determinadas espécies, sítios com atributos ecológicos ou ecossistemas determinantes para a manutenção dos biomas e se constitui um valor fundamental da ética de sustentabilidade ambiental. Negligenciar o uso de existência significaria um reducionismo no equacionamento dos conflitos (AGRA FILHO, 2008, p. 129-130).

A análise dos conflitos ambientais deve partir da premissa que o meio ambiente não

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pode ser reduzido apenas a matéria e energia, pois também é constituído por elementos

históricos e culturais (ACSELRAD, 2004a), devendo sempre ser levado em conta a escolha de

“o que” e “como” utilizar os elementos da natureza, inclusive a possibilidade da existência de

uma articulação entre degradação e injustiça social (ACSELRAD, 2002).

A definição de Acselrad (2004b) sobre conflitos ambientais abrange os embates entre

grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território,

tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de

apropriação do meio que desenvolve ameaçada por impactos indesejáveis - transmitidos pelo

solo, água, ar ou sistemas vivos - decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.

Segundo o mesmo autor, essa abordagem teórica pretende explorar as possibilidades do

desenvolvimento de um olhar sobre a questão ambiental que se faça sensível ao papel da

diversidade sociocultural e ao conflito entre os distintos projetos de apropriação e significação

do mundo material.

Nesta mesma linha, José Luiz Soares (2005) assevera que os conflitos ambientais

podem ser entendidos como aqueles que irrompem quando alguma atividade e/ou instalação

afeta a estabilidade de outras formas de ocupação (ambientes residenciais ou de trabalho)

desenvolvidas em espaços conexos, mediante impactos indesejáveis transmitidos pelo solo,

pela água ou pelo ar. Estes impactos indesejáveis podem provir tanto da omissão do poder

público – por exemplo, nos casos de ausência de implantação de sistemas de saneamento –

como de atividades ou instalações degradantes ao meio ambiente.

Para Carneiro (2006), os conflitos ambientais são concebidos como disputas que são

inerentes às estruturas das sociedades de dominação e colocam em oposição grupos sociais

que lutam pela atribuição de significados e usos às condições naturais em condições

assimétricas de poder. Denomina tais conflitos de ambientais no sentido de que põem em jogo

usos concorrentes de um mesmo “ambiente” específico, ou seja, de condições naturais

territorializadas, apropriadas por agentes determinados para usos determinados.

Zhouri & Zucarelli (2008) conceituam o conflito ambiental como inerente às práticas

sociais de uso e significação do espaço, tendo em vista a pluralidade de segmentos sociais

envolvidos na construção de seus respectivos projetos sociais que dão sentido e destino aos

territórios. As interações entre esses grupos sociais, no que diz respeito à apropriação social

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da natureza, são historicamente assimétricas. Os conflitos se reproduzem e se multiplicam na

medida em que são mantidos os mesmos mecanismos desiguais de distribuição do acesso ao

meio ambiente e da divisão dos custos, riscos e impactos resultantes das práticas dominantes

de apropriação dos recursos naturais.

Segundo Zhouri et. al. (2005), o conflito eclode quando o sentido e a utilização de um

espaço ambiental por um determinado grupo ocorre em detrimento dos significados e usos

que outros segmentos sociais possam fazer de seu território para assegurar a reprodução de

seu modo de vida. Assim, pode-se afirmar que os conflitos ambientais ocorrem quando há

uma disputa entre grupos sociais sobre as diversas formas de significação, utilização,

exploração e em relação ao próprio acesso desigual à natureza.

Little (2001), preferindo utilizar a terminologia conflito socioambiental, define-o

como a disputa entre grupos sociais derivadas dos distintos tipos de relação que eles mantêm

com o seu meio natural. Esse enfoque englobaria três dimensões básicas: o mundo biofísico e

seus múltiplos ciclos naturais, o mundo humano e suas estruturas sociais, e o relacionamento

dinâmico e interdependente entre os dois mundos.

Para um melhor entendimento de sua concepção sobre conflitos ambientais, Little

(2001) desenvolve uma tipologia própria, distinguindo-os em: conflitos em torno do controle

sobre os recursos naturais, que possui uma dimensão política atinente à distribuição dos

recursos, uma dimensão social relacionada ao acesso aos recursos, e uma jurídica, que é a

disputa formal pelo recurso; conflitos em torno dos impactos ambientais e sociais gerados

pela ação humana que provocam a contaminação do meio ambiente, o esgotamento dos

recursos naturais e a degradação dos ecossistemas e, por fim, conflitos em torno do uso dos

conhecimentos ambientais, que se dão entre grupos sociais ao redor da percepção dos riscos,

envolvem o controle formal dos conhecimentos ambientais e o respeito a lugares sagrados.

Na percepção de Samira Soares (2008), a definição de conflito ambiental determina a

natureza como objeto da disputa seja quanto ao uso, controle ou acesso. Também pode ser

objeto de disputa o conhecimento a respeito dos riscos, dos conhecimentos tradicionais ou de

bens sagrados, sendo que alguns autores ainda incluem a desigualdade na distribuição dos

impactos negativos das ações humanas (problemas ambientais) e destacam a importância dos

sentidos culturais, marcados pelas diferenças no modo de viver e relacionar com os outros

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seres humanos ou não humanos.

As diversas concepções sobre conflito ambiental apresentadas até agora estão inseridas

dentro de uma lógica antropocêntrica. A natureza aparece como o objeto de disputa entre

grupos humanos, os sujeitos que se confrontam para fazer prevalecer, cada qual, os seus

modos de apropriação, uso e significação do mundo natural. O homem está fora da natureza e

o conflito a ela é extrínseco.

Outra forma de se conceber o conflito ambiental leva em conta que o homem é parte

integrante da natureza, da mesma forma que os elementos físico e biótico, concepção

consentânea com os paradigmas de uma ecologia integral8. As interações entre esse conjunto

de elementos constituem o meio ambiente, um espaço essencialmente dinâmico e conflituoso.

O conflito é interno e próprio da natureza, da mesma forma que também o é a relação

cooperativa. A natureza é sujeito e não simples objeto. A sua complexidade permite que os

seus elementos integrantes (físico, biótico e social) se relacionem ora de forma antagônica ora

de forma harmoniosa.

Sobre uma visão dinâmica da natureza, que não busca a exclusão do ser humano e não

se fundamenta na ideia de um equilíbrio ecológico estático, Larrère (2010, p. 48) aponta que a

partir dos anos 90:

Desligando-se da ecologia odumiana, focalizada nos “equilíbrios da natureza”, os cientistas tendem a adotar uma concepção dinâmica da ecologia e integram as perturbações como fatores de estruturação das comunidades bióticas. Admite-se doravante que os meios que nos rodeiam são o produto de uma história: a das perturbações que eles sofreram ou que sofreram os meios com os quais eles interagem.

O conflito, então, pode ser qualificado como ambiental quando o meio ambiente9 é o

8 “Ecologia integral é aquela que concebe o ambiente como um todo composto da fusão de homem e natureza”

(Bello Filho, 2004, p. 94). 9 Entendido o meio ambiente como a rede dinâmica de interações e conexões entre os elementos físicos,

bióticos e sociais que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

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palco do embate. O conflito ambiental é uma disputa interna na teia da vida10, na qual se faz

presente algum impacto negativo ao meio ambiente, efetivo [dano] ou potencial [risco]. É

constituído por duas importantes dimensões, uma social, representada pela disputa entre

grupos humanos acerca da forma de apropriação material e simbólica dos elementos naturais;

e outra ecológica, representada pelo conflito entre o ser humano e a própria natureza,

decorrente de uma ação antrópica que causa um dano ou incrementa um risco para o

ecossistema como um todo e para os elementos que o integram.

Ressalte-se que a adoção de uma concepção holística de meio ambiente e de conflito

ambiental não esvazia o conteúdo político desse e sim o amplia, para expressar que as

relações de exploração e as formas injustiça e iniquidade não atingem somente os seres

humanos, especialmente os pobres, situação que se reconhece e que é bem destacada pelos

defensores do movimento de justiça ambiental11. No enfoque adotado, dá-se um passo ético

adiante, afirmando-se que a opressão, alem de ser praticada pelo homem contra o homem,

também é praticada pelo homem em detrimento dos demais elementos da natureza e do

ecossistema planetário como um todo.

2.3 As éticas12 ambientais e a gestação de um direito do meio ambiente

Ao lado da evolução do discurso ambientalista, é gestado um novo direito 10 A teia da vida consiste em redes dentro de redes. Em cada escala, sob estreito e minucioso exame, os nodos

da rede se revelam como redes menores. Tendemos a arranjar esses sistemas, todos eles aninhados dentro de sistemas maiores, num sistema hierárquico colocando os maiores acima dos menores, à maneira de uma pirâmide. Mas isso é uma projeção humana. Na natureza, não há "acima" ou "abaixo", e não há hierarquias. Há somente redes aninhadas dentro de outras redes (CAPRA, 1996, p. 51).

11 Pode-se designar por justiça ambiental o conjunto de princípios e práticas que: i) asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, decisões de políticas e programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; ii) asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; iii) asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais, a destinação de rejeitos e a localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos programas e projetos que lhes dizem respeito; iv) favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso (ACSELRAD et. al., 2009). A noção de justiça ambiental associa o reconhecimento das limitações físicas da Terra ao reconhecimento do princípio universal da equidade na distribuição e acesso aos recursos indispensáveis à vida humana, associando a insustentabilidade ambiental aos conflitos distributivos e sociais (PORTILHO, 2005).

12 “A palavra ética provém do grego éthos e se refere ao que recebemos ativamente, com nosso próprio esforço. Logo, a ética pode ser definida como caráter ou índole, ou seja, como uma disposição fundamental de uma pessoa diante da vida” (ANDRADE & SOARES, 2010).

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fundamental, o direito ao meio ambiente. Na sociedade pós-industrialista, fala-se em uma era

de direitos, na qual as reivindicações sociais se ampliam e buscam estabilidade na positivação

de seus interesses pelo ordenamento jurídico. O Direito, assim, afasta-se de seu caráter de

instrumento de dominação para se constituir em instrumento de consolidação de conquistas

sociais (BOBBIO, 1992).

A afirmação de novos direitos a cada dia ressalta o caráter histórico e cultural dos

direitos fundamentais. A extensão e o conteúdo dos direitos fundamentais não é atemporal,

mas construída dialeticamente em cada cultura e cada tempo através de lutas, embates e

conflitos.

Sempre que o direito existente esteja defendido pelo interesse, o direito novo terá que travar uma luta para impor-se, uma luta que muitas vezes dura século e cuja intensidade se torna maior quando o s interesses constituídos se tenham corporificado em forma de direitos adquiridos. Sempre que isto acontece, cada uma das partes que se defrontam ostenta em seus estandartes a divisa da majestade do direito. Uma invoca o direito histórico, o direito do passado, e a outra, o direito sempre em formação e constantemente rejuvenescido, o direito inato da humanidade à contínua renovação. Encontramo-nos diante de um conflito intrínseco, contido na própria ideia do direito. (IHERING, 2001, p. 31)

Dentro do enfoque da cultura ocidental, destaca-se a construção histórica de três

gerações, ou dimensões, de direitos fundamentais, que não se opõem, se sobrepõem, apenas se

compõem e se complexificam. Piovesan (1998) explica que uma geração de direitos não

substitui a outra, ma com ela interage. Com isso, destaca Pessoa (2008, p. 42), “afasta-se a

ideia de gerações sucessivas de direitos fundamentais, na medida em que se acolhe a ideia da

expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos como um todo”.

A primeira dimensão dos direitos fundamentais historicamente afirmada sofreu forte

influência do pensamento liberal-burgês do século XVIII, possuindo cunho eminentemente

individualista. Caracteriza-se por ter seu exercício voltado contra o Estado, “demarcando uma

zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu

poder” (SARLET, 2009, p. 46-47). São exemplos desta dimensão o direito à vida, à liberdade,

à propriedade, à igualdade perante a lei, a liberdade de crença, de expressão etc. São os

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chamados direitos de liberdade, que buscam tornar o homem livre do jugo do Estado para,

assim, poder desenvolver-se em sua plenitude.

Os direitos fundamentais da segunda dimensão decorreram da mobilização social

decorrente dos graves conflitos originados pela revolução industrial, influenciada pela

ideologia socialista. O diferencial dos direitos que tiveram sua afirmação no decorrer do

século XX, especificamente, no período pós-guerra, é o seu aspecto positivo. Percebe-se que a

libertação do homem do Estado não resultou em equidade no desenvolvimento dos homens,

mas ampliou-se a exploração do homem pelo seu semelhante. Busca-se, então, a igualdade

material entre os homens através de prestações estatais. São denominados como direitos de

igualdade.

A nota distintiva dos direitos fundamentais de terceira geração é a circunstância de se

desprenderem, em princípio, do homem-indivíduo como seu titular. Destinam-se à proteção

de grupos humanos e, portanto, caracterizam-se como direitos de titularidade coletiva, difusa.

São exemplos de tais direitos o direito à paz, à autodeterminação, ao desenvolvimento, ao

meio ambiente, etc. (SARLET, 2009). Comumentemente, também são nominados como

direitos de fraternidade ou de solidariedade.

Uma outra proposta de classificação dos direitos fundamentais é adotada por Sarlet

(2009) com base em uma perspectiva funcionalista. Deste modo teríamos direitos

fundamentais como direitos de defesa e direitos fundamentais como direitos de proteção. Os

direitos de defesa “se dirigem a uma obrigação de abstenção por parte dos poderes públicos,

implicando para estes um dever de respeito a determinados interesses individuais” (SARLET,

2009, p. 168). A abrangência desses direitos alcança

não somente os tradicionais direitos de liberdade e igualdade, como também os direitos à vida, à propriedade, às liberdades fundamentais de locomoção, de consciência, de manifestação de pensamento, de imprensa e de associação. Acrescentem-se, ainda, os direitos que irradiam da personalidade, da nacionalidade e da cidadania, bem como os direitos coletivos à vida, à liberdade e à propriedade dos cidadãos (PESSOA, 2008, p. 43-44)

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Os direitos fundamentais como direitos a prestações, para Sarlet (2009), implicam uma

postura ativa do Estado, obrigando-o a colocar à disposição dos indivíduos prestações de

natureza jurídica e material. Pessoa (2008, p. 43) esclarece que tais direitos “se encontram

vinculados à concepção de que ao Estado incumbe colocar à disposição dos cidadãos os meios

materiais e implementar as condições que possibilitem o efetivo exercício das liberdades

fundamentais”.

Atualmente o debate mais acalorado gira em torno de uma nova geração de direitos

que transcendem a fruição individual ou por grupos determinados, como foi o caso dos

direitos individuais e dos direitos sociais. Sobre esta terceira geração [ou dimensão] de

direitos, Bobbio (1992, p. 6) ressalta que “o mais importante deles é o reivindicado pelos

movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.

Após frisar o caráter histórico dos direitos fundamentais, Pessoa (2011, p. 128) destaca

dentre eles “o referente ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 da

Constituição Federal como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida

e cuja preservação visa a evitar conflitos entre gerações”.

Benjamin (2010) relata que o clamor por um direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado surge no rastro da Declaração da Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,

adotada em Estocolmo 1972, em uma formulação marcadamente antropocêntrica, como mais

um componente da dignidade humana.

A Declaração de Estocolmo representa um marco histórico na afirmação da existência

do direito fundamental ao meio ambiente. Proclama-se que o homem é, a um só tempo,

resultado e artífice do meio que o circunda, o qual lhe confere o sustento material e o brinda

com a oportunidade de desenvolvimento intelectual, moral e espiritual; que os dois aspectos

do meio ambiente, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar da humanidade e

para que ele goze de todos os direitos humanos fundamentais, inclusive do direito à vida; que

a proteção e melhora do meio ambiente é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos

povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro; que a defesa e a melhora do meio

ambiente para as gerações presentes e futuras converteu-se num objetivo imperioso da

humanidade e deverá ser perseguido juntamento com a paz e o desenvolvimento econômico

social (SILVA, 2010).

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A Declaração de Estocolmo destaca em seu primeiro princípio que o homem tem o

direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições adequadas de vida em um

meio cuja qualidade lhe permite levar uma vida digna e fruir de bem-estar, estando obrigado

solenemente a proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras (SILVA,

2010).

Bosselmann (2010) relata que a dimensão ambiental dos direitos humanos passou a ser

reconhecida no direito internacional, e em diversos países, após a Declaração das Nações

Unidas para o Meio Ambiente estabelecer uma ligação entre degradação ambiental e o gozo

de direitos humanos. Foi a partir da Convenção de Estocolmo que “o direito humano a um

meio ambiente saudável vem sendo reconhecido em numerosos documentos de soft law e

instrumentos jurídicos, bem como em constituições nacionais e decisões judiciais internas de

países” (BOSSELMANN, 2010, p. 85).

Até então, o meio ambiente não era tratado sequer como um bem jurídico passível de

ser protegido diretamente. Sua tutela ocorria apenas de forma reflexa, indireta, fruto de uma

concepção egoísta e meramente econômica” (RODRIGUES, M., 2010, p. 20). Protegia-se a

propriedade privada, a exemplo do Código Civil de 1916 que proibia, em seu artigo 584, a

execução de construção capaz de poluir ou inutilizar a água de poço ou fonte alheia. Como

bem esclarece Marcelo Abelha Rodrigues (2010), o meio ambiente não era protegido de

forma autônoma, mas de forma mediata enquanto bem privado, com a finalidade utilitarista de

resguardar o interesse econômico da propriedade pertencente ao indivíduo.

Outra forma de tutela indireta do meio ambiente comum à época, também marcada

pela “ideologia egoística e antropocêntrica pura” (RODRIGUES, M., 2010, p. 21), associava-

se à proteção do direito à saúde. Não se cogitava a proteção ao meio ambiente salvo se

houvesse algum benefício claro e imediato em favor do ser humano e havia uma aparente

confusão de que a tutela à saúde e a proteção ao meio ambiente fossem a mesma coisa.

Marcelo Abelha Rodrigues (2010) demarca esse período estendendo-se até o início da década

de 80 e indica o Código de Caça, o Código Florestal e o Código de Mineração como

exemplos.

A ética inspiradora desses normativos era o antropocentrismo tradicional, utilitarista,

que confere ao homem, de forma exclusiva, o estatuto moral, ou seja, apenas o ser humano

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merece considerações morais ou respeito por seus próprios direitos e a natureza não tem valor

intrínseco. Na outra extremidade desse pensamento, encontramos posições filosóficas que

conferem “considerabilidade moral” aos animais, à biosfera e ao ecossistema (VIDAL, 2008).

Há, ainda, quem formule uma distinção entre antropocentrismo tradicional ou

“economicocentrismo” e antropocentrismo alargado. O primeiro preocupa-se única e

exclusivamente com o bem-estar humano e reduz o valor do meio ambiente ao proveito

econômico que possa oferecer ao homem. O segundo, embora centrando os debates na figura

humana, reconhece um valor intrínseco à natureza, não sendo vista como um simples meio de

se alcançar a riqueza material (LEITE, 2010).

O antropocentrismo, como bem enfatiza Vidal (2008), não implica necessariamente no

desrespeito à natureza, ao meio ambiente. Entretanto, a justificativa para o seu respeito e

preservação decorre dos interesses humanos de sobrevivência, de qualidade de vida, de

conservação do prazer estético contemplativo, etc. Afirmativa essa possível dentro da ótica do

antropocentrismo “alargado” referido por Leite (2010), não factível, contudo, a partir da visão

tradicionalista.

A imagem descrita por Branco (1995) representa bem a relação homem-natureza

dentro da ótica do antropocentrismo alargado ou mitigado:

O homem pertence à natureza tanto quanto – numa imagem que me aparece apropriada – o embrião pertence ao ventre materno: originou-se dela e canaliza todos os seus recursos para as próprias funções e desenvolvimento, não lhe dando nada em troca. É seu dependente, mas não participa (pelo contrário, interfere) de sua estrutura e função normais. Será um simples embrião, se conseguir sugar a natureza, permanentemente, de forma compatível, isto é, sem produzir desgastes significativos e irreversíveis; caso contrário será um câncer, o qual se extinguirá com a extinção do hospedeiro... (BRANCO, 1995, p. 213)

As concepções que conferem estatuto moral a entes não humanos podem ser

agrupadas sob a denominação de zoocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo ou holismo

ecológico.

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Na visão zoocentrista, defendida por Peter Singer e Tom Reagan, os animais possuem

estatuto moral pois “têm a experiência de dor e do prazer como os humanos, logo, merecem

ter o mesmo nível de respeito moral”(VIDAL, 2008, p. 135).

A ética biocêntrica, pontua Vidal (2008), apoia-se no argumento de que os seres vivos

obedecem a uma teleologia e evoluem segundo uma certa finalidade, consciente ou não, que

os dirige a algum bem, o qual é merecedor de respeito. O biocentrismo “entende que a

natureza [seres não humanos, sencientes ou não sencientes] possui valor intrínseco [estatuto

moral] e mérito inerente” (CARVALHO & SANTANA, 2009). O biocentrismo é uma teoria

da ética ambiental que reconhece mérito inerente ou valor intrínseco (estatuto moral) em

todos os seres vivos e a obrigação de não ignorar este atributo, quando as nossas ações

interferem com outras formas de vida. (CALLICOTT et. al., 1995).

As concepções éticas apresentadas até agora, o antropocentrismo, o zoocentrismo e o

biocentrismo, partem de uma lógica individualista, que pressupõe ser a natureza algo distinto

homem. Os dois últimos enfoques distanciam-se do primeiro apenas por conferirem estatuto

moral a entes não humanos, mas “defendem uma ecologia individualista, já que consideram

que o fundamento da unidade moral é o sujeito” (VIDAL, 2008, p. 136). Contra essas

filosofias individualistas, posicionam-se os defensores do ecocentrismo ou holismo ecológico,

que sustentam estar o foco da ação moral no conjunto da biosfera e seus ecossistemas.

Callicott (1995) conceitua o ecocentrismo ou holismo ético como a teoria da ética

ambiental que atribui estatuto moral, valor intrínseco a um espectro de entidades ambientais

não individuais, incluindo a biosfera como um todo, espécies, água, e ar, bem como os

ecossistemas. Nas palavras de Vidal (2008, p. 136-137):

A defesa desta posição se apoia na visão de que o todo ambiental merece nosso respeito porque se constitui como uma unidade de partes harmoniosamente integradas e um sistema auto-regulado cuja destruição, no todo ou em parte, causa danos, compromete as possibilidades genéticas do planeta. […] Nesta perspectiva, o homem não é o conquistador da terra, mas seu cidadão biótico. O conceito de moralmente correto se aplica ao que preserva a integridade, estabilidade, beleza da terra e o errado seria o contrário. A Ética da terra resulta de uma expansão natural da Ética geral, de uma evolução ecológica que se inicia com a atribuição de valores morais aos humanos considerados individualmente, que podemos exemplificar na constituição dos 10 Mandamentos da tradição judaico-cristã, evolui para as

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relações entre indivíduo e sociedade e chega à relação moral com a terra, abrangendo toda a realidade aí contida, a que Leopold chama de comunidade biótica: água, plantas, animais, seres humanos. Os homens não devem ser vistos como os conquistadores e proprietários desta comunidade, mas cidadãos dela”

A partir de uma visão ecocêntrica, Boff (2003) entende a Terra como um verdadeiro

macrossistema orgânico, um superorganismo vivo [Gaia], ao qual todas as instâncias devem

servir e estar subordinadas. Dentro desta concepção, a ecologia é definida como a relação,

interação e dialogação de todas as coisas existentes, viventes ou não, entre si e com tudo o que

existe, real ou potencial. A ecologia não tem a ver apenas com a natureza [ecologia natural],

mas principalmente com a sociedade e a cultura [ecologia humana, social etc.]. “Numa visão

ecológica, tudo o que existe coexiste. Tudo o que coexiste preexiste. E tudo o que coexiste e

preexiste subsiste através de uma teia infinita de relações ominicompreensivas. Nada existe

fora de relação. Tudo se relaciona com tudo em todos os pontos” (BOFF, 1993 ,p. 15).

Em sentido semelhante, Bello Filho (2004, p. 94) conceitua a ecologia, que adjetiva

com integral, aquela que percebe o meio ambiente como “um todo composto da fusão de

homem e natureza. Esta fusão não indica a diluição do conceito de homem no universo global,

mas sim o fortalecimento da análise relacional”. Sob esta perpectiva, conceitua o direito ao

meio ambiente, ou ambiental, como uma fusão de direito com ecologia, “é a utilização do

direito como técnica de emancipação a partir da concepção preservacionista vigente na

ecologia integral” (BELLO FILHO, 2004, p. 94).

Como se vê, o debate ético contemporâneo foca-se, essencialmente, nos valores

intrínsecos como o fundamento das considerações morais e jurídicas (BOSSELMANN,

2010). O conteúdo e a extensão do âmbito de proteção do direito fundamental ao meio

ambiente dependerá do paradigma ético-filosófico adotado, se relacionado com uma ética

antropocêntrica, uma ética zoocêntrica, uma ética biocêntrica ou uma ética ecocêntrica. Vale

dizer que diversos normativos internacionais e nacionais que versam sobre o direito ao meio

ambiente não podem ser automaticamente alinhados a qualquer um deles, havendo uma ampla

margem para a interpretação pelo operador do direito, o campo próprio da hermenêutica

jurídica. A par disso, percebe-se uma franca evolução das normas jurídicas em direção a novas

axiologias, afastando-se da visão antropocêntrica tradicional.

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Ost (1995) traça um quadro sintético sobre a evolução axiológica que permeou o

pensamento jurídico-ambiental:

Passo a passo, o direito faz, assim a aprendizagem do ponto de vista global. Num século, a evolução é significativa, conduzindo de uma posição estreitamente antropocêntrica a uma maior tomada de consideração da lógica natural em si mesma; evolução que é, também, a do ponto de vista local para o ponto de vista planetário, e do ponto de vista concreto e particular (tal flor, tal animal) par a exigência abstrata e global (por detrás da flor ou do animal, o patrimônio genético). Se nos primeiros tempos da proteção da natureza, o legislador se preocupava exclusivamente com tal espécie ou tal espaço, beneficiado dos favores do público (critério simultaneamente antropocêntrico, local e particular), chegamos hoje à proteção de objetos infinitamente mais abstratos e mais englobantes, como o clima e a biodiversidade (OST, 1995, p. 112).

O direito fundamental ao meio ambiente causa uma ruptura na ordem jurídica vigente,

afetando em cheio o antropocentrismo tradicional. Isso ocorre porque toda a doutrina jurídica

tem por base o sujeito de direito, o homem, enquanto as normas de direito ambiental,

nacionais e internacionais, cada vez mais, vêm reconhecendo direitos próprios da natureza,

independentemente do valor que ela possua para o ser humano, em busca da afirmação do

homem como parte integrante da natureza (ANTUNES, 2001).

O início desta mudança paradigmática no ordenamento jurídico brasileiro é marcado

pela edição da Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Esse texto

legal definiu conceitos gerais, estabeleceu diretrizes, objetivos e fins para a proteção

ambiental. Abandou o paradigma ético antropocêntrico e adotou uma visão holística

[ecossistêmica] do meio ambiente, na qual o ser humano é uma das partes integrantes.

Marcelo Abelha Rodrigues (2010, p. 23) sustenta que a Lei nº 6.938/81 promoveu um

rompimento com o antropocentrismo, alterando-se o eixo central de proteção do meio

ambiente para todas as formas de vida, passando a adotar uma “inegável concepção

biocêntrica, a partir da proteção do entorno globalmente considerado (ecocentrismo)”. Essa

aparente confusão entre duas concepções ético-filosóficas distintas é melhor esclarecida por

Benjamin (1998, p. 132), para quem “o conceito normativo de meio ambiente é

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teleologicamente biocêntrico (permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas), mas

ontologicamente ecocêntrico (o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem

física, química e biológica)”.

As normas jurídico-ambientais que se seguiram à Lei nº 6.938/81 cuidaram de trilhar

o mesmo caminho, sempre buscando um distanciamento da visão antropocêntrica tradicional.

A principal delas, há de se ressaltar, é a Constituição Federal de 1988, que reconheceu o

direito ao meio ambiente como um direito fundamental de titularidade difusa, ao dispor, em

seu artigo 225, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

Machado (2009) defende que o artigo 225 da Constituição Federal é antropocêntrico,

concepção ratificada pela Convenção das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, adotada no Rio de Janeiro, em 1992, que em seu artigo 1º dispôs que os

seres humanos estão no centro das preocupações como o desenvolvimento sustentável.

Entretanto, ressalta que “nos parágrafos do art. 225, equilibra-se o antropocentrismo com o

biocentrismo (nos §§ 4º e 5º e nos incisos I, II, III e VII do §1º), havendo a preocupação de

harmonizar e integrar seres humanos e biota” (MACHADO, 2009, p. 129).

Leite (2010) ressalta que o atual modo de vida humano ainda não consegue abandonar

a ideia de que o meio ambiente lhe é servil e, portanto:

“não se poderia esperar que a Constituição da República, em que pese a sua avançada concepção de ambiente e a sua busca pela formação de um Estado de Direito do Ambiente, não se direcionasse também por uma visão antropocêntrica de matiz economicocêntrica de meio ambiente. Assim, não contemplou o ambiente como mero instrumento para o proveito econômico e a geração de riquezas” (LEITE, 2010, p. 160)

A concepção de meio ambiente na ordem jurídica brasileira, afirma Leite (2010),

transcende a visão antropocêntrica economicista, em que a preservação ambiental seria apenas

meio de se garantir o estoque de capital natural como condição de sustentabilidade. Para o

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autor, a Constituição Federal de 1988 adotou um antropocentrismo alargado13.

Esse alargamento do antropocentrismo coloca o homem como integrante da

comunidade biota, impondo, ainda, uma verdadeira solidariedade e comunhão de interesses

entre o homem e a natureza, como condição imprescindível a assegurar o futuro de ambos e

dependente, de forma indiscutível, da ação humana, como verdadeiro guardião da biosfera.

Assim, há uma ruptura com a existência de dois universos distantes - o humano e o natural - e

avança no sentido da interação destes. Abandonam-se as ideias de separação, dominação e

submissão e busca-se uma interação entre os universos distintos e a ação humana (LEITE &

AYALA, 2001).

Dentro desta ótica antropocêntrica alargada, Leite et. al. (2004) chegam a relacionar o

meio ambiente com os direitos da personalidade14, uma vez que não é possível o

desenvolvimento da personalidade sem um meio ambiente equilibrado.

Não se trata de um direito “interno” da personalidade, pelo contrário, é externo, porém, irremediavelmente necessário à formação da personalidade. O simples fato de “existirmos” significa uma interação como o ambiente que nos circunda, e não se faz possível um desenvolvimento sadio da personalidade do sujeito. Portanto, o direito da personalidade ao meio ambiente salubre ecologicamente equilibrado representa uma condição especial para um completo desenvolvimento da vida do homem. Com efeito, se a personalidade humana se desenvolve em formações sociais e depende do meio ambiente para a sua sobrevivência, não há como negar um direito análogo a este. ( Leite et. al., 2004, p. 363-364).

As transformações trazidas pela Constituição Federal de 1988, na lição de Benjamin

(2010), não se limitaram aos aspectos estritamente jurídicos, pois esses se entrelaçam com a

dimensão ética, biológica e econômica dos problemas ambientais, além de apresentarem uma

compreensão mais ampla da Terra e da natureza. Apesar disso, ressalta que a ampliação dos

fundamentos éticos da proteção do meio ambiente ainda não logrou referendar,

expressamente, no patamar constitucional, a superação do antropocentrismo, conseguindo

13 Leite (2010) se utiliza do conceito de antropocentrismo alargado, enquanto Benjamin (2010) fala de um

antropocentrismo mitigado. 14 Os direitos à personalidade “tem por objeto as projeções, físicas, psíquicas e morais do homem, considerado

em si mesmo, e em sociedade” (GAGLIANO & PAMPLONA FILHO, 2002, p. 146).

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adotar formas mais discretas e diluídas, mas nem por isso menos efetivas, de incorporação de

um biocentrismo mitigado.

Benjamin (2010, p. 130) afirma que a Constituição Federal de 1988 traçou um regime

de direitos de filiação antropocêntrica temporalmente mitigada, com a titularidade conferida

também às gerações futuras, atrelado a um feixe de obrigações cujos beneficiários vão muito

além da “reduzida esfera daquilo que se chama humanidade”. Neste sentido, conclui que:

Se é certo que não se chega, pela via direta, a atribuir direitos à natureza, o legislador constitucional não hesitou em nela reconhecer valor intrínseco, estatuindo deveres a serem cobrados dos sujeitos-humanos em favor dos elementos bióticos e abióticos que compõem as bases da vida. De uma forma ou de outra, o paradigma do homem como prius é irreversivelmente trincado

(BENJAMIN, 2010, p. 130-131).

A partir de uma perspectiva histórica, percebe-se que houve uma evolução do direito

sobre o meio ambiente, marcadamente influenciado pela visão utilitarista do antropocentrismo

tradicional, para a afirmação de um direito fundamental ao meio ambiente, que reconhece o

valor intrínseco da natureza e lhe confere considerabilidade moral, concepção predominante

nos dias atuais. Constrói-se, dia a dia, os fundamentos para um direito do meio ambiente, que

é gestado dentro de um paradigma holístico15 ou ecocêntrico, que reconhece o valor intrínseco

de todos os seres vivos, suas relações e conexões.

Destaque-se que não há uma relação antagônica entre o direito do meio ambiente e o

direito fundamental [humano] ao meio ambiente, existe sim uma relação de continência,

sendo aquele o continente, o mais amplo. O direito ao meio ambiente, nada mais é do que

uma faceta do direito do meio ambiente, visto sob a ótica de um de seus elementos

integrantes, o homem.

Após se apresentar o debate travado entre a racionalidade econômica e a

15 “O holismo oferece outra visão de mundo, diferente daquele que a ciência tradicional apresenta, baseada na

falsa crença de que a natureza deve ser fragmentada para ser mais bem compreendida. Para resolução dos problemas, a visão de integridade não se satisfaz com as respostas prontas, e nem com os caminhos previamente traçados pela ciência tradicional” (FAGUNDES, 2000, p. 14).

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racionalidade ambiental, explicitar os diversos conceitos de conflito ambiental, e abordar as

diferentes propostas de ética ambiental que influenciam na construção de um direito do meio

ambiente, segue o referencial teórico, no capítulo seguinte, com a exposição da evolução do

perfil institucional do Ministério Público, com o detalhamento da mediação como técnica de

enfrentamento de conflitos ambientais e com a descrição dos instrumentos jurídicos utilizados

pelo Ministério Público na mediação destas disputas.

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CAPÍTULO 3

O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

AMBIENTAIS

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3. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS AMBIENTAIS

Neste terceiro capítulo, o referencial teórico apresentado passeia pela evolução

institucional que transformou completamente o perfil do Ministério Público, deslocando-o de

sua posição tradicional de órgão estatal responsável pela acusação para se constituir em uma

instituição vocacionada para a mediação de conflitos ambientais. Em seguida, detalha-se um

pouco mais a mediação como técnica de enfrentamento de conflitos ambientais. O capítulo se

encerra com uma descrição sintética dos instrumentos jurídicos utilizados pelo Ministério

Público na mediação dos conflitos ambientais.

3.1 A evolução institucional do Ministério Público no Brasil: de acusador a mediador de

conflitos

O Ministério Público está presente na história jurídico-institucional brasileira desde o

Brasil-Colônia. Em 7 de março de 1609, foi criada a Relação da Bahia, dispondo o seu

regimento sobre a criação do cargo de procurador dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco e

promotor da justiça (SAUWEN FILHO, 1999), embora não se pudesse, ainda, falar em uma

instituição, pois havia a centralização do ofício em torno do procurador-geral e se desconhecia

qualquer garantia ou independência (MAZZILLI, 1989). O tratamento institucional do

Ministério Público somente adveio no período republicano, com a edição do Decreto nº 848,

de 11 de outubro de 1890, que tratava da organização da Justiça Federal, especificamente em

seu Capítulo VI, e do Decreto nº 1.030, de 14 de novembro de 1890, que organizava a Justiça

no Distrito Federal. Este último diploma legal, em seu Título III, referia-se de forma expressa

ao Ministério Público como o advogado da lei, o fiscal de sua execução, o procurador dos

interesses gerais do Distrito Federal e o promotor da ação pública contra todas as violações do

direito, requerendo o que fosse a bem da Justiça e dos deveres de humanidade (LYRA, 2001).

Durante todo o período republicano, é nítido o desenvolvimento institucional do

Ministério Público, sua presença passa a ser uma constante nos textos legais e nas

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Constituições. Em que pese o retrocesso ocorrido na Constituição ditatorial de 1937, que

apenas fazia breves referências à Instituição no título destinado ao Poder Judiciário

(MORAES, 2003), o Ministério Público se fortaleceu no Estado Novo com a edição do

Código de Processo Penal de 1941, quando lhe foi conferido o poder de requisição de

inquérito policial e diligências investigatórias, passando a ser regra sua titularidade na

promoção da ação penal, somando-se a sua função de promover e fiscalizar a execução da lei,

que lhe fora atribuída pelo Código de Processo Civil de 1939 (MAZZILLI, 1989).

Nesse período, o Ministério Público acumulava as funções de promotor da ação penal

“órgão de acusação”, fiscal da lei em determinados processos judiciais e a representação

judicial da União, que era atribuição constitucional dos Procuradores da República, podendo a

lei atribuir tal encargos aos Promotores de Justiça nas comarcas do interior (MORAES, 2003).

O Ministério Público, até então, não possuía autonomia funcional, financeira e administrativa,

tampouco se falava em independência funcional, o que importava na possibilidade de

interferência do Poder Executivo no desempenho das funções ministeriais. Os problemas

decorrentes da vinculação do Ministério Público ao Poder Executivo, entretanto, já eram

percebido pelos membros da Instituição, que buscavam se mobilizar para a proposição de

mudanças legislativas.

No I Congresso Interamericano do Ministério Público, realizado em 1954, na cidade

de São Paulo, proclamou-se, de forma unânime, que a autonomia e a independência do

Ministério Público, quando aja como representante da sociedade, constituem uma aspiração

dos povos livres, em defesa da legalidade, e são uma garantia democrática para os cidadãos

(ZENKNER, 2006). Esse movimento interno clamando por mudanças institucionais ampliou-

se ao longo do final dos anos 70 e início dos anos 80, quando foram realizadas diversas

conferências nacionais do Ministério Público, nas quais eram expostas o desejo de que a

Instituição representasse o interesse público, da sociedade, em detrimento das funções de

representação judicial do Estado, não considerada como uma verdadeira vocação institucional

(ROS, 2009).

A mobilização institucional e os humores políticos da época confluíram na direção de

um grande avanço institucional, a edição da Lei Complementar nº 40/81, que estabeleceu

normas gerais para a organização do Ministério Público, conferindo-lhe um estatuto dotado de

amplas prerrogativas e garantias (MAZZILLI, 1989). Para Ros (2009), o ano de 1981 pode ser

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identificado como o início do processo que levaria o Ministério Público brasileiro a exercer a

função de representar os interesses públicos e difusos, aliada à função tradicional de

promoção da ação penal.

Neste mesmo ano de 1981, entrou em vigência a Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente, Lei nº 6.938/1981, normativo que, pela primeira vez, conferiu ao Ministério

Público um instrumento processual – ação de responsabilidade civil e criminal16 – a ser

utilizado na defesa do meio ambiente, ou seja, na defesa de um interesse propriamente

público, não confundido com o interesse do Estado (ROS, 2009). Para Benjamin (2001), a Lei

nº 6.938/1981 incluiu o Ministério Público no centro da problemática ambiental ao lhe

conferir legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos

causados a meio ambiente. Atribuiu-se à Instituição “a base legal clara de que carecia para

melhor agir, em particular na esfera cível” (BENJAMIN, 2001, p. 392).

Outro avanço sensível nas funções institucionais conferidas ao Ministério Público

ocorreu com a edição da Lei da Ação Civil Pública, Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação

civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a

bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Além de regular a

ação civil pública, a Lei nº 7.347/1985 incorporou a defesa de outros interesses como objeto

desse instrumento processual à disposição do Ministério Público. A referida lei também

previu a possibilidade da instauração de inquérito civil pelo Ministério Público com o

objetivo de realizar diligências para fundamentar a propositura de ação civil pública17.

Com a edição da Lei nº 7.347/1985, o Ministério Público brasileiro, que

originariamente atuava como o braço do poder estatal na punição de crimes (agindo na

garantia do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, no exercício do

monopólio da ação penal e na defesa do devido processo legal), passou a ter atribuição para

16 Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não

cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...]

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

17 Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

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defender interesses coletivos e difusos, atuando como verdadeiro advogado da sociedade, ao

lado das demais entidades co-legitimadas (como as associações civis ou organizações não

governamentais). (FRISCHEISEN, 2000)

Entretanto, é somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que o

Ministério Público brasileiro adquire o perfil que possui atualmente, sendo que o seu

crescimento institucional sequer pode ser comparado ao de outros países, ainda que de

semelhante tradição cultural (MAZZILLI, 1989).

A Constituição Federal de 1988 alçou o Ministério Público à categoria de instituição

permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, responsável pela defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis18. Além da

tradicional missão de promover a ação penal pública; incumbiu-se ao Ministério Público,

dentre outras funções, zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de

relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas

necessárias a sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção

do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

promover a ação de inconstitucionalidade; defender judicialmente os direitos e interesses das

populações indígenas19.

Não é por outra razão que Macedo Júnior (1997) afirma que o Promotor de Justiça

passou a ser definido como um órgão agente em favor dos interesses sociais, uma espécie de

18 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,

incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

19 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos

assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio

ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos

Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e

documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo

anterior; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos

jurídicos de suas manifestações processuais; IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe

vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

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ombudsman não eleito da sociedade brasileira. O Ministério Público evoluiu da condição de

órgão de representação judicial dos interesses do Estado e promotor da ação penal perante o

Poder Judiciário para o patamar de instituição independente, inserindo-se na democracia

brasileira como um novo ator político. Sua missão atual é a defesa da sociedade – não mais a

defesa do governo – em seus interesses mais caros: a democracia, a ordem jurídica, os

interesses sociais e individuais indisponíveis, o patrimônio público e social, o meio ambiente

e os demais interesses difusos e coletivos.

De forma a se afastar qualquer liame de subordinação ou dependência orgânico-

institucional, fortalecendo-se o novo perfil delineado para o Ministério Público, a

Constituição Federal de 1988 vedou-lhe o exercício da representação judicial e da consultoria

jurídica de entidades públicas e mais, conferiu-lhe autonomia funcional, administrativa e

financeira20, de forma que aparecesse juridicamente desvinculado dos Poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário. Para Pertence, citado por Moraes (2003), o Ministério Público

desvinculado do seu compromisso original com a defesa judicial do Estado e dos atos de

governo, está agora cercado de independência e autonomia que o credenciam ao efetivo

desempenho de uma magistratura ativa de defesa impessoal da ordem jurídica democrática,

dos direitos coletivos e dos direitos da cidadania.

Os membros do Ministério Público, por sua vez, passaram a gozar de uma série de

garantias para que os seus integrantes desempenhassem seu mister sem a interferência de

pressões externas e até mesmo de eventual ingerência interna. Após dois anos no exercício do

cargo, o promotor de Justiça ou o Procurador da República não pode perder o cargo, salvo

decisão definitiva em processo judicial, somente pode ser removido de seu local de atuação ou

de suas funções com a sua anuência, ou mediante decisão da maioria do Conselho Superior do

Ministério Público, presente motivo de interesse público, e é remunerado através de subsídio

fixo e irredutível21.

Como não podia deixar de ser, a Constituição Federal de 1988 também impôs aos

membros do Ministério Público um rol de vedações com o intuito de minimizar a ocorrência

de conflitos de interesses individuais quando do exercício das suas funções institucionais.

Assim, não podem receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens

20 Artigo 129, inciso IX, da Constituição Federal. 21 Artigo 128, §5º, inciso I, alíneas “a” a “c”, da Constituição Federal.

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ou custas processuais; exercer a advocacia; participar de sociedade comercial, na forma da lei;

exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de

magistério; exercer atividade político-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto,

auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as

exceções previstas em lei22.

A execução das importantes funções confiadas ao Ministério Público foi repartida pela

Constituição Federal de 1988 entre dois ramos distintos, em consonância ao pacto federativo

vigente. Ao Ministério Público da União, que compreende o Ministério Público Federal, o

Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar, o Ministério Público do Distrito

Federal e Territórios, coube a tutela de direitos e interesses relacionados, de alguma forma,

aos bens e às competências materiais da União23. A atribuição dos Ministérios Públicos dos

Estados, por sua vez, é residual, cabendo-lhe a defesa dos direitos e interesses não tutelados

pelo Ministério Público da União.

Na sequência da evolução legislativa, a Lei nº 8.078/1990, que instituiu o Código de

Defesa do Consumidor, além de melhor detalhar os conceitos de direitos difusos, coletivos e

individuais homogêneos, introduziu a possibilidade dos entes legitimados a ajuizar a ação

civil pública [entre eles o Ministério Público] colherem dos interessados o compromisso de

ajustarem sua conduta à ordem jurídica, com força de título executivo extrajudicial. A

importância deste instrumento decorre do fato de viabilizar ao Ministério Público a solução de

um conflito de interesse sem a necessidade de submissão ao Poder Judiciário, evitando-se o

tempo e o custo de um processo judicial, e conferindo maior ênfase no caráter preventivo e

pedagógico da intervenção ministerial. (GHERSEL, 2003).

A afirmação institucional do Ministério Público continua no ano de 1993 com a edição

da Lei nº 8.625, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispondo sobre

normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, e a edição da Lei

Complementar nº 75, que dispôs sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério

Público da União. Ambos os normativos trataram da estruturação interna do Ministério

Público, criando órgãos de revisão e coordenação; regulamentaram as disposições

constitucionais referentes à Instituição, tais como princípios, garantias, deveres, funções; e

22 Artigo 128, §5º, inciso II, alíneas “a” a “f”, da Constituição Federal. 23 Artigos 20 e 21 da Constituição Federal.

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especificaram o alcance de alguns dos seus instrumentos de atuação, a exemplo da requisição,

da recomendação etc.

Esse processo histórico importou não somente na ampliação das funções institucionais

do Ministério Público, mas seu posicionamento na ordem jurídico-constitucional como um

novo e importante ator político na democracia brasileira. Das funções que tradicionalmente

exercia, poucas se perderam ao longo do tempo, limitando-se as baixas àquelas funções

incompatíveis com o novo perfil que se afirmava, a exemplo da representação judicial e a

consultoria jurídica de entidades públicas. Houve, sim, um enorme crescimento institucional,

que passou de órgão de acusação para se tornar uma instituição voltada para a defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais, sejam coletivos ou difusos, e

individuais indisponíveis. Nas palavras de Ros (2009, p. 32), “do j'accuse à retórica da defesa

do interesse público”.

Ros (2009) ressalta que os grupos cuja titularidade de proteção jurisdicional pertence

ao Ministério Público são tipicamente grupos detentores do que se poderia chamar de direitos

especiais, isto é, grupos cujas situações envolvem o reconhecimento pelos outros indivíduos

da necessidade de tratamento diferenciado. A defesa jurisdicional dos interesses de portadores

de deficiência, de crianças, de adolescentes, de idosos e de minorias étnicas seriam exemplos

claros dessa tendência. Pamplona Filho (2005) destaca também a atuação do Ministério

Público como mediador de conflitos direitos trabalhistas.

Na busca de apresentar um retrato histórico resumido da evolução institucional do

Ministério Público, Arantes (2000, p. 19) registra que:

A história de reconstrução institucional do Ministério Público brasileiro é uma história de sucesso. Em menso de vinte anos, a instituição conseguiu passar de mero apêndice do Poder Executivo para a condição de órgão independente e, nesse processo que alterou sua estrutura, funções e privilégios, o Ministério Público também abandonou seu papel de advogado dos interesses do estado para arvorar-se em defensor público da sociedade.

Assim, ao lado das antigas funções penais e civis, o Ministério Público brasileiro

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passou a exercer uma gama extensa de novas atribuições, fruto das inovações legislativas

advindas nos anos 80. O Ministério Público foi autorizado a ajuizar ações de natureza cível na

defesa dos chamados interesses difusos e coletivos, tais como o meio ambiente e a proteção

dos consumidores. A Constituição Federal de 1988 confirmou o Ministério Público nessas

atribuições e o erigiu numa espécie de ombudsman encarregado dos interesses coletivos em

geral. Essa atuação de ombudsman situa-se num contexto mais político, uma vez que não

possui o poder de mudar as decisões administrativas, intervir diretamente na realidade dos

fatos, mas de criticá-la, deflagrando com isso os processos capazes de acarretar as mudanças

desejáveis. Sua eficácia depende de muitos fatores, entre os quais a independência, a

credibilidade, o acesso às informações governamentais, a capacidade técnica. De fato, uma

das mais proeminentes características da instituição é sua aparente efetividade apesar de um

mínimo de capacidade coercitiva (FONTES, P., 2006).

Sobre a nova importância política dessa antiga Instituição, Macedo Júnior (1993)

escreve:

O desempenho das novas atribuições não tardou a gerar um impacto político direto na atuação do Ministério Público. Por um lado, o Ministério Público assumia definitivamente uma atuação marcadamente política em relação a suas atribuições tradicionais. A sua atividade criminal não se alterara substancialmente a não ser pelo fato de que a partir de então, o Procurador-Geral de Justiça a quem compete processar criminalmente as maiores autoridades políticas como prefeitos, secretários de Estado, governadores e magistrados, passava a ter uma grau de independência bastante maior para o exercício de seu dever. Entretanto, na esfera cível sua atuação assumira função e natureza completamente diversas. O resultado de sua atuação deixava de ser sentido apenas para as partes de um processo envolvendo interesses individuais, como em regra ocorria na maioria dos casos em que atuava como custos legis, passava a ser sentido diretamente pela sociedade. Por meio dos inúmeros inquéritos civis e ações civis públicas passava-se a questionar uma série de práticas de extrema relevância envolvendo grandes interesses econômicos de grupos privados e também do próprio Estado. A atuação ministerial passava a afetar diretamente uma série de políticas públicas e direitos sociais. A repercussão disto foi sendo sentida de maneira crescente, sendo certo que notícias sobre a ação do Ministério Público que eram bastante raras 10 anos atrás passaram a ser rotineiras nos principais meios de comunicação social. A tal ponto que hoje é praticamente impossível abrir algum dos principais jornais de São Paulo sem nele encontrar ao menos uma notícia sobre a atuação do Parquet. Em períodos eleitorais, frequentemente, na vida política democrática brasileira, a presença da ação do Ministério Público na mídia tende a aumentar em face do frequente envolvimento dos atores políticos com as investigações do Parquet (MACEDO JUNIOR, 1993, p. 109-110).

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O crescimento institucional do Ministério Público, como sói ocorrer, não passou alheio

a criticas. Embora os críticos reconheçam que o Ministério Público tem sido o agente mais

importante da defesa de direitos coletivos, censura-se a existência de fortes traços de

voluntarismo político na atuação de parte dos seus integrantes, que se dedicariam

enfaticamente “à sua transformação em instrumento de luta pela construção da cidadania”

(ARANTES, 1999, p. 84), sob a justificativa de uma suposta hipossuficiência da sociedade

civil em lutar por seus direitos. Essa a atuação política do Ministério Público seria nociva

tanto por dificultar iniciativas emancipadoras por parte da sociedade civil, quanto por

comprometer, em médio e longo prazo, a própria autonomia institucional (ARANTES, 2000;

ROS, 2009).

Em sentido oposto, alguns autores louvam a nova configuração institucional do

Ministério Público e advogam a existência de um potencial transformador da realidade social

a partir da sua atuação institucional, que seria legitimada pelas denúncias e representações que

lhe são encaminhadas. É dessa interação sociedade civil com o Ministério Público que

emergiriam as possibilidades de transformação social (VIANNA & BURGOS, 2002; ROS,

2009).

Uma outra análise que se faz do novo perfil institucional do Ministério Público, essa

mais próxima da atual realidade da Instituição, caracteriza-o como um mediador entre vários

setores da sociedade civil e do Estado, sendo capaz de promover a mediação e coordenação

entre órgãos públicos, grupos de interesses diversos e movimentos sociais sem se tornar,

contudo, insensível a eles, devido a sua posição estratégica na arquitetura institucional

(MACIEL & KOERNER, 2002; ROS, 2009).

Os órgãos públicos muitas vezes dirigem-se ao MP para acionar outros órgãos públicos (na Promotoria de Cidadania este é o caso de mais da metade das ações civis públicas). Este perfil dos autores também foi encontrado em nossa própria pesquisa empírica sobre a atuação do MP em conflitos ambientais no Estado de SP (Maciel, 2002). Isso reforça a hipótese de que o MP tem desempenhado o papel de coordenação e mediação entre as diversas agências estatais, valendo-se de maneira significativa de instrumentos extrajudiciais na resolução de disputas. Esses resultados colocam em questão a tese do substitucionismo da sociedade civil operado pelo MP, defendida por Arantes. Os autores rejeitam também as críticas de

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que o MP estaria substituindo o Poder Judiciário, ao usar seus poderes extrajudiciais para resolver conflitos coletivos. Para os autores, a ação do MP faz como parte da constituição de um complexo sistema de complementaridade e interdependência entre os poderes do Estado, a mídia, a cidadania organizada e os indivíduos. Assim,“... mais do que transferência, prevalece o compartilhamento de responsabilidades entre os diferentes atores envolvidos...". A solução dos conflitos coletivos tem demandado “a construção de redes institucionais que abarcam, além do MP e entidades sociais, o próprio poder público”. O MP não substituiria o Judiciário, mas funcionaria muitas vezes “como uma instância que agrega esforços, visando construir uma base institucional para o cumprimento do direito”. O MP atuaria preventivamente, “o que lhe confere um papel complementar e não concorrente em relação ao Poder Judiciário” (id., p. 444). O MP teria também o papel de superar problemas de coordenação entre esferas da administração pública. […] Aparece aqui a figura do MP mais como um agente de mediação entre agentes sociais e poderes políticos do que um agente de judicialização, que provoca a intervenção de um poder externo e supostamente despolitizado a fim de solucionar de forma tutelar os conflitos. Poder-se-ia considerá-lo um mediador institucionalizado que dispõe de legitimidade jurídica e recursos organizacionais para a proposição de ações judiciais. Mas esta não é sua característica específica, pois outros agentes (fiscais) do Executivo podem fazê-lo. Em comparação com estes, o MP dispõe de menos recursos, pois não tem meios imediatos e efetivos de ação para obter a aquiescência e punir aqueles aos quais visa a sua ação (como poder de determinar ações emitir multas e fechar estabelecimentos). (MACIEL & KOERNER, 2002, p. 126-127)

Frischeisen (2000) destaca que o papel do Ministério Público como órgão de mediação

cresce na medida em que a sociedade civil lhe reconhece como uma instituição independente

e autônoma que, por estar legitimada pela Constituição Federal, pode negociar em patamar de

igualdade com o Poder Público e com entes privados, bem como atuar frente ao Poder

Judiciário ultrapassando os obstáculos existentes, como custas, honorários advocatícios,

preparo técnico, etc, o que muito dificilmente ocorreria com a sociedade civil organizada, em

especial, aquelas dedicadas à defesa dos direitos sociais.

A percepção do Ministério Público como um importante ator na mediação de conflitos

é compartilhada por Débora Maciel (2002), para quem a posição ocupada no sistema de

Justiça, aliada às suas novas atribuições, têm constituído o Ministério Público em um espaço

estratégico na construção e resolução de conflitos, devido à autonomia dos membros de

transformar conflitos sociais em litígios judiciais ou de impor acordos. Sobre a atividade de

mediação do Ministério Público, Geisa Rodrigues (2006) relata que:

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O Ministério Público sempre gozou de um certo reconhecimento nas comunidades interioranas, o que de há muito o legitimava para a mediação de conflitos de natureza individual. Ainda que não seja a sua atribuição tutelar direitos individuais24 é até certo ponto comum que nas comarcas menores o Ministério Público também ature como um terceiro imparcial que pode contribuir para a solução dos dissídios individuais entre partes capazes, versando sobre direitos disponíveis. O instrumento de transação referendado pelo Ministério Público tem, inclusive, eficácia executiva. […] O Ministério Público também tem funcionado como mediador em conflitos transindividuais, como no caso da desocupação de prédios públicos por integrantes do “movimento dos sem-terra”, na libertação de reféns mantidos em áreas indígenas e em ouras situações em que a intervenção do Ministério Público é necessariamente no sentido de mediar o conflito, promovendo o diálogo entre as partes envolvidas na contenda para se chegar a uma solução negociada, quase sempre a mais adequada para essas situações-limite. A habilidade de mediação está sendo aos poucos adquirida, mas o fato de ser eleita como mediadora representa um reconhecimento do valor da Instituição pelas partes do conflito (RODRIGUES, G., 2006, p. 95).

Todo esse processo histórico, que importou em uma radical mudança de perfil

jurídico-institucional, convergiu para que a atuação do Ministério Público na defesa do meio

ambiente ganhasse importância e relevo, transformando a Instituição em um ator de destaque

na mediação de conflitos ambientais e na promoção da justiça ambiental. Neste mesmo

sentido, destacando o perfil do Ministério Público como órgão mediador de conflitos

ambientais, os trabalhos de Débora Maciel (2002), Débora Maciel & Andrei Koerner (2002),

Agripa Alexandre (2004), Chélen Lemos (2005), Geisa Mio et. al. (2005), José Luiz Soares

(2005), Maria Eugênia Totti et. al. (2007), Luciano da Ros (2009), Pablo Barreto (2011a).

3.2 A mediação como técnica de enfrentamento de conflitos ambientais pelo Ministério

Público

Todos os grupamentos sociais organizados procuram diluir os conflitos, canalizá-los

dentro de formas previsíveis, submetê-los a regras precisas e explícitas, contê-los e, às vezes,

direcionar o seu potencial de mudança para um sentido preestabelecido (BOBBIO, 1998). Isso

acontece porque, se é certo que o conflito é uma das formas de interação, o seu acirramento e

descontrole contribuem para o esgarçamento do tecido social e a erosão das condições

24 Leia-se direitos individuais disponíveis.

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ambientais, essa última consequência em se tratando de conflito ambiental.

Não se trata, entretanto, de resolver o conflito no sentido de eliminá-lo do meio social,

porquanto impossível e indesejável. Os conflitos são processos sociais que podem evoluir ou

involuir. As soluções podem ser dadas apenas aos problemas que surgem dos conflitos. Além

disso, somente há como tratar e controlar a fase pública, externa do conflito: a disputa

(SUARES, 2005).

Os conflitos ambientais, portanto, não devem ser negados ou desprezados, mas

compreendidos, regulados e mediados. A integridade do meio ambiente demanda o

estabelecimento de princípios e regras ambientais explícitos, que respeitem a alteridade e

sejam compatíveis com mecanismos de contenção e composição de conflitos, de forma a

evitar a sua autofagia e a autodestruição, ou seja, é imprescindível a afirmação de um direito

ambiental a servir de baliza para a mediação de conflitos ambientais.

A gestão de conflitos, sejam individuais ou transindividuais, como são os conflitos

ambientais, impõe ao Estado o uso de duas técnicas correlatas e independentes, a regulação ou

normatização de condutas [regulation] e a implementação legal [enforcement], que visa a

assegurar o respeito, obediência, o cumprimento da lei [compliance]. “O Estado legisla e

organiza um sistema de implementação em reação a um dos fenômenos mais evidentes e

desafiantes do nosso século, o conflito ambiental” (BENJAMIN, 2003, p. 340).

Grinover et. al. (1997) ressaltam que a tarefa da ordem jurídica é justamente a

harmonização das relações sociais, estando direcionada para ensejar a máxima realização de

valores humanos25 com o minimo de sacrifício e desgaste. Destacam, ainda, que o direito

exerce uma função ordenadora na sociedade, promovendo a “coordenação dos interesses que

se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor os

conflitos que se verificarem entre os seus membros” (GRINOVER et. al., 1997, p. 19) . Para

Moura Junior (2010), a função essencial do direito seria mediar as complexas relações

humanas e sua atuação social, inclusive sobre os recursos naturais, tanto para organizar as

pessoas e estabelecer responsabilidades claramente definidas, como para firmar referenciais

limite, para serem utilizados quanto for necessário solucionar conflitos de uso dos recursos

entre os indivíduos e as estruturas sociais. Sob outra perspectiva, Bello Filho (2004) aponta

25 Isso dentro de um enfoque evidentemente antropocêntrico.

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que o direito é um instrumento de libertação, de emancipação e de defesa da sociedade contra

a era do risco. É forma e instrumento de construção de uma política do ambiente que conduz à

uma sociedade do bem-estar ambiental coletivo.

O direito é uma criação cultural que tem como pretensão regular a conduta humana, ou

seja, é uma forma de controle social, um autocontrole. Atualmente, não se pode restringir sua

finalidade a servir como um instrumento de dominação de uma classe social sobre outra. O

direito também possui um caráter libertário e emancipador, desde que seja construído a partir

de uma técnica discursiva e procedimental, dentro de uma lógica democrática e multicultural

(BELLO FILHO, 2004).

Assim o é que o direito ambiental busca estabelecer limites ético-jurídicos para a ação

humana sobre os demais elementos da natureza, que servirão como balizas para o

enfrentamento dos conflitos ambientais que afloram a cada dia. Seu intento não é apresentar

soluções previamente definidas para tais embates, mas esquadrinhar os contornos mínimos de

um processo discursivo de composição [autocomposição ou heterocomposição] com vista a

promover a proteção de todas as formas de vida e o ecossistema como um todo. Deste modo,

é mais realista falar em tratamento ou enfrentamento de conflitos ambientais do que em

resolução dos mesmos.

A existência do direito regulador da ação humana não é, porém, suficiente para manter

sob controle os conflitos que podem surgir em suas relações. Assim, o direito também deve se

preocupar com os meios de conferir efetividade a essas normas, com os instrumentos

necessários para o enfrentamento dos conflitos.

Os conflitos se caracterizam por situações em que um indivíduo ou um grupo não

consegue satisfazer um determinado interesse seja porque aquele que poderia satisfazer a

pretensão não o faz, seja porque o próprio direito, por uma questão ética, proíbe a satisfação

da pretensão (GRINOVER et. al.,1997).

Assim, é que se afirma ser o conflito ambiental constituído por duas importantes

dimensões, uma social, representada pela disputa entre grupos humanos acerca da forma de

apropriação material e simbólica dos elementos naturais26; e outra ecológica, representada

26 A constatação da desigualdade ambiental, tanto em relação à proteção desigual quanto ao acesso desigual,

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pelo conflito entre o ser humano e a própria natureza, decorrente de uma ação antrópica que

causa um dano ou incrementa um risco para o ecossistema como um todo e para os elementos

que o integram.

Grinover et. al. (1997) sustentam que a eliminação dos conflitos que ocorrem na vida

em sociedade pode se dar através de obra de um ou de ambas as partes envolvidas no conflito,

ou por ato de terceiro. Na primeira categoria se enquadrariam a autocomposição, pela qual um

dos sujeitos do conflito, ou todos eles, consentem no sacrifício total ou parcial do interesse em

disputa, estando aqui incluídas a desistência ou renúncia, a submissão e a transação; e a

autotutela, quando a pacificação é alcançada através do sacrifício do interesse alheio,

normalmente com o uso da força27. Na segunda categoria, figurariam a mediação, o processo

e a defesa de terceiro.

Adotando um entendimento semelhante, Samira Soares (2008) distingue as formas de

se lidar com os conflitos em técnicas de autotutela, autocomposição, de heterocomposição. A

primeira importaria na imposição da vontade de umas das partes que compõe a relação

conflituosa às demais, através da utilização de suas próprias forças, sem a intervenção de um

terceiro, normalmente com o emprego de violência ou coação. A autocomposição ocorreria

quando as próprias partes equalizam a disputa existente, sem a utilização de meios

coercitivos, a exemplo da negociação, mediação e conciliação. Na heterocomposição, um

terceiro estranho ao conflito impõe um comportamento a ser adotado pelas partes como sendo

a solução justa, aqui figuram o exercício da atividade jurisdicional e a arbitragem.

Little (2001), por sua vez, agrupa o tratamento dos conflitos em cinco tipos básicos:

confrontação; repressão; manipulação política; negociação/mediação; e diálogo/cooperação.

Destaca, ainda, que nem sempre se pode concluir que os tipos menos conflituosos podem ser a

forma mais adequada de tratamento no caso concreto. Schellemberg (1996) também destaca

cinco formas de se abordar os conflitos: fuga; submissão; reforma gradual; confronto violento

e confronto não violento.

indica que está em jogo não somente a sustentabilidade do meio ambiente, mas as próprias formas de apropriação, uso e mau uso da natureza. É nesse sentido que os mecanismos de produção da desigualdade ambiental se assemelham muito aos mecanismos que produzem a desigualdade social. Ao revés do discurso da escassez, que pressupõe uma distribuição homogênea das partes do meio ambiente, o discurso que clama por justiça ambiental denuncia o caráter fortemente desigual da apropriação do meio ambiente e dos recursos naturais (ACSELRAD et. al., 2009).

27 Advirta-se que paz sem voz, não é paz, é medo! (YUKA, 2000)

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A abordagem institucional dos conflitos ambientais, nas palavras de Mio et. al. (2005),

pode ocorrer de duas formas diferentes, a tradicional realizada pelo Poder Judiciário, uma

forma de heterocomposição, e a alternativa, “realizada pelo Ministério Público com base na

construção do consenso” (MIO et. al., 2005, p. 93). Cabe destacar, entretanto, que esta última

forma de se lidar com um conflito ambiental, a autocomposição, não tem o Ministério Público

como mediador e negociador exclusivo, uma vez que a Instituição figura apenas como um dos

possíveis interlocutores entre as partes envolvidas na disputa ambiental, ainda que possua

destaque inegável dada a sua configuração institucional. Da mesma forma, necessário

ressaltar que a finalidade a ser buscada é a equalização do conflito, observando-se o devido

respeito à alteridade, tendo em vista a impossibilidade de se alcançar a uniformidade de ideias

e ações dos seres humanos e, portanto, uma resolução definitiva para o conflito ambiental.

Mio et. al. (2005) traçam um interessante quadro comparativo entre as duas

abordagens, indicando como as principais características da tradicional o desencorajamento, o

sofrimento, a morosidade, os custos elevados, a grande resistência na resolução do conflito,

ausência de antecipação ao dano e ineficiência comprovada. Em relação à abordagem

alternativa, destaca o comprometimento, a conscientização, a agilidade, os custos menos

elevados, a pequena resistência na resolução de conflitos, a possibilidade de antecipação ao

dano e eficiência comprovada.

Azevedo (2006) afirma que o crescimento da utilização de métodos alternativos de

resolução de conflitos se deve a dois fatores: de um lado cresce a percepção de que o Estado

tem falhado no tratamento de conflitos, devido à sobrecarga dos tribunais, aos altos custos e

ao excesso de formalismo; do outro, a percepção de que a efetividade do tratamento de

conflitos pode ser melhorada com as oportunidades de usar mais processos construtivos, que

conservam e fortalecem os vínculos entre as partes. Uma das formas de se realizar processos

construtivos é através da autocomposição, que permite ir além dos direitos tutelados

juridicamente e pode lidar com os interesses e necessidades das partes em conflito.

As soluções extrajudiciais de conflitos, segundo Gavronski (2010), tanto podem

privilegiar a autocomposição, em que as próprias partes encontram a solução de sua

controvérsia, como depender de um terceiro imparcial diverso do juiz. A primeira pode se dar

por desistência, submissão ou negociação. Um exemplo claro para a segunda espécie é a

arbitragem. A mediação estaria situada entre ambos os modelos, uma vez que o mediador –

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um terceiro estranho ao conflito – tem como missão estimular as partes à sua autocomposição.

Além de representar um alívio para o afogamento do Poder Judiciário, economizando

tempo e recursos públicos, a mediação aumenta a criatividade das soluções, aumenta o

protagonismo das partes e sua responsabilidade. Quando se chega a entabular um acordo, sua

durabilidade é grande e ainda serve como parâmetro de atuação em conflitos futuros, um

importante resultado indireto da mediação. Dentro do processo de mediação de conflitos é

possível lidar com as diferenças de forma não binária, como ocorre no Poder Judiciário,

criando-se laços entre os polos do conflito, e abrindo-se a possibilidade do reconhecimento da

alteridade e do co-protagonismo no tratamento da relação conflituosa (SOARES, S., 2008).

Os mecanismos processuais de controle dos conflitos não mais exerçam o papel de

absorver as tensões, dirimir conflitos, administrar disputas e neutralizar a violência. Ao revés,

em muitas hipóteses, a intervenção do Poder Judiciário acirra ainda mais as divergências

(ALVES, 2006). Para Gravonski (2006), o Poder Judiciário ainda se mostra refratário à tutela

jurisdicional coletiva e à nova posição que a sociedade espera dele em um mundo com

crescentes demandas sociais, o que motiva a atuação extrajudicial do Ministério Público.

A crescente atuação extrajudicial do Ministério Público na defesa do meio ambiente

decorre não somente do conservadorismo jurídico com o qual a matéria, via de regra, é tratada

pelo Poder Judiciário – não logrando a mesma sorte que a judicialização da defesa de outros

direitos fundamentais, a exemplo do direito à saúde – mas também da necessidade que a tutela

ambiental possui de obter uma solução urgente, sob pena da ocorrência de danos irreversíveis

(BARRETO, 2011a).

Como bem assevera Totti et. al. (2007), a prevenção do dano ambiental deve preceder

a remediação deste ou a eventual sanção penal do poluidor, por consequência, o Ministério

Público deve atuar também como agente conscientizador na tentativa de evitar o dano

ambiental. Nasce aí a figura do Ministério Público como mediador entre agentes sociais e

poderes políticos, perfil percebido por Maciel & Koerner (2002), por Lemos (2005) e por Da

Ros (2009).

A priorização dessa atuação extrajudicial do Ministério Público tem sido reconhecida

em diversas pesquisas empíricas que foram realizadas no Brasil nos últimos anos. Tem-se

percebido que diante do rol de instrumentos jurídicos postos à disposição do Ministério

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Público pela Constituição Federal de 1988 e diante da sua própria configuração institucional,

sobrelevam vantagens em se evitar a judicialização das politicas públicas, preferindo-se que a

Instituição atue na mediação do conflito ambiental. (BARRETO, 2011a).

Ao analisar os resultados de uma pesquisa realizada sobre a judicialização da política e

das relações sociais no Brasil, Werneck Vianna et al. (1999) afirma que o Ministério Público

tem evitado judicializar os conflitos relacionados aos direitos de cidadania preferindo

direcionar esforços para a construção de acordos políticos na arena dos inquéritos civis. Na

mesma linha, José Luiz Soares (2005) sustenta a morosidade na produção de sentenças por

parte do Poder Judiciário tem feito com que os membros do Ministério Público prefiram a

mediar soluções para os problemas de caráter ambiental através de procedimentos

extrajudiciais, a se destacar o termo de ajuste de conduta.

A atuação do Ministério Público na defesa do direito à água através da mediação é

destacada por Barreto (2011a):

O Ministério Público atua na defesa do direito fundamental à água, velando para que os valores ecológicos, social, cultural, econômico e espiritual desse elemento da natureza sejam respeitados de forma equânime, de forma a impedir que a utilização da água para alguma finalidade venha a inviabilizar ou restringir de forma excessiva o uso para outros fins. Essa atuação, todavia, não se resume ao papel de protagonista da judicialização de políticas públicas na busca da concretização do direito à água, através do ajuizamento de ações civis públicas perante o Poder Judiciário, sendo destacada e vigorosa a atuação do Ministério Público na indução, articulação e mediação de políticas públicas ambientais, atuando em todas as suas fases, desde a formulação, passando pela implementação, até a sua avaliação. (BARRETO, 2011a, p. 185)

Dentre as diversas vantagens apontadas para a mediação das questões ambientais,

enumera-se o fato de ser um processo informal, permitindo a construção conjunta da solução

pelas pessoas dentro de suas possibilidades; os envolvidos reconhecem suas responsabilidades

quanto aos direitos e deveres ambientais; a busca de uma solução conjunta fortalece as

relações de confiança e credibilidade; a interação entre os envolvidos possibilita desenvolver

e praticar princípios como respeito, solidariedade e cooperação; o diálogo direto entre os

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envolvidos pode evitar manipulações autoritárias, paternalistas e clientelistas (SOARES, S.

2008).

Um dos principais obstáculos à mediação de conflitos ambientais é o fato de que

muitas vezes as partes envolvidas no conflito emprestam significados diversos para o meio

ambiente, ou para um de seus elementos. Marcela Maciel (2011) cita como exemplo de um

mesmo rio, que para um empreendedor, que pretende construir uma usina hidrelétrica, é um

potencial energético, para uma comunidade ribeirinha um meio de vida, e para uma

comunidade indígena pode representar simbolicamente um deus. A percepção do objeto em

disputa pode ser, assim, muito diversa para cada um dos atores, o que faz com que assumam

configurações diferenciadas, ainda que de forma inconsciente ou implícita, especialmente ao

envolver elementos simbólicos de maior significação social para uma das partes. Para que seja

possível o diálogo, é necessário, assim, que tais percepções sejam consideradas e não

ignoradas, a exemplo das disputas envolvendo as comunidades ribeirinhas e indígenas e os

empreendedores e órgãos públicos, no extensamente noticiado licenciamento ambiental da

Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a ser construída no Rio Xingu, Estado do Pará.

Na mediação de conflitos ambientais, quando se busca a implementação da norma

jurídico-ambiental [enforcement]28, a concretização efetiva do direito do meio ambiente, de

forma discursiva e procedimental com as partes envolvidas, é mister uma visão ampla das

circunstâncias históricas e estruturais que envolvem a relação conflituosa. É preciso ter em

conta que determinados grupos sociais estão mais vulneráveis aos riscos ambientais em razão

de possuírem menos recursos financeiros, políticos e informacionais. Enquanto as classes

sociais privilegiadas conseguem, em certa medida, evitar ou reduzir significativamente sua

exposição a certos riscos, os custos ambientais do desenvolvimento recaem de modo

desproporcional sobre a população carente, onerando-a de forma injusta. (SARLET &

FENSTERSEIFER, 2010).

Em face da dinâmica da estratificação socioespacial, a aplicação da lei ambiental pode

implicar em grave prejuízo às camadas pobres, submetidas às externalidades negativas de

atividades consideradas poluidoras, a exemplo da desocupação de área ambientalmente

protegida pela população de baixa renda que ali se alojou à falta de melhores condições de

28 Sobre o papel do Ministério Público na implementação das leis, enforcement, conferir Ferraz & Ferraz

(1997).

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moradia, ou da criação de unidades de conservação com a respectiva expulsão de populações

tradicionais (MACIEL, D., 2002). Em tais situações, o conflito ambiental estabelecido tem

que ser analisado com cautela, pois o estado de ilegalidade conferido à ocupação do solo

tende a tornar inoperantes outros direitos fundamentais, como o direito à moradia, o direito à

terra, o direito ao trabalho.

A percepção da injustiça na distribuição dos riscos de degradação ambiental e do

acesso desigual ao meio ambiente é um marco conceitual importante na mediação de conflitos

ambientais. Isso porque a desigualdade social e de poder está na raiz da degradação

ambiental: quando poucas pessoas concentram os benefícios de uso do meio ambiente e a

capacidade de transferir os custos ambientais para os mais fracos, o nível geral de pressão

sobre ele não se reduz. Portanto, a proteção do meio ambiente também depende do combate à

desigualdade ambiental. Não se pode enfrentar a crise ambiental sem buscar a justiça social

(ACSELRAD et al., 2009).

3.3 O instrumental jurídico do Ministério Público mediador

Ao Ministério Público foi conferido uma série de instrumentos jurídicos para o bom

desempenho de suas funções institucionais, seja através da provocação do Poder Judiciário,

seja extrajudicialmente. Interessam ao desenvolvimento da presente pesquisa a análise dos

instrumentos utilizados na mediação de conflitos ambientais, ou seja, aqueles pertinentes à

atuação do extrajudicial do Ministério Público.

Podem ser destacados, dentre outros, o inquérito civil, o procedimento administrativo

preparatório, a notificação, a recomendação, a requisição, as audiências públicas e o

compromisso de ajuste de conduta. Esses instrumentos jurídicos podem ser utilizados pelo

Ministério Público no enfrentamento de conflitos ambientais, tanto de forma preventiva ao

dano, quando presente o risco ambiental, quanto depois de ocorrido o dano.

Quando ainda não ocorrido o dano, a utilização do instrumental jurídico do Ministério

Público estará voltado para a sua prevenção, no intuito de eliminar o risco ambiental ou, ao

menos, reduzi-lo ao nível permitido pela legislação ambiental. Presente a degradação

ambiental, o objetivo a ser alcançado é, primeiro, a restauração ecológica, com a

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recomposição ou recuperação integral do elemento natural lesado. Sendo impossível a

restauração ecológica, deve ser perseguida a compensação ecológica, substituindo-se o bem

ambiental lesado por outro funcionalmente equivalente, de forma que o meio ambiente

permaneça, em seu conjunto, qualitativa e quantitativamente inalterado29.

A relevância da atuação do Ministério Público para a prevenção da degradação das

águas, decorre não só dos inquéritos civis instaurados e das ações civis públicas propostas,

mas dos acordos efetuados, visando ao atendimento da legislação. A simples possibilidade da

sua intervenção costuma inibir muitas atividades poluidoras (POMPEU, 2010).

3.3.1 O inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório

O inquérito civil é um procedimento investigatório, instaurado e presidido pelo

Ministério Público, destinado a apurar a ocorrência de fatos que possam autorizar a tutela de

interesses ou direitos relacionados aos interesses cuja proteção seja de sua incumbência,

servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções

institucionais. Será instaurado para apurar fato a cargo do Ministério Público nos termos da

legislação aplicável, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às

suas funções institucionais.

O inquérito civil é uma investigação administrativa instaurada, de forma exclusiva,

pelo Ministério Público com a finalidade de colher elementos de convicção para direcionar a

sua atuação institucional. Para Almeida (2001), trata-se de procedimento administrativo

instaurado pelo Ministério Público com o objetivo de colher elementos de convicção que

possibilitem o ajuizamento de ação civil pública ou a assinatura de termos de ajustamento de

conduta.

A possibilidade de instauração do inquérito civil pelo Ministério Público está prevista

na Constituição Federal30, na Lei Orgânica do Ministério Público da União31, na Lei Orgânica

29 O artigo 225 da Constituição Federal estabelece os deveres de defesa e preservação do meio ambiente e

controle do risco, de caráter preventivo, e os deveres de restauração dos processos ecológicos, recuperação do meio ambiente e reparação dos danos causados.

30 Artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 31 Artigos 6º, inciso VII; 7º, inciso I; 38, inciso I; 84, inciso II; e 150, inciso I, da Lei Complementar nº

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Nacional do Ministério Público32, e na Lei da Ação Civil Pública33. A sua regulamentação

atual se encontra na Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público nº 23/2007 e na

Resolução Conselho Superior do Ministério Público Federal nº 87/2010. Ambas as resoluções

dispõem que o inquérito civil é um procedimento investigatório instaurado com a finalidade

de apurar fatos que possam autorizar a tutela dos interesses ou direitos a cargo do Ministério

Público, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções

institucionais34.

O inquérito civil constitui procedimento administrativo exclusivo do Ministério

Público Federal ou do Ministério Público Estadual. Os demais entes legitimados a propor

ação civil pública podem colher informações e provas, mas não através de um inquérito civil

(MACHADO, 2009).

Inicialmente pensado apenas como um meio eficaz para o Ministério Público colher as

informações necessárias para a instrução da ação civil pública, com a possibilidade de

celebração de compromisso de ajustamento de conduta, com a edição do Código de Defesa do

Consumidor, o inquérito civil passou a ser o veículo de formalização da mediação de

conflitos. Via de regra, é dentro do inquérito civil que o Ministério Público celebra

compromissos de ajuste de conduta, realiza audiências públicas, expede recomendações e

encaminha requisições.

A prévia instauração de inquérito civil, entretanto, não é obrigatória para o Ministério

Público desempenhar suas funções institucionais. Ao se deparar com fato que possa se

caracterizar em violação potencial ou efetiva a algum direito ou interesse que lhe caiba zelar,

o Ministério Público pode, desde logo, promover a ação cabível, expedir recomendação,

celebrar compromisso de ajustamento de conduta ou determinar a abertura de procedimento

administrativo preparatório. Esse último deverá ser concluído no prazo de 90 dias,

prorrogável uma única vez por mais 90 dias. Caso não haja uma solução para os fatos que

motivaram a sua instauração dentro desse prazo, o procedimento deverá ser convertido em

inquérito civil35.

75/1993.

32 Artigo 25, inciso IV, da Lei nº 8.625/1993. 33 Artigo 8º, §1º, da Lei nº 7.347/1985. 34 Artigo 1º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 1º da Resolução CSMPF nº 87/2006. 35 Artigo 2º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 4º da Resolução CSMPF nº 87/2006.

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Salvo as restrições relativas ao tempo máximo de tramitação e quanto à exigência de

publicação da portaria de instauração em Diário Oficial, todas as disposições referentes ao

inquérito civil são aplicáveis ao procedimento administrativo preparatório36. Assim, o

membro do Ministério Público que conduz a investigação poderá expedir notificações,

recomendações, requisições, celebrar compromisso de ajustamento de conduta e ajuizar ação

civil pública a partir do procedimento administrativo preparatório.

A instauração do inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório pode

decorrer de ato do próprio membro do Ministério Público, ou seja, de ofício; em razão de

designação do Procurador-Geral de Justiça, do Conselho Superior do Ministério Público,

Câmaras de Coordenação e Revisão e demais órgãos superiores da Instituição, nos casos

cabíveis; ou em face de requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou

comunicação de outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade37.

A possibilidade de qualquer pessoa provocar a instauração de inquérito civil o

transforma em um verdadeiro instrumento de cidadania. Geisa Rodrigues (2006) esclarece

que:

A instauração do inquérito pode ocorrer a partir de representação de qualquer pessoa, de associação, de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, ou de ofício. A participação da sociedade tem sido relevante na provocação dos inquéritos civis, sendo considerada uma verdadeira forma de participação política mais ampla, mesmo porque não é necessário o status de eleitor para que se possa deflagrar a investigação (RODRIGUES, G., 2006, p. 87).

Moreira Neto (1992), nesta mesma direção, sustenta que a provocação do inquérito

civil é um instituto de participação administrativa aberto às pessoas físicas e jurídicas, visando

à legalidade e à legitimidade da ação administrativa, formalmente estabelecido, com o objeto

de submeter à apreciação do Ministério Público provas ou indícios de violações de interesses

difusos. 36 “Não importa o nome que se dê à investigação, se dossiê, peças de informação - PA, representação,

procedimento administrativo ou inquérito civil, existem sempre os mesmos poderes, as mesmas limitações e a mesma necessidade de controle por parte de órgãos superiores da Instituição” (RODRIGUES, G., 2006, p. 86-87).

37 Artigo 2º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 2º da Resolução CSMPF nº 87/2006.

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A instauração de inquérito civil ou procedimento administrativo preparatório,

relacionado com questões ambientais, em decorrência de representação ou requerimento do

cidadão, além de representar uma forma de participação política, indica a existência de algum

grau de conflito ambiental (SOARES, J. L., 2006; TOTTI et. al., 2007).

O inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório podem ser instaurados,

por exemplo, para investigar as causas mediatas e imediatas de um conflito ambiental,

inclusive, com o acompanhamento e monitoramento do planejamento de políticas públicas

ambientais. Esse monitoramento prévio feito pelo Ministério Público, muitas vezes, já induz

que as partes envolvidas adotem condutas consentâneas com as normas ambientais.

Como registra Frischeisen (2000), a própria instauração de inquérito civil ou de

procedimento administrativo correlato, muitas vezes, mostra-se suficiente para o

enfrentamento do conflito, sem que haja a necessidade do ajuizamento de ação civil pública.

Por outro lado, no Inquérito Civil Público ou procedimentos correlatos podem ser elaboradas atas compromissárias entre várias pares envolvidas, que não necessariamente poderão ser acionadas em uma ação civil pública, ou que nesse procedimento gerariam inúmeras contestações, sem que uma sentença conseguisse impor obrigações principais e secundárias de vários entes públicos envolvidos em um a política pública. É ainda na esfera do Inquérito Civil Público que poderão ser negociadas mudanças em procedimentos da administração, que não são necessariamente ilegais, mas demonstram ser ineficazes para o alcance de seus objetivos. O Ministério Público funciona, então, como órgão mediador e indutor de mudanças (FRISCHEISEN, 2000, p. 134-135).

Compartilhando o mesmo entendimento, Gavronski (2010) esclarece que o inquérito

civil pode contribuir para a efetividade da tutela coletiva de duas formas, a primeira, inibindo,

só com a sua instauração, a prática, a reiteração ou a continuidade da conduta ilícita,quando

essa é tão flagrante que a sua explicitação pelo Ministério Público é o bastante para que os

responsáveis, cientes da atuação ministerial, adotem as medidas necessárias para cessar a

prática objeto da investigação; a segunda, permitindo a construção de um consenso com o

responsável pela lesão ou ameaça a direitos e interesses coletivos, direcionado à proteção

adequada dos mesmos.

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Assim, muitas vezes a própria instauração do inquérito civil aborta a possibilidade do

conflito transindividual, ensejando a participação da sociedade, organizada ou não, na esfera

pública. A par disso, o adequado manejo do inquérito civil evita a propositura de ações

temerárias, além de ser palco de alternativas à movimentação do Poder Judiciário, porquanto

importantes medidas extrajudiciais de composição do conflito coletivo podem ser adotadas

durante sua tramitação (RODRIGUES, G., 2006).

Ao final de seu trâmite, o inquérito civil e os procedimentos preparatórios podem ter

dois destinos, o ajuizamento de ação civil pública, quando inviabilizada por algum motivo a

composição do conflito, ou o seu arquivamento em razão de se ter alcançado a equalização do

conflito, quando o Ministério Público Federal constata qualquer ausência de violação aos

direitos e interesses em disputa, ou quando a defesa desses não sejam atribuição do Ministério

Público.

Sobre as hipóteses de arquivamento do inquérito civil e do procedimento

administrativo preparatório, Cazzeta (2005) explica que:

O arquivamento poderá decorre da perda do objeto da atuação (pela composição do dano ambiental, por exemplo), da formação de juízo de valor quanto à inexistência de ilicitude nos atos investigados ( o que implicaria a decisão de não propor a ação civil pública) ou da falta de atribuição do membro do Ministério Público que o instaurou (hipóteses de atribuição originária de outro órgão do Ministério Público ou da incompetência da instância perante a qual atue, por exemplo, o reconhecimento de competência estadual em inquérito civil público instaurado no âmbito do Ministério Público Federal) ou da inexistência de direito coletivo a ser tutelado (reconhecimento de que a hipótese constituiria direito individual disponível não caracterizado como socialmente relevante) (CAZZETA, 2005, p. 351).

O arquivamento do inquérito civil, então, somente deve ocorrer quando não se

vislumbrar a existência de elementos que indiquem a necessidade da adoção de alguma

medida judicial ou extrajudicial, quando não existam outras iniciativas a serem adotadas

(RODRIGUES, G., 2006). Em outras palavras, quando não mais se mostre necessário que o

Ministério Público adote qualquer medida para o enfrentamento do conflito, já estando esse

arrefecido, equalizado.

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3.3.2 A notificação

A possibilidade do Ministério Público expedir notificações nos procedimentos de sua

competência está prevista na Constituição Federal de 1988, na Lei Complementar nº 75/1993

e na Lei nº 8.625/199338.

As notificações são expedidas pelo Ministério Público com a finalidade de convocar

pessoas para prestar depoimentos ou esclarecimentos sobre determinada questão, assim como

para dar início ao processo de mediação com a presença dos envolvidos em reuniões, cujo

conteúdo deve ficar registrado em atas ou termos.

Em caso de não comparecimento injustificado, o Ministério Público pode requisitar o

auxílio de força policial para a condução coercitiva, “o que, sem dúvida, constitui um

instrumento poderosíssimo nas mãos do órgão ministerial para desenvolver a atividade

investigatória que lhe está afeta” (ALMEIDA, 2003, p. 365).

A possibilidade de condução coercitiva é um instrumento de grande importância para o

bom desempenho das funções institucionais do Ministério Público à medida que confere

coercitividade às suas convocações. Todavia, deve ser utilizada com cautela e parcimônia nos

processos de mediação, a fim de se evitar a criação de obstáculos intransponíveis à

equalização negociada do conflito.

3.3.3 A requisição

Com a finalidade de instruir os seus procedimentos, o Ministério Público está

autorizado a requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades públicas;

requisitar informações e documentos a entidades privadas; requisitar serviços temporários dos

servidores da Administração Pública e os meios materiais necessários para a realização de

atividades específicas39.

38 Artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal; artigo 8º, incisos I e VII, da Lei Complementar nº 75/1993 e

artigo 26, inciso I, alínea “a”, da Lei nº 8.625/1993. 39 Artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal; artigo 8º, incisos II, III e IV, da Lei Complementar nº

75/1993; artigo 26, incisos I e II, da Lei nº 8.625/1993 e artigo 8º da Lei nº 7.347/1985.

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Pode o Ministério Público, por exemplo, requisitar aos órgãos ambientais competentes

a realização de fiscalização ou vistoria em uma determinada área onde está ocorrendo o

conflito ambiental, bem como requisitar a realização de perícia e a elaboração de laudos e

notas técnicas, podendo, ainda, requisitar, temporariamente, os serviços dos servidores deste

mesmo órgão ambiental, que passarão a receber orientações diretamente do próprio membro

do Ministério Público.

A requisição encaminhada pelo Ministério Público é uma ordem encaminhada

diretamente a quem pode cumpri-la, sendo que a falta injustificada ou o retardamento

indevido do seu cumprimento implicam na responsabilização de quem lhe der causa, inclusive

na esfera criminal40.

Em termos semelhantes, Mazzili (1999) expressa que as requisições não são pedidos,

requerimentos, mas uma ordem legal para que se entregue, apresente ou forneça algo, motivo

pelo qual o seu desatendimento doloso pode configurar uma infração penal. A criminalização

da recusa, retardamento ou omissão de dados técnicos ao Ministério Público se constitui em

um importante incremento à efetividade do seu poder requisitório (GAVRONSKI, 2010).

3.3.4 A recomendação

A recomendação é um instrumento previsto na Lei Complementar nº 75/1993 e na Lei

nº 8.625/199341. Cabe ao Ministério Público expedir recomendações, visando à melhoria dos

serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e

bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências

cabíveis. As recomendações são correspondências oficiais expedidas pelo Ministério Público

com a finalidade de cientificar alguém [órgão público, empresa ou cidadão] da ocorrência ou

iminência de uma violação às regras jurídicas, orientando o destinatário a corrigir o seu

comportamento.

A recomendação é expedida quando o Ministério Público conclui ser necessário

40 Artigo 8º, §1º, da Lei Complementar nº 75/1993 e artigo 10 da Lei nº 7.347/1985.. 41 Artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar nº 75/1993 e artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº

8.625/1993.

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alertar, advertir sobre a inadequação, falha em um serviço público ou de relevância pública,

de forma que possa ser corrigida sem a necessidade de recurso à via judicial. Também pode

ser objeto de recomendação o desrespeito, ainda que potencial, a direito, interesses e bens cuja

proteção seja sua função institucional (ALMEIDA, 2001).

A recomendação não é uma ordem, uma requisição ou uma imposição de conduta. Tem a natureza jurídica de alerta, advertência, pedido de providência, indicação de um problema identificado (falhas nos serviços públicos ou desrespeito a direitos do cidadão, p. ex.), com sugestão dos meios para a respectiva correção. Já que não é ordem, não está a autoridade destinatária obrigada a cumpri-la, mas deverá decidir assumindo as responsabilidades legais, divulgando a recomendação e oferecendo resposta por escrito sobre aquilo que foi proposto. Desse modo, a autoridade explicitará as razões políticas ou jurídicas de sua decisão, o que fornecerá ao Parquet elementos para submeter a questão ao Poder Judiciário, se for o caso (ALMEIDA, 2001, p. 144).

Machado (2009) exemplifica que o Ministério Público pode expedir recomendação

para a elaboração de estudo de impacto ambiental ou para a sua reformulação, para a

realização ou adequação de horário, local ou forma de divulgação de audiência pública, para a

não emissão de licença ambiental. O Ministério Público também pode expedir recomendação

com o intuito de dar ciência aos potenciais infratores do direito ambiental sobre o modo

adequado a se portar diante da situação conflituosa, de modo a evitar a ocorrência do dano

ambiental.

A legislação brasileira não limita quem pode ser destinatário de recomendação,

expedidas pelo Ministério Público. Além dos entes públicos ou prestadores de serviços

relevância pública, particulares ser destinatários de recomendações ministeriais (GHERSEL,

2003; GAVRONSKI, 2010).

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[...] podendo a recomendação versar sobre qualquer direito ou interesse sob a tutela do Ministério Público, é intuitivo que as violações podem ser provocadas por particulares, havendo a possibilidade de que a eles seja dirigida a recomendação. […] Não há vedação a que se dirija recomendação, por exemplo, ao executor de obra ou atividade particular, a respeito de providências que devam ser adotadas para evitar lesões ambientais, ou a cessação da atividade de forma permanente ou até que seja obtida licença ambiental. (GHERSEL, 2003, p. 80-81).

Embora não seja uma ordem, é inegável a força moral e política ínsita às

recomendações (MAZZILI, 1999). As recomendações não possuem a mesma força coercitiva

das decisões judiciais, mas colocam o recomendado em posição de inegável ciência da

violação ao direito em curso (MACHADO, 2009). Para Geisa Rodrigues (2006), “a

recomendação não obriga o recomendado a cumprir os seus termos, mas serve como

advertência a respeito das sanções cabíveis pela sua inobservância”.

Esse é o efeito produzido quando, por exemplo, o Ministério Público expede

recomendação à autoridade competente para que conduza o licenciamento ambiental

respeitando os parâmetros legais aplicáveis ao caso concreto, em razão de fundada suspeita da

possibilidade de sua concessão irregular (GOMES, 2003).

3.3.5 A audiência pública

As audiências públicas são assembleias convocadas e presididas pelo Ministério

Público, com a participação de autoridades, representantes de entidades civis e interessados

em geral, com o objetivo de promover a discussão de temas de interesse da coletividade

(ALMEIDA, 2001).

A sua realização é o instrumento mais democrático que o Ministério Público dispõe,

uma vez que busca obter os elementos necessários à sua atuação institucional através do

diálogo direto com os interessados. Como bem salientado por Geisa Rodrigues (2006), se para

a solução de um litígio se deve sempre tentar ouvir o indivíduo diretamente interessado, a

mesma lógica deve ser utilizada na solução de conflitos coletivos, viabilizando-se que este

público tenha ciência e se manifeste sobre as medidas que lhe dizem respeito.

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No entendimento de Gravonski (2010), as audiências públicas representam:

[…] um importante instrumento de transição de uma democracia representativa para a participativa, na medida em que integram a população na solução dos interesses que lhe digam respeito direto, permitindo que o pluralismo que caracteriza a sociedade contemporânea seja levado em consideração na tomada das decisões de interesse coletivo e que a solução construída seja mais adequada à realidade e às necessidades do caso concreto (GAVRONSKI, 2010, p. 330).

A possibilidade do Ministério Público convocar e presidir audiências públicas está

prevista na Lei nº 8.625/199342 e está regulamentada na Resolução CSMPF nº 87/2006 da

seguinte forma:

Art. 22 - Os órgãos de execução do Ministério Público, no âmbito do inquérito civil, poderão realizar audiências públicas, com a finalidade de defender a obediência, pelos Poderes Públicos e pelos serviços de relevância pública e social, dos direitos e garantias constitucionais. § 1° - As audiências serão precedidas da expedição de edital de convocação, a que se dará publicidade, bem como de convites, nos quais constarão: I - a data e o local da reunião; II - o objetivo; III - a disciplina e a agenda da audiência. § 2° - Poderá ser disponibilizado material para consulta dos interessados na participação da audiência. § 3º - Da audiência será lavrada ata, a que se dará publicidade.

Almeida (2001) adverte que não se trata de assembleia popular para decidir o que o

Ministério Público deve fazer, mas um mecanismo para auxiliar na formação da convicção

ministerial. É um instrumento de participação da cidadania no processo decisório da melhor

forma de gestão dos interesses públicos e, assim, de grande valia para o regime democrático.

Quando se tratar de audiência pública relacionada à questão ambiental, o local de

realização não deve distanciar-se da área onde o conflito está estabelecido, de forma a

42 Artigo 27, IV, da Lei nº 8.625/1993.

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viabilizar a presença do maior número de interessados diretamente no tratamento do conflito

(GRAVRONSKI, 2010).

É um dos principais instrumentos para a construção de um entendimento mínimo entre

as partes em conflito que possa desembocar na sua equalização. Como nenhuma outra técnica,

presta-se “a mobilizar a integração de um grande número de interessados diretos na

construção de soluções que assegurem efetividade dos direitos e interesses coletivos em

sintonia com as necessidades da respectiva realidade” (GRAVRONSKI, 2010, p. 339).

3.3.6 O compromisso de ajustamento de conduta

O compromisso de ajustamento de conduta ou termo de ajustamento de conduta [TAC]

não estava previsto no texto original da Lei da Ação Civil Pública, sendo incorporado ao

ordenamento jurídico brasileiro a partir da edição do Código de Defesa do Consumidor43.

Através dele, os órgãos públicos legitimados a propor a ação civil pública podem

colher dos interessados o compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais,

estabelecendo uma série de cominações em caso de descumprimento, que podem ser

executadas diretamente perante o Poder Judiciário, pois o TAC se constitui em um título

executivo extrajudicial.

Para Gavronski (2010), o compromisso de ajustamento de conduta alia todas as

vantagens relacionadas à informalidade e ao consenso, com a eficácia de um título executivo,

ou seja, com possibilidade de execução judicial das obrigações pactuadas, tanto as principais,

quanto as sanções previstas no corpo do TAC para o caso de descumprimento.

43 O artigo 113 da Lei 8.078/1990 acrescentou o parágrafo sexto ao artigo 5º da Lei nº 7.347/1985, com a

seguinte redação: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante combinações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

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Embora não seja um instrumento privativo do Ministério Público, o compromisso de

ajustamento de conduta é uma das ferramentas mais importantes para a atuação da Instituição

na mediação de conflitos. Atualmente, compromissos de ajustamento de conduta são firmados

em larga escala pelo Ministério Público com o intuito de proteger os direitos e interesses cuja

defesa lhe fora confiada. Sua regulamentação no âmbito do Ministério Público está

disciplinada na Resolução CNMP nº 23/200744 e na Resolução CSMPF nº 87/200645.

Gavronski (2010) ressalta que a regulamentação do Conselho Nacional do Ministério

Público explicitou, de forma acertada, que a compensação ou a indenização somente podem

ser pactuadas quando inviável a recuperação dos bens e direitos lesados, harmonizando o

instrumento aos princípios que informa a tutela coletiva, centrada na tutela específica.

O Ministério Público pode, então, firmar compromisso para o ajustamento de conduta

às exigências legais ou normativas, visando à prevenção do ilícito ou a reparação do dano,

seja através recuperação ou restauração, seja através da compensação ou indenização. Dessa

forma, busca alcançar uma solução negociada para os problemas decorrentes de um conflito

transindividual, seja ambiental ou de qualquer outra espécie.

Ao revés da transação regulamentada pelo direito civil, onde se negocia o conteúdo do

direito [disponível], os interesses e direitos negociados em um compromisso de ajustamento

de conduta são indisponíveis, não havendo a possibilidade do Ministério Público – ou

qualquer outro ente legitimado – dispor desses direitos, porquanto são indisponíveis. O objeto

da negociação limita-se às condições para a adequação da conduta à ordem jurídica, a

exemplo do modo, lugar e do tempo necessários para o ajustamento. Neste mesmo sentido, os

trabalhos de José Rubens Morato Leite (2003), Hugo Nigro Mazzili (2003), Geisa Assis

Rodrigues (2006) e Alexandre Amaral Gavronski (2010).

Os limites do compromisso de ajustamento de conduta, ínsitos à natureza dos direitos

envolvidos na negociação, são assim delineados por Mazzili (2003):

44 O artigo 14 da Resolução CNMP nº 23/2007 dispõe que “ O Ministério Público poderá firmar compromisso

de ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados”.

45 O artigo 20 da Resolução CSMPF nº 87/2006 estabelece que “O órgão do Ministério Público poderá tomar, em qualquer fase da investigação ou no curso da ação judicial, compromisso do interessado quanto ao ajustamento de sua conduta às exigências legais, impondo-lhe o cumprimento das obrigações necessárias à reparação do dano ou prevenção do ilícito”.

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[…] não podem os órgãos públicos legitimados dispensar direitos ou obrigações, nem renunciar a direitos, mas devem limitar-se a tomar , do causador do dano, uma obrigação de fazer ou não fazer (ou seja, a obrigação de que este torne sua conduta adequada às exigências da lei). Podem tais compromissos conter obrigações pecuniárias, mas, dados os contornos que a lei lhes deu, não serão estas o objeto principal do compromisso, mas sim devem ter o caráter de sanção, para o caso de descumprimento da obrigação de comportamento assumida. (MAZZILI, 2003, p. 573).

Machado (2009) adverte que o Ministério Público não pode fazer concessões diante de

interesses sociais e individuais indisponíveis. Dispor ou renunciar às obrigações legais é

inadmissível ao Ministério Público, devendo o conteúdo do compromisso firmado com o

interessado restringir-se às condições de cumprimento das obrigações [modo, tempo, lugar,

etc.] e às penalidades para o caso de descumprimento.

Ainda, assim, é ampla a possibilidade de negociação em um compromisso de

ajustamento de conduta. O Ministério Público pode se valer deste instrumento para enfrentar

o conflito, tanto de forma preventiva ao dano, quando visualizado a existência de um risco

não permitido pela ordem jurídica, quanto de forma repressiva, com vista à reparação do

dano.

A relevância do compromisso de ajustamento de conduta para o tratamento de

conflitos ambientais é reconhecida por Samira Soares (2008), ao destacar que o histórico de

sua utilização tem demonstrado a eficácia da negociação e dos acordos para a proteção efetiva

do meio ambiente. Através dele o Ministério Público tem alcançado seu objetivo de tutelar o

meio ambiente sem precisar recorrer ao Poder judiciário, o que economiza tempo, recursos

públicos, desgaste emocional e evita a degradação intermitente.

Tratando-se de compromisso de ajustamento de conduta que tenha por objeto conflitos

ambientais, o Ministério Público deve conferir ênfase à prevenção do dano e à minimização

do risco a limites toleráveis pelo direito ambiental. Quando não seja possível faticamente uma

negociação voltada para a prevenção e para a precaução, deve se buscar a restauração dos

processos ecológicos degradados, e, por fim, sendo esta inviável, as atenções devem ser

direcionadas para a compensação ambiental.

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Ao fim deste capítulo, concluiu-se a exposição da evolução do perfil institucional do

Ministério Público, o detalhamento da mediação como técnica de enfrentamento de conflitos

ambientais e a descrição dos instrumentos jurídicos utilizados pelo Ministério Público no

enfrentamento destas disputas. No capítulo que se segue será apresentado o referencial teórico

acerca do direito à água, abordar-se-á a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos e será exposta a literatura científica a respeito dos conflitos ambientais

recorrentes no baixo São Francisco.

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CAPÍTULO 4

O DIREITO À ÁGUA, O SISTEMA NACIONAL DE

GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS E OS

CONFLITOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO

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4. O DIREITO À ÁGUA, O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE

RECURSOS HÍDRICOS E OS CONFLITOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO

Neste capítulo que se inicia, apresenta-se referencial teórico que trata sobre o direito à

água, uma das múltiplas dimensões do direito do meio ambiente, construído historicamente

como um reflexo dos direitos à vida, à saúde e consequência direta do princípio da dignidade

da pessoa humana. Aborda-se, também, a institucionalização de um Sistema Nacional de

Gerenciamento de Recursos Hídricos, criado com a finalidade de arbitrar os conflitos

relacionados ao uso e à apropriação das águas no Brasil. Por fim, registra-se a literatura

científica que analisa o conteúdo, as causas e as consequências dos conflitos ambientais

existentes no baixo São Francisco.

4.1 O direito à água e suas múltiplas faces

O meio ambiente é uma rede complexa de interações e conexões entre os elementos

bióticos [o ser humano incluído] e abióticos que permite, abriga e rege a vida em todas as suas

formas. Sua compreensão pode abranger tanto o todo unitário, indivisível, incorpóreo e

imaterial, quanto os elementos que integram essa totalidade, o ar, a água, o solo, o ser

humano, etc.

Em sentido próximo, mas dentro de uma ótica antropocêntrica46, Leite et. al. (2004)

denominam de macrobem esse todo unitário, indivisível, incorpóreo e imaterial, e de

microbem cada um dos elementos da natureza que compõem o macrobem. O meio ambiente

seria entendido, então, como uma categoria difusa, de natureza pública e imaterial, não se

confundindo com os bens ambientais, que são partes integrantes do meio ambiente

(BENATTI, 2005).

46 Nas palavras do próprio autor, um antropocentrismo alargado (LEITE et. al., 2004).

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Sob qualquer uma dessas perspectivas, ecocentrismo ou antropocentrismo alargado47,

é certo que a proteção conferida ao meio ambiente no ordenamento jurídico brasileiro abrange

a sua dimensão macro, relacional, imaterial e a sua dimensão micro, elementar, corpórea. Ou

seja, o direito ambiental brasileiro protege as interações, conexões e os processos relacionais

per se, bem como tutela os seus elementos constitutivos, o ar, o homem, a água, o solo, a

fauna, a flora, etc.

Levando em conta a diversidade das dimensões macro e micro do meio ambiente, a

Constituição Federal de 1988 distingue o meio ambiente, bem jurídico de uso comum do

povo, um bem difuso de titularidade coletiva48 (POMPEU, 2011; LEITE et. al., 2004), da

água, um bem do domínio público de titularidade da União ou dos Estados49 (POMPEU,

2011, MACHADO, 2010), estabelecendo distintas formas de dominialidade, de titularidade

do bem jurídico protegido constitucionalmente.

A água é a substância constituinte fundamental da matéria viva e do meio ambiente

que a condiciona. Suas propriedades determinam a natureza terrestre (FACHIN & SILVA,

2011). Qualquer forma de vida depende de água para a sua existência, sobrevivência e

desenvolvimento. A água nutre as colheitas e florestas, mantém a biodiversidade e os ciclos

no planeta. Onde não há água não há vida (TUNDISI, 2005). A água é um elemento

indispensável a toda e qualquer forma de vida. Sem a água é impossível a vida (ANTUNES,

2001). Em suma, a presença de água define a existência ou não de vida em um ambiente.

A denominação Terra para o nosso planeta é claramente equívoca. Mais adequado seria se o seu nome fosse Água. Assim é porque da superfície global da Terra , mais de 2/3 pertencem aos oceanos. É, também, nos oceanos que se localizam mais de 94% de toda a água existente no planeta. A qualidade tanto da água doce como da água salina estão fortemente ameaçadas. O problema da escassez e da qualidade das águas, em determinadas regiões do mundo, é simplesmente alarmante (ANTUNES, 2001, p. 411).

47 Benjamin (2010) utiliza a expressão antropocentrismo mitigado. 48 O artigo 225 da Constituição Federal dispõe que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.

49 O artigo 20, inciso III, da Constituição Federal dispõe ser bem da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, enquanto o seu artigo 26, inciso I, estabelece ser bem dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União.

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Água e recursos hídricos são conceitos distintos, cada um representando uma das

possíveis percepções acerca do elemento natural, a primeira lhe conferindo valor intrínseco e

a segunda valor utilitário. O conceito de recurso é cultural e histórico. É o resultado do

reconhecimento da potencialidade econômica da natureza pela sociedade. O que hoje é um

recurso, ontem não era, e amanhã alguns não serão mais utilizados no processo produtivo em

virtude do progresso tecnológico (SACHS, 2009). Os elementos naturais somente se tornam

recursos quando um grupo social define-os como tal, atribuindo-lhes um uso específico, o

econômico (LITTLE, 2001). Os recursos naturais “são elementos da natureza a que o homem

atribui determinado valor ou confere determinada utilidade, objeto de apropriação humana”

(LEUZINGER, 2005, p. 246).

Então, é de todo conveniente distinguir de forma clara o significado das expressões

água e recurso hídrico. Água é o elemento natural, descomprometido com qualquer uso ou

utilização. Já o termo recurso hídrico representa a água como bem econômico, passível de

utilização no sistema produtivo (POMPEU, 2006; 2011).

Em sentido idêntico, Rebouças (2006), defende que o termo água refere-se, regra

geral, ao elemento natural, desvinculado de qualquer uso ou utilização, enquanto a expressão

recurso hídrico é a consideração da água como bem econômico, passível de utilização com tal

fim. Ressalta, ainda, que nem toda água da Terra é, necessariamente, recurso hídrico, na

medida em que seu uso ou utilização pode ser inviável economicamente. Fachin & Silva

(2011) também diferenciam ambas as expressões, sustentando que a água é o elemento

formador da paisagem natural, do qual o homem dos tempos remotos usufruía, em pequena

monta, apenas para subsistência. Recurso hídrico refere-se ao mesmo líquido destinado a usos

diversos, porém, em quantidade significativa.

A distinção conceitual entre água e recurso hídrico não é mero capricho acadêmico. É

importante ter em conta que, no Brasil, atribui-se à água enquanto elemento da natureza

essencial à vida um tratamento jurídico distinto daquele conferido à água enquanto bem

dotado de valor econômico (recurso hídrico), sendo certo que este regramento jurídico

diferenciado enseja grande repercussão nas relações socioeconômicas. Atenta a esta distinção,

a Constituição Federal de 1988 utiliza os dois conceitos de forma adequada, reservando ao

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termo recurso hídrico o seu sentido próprio, de bem econômico que pode ser objeto de

aproveitamento e exploração no sistema produtivo, reservando ao vocábulo água o significado

de elemento da natureza (BARRETO, 2011b).

Atualmente convivem no ordenamento jurídico brasileiro o Código de Águas, que

disciplina o elemento líquido mesmo quando não há aproveitamento econômico ou utilitário,

como são os casos de uso para as primeiras necessidades da vida, da obrigatoriedade dos

prédios inferiores receberem as águas que correm naturalmente dos superiores, das águas

pluviais, etc. (POMPEU, 2006), e a Lei nº 9.433/1997, que institui a Política Nacional de

Recursos Hídricos, que disciplina as formas de apropriação e exploração econômica da água

para os seus múltiplos usos.

A água, encarada como elemento da natureza, é “vida para as pessoas e para o planeta”

e a “água doce é, por si só, o elemento mais precioso da vida na Terra”, sendo essencial para a

satisfação das necessidades humanas básicas, para a saúde, a produção de alimentos, a energia

e a manutenção dos ecossistemas regionais e mundiais (CASTRO & SCARIOT, 2005). Como

bem expressado por Marchesan (2005), a água é o bem mais precioso do milênio,

constituindo um bem de valor essencial à vida, à produção, à preservação dos processos

biológicos, geológicos e químicos que garantem o equilíbrio dos ecossistemas, sem

mencionar o seu valor cultural enquanto associado à paisagem e cultos religiosos, bem como a

sua crescente utilização como elemento de atividades turísticas e recreativas.

Petrella (2002) recorda que o acesso à água não é uma questão de escolha, todos

precisam dela. O próprio fato de que a água não pode ser substituída por qualquer outro

elemento, faz dela um bem básico que não pode ser subordinado a um único princípio setorial

de regulamentação, legitimação e valorização, ela se enquadra nos princípios de

funcionamento da sociedade como um todo, sendo precisamente aquilo que se chama um bem

social, um bem comum, básico a qualquer comunidade humana.

A essencialidade da água para a existência de todas as formas de vida implica no

necessário reconhecimento de um direito fundamental à água. A afirmação de tal direito

ocorre dentro de um processo histórico marcado pela crise da escassez. A necessidade de se

assegurar o acesso à água de qualidade e em quantidade suficiente é o móvel da afirmação

histórica do direito água.

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Ayala (2010) retrata o desenvolvimento de uma “nova cultura da água”, um processo

histórico que implica em uma radical modificação na própria natureza jurídica da água,

importando no reconhecimento da existência de um direito fundamental à água. Direito que

somente pode ser concretizado mediante a cooperação solidária e intergeracional entre os

Estados e a sociedade e que tem como beneficiários as presentes e futuras gerações.

O direito fundamental à água é um direito de significado múltiplo, porque expressa

uma diversidade de valores, envolvendo aspectos ambientais, econômicos, proteção da vida,

da saúde, de condições básicas de dignidade, do acesso aos recursos naturais e até mesmo a

proteção ao patrimônio cultural (AYALA, 2010). Isso se deve ao fato de que a água é um

elemento da natureza essencial para a existência de todas as as formas de vida, possuindo

múltiplos valores. A percepção destes valores não é uma circunstância dada, mas decorrente

do processo histórico-cultural no qual está inserido a sociedade, podendo falar-se em valor

ecológico, social, cultural, econômico e espiritual. Atualmente, entretanto, transparece uma

sobreposição do valor econômico da água sobre os demais, sendo, inclusive, comum tanto no

meio técnico como no meio acadêmico a utilização equivocada do termo recurso hídrico

como sinônimo de água.

O direito à água se fundamenta sob duas perspectivas que se superpõem. Pela

primeira, ecocêntrica, o reconhecimento do direito água impõe-se em razão da

imprescindibilidade desse elemento natural para a viabilidade e a sanidade do ecossistema

como um todo, suas interações e conexões. Pela segunda, de caráter antropocêntrico, o direito

à água se afirma em razão da absoluta dependência que a existência da vida humana, sua

saúde e dignidade, tem com a presença de água em quantidade e qualidade suficientes.

Afirma-se, portanto que o direito ao acesso à água em quantidade e qualidade adequadas

possui fundamento axiológico tanto nos direitos fundamentais à vida, à saúde e no próprio

sobreprincípio da dignidade da pessoa humana, quanto no direito fundamental ao meio

ambiente (BARRETO, 2011b).

Neste mesmo sentido, Irigaray (2003) pontua que o direito à água é um direito

fundamental na medida em que decorre do direito à vida e do necessário respeito à dignidade

da pessoa humana. Isso porque não existe vida sem água e o acesso à água em quantidade e

qualidade suficientes para o atendimento das necessidades humanas é um dos requisitos

essenciais para uma vida digna. Decorre, também, do direito à saúde, porquanto a falta de

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saneamento básico é fator determinante para o aumento da mortalidade infantil, atingindo

sobretudo as crianças das camadas sociais mais pobres. A par disso, é reflexo do direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental reconhecido expressamente

no artigo 225 da Constituição Federal, uma vez que a água é um elemento vital indispensável

para a sanidade do equilíbrio ecológico do meio ambiente.

Viegas (2008) destaca a inserção do direito à água no direito ao meio ambiente

qualificado – direito de terceira geração, embora também seja um direito de primeira geração,

pois sem água potável em volume suficiente não se concebe direitos primordiais como a vida

e a liberdade, e seja um direito de segunda geração, sem a água de qualidade não há saúde,

assistência social, educação, trabalho. Cabe ressaltar, com Pessoa & Rocha (2009), que

atualmente a doutrina enfatiza que qualquer direito fundamental contém, ao mesmo tempo,

componentes de obrigações positivas e negativas para o Estado e que a diferenciação

tradicional entre os direitos da primeira e os da segunda geração seria meramente gradual,

mas não substancial, uma vez que muitos dos direitos fundamentais tradicionais seriam

reinterpretados como sociais, perdendo sentido, assim, as distinções rígidas.

Viegas (2008) também realça que a dignidade da vida humana está intrinsecamente

ligada à disponibilidade de água em quantidade e qualidade suficientes à satisfação das

necessidades básicas dos seres vivos, e o direito à vida está enquadrado no sistema jurídico

brasileiro como um direito fundamental. Afirma, ainda, que o fornecimento de água potável

em quantidade suficiente é uma necessidade para a garantia de que as pessoas gozem uma

vida compatível com a dignidade humana, um dos fundamentos da República Federativa do

Brasil expresso no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Conclui o seu pensamento,

apontando que, em razão do acesso à água ter estreita sintonia com direitos fundamentais

como a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana, assume inegável contorno também de

direito fundamental, que reside no direito de utilização de água em quantidade e qualidade

adequadas.

Para Irigaray (2003), o direito à água enquanto direito fundamental é inalienável e

irrenunciável, e o exercício da cidadania ensejará, ao longo do tempo, uma ampliação desse

direito, tornando-o incompatível com a gestão meramente econômica da água. Acrescenta,

ainda, não ser possível a concretização da democracia sem a implementação dos direitos

fundamentais. Aqui se destaca a ocorrência de uma evidente e crescente conflituosidade entre

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a percepção da água enquanto valor ecológico, social, cultural e espiritual – motivo pelo qual

juridicamente se reconhece um direito fundamental à água – e a sua percepção apenas como

um bem econômico.

Atentas à complexidade que envolve as questões relacionadas à água, Goldenstein &

Salvador (2005) revelam que os problemas relativos à gestão da água espelham algumas

questões mais amplas e complexas de cada sociedade, não tendo origem apenas nas definições

hidrológicas, ecológicas ou da engenharia. Espelham os conflitos de interesses, os jogos e a

dinâmica de forças políticas e econômicas, bem como a própria legitimidade dos governos e

das instituições diante das populações por elas governadas.

A preocupação com os conflitos relacionados ao acesso e o uso das águas se avulta ao

se tomar conhecimento dos dados trazidos no Relatório de Desenvolvimento Humano de

2006, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, onde se afirma que uma em

cada cinco pessoas residentes em países em desenvolvimento – cerca de 1,1 bilhão de pessoas

– não tem acesso a água potável. Estimativas sugerem que, em 25 anos, aproximadamente 5,5

bilhões de pessoas estarão vivendo em locais de moderada ou considerável falta d'água

(VIEGAS, 2008).

É preciso levar em conta a falsidade da aparente percepção da abundância da água

doce na Terra. Apesar do planeta Terra ser composto por 2/3 de água, somente 3% está

disponível como água doce, sendo que, desses 3%, cerca de 75% estão congelados nas calotas

polares e cerca de 10% estão reservados em aquíferos. Ou seja, apenas 15% dos 3% de água

doce do planeta estão disponíveis. Pior, o suprimento global de água tem-se reduzido com o

aumento da população e dos usos múltiplos e com a perda dos mecanismos de retenção de

água, tais como a remoção de áreas alagadas, desmatamento, perda de volume por

sedimentação de lagos e represas (TUNDISI, 2005).

O principal problema em relação à utilização da água é que o volume de água doce

disponível é fixo (TUNDISI, 2005), embora se perceba um contínuo crescimento da

população mundial e, consequentemente, do consumo de água. Ressalte-se, todavia, que a

questão não pode ser limitada apenas ao aumento da população, devendo ampliar sua visão

para compreender a forma e a intensidade com que as sociedades apropriam-se da água como

um recurso econômico ao longo do tempo com a finalidade de reproduzir um determinado

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modelo de desenvolvimento.

Os usos da água geram conflitos em razão de sua multiplicidade e finalidades diversas,

as quais demandam quantidades e qualidades diferentes (TUNDISI, 2005). A utilização da

água como um recurso para atender às demandas industriais, agrícolas, à expansão urbana e

ao crescimento da população e para sustentar o próprio desenvolvimento do modelo

econômico vigente está relacionada diretamente com a sua escassez, quantitativa e qualitativa.

O modelo de desenvolvimento vigente privilegia o crescimento econômico e,

consequentemente, a utilização da água como recurso destinado a alimentar o sistema

produtivo. Todavia, há limites físicos e jurídicos para a apropriação da água como recurso

econômico. Sabe-se que o volume de água doce disponível é fixo, embora haja uma crescente

demanda pela sua utilização, especialmente para o uso agrícola, que se apropria de

aproximadamente 70% desta disponibilidade (CLARKE & KING, 2005). De outro lado, os

limites jurídicos ao crescimento estão presentes no necessário respeito ao meio ambiente,

direito fundamental cuja responsabilidade pela defesa e preservação compete ao Poder

Público e à coletividade, conforme disposto no artigo 225 da Constituição Federal.

A compreensão da problemática relacionada à água e, consequentemente, à mediação

dos conflitos relacionados ao acesso das pessoas a este elemento natural, exige a superação do

paradigma econômico-científico vigente e a adoção de uma racionalidade complexa, que

perceba a questão ambiental como um problema eminentemente social, gerado por um

conjunto de processos econômicos, políticos, jurídicos, sociais e culturais, e que internalize a

necessidade de se analisar os conflitos sociais e as relações de poder que se plasmam e se

manifestam em torno de estratégias de apropriação social da natureza. A degradação

entrópica, a concentração de poder e a desigualdade social geradas pela racionalidade

econômica somente podem ser superadas através de uma nova racionalidade, capaz de

integrar os valores da diversidade cultural, os potenciais da natureza, a equidade e a

democracia como valores que sustentam a convivência social e como princípios de uma nova

racionalidade produtiva, em sintonia com os propósitos da sustentabilidade (LEFF, 2006).

Atualmente, o tratamento jurídico conferido à água no Brasil aproxima-se da

racionalidade ambiental proposta por Leff (2006). A Constituição Federal de 1988 adotou a

sustentabilidade como critério normativo orientador da ordem econômica do país e a equidade

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101

intergeracional como critério ético nas relações homem/natureza (AYALA, 2004). Para

Bodnar (2009):

Nos termos em que o meio ambiente foi positivado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o atendimento pleno deste dever fundamental incumbe principalmente ao Poder Público e deve ser materializado por intermédio de um conjunto de políticas públicas, previstas principalmente no artigo 225, § 1º. Dentre as principais políticas públicas ambientais merecem especial destaque: a educação ambiental; a prevenção a danos, inclusive futuros; a criação e gestão de espaços territoriais especialmente protegidos, dentre outras.

Os princípios constitucionais e os direitos fundamentais relacionados ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado possuem densidade normativa suficiente para a sua

concretização independentemente da superveniência de interposição legislativa. No artigo

225, § 1º, da Constituição Federal há uma extensa lista de tarefas que devem ser cumpridas

pelo Estado. Trata-se de norma de eficácia plena que estabelece um enorme catálogo de

políticas públicas que devem ser implementadas em prol da defesa e proteção do meio

ambiente. Assim, há um mínimo exigível do poder público em termos de implementação de

políticas públicas ambientais (BODNAR, 2009) e oponível a toda e qualquer ação antrópica

que possa ensejar o incremento do risco ou causar um dano ambiental.

A concretização do direito fundamental à água exige um enfoque interdisciplinar do

gestor de recursos hídricos (NACIF, et al., 2003) e também uma visão holística do mediador

de conflitos (SOARES, S., 2008), atenta à complexidade dos interesses envolvidos. É essa

visão ampla, aliada a uma racionalidade ambiental, que supere a racionalidade econômica

atualmente vigente, que devem servir como paradigmas para a concretização do direito

fundamental à água.

4.2 A institucionalização de um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos voltado para o arbitramento de conflitos

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Após cerca quatorze anos de gestação, que envolveram a realização de inúmeros

debates na comunidade científica, na sociedade civil e no Congresso Nacional, nasceu a

Política Nacional de Recursos Hídricos (MUÑOZ, 2000). A Lei nº 9.433/1997 surge com os

objetivos de assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em

padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilizar os recursos hídricos de forma

racional e integrada, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento

sustentável; buscar a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem

natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais50.

A partir de sua própria nomenclatura, percebe-se que a Política Nacional de Recursos

Hídricos tem em mira a regulação da água enquanto recurso econômico, o seu aproveitamento

e a exploração de seus usos múltiplos no sistema produtivo. Não é por outra razão que, logo

em seu artigo primeiro, a PNRH aponta que um de seus fundamentos é a percepção da água

como um recurso natural limitado, dotado de valor econômico. Todavia, não é um recurso

natural à livre disposição do mercado, pois é considerada um bem público, na esteira do

quanto firmado no texto da Constituição Federal de 1988.

A normatização dos usos econômicos da água pela Política Nacional de Recursos

Hídricos tem como finalidade precípua a regulação de condutas humanas, estabelecendo

balizamentos para o enfrentamento dos conflitos surgidos na apropriação e significação deste

elemento da natureza. É o temor que a diversidade de usos da água gerem embates que se

desdobrem em violência interna ou guerras que motiva o surgimento de políticas públicas,

regras de controle e planejamento (GRANZIERA, 2006).

Uma boa representação do móvel dos conflitos hídricos encontra-se nas palavras de

Ayala (2010), que sintetiza a irracionalidade na exploração do patrimônio comum a partir de

uma única referência semântica, o abuso. Segundo o autor, o abuso se refere a usos não

prioritários, ao desperdício, ao aproveitamento deficitário das capacidades hídricas de água

doce existentes, que é um comportamento ético e juridicamente reprovável, porque importa

em restrições não autorizadas à capacidade de decisão e na limitação das próprias condições

de vida das gerações futuras, subtraindo-lhes o direito de gerir e de decidir acerca de suas

próprias necessidades.

50 Artigo 2º da Lei nº 9.433/1997.

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Na visão de Lanna (1995), os conflitos hídricos decorrem de falhas nas instâncias de

negociação social, devendo ter um tratamento institucionalizado de forma a evitar que a

conflituosidade chegue aos Tribunais ou se converta em violência. Esta ótica é compartilhada

por Samira Soares (2008):

O discurso dominante sobre a governança da água considera que a melhor forma para resolver as disputas é evitando os Tribunais, devendo ser rápida, pacífica e não adversarial. A PNRH acolheu esse discurso dominante em vários outros aspectos, adotando a descentralização, a participação, envolvimento e negociação dos diversos usuários e a unidade de festão como a bacia hidrográfica. E, coerentemente, portanto, prevê a competência legal para resolver as disputas que por ventura ocorrerem, dentro do próprio SIGRH [sic], evitando os processos judiciais. A criação de um procedimento alternativo ao Judiciário e, de preferência não adversarial visa à manutenção dos vínculos sociais de confiança mútua e facilitar as ações coletivas, que no caso estão relacionadas à gestão de um dos recursos mais vitais para a humanidade. Essa opção por compreender os conflitos e tratá-los são condizentes com a sociedade atual, que convive com dilemas complexos e necessita de soluções jurídicas eficazes, que tenham repercussão social prática e rápida. O direito deixa de ser um mero instrumento formal para seu um agente de transformação social (SOARES, S., 2008, p. 142).

Para a implementação legal [enforcement] da Política Nacional de Recursos Hídricos,

a Lei nº 9.433/1997 criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos com os

objetivos de coordenar a gestão integrada das águas; arbitrar administrativamente os conflitos

relacionados com os recursos hídricos; implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos;

planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; e

promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos51. Destaque-se a Constituição Federal de

1988 já previa em seu artigo 21, inciso XIX, competir à União a instituição de um sistema

nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de

seu uso.

O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, além de ser uma

estrutura política para debates e deliberação entre os diversos usuários, visa ao arbitramento

administrativo dos conflitos relacionados com os recursos hídricos. Explicitar essa função é

uma novidade no Brasil, que tem por tradição deixar nas mãos do Poder Judiciário a missão 51 Artigo 32 da Lei nº 94.33/1997.

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de enfrentar os conflitos de toda espécie, inclusive os ambientais. Entretanto, apesar da

novidade, não se tem notícia do uso de qualquer procedimento para decidir conflitos dentro

dos Comitês de Bacia Hidrográfica, devendo, portanto ser feita uma leitura cautelosa da Lei

nº 9.433/1997 (SOARES, S., 2008).

Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos o Conselho

Nacional de Recursos Hídricos; a Agência Nacional de Águas; os Conselhos de Recursos

Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; os Comitês de Bacia Hidrográfica; os órgãos dos

poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se

relacionem com a gestão de recursos hídricos; as Agências de Água52.

A arbitragem administrativa dos conflitos relacionados ao uso da água, em primeira

instância, é de competência dos Comitês de Bacia Hidrográfica53, com a possibilidade de

recurso para o Conselho Nacional de Recursos Hídricos ou para os Conselhos Estaduais de

Recursos Hídricos54, os quais devem levar em conta a necessidade de uma atuação integrada

com a gestão do uso do solo e dos demais elementos naturais, uma vez que a gestão das águas

e a gestão ambientais são atividades inter-relacionadas (LANNA, 2000). O gerenciamento

desses conflitos deve adequar-se, ainda, às diversidades físicas, bióticas, demográficas,

econômicas, sociais e culturais desta região fisiográfica.

A Lei nº9.433/1997 previu como instrumentos para a implementação da Política

Nacional de Recursos Hídricos pelo SINGREH os planos de recursos hídricos; o

enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; a

outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; a cobrança pelo uso de recursos hídricos; a

compensação a municípios; e o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos55. É através

da utilização instrumental que os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento

de Recursos Hídricos devem enfrentar os conflitos de interesses relacionados aos múltiplos

usos econômicos da água.

Atualmente, o gerenciamento das águas é planejado por bacia hidrográfica, por Estado

e para o País56. A edição da Lei nº 9.433/1997 importou na descentralização da administração

52 Artigo 33 da Lei nº 9.433/1997. 53 Artigo 38, inciso II, da Lei nº 9.433/1997. 54 Artigo 35, inciso IV, da Lei nº 9.433/1997 c/c artigo 38, §1º, da mesma Lei. 55 Artigo 5º da Lei nº 9.433/1997. 56 Artigo 8º da Lei n º 9.433/1997.

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das águas, seguindo a tendência europeia de resolução dos problemas na bacia hidrográfica, já

que é nela que a maioria dos conflitos surgem (VIEGAS, 2008). A unidade básica de

planejamento e regulação dos usos múltiplos das águas é a bacia hidrográfica. Nos termos da

Lei 9.433/1997, a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política

Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos57. Tal definição segue o parâmetro firmado na Lei de Política Agrícola58, que já

apontava ser a bacia hidrográfica a unidade básica de planejamento do uso, da conservação e

da recuperação dos recursos naturais.

A bacia hidrográfica é área de drenagem de um curso de água ou de um lago

(LANNA, 1995). Para Tucci (1993), a bacia hidrográfica é uma área de captação natural da

água da precipitação que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída, seu

exutório. A bacia hidrográfica compõe-se de um conjunto de superfícies vertentes e de uma

rede de drenagem formada por cursos de água que confluem até resultar até resultar em um

leito único no seu exutório. A bacia hidrográfica é um sistema físico onde a entrada é o

volume de água precipitado e a saída é o volume de água escoado pelo exutório. O conceito

hidrológico, então, leva em conta as características sistêmicas da bacia hidrográfica,

considerada como elemento fundamental de análise do ciclo hidrológico, em que interagem as

águas pluviais, superficiais e subterrâneas (CALASANS et. al., 2003).

É no âmbito da bacia hidrográfica que os instrumentos da Política Nacional de

Recursos Hídricos serão aplicados, efetivando, com isso, a gestão integrada dos recursos

hídricos (CALASANS et. al., 2003). Assim, por força da sistemática adotada pela Lei nº

9.433/1997, a negociação dos conflitos hídricos se dá, inicialmente, por bacia hidrográfica, na

esfera de competência dos Comitês de Bacia Hidrográfica. Caso as partes envolvidas no

conflito hídrico não se satisfaçam com a resposta arbitrada pelos Comitês de Bacia

Hidrográfica, existe a possibilidade de se submeter essa decisão ao Conselho Nacional de

Recursos Hídricos ou aos Conselhos Estaduais, a depender da vinculação administrativa do

Comitê cuja decisão se recorre59. Machado (2009) ressalta que todos os usos das águas podem

ser questionados, assim como todos os usuários podem ser sujeitos ativos ou passivos perante

os Comitês de Bacia Hidrográfica, que irão arbitrar administrativamente os conflitos hídricos.

57 Artigo 1º, V, da Lei 9.433/1997. 58 Artigo 20 da Lei nº 8.171/1991. 59 O artigo 1º, §2º, da Resolução CNRH nº 5/2000 dispõe que “Os Comitês de Bacia Hidrográfica, cujo curso

de água principal seja de domínio da União, serão vinculados ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos”.

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Além da missão de enfrentar a conflituosidade relacionada aos usos da água, compete,

ainda, aos Comitês de Bacia Hidrográfica- promover o debate das questões relacionadas a

recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes;aprovar o Plano de

Recursos Hídricos da bacia; acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia

e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; propor ao Conselho

Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações,

captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de

outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; estabelecer

os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem

cobrados; estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de

interesse comum ou coletivo60.

A definição de usos prioritários, o planejamento, a concessão de outorga e

principalmente o arbitramento dos conflitos ambientais indicam que a atuação dos Comitês de

Bacia Hidrográfica tem uma face política. Suas decisões são fundamentadas em dados

técnicos, todavia, a opção do modelo de desenvolvimento econômico, as formas de

apropriação do recurso hídrico da bacia hidrográfica respectiva são deliberações políticas.

Viegas (2008) se posiciona no mesmo sentido:

As deliberações do Comitê têm caráter predominantemente político, mas devem estar lastreadas em dados técnicos, que possibilitem ampla pré-compreensão das consequências de dada escolha, cabendo à Agência de Bacia a função de prestar esse suporte. É por isso que não tem funções tipicamente deliberativas, sendo que seus atos, resultantes da atuação técnica de seus membros, como regra vão embasar decisões do Comitê de Bacia (VIEGAS, 2008, p. 99).

A mediação de conflitos relacionados ao direito fundamental à água deve levar em

conta as múltiplas dimensões deste direito, adotando como paradigmas o conteúdo axiológico

da dignidade da pessoa humana, do respeito ao direito à vida, da promoção da saúde, da

defesa e preservação do meio ambiente. Direitos fundamentais que encontram integração na

legislação infraconstitucional, a exemplo da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº

60 Artigo 38 da Lei nº 9.433/1997.

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9.433/1997), da Politica Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007), da Politica

Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), da Lei do Sistema Único de Saúde (Lei nº

8.080/1990), dentre outros diplomas legais (BARRETO, 2011b). Entende-se que a

sustentabilidade do uso da água depende de uma gestão integrada à gestão do uso do solo e

dos demais elementos da natureza. Da mesma forma, a gestão da água deve adequar-se às

diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais de cada bacia

hidrográfica.

Os conflitos resultantes das diversas formas de apropriação da água pelos atores

sociais deveriam encontrar uma solução racional dentro dos órgãos que integram o Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Muitas vezes, porém, isso não ocorre, seja

porque falta uma atuação mais pujante do SINGREH, seja porque boa parte dos conflitos são

provocados por ações governamentais diretas, ou por ações de particulares incentivadas pelo

Poder Público. A perenização dos conflitos ambientais importa em degradação ecológica e na

disseminação da injustiça ambiental, que nada mais é do que a imposição desproporcional dos

riscos ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e

informacionais (ACSERALD et al., 2009).

A existência de conflitos ambientais de grande relevo, que não encontram solução

racional no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, também é uma

realidade no baixo São Francisco, área de estudo da presente pesquisa.

4.3 Os conflitos ambientais do baixo curso do rio São Francisco

O rio São Francisco nasce na Serra da Canastra no Estado de Minas Gerais,

aproximadamente a 1.200m de altitude, sua extensão é de 2.863 km, enquanto a área de

drenagem da bacia corresponde a 636.920km² (8% do território nacional), abrangendo 503

municípios e sete Unidades da Federação, a saber: Bahia, Minas Gerais, Pernambuco,

Alagoas, Sergipe, Goiás e Distrito Federal (ANA et al, 2004a). É considerado pela

Constituição Federal (artigo 20, inciso II) um curso d'água pertencente ao domínio da União,

em razão de banhar mais de um Estado da Federação.

A bacia hidrográfica do rio São Francisco está dividida em quatro regiões

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fisiográficas, alto, médio, submédio e baixo São Francisco que, por sua vez, estão subdividas,

para fins de planejamento, em trinta e quatro sub-bacias (ANA et. al., 2004a). O alto São

Franciso possui uma área de 99.387km² e se estende por 1.003km entre a nascente, na Serra

da Canastra, até Pirapora, em Minas Gerais; o médio segue de Pirapora (MG) até a barragem

de Sobradinho, no Estado da Bahia, com área de 401.559km² e extensão de 1.152km; o

submédio cobre uma superfície de 115.987km², percorrendo um trecho de 568km, da

barragem de Sobradinho até o Município de Paulo Afonso, também na Bahia; o baixo curso

do rio São Francisco estende-se de Paulo Afonso até sua foz, no Oceano Atlântico, entre os

municípios de Piaçabuçu/AL e Brejo Grande/SE, perpassando por uma área de 19.987km², e

com extensão de 140km (ANA et. al., 2004b).

A vazão natural média anual do rio São Francisco é de 2.850m/s, sendo que, entre

1931 e 2001, esta vazão oscilou entre 1.461m³/s e 4.999m3/s. Ao longo do ano, a vazão média

mensal pode variar entre 1.077m³/s e 5.290m3/s e as descargas costumam ter seus menores

valores entre os meses de setembro e outubro. Em 95% do tempo, a vazão natural na foz do

São Francisco é maior ou igual a 854m³/s, sendo que as maiores descargas são observadas em

março (ANA et. al., 2004a).

Há uma grande diversidade de áreas irrigáveis, cobertura vegetal e fauna aquática na

bacia do rio São Francisco. No alto, médio e submédio São Francisco, predominam solos com

aptidão para a agricultura irrigada, o que não se reflete nas demais regiões fisiográficas. Em

relação à cobertura vegetal, a bacia do rio São Francisco contempla fragmentos de diversos

biomas, salientando-se a floresta atlântica em suas cabeceiras, o cerrado (alto e médio São

Francisco) e a caatinga (médio e submédio São Francisco). Com relação à fauna aquática,

observa-se que o rio São Francisco apresenta a maior biomassa e diversidade de peixes de

água doce da região Nordeste (ANA et al, 2004a). A vegetação do baixo São Francisco

abrange a caatinga em sua parte mais alta, mata atlântica e restinga em sua região costeira

(GOMES, 2005).

Na tabela 4.1, podem ser observadas as características físicas e hidroclimáticas das

quatro regiões fisiográficas da bacia hidrográfica do rio São Francisco.

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Regiões Fisiográficas

Características Alto Médio Submédio Baixo

Área (km²) 99.387 401.559 115.987 19.987

Altitudes (m) 1.600 a 600 1.400 a 500 800 a 200 480 a 0

Trecho Principal (km)

1.003 1.152 568 140

Declividade do rio principal (m/km)

0,70 a 0,20 0,10 0,10 a 3,10 0,10

Contribuição da vazão natural

média (%)

41,7 54,6 1,9 1,8

Vazão média anual máxima (m³/s)

Pirapora 1.303

Juazeiro 4.393

Pão de Açúcar 4.660

Foz 4.680

Vazão média anual mínima (m³/s)

Pirapora 637

Juazeiro 1.419

Pão de Açúcar 1.507

Foz 1.536

Sedimentos (106 t/ano) e área (km²)

Pirapora 8,3

Morpará 21,5

Juazeiro 12,9

Propriá 0,41

Clima predominante

Tropical úmido e temperado de

altitude

Tropical semiárido e subúmido e seco

Semiárido e árido Subúmido

Faixa de precipitação anual

(mm)

2.000 a 1.100 1.400 a 600 800 a 350 1.500 a 350

Precipitação média anual (mm)

1.372 1.052 693 957

Temperatura média (ºC)

23 24 27 25

Insolação média anual (h)

2.400 2.600 a 3.300 2.801 2.800

Evapotranspiração média anual (mm)

1.000 1.300 1.550 1.500

Tabela 4.1. Principais características físicas e hidroclimáticas da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Fonte: Adaptado de ANA et al (2004a).

O clima do baixo curso do rio São Francisco parte inicialmente de uma faixa semiárida

que gradualmente passa para subúmida a partir de Propriá até a foz. No trecho compreendido

entre Propriá e a foz, a temperatura média anual compensada é de 25º, apresentando como o

mês mais quente dezembro, com temperaturas que variam entre 26º a 27ºC, e o mês mais frio

junho, com temperatura em torno de 23ºC (ANA et. al., 2003).

A população total na bacia hidrográfica do rio São Francisco é de 13.297.955

habitantes, sendo 74,4% população urbana e 25,6% população rural. A densidade demográfica

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média na bacia hidrográfica é de 20,0 hab/km². Do total de 503 municípios, 456 têm sede na

bacia. Essa população não se encontra distribuída de forma uniforme nas suas quatro regiões

fisiográficas, ficando evidente o menor número de habitantes no baixo São Francisco: alto

São Francisco (48,8%) médio São Francisco (25,3%), submédio São Francisco (15,2%) e

baixo São Francisco (10,7%), segundo levantamento realizado por ANA et. al. (2004a).

Na área de abrangência da bacia hidrográfica do rio São Francisco destaca-se que a

população é predominantemente urbana: 50% da população vive em 14 municípios com

população urbana maior que 100.000 habitantes, a maior parte localizados no Estado de

Minas Gerais (Belo Horizonte, Contagem, Betim, Montes Claros, Ribeirão das Neves, Santa

Luzia, Sete Lagoas, Divinópolis, Ibirité e Sabará), dois municípios no Estado da Bahia

(Juazeiro e Barreiras), um município em Alagoas (Arapiraca) e outro em Pernambuco

(Petrolina). Percebe-se que a maior parte da população da bacia hidrográfica do rio São

Francisco encontra-se localizada no alto São Francisco e apenas uma pequena parte está

inserida na região fisiográfica do baixo São Francisco, onde nenhum município possui

população acima dos 100.000 habitantes. A tabela 4.2 aponta as suas principais características

socioeconômicas.

Regiões Fisiográficas

Características Alto Médio Submédio Baixo

População (hab) 6.489.402 3.364.383 2.021.289 1.422.881

Urbanização (%) 93 57 54 51

Municípios (*) 167 167 83 86

Densidade Demográfica

(hab/km²)

62,9 8,0 16,8 68,7

IDH 0,549 a 0,802 0,343 a 0,724 0,438 a 0,664 0,364 a 0,534

Principais atividades

econômicas

Indústria, mineração, pecuária e geração de energia

Agricultura, pecuária, indústria e

aquicultura

Agricultura, pecuária,

agroindústria, geração de energia e

mineração

Agricultura, pecuária, pesca e

aquicultura

Tabela 4.2. Principais características socioeconômicas da bacia hidrográfica do rio São Francisco61. Fonte: ANA et. al. (2004a).

61 O total soma 538 municípios em vez de 503, pois, alguns municípios estão computados em mais de uma

região fisiográfica.

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Em relação aos aspectos socioeconômicos da bacia hidrográfica do rio São Francisco,

fica evidente a existência de acentuados contrastes socioeconômicos, abrangendo áreas de

acentuada riqueza e alta densidade demográfica e áreas de pobreza crítica e população

bastante dispersa. Vale destacar que o maior IDH apresentado no baixo São Francisco é menor

que o IDH mais baixo do detectado no Alto São Francisco, possuindo, ainda, a maior

densidade demográfica dentre as demais regiões fisiográficas da bacia do rio São Francisco.

O saneamento ambiental no baixo São Francisco está abaixo da média brasileira, o

abastecimento de água atinge 54,10% da população, a rede de esgoto alcança 18,70% e o

tratamento dos efluentes apenas atinge o percentual de 1,10%, enquanto os percentuais

médios do Brasil são, respectivamente, 86,50%, 59% e 21,20% (ANA et. al., 2004b)Uma das

principais características da bacia do rio São Francisco é a presença de todos os tipos de usos

hídricos possíveis, destacando-se a geração de energia, navegação, irrigação, pesca, turismo e

lazer, diluição de efluentes, abastecimento doméstico e industrial, dentre outros (ANA et. al.,

2004b). A multiplicidade nas formas de utilização, exploração e no próprio acesso à água

representa um grande desafio para uma adequada gestão hídrica, e, principalmente, um grande

obstáculo para a mediação dos conflitos ambientais decorrentes das diversas formas de

apropriação da natureza – e da água.

Os conflitos ambientais atualmente existentes no baixo São Francisco são

consequências do modelo de desenvolvimento que tem comprometido a bacia hidrográfica

como um todo durante décadas, isso porque o modelo adotado tem provocado inúmeros

impactos ambientais negativos, não somente ao meio físico, como modificações climáticas,

inundações de jazidas minerais, inundações de áreas férteis, modificação nos usos do solo,

alterações na qualidade da água, eutrofização e erosão das margens, como também ao meio

antrópico e biótico, comprometendo a qualidade de todo o ecossistema. Os projetos de

desenvolvimento executados não contemplam a conservação da natureza nem possuem uma

preocupação com a qualidade de vida das populações da região. O que ocorre é o

aproveitamento econômico dos recursos do solo, da vegetação e da água para um

desenvolvimento econômico que não está aliado a uma melhor distribuição de renda para a

população que sofre com os impactos ambientais negativos ocorridos (GUIMARÃES, 2004).

Inúmeros relatórios técnicos, trabalhos acadêmicos e matérias jornalísticas delineiam

um preocupante quadro de degradação ambiental do ecossistema fluvial do baixo curso do rio

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São Francisco e suas áreas marginais inundáveis, bem como destacam as graves

consequências socioeconômicas e culturais advindas das ações antrópicas. Destaca-se como

ponto comum entre esses trabalhos a circunstância de atribuírem a responsabilidade maior por

esses impactos negativos às políticas públicas de desenvolvimento regional e em especial à

opção pelo modelo de desenvolvimento que prioriza o uso do rio como gerador de energia

elétrica e fornecedor de água para a irrigação, em detrimento dos demais usos de suas águas

(ANA et. al., 2003).

De forma geral, esses conflitos ambientais envolvem a a geração de energia (instalação

das barragens e operação de reservatórios), agricultura irrigada, o uso da água para o

abastecimento humano, a diluição de efluentes sem o devido tratamento e a manutenção dos

ecossistemas (ANA et. al., 2004a). Aponta-se, também, como alguns dos principais problemas

ambientais no baixo São Francisco os impactos decorrentes dos reservatórios a montante na

ictiofauna e perda de biodiversidade em razão da redução de nutrientes e do controle de cheias

que permitiam a ocorrência da piracema; erosão das margens e do leito do rio São Francisco e

a quebra do equilíbrio sedimentológico e de cheias na foz (ANA et. al., 2004b).

A construção de usinas hidrelétricas sempre aparece na literatura científica como um

fator de agravamento dos conflitos ambientais em uma bacia hidrográfica. Bermann (2007),

destaca dentre os principais problemas ambientais a alteração do regime hidrológico,

comprometendo as atividades a jusante do reservatório; o comprometimento da qualidade das

águas, em razão do caráter lêntico do reservatório, dificultando a decomposição dos rejeitos e

efluentes; assoreamento dos reservatórios, em virtude do descontrole no padrão de ocupação

territorial nas cabeceiras dos reservatórios, submetidos a processos de desmatamento e

retirada da mata ciliar; emissão de gases de efeito estufa, particularmente o metano,

decorrente da decomposição da cobertura vegetal submersa definitivamente nos reservatórios;

aumento do volume de água no reservatório formado, com consequente sobrepressão sobre o

solo e subsolo pelo peso da massa de água represada, em áreas com condições geológicas

desfavoráveis (por exemplo, terrenos cársticos), provocando sismos induzidos; problemas de

saúde pública, pela formação dos remansos nos reservatórios e a decorrente proliferação de

vetores transmissores de doenças endêmicas; dificuldades para assegurar o uso múltiplo das

águas, em razão do caráter histórico de priorização da geração elétrica em detrimento dos

outros possíveis usos como irrigação, lazer, piscicultura, entre outros.

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No caso do baixo São Francisco, Oliveira (2006) indica como os impactos ambientais

de maior gravidade a construção de barragens a montante do rio, prejudicando a piracema,

modificando as estruturas das comunidades aquáticas, reduzindo as cheias à jusante das

barragens, impedindo a inundação das várzeas e, consequentemente, o transporte de ovos e

pequenos peixes nesses ambientes; a retirada de grande volume de água para irrigação da

agricultura; o lançamento de esgotos domiciliares no rio; a drenagem de fertilizantes da

agroindústria; mudança no regime fluvial, a partir de barramentos construídos para melhorar a

exploração do potencial energético pela CHESF; assoreamento do rio, prejudicando a

navegação e causando perda de produção pesqueira; a proliferação de algas em pontos rasos

do rio o que dificulta a pesca com redes e tarrafas; o agravamento da erosão dos taludes

marginais em razão da construção da barragem de Xingó em 1994; a devastação de matas

ciliares, causando a perda de proteção das margens, facilitando os processos erosivos, perda

de produção agrícola e problemas de assoreamento.

Aponta, ainda, o grave problema da diminuição do quantitativo de água doce por

conta da modificação da vazão hídrica, poluição das fontes de abastecimento e alterações no

lençol freático; a perda do uso recreativo e de valores estéticos do rio São Francisco devido à

modificação da paisagem gerada pelo assoreamento e erosão das margens; mudanças de

oportunidade trabalho para as populações locais; redução da produção de pescado para

consumo e perdas de terras agricultáveis devido à erosão (OLIVEIRA, 2006).

O Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

para os anos de 2004 a 2013, elaborado dentro do Projeto de gerenciamento integrado das

atividades desenvolvidas em terra na Bacia do São Francisco, mapeou as principais áreas

onde ocorrem conflitos ambientais na bacia hidrográfica do rio São Francisco, classificando-

os quanto a sua relevância. De uma simples visualização da Figura 4.1, pode-se perceber que

toda a região fisiográfica do baixo São Francisco está inserida em uma área conflituosa de

grande relevância (ANA et. al., 2004a).

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Figura 4.1. Níveis de conflitos entre usos da água na bacia hidrográfica do rio São Francisco. Fonte:

(ANA et al, 2004a)

O conflito ambiental de maior destaque no baixo São Francisco é resultante dos

diversos barramentos construídos ao longo de toda a bacia hidrográfica para a geração de

hidreletricidade. Para Aguiar Netto et. al. (2010) a problemática ambiental do rio São

Francisco em seu baixo curso decorre dos sucessivos barramentos realizados pelo programa

energético dos governos federais de 1950-1960, que acarretaram problemas sociais para a

população ribeirinha sobretudo os relacionados à pesca e à erosão marginal. Afirmam,

taxativamente, que:

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A aquicultura se não está em extinção, vem alcançando índices mínimos, insustentáveis para a subsistência de uma população representativa e a erosão marginal, devido à diminuição da vazão, decorrente das barragens, vem causando prejuízos até mesmo nos perímetros irrigados, com perda de terras. Os afluentes do São Francisco, na margem direita, apresentam-se com inúmeros problemas […] (AGUIAR NETTO et. al., 2010, p. 64).

Na mesma direção, Rieper (2001) destaca que os anos setenta foram um marco na

relação entre sociedade e natureza no baixo São Francisco. Com o fechamento da barragem de

Sobradinho, em 1972, o fluxo do rio foi regularizado e, consequentemente, alteradas as

formas de convivência do ribeirinho com o São Francisco, a importância material, simbólica e

afetiva que os envolviam, mudando de vez a história íntima e coletiva dos moradores de sua

beirada. A tradição e a cultura daqueles que viviam há gerações em interações com o

ecossistema do rio São francisco foram tratadas como empecilho à eficiência e ao

desenvolvimento.

Um estudo sobre o processo erosivo das margens do baixo São Francisco elaborado

por ANA et. al. (2003) destaca os problemas ambientais mais citados em publicações como

decorrência direta da construção dos barramentos rio acima, a exemplo da diminuição da

intensidade e frequência das cheias; assoreamento do leito do rio; proliferação de focos de

erosão nas margens; diminuição do teor de nutrientes e partículas finas em suspensão no rio;

erosão acelerada na margem direita da foz; alterações na quantidade e qualidade do pescado;

mudança das relações socioeconômicas da população; inviabilização da agricultura tradicional

nas lagoas e várzea; extinção das lagoas. Esse mesmo estudo ressalta que a interação homem-

meio passou a se alterar na região fisiográfica do baixo São Francisco a partir do momento em

que o ciclo natural do rio passou a ser interrompido pelas grandes barragens, que afetaram

diretamente, por exemplo, a forma como os ribeirinhos ou barranqueiros desenvolviam a

atividade pesqueira tradicional, alterando os códigos de pescaria, os utensílios e o período de

pesca que abandonaram os costumes definidos pelas forças cosmológicas da natureza e

transportaram-se para os relatos do passado (ANA et. al., 2003).

De acordo com o Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio

São Francisco (ANA et. al., 2004a), os aproveitamentos da água para geração de energia,

desencadeados a partir da construção da barragem de Sobradinho, modificaram as condições

de escoamento no baixo São Francisco, onde a navegação comercial praticamente

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desapareceu. Além disso, a construção da barragem de Sobradinho também provocou

mudanças na atividade econômica no baixo São Francisco, a qual era função das oscilações

do nível do rio, entre o período de cheias e vazantes, e da coincidência com a estação

chuvosa, para exploração da rizicultura e para procriação dos peixes. Mesmo com a adoção de

medidas artificiais para tentar restabelecer as condições anteriores à construção do

reservatório, por meio de proteção das grandes várzeas com diques e bombeamento, ora para

levar água do rio para elas, ora para drená-las, a base econômica não foi restabelecida.

Posteriormente, com a construção da barragem de Xingó, pela falta de carreamento de

sedimentos, a situação da ictiofauna se agravou, e praticamente extinguiu a pesca como

atividade econômica sustentável.

Figura 4.2. Barragem de Xingó. Fonte: (Arquivo pessoal, 2010)

Segundo Luiz Carlos Fontes (2002), o encadeamento de problemas econômico-sociais,

advindos das grandes barragens construídas ao longo do rio São Francisco, assume

proporções significativas na região fisiográfica do baixo São Francisco, sendo esta,

provavelmente, a mais atingida pelas intervenções antrópicas rio acima, bem como é aquela

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que possui a maior vulnerabilidade hidroambiental de toda a bacia hidrográfica. Guimarães

(2004), na mesma linha de conclusão, também aponta as consequências socioambientais

desastrosas verificadas no baixo São Francisco em razão dos sucessivos barramentos

construídos desde 1950, como a crescente diminuição do pescado, prejudicando a subsistência

da população local, a erosão marginal devido à diminuição da vazão do rio prejuízos aos

perímetros irrigados com perda de terras.

A erosão das margens do baixo curso do rio São Francisco assume proporções mais

graves em dois trechos do lado direito, onde estão localizados os perímetros irrigados de

Continguiba-Pindoba e do Betume, implantados pela CODEVASF no final da década de 70.

Em tais trechos, o recuo das margens destruiu casas, obras de engenharia do perímetro

irrigado, estradas, além de ensejar a perda de áreas agrícolas e gerar grave prejuízo financeiro

para a citada empresa pública federal, que se viu obrigada a reconstruir, por diversas vezes, os

riques de proteção contra cheias e executar obras para protegê-los da erosão (ANA et. al.,

2003).

A manifestação mais drástica do processo erosivo ocorreu na região da foz do rio São

Francisco, na margem sul, onde o recuo da linha da costa levou à destruição do povoado do

Cabeço, localizado no Estado de Sergipe. Mais de 100 casas, escola, igreja, cemitério e uma

grande área de praia foram atingidas pelos efeitos da erosão, desaparecendo por completo,

restando apenas um farol, agora localizado cerca de 200 metros dentro do Oceano Atlântico

(ANA et. al., 2003; FONTES, L. C., 2011).

A percepção da comunidade ribeirinha do baixo São Francisco não destoa das

conclusões dos relatórios técnicos e trabalhos acadêmicos. De acordo com depoimentos de

moradores ribeirinhos do baixo São Francisco apresentados por Rieper (2001), praticava-se a

agricultura de subsistência com o cultivo de arroz em várzeas e em lagoas marginais, o regime

sazonal da vazão possibilitava a pesca e o plantio em áreas férteis deixadas pelas águas em

épocas de vazante. Atualmente, entretanto, o pescado está escasso devido à falta de

inundações sazonais das lagoas marginais que serviam de locais para desova de peixes.

Outros exemplos de conflitos recorrentes na bacia hidrográfica do rio São Francisco,

facilmente encontrados também na região fisiográfica do baixo São Francisco, decorrem do

lançamento de esgotos sem tratamento adequado, da destruição da vegetação em área de

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preservação permanente62, da utilização de agrotóxicos que são drenados para o rio, da

deposição inadequada de resíduos sólidos, da perfuração de poços artesianos e das captações

de água para a agricultura intensiva.

Danificar a vegetação marginal ao rio63 significa a retirar a sua proteção. Sem essa

vegetação as margens do rio ficam suscetíveis à erosão, o que implica na perda de solo

agricultável e problemas de assoreamento. Alguns problemas decorrentes do assoreamento do

rio são a proliferação de algas e a dificuldade criada para a navegabilidade no canal do rio que

diminui a locomoção e o acesso a serviços pela população ribeirinha. As algas macrófitas têm

facilidade de proliferação em pontos rasos do rio, onde a energia solar penetra com maior

intensidade, causado prejuízos para a pesca com rede e tarrafas (GUIMARÃES, 2004).

Todos esses conflitos ambientais relacionados com os múltiplos usos da água no baixo

São Francisco deveriam ser inicialmente arbitrados pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio

São Francisco [CBHSF] com possibilidade de nova apreciação pelo Conselho Nacional de

Recursos Hídricos. Entretanto, muitas vezes, a conflituosidade não encontra uma solução

racional dentro do SINGREH, o que acaba por carrear esses conflitos ambientais para o

Ministério Público. Como bem esclarece Agra Filho (2008), a decisão governamental

flagrantemente desprovida de seu papel mediador, quando o governo atua como parte

interessada na viabilização de um projeto, motiva a crescente atuação do Ministério Público.

Atualmente, um conflito ambiental que emerge com grande destaque é o denominado

Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste

Setentrional ou, simplesmente, o projeto de transposição do rio São Francisco. Novamente um

grandioso empreendimento do Governo Federal interfere na bacia hidrográfica do rio São

Francisco podendo causar danos irreparáveis ao meio ambiente. Neste caso concreto, o

CBHSF deliberou contrariamente ao uso externo das águas da bacia hidrográfica do rio São

Francisco64, cumprindo sua missão institucional de arbitramento de conflitos hídricos.

Todavia, essa decisão foi solenemente desrespeitada pelo Governo Federal e pela Agência

Nacional de Águas, que decidiram levar a termo o projeto de transposição, o que motivou o

62 Segundo o artigo 1º, §2º, inciso II, do Código Florestal, considera-se área de preservação permanente aquela

coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

63 A vegetação marginal ao longo dos rios ou qualquer curso d'água é protegida nos termos do artigo 2º, alínea a, do Código Florestal.

64 Deliberação CBHSF nº 18, de 27 de outubro de 2004.

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questionamento do projeto de transposição frente ao Poder Judiciário65.

A defesa do direito à água figura com um dos temas mais frequentes que exigem a

atuação do Ministério Público, quer pela urgência [na área ambiental, o tempo milita contra o

êxito da atuação institucional como em nenhuma outra matéria]; pela complexidade [a

transdisciplinaridade é característica desta forma de atuação]; pela abrangência [os interesses

difusos envolvidos nas demandas por água de qualidade transbordam em muito a esfera

ambiental] e pela transcendência [o que hoje se constrói em termos de prevenção e reparação

de recursos hídricos se projeta para o futuro de gerações não nascidas] (MARCHESAN,

2005). A presente pesquisa tem por objeto justamente a forma como o Ministério Público

Federal enfrenta os conflitos ambientais relacionados aos usos múltiplos da água, no

desincumbir de sua função institucional de proteger o meio ambiente e, por conseguinte, fazer

valer o direito à água no baixo São Francisco.

Concluiu-se neste capítulo a exposição do referencial teórico relacionado ao objeto da

presente pesquisa. Abordou-se o estado da arte acerca do direito fundamental à água, a

institucionalização do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos através da

Lei nº9.433/1997, e a literatura científica referente aos conflitos ambientais recorrentes no

baixo São Francisco. Na sequência, apresenta-se os resultados obtidos, expondo-se um quadro

sistemático que delineia as principais características dos conflitos hídricos do baixo São

Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe, especifica os

instrumentos jurídicos que compõem a estratégia desta atuação do MPF e esclarece se esses

conflitos são efetivamente mediados ou são levados ao crivo do Poder Judiciário.

65 ACO nº 876 que tramita conjuntamente com as ACOs 820, 857, 858, 870, 872, 873, 886, 953, 996, 1003,

1052, 1209 e com as RCLs nº 3883, 3945, 4062 e 4409, todas no Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski (PESSOA, 2011)

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CAPÍTULO 5

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE E A

DEFESA DO DIREITO À ÁGUA NO BAIXO SÃO FRANCISCO

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5. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE E A DEFESA DO DIREITO À

ÁGUA NO BAIXO SÃO FRANCISCO

Este capítulo dedica-se à exposição dos resultados obtidos com o desenvolvimento da

presente pesquisa. Delineia-se um quadro sistemático que indica as principais características

dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério

Público Federal em Sergipe; especifica os instrumentos jurídicos que compõem a estratégia de

atuação utilizada; e, por fim, esclarece se esses conflitos são efetivamente mediados ou são

levados ao crivo do Poder Judiciário.

O Ministério Público Federal desenvolve suas atividades em Sergipe desde o final do

século XIX, época da organização da Justiça Federal no Brasil. Atualmente, a Procuradoria da

República em Sergipe, localizada em Aracaju, é a única unidade do MPF neste Estado da

Federação, motivo pelo qual os Procuradores da República nela lotados desempenham suas

funções institucionais em todo o território sergipano. Assim, a defesa do meio ambiente e,

consequentemente, do direito à água em relação à região fisiográfica do baixo São Francisco é

de incumbência desta unidade do MPF.

A partir dos limites metodológicos fixados previamente, a pesquisa documental

realizada junto à Coordenadoria Jurídica da Procuradoria da República em Sergipe, a quem

cabe o registro de toda a atuação do MPF em Sergipe, conseguiu levantar 16 casos em que o

Ministério Público Federal atuou na mediação de conflitos hídricos no baixo São Francisco,

entre os anos de 2004 a 2010, que são expostos na tabela abaixo:

Nº dos autos Objeto

1.35.000.000256/2004-88 acompanhar o plano de recursos hídricos da bacia do rio São Francisco

1.35.000.001139/2006-01 apurar despejo de dejetos no rio que corta o Povoado Malhadas por usina de cana-de-açúcar no Município de Japoatã/SE.

1.35.000.000269/2007-08 apurar grande quantidade de sargaço trazido do rio São Francisco

1.35.000.000352/2007-79 apurar notícia de suposto dano ambiental em virtude de contaminação das

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águas do açude do DENOCS

1.35.000.000972/2007-16 apurar a responsabilidade da Chesf pelos danos causados pelo aumento da vazão da hidrelétrica de Xingó no período de cheias do rio São Francisco

1.35.000.001097/2007-81 apurar eventual agressão ambiental - drenagem de áreas de mangues para construção de viveiros de criação de camarão - na região de ponta dos

mangues, nas proximidades da foz do rio São Francisco

1.35.000.000222/2009-06 apurar a ocorrência de possível dano ambiental decorrente da eventual instalação de uma usina nuclear às margens do rio São Francisco, no

Estado de Sergipe

1.35.000.001228/2009-92 apurar ausência de acesso à água pela comunidade remanescente de quilombo Caraíbas, no Município de Canhoba.

1.35.000.001413/2009-87 apurar irregularidade em supressão e construção na área de preservação permanente localizada na ilha de Arambipe, no rio São Francisco.

1.35.000.001415/2009-76 apurar a situação de edificações localizadas nas margens do rio São Francisco, em local conhecido como "região dos bagres", entre o riacho

bagres e o riacho mutuca

1.35.000.001637/2009-99 apurar irregularidade em lançamento de esgoto do município de Propriá, incluindo o esgoto do hospital São Vicente de

Paulo, em área da CODEVASF, no riacho Jacaré, importante afluente do rio São Francisco.

1.35.000.001961/2009-15 apurar extração de argila (barro) para uso em cerâmicas na lagoa natural do assentamento Morro dos Chaves, no povoado Padre Cícero, em

Propriá, às margens do rio São Francisco

1.35.000.001962/2009-51 apurar dano ambiental perpetrado na lagoa do fogo em área de preservação permanente do rio São Francisco, no Município de Neópolis.

1.35.000.001964/2009-41 apurar possível uso irregular de ilhas existentes no rio São Francisco entre os municípios de Neópolis/SE e Penedo/AL para o cultivo de cana-de-

açúcar

1.35.000.000086/2010-80 apurar os impactos ambientais causados pela hidrelétrica de Xingó na região da bacia do São Francisco, situada no Município de Porto da

Folha/SE

1.35.000.000303/2010-31 apurar irregularidade em lançamento de esgoto não tratado nas águas do rio São Francisco pelo Município de Gararu

Tabela 5.1. Casos em que o MPF atuou na mediação de conflitos hídricos no baixo São Francisco entre os anos de 2004 a 2010.

A partir de uma análise do total de inquéritos civis e procedimentos administrativos

preparatórios levantados, percebe-se que há uma nítida concentração das instaurações no ano

de 2009. Nesse ano, destaca-se a ocorrência de oito casos, o equivalente a 50% de toda a

atuação do Ministério Público Federal na defesa do direito água no baixo São Francisco.

Ressalte-se que, embora se constate um crescimento do número de instaurações ao

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longo do tempo, não se trata de um processo evolutivo contínuo, mas dinâmico, com

evoluções e involuções. Essas intermitências são visualizadas facilmente na figura 5.1, onde

se verifica que os anos com crescimento do número de instaurações são permeados por anos

de retração da atuação do Ministério Público Federal na questão.

A princípio, pode-se atribuir o incremento do número de instaurações em 2009 a dois

motivos aparentes, que são as notas distintivas em relação aos outros seis anos que foram

incluídos na pesquisa realizada. O primeiro motivo a ser destacado foi a realização de

inspeção in loco em um trecho do baixo curso do rio São Francisco, pelo próprio Ministério

Público Federal. Essa inspeção resultou na instauração de dois procedimentos administrativos

preparatórios de ofício, para apurar danos a áreas de preservação permanente. Uma segunda

razão aparente foi a maior aproximação entre as associações locais com o Ministério Público

Federal, que resultou em outras quatro instaurações.

Tais circunstâncias indicam que há um forte incremento da atuação do Ministério

Público Federal na defesa do meio ambiente quando existe um contato mais próximo com o

local do dano ou do risco ambiental, seja através de inspeções e fiscalizações realizadas

diretamente pelo MPF, seja através de sua aproximação com as associações locais, que

passam a encaminhar com representações com maior frequência, noticiando a ocorrência de

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Figura 5.1: Número de instaurações entre os anos de 2004 a 2010.

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conflitos ambientais. Essa constatação é relevante, especialmente em razão de que a única

unidade do Ministério Público Federal em Sergipe está localizada em Aracaju, distante cerca

de 100km da região fisiográfica do baixo São Francisco.

A figura 5.2, por sua vez, destaca, de forma mais detalhada, a origem dos casos em

que o Ministério Público Federal em Sergipe atuou no enfrentamento de conflitos hídricos no

baixo São Francisco entre os anos de 2004 e 2010.

De plano, percebe-se que a atuação do Ministério Público Federal no enfrentamento de

conflitos relacionados ao direito à água é dependente em grande parte das representações que

lhe são encaminhadas pelo público externo, noticiando a existência de algum dano ou risco ao

meio ambiente.

Em 68,75% dos casos selecionados, a atuação do Ministério Público Federal em

Sergipe decorreu de provocação externa. Apenas em cinco casos, o MPF atuou de forma pró-

ativa. Dois deles se originaram a partir de observação direta do dano ambiental em inspeção

in loco realizado pelo próprio MPF e os outros três se originaram a partir de notícias

divulgadas na imprensa escrita do Estado de Sergipe.

Há um certo equilíbrio entre o número de representações encaminhadas ao Ministério

Público Federal por agentes externos, caso esses sejam categorizados apenas em entes

públicos, associações e cidadãos. Todavia, ao se detalhar quem são esses agentes externos,

representação de ente público federal

representação de ente público estadual

representação de ente público municipal

representação de associação

representação de cidadão

de ofício

0 1 2 3 4 5

Figura 5.2: Origem

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125

percebe-se uma maior presença das associações no encaminhamento de representações, quatro

no total, vindo logo em seguida o agrupamento representado pelos cidadãos, com três

representações. O Ministério Público do Estado de Sergipe, classificado para os fins desta

pesquisa como um ente público estadual, enviou dois casos ao MPF, a Controladoria Geral da

União remeteu uma questão e uma Câmara de Vereadores enviou uma representação.

Chama atenção a ausência de qualquer provocação do Ministério Público Federal por

parte dos entes públicos incumbidos do gerenciamento dos recursos hídricos no baixo São

Francisco, a exemplo do CBHSF, do CNRH e da ANA, bem como daqueles com competência

administrativa para o licenciamento e a fiscalização de atividades potencialmente poluidoras,

como o IBAMA, a ADEMA e o Pelotão de Polícia Ambiental. Esta constatação destoa dos

resultados obtidos por Débora Maciel (2002) e José Luiz Soares (2005), Chélen Lemos (2005)

e Totti et. al. (2007), cujos trabalhos apontam a relevância numérica de tais entes públicos no

encaminhamento de representações sobre a prática de danos ambientais ao Ministério Público.

A ausência de uma única provocação por parte dos entes públicos encarregados da

gestão de recursos hídricos, do processo de licenciamento ambiental e da fiscalização do meio

ambiente indica a necessidade do Ministério Público Federal em Sergipe desempenhar o seu

papel de articulador entre as diversas instituições públicas com um afinco ainda maior,

alinhando as suas estratégias de atuação com a desses entes administrativos, com o intuito de

superar este hiato de comunicação institucional existente. Como bem ressaltado por Lemos

(2005, p. 22), “o MP age como mediador não apenas entre as partes conflitantes

(denunciante/vítima x denunciado), mas também entre as instituições, chamando a anteção

para suas responsabilidades em cada caso”.

De outro lado, a constatação da preponderância de uma atuação mais reativa do

Ministério Público no enfrentamento de conflitos ambientais alinha-se aos resultados obtidos

por Débora Maciel (2002) e por José Luiz Soares (2005). “O conjunto das iniciativas dos

agentes externos, quando comparadas às do Ministério Público, indicam, portanto, a posição

reagente da instituição no campo dos conflitos sociais, conforme o gráfico que se segue”

(MACIEL, D. 2002, p. 85). Uma das circunstâncias que conduzem o Ministério Público a ser

reativo na maioria das vezes é que não possui dentre a suas funções institucionais a

participação direta em processos de licenciamento ambiental ou em fiscalizações rotineiras

das atividades que impactam o meio ambiente (SOARES, J. L., 2005).

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126

A percepção da necessidade de uma maior presença do MP junto à comunidade local e

na realização de fiscalizações preventivas para uma melhor atuação na defesa do direito à

água tem levado os Ministérios Públicos Estaduais a se organizarem, espacial e

funcionalmente, em torno de bacias hidrográficas, inclusive em relação àquelas cujo rio

principal é do domínio da União, em busca de uma maior eficiência no desempenho de suas

funções institucionais66.

Nesta linha, vale destacar a prática do Ministério Público do Estado de Sergipe, que

criou o Núcleo de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do rio São Francisco67 para

prestar apoio à atuação das Promotorias de Justiça das Comarcas inseridas na bacia

hidrográfica do rio São Francisco e, principalmente, a recente experiência do Ministério

Público do Estado da Bahia, que instituiu o Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco68,

com a competência expressa de estimular a efetiva participação da sociedade civil nas

discussões e ações voltadas à proteção da Bacia do São Francisco, promovendo as

articulações necessárias com movimentos sociais e outros fóruns que tenham essa finalidade;

promover, em conjunto com organizações governamentais e não governamentais, o Programa

de Fiscalização Preventiva Integrada - FPI, nas áreas da Bacia do São Francisco,

estabelecendo as parcerias necessárias;e participar, estimular ou promover ações preventivas e

de fiscalização voltadas ao monitoramento da Bacia do São Francisco, acompanhando a

execução das medidas decorrentes.

Em sua atuação no enfrentamento de conflitos ambientais relacionados com o direito à

água no baixo São Francisco, o Ministério Público Federal em Sergipe se deparou com

situações de risco e de danos ambientais que podem ser agrupados em quatro categorias

distintas69, conforme se vê na figura 5.3:

66 Neste sentido, Moreira (2006) propõe a reorganização espacial do Ministério Público do Estado do Paraná. 67 Resolução nº 002/2002 do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe. 68 Ato nº 517/2009 do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. 69 Ressalte-se que a tipologia apresentada tem finalidade eminentemente didática. Os conflitos ambientais

devem ser enfrentados dentro do paradigma da complexidade, onde está inserido o pensamento não linear ou não determinista. Segundo Redorta (2004), são características do conflito não poder ser rotulado ou definido, ele não é, mas deve ser entendido como uma tendência a, afastando-se da lógica binária e assumindo a existência de zonas cinzentas.

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127

A maior parte dos conflitos ambientais relacionados com o direito à água no baixo São

Francisco que chegam ao conhecimento do Ministério Público Federal em Sergipe se referem

a danos causados às áreas de preservação permanente, seis casos, o equivalente a 37,50% do

total de procedimentos preparatórios e inquéritos civis instaurados, e também à poluição

efetiva ou potencial das águas, que somam outros seis casos. Uma menor parte dos embates

dizem respeito à restrição aos usos múltiplos, três casos, e há apenas o registro de um único

caso referente à disputa pelo acesso à água potável.

A área de preservação permanente é aquela coberta ou não por vegetação nativa que

tem por função preservar as águas, proteger o solo da erosão e conservar a biodiversidade,

conforme definição expressa no Código Florestal. A vegetação localizada em APP constitui

um fator expressivo na proteção das águas, na medida em que regularizam as bacias

hidrográficas, seja na precipitação de chuvas, seja na prevenção do solo. Sua destruição é

preocupação de âmbito mundial, pois gera profundo impacto no equilíbrio dos ecossistemas

(GRANZIERA, 2006). A proteção jurídico-ambiental abrange tanto a vegetação nativa ou

não, quanto a própria área em si. Se não existir vegetação na área de preservação permanente

o proprietário deverá plantá-la, pois “nem por isso a área perderá sua normal vocação

florestal” (MACHADO, 2009, p. 741).

Os casos de dano à APP recorrentes no baixo São Francisco que foram analisados não

representam individualmente um conflito ambiental de relevo, digno de afetar gravemente o

direito fundamental à água em quantidade e qualidade suficientes. Todavia, a avaliação do

conjunto demonstra que vige na área de estudo um modelo predatório de desenvolvimento de

18,75%

37,50%

37,50%

6,25%

restrição aos usos múltiplos

poluição da água

dano à APP

acesso à água

Figura 5.3: Tipologia

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128

atividades econômicas e também de atividades de lazer, que em seu conjunto causa graves

danos à bacia hidrográfica rio São Francisco e a todos os seres que dela dependem para

existir.

Um aspecto desta espécie de conflito ambiental que merece destaque é a circunstância

de que em todos os casos de dano à área de preservação permanente selecionados [seis] o

agente degradador do meio ambiente é uma empresa ou um cidadão. Em três dos casos, a

vegetação foi suprimida para o desenvolvimento de atividades econômicas, dois relacionados

ao cultivo de cana-de-açúcar e um referente à extração de argila. Em dois casos, o dano foi

produzido pela construção de casas de veraneio e suas benfeitorias às margens do rio São

Francisco, e em um caso, houve supressão da vegetação de preservação permanente para a

aquicultura de subsistência.

A poluição potencial ou efetiva das águas do baixo São Francisco surgiu como o outro

conflito hídrico que apresentou um percentual expressivo de casos [37,50%]. Qualquer

alteração das propriedades químicas, físicas ou biológicas das águas que possa importar em

prejuízo à saúde, à segurança e ao bem estar de todas as formas de vida é entendida como

poluição. Essas alterações resultam do lançamento, descarga ou emissão de substâncias

líquidas, gasosas ou sólidas nas águas, depositando nelas matérias orgânicas, resíduos não-

biodegradáveis e substâncias tóxicas (MACHADO, 2009).

Dos casos de poluição das águas, quatro se relacionam com o desenvolvimento de

atividades econômicas e os outros dois com o lançamento de efluentes sem tratamento no rio

São Francisco por Municípios que não possuem o serviço de saneamento ambiental. Dos

conflitos hídricos originados de atividades econômicas propriamente ditas, um se refere à

poluição resultante da produção de energia elétrica, um segundo questionava os riscos de

possível instalação de usina de geração de energia nuclear. Os outros dois casos de poluição

hídrica tiveram origem no despejo de dejetos por empresas do ramo da agroindústria.

Os conflitos ambientais relativos à restrição dos usos múltiplos das águas no baixo São

Francisco, apesar de numericamente inferiores em relação àqueles já relatados, são de grande

relevo e causam vultosos impactos ambientais. Dois dos conflitos hídricos estudados se

referem diretamente aos danos ambientais causados pela construção de diversas barragens no

rio São Francisco com a finalidade de geração de energia elétrica. O terceiro caso encontrado

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é relativo ao conflito estabelecido em razão da execução do projeto de transposição do rio São

Francisco70, cujas águas serão transferidas para uso externo à bacia hidrográfica do rio São

Francisco, mesmo contando com deliberação contrária emitida pelo CBHSF.

É de se notar que todos os casos relacionados à restrição dos usos múltiplos da água

que foram analisados tiveram origem a partir de empreendimentos levados a termo pelo

próprio Governo Federal, justamente quem deveria velar pela observância das normas

ambientais em um curso d'água do seu domínio. A utilização da água como um recurso para o

desenvolvimento de atividades econômicas encontra limites bem definidos na ordem jurídico-

ambiental. O domínio das águas conferido à União e aos Estados pela Constituição Federal

não lhe faculta a possibilidade de usar e dispor deste elemento natural da forma que desejar,

há que se respeitar fielmente a dimensão ecológica e a dimensão social do direito fundamental

à água.

A execução de programas governamentais que utilizem a água como recurso produtivo

tem que necessariamente estar alinhada aos objetivos traçados na Política Nacional de

Recursos Hídricos, quais sejam: assegurar à atual e às futuras gerações a necessária

disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a

utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com

vistas ao desenvolvimento sustentável; e a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos

críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

Um último tipo de conflito ambiental, agora relacionado ao acesso à água, apareceu

uma única vez no período compreendido entre 2004 a 2010, especificamente no ano de 2009,

sendo caracterizado pelo pleito de uma associação quilombola em ter assegurado o acesso à

água potável em sua comunidade.

A Lei nº 11.445/2007 definiu as diretrizes nacionais para a prestação dos serviços

públicos de saneamento básico, incluindo dentre os seus princípios fundamentais a

universalização do acesso ao abastecimento à água potável. Tendo em vista a recente vigência

da Lei do Saneamento Básico e a circunstância de existirem diversas comunidades na região

fisiográfica do baixo São Francisco em situação idêntica àquela que teve seu direito tutelado

pelo MPF, é provável que este tipo de conflito venha a se tornar mais frequente, demandando 70 O denominado Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste

Setentrional empreendido pelo Governo Federal.

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uma maior atuação do Ministério Público Federal em Sergipe.

Percebe-se que os casos de maior impacto ambiental no baixo São Francisco resultam

da execução de políticas públicas pelo Governo Federal que priorizam o uso do rio São

Francisco para a geração de energia elétrica em detrimento dos demais usos. Essa observação

guarda relação de identidade com aquelas apresentadas em estudos desenvolvidos por ANA

et. al. (2003; 2004a), Guimarães (2004), Oliveira (2006) e Aguiar Netto et. al. (2010). Além

da construção de barragens a montante do rio, visualizou-se a poluição das águas por

lançamento de efluentes, a drenagem de resíduos e de fertilizantes da agroindústria e a

devastação da vegetação em áreas marginais de preservação permanente, danos ambientais

idênticos aos destacados por Oliveira (2006).

Ao mesmo tempo em que os dados já apresentados apontaram uma pequena

participação de entes públicos na provocação da atuação do Ministério Público Federal no

enfrentamento de conflitos hídricos, a figura 5.4 indica graficamente serem eles os que

figuram com maior frequência entre os agentes causadores do dano ou do risco ambiental.

O Poder Público como um todo é o maior responsável direto pela prática de danos ao

meio ambiente no baixo São Francisco71, figurando como agente causador do dano ou risco

71 Constatação idêntica àquela exposta no trabalho de Chélen Lemos (2005), tendo como objeto de estudo o

Mapa dos Conflitos Ambientais do Rio de Janeiro.

5

1

25

3

ente público federal

ente público estadual

ente público municipal

empresa privada

cidadão

Figura 5.4: Agente causador do dano ou risco

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131

ambiental na metade dos casos observados. Tais ações danosas ao meio hídrico decorrem de

atividades diretamente desenvolvidas por entes públicos, a exemplo da geração de energia

elétrica e de serviços públicos prestados de forma deficitária, como o saneamento básico e

abastecimento de água potável. Cabe destacar, que os entes públicos federais ocupam papel

destacado na degradação das águas, aparecendo como agente causador do dano em cinco

casos, três deles relacionados com a geração de energia elétrica. Os entes públicos municipais

vêm em seguida, sendo responsáveis por dois conflitos relativos ao despejo de esgoto sem

tratamento no rio São Francisco. A administração pública estadual apenas apareceu em um

único caso, referente ao acesso à água potável.

As atividades econômicas desenvolvidas por empresas privadas respondem por outros

cinco conflitos ambientais, relacionados com a poluição das águas e danos a áreas de

preservação permanente. O setor empresarial que mais se destaca na degradação ambiental do

baixo São Francisco é a agroindústria, que figura em quatro casos como agente do dano

ambiental. No outro caso observado, a empresa causadora do impacto ambiental desempenha

a atividade de indústria de cerâmica.

Três conflitos ambientais tem como agente causador o cidadão, todos eles

relacionados com a destruição de área de preservação permanente, dois deles em razão da

construção de casas de veraneio e suas benfeitorias e outro decorrente de desmatamento para

a aquicultura de subsistência.

Como se pode constatar em 81,25% dos conflitos ambientais estudados, o impacto

ambiental é causado por atividades ou serviços desenvolvidos diretamente pelo próprio Poder

Público ou por atividades econômicas incentivadas, subsidiadas e financiadas por entes

públicos, como é o caso da agroindústria e da indústria de cerâmica no baixo São Francisco.

Há uma clara opção governamental por um modelo de desenvolvimento econômico que

utiliza a natureza de forma predatória, o que motiva uma maior atuação do Ministério Público.

A estratégia de atuação adotada pelo Ministério Público Federal em Sergipe no

enfrentamento de conflitos ambientais no baixo São Francisco segue um padrão evidente em

sua fase inicial de levantamento de informações. Esta constatação pode ser claramente

observada na figura 5.5, que expõe graficamente os instrumentos jurídicos utilizados pelo

MPF nos casos objeto de estudo da presente pesquisa:

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132

Toda investigação é iniciada com a instauração de procedimento administrativo

preparatório72 ou de inquérito civil, sendo o mais comum que a atuação do Ministério Público

Federal se inicie através de um procedimento preparatório que posteriormente é transformado

em inquérito civil, situação detectada em nove dos casos estudados. Somente em um único

caso houve a instauração prima facie de inquérito civil, nas outras quinze oportunidades

foram instaurados procedimentos preparatórios.

A análise dos procedimentos administrativos preparatórios e os inquéritos civis

selecionados indicou que foram instaurados, majoritariamente, com a finalidade repressiva, ou

seja, com o escopo de fazer cessar e reparar a ocorrência de um dano. A atuação repressiva do

Ministério Público Federal em Sergipe ocorreu em catorze dos dezesseis conflitos ambientais

relacionados ao direito à água analisados.

72 Na presente pesquisa adotou-se a nomenclatura procedimento administrativo preparatório, a mesma utilizada

pela Resolução CNMP 23/2007 e pela Resolução CSMPF nº 87/2006, para agrupar todos os autos administrativos distintos do inquérito civil. Assim, foram agrupados nesta categoria autos intitulados procedimento administrativo, peças de informação, representação da tutela coletiva e auto administrativo.

inquérito civil

procedimento preparatório

requisição

notificação

audiência pública

recomendação

termo de ajustamento de conduta

10

15

13

7

1

0

0

Figura 5.5: Instrumentos jurídicos utilizados

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Apenas em duas situações, detectou-se a atuação preventiva do Ministério Público

Federal em Sergipe, direcionada à cessação de um possível risco ambiental. O primeiro caso

de atuação preventiva é resultado da instauração de um procedimento administrativo

preparatório, de ofício, para acompanhar a elaboração do Plano de Recursos Hídricos da bacia

hidrográfica do rio São Francisco que, posteriormente, teve seu objeto de investigação

modificado para abarcar a análise do projeto de transposição hídrica levado a termo pelo

Governo Federal. Este procedimento preparatório foi arquivado ao final de seis anos, tendo

em vista a judicialização da questão perante o Supremo Tribunal Federal. O segundo caso

decorreu de representação sobre a possível instalação de uma usina nuclear no baixo São

Francisco que foi arquivada em menos de um mês sob o fundamento de não existirem fatos

concretos acerca da definição da implantação da referida usina no Estado de Sergipe.

Após a instauração do procedimento administrativo preparatório ou do inquérito civil,

via de regra, o Ministério Público Federal requisita informações, documentos e a realização de

fiscalizações aos órgãos públicos com competência para a gestão administrativa do microbem

ambiental envolvido no conflito, situação que ocorreu em treze dos casos estudados73.

Essas requisições de informações, documentos e de realização de fiscalizações, em sua

grande maioria, onze dos dezesseis casos estudados, foram dirigidas ao IBAMA e à ADEMA.

Em apenas um único caso, relativo ao acesso à água, as autarquias ambientais não foram

acionadas. Expediu-se requisição em face da Superintendência do Patrimônio da União em

duas situações relativas a danos à área de preservação permanente.

O Ministério Público Federal em Sergipe também expediu requisições, uma única vez,

à Agência Nacional de Águas, à Superintendência de Recursos Hídricos do Estado de Sergipe,

à Fundação Nacional de Saúde, ao Departamento Nacional de Produção Mineral, ao

Departamento Nacional de Obras contra as Secas e ao Pelotão de Polícia Ambiental do Estado

de Sergipe.

Somente foi observada a não expedição de requisição pelo Ministério Público Federal

em Sergipe em três procedimentos administrativos preparatórios. Nesses casos, não houve a

utilização de qualquer um dos instrumentos jurídicos categorizados acima. Dois deles

73 A utilização, como regra, da expedição de requisições com o objetivo de colher informações sobre os

conflitos ambientais que chegam ao conhecimento do Ministério Público é detectada nos trabalhos de José Luiz Soares (2005), Lemos (2005), Carneiro (2005) e Totti et. al. (2007).

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resultaram no ajuizamento de ações civis públicas perante a Justiça Federal, a primeira

movida pelo Ministério Público Federal em Sergipe, e a segunda por um terceiro legitimado.

O outro caso foi arquivado liminarmente por não se vislumbrar a presença de elementos

concretos que pudessem resultar em um dano ou risco ambiental.

É perceptível que o Ministério Público Federal em Sergipe, por não possuir, em seu

quadro próprio de servidores, técnicos aptos à realização de vistorias e fiscalizações, mantém

uma relação de extrema dependência com o corpo técnico do IBAMA e da ADEMA, que é

prejudicial ao tratamento dos conflitos ambientais. Isso porque a adoção de medidas concretas

para fazer cessar o risco e reparar o dano ambiental em questão fica dependente da agilidade

do envio das informações, documentos e dos relatórios das fiscalizações requisitados a essas

duas autarquias ambientais.

Machado (2009) já alertava que, apesar do Ministério Público Federal ter constituído

um corpo de especialistas, para auxiliar em todo território nacional na formação das provas,

esta atitude ainda se mostra insuficiente para fazer frente ao número de solicitações. “Para o

sucesso do inquérito civil ambiental é preciso que os Ministérios Públicos tenham recursos

financeiros para contratar especialistas” (MACHADO, 2009, p. 377).

A análise dos casos selecionados confirma ser frequente o atraso do IBAMA e da

ADEMA no encaminhamento das respostas requisitadas pelo Ministério Público Federal,

sendo necessário que lhes sejam enviados, diversas vezes, ofícios reiterando a requisição já

formulada e alertando que constitui crime o retardamento ou a omissão de dados técnicos

indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público74.

A morosidade dos órgãos ambientais no atendimento das requisições do Ministério

Público não é uma questão particular aos casos estudados na presente pesquisa, mas é uma

constatação frequente na maioria dos trabalhos que se debruçam sobre a atuação do MP na

defesa do meio ambiente. Após analisar a trajetória institucional das denúncias de conflitos

ambientais, Lemos (2005) constatou que75:

74 Artigo 10 da Lei nº 7.347/1985. 75 A constatação da morosidade dos órgãos ambientais no atendimento das requisições do Ministério Público

também é relatada nos trabalhos de José Luiz Soares (2005), Caneiro (2005) e Totti et. al.(2007).

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É importante destacar que a relação entre as instituições nos processos jurídico-ambientais (e também administrativos) nem sempre é harmoniosa. Há conflitos interinstitucionais que por vezes se sobrepujam aos conflitos ambientais originais. Os principais conflitos ocorrem em função de problemas de comunicação entre os órgãos, especialmente entre o MP Estadual e a Feema. A demora na prestação de informações relevantes para um caso e/ou o não atendimento a uma solicitação de vistoria são as principais razões desses conflitos (LEMOS, 2005, p. 23).

Constata-se, então, que o Ministério Público atua tanto em face dos agentes da

degradação buscando a prevenção e a reparação do dano ambiental, quanto gasta suas

energias cobrando dos órgãos públicos encarregados pela fiscalização e regulação de

atividades potencialmente danosas ao meio ambiente que se desincumbam de suas funções de

forma satisfatória.

Outro instrumento utilizado pelo Ministério Público Federal em Sergipe é a

notificação. Este instrumento convocatório pode ter por destinatário qualquer pessoa, seja ela

uma das partes envolvidas no conflito ou um terceiro, cujo depoimento seja importante para a

formação do convencimento do MP sobre a questão controvertida.

Apesar da sua aparente falta de relevância frente a outros instrumentos jurídicos como

o termo de ajustamento de conduta, a recomendação e a audiência pública, é através da

notificação que o Ministério Público convoca as partes envolvidas no conflito ambiental para,

além de colher as informações e os esclarecimentos necessários, oportunizar que um acordo

seja construído de forma participativa76. É com ela que se inicia efetivamente o processo de

mediação com o contato direto do Ministério Público com os envolvidos, ficando registrado o

conteúdo destes encontros em atas ou termos de reunião.

Quando a notificação é dirigida às partes envolvidas no conflito ambiental tem por

objetivo, basicamente, duas finalidades, dar início ao processo de negociação, ou colher

elementos de prova para a instrução de ação civil pública a ser ajuizada, nada impedindo que

uma única notificação seja utilizada para alcançar os dois objetivos ao mesmo tempo.

Houve a expedição de notificação para as partes envolvidas no conflito hídrico em

76 Geisa Rorigues (2006) apresenta como conclusão de sua pesquisa de doutorado a importância do Ministério

Público solicitar a presença do responsável pela conduta investigada para tentar se obter a conciliação.

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37,50% dos casos objeto de estudo77, nos demais, não houve o contato direto do Ministério

Público Federal com os envolvidos na disputa. Há uma ocorrência maior das notificações

quando o agente causador do dano ou risco ambiental é um ente público, circunstância

verificada em quatro das seis oportunidades em que foi expedida a convocação.

Dos quatros casos em que o Ministério Público Federal em Sergipe não notificou o

ente público a se fazer presente para o início do processo de mediação, três foram encerrados

rapidamente, ou com o ajuizamento de ação civil pública logo em seguida à instauração do

procedimento preparatório, ou com o arquivamento liminar da representação encaminhada ao

MP. O outro caso que se encontrava em trâmite na data de 31/12/2010.

Como regra, a notificação expedida pelo Ministério Público Federal teve por

finalidade dar início ao processo de mediação através do contato direto com as partes

envolvidas no conflito ambiental. Essa situação foi detectada em cinco dos seis casos em que

a notificação foi expedida, sendo que em quatro deles o agente causador do dano era um ente

público. Em um dos casos em que o MPF manteve contato direto, a parte envolvida era um

cidadão. Na única situação em que o contato direto do MPF com a parte envolvida limitou-se

a colher o depoimento para instruir a ação civil pública posteriormente ajuizada, o agente

causador do dano era uma empresa privada.

Ressalte-se que em nenhum dos casos analisados houve a necessidade do Ministério

Público Federal em Sergipe requisitar a condução coercitiva do notificado pela força policial.

Todas as notificações expedidas foram atendidas com o comparecimento da parte envolvida

no conflito ambiental. Não há uma resistência ao atendimento da notificação expedida pelo

Ministério Público, ao contrário daquilo que ocorre em relação ao cumprimento das suas

requisições, sendo ampla a possibilidade de se aumentar o uso deste eficiente instrumento

convocatório.

Uma outra forma de se concretizar o contato direto com as partes envolvidas no

conflito ambiental, além das reuniões comumentemente realizadas com a presença do

Ministério Público e do agente causador do dano ou risco ambiental, é através da realização

de audiências públicas. Por meio delas, busca-se ampliar a discussão sobre o conflito

ambiental, convocando-se além das partes envolvidas, autoridades, representantes de 77 Em um dos casos a notificação foi expedida para um terceiro não envolvido no conflito ambiental em análise

com a finalidade de prestar esclarecimentos técnicos na sede do Ministério Público Federal em Sergipe.

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entidades civis e interessados em geral, para viabilizar a construção democrática do processo

de mediação.

Obviamente, a audiência pública não é um instrumento eficiente para a mediação de

todos os casos de conflitos ambientais, até mesmo porque a sua concretização demanda uma

publicização antecipada dos fatos a serem discutidos, deve ser realizada no local do dano ou

risco ambiental ou em suas proximidades, de forma a viabilizar a amplitude possível da

participação da comunidade. Todavia, deve ser realizada em quando se estiver presente um

conflito ambiental grande repercussão social, quando presente um dano ou risco ambiental de

destaque, e sempre que a discussão envolver os reflexos para o meio ambiente da implantação

de políticas públicas e programas governamentais, até mesmo para promover uma maior

accountability dos agentes públicos por eles responsáveis.

Em relação aos casos objeto de estudo da presente pesquisa, somente em uma situação

conflituosa foi realizada audiência pública. Tratava-se de conflito ambiental de relevo, com

grande repercussão social e decorrente da execução de políticas públicas, a saber os danos

decorrentes do controle da vazão do rio São Francisco pelos barramentos construídos pelo

programa federal de geração de energia elétrica. Na audiência pública convocada estiveram

presentes representantes da sociedade civil, do ente público causador do dano ambiental, da

Universidade Federal de Sergipe, do IBAMA, da ADEMA, do CBHSF, do Estado de Sergipe,

da União, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.

Percebe-se, claramente, que há um canal de diálogo melhor entre o Ministério Público

Federal em Sergipe e o Poder Público, sendo raras as oportunidades em que empresas

privadas e o cidadão são notificadas com a finalidade de comparecerem à Procuradoria da

República em Sergipe para se iniciar o processo de mediação, através do contato direto com o

agente causador do dano ou risco ambiental. A audiência pública realizada também estava

relacionada com um conflito ambiental cujo agente causador do dano era um ente público.

Há uma clara necessidade de se ampliar o contato direto do Ministério Público Federal

em Sergipe com as partes envolvidas no conflito hídrico, principalmente quando a situação

envolva empresas privadas ou cidadãos como agentes causadores do dano ou risco ambiental.

A eficiência do instrumento convocatório – a notificação – justifica o esforço no sentido de se

viabilizar o contado direto no processo de mediação dos conflitos ambientais.

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138

A falta de um contato direto com as partes envolvidas no conflito ambiental dificulta

sobremaneira o processo de mediação. Esta constatação é percebida claramente quando se

visualiza que em nenhum dos casos estudados houve a equalização do conflito hídrico, seja

com a regularização da conduta ilícita de forma espontânea pelo agente causador do dano ou

risco ambiental, seja através do acatamento de recomendação ou da celebração de

compromisso de ajustamento de conduta.

Constatou-se que a expedição de recomendações e a celebração de compromissos de

ajustamento de conduta são preteridas pelo Ministério Público Federal em Sergipe em favor

do ajuizamento de ações civis públicas, o que indica a preferência por uma estratégia que

prioriza mais a coercitividade no enfrentamento dos conflitos ambientais relacionados com o

direito à água.

Embora tenha havido o contato direto do Ministério Público Federal com as partes

envolvidas no conflito hídrico em seis dos casos analisados, não se chegou à assinatura de um

compromisso de ajustamento de conduta em qualquer deles. Em duas dessas situações, houve

o ajuizamento de ação civil pública, transferindo-se a equalização do conflito para o Poder

Judiciário. Os outros quatro casos ainda estavam em trâmite na data delimitada previamente

para a realização do corte metodológico, 31/12/2010, podendo, ainda, haver a construção de

acordos em cada uma das disputas.

A constatação da ausência de celebração de compromisso de ajustamento de conduta,

nos procedimentos preparatórios e inquéritos civis instaurados entre os anos de 2004 e 2010,

destoa do padrão encontrado nos trabalhos de Débora Maciel (2002), Débora Maciel &

Andrei Koerner (2002), Chélen Lemos (2005), Geisa Mio et. al. (2005), José Luiz Soares

(2005), Maria Eugênia Totti et. al. (2007), Luciano da Ros (2009), que detectaram em suas

pesquisas haver uma preferência do Ministério Público na utilização de TACs em detrimento

do ajuizamento de ações civis públicas.

A figura 5.6 detalha o resultado final dos conflitos ambientais relacionados com o

direito fundamental à água que foram objeto de enfrentamento pelo Ministério Público

Federal em Sergipe entre os anos de 2004 e 2010. O encerramento do trâmite de um

procedimento administrativo preparatório ou de um inquérito civil no âmbito no Ministério

Público Federal pode ocorrer em razão de três motivos: o arquivamento, com a equalização do

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conflito ou em face da inexistência de dano ou risco ambiental; o declínio de atribuição,

quando se verificar a atribuição de outro ramo do Ministério Público para atuar na questão; e

o ajuizamento de ação civil pública, transferindo-se o tratamento do conflito para o Poder

Judiciário.

De plano, percebe-se que a maioria dos casos encontrava-se em trâmite no dia

31/12/2010. Nesta data, dez conflitos ambientais relacionados com o direito à água ainda

estavam em análise no Ministério Público Federal em Sergipe. Três conflitos hídricos foram

judicializados pelo Ministério Público Federal em Sergipe e outros três casos foram objeto de

arquivamento.

Das três ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal em Sergipe

duas foram contra entes públicos, um estadual e outro federal, e uma em face de uma

agroindústria privada. As ações civis públicas ajuizadas contra o Poder Público estadual e

federal estavam relacionadas com o acesso à água e com a poluição hídrica, respectivamente,

a terceira, ajuizada contra a empresa privada, busca a reparação de dano ambiental causado

pela poluição das águas.

É importante destacar que o único conflito ambiental relacionado ao acesso à água

ação civil pública

arquivamento

declínio de atribuição

em trâmite em 31/12/2010

3

3

0

10

Figura 5.6: Resultado final

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140

potável foi judicializado. A ação civil pública foi movida após o insucesso das tratativas com

o ente público responsável pelo abastecimento de água potável para a comunidade

prejudicada, negociação que durou cerca de sete meses. Mesmo com o contato direto com a

parte envolvida no conflito hídrico o Ministério Público Federal em Sergipe não logrou por

termo na conduta ilícita. A rápida judicialização da questão indica a existência de uma maior

preocupação do Ministério Público Federal com a agilidade no tratamento da controvérsia em

torno do direito à água quando a dimensão social do conflito ambiental está presente com

mais vigor, não ocorrendo o mesmo quando há uma predominância do aspecto ecológico no

litígio em questão.

A poluição das águas foi o segundo tipo de dano ambiental enfrentado pelo Ministério

Público Federal em Sergipe através do ajuizamento de ação civil pública, representando dois

dos três casos em que houve a judicialização do conflito hídrico. A maior judicialização das

questões referentes à poluição hídrica não pode ser explicada somente pelo fato de refletir a

circunstância deste tipo de conflito apresentar um maior número de casos submetidos ao crivo

do MPF, uma vez que o dano à área de preservação permanente está presente em idêntica

quantidade. Transparece, portanto, existir um interesse maior do Ministério Público Federal

em Sergipe em conferir rapidez à equalização do conflito ambiental relativo à poluição da

água, judicializando a questão.

Destaque-se que, nos dois conflitos ambientais relativos à poluição das águas que

foram judicializados, não houve o início do processo de mediação propriamente dito. Na

primeira situação, a ação civil pública foi ajuizada imediatamente após a instauração, de

ofício, do procedimento administrativo preparatório. No segundo caso, houve a notificação do

agente causador do dano ambiental, todavia o contato direto com o Ministério Público Federal

em Sergipe foi direcionado para a tomada de declarações que instruíram a ação civil pública,

não havendo registro da existência de uma tentativa de equalização negociada do conflito

ambiental.

De outro lado, a análise mais detalhada dos três arquivamentos promovidos pelo

Ministério Público Federal em Sergipe esclarece que apenas em um dos casos a motivação foi

a circunstância de não se visualizar a ocorrência de dano ou risco ambiental. Tratava-se da

notícia da existência de discussões sobre a possibilidade de instalação de uma usina nuclear

no baixo São Francisco, sendo arquivado o procedimento preparatório em vista de não existir

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uma decisão concreta do Poder Público no sentido de se implantar a referida usina no Estado

de Sergipe.

Os outros dois arquivamentos detectados foram motivados pelo ajuizamento de ações

civis públicas por outros legitimados, o que inviabilizou a continuidade do processo de

mediação extrajudicialmente em curso até então. O primeiro caso era relativo à poluição das

águas por empresa da agroindústria que foi judicializado pelo Ministério Público do Estado de

Sergipe. A outra promoção de arquivamento se referia ao projeto governamental de

transposição do rio São Francisco. Este conflito ambiental de grandes proporções foi objeto

de diversas ações civis públicas, que se encontram atualmente em trâmite no Supremo

Tribunal Federal, reunidas em torno da ação cível originária nº 876, ajuizada pelo Ministério

Público do Estado da Bahia, pelo Ministério Público Federal na Bahia e por organizações não

governamentais (PESSOA, 2011).

Constata-se, então, que, em cinco dos seis procedimentos preparatórios e inquéritos

civis finalizados pelo Ministério Público Federal em Sergipe, o conflito ambiental em torno

do direito à água foi deslocado para o Poder Judiciário, três deles por iniciativa própria e os

outros dois por iniciativa de terceiros legitimados à propositura de ação civil pública.

Um outro ponto a ser realçado, em relação ao resultado dos inquéritos civis e dos

procedimentos administrativos preparatórios instaurados, é que no curso dos sete anos objeto

de estudo o Ministério Público Federal afirmou a sua atribuição em todos os conflitos hídricos

localizados no baixo São Francisco que foram trazidos ao seu conhecimento, não havendo

qualquer declínio de atribuição. A circunstância de se tratar de bacia hidrográfica

inquestionavelmente do domínio da União afastou qualquer controvérsia acerca da definição

do ramo do Ministério Público que deveria atuar na matéria.

Merece, ainda, ser destacado um último aspecto da atuação do Ministério Público

Federal em Sergipe no enfrentamento dos conflitos hídricos no baixo São Francisco: o tempo

de tramitação dos procedimentos administrativos preparatórios e dos inquéritos civis

instaurados entre os anos de 2004 e 2010.

Até o mês de abril de 2006, os procedimentos administrativos preparatórios e os

inquéritos civis instaurados no âmbito do Ministério Público Federal não tinham uma

regulamentação adequada, sendo disciplinados exclusivamente pela Lei nº 7.347/1985, que

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não estabelecia qualquer prazo para sua finalização. No dia 6 de abril de 2006, o Conselho

Superior do Ministério Público Federal editou a Resolução CSMPF nº 87/2006, que foi

seguida pela edição da Resolução CNMP nº 23/2007 de lavra do Conselho Nacional do

Ministério Público, ambas regulamentando a instauração e o trâmite do inquérito civil.

As duas resoluções editadas estabeleceram o prazo de 1 ano para o encerramento do

inquérito civil, com a possibilidade de prorrogações, tantas vezes quanto necessárias, pelo

mesmo prazo78. O procedimento administrativo preparatório, por sua vez, deve ser concluído

em 90 dias, prorrogáveis uma única vez. Ultrapassado o prazo da prorrogação do

procedimento administrativo preparatório, deve ser proposta a ação civil pública, promovido o

arquivamento, ou se deve convertê-lo em inquérito civil para a continuidade das investigações

e negociações79.

Adotando-se o prazo fixado na Resolução CSMPF nº 87/2006 e na Resolução CNMP

nº 23/2007 para o encerramento do inquérito civil, traçou-se um gráfico representativo do

tempo de tramitação dos procedimentos administrativos preparatórios e dos inquéritos civis

instaurados pelo Ministério Público Federal em Sergipe visualizado na figura 5.7:

78 Artigo 15 da Resolução CSMPF nº 87/2006 e artigo 9º da Resolução CNMP nº 23/2007. 79 Artigo 4º, §§ 1º e 4º, da Resolução CSMPF nº 87/2006 e artigo 2º, §§ 6º e 7º, da Resolução CNMP nº

23/2007.

Acima de 3 anos

Acima de 2 até 3 anos

Acima de 1 ano até 2 anos

Até 1 ano

0 1 2 3 4 5 6

casos em trâmite

casos encerrados

Figura 5.7: Tempo de tramitação

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A franca maioria dos casos encerrados não ultrapassou o prazo de dois anos de

tramitação, sendo objeto de ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público Federal

em Sergipe ou por terceiros legitimados. Apenas em uma situação, relacionada ao conflito

ambiental da transposição do rio São Francisco, o procedimento administrativo foi finalizado

em um prazo mais dilatado, seis anos. Ressalte-se que, neste caso, houve o ajuizamento de

diversas ações civis públicas por terceiros legitimados quando o procedimento preparatório

ainda contava com menos de dois anos de tramitação, permanecendo ativo somente para fins

de acompanhamento das medidas judiciais tomadas nos processos em curso. Seu

arquivamento ocorreu quando se percebeu a desnecessidade de se manter em instrução um

procedimento administrativo estando a questão judicializada no Supremo Tribunal Federal.

Em 83,33% dos casos encerrados a tramitação do procedimento administrativo

preparatório ou do inquérito civil não alcançou dois anos. Desses cinco casos finalizados em

até dois anos, somente em uma situação houve o contato direto com as partes envolvidas com

a finalidade de se iniciar o processo de mediação propriamente dito80.

A análise dos conflitos hídricos, que se encontravam em tramitação na data de

31/12/2010, aponta que o percentual de 80% deles também tinha sido instaurado há menos de

dois anos. Somente em duas situações o procedimento administrativo preparatório ou

inquérito civil tinha se iniciado há mais tempo, ultrapassando três anos de instauração.

O primeiro dos casos com tramitação alongada se refere ao conflito ambiental

caracterizado pela restrição aos usos múltiplos das águas do rio São Francisco. Os danos

ambientais noticiados decorrem do controle da vazão de defluência das barragens construídas

pelo programa federal de geração de energia elétrica. O segundo caso tem por objeto o dano à

área de preservação permanente causado pela prática de aquicultura de subsistência por um

ribeirinho. Em todas as duas situações, foi instalado o processo de mediação, com o contato

direto com as partes envolvidas, em busca da equalização do conflito hídrico de forma

negociada.

Constatou-se, também, que o Ministério Público Federal ainda não tinha mantido

contato direto com as partes envolvidas no conflito ambiental em seis dos procedimentos

administrativos preparatórios e inquéritos civis que tramitavam em 31/12/2010, sendo que 80 Em uma das situações analisadas o contato direto do MPF com a parte envolvida limitou-se a colher o

depoimento para instruir a ação civil pública ajuizada em seguida.

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cinco deles tinham como agente causador do dano ou risco ambiental empresas privadas ou

cidadãos. Nas duas situações em que o processo de mediação já tinha sido estabelecido

através do contato direto, o agente causador do dano ou risco ambiental era o Poder Público.

Como se vê, o processo de mediação dos conflitos ambientais relacionados com o

direito à água no baixo São Francisco pelo Ministério Público Federal não tem conseguido

obter sucesso dentro do prazo de um ano fixado na Resolução CSMPF nº 87/2006 e na

Resolução CNMP nº 23/2007. Quando os procedimentos administrativos preparatórios e os

inquéritos civis não são arquivados ou judicializados dentro desse prazo, o Ministério Público

Federal em Sergipe tem prorrogado a sua tramitação em busca de angariar mais elementos de

prova para o ajuizamento de ação civil pública ou dar continuidade ao processo de mediação

com o contato direto com as partes envolvidas no conflito hídrico.

A judicialização dos conflitos ambientais relacionados com o direito à água em

83,33% dos casos enfrentados pelo Ministério Público Federal em Sergipe, parte por sua

iniciativa própria e parte em razão do ajuizamento de ações civis públicas por terceiros

legitimados, indica que o processo de mediação destas disputas não tem sido exitoso, em

curto prazo, no âmbito dos procedimentos administrativos preparatórios e dos inquéritos civis.

A formalidade e a demora inerentes ao processo judicial não tem se mostrado um

obstáculo à transferência do enfrentamento dos conflitos hídricos, constatados no baixo São

Francisco entre os anos de 2004 e 2010, para o Poder Judiciário. O próprio Ministério Público

Federal em Sergipe tem buscado com frequência a judicialização desses conflitos ambientais,

sempre pleiteando a concessão de medida liminar para fazer cessar, de imediato, o dano

ambiental constatado.

Os dados coletados na presente pesquisa, todavia, não se mostram suficientes para a

formulação de uma conclusão segura acerca da eficácia da mediação dos conflitos hídricos

pelo Ministério Público Federal em Sergipe a médio prazo, uma vez que oito casos, metade da

amostra selecionada, estavam pendentes de finalização em 31/12/2010.

Apresentou-se, neste capítulo, as principais características dos conflitos hídricos do

baixo São Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe, os

instrumentos jurídicos e a estratégia de atuação utilizados, e, por fim, diagnosticou-se se esses

conflitos são efetivamente mediados pelo MPF ou são levados ao crivo do Poder Judiciário.

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No capítulo que segue – o último da presente pesquisa – são expostas as conclusões

decorrentes do desenvolvimento desta investigação e indicadas as sugestões pertinentes.

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CAPÍTULO 6

CONCLUSÕES E SUGESTÕES

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6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES

O presente capítulo destaca, de forma breve, as conclusões decorrentes do

desenvolvimento da pesquisa realizada e apresenta sugestões sobre a atuação do Ministério

Público Federal na mediação de conflitos ambientais relacionados com o direito à água.

As conclusões obtidas sobre as características dos conflitos hídricos recorrentes no

baixo São Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe

referem-se à sua tipologia, à quantidade e frequência dos casos detectados, à forma como

chegaram ao conhecimento do MPF e à identificação do agente causador do dano ou risco

ambiental.

A grande maioria dos conflitos ambientais relativos ao direito à água recorrentes no

baixo São Francisco se referem a danos à área de preservação permanente e à poluição das

águas, detectando-se seis ocorrências de cada espécie. Todavia, os três casos relativos à

restrição aos usos múltiplos se destacaram em razão do grande impacto social e ecológico

causado.

Há um incremento do número de instaurações de procedimentos administrativos

preparatórios e inquéritos civis relacionado com a matéria em estudo quando existe um

contato mais próximo com o local do dano ou do risco ambiental, seja através de inspeções e

fiscalizações realizadas diretamente pelo Ministério Público Federal, seja através de sua

aproximação com as associações locais.

A atuação do Ministério Público Federal em Sergipe no enfrentamento dos conflitos

ambientais relativos ao direito à água é dependente em grande parte das representações que

lhe são encaminhadas pelo público externo, noticiando a existência de algum dano ou risco ao

meio ambiente. Entretanto, há um perceptível distanciamento em relação aos entes públicos

encarregados da fiscalização do meio ambiente e do gerenciamento de recursos hídricos, que

não provocaram o MPF uma única vez no período estudado.

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O Poder Público é o maior responsável pela prática de danos ao meio ambiente no

baixo curso do rio São Francisco, seja em razão de atividades ou serviços desenvolvidos por

ele diretamente, seja em razão de atividades econômicas desempenhadas pela iniciativa

privada, porém incentivadas, subsidiadas e financiadas com recursos públicos.

As conclusões relacionadas aos instrumentos jurídicos que compõe a estratégia de

atuação do Ministério Público Federal em Sergipe no enfrentamento dos conflitos hídricos

presentes no baixo São Francisco são as seguintes:

Os inquéritos civis e os procedimentos administrativos preparatórios são instaurados,

majoritariamente, com o objetivo de fazer cessar e reparar a ocorrência de um dano, sendo

raras as instaurações com a finalidade preventiva, voltada para o risco ambiental. Não há, via

de regra, a participação do Ministério Público Federal nas discussões sobre a gestão das águas

do baixo São Francisco.

As requisições de informações, documentos e fiscalizações são amplamente utilizadas

pelo Ministério Público Federal em Sergipe, todavia os seus principais destinatários, IBAMA

e ADEMA, são responsáveis por frequentes atrasos no cumprimento de tais determinações, o

que retarda a tramitação dos inquéritos civis e procedimentos administrativos preparatórios.

Com menor frequência, o Ministério Público Federal em Sergipe utiliza a notificação

das partes envolvidas no conflito para se iniciar o processo de mediação, através do contato

direto com o agente causador do dano ou do risco ambiental. O diálogo direto entre o MPF e

os responsáveis pela violação ao direito à água é muito mais frequente com o Poder Público,

do que em relação a empresas privadas e aos cidadãos.

O Ministério Público Federal em Sergipe prioriza o ajuizamento de ações civis

públicas em detrimento da expedição de recomendações e da celebração de compromissos de

ajustamento de conduta, que não foram detectados em qualquer dos casos estudados.

A análise dos dados coletados também permite inferir algumas constatações

relacionadas à efetividade do processo de mediação dos conflitos hídricos do baixo São

Francisco conduzido pelo Ministério Público Federal em Sergipe.

A estratégia de atuação utilizada pelo Ministério Público Federal em Sergipe para

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mediar extrajudicialmente os conflitos hídricos não tem conseguido obter resultados efetivos

em um prazo curto, resultando na sua judicialização, seja pelo próprio MPF, seja por terceiros

legitimados.

A formalidade e a demora inerentes ao processo judicial não tem se mostrado um

obstáculo à transferência do enfrentamento dos conflitos ambientais relacionados com o

direito à água para o Poder Judiciário.

Cabe, neste momento, apresentar as sugestões acerca da atuação do Ministério Público

Federal em Sergipe na mediação de conflitos ambientais relacionados com o direito à água.

O Ministério Público Federal pode valer-se da experiência proveitosa iniciada pelos

Ministérios Públicos Estaduais, organizando-se espacial e funcionalmente em torno de bacias

hidrográficas, bem como criando núcleos operacionais para uma maior articulação com a

sociedade civil, associações, movimentos sociais e entes públicos e o consequente incremento

quantitativo e qualitativo de sua atuação.

A realização de fiscalizações diretamente pelo Ministério Público Federal de forma

mais frequente, aliadas a uma maior aproximação com as associações locais e com os

cidadãos residentes no baixo São Francisco podem aumentar, de forma considerável, a

atuação ministerial na defesa do direito à água.

Sugere-se, também, o estreitamento das relações institucionais com o Ministério

Público do Estado de Sergipe, aproveitando-se da maior capilaridade de sua estrutura e da

existência de um Núcleo de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do rio São Francisco

para a realização de fiscalizações preventivas em conjunto, em moldes similares aos do

Programa de Fiscalização Preventiva Integrada – FPI, desenvolvido pelo Ministério Público

do Estado da Bahia.

O Ministério Público Federal deve ser fazer mais presente nas discussões sobre o

gerenciamento das águas do rio São Francisco, aproximando-se dos órgãos públicos

integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, especificamente

em relação ao CBHSF, ao CNRH e à ANA, de forma a ampliar a sua atuação preventiva.

Nesta mesma direção, sugere-se uma maior articulação do Ministério Público Federal

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em Sergipe com os órgãos responsáveis pelo licenciamento e fiscalização ambiental [IBAMA,

ADEMA, Pelotão de Polícia Ambiental, etc.), com o intuito de superar o hiato de

comunicação institucional existente.

Para uma maior agilidade no trâmite dos procedimentos administrativos preparatórios

e dos inquéritos civis, é conveniente a formação de um corpo técnico próprio do Ministério

Público Federal em Sergipe, além da descentralização de recursos para a contratação de

especialistas para casos específicos, cessando a relação de extrema dependência existente

entre o MPF, o IBAMA e ADEMA.

Sugere-se, também, que o Ministério Público Federal em Sergipe busque o contato

direto com as partes envolvidas no conflito ambiental em todos os procedimentos

administrativos preparatórios e inquéritos civis, logo após a sua instauração, de forma a

imprimir uma maior agilidade no início do processo de mediação propriamente dito.

Por último, mas não menos importante, é a incrementação do uso de instrumentos

jurídicos não coercitivos, como a recomendação e o compromisso de ajustamento de conduta,

deixando o ajuizamento da ação civil pública para os casos em que não se consiga alcançar a

equalização do conflito ambiental através da mediação ou naqueles em que a urgência na

cessação da conduta ilícita exija tal iniciativa.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE

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APÊNDICE A

FICHA DE COLETA DE DADOS

1. Nº. dos autos: ____________________________Data de instauração________________

2. Tipologia: ( ) restrições aos usos múltiplos ( ) poluição das águas

( ) dano à APP ( ) acesso à água

( ) outros especificar: ____________________________________________

3. Origem: ( ) representação ( ) atuação de ofício

4. Representante: ( ) órgão público federal ( ) órgão público estadual

( ) órgão público municipal ( ) associação

( ) cidadão

Especificar órgão público: ______________________________________________________

5. Representado: ( ) ente público federal ( ) ente público estadual

( ) ente público municipal ( ) empresa privada ( ) cidadão

Especificar órgão público: ______________________________________________________

6. Instrumentos jurídicos utilizados:

( ) inquérito civil ( ) procedimento administrativo preparatório

( ) requisição ( ) audiência pública

( ) notificação ( ) recomendação

( ) termo de ajustamento de conduta notificação

7. Estratégia de negociação: ( ) houve contato direto com as partes envolvidas

( ) não houve contato direto com as partes envolvidas

8. Órgão(s) público(s) interveniente(s):

( ) CBHSF ( ) ANA ( ) SRH ( ) CNRH ( ) IBAMA

( ) ADEMA ( ) outros, especificar ___________________________

9. Foco da atuação: ( ) preventiva ( ) repressiva

10. Resultado final: ( ) arquivamento ( ) declínio de atribuição

( ) ação civil pública ( ) em trâmite em 31/12/2010

11. Motivo do arquivamento

( ) ausência de infração ambiental ( ) equalização do conflito

( ) outro, especificar______________________________________________

12. Tempo de tramitação: ( ) anos ( ) meses ( ) dias