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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO JUCIELI BERTONCELLO Conflitos socioambientais e mudanças climáticas sob o olhar das juventudes camponesas de Poconé-Mato Grosso. CUIABÁ MT 2018 Fonte: ACERVO GPEA (2017)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JUCIELI BERTONCELLO

Conflitos socioambientais e mudanças climáticas sob o olhar das juventudes

camponesas de Poconé-Mato Grosso.

CUIABÁ – MT

2018

Fonte: ACERVO GPEA (2017)

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JUCIELI BERTONCELLO

Conflitos socioambientais e mudanças climáticas sob o olhar das juventudes

camponesas de Poconé-Mato Grosso.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso como requisito para

obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Michelle Tatiane Jaber

da Silva

Coorientadora: Profª. Drª. Regina Aparecida da

Silva

CUIABÁ – MT

2018

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Dedicatória

Dedico este trabalho as juventudes invisibilizadas das comunidades Zé Alves e

Laranjal, que lutam por território, pela permanência no campo e

acreditam que um outro mundo ainda é possível.

“Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se,

com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”

(Paulo Freire, 1986).

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Agradecimento Especial

Educar

Fernando Pessoa

Educar - “Educar é viajar no mundo do outro sem nunca penetrar nele.

É usar o que pensamos para nos transformas no que somos. O maior

educador não é o que controla, mas o que liberta.

Não é o que aponta os erros, mas o que os previne.

Não é o que corrige comportamentos, mas o que ensina a refletir. Não é

o que observa apenas o que é tangível aos olhos, mas o que vê o invisível.

Não é o que desiste facilmente, mas o que estimula sempre a começar

de novo.

Um bom educador abraça quando todos rejeitam; anima quando todos

condenam; aplaude os que nunca subiram ao pódio; vibra com a coragem

de disputar dos que ficaram nos últimos lugares. Não procura o seu

próprio brilho, mas faz-se pequeno para tornar os seus filhos, alunos e

colegas de trabalho grandes.

Que educador daria conta desta missão?

Você minha querida orientadora,

MICHELLE JABER-SILVA,

que mesmo nos momentos difíceis, esteve sempre presente.

Sou imensamente grata pelos diálogos, acolhimento,

generosidade, paciência e pelas valiosas orientações na

elaboração desta Dissertação, sem sua presença nessa caminhada,

seria impossível a realização desta pesquisa.

Gratidão por me ensinar que “a educação é um ato de amor”

(Paulo Freire, 1999), que deve ser perpassado de afetividade,

amorosidade e dialogicidade.

À você minha gratidão, profunda admiração e carinho.

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Agradecimentos

“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós.

Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.

(Antoine de Saint-Exupéry)

Essa pequena frase permite-me mostrar que a caminhada pelo Mestrado que antes parecia

individual e solitária com intermináveis leituras de livros, artigos, dissertações, teses e a

escrita de uma produção intelectual, foi sendo um esforço coletivo. Não há como medir ou

classificar o que representou cada um dos que estiveram e estão ao meu lado. Evidencio a

forma com que fui acolhida pelo grupo pesquisador, a possibilidade de troca com minha

orientadora e coorientadora, ao apoio da família, amigos, colegas e estranhos que encontrei

pelas andanças entre Juara e Cuiabá, todos/as foram extremamente importantes para a escrita

desta Dissertação. Assim, não terei pressa para agradecer a todos/as que me ofereceram um

abraço, um sorriso, uma palavra amiga quando tudo parecia não ter sentido.

Dedico principalmente aos meus pais Santo Laércio Bertoncello e Ilse Maria Rupolo

Bertoncello, porto seguro e inspiração nessa caminhada acadêmica. Gratidão pelo apoio,

compreensão e amor incondicional. Pai e Mãe obrigada por todas as palavras de incentivo nos

momentos em que eu me encontrei incapaz de prosseguir. Amo vocês!!! À minha irmã Giseli

Bertoncello Gobato e meu irmão Lucivaldo Rupolo Bertoncello pela amizade, por estarem

sempre comigo e por acolherem os meus sonhos sonhando-os e vivendo-os sempre comigo. Ao

meu cunhado Júlio Henrique Gobato pelas palavras de motivação, e ao meu sobrinho Davi

Bertoncello Gobato por tantas alegrias que proporciona em minha vida.

À família Bertoncello e Rupolo (avô paterno e materna in memoriam, avó paterna e avó

materna, tios, tias, primos e primas) pelo incentivo. Ao meu amado tio Odilei Antonio Rupolo

(in memoriam), as boas lembranças que tenho de você sempre vão secar as minhas lágrimas e

me fazer sorrir...Saudades eternas Tio Dilei.

Sou imensamente grata à minha amável coorientadora Dr. Regina Aparecida da Silva pela

sensibilidade, generosidade, compreensão e ensinamentos durante a realização desta pesquisa.

Expresso meu carinho, admiração e inspiração nas pesquisas em Educação Ambiental desde

a Graduação em Pedagogia à Michèle Sato. Obrigada Mimi pela presença marcante em minha

vida.

Aos moradores/as da comunidade quilombola Laranjal, da comunidade tradicional Zé Alves e

demais comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal pelo acolhimento durante a realização

desta pesquisa. Meu agradecimento especial a família Ponce pelo acolhimento como se

fossemos integrantes da própria família. As juventudes pesquisadas com quem pude conviver

e dividir sonhos, medos, realidades e que tanto contribuíram para a realização desta pesquisa.

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Agradeço aos membros da banca avaliadora pelas valiosas sugestões na qualificação deste

trabalho. À Profa. Dra. Ana Flávia Marques, por “dar-me as suas mãos e lançar seu olhar

atento sobre os caminhos percorridos e os resultados alcançados” nesta pesquisa. Gratidão à

“Mamis Cuiabana” Profa. Débora Pedrotti por me acolher nos momentos de angústias,

duvidas, medos e pelas riquíssimas contribuições nos colóquios e na qualificação. Agradeço o

Prof. Dr. Luiz Augusto Passos pelo aceite de avaliar este trabalho.

Aos amigos e colegas Mestrandos e Doutorandos do Grupo Pesquisador em Educação

Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

pela amorosidade, acolhimento e encontros com CONceitos e aFETOS (CONFETOS) nesses

dois anos. Meus sinceros agradecimentos a todos/as que compartilharam comigo pesquisas,

viagens a campo, leituras, colóquios/aulas, reuniões, entrevistas, seminários e sonhos.

Agradeço à Amanda Espíndula Areval, Cássia Fabiane Souza, Déborah Moreira Santos,

Eronaldo Assunção Valles, Giseli Dalla-Nora, Giselly Rodrigues Gomes, Herman Oliveira,

Jakeline Fakin, Michelle Jaber-Silva, Priscilla Amorim, Rafael Martine, Regina Aparecida da

Silva, Ronaldo Senra, Vick Germano, Raquel Ramos, Victória Ramos, Caio Felisberto, Tatiane

Lombardi e Aleth da Graça pela participação e contribuição no I e II Mapeamento Social das

Comunidades do Cerrado do Pantanal.

Ao Instituto Caracol por me mostrar a importância da militância enquanto estudante e cidadã,

além da parceria e apoio financeiro para realização do I e II Mapeamento Social das

Comunidades do Cerrado do Pantanal. Agradeço também outros parceiros que fizeram parte

dessa ciranda: Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA);

Rede de Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática (REAJA); Cooperativa

Mista dos Produtores Rurais de Poconé (COMPRUP); Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de Mato Grosso (FAPEMAT); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq); Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU);

Instituto Federal de Educação de Mato Grosso (IFMT); Universidade Federal do Estado de

Mato Grosso (UFMT); Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE);

Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD); a Rede de

Comunidades Tradicionais Pantaneiras, que faz parte da Comissão Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT); Comissão

Pastoral da Terra (CPT) e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).

À Universidade Federal de Mato Grosso e ao Programa de Pós-graduação em Educação

(PPGE/UFMT), expresso minha gratidão a competente equipe da secretaria do PPGE: Profa.

Dra. Márcia dos Santos Ferreira, Profa. Dra. Rute Cristina Domingos da Palma, Marisa Costa

Voltarelli, Luisa Maria Teixeira Silva Santos, Marcos Jaci London Silva, Nilson Batista Duarte

Junior pela prestatividade nos momentos das dúvidas burocráticas. Meu carinho especial à

Luísa e Duarte pela atenção e disponibilidade em ajudar sempre nessa caminhada.

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Aos professores/as do Programa de Pós-graduação em Educação, Dra. Elizabeth Sá, Dra.

Candida Soares, Dra. Maria Lucia Rodrigues Muller e Dr. Edson Caetano pelas contribuições

e aprendizagens. Em especial à professora Dra. Elizabeth Sá pela práxis perpassada de

amorosidade.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) que me concedeu

a bolsa de estudos tornando-se possível a dedicação integral ao Curso de Mestrado. Aos

colegas do grupo “Bolsista CAPES – Facebook” pelos momentos de descontração.

Aos meus primeiros/as educadores/as da escola Municipal Rui Barbosa de Catuaí, escola esta

que iniciei a primeira experiência como educadora.

Ao Grupo de pesquisa LEAL – Laboratório de Estudos e Pesquisas da Diversidade da

Amazônia Legal que me possibilitaram trocas de experiências significativas por meio de

projetos de pesquisa e extensão, viagens e atividades acadêmicas, contribuindo para a minha

formação pessoal e profissional. Primeiramente, agradeço ao meu grande exemplo nessa

caminhada acadêmica, a professora Dra. Waldinéia Antunes de Alcântara Ferreira, para mim

foi uma imensa honra e orgulho tê-la como orientadora na Graduação em Pedagogia, pós-

graduação em Educação e Diversidade e em trabalhos desenvolvidos na UNEMAT. Waldinéia

obrigada por acreditar em mim quando muitos diziam que eu não seria capaz. Gratidão a

professora Dra. Lisanil da Conceição Patrocínio Pereira pelas orientações na pós-graduação

em Docência no Ensino Superior, incentivo neste caminho escolhido e pelo exemplo vida, luta

e militância que tanto contribuíram para minha formação pessoal e profissional. Não poderia

esquecer das professoras Ms. Lori Hack de Jesus, Ms. Elizabeth Ângela dos Santos e tantos

outros/as professores/as da UNEMAT com quem tanto aprendi durante a minha formação

acadêmica. Agradeço à Amanda Pereira da Silva Azinari pela torcida antes e durante o

Mestrado, e tantos outros/as parceiros/as do LEAL que fizeram e fazem parte da minha vida.

Meu agradecimento mais profundo e amoroso à Douglas Alcir Andrade por estar o tempo todo

ao meu lado, nos momentos mais difíceis que não foram poucos durante a escrita desta

Dissertação, obrigada por me fazer acreditar que chegaria ao final desta difícil e gratificante

etapa. Gratidão por cada gesto carinhoso.

Ao meu amigo-irmão de todas as horas Itamar Porto pelo incentivo para a escrita do projeto

do Mestrado, pela leitura atenta e cuidadosa de todos os trabalhos, pelos conselhos

acadêmicos preciosos que muito me auxiliaram na escrita da Dissertação e por me acolher nos

momentos de angústia dessa caminhada. Gratidão meu amigo-irmão.

Sou grata à Amanda Espíndula Areval, Cristiane Almeida Soares, Déborah Moreira Santos,

Eronaldo Assunção Valles, Jakeline Fakin e Priscilla Amorim “Amigas/os da Ralé” com quem

tive a oportunidade aprender, conviver, partilhar viagens, sonhos, angústias e muitas risadas.

À Amanda Espíndula Areval pelo exemplo de mulher e mãe, minha eterna gratidão por me

ajudar a pensar o nome dos capítulos. À Cristiane Almeida Soares pelas aprendizagens

compartilhadas, ajuda nos momentos burocráticos e caronas para as aulas do Mestrado. Ao

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meu companheiro de pesquisa, Eronaldo Assunção Valles pelas vivências compartilhadas nas

comunidades do Cerrado do Pantanal.

À Daniele Trevisan que apareceu em minha vida para dividir uma Quitinete, mas que aos

poucos foi se tornando uma grande amiga. Obrigada Dany pela existência em minha vida.

As minhas queridas “Best friends forever” Adriana Alves Grupo, Eliane Cristina Castilho e

Elaine Campos que tanto amo. A Francy de Aguiar Lima e Priscilla Lanini de Carvalho

amigas-irmãs que mesmo distante fisicamente sempre estão comigo em pensamento. Obrigada

pela amizade e incentivo.

Aos acadêmicos/as do curso de Licenciatura em Pedagogia da UNEMAT – Campus Juara pelo

apoio antes e durante o Mestrado. Meu carinho todo especial a turma de Pedagogia 2014/1

que agora são meus/minhas companheiros/as de profissão, gratidão pelas palavras de

incentivo quando recebi a notícia da aprovação no Mestrado em Educação.

A turma de Mestrado em Educação pela conivência, em especial Caryna Barreto, Paulo

Paixão, Almir Rogério da Silva, Alana Cristina Teixeira Chico, Kassia Anita Ferreira e

Valquíria Perassolo.

Enfim, agradeço primeiramente a Deus pela oportunidade de trilhar caminhos...caminhando!!!

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O Grito da Geração

Severino Santos Terto

Começo esta poesia

Com muita dignidade

É o jovem camponês

E o jovem da cidade

Na luta pelos direitos

Por outra realidade

A juventude do campo

Vive sempre excluída

Sem direito ao trabalho

Isso a torna oprimida

Mas os jovens se reúnem

Seja em grupo ou mutirão

Dentro da organização

Se encontra uma saída

A juventude da cidade

que vive em periferia

Com muita sabedoria

Supera a disparidade

Vive em busca da igualdade

Por justiça e educação

Com alegria e diversão

Ela luta de verdade

A juventude está unida

Seja urbana ou rural

Enfrentando um sistema

Esse tal neoliberal

Superando tanta dor

Com o canto e a poesia

Somos da sociedade

Cultivando a utopia

Continuo esta poesia

Com muita felicidade

É o jovem camponês

E o jovem da cidade

Na luta pelos direitos

Por outra realidade.

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RESUMO

Nesta pesquisa buscamos compreender as percepções das juventudes camponesas sobre os

conflitos socioambientais e as mudanças climáticas existentes na comunidade tradicional Nossa

Senhora de Lurdes (conhecida como Zé Alves) e na comunidade Remanescente de Quilombo

Laranjal, ambas localizadas no município de Poconé-Mato Grosso, local conhecido como

“Cerrado do Pantanal”. Ressaltamos que os conflitos são decorrentes das disputas desiguais

entre grupos sociais vulneráveis que têm sua cultura, identidade e território ameaçado por

grupos dominantes, especialmente do agronegócio, que transformam os bens naturais em

recursos para atender a lógica economicista, pautadas no produtivismo e consumismo. No

Cerrado do Pantanal, lócus desta pesquisa, os desmatamentos realizados para a introdução da

monocultura, somado a pecuária e ao garimpo tem motivado conflitos entre os donos desses

grandes empreendimentos e as populações que sobrevivem basicamente do extrativismo e da

agricultura familiar camponesa. Essas atividades econômicas também são responsáveis pelo

aumento dos desastres relacionados às mudanças climáticas, essas recaem de modo

desproporcional sobre diferentes grupos presentes nestes territórios em função da

vulnerabilidade social e econômica. Neste contexto, a presente pesquisa encontra-se inscrita no

projeto intitulado Rede de Educação Ambiental e Justiça Climática (REAJA) coordenado pelo

Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA), sendo uma rede

multidisciplinar que busca entender os fenômenos climáticos e os desastres que afetam de forma

contraditória, desigual e injusta diferentes grupos sociais. A proposição investigativa apoia-se

no método qualitativo, tendo como táticas metodológicas o Mapa Social que busca evidenciar

os grupos invisibilizados e as injustiças socioambientais que transformam-se em conflitos à

medida que a resistência e mobilização vão se instaurando nos territórios. Para obter as

informações que compõem esta pesquisa, realizamos sete trabalhos de campo, dois seminários

de mapeamento com as comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal, doze entrevistas

semiestruturadas com as juventudes das comunidades Zé Alves e Laranjal, ademais fontes

secundárias (relatórios, artigos e censos) sobre as comunidades pesquisadas. Por intermédio do

mapeamento foram registradas seis causas propulsoras de conflitos: disputa por terra,

desmatamentos, queimadas, garimpo, disputa por água e uso de agrotóxicos que ocorrem

principalmente entre quilombolas e fazendeiros; assentados e fazendeiros; povos tradicionais e

fazendeiros; e entre quilombolas e quilombolas. As narrativas das juventudes evidenciaram

cinco causas, desconsiderando apenas a existência de garimpo. Assim, ao dar visibilidade aos

quilombolas, povos tradicionais e assentados presentes neste território; aos conflitos

socioambientais e as mudanças climáticas por meio do olhar das juventudes representa mais

que uma tática de democratização das informações, mas a busca por uma sociedade mais justa

e democrática.

Palavras-chave: Educação Ambiental, Juventudes Camponesas, Conflitos Socioambientais,

Mudanças Climáticas.

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ABSTRACT

Through this research we seek to understand the perceptions of peasant youth about socio-

environmental conflicts and climatic changes existing in the traditional community of ‘Nossa

Senhora de Lurdes’ (known as ‘Zé Alves’) and in the Remaining ‘Quilombo Laranjal’

community, both located in the municipality of Poconé, Mato Grosso, Brazil, known as

"Cerrado do Pantanal". We point out that the conflicts are due to unequal disputes between

vulnerable social groups that have their culture, identity and territory threatened by dominant

groups, especially agribusiness, that transforms natural assets into resources within economic

logic, based on productivism and over consumption. In the Cerrado of the Pantanal (wetland),

which is the locus of this research, the deforestation carried out in favor of monoculture,

together with cattle ranching and mining has led to conflicts between the owners of these large

enterprises and the populations that survive basically from extractivism and peasant family

farming. These economic activities are also responsible for the increase of disasters related to

climate change, which disproportionately reach different groups living in these territories due

to social and economic vulnerability. In this context, the present research is enrolled in the

project entitled Environmental Education and Climate Justice Network (REAJA) coordinated

by the Research Group on Environmental Education, Communication and Art (GPEA), being

a multidisciplinary network that seeks to understand climatic phenomena and disasters that

affect different social groups in a contradictory, unequal and unfair way. The investigative

proposition is based on the qualitative method, having as methodological tactics the Social Map

that seeks to highlight invisible groups and social-environmental injustices that turn into

conflicts while resistance and mobilization are established in the territories. In order to obtain

the information of this research, we carried out seven fieldwork, two mapping seminars with

the communities in the Cerrado of the Pantanal, twelve semi-structured interviews with the

youths of the communities Zé Alves and Laranjal, as well as secondary sources (reports, articles

and censuses) on the communities surveyed. Through the mapping were registered six causes

of conflicts: land dispute, deforestation, burning, mining, water dispute and use of pesticides

that occur mainly between quilombolas (african descendants) and farmers; settlers and farmers;

traditional people and farmers; and between quilombolas and quilombolas. The narratives of

the youths showed five causes, disregarding only the existence of mining. Thus, by giving

visibility to the quilombolas, traditional and settled people in this territory about the socio-

environmental conflicts and climate change through the eyes of youth represents more than a

tactic of democratization of information, but the search for a fairer and more democratic society.

Keywords: Environmental Education, Peasant Youth, Socio-environmental Conflicts, Climate

changes.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01: Córrego Formiga na Comunidade Zé Alves. .......................................................... 41

Figura 02: Localização da Comunidade Zé Alves – Poconé/MT. ............................................ 45

Figura 03: Localização do Quilombo Laranjal – Poconé/MT. ................................................. 47

Figura 04: Casas na Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal. ................................ 50

Figura 05: Espaço escolar na comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal. .................. 52

Figura 06: Mapa das mudanças climáticas do Brasil. .............................................................. 61

Figura 07: Esquema da metodologia utilizada. ........................................................................ 76

Figura 08: I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. ......................... 77

Figura 09: Grupo de Trabalho do I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do

Pantanal. ................................................................................................................................... 79

Figura 10: Socialização dos grupos de trabalho ....................................................................... 80

Figura 11: II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. ........................ 81

Figura 12: Grupo de Trabalho do II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do

Pantanal. ................................................................................................................................... 83

Figura 13: Mobilização para o I Mapeamento das Comunidades do Cerrado do Pantanal...... 89

Figura 14: Mobilização para o II Mapeamento das Comunidades do Cerrado do Pantanal. ... 91

Figura 15: Diálogo com os/as participantes do curso de beneficiamento. ............................... 92

Figura 16: GPEA 20 anos. ........................................................................................................ 93

Figura 17: Desmatamento para introdução das monoculturas. .............................................. 102

Figura 18: Morro de sedimentos do Garimpo. ....................................................................... 110

Figura 19: Mapa dos conflitos socioambientais das Comunidades do Cerrado do Pantanal–

Poconé/MT. ............................................................................................................................ 111

Figura 20: Córrego Formiga na comunidade Zé Alves. ......................................................... 119

Figura 21: Estruturas da Usina ALCOPAN. .......................................................................... 120

Figura 22: Morador aspergindo veneno nas pastagens da fazenda. ....................................... 126

Figura 23: Árvore arrancada por vento fonte em 2016. ......................................................... 135

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Impactos e conflitos socioambientais mapeados nas comunidades do Cerrado do

Pantanal. ................................................................................................................................... 98

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAEAF Compra Antecipada da Agricultura Familiar

CAPES Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior

CPT Comissão Pastoral da Terra

CEPIRMT Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso

CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviços

CEBs

CNPQ

Comunidades Eclesiais de Base

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNPCT

COMPRUP

Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais

Cooperativa Mista dos Produtores Rurais de Poconé

CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

CRQ Comunidade Remanescente de Quilombo

EA Educação Ambiental

FAPEMAT Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso

FASE

FCP

Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional

Fundação Cultural Palmares

FORMAD

FIES

Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento

Fundo de Financiamento Estudantil

GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

GTs Grupos de Trabalhos

IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e os Recursos Naturais

Renováveis

IC Instituto Caracol

IF Instituto Federal de Educação de Mato Grosso

INAU Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

MT Mato Grosso

PAA Programa de Aquisição Alimentar

ProUni Programa Universidade para Todos

PRONERA Programa Nacional e Educação na Reforma Agrária

PROCAMPO Pro-Jovem Campo e o Programa de Apoio à Formação Superior em

Licenciatura em Educação do Campo

REAJA Rede Internacional de Pesquisadores em Justiça Climática e Educação

Ambiental

SEDRAF Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar

SEMA Secretaria de Estado do Meio Ambiente

SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SEPLAN Secretaria de Estado e Planejamento e Coordenação Geral

SNAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

UFMT Universidade Federal do Estado de Mato Grosso

UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso

ZSEE Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I - A ESCOLHA DAS SEMENTES: MEMÓRIAS E IDENTIDADES ............. 17

1.1 - Apresentação da pesquisa................................................................................................. 18

1.2 - Biografia Ecológica: meu quintal é maior que a cidade................................................... 22

CAPÍTULO II - O PREPARAR DA TERRA: ADUBOS PARA A COLHEITA ................... 32

2.1 - Nos caminhos da Educação Ambiental ............................................................................ 33

2.2 - Primeira parada: Comunidade Tradicional Zé Alves ....................................................... 38

2.3 - Próxima parada: Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal .............................. 46

2.4 - As raízes dos Conflitos Socioambientais da atualidade ................................................... 53

2.5 - Mudanças Climáticas e seus efeitos na vida dos grupos sociais vulneráveis................... 58

2.6 - Juventudes: algumas concepções e abordagens ............................................................... 63

CAPÍTULO III - O GERMINAR DA ÁRVORE E AS RAMIFICAÇÕES DAS RAÍZES .... 70

3.1 – Os caminhos e descaminhos metodológicos ................................................................... 71

3.2 - Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. ..................................... 76

3.3 - Entrevistas com as juventudes camponesas ..................................................................... 83

3.4 - Aproximações e vivências com/nas comunidades do Cerrado do Pantanal..................... 86

3.5 - Grupo pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte e a Rede Internacional

de Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática ............................................... 92

CAPÍTULO IV – O FRUTIFICAR DA ÁRVORE .................................................................. 96

4.1 - Impactos e conflitos socioambientais mapeados nas comunidades do Cerrado do

Pantanal .................................................................................................................................... 97

4.2 - Percepções das juventudes sobre impactos e conflitos socioambientais........................ 112

4.3 - Percepções das juventudes sobre as mudanças climáticas ............................................. 128

4.4 - As causas da saída das juventudes camponesas ............................................................. 136

Considerações da pesquisa ..................................................................................................... 143

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 147

APÊNDICES .......................................................................................................................... 158

ANEXO .................................................................................................................................. 160

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CAPÍTULO I - A ESCOLHA DAS SEMENTES: MEMÓRIAS E IDENTIDADES

No clarear do dia vou para o roçado

A capinar.

Até de tarde eu tiro o meu eito.

Arranco inços, tranqueiras, juás e bosta de macaco

que não serve nem pra esterco.

Abro a terra e boto as sementes.

Deixo as sementes para a chuva enternecer.

Dou um tempo.

Retiro de novo as pragas, dejetos de anta,

adjetivos.

Retiro os adjetivos porque eles enfraquecem

as plantas.

E deixo o texto a germinar sobre o papel: em

pura masturbação com as pedras e rãs.

(Manoel de Barros)

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1.1 - Apresentação da pesquisa1

“Ninguém caminha sem aprender a caminhar,

sem aprender a fazer o caminho caminhando,

refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a

caminhar (Paulo Freire)”.

Esta pesquisa foi realizada em duas comunidades localizadas aproximadamente a 110

km da capital Cuiabá, na MT–451 (Rodovia Adauto Leite), município de Poconé/MT. Sendo a

comunidade tradicional Nossa Senhora de Lurdes (conhecida como Zé Alves), localizada às

margens da MT-451 no km 17 e a Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal, às

margens da estrada vicinal do Buriti, a 15 km da rodovia asfaltada MT-451, com entrada para

a comunidade no km 13. Ambas fazem parte de um conjunto de aproximadamente 70

comunidades localizadas na transição entre o Cerrado e o Pantanal mato-grossense, ficando

assim conhecida por seus/suas moradores/as que são quilombolas, tradicionais e assentados

como “Comunidades do Cerrado do Pantanal”.

O Cerrado destaca-se pela presença dos chapadões, árvores de pequeno porte com

troncos e galhos retorcidas, vegetações rasteiras, rica biodiversidade e estações secas e chuvosas

bem definidas, já o Pantanal pela diversidade de sua fauna e flora, além de ser a maior planície

alagável do mundo. A grande maioria das comunidades estão localizadas no Cerrado com

características peculiares do Pantanal, destaca-se a grande quantidade de lagoas, rios e áreas

alagadas que nunca secam e outras que alagam em determinada época do ano, fazendo com que

as comunidades quilombolas, tradicionais e assentamentos que estão próximas a essas áreas

fiquem impossibilitadas de realizar qualquer atividade produtiva.

Em meio a essa diversidade de dois biomas, o avanço acelerado dos latifúndios de

monoculturas tem colocado em risco a biodiversidade e a existência dessas comunidades e dos

grupos presentes neste território. Muitos se sentem ameaçados, pois esse modelo econômico

continua reproduzindo ações de violência, opressão, exploração e expulsão dos “[...] povos do

campo, das florestas e das águas [...]” (CARNEIRO; NETO, 2013, p.09) como o sistema

latifundiário instituído durante o Brasil colônia, após o fim do regime das sesmarias. Esse

sistema desde quando foi criado tem conseguido estabelecer o controle territorial impedindo

que esses grupos tenham acesso e consigam permanecer nos territórios, mantendo viva sua

cultura, identidade e a forma de se relacionar com a natureza.

1 Esclareço que na escrita da dissertação em alguns momentos utilizo a 1ª pessoa do singular (EU) e outros

momentos utilizo a 1ª pessoa do plural (NÓS).

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Na tentativa de permanecerem nos territórios do campo, as comunidades inseridas no

Cerrado do Pantanal que possuem uma cultura e identidade muito particular, assim como os

diferentes grupos sociais mapeados por SILVA (2011), estão se organizando coletivamente e

resistindo/re-existindo a todos os tipos de violência e violação de direitos provocados por esse

“[...] moderno-colonial de acumulação capitalista” (PORTO-GONÇALVES et al., 2016, p. 85)

que devasta os territórios por meio dos desmatamentos para a introdução das monoculturas, e

as atividades como pecuária e extrativismo mineral já consolidada nesta região. Essa prática de

exploração do solo tem caracterizado em um quadro de injustiça ambiental e climática que

recaem de modo desproporcional entre os diferentes grupos sociais.

A ocupação dos bens naturais (água, solo, fauna, flora, entre outros) de forma

avassaladora como têm ocorrido no Cerrado do Pantanal contribuem para as mudanças

climáticas, e provocam efetivamente em maior e menor escala conflitos socioambientais. Para

Cosme (2016), os conflitos socioambientais ocorrem quando diferentes sujeitos sociais

constroem relações entre sociedade-natureza de maneira oposta/antagônica, essa lógica iniciada

durante a colonização se perpetua atualmente, consequentemente os grupos sociais foram e

continuam sendo violentamente reprimidos e oprimidos. Ao pensar sobre as questões que

SULearam2 esta pesquisa, observamos que os grupos sociais presentes nas comunidades em

situação de vulnerabilidade sempre serão os mais atingidos pelas injustiças sociais, ambientais

e climáticas. As comunidades pesquisadas sofrem com essa tríade de injustiças.

Em Laranjal o quadro de injustiças e conflitos existe/avança há aproximadamente 30

anos, quando fazendeiros ocuparam as terras com a ajuda de autoridades locais, jagunços e

funcionários públicos que eram por direito dos quilombolas. Atualmente, essas famílias

encontram-se espremidas entre as cercas dos grandes latifúndios e a estrada que dá acesso ao

quilombo, ficando assim, impossibilitadas de realizar atividades produtivas para subsistência e

comercialização. Em Zé Alves, por terem acesso à terra conseguem manter a identidade com o

território que habitam, no entanto, se sentem ameaçados pelo avanço do agronegócio na região.

2 O termo “SULear” foi utilizado, de modo explícito, por Freire no livro Pedagogia da Esperança (1994, p.218-

219), lembrando que a palavra não costa dos dicionários da língua portuguesa (ADAMS, 2010, p. 385). Todavia,

o Sul, criado pela expansão colonial da Europa, coloca-se hoje no centro da “reinvenção da emancipação social”,

protagonizando a globalização contra-hegemônicas. Como contraponto ao “nortear”, cujo significado é a

dependência do Sul em relação ao Norte, “sulear” significa o processo de autonomização desde o Sul, pelo

protagonismo dos colonizadores, na luta pela emancipação. Implica uma ação autônoma desde o Sul, enfrentando

a integralidade das questões presentes na colonialidade do saber e do poder que tem a ver com um outro projeto

de vida envolvendo a cultura, a economia, a política, a ciência e outras dimensões (p.386). Ou seja, é ter um olhar

crítico da história e perceber que a posição que ocupam hoje todos os países do hemisfério Sul não é uma mera

eventualidade e sim obra de toda a exploração dos últimos 500 anos.

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Em meio a essa realidade distinta entre Zé Alves e Laranjal, temos como sujeito dessa

pesquisa as juventudes camponesas invisibilizadas nos territórios pelo avanço das monoculturas

que transformam a natureza em mercadoria, impossibilitando a permanência nos territórios.

Essa situação vivenciada faz com as que as juventudes de Zé Alves diferente de Laranjal (por

não tem acesso à terra) se organizem para produzir, reproduzir e permanecer no território

camponês. Nessa perspectiva, Molina (2015, p.13) ressalta que as transformações no campo,

trazidos pela lógica de acumulação do capital, representadas pelo agronegócio e de suas

monoculturas de exportação transforma “[...] os alimentos em commodities, intensificam, por

diversas estratégias, a superexploração dos camponeses e suas famílias, e, entre eles, dos

jovens”. Assim,

[...] abordar a juventude camponesa exige compreender o território do campo

para muito além de um espaço de produção agrícola em contraposição à

produção industrial, de uma cultura rústica versus cultura moderna ou de um

lugar sem trabalho para um espaço onde se pode produzir para viver com

dignidade, para citar algumas dicotomias. O campo como lugar de vida não se

configura estando em extinção, mas sim como território onde se forma a

juventude camponesa, de múltiplas possibilidades, de novas relações entre

seres humanos e entre estes e a natureza, de novas articulações e

possibilidades de produção/reprodução da vida (LEÃO; ANTUNES-

ROCHA, 2015, p. 26).

Aliando dimensões pulsantes, como: juventudes camponesas, ambiente e cultura, temos

como objetivo desta pesquisa compreender as percepções das juventudes camponesas sobre os

conflitos socioambientais e as mudanças climáticas existentes na comunidade Zé Alves e

Laranjal. Temos como objetivos específicos mapear os conflitos socioambientais por meio dos

mapeamentos participativos com as comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal, verificar

como se dá o envolvimento das juventudes nas lutas locais enfrentadas frente ao avanço do

agronegócio e se percebem mudanças climáticas no território em que vivem. Buscamos

articular também reflexões sobre o desejo das juventudes de sair ou ficar no campo.

Para Molina (2015, p.15) “ficar ou sair não é simplesmente uma escolha ao bel-prazer

dos jovens, mas uma difícil decisão permeada por condicionantes estruturais sobre os quais os

jovens individualmente não conseguem incidir no sentido de superá-las”. Consideramos que

ainda existem jovens que fazem a opção de continuarem a vida no campo, como é o caso de

alguns jovens de Zé Alves e Laranjal. Porém, as condições de vida no campo, a falta de acesso

às políticas públicas específicas para a educação do campo, a falta de alternativas profissionais

que possam garantir emprego e renda na agricultura familiar ou fora dela (FREITAS; SANTOS,

2015), somadas às dificuldades vivenciadas por seus familiares fazem com que muitos tenham

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que sair em busca de novas oportunidades na cidade, essa decisão não deve ser compreendida

como negação da vida e da identidade camponesa.

A partir da percepção de uma jovem do campo, pesquisando as juventudes camponesas

dividimos os escritos dissertativos em quatro capítulos. No capítulo I, apresentamos a biografia

ecológica da pesquisadora, intitulada: “Meu quintal é maior que a cidade”. Antes de iniciar a

escrita da biografia buscou-se inspirações em leituras que pudessem expressar as vivências da

pesquisadora consigo, com o outro e com o mundo. Foram encontradas nas entrelinhas poéticas

do livro “Memórias inventadas – As Infâncias de Manoel de Barros” elementos que

possibilitaram (re)encontros com o quintal que para mim sempre foi maior que a cidade, nesses

(re)encontros reafirmo a minha identidade enquanto educadora-ambiental-camponesa.

Nesse entrelaçamento entre o pertencimento ao lugar de nascimento, as descobertas, as

intimidades, os sonhos e os conflitos pessoais, apresento na biografia ecológica como surge a

identidade com a educação ambiental, quais os acontecimentos marcaram minha caminhada e

o que fez escolher a juventude camponesa como sujeito dessa pesquisa. Consideramos também

o lócus pesquisado, objetivos, metodologia e os conceitos (ainda que superficiais) que

sustentam essa pesquisa, esses serão abordados com maior profundidade nos próximos

capítulos.

Os inscritos do capítulo II, “O preparar da Terra: adubos para a colheita”, perpassam

pelos principais conceitos que SULearam as escolhas epistemológicas e o contexto histórico da

comunidade tradicional Nossa Senhora de Lurdes (conhecida como Zé Alves) e da Comunidade

Remanescente de Quilombo Laranjal. Entender os processos históricos das duas comunidades

é de extrema importância para compreender as injustiças e os conflitos socioambientais, além

das mudanças climáticas existentes nesse território.

No capítulo III, “O germinar da árvore e as ramificações das raízes”, apresentamos as

vivências da pesquisadora nas comunidades lócus desta pesquisa e as escolhas metodológicas

que estão centradas no Mapa Social (SILVA, 2011) criada e desenvolvida no âmbito do Grupo

Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA). Essa metodologia tem

como objetivo evidenciar os grupos sociais invisibilizados e as injustiças ambientais que se

transformam em conflitos, à medida que resistência e a mobilização vão se instaurando nos

territórios por meio de autonarrativas dos próprios sujeitos pesquisados. Neste capítulo,

apresentamos os caminhos percorridos para responder aos objetivos propostos, que foram 7

trabalhos de campo durante o ano de 2016 e 2017, 2 seminários de mapeamento dos grupos

sociais e dos conflitos socioambientais e 12 entrevistas semiestruturadas com as juventudes das

comunidades Zé Alves e Laranjal. Evidenciamos também a história do GPEA, grupo do qual

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faço parte e de onde falo, e o projeto Rede Internacional de Pesquisadores em Educação

Ambiental e Justiça Climática (REAJA) no qual esta pesquisa encontra-se inscrita.

No capítulo IV, “O frutificar da árvore”, primeiramente anunciamos os conflitos

socioambientais evidenciados durante o I e II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado

do Pantanal. Posteriormente, apresentamos sob o olhar da juventude das comunidades Zé Alves

e Laranjal, os conflitos e as mudanças climáticas existentes nesse território. Abordamos

também, como é a vida das juventudes nas duas comunidades e quais fatores têm contribuído

para a saída desse grupo social. Destacamos que os resultados aqui apresentados além de dar

visibilidade a um grupo social com pouca audiência nos meios acadêmicos, possibilitará

compreender quais as percepções desse grupo sobre os conflitos socioambientais e as mudanças

climáticas nas comunidades Zé Alves e Laranjal inseridas no Cerrado do Pantanal.

1.2 - Biografia Ecológica: meu quintal é maior que a cidade

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A

gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o

tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com

as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas

do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do

mundo. Justo pelo motivo da intimidade

(Manoel de Barros, 2010).

A biografia ecológica é muito utilizada pelo GPEA. Sato (2011) apresenta que por meio

da biografia ecológica pode-se expressar como a dimensão ambiental foi fazendo parte da vida

das pessoas, possibilitando ainda uma reflexão entre a IDENTIDADE, situada em um

determinado TERRITÓRIO, em uma determinada TEMPORALIDADE que levaram à

pesquisa em Educação Ambiental. Tudo isso para compreender a relação entre pesquisador/a e

o contexto pesquisado. A princípio foi uma descoberta poder iniciar um trabalho acadêmico

(re)fazendo os caminhos percorridos da minha própria história, apresentando vivências pessoais

como jovem do campo, fazendo ainda um entrelaçamento com as temáticas ambientais e

campo. Sato (2004, p. 54) acrescenta que nas pesquisas em educação ambiental deve-se “[...]

iniciar nesta reflexão pessoal, com a pergunta “quem sou eu?”.

Na tentativa de responder essa pergunta, busquei novos conhecimentos e saberes,

movida pela curiosidade que me inquieta, que me insere na busca (FREIRE, 1996) como

educadora-camponesa, foi possível perceber o quanto o tema pesquisado se entrelaça com a

minha inserção no mundo. Assim, “neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e revivo,

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no texto que escrevo, a experiência vivida “[...] (FREIRE, 1989, p. 09). No início de cada

parágrafo, as palavras de Paulo Freire serão utilizadas, com o intuito de contar momentos

vividos, momentos esses que possibilitaram trilhar caminhos em um grupo pesquisador em

educação ambiental.

Revivo os caminhos percorridos sempre na companhia dos meus pais. As experiências

vividas no serviço do sítio, como roçar, carpir e preparar a terra para o plantio, possibilitaram

desde muito criança uma relação de intimidade com a natureza, principalmente, pelas

constantes iniciativas de coletar sementes em meio a mata nativa, preparar as mudas e plantar

no pequeno sítio. O sítio que vivi minha infância ficava ilhado entre as cercas físicas dos

grandes latifúndios, nosso deslocamento até a comunidade de Catuaí, localizada a

aproximadamente 30 km do município de Juara/MT3, se dava de carroça em meio aos imensos

campos do agronegócio. Os donos desses latifúndios sempre mudavam a rota da estrada, às

vezes, colocavam cadeados impossibilitando a passagem.

Ao escrever o texto, minhas memórias afetivas insistem em trazer a relação com meu

pai. Por ter sido professor, ensinava seus filhos a ler e escrever, não apenas palavras, mas

também o mundo. A inspiração surge dos inscritos de Freire (1989) para dizer que não houve

alfabetização com quadros ou no chão do quintal da casa à sombra das mangueiras, mas no fim

das tardes com palavras do mundo que me movia, assim ao chegar à escola já estava

alfabetizada. Durante a infância também me apresentou um ambiente permeado de sons, tons e

sabores, talvez naquela época não tivesse maturidade suficiente para perceber que as minhas

vivências no sítio eram também um processo formativo em educação ambiental.

Hoje compreendo que no período escolar, enquanto o livro didático me mostrava uma

natureza distante da minha realidade, meu pai me cercava de conhecimentos populares sobre o

ambiente que jamais aprenderia nos bancos escolares. Apesar da escola ter um potencial para

ser um dos espaços de ação-reflexão-ação em educação ambiental, em minha vida escolar foi

como na maioria das escolas do país, com temas pontuais em datas comemorativas como o dia

da árvore, a semana do meio ambiente ou quando eram estudadas temáticas que fazíamos

correlação com as questões ambientais. Nos espaços escolarizado e não escolarizado essa

realidade não se difere, essas ações são desenvolvidas com pouca atenção ao processo formativo

3 A ocupação do município de Juara-MT se inicia em 1971 por uma empresa privada em plena ditadura militar

(1964-1985), dirigida pela SIBAL – Sociedade Imobiliária da Amazônica Ltda com a compra de 35.114 hectares

de terras devolutas do Estado denominadas Gleba Taquaral, localizadas no município de Porto dos Gaúchos, a

aproximadamente 50 km da área que atualmente se localiza o município de Juara. A SIBAL se instalou no norte

de Mato Grosso e em outros estados da Amazônia Legal com o apoio e aprovação dos órgãos federais justificando

que era necessário “integrar para não entregar” o Brasil aos interesses de estrangeiros (SANT’ANA, 2009).

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em si, ou seja, são propostas por intermédio da simples distribuição de folder, cartazes ou trilhas

(SATO, 2002). Diante dessa realidade,

[...] faz-se necessário uma luta diária para que a Educação Ambiental

Escolarizada seja efetivamente uma realidade permanente e contínua. Nesse

sentido a participação e o comprometimento de toda comunidade escolar é

fundamental para a superação dos obstáculos postos, na garantia de um

trabalho efetivo de Educação Ambiental nas escolas (SENRA, 2009, p. 49).

Eis o grande desafio das ações de educação ambiental, ser uma realidade permanente e

contínua. Pesquisas têm demonstrado que a educação ambiental ainda está relacionada a uma

visão ingênua e romântica, voltada somente para a coleta seletiva de lixo, cultivos de hortas,

palestras sobre sustentabilidade e reciclagem (JABER-SILVA, 2012). Geralmente,

desconsiderando a criticidade sobre os modelos de desenvolvimento ou das ações humanas que

destroem a natureza ameaçando todas as formas de vidas existentes.

Movida por esperanças e sonhos re-crio em meu pensamento o pequeno mundo

particular que se limitava na extensão do meu quintal, que me possibilitou uma infância livre,

longe das selvas de pedras, do barulho da cidade e dos carros, meu pequeno mundo era cercado

de árvores, flores, um pomar com muita laranja, manga, mexerica, goiaba, pinha, mamão,

banana e o seringal, espaços esses que eu e minha irmã passávamos a maior parte do dia

brincando e fazendo peraltices.

Neste esforço a que me vou entregando apresento minhas vivências no sítio que me

possibilitaram ouvir o canto dos pássaros; sentir o cheiro das flores de laranjeira, que durante a

florada o verde dava lugar a lindas flores brancas com muitas abelhas; sentir o sabor das frutas

e o cheiro da terra molhada durante as chuvas; brincar com as borboletas amarelas e brancas no

rio que ficava próximo à casa de meus avós, esse foi o meu universo particular, meu pequeno

mundo.

De todas essas lembranças do mundo particular que me movia, o quintal foi o primeiro

mundo, “nele engatinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei” (FREIRE, 1989, p. 10). Da casa

simples com lampião, lamparina e fogão a lenha em que nasci e cresci, rodeada de árvores que

me possibilitaram brincar em sua sombra e em seus galhos me faz responder: “Quem sou eu?”.

Eu sou a menina da Catuaí4, sou camponesa, filha de camponeses, aluna de uma escola do

campo multisseriada, que deixou o campo arbitrariamente aos quinze anos para concluir o

Ensino Médio, Superior e que hoje desenvolve essa pesquisa com as juventudes camponesas.

4 Termo utilizado no trabalho de conclusão da pós-graduação em Docência no Ensino Superior intitulado:

Repensando práticas educativas e a formação dos educadores da educação do/no campo: uma interface com a

UNEMAT.

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Considero minha saída do campo como arbitrária, porque sempre tive uma relação de

distanciamento da cidade. Mudar para a cidade significou adaptar-me a um modo de vida

totalmente diferente do que estava acostumada, a cidade não era um mundo particular, era o

mundo dos outros ao qual precisei aos poucos ir me adaptando. Na escola da cidade sentia falta

da relação escola-comunidade-escola, não me sentia como parte daquele mundo. As

brincadeiras com a frase: “você é doida ou veio da Catuaí com o motosserra nas costas” eram

constantes, somando-se a isso a timidez, a saudade de casa e as dificuldades de aprendizagens

me deixaram doente e eu só queria voltar para a minha comunidade.

Recordo-me que alguns professores/as traçavam o perfil daqueles estudantes que tinham

condições de passar em um vestibular, eu era a que não tinha condições, sempre muito tímida,

falava muito errado5, não por ser caipira como muitas vezes fui chamada, mas por ter problema

na fala e não conseguir pronunciar corretamente muitas palavras.

A escola só olha o aluno, e não vê que por trás do aluno tem uma criança, tem

um jovem, tem um adulto, tem um ser humano [...]. Não tratem o aluno como

número, não tratem o aluno como aluno, tratem como sujeitos, sujeitos que

trazem história, que têm diferenças. É diferente ser mulher e homem, negro e

branco. É diferente ser criança, do que ser adolescente, jovem. Tratar o aluno

como gente, no seu tempo, na sua idade, no seu gênero, na sua raça, na sua

história, na sua diversidade, no seu momento de formação humana

(ARROYO, 1999, p. 19-20).

Com essa reflexão sobre a escola, reafirmo que a minha trajetória foi arbitrária,

acrescento que a mim e a tantos outros jovens foram e continuam sendo negados os direitos à

educação no campo, acesso ao Programa Nacional e Educação na Reforma Agrária (Pronera),

Pro-Jovem Campo e o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação

do Campo (Procampo) entre outras políticas públicas pensadas para essa realidade. Essa difícil

decisão não foi e ainda não é uma escolha pessoal, as juventudes do campo querem sim uma

formação profissional, trabalho, oportunidades para melhorar de vida, mas também almeja ter

a oportunidade e o direito de poder escolher entre o sair e o ficar no campo.

Essa realidade vivida como jovem do campo foi me aproximando do tema que me

propus a pesquisar no Mestrado. Nas comunidades Zé Alves e Laranjal, lócus desta

investigação, essa realidade não é diferente, podendo ser percebido nas falas e gestos dos jovens

entrevistados o desejo de permanecer no território camponês, mas acabam deixando o campo

em busca de melhores condições de vida na cidade. E, muitas vezes, também são impulsionados

5 O falar errado nesta dissertação não se refere ao dialeto caipira, mas ao fato que desde criança não consigo

pronunciar palavras com R e L, dentre outras.

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pelos conflitos socioambientais e as mudanças climáticas que impossibilitam que a identidade

camponesa, produzida e reproduzida a partir do contato direto com a natureza, seja mantida.

Enquanto jovem do campo, inúmeras ações de exploração e destruição da natureza

foram presenciadas por mim, primeiro pelas atividades de pecuária extensiva, em seguida o

desmatamento de imensas áreas de florestas nativas e atualmente, as avassaladoras atividades

realizadas pelas monoculturas. Desses ciclos viciosos de destruição, as ‘julietas’6 carregadas de

madeiras constituíram uma das imagens que mais me inquietou, por morar na principal estrada

de acesso à comunidade, presenciava ações desta natureza diariamente, as ‘julietas’

transportavam as madeiras na calada da noite.

Essas atividades criminosas na comunidade de Catuaí, para fraudar a fiscalização do

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) eram

frequentes, assim como o rastro da destruição deixada. Silva (2011, p. 132) considera que “[...]

a riqueza do agronegócio e da exploração madeireira gera renda e poder para alguns, em

contraste com a escassez, a fome e a miséria de muitos”. Esse é o cenário que vem sendo

desenhado no Estado de Mato Grosso.

O campo não é apenas o lugar do agronegócio, da agroindústria, do latifúndio, da

grilagem de terra (FERNANDES, 2002), para o autor, o campo é também o território dos

camponeses, quilombolas, indígenas, pantaneiros, seringueiros, assentados, acampados e tantos

outros grupos sociais que possuem sua identidade cultural com o ambiente e resistem a esse

sistema capitalista que se fortalece com a destruição de outros territórios. Para o autor esses

dois campos são organizados de formas distintas, ou seja, a partir das diferentes relações sociais

que são estabelecidas. Nessa relação enquanto o campo do agronegócio organiza seu território

para a produção em larga escala, o camponês primeiro organiza seu território para sua existência

Com essa compreensão, o campo do qual se discute não é o campo do agronegócio, mas o

campo do camponês, da camponesa e da juventude camponesa, caracterizado pela grande

presença de pessoas, onde se estabelecem relações na sua totalidade que geram vida, cultura,

arte, mística e religiosidade.

O conceito de campo substitui o termo meio rural, desde então passa a ser utilizado para

pensá-lo em sua totalidade, isto é, “[...] designar como o lugar, os sujeitos, suas práticas,

acrescentando a intencionalidade de resistência e luta por mudanças na realidade camponesa”

(LEÃO; ANTUNES-ROCHA, 2015, p. 20), no entanto, também pode-se utilizar o conceito de

6 As julietas são caminhões utilizados para o transporte de madeiras. No município de Juara-MT durante a

realização da pesquisa no curso de Licenciatura em Pedagogia (2008-2011) era comum encontrar julietas pelas

estradas na zona rural e nas ruas da cidade.

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território ou território do campo. Para os autores surge como uma “[...] possibilidade de lidar

com o campo como espaço de cultura, educação, organização política e lazer, entre outras. O

conceito nessa perspectiva amplia-se para além da noção de espaço. O espaço é ponto de

referência, é identidade, mas não é limite” (p. 20).

Nessa transitoriedade entre o território do campo e a cidade sonhava em fazer

Engenharia Florestal. O sentimento de incertezas e inseguranças em relação ao futuro

profissional me levaram a escolher uma profissão que estabelecesse uma proximidade com as

práticas de cuidados com o ambiente realizadas juntamente com meu Pai. Na minha

compreensão, ser Engenheira Florestal me possibilitaria estar perto do meio ambiente e realizar

projetos de preservação de áreas naturais. Sou encantada pela beleza das árvores, talvez pelo

fato de sempre ajudar meu pai na coleta das sementes, preparo das mudas e plantio.

As árvores sempre me atraíram. As suas frondes arredondadas, a variedade de

seu verde, sua sombra aconchegante, o cheiro das flores, de seus frutos, a

ondulação de seus galhos mais intensa, menos intensa em função de sua

resistência ao vento. As boas-vindas que suas sombras sempre dão a quem a

elas chega, inclusive a passarinhos multicores e cantadores. A bichos, pacatos

ou não que nela repousam (FREIRE, 2015, p. 19).

O sonho foi interrompido quando meus pais me disseram que não seria possível me

manter em outra cidade, já que o curso seria integral e a renda familiar era insuficiente. Fui

aconselhada fazer o vestibular de Pedagogia na Universidade do Estado de Mato Grosso

(UNEMAT) por ser o único curso superior público disponível no Vale do Arinos7.

Lamentavelmente, o acesso ao Ensino Superior ainda é privilégio de uma parcela reduzida da

população brasileira, porém, com os avanços nas políticas públicas de apoio como o Fundo de

Financiamento Estudantil (FIES), Programa Universidade para Todos (ProUni), entre outros,

às classes populares têm sido concedidas maiores oportunidades e acesso à formação.

A entrada em um curso que não era de minha vontade no início me frustrou, mas aos

poucos fui aprendendo a gostar, fui compreendendo que “ninguém nasce feito. Vamos nos

fazendo aos poucos [...]. Não nasci educadora ou marcada para sê-la [...]” como afirma Freire

(2001, p. 40, grifo nosso), mas fui me constituindo a partir das leituras, aulas teóricas e práticas,

estágios de observações e intervenções e principalmente, no fazer pesquisa. Durante os quatro

anos foi preciso superar desafios e preconceitos, sobretudo relacionados com a fala. Na

concepção de alguns professores/as eu era caipira8, para ser professora deveria aprender falar

7 Região norte do estado de Mato Grosso composto por quatro municípios: Juara, Novo Horizonte do Norte, Porto

dos Gaúchos e Tabaporã. 8 A palavra caipira vem do tupi e significa “cortador de mato”, é aquele que capina. O caipirês, ou dialeto caipira,

é uma linguagem oral e regional que não segue os padrões de norma culta das gramáticas da Língua Portuguesa,

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primeiro. Essa situação me fez pensar em desistir, porém, fui conhecendo professoras que me

mostraram que a língua caipira é uma expressão cultural muito presente em Mato Grosso, que

deve ser observada sem exclusão ou discriminação.

O Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia teve como objetivo compreender como

os/as educadores/as da rede municipal e estadual que atuavam no II Ciclo têm abordado a

educação ambiental no ambiente escolar, considerando os desmatamentos no município de

Juara/MT. Diversos foram os motivos que me levaram a desenvolver esta pesquisa, entre eles

as minhas vivências no sítio, os constantes noticiários de desmatamentos realizados no

município de Juara e no Estado de Mato Grosso e a incipiência de pesquisas na UNEMAT-

Campus Juara, voltadas para as questões ambientais.

Quando terminei a graduação voltei para a “minha comunidade de Catuaí” como

cariosamente sempre à chamei, iniciando a primeira experiência como educadora. As vivências

em sala de aula na mesma escola que estudei por oito anos me possibilitaram significativas

reflexões sobre o ser educadora, despertando o olhar de frente, à pertença, o sentir-se parte9

(MOURÃO SÁ, 2005) para (re)construir em mim a minha identidade como parte do campo.

Em minha caminhada como educadora durante dois anos na Escola Municipal Rui

Barbosa de Catuaí me dediquei a realizar um trabalho com amorosidade aos educandos/as,

deixando transparecer como nas palavras de Freire (1996, p.15), as [...] bonitezas de nossa

maneira de estar no mundo e com o mundo [...]. Nas minhas práticas de ensino aprendizagem

como educadora do campo sempre busquei desenvolver um trabalho voltado para a realidade

que estão inseridos conectado com a vida da comunidade e dos sujeitos que fazem parte dela.

Não é um ensino de fora para dentro, mas de dentro para fora, em uma dialogicidade com a

vivência e as necessidades (PORTO, 2016).

Na condição de professora-cidadã-camponesa fui desafiada por minha orientadora no

curso de Pós-Graduação em Educação e Diversidade (201210), a pesquisar a minha realidade,

mas que tem, como qualquer outra língua, identidade, expressa um povo, conta sua história e expõe a cultura.

Disponível em: <http://oguari.blogspot.com.br/2014/12/o-preconceito-linguagem-caipira-um.html>. Acesso em:

09 mai. 2017. 9 Mourão Sá (2005) apresenta em m suas reflexões que o pertencimento ainda é um conceito em construção, o

pertencimento mesmo existente, não é um conceito definido, trata-se de um modo de relação com o ambiente

vivido e, muitas vezes, é fluido por ser utilizado num discurso que não se apresenta uma trajetória de vivência. No

entanto, quando me utilizo desse conceito o trago para apresentar as minhas vivências em um ambiente

transformado pela introdução da monocultura de soja. 10 Neste mesmo ano realizei dois testes seletivos para professora da Universidade do Estado de Mato Grosso –

Campus de Juara, na primeira tentativa não passei e durante a segunda fui humilhada por alguns dos/as

avaliadores/as, que questionaram o meu “modo caipira de falar”, afirmaram que era inaceitável uma professora na

Universidade que não soubesse falar direito, que deveria aprender para depois pensar em ser professora. Com

muita dedicação fui aprovada, sendo professora do curso de Pedagogia durante três anos (2013 a 2015). O

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um estudo de dentro para fora que possibilitasse denunciar os impactos socioambientais

ocasionados a partir da introdução da monocultura de soja no distrito de Catuaí. Confesso que

a princípio tive receio, pois em 2008 durante as reuniões do Zoneamento Socioeconômico

Ecológico de Mato Grosso (ZSEE-MT) no município de Juara-MT, presenciei professoras da

UNEMAT sendo ameaçadas por grupos economicamente fortes. As “forasteiras” como eram

assim chamadas sofreram todas as formas de perseguições, eu em minha fragilidade talvez por

ter crescido naquele ambiente e sempre silenciar, em um primeiro momento me neguei, no

entanto, por compreender que não existe neutralidade em nossas escolhas, aceitei o desafio de

denunciar, anunciar e dar visibilidade aos problemas socioambientais vivenciados em Catuaí.

A pesquisa desvelou uma comunidade dividida entre aqueles que compreendem a

introdução da monocultura como uma possibilidade de melhoria na qualidade de vida, gerando

emprego e renda, contribuindo para o aumento populacional e, aqueles que se preocupam com

os impactos socioambientais decorrentes da introdução da monocultura. Pesquisas já realizadas

afirmam que essas atividades econômicas têm ocasionado em todo o estado erosão e

desertificação do solo; perda da biodiversidade; destruição das matas; assoreamento e

contaminação dos rios, riachos e lagoas provocados pelo uso indiscriminado de venenos que

matam a fauna aquática desses habitats, além de serem prejudiciais à saúde dos/as

trabalhadores/as do campo (JABER-SILVA, 2012; MOREIRA, 2017).

Atualmente, a comunidade de Catuaí encontra-se cercada pelas monoculturas, os

moradores/as sofrem com o uso abusivo de agrotóxicos lançados por avião nas casas dos sítios,

rios, lagos e lagoas, provocando a morte de peixes, contaminação do solo, do ar e de todos os

seres vivos. Moreira (2017, p. 107) relata que “o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do

mundo e Mato Grosso, estado promissor do agronegócio, é o campeão brasileiro, consumindo

18,9% do total utilizado no país”. Os dados apresentados fazem compreender que as

comunidades do campo estão sendo reprimidas pelo agronegócio, por um modelo

agrário/agrícola dominado pelo capital, essa relação entre monocultura e latifúndio tem

ocasionado impactos socioambientais que afetam diretamente o modo de vida dessas

populações.

Em 2013, ao iniciar a Pós-Graduação em Docência no Ensino Superior, busquei

compreender como a UNEMAT-Campus de Juara tem contribuído para a formação dos/as

professores/as do Campo. As leituras e entrevistas me fizeram entender que a fragilidade estava

muito além da ausência de uma formação específica, mas principalmente pela ausência de

envolvimento nos projetos de pesquisa e extensão, as pós-graduações contribuíram para meu amadurecimento

pessoal e profissional.

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identidade com o campo. Construir uma educação do campo significa formar educadores/as do

e desde o povo que vive no campo, cujo trabalho principal é o de fazer e o de pensar a formação

humana, construindo uma educação do povo do campo e não apenas com eles, nem muito

menos para eles (CALDART, 2004).

As pesquisas realizadas foram motivadas pelos sentimentos de incompletude, pela busca

de respostas e novos saberes, assim, realizei a seleção11 para o Mestrado três vezes. A não

aprovação nas duas primeiras me fizeram compreender que tudo tem seu tempo, foi preciso

esperar o tempo certo. Em 2015 fui aprovada no mestrado em Educação na Universidade

Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT), na linha de pesquisa: Movimentos Sociais, Política

e Educação, entrei para o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

(GPEA). A proposta inicial era pesquisar a juventude camponesa da comunidade de Catuaí,

levando em consideração a ausência de políticas públicas voltadas para a formação inicial e os

fatores que impulsionam as juventudes deixarem o campo.

Após conversa com minha orientadora, a proposta da pesquisa foi modificada, primeiro

pela distância entre Cuiabá e Juara, e ausência de financiamento para pesquisas nessa região,

segundo pela postura assumida pelo GPEA em realizar as pesquisas coletivamente, buscando

transcender o isolamento do pesquisador, valorizando diálogos entre os diferentes

pesquisadores/as. Embasado na Pedagogia Freireana, o diálogo dos saberes perpassa a relação

pedagógica e é pressuposto epistemo-praxiológico para o processo de investigação científica.

Em outras palavras, visa a formação de um grupo pesquisador que não privilegie somente a

racionalidade, mas que acolha os sentimentos, a subjetividade e a afetividade na construção do

saber (SATO; SENRA, 2009, p.140).

O Mestrado foi se compondo em uma mistura de sonhos e renúncias: renunciei horas de

lazer por horas de estudo, renunciei um concurso público que me dava estabilidade profissional,

renunciei o aconchego da família, dos amigos, chorei de saudade. Essas vivências entre o EU

solitário e o NÓS coletivo me fizeram olhar o mundo com outros olhos, possibilitando uma

experiência transformadora tanto na vida pessoal como profissional. Nesse caminhar ora

coletivo, ora solitário, estudando...estudando...estudando, com leituras que não acabavam mais,

mas que me fizeram (re)descobrir novos conceitos, conhecer lugares, pessoas, histórias para

isso foi “[...] preciso ter coragem para renunciar certos conceitos ou sonhos [...]” (SATO, 2011,

p. 12).

11 Realizei a seleção do mestrado em Educação na Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT em 2013

e 2014, e em 2015 mandei o processo para a UNEMAT, sendo que acabei desistindo de realizar após a aprovação

na prova escrita na UFMT.

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Foi nesse (re)descobrir e em conversas com minha orientadora e coorientadora que a

proposta da pesquisa foi alterada, mas o sujeito, a juventude camponesa, foi mantido, os

conflitos e a relação com a natureza. Nesse percurso, me desprender da minha história, das

amarras em mim construídas e vivenciar a pesquisa em outra cidade e comunidade com uma

cultura totalmente diferente, não foi uma tarefa fácil, pois meus escritos e falas sempre me

levavam para a comunidade de Catuaí. Porém, a cada leitura, colóquio, orientação, visitas em

lócus e conversas com os sujeitos, me encontrava comigo mesma. Passei a enxergar que a

realidade dessas comunidades pesquisadas e de Catuaí não eram diferentes. Nessa caminhada,

amorosa e coletiva, de um grupo pesquisador, possibilitou (re)encontros comigo, fortalecendo

minha identidade enquanto educadora-ambiental-camponesa.

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CAPÍTULO II - O PREPARAR DA TERRA: ADUBOS PARA A COLHEITA

O Cio da Terra

(Milton Nascimento)

Debulhar o trigo

Recolher cada bago do trigo

Forjar no trigo o milagre do pão

E se fartar de pão

Decepar a cana

Recolher a garapa da cana

Roubar da cana a doçura do mel

Se lambuzar de mel

Afagar a terra

Conhecer os desejos da terra

Cio da terra, propícia estação

E fecundar o chão.

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2.1 - Nos caminhos da Educação Ambiental

“As nossas mãos entrelaçadas, as nossas vozes em coro, poderão

possibilitar que, muitas outras vozes –silenciadas pelo progresso

desta nação – sejam ouvidas”

(Regina Silva, 2011).

O atual modelo econômico presente no campo, centrado em grandes latifúndios e na

monocultura, altera os espaços de vida e silencia as vozes dos povos do campo. Nessa lógica

que visa apenas o acúmulo de capital, os componentes naturais são transformados em

mercadorias sem muita preocupação com a dimensão ambiental, social e cultural, provocando

assim, impactos socioambientais, injustiças ambientais/climáticas e desigualdades sociais entre

grupos que possuem modos diferentes de se relacionar com o ambiente, além da destruição das

oportunidades de trabalho e a perca das diversidades culturais enquanto povos do campo.

Neste contexto, o agronegócio ao alterar o campo brasileiro está propondo um campo

voltado apenas para o lucro, consequentemente os diferentes grupos que vivem nestes

ambientes estão sendo desapropriados, obrigados a migrarem para as periferias dos grandes

centros urbanos dando espaços para as monoculturas de exportação. Por meio desta realidade

compreendemos que para esses grupos continuarem existindo, é necessário que permaneçam

resistindo em seus territórios, lutando pela terra e contra essa lógica exploratória do agronegócio

que tem como objetivo pouco a pouco dominar todos esses espaços. Se tal situação é aceita,

também aceita-se as desigualdades sociais com os povos do campo e as injustiças com a

natureza (SATO, 2004).

Observamos que a destruição dos espaços de vida “[...] mostra-se cada vez mais móvel,

acionando sua capacidade de escolher seus ambientes preferenciais e de forçar os sujeitos

menos móveis a aceitar a degradação de seus ambientes ou submeterem-se a um deslocamento

forçado para liberar ambientes favoráveis para o empreendimento” (ACSELRAD, 2004, p. 32).

No entanto, muitos grupos que estão sendo forçados a deixar seu território, continuam resistindo

às pressões realizadas pelo capitalismo. Para Fernandes (2011, p. 182), “[...] é na luta contra o

capitalismo que o camponês se recria, porque a lógica do capital é a destruição do próprio

camponês, mas é uma contradição nesse processo, a contradição é que o capital também recria

o camponês”.

Essas ações de exploração constante e desenfreada que busca o desenvolvimento o mais

rápido possível contribui com a devastação do ambiente. Nos dias atuais, a humanidade já tem

sentido os efeitos dessa relação, como o aquecimento global, elevação dos oceanos, mudanças

climáticas, escassez de água, abundância de chuvas em algumas regiões e ausências em outras,

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entre tantos fatores que afetam diretamente a vida do ser humano. As ações evidenciadas são

resultados das profundas transformações ocorridas durante séculos, onde a natureza foi sendo

transformada em recurso a ser explorado, “[...] como se fosse um recurso inesgotável, vista de

forma fragmentada, sem a preocupação e o respeito com as relações dinâmicas do equilíbrio

ecológico e sua capacidade de suportar os impactos (GUIMARÃES, 2007, p.87)”. Essas

situações têm contribuído para uma crise de bens naturais, energéticos e alimentares afetando

diretamente os grupos desfavorecidos economicamente.

Diante dessa crise ambiental provocada pelas expropriações da natureza, Guimarães

(2007) considera que esses problemas socioambientais não devem ser vistos como aspectos

isolados de cada realidade, pois a natureza dos problemas é determinada pelo modelo de

sociedade e sua maneira de se relacionar com o meio, historicamente sociedade e a natureza se

constituíram de lados opostos. Nesse sentido, temos uma sociedade centrada apenas em

aspectos “[...] antropocêntrico, cartesiano, individualista, consumista, concentrador de riqueza,

que gera destruição em sua relação de dominação e exploração, antagônico às características de

uma natureza que é coletiva, que recicla, que mantém a vida” (ibidem, p.88).

Na tentativa de provocar mudanças de comportamento em uma sociedade totalmente

egocêntrica que não mede suas consequências para obter lucros, fios de esperanças devem ser

depositados nas ações de educação ambiental. Para Silva (2011) mesmo que ainda não se tenha

encontrado soluções imediatas para os dilemas socioambientais vivenciadas nos três biomas:

Cerrado, Pantanal e Amazônia, onde o grupo pesquisador desenvolve suas pesquisas, ousa-se

pincelar paisagens antes invisíveis e negadas, para isso, “aliam-se mãos, cabeças, corações e

almas, de todos aqueles que, lutam por uma ecologia da resistência, no poder da arma mais

poderosa que ainda temos e, que ninguém nos retira: a esperança” (p.168).

Nessa pesquisa caminhamos juntos, lado a lado e entrelaçadas com a educação

ambiental e educação popular, aliando à valorização da cultura e o respeito aos diferentes para

que assim possam contribuir com a construção de sociedades sustentáveis com empoderamento

político, social e econômico ao invés de desenvolvimento sustentável que é um conceito

hegemônico voltado apenas para a geração de lucros, satisfação das necessidades atuais sem

pensar nas gerações futuras (SATO; PASSOS, 2002; SATO, 2008).

Outro fator fundamental para superar esses dilemas é pensar na realização de propostas

e ações de educação ambiental, não do ponto de vista do isolamento como se o ser humano não

fizesse parte da natureza, mas na integração entre ser humano e natureza, conseguindo assim

“[...] alcançar um pensamento mais complexo, mais justo, que considere uma visão mais

integradora da sociedade humana e de suas relações com a natureza” (SATO, 2004, p. 55). Com

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esse pensamento o grupo pesquisador desde a sua formação tem buscado essa integração,

rompendo com os moldes tradicionais, possibilitando alianças entre o saber científico e a

militância, contribuindo para diálogos permanentes entre sociedade civil, comunidades

tradicionais e grupos sociais em situação de vulnerabilidade (SATO, 2013; AMORIN, 2017).

Nesse sentido, a educação ambiental deve assumir

[...] sua parte no enfrentamento dessa crise radicalizando seu compromisso

com mudanças de valores, comportamentos, sentimentos e atitudes, que deve

se realizar junto à totalidade dos habitantes de cada base territorial, de forma

permanente, continuada e para todos. Uma educação que se propõe a fomentar

processos continuados que possibilitem o respeito à diversidade biológica,

cultural, étnica, juntamente com o fortalecimento da resistência da sociedade

a um modelo devastador das relações de seres humanos entre si e destes com

o meio ambiente (TRAJBER, SORRENTINO, 2007, p. 14).

As reflexões apresentadas sobre as relações estabelecidas entre ser humano e natureza

oferecem elementos para apresentar os conceitos e caminhos da educação ambiental que

alicerçam esta pesquisa, já que como afirma Sauvé (2005), é possível encontrar uma diversidade

de correntes12 que aborda o campo da educação ambiental, mas poucas querem combater as

queimadas, desmatamentos e tantos outros impactos provocados pelo poder econômico dos

grandes latifundiários que contribuem para a formação de uma sociedade tão desigual.

Quando se aborda o campo da educação ambiental, podemos nos dar conta de

que apesar de sua preocupação comum com o meio ambiente e do

reconhecimento do papel central da educação para a melhoria da relação com

este último, os diferentes autores (pesquisadores, professores, pedagogos,

animadores, associações, organismos, etc.) adotam diferentes discursos sobre

a EA e propõem diversas maneiras de conceber e de praticar a ação educativa

neste campo (SAUVÉ, 2005, p. 17).

Ancorada nos princípios do grupo pesquisador que valoriza o diálogo de saberes,

entendemos ser possível agregar diferentes áreas do conhecimento e pensar ações coletivas para

provocar mudanças de comportamentos e atitudes no ser humano em sociedade, para isso se

faz necessário romper com essa ideia de uma educação ambiental centrada apenas em ações

momentâneas, ingênuas e pontuais.

12 Para Sauvé (2005, p.17-18) a noção de corrente refere-se aqui a uma maneira de conceber e de praticar educação

ambiental. Podem se incorporar, a mesma corrente, uma pluralidade e uma diversidade de proposições. Por outro

lado, uma mesma proposição pode corresponder a duas ou três correntes diferentes, segundo o ângulo sob o qual

é analisada. Finalmente, embora cada uma das correntes apresente um conjunto de características específicas que

a distingue das outras, as correntes não são, no entanto, mutualmente excludentes em todos os planos: certas

correntes compartilham características comuns. Esta sistematização das correntes torna-se uma ferramenta de

análise a serviço da exploração da diversidade de proposições pedagógicas e não um grilhão que o obriga a

classificar tudo em categorias rígidas, com o risco de deformar a realidade.

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É preciso agregar as lutas, fortalecer as esperanças para transformar a realidade, pois

como afirma Freire (1992, p. 05), “pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar

movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo,

no fatalismo”. Portanto, assumimos nesta pesquisa uma postura crítica, não neutra, política,

transformadora e impossibilitada de neutralidade frente aos problemas socioambientais, que

posiciona-se contra o desenvolvimento hegemônico, antropocêntrico e meritocráta que altera e

devasta as paisagens naturais (SATO; PASSOS, 2003; SATO; SENRA, 2009; MOREIRA,

2017). Uma postura que possibilite mobilizações diante dos problemas socioambientais e

climáticos, que ajude a pensar ações coletivas e transformadoras, já que a educação ambiental

possui uma força agregadora,

[...] que move diferentes pessoas e grupos reside na esperança de que com ela

poderemos colaborar para ressignificar os paradigmas de nossa sociedade,

transpassada por crises de diferentes magnitudes, mas que em suas bases

revelam quase sempre relações desiguais de forças entre os seres humanos

entre si e com o meio ambiente, permeadas por injustiças ambientais (SILVA,

2013, p. 27).

Exige ainda muitos esforços para cumprir pelo menos uma parte dos desafios que se

propõe enfrentar, afinal “nossa tarefa ainda está longe de ser concretizada, mas os sonhos ainda

permitem um lugar especial a nossas esperanças” (SATO, 2002, p. 15). Enquanto educadores/as

ambientais mediados pela educação popular, buscamos dialogar com as comunidades que

resistem nos territórios na busca por um ambiente ecologicamente equilibrado e socialmente

justo. São nesses espaços onde prevalece as injustiças que o grupo pesquisador foi fortalecendo

laços e experiências entre o campo da educação ambiental e a educação popular, principalmente

em pequenas comunidades que são invisibilizadas pelos grandes latifúndios fortemente

presente neste estado, possibilitando assim, pensar e propor uma educação ambiental popular.

A educação ambiental popular pensada e sustentada por Senra (2009) e Moreira (2017),

busca fundamentos na educação libertadora de Paulo Freire, nessa concepção é ressaltada a

importância dos diálogos constantes e permanentes com as comunidades, objetando a reflexão

crítica da realidade. Oferecendo também caminhos para organizarem suas ações de lutas e

resistência contra o processo de opressão e exclusão comandado pelo agronegócio, que recaem

em maior quantidade e de maneira desproporcional nas comunidades e nos grupos sociais em

situação de vulnerabilidade socioambiental.

Diferente das pesquisas realizadas pelo GPEA que utiliza o termo educação ambiental

popular, Jussara Botelho Franco (2015) no livro “Prática social como prática pedagógica em

educação popular ambiental”, utiliza o termo educação popular ambiental, destaca-se que

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ambas buscam inspiração na educação ambiental e educação popular Freireana. Na concepção

de Franco (2015), a educação popular ambiental deve ser pensada como um elemento mediador

na tessitura desses caminhos percorridos com pesquisas realizadas em comunidades, pois é uma

tentativa ousada, mas pode ser uma das possibilidades de apresentar as reais necessidades

socioambientais desses grupos sociais.

[...] para trabalhar com sujeitos em situações de “vulnerabilidade

socioambiental” em especial com movimentos populares em geral, a educação

antes de ser popular, ambiental e nã0-formal tem que ser entendida e praticada

segundo os princípios da teoria educacional crítica, que são os princípios que

fundamentam a educação popular, a educação ambiental e a educação não-

formal em sua vertente transformadora [...] (FRANCO, 2015, p. 123).

Entendemos que ao possibilitar encontros entre as comunidades do Cerrado do Pantanal

por meio dos mapeamentos participativos, além de dar visibilidade a esses grupos que estão

sendo invisibilizados e aos conflitos socioambientais, esses momentos foram imprescindíveis

para a mobilização e organização das comunidades contra a introdução avassaladora das

monoculturas. Acreditamos que são nesses espaços de lutas que as “[...] resistências ocorrem

nos territórios onde os grupos vulnerabilizados resistem e afirmam os seus modos de vida, é

nesses espaços que nós, educadoras ambientais apropriadas dos sentidos da educação popular

de Paulo Freire, vamos dialogar e nos educarmos coletivamente” [...] (MOREIRA, 2017, p. 42).

Nas vivências e diálogos em comunidade são encontrados elementos para fortalecer a

educação popular ambiental. Franco (2012) entende que esses diálogos propostos entre

educação ambiental e educação popular é um mecanismo extremamente importante a ser

utilizado para ouvir a multiplicidade de vozes e olhar para o chão onde têm suas raízes. Nesse

sentido, acreditamos que conhecer os grupos inseridos nesses espaços invisibilizados pelo

poder do agronegócio, nos faz compreender que é por meio das lutas e resistências nos

territórios que tentam manter vivo o ambiente para que nele possam permanecer.

É com essa perspectiva de olhar para as comunidades e para os grupos sociais que

habitam este território, que o grupo pesquisador em 2008 ao participar da apresentação do

projeto de Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso (ZSEE-MT) pela

Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) e pela Secretaria de Estado e Planejamento e

Coordenação Geral (SEPLAN) à sociedade civil, observou ausência e fragilidade do

componente social, isto é, não reconhecendo a diversidade de grupos sociais presentes neste

estado na proposta do Zoneamento (SILVA, 2011). Buscando superar tal fragilidade

apresentada foi elaborada uma ousada proposta de “Mapeamento das identidades e territórios

do Estado de Mato Grosso–Brasil”, tendo como objetivo, “[...] evidenciar os grupos sociais do

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estado com suas identidades e seus territórios, suas culturas e suas múltiplas sensibilidades,

bem como seus processos de conflitos e injustiças ambientais” (SILVA, 2011, p. 21).

Para evidenciar as identidades dos grupos sociais, os conflitos socioambientais e as

causas propulsoras13 de conflitos foram realizados dois Seminários de Mapeamento Social,

sendo um em 2008 e outro em 2010, contou com a participação e as autonarrativas de 70

representantes indígenas de 19 etnias, de comunidades quilombolas, povos pantaneiros,

acampados, assentados, agricultores familiares, seringueiros, extrativistas, povos ciganos,

atingidos por barragem, retireiros do Araguaia, povos morroquianos, entre tantos outros grupos

sociais invisibilizados neste estado (SILVA, 2011; JABER-SILVA, 2012). Nessa ciranda de

povos com culturas tão diferentes, foi criada a metodologia Mapa Social.

Essas duas pesquisas se tornaram referência e “[...] uma plataforma de luta na inclusão

de identidades em seus territórios, e na consideração dos seus enfrentamentos, das

vulnerabilidades, e dos processos de injustiças ambientais existentes nos territórios (JABER-

SILVA, 2012, p. 52). Para dar continuidade a proposta de mapear os grupos sociais e os

conflitos vivenciados nos territórios, foram realizados mapeamentos participativos em São

Pedro de Joselândia, localizada no município de Barão de Melgaço (2008), na comunidade

quilombola de Mata Cavalo (2015), e em 2016 e 2017 com as comunidades do Cerrado do

Pantanal, localizadas em Poconé-MT.

No capítulo III serão apresentados os caminhos percorridos para a realização dos

mapeamentos participativos. É de fundamental importância ressaltar que o grupo pesquisador

assumiu o compromisso de investigar relatos e denúncias feitas por esses grupos sociais que

participaram do mapeamento em 2008 e 2010, assim, se possui como lócus de pesquisa a

comunidade tradicional Zé Alves e a comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal.

2.2 - Primeira parada: Comunidade Tradicional Zé Alves

“Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas

pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se

remexerem dos lugares”

(Guimarães Rosa, 1994, p. 253).

Com esse pequeno trecho retirado do livro “Grande sertão: veredas” escrito por

Guimarães Rosa, buscamos dizer o quanto contar a história de Zé Alves e Laranjal foi

dificultoso, não pelos anos que se passaram, mas por compreender que as narrativas desses/as

13 O termo “causa propulsoras” foi utilizado por Jaber-Silva (2012) para exemplificar quais as principais causas

que provocam os conflitos socioambientais no estado de Mato Grosso.

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moradores/as são permeadas por sonhos, medos e frustações. O silenciamento ao perguntar

sobre a história também revela que esse período foi marcado por inúmeros conflitos. Para Freire

(1981, p. 50) ainda vivemos em uma “[...] cultura do silêncio, existir é apenas viver. O corpo

segue ordens de cima. Pensar é difícil; dizer a palavra, proibido”. Ao tentar registrar a história14

ouvindo as juventudes muitos afirmaram que:

[...] não sabem nada da história não, e não procuram conversar com os mais

velhos para saber sobre isso, só vai levando do presente para frente, e esquece

desse detalhe importante (Valdir Rocha – Laranjal).

Apesar de ter as juventudes como sujeito desta pesquisa, também foi necessário ouvir

os moradores/as antigos, pois acreditamos que a história esconde elementos essenciais para

entender os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas existentes nesse território. Em

relação à Zé Alves não foram encontrados nenhum registro em livros, artigos, dissertações ou

teses que oferecesse elementos para compreender como se deu a chegada dos primeiros

moradores/as.

Assim, os dados que constituem esses inscritos se deram a partir dos diálogos e

entrevistas realizadas com moradores/as que ainda residem neste território. Também foi preciso

viver o tempo comunidade, nesses momentos, as longas conversas à beira do fogão a lenha,

ajudando no preparo do almoço e do jantar, observando o preparo da rapadura na fornalha a

lenha, foi de fundamental relevância para ir aos poucos compreendendo os vestígios dessa

história que já foi contada, mas não escrita. Ressaltamos que não se tem a intenção de realizar

um trabalho historiográfico utilizando-se de uma investigação minuciosa, mas revelar como se

deu a chegada desse grupo neste território. Nesse processo de revisitar e reconstituir a história

foram observadas duas versões distintas. Para Ferreira (2002, p. 324) “[...] as possíveis

distorções dos depoimentos e a falta de veracidade a eles imputada podem ser encaradas de uma

nova maneira, não como uma desqualificação, mas como uma fonte adicional para a pesquisa”.

Entendemos que ao ir revelando os saberes locais, ou seja, a história desse povo, as mais

variadas contribuições culturais são dadas, como: comidas, danças, lendas, religiosidade,

sotaques e tantas outras expressões que estão sendo invisibilizadas e silenciadas por esse

modelo econômico fortemente presente neste estado (SILVA, 2011). Nessa tentativa, como

14 Para contar a história de Zé Alves foi necessário apresentar as narrativas dos/as moradores/as antigos que ainda

habitam esse território, escolheu-se por adotar nomes fictícios resguardando a identidade física dos/as

entrevistados/as. Já os dados que compõem a história de Laranjal foram retirados do Relatório Antropológico de

Caracterização Histórica, Econômica, Ambiental e Sócio‐Cultural da CRQ Laranjal. Poconé ‐ Mato Grosso

(JAKUBASZKO, 2014). O relatório encontra-se no prelo, porém, foi autorizado pelo Instituto Nacional e

Colonização e Reforma Agrária INCRA a sua utilização nesta pesquisa.

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bem escreveu Dom Pedro Casaldáliga no poema “Des-velar os 500” almeja-se: “[...] des-velar

a história e revelar a vida”. Para esse desvelamento histórico, o Velho Manoel relata que quando

chegou:

[...] era estradinha dessa largurinha feita com tratorzinho, depois que

começou a passar carro, desmatar mais e a fazer a estrada mais larga. Eu fui

um desbravador daqui, quando começaram a fazer essa estrada em 1958-

1959 eu vim com papai, nós morávamos perto dessa serra ali, um lugar de

Retiro – comunidade - eu tinha onze anos e vim para cá, nós fizemos um

mutirão de derrubada e começamos a plantar. Aqui era só mato, tinha um

pessoal trabalhando nesta estrada ai. Como nós já estava aqui começou

chegar mais gente. Tinha moradores/as lá do outro lado do corgo, aqui não.

Um chegava de pé, outra vinha com o carro de boi, nois mesmo quando nós

mudamos do Retiro [comunidade] para cá foi um carro de boi que trouxe

nossa mudança [...] (Velho Manoel – Zé Alves).

A Comunidade Retiro15 de onde veio a família do senhor Manoel de Moraes é de origem

quilombola e compõe o Mapa das Comunidades Quilombolas do Estado de Mato realizado por

Silva (2011). Conforme a autora, foram identificadas e mapeadas 69 comunidades reconhecidas

pela Fundação Cultural Palmares distribuídas entre os municípios de Acorizal, Barra do Bugres,

Cáceres, Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Santo

Antônio do Leverger, Várzea Grande e Vila Bela da Santina Trindade, entre outras que podem

existir e que ainda não foram registradas.

Dessas 69 comunidades, 27 estão situadas no município de Poconé. Silva (2011) ao

realizar o mapeamento identificou que ainda continuam sendo marginalizadas e invisibilizadas

em virtude da morosidade da justiça brasileira em não conceder o direito de regularização

fundiária. Em relação a essa situação, Rossi (2015) afirma que passando mais de 25 anos da

promulgação da Constituição de 1988, que assegurou o direito à propriedade definitiva para os

remanescentes de quilombos, nenhuma das comunidades deste estado teve suas terras

regularizadas. O autor enfatiza que dos 68 processos em trâmite no Instituto Nacional e

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para a regularização que foram certificados pela

Fundação dos Palmares, 50 deles não têm previsão para o início dos trabalhos de identificação

e delimitação, os demais estão sendo encaminhados lentamente.

15 A comunidade Quilombola Retiro localizada no município de Poconé-MT identificada pelo número 57 encontra-

se no Mapa das Comunidades Quilombolas do estado de Mato Grosso, na tese defendida por Regina Aparecida da

Silva (2011), intitulada: “Do invisível ao visível: o mapeamento dos grupos sociais do estado de Mato Grosso”. O

quilombo Retiro encaminhou desde 05 de outubro de 2005 junto a Coordenadora do Programa de Regularização

dos Quilombos em Mato Grosso 13º Superintendência Regional do INCRA em Mato Grosso o processo de

Certidão de Auto-Reconhecimento das Comunidades Remanescentes do Estado de Mato Grosso e respectivas

Portarias da Fundação Cultural Palmares publicadas no Diário Oficial da União em 12 de setembro de 2005,

através da Portaria n° 37 de 09/09/2005. Até o presente momento o processo de regulamentação encontra-se

parado. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/quilombola>. Acesso em: 13 jun. 2017;

<http://www.consultaesic.cgu.gov.br>. Acesso em: 13 jun. 2017.

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Fizemos a opção de apresentar esses dados, pois conforme o Velho Manoel muitas das

comunidades em Poconé possuem origem quilombola, em Zé Alves relata que o INCRA

também realizou visitas para fazer a documentação de Auto-Reconhecimento, porém a maioria

dos moradores/as não aceitaram, uma vez que se autodenominam como povos tradicionais.

Dando sequência na história, após a chegada de Manoel de Moraes em 1960 juntamente com

sua família não se preocuparam em escolher um nome para o lugar, mas em iniciar a derrubada

das matas nativas para o plantio das primeiras roças, sendo esta a principal fonte de subsistência

das famílias, pois o acesso até o município de Poconé ou a capital Cuiabá, era muito difícil.

Quando chegaram já existia a comunidade Zé Alves do outro lado do Córrego Formiga (Figura

01).

[...] tinha morador lá do outro lado o corgo [Córrego Formiga], inclusive o

Zé Alves que era o mais velho, o fundador daqui era do outro lado, não era

para cá. Aqui era uma Sesmaria da Formiga, do corgo da formiga para lá

era Sesmaria do Capum [...]. Essa fazenda Formiga era a comunidade do Zé

Alves antigamente, aqui não era Zé Alves, era outra coisa, Zé Alves era do

outro lado da ponte para lá. Esse pessoal da comunidade foi incomodado pelo

fazendeiro José Gonçalves de Barros, o fazendeiro chegou pegando gente

inocente e levando para a cadeia. Eles ficaram com medo e vieram para cá

com nós. Em um pedacinho de terra onde é a casa do Pedro fizeram seis

barraquinhos de palha [...] (Velho Manoel – Zé Alves).

A comunidade iniciada pelo senhor Manoel de Moraes também passou a se chamar Zé

Alves, durante este período expropriados do território por fazendeiros os/as moradores/as de Zé

Alves tiveram que se organizar na comunidade vizinha.

Figura 01: Córrego Formiga na Comunidade Zé Alves.

Fonte: ACERVO GPEA (2017).

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Em relação a expropriação vivenciada neste período pelos moradores/as de Zé Alves

pode-se dizer que se perpetua até os dias atuais em todo o território mato-grossense. A história

deste estado se caracteriza pela conquista, ocupação e disputa por terra, utilizando-se das mais

diversas formas de violências, os povos do campo foram e ainda continuam sendo expulsos e

submetidos a persistentes violações dos seus direitos constitucionais de acesso à terra (Artigo

5º, incisos XXI e XXIII) (MORENO, 1999; ROSSI, 2015; MOREIRA, 2017).

Para Silva (2015, p.41), “desde o início da formação do Brasil a terra tornou-se sinônimo

de riqueza e poder. Em consequência, as disputas pelo controle da terra sempre foram acirradas

e violentas, no intuito de garantirem o domínio da propriedade privada da terra”. Vimos que a

situação narrada onde o “[...] o fazendeiro chegou pegando gente inocente e levando para a

cadeia [...]” (Velho Manoel – Zé Alves)” é um pequeno retrato das atrocidades que continuam

acontecendo. A autora acrescenta que “a luta pela terra e pelo território sempre foi marcada

pela violência dos proprietários e pela violência do Estado e, de outro lado, pela luta, resistência

e organização dos camponeses, dos povos tradicionais, das comunidades indígenas, etc.”

(ibidem p. 45).

Em Poconé, com a chegada do Frei Joaquim Tébar Fernandez ou Padre Xim como ficou

conhecido, vindo da Espanha na década de 1970, iniciou um movimento de fortalecimento das

comunidades localizadas no campo e a construção das primeiras igrejas católicas por meio do

movimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Essas iniciativas potencializaram

ações de resistência e permanência nos territórios. Moradores/as relatam que antes da chegada

do Padre Joaquim, “[...] era um arraial aqui, outro ali, mas nunca tinha nome de comunidade,

a comunidades começou quando o Padre Joaquim chegou aqui, ele começou a fazer reunião

com os jovens, era muito criativo, isso fortaleceu as comunidades (Velho Manoel – Zé Alves)”.

Na concepção daqueles que o conheceram, como Maria Lúcia do Nascimento, o “[...] Padre

Joaquim trabalhava pela igreja, pelo campo para que se desenvolvesse, pela associação e pelo

cooperativismo [...]”.

Em Zé Alves antes da construção da igreja na década de 1980, as missas eram rezadas

em espaços improvisados, após algumas reuniões e com a ajuda de Padre Joaquim ficou

decidido que seria realizado uma festa tendo como objeto angariar fundos para a sua construção.

A religiosidade é extremamente forte nesta região, em julho são realizadas as comemorações

em honra a São Pedro com levantamento do mastro e em setembro, a de Nossa Senhora de

Lurdes, ambas comemorações regadas de muitas danças, músicas e comidas. Além das

festividades em todas as comunidades do campo, na sede do município de Poconé existe a

presença de outras expressões culturais e religiosas, entre elas a festa da Padroeira da cidade,

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Nossa Senhora do Rosário. A festa é realizada na praça da cidade com comidas e bebidas típicas

e apresentações das danças siriri, cururu e mascarado. Essas expressões religiosas fortemente

presentes representam um momento de sociabilidade e de reafirmação da própria identidade.

Com ardor missionário, Padre Joaquim realizou em Poconé inúmeras obras materiais

para atender à população tanto da cidade como do campo. Conforme a Revista 4º Poder (2010)

com a ajuda da comunidade; prefeitura municipal; amigos; católicos da Alemanha, Holanda,

Espanha e irmãos franciscanos, criou quatro Centros Comunitários; dezesseis Capelas; reforma

e construção de dois Centros de Treinamento de Líderes; reconstrução da igreja Matriz;

construção do Centro de Atendimento ao Menor “Colégio Nazaré”; Núcleo Industrial

Polivalente Nazaré II, tudo para atender ao apelo das mães, sobretudo da Zona Rural, trabalhou

com afinco para a implantação do Internato Rural “Ascensión Dorado Tebar” na comunidade

de Cangas e para a construção de casas populares no município.

Com o incentivo do Padre Joaquim, em 1988 foi criada Associação de Pequenos

Produtores Rurais da Comunidade Nossa Senhora de Lurdes, atualmente trabalha por

intermédio da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), do Programa de Aquisição

Alimentar (PAA) e da Compra Antecipada da Agricultura Familiar (CAEAF) comprando

produtos da Agricultura Familiar, sendo esta uma forma encontrada para incentivar a produção

pela Agricultura Familiar no campo. Além da associação, a comunidade está ligada a

Cooperativa Mista dos Produtores Rurais de Poconé (COMPRUP) com sede no município de

Poconé, e conta com um barracão para o armazenamento e comercialização da produção.

A COMPRUP surgiu em 1992 como uma necessidade de fornecer opções de renda para

as populações que vivem nas áreas de reforma agrária e em comunidades tradicionais de

Poconé, fortalecendo a produção e comercialização dos produtos. A versatilidade do baru ou

Cumbaru (Dipterys Alata) árvore nativa do Cerrado, chamou a atenção da cooperativa, que

passou a estimular seus associados a se dedicarem à coleta e ao beneficiamento dessa planta,

garantindo renda extra para mais de 200 famílias de pequenos agricultores16da região. A

cooperativa possui equipamentos (forno, mesa, torradeiras, embaladora, prensa e embalagens)

para o beneficiamento do Cumbaru.

Se esse nosso município aqui que é 75 comunidades, se não é essa benção

dessa cooperativa o que seria desse campo...estaria todo mundo à mingua,

sem comida, sem roupa, sem tudo. Porque eles [poder municipal] não vão no

campo para procura saber nem se tá precisando de estrada (Maria Lúcia do

Nascimento – Zé Alves).

16 Disponível em: <http://www.centraldocerrado.org.br/comunidades/comprup/>. Acesso em: 17. Jun. 2017.

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Compreendemos que a organização das comunidades do campo por meio das

associações ou cooperativas é um mecanismo de resistência e enfretamento ao capital. Apesar

dessas articulações, observamos nas vivências em campo que nem todas as famílias da própria

comunidade sobrevivem dos produtos comercializados. Enquanto os homens deixam a família

e se deslocam para as fazendas próximas onde vendem sua força de trabalho como empreiteiro,

mensalista ou diarista para os grandes fazendeiros da região, as mulheres ficam em casa

cuidando dos filhos, trabalhando no preparo da rapadura ou nas roças plantadas nos quintais.

Os jovens que permanecem na comunidade encontram-se estudando ou ajudando a

família no plantio, na colheita e na comercialização dos produtos como hortaliças, verduras,

frutas, doces, cana-de-açúcar e seus derivados – melado, rapadura e açúcar mascavo. A grande

maioria encontra-se organizado por meio do associativismo e cooperativismo para que assim

possam plantar e colher, e consequentemente permanecer na comunidade e sobreviver da terra.

Para tanto, essas organizações coletivas colaboram com as lutas pelo acesso à terra e “[...]

constroem possibilidades de acesso aos programas e projetos, ao mesmo tempo em que lutam

por um espaço que possa se constituir como território para a afirmação de sua identidade

camponesa” (LEÃO; ANTUNES-ROCHA, 2015, p. 25).

A escola construída para atender a demanda de estudantes da própria comunidade e das

proximidades encontra-se em ruinas. Com o fechamento na década de 1990 passaram a ser

levados de transporte escolar para o distrito do Chumbo e Cangas, essa situação fez com que

muitas famílias deixassem o campo com o sonho de encontrar na cidade melhores condições

tanto de trabalho como de estudo para seus filhos.

[...] às escolas é, via de regra, uma aventura perigosa. Com raras exceções, são

longas horas (três, quatro, ou mais) todos os dias a serem percorridas até a

escola. As condições das estradas são ruins e difíceis de serem conservadas,

principalmente no período das chuvas. No período da seca, a poeira, o

sol/calor escaldante. O estado precário dos ônibus (em muitos casos,

verdadeiras “sucatas”) completa o cenário nada convidativo para os estudantes

(crianças, jovens e até adultos) irem à escola. Para muitos pais e alunos, o

sonho de uma “via melhor” acaba bastante cedo, ainda nos anos iniciais da

escolarização. São estes trabalhadores (meninos e meninas, filhos e

trabalhadores do campo que engrossam as repetias estatísticas sobre

analfabetismo no campo). Portanto, sabem-se as causas: desigualdades

sociais, sempre reforçadas e reproduzidas dentro da própria escola

(PERIPOLLI; ZOIA, 2014, p. 102).

Diante desta afirmação, um dos moradores relata que quando as crianças vão para a

escola a comunidade fica sem vida “[...] as crianças são a alegria da comunidade e do

assentamento é a escola né, no lugar, ai as crianças vão no clarear do dia de ônibus, só chega

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de tardezinha, ou meio dia, só fica fora, na estrada” (Josias Paulino de Castro- Zé Alves).

Arroyo e Fernandes (1999, p. 10) defendem a necessidade de um projeto especifico de escola

para o campo, “não uma escola no campo ou para o campo, nem uma escola da cidade no

campo, mas uma escola do campo, com a cultura, os valores, a luta do campo”. A realidade

vivenciada pelas escolas do campo trata-se de uma questão ampla e complexa, acredita-se que

as políticas públicas “[...] estão voltadas a atender os interesses de um projeto de campo que

interessa ao projeto do capital: agronegócio, e não os interesses de quem tem a terra como um

bem voltado à produção do sustento da família (terra de trabalho)” (PERIPOLLI; ZOIA, 2011,

p. 195).

As poucas famílias que ainda resistem nas comunidades assistem ao fechamento ou ao

processo de nucleação das escolas, sem gente no campo, a escola não tem mais sentido, pois

não há estudantes, e o campo do camponês se transforma no campo do agronegócio. Essas

famílias estão organizadas em 300 hectares divididas entre terras de uso comum e particulares

como mostra o mapa (Figura 02), ademais a comunidade não possui posto de saúde, telefone

público, transporte coletivo, coleta de lixo, rede de esgoto e o abastecimento d’água é feito por

um poço artesiano comunitário.

Figura 02: Localização da Comunidade Zé Alves – Poconé/MT.

Fonte: MAPA ELABORADO POR DUARTE E VALLES (2017).

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Nesta região encontra-se também a Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal,

que a mais de trinta anos sofre com a expropriação de suas terras por fazendeiros, como será

abordado no item subsequente.

2.3 - Próxima parada: Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal

Para entender como se deu a formação do quilombo Laranjal primeiro buscamos ouvir

os/as moradores/as antigos que permanecem na comunidade, mas que se negaram a contar a

história, por isso revisitamos a história tendo como base o Relatório Antropológico17,

disponibilizado pelo INCRA. O quilombo está localizado no município de Poconé-MT,

ocupando historicamente as microbacias da várzea do córrego Cocunda ao nordeste, o córrego

Tarumã ao sudoeste/sul, e córrego Arbino ao centro, fazendo divisas ao noroeste com as

morrarias. Todos, por meio do córrego Cocunda são integrantes da bacia hidrográfica do rio

Bento Gomes.

Atualmente sua população encontra-se confinada na porção central do território com

habitação permanente às margens da estrada vicinal Buriti, a 15 km da MT 451 - Rodovia

Adauto Leite18, com entrada para a comunidade no km 13, conhecida como “Coenge”

(JAKUBASCZKO et al, 2014). Como é possível observar (Figura 03) as partes em verde claro

são áreas com maior concentração de moradias dos descendentes quilombolas que ainda

ocupam esta região, as partes destacadas não representa toda a porção de terras ocupadas, essas

estão concentradas nas mãos de fazendeiros da região. Essa situação tem contribuído para a

perda das expressões culturais passadas de gerações, que os antecederam como as festas

religiosas de Santos e rezas, práticas de cura, formas de preparo e cultivo da terra, já que muitos

têm deixado a comunidade em busca de melhores condições e oportunidades de vida.

17 As informações históricas que compõem esse sub-capítulo foram retiradas do Relatório Antropológico

Caracterização Histórica, Econômica, Ambiental e Sócio- Cultural da CRQ Laranjal (Poconé /Mato Grosso). O

relatório antropológico define-se como produto final da realização dos procedimentos técnicos necessários ao

Estudo e Identificação de Limites da Terra Quilombola Laranjal (município de Poconé/MT), por determinação do

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –INCRA – que institui a constituição do Grupo de trabalho

para execução de tal tarefa, por meio de convenio firmado entre a Superintendência Regional do INCRA/MT e a

Empresa Capital Informática através do Pregão Eletrônico Nacional nª 015/2011, lote 8, que engloba, além da

CRQ Laranjal, também a de Tanque do Padre Pinhal, Morrinho e Jejum, todas no referido município. 18 A rodovia que antes era chamada de Coenge recebeu o nome de Adauto Leite em homenagem a um dos

encarregados da obra que se tornou fazendeiro e político influente no Munícipio de Poconé (ALMEIDA, 2012, p.

84).

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Figura 03: Localização do Quilombo Laranjal – Poconé/MT.

Fonte: MAPA ELABORADO POR DUARTE E VALLES, (2017).

A ocupação deste quilombo remete a uma memória de aproximadamente 200 anos de

habitação nesta região. Para Ferreira (2013), a formação de comunidades renascentes de

quilombos no Brasil e em Mato Grosso nasce como uma forma de resistência à escravidão

imposta durante o período da colonização, onde homens e mulheres africanos/as e afrodescentes

se rebelaram contra a situação de escravizados, muitos fugiram das fazendas e de outras áreas

de produção refugiando-se em florestas de difícil acesso, nesses locais, constituíam seus novos

territórios, ou seja, os quilombos.

[...] os termos quilombo e quilombolas foram utilizados para caracterizar os

sujeitos e grupos sociais organizados em torno da contestação ao sistema

hegemônico escravista. Seguindo a tradição banto, o termo quilombo foi

trazido e utilizado por africanos e afrodescendentes para caracterizarem seus

territórios de resistência ante o sistema colonial escravista. Quilombolas

tornaram- se os seus habitantes, aqueles que se rebelavam com a situação de

escravização e marginalização em que se encontravam, nela forçosamente

inseridos, como trabalhadores explorados à exaustão, capturados e arrancados

de seus territórios originários, comprados e vendidos como mercadoria

(FERREIRA, 2013, p. 647).

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Na concepção da Fundação Cultural Palmares, os remanescentes de quilombos são

descendentes de africanos escravizados que fugiram em busca de melhores condições de vida

e mantiveram suas tradições culturais de subsistência e religiosas ao longo dos séculos19. Nessas

fugas, ocuparam terras livres, isoladas, dificultando que fossem capturados ou ainda por

processos de heranças, doações e recebimento de terras por serviços prestados ou como

aconteceu no quilombo Laranjal, que a formação se deu pela compra de lotes com recursos

adquiridos pelo Sr. Antônio Dias (JAKUBASZKO et. al., 2014).

Para a antropóloga, as evidências e narrativas sobre a história da comunidade remetem

a uma rede parental composta por oito gerações, o casal fundador Sr. Antônio Dias e dona

Salomé da Silva, após se casarem tiveram vários filhos, viveram como camarada ou agregado

de Luís da Silva na mata do Cocunda e após anos de serviço prestado obtiveram terras próprias

em Várzea Funda20 (microbacia do córrego Arbino). O nascimento do Sr. Antônio Dias se deu

na Lagoa do Pirizal nas proximidades de Paratudo. Paratudo é a atual comunidade Aranha e as

matas de várzea do córrego Cocunda, local onde foram construídas as primeiras casas,

estendendo-se à microbacia do córrego Arbino e Tarumã ocupada por eles desde então. Essas

terras foram compradas no século XIX sem escrituras e sinalizados por marcos.

Como as terras compradas no século XIX pelo Sr. Antônio Dias não possuía escrituras,

o dono do cartório de Poconé/MT acompanhado de agrimensores, autoridades locais, jagunços

e funcionários públicos do município chegou na comunidade dizendo que as terras ocupadas

pelos descendentes dos antigos moradores/as do quilombo eram terra de herança, e expulsaram

todos do território. A falta de documentos que comprovassem o direito sobre a terra é um dos

fatores que contribuíram para provocar conflitos entre grupos desiguais neste estado, na

concepção de Welch (2013, p.143), “parece claro que o período colonial produziu uma

tendência a permitir que o poderoso controlasse gigantescas porções de terras e sustentasse suas

vantagens através dos tempos”. Estabelecendo uma relação cruel entre opressor e o oprimido.

Com a promulgação da Lei de Terras, em 18 de setembro de 1850, a busca por títulos

originais tornou-se especialmente importante, além disso, estabeleceu-se a compra como a

única forma de aquisição de terras, assim, as terras tornaram-se mercadorias, sendo esta uma

19 Uma das funções da Fundação Cultural Palmares é formalizar a existência destas comunidades, assessorá-las

juridicamente e desenvolver projetos, programas e políticas públicas de acesso à cidadania. Mais de 2.600

comunidades espalhadas pelo território nacional já foram certificadas pela Palmares. Disponível em:

< Http://www.palmares.gov.br/?page_id=37551/>. Acesso em: 19. Jun. 2017. 20 ‘Várzea Funda’ corresponde à denominação histórica do local por seus habitantes, enquanto que Laranjal

corresponde ao nome de registro oficial que constava nas certidões dos nascidos desta localidade, provavelmente

referenciada pela nominação de uma antiga sesmaria – Sesmaria Laranjal (vizinha das Sesmarias Guanandi e

Salobim) (JAKUBASZKO et. al., (2014, p.37).

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tática utilizada pela classe dominante para que posseiros, imigrantes, escravos e outros grupos

presentes neste território, fosse impossibilitado de obter recursos suficientes para adquiri-las.

Essas situações acirram os conflitos em torno da questão agrária, sendo esta a herança deixada

pela história do direito agrário no Brasil, caracterizado por expropriações, êxodo rural e a

concentração fundiária durante todo o processo da formação do Brasil (SILVA, 2011; WELCH,

2013; JAKUBASZKO et al., 2014).

Os quilombolas sentiram e sentem todas as consequências dessa Lei que assegurou mais

uma vez, os direitos para uma pequena parcela da população. Eles/as foram “[...] vítimas

permanentes de um percurso fundiário flagrantemente marcado pelo dolo, pelo vício e pela

intimidação e esbulho renitente” [...] (JAKUBASZKO et al., 2014, p. 65). Para Moreira (2017)

as comunidades quilombolas continuam sendo marginalizadas e invisibilizadas em virtude da

morosidade da justiça brasileira em conceder o direito de regularização fundiárias, essas

situações podem ser consideradas como racismo institucionalizado.

Diante de tantas injustiças vivenciadas no passado que se perpetua no presente, na

primeira década do século XXI, o quilombo recebeu a visita de pesquisadores/as da UNEMAT

e do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso (CEPIR-MT), que

realizavam um estudo para identificar, registrar e promover encontros formativos para

esclarecer e orientar quanto aos direitos e procedimentos para a solicitação de reconhecimento.

Após este estudo, os quilombolas optaram pela solicitação de reconhecimento junto à Fundação

Cultural Palmares, tendo obtido a Certidão Legal de Auto-Reconhecimento em 03 de agosto de

2005, pela Diretoria de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro (FCP), processo n°

01420.001.798/2005-41 (JAKUBASZKO et al., 2014).

Durante o processo de reconhecimento, os/as quilombolas de Laranjal do fundo optaram

pela não inclusão das áreas na proposta de delimitação da Terra Quilombola, uma vez que são

associados aos fazendeiros locais. Já aqueles espremidos à beira da estrada têm lutado para que

ocorra a demarcação territorial das terras que foram por direito de seus ancestrais. Nas vivências

em comunidade observamos claramente essa divisão entre Laranjal da beira da estrada e

Laranjal do fundo, tal divisão não cria duas comunidades vizinhas, mas uma separação

provocada pela existência de uma fazenda no meio do quilombo, provocando conflitos internos

entre quilombolas que não compreendem essa relação de cordialidade com os fazendeiros.

Atualmente, aqueles que permanecem esmagados e encurralados entre as cercas dos

latifúndios tentam manter viva sua cultura. O poema de “Terra nossa, Liberdade” de Dom Pedro

Casadáliga, dá voz ao grito para os que clama por uma sociedade mais justa “Malditas sejam

todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar!

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Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois

e fazer a Terra, escrava e escravos os humanos!”.

Como estão sufocados pelas cercas dos latifúndios, as casas (Figura 04) feitas de adobe

e cobertas por palha se distribui às margens da estrada Buriti, onde cada família conta com

aproximadamente 1,0 hectare de terra para residir e produzir. Geralmente, as residências estão

organizadas em núcleos familiares, ou seja, os filhos constroem suas casas no mesmo terreno

dos pais. Existem poucas casas construídas com tijolo e cimento. Os quilombolas foram

contemplados pelo programa Minha Casa Minha Vida, as casas iniciadas pela empreiteira que

ganhou a licitação junto à prefeitura do município de Poconé-MT encontram-se no alicerce sem

previsão de término da obra.

Com a ausência de espaço para produzirem o necessário para a subsistência familiar, já

que as plantações espalhadas pelos quintais são insuficientes para manter a própria família,

vivem à espera de cestas básicas distribuídos pela Companhia Nacional de Abastecimento

(CONAB). Alguns moradores/as relatam que estão há aproximadamente oitos meses sem

receber as cestas básicas, que era para receber mensalmente, quando chega, geralmente precisa

ser dividida entre duas ou mais famílias, pois a quantidade destinada não é suficiente para

atender aproximadamente sessenta famílias do quilombo.

Figura 04: Casas na Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal.

Fonte: ACERVO GPEA (2016).

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Restando apenas a possibilidade de renda vender a força de trabalho como empreiteiro,

mensalista ou diarista para os latifundiários da região. Essa situação também é vivenciada pelos

jovens que deixam a escola muito cedo para vender a força de trabalho e ajudar no sustento da

família, aqueles que permanecem no quilombo não possuem perspectivas de melhores

condições de vida, pois sabem que para continuar os estudos, precisam se mudar para a cidade,

e esse não é o desejo de muitos deles.

A maioria das mulheres são donas de casa e dedicam-se às atividades domésticas ou no

trabalho das roças nos próprios quintais, realizando pequenas plantações de mandioca, abóbora,

cana, banana e batata para a própria subsistência ou na produção de doces das frutas nativas

que são vendidas para complementar a renda familiar. Outra prática bastante comum entre as

mulheres era o extrativismo (cumbaru, pequi, babaçu, jatobá, bocaiuva, acuri, entre outras

espécies nativas), com a introdução da monocultura essa atividade deixou de ser realizada.

Possuem uma associação desde 2005, mas somente em 04 de junho de 2010, que

conseguiram o reconhecimento no cartório mediante a elaboração do estatuto da Associação

Quilombola da Comunidade Negra Rural Laranjal. É por meio da associação que a comunidade

tem se articulado trazendo cursos de formação complementar oferecido pelo Serviço Nacional

de Aprendizagem Rural (SENAR) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).

Atualmente, as mulheres têm organizado a associação de plantas medicinais com o intuito de

buscar novas fontes de renda.

O quilombo conta com uma escola municipal que atende aos estudantes das séries

iniciais até 5º ano do ensino fundamental, com uma única sala multisseriada (Figura 05). Para

dar continuidade aos estudos é preciso deslocar-se para Chumbo (cerca de 17 Km), Cangas

(cerca de 30 Km), os adultos são matriculados no EJA e estudam no Chumbo. Esses são levados

em ônibus escolares em precárias condições. Segundo relatos, o principal problema enfrentado

pela escola é a falta de estrutura (não possui sala de informática, refeitório, ginásio coberto para

práticas esportivas, banheiros e salas de aula) e alimentação adequada. A escola dá vida para as

comunidades, para Amorin (2017, p. 55) “[...] é o centro de poder, de tomada de decisões e de

interação entre a comunidade [...]”.

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Figura 05: Espaço escolar na comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal.

Fonte: ACERVO GPEA (2016).

A comunidade tem acesso à energia elétrica desde 2007, sendo atendida pelo programa

do Governo Federal “Luz para Todos” (Decreto 4.873/2003), que busca atender à população do

meio rural que ainda não possui acesso a esse serviço. Porém, inexiste serviços de extrema

importância, como acesso à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer

e à segurança, entre outros. Apesar de serem direitos assegurados pela Constituição Federal de

1988, observamos no quilombo as precárias condições em que vivem seus/suas moradores/as.

Também é abastecida por um poço artesiano construído pela prefeitura, sendo cobrado

uma taxa para o funcionamento, como a água não chega na mesma quantidade para atender

todas as famílias, tem provocado conflitos entre os quilombolas que se nega pagar o valor

cobrado. Não há posto de saúde, somente uma agente de saúde, quando se encontram com

algum problema de saúde a ida ao médico é sempre a última opção, devido à distância e as

dificuldades com os meios de transporte, muitos acabam recorrendo a chás de ervas e raízes

encontradas na vegetação local. Os desmatamentos realizados têm contribuído para a perda de

espécies medicinais importantes do bioma cerrado, consequentemente já não se encontram com

grande facilidade para o preparo dos remédios caseiros.

Os quilombolas sofrem com a ausência de coleta de lixo, telefone público, serviço postal,

veículo comunitário, saneamento básico entre outros serviços essências no território

quilombola. Essas situações de descaso são vivenciadas em muitos quilombos nas várias

regiões do País. Para Moreira (2017) o descaso do estado somado ao abandono do poder

municipal se traduzem em precarização das condições de vida no quilombo, somando-se a isso

às ações dos fazendeiros contribuíram para agravar ainda mais a situação de insegurança e

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instabilidade, agravando os conflitos internos e fragilizando laços de solidariedade tão

importantes para resistirem as injustiças socioambientais presentes neste território.

2.4 - As raízes dos Conflitos Socioambientais da atualidade

No lugar que havia matas, hoje é a perseguição,

grileiro mata posseiro só para roubar seu chão

castanheiro, seringueiro já viraram até pião

Zé de Nana está de prova naquele lugar tem cova,

Gente enterrada no chão.

Saga Amazônica

(Vital Farias)

Os cenários conflituosos da modernidade não são ações pontuais e momentâneas que

nasceram hoje, advindas das relações entre sujeitos desiguais ou decorrentes dos modelos de

desenvolvimento adotados, compreendemos que são reações desse processo histórico de

ocupação antropocêntrico, realizadas pelos colonizadores europeus que escravizaram negros

africanos, utilizando-se da violência física e simbólica para dominar e explorar os povos

indígenas que habitavam esse território. Além de iniciar a devastação da natureza por meio da

retirada do pau-brasil para sua comercialização. Evidentemente, as raízes dos conflitos e das

injustiças socioambientais nascem desse período histórico e se perpetuam há mais de 500 anos

afetando diferentes grupos sociais e seus territórios.

É evidente que as relações estabelecidas entre colonizador, negros africanos e povos

indígenas revelam a primeira cena de um Brasil que se constitui historicamente marcado pela

opressão, exclusão e submissão dos grupos sociais com menos poder econômico. Darcy Ribeiro

(1995, p. 3) afirma que foi um “[...] encontro fatal que ali se dera”, ou seja, um desencontro de

gente índia marcado por ciclos de violências e destruição da natureza, decorrentes desse projeto

de sociedade que se desenhava neste período, pautado no desenvolvimento economicista sob a

lógica capitalista de produção.

Os colonizadores trouxeram também forçadamente negros africanos em condições

desumanas e miseráveis para servirem de mão de obra escrava barata ou serem vendidos como

mercadorias como se fosse um povo sem identidade, os negros eram obrigados a esquecer as

culturas e as origens e se converterem à fé de seus senhores (FREYRE, 1998). Esses grupos

foram submetidos a todos os tipos de atrocidades, consequentemente a sociedade moderna de

hoje continua pagando preços altos dessa crueldade iniciada na sociedade de ontem. Situações

de conflitos, violências e opressão tem se perpetuado na atualidade por meio das relações entre

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os donos dos grandes latifúndios e grupos sociais como quilombolas, indígenas, camponeses,

assentados, posseiros, povos tradicionais e tantos outros que se encontram espalhados por esse

território.

Isso fica claro ao observar os dados do último caderno de “Conflitos no Campo” lançado

pela Comissão Pastoral da Terra – CPT (2016). Conforme a CPT, o ano de 2016 foi um dos

mais violentos desde o início em 1985, foram 61 assassinatos; 1.079 ocorrências de conflitos

por terra; 1.295 no total do conjunto dos conflitos por terra – soma de ocorrências,

ocupações/retomadas, acampamentos; 172 conflitos pela água; 1.536 conflitos no campo –

soma de conflitos por terra, pela água e trabalhista. Conflitos se concretizam nos territórios que

possuem maior concentração econômica e de poder. Para compreender esses cenários de

violência, violação de direitos e injustiças socioambientais que originaram e originam os

conflitos, recorro aos inscritos de Boff (2016, p. 10) que afirma que as pessoas são herdeiras de

quatro sombras históricas que refletem na sociedade moderna:

[...] o nosso passado colonial violento, o genocídio indígena, a escravidão, “a

mais nefasta de todas”, e a Lei de Terras que excluiu os pobres e afrodescentes

do acesso à terra, e os entregou “ao arbítrio do grande latifúndio, submetidos

a trabalho sem garantias sociais.

Em relação à primeira sombra, afirma que todos os processos colonizatórios foram

violentos, nesses projetos foram necessários invadirem as terras, desconsideraram os diferentes

grupos presentes nos territórios e submetê-los a assumir a cultura do invasor/colonizador; a

segunda sombra representada pelo genocídio e a expulsão de milhões de índios das suas terras

que eram por direito, dando início à economia de exploração, revertendo a relação de adaptação

para o domínio da natureza. Jaber-Silva (2012, p. 27) destaca que “os povos indígenas foram

os primeiros a conhecerem a fúria por terra e riquezas dos colonizadores que aqui chegaram”.

A terceira sombra, considerada a mais nefasta e violentas de todas, foi a escravidão dos

negros trazidos da colônia africana para o Brasil, como peças de carvão a serem consumidos

pelo processo de produção, durante a escravidão a eles foram negados o direito à humanidade,

desrespeitando e discriminando a cultura e as religiões afro. Neste contexto, Lima (2011)

destaca que o Brasil é o resultado de uma grande empresa transnacional que veio a serviço dos

colonizadores europeus. Compreendemos que para deixá-la funcionando não mediram

esforços, utilizando-se de uma lógica antropocêntrica desconsideraram as relações entre

sociedade-natureza, considerando apenas os interesses da sociedade capitalista exploratória.

Para Lima (2011) a formação atual não mudou muito, mas manteve o Brasil dependente

do grande negócio mundial, transformado em mero exportador de commodities. Países como o

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Brasil que são exportadores de commodities estão mais suscetíveis aos conflitos

socioambientais, podendo ocorrer durante a extração dos elementos da natureza, da geração de

energia utilizada ou na produção de mercadorias, além de serem associados a ocupação de

terras; a poluição causada por fábricas, veículos e depósitos de resíduos; as minas de ferro;

fundições, siderúrgicas e fábricas de alumínio; extração e refino de petróleo ou de gás; ou ainda

a extração de material de construção (PORTO; MILANEZ, 2009).

Para o autor novos conflitos são cada vez mais frequentes, principalmente porque a

lógica capitalista está pautada no desenvolvimento economicista, restrito no produtivismo,

consumismo que desrespeitam a vida humana, as culturas, os valores dos povos nos territórios,

os ecossistemas por meio de ações extremamente exploratória e concentradora de poder e

riqueza que transformam bens naturais em recursos. Nesse sentido, novos conflitos são gerados

nesse rearranjo de processos econômicos que estão interligados entre acesso aos bens naturais

para ser transformado em “[...] recurso para a acumulação capitalista e é reproduzida em bens

de consumo, duráveis ou não” (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 09) e a diversidade de grupos

sociais que são invisibilizados e expropriados dos seus territórios pela exploração constante e

de forma predatória dos bens naturais.

Todas as artimanhas orquestradas pelos grandes latifundiários para expropriarem as

populações do campo são causas propulsoras de conflitos. A CPT (2016, p. 15) define que os

conflitos são “[...] ações de resistência e enfrentamento que acontecem em diferentes contextos

sociais no âmbito rural, envolvendo a luta pela terra, água, direitos e pelos meios de trabalho

ou produção”, entre grupos sociais que possuem diferentes modos de se relacionar com o

ambiente. Para Silva (2015, p. 41), “desde o início da formação do Brasil a terra tornou-se

sinônimo de riqueza e poder” para obtê-las manobras ilegais sempre foram cometidas.

Essas manobras têm suas raízes em 1530 quando a Coroa Portuguesa instituiu as

capitanias hereditárias e escolheu um nobre donatário para desempenhar funções

administrativas. As capitanias estabelecem o sistema de sesmarias, os sesmeiros arrendavam os

lotes de terras para pequenos agricultores sem medi-las ou demarca-las, os grandes

arrendatários pressionavam os camponeses para desmatarem outras áreas para realizarem a

extração da madeira. As sesmarias tornaram-se então áreas particulares, adquiridas de maneira

irregular formando os grandes latifúndios improdutivos da atualidade (WELCH, 2013). Os

latifúndios nascem da irregularidade e permanecem na irregularidade.

Diante desse quadro de violação de direitos, Boff (2016) apresenta a Lei de Terras como

a última sombra de um processo colonizatório que excluiu os pobres e afrodescentes, além de

os entregarem ao arbítrio do grande latifúndio, submetendo-os a trabalhos sem garantias

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econômicas e sociais, para o autor a Lei de nº 601 explica grande parte dos conflitos no campo

da atualidade. Ficando estabelecido que a aquisição se daria mediante a compra, posseiros e

escravos libertos não tiveram recursos suficientes para adquiri-las, a exclusão também ocorreu

durante a elaboração podendo participar somente a classe dominante, sendo projetada para

impedir que o modelo agrário caracterizado pelo pequeno agricultor não se desenvolvesse.

As terras passaram a ser tratadas como mercadorias objetivando atrair investidores e

imigrantes para o Brasil (BOFF, 2016; WELCH, 2013). Com a ausência de terras, os posseiros

e escravos libertos foram obrigados a vender a força de trabalho para os donos dos grandes

latifúndios em troca de salários bem abaixo do valor. Os opressores iniciaram sua hegemonia

em 1500 e permanecem até hoje, sustentando suas vantagens sobre as desvantagens dos grupos

sociais desfavorecidos economicamente. Na compreensão de Cosme (2016), todos os grupos

que constroem relações sociais e uma relação sociedade-natureza oposta/antagônica a essa

lógica dominadora que busca transformar a natureza em recurso para o desenvolvimento e

acumulação do capital, são violentamente reprimidos.

Além disso, elementos naturais que deveriam ser comuns a todos foram e continuam

sendo privatizados pelo poder do capital. Nessa lógica dominadora, sociedade e natureza são

vistas de lados opostos, prevalecendo as ações de degradações dos ecossistemas por meio dos

desmatamentos, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos, mineração, entre outros, afetando

diretamente a vida dos povos do campo, das florestas e das águas, os quais não conseguem

competir com esse modelo econômico. Desta forma, Martínez Alier (2007, p. 9) reafirma que

“a produção, crescente, necessita de uma base material também em expansão [...]” portanto,

“não resta dúvida de que a produção de mercadorias em larga escala estimula a confrontação

pelo uso da natureza”.

Para sustentar sua hegemonia, os latifundiários sempre conseguiram o apoio dos

governos durante a transição política de um período para outro, impedindo que ocorresse a

votação da reforma agrária, com o apoio do estado, conseguiram que a questão agrária ficasse

sob responsabilidade da oligarquia agrícola que governaria o país durante a maior parte do

século XX (WELCH, 2013; STEDILE, 2013). Foram mais de cem anos adiando essa votação

e garantindo os privilégios da elite agrária, pois com a reforma ocorreria a democratização do

acesso justo a terra, através da desapropriação dos latifúndios pelo Estado e redistribuição para

todos que se quer tinham onde morar e produzir, buscando reparar os danos da distribuição

fundiária injusta ocorrida por séculos.

Somente em novembro de 1964, o Congresso Nacional conseguiu aprovação da

Reforma Agrária, o documento foi elaborado tendo como objetivo eliminar os latifúndios e

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promover a Agricultura Familiar, os representantes dos ruralistas no Congresso com medo do

estatuto ser utilizado pelos camponeses, mudaram seus objetivos, ficando “[...] restrito à

modernização da agricultura de larga escala, consolidando a agroindústria nacional” (WELCH,

2013, p. 146), novamente os grupos sociais foram injustiçados pelo poder dominante.

Esse desrespeito aos grupos sociais e aos ecossistemas, que se dá por meio da

apropriação dos elementos da natureza para fins específicos de produção de capital gera

exclusão, expropriação e produzem reações por parte de movimentos sociais, grupos e

populações que se sentem atingidos em seus direitos fundamentais (PORTO; PACHECO;

LEROY, 2013; PORTO; MILANEZ, 2009) como acesso à terra, à moradia, à educação e à

saúde que são amparados pela Constituição de 1988.

Reflexões dessa natureza permitem compreender que o desenvolvimento econômico

baseado nos princípios capitalista, é ambientalmente insustentável e socialmente injusto,

ademais, contribuíram para que os conflitos socioambientais se intensificassem. Conflitos

“podem ser definidos pelo embate entre grupos sociais a partir de seus interesses e valores

envolvendo de forma central questões ecológicas, como o meio biofísico, o uso dos territórios

e seus recursos naturais (bens naturais)” (PORTO; MILANEZ, 2009, p. 1984). Intensificando-

se quando a lógica economicista e consumista desconsidera valores culturais, grupos sociais

presentes nos territórios e transforma os componentes naturais em mercadorias, aumentando a

concentração de renda e poder, ocasionando assim situações de injustiças ambientais. Portanto,

entendemos por injustiças ambientais,

[...] mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico

e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às

populações de baixa renda, aos grupos sociais discriminados, aos povos

étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e

vulneráveis (PORTO; PACHECO, 2009, p.05).

O Brasil destaca-se tanto pela sua diversidade cultural como pela sua acentuada

desigualdade, provocadas pela disparidade de distribuição de renda. Nas considerações de

Porto, Pacheco e Leroy (2013, p. 17), as injustiças são decorrentes das disputas políticas e

simbólicas envolvendo diferentes formas de projetos e aplicações dos recursos nos territórios,

e transformam-se “[...] em conflitos à medida que resistência e mobilizações vão se instaurando,

e, por isso, muitas injustiças permanecem invisíveis para a sociedade diante do déficit

democrático e das assimetrias de poder”.

Os grupos tentam resistir às injustiças socioambientais, aos processos de expropriações

e expansão das atividades econômicas realizadas pelos donos dos grandes latifúndios de

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monoculturas para que também possam permanecer nos territórios. Porém, essa expansão

somada a utilização de agrotóxicos influencia a migração do campo para a cidade, temos a

formação de outra estrutura de campo, um campo sem vida, sem história, sem cultura, sem

grupos sociais, sem biodiversidade, um campo que morre para atender às demandas da

produção de commodities, essa busca incessante por desenvolvimento tem alimentado ainda

mais as situações de injustiça ambiental.

Os grupos com menor renda são os que recebem as maiores cargas dos danos ambientais

do desenvolvimento, ou seja, são os que menos têm acesso ao ar puro, água potável, saneamento

básico, segurança fundiária e emprego (ACSERALD; HERCULANO; PÁDUA, 2004). Nas

comunidades pesquisadas, as injustiças são decorrentes da introdução das monoculturas que

altera a paisagem natural, a utilização de agrotóxicos que contaminam o solo e rios

impossibilitando o acesso à água potável, das disputas por terra, do desemprego, da insegurança

alimentar, das áreas para cultivos para a subsistência e comercialização, saneamento básico,

entre outros. Como diz Che Guevara “se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que

se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”. É com esse olhar de

indignação que esta pesquisa se constitui.

2.5 - Mudanças Climáticas e seus efeitos na vida dos grupos sociais vulneráveis

“A maioria da população brasileira não está

preparada para enfrentar as mudanças

climáticas (IPCC, 2013)”.

O modelo de desenvolvimento econômico e o estilo de vida adotado pelo ser humano

provocaram significativas mudanças no clima. Entendemos que essas mudanças são advindas

das ações antrópicas de degradação da natureza, da produção e consumo desenfreado, além das

práticas insustentáveis realizadas para atender aos interesses economicistas de uma pequena

parcela da população (JACOBI et al., 2011). Mesmo que a Terra tenha passado por ciclos

naturais de aquecimento e resfriamento ao longo da história, da mesma forma que períodos de

intensa atividade geológica lançaram na superfície quantidades elevadas de gases que formaram

de tempos em tempos uma espécie de bolha gasosa sobre o planeta criando um efeito estufa

natural, as atividades humanas são determinantes para o aquecimento do planeta (MARENGO,

2006; TAMAIO, 2013). Porém, ainda existem cientistas que discordam dessa afirmação.

Na tentativa de entender esse fenômeno climático que tendem a se intensificar e afetar

principalmente, as populações vulneráveis economicamente, na década de 1980 pesquisas

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começaram a ser realizadas, foi identificado por meio destes estudos um incremento

significativo na concentração de gás carbônico na atmosfera, associado ao aumento da

temperatura terrestre (JURAS, 2008). Ao reconhecer a gravidade desse incremento, em 1988

foi instituída pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e a Organização das Nações

Unidas (ONU), o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) que tem como

objetivo “[...] avaliar, de forma abrangente, objetiva, aberta e transparente, as informações

científicas, técnicas e socioeconômicas relevantes para compreender os riscos das mudanças

climáticas [...]” (ibidem, p. 35).

Posteriormente, na década de 1990 o IPCC lançou o primeiro relatório, evidenciando

que o clima estava passando por processos de transformações provenientes das atividades

humanas, aumentando os gases de efeito estufa e tendo como resultado o aquecimento da

superfície terrestre. Em 1995 foi apresentado o segundo, nele foi indicado um crescimento

significativo dos gases do efeito estufa desde a era pré-industrial, resultado das causas naturais

e atividades humanas. Em 2001 foi divulgado o terceiro, os cientistas chegaram à conclusão

que o aquecimento nos últimos cinquenta anos, provavelmente estava ocorrendo em virtude do

aumento nas concentrações de gases de efeito estufa. Em 2008 foi divulgado o quarto relatório

colocando fim a todas essas dúvidas (MARENGO, 2007; JURAS, 2008; PINTO; MOUTINHO;

RODRIGUES, 2008).

Embora o efeito estufa seja um fenômeno natural que acontece há milhões de anos na

atmosfera e é necessário para a existência da vida humana, desde 1750, nos primórdios da

Revolução Industrial com a substituição da produção manufaturada pela industrializada,

observamos nos últimos 50 anos um aumento de 31% da concentração do dióxido de Carbono

(gás que impede que o calor do Sol se dissipe nas camadas mais altas da atmosfera e se perca

no espaço) na atmosfera. Após a Revolução Industrial, de 1760 até 1960, os níveis de

concentração de CO2 aumentaram de 277 partes por milhão (ppm) para 317ppm, um aumento

de 40ppm. Durante 1960 a 2001, teve um acréscimo de 54 ppm, atingindo o patamar de 371

ppm (MARENGO, 2007).

Os gases do efeito estufa absorvem parte da energia do Sol, refletida pela

superfície do planeta, e a redistribuem em forma de calor através das

circulações atmosféricas e oceânicas. Parte da energia é irradiada novamente

ao espaço. Qualquer fator que altere esse processo afeta o clima global. Com

o aumento das emissões dos gases de efeito estufa, observado principalmente

nos últimos 150 anos, mais calor passou a ficar retido (MARENGO, 2007,

p.25).

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Esse novo modelo econômico iniciado com a Revolução Industrial sustentado no uso

excessivo de combustíveis não renováveis, na transformação dos bens naturais em recursos,

contribuindo para elevar os níveis de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases do efeito

estufa que provocam as Mudanças Climáticas. Além do aumento da concentração desses gases,

existem outros impactos previstos como consequências das mudanças climáticas, tais como:

aumento na incidência da ocorrência de eventos climáticos extremos; elevação do nível do mar;

perda de cobertura de gelo; alterações na disponibilidade de recursos hídricos; mudanças nos

ecossistemas; desertificação; interferências na agricultura e impactos na saúde e bem-estar da

população (PINTO; MOUTINHO; RODRIGUES, 2008).

A influência da atividade humana sobre o clima é complexa: diz respeito ao

que consumimos, ao tipo de energia que produzimos e utilizamos, se vivemos

na cidade ou em uma fazenda, em um país rico ou pobre, se somos jovens ou

velhos, o que comemos e, até mesmo, tem relação com a igualdade de direitos

e oportunidades desfrutada por mulheres e homens (JACOBI et al.,2011, p.

136).

Para sustentar o crescimento econômico altamente concentrador que coloca os grupos

sociais em vulnerabilidade intensificaram-se os desmatamentos, as queimadas, a utilização de

combustíveis fósseis como carvão mineral, petróleo e gás natural, a agricultura e a pecuária.

Essas atividades são as principais responsáveis pela elevação do nível do mar, desertificação,

tempestades, furacões, ciclones, enchentes ocasionadas pelas chuvas volumosas e concentradas,

deslizamento de terras que provocam desalojamentos e a morte, queimadas, fortes ondas de

calor e frio, secas prolongadas e outros impactos que atingem diretamente grupos sociais

vulneráveis espalhados pelo território.

Notícias dessa natureza transmitidas constantemente pelos meios de comunicação têm

sido quase que sempre muito concisas e por vezes imprecisas, além do mais, não estabelece

proximidade com as mudanças climáticas, parece abstrata e até mesmo longe da realidade,

tornando-se de difícil compreensão para a maioria da população que não sabe como deve atuar

para mitigar ou evitar as emissões dos gases de efeito estufa (MARENGO, 2007; TAMAIO,

2013). Face ao exposto, a natureza está dizendo que o atual modelo econômico, de produção e

consumo excessivos, é perigoso e pode ser suicida (TAMAIO, 2013, p. 43).

Ao observar o “Mapa das Mudanças Climáticas do Brasil” (Figura 06)21 apresentado

pelo “Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social22”, todas as regiões brasileiras são afetadas

por esse fenômeno em menor ou maior magnitude. Na região Centro-Oeste onde encontra-se

21 Disponível em: <http://fmclimaticas.org.br>. Acesso em: 11 set. 2017. 22 Disponível em: <http://fmclimaticas.org.br>. Acesso em: 11 set. 2017.

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localizado o estado de Mato Grosso, observa-se a elevação dos níveis de secas com

temperaturas alcançando os níveis insuportáveis, rios intermitentes desaparecendo no tempo

das secas, nascentes mortas, cidades ameaçadas por falta de abastecimento de água, atividades

de mineração destruindo nascentes, córregos e afetando a fertilidade das terras, territórios de

povos indígenas e comunidades de quilombolas e de camponeses sendo invadidos e roubados

por grandes empresas do agronegócio e ameaças nas bacias hidrográficas pelo bombeamento

irresponsável de água para irrigação.

Figura 06: Mapa das mudanças climáticas do Brasil.

Fonte: REDESENHADO POR ELIZABETH SÁ (2017).

Portanto, as mudanças climáticas existem, são provocadas pelas ações antrópicas, e

ameaçam de maneira desigual e injusta diferentes grupos sociais espalhados pelos territórios.

Apesar de afetarem as camadas mais ricas da população, a intensidade dos impactos somada à

capacidade de lidar com as consequências e promover alternativas de adaptação e de resistência

são diferenciadas (MILANEZ; FONSECA, 2011). Na concepção desses autores, a diferença

pode estar diretamente relacionada ao território que habitam. Enquanto as populações ricas

habitam áreas com maior acesso à saúde, à educação, à tecnologia, podem promover obras de

infraestrutura, maior renda para enfrentar a provável escassez e o consequente aumento de

preços dos recursos naturais e dos alimentos, esses são fatores que tornam os grupos com maior

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renda menos vulneráveis às mudanças climáticas do que os grupos com menor índice

socioeconômico.

Existem outros grupos vulneráveis a esse fenômeno “[...] como é o caso das mulheres,

responsabilizadas pelo uso e acesso das águas, a exemplo das cozinheiras, pescadoras

artesanais, marisqueiras (mariscadoras galegas), ou simplesmente das mães que cuidam dos

banhos das crianças, da comida e da limpeza das casas (SATO, 2016, p. 09)”. Além das

juventudes quilombolas, indígenas, camponesas, das cidades e tantas outras espalhadas pelo

território que encontram-se totalmente vulneráveis as injustiças climáticas.

Observamos que “[...] aqueles que são menos responsáveis pelas emissões de gases do

efeito estufa serão aqueles que mais sofrerão com as mudanças climáticas” (MILANEZ,

FONSECA, 2011, p.87), caracterizado um quadro de injustiça climática. Porém, existem outras

correntes que afirmam todos são igualmente responsáveis pelas ações devastadoras do ambiente

e sujeitos aos mesmos efeitos nocivos das mudanças climáticas, independente da origem, credo,

cor ou classe social, já que todas as pessoas vivem no mesmo macro ecossistema global

chamado planeta Terra (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). Em contraposição a esse

cenário surge o movimento intitulado de Justiça Climática, para Sato (2016, p.14) entende-se é

um “[...] movimento ético que busca promover a inclusão social, com proteção ecológica e

economia responsável”.

Percebendo a disparidade dos impactos existentes entre os atingidos pelas mudanças do

clima, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)23 incorpora em suas lutas a justiça

climática. Nessa luta por justiça ambiental, dentre os princípios assumidos pela RBJA, nesta

pesquisa, merece destaque o princípio 4, a respeito dos “[...] direitos dos atingidos por

mudanças climáticas, exigindo que as políticas de mitigação e adaptação priorizem a assistência

aos grupos diretamente afetados” (PORTO; PACHECO; LEROY, 2013, p. 19).

O conceito referendado pela RBJA entende que todos os grupos tenham “[...] direito ao

acesso justo e equitativo aos ambientes naturais, [...] assim como a garantia de que nenhum

grupo social suporte uma parcela desproporcional da degradação ambiental” (ALEIXES, 2015,

p. 42 apud SATO, 2013, p. 41). Há que se considerar que os efeitos drásticos dessas mudanças

podem também aumentar os conflitos entre diferentes grupos, principalmente quando as

23 A Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) foi lançada oficialmente em 2002 no II Fórum Social Mundial

em Porto Alegre, sendo resultado do Colóquio Internacional sobre Justiça ambiental, Trabalho e Cidadania,

realizado em Niterói (2001) pela Universidade Federal Fluminense. A Rede constitui-se como “[...] fórum de

discussões, denúncias, mobilizações estratégicas e articulações políticas que tem como objetivo formular

alternativas e potencializar ações de resistência desenvolvidas por seus membros” (PORTO; PACHECO; LEROY,

2013, p.19). Atualmente 98 entidades partilham de seus princípios e assinam seu manifesto, dentre elas está o

GPEA.

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populações vulneráveis deslocarem-se das regiões que habitam para outras regiões, na tentativa

de se protegerem dos desastres climáticos.

Encontrar soluções para os impactos das mudanças climáticas é um grande desafio. Na

concepção de Artaxo (2008), o ser humano adquiriu a capacidade de alterar a composição da

atmosfera como nenhuma outra espécie, talvez na história da humanidade não havia ocorrido

até o presente momento, uma questão tão crítica que atingisse a todos os seres vivos, não vivos

e os ecossistemas quanto as mudanças climáticas. Para Tamaio (2013), se a ação humana

responde por grande parte das alterações climáticas, será também pela ação, participação e,

portanto, pela educação formal, educação não formal e pela própria educação ambiental, que

esta geração poderá fazer a diferença no presente e no futuro. Por esta pesquisa estar alicerçada

nos princípios da educação ambiental política, não neutra e transformadora compreendemos

que pode desenvolver ações para o enfrentamento dos impactos advindos das mudanças

climáticas.

Embora existam inúmeros projetos de educação ambiental voltados para as mudanças

climáticas, Tamaio (2013) menciona que geralmente essas iniciativas nem sempre estabelecem

uma relação entre as ações cotidianas e o aumento da emissão dos gases de efeito estufa, diante

desse cenário, fazem-se necessárias a formulação e a implementação de políticas públicas de

educação ambiental que possam contribuir para abordar esse tema de forma crítica e

transformadora. Na tentativa de reverter esse cenário, o GPEA propõe por meio da REAJA

diálogos permanentes com as diferentes instâncias locais, nacionais e internacionais na tentativa

de compreender os desastres advindos das mudanças climáticas, identificando quais os grupos

sociais são mais acometidos por estes agravos, estudando suas táticas de lutas, seus mecanismos

de resistência e contribuindo para a elaboração de políticas públicas em justiça climática que

transcende o debate da mudança climática.

2.6 - Juventudes: algumas concepções e abordagens

[...] ninguém tem a palavra oficial sobre quem são os jovens

ou como eles deveriam ser.

(Valmir Stropassolas, 2002)

A partir das pesquisas e leituras realizadas tanto em livros, artigos, dissertações, teses,

leis e políticas públicas foi possível observar a complexidade de se apresentar uma conceituação

universal sobre juventudes na sociedade contemporânea. Optamos por expor diferentes

definições, e posteriormente, discorrer sobre as juventudes ou jovens camponesas enquanto um

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ser plural, uma vez que os jovens das comunidades Zé Alves e Laranjal vivem realidades sociais

distintas. Os jovens possuem características muito particulares, seja no modo de pensar, agir e

falar. Para Sato (2006, p. 02) os jovens “tornam-se poetas do mundo, interpretando sonhos de

uma época num mundo em ruínas, e entre desvios e caminhos labirínticos, talvez jamais

cheguem a uma saída, nem salvem o futuro da Terra que parece ter um destino pré-

determinado”.

Pelos caminhos investigativos percorridos, notamos que no contexto brasileiro a

temática juventude perpassa por estudos realizados tanto no campo da sociologia, psicologia,

pedagogia e antropologia (SPOSITO, 1997), talvez seja essa a explicação para tantas

definições, visões e propostas diferentes sobre um único conceito que devem ser consideradas.

A autora citada entende que historicamente e socialmente, a juventude tem sido encarada como

uma fase da vida marcada por uma certa instabilidade. Bourdieu (1983) afirma que é comum

essa construção onde a juventude é associada a rebeldia e a imaturidade, e à velhice, associa-se

a sabedoria e a maturidade. Mas o que é ser jovem?

Para Santos (2016), ser jovem diferencia-se de um indivíduo para o outro de acordo com

recortes sociais, tais recortes são significativos na forma como cada um se inscreve como sujeito

e na constituição de suas identidades, por isso, os sentidos e significados atribuídos à juventude

são múltiplos. Até parece uma tarefa fácil definir juventude.

Juventude é desses termos que parecem óbvios, dessas palavras que se

explicam por elas mesmas e assunto a respeito do qual todo mundo tem algo

a dizer, normalmente reclamações indignadas ou esperanças entusiasmadas.

Afinal, todos nós somos ou fomos jovens (há mais ou menos tempo),

convivemos com jovens em relações mais ou menos próximas, e nas últimas

décadas eles têm sido tema de alta exposição nos diferentes tipos de mídia que

atravessam nosso cotidiano (ABRAMO, 2005, p. 37).

Até 1930 em Chicago, os estudos realizados acerca das gangs enfatizam a delinquência.

Nesse momento histórico se consolida a noção predominante de juventude no século XX, ou

seja, a concepção de juventude passa a ser pensada como um momento de transição no ciclo da

vida, da infância para a maturidade, marcada pela incorporação de normas e valores sociais,

necessárias para a integração como membro da sociedade (ABRAMO, 1997).

Posteriormente, nos anos de 1950 a autora reapresenta importantes considerações sobre

a juventude no contexto brasileiro. As interpretações que vinham sendo construídas desde o

final do século XIX relacionadas à juventude eram inerentes a uma vida turbulenta marcada por

atos de rebeldia sem causa, de delinquência e marginalidade, em outras palavras, como um

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problema social demanda cuidados e atenção por parte dos adultos para integrar os jovens em

uma sociedade normal e sadia.

Ocorreu nesta década inúmeras mudanças sociais principalmente, relacionadas ao

conceito de juventude que até então não eram debatidos no campo social. As pessoas eram

divididas apenas em crianças e adultas, considerando ainda que antigamente se tornavam

adultas muito cedo, foi nessa época que a ideia de adolescente passou a ser aplicada. Neste

período se consolida a noção predominante de juventude, onde passa a ser pensada como um

processo de desenvolvimento social e pessoal de capacidades e ajustes aos seus papéis de adulto

ou como um período de transição da infância a fase adulta, marcado pela incorporação das

normas e valores sociais necessários à integração como membro da sociedade (ABRAMO,

1997; WEISHEIMER, 2009).

Nesta década a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO) realizou investigações no sentido de caracterizar a juventude, o pesquisador francês

Jean Stoetzel ficou encarregado de realizar esta tarefa para o caso do Japão. O primeiro desafio

foi definir a população do estudo, o que foi feito estabelecendo-se de modo arbitrário os limites

de 15 a 25 anos, em seu relatório de pesquisa, publicado pela UNESCO em Paris no ano de

1953, identificou que os jovens se encontravam em relação de extrema dependência de seus

pais, chegando à conclusão de que a “condição de jovem é uma condição muito inferior” a dos

adultos (WEISHEIMER, 2009, apud STOETZEL, 1968).

Para Weisheimer (2009), nas décadas de 1960 e 1970 uma nova geração de jovens se

constituiu. Foram anos de grandes questionamentos em diversos países liderados pelos

movimentos juvenis apesar de serem vistos como uma ameaça à ordem social nos planos

político, cultural e moral, foi compreendida posteriormente como uma categoria portadora de

transformações profundas, configurando-se como uma geração idealista, generosa, criativa, que

ousou sonhar e se comprometer com as mudanças sociais. Neste período por meio do Rock’n

Roll, da liberação sexual, da contracultura, do movimento estudantil, da luta por direitos civis,

a juventude produzia uma crítica à ordem social estabelecida na sociedade neste período.

No contexto brasileiro é particularmente nesse momento histórico que o tema juventude

ganha destaque nos estudos científicos, sobretudo nos engajamentos políticos contra o regime

autoritário, por meio de mobilizações de entidades estudantis e do engajamento nos partidos de

esquerda, movimentos culturais que questionavam os padrões de comportamento, tais como:

sexuais, morais, a relação com a propriedade e o consumo. Por adotar esse comportamento, os

jovens também foram perseguidos pelos aparelhos repressivos, tanto pelo comportamento, uso

de drogas, o modo de se vestir e como por suas ideias e ações políticas (ABRAMO, 1997).

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Em contraste, a imagem da juventude dos anos 80 provocou inúmeras insatisfações, são

vistos como individualistas, consumistas, conservadores e indiferentes aos assuntos públicos,

sendo uma geração que se renega a assumir seu papel social para buscar mudanças na sociedade

naquele período. Já nos anos 90 ocorre uma retomada do comportamento e características de

delinquência dos jovens dos anos 50, não são mais a apatia e desmobilização que chamam a

atenção, mas “[...] a presença de inúmeras figuras juvenis nas ruas envolvidas em diversos tipos

de ações individuais e coletivas” (ABRAMO, 1997, p. 31).

A partir dessa construção histórica sobre a juventude foi possível observar que “O jovem

no Brasil nunca é levado a sério. Sempre quis falar, nunca tive chance (...)” como diz a canção

de Charlie Brown Jr. Apesar do envolvimento nos principais movimentos de luta no contexto

brasileiro, a mídia sempre apresenta uma imagem negativa da juventude. Entre esses

movimentos ressaltamos o Golpe Militar de 1964 que deu início ao regime ditatorial no Brasil

(1964-1985) onde jovens estudantes e intelectuais começaram a se organizar e manifestar contra

o presidente João Goulart, a Diretas Já (1983-1984), reconhecida como uma das maiores

manifestações populares ocorridas no país, o movimento conhecido como os Caras-pintadas

(1992) organizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) com a participação dos jovens

em manifestações de rua pedindo o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello

(SILVA, 2013). Os jovens estão presentes em praticamente todos os movimentos de lutas e

transformações sociais de nosso país.

A partir dessa breve construção histórica nossos olhares agora voltam-se para a tentativa

de apresentar definições que são adotadas para a juventude. Castro (2013) aduz que a palavra

jovem é um termo utilizado pelo senso comum, pelo campo acadêmico e mesmo nos espaços

políticos desde o século XIX, inicialmente como uma concepção geracional que opunha uma

relação entre jovens e velhos ou jovens e adultos. A autora ressalta que no final do século XX

e início do século XXI, muitos debates sobre a tematização da juventude tomaram conta do

contexto brasileiro, entretanto, muitos desses trabalhos tratam a juventude como uma categoria

autoevidente ou autoexplicativa, como se a concepção de juventude fosse consensual ao utilizar

a idade e/ou comportamento como únicos critérios para definir o início e o fim da juventude na

sociedade contemporânea. Assim, abordar teoricamente a juventude representa um desafio, já

que este conceito é fruto de uma construção social realizada em contínuas batalhas simbólicas

ao longo do tempo (STROPASSOLAS, 2002; SILVA, 2013).

Desde o século XIX, a idade é utilizada como principal critério para identificar quem

pode ser considerado como jovem. Weisheimer (2005) na tentativa de desconstruir esse

conceito impregnado na sociedade apresenta em seus estudos cinco diferentes aspectos: a

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juventude como faixa etária; a juventude como transição ou ciclo de vida; a juventude como

enfoque geracional, a juventude como cultura ou modo de vida e a juventude como

representação social e auto-representação. Em termos universais, observamos que a concepção

de juventudes como faixa etária sobressai sobre os demais conceitos, consideramos que definir

a faixa de idade não é suficiente para definir jovem.

Vários exemplos podem ser citados, entre eles as definições apresentadas por

organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Comissão Nacional de

População e Desenvolvimento (CNPD) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT)

utilizam o recorte etário de 15 a 24 anos, essa é uma forma de homogeneizar o conceito de

juventude utilizando os limites de entrada no mundo do trabalho e no término da escolarização

formal básico (TRINDADE, 2015).

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não deixa claro a faixa etária

do jovem, no artigo 2º considera criança entre 0 a 12 anos, adolescente dos 12 aos 18, e, em

alguns casos até os 21 anos; a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de

Juventude (CONJUVE) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entende como

jovens as pessoas entre 15 e 29 anos, dividas com os seguintes subgrupos: 15 a 17 (jovem

adolescente), 18 a 24 anos (jovem-jovem) e de 25 a 29 anos (jovem-adulto) (AQUINO, 2009).

Essas organizações e Leis demonstram vários critérios que podem ser empregados para definir

a faixa etária que se compreende como juventude e ainda não existe uma definição

universalizante no contexto brasileiro. Na tentativa de demonstrar as várias definições,

Weisheimer (2004) em sua dissertação de Mestrado apresenta o que poderia ser entendido como

“início da juventude e término da juventude”, posteriormente na tese de Doutorado reescreve

este conceito como sendo:

[...] do ponto de vista das práticas sociais o início da juventude é representado

pelo surgimento da puberdade. Esta é marcada pelo desenvolvimento de um

novo porte físico e por novas exigências e disciplinamento os corpos. Estas

mudanças biológicas são acompanhadas pela incorporação de novos papéis

sociais que acentuam, entre outras coisas, as distinções entre os sexos. De

modo geral, podemos dizer que a entrada da fase juvenil da vida é marcada

por múltiplos critérios que expressam as transformações vividas pelos

indivíduos no plano biológico, psicológico, cognitivo, cultural e social. Por

sua vez, o término da juventude é definido por critérios eminentemente

sociológicos. O fim da juventude aparece relacionada à progressiva autonomia

nos planos cívico (maioridade civil) e ligado à conjugação de

responsabilidades produtivas (um status profissional estável); conjugais (um

parceiro sexual estável assumido como cônjuge); domésticas (sustento de um

domicílio autônomo); e paternal (designação de uma prole dependente)

(WEISHEIMER, 2009, p. 53-54).

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Após estudos realizados compreendemos que definir o início e o final da juventude a

partir dessas abordagens não são suficientes, devemos descontruir essa ideia de que a

responsabilidade está apenas relacionada aos adultos, porque possuem trabalho fixo, casa e

família/filhos. É possível observar que na sociedade contemporânea muitos adultos se encaixam

nesses critérios, mas não são responsáveis, por outro lado existem jovens que não possuem

trabalho/casa/família/filhos e são responsáveis. Alinhando-se a essas proposições ao propor

essa abordagem sobre o que define ser jovem ou não, buscamos fugir das amarras conceituais

que adotam a faixa etária como única definição.

Weisheimer (2009) profere que as fronteiras que demarcam essas divisões perpassam

por um conjunto de fenômenos objetivos e subjetivos, sociais e individuais que tendem a variar

de sociedade para sociedade, assim “a definição de faixas etárias é, obviamente, arbitrária e não

dá conta das diferenças entre idade biológica e idade social” (ibidem, p. 72). Para o sociólogo

Pierre Bourdieu (1983), isso é banal, mostra que a idade é um dado biológico socialmente

manipulado e manipulável. Lembra ainda que as divisões por idades são arbitrárias, por

intermédio da idade ainda não é possível definir quando começa a juventude e quando começa

a velhice, consequentemente, essas fronteiras entre juventude e velhice se tornaram objetos de

disputas em todas as sociedades. Acrescenta que pode-se encontrar na sociedade duas

juventudes com a mesma idade, aquelas formadas por pessoas que trabalham e aqueles que só

estudam, apesar de possuírem a mesma idade enfrentam situações sociais, econômicas e

familiares totalmente distintas.

Bourdieu (1983, p.152) acrescenta que “as classificações por idade (mas também por

sexo, ou, é claro, por classe...) acabam sempre por impor limites e produzir uma ordem onde

cada um deve se manter em relação à qual cada um deve se manter em seu lugar”. Portanto,

estabelecer a idade como único critério entre juventude e velhice torna-se complexo, já que os

seres humanos se desenvolvem em diferentes meios sociais e culturais. A idade acaba sempre

por impor certos limites à juventude, por isso não há concordância da definição de juventude

por idade, pois são encontrados nos mais diferentes grupos sociais da sociedade jovens que já

assumiram desde cedo suas responsabilidades e são atuantes em diferentes movimentos,

lidando com seus dilemas, pensando e agindo conforme o meio em que estão inseridos

independentemente da idade cronológica.

Nesse processo de desconstrução da idade como único critério para definir juventudes,

os estudos de Silva (2013) os quais foram desenvolvidos com diferentes movimentos juvenis

mato-grossense, podem ser consultados, estes estudos realizam ações de educação ambiental,

ao questionar o que é ser jovem, a pesquisadora revela que ocorreu entre os entrevistados uma

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predominante compreensão da juventude enquanto um estado de espírito. “De fato, é comum

as pessoas relacionarem juventude a um estado de espírito, o que denota uma idealização

positiva dessa fase da vida [...]” (ibidem, p. 106). Para a pesquisadora, as “imagens plasmadas

sobre juventude, especialmente das que a associam à militância, foi mais importante para a

identificação dessas pessoas, do que a sua delimitação a uma faixa etária, pois as suas

identidades são construídas essencialmente na militância” (ibidem, p. 09).

Apesar de entender a importância de definir a idade para a implementação de políticas

públicas, nessa pesquisa optamos por não definir uma faixa etária para os jovens, a definição

de juventude adveio dos moradores/as de Zé Alves e Laranjal. Adotamos também o critério da

autoidentificação defendida por Silva (2011) como um dos princípios da metodologia Mapa

Social. A autoidentificação também foi defendida por Trindade (2015) em sua tese intitulada

“Constituição social do ser jovem camponês no contexto de assentamentos da Reforma Agrária

na microrregião Guanambi, Bahia”. Para o autor, a autoidentificação dos jovens se deu nos

primeiros contatos com o campo de pesquisa, assim como o autor, foi durante as visitas em

lócus que ao questionar se existia “jovens” nas comunidades em nenhum momento foi

apresentado aqueles que possuem idade cronológica defendida por lei e aqueles que não

possuem, mas são reconhecidos como lideranças jovens.

Diante das transformações sociais, políticas, econômicas e culturais que a sociedade

contemporânea se insere, das manipulações e complexidades conceitual para se definir as

juventudes, nessa pesquisa o conceito de juventudes é defendido a partir das “representações

sociais e autorrepresentações”. Essa abordagem permite entender as juventudes como uma

realidade múltipla, no caso dessa pesquisa a realidade carrega as marcas das injustiças

socioambientais. Esse conceito nomeia uma variedade de relações sociais vividas pelos

indivíduos, permitindo olhar “[...] como sujeitos singulares, com marcas e adjetivos que lhes

são atribuídos nos percursos de vida instituídos na base das contradições que movimentam os

diversos processos que envolvem a vida dos/das jovens” (TRINDADE, 2015, p.107).

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CAPÍTULO III - O GERMINAR DA ÁRVORE E AS RAMIFICAÇÕES DAS RAÍZES

Mundo Pequeno

(Manoel de Barros)

O mundo meu é pequeno, Senhor.

Tem um rio e um pouco de árvores.

Nossa casa foi feita de costas para o rio.

Formigas recortam roseiras da avó.

Nos fundos do quintal há um menino e suas latas

maravilhosas.

Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas

com aves.

Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os

besouros pensam que estão no incêndio.

Quando o rio está começando um peixe,

Ele me coisa

Ele me rã

Ele me árvore.

De tarde um velho tocará sua flauta para inverter

os ocasos.

Foto: REGINA SILVA (2016).

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3.1 – Os caminhos e descaminhos metodológicos

Somos seres “a caminho”,

“em busca”.

(Schnorr, 2010)

Para desvelar os caminhos e descaminhos metodológicos percorridos nesta pesquisa

buscamos inspiração na reflexão Freire (1990, p.35), que afirma que “não posso reduzir os

grupos populares a meros objetos de minha pesquisa. Simplesmente não posso conhecer a

realidade de que participam a não ser com eles, como sujeitos também deste conhecimento

[...]”, é com essa concepção de que as juventudes camponesas fazem parte desse processo,

sendo sujeitos ativos de um contexto investigado que esta pesquisa foi realizada. Nesse sentido,

serão evidenciados os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas de Zé Alves e

Laranjal a partir das percepções das juventudes. Serão considerados também os dados dos

mapeamentos que foram fundamentais para a obtenção de olhar macro sobre a realidade

vivenciada pelas comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal.

A metodologia é entendida como o fio condutor da pesquisa, é a explicação detalhada

de todas as ações a serem desenvolvidas, ou seja, os instrumentos, as técnicas, o tempo previsto,

a equipe de pesquisadores/as, o tratamento dos dados que compõem os resultados, enfim é o

momento de apresentar detalhadamente todo caminho percorrido. Em relação ao fazer pesquisa,

Brandão (2003, p. 10) afirma que existem algumas diferenças sobre “[...] como se pensa o fazer

pesquisa científica e como se faz a pesquisa científica que se pensa”. Deve haver outra bastante

próxima entre “como se faz uma pesquisa e como nós vivemos a pesquisa que fazemos”.

Compreendemos que não existe um manual a seguir acerca do processo investigativo durante a

pesquisa, mas a escolha do método e da metodologia são fatores determinantes para se chegar

ao que foi proposto. Brandão (2003, p. 23) acrescenta que nesse fazer e pensar a pesquisa “em

uma sociedade marinada pela desigualdade, nenhuma pesquisa é isenta de neutralidade”.

Na concepção de Minayo (2009), a metodologia é o caminho do pensamento, ou seja, a

prática exercida sobre uma determinada realidade, a ela é incluída a teoria da abordagem (o

método), os instrumentos da pesquisa (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiência, sua capacidade e sua sensibilidade). Portanto, a metodologia “[...] é muito mais

que técnicas. Ela inclui as concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com

a realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade” (ibidem, p.15). A realidade deste

contexto pesquisado carrega as marcas da violência, da violação de direitos, de injustiças sociais

e ambientais e de inúmeros conflitos socioambientais silenciados. Para ouvir os grupos sociais

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invisibilizados nos territórios utilizamos o método qualitativo acompanhada da metodologia

denominada Mapa Social (SILVA, 2011).

O método qualitativo trabalha com um universo muito particular de aspirações, crenças,

valores e atitudes, aprofunda-se no mundo das significações, das ações humanas, respondendo

a questões muito particulares das relações sociais estabelecidas em sociedade que não pode ser

quantificada (MINAYO, 2009). Esse conjunto de fenômenos é entendido “[...] como parte da

realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz

e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus

semelhantes” (ibidem, p.21).

Na abordagem qualitativa têm-se cinco características básicas que a fundamenta: o

ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal

instrumento; os dados coletados são predominantemente descritivos; a preocupação com o

processo é muito maior do que com o produto; o significado que as pessoas dão às coisas e à

sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador e a análise dos dados tende a seguir um

processo indutivo (TRIVIÑOS, 1987). Assim, os caminhos percorridos, as vivências, as

experiências partilhadas, e as aprendizagens adquiridas com as comunidades pesquisadas e com

o grupo pesquisador me fizeram compreender que o processo é tão importante quanto o produto.

Esse método faz com que o/a pesquisador/a tenha uma melhor compreensão do sujeito

estudado, permitindo a participação em todo o processo, ou seja, é ao mesmo tempo o sujeito e

o objeto da pesquisa. Possibilitando ainda uma relação de proximidade entre pesquisador e

pesquisados, os pesquisados estão livres para dialogar com o pesquisador sobre os assuntos

relacionados com o objeto de estudo, além disso, as respostas são subjetivas já que o propósito

não é a representatividade numérica, mas compreender um determinado grupo social. Ao

contrário do que muitos pensam, o envolvimento entre o/a pesquisador/a e pesquisados/as é de

fundamental importância. Para Moreira (2017, p. 65-66), os participantes da pesquisa “[...] são

parceiros/as com quem estabelecemos uma relação de horizontalidade, quebrando a lógica

hierárquica da ciência moderna de sujeito (pesquisador/a) e objeto (pesquisado)”.

Nesse processo o pesquisador deve se desprender da sua neutralidade e mergulhar no

campo da pesquisa à procura de significados, interpretações, pois se busca desenvolver uma

pesquisa que possibilita “[...] fazer da ciência um caminho de libertação dos marginalizados,

do ser humano oprimido” (TRIVIÑOS, 1987, p.14). Para Schnorr (2010), o ser humano é fruto

de uma cultura ocidental excludente, individualista, que nega o direito do outro e impõe o uso

da força e da domesticação da consciência por meio da opressão, é preciso romper com as

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palavras e atos hegemônicos do opressor sobre o oprimido que contribuiu para a cultura do

silenciamento.

Nesse movimento de conhecer o desconhecido, dar visibilidade aos oprimidos e

responder um dos objetivos, que consiste em mapear os conflitos socioambientais existentes

nas comunidades do Cerrado do Pantanal, foi escolhida a metodologia criada e desenvolvida

do âmbito do GPEA, fortemente ancorada na fenomenologia, denominada Mapa Social

(SILVA, 2011). Ao adotar a metodologia Mapa Social é necessário compreender que os mapas

nem sempre foram utilizados para esta função. Os mapas criados na perspectiva dos

movimentos sociais, das populações tradicionais, das comunidades impactadas pelos projetos

desenvolvimentistas torna-se um mecanismo de luta e resistência, também servem para tonar

visível os conflitos e injustiças socioambientais provenientes desses projetos econômicos e

políticos governamentais que discrimina, impacta e coloca em situações de vulnerabilidade as

populações que vivem nos territórios (PORTO, PACHECO, LEROY, 2013).

A metodologia adotada tem como objetivo registrar por meio das autodenominações e

autonarrativas as identidades, territórios e conflitos socioambientais vivenciados pelos grupos

sociais, oferecendo diversos olhares, especialmente aqueles que foram sempre negados pelo

processo colonizatório, pelo poder dos ruralistas, do capitalismo e invisibilizados em meio aos

grandes latifúndios presentes neste estado (SILVA, 2011). Essas situações de negar o outro

remetem a pensar que a sociedade de hoje que exclui, que separa, que segrega os considerados

e vistos como diferentes, ou seja, os indígenas, os quilombolas, os pequenos/as agricultores/as,

os ribeirinhos, os povos tradicionais, os assentados, entre tantos outros grupos, é resultado da

sociedade do ontem que ocupou os ditos espaços vazios, desconsiderando todas as formas de

vida presente nos territórios. Para dar visibilidade aos diferentes, as propostas de mapeamentos

emergem como

[...] um elemento importante para a ação política das comunidades, pois

contribui de diversas maneiras: serve para dar visibilidade aos grupos sociais,

seus territórios, territorialidades, representações, identidades, conflitos e lutas

por reconhecimento de direitos; auxilia na ampliação do conhecimento dos

grupos sociais sobre seus territórios, sobre suas histórias e sobre os usos que

fazem de seus recursos naturais; contribui para os processos de reivindicação,

de defesa e de proteção dos territórios e de seus recursos [...] (ACSELRAD;

VIÉGAS, 2013, p.17-18).

Compreendemos que “[...] narrar-se é também um processo de construção identitária

que revisita o pretérito ajustando a existência presente [...]” (SILVA, 2011, p. 46). No

mapeamento com as comunidades do Cerrado do Pantanal, os grupos participantes quebraram

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o silêncio e aos poucos foram revelando os conflitos, as injustiças, as lutas, os modos de vida e

as formas de organização do ambiente onde estão inseridos.

Os mapas elaborados por povos e comunidades tradicionais despontam como

um elemento de afirmação social e servem de substrato para novas formas de

se classificar, reforçar e desenvolver conflitos que trazem em seu bojo lutas

sociais que extrapolam qualquer tipo de limite espacial. A capacidade dos

grupos “cartografastes” de classificar ou reclassificar seus conflitos, de

estabelecer novas relações entre si e com outros grupos subaltenizados, bem

como de estabelecer novos padrões de relações com o Estado serve como um

estimulador para esse processo de afirmação, pois tornam esses grupos

visíveis e contribuem para que suas representações emerjam (ACSELRAD;

VIÉGAS, 2013, p. 38-39).

O Mapa Social ao dar visibilidade aos grupos sociais negados pelo “Outro” tornou se

uma forte ferramenta de luta e inclusão das identidades que foram sempre silenciadas, excluídas

dos processos de tomada de decisões. Portanto, reconhecer as identidades, os saberes locais e

espacializá-los são importantes para a sociedade e para a própria comunidade.

Silva (2011) no processo de elaboração da metodologia afirma que não foi uma opção

por acaso, mas fruto de uma escolha identitária construída nos espaços de militâncias e lutas

com as comunidades esquecidas pelas políticas públicas, este estado segregador, por isso é

isenta neutralidade. Ressaltamos que mapear os conflitos na perspectiva das juventudes não é

uma questão aleatória, é uma escolha identitária constituída com o campo, com as escolhas

pessoais, com a identidade e vivências enquanto jovem do campo, e principalmente pelo

compromisso ético de evidenciar os conflitos a partir das percepções das juventudes.

Nesse sentido, no mapeamento com as comunidades do Cerrado do Pantanal buscamos

em um primeiro momento, por meio do mapeamento participativo, evidenciar os principais

conflitos socioambientais em uma área de transição entre o bioma Cerrado e o bioma Pantanal.

Posteriormente, com um olhar mais aproximado da realidade das comunidades, levando em

consideração os conflitos mapeados, almejamos compreender a percepção das juventudes

acerca desses conflitos socioambientais mapeados e das mudanças climáticas. Para a realização

do mapeamento, “partimos do pressuposto que os processos de mapeamentos participativos

devem ser elaborados COM e, principalmente, PELAS comunidades e grupos envolvidos”

(SILVA; JABER-SILVA; SATO, 2012, p.12), mapear com e pelos/as grupos envolvidos além

de possibilitar a participação em todo o processo é uma fonte inquestionável de dados.

Na metodologia Mapa Social, Silva (2011) utilizou o termo “olhar de passarinho” e o

“sentir de passarinho” descrito por Sato (2011) em seu texto “Cartografia do imaginário no

mundo da pesquisa”. O olhar do passarinho para Silva (2011, p. 52) ofereceu “[...] uma

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paisagem global possibilitando o mapeamento dos grupos sociais de todo o Estado”. Durante a

realização desta pesquisa, o olhar do passarinho, esse olhar macro ofereceu a paisagem global

do mapeamento social do estado de Mato Grosso considerando as identidades, territórios e

conflitos socioambientais vivenciados pelos grupos sociais.

Para dar continuidade a esse projeto, alguns pesquisadores/as do GPEA têm utilizado

dessa metodologia e oferecido um olhar mais aproximado dessa realidade, no caso desta

pesquisa em específico, o olhar do passarinho serviu como um recorte dessas comunidades

localizadas no município de Poconé/MT. Buscando esse olhar geral, panorâmico das

comunidades, para entender as juventudes, primeiramente, foi preciso realizar o I Mapeamento

Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal com todas as comunidades nos dias 26 e 27

de novembro de 2016 e o II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal nos

dias 03 e 04 de junho de 2017, estando presentes crianças, jovens e adultos. Nessas viagens

pelas estradas estreitas, cheias de curvas e poeira entre o Cerrado do Pantanal, tentamos

entender a dinâmica dos grupos sociais por meio da realização dos mapeamentos, para isso foi

necessário o apoio, o comprometimento, o compromisso ético de um grupo pesquisador.

Já o sentir de passarinho na compreensão de Silva (2011, p.52), possibilita “[...] uma

dimensão da paisagem local, no chão empírico da pesquisa” [...]. Nesta pesquisa, com os

conflitos socioambientais já mapeados, com um olhar mais aproximando da realidade podemos

viver o tempo comunidade, tanto em Zé Alves como em Laranjal, possibilitando assim, realizar

as observações em lócus e as entrevistas semiestruturadas com 12 jovens das duas comunidades

que foram gravadas e registradas no caderno de campo. Consideramos que alguns sujeitos são

importantes para apresentar o olhar sobre os conflitos e as mudanças do clima, neste estudo,

escolhemos evidenciá-los a partir das percepções das juventudes.

Para responder os objetivos propostos nesta pesquisa três momentos distintos que se

complementam foram avaliados. Primeiro, foi realizado o I Mapeamento Social do Cerrado do

Pantanal, os relatos dos Grupos de Trabalhos – GT também compõem os dados dessa pesquisa;

o segundo momento mais introspectivo, foi efetuado as entrevistas com um roteiro de perguntas

semiestruturadas com as juventudes da comunidade Zé Alves e Laranjal, além das entrevistas

com moradores/as antigos/as para compreender o contexto histórico das comunidades.

Posteriormente, realizou-se o II Mapeamento Social do Cerrado do Pantanal, tendo como

objetivo validar e complementar as causas propulsoras de conflitos socioambientais envolvendo

outras comunidades localizadas no município de Poconé/MT. Para melhor compreender como

aconteceram as etapas (Figura 07) desta pesquisa apresentamos o esquema da metodologia.

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Figura 07: Esquema da metodologia utilizada.

Fonte: ELABORADO PELA AUTORA, (2017).

3.2 - Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.

O I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal foi realizado nos dias

26 e 27 de novembro de 2016 na comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal (Figura 08).

O encontro organizado pelo GPEA em parceria com a COMPRUP, o Instituto Caracol (IC),

uma Organização Não Governamental sem fins lucrativos de caráter socioambientalista, a

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), o Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Instituto Nacional de Ciência e

Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU), Instituto Federal de Educação de Mato Grosso (IFMT)

e a Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT).

O I Mapeamento contou com a participação de aproximadamente 40 participantes

divididos entre 10 comunidades, sendo: Laranjal, Zé Alves, Barrerinho, Rodeio, Maravilha,

Água Vermelha, Forquilha, Cavalo Branco, Agroana Giral e Campo Limpo II. Participaram

também o presidente da Central das Associações, um Engenheiro de Alimentos e um vereador

do município de Poconé.

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Figura 08: I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.

Fonte: ACERVO GPEA (2016).

Os convites foram feitos por meio das visitas por nós pesquisadores/as e o presidente da

COMPRUP. Esses momentos de visitação foram de fundamental importância, pois além de

apresentar o objetivo do seminário, foram realizadas conversas informais com lideranças das

comunidades a fim de conhecer a realidade que estão inseridas. Para Minayo (2009, p.61), o

trabalho de campo “[...] permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual

formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os “atores” que

conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico [...]”. Percebemos que

apesar de apresentarem características culturalmente diferentes, sendo quilombolas,

tradicionais e assentados, todos estão sofrendo com a introdução das monoculturas na região.

Iniciamos o seminário apresentando os resultados do Mapa Social (SILVA, 2011) e do

Mapa dos Conflitos (JABER-SILVA, 2012) de Mato Grosso, para que pudessem se familiarizar

com a metodologia e compreendessem as etapas do mapeamento. Possibilitando também uma

visão panorâmica dos grupos sociais e dos conflitos em todo o Estado de Mato Grosso. Em

seguida as lideranças por meio das narrativas apresentaram reflexões sobre como é o território

onde vivem, quais as principais dificuldades, quais os principais problemas e como as

juventudes têm-se envolvido na comunidade. No segundo momento realizamos as oficinas de

mapeamentos, as comunidades foram divididas em quatro Grupos de Trabalho (GT), tendo

como critério de divisão a proximidade territorial, ficando assim dividias: Grupo I: Laranjal e

Forquilha; Grupo II: Água Vermelha, Campo Limpo e Cavalo Branco; Grupo III: Rodeio,

Barrerinho e Zé Alves; Grupo IV: Agroana Giral e Maravilha. Somente com o Grupo IV não

foi possível utilizar desse critério, uma vez que compareceu apenas um representante de

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Maravilha. Cada grupo contou com o auxílio de um facilitador e um relator, que conduziu as

discussões com um roteiro24 de perguntas semiestruturadas, estimulando os diálogos entre os

participantes, conforme apresentado abaixo.

Disponibilizamos para todos os grupos de trabalho (Figura 09) um Kit contendo: 1 Mapa

dos Conflitos Socioambientais do estado de Mato Grosso; 1 Mapa dos Grupos Sociais do Estado

de Mato Grosso; folhas de sulfite; canetas; lápis; lápis de cor; canetinhas; giz de cera; borracha;

gravador de voz; mapas da região em uma escala de 1: 250000 com informações da hidrografia

e estradas conforme a localização geográfica das comunidades e imagens de satélites na escala

de 1:250000 referente aos anos de 2006, 2011 e 2015 para que pudessem perceber as alterações

ocasionadas principalmente pelo desmatamento na região.

24 Roteiro adaptado de Jaber-Silva (2016).

1.Sinalize no mapa da região de Poconé-MT as comunidades/associações/grupos sociais

existentes.

2.Quais os locais de referência das comunidades (exemplo: escola, associações, igreja,

campo de futebol...).

3.Nas comunidades pantaneiras de Poconé-MT existem impactos/conflitos

socioambientais? Sinalize no mapa.

4. Tem sido feito alguma ação para combater a entrada da monocultura no Pantanal mato-

grossense? É uma atividade legal no Pantanal?

5.Quais conflitos? Quais grupos estão envolvidos nos conflitos?

6.Há violência declarada? Quais tipos de violência?

7.Qual a principal força para enfrentar esses conflitos? E qual a maior dificuldade?

8.O clima na região tem mudado? Água, vegetação, solo, produção...

9.O que vocês produzem e extraem para alimentação? E para a venda? O que deixaram de

produzir?

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Figura 09: Grupo de Trabalho do I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.

Fonte: ACERVO (2016).

Os grupos localizaram no mapa suas comunidades e apontaram/identificaram os

principais pontos de conflitos socioambientais e os grupos sociais envolvidos. Relataram

também as características culturais, econômicas, sociais e ambientais; locais de referência

(escola, associação, igreja, campo de futebol); número de famílias; tipo de moradias;

religiosidade; o que plantam para a venda e para a subsistência; clima; vegetação; solo; bens

hídricos disponíveis, entre outros. Refletiram sobre os impactos socioambientais e as mudanças

climáticas ocasionadas pelo avanço do agronegócio. Posteriormente, um representante (Figura

10) de cada comunidade socializou os resultados demarcados no mapa e dos diálogos durante

os grupos de trabalho.

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Figura 10: Socialização dos grupos de trabalho

Fonte: ACERVO (2016).

No segundo dia, as lideranças das comunidades junto com a COMPRUP conversaram

sobre os desflorestamentos das árvores nativas do Cerrado como: Cumbaru, Jatobá, Mangava,

Bocaiuva, entre outros, que contribuem com a alimentação e a renda de inúmeras comunidades

tradicionais, quilombolas e assentamentos existentes nesta região. Na tentativa de barrar essas

ações foi proposto a elaboração da Lei do Cumbaru Livre semelhante a Lei do Babaçu Livre

vigente no estado do Maranhão, assegurando que o Cumbaru e outras espécies nativas utilizadas

para o extrativismo não sejam derrubadas para a introdução das monoculturas. Compreendemos

que essas práticas altera o ambiente, afeta a cultura e a economia local das comunidades.

Na tentativa de unir forças para enfrentar as injustiças socioambientais vivenciadas por

estes grupos e fortalecer os diálogos entre comunidades que não participaram do I Mapeamento

foi proposto a realização do II Mapeamento. A realização ficou condicionado ao levantamento

de recursos para custear gastos com transporte dos participantes e oficineiros; alimentação;

banner, folder, faixas para divulgação; e materiais gráficos para a impressão de mapas.

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O GPEA em parceria com o Instituto Caracol na tentativa de viabilizar a realização do

seminário apresentou junto a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)25 o projeto

intitulado Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. Com a aprovação em

março de 2017, realizamos o II Mapeamento nos dias 03 e 04 de junho de 2017 na comunidade

tradicional Bandeira (Figura 11). Escolhemos a comunidade Bandeira por estar reativando um

grupo de mulheres extrativistas, além da localização privilegiada próxima as comunidades que

não participaram do I Mapeamento.

Figura 11: II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.

Fonte: ACERVO (2017).

Além do apoio financeiro da CESE, convidamos algumas instituições que possuem um

trabalho consolidado nas comunidades do Cerrado do Pantanal, entre elas: a Federação de

Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE); Fórum Mato-grossense de Meio

Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD); a Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras,

que faz parte da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

25 A CESE atua na promoção, defesa e garantia de direitos no Brasil. E faz isso porque entende que a desigualdade

e a injustiça ainda persistem. Criada por Igrejas Cristãs, tem a missão de fortalecer organizações da sociedade

civil, especialmente as populares, empenhadas nas lutas por transformações políticas, econômicas e sociais que

conduzam a estruturas em que prevaleça democracia com justiça. Disponível em: https://www.cese.org.br/quem-

e-a-cese/a-cese/. Acesso em: 28 dez. 2017.

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Comunidades Tradicionais (CNPCT); Comissão Pastoral da Terra (CPT) que realizou o

lançando do Caderno de Conflitos Agrários no Brasil - 2016; entre de outros parceiros que

participaram do I Mapeamento. Essa união entre representantes das comunidades quilombolas,

tradicionais e assentamentos; instituições governamentais; instituições não governamentais e a

sociedade civil possibilitou diálogos para fortalecer a luta e enfrentar as situações de injustiças

neste território.

O mapeamento contou com a participação de aproximadamente 80 participantes vindos

das comunidades: Laranjal, Zé Alves, Bandeira, Cavalo Branco, Barreirinho, Agroana Giral,

além das comunidades Sucupira e Serragem localizadas no Município de Nossa Senhora do

Livramento que ficaram sabendo do mapeamento e foram denunciar os conflitos e injustiças

ambientais, porém, os dados não serão considerados nesta pesquisa porque essas comunidades

não fazerem parte do Cerrado do Pantanal.

No primeiro dia, inicialmente o GPEA apresentou como surgiu o Mapa dos Conflitos

Socioambientais do estado de Mato Grosso elaborado por Silva (2011) e o Mapa dos Grupos

Sociais do Estado de Mato Grosso elaborado por Jaber-Silva (2012), para que assim pudessem

apresentar a proposta do Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal iniciado

em 2016 no quilombo Laranjal. Foi enfatizado a importância de dar visibilidades as causas

geradoras dos conflitos socioambientais, os grupos envolvidos nos conflitos e os grupos sociais

invisibilizados nos territórios.

Aproveitamos para validar as causas propulsoras de conflitos socioambientais e realizar

o lançamento do caderno de Conflitos no Campo -2016. O representante da CPT com base no

caderno Conflitos no Campo destacou que somente no ano de 2016 foram registrados 1.536

conflitos no campo (soma de conflitos por terra, água e trabalhista), número mais elevado desde

2008. Em seguida as comunidades foram organizadas em grupo (Figura 12), ficando assim

dividias: Grupo I: Laranjal e Cavalo Branco; Grupo II: Zé Alves, Sucupira e Serragem;

Grupo III e IV: Bandeira I e Bandeira II. As comunidades Barreirinho e Agroana Giral

participaram apenas no segundo dia do seminário.

Tendo como objetivo realizar o mapeamento cultural e dos conflitos socioambientais a

metodologia utilizada contou com duas Estações, a primeira sobre ONTEM puderam relatar o

contexto histórico das comunidades, se existia conflitos, quais as mudanças ambientais e

climáticas que ocorreram; na segunda estação sobre o HOJE, relataram questões referentes à

natureza e os sistemas de produções, a cultura, a presença de grupos sociais e os conflitos

socioambientais, as táticas de lutas e a organização das comunidades.

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Figura 12: Grupo de Trabalho do II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.

Fonte: ACERVO GPEA (2017).

No segundo dia, as comunidades participantes pensaram juntas acerca dos caminhos de

curto e longo prazo para o fortalecimento da cadeia de agroextrativismo vegetal na região, tendo

o Cumbaru como o principal produto. As informações dos mapeamentos foram sistematizadas

e elaborado o Mapa dos Conflitos Socioambientais das Comunidades do Cerrado do Pantanal

que será apresentado no Capítulo IV.

3.3 - Entrevistas com as juventudes camponesas

Para responder aos objetivos propostos nesta pesquisa foi preciso primeiro realizar o

mapeamento com as comunidades do Cerrado do Pantanal, a fim de evidenciar os grupos sociais

e as causas geradoras dos conflitos socioambientais. Foram considerados fatores como:

desmatamento, queimadas, disputa por água, disputa por terra, uso de agrotóxicos e garimpo; e

fatores relacionados as mudanças climáticas, entre eles: mudanças nas estações do ano; no ciclo

da chuva; ventanias, temporais e aumento da temperatura que geram impactos significativos a

essas comunidades.

Posteriormente, com uma abordagem mais introspectiva as entrevistas com 12 jovens,

sendo 6 de Zé Alves e 6 de Laranjal. Apesar de ser uma comunidade tradicional e outro

quilombola ambas sofrem o mesmo processo de injustiça ambiental. Os critérios de escolhas

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dos sujeitos jovens ocorreram de duas formas distintas: em Zé Alves se deu durante as primeiras

visitas, ao questionar para uma das lideranças a existência de jovens apresentaram aqueles que

possuem idade cronológica defendida por lei e aqueles que não possuem; esse questionamento

também foi utilizado no quilombo Laranjal, as lideranças apresentaram somente aqueles que

possuem idade cronológica. Além disso, utilizamos como critério a participação dos jovens

durante o I Mapeamento.

Diante dessa situação, “ser jovem corresponde também a uma auto-representação que

tende a uma grande elasticidade em termos etários, proporcional às dificuldades crescentes de

ingresso no mercado de trabalho e a sua informalização excessiva no Brasil” (CARNEIRO,

1998, p. 98). Contudo, exige-se um olhar crítico sobre a passagem do indivíduo jovem para a

fase adulta, uma vez que os critérios de entrada no mundo adulto hoje estão cada vez mais

flexíveis, as trajetórias dos (as) jovens e as relações familiares são muito mais dinâmicas em

relação às gerações passadas (NOVAES, 2006; PAIS, 2006). Para Trindade (2015, p.144), essa

“[...] compreensão ou definição de quem é ou não jovem não contempla as singularidades que

constituem o modo de ser jovem [...]”. Nesse sentido, optamos por não definir um recorte etário

para os sujeitos jovens entrevistados nesta pesquisa.

Minayo (2009, p.64) entende que “a entrevista é acima de tudo uma conversa a dois, ou

entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador”. A autora acrescenta ainda

que as entrevistas permitem aos pesquisadores buscarem informações nas falas dos atores

sociais em estudo, é também uma forma de interação humana entre o/a pesquisador/a e os

sujeitos da pesquisa, podendo variar desde uma conversa descontraída com um roteiro

facilitando a comunicação até um conjunto de perguntas estruturadas dispostas em um roteiro

de entrevista. Para compreender os conflitos socioambientais, os resultados das mudanças

climáticas, os fatores que têm contribuído para a saída das juventudes do campo e como se dá

o envolvimento das juventudes na luta enfrentada pelas comunidades pesquisadas utilizou-se o

roteiro26 abaixo de perguntas. O roteiro das perguntas não foi seguido rigorosamente, mas

utilizado para conduzir os diálogos.

26 Roteiro adaptado de Jaber-Silva (2016).

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Além das entrevistas com os sujeitos jovens, também foi preciso realizar entrevistas

com os/as moradores/as antigos/as das duas comunidades utilizando o roteiro abaixo, tendo

como objetivo compreender a história, a cultura e a religiosidade. Essas entrevistas foram

utilizadas enriquecendo ainda mais esta pesquisa, permitindo compreender as mudanças

ambientais, mudanças climáticas e as transformações ocorridas nas comunidades.

O envolvimento nesta pesquisa foi inevitável, pelo fato de ter nascido e crescido em

uma comunidade do campo. A cada relato feito pelos jovens foi possível recordar as vivências,

sonhos e angústias em permanecer na comunidade ou sair em busca de novas oportunidades na

cidade. Assim, durante as entrevistas podemos compreender que a realidade dos sujeitos jovens

desta pesquisa não era muito diferente da história vivenciada por mim, de fato, os gestos, as

expressões, as entonações, os sorrisos, os silêncios e olhares durante a entrevista ficaram na

memória. Em relação às expressões não-verbais, o/a entrevistador/a deve ter o cuidado de

observar, já que podem oferecer elementos fundamentais para a compreensão do objeto

estudado.

Sendo assim, na perspectiva qualitativa optamos pela entrevista semiestruturada. As

entrevistas foram gravadas com o consentimento dos sujeitos jovens, a priori pensamos que a

1. Como é a vida dos/as jovens nesse território? Há quanto tempo mora na comunidade?

2. Você participa das atividades da comunidade?

3. Na comunidade que você mora tem problemas/impactos ambientais?

4. Esses impactos geram conflitos entre os grupos envolvidos?

5. Tem percebido mudanças ambientais na comunidade. Quais? E climáticas?

6. Essas mudanças têm causado problemas/conflitos socioambientais? Quais conflitos?

7. Como tem dado o seu envolvimento nas lutas enfrentadas pela comunidade?

8. Quais fatores tem contribuído para saída da juventude do campo?

9. O processo educativo contribui com a permanência da juventude do campo?

1. Como se deu a formação da comunidade? De onde e como veio? Há quanto tempo mora

aqui? Como era a vida quando chegou? Era melhor antes ou hoje? Existia escola? E hoje,

como é a vida na comunidade?

2. Em sua opinião o que mudou? Percebe mudanças ambientais e no clima? Essas

mudanças têm atrapalhado?

3. Como é a relação entre os/as moradores/as da comunidade e os fazendeiros da região?

4. Porque os jovens têm deixado a comunidade? A Educação pode colaborar para a

permanência dos jovens na comunidade?

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presença do gravador causaria inibição ou constrangimento aos entrevistados, mas em nenhum

momento percebemos que os sujeitos não estavam à vontade durante a entrevista. Como afirma

Triviños (1987), as entrevistas devem partir de questionamentos básicos que interessam a

pesquisa, valorizando tanto a presença do/a pesquisador/a como a dos sujeitos, oferecendo todas

as perspectivas possíveis para que os sujeitos alcancem a liberdade e a espontaneidade

necessária, enriquecendo ainda mais o diálogo. Para que isso ocorra, os questionamentos devem

ser bem elaborados, partindo de alguns questionamentos básicos que o/a pesquisador/a possui,

orientando pelas leituras e na relação do/a pesquisador/a com os sujeitos da pesquisa (LÜDKE;

ANDRÉ, 1986).

Enfatizamos que esta pesquisa foi submetia à Plataforma Brasil sendo avaliada e

aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT),

por se tratar de uma pesquisa que apresenta denúncias feitas durante os dois encontros de

mapeamentos e entrevistas, escolhemos por adotar nomes fictícios resguardando a identidade

física dos/as entrevistados/as. Os nomes usados para os 12 jovens foram: Valdir Rocha

(posseiro), Creuza Cardoso de Oliveira (posseira), Nilce de Souza Magalhães (liderança), Élio

Martins (posseiro), Gonçalo Araujo (assentado), Jaime Santana Filho (posseiro), Edmar Viana

Pereira (dirigente Sindical), Jane de Oliveira (sem-terra), Ireni da Silva Castro (liderança),

Gilmar Sauer (trabalhador rural), Maria do Carmo Moura Ferreira Araújo (assentada) e Abner

José da Costa (sem-terra).

Para os participantes das oficinas de mapeamento e os moradores/as antigos de Zé Alves

e Laranjal foram utilizados os seguintes nomes: Velho Manoel (Posseiro), Maria Lúcia do

Nascimento (liderança), Aldo Aparecido Carlini (posseiro), Izaul Brito dos Santos (posseiro),

Edson Alves Antunes (posseiro), Antônio José Raimundo dos Santos (liderança), Tiago de

Oliveira (sem-Terra), Carlos Gonçalves de Barros (liderança), Aurélio Marcos de Assunção

(assentado), João Maria Chaves (trabalhador rural), Francisca das Chagas Silva (sindicalista) e

Adna Senhora Teixeira (liderança). Todos/as foram assassinados em confronto no campo entre

1985 a 201627. No capítulo 4 serão apresentados os resultados desta pesquisa.

3.4 - Aproximações e vivências com/nas comunidades do Cerrado do Pantanal

Entendemos que o momento de conviver, visitando as casas dos/as moradores/as em

diversas comunidades, parando para ouvir cada relato debaixo da mangueira, estando junto no

27 Os nomes das lideranças mortas em conflitos no campo foram retirados dos Cadernos de Conflitos no Campo

entre os anos de 1985 a 2016.

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dia a dia foi imprescindível “[...] para compreender não só pela escuta, mas também pelas

vivências/observações as particularidades do universo da pesquisa” (FERREIRA, 2014, p.28).

Assim, iniciamos as primeiras travessias, visitas de aproximações e vivências no mês de abril

de 2016 tendo como objetivo conhecer a realidade das comunidades lócus desta pesquisa.

Contamos com apoio e parceria da COMPRUP; GPEA; Instituto Caracol; INAU que cedeu o

transporte e combustível para realização dos trabalhos de campo, e a FAPEMAT ao qual os

pesquisadores/as estão vinculados ao projeto REAJA.

A primeira visita se deu em Zé Alves, momento este primordial para desenhar os

caminhos desta pesquisa. Foi realizado diálogos entre GPEA, representantes da cooperativa,

sendo Luiz Carlos Ponce (Presidente – cargo ocupado neste período), Pedro Ponce (Tesoureiro)

para conhecer os problemas enfrentados pelas comunidades, e propor a realização do seminário

de mapeamento com as comunidades do Cerrado do Pantanal, tendo como objetivo identificar

os grupos sociais presentes nos territórios e compreender quais os conflitos socioambientais são

vivenciados nessa região. Já que em 2015 no Relatório Estadual de Direitos Humanos e da

Terra, os agricultores familiares vinculados a COMPRUP, representados por Pedro Ponce

denunciaram a derrubada das árvores nativas de Cumbaru.

Posteriormente, a COMPRUP fez a proposta de realizar junto com o mapeamento o

estudo e a elaboração de uma proposta de Lei do Cumbaru Livre semelhante a Lei do Babaçu

Livre28 vigente no Maranhão. Como o grupo pesquisador tem uma vasta experiência em

desenvolver pesquisas em parceria com os povos e comunidades tradicionais como:

quilombolas, indígenas, ciganos, agricultores familiares, beiradeiros, seringueiros, raizeiros,

acampados, assentados, ribeirinhos, extrativistas, pantaneiros e tantos outros grupos (SATO,

2013), acatou a proposta realizada pela COMPRUP.

[...] o GPEA e as comunidades, ao dialogarem, se tornam um único Grupo

Pesquisador e buscam as táticas de aprendizagens coletivas contra os efeitos

nocivos da globalização. Os grupos sociais vulneráveis às injustiças

ambientais projetam seus sonhos em horizontes amplos, encontrando nas

tradições marxistas e humanistas, a força da ecologia de resistência (SATO;

SENRA, 2009, p. 144).

Passou então a pensar juntos, realizar diálogos coletivos, para organizar o I Mapeamento

Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. De acordo com Sato e Senra (2009, p.142),

nas pesquisas alicerçadas por um grupo pesquisador em Educação Ambiental é preciso somar

28 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=342456>.

Acesso em: 25. jun. 2017.

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as forças para “[...] combater as secas geradas pelas queimadas e desmates que dão

consequências às cercas que segregam mundos tão desiguais”, nessa aliança soma-se forças

para combater a expansão do agronegócio que impede a realização do extrativismo vegetal.

Lamentavelmente, muitas comunidades ainda vivem a ilusão de que a expansão do

agronegócio pode oferecer oportunidades de emprego e renda. A implementação desses

projetos sempre vem acompanhado com a desqualificação, inferiorização e subordinação dos

modos de vida locais e, consequentemente, da desvalorização e invisibilização das populações

do campo, além disso, vem acompanhada do discurso da melhoria da qualidade de vida dos/as

moradores/as, que na prática quase nunca acontece (PACHECO; FAUSTINO, 2013).

O segundo contato ocorreu no mês de junho de 2016 no barracão Secretaria de Estado

de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (SEDRAF/MT), com sede em Várzea

Grande, espaço destinado para que as associações e os agricultores familiares da baixada

cuiabana possam comercializar os produtos produzidos nas comunidades. Esta etapa teve como

objetivo pensar junto com os representantes da cooperativa os objetivos e a metodologia para a

realização do seminário. No primeiro dia ficou decidido que seria voltado apenas para o

mapeamento dos conflitos socioambientais evidenciados pelos agricultores/extrativistas, e no

segundo dia, dialogar com as comunidades do Cerrado do Pantanal uma proposta de Lei do

Cumbaru Livre no município de Poconé, com o objetivo de assegurar o direito de continuarem

a coleta e comercialização do Cumbaru.

A terceira viagem aconteceu em outubro de 2016 na comunidade Zé Alves e Laranjal,

realizamos os últimos encaminhamentos, sendo: o local da realização (ficou decidido pelo

quilombo Laranjal considerando a sua localização); a data (26 e 27 de novembro de 2016); a

programação durante os dois dias; e o orçamento referentes à alimentação, combustível e

materiais gráficos. Nesta ocasião conversamos com o presidente da COMPRUP sobre como a

juventude de Zé Alves tem se envolvido nas atividades políticas, econômicas e sociais.

Nessa viagem visitamos o quilombo Laranjal, uma moradora enquanto apresentava a

comunidade relatou como é a vida nessa comunidade e o que mudou após a introdução da

monocultura, evidenciou que são reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares como

Quilombo e estão aguardando o processo de titulação junto ao INCRA para que possam ocupar

novamente o território que historicamente foi ocupado por eles. Ao circular pelo quilombo

percebemos que estão sendo sufocados pelos latifúndios ao seu entorno, morando em casas de

barrote com pequenos quintais e impossibilitados de exercer qualquer tipo de atividade

produtiva para a subsistência e comercialização. A quarta viagem aconteceu em novembro de

2016 tendo como objetivo mobilizar as lideranças das comunidades inseridas no Cerrado do

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Pantanal (Figura 13) para participarem do mapeamento. Durante as visitas apresentamos as

motivações e objetivos para a realização do seminário.

Figura 13: Mobilização para o I Mapeamento das Comunidades do Cerrado do Pantanal.

Fonte: ACERVO GPEA (2016).

Ressaltamos que esse momento foi um dos mais difíceis durante as vivências in lócus,

apesar da boa recepção em todas as comunidades, podemos sentir nas palavras, gestos e olhares

certa desconfiança. A princípio causou estranheza, aos poucos compreendemos que estavam

cansados de tantos eventos e reuniões, apesar da exposição do porquê do encontro, algumas

lideranças afirmaram que não iriam participar. Nas narrativas, ficou evidente a falta de apoio e

descaso do poder público com as comunidades quilombolas, tradicionais e assentados da região.

A leitura feita daquele momento foi que o grupo pesquisador era mais um órgão governamental

que estava ali para fazer promessas vazias.

Todos esses momentos foram de fundamental importância para estabelecer uma relação

de proximidade com as comunidades, possibilitando fazer o levantamento histórico de Zé Alves

e Laranjal. Em Laranjal, o levantamento histórico a partir das memórias dos/as moradores/as

antigos não aconteceu como o esperado, um dos moradores afirma que: “A história é muito,

muito triste, não quero contar”. Ferreira (2002, p.321) ressalta que “a memória é também uma

construção do passado, mas pautada em emoções e vivências; ela é flexível, e os eventos são

lembrados à luz da experiência subsequente e das necessidades do presente”. O pouco que foi

contado parecia não ter sentido, mas a partir das visitas e leitura do laudo antropológico foi

possível entender porque era difícil recontar o passado.

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Em Zé Alves algumas narrativas também apresentaram marcas, não por injustiças

sociais e econômicas sofridas como em Laranjal, mas pelas relações conflituosas que se

estabeleceram internamente entre os/as moradores/as, entretanto, buscamos ouvir todas as

narrativas. Ouvir é um exercício difícil, foi necessário saber ouvir. Zé Alves por ser uma

comunidade com apenas dez famílias foi possível realizar visitas em todas as casas, em cada

relato novos elementos foram surgindo, o que possibilitou compreender quem, como e quando

chegaram na região. Por não ter registro escrito por meio de outras pesquisas, as narrativas

foram fundamentais para contar a história de Zé Alves.

[...] as relações entre memória e história rompe com uma visão determinista

que limita a liberdade dos homens [e das mulheres], coloca em evidência a

construção dos atores de sua própria identidade e reequaciona as relações entre

passado e presente ao reconhecer claramente que o passado é construído

segundo as necessidades do presente. Ainda que baseadas nas fontes escritas,

possibilita uma maior abertura, capaz de neutralizar, em parte e indiretamente,

as tradicionais críticas feitas ao uso das fontes orais, consideradas subjetivas

e distorcidas (FERREIRA, 2002, p. 324).

Além do levantamento histórico observamos que são economicamente diferenciadas,

enquanto em Zé Alves sobrevivem basicamente de pequenas plantações (banana, mandioca,

abóbora, milho, feijão e de outras hortaliças) e da produção de rapadura ou melado para a

comercialização, em Laranjal a atividade econômica antes da derrubada das espécies nativas

(cumbaru, pequi, mangava e jatobá) era o extrativismo. Uma característica em comum das

comunidades é que a grande maioria sobrevive basicamente da agricultura familiar camponesa

e estão associados à COMPRUP, sendo esta a responsável pela comercialização e distribuição

dos produtos.

Em dezembro de 2016 foi realizada a última viagem a campo, momento este que foram

realizadas as entrevistas com os jovens, além das conversas informais, mas tão importantes

quanto conversas como a realizada em Poconé sobre a vida do Frei Joaquim Tebar Fernandez.

Este momento foi um dos mais emocionantes durante esta pesquisa, Frei Joaquim ajudou a

reestruturar a grande maioria das comunidades localizadas no campo em Poconé. Na tessitura

desta dissertação, o contexto histórico foi sendo construído de retalhos da vida e memórias

dos/as moradores/as das comunidades pesquisadas.

Em 2017, nos meses de abril e maio retomamos as idas a campo, tendo como finalidade

apresentar os novos/as pesquisadores/as do GPEA que farão pesquisas com essas comunidades,

e iniciar os diálogos com a COMPRUP e outros parceiros anteriormente citados para organizar

o II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal, compromisso esse firmado

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durante o I Mapeamento. Nesses meses foram visitadas aproximadamente 21 comunidades

tendo como objetivo mobilizar e articular as lideranças para participarem nos dias 03 e 04 de

junho de 2017, na comunidade Tradicional Bandeira do II Mapeamento Social das

Comunidades do Cerrado do Pantanal. Durante as mobilizações foram utilizados folder e faixas

na tentativa de alcançar o maior número possível de comunidades (Figura 14).

Figura 14: Mobilização para o II Mapeamento das Comunidades do Cerrado do Pantanal.

Fonte: ACERVO GPEA (2017).

As conversas com lideranças foram essenciais para tentar entender, ainda que

superficialmente esse universo de tantas comunidades inseridas no mesmo território que

continuam sendo injustiçadas com o avanço do agronegócio. Realizamos o levantamento acerca

de quantas famílias vivem na comunidade; se são quilombolas, tradicionais ou assentados; qual

a fonte de renda; o que plantar para a subsistência e comercialização; se realizam extrativismo;

se possuem associações e igrejas; se possuem escola municipal ou estadual e se não porque

fechou; onde as crianças estudam; se existem jovens; como é a relação com os fazendeiros; e

se a monocultura está próxima da comunidade.

No mês de abril estava sendo realizado em Poconé um curso de beneficiamento de frutos

do Cerrado (pequi, babaçu, jatobá, cumbaru, bocaiuva e acuri) com aproximadamente 30

camponeses/as de diversas comunidades do Cerrado do Pantanal. Aproveitamos a oportunidade

para convidar (Figura 15) os participantes do curso para que estivessem presentes no seminário.

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Figura 15: Diálogo com os/as participantes do curso de beneficiamento.

Fonte: ACERVO GPEA (2017).

Esse contato com as comunidades do Cerrado do Pantanal para realizar as mobilizações

dos dois mapeamentos revelou que os “[...] territórios de aprendizagens estão dentro de

comunidades muitas vezes isoladas, com pouca infraestrutura, com baixos índices

educacionais, com degradações ambientais que transcendem o poder de resistência de seus

habitantes (SATO; SENRA, 2009, p.144). Os/as moradores/as de Zé Alves e Laranjal lócus

desta pesquisa e de tantas outras comunidades espalhadas por este território estão existindo em

meio aos grandes latifúndios, a eles são negados o acesso às políticas públicas e aos serviços

sociais básicos de sobrevivência. Assim, essa pesquisa almejou dar audiência as vozes dos

invisibilizados nos territórios.

3.5 - Grupo pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte e a Rede

Internacional de Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática

Compreendemos que o grupo pesquisador idealizado pela educadora, pesquisadora e

artista Michèle Sato, desde sua criação em 1997 se junta a sociedade civil, as comunidades

tradicionais e os grupos sociais em situação de vulnerabilidade espalhados pelo território mato-

grossense na tentativa de construir um outro mundo possível. Por meio da construção coletiva

propõe formação de uma sociedade mais justa e democrática, onde os grupos sociais

invisibilizados e oprimidos nos territórios pelo poder dos ruralistas e latifundiários tenham

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condição de “[...] reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria

destinação histórica” (FREIRE, 1987, p.05).

Observamos que o grupo pesquisador nos vinte anos de sua existência (Figura 16),

comemorado neste ano (2017) juntamente com o Encontro Internacional da Rede de

Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática (REAJA) realiza projetos de

pesquisa, dissertações e teses, não apenas para cumprir as exigências acadêmicas como se os

povos do campo, das florestas e das águas espalhados pelo bioma Amazônia, Pantanal e Cerrado

onde o grupo possui uma vasta experiência fosse apenas um local para coletar dados a serem

analisados.

Figura 16: GPEA 20 anos.

Fonte: RAFAEL E RAQUEL (2017).

Mas, ao enveredar por esse território que carrega as marcas das violências e violações

de direitos individuais e coletivos desde o período da colonização e se perpetua nos dias de

hoje, o grupo pesquisador busca ouvir esses esfarrapados para junto com eles criar táticas de

resistência e enfrentamento ao capital. Ancorado na educação ambiental e educação popular

propõe projetos e pesquisas no quilombo de Mata Cavalo, em São Pedro de Joselândia, em

Guariba, mapeamentos participativos com os povos indígenas, quilombolas, pantaneiros,

morroquianos, grupos de siri/cururu/dança do congo, agricultores familiares, artesões,

ribeirinhos, ciganos, retireiros do Araguaia, seringueiros, extrativistas, atingidos por barragens

(MAB), assentados, acampados, entre outros. Para Silva (2011), antes de tudo é preciso saber

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ouvir e dar audiência as múltiplas vozes esquecidas e excluídas, para que assim, esses grupos

possam fortalecer a luta contra a hegemonia do modelo econômico em desenvolvimento.

Outra característica marcante do GPEA baseia-se no fato do grupo ser um grupo

pesquisador. Ao pensar o grupo pesquisador rompe com a individualidade e isolamento que há

nos grupos de pesquisa, valorizando a coletividade de saberes entre os diferentes pesquisadores

e suas áreas do conhecimento, não privilegia “[...] somente a racionalidade, mas que acolha os

sentimentos, a subjetividade e a afetividade na construção e produção do saber”. Tecendo

valores humanos com “[...] CONceitos com aFETOS, os CONFETOS ousam conjugar o

verbo amar entre ciências e arte, sem temer as possíveis críticas que daí possam advir (SATO;

SENRA, 2009, p.140).

Entendemos que os diálogos de saberes sentido nos colóquios, nos seminários, nos

grupos de estudo, além da possibilidade de fazer pesquisa juntos/as, somado a necessidade dos

momentos solitários para a leitura ou escrita de artigo, dissertação ou tese (SATO, 2011),

tornaram minha caminhada durante esses dois anos mais prazerosa, sendo possível diminuir a

velocidade e contemplar as belezas inigualáveis do Cerrado do Pantanal. Nessa caminhada

coletiva foi necessário reconstruir CONceitos, para que a identidade enquanto educadora-

ambiental-camponesa fosse fortalecida.

Esse fortalecer dos CONceitos se deu também com a possibilidade de ser membro do

Instituto Caracol, sendo uma Organização Não Governamental (ONG). O Instituto por meio de

um projeto aprovado junto ao CESE viabilizou a realização do II Mapeamento Social das

Comunidades do Cerrado do Pantanal, lócus dessa pesquisa. Para Sato e Senra (2009), a aliança

entre o prazer acadêmico e a paixão pela militância tem como objetivo combater as injustiças

socioambientais que atingem os grupos sociais em situação de vulnerabilidade.

Essa aliança também se fortalece com o projeto REAJA29 financiada pela FAPEMAT,

sendo esta uma rede composta por um coletivo educador e pesquisador entre sete universidades

brasileiras, três universidades internacionais (Portugal, Espanha e México), duas entidades

governamentais e uma entidade não governamental. A rede busca compreender os fenômenos

climáticos e os desastres naturais que afetam de forma direta comunidades vulneráveis como

indígenas, canoeiros, ribeirinhos, quilombolas, pescadores artesanais, mulheres, crianças e

idosos, entre outros grupos sociais (SATO, 2016), como as juventudes camponesas que também

estão expostas diretamente aos riscos em função da vulnerabilidade socioeconômica nas

29 Todas as informações referentes ao projeto Rede Internacional de Pesquisadores em Educação Ambiental e

Justiça Climática estão no blog do GPEA. Disponível em: https://gpeaufmt.blogspot.com.br/.Acesso em: 20 nov.

2017.

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comunidades pesquisadas. Assim, tem como objetivo mapear os conflitos socioambientais nos

locais onde as redes estão localizadas, com o intuito de conhecer os locais, seus habitantes,

modos de vida e suas percepções acerca do clima e da educação ambiental, visando construir

táticas de resistência e resiliência, por meio de processos formativos, projetos populares e rede

de informações que possam divulgar as experiências.

É necessário esclarecer que a rede não está propondo a resolução de problemas, mas

tem a pretensão de construir junto com as populações vulneráveis táticas de resistência e

resiliências por meio de processos formativos, projetos populares e rede de informações para

divulgar as experiências, trocar conhecimentos e promover vivências no campo da educação

ambiental e justiça climática (SATO, 2016). Por meio de diálogos permanentes, este coletivo

objetiva fortalecer as políticas públicas em justiça climática, por meio da pesquisa, da formação

e da comunicação. Cinco linhas temáticas compõem as proposições investigativas do projeto

tais como: Justiça Climática, Cultura, Formação, Comunicação e Políticas Públicas (SATO,

2016).

Com o objetivo de fortalecer as políticas públicas em justiça climática e educação

ambiental, em constante processo de discussão, construindo táticas educativas que possam

enfrentar os efeitos drásticos da mudança climática, defendendo os direitos humano e da Terra

à construção de sociedades sustentáveis. Esta pesquisa se insere na linha de Justiça Climática e

busca compreender os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas a partir da percepção

das juventudes das comunidades Zé Alves e Laranjal.

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CAPÍTULO IV – O FRUTIFICAR DA ÁRVORE

O Adolescente

(Mário Quintana)

A vida é tão bela que chega a dar medo.

Não o medo que paralisa e gela,

estátua súbita,

mas

esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz

o jovem felino seguir para a frente farejando o vento

ao sair, a primeira vez, da gruta.

Medo que ofusca: luz!

Cumplicemente,

as folhas contam-te um segredo

velho como o mundo:

Adolescente, olha! A vida é nova...

A vida é nova e anda nua

- vestida apenas com o teu desejo!

Foto: Acervo GPEA (2016).

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4.1 - Impactos e conflitos socioambientais mapeados nas comunidades do Cerrado do

Pantanal

“[...] os conflitos no campo continuaram a criar

novos territórios e memórias de resistência”

(WELCH, 2012).

Neste capítulo, apresentamos as narrativas dos/as moradores/as das comunidades que

participaram do I e II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal sobre os

impactos e conflitos socioambientais. Mesmo o foco da pesquisa ser a percepção das juventudes

de Zé Alves e Laranjal, consideramos importante conhecer o contexto local junto com os/as

moradores/as das comunidades para depois perceber a atuação e compreensão específica das

juventudes. Compreendemos que os impactos e conflitos socioambientais existentes nessas

comunidades serão cada vez mais frequentes, pois a humanidade adotou um estilo de vida

baseado no produtivismo e consumismo, que exigem cada vez mais a exploração dos bens

naturais, para isso é necessário aumentar cada vez mais os territórios de exploração.

Assim, é preciso reconhecer que os conflitos ocorrem em escalas, e são gerados nesse

rearranjo de processos econômicos com origem interna e externa, no caso do cultivo e

transgênicos predominam interesses alheios, pois combinam atores nacionais e internacionais,

indicando uma complexa relação entre produção, circulação e consumo (MARTÍNES-ALIER,

2007). “Isso gera impactos que não são solucionados pelas políticas econômicas ou por

inovações tecnológicas e, portanto, atingem desproporcionalmente alguns grupos sociais que

muitas vezes protestam e resistem [...]” (ibidem, p. 34).

As comunidades e povos tradicionais estão na contramão desse

desenvolvimento. Suas relações extrativistas e de usufruto estão estruturadas

e inseridas nas teleconexões continente-oceano-atmosfera-hidrosfera, que

fundamentam ancestralidade e vínculos interdependentes com a conservação

dos biomas e ecossistemas (LEROY; MEIRELES, 2013, p. 115).

Como resultado dessas relações desiguais, populações pantaneiras, camponesas,

quilombolas, indígenas, ribeirinhas, assentadas e tantas outras espalhadas pelo território que

atribuem significados e relações diferenciadas com natureza estão sendo invisibilizados e

ameaçados por conflitos e injustiças socioambientais. Durante os mapeamentos foram

registradas seis causas propulsoras de conflitos socioambientais30, como mostra no Quadro 1.

30 Os ícones que representa os impactos e conflitos socioambientais mapeados foram utilizados por Jaber-Silva

(2011) na tese intitulada “O mapeamento dos conflitos socioambientais de Mato Grosso: denunciando injustiças

ambientais e anunciando táticas de resistência”.

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Quadro 1: Impactos e conflitos socioambientais mapeados nas comunidades do Cerrado do Pantanal.

Impactos e conflitos

socioambientais mapeados

Comunidades envolvidas

Grupos sociais envolvidos

DISPUTA

POR TERRA

Quilombo Laranjal

Fazendeiros x Quilombolas

DESMATAMENTO

Assentamento Agroana Giral

Quilombo Laranjal

Comunidade Tradicional Maravilha

Comunidade Tradicional Forquilha

Comunidade Tradicional Zé Alves

Comunidade Tradicional Rodeio

Comunidade Tradicional Barreirinho

Comunidade Tradicional Água

Vermelha

Comunidade Tradicional Bandeira

Fazendeiros x Assentados

Fazendeiros x Quilombolas

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

GARIMPO

Comunidade Tradicional Maravilha

Povos Tradicionais x Garimpeiros

DISPUTA

POR ÁGUA

Quilombo Laranjal

Quilombo Laranjal

Comunidade Tradicional Zé Alves

Comunidade Tradicional Zé Alves

Comunidade Tradicional Rodeio

Comunidade Tradicional Barreirinho

Comunidade Tradicional Água

Vermelha

Fazendeiros x Quilombolas;

Quilombo x Quilombo

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Usina x Povos Tradicionais Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

AGROTÓXICOS

Quilombo Laranjal

Comunidade Tradicional Forquilha

Comunidade Tradicional Zé Alves

Comunidade Tradicional Rodeio

Comunidade Tradicional Barreirinho

Comunidade Tradicional Água

Vermelha

Fazendeiros x Quilombolas

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

QUEIMADAS

Comunidade Tradicional Rodeio

Comunidade Tradicional Barreirinho

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fazendeiros x Povos Tradicionais

Fonte: ELABORADO PELA AUTORA, (2017).

Durante o mapeamento foi anunciado que as disputas por terra, desmatamentos, garimpo

de ouro, disputa por água, agrotóxicos e as queimadas representa as principais causas dos

conflitos socioambientais nas comunidades do Cerrado do Pantanal. Também participaram do

mapeamento o assentamento Cavalo Branco e Campo Limpo, porém, afirmaram que não

existem situações dessa natureza no território. Considerando a realidade vivenciada nos

territórios optamos por iniciar falando sobre os conflitos por terra. Para Jaber-Silva (2012),

conflitos pela posse da terra são históricos, representam a dominação e o poder de um grupo

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sobre outro, assim, sua dominação, invasão e concentração implicam em outras disputas como

pelo acesso à água e outros bens naturais que serão evidenciados por meio das narrativas

registradas dos/as moradores/as durante os mapeamentos. A narrativa de uma moradora de

Laranjal mostra que estão em conflito pela posse da terra a aproximadamente trinta anos.

“[...] está em conflito por terra, não tem como negar, o pessoal do INCRA

sempre está aqui lutando por essa batalha junto com nós, as casinhas tudo na

beira da estrada” (Adna Senhora Teixeira - Relato durante o I Mapeamento).

Os/as moradores/as do quilombo encontram-se confinados entre as cercas dos grandes

latifúndios, impossibilitados de realizarem qualquer atividade produtiva, seja de subsistência

ou comercialização. A expansão dos monocultivos em direção as comunidades escondem as

principais causas geradoras de impactos, conflitos e injustiças sociais e ambientais no campo.

Nesse caso, a introdução das monoculturas fortalece as disputas territoriais, ocasiona a

degradação dos ecossistemas que afeta as populações que dependem do ambiente para

sobreviver, ocasiona a contaminação das populações expostas como trabalhadores/as e

moradores/as próximos as áreas pulverizadas, e provoca impactos ambientais que afetam os

corpos hídricos e a produção de alimentos (PORTO, 2013).

Na contramão dessas atividades, os quilombolas realizavam o extrativismo do Cumbaru

e outras espécies nativas do Cerrado nas fazendas da região, essa era uma forma encontrada

para complementar a renda extremamente baixa. Com os desflorestamentos e a substituição das

pastagens pelas monoculturas, essa atividade deixou de ser realizada, restando-lhes a opção de

vender a força de trabalho para os grandes proprietários de terra da região. Em relação a essa

situação, ainda relata que antigamente a:

“[...] fazenda era do Laércio, Laércio permitia a entrada na fazenda. A partir

que vendeu para o Daniel, chegou e destruiu tudo em 2005, foi nessa época

que apareceu o aumento do desmatamento. Quando desmatou não teve

conflito. A gente é fraca, como você vai bater de frente com os fazendeiros

sozinho, até mata a gente, hoje é a primeira vez que nós falamos disso, que

ninguém nunca nem lembrou. Pelo levantamento que o INCRA está fazendo

nós vamos pegar uma região de pouco Cumbaru” (Adna Senhora Teixeira -

Relato durante o I Mapeamento).

A narrativa mostra situações de opressão e violação de direitos individuais e coletivos

que os/as quilombolas sofrem em virtude da morosidade da justiça brasileira em assegurar a

regularização fundiária dos territórios. Acreditamos que o silenciamento ocorre devido as

situações de violência física e simbólica empregada contra seus antepassados, marcados

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também por tentativas de assassinatos, ameaças de morte, expulsão das terras praticadas por

jagunços contratados por fazendeiros.

Nesse cenário conflituoso, a morosidade para implementar políticas de regularização

fundiária contribui significativamente para aumentar a precariedade nas condições e qualidade

de vida das populações quilombolas, essa situação contribui para gerar e agravar ainda mais as

situações de inseguranças e instabilidade nesses territórios (MOREIRA, 2017). Na

compreensão de Silva (2015, p.45) o estado é “[...] detentor da forma de violência passiva,

quando por omissão não evita que os povos do campo sejam vítimas da violência física,

psicológica ou até mesmo moral”. A situação da comunidade Água Vermelha não é muito

diferente de Laranjal.

A gente ganhou a casa do programa Nossa Terra Nossa Gente, só que não

ganho terra, ficou impedido de pegar terra em outro lugar para trabalhar,

tem uns que tem 20 equitare, outros tem três equitare, outros tem dois

equitare, outros tem um, outros tem meio. Nós estamos rodeados por

fazendeiros. São 80 famílias pertinho, antigamente não teve divisão, não teve

separação de terra, morava tudo livre. Os fazendeiros foi comprando de

outros donos que tinha a terra maior, foi cercando, as vezes pegou até pedaço

que não era para pegar. Antigamente comprava 10 hectares e cercava 20

hectares, e assim foi espremendo, e foi ficando naquela situação. É até difícil

conseguir um recurso para trabalhar, porque não tem terra para trabalhar.

Até mesmo o corgo, o fazendeiro lá em cima fez tanque de peixe, quando

chegou um tempo esse tanque dele desbarrancou tudo, o corgo que nos tinha

um tanque bonito foi tudo embora, acabou com tudo, estragou tudo. Agora

que estão produzindo soja, antigamente era só pasto (Francisca das Chagas

Silva - Relato durante o I Mapeamento).

Novamente aparecem resquícios de uma história conflituosa, marcada por injustiças,

violação de direitos, opressão, dominação e expropriação envolvendo a ocupação do território

de maneira fraudulenta por parte dos latifundiários. Historicamente, a violência é mais

frequente nas comunidades que questionam o pretenso domínio das terras que elas têm

historicamente como suas ocupadas por fazendeiros (LEROY, MEIRELES, 2013).

A luta pela terra e pelo território sempre foi marcada pela luta e resistência dos povos

do campo, das florestas e das águas. Essa realidade é reflexo da história iniciada durante o

período colonial, caracterizado pela formação da propriedade privada, pela concentração de

grandes extensões de terras por latifundiários, capitalistas individuais ou empresas nacionais e

internacionais (ROSSI, 2015).

Na contramão estão os camponeses, pequenos agricultores, quilombolas, assentados e

tantos outros grupos que são violentados diariamente e impossibilitados de permanecerem em

seus territórios. Infelizmente, essa situação faz com que os povos tradicionais deixem o campo

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para viver nas zonas de risco dos grandes centros industrializados, e provavelmente o latifúndio,

a pecuária ou as monoculturas estão entre as principais causas desse movimento migratório

(PACHECO; FAUSTINO, 2013).

O relato evidencia também que a ausência de regularização das terras tem provocado

consequências negativas na vida dos moradores tanto da comunidade Água Vermelha como da

comunidade Laranjal, principalmente relacionados à soberania alimentar. Além disso, o fato de

estarem espremidos pelos latifúndios do agronegócio faz com que ocorra a perda da identidade

com o território que habitam, agravando ainda mais a situação de vulnerabilidade social e

econômica desses grupos.

Compreendemos que a história brasileira caracteriza-se pela sobreposição de um grupo

com maior poder econômico sobre os grupos com menor poder econômico. Para Porto (2013,

p.142), essas situações vivenciadas por diferentes grupos sociais expressam que “a

concentração fundiária e a expansão dos monocultivos são responsáveis pelas disputas nos

territórios rurais e se constituem em elemento central para compreendermos a geração de

conflitos no campo”. No assentamento Agroana Giral os desflorestamentos foram e continuam

sendo realizados.

Desmatamento esse existe, a gente quer saber como barra, compra e começa

a desmatar. Tem grandes fazendas, mas ainda não temos o uso de agrotóxicos

perto, está indo daqui para lá agora, tomara que não atravesse o Macaco.

Agora a gente queria ver se conseguia um jeito de poder fazer um documento

para essas pessoas, que a gente possa denunciar e ser cumprido essa ordem,

porque não adianta nada eu denunciar e ficar por isso mesmo. Denunciar e

ter a lei que te protege, você até quer denunciar só que não pode (Edson Alves

Antunes - Relato durante o I Mapeamento).

Os desmatamentos (Figura 17) realizados para a expansão do agronegócio provocam

impactos ambientais extremamente negativos para os/as raizeiros/as e extrativistas muito

presentes nesta região. Em Laranjal, Maravilha, Forquilha, Zé Alves, Rodeio, Barreirinho,

Bandeira e Água Vermelha os/as moradores/as apresentam a mesma preocupação já

evidenciada na narrativa do/a morador/a de Agroana Giral.

Para Jaber-Silva (2012, p. 154), os desmatamentos provocam impactos relacionados

“[...] a perda da biodiversidade, a exposição do solo, o assoreamento dos rios, a redução do

regime de chuvas, comprometem os importantes ciclos naturais e alteram as funções ambientais

e os serviços ecossistêmicos”.

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Figura 17: Desmatamento para introdução das monoculturas.

Fonte: ACERVO GPEA (2016)

Na compreensão de Alencar et al. (2004, p. 10), os desmatamentos “[...] é um fenômeno

de natureza complexa, que não pode ser atribuído a um único fator”. A autora afirma ainda que

existem quatro causas de desmatamento, sendo a pecuária extensiva, a agricultura familiar, a

produção de grãos e os desmatamentos ocasionados pela exploração madeireira e incêndio

florestal. No entanto, nas comunidades do Cerrado do Pantanal os desmatamentos seguem um

ciclo destrutivo, inicia-se com a conversão das florestas em pastagens e posteriormente em

monocultivos, por trás desse ciclo se esconde elementos para a geração dos conflitos

evidenciados nessa região. Acserald (2004) afirma que os conflitos podem ser entendidos como

expressão de tensões no processo de reprodução dos modelos de desenvolvimento.

Os conflitos relacionados aos monocultivos tem se tornado cada vez mais comuns.

Embora a expansão dos monocultivos no Cerrado do Pantanal gere impactos indesejáveis,

representando uma ameaça na continuidade do modo de vida dos diferentes grupos sociais,

esses grupos sociais em situação de vulnerabilidade ainda insistem em afirmar que não existem

conflitos. Neste espaço, os conflitos expressam a resistência das classes populares a tentativa

das classes dirigentes em exercer o monopólio, com a imposição de seu modo de agir sobre a

organização social, sobre suas práticas sociais e culturais (VIÉGAS, 2009). Para melhor

compreensão apresentamos respectivamente a narrativa do morador do assentamento Cavalo

Branco e da moradora da comunidade tradicional Água Vermelha.

“[..] lá é tranquilo, não tem conflito, lá pertinho não tem soja não” (Antônio

José Raimundo dos Santos - Relato durante o I Mapeamento).

“[...] tem fazendeiros ao redor. Mas não é conflito de briga, as vezes o conflito

é assim, nem todos os fazendeiros aceitam catar o Cumbaru na propriedade,

não sente compaixão das pessoas de colaborar [...]” (Francisca das Chagas

Silva - Relato durante o I Mapeamento).

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Em relação às narrativas, observamos compreensões diferenciadas, na primeira fica

visível que a ausência de conflitos está relacionada ao distanciamento da monocultura, se esses

estivessem próximos ao assentamento já ocasionariam conflitos. Essas atividades econômicas

também transformam a vida e a cultura, e produz impactos indesejáveis que afetam os

ecossistemas, o solo, a água, o ar e o clima.

Todavia, em relação à narrativa da moradora de Água Vermelha, evidenciou-se uma

situação de invisibilidade ocasionada pelo fato de estarem imprensados entre as cercas, e

impossibilitados de realizarem o extrativismo do Cumbaru, já que os latifundiários não

permitem a entrada nas propriedades. Todas essas situações de injustiça ambiental e social sobre

esses grupos marginalizados e vulnerabilizados “não é de se admirar que, nessas condições,

impere a violência” (LEROY, MEIRELES, 2013, p. 126). Porém, esses grupos não reconhecem

essas situações enquanto conflitos.

Monocultivos representam a negação da agroecologia e da agricultura familiar

justa e sustentável; a biodiversidade é compreendida como “praga” a ser

combatida numa guerra química contra a natureza, marcando o caráter

químico-dependente desse modelo de produção agrícola que pretende

transformar a natureza em um grande empreendimento fabril (PORTO, 2013,

p.133).

De qualquer forma, a expansão dos monocultivos representa nesta região a principal

atividade econômica geradora de conflitos e injustiças socioambientais. Ressaltamos que

conflitos não são necessariamente embates de natureza física como assassinatos, para Leroy e

Meireles (2013, p. 127) “além a violência direta, exercida sobre os corpos e as mentes, pode-se

constar que está presente a violência simbólica”. Observamos nas narrativas dos/as

moradores/as das comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal, que os grandes latifundiários

exercem a violência simbólica sobre os grupos que se encontram invisível entre os latifúndios.

A violência simbólica é compreendida como a imposição da força de uma classe com

maior poder político e econômico sobre as classes menos desfavorecidas da sociedade.

Bourdieu (1972, p. 13) definiu o poder simbólico como “qualquer poder que consiga impor

significados e impô-los como legítimos quando esconde as relações de força que são o

fundamento da sua força” (apud LEROY; MEIRELES, 2013, p. 127).

Para Jaber-Silva (2012, p.34), possuem os conflitos de natureza simbólica “[...] com a

destruição de bens imateriais, discriminações, perda da autonomia, comprometimento da

qualidade de vida, desrespeito aos bens comuns e modos de vida e a violação dos direitos [...]”

e os de natureza material que ocorre por meio da exploração, expropriação e apropriação dos

bens naturais para a produção do agronegócio afetando diretamente a vida dos grupos

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vulneráveis. Assim, conflitos devem ser compreendidos tanto nos espaços de apropriação

material como simbólico dos territórios.

Ambos são, por certo, espaços onde desenrolam-se as lutas sociais em geral,

onde o modo de distribuição de poder pode ser objeto de contestação. No

primeiro espaço, desenvolvem-se as lutas sociais, econômicas e políticas pela

apropriação dos diferentes tipos de capital, pela mudança ou conservação da

estrutura de distribuição de poder. No segundo, desenvolve-se uma luta

simbólica para impor as categorias que legitimam ou deslegitimam a

distribuição de poder sobre os distintos tipos de capital (ACSERALD, 2004,

p. 23).

Para o autor, no primeiro caso relacionado ao meio ambiente, as disputas são decorrentes

das apropriações dos rios entre populações ribeirinhas e projetos elétricos, entre seringueiros e

latifundiários. Nesta pesquisa, ocorrem por meio dos embates silenciados entre comunidades

tradicionais, assentamentos e donos dos latifúndios que possuem distintas formas de se

relacionar com o ambiente.

Viégas (2009) ressalta que o mundo humano é simbolicamente construído, assim,

existem concepções múltiplas de valores e interesses referentes ao trato da natureza ou do meio

ambiente. Nesse sentido, as relações estabelecidas entre natureza e ser humano tornaram-se

relações condicionadas, isto quer dizer que atores sociais atribuem diferentes significados aos

bens naturais e ao território, ou seja,

[...] o “meio ambiente” pode ser lido como um campo de disputa estabelecido

fundamentalmente no plano simbólico e o “conflito ambiental” como luta

também de significações, como uma espécie particular de conflito social que

envolve diferentes representações sobre meio ambiente na disputa entre outros

modos de uso e apropriação, material e simbólica, de territórios (VIÉGAS,

2009, p. 146).

No contexto de desenvolvimento, o fortalecimento dessas atividades econômicas

provoca conflitos entre os grupos sociais e os donos dos monocultivos, eles eclodem nesta

região quando ainda existem árvores e os latifundiários não permitem a entrada dos extrativistas

nas propriedades para realizarem a coleta do Cumbaru ou de outras espécies nativas. Outra

grave situação são os desflorestamentos propositalmente realizados para desmobilizar a luta das

comunidades que sobrevivem da coleta do Cumbaru, como enarra a moradora da comunidade

Água Vermelha.

[...] lá a turma pegava também, lá derrubou fazer o que. O que a gente tem é

só o quintal da casa [...]. Não tem nem como ir contra, nós não podemos fazer

nada contra eles, eles têm o poder. Tem um fazendeiro lá ao redor que é

amigo, ele não impede de tirar o Cumbaru, ele nasceu e criou ali, crescemos

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juntos, tem outro fazendeiro que não deixa entrar para tirar o Cumbaru”

(Francisca das Chagas Silva - Relato durante o I Mapeamento).

Como consequência têm-se desenhado um cenário de conflitos materiais e simbólicos

silenciados. O silenciamento por parte dos grupos que estão sendo invisibilizados nos territórios

tem se dado pelo medo das ameaças que sofrem. Identificamos que esse vínculo de amizade

entre latifundiários e moradores/as das comunidades são frequentes. Podemos dizer que essa

familiaridade construída ocorre pelo fato da grande maioria vender a mão de obra para os

latifundiários, e o medo de perder a única opção de emprego faz com que estabeleçam esse elo.

Essa perspectiva se fortalece ao ser observado as narrativas da grande maioria dos/as

moradores/as ao relatar sobre a introdução das monoculturas e aplicação de agrotóxicos nos

monocultivos ou áreas de pastagens, o frequente uso afeta diretamente a vida dos moradores

que nada podem fazer. Entendemos que nessa relação “[...] é a cultura dominante que opera e

legitima as distinções, definindo posições sociais, subculturas e sistemas simbólicos, obrigando

dominados a se definirem sempre em referência à distância que mantêm em relação à cultura

dominante” (VIÉGAS, 2009, p. 149). Essa relação de dominação de uma classe sobre a outra

se materializa nas comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal.

Consideramos que as populações assentadas, quilombolas e tradicionais sofrem todas

as pressões ocasionada pela expansão das atividades economicistas capitalistas vigentes,

pautada por critérios de crescimento econômico de natureza produtivista e consumista.

Consequentemente produzem reações por parte de movimentos sociais, grupos e populações

que se sentem atingidos em seus direitos fundamentais como saúde, trabalho, cultura,

preservação ambiental e uso de espaços, bens e serviços públicos (PORTO; MILANEZ, 2009;

ACSERALD, 2004). No assentamento Agroana Giral a narrativa mostra a revolta existente

neste território.

Diz que no Pantanal não pode plantar soja, quero saber onde está essa lei

para nos poder buscar ela, para nos poder colocar em cima da mesa para

esses produtores saber que não pode plantar soja aqui no Pantanal, fazer

valer a lei. Se eles quer plantar soja, eles que vai para onde pode plantar soja,

apesar que faz mal, mas lá eles optou por morar lá, nós optamos por morar

aqui, não queremos química. Agora quem quiser plantar com veneno, vai

plantar onde pode plantar. A única reclamação é do veneno que tá chegando

na nossa comunidade e nós não tem como barrar isso, porque os grandes têm

uma grande quantidade de terra e a gente é pequeno, um passarinho chega lá

e fala não põe fogo, não arranca a árvore, ele vai brigar comigo, quem sou

eu para brigar? Aqui no Pantanal não era para ter plantação de soja, então

retira a soja daqui, nós é mais do que eles, eles podem ter terra mais do que

nós, mas nós é mais do que eles (Antônio Costa Dias - Relato do I

Mapeamento).

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Esse sistema produtivo utiliza-se de uma grande quantidade de agrotóxicos que atingem

não só as lavouras, mas as casas, as escolas, causando impactos que afetam diretamente a vida

dos povos do campo, como a destruição dos ecossistemas; o assoreamento e contaminação de

mananciais hídricos como nascentes, córregos e rios; a contaminação do solo, do ar, do lençol

freático e coloca em risco a vida e a saúde das populações que convivem diariamente nos

territórios com as aplicações de agrotóxicos nas monoculturas.

A despeito do constante uso de agrotóxico, o governo do estado de Mato Grosso estabelece

o decreto n. 8.588, de 27 de novembro de 2006, sendo este revogado pelo decreto n. 2.283, de 09 de

dezembro de 2009, que dispõe sobre o uso, aplicação, produção, comércio e transporte de

agrotóxicos. O decreto n. 2.283/09, no Art. 46º, nos parágrafos I, IV e V determina que:

Art. 46 - Para efeito de segurança operacional, a aplicação terrestre de

agrotóxicos e afins fica restrita à área tratada, observando as seguintes regras:

I - não é permitida a aplicação terrestre de agrotóxicos e afins em áreas

situadas a uma distância mínima de: a) 300 (trezentos) metros de povoações,

cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento

de população; b) 150 (cento e cinquenta) metros de mananciais de água,

moradias isoladas e agrupamentos de animais; e c) 200 (duzentos) metros das

nascentes, ainda que intermitentes; IV - é obrigatório ao manipulador e

aplicador a utilização de Equipamento de Proteção Individual – EPI; V - é

obrigatório à equipe de campo que trabalha em contato direto com agrotóxicos

e afins a utilização de EPI necessário, fornecido pelo empregador; (grifo

nosso).

Posteriormente, entra em vigor o decreto n. 1.362, de 13 de setembro de 2012. No Art.

26º, inciso I fica estabelecido que “não é permitida a aplicação terrestre mecanizada de

agrotóxicos e afins em áreas situadas a uma distância mínima de 90 (noventa) metros de

povoações, cidades, vilas bairros, e mananciais de captação de água, moradia isolada

agrupamento de animais e nascentes ainda que intermitentes”. Ao observar o decreto n.

1.362/12 diminuindo a distância do uso de agrotóxicos, entende-se que este estado burguês tem

contribuído drasticamente com as injustiças socioambientais no Cerrado do Pantanal. Na

comunidade Laranjal e na comunidade Forquilha ocorrem os mesmos impactos.

“[...] quando bate esse veneno parece que está dentro da casa, pode ser de

noite, é muito forte ele faz mal para a gente. Até um dia eu sai daqui com

aquele senhor do Jejum para denunciar” (Adna Senhora Teixeira – Relato I

Mapeamento).

“O impacto que tem é a soja que está ai, os agrotóxicos. Aqui não precisa ir

muito longe não, essa fazenda aqui do lado bate veneno mês a mês, aqui é só

área de pastagem, limpa a pastagem com veneno só. Aqui tinha muito

Cumbaru foi tudo desmatado era uma das maiores fazendas, tinha muito

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Cumbaru, muito pé de Cumbaru, foi todos desmatados” (Tiago de Oliveira -

Relato I Mapeamento).

De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

– (IBGE) em 2017, Mato Grosso é o maior produtor de grãos nacional, esses dados demonstram

que as pulverizações nas áreas plantadas para manter a alta produtividade também ocorreram

em grande quantidade. Outro fator relevante apresentado pelo assentamento Agroana Giral é

referente à ausência ou morosidade das leis brasileiras que pouco tem feito para regularizar

situações de envenenamento das populações que vivem no campo, porém, o morador da

comunidade Forquinha ainda acredita que essa situação tem solução.

“[...] força do poder lá em cima, do poder judicial, se você for bater de frente

nois pequeno com os fazendeiros, se sabe que cada um tem uma índole, você

sabe se medir as forças não vai valer a pena. Acho que temos que achar meios

para o poder judiciaria intermediar essa situação, porque só a força entre

nois não vai resolver nada” (Tiago de Oliveira - Relato I Mapeamento).

Observamos que os/as moradores/as de algumas comunidades ainda acreditam no poder

das leis brasileiras, mas elas pouco fizeram até os dias de hoje para assegurar direitos que são

comuns a todos. Notamos que o uso de agrotóxicos tem como objetivo não apenas matar as

“ervas daninhas e os micro-organismos”, mas também provocar a morte da biodiversidade e a

contaminação das populações que sobrevivem no campo. Em setembro deste ano (2017) em

entrevista31, o médico e pesquisador Wanderlei Pignati afirmou que Mato Grosso é o maior

consumidor e importador de agrotóxico do mundo, além de ser o maior produtor de soja, milho,

algodão, boi e todo esse processo pode ser compreendido como químico-dependente, uma vez

que depende de fertilizante, agrotóxico, sementes transgênicas, maquinários agrícolas,

financiamento agrícola, todo o pacote tecnológico do agronegócio.

Esse pacote contamina a saúde da população e do ambiente. Em 2016, pulverizou-se

cerca de 1 bilhão e 400 milhões de litros de agrotóxico e foi consumido 7 litros por habitantes

por meio do consumo de alimentos, no ar e na água. Para Fideles (2006), no Brasil essas ações

se fortaleceram em 1975 quando se instituiu o Plano Nacional de Desenvolvimento Agrícola

(PNDA), que incentivava e exigia o uso de agrotóxicos nas monoculturas, oferecendo ainda

investimentos para financiar a compra desses insumos. Essa manobra tinha como finalidade

ampliar a indústria que passaria de 14 fábricas em 1974 para 73 em 1985. No Cerrado do

Pantanal além da utilização constante de agrotóxicos, moradores relataram outros impactos

31 Disponível em: http://www.cidadaocultura.com.br/tv-de-quintal-entrevista-wanderlei-pignati/. Acesso em: 10

out. 2017.

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ambientais que são causas propulsoras de conflitos socioambientais nesta região. Os/as

moradores/as de Barreirinho e Rodeio respectivamente, ressaltam que:

“[...] tem queimada ilegal, ano passado ficou branco de peixe, foi procurar

o fazendeiro, jogou veneno no pasto ai veio a chuva, não era ninguém o

culpado. Matou todos os peixes, os rios estão secando em virtude do

assoreamento provocados pelos desmatamentos” (Carlos Gonçalves de

Barro - Relato I Mapeamento).

Queimada ilegal, você não sabe de onde veio, desmatamento dos fazendeiros.

No caso lá do Rodeio, tem o Rio Taquaral, a uns oito anos atrás entrou e

desmatou toda a nascente do Rio Taquaral lado a lado. No Taquaral também

tem a questão dos agrotóxicos. No Rio Figueira tava tendo um conflito por

causa do peixe, fizeram uma barreira para pegar água, o fazendeiro foi lá é

fechou o rio, a SEMA de Poconé foi lá e desobstruiu (Aurélio Marcos de

Assunção - Relato I Mapeamento).

As queimadas ilegais geralmente são realizadas por agricultores ou pecuaristas para

desmatarem grandes áreas a fim de iniciar as monoculturas ou outras atividades agrícolas, essas

ações têm provocado a degradação ambiental, o empobrecimento do solo, afetam também

imensamente a fauna e a flora local, além disso, o fogo causa emissões de gases que agravam

o aquecimento global.

Jaber-Silva (2012) ressalta que os impactos decorrentes das queimadas são constantes

e associados à dinâmica do desmatamento, da degradação, da exploração madeireira e atingem

diretamente a vida dos povos do campo, contribuindo para o aumento dos casos de doenças

respiratórias, perda de suas roças e, algumas vezes, da própria moradia. Neste cenário, conflitos

envolvendo a apropriação da água têm sido cada vez mais comuns. No quilombo Laranjal

ocorre entre quilombolas e quilombolas.

“[...] o projeto quando foi feito, furou o poço aqui na parte mais baixa, lá na

parte mais alta a água não chega. Lá tá sem poço, Rio mais próximo é o

Corcunda, ele seca e fica só os poços” (Adna Senhora Teixeira - Relato I

Mapeamento).

Além disso, observamos a ausência de corpo d’água em grande abundância, os

desmatamentos promovidos principalmente pelos donos dos latifúndios somado aos

assoreamentos das nascentes dos córregos e rios são fatores que tem contribuído para a

diminuição da disponibilidade dos bens hídricos na região. Embora o Pantanal seja a maior

planície inundável do mundo, essas populações sofrem com a ausência de água. Essa situação

fica evidente no depoimento de Zé Alves:

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Nós tivemos um problema com o nosso rio aqui, foi de acordo com o

desmatamento na cabeceira lá em cima. Esse riozinho não secava. Então

depois que veio “na verdade era da usina”, o fazendeiro doou um pedaço

para a usina na época que plantou a cana, a monocultura da cana e ai ele

rebentou tudo. Ele gradeou a cabeceira e a enxurrada veio para o Corguinho,

e hoje ele seca (Izaul Brito - Relato I Mapeamento).

Refletindo sobre a disponibilidade e escassez da água, Porto-Gonçalves (2016) e

Amorin (2017) afirmam que conflitos que derivam da apropriação do uso e controle da água

tendem a aumentar, isso se justifica pelo fato que antigamente a escassez de água atingia

somente populações com menos poder econômico, atualmente está problemática atinge a todos

independentemente da classe social. Outra causa propulsora de conflitos envolvendo água são

os garimpos realizados na proximidade de Maravilha.

Lá na comunidade Maravilha o conflito que dá lá é garimpo, lá passa o rio

Piranema, próximo a Maravilha, Boi de Carro, Bitencourt, tá assoreando

tudo o rio e contaminando com mercúrio, desce para o Pantanal, a cabeceira

dele está sendo desmatada até próximo a nascente, só não entrou porque se

entrar atolava, porque é brejo. Tem propriedade do outro lado da nascente

que já fizeram dreno na cabeceira do Piranema e plantaram pasto para os

animais e do outro lado soja que está chegando. Esse Piranema passa na

comunidade Maravilha e no PA Modelo. Hoje não existe mais peixe, o rio se

transformou só em Loleia de garimpo e mercúrio. Um estudo feito pela

Universidade os peixes estavam sendo contaminados lá no rio Bento Gomes

onde o Piranema desagua. O rio Bento Gomes desagua no Pantanal, então

acredito que as espécies de peixe estão contaminadas pelo mercúrio e a água

de péssima qualidade, muita ferrugem, não tem como você atravessar porque

lá virou uma areia movediça, então isso é uma reclamação constante dos

moradores/as. Nas baias onde a lama do garimpo vai os animais estão

atolando e morrendo, isso já foi debatido a nível de município, mas até agora

nada foi feito (João Maria Chaves - Relato I Mapeamento).

O desmatamento somado as atividades de garimpagem (Figura 18) com a utilização de

mercúrio tem provocado sérios impactos socioambientais, entre elas a contaminação das águas,

ar, solo, a morte dos peixes afetando diretamente a vida dos/as moradores/as desta comunidade.

Além dos desmatamentos e garimpo, a drenagem dos cursos d’água para a plantação de

pastagens também causa revolta, já que essa ação afeta diretamente a fauna e flora da região.

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Figura 18: Morro de sedimentos do Garimpo.

Fonte: ACERVO GPEA (2016).

Milanez et al. (2013) afirmam que as intensificações das atividades mineradoras nos

territórios ocasionam inúmeros impactos, afetando diretamente a vida dos grupos sociais que

dependem diretamente do meio ambiente, como a agricultura, a pesca, o turismo, entre outras,

ademais, podem ser fontes geradoras de agravos a saúde da população. Portanto, diante da

expansão dos conflitos e injustiças socioambientais no cenário atual torna-se necessário

repensar a apropriação e utilização dos bens naturais. Para melhor compreender a realidade das

comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal apresentaremos o mapa dos conflitos

socioambientais elaborado (Figura 19) a partir dos dois mapeamentos realizados nessa região.

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Figura 19: Mapa dos conflitos socioambientais das Comunidades do Cerrado do Pantanal–Poconé/MT.

Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017.

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4.2 - Percepções das juventudes sobre impactos e conflitos socioambientais

Cuidar da Terra e cuidar das juventudes camponesas

significa cuidar de todos nós

(Molina, 2015).

Ao enveredarmos pelos caminhos desta pesquisa e propor compreender as percepções

das juventudes da comunidade Zé Alves e Laranjal em relação aos conflitos socioambientais e

as mudanças climáticas, primeiro foi necessário entender todo o contexto em que estão

inseridos. Para isso foi realizado dois mapeamentos participativos no Cerrado do Pantanal que

abarcam crianças, jovens e adultos. Os depoimentos acima apresentados, os quais englobavam

disputas por terra, desmatamento, uso de agrotóxicos, disputa por água, garimpo e queimadas,

ajudaram a compreender os impactos e conflitos existentes no Cerrado do Pantanal. Neste

território foram mapeados grupos que estão expostos aos impactos e conflitos socioambientais,

dentre eles: povos tradicionais, quilombolas e assentados.

Esses grupos sociais encontram-se em condições de vulnerabilidade socioambiental e

socioeconômica, principalmente pelo fortalecimento do agronegócio. Desse modo, se faz

necessário repensar as relações estabelecidas entre desenvolvimento econômico e ambiente.

Entendemos que são relações totalmente contraditórias e desiguais, pois constitui-se por classes

sociais dominantes, opostas aos grupos economicamente desfavorecidos, e no interior do qual

ocorrem conflitos a partir de antagonismos e tensões criadas pelo próprio sistema (VIÉGAS,

2009).

No contexto atual, as causas propulsoras de conflitos tendem a se intensificar em virtude

dos grandes projetos capitalista de desenvolvimento que transformam os bens naturais em

recursos. Assim, “os conflitos expressam, dessa forma, a resistência das classes populares à

tentativa das classes dirigentes em exercer o monopólio da historicidade, com a imposição de

seu modo de agir sobre a organização social, sobre suas práticas sociais e culturais” (VIÉGAS,

2009, p. 148).

Os conflitos tornaram-se visíveis a partir do momento que os despossuídos passaram a

reclamar os seus direitos, como maior acesso aos bens naturais como água, terra fértil, ar, entre

outros (ACSERALD, 2004). Conflitos podem emergir “[...] como disputas entre grupos sociais

derivadas dos distintos tipos de relação que eles mantêm com seu meio natural” (LITTLE, 2001,

p. 107) e “[...] em função dos impactos socioambientais gerados pela ação humana, tais como

desmatamento, queimadas, contaminação dos rios e do ar ou construção de grandes

empreendimentos” (JABER-SILVA, 2012, p. 40).

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Nas considerações de Little (2001, p. 109), “[...] conflitos relacionados aos recursos

naturais são sobre as terras que contêm tais recursos e, portanto, entre os grupos humanos que

reivindicam essas terras como seu território de moradia e vivência”. As juventudes imbricadas

nesse contexto, vivem e sentem juntamente com seus familiares as pressões e superexplorações

ocasionadas pela intensificação dos avanços das monoculturas sobre o território quilombola e

tradicional.

Nesses espaços as juventudes enfrentam as transformações trazidas pela lógica de

acumulação do capital no campo, pelo modelo agrícola representado pelo agronegócio que

expulsa populações tradicionais de seus territórios de origem, esse modelo depende de grandes

extensões de terra para a implementação das monoculturas de exportação, transformando os

alimentos em commodities, utilizando estratégias de superexploração dos camponeses, entre

eles os jovens (MOLINA, 2015). Face ao exposto, primeiro serão apresentadas as narrativas

para compreender quais impactos e conflitos são percebidos em Zé Alves e Laranjal.

[...] está acontecendo desmatamento, o fazendeiro que comprou o sítio

acabou desmatando tudo [...] (Creuza Cardoso de Oliveira - Zé Alves).

Aqui tinha bem mais mato, vão desmatando, vão plantando capim, não foi só

o fazendeiro, os sítios que não é fazenda também (Nilce de Souza Magalhães

– Laranjal).

[...] desmatamento só quem quer ampliar alguma lavoura [...] de cinco em

cinco anos. Aqui mesmo uma área onde a gente trabalha foi desmatado em

2005 até hoje produzindo (Elio Martins - Zé Alves).

[...] os fazendeiros desmatam, mas por causa da lei não estão desmatando

muito. Antigamente era tudo mato, o fazendeiro foi desmatando (Valdir Rocha

- Laranjal).

Nesta região os desflorestamentos são realizados tanto pelos donos dos latifúndios de

pecuária e monocultura que transformam bens naturais em recursos para atender aos interesses

economicistas, em uma escala muitíssima menor pelos agricultores camponeses que realizam a

agricultura de subsistência e comercialização. Essas práticas contribuem com perdas

significativas da biodiversidade, esgotamento dos solos, diminuição e alteração dos regimes de

chuvas, processos de erosão e desertificação, degradação dos cursos d’água e desequilíbrios

climáticos em virtude da ausência de florestas que tem a função de gerar umidade do ar e

absorver o calor da atmosfera.

É importante enfatizar que a proporção dos impactos nos latifúndios atinge escala

superior aos realizados pelos agricultores camponeses. Enquanto na agricultura camponesa

estabelecem uma relação de proximidade e respeito com a natureza, não necessitando de

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grandes extensões de terra, utiliza-se de poucos serviços mecanizados, a produção é orgânica e

orienta-se pelo clima para plantar e colher. Na agricultura capitalista baseia-se na concentração

das terras, no desrespeito ao ambiente, privilegia a produção em larga escala, utiliza-se de

grandes quantidades de agrotóxicos e tecnologias de mecanização de última geração.

Nora e Sato (2015) compreendem que a ação humana no ambiente gera impactos

incalculáveis, basta analisar o número de espécies ameaçada de extinção, as alterações na

superfície terrestre que impactam diretamente os ecossistemas, mas há uma situação mais

complexa ainda, as alterações na superfície terrestre e a perda da biodiversidade contribuem

para a perda de culturas e saberes vinculados aos diferentes grupos sociais que veem seu modo

de vida descaracterizado.

A comunidade Zé Alves, diferente da comunidade Laranjal não teve seu modo de vida

totalmente descaracterizado pelos constantes desflorestamentos. Em Zé Alves possui acesso à

terra e a renda familiar baseia-se entre aqueles que vendem a força de trabalho como

assalariados ou mensalistas para os donos dos grandes latifúndios, e aqueles que organizados

em associações realizam a fabricação de rapadura, melado e açúcar mascavo; e o cultivo de

raízes, legumes e verduras que são entregues para a cooperativa onde se comercializa.

Por outro lado, a comunidade Laranjal não possui acesso à terra, enquanto aguardam a

desapropriação e regularização fundiária são obrigados a vender a força de trabalho para

fazendeiros da região, pois, estão impossibilitados de realizar atividades agrícolas para

consumo e comercialização, além do extrativismo vegetal do Cumbaru que era um

complemento na renda familiar.

[...] só parou porque o fazendeiro mandou desmatar, acabou com todas as

árvores do Cumbaru. As pessoas não poderia fazer nada, ele que é o dono,

não podia brigar com ele (Maria do Carmo Moura Ferreira Araújo -

Laranjal).

[...] catava onde é a plantação de soja, a soja acabou com todos os Cumbaru,

foi derrubado pelo fazendeiro novo que comprou para plantar soja. O outro

fazendeiro deixava a gente catar (Valdir Rocha - Laranjal).

Conforme as narrativas, o extrativismo só deixou de ser realizado a partir do momento

que a fazenda foi vendida, o novo proprietário passou a não permitir a entrada na fazenda.

Enquanto o antigo dono permitia a entrada dos quilombolas para a coleta do Cumbaru, o novo

dono, antes mesmo de realizar os desflorestamentos para a introdução dos monocultivos,

impediu a entrada na fazenda com a justificativa que a presença de pessoas nas pastagens

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assustava o gado e que os mesmos poderiam ser atacados. Compreendem ainda que a fazenda

é um território privado, e eles nada podem fazer contra o fazendeiro.

Observamos um exemplo de conflito que se instituem por meio de diferentes formas de

apropriação, uso e significação atribuída aos elementos naturais territorializados (OLIVEIRA,

2004). Acrescenta ainda que os conflitos se materializam entre sujeitos desiguais, por um lado,

no plano da distribuição de poder, onde os diferentes tipos de capital social, econômico e

político se constituem como hegemônicos, e por outro, se estabelecem no plano simbólico por

meio das representações, crenças e esquemas classificatórios que estruturam e legitimam as

ditas relações de poder. Em Laranjal apesar de toda essa situação de violação de direitos, as

juventudes evidenciam que não existem conflitos entre quilombolas e fazendeiros.

Não tem conflito não, se for cortar a terra o fazendeiro vai aceitar, porque

ele pegou a terra dos outros. Tinha pessoa que tinha terra, foi morrendo e

deixando a terra e ele foi cercando (Maria do Carmo Moura Ferreira Araújo

- Laranjal).

Antes era tudo do fazendeiro, ele foi dando um pedacinho para cada um

morar, nós ficamos espremidos entre as cercas da fazenda (Gonçalo Araujo

– Laranjal).

As juventudes negaram a existência de conflitos entre fazendeiros e quilombolas, é

notório que existem uma relação desigual entre um grupo com maior poder econômico

exercendo a dominação de um grupo com menor poder econômico. Todas essas situações já

narradas sobre a história de Laranjal e como sobrevivem atualmente, evidenciam que nesta

comunidade os conflitos socioambientais são velados e ocorrem no campo simbólico. As

narrativas demonstram uma situação de conformismo diante da realidade.

Portanto, o poder simbólico “[...] é definido por uma relação determinada entre os que

exercem o poder e os que a ele se submetem, sua força residindo na crença produzida e

reproduzida no próprio campo em que se estruturam essas relações (VIÉGAS, 2009, p. 150).

Para o autor, há uma luta simbólica entre dominante e dominados “[...] cada qual procurando

impor sua própria definição de mundo, assim contribuindo para a reprodução social e para

reforçar (ou enfraquecer) a crença na legitimidade da dominação de classe” (ibidem, p. 149).

No caso desta pesquisa, o fato dos fazendeiros não permitirem a entrada na fazenda, a realização

do desflorestamento é um mecanismo encontrado pelos dominantes para enfraquecer a luta

quilombola e legitimar seu poder sobre os dominados.

É necessário destacar também que as juventudes quilombolas pouco sabem ou procuram

saber sobre a verdadeira história dos seus antepassados. Observamos que mesmo sabendo que

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estão aguardando o processo de regularização fundiária, nas narrativas expõem que a

expropriação do território não ocorreu por meio da violência física e simbólica imposta por

jagunços contratados por fazendeiros, para as juventudes os fazendeiros foram cercando o

território que é por direito dos quilombolas com a morte de seus donos legítimos. Ressaltamos

que em uma sociedade separada por cercas, pode-se dizer que as cercas físicas neste território

exercem um poder simbólico sobre os quilombolas.

Nesse sentido, historicamente quilombolas e fazendeiros vivem em conflitos por terra

há aproximadamente trinta anos. Consequentemente, os/as moradores/as mais antigos que ainda

permanecem no território carregam as marcas da violência física e simbólica, ocasionadas por

manobras fraudulentas realizadas por latifundiários para expropriar e ocupar o território que

não os pertenciam, obrigando-os a viver espremidos entre as cercas dos latifúndios.

Mesmo que os antepassados tenham sido expropriados do território, as juventudes não

procuram saber a verdadeira história de dominação e silenciamento vivenciada nesse território,

por isso afirmam que as terras onde atualmente é o quilombo foi doado pelo fazendeiro. Para

Moreira (2017, p. 84), a expropriação dos territórios ocasiona “[...] problemas e dificuldades na

vida dos/as quilombolas, um deles é o econômico, a baixa renda das famílias incomoda e aflige

a população que aguarda a titulação do território com esperança de melhoria na qualidade de

vida”.

Acserald (2004) constata que a concentração da posse sobre os bens naturais e de

elementos da base material da sociedade, mediante grandes projetos de apropriação do

ambiente, produz grandes impactos e efeitos de desestruturação nos ecossistemas e na vida das

populações do campo que são deslocadas e concentradas em áreas exíguas como é o caso da

comunidade Laranjal. A intensidade e o ritmo acelerado da introdução da monocultura

provocam danos na biodiversidade, na disponibilidade de água potável, poluição do solo e do

ar, desertificação, erosão e desflorestamentos. Nas comunidades pesquisadas além dos

desmatamentos, as queimadas são enarradas como causas propulsoras de conflitos.

Percebo muitas queimavam, muitas queimadas lá próximo do morro e

acabava atingindo aqui. Isso tem afetado a vida da comunidade, quando a

queimada vinha já estava tudo plantado aí queimava tudo, acabava com a

plantação (Creuza Cardoso de Oliveira - Zé Alves).

Aqui tem queimadas só para fazer roça (Nilce de Souza Magalhães -

Laranjal).

Impactos socioambientais decorrentes das práticas de queimadas e desmatamentos

sempre fizeram parte dos processos de uso e ocupação territorial deste estado (JABER-SILVA,

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2012). As queimadas são praticadas por latifundiários tendo como objetivo aumentar as áreas

de monocultivos; por agricultores camponeses no preparo da terra com pouca mão de obra,

aumentar a capacidade produtiva, diminuir a presença de pragas; além da queima do lixo

doméstico realizada pelos/as moradores/as, uma vez que não possui coleta seletiva de lixo no

campo.

As queimadas afetam diretamente a vida dos/as moradores/as, pois provocam doenças

e problemas respiratórios nas populações locais, além da perda da biodiversidade, poluição do

ar, desequilíbrio na fauna e na flora, aumento da erosão nas áreas queimadas, aumento de calor,

degradação do solo e da vegetação, e contribui com as mudanças climáticas. Tanto as

queimadas de grandes extensões realizadas pelos donos dos latifúndios, como os de pequenas

extensões realizados pelos agricultores familiares são práticas criminosas que afetam as

diversas formas de vida existentes nos territórios, e contribuem significamente para o

agravamento das mudanças do clima.

Para Tamaio (2013) as queimadas e os desmatamentos são os maiores responsáveis pelo

agravamento das mudanças climáticas. Embora as mudanças climáticas sejam visíveis e seus

efeitos já sejam sentidos pela humanidade, não afetarão a todos igualmente, grupos sociais

como indígenas, pescadores, ribeirinhos, entre outros e grupos sociais em situação de

vulnerabilidade econômica serão os mais atingidos. Além disso, “[...] os atores sociais que são

geralmente mais vulneráveis a esses eventos são aqueles que menos contribuem para a mudança

do clima” (MILANEZ; FONSECA, 2011, p. 01), são os mais atingidos por impactos

provocados pelas ações de destruição realizadas no ambiente.

Nesse contexto, de desigualdades e injustiças, os conflitos se escondem por trás de

inúmeros impactos socioambientais, isso se torna evidente ao observar as narrativas em relação

aos problemas envolvendo a água.

Aqui tinha um rio, só que o fazendeiro cercou com uma barreira, não enche

mais (Jaime Santana Filho - Zé Alves).

O córrego Formiga faz tempo que ele não enche, veio um fazendeiro para cá

e começou a fechar a nascente lá em cima, desmataram a uns seis anos atrás,

entupiram a nascente, difícil dar uma cheia no corgo, faz uns seis ou sete anos

que não enche mais. Hoje não tem mais peixe, o peixe que a comunidade

consome é de tanque mesmo, o desmatamento afetou a nascente. A

comunidade nunca foi em se envolver em conflito com os fazendeiros e deixou

como está (Élio Martins - Zé Alves).

[...] nos últimos anos tinha dois corgos aqui, que nessa época estava cheio,

você até ouvia o barulho da cachoeirinha no meio do mato que trazia água

até na comunidade. Eu acho que através do desmatamento, degradação do

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meio ambiente. Os fazendeiros acabaram entupindo a nascente, acho que essa

questão da água é o que mais pegou aqui. Antigamente você falava vamos

tomar um banho ali no rio tinha, hoje não tem mais. Lembro que nós

pescávamos e pegávamos muito peixe. As ações do fazendeiro acabaram

afetando, porque quando você perde a água é porque não tem nascente [...].

Na época que não tinha esse poço ai fazia cacimba dentro dos corgos e a água

era boa, não é como essa salobra (Edmar Viana Pereira - Zé Alves).

Na percepção das juventudes, o represamento dos rios e córregos nas proximidades da

comunidade realizadas por fazendeiros ocasiona impactos sociais, ambientais, culturais e

econômicos. O avanço da fronteira agrícola para a área de transição entre o Cerrado e o Pantanal

contribuem para o desiquilíbrio ecológico vivenciado nessas comunidades. Porto-Gonçalves

(2016) diz que no Cerrado onde reina o modelo agrário-agrícola se encontra as maiores reservas

hídricas do país, é nesta região que nascem importantes rios e partem para diferentes bacias

hidrográficas brasileiras. Nesse sentido, o autor considera que conflitos intensos envolvendo a

água se tornaram comuns.

As narrativas evidenciam que o fechamento da nascente do córrego Formiga (Figura 20)

somado aos desmatamentos, degradações e assoreamentos realizados pelas constantes ações

dos fazendeiros e arrendatários das terras para o cultivo da cana de açúcar, afetam diretamente

a vida dos moradores. Podemos dizer que os impactos nos rios e córregos impossibilita o acesso

a água de boa qualidade, afeta ainda a soberania alimentar seja por meio da pesca, plantações

de roças e a criação de animais. Porto-Gonçalves (2016, p. 161) considera que esse modelo

econômico “[...] alimentado por um modo de produção que o estímulo a acumular riqueza

virtual – dinheiro – pondo com isso em risco a riqueza da água, da terra, do solo, da vida, na

sua concretude”.

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Figura 20: Córrego Formiga na comunidade Zé Alves.

Fonte: ACERVO GPEA (2016).

Na percepção das juventudes, antes das degradações e contaminações dos córregos e

rios em Zé Alves, a água consumida vinha das cacimbas construídas pelos próprios

moradores/as, com o avanço desse modelo agrário agrícola foram obrigados a construir um

poço artesiano para atender a demanda da comunidade. A água do poço artesiano é salobra e

inapropriada para o consumo, afirmam que a utilizam somente para a higiene pessoal, afazeres

domésticos, para molhar as plantas e para dar aos animais, para cozinhar e beber precisam

buscar nas comunidades vizinhas ou comprar galões no município de Poconé.

O córrego Formiga, sendo um dos principais existentes em Zé Alves encontra-se

totalmente degradado e assoreado pelas constantes ações antrópicas realizadas em seu curso

para atender aos interesses do agronegócio. A grande quantidade de água utilizada pelo

agronegócio deve ser repensada, uma vez que produtores de commodities produzem apenas

para a exportação, e o alimento que chega na mesa das famílias brasileiras são produzidos

principalmente pela agricultura camponesa que não necessita de grande quantidade de água

para a sua produção, diferente do agronegócio (AMORIM, 2017). Assim, quando questionado

se essas ações ocasionaram conflitos, respectivamente ressaltam:

A comunidade nunca foi em se envolver em conflito com os fazendeiros e

deixou como está (Élio Martins - Zé Alves).

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Com o pessoal da usina não teve conflito não, só nós que ficamos prejudicado.

Na época eles chegaram ai e foram fazendo com maquinários, com aquele

trator de esteira, foi descendo e empurrando tudo, veio com os tratores e

agora tá sendo prejudicial para nós. Não teve esse diálogo não, nossos pais

que eram os lideres [...] (Jaime Santana Filho - Zé Alves).

A usina Álcool do Pantanal Ltda. (ALCOPAN) evidenciada pelos jovens (Figura 21)

foi instalada na década de 1970 no distrito de Chumbo (Comunidade Quilombola), e iniciou-se

com a introdução da monocultura de cana-de-açúcar em uma área de 6 mil hectares, esse

empreendimento reforçou a vulnerabilidade que as comunidades vizinhas estão expostas,

reforçando ainda mais as interferências de pessoas com maior poder aquisitivo, a violência e a

exploração da mão de obra (ALMEIDA, 2015). Esse empreendimento foi fechado em 2012

pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) acusado de manter 20 trabalhadores em condições

análogas à escravidão32, ademais foi responsável por impactos sociais, ambientais e econômicos

que alterou e altera o modo de vida das comunidades.

Figura 21: Estruturas da Usina ALCOPAN.

Fonte: ACERVO GPEA (2016).

Em Zé Alves é perceptível os impactos desse empreendimento ainda hoje na vida

desses/as moradores/as, principalmente envolvendo o acesso à água. Nesse cenário, Jaber-Silva

(2012, p. 134) assegura que “o uso das águas gera conflitos em razão da multiplicidade de

32 Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2012/08/justica-decreta-falencia-da-alcopan-apos-mpt-denunciar-

trabalho-escravo/>. Acesso em: 01 out. 2017.

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valores e finalidades conferidas a este elemento”. Comumente, as juventudes de Zé Alves e

Laranjal diante desse modelo economicista de desenvolvimento, que desrespeitam e alteram as

diferentes formas de vida existentes nos territórios, que ocasionam impactos e injustiças

socioambientais, além de outras ameaças asseguram que não se envolveram e envolvem em

conflitos com os fazendeiros.

Em relação aos conflitos em torno da água, Fernandes (2015) afirma que estão

relacionados principalmente à promiscuidade entre o Estado e a capital, a qual acontece

basicamente, de dois modos. Primeiro o Estado é burguês e capitalista, por isso seu

planejamento está voltado apenas para as demandas capitalistas e estão condicionados a

defender os interesses da classe dominante; segundo é a promiscuidade em que o Estado

capitalista cria mecanismos necessários para a realização de seu interesse. “Desta união

promíscua é que se originam situações de corrupção, omissão, conivência, impunidade,

covardia, degradação da natureza, intimidações, ameaças, assassinatos chegando até à extinção

de povos inteiros” (FERNANDES, 2015, p. 115).

Neste contexto, Amorim (2017) destaca que a água é extremamente importante para a

sobrevivência dos seres vivos, a água é considerada valorosa em diversos aspectos, por isso

vem se tornando um elemento de disputas, podendo ocasionar inúmeros conflitos. Para

Fernandes (2015), 70% da água potável vão para o agronegócio e apenas 4% para o consumo

humano, o agronegócio a esbanja à vontade na produção de mercadorias para acumulação de

capital, em contrapartida diversas pessoas não têm água para beber e muitos camponeses não

têm acesso para regar as hortas caseiras, estima-se ainda que mais de 1 bilhão de pessoas são

privadas do acesso a água apropriada para o consumo. No quilombo, impactos envolvendo as

nascentes, os córregos e os rios têm se intensificado principalmente pelas ações antrópicas

direta ao ambiente.

Sempre teve pouco rio, mas está na terra do fazendeiro. Antes enchia

bastante, alagava mesmo até na estrada, ficava totalmente alagado, hoje em

dia não enche mais como antigamente, acho que hoje isso não ocorre mais

por causa do impacto ambiental que foi acontecendo, o desmatamento, o

veneno, foi destruindo bastante pela ação humana (Valdir Rocha - Laranjal).

Rio pequeno sim, agora rio grande só dentro da fazenda, da propriedade dos

outros. Os córregos aqui secaram quase todos, secou por falta de chuva e

pelo desmatamento. Na comunidade agora tem o poço, antes era cacimba,

trazia água na cabeça. O poço não atende todo mundo, só que um pessoal lá

de cima não queria colaborar com a energia, cortou a água. Agora eles

fizeram um poço lá, queria usar e não queria pagar (Maria do Carmo Moura

Ferreira Araújo - Laranjal).

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Rio nunca teve não, teve tanque. Tem uns corguinhos pequenos que seca, acho

que é por falta de chuva, pelo clima (Gonçalo Araujo - Laranjal).

Apesar da existência da grande quantidade de nascentes, córregos e rios, as ações

empreendidas pelo agronegócio nesta região contribuem para o aumento da degradação,

assoreamentos, poluição das águas pelo uso de agrotóxicos. Os/as moradores/as de Laranjal,

assim como de Zé Alves já estão sendo atingidos pela ausência de rios e córregos com água de

boa qualidade no território. Aqueles que ainda resistem aos desmatamentos, degradações e

assoreamentos nos cursos d’água promovidos principalmente por atividades econômicas como

a pecuária e monoculturas encontram-se restritos nas propriedades particulares dos fazendeiros.

Porto-Gonçalves (2016) argumenta que a água não pode ser tratada de modo isolado como se

fosse um problema de especialistas, a água necessita ser pensada urgentemente enquanto

território.

A água como um elemento que integra o meio ambiente natural indispensável para a

vida, não pode ser compreendida como um bem privado, mas um “bem de uso comum do

povo”, conforme explícito no Art. 225º da Constituição Federal de 1988. Assim, não pode ser

qualificado como um bem que pertença a uma pessoa física, no caso desta pesquisa, os donos

dos latifúndios, mas um bem pertencente a uma coletividade. Em Laranjal, as juventudes

descrevem que em virtude dos impactos ambientais e da poluição por agrotóxicos nos rios e

córregos, tiveram que deixar de utilizar a água da cacimba que era trazida na cabeça a longas

distâncias e construíram poço artesiano para atender aproximadamente 60 famílias. A

comunidade se divide entre Laranjal da beira da estrada e Laranjal do fundo, porém nem todas

as famílias têm acesso a água do poço, o poço foi construído em uma área baixa da comunidade

e a grande maioria dos/as moradores/as possuem suas residências na parte alta.

O poço acaba gerando conflitos entre quilombolas e quilombolas. Os conflitos ocorrem

porque aqueles que não tem acesso se recusam efetuar o pagamento da energia consumida

mensalmente. Conflitos envolvendo a água têm aumentado nos últimos anos, conforme dados

divulgados pela CPT em 2015 foram registrados: “[...] três pessoas receberam ameaças de

morte, cinco sofreram tentativa de assassinato, duas foram assassinadas, outras 41 sofreram

intimidações, duas foram agredidas, uma foi ferida, outra sofreu danos materiais, três morreram

em consequência de conflitos” (FERNANDES, 2015, p. 115).

Nesse universo investigativo, podemos relacionar ao conflito água o uso abusivo de

agrotóxicos que também é uma causa propulsora de conflitos, as juventudes afirmam que sua

intensa utilização nas pastagens e nas monoculturas colocam em risco a vida dos/as

moradores/as. Segundo o Dossiê ABRASCO, os impactos dos agrotóxicos na saúde são

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compreendidos como armas mortíferas de uma guerra não declarada, das quais as vítimas

humanas e não humanas “[...] são ocultadas por uma ciência cerceada por interesses econômicos

ou justificadas por esta mesma ciência como efeitos colaterais do emprego de uma tecnologia

apresentada como indispensável” (CARNEIRO et al. 2015, p. 27) para controlar as doenças,

produzir em menor espaço de tempo, aumentar a produtividade voltadas para a exportação de

commodities. Pode ser considerado também como uma tática criminosa utilizada para

pressionar os povos do campo, das florestas e das águas a deixarem as áreas em disputas,

transformando os venenos em arma de guerra química nas mãos de pessoas inescrupulosas

(PORTO; ROCHA; PACHECO, 2015).

[...] veneno, muito veneno. Antigamente não afetava muito, mas já começou.

O veneno que eles batem no pasto com o vento vem para a comunidade e as

pessoas fica passando mal. Muita dor de cabeça. Ninguém nunca foi falar

com o fazendeiro, eu acho que é medo. Os fazendeiros, aqueles que tem

dinheiro não estão nem ai com a vida dos pobres que está ao redor da

comunidade. Agora o que manda é o dinheiro (Maria do Carmo Moura

Ferreira Araújo - Laranjal).

O trecho da narrativa evidencia a situação de injustiça provocada pela intensa utilização

de agrotóxicos. Primeiro será enfatizada a relação entre quilombolas e fazendeiros que a

princípio pode ser considerada como pacífica, já que os fazendeiros sempre ajudaram e ajudam

os/as moradores/as da comunidade, seja por meio das doações feitas para a escola ou

oportunizando que trabalhem na fazenda como diaristas ou mensalistas. No entanto, ao relatar

sobre o uso abusivo de agrotóxicos, fica evidente que o medo do fazendeiro faz com que

prefiram aceitar essa situação.

Compreendemos que essa situação desvela uma relação de amizade mascarada pelo

medo, pois como destaca a jovem quilombola, o poder que se materializa na concentração de

riqueza está centrado nas mãos de uma parcela mínima da sociedade extremamente opressora.

Na concepção de Freire (2014, p. 41), a nossa história foi tecida pela exploração, opressão e

dominação, assim, “os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que a sua

“generosidade” continue tendo oportunidade de realizar-se” [...] ações de injustiças. Diante

desses que oprimem, exploram e violentam, Freire (2014) destaca que os oprimidos ao

buscarem sua humanidade roubada não devem se tornar opressores dos opressores, mas

restauradores da humanidade de ambos.

A violação de direitos individuais e coletivos provocados pela utilização abusiva de

agrotóxicos nas pastagens da fazenda tende a se intensificar, uma vez que pastagens e

gigantescas áreas de matas estão sendo desmatadas e convertidas em latifúndios de

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monocultivos, afetando diretamente o meio ambiente com sua biodiversidade e a vida dos

moradores existente neste território. Colocam em situação de vulnerabilidade trabalhadores/as

que muitas vezes não utilizam equipamentos de segurança individual para o manuseio de

agrotóxicos, e não possuem conhecimento para desenvolver atividades dessa natureza. Em Zé

Alves a realidade é totalmente diferente de Laranjal, os monocultivos encontram-se distante.

Tem o pessoal da soja, mas está longe de nós, tá lá no Chumbo ainda, dá uns

20 km até lá. Acredito que aqui por ser uma região de pé de Serra, eles não

vão vir plantar aqui. O veneno não vai chegar aqui não, é mais para o lado e

Poconé (Edmar Viana Pereira - Zé Alves).

A introdução da monocultura acho que não chega de afetar, porque as

fazendas mais próximas é moro e tem uma área que alaga, então eles não

plantam. Só se eles fizerem um aterro muito forte (Élio Marins - Zé Alves).

Para as juventudes, a presença de serras na região impossibilita que essas atividades

sejam realizadas nas proximidades da comunidade Zé Alves, aparentemente estão livres da

contaminação por agrotóxicos. No entanto, para que ocorra a contaminação não é necessário

que as monoculturas estejam próximas, uma vez que os venenos são transportados pelo ar e

pelos rios a longas distâncias, tornando-se assim uma das principais causas propulsoras de

conflitos. Segundo Porto (2013, p. 139), “a expansão dos monocultivos e do agronegócio de

exportação tem sido responsável por inúmeros impactos socioambientais e de saúde pública

que se encontram por trás dos numerosos conflitos ambientais no campo”.

Ao verificar os dados divulgados pela CPT podemos observar que conflitos envolvendo

agrotóxicos são registrados desde 1980, a partir de 1985 até 2014. O número de vítimas de

contaminação por agrotóxicos cresceu mais de 300%, passaram de 15 no período de 1985 a

1989, para 63 casos no período de 2000 a 2014, tais dados mostram que o número de famílias

afetadas cresceu 10% no mesmo período, passando de 3.775 famílias na década de 1980 para

4.189 nas primeiras décadas do século XXI. Os dados mostram ainda que mais de 60% das

ocorrências estão relacionadas com as disputas por terra e território envolvendo trabalhadores

rurais, arrendatários, camponeses e povos indígenas. Em 2015, registrou-se 23 casos, sendo 12

no contexto de conflitos por terra, 8 relacionados à água, 3 trabalhistas e 4.267 famílias afetadas

(PORTO; ROCHA; PACHECO, 2015).

Notadamente, as transformações das imensas matas em monocultivos, a conversão dos

bens naturais em recursos, a ganância pela produção em larga escala em conjunto com a

violência física e simbólica dos grupos nos territórios, contribui significamente para que essa

realidade no campo se intensifique constantemente. Pouco a pouco, as paisagens do Cerrado do

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Pantanal são transformadas em grandes extensões de monoculturas, que são exportadas

principalmente para a China, que é o maior comprador da soja brasileira.

Onde tem a soja o agrotóxico é forte, é um processo de mais de 20 anos para

você conseguir limpar a terra, isso é prejudicial aqui. A soja é um câncer que

chegou aqui, não é legal, porque a lei proibi no Pantanal, só que a SEMA

bate palma, o ICMBio não viu nada e não sabe de nada, os órgãos que é para

nos ajudar a enfrentar e não deixar acontecer são os que permitem,

infelizmente o poder do capitalismo está falando mais alto. A APROSOJA

junto com a FAMATO ponha a SEMA e o ICMBio no bolso, nós vamos fazer

o que? jovens (Jaime Santana Filho - Zé Alves).

Lá no Pantanal não pode plantar soja, acho que o município não fiscaliza e

aqueles que é para fiscalizar é reembolsado, deixa rolar solto (Valdir Rocha

- Laranjal).

Na compreensão das juventudes de Zé Alves e Laranjal, o uso de agrotóxicos representa

um câncer na vida de todos/as os/as moradores/as. Nas narrativas denunciam os órgãos

ambientais fiscalizadores que nada têm feito para controlar a utilização de agrotóxicos nas

proximidades das comunidades pesquisadas, os jovens juntamente com seus familiares sofrem

diariamente com o cheiro do veneno, isso fica evidente quando relatam que já tiveram sintomas

como vômito, dores de cabeça e dores no estômago.

Na percepção das juventudes, muitas vezes esses órgãos acabam recebendo propina

para não fiscalizar essas atividades que colocam em risco a vida dos seres humanos. Embora

pareça estranho, injustiças socioambientais são concebidas por “[...] atividades econômicas

quanto pela forma como o Estado deixa de proteger as populações, sejam as atuais ou as

gerações futuras diante de políticas públicas e práticas institucionais que favoreçam a geração

de injustiças” (PACHECO; PORTO; ROCHA, 2013, p. 55).

Observamos dois grupos geradores de injustiças, o primeiro pertencente às atividades

econômicas predatórias desenvolvidas que desprezam o valor da vida humana e não humana,

responsáveis por impactos e conflitos. O segundo refere-se à omissão, conivência e ausência de

atuação do poder público e entidades governamentais, inclusive o judiciário e/ou ministérios e

defensorias públicas em desenvolver ações efetivas de fiscalização diante de atividades que

colocam em risco a vida da população (PORTO, PACHECO, 2009; PACHECO; PORTO;

ROCHA, 2013). Infelizmente a combinação entre a retirada da cobertura vegetal nativa somada

ao uso de agrotóxicos tem impossibilitado a existência de qualquer forma de vida nesse

território. As narrativas evidenciam essas situações de injustiças sociais e ambientais que

recaem de forma desigual e desumana sobre os quilombolas e outros grupos presentes nesta

região.

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Os meninos estão na mesma área do meu pai batendo veneno, eu acho muito

ruim o veneno. Onde está batendo o veneno o cheiro vem nas pessoas vizinhas

que está perto do pasto, hoje mesmo veio o cheiro, quando eles estão para o

outro do pasto não chega aqui, mas vai para outra pessoa. Aqui nessa fazenda

não mexe com soja, só na outra para lá. Agora a gente não está sentindo, mas

com certeza a gente vai sentir alguma coisa, porque esse veneno não faz bem.

Hoje eu estava passando mal, porque o cheiro é muito forte. Meu pai trabalha

na fazenda batendo veneno, eu converso com ele e falo que o veneno não é

certo, só que não tem outro meio de trabalho, para sobreviver ele tem que

fazer isso. Hoje na hora que começou bater o veneno eu comecei a passar

mal, mas só na hora mesmo (Ireni da Silva Castro - Laranjal).

O veneno prejudica as pessoas, mas não tem outro serviço, tenho obrigação

de passar (Gonçalo Araujo - Laranjal).

Em um cenário marcado pela pobreza, distribuição de renda desigual e ausência de

emprego, uma jovem enarra como é difícil saber que seu próprio pai juntamente com outros

jovens precisam trabalhar na fazenda aspergindo veneno nas plantas (Figura 22) e insetos das

pastagens para sobreviver, enquanto ela está em casa passando mal com o cheiro.

Figura 22: Morador aspergindo veneno nas pastagens da fazenda.

Fonte: ACERVO GPEA (2016).

Nesta pesquisa constatamos que muitos acabam se sujeitando aos objetivos dos

empreendimentos ligados ao agronegócio que avança sobre as comunidades do campo,

explorando, subjugando e eliminando os grupos sociais dos territórios. Isso ocorre em virtude

da ausência de trabalho e terra para plantar, as juventudes quilombolas por falta de políticas

públicas são obrigados a venderem sua força de trabalho como mensalistas ou diaristas por

míseros salários para os donos dos latifúndios, que utilizaram da violência física e simbólica há

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aproximadamente trinta anos para ocupar ilegalmente o território que pertenciam aos seus

antepassados, fato histórico pouco conhecido e relatado pelas juventudes.

[...] falta o poder público dar ajuda mais e um pouco de terra para estar

produzindo, lá não tem terra [...]. O INCRA agora está vendo aquelas terras

que era dos antepassados que morava lá, dos parentes para voltar as terras

de novo, para as pessoas trabalhar no seu lugar, no lugar da gente [...]

(Valdir Rocha - Laranjal).

A morosidade na regularização fundiária acrescida a ausência de políticas públicas

específicas para os jovens contribui significamente para a precarização das condições de vida

no quilombo. Para Molina (2015), a impossibilidade do acesso à terra, a ausência de políticas

públicas que lhes garantam condições mínimas de sobrevivência nos territórios de origem,

pressionam a continuarem rotas de migração em busca de espaço para sua reprodução material.

Muitos permanecem na comunidade com seus sonhos de vida, outros ainda vivem o dilema

entre ficar ou sair para estudar e trabalhar, realidade essa vivenciada na grande maioria das

comunidades do campo.

Em relação aos programas voltados para os jovens do campo, Freire e Castro (2010)

afirmam que existem dezenove programas, porém apenas três estão vinculados à realidade da

juventude camponesa, entre eles o Programa Nossa Primeira Terra, o Programa Pronaf Jovem

e o Programa Saberes da Terra. Na comunidade Laranjal o processo de expropriação vivenciada

e a burocracia na regularização fundiária impossibilita que tenham acesso a esses programas

para que possam cultivar a terra e produzir o necessário para a soberania alimentar.

Em relação às políticas educacionais, Faria e Alves (2015) afirmam que a maioria são

fomentadas pelo Governo Federal e estão articuladas ao Programa Nacional de Educação do

Campo (Pronacampo), incluindo formação profissional (Pronatec Campo), Educação de Jovens

e Adultos e Formação de Professores. Porém, apesar da existência desses programas, na

comunidade Laranjal ainda não tiveram acesso, enfrentam grandes barreiras para alcançar

níveis mais elevados de escolarização.

Essa situação torna-se ainda mais cruel quando pesquisas já desenvolvidas afirmam que

não há nenhuma terra de quilombo devidamente titulada no estado de Mato Grosso, em sua

grande maioria enfrentando longos conflitos, principalmente envolvendo as disputas pelos

territórios e na luta pelo reconhecimento de seus direitos (SILVA, 2011; MOREIRA, 2017).

A política do capitalismo quer que nois desocupe o campo, ele quer que o

grande fazendeiro venha arrematando tudo e vira isso aqui em soja, em gado

branco, ele não quer ver ninguém produzindo 10 ou 12 variedades de

produtos na pequena propriedade, até mesmo porque ele tem certeza que é

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esse produto que vai para mesa dele. Ele vai comer uma mandioca, uma

alface é do agricultor familiar (Jaime Santana - Zé Alves).

Antes a gente vivia da terra, com esses problemas não dá mais, tudo

relacionadas a esses impactos. O veneno afeta as plantações e as pessoas.

Nós comemos alimento contaminado pelo veneno (Abner José da Costa -

Laranjal).

Com o avanço dos monocultivos em direção as comunidades Zé Alves e Laranjal, as

juventudes estão cada vez mais vulneráveis.

4.3 - Percepções das juventudes sobre as mudanças climáticas

Os impactos ambientais indesejáveis como queimadas e desmatamentos percebidos

pelas juventudes de Zé Alves e Laranjal são realizados principalmente por latifundiários na

tentativa de expandir o agronegócio na região, esses são responsáveis por 75% das emissões de

dióxido de carbono (CO2) no Brasil (BRASIL, 2010). Essas constantes ações de destruição

praticadas para atender aos interesses economicistas, somada a utilização de combustíveis

fosseis são consideradas as grandes responsáveis pelas alterações do clima, que afetam e

ameaçam a continuidade da existência de vida no planeta Terra.

Mencionamos que após a Revolução Industrial as mudanças no clima se intensificaram,

uma vez que proporcionou “[...] uma ruptura dos padrões de produção, da economia, das

relações sociais, da noção de tempo, criou uma estrutura para o crescimento do capitalismo,

causando sérios danos ao meio ambiente” (RIBEIRO; ANDRADE, 2011, p. 212). Porto-

Gonçalves (2017) afirma que o fortalecimento do capitalismo em todo o planeta fez com que a

natureza fosse submetida ao capital e transformada em recurso, atendendo aos objetivos do

próprio capital que busca a acumulação de riqueza em curto espaço de tempo.

Essa incessante busca por crescimento econômico de uma pequena parcela da população

fez com que intensificasse cada vez mais as atividades de exploração dos bens naturais para

serem transformadas em recurso, ultrapassando assim os limites suportáveis pelo meio

ambiente. Como resultado, observamos a violência contra as diferentes culturas e povos

espalhados pelos territórios que sobrevivem em harmonia com a natureza e um constante

processo de devastação que contribuem para as mudanças do clima. Assim, essas mudanças

“[...] deixaram de ser previsões futuras e passaram a fazer parte da nossa realidade, passando a

atingir de forma devastadora os elementos naturais e essenciais à sobrevivência [...]”

(AMORIM, 2017, p. 42) dos seres vivos e não vivos. Há que se considerar que essas mudanças

também são responsáveis pelo aumento das temperaturas, inundações, deslizamentos de terras,

escassez de água potável, entre outros impactos socioambientais.

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Na concepção de Milanez e Fonseca (2011), as mudanças não reconhecem fronteiras ou

divisas fixadas pelo ser humano, independentemente do país ou território onde uma atividade

produtora de gases do efeito estufa ocorre, tanto aquela localidade quanto outras mais ou menos

distantes do ponto focal da atividade, sofrem com os impactos oriundos das mudanças do clima.

Destacamos que os impactos dessas mudanças não são sentidos na mesma proporção entre

populações ricas e pobres, assim a variabilidade climática acentua-se principalmente entre as

populações mais pobres deste país.

Pesquisadores que avaliam os efeitos drásticos desse fenômeno afirmam que os

processos de mitigação são bem mais importantes que a adaptação. Mitigar as mudanças

climáticas significa transformar atitudes em comportamentos, ou seja, reduzir o uso de recursos

e a emissão de gases do efeito estufa (NOBRE, 2008). “Se isso não for alcançado num prazo

de 30 a 40 anos, corremos o risco de assistir o cenário mais pessimista se concretizar, onde o

aumento da temperatura pode passar de 4 graus até o final deste século” (ibidem, p. 241).

Se a população de todos os países não mudar o estilo de vida e a temperatura do planeta

continuar aumentando, perdas maiores ainda acontecerão. Porto-Gonçalves (2017) conclui que

somos seres extratores dos bens naturais, e se realmente tivéssemos consciência dos limites

suportáveis pela natureza, com certeza estaríamos mais próximos de encontrar soluções para o

desafio das mudanças climáticas. Portanto, não restam dúvidas que as “[...] mudanças

climáticas têm um impacto nos ecossistemas naturais e especificamente na distribuição de

biomas, o que por vez têm impactos na biodiversidade, agricultura, nos recursos hídricos, entre

outros” (NOBRE et al., 2007, p. 23).

Na transição do bioma Cerrado para o Pantanal, as juventudes percebem impactos na

biodiversidade, na agricultura e nos bens hídricos da região. Essa sociedade baseada no “[...]

ter, do negociar, do concorrer, do lucro a qualquer custo, do progresso ilimitado, não responde

aos anseios da humanidade e não é sustentável” (STRINGHINI, 2009, p. 05),

consequentemente os grupos sociais e as comunidades vulneráveis já estão sentindo os efeitos

dessas mudanças que tendem a se intensificarem. Para Jacobi et al. (2011), esse fenômeno

dispara as migrações, destrói os sustentos, altera a economia, debilita o desenvolvimento e

aumenta as desigualdades. Em Zé Alves os/as moradores/as praticam a agricultura de

subsistência e comercialização, porém a variabilidade climática afeta drasticamente a produção,

como enarra os jovens.

Aqui antigamente nós tínhamos cinco meses de chuva, hoje nós não temos

mais, no máximo três ou quatro. Para você produzir precisa escolher os meses

certos, se você vai plantar uma cana você deve plantar em novembro, em

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janeiro e fevereiro você não consegue plantar chove muito aqui. Aqui já teve

ano de chover 28 dias, sendo duas ou três chuvas curtas por dia, então nesses

dois meses você não produz nada, tem que plantar em março, abril, maio, em

julho, agosto e setembro é seca, você não consegue plantar nada (Élio

Martins - Zé Alves).

Eu lembro como hoje, em setembro dava a chuva do plantio do milho quando

nós roçava a roça, roçava em junho, julho e agosto queimava a roça, esperava

a chuva de setembro para plantar o milho e a abóbora. Hoje você não

consegue fazer esse planejamento. Há dois anos atrás os corgos enchia tudo,

você andava onde a gente plantava banana com água nas canelas, hoje você

vai lá o chão está seco, rachado. Em setembro faz frio, maio, junho e julho no

máximo era suficiente, agosto e setembro deu um dois, três dias de frio. Muito

impacto vem acontecendo, hoje você não consegue fazer um planejamento

conforme a natureza (Jaime Santana Filho - Zé Alves).

As narrativas demostram como as práticas agrícolas na comunidade Zé Alves ainda

encontram-se vinculadas aos saberes tradicionais que são passados de geração para geração.

Observamos que as mudanças climáticas além de afetar os saberes tradicionais, ocasionam

efeitos drásticos e imprevisíveis que comprometem o planejamento utilizado pelos agricultores

familiares para o cultivo de verduras, legumes e raízes. Em relação ao planejamento, Porto-

Gonçalves (2016) afirma que o problema de não conseguir fazer as previsões do tempo com

precisão para plantar é uma realidade presente em diferentes regiões do Brasil, assim a cultura,

o modo de se relacionar com a natureza e um acervo de conhecimentos diversos de como lidar

com a natureza também vai sendo extinto.

Esses impactos atingem também as populações que consomem grande parte dos

produtos cultivados pela agricultura familiar. Se essas situações não forem revertidas será

necessário desenvolver e utilizar espécies e sementes mais resistentes as condições climáticas

(TAMAIO, 2013). Com a diminuição na produção de alimentos cresce “[...] o risco da fome

atingir um número muito maior de pessoas no mundo. Isto ocorreria principalmente nos países

pobres, os quais são os mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global e os menos

preparados para enfrentar seus impactos” (PINTO; MOUTINHO; RODRIGUES, 2008, p. 15).

A ameaça das mudanças climáticas na agricultura familiar tem ocasionado grandes

preocupações, na comunidade Zé Alves a variabilidade climática faz com que os agricultores

não consigam plantar e consequentemente, colher no tempo certo, provocando assim perdas

significativas na produção. “Muitos pesquisadores expressam grande preocupação por essas

zonas onde a agricultura de subsistência é a norma, uma vez que a diminuição de apenas uma

tonelada em produtividade pode levar a grandes desequilíbrios na vida rural” (ALTIERI;

NICHOLLS, 2009, p. 34).

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Diante dessa situação, o quarto relatório do IPCC indica que a agricultura será afetada

cada vez mais pela instabilidade climática com a alteração da temperatura média, precipitação,

ventos e aumento da variabilidade climática associada com maior frequência à gravidade dos

eventos extremos, como secas e inundações. Durante o tempo na comunidade, os jovens

agricultores afirmaram que antigamente muito se ouvia falar em chuva da manga e do caju33,

atualmente não se pode fazer essa afirmação, pois não é possível dizer exatamente quais são os

meses de sol, chuva e frio na região.

Embora as mudanças sobre a produção agrícola tenham alcance irrestrito, a intensidade

que atinge a monocultura em larga escala, intensamente mecanizado e com utilização de

agrotóxicos é extremamente diferente em relação à carga que atinge o modelo agrícola familiar

baseado na produção de policulturas em pequena escala, com baixa mecanização, com base no

respeito a biodiversidade, sem a utilização de agrotóxicos (ALTIERI; NICHOLLS, 2009;

FERNANDES, 2008). Todas essas situações afetam os povos do campo, das florestas e das

águas, nascem da lógica perversa desse sistema de produção, de ocupação do solo e de

destruição dos ecossistemas.

Outro resultado das mudanças climáticas percebida pelas juventudes que tem se

intensificado em Zé Alves nos últimos dois anos, são as pequenas quantidades de água nos

córregos e rios nas proximidades. Em relação ao elemento água, embora seja um bem natural

essencial para a vida, Orsini (2008) afirma que a mudanças tornaram os períodos de chuva

incertos e irregulares, indica ainda que a exploração, a degradação e a poluição dos cursos

d’água já alcançaram proporções alarmantes e podem afetar ainda mais a oferta de água em um

futuro próximo, caso não sejam revertidas.

A natureza reage de alguma forma, e a chuva com esse período da região que

desmatou muito, hoje você já não consegue fazer um planejamento de quando

vai chegar o período das águas (Jaime Santana Filho - Zé Alves).

Mudança mais quanto mais vai desmatamento o calor vai aumentando, vai

diminuindo a chuva, tudo isso foi mudando bastante, hoje chove menos coisa

que chovia mais, mais quantidade, mais direto, ai hoje já chove menos (Valdir

Rocha - Laranjal).

Todo mundo da comunidade fala que no mês de chuva chovia todo dia, todo

mundo fala que esse ano choveu pouco, que antigamente chovia bem mais.

Afeta a gente porque a gente planta alguma coisa, isso acaba prejudicando

as plantações (Gilmar Saur - Zé Alves).

33 Termo utilizado pelos/as moradores/as da comunidade para indicar um período do ano em que as mangueiras e

os cajuzeiros se preparam para a florada.

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Conforme as narrativas de Laranjal e Zé Alves, as mudanças climáticas são ocasionadas

principalmente pelos desmatamentos realizados para expandir as atividades de pecuária e

agricultura, provocando a degradação e assoreamento dos rios e afetando os ciclos de chuvas

na região, indispensáveis para as plantações de policulturas. Compreendemos que o “[...]

desflorestamento causa uma diminuição da capacidade de retenção de água de chuva e um

aumento proporcional do escoamento superficial dessas águas pelos rios (BARCELLOS et. al,

2009, p. 288).

Para Tamaio (2013), as alterações no regime de chuvas e de calor estão ficando cada

vez mais frequentes, esses impactos catastróficos parecem confirmar as pesquisas sombrias dos

pesquisadores sobre os impactos das mudanças climáticas. Conforme a percepção das

juventudes das duas comunidades a natureza tem reagido às ações antrópicas de destruição.

Para as juventudes, antigamente os meses de chuvas eram bem definidos, a quantidade e a

frequência eram bem maiores. Percebemos que tem diminuído os meses de chuva e aumentando

as ondas de calor, as chuvas quando ocorrem são cada vez mais fortes, ocasionando efeitos

catastróficos.

Para Jacobi et. al (2011), essas tragédias podem ser amenizadas e muitas vidas

preservadas se realmente as legislações ambientais fossem cumpridas, e as questões de

sustentabilidade, vulnerabilidade e os efeitos dessas mudanças realmente trabalhadas nos

espaços escolarizados e não escolarizados. No entanto, ainda não se pode afirmar com certeza

que esses eventos extremos são consequências das mudanças climáticas, porém, segundo as

previsões do IPCC se tornaram cada vez mais frequentes e intensos (MILANEZ; FONSECA,

2011). Outro resultado percebido está relacionado ao aumento das ondas de calor e a

indisponibilidade de água nas comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal.

Hoje está muito mais quente que dez anos atrás, dá até para perceber que o

solo subiu um pouco para cima, antigamente a terra era mais funda, hoje tem

a degradação, o veneno, nós sabemos que essa terra é viva, ela é vida, ela

não vai aguentar tanta degradação, tanto veneno, tanto agrotóxico, tanta

grade de pneu em cima (Jaime Santana Filho - Zé Alves).

Questão do clima, muito quente. Meu avô falava que não dá para saber se o

Sol estava descendo ou a Terra subindo porque estava ficando mais quente.

Questão de chuva também, diminuiu bastante, se não está enchendo os corgos

é porque está faltando água, não está chovendo como antes (Edmar Viana

Pereira - Zé Alves).

As juventudes de Zé Alves possuem uma compreensão sobre a utilização da terra

totalmente diferente dos latifundiários, enquanto para as juventudes a terra é um lugar de

existência de vida, de morar, de trabalhar, de produzir e da cultura camponesa, para os

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latifundiários capitalistas é apenas um espaço a ser explorado para atender interesses

economicistas. Podemos dizer que “desde os princípios do capitalismo em suas diferentes fases,

esse modelo passa por modificações e adaptações, intensificando a exploração da terra [...]”

(FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 40). A exploração do ambiente se materializa por meio dos

desmatamentos, das queimadas, do uso de maquinários agrícolas, do uso de agrotóxicos que

geram efeitos negativos tanto para o ser humano como para o ambiente.

Como fruto dessa incessante exploração antrópica, em Zé Alves percebem que eventos

climáticos extremos como alterações no regime de chuvas, ondas de calor e secas prolongadas

têm-se intensificado nos últimos dez anos, essa situação coloca em risco a vida das juventudes,

dos bens hídricos e do modo de plantar e de colher. Outro resultado das mudanças climáticas

refere-se ao nível de água dos córregos e rios que estão diminuindo drasticamente ou secando.

Marengo (2008) afirma que grande parte da disponibilidade de água no Brasil depende do

clima.

Apesar do planeta Terra ter três de suas quatro partes ocupadas por água, sendo

aproximadamente 360 milhões de km2 de um total de 510 milhões, 97% dessa área são cobertas

pelos oceanos e mares e não está disponível para o consumo humano, dos 3% restantes, cerca

de 2/3 estão em estado sólido nas geleiras e calotas polares e também são indisponíveis para o

consumo, sobrando menos de 1% de água potável para o consumo (ORSINI, 2008; PORTO-

GONÇALVES, 2016). Ao observar as narrativas das juventudes de Zé Alves e Laranjal

afirmando que ocorre falta de água, parece um pouco contraditório, uma vez que estão

localizados nas proximidades do Pantanal, a maior planície alagável do mundo.

Entretanto, “as tendências atuais de exploração, degradação e poluição dos recursos

hídricos já alcançaram proporções alarmantes, e podem afetar a oferta de água num futuro

próximo caso não sejam revertidas” (ORSINI, 2008, p. 02). As narrativas comprovam que a

falta de água não será uma realidade do futuro, mas do presente.

Não, só o calor que esta demais. O clima está bem quente. Tem chovido

menos. Essas mudanças afeta a nossa vida aqui na comunidade, a chuva

ajuda bastante no poço, na seca vai ficando sem água, quando chove aumenta

(Nilce de Souza Magalhães - Laranjal).

Está muito quente, antes chovia mais, muito trovão, vento, raio, chuva forte.

Dava enchente e a água passa por cima da estrada, antigamente quando

chovia nem os ônibus passava na estrada, andava distante 7km tudo a pé,

chegava em casa 8h da noite (Maria do Carmo Moura Ferreira Araújo -

Laranjal).

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Em Laranjal assim como em Zé Alves, percebem os impactos desse fenômeno climático

como ondas de calor, ausência de chuvas, que afetam a disponibilidade de água nos córregos,

rios e nos poços, além das chuvas seguidas de trovão e raios. Porto-Gonçalves (2016) destaca

que calamidades extremas como chuvas torrenciais, secas, inundações e incêndios florestais

serão cada vez mais frequentes, seus efeitos de maior proporção estão longes de ser distribuídos

igualmente pelos diferentes grupos sociais, assim como os meios para lidar com esses eventos

estão desigualmente distribuídos.

Em relação ao poço que abastece a comunidade, observamos que a jovem quilombola

preocupa-se com o futuro da água para o consumo, pois os rios e os córregos que ainda resistem

aos impactos estão na terra do fazendeiro e são inapropriados para o consumo. Com a ausência

de chuvas na região a água do poço que abastece a grande maioria das casas dos/as moradores/as

de Laranjal tem diminuído. Orsini (2008, p.02) ressalta que países subdesenvolvidos “[...]

enfrenta períodos incertos e irregulares de chuvas, e as previsões para o futuro indicam que as

mudanças climáticas vão tornar a oferta de água cada vez menos previsível e confiável”,

atingindo principalmente as populações pobres.

Nas narrativas é possível observar que períodos irregulares e incertos de chuvas já são

uma realidade nas comunidades pesquisadas, como se observa, antigamente nesta região as

chuvas abundantes faziam com que a água dos rios e riachos transbordassem pela estrada

impossibilitando a passagem dos meios de transporte. O problema da água aprofunda-se “[...]

à medida que a produção de monoculturas para fins de alimentação e de matérias-primas

agrícolas e pecuárias para fins industriais se expandem espacialmente, consumindo mais terras,

mais águas, mais solos” (PORTO-GONÇALVES, 2016, p. 155).

Atualmente, com a retirada das vegetações nativas pelo agronegócio, o solo tem

diminuído a capacidade de acumular água, as poucas chuvas que ainda ocorrem, escorrem

rapidamente, não sendo suficientes para encher os córregos e rios. Como resultado das

transformações do clima, as juventudes percebem que vem ocorrendo mudanças relacionadas

ao frio e as ondas de ventos.

Tá bastante mudado, esse ano deu frio em um mês que nunca tinha dado frio,

mudou bastante o clima nesse sentido (Valdir Rocha - Laranjal).

Aqui antigamente era muito frio, era mais frio do que esta agora, hoje não é

mais, de manhã cedo era bastante nebrina, hoje não é mais, frio já faz bem

pouco (Élio Martins - Zé Alves).

Aqui também passou um vento forte só naquele meio e deitou tudo ali as

árvores, dificilmente cair Piuva, Angica. O vento sempre vem mais forte,

geralmente muito calor, desmatamento, então vem a primeira chuva o vento

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vem com muita velocidade mesmo, mas isso tudo é causado por nós. Uma

mata é para proteger o vento, você descampa toda ela com que velocidade, o

que segura o vento é as árvores, ajuda um pouco ai você descampa o campo

com a velocidade que ele sai de onde ele nasceu e vai chegar com tudo, vai

destampar casa, vai revirar as árvores que está na frente (Jaime Santana

Filho - Zé Alves).

Muitas das mudanças ambientais e climáticas observadas estão diretamente relacionadas

às ações antrópicas. Em relação às temperaturas baixas, em Laranjal percebem que nos últimos

anos vêm ocorrendo nos meses que antigamente eram calor; já em Zé Alves enfatizam que

outrora era bem mais frio do que atualmente. Outro evento resultado das mudanças climáticas

percebido pelas juventudes de Zé Alves são as chuvas acompanhadas de fortes ventos, esses

eventos são responsáveis por danos sociais, ambientais e econômicos para as populações do

campo e da cidade. Nesta comunidade, chuvas e ventos estão arrancando árvores que

dificilmente cairia (Figura 23), destelhando casas, estragando plantações e provocando medo

nos moradores.

Figura 23: Árvore arrancada por vento fonte em 2016.

Fonte: ACERVO GPEA (2016).

Para as juventudes as matas nativas são responsáveis por proteger o solo dos impactos

das águas das chuvas, erosões, assoreamento dos rios, alterações climáticas, perdas na

biodiversidade, entre outros. Diante desse cenário de injustiças ambientais e climáticas que se

intensifica, afetando direta e indiretamente a vida das juventudes camponesas, ações de

mitigação as mudanças climáticas são necessárias para a construção de sociedades sustentáveis.

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136

Esta pesquisa por estar alicerçada nos princípios da educação ambiental entende que pode

contribuir com os enfrentamentos dos cenários atuais e futuros que se projetam nesta região e

altera o modo de vida desse grupo social pesquisado.

4.4 - As causas da saída das juventudes camponesas

“Queremos ficar aqui até o resto da nossa vida,

nascemos e fomos criados aqui, nós queremos viver aqui [...]”

(Jaime Santana Filho, Comunidade Zé Alves).

Nos caminhos percorridos por Zé Alves e Laranjal buscou conjuntamente com as

percepções das juventudes sobre os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas,

compreender quais fatores têm influenciado a permanência ou saída das juventudes. Antes, se

faz necessário afirmar que essas reflexões também perpassam uma realidade vivenciada pela

autora dessa pesquisa, “enquanto jovem tive que deixar a minha comunidade e buscar na cidade

uma formação acadêmica que não encontrava no campo. Considero que a mim, aos jovens das

comunidades pesquisadas e tantos outros espalhados pelo território brasileiro foi e continua

sendo negado o direito de escolher entre ficar ou sair do campo”.

Assim, podemos mencionar que as questões imbricadas entre ficar ou sair são bem mais

complexas do que a simples lógica naturalizada na grande maioria das pesquisas que evidencia

somente o desejo dos jovens em não permanecer no campo.

Eu já saí e voltei, quando tinha dificuldade na casa ou no sitio, eu era o mais

velho então era eu que saía para trabalhar, ver se conseguia alguma coisa

para manter eles aqui, quando conseguia um emprego o que eu ganhava

dividia, ficava com metade e mandava metade pra casa. Daí para cá ficamos

nesse processo migratório, nunca paro. Antigamente jovens da minha idade

tinha quase uns trinta, hoje estão quase todos na cidade, mas é difícil um final

de semana que esses caras não estão aqui. O mais engraçado que o sonho de

todos eles é ganhar dinheiro e vir embora, ninguém fala que quer morar na

cidade, eu vou ganhar um dinheiro e montar um negocinho e voltar para a

comunidade (Edmar Viana Pereira - Zé Alves).

Eu sempre morei aqui, eu fui morei seis meses para lá e voltei, porque não me

acostumei cidade, eu não gostei, não acostumei, eu trabalhava no mercado.

Agora, agora eu não pretendo voltar para terminar os estudos” [...]. Tem

muito jovem indo embora do campo. Os jovens têm ido embora por falta de

serviço, de estudo, tem bastante jovens sem estudar, prefere trabalhar ali na

fazenda do que estudar (Maria do Carmo Moura Ferreira Araujo - Laranjal).

Na tentativa de desconstruir essa imagem desinteressada pelo campo serão apresentadas

as narrativas que expressam o sonho e o desejo das juventudes de Zé Alves e Laranjal em

permanecerem na comunidade, no entanto, com a falta de políticas públicas, acesso à terra, ao

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137

lazer, a educação e ao trabalho, muitos acabam sendo obrigados a migrarem em busca de novas

oportunidades. Há uma tendência no contexto brasileiro, marcado por exclusões e

desigualdades com as populações que vive no campo, como se fosse uma parte atrasada e fora

de lugar no almejado projeto de modernidade, assim não haveria necessidade de políticas

públicas específicas, a não ser do tipo compensatório à sua própria condição de inferioridade

(FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 1998).

Para superar essa realidade se faz necessário intensas lutas coletivas que pressionem o

Estado e o façam agir por meio das políticas públicas específicas que lhes garantam condições

mínimas de sobrevivência nos territórios de origem, criando de fato condições para que os

mesmos possam realmente escolher entre viver no campo (MOLINA, 2015) ou não. Em Zé

Alves alguns jovens encontraram no associativismo e no cooperativismo uma forma de obter

renda para permanecerem no campo.

A cooperativa fez com que nós ficássemos na comunidade, a gente acreditou

que dava certo comercializar através da cooperativa (Edmar Viana Pereira -

Zé Alves).

A educação da escola e a formação do movimento, formação de base que a

gente fala na Pastoral da Juventude, pela CPT, incentivavam que era possível

sobreviver aqui sem você ter que ir para a cidade, a gente foi pegando os

conhecimentos também, muitas viagens, muita articulação em rede, a gente

conseguiu buscar esses caminhos da comercializar por meio desses

programas do Governo Federal, antes era 4.500 o PAA, logo em seguida em

2009 entrou o PNAE, só que antes de tudo isso nós já trabalhava com a feira,

em 2000 nós fazia rapadura e entregava para o mercado. Então começamos

a ver que a rapadura era um potencial, sempre plantamos mandioca, horta a

mamãe, produzimos banana e começamos a ir para a feira em Poconé, depois

começamos atender alguns mercados, levava os produtos para a feira para

atender os feirantes e um pouco a mais para atender o mercado, e ai a gente

começou a ter essa renda, nos como jovem não tinha aquela vidona, mas pelo

menos para atender as necessidades básicas. Depois começamos a ir para

outras comunidades incentivando o associativismo e o cooperativismo (Jaime

Santana Filho - Zé Alves).

Para Leão e Antunes- Rocha (2015, p. 21) estar organizado em associativismo e

cooperativismo significa “[...] organizar sua existência na possibilidade de produzir e

reproduzir sua vida no território camponês, entendido aqui como um espaço material/imaterial

de produção da vida [...]” e da cultura. As narrativas das juventudes de Zé Alves demonstram

que é possível permanecer no campo e sobreviver da produção no próprio território, no entanto,

nem todos possuem acesso à terra e aos programas governamentais evidenciados como o PNAE

(Programa Nacional de Alimentação Escolar) e PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).

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Segundo Souza-Esquerdo e Bergamasco (2014), historicamente a agricultura familiar

sempre foi excluída das políticas públicas, uma vez que os recursos eram centrados apenas na

propriedade privada e na monocultura de exportação. O programa PAA estimula a produção

pela agricultura familiar e incentiva a comercialização para que populações em situação de

insegurança alimentar tenham acesso aos alimentos de qualidade, e o PNAE obriga as escolas

estaduais e municipais a utilizar no mínimo 30% dos recursos financeiros repassados pelo

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para adquirir alimentos da

agricultura familiar. Diferente de Zé Alves, as juventudes de Laranjal expropriados do território

juntamente com seus familiares não têm acesso a esses programas, assim são obrigados a vender

a força de trabalho para os latifundiários ou migrarem para a cidade em busca de melhores

condições de vida.

Eu já fui para cidade, voltei porque estava cansado da cidade, lá eu só

trabalhava. Estudei até a quarta série, eu parei porque não tinha condição,

tinha que trabalhar. Eu comecei a trabalhar na fazendo com 16 anos. Eu até

tenho vontade de estudar, mas não acho mais tempo, oportunidade de ir

estudar (Gonçalo Araujo - Laranjal).

[...] eu já fui para a cidade fiquei três meses, mas não me acostumei. Eu

estudei até o quarto ano, tinha que trabalhar para ajudar no sustento da casa,

comecei com 16 anos na fazenda, na diária e nunca assinou carteira. Chega

no final do ano não tem direito a nada (Almir José da Costa - Laranjal).

As narrativas demonstram as dificuldades das juventudes quilombolas em alcançar os

níveis elevados de escolaridade, as situações de injustiças e a violação de direitos. Para

compreender a realidade das juventudes do campo, suas perspectivas futuras, é preciso levar

em conta que estão inseridos em uma estrutura social baseada pela concentração de terra e por

uma concepção de desenvolvimento voltado para a produção agrícola de exportação. Esse

modelo de desenvolvimento tem contribuído para a saída das juventudes para os centros

urbanos em busca de qualificação profissional, trabalho e renda para ajudar a família. As

narrativas acima demostram a realidade de dois irmãos que tiveram que escolher entre estudar

e trabalhar.

Outro aspecto importante a ser sublinhado refere-se ao fato de trabalharem desde os 16

anos sem carteira assinada, revelando um quadro de injustiça social e econômica que perduram

há aproximadamente dez anos. Diante dessa situação os jovens nada podem fazer, já que vender

a mão de obra para os latifundiários ainda é a única opção de emprego na região. Apesar da

existência de políticas públicas para agricultura familiar, esporte, cultura e educação, essas

ainda não chegaram no quilombo. Esse modelo de sociedade vigente baseado no acúmulo de

capital por uma pequena parcela da população gera “[...] desigualdade na distribuição da riqueza

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material e simbólica produzida no campo, gerando um quadro de resultados sociais e

educacionais extremamente desfavoráveis [...]” (WOLLZ et al., 2014, p. 106) para quilombolas,

indígenas, camponeses dentre outros que habitam nos territórios.

Entendemos que os jovens quando deixam o campo não estão negando sua identidade,

não saem porque preferem viver na cidade, mas pela desvalorização ou ausência de trabalho,

precariedade ou inexistência de escolas, falta de oportunidade de qualificação profissional,

perspectiva de vida no campo, e ainda pelos preconceitos e estereótipos que multiplicam-se

cotidianamente. Em relação aos preconceitos, os jovens da comunidade Laranjal sofrem por ser

do campo, ser negro e ser quilombola. Moreira (2017) afirma que os quilombolas padecem com

consequências sociais e ambientais deste sistema econômico desigual, as discriminações,

exclusões e preconceitos evidenciam a relação entre classe social/poder econômico e

preconceito/racismo, tornando-se impossível falar de realização integral da cidadania e

plenitude da democracia em um sistema capitalista meritocráta que expropria e expulsa os

jovens do campo.

Eu penso em mudar para a cidade porque aqui não tem como continuar, aqui

não tem como fazer uma faculdade. Meus pais querem que eu faça a distância,

mas vamos ver o que fica mais fácil. Eu tenho vontade de ir para cidade por

causa dos estudos [...] alguns jovens acabam o ensino médio e acaba ficando

por aqui, outros vão embora, a maioria vai embora porque quer trabalhar

(Jane de Oliveira - Zé Alves).

Os jovens vão embora por causa do emprego, eles vão procurar emprego

melhor na cidade, porque aqui não tem, quando termina fica em casa parado,

não tem o que fazer. Minha irmã foi embora porque ela quer estudar, só que

ele ainda não conseguiu, mas tá fazendo um curso para poder trabalhar. Tem

muita gente indo embora, os filhos vão e os pais fica. Antes os pais não

deixava ir, agora deixa para os filhos ter um futuro melhor [...] (Ireni da Silva

Castro - Laranjal).

A migração campo-cidade está relacionada principalmente a ausência de oportunidade

de escolarização e trabalho, a COMPRUP representa para as juventudes uma possibilidade de

melhorar as condições de vida em um tempo futuro. O descaso em efetivar políticas públicas

eleva a situação de miséria das juventudes. Dados divulgados pelo programa Brasil sem Miséria

apontam que de um total de 8,2 milhões de jovens do campo, 2,3 milhões vivem em situação

de miséria, com uma renda mensal de aproximadamente 70 reais ou menos (WOLLZ et. al.,

2014). Para os autores a desvalorização da produção familiar causada pela produção em grande

escala, o avanço do agronegócio, a distribuição desigual da riqueza material e a desvalorização

simbólica dos diferentes grupos sociais nos territórios produzem efeito sociais e educacionais

desfavoráveis para os jovens que tentam viver no e do campo.

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Conforme as narrativas, as dificuldades para os jovens estudarem iniciam-se desde as

séries iniciais. Em Zé Alves com o fechamento da escola na década de 1990, os estudantes

passaram a ser levados de transporte para o distrito de Chumbo ou Cangas, no caso da

comunidade Laranjal, esta possui uma escola multisseriada que atende até o 5º ano do ensino

fundamental, posteriormente, são levados para as escolas dos distritos. “Historicamente, as

populações que vivem no meio rural foram amplamente excluídas de atenção por parte das

políticas globais e mesmo específicas para o campo (FARIA; ALVES, 2015, p.156),

principalmente quando se trata das políticas educacionais. Desta forma, a educação rural que

se iniciou nos anos de 1930, se intensificou nos anos de 1950-1960, e se estendeu até os anos

de 1970 desconsiderava os saberes do campo e considerava os interesses do mundo capitalista.

Apenas na década de 1980 com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST), que nasce com o apoio de Igreja Católica, da Comissão Pastoral da Terra – CPT e os

Sindicatos Rurais, inicia-se o processo de redemocratização do país e as lutas se fortalecem,

esse movimento passou a exigir das autoridades uma Educação do Campo, que se contrapunha

a educação rural vigente (ARROYO, FERNANDES, 1999; PORTO, 2016). Afirmam que esse

movimento convoca a I34 Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, a

conferência aconteceu em Luziânia-GO, de 27 a 30 de julho de 1998 e contou com a

participação dos seguintes movimentos sociais: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Organização das Nações

Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para a Educação Cultura

(UNESCO) e a Universidade de Brasília (UNB).

Durante a Conferência a principal discussão era como garantir que todas as pessoas que

vivem no meio rural possam ter acesso a uma educação de qualidade, e voltada para os

interesses da vida no campo, além disso, ficou decidido que a expressão campo substituiria o

termo meio rural tendo como objetivo:

[...] incluir no processo da conferência uma reflexão sobre o sentido atual do

trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam

garantir a sobrevivência desse trabalho. Mas, quando se discutir a educação

do campo se estará tratando da educação que se volta ao conjunto dos

trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo

os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os diversos tipos de

assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural. Embora com essa

34 As discussões de preparação da I Conferencia iniciaram-se em agosto de 1997, logo após o I Encontro Nacional

dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Enera), realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) em julho daquele ano, evento em que algumas entidades desafiaram o MST a levantar uma

discussão mais ampla sobre a educação no meio rural no brasileiro (CALDART, 2013, p.258).

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preocupação mais ampla, há uma preocupação especial com o resgate do

conceito de camponês. Um conceito histórico e político...” (FERNANDES,

CERIOLI & CALDART, 1998, p. 09)

Os movimentos sociais fortaleceram a educação do campo que deixou de ser educação

rural para se tornar educação do campo para os povos do campo, com o campo e não para o

campo, assim, a educação do campo nasce em contraposição à educação rural. Uma educação

que seja: “No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a

uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às

suas necessidades humanas e sociais” (CALDART, 1999, p.25).

Já a II Conferência Nacional por um uma educação do Campo conforme Caldart (2013)

foi realizada em julho de 2014, com mais de mil participantes representados por 39 entidades,

incluindo representantes de órgão de governo, organização sindicais de trabalhadores/as rurais

e de professores/as, além dos movimentos sociais camponeses e escolas de comunidades do

campo. A conferência teve como lema “Educação do Campo: direito nosso, dever do Estado”,

onde expressou a “[...] luta pelo acesso dos trabalhadores do campo à educação é específica,

necessária e justa, deve se dar no âmbito do espaço público, e o Estado deve ser pressionado

para formular políticas que a garantam massivamente, levando à universalização real e não

apenas princípios abstratos” (ibidem, p.260). Apesar da existência desses movimentos de luta,

as comunidades pesquisadas continuam lutando por uma educação do campo.

Hoje a nossa luta é por uma educação do campo, uma educação que respeite

os conhecimentos, a cultura de acordo com a nossa realidade. Só que hoje eu

vejo que a educação que as nossas crianças estão recebendo como uma

educação no campo, uma educação jogada. Para começar, eles saem da

comunidade para ir para um polo, uma educação pensando pelo capitalismo

que busca desarticular o campo [...]. Nós queremos uma educação voltada

para a nossa realidade, nós lutamos para essa educação que é do campo de

acordo com a nossa realidade. A educação contribuiu e é fundamental para

a permanência dos jovens no campo, a educação do jovem tem que caminhar

junto com os demais afazeres, articulada com todos os segmentos do campo,

a educação na associação, na cooperativa, na produção, no conhecimento de

pesquisa, tem que estar junta. A gente vai adquirir conhecimentos, mas a

gente tem que retornar para a base esse conhecimento, tem que desenvolver

aqui na comunidade, na cooperativa, na associação. Eu não vejo outro

caminho se não for pela educação, a única saída nossa e da nação é ter

conhecimento, e a educação ela está em primeiro lugar [...] (Jaime Santana

Filho - Zé Alves).

Diante da narrativa das juventudes pode-se reafirmar que a educação ofertada no campo

na grande maioria encontra-se desvinculada dos interesses do campo. A luta não é para “[...]

uma escola no campo ou para o campo, nem uma escola da cidade no campo, mas uma escola

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do campo, com a cultura, os valores, a luta do campo” (ARROYO; FERNANDES, 1999, p.

10), uma educação que não ocorra apenas entre quatro paredes, quatro horas por dia e cinco

dias por semana, mas uma educação pensada a partir das vivências cotidianas, vinculada na

associação, na cooperativa, na produção e em todos os segmentos da comunidade.

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Considerações da pesquisa

O real não está no início nem no final,

mas na travessia.

(Guimarães Rosa).

Nessa travessia coletiva e aprendente (BRANDÃO, 2003) em um Grupo Pesquisador

em Educação Ambiental Comunicação e Arte, foi possível promover diálogos de saberes

(SATO; SENRA, 2009) com diferentes grupos inseridos nas comunidades do Cerrado do

Pantanal. Conjugando Educação Ambiental e Educação Popular, o grupo pesquisador ao propor

e realizar pesquisas com comunidades em situação de vulnerabilidade socioeconômica além de

fortalecer a Educação Ambiental Popular, soma-se as forças para questionar esse modelo de

desenvolvimento insustentável, realizar lutas e enfrentamentos para a formação de uma

sociedade com justiça social e ambiental.

A metodologia Mapa Social adotada nesta pesquisa ofereceu elementos suficientes para

dar visibilidade a essas comunidades que teve e tem seus direitos violados cotidianamente. Há

que se ressaltar que as informações que compõem os resultados desta pesquisa foram suficientes

para compreender o cenário de injustiças ambientais, climáticas e os conflitos socioambientais

sob o olhar das juventudes. Porém, não têm-se como objetivo resolver tais problemas, mas dar

audiências as vozes desses grupos invisibilizado nos territórios que lutam, envolvem-se e se

posicionam frente aos processos dramáticos de destruição do ambiente por meio da introdução

das monoculturas.

Assim, buscamos compreender por meio das percepções das juventudes de Zé Alves e

Laranjal os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas existentes nessa região.

Todavia, para melhor entender a realidade pesquisada, primeiro foi necessário realizar

mapeamentos participativos com as comunidades inseridas no Cerrado Pantanal, participaram

11 comunidades, sendo: 7 tradicionais, 1 quilombola e 3 assentamentos. Foram registradas seis

causas propulsoras de conflitos: disputa por terra, desmatamentos, queimadas, garimpo, disputa

por água e uso de agrotóxicos que ocorrem principalmente entre quilombolas e fazendeiros;

assentados e fazendeiros; povos tradicionais e fazendeiros; e entre quilombolas e quilombolas.

Os grupos presentes neste território se dividem principalmente entre extrativistas e

agricultores familiares camponeses que possuem identidade, cultura, costumes e um modo

muito particular de se relacionar com o ambiente, diferente dos latifundiários que transformam

os bens naturais (água, solo, fauna, flora, entre outros) em recursos para atender aos interesses

capitalistas. Com a exploração contínua dos bens naturais pela pecuária extensiva somado ao

avanço das monoculturas tem ocasionado impactos culturais, sociais, ambientais e climáticos

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indesejáveis, influenciando diretamente a vida dos grupos presente nos territórios, provocando

injustiças e conflitos socioambientais entre os grupos que possuem modos diferentes de se

relacionar com o ambiente. Destarte, os conflitos mapeados foram considerados tanto no campo

material como no campo simbólico.

Na compreensão de Jaber-Silva (2012, p. 68), o macrocosmo deste estado é composto

por um espaço de descontinuidades e contradições, ou seja, “de um lado, uma natureza de

complexa biodiversidade, composta por um mosaico de ricos biomas, somado a uma

diversidade imensa de comunidades e de povos que vivem em múltiplos espaços”. E do outro

lado, geralmente separados apenas pelas cercas “[...] gigantescas áreas de pecuária, de

monoculturas de soja e de algodão, de usinas hidrelétricas e de outras atividades impactantes,

algumas vezes, desenvolvidas sem amparo legal e, em sua maioria, sem o compromisso ético

socioambiental necessário” (p. 68). Essa realidade pode ser observada nas comunidades

inseridas no Cerrado do Pantanal, de um lado grandes extensões de monoculturas que ocupam

agressivamente os espaços naturais, e do outro, comunidades tradicionais, povos quilombolas

e assentados que permanecem nos territórios tentando coexistir com as monoculturas, mantendo

formas de plantar/colher baseada no cuidado com o ambiente.

Posteriormente, com um olhar mais aproximado de Zé Alves e Laranjal buscou-se

compreender as percepções das juventudes sobre a realidade vivenciada nos territórios. As

juventudes das duas comunidades apesar de enfrentarem e possuírem realidades distintas nos

territórios, compreendem que o avanço das monoculturas provoca impactos que alteram

diretamente o ambiente, a vida, a cultura e a economia dos grupos locais que sobrevivem

basicamente do contato direto com a natureza, além de danos prejudiciais à saúde dos

extrativistas e agricultores familiares camponeses que mesmo não estando diretamente em

contato com os agrotóxicos recebem danos diariamente. Para eles, essas atividades também são

responsáveis pela assoreamento e contaminação dos mananciais hídricos como: nascentes, rios,

riachos e lagoas; contaminação do solo, do ar, do lençol freático; destruição dos ecossistemas

terrestres e aquáticos; erosão e desertificação do solo; perda da biodiversidade local e a

destruição das matas nativas.

As narrativas das juventudes de Zé Alves e Laranjal apesar de evidenciarem cinco

causas geradoras de conflitos, há aqueles que desconsideram a existência de conflitos. Em

Laranjal os conflitos por terra ocorrem há aproximadamente 30 anos, apesar de aguardarem

com seus familiares a desapropriação e regularização fundiária para que possam ter legalmente

o direito de uso sobre o território, insistem em afirmar que não existe conflitos entre

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quilombolas e fazendeiros. Todavia, entende-se que é nos conflitos por terras que estão as raízes

dos demais conflitos registrados no campo.

Consideramos que esse posicionamento adotado pelas juventudes está relacionado

principalmente ao fato da ausência de trabalho, assim, são obrigados a silenciarem e venderem

sua força de trabalho como mensalistas ou diaristas por míseros salários para os donos dos

latifúndios, esses utilizaram da violência física e simbólica para expropriar dos territórios por

direitos seus ancestrais. A eles, também são negados acesso as necessidades básicas asseguradas

pela Constituição Federal de 1988 como à moradia, água potável, saneamento básico, saúde,

educação, áreas produtivas, regularização fundiária, dentre outros, esse descaso contribui para

a precariedade das condições e qualidade de vida.

Em relação as alterações climáticas, percebem que essas são ocasionadas principalmente

pelos desflorestamentos realizados para expandir as atividades de monoculturas e a pecuária já

consolidada na região, ocasionando problemas ambientais e sociais que influenciam

diretamente nas vivencias cotidiana das comunidades. Diante dessa realidade e tantas outras

espalhadas por este estado, assume-se uma postura totalmente contra a esse modelo econômico

que se fortalece no campo, que expulsa os jovens e suas famílias para as periferias dos grandes

centros industrializados em busca de novas oportunidades.

Alguns sujeitos jovens tentaram e tentam reconstruir suas histórias na cidade, mas a vida

agitada dos grandes centros faz com que voltem para a comunidade, permanecendo em

condições de vulnerabilidade. As cenas dessa história revelam-se sempre em sofrimento de

sujeitos concretos que perdem seus territórios, suas casas e precisam resistir para reconstruir

novas histórias. Desse modo, os caminhos e descaminhos trilhados nessa pesquisa com as

juventudes das comunidades quilombolas e tradicionais não foram suficientes para mudar a

realidade desse grupo que grita por terra para poder plantar/colher e nela permanecer.

Entretanto, com esperança do verbo esperançar como nos fala o educador Paulo Freire

esperamos que o “Mapa dos conflitos socioambientais das Comunidades do Cerrado do

Pantanal” que compõem os resultados desta pesquisa torna-se um instrumento luta e resistência

para os grupos sociais invisibilizados nos territórios. Por fim, buscamos inspiração na poesia

de Dom Pedro Casaldáliga para reafirmar a necessidade de “Outro Mundo é Possível”.

A alternativa é acreditar mesmo que “Outro Mundo é Possível”

E se entregar individualmente e em comunidade ou grupo solidário

E ir fazendo real esse “mundo possível”.

O capitalismo neoliberal é raiz dessa

Crise e somente há um caminho para a justiça

E a paz reinarem no mundo: Socializar as estruturas contestando de fato

A desigualdade socioeconômica, A absolutização da propriedade

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e a própria existência De um Primeiro Mundo e um Terceiro Mundo,

Para ir construindo um só Mundo, igualitário e plural.

[...] somente a construção de um mundo só (e não dois ou três ou quatro)

Poderá salvar a humanidade. É utopia, uma utopia “necessária como o pão de cada dia”.

Onde não há utopia não há futuro.

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147

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APÊNDICES

APÊNDICE A: Consentimento Livre e Esclarecido (CLE).

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (CLE)

Você está sendo convidada (o) à participar como voluntário da pesquisa: “A percepção

da juventude camponesa sobre os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas”, a

ser desenvolvida por Jucieli Bertoncello, pesquisadora no Grupo Pesquisador em Educação

Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA)do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)

do Instituto de Educação (IE) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), sob a

orientação da Profª. Drª. Michelle Jaber Silva. A pesquisa tem a finalidade de obter informações

para desenvolvimento da dissertação de Mestrado.

Após ser esclarecida (o) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do

estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias, uma delas é sua e a outra é da

pesquisadora responsável. O objetivo deste estudo é compreender a percepção da juventude

camponesa de comunidades pantaneiras do município de Poconé-MT sobre os conflitos

socioambientais e as mudanças ambientais e climáticas da região. Sua participação nesta

pesquisa consistirá em conceder entrevista a pesquisadora, por meio de um roteiro de

semiestruturada, com tópicos a serem abordados pela pesquisadora, estes facilitarão o diálogo

que será gravado.

Os riscos relacionados à sua participação na pesquisa são possíveis desconfortos devido

aos constrangimentos decorrentes das entrevistas, porém caso as perguntas causem algum

constrangimento, asseguro que as mesmas serão interrompidas. Os benefícios dessa pesquisa

para sua comunidade é que ela tem o potencial de valorizar a cultura/identidade e o

território/ambiente da comunidade pantaneira, além de aumentar a visibilidade deste grupo e

de suas lutas cotidianas. O mapeamento dos conflitos poderá auxiliar a comunidade na adoção

e escolha de táticas para enfrentamento dos dilemas, fortalecendo a identidade de luta.

É importante destacar que esta pesquisa não apresentará identificação dos participantes.

Seus direitos enquanto participante da pesquisa serão preservados: garantia de esclarecimentos

a qualquer momento sobre esta pesquisa e sobre sua participação, liberdade para retirar-se sem

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penalização, ou seja, você pode desistir de participar da pesquisa em qualquer momento, mesmo

que já tenha assinado este termo. Este documento contém o nome, telefone, local de estudo e o

e-mail da pesquisadora responsável e de sua orientadora, para que você possa localizá-las a

qualquer momento.

Meu nome é Jucieli Bertoncello, estudo no Instituto de Educação-UFMT, Cuiabá-MT,

meu telefone de contato é (66) 996766927 e e-mail: [email protected]. Minha

orientadora é a professora Drª. Michelle Jaber Silva, da UFMT/Cuiabá e seu e-mail:

[email protected]. Cel.(65) 99746004. Em caso de dúvida você pode procurar o

CEP/Humanidades/UFMT, que tem a função de apreciar as propostas de pesquisas submetidas

ao comitê de ética e autorizar o seu início. Portanto a pesquisa só pode ser iniciada após ser

apreciada pelo Comitê de ética e aprovada pelo mesmo. Este Comitê tem como Coordenadora:

Profa. Dra. Rosangela Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, localizado no Instituto de Educação,

1º. Andar, sala31, telefone: (65) 3615-8935, e-mail: [email protected]. Ressalto ainda que

não haverá nenhum gasto ou remuneração com sua participação nesta pesquisa.

Considerando as informações acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e

verbalmente do objetivo desta pesquisa e em caso de divulgação AUTORIZA a publicação.

Eu__________________________________________________,Idade:___________,

Sexo:_______________, Natural de:________________________ RG __________________

declaro que sinto-me suficiente e devidamente esclarecida(o) e entendi os objetivos da pesquisa,

bem como os riscos e benefícios de minha participação na mesma, como está escrito neste termo

declaro que consinto em participar da pesquisa por livre vontade, não tendo sofrido nenhuma

forma de pressão ou influência indevida.

___________________________________

Assinatura do participante

____________________________________

Assinatura da pesquisadora responsável

Jucieli Bertoncello

_______________________, _______ de _____________________ de 20_______.

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ANEXO

ANEXO A: Parecer consubstanciado do CEP.

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ANEXO B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para o II Mapeamento.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) PARA O II

MAPEAMENTO

Você está sendo convidada(o) à participar, como voluntário, do: “ II Mapeamento Social das

Comunidades do Cerrado do Pantanal”, a ser desenvolvido pelo Grupo Pesquisador em

Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso

(UFMT); IFMT - Instituto Federal do Mato Grosso; Instituto Caracol; COMPRUP –

Cooperativa Mista de Produtores Rurais de Poconé-MT; FORMAD – Fórum Mato-Grossense

de Meio Ambiente e Desenvolvimento e a CPT – Comissão Pastoral da Terra; com apoio da

FAPEMAT – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso; CNPQ – Centro

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; INAU – Instituto Nacional de Ciência

e Tecnologia em Áreas Úmidas; CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviços. Este

Mapeamento acontecerá nos dias 03 e 04 de junho de 2017, na Comunidade Bandeira com o

objetivo de discutir caminhos, de curto e longo prazo, para o fortalecimento da cadeia de

agroextrativismo vegetal na região, tendo o Cumbaru como o principal produto. Depois de

conhecer e entender os objetivos especificados neste Termo, AUTORIZO, através do presente

termo, que os grupos que realizam este mapeamento utilizarem as fotos e filmagens que se

façam necessárias para divulgação do Mapeamento. Considerando as informações acima,

CONFIRMO estar sendo informado por escrito e verbalmente do objetivo do Mapeamento e

em caso de divulgação AUTORIZO a publicação.

NOME ASSINATURA

1.

2.

3.

4.

5.

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ANEXO C: Convite do II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal –

Comunidade Bandeira/Poconé.

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ANEXO D: Série histórica de desmatamento (2006).

Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017

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ANEXO E: Série histórica de desmatamento (2011).

Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017

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ANEXO F: Série histórica de desmatamento (2015).

Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017

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ANEXO G: Carta imagem utilizada no Mapeamento.

Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017

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ANEXO H: Base cartográfica da área de estudo

Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017

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ANEXO I: Mapa das Comunidades do Cerrado do Pantanal – Poconé/MT.

Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017