Conflitos socioambientais e mudanças climáticas sob o ... · Conflitos socioambientais e...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JUCIELI BERTONCELLO
Conflitos socioambientais e mudanças climáticas sob o olhar das juventudes
camponesas de Poconé-Mato Grosso.
CUIABÁ – MT
2018
Fonte: ACERVO GPEA (2017)
JUCIELI BERTONCELLO
Conflitos socioambientais e mudanças climáticas sob o olhar das juventudes
camponesas de Poconé-Mato Grosso.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso como requisito para
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Michelle Tatiane Jaber
da Silva
Coorientadora: Profª. Drª. Regina Aparecida da
Silva
CUIABÁ – MT
2018
Dedicatória
Dedico este trabalho as juventudes invisibilizadas das comunidades Zé Alves e
Laranjal, que lutam por território, pela permanência no campo e
acreditam que um outro mundo ainda é possível.
“Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se,
com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”
(Paulo Freire, 1986).
Agradecimento Especial
Educar
Fernando Pessoa
Educar - “Educar é viajar no mundo do outro sem nunca penetrar nele.
É usar o que pensamos para nos transformas no que somos. O maior
educador não é o que controla, mas o que liberta.
Não é o que aponta os erros, mas o que os previne.
Não é o que corrige comportamentos, mas o que ensina a refletir. Não é
o que observa apenas o que é tangível aos olhos, mas o que vê o invisível.
Não é o que desiste facilmente, mas o que estimula sempre a começar
de novo.
Um bom educador abraça quando todos rejeitam; anima quando todos
condenam; aplaude os que nunca subiram ao pódio; vibra com a coragem
de disputar dos que ficaram nos últimos lugares. Não procura o seu
próprio brilho, mas faz-se pequeno para tornar os seus filhos, alunos e
colegas de trabalho grandes.
Que educador daria conta desta missão?
Você minha querida orientadora,
MICHELLE JABER-SILVA,
que mesmo nos momentos difíceis, esteve sempre presente.
Sou imensamente grata pelos diálogos, acolhimento,
generosidade, paciência e pelas valiosas orientações na
elaboração desta Dissertação, sem sua presença nessa caminhada,
seria impossível a realização desta pesquisa.
Gratidão por me ensinar que “a educação é um ato de amor”
(Paulo Freire, 1999), que deve ser perpassado de afetividade,
amorosidade e dialogicidade.
À você minha gratidão, profunda admiração e carinho.
Agradecimentos
“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.
(Antoine de Saint-Exupéry)
Essa pequena frase permite-me mostrar que a caminhada pelo Mestrado que antes parecia
individual e solitária com intermináveis leituras de livros, artigos, dissertações, teses e a
escrita de uma produção intelectual, foi sendo um esforço coletivo. Não há como medir ou
classificar o que representou cada um dos que estiveram e estão ao meu lado. Evidencio a
forma com que fui acolhida pelo grupo pesquisador, a possibilidade de troca com minha
orientadora e coorientadora, ao apoio da família, amigos, colegas e estranhos que encontrei
pelas andanças entre Juara e Cuiabá, todos/as foram extremamente importantes para a escrita
desta Dissertação. Assim, não terei pressa para agradecer a todos/as que me ofereceram um
abraço, um sorriso, uma palavra amiga quando tudo parecia não ter sentido.
Dedico principalmente aos meus pais Santo Laércio Bertoncello e Ilse Maria Rupolo
Bertoncello, porto seguro e inspiração nessa caminhada acadêmica. Gratidão pelo apoio,
compreensão e amor incondicional. Pai e Mãe obrigada por todas as palavras de incentivo nos
momentos em que eu me encontrei incapaz de prosseguir. Amo vocês!!! À minha irmã Giseli
Bertoncello Gobato e meu irmão Lucivaldo Rupolo Bertoncello pela amizade, por estarem
sempre comigo e por acolherem os meus sonhos sonhando-os e vivendo-os sempre comigo. Ao
meu cunhado Júlio Henrique Gobato pelas palavras de motivação, e ao meu sobrinho Davi
Bertoncello Gobato por tantas alegrias que proporciona em minha vida.
À família Bertoncello e Rupolo (avô paterno e materna in memoriam, avó paterna e avó
materna, tios, tias, primos e primas) pelo incentivo. Ao meu amado tio Odilei Antonio Rupolo
(in memoriam), as boas lembranças que tenho de você sempre vão secar as minhas lágrimas e
me fazer sorrir...Saudades eternas Tio Dilei.
Sou imensamente grata à minha amável coorientadora Dr. Regina Aparecida da Silva pela
sensibilidade, generosidade, compreensão e ensinamentos durante a realização desta pesquisa.
Expresso meu carinho, admiração e inspiração nas pesquisas em Educação Ambiental desde
a Graduação em Pedagogia à Michèle Sato. Obrigada Mimi pela presença marcante em minha
vida.
Aos moradores/as da comunidade quilombola Laranjal, da comunidade tradicional Zé Alves e
demais comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal pelo acolhimento durante a realização
desta pesquisa. Meu agradecimento especial a família Ponce pelo acolhimento como se
fossemos integrantes da própria família. As juventudes pesquisadas com quem pude conviver
e dividir sonhos, medos, realidades e que tanto contribuíram para a realização desta pesquisa.
Agradeço aos membros da banca avaliadora pelas valiosas sugestões na qualificação deste
trabalho. À Profa. Dra. Ana Flávia Marques, por “dar-me as suas mãos e lançar seu olhar
atento sobre os caminhos percorridos e os resultados alcançados” nesta pesquisa. Gratidão à
“Mamis Cuiabana” Profa. Débora Pedrotti por me acolher nos momentos de angústias,
duvidas, medos e pelas riquíssimas contribuições nos colóquios e na qualificação. Agradeço o
Prof. Dr. Luiz Augusto Passos pelo aceite de avaliar este trabalho.
Aos amigos e colegas Mestrandos e Doutorandos do Grupo Pesquisador em Educação
Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
pela amorosidade, acolhimento e encontros com CONceitos e aFETOS (CONFETOS) nesses
dois anos. Meus sinceros agradecimentos a todos/as que compartilharam comigo pesquisas,
viagens a campo, leituras, colóquios/aulas, reuniões, entrevistas, seminários e sonhos.
Agradeço à Amanda Espíndula Areval, Cássia Fabiane Souza, Déborah Moreira Santos,
Eronaldo Assunção Valles, Giseli Dalla-Nora, Giselly Rodrigues Gomes, Herman Oliveira,
Jakeline Fakin, Michelle Jaber-Silva, Priscilla Amorim, Rafael Martine, Regina Aparecida da
Silva, Ronaldo Senra, Vick Germano, Raquel Ramos, Victória Ramos, Caio Felisberto, Tatiane
Lombardi e Aleth da Graça pela participação e contribuição no I e II Mapeamento Social das
Comunidades do Cerrado do Pantanal.
Ao Instituto Caracol por me mostrar a importância da militância enquanto estudante e cidadã,
além da parceria e apoio financeiro para realização do I e II Mapeamento Social das
Comunidades do Cerrado do Pantanal. Agradeço também outros parceiros que fizeram parte
dessa ciranda: Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA);
Rede de Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática (REAJA); Cooperativa
Mista dos Produtores Rurais de Poconé (COMPRUP); Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de Mato Grosso (FAPEMAT); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq); Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU);
Instituto Federal de Educação de Mato Grosso (IFMT); Universidade Federal do Estado de
Mato Grosso (UFMT); Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE);
Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD); a Rede de
Comunidades Tradicionais Pantaneiras, que faz parte da Comissão Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT); Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).
À Universidade Federal de Mato Grosso e ao Programa de Pós-graduação em Educação
(PPGE/UFMT), expresso minha gratidão a competente equipe da secretaria do PPGE: Profa.
Dra. Márcia dos Santos Ferreira, Profa. Dra. Rute Cristina Domingos da Palma, Marisa Costa
Voltarelli, Luisa Maria Teixeira Silva Santos, Marcos Jaci London Silva, Nilson Batista Duarte
Junior pela prestatividade nos momentos das dúvidas burocráticas. Meu carinho especial à
Luísa e Duarte pela atenção e disponibilidade em ajudar sempre nessa caminhada.
Aos professores/as do Programa de Pós-graduação em Educação, Dra. Elizabeth Sá, Dra.
Candida Soares, Dra. Maria Lucia Rodrigues Muller e Dr. Edson Caetano pelas contribuições
e aprendizagens. Em especial à professora Dra. Elizabeth Sá pela práxis perpassada de
amorosidade.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) que me concedeu
a bolsa de estudos tornando-se possível a dedicação integral ao Curso de Mestrado. Aos
colegas do grupo “Bolsista CAPES – Facebook” pelos momentos de descontração.
Aos meus primeiros/as educadores/as da escola Municipal Rui Barbosa de Catuaí, escola esta
que iniciei a primeira experiência como educadora.
Ao Grupo de pesquisa LEAL – Laboratório de Estudos e Pesquisas da Diversidade da
Amazônia Legal que me possibilitaram trocas de experiências significativas por meio de
projetos de pesquisa e extensão, viagens e atividades acadêmicas, contribuindo para a minha
formação pessoal e profissional. Primeiramente, agradeço ao meu grande exemplo nessa
caminhada acadêmica, a professora Dra. Waldinéia Antunes de Alcântara Ferreira, para mim
foi uma imensa honra e orgulho tê-la como orientadora na Graduação em Pedagogia, pós-
graduação em Educação e Diversidade e em trabalhos desenvolvidos na UNEMAT. Waldinéia
obrigada por acreditar em mim quando muitos diziam que eu não seria capaz. Gratidão a
professora Dra. Lisanil da Conceição Patrocínio Pereira pelas orientações na pós-graduação
em Docência no Ensino Superior, incentivo neste caminho escolhido e pelo exemplo vida, luta
e militância que tanto contribuíram para minha formação pessoal e profissional. Não poderia
esquecer das professoras Ms. Lori Hack de Jesus, Ms. Elizabeth Ângela dos Santos e tantos
outros/as professores/as da UNEMAT com quem tanto aprendi durante a minha formação
acadêmica. Agradeço à Amanda Pereira da Silva Azinari pela torcida antes e durante o
Mestrado, e tantos outros/as parceiros/as do LEAL que fizeram e fazem parte da minha vida.
Meu agradecimento mais profundo e amoroso à Douglas Alcir Andrade por estar o tempo todo
ao meu lado, nos momentos mais difíceis que não foram poucos durante a escrita desta
Dissertação, obrigada por me fazer acreditar que chegaria ao final desta difícil e gratificante
etapa. Gratidão por cada gesto carinhoso.
Ao meu amigo-irmão de todas as horas Itamar Porto pelo incentivo para a escrita do projeto
do Mestrado, pela leitura atenta e cuidadosa de todos os trabalhos, pelos conselhos
acadêmicos preciosos que muito me auxiliaram na escrita da Dissertação e por me acolher nos
momentos de angústia dessa caminhada. Gratidão meu amigo-irmão.
Sou grata à Amanda Espíndula Areval, Cristiane Almeida Soares, Déborah Moreira Santos,
Eronaldo Assunção Valles, Jakeline Fakin e Priscilla Amorim “Amigas/os da Ralé” com quem
tive a oportunidade aprender, conviver, partilhar viagens, sonhos, angústias e muitas risadas.
À Amanda Espíndula Areval pelo exemplo de mulher e mãe, minha eterna gratidão por me
ajudar a pensar o nome dos capítulos. À Cristiane Almeida Soares pelas aprendizagens
compartilhadas, ajuda nos momentos burocráticos e caronas para as aulas do Mestrado. Ao
meu companheiro de pesquisa, Eronaldo Assunção Valles pelas vivências compartilhadas nas
comunidades do Cerrado do Pantanal.
À Daniele Trevisan que apareceu em minha vida para dividir uma Quitinete, mas que aos
poucos foi se tornando uma grande amiga. Obrigada Dany pela existência em minha vida.
As minhas queridas “Best friends forever” Adriana Alves Grupo, Eliane Cristina Castilho e
Elaine Campos que tanto amo. A Francy de Aguiar Lima e Priscilla Lanini de Carvalho
amigas-irmãs que mesmo distante fisicamente sempre estão comigo em pensamento. Obrigada
pela amizade e incentivo.
Aos acadêmicos/as do curso de Licenciatura em Pedagogia da UNEMAT – Campus Juara pelo
apoio antes e durante o Mestrado. Meu carinho todo especial a turma de Pedagogia 2014/1
que agora são meus/minhas companheiros/as de profissão, gratidão pelas palavras de
incentivo quando recebi a notícia da aprovação no Mestrado em Educação.
A turma de Mestrado em Educação pela conivência, em especial Caryna Barreto, Paulo
Paixão, Almir Rogério da Silva, Alana Cristina Teixeira Chico, Kassia Anita Ferreira e
Valquíria Perassolo.
Enfim, agradeço primeiramente a Deus pela oportunidade de trilhar caminhos...caminhando!!!
O Grito da Geração
Severino Santos Terto
Começo esta poesia
Com muita dignidade
É o jovem camponês
E o jovem da cidade
Na luta pelos direitos
Por outra realidade
A juventude do campo
Vive sempre excluída
Sem direito ao trabalho
Isso a torna oprimida
Mas os jovens se reúnem
Seja em grupo ou mutirão
Dentro da organização
Se encontra uma saída
A juventude da cidade
que vive em periferia
Com muita sabedoria
Supera a disparidade
Vive em busca da igualdade
Por justiça e educação
Com alegria e diversão
Ela luta de verdade
A juventude está unida
Seja urbana ou rural
Enfrentando um sistema
Esse tal neoliberal
Superando tanta dor
Com o canto e a poesia
Somos da sociedade
Cultivando a utopia
Continuo esta poesia
Com muita felicidade
É o jovem camponês
E o jovem da cidade
Na luta pelos direitos
Por outra realidade.
RESUMO
Nesta pesquisa buscamos compreender as percepções das juventudes camponesas sobre os
conflitos socioambientais e as mudanças climáticas existentes na comunidade tradicional Nossa
Senhora de Lurdes (conhecida como Zé Alves) e na comunidade Remanescente de Quilombo
Laranjal, ambas localizadas no município de Poconé-Mato Grosso, local conhecido como
“Cerrado do Pantanal”. Ressaltamos que os conflitos são decorrentes das disputas desiguais
entre grupos sociais vulneráveis que têm sua cultura, identidade e território ameaçado por
grupos dominantes, especialmente do agronegócio, que transformam os bens naturais em
recursos para atender a lógica economicista, pautadas no produtivismo e consumismo. No
Cerrado do Pantanal, lócus desta pesquisa, os desmatamentos realizados para a introdução da
monocultura, somado a pecuária e ao garimpo tem motivado conflitos entre os donos desses
grandes empreendimentos e as populações que sobrevivem basicamente do extrativismo e da
agricultura familiar camponesa. Essas atividades econômicas também são responsáveis pelo
aumento dos desastres relacionados às mudanças climáticas, essas recaem de modo
desproporcional sobre diferentes grupos presentes nestes territórios em função da
vulnerabilidade social e econômica. Neste contexto, a presente pesquisa encontra-se inscrita no
projeto intitulado Rede de Educação Ambiental e Justiça Climática (REAJA) coordenado pelo
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA), sendo uma rede
multidisciplinar que busca entender os fenômenos climáticos e os desastres que afetam de forma
contraditória, desigual e injusta diferentes grupos sociais. A proposição investigativa apoia-se
no método qualitativo, tendo como táticas metodológicas o Mapa Social que busca evidenciar
os grupos invisibilizados e as injustiças socioambientais que transformam-se em conflitos à
medida que a resistência e mobilização vão se instaurando nos territórios. Para obter as
informações que compõem esta pesquisa, realizamos sete trabalhos de campo, dois seminários
de mapeamento com as comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal, doze entrevistas
semiestruturadas com as juventudes das comunidades Zé Alves e Laranjal, ademais fontes
secundárias (relatórios, artigos e censos) sobre as comunidades pesquisadas. Por intermédio do
mapeamento foram registradas seis causas propulsoras de conflitos: disputa por terra,
desmatamentos, queimadas, garimpo, disputa por água e uso de agrotóxicos que ocorrem
principalmente entre quilombolas e fazendeiros; assentados e fazendeiros; povos tradicionais e
fazendeiros; e entre quilombolas e quilombolas. As narrativas das juventudes evidenciaram
cinco causas, desconsiderando apenas a existência de garimpo. Assim, ao dar visibilidade aos
quilombolas, povos tradicionais e assentados presentes neste território; aos conflitos
socioambientais e as mudanças climáticas por meio do olhar das juventudes representa mais
que uma tática de democratização das informações, mas a busca por uma sociedade mais justa
e democrática.
Palavras-chave: Educação Ambiental, Juventudes Camponesas, Conflitos Socioambientais,
Mudanças Climáticas.
ABSTRACT
Through this research we seek to understand the perceptions of peasant youth about socio-
environmental conflicts and climatic changes existing in the traditional community of ‘Nossa
Senhora de Lurdes’ (known as ‘Zé Alves’) and in the Remaining ‘Quilombo Laranjal’
community, both located in the municipality of Poconé, Mato Grosso, Brazil, known as
"Cerrado do Pantanal". We point out that the conflicts are due to unequal disputes between
vulnerable social groups that have their culture, identity and territory threatened by dominant
groups, especially agribusiness, that transforms natural assets into resources within economic
logic, based on productivism and over consumption. In the Cerrado of the Pantanal (wetland),
which is the locus of this research, the deforestation carried out in favor of monoculture,
together with cattle ranching and mining has led to conflicts between the owners of these large
enterprises and the populations that survive basically from extractivism and peasant family
farming. These economic activities are also responsible for the increase of disasters related to
climate change, which disproportionately reach different groups living in these territories due
to social and economic vulnerability. In this context, the present research is enrolled in the
project entitled Environmental Education and Climate Justice Network (REAJA) coordinated
by the Research Group on Environmental Education, Communication and Art (GPEA), being
a multidisciplinary network that seeks to understand climatic phenomena and disasters that
affect different social groups in a contradictory, unequal and unfair way. The investigative
proposition is based on the qualitative method, having as methodological tactics the Social Map
that seeks to highlight invisible groups and social-environmental injustices that turn into
conflicts while resistance and mobilization are established in the territories. In order to obtain
the information of this research, we carried out seven fieldwork, two mapping seminars with
the communities in the Cerrado of the Pantanal, twelve semi-structured interviews with the
youths of the communities Zé Alves and Laranjal, as well as secondary sources (reports, articles
and censuses) on the communities surveyed. Through the mapping were registered six causes
of conflicts: land dispute, deforestation, burning, mining, water dispute and use of pesticides
that occur mainly between quilombolas (african descendants) and farmers; settlers and farmers;
traditional people and farmers; and between quilombolas and quilombolas. The narratives of
the youths showed five causes, disregarding only the existence of mining. Thus, by giving
visibility to the quilombolas, traditional and settled people in this territory about the socio-
environmental conflicts and climate change through the eyes of youth represents more than a
tactic of democratization of information, but the search for a fairer and more democratic society.
Keywords: Environmental Education, Peasant Youth, Socio-environmental Conflicts, Climate
changes.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01: Córrego Formiga na Comunidade Zé Alves. .......................................................... 41
Figura 02: Localização da Comunidade Zé Alves – Poconé/MT. ............................................ 45
Figura 03: Localização do Quilombo Laranjal – Poconé/MT. ................................................. 47
Figura 04: Casas na Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal. ................................ 50
Figura 05: Espaço escolar na comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal. .................. 52
Figura 06: Mapa das mudanças climáticas do Brasil. .............................................................. 61
Figura 07: Esquema da metodologia utilizada. ........................................................................ 76
Figura 08: I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. ......................... 77
Figura 09: Grupo de Trabalho do I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do
Pantanal. ................................................................................................................................... 79
Figura 10: Socialização dos grupos de trabalho ....................................................................... 80
Figura 11: II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. ........................ 81
Figura 12: Grupo de Trabalho do II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do
Pantanal. ................................................................................................................................... 83
Figura 13: Mobilização para o I Mapeamento das Comunidades do Cerrado do Pantanal...... 89
Figura 14: Mobilização para o II Mapeamento das Comunidades do Cerrado do Pantanal. ... 91
Figura 15: Diálogo com os/as participantes do curso de beneficiamento. ............................... 92
Figura 16: GPEA 20 anos. ........................................................................................................ 93
Figura 17: Desmatamento para introdução das monoculturas. .............................................. 102
Figura 18: Morro de sedimentos do Garimpo. ....................................................................... 110
Figura 19: Mapa dos conflitos socioambientais das Comunidades do Cerrado do Pantanal–
Poconé/MT. ............................................................................................................................ 111
Figura 20: Córrego Formiga na comunidade Zé Alves. ......................................................... 119
Figura 21: Estruturas da Usina ALCOPAN. .......................................................................... 120
Figura 22: Morador aspergindo veneno nas pastagens da fazenda. ....................................... 126
Figura 23: Árvore arrancada por vento fonte em 2016. ......................................................... 135
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Impactos e conflitos socioambientais mapeados nas comunidades do Cerrado do
Pantanal. ................................................................................................................................... 98
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAEAF Compra Antecipada da Agricultura Familiar
CAPES Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
CPT Comissão Pastoral da Terra
CEPIRMT Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso
CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviços
CEBs
CNPQ
Comunidades Eclesiais de Base
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNPCT
COMPRUP
Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais
Cooperativa Mista dos Produtores Rurais de Poconé
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
CRQ Comunidade Remanescente de Quilombo
EA Educação Ambiental
FAPEMAT Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso
FASE
FCP
Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional
Fundação Cultural Palmares
FORMAD
FIES
Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Fundo de Financiamento Estudantil
GPEA Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
GTs Grupos de Trabalhos
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e os Recursos Naturais
Renováveis
IC Instituto Caracol
IF Instituto Federal de Educação de Mato Grosso
INAU Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MT Mato Grosso
PAA Programa de Aquisição Alimentar
ProUni Programa Universidade para Todos
PRONERA Programa Nacional e Educação na Reforma Agrária
PROCAMPO Pro-Jovem Campo e o Programa de Apoio à Formação Superior em
Licenciatura em Educação do Campo
REAJA Rede Internacional de Pesquisadores em Justiça Climática e Educação
Ambiental
SEDRAF Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar
SEMA Secretaria de Estado do Meio Ambiente
SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SEPLAN Secretaria de Estado e Planejamento e Coordenação Geral
SNAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
UFMT Universidade Federal do Estado de Mato Grosso
UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso
ZSEE Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso
SUMÁRIO
CAPÍTULO I - A ESCOLHA DAS SEMENTES: MEMÓRIAS E IDENTIDADES ............. 17
1.1 - Apresentação da pesquisa................................................................................................. 18
1.2 - Biografia Ecológica: meu quintal é maior que a cidade................................................... 22
CAPÍTULO II - O PREPARAR DA TERRA: ADUBOS PARA A COLHEITA ................... 32
2.1 - Nos caminhos da Educação Ambiental ............................................................................ 33
2.2 - Primeira parada: Comunidade Tradicional Zé Alves ....................................................... 38
2.3 - Próxima parada: Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal .............................. 46
2.4 - As raízes dos Conflitos Socioambientais da atualidade ................................................... 53
2.5 - Mudanças Climáticas e seus efeitos na vida dos grupos sociais vulneráveis................... 58
2.6 - Juventudes: algumas concepções e abordagens ............................................................... 63
CAPÍTULO III - O GERMINAR DA ÁRVORE E AS RAMIFICAÇÕES DAS RAÍZES .... 70
3.1 – Os caminhos e descaminhos metodológicos ................................................................... 71
3.2 - Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. ..................................... 76
3.3 - Entrevistas com as juventudes camponesas ..................................................................... 83
3.4 - Aproximações e vivências com/nas comunidades do Cerrado do Pantanal..................... 86
3.5 - Grupo pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte e a Rede Internacional
de Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática ............................................... 92
CAPÍTULO IV – O FRUTIFICAR DA ÁRVORE .................................................................. 96
4.1 - Impactos e conflitos socioambientais mapeados nas comunidades do Cerrado do
Pantanal .................................................................................................................................... 97
4.2 - Percepções das juventudes sobre impactos e conflitos socioambientais........................ 112
4.3 - Percepções das juventudes sobre as mudanças climáticas ............................................. 128
4.4 - As causas da saída das juventudes camponesas ............................................................. 136
Considerações da pesquisa ..................................................................................................... 143
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 147
APÊNDICES .......................................................................................................................... 158
ANEXO .................................................................................................................................. 160
17
CAPÍTULO I - A ESCOLHA DAS SEMENTES: MEMÓRIAS E IDENTIDADES
No clarear do dia vou para o roçado
A capinar.
Até de tarde eu tiro o meu eito.
Arranco inços, tranqueiras, juás e bosta de macaco
que não serve nem pra esterco.
Abro a terra e boto as sementes.
Deixo as sementes para a chuva enternecer.
Dou um tempo.
Retiro de novo as pragas, dejetos de anta,
adjetivos.
Retiro os adjetivos porque eles enfraquecem
as plantas.
E deixo o texto a germinar sobre o papel: em
pura masturbação com as pedras e rãs.
(Manoel de Barros)
18
1.1 - Apresentação da pesquisa1
“Ninguém caminha sem aprender a caminhar,
sem aprender a fazer o caminho caminhando,
refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a
caminhar (Paulo Freire)”.
Esta pesquisa foi realizada em duas comunidades localizadas aproximadamente a 110
km da capital Cuiabá, na MT–451 (Rodovia Adauto Leite), município de Poconé/MT. Sendo a
comunidade tradicional Nossa Senhora de Lurdes (conhecida como Zé Alves), localizada às
margens da MT-451 no km 17 e a Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal, às
margens da estrada vicinal do Buriti, a 15 km da rodovia asfaltada MT-451, com entrada para
a comunidade no km 13. Ambas fazem parte de um conjunto de aproximadamente 70
comunidades localizadas na transição entre o Cerrado e o Pantanal mato-grossense, ficando
assim conhecida por seus/suas moradores/as que são quilombolas, tradicionais e assentados
como “Comunidades do Cerrado do Pantanal”.
O Cerrado destaca-se pela presença dos chapadões, árvores de pequeno porte com
troncos e galhos retorcidas, vegetações rasteiras, rica biodiversidade e estações secas e chuvosas
bem definidas, já o Pantanal pela diversidade de sua fauna e flora, além de ser a maior planície
alagável do mundo. A grande maioria das comunidades estão localizadas no Cerrado com
características peculiares do Pantanal, destaca-se a grande quantidade de lagoas, rios e áreas
alagadas que nunca secam e outras que alagam em determinada época do ano, fazendo com que
as comunidades quilombolas, tradicionais e assentamentos que estão próximas a essas áreas
fiquem impossibilitadas de realizar qualquer atividade produtiva.
Em meio a essa diversidade de dois biomas, o avanço acelerado dos latifúndios de
monoculturas tem colocado em risco a biodiversidade e a existência dessas comunidades e dos
grupos presentes neste território. Muitos se sentem ameaçados, pois esse modelo econômico
continua reproduzindo ações de violência, opressão, exploração e expulsão dos “[...] povos do
campo, das florestas e das águas [...]” (CARNEIRO; NETO, 2013, p.09) como o sistema
latifundiário instituído durante o Brasil colônia, após o fim do regime das sesmarias. Esse
sistema desde quando foi criado tem conseguido estabelecer o controle territorial impedindo
que esses grupos tenham acesso e consigam permanecer nos territórios, mantendo viva sua
cultura, identidade e a forma de se relacionar com a natureza.
1 Esclareço que na escrita da dissertação em alguns momentos utilizo a 1ª pessoa do singular (EU) e outros
momentos utilizo a 1ª pessoa do plural (NÓS).
19
Na tentativa de permanecerem nos territórios do campo, as comunidades inseridas no
Cerrado do Pantanal que possuem uma cultura e identidade muito particular, assim como os
diferentes grupos sociais mapeados por SILVA (2011), estão se organizando coletivamente e
resistindo/re-existindo a todos os tipos de violência e violação de direitos provocados por esse
“[...] moderno-colonial de acumulação capitalista” (PORTO-GONÇALVES et al., 2016, p. 85)
que devasta os territórios por meio dos desmatamentos para a introdução das monoculturas, e
as atividades como pecuária e extrativismo mineral já consolidada nesta região. Essa prática de
exploração do solo tem caracterizado em um quadro de injustiça ambiental e climática que
recaem de modo desproporcional entre os diferentes grupos sociais.
A ocupação dos bens naturais (água, solo, fauna, flora, entre outros) de forma
avassaladora como têm ocorrido no Cerrado do Pantanal contribuem para as mudanças
climáticas, e provocam efetivamente em maior e menor escala conflitos socioambientais. Para
Cosme (2016), os conflitos socioambientais ocorrem quando diferentes sujeitos sociais
constroem relações entre sociedade-natureza de maneira oposta/antagônica, essa lógica iniciada
durante a colonização se perpetua atualmente, consequentemente os grupos sociais foram e
continuam sendo violentamente reprimidos e oprimidos. Ao pensar sobre as questões que
SULearam2 esta pesquisa, observamos que os grupos sociais presentes nas comunidades em
situação de vulnerabilidade sempre serão os mais atingidos pelas injustiças sociais, ambientais
e climáticas. As comunidades pesquisadas sofrem com essa tríade de injustiças.
Em Laranjal o quadro de injustiças e conflitos existe/avança há aproximadamente 30
anos, quando fazendeiros ocuparam as terras com a ajuda de autoridades locais, jagunços e
funcionários públicos que eram por direito dos quilombolas. Atualmente, essas famílias
encontram-se espremidas entre as cercas dos grandes latifúndios e a estrada que dá acesso ao
quilombo, ficando assim, impossibilitadas de realizar atividades produtivas para subsistência e
comercialização. Em Zé Alves, por terem acesso à terra conseguem manter a identidade com o
território que habitam, no entanto, se sentem ameaçados pelo avanço do agronegócio na região.
2 O termo “SULear” foi utilizado, de modo explícito, por Freire no livro Pedagogia da Esperança (1994, p.218-
219), lembrando que a palavra não costa dos dicionários da língua portuguesa (ADAMS, 2010, p. 385). Todavia,
o Sul, criado pela expansão colonial da Europa, coloca-se hoje no centro da “reinvenção da emancipação social”,
protagonizando a globalização contra-hegemônicas. Como contraponto ao “nortear”, cujo significado é a
dependência do Sul em relação ao Norte, “sulear” significa o processo de autonomização desde o Sul, pelo
protagonismo dos colonizadores, na luta pela emancipação. Implica uma ação autônoma desde o Sul, enfrentando
a integralidade das questões presentes na colonialidade do saber e do poder que tem a ver com um outro projeto
de vida envolvendo a cultura, a economia, a política, a ciência e outras dimensões (p.386). Ou seja, é ter um olhar
crítico da história e perceber que a posição que ocupam hoje todos os países do hemisfério Sul não é uma mera
eventualidade e sim obra de toda a exploração dos últimos 500 anos.
20
Em meio a essa realidade distinta entre Zé Alves e Laranjal, temos como sujeito dessa
pesquisa as juventudes camponesas invisibilizadas nos territórios pelo avanço das monoculturas
que transformam a natureza em mercadoria, impossibilitando a permanência nos territórios.
Essa situação vivenciada faz com as que as juventudes de Zé Alves diferente de Laranjal (por
não tem acesso à terra) se organizem para produzir, reproduzir e permanecer no território
camponês. Nessa perspectiva, Molina (2015, p.13) ressalta que as transformações no campo,
trazidos pela lógica de acumulação do capital, representadas pelo agronegócio e de suas
monoculturas de exportação transforma “[...] os alimentos em commodities, intensificam, por
diversas estratégias, a superexploração dos camponeses e suas famílias, e, entre eles, dos
jovens”. Assim,
[...] abordar a juventude camponesa exige compreender o território do campo
para muito além de um espaço de produção agrícola em contraposição à
produção industrial, de uma cultura rústica versus cultura moderna ou de um
lugar sem trabalho para um espaço onde se pode produzir para viver com
dignidade, para citar algumas dicotomias. O campo como lugar de vida não se
configura estando em extinção, mas sim como território onde se forma a
juventude camponesa, de múltiplas possibilidades, de novas relações entre
seres humanos e entre estes e a natureza, de novas articulações e
possibilidades de produção/reprodução da vida (LEÃO; ANTUNES-
ROCHA, 2015, p. 26).
Aliando dimensões pulsantes, como: juventudes camponesas, ambiente e cultura, temos
como objetivo desta pesquisa compreender as percepções das juventudes camponesas sobre os
conflitos socioambientais e as mudanças climáticas existentes na comunidade Zé Alves e
Laranjal. Temos como objetivos específicos mapear os conflitos socioambientais por meio dos
mapeamentos participativos com as comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal, verificar
como se dá o envolvimento das juventudes nas lutas locais enfrentadas frente ao avanço do
agronegócio e se percebem mudanças climáticas no território em que vivem. Buscamos
articular também reflexões sobre o desejo das juventudes de sair ou ficar no campo.
Para Molina (2015, p.15) “ficar ou sair não é simplesmente uma escolha ao bel-prazer
dos jovens, mas uma difícil decisão permeada por condicionantes estruturais sobre os quais os
jovens individualmente não conseguem incidir no sentido de superá-las”. Consideramos que
ainda existem jovens que fazem a opção de continuarem a vida no campo, como é o caso de
alguns jovens de Zé Alves e Laranjal. Porém, as condições de vida no campo, a falta de acesso
às políticas públicas específicas para a educação do campo, a falta de alternativas profissionais
que possam garantir emprego e renda na agricultura familiar ou fora dela (FREITAS; SANTOS,
2015), somadas às dificuldades vivenciadas por seus familiares fazem com que muitos tenham
21
que sair em busca de novas oportunidades na cidade, essa decisão não deve ser compreendida
como negação da vida e da identidade camponesa.
A partir da percepção de uma jovem do campo, pesquisando as juventudes camponesas
dividimos os escritos dissertativos em quatro capítulos. No capítulo I, apresentamos a biografia
ecológica da pesquisadora, intitulada: “Meu quintal é maior que a cidade”. Antes de iniciar a
escrita da biografia buscou-se inspirações em leituras que pudessem expressar as vivências da
pesquisadora consigo, com o outro e com o mundo. Foram encontradas nas entrelinhas poéticas
do livro “Memórias inventadas – As Infâncias de Manoel de Barros” elementos que
possibilitaram (re)encontros com o quintal que para mim sempre foi maior que a cidade, nesses
(re)encontros reafirmo a minha identidade enquanto educadora-ambiental-camponesa.
Nesse entrelaçamento entre o pertencimento ao lugar de nascimento, as descobertas, as
intimidades, os sonhos e os conflitos pessoais, apresento na biografia ecológica como surge a
identidade com a educação ambiental, quais os acontecimentos marcaram minha caminhada e
o que fez escolher a juventude camponesa como sujeito dessa pesquisa. Consideramos também
o lócus pesquisado, objetivos, metodologia e os conceitos (ainda que superficiais) que
sustentam essa pesquisa, esses serão abordados com maior profundidade nos próximos
capítulos.
Os inscritos do capítulo II, “O preparar da Terra: adubos para a colheita”, perpassam
pelos principais conceitos que SULearam as escolhas epistemológicas e o contexto histórico da
comunidade tradicional Nossa Senhora de Lurdes (conhecida como Zé Alves) e da Comunidade
Remanescente de Quilombo Laranjal. Entender os processos históricos das duas comunidades
é de extrema importância para compreender as injustiças e os conflitos socioambientais, além
das mudanças climáticas existentes nesse território.
No capítulo III, “O germinar da árvore e as ramificações das raízes”, apresentamos as
vivências da pesquisadora nas comunidades lócus desta pesquisa e as escolhas metodológicas
que estão centradas no Mapa Social (SILVA, 2011) criada e desenvolvida no âmbito do Grupo
Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA). Essa metodologia tem
como objetivo evidenciar os grupos sociais invisibilizados e as injustiças ambientais que se
transformam em conflitos, à medida que resistência e a mobilização vão se instaurando nos
territórios por meio de autonarrativas dos próprios sujeitos pesquisados. Neste capítulo,
apresentamos os caminhos percorridos para responder aos objetivos propostos, que foram 7
trabalhos de campo durante o ano de 2016 e 2017, 2 seminários de mapeamento dos grupos
sociais e dos conflitos socioambientais e 12 entrevistas semiestruturadas com as juventudes das
comunidades Zé Alves e Laranjal. Evidenciamos também a história do GPEA, grupo do qual
22
faço parte e de onde falo, e o projeto Rede Internacional de Pesquisadores em Educação
Ambiental e Justiça Climática (REAJA) no qual esta pesquisa encontra-se inscrita.
No capítulo IV, “O frutificar da árvore”, primeiramente anunciamos os conflitos
socioambientais evidenciados durante o I e II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado
do Pantanal. Posteriormente, apresentamos sob o olhar da juventude das comunidades Zé Alves
e Laranjal, os conflitos e as mudanças climáticas existentes nesse território. Abordamos
também, como é a vida das juventudes nas duas comunidades e quais fatores têm contribuído
para a saída desse grupo social. Destacamos que os resultados aqui apresentados além de dar
visibilidade a um grupo social com pouca audiência nos meios acadêmicos, possibilitará
compreender quais as percepções desse grupo sobre os conflitos socioambientais e as mudanças
climáticas nas comunidades Zé Alves e Laranjal inseridas no Cerrado do Pantanal.
1.2 - Biografia Ecológica: meu quintal é maior que a cidade
Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A
gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o
tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com
as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas
do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do
mundo. Justo pelo motivo da intimidade
(Manoel de Barros, 2010).
A biografia ecológica é muito utilizada pelo GPEA. Sato (2011) apresenta que por meio
da biografia ecológica pode-se expressar como a dimensão ambiental foi fazendo parte da vida
das pessoas, possibilitando ainda uma reflexão entre a IDENTIDADE, situada em um
determinado TERRITÓRIO, em uma determinada TEMPORALIDADE que levaram à
pesquisa em Educação Ambiental. Tudo isso para compreender a relação entre pesquisador/a e
o contexto pesquisado. A princípio foi uma descoberta poder iniciar um trabalho acadêmico
(re)fazendo os caminhos percorridos da minha própria história, apresentando vivências pessoais
como jovem do campo, fazendo ainda um entrelaçamento com as temáticas ambientais e
campo. Sato (2004, p. 54) acrescenta que nas pesquisas em educação ambiental deve-se “[...]
iniciar nesta reflexão pessoal, com a pergunta “quem sou eu?”.
Na tentativa de responder essa pergunta, busquei novos conhecimentos e saberes,
movida pela curiosidade que me inquieta, que me insere na busca (FREIRE, 1996) como
educadora-camponesa, foi possível perceber o quanto o tema pesquisado se entrelaça com a
minha inserção no mundo. Assim, “neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e revivo,
23
no texto que escrevo, a experiência vivida “[...] (FREIRE, 1989, p. 09). No início de cada
parágrafo, as palavras de Paulo Freire serão utilizadas, com o intuito de contar momentos
vividos, momentos esses que possibilitaram trilhar caminhos em um grupo pesquisador em
educação ambiental.
Revivo os caminhos percorridos sempre na companhia dos meus pais. As experiências
vividas no serviço do sítio, como roçar, carpir e preparar a terra para o plantio, possibilitaram
desde muito criança uma relação de intimidade com a natureza, principalmente, pelas
constantes iniciativas de coletar sementes em meio a mata nativa, preparar as mudas e plantar
no pequeno sítio. O sítio que vivi minha infância ficava ilhado entre as cercas físicas dos
grandes latifúndios, nosso deslocamento até a comunidade de Catuaí, localizada a
aproximadamente 30 km do município de Juara/MT3, se dava de carroça em meio aos imensos
campos do agronegócio. Os donos desses latifúndios sempre mudavam a rota da estrada, às
vezes, colocavam cadeados impossibilitando a passagem.
Ao escrever o texto, minhas memórias afetivas insistem em trazer a relação com meu
pai. Por ter sido professor, ensinava seus filhos a ler e escrever, não apenas palavras, mas
também o mundo. A inspiração surge dos inscritos de Freire (1989) para dizer que não houve
alfabetização com quadros ou no chão do quintal da casa à sombra das mangueiras, mas no fim
das tardes com palavras do mundo que me movia, assim ao chegar à escola já estava
alfabetizada. Durante a infância também me apresentou um ambiente permeado de sons, tons e
sabores, talvez naquela época não tivesse maturidade suficiente para perceber que as minhas
vivências no sítio eram também um processo formativo em educação ambiental.
Hoje compreendo que no período escolar, enquanto o livro didático me mostrava uma
natureza distante da minha realidade, meu pai me cercava de conhecimentos populares sobre o
ambiente que jamais aprenderia nos bancos escolares. Apesar da escola ter um potencial para
ser um dos espaços de ação-reflexão-ação em educação ambiental, em minha vida escolar foi
como na maioria das escolas do país, com temas pontuais em datas comemorativas como o dia
da árvore, a semana do meio ambiente ou quando eram estudadas temáticas que fazíamos
correlação com as questões ambientais. Nos espaços escolarizado e não escolarizado essa
realidade não se difere, essas ações são desenvolvidas com pouca atenção ao processo formativo
3 A ocupação do município de Juara-MT se inicia em 1971 por uma empresa privada em plena ditadura militar
(1964-1985), dirigida pela SIBAL – Sociedade Imobiliária da Amazônica Ltda com a compra de 35.114 hectares
de terras devolutas do Estado denominadas Gleba Taquaral, localizadas no município de Porto dos Gaúchos, a
aproximadamente 50 km da área que atualmente se localiza o município de Juara. A SIBAL se instalou no norte
de Mato Grosso e em outros estados da Amazônia Legal com o apoio e aprovação dos órgãos federais justificando
que era necessário “integrar para não entregar” o Brasil aos interesses de estrangeiros (SANT’ANA, 2009).
24
em si, ou seja, são propostas por intermédio da simples distribuição de folder, cartazes ou trilhas
(SATO, 2002). Diante dessa realidade,
[...] faz-se necessário uma luta diária para que a Educação Ambiental
Escolarizada seja efetivamente uma realidade permanente e contínua. Nesse
sentido a participação e o comprometimento de toda comunidade escolar é
fundamental para a superação dos obstáculos postos, na garantia de um
trabalho efetivo de Educação Ambiental nas escolas (SENRA, 2009, p. 49).
Eis o grande desafio das ações de educação ambiental, ser uma realidade permanente e
contínua. Pesquisas têm demonstrado que a educação ambiental ainda está relacionada a uma
visão ingênua e romântica, voltada somente para a coleta seletiva de lixo, cultivos de hortas,
palestras sobre sustentabilidade e reciclagem (JABER-SILVA, 2012). Geralmente,
desconsiderando a criticidade sobre os modelos de desenvolvimento ou das ações humanas que
destroem a natureza ameaçando todas as formas de vidas existentes.
Movida por esperanças e sonhos re-crio em meu pensamento o pequeno mundo
particular que se limitava na extensão do meu quintal, que me possibilitou uma infância livre,
longe das selvas de pedras, do barulho da cidade e dos carros, meu pequeno mundo era cercado
de árvores, flores, um pomar com muita laranja, manga, mexerica, goiaba, pinha, mamão,
banana e o seringal, espaços esses que eu e minha irmã passávamos a maior parte do dia
brincando e fazendo peraltices.
Neste esforço a que me vou entregando apresento minhas vivências no sítio que me
possibilitaram ouvir o canto dos pássaros; sentir o cheiro das flores de laranjeira, que durante a
florada o verde dava lugar a lindas flores brancas com muitas abelhas; sentir o sabor das frutas
e o cheiro da terra molhada durante as chuvas; brincar com as borboletas amarelas e brancas no
rio que ficava próximo à casa de meus avós, esse foi o meu universo particular, meu pequeno
mundo.
De todas essas lembranças do mundo particular que me movia, o quintal foi o primeiro
mundo, “nele engatinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei” (FREIRE, 1989, p. 10). Da casa
simples com lampião, lamparina e fogão a lenha em que nasci e cresci, rodeada de árvores que
me possibilitaram brincar em sua sombra e em seus galhos me faz responder: “Quem sou eu?”.
Eu sou a menina da Catuaí4, sou camponesa, filha de camponeses, aluna de uma escola do
campo multisseriada, que deixou o campo arbitrariamente aos quinze anos para concluir o
Ensino Médio, Superior e que hoje desenvolve essa pesquisa com as juventudes camponesas.
4 Termo utilizado no trabalho de conclusão da pós-graduação em Docência no Ensino Superior intitulado:
Repensando práticas educativas e a formação dos educadores da educação do/no campo: uma interface com a
UNEMAT.
25
Considero minha saída do campo como arbitrária, porque sempre tive uma relação de
distanciamento da cidade. Mudar para a cidade significou adaptar-me a um modo de vida
totalmente diferente do que estava acostumada, a cidade não era um mundo particular, era o
mundo dos outros ao qual precisei aos poucos ir me adaptando. Na escola da cidade sentia falta
da relação escola-comunidade-escola, não me sentia como parte daquele mundo. As
brincadeiras com a frase: “você é doida ou veio da Catuaí com o motosserra nas costas” eram
constantes, somando-se a isso a timidez, a saudade de casa e as dificuldades de aprendizagens
me deixaram doente e eu só queria voltar para a minha comunidade.
Recordo-me que alguns professores/as traçavam o perfil daqueles estudantes que tinham
condições de passar em um vestibular, eu era a que não tinha condições, sempre muito tímida,
falava muito errado5, não por ser caipira como muitas vezes fui chamada, mas por ter problema
na fala e não conseguir pronunciar corretamente muitas palavras.
A escola só olha o aluno, e não vê que por trás do aluno tem uma criança, tem
um jovem, tem um adulto, tem um ser humano [...]. Não tratem o aluno como
número, não tratem o aluno como aluno, tratem como sujeitos, sujeitos que
trazem história, que têm diferenças. É diferente ser mulher e homem, negro e
branco. É diferente ser criança, do que ser adolescente, jovem. Tratar o aluno
como gente, no seu tempo, na sua idade, no seu gênero, na sua raça, na sua
história, na sua diversidade, no seu momento de formação humana
(ARROYO, 1999, p. 19-20).
Com essa reflexão sobre a escola, reafirmo que a minha trajetória foi arbitrária,
acrescento que a mim e a tantos outros jovens foram e continuam sendo negados os direitos à
educação no campo, acesso ao Programa Nacional e Educação na Reforma Agrária (Pronera),
Pro-Jovem Campo e o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação
do Campo (Procampo) entre outras políticas públicas pensadas para essa realidade. Essa difícil
decisão não foi e ainda não é uma escolha pessoal, as juventudes do campo querem sim uma
formação profissional, trabalho, oportunidades para melhorar de vida, mas também almeja ter
a oportunidade e o direito de poder escolher entre o sair e o ficar no campo.
Essa realidade vivida como jovem do campo foi me aproximando do tema que me
propus a pesquisar no Mestrado. Nas comunidades Zé Alves e Laranjal, lócus desta
investigação, essa realidade não é diferente, podendo ser percebido nas falas e gestos dos jovens
entrevistados o desejo de permanecer no território camponês, mas acabam deixando o campo
em busca de melhores condições de vida na cidade. E, muitas vezes, também são impulsionados
5 O falar errado nesta dissertação não se refere ao dialeto caipira, mas ao fato que desde criança não consigo
pronunciar palavras com R e L, dentre outras.
26
pelos conflitos socioambientais e as mudanças climáticas que impossibilitam que a identidade
camponesa, produzida e reproduzida a partir do contato direto com a natureza, seja mantida.
Enquanto jovem do campo, inúmeras ações de exploração e destruição da natureza
foram presenciadas por mim, primeiro pelas atividades de pecuária extensiva, em seguida o
desmatamento de imensas áreas de florestas nativas e atualmente, as avassaladoras atividades
realizadas pelas monoculturas. Desses ciclos viciosos de destruição, as ‘julietas’6 carregadas de
madeiras constituíram uma das imagens que mais me inquietou, por morar na principal estrada
de acesso à comunidade, presenciava ações desta natureza diariamente, as ‘julietas’
transportavam as madeiras na calada da noite.
Essas atividades criminosas na comunidade de Catuaí, para fraudar a fiscalização do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) eram
frequentes, assim como o rastro da destruição deixada. Silva (2011, p. 132) considera que “[...]
a riqueza do agronegócio e da exploração madeireira gera renda e poder para alguns, em
contraste com a escassez, a fome e a miséria de muitos”. Esse é o cenário que vem sendo
desenhado no Estado de Mato Grosso.
O campo não é apenas o lugar do agronegócio, da agroindústria, do latifúndio, da
grilagem de terra (FERNANDES, 2002), para o autor, o campo é também o território dos
camponeses, quilombolas, indígenas, pantaneiros, seringueiros, assentados, acampados e tantos
outros grupos sociais que possuem sua identidade cultural com o ambiente e resistem a esse
sistema capitalista que se fortalece com a destruição de outros territórios. Para o autor esses
dois campos são organizados de formas distintas, ou seja, a partir das diferentes relações sociais
que são estabelecidas. Nessa relação enquanto o campo do agronegócio organiza seu território
para a produção em larga escala, o camponês primeiro organiza seu território para sua existência
Com essa compreensão, o campo do qual se discute não é o campo do agronegócio, mas o
campo do camponês, da camponesa e da juventude camponesa, caracterizado pela grande
presença de pessoas, onde se estabelecem relações na sua totalidade que geram vida, cultura,
arte, mística e religiosidade.
O conceito de campo substitui o termo meio rural, desde então passa a ser utilizado para
pensá-lo em sua totalidade, isto é, “[...] designar como o lugar, os sujeitos, suas práticas,
acrescentando a intencionalidade de resistência e luta por mudanças na realidade camponesa”
(LEÃO; ANTUNES-ROCHA, 2015, p. 20), no entanto, também pode-se utilizar o conceito de
6 As julietas são caminhões utilizados para o transporte de madeiras. No município de Juara-MT durante a
realização da pesquisa no curso de Licenciatura em Pedagogia (2008-2011) era comum encontrar julietas pelas
estradas na zona rural e nas ruas da cidade.
27
território ou território do campo. Para os autores surge como uma “[...] possibilidade de lidar
com o campo como espaço de cultura, educação, organização política e lazer, entre outras. O
conceito nessa perspectiva amplia-se para além da noção de espaço. O espaço é ponto de
referência, é identidade, mas não é limite” (p. 20).
Nessa transitoriedade entre o território do campo e a cidade sonhava em fazer
Engenharia Florestal. O sentimento de incertezas e inseguranças em relação ao futuro
profissional me levaram a escolher uma profissão que estabelecesse uma proximidade com as
práticas de cuidados com o ambiente realizadas juntamente com meu Pai. Na minha
compreensão, ser Engenheira Florestal me possibilitaria estar perto do meio ambiente e realizar
projetos de preservação de áreas naturais. Sou encantada pela beleza das árvores, talvez pelo
fato de sempre ajudar meu pai na coleta das sementes, preparo das mudas e plantio.
As árvores sempre me atraíram. As suas frondes arredondadas, a variedade de
seu verde, sua sombra aconchegante, o cheiro das flores, de seus frutos, a
ondulação de seus galhos mais intensa, menos intensa em função de sua
resistência ao vento. As boas-vindas que suas sombras sempre dão a quem a
elas chega, inclusive a passarinhos multicores e cantadores. A bichos, pacatos
ou não que nela repousam (FREIRE, 2015, p. 19).
O sonho foi interrompido quando meus pais me disseram que não seria possível me
manter em outra cidade, já que o curso seria integral e a renda familiar era insuficiente. Fui
aconselhada fazer o vestibular de Pedagogia na Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT) por ser o único curso superior público disponível no Vale do Arinos7.
Lamentavelmente, o acesso ao Ensino Superior ainda é privilégio de uma parcela reduzida da
população brasileira, porém, com os avanços nas políticas públicas de apoio como o Fundo de
Financiamento Estudantil (FIES), Programa Universidade para Todos (ProUni), entre outros,
às classes populares têm sido concedidas maiores oportunidades e acesso à formação.
A entrada em um curso que não era de minha vontade no início me frustrou, mas aos
poucos fui aprendendo a gostar, fui compreendendo que “ninguém nasce feito. Vamos nos
fazendo aos poucos [...]. Não nasci educadora ou marcada para sê-la [...]” como afirma Freire
(2001, p. 40, grifo nosso), mas fui me constituindo a partir das leituras, aulas teóricas e práticas,
estágios de observações e intervenções e principalmente, no fazer pesquisa. Durante os quatro
anos foi preciso superar desafios e preconceitos, sobretudo relacionados com a fala. Na
concepção de alguns professores/as eu era caipira8, para ser professora deveria aprender falar
7 Região norte do estado de Mato Grosso composto por quatro municípios: Juara, Novo Horizonte do Norte, Porto
dos Gaúchos e Tabaporã. 8 A palavra caipira vem do tupi e significa “cortador de mato”, é aquele que capina. O caipirês, ou dialeto caipira,
é uma linguagem oral e regional que não segue os padrões de norma culta das gramáticas da Língua Portuguesa,
28
primeiro. Essa situação me fez pensar em desistir, porém, fui conhecendo professoras que me
mostraram que a língua caipira é uma expressão cultural muito presente em Mato Grosso, que
deve ser observada sem exclusão ou discriminação.
O Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia teve como objetivo compreender como
os/as educadores/as da rede municipal e estadual que atuavam no II Ciclo têm abordado a
educação ambiental no ambiente escolar, considerando os desmatamentos no município de
Juara/MT. Diversos foram os motivos que me levaram a desenvolver esta pesquisa, entre eles
as minhas vivências no sítio, os constantes noticiários de desmatamentos realizados no
município de Juara e no Estado de Mato Grosso e a incipiência de pesquisas na UNEMAT-
Campus Juara, voltadas para as questões ambientais.
Quando terminei a graduação voltei para a “minha comunidade de Catuaí” como
cariosamente sempre à chamei, iniciando a primeira experiência como educadora. As vivências
em sala de aula na mesma escola que estudei por oito anos me possibilitaram significativas
reflexões sobre o ser educadora, despertando o olhar de frente, à pertença, o sentir-se parte9
(MOURÃO SÁ, 2005) para (re)construir em mim a minha identidade como parte do campo.
Em minha caminhada como educadora durante dois anos na Escola Municipal Rui
Barbosa de Catuaí me dediquei a realizar um trabalho com amorosidade aos educandos/as,
deixando transparecer como nas palavras de Freire (1996, p.15), as [...] bonitezas de nossa
maneira de estar no mundo e com o mundo [...]. Nas minhas práticas de ensino aprendizagem
como educadora do campo sempre busquei desenvolver um trabalho voltado para a realidade
que estão inseridos conectado com a vida da comunidade e dos sujeitos que fazem parte dela.
Não é um ensino de fora para dentro, mas de dentro para fora, em uma dialogicidade com a
vivência e as necessidades (PORTO, 2016).
Na condição de professora-cidadã-camponesa fui desafiada por minha orientadora no
curso de Pós-Graduação em Educação e Diversidade (201210), a pesquisar a minha realidade,
mas que tem, como qualquer outra língua, identidade, expressa um povo, conta sua história e expõe a cultura.
Disponível em: <http://oguari.blogspot.com.br/2014/12/o-preconceito-linguagem-caipira-um.html>. Acesso em:
09 mai. 2017. 9 Mourão Sá (2005) apresenta em m suas reflexões que o pertencimento ainda é um conceito em construção, o
pertencimento mesmo existente, não é um conceito definido, trata-se de um modo de relação com o ambiente
vivido e, muitas vezes, é fluido por ser utilizado num discurso que não se apresenta uma trajetória de vivência. No
entanto, quando me utilizo desse conceito o trago para apresentar as minhas vivências em um ambiente
transformado pela introdução da monocultura de soja. 10 Neste mesmo ano realizei dois testes seletivos para professora da Universidade do Estado de Mato Grosso –
Campus de Juara, na primeira tentativa não passei e durante a segunda fui humilhada por alguns dos/as
avaliadores/as, que questionaram o meu “modo caipira de falar”, afirmaram que era inaceitável uma professora na
Universidade que não soubesse falar direito, que deveria aprender para depois pensar em ser professora. Com
muita dedicação fui aprovada, sendo professora do curso de Pedagogia durante três anos (2013 a 2015). O
29
um estudo de dentro para fora que possibilitasse denunciar os impactos socioambientais
ocasionados a partir da introdução da monocultura de soja no distrito de Catuaí. Confesso que
a princípio tive receio, pois em 2008 durante as reuniões do Zoneamento Socioeconômico
Ecológico de Mato Grosso (ZSEE-MT) no município de Juara-MT, presenciei professoras da
UNEMAT sendo ameaçadas por grupos economicamente fortes. As “forasteiras” como eram
assim chamadas sofreram todas as formas de perseguições, eu em minha fragilidade talvez por
ter crescido naquele ambiente e sempre silenciar, em um primeiro momento me neguei, no
entanto, por compreender que não existe neutralidade em nossas escolhas, aceitei o desafio de
denunciar, anunciar e dar visibilidade aos problemas socioambientais vivenciados em Catuaí.
A pesquisa desvelou uma comunidade dividida entre aqueles que compreendem a
introdução da monocultura como uma possibilidade de melhoria na qualidade de vida, gerando
emprego e renda, contribuindo para o aumento populacional e, aqueles que se preocupam com
os impactos socioambientais decorrentes da introdução da monocultura. Pesquisas já realizadas
afirmam que essas atividades econômicas têm ocasionado em todo o estado erosão e
desertificação do solo; perda da biodiversidade; destruição das matas; assoreamento e
contaminação dos rios, riachos e lagoas provocados pelo uso indiscriminado de venenos que
matam a fauna aquática desses habitats, além de serem prejudiciais à saúde dos/as
trabalhadores/as do campo (JABER-SILVA, 2012; MOREIRA, 2017).
Atualmente, a comunidade de Catuaí encontra-se cercada pelas monoculturas, os
moradores/as sofrem com o uso abusivo de agrotóxicos lançados por avião nas casas dos sítios,
rios, lagos e lagoas, provocando a morte de peixes, contaminação do solo, do ar e de todos os
seres vivos. Moreira (2017, p. 107) relata que “o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do
mundo e Mato Grosso, estado promissor do agronegócio, é o campeão brasileiro, consumindo
18,9% do total utilizado no país”. Os dados apresentados fazem compreender que as
comunidades do campo estão sendo reprimidas pelo agronegócio, por um modelo
agrário/agrícola dominado pelo capital, essa relação entre monocultura e latifúndio tem
ocasionado impactos socioambientais que afetam diretamente o modo de vida dessas
populações.
Em 2013, ao iniciar a Pós-Graduação em Docência no Ensino Superior, busquei
compreender como a UNEMAT-Campus de Juara tem contribuído para a formação dos/as
professores/as do Campo. As leituras e entrevistas me fizeram entender que a fragilidade estava
muito além da ausência de uma formação específica, mas principalmente pela ausência de
envolvimento nos projetos de pesquisa e extensão, as pós-graduações contribuíram para meu amadurecimento
pessoal e profissional.
30
identidade com o campo. Construir uma educação do campo significa formar educadores/as do
e desde o povo que vive no campo, cujo trabalho principal é o de fazer e o de pensar a formação
humana, construindo uma educação do povo do campo e não apenas com eles, nem muito
menos para eles (CALDART, 2004).
As pesquisas realizadas foram motivadas pelos sentimentos de incompletude, pela busca
de respostas e novos saberes, assim, realizei a seleção11 para o Mestrado três vezes. A não
aprovação nas duas primeiras me fizeram compreender que tudo tem seu tempo, foi preciso
esperar o tempo certo. Em 2015 fui aprovada no mestrado em Educação na Universidade
Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT), na linha de pesquisa: Movimentos Sociais, Política
e Educação, entrei para o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
(GPEA). A proposta inicial era pesquisar a juventude camponesa da comunidade de Catuaí,
levando em consideração a ausência de políticas públicas voltadas para a formação inicial e os
fatores que impulsionam as juventudes deixarem o campo.
Após conversa com minha orientadora, a proposta da pesquisa foi modificada, primeiro
pela distância entre Cuiabá e Juara, e ausência de financiamento para pesquisas nessa região,
segundo pela postura assumida pelo GPEA em realizar as pesquisas coletivamente, buscando
transcender o isolamento do pesquisador, valorizando diálogos entre os diferentes
pesquisadores/as. Embasado na Pedagogia Freireana, o diálogo dos saberes perpassa a relação
pedagógica e é pressuposto epistemo-praxiológico para o processo de investigação científica.
Em outras palavras, visa a formação de um grupo pesquisador que não privilegie somente a
racionalidade, mas que acolha os sentimentos, a subjetividade e a afetividade na construção do
saber (SATO; SENRA, 2009, p.140).
O Mestrado foi se compondo em uma mistura de sonhos e renúncias: renunciei horas de
lazer por horas de estudo, renunciei um concurso público que me dava estabilidade profissional,
renunciei o aconchego da família, dos amigos, chorei de saudade. Essas vivências entre o EU
solitário e o NÓS coletivo me fizeram olhar o mundo com outros olhos, possibilitando uma
experiência transformadora tanto na vida pessoal como profissional. Nesse caminhar ora
coletivo, ora solitário, estudando...estudando...estudando, com leituras que não acabavam mais,
mas que me fizeram (re)descobrir novos conceitos, conhecer lugares, pessoas, histórias para
isso foi “[...] preciso ter coragem para renunciar certos conceitos ou sonhos [...]” (SATO, 2011,
p. 12).
11 Realizei a seleção do mestrado em Educação na Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT em 2013
e 2014, e em 2015 mandei o processo para a UNEMAT, sendo que acabei desistindo de realizar após a aprovação
na prova escrita na UFMT.
31
Foi nesse (re)descobrir e em conversas com minha orientadora e coorientadora que a
proposta da pesquisa foi alterada, mas o sujeito, a juventude camponesa, foi mantido, os
conflitos e a relação com a natureza. Nesse percurso, me desprender da minha história, das
amarras em mim construídas e vivenciar a pesquisa em outra cidade e comunidade com uma
cultura totalmente diferente, não foi uma tarefa fácil, pois meus escritos e falas sempre me
levavam para a comunidade de Catuaí. Porém, a cada leitura, colóquio, orientação, visitas em
lócus e conversas com os sujeitos, me encontrava comigo mesma. Passei a enxergar que a
realidade dessas comunidades pesquisadas e de Catuaí não eram diferentes. Nessa caminhada,
amorosa e coletiva, de um grupo pesquisador, possibilitou (re)encontros comigo, fortalecendo
minha identidade enquanto educadora-ambiental-camponesa.
32
CAPÍTULO II - O PREPARAR DA TERRA: ADUBOS PARA A COLHEITA
O Cio da Terra
(Milton Nascimento)
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, propícia estação
E fecundar o chão.
33
2.1 - Nos caminhos da Educação Ambiental
“As nossas mãos entrelaçadas, as nossas vozes em coro, poderão
possibilitar que, muitas outras vozes –silenciadas pelo progresso
desta nação – sejam ouvidas”
(Regina Silva, 2011).
O atual modelo econômico presente no campo, centrado em grandes latifúndios e na
monocultura, altera os espaços de vida e silencia as vozes dos povos do campo. Nessa lógica
que visa apenas o acúmulo de capital, os componentes naturais são transformados em
mercadorias sem muita preocupação com a dimensão ambiental, social e cultural, provocando
assim, impactos socioambientais, injustiças ambientais/climáticas e desigualdades sociais entre
grupos que possuem modos diferentes de se relacionar com o ambiente, além da destruição das
oportunidades de trabalho e a perca das diversidades culturais enquanto povos do campo.
Neste contexto, o agronegócio ao alterar o campo brasileiro está propondo um campo
voltado apenas para o lucro, consequentemente os diferentes grupos que vivem nestes
ambientes estão sendo desapropriados, obrigados a migrarem para as periferias dos grandes
centros urbanos dando espaços para as monoculturas de exportação. Por meio desta realidade
compreendemos que para esses grupos continuarem existindo, é necessário que permaneçam
resistindo em seus territórios, lutando pela terra e contra essa lógica exploratória do agronegócio
que tem como objetivo pouco a pouco dominar todos esses espaços. Se tal situação é aceita,
também aceita-se as desigualdades sociais com os povos do campo e as injustiças com a
natureza (SATO, 2004).
Observamos que a destruição dos espaços de vida “[...] mostra-se cada vez mais móvel,
acionando sua capacidade de escolher seus ambientes preferenciais e de forçar os sujeitos
menos móveis a aceitar a degradação de seus ambientes ou submeterem-se a um deslocamento
forçado para liberar ambientes favoráveis para o empreendimento” (ACSELRAD, 2004, p. 32).
No entanto, muitos grupos que estão sendo forçados a deixar seu território, continuam resistindo
às pressões realizadas pelo capitalismo. Para Fernandes (2011, p. 182), “[...] é na luta contra o
capitalismo que o camponês se recria, porque a lógica do capital é a destruição do próprio
camponês, mas é uma contradição nesse processo, a contradição é que o capital também recria
o camponês”.
Essas ações de exploração constante e desenfreada que busca o desenvolvimento o mais
rápido possível contribui com a devastação do ambiente. Nos dias atuais, a humanidade já tem
sentido os efeitos dessa relação, como o aquecimento global, elevação dos oceanos, mudanças
climáticas, escassez de água, abundância de chuvas em algumas regiões e ausências em outras,
34
entre tantos fatores que afetam diretamente a vida do ser humano. As ações evidenciadas são
resultados das profundas transformações ocorridas durante séculos, onde a natureza foi sendo
transformada em recurso a ser explorado, “[...] como se fosse um recurso inesgotável, vista de
forma fragmentada, sem a preocupação e o respeito com as relações dinâmicas do equilíbrio
ecológico e sua capacidade de suportar os impactos (GUIMARÃES, 2007, p.87)”. Essas
situações têm contribuído para uma crise de bens naturais, energéticos e alimentares afetando
diretamente os grupos desfavorecidos economicamente.
Diante dessa crise ambiental provocada pelas expropriações da natureza, Guimarães
(2007) considera que esses problemas socioambientais não devem ser vistos como aspectos
isolados de cada realidade, pois a natureza dos problemas é determinada pelo modelo de
sociedade e sua maneira de se relacionar com o meio, historicamente sociedade e a natureza se
constituíram de lados opostos. Nesse sentido, temos uma sociedade centrada apenas em
aspectos “[...] antropocêntrico, cartesiano, individualista, consumista, concentrador de riqueza,
que gera destruição em sua relação de dominação e exploração, antagônico às características de
uma natureza que é coletiva, que recicla, que mantém a vida” (ibidem, p.88).
Na tentativa de provocar mudanças de comportamento em uma sociedade totalmente
egocêntrica que não mede suas consequências para obter lucros, fios de esperanças devem ser
depositados nas ações de educação ambiental. Para Silva (2011) mesmo que ainda não se tenha
encontrado soluções imediatas para os dilemas socioambientais vivenciadas nos três biomas:
Cerrado, Pantanal e Amazônia, onde o grupo pesquisador desenvolve suas pesquisas, ousa-se
pincelar paisagens antes invisíveis e negadas, para isso, “aliam-se mãos, cabeças, corações e
almas, de todos aqueles que, lutam por uma ecologia da resistência, no poder da arma mais
poderosa que ainda temos e, que ninguém nos retira: a esperança” (p.168).
Nessa pesquisa caminhamos juntos, lado a lado e entrelaçadas com a educação
ambiental e educação popular, aliando à valorização da cultura e o respeito aos diferentes para
que assim possam contribuir com a construção de sociedades sustentáveis com empoderamento
político, social e econômico ao invés de desenvolvimento sustentável que é um conceito
hegemônico voltado apenas para a geração de lucros, satisfação das necessidades atuais sem
pensar nas gerações futuras (SATO; PASSOS, 2002; SATO, 2008).
Outro fator fundamental para superar esses dilemas é pensar na realização de propostas
e ações de educação ambiental, não do ponto de vista do isolamento como se o ser humano não
fizesse parte da natureza, mas na integração entre ser humano e natureza, conseguindo assim
“[...] alcançar um pensamento mais complexo, mais justo, que considere uma visão mais
integradora da sociedade humana e de suas relações com a natureza” (SATO, 2004, p. 55). Com
35
esse pensamento o grupo pesquisador desde a sua formação tem buscado essa integração,
rompendo com os moldes tradicionais, possibilitando alianças entre o saber científico e a
militância, contribuindo para diálogos permanentes entre sociedade civil, comunidades
tradicionais e grupos sociais em situação de vulnerabilidade (SATO, 2013; AMORIN, 2017).
Nesse sentido, a educação ambiental deve assumir
[...] sua parte no enfrentamento dessa crise radicalizando seu compromisso
com mudanças de valores, comportamentos, sentimentos e atitudes, que deve
se realizar junto à totalidade dos habitantes de cada base territorial, de forma
permanente, continuada e para todos. Uma educação que se propõe a fomentar
processos continuados que possibilitem o respeito à diversidade biológica,
cultural, étnica, juntamente com o fortalecimento da resistência da sociedade
a um modelo devastador das relações de seres humanos entre si e destes com
o meio ambiente (TRAJBER, SORRENTINO, 2007, p. 14).
As reflexões apresentadas sobre as relações estabelecidas entre ser humano e natureza
oferecem elementos para apresentar os conceitos e caminhos da educação ambiental que
alicerçam esta pesquisa, já que como afirma Sauvé (2005), é possível encontrar uma diversidade
de correntes12 que aborda o campo da educação ambiental, mas poucas querem combater as
queimadas, desmatamentos e tantos outros impactos provocados pelo poder econômico dos
grandes latifundiários que contribuem para a formação de uma sociedade tão desigual.
Quando se aborda o campo da educação ambiental, podemos nos dar conta de
que apesar de sua preocupação comum com o meio ambiente e do
reconhecimento do papel central da educação para a melhoria da relação com
este último, os diferentes autores (pesquisadores, professores, pedagogos,
animadores, associações, organismos, etc.) adotam diferentes discursos sobre
a EA e propõem diversas maneiras de conceber e de praticar a ação educativa
neste campo (SAUVÉ, 2005, p. 17).
Ancorada nos princípios do grupo pesquisador que valoriza o diálogo de saberes,
entendemos ser possível agregar diferentes áreas do conhecimento e pensar ações coletivas para
provocar mudanças de comportamentos e atitudes no ser humano em sociedade, para isso se
faz necessário romper com essa ideia de uma educação ambiental centrada apenas em ações
momentâneas, ingênuas e pontuais.
12 Para Sauvé (2005, p.17-18) a noção de corrente refere-se aqui a uma maneira de conceber e de praticar educação
ambiental. Podem se incorporar, a mesma corrente, uma pluralidade e uma diversidade de proposições. Por outro
lado, uma mesma proposição pode corresponder a duas ou três correntes diferentes, segundo o ângulo sob o qual
é analisada. Finalmente, embora cada uma das correntes apresente um conjunto de características específicas que
a distingue das outras, as correntes não são, no entanto, mutualmente excludentes em todos os planos: certas
correntes compartilham características comuns. Esta sistematização das correntes torna-se uma ferramenta de
análise a serviço da exploração da diversidade de proposições pedagógicas e não um grilhão que o obriga a
classificar tudo em categorias rígidas, com o risco de deformar a realidade.
36
É preciso agregar as lutas, fortalecer as esperanças para transformar a realidade, pois
como afirma Freire (1992, p. 05), “pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar
movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo,
no fatalismo”. Portanto, assumimos nesta pesquisa uma postura crítica, não neutra, política,
transformadora e impossibilitada de neutralidade frente aos problemas socioambientais, que
posiciona-se contra o desenvolvimento hegemônico, antropocêntrico e meritocráta que altera e
devasta as paisagens naturais (SATO; PASSOS, 2003; SATO; SENRA, 2009; MOREIRA,
2017). Uma postura que possibilite mobilizações diante dos problemas socioambientais e
climáticos, que ajude a pensar ações coletivas e transformadoras, já que a educação ambiental
possui uma força agregadora,
[...] que move diferentes pessoas e grupos reside na esperança de que com ela
poderemos colaborar para ressignificar os paradigmas de nossa sociedade,
transpassada por crises de diferentes magnitudes, mas que em suas bases
revelam quase sempre relações desiguais de forças entre os seres humanos
entre si e com o meio ambiente, permeadas por injustiças ambientais (SILVA,
2013, p. 27).
Exige ainda muitos esforços para cumprir pelo menos uma parte dos desafios que se
propõe enfrentar, afinal “nossa tarefa ainda está longe de ser concretizada, mas os sonhos ainda
permitem um lugar especial a nossas esperanças” (SATO, 2002, p. 15). Enquanto educadores/as
ambientais mediados pela educação popular, buscamos dialogar com as comunidades que
resistem nos territórios na busca por um ambiente ecologicamente equilibrado e socialmente
justo. São nesses espaços onde prevalece as injustiças que o grupo pesquisador foi fortalecendo
laços e experiências entre o campo da educação ambiental e a educação popular, principalmente
em pequenas comunidades que são invisibilizadas pelos grandes latifúndios fortemente
presente neste estado, possibilitando assim, pensar e propor uma educação ambiental popular.
A educação ambiental popular pensada e sustentada por Senra (2009) e Moreira (2017),
busca fundamentos na educação libertadora de Paulo Freire, nessa concepção é ressaltada a
importância dos diálogos constantes e permanentes com as comunidades, objetando a reflexão
crítica da realidade. Oferecendo também caminhos para organizarem suas ações de lutas e
resistência contra o processo de opressão e exclusão comandado pelo agronegócio, que recaem
em maior quantidade e de maneira desproporcional nas comunidades e nos grupos sociais em
situação de vulnerabilidade socioambiental.
Diferente das pesquisas realizadas pelo GPEA que utiliza o termo educação ambiental
popular, Jussara Botelho Franco (2015) no livro “Prática social como prática pedagógica em
educação popular ambiental”, utiliza o termo educação popular ambiental, destaca-se que
37
ambas buscam inspiração na educação ambiental e educação popular Freireana. Na concepção
de Franco (2015), a educação popular ambiental deve ser pensada como um elemento mediador
na tessitura desses caminhos percorridos com pesquisas realizadas em comunidades, pois é uma
tentativa ousada, mas pode ser uma das possibilidades de apresentar as reais necessidades
socioambientais desses grupos sociais.
[...] para trabalhar com sujeitos em situações de “vulnerabilidade
socioambiental” em especial com movimentos populares em geral, a educação
antes de ser popular, ambiental e nã0-formal tem que ser entendida e praticada
segundo os princípios da teoria educacional crítica, que são os princípios que
fundamentam a educação popular, a educação ambiental e a educação não-
formal em sua vertente transformadora [...] (FRANCO, 2015, p. 123).
Entendemos que ao possibilitar encontros entre as comunidades do Cerrado do Pantanal
por meio dos mapeamentos participativos, além de dar visibilidade a esses grupos que estão
sendo invisibilizados e aos conflitos socioambientais, esses momentos foram imprescindíveis
para a mobilização e organização das comunidades contra a introdução avassaladora das
monoculturas. Acreditamos que são nesses espaços de lutas que as “[...] resistências ocorrem
nos territórios onde os grupos vulnerabilizados resistem e afirmam os seus modos de vida, é
nesses espaços que nós, educadoras ambientais apropriadas dos sentidos da educação popular
de Paulo Freire, vamos dialogar e nos educarmos coletivamente” [...] (MOREIRA, 2017, p. 42).
Nas vivências e diálogos em comunidade são encontrados elementos para fortalecer a
educação popular ambiental. Franco (2012) entende que esses diálogos propostos entre
educação ambiental e educação popular é um mecanismo extremamente importante a ser
utilizado para ouvir a multiplicidade de vozes e olhar para o chão onde têm suas raízes. Nesse
sentido, acreditamos que conhecer os grupos inseridos nesses espaços invisibilizados pelo
poder do agronegócio, nos faz compreender que é por meio das lutas e resistências nos
territórios que tentam manter vivo o ambiente para que nele possam permanecer.
É com essa perspectiva de olhar para as comunidades e para os grupos sociais que
habitam este território, que o grupo pesquisador em 2008 ao participar da apresentação do
projeto de Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso (ZSEE-MT) pela
Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) e pela Secretaria de Estado e Planejamento e
Coordenação Geral (SEPLAN) à sociedade civil, observou ausência e fragilidade do
componente social, isto é, não reconhecendo a diversidade de grupos sociais presentes neste
estado na proposta do Zoneamento (SILVA, 2011). Buscando superar tal fragilidade
apresentada foi elaborada uma ousada proposta de “Mapeamento das identidades e territórios
do Estado de Mato Grosso–Brasil”, tendo como objetivo, “[...] evidenciar os grupos sociais do
38
estado com suas identidades e seus territórios, suas culturas e suas múltiplas sensibilidades,
bem como seus processos de conflitos e injustiças ambientais” (SILVA, 2011, p. 21).
Para evidenciar as identidades dos grupos sociais, os conflitos socioambientais e as
causas propulsoras13 de conflitos foram realizados dois Seminários de Mapeamento Social,
sendo um em 2008 e outro em 2010, contou com a participação e as autonarrativas de 70
representantes indígenas de 19 etnias, de comunidades quilombolas, povos pantaneiros,
acampados, assentados, agricultores familiares, seringueiros, extrativistas, povos ciganos,
atingidos por barragem, retireiros do Araguaia, povos morroquianos, entre tantos outros grupos
sociais invisibilizados neste estado (SILVA, 2011; JABER-SILVA, 2012). Nessa ciranda de
povos com culturas tão diferentes, foi criada a metodologia Mapa Social.
Essas duas pesquisas se tornaram referência e “[...] uma plataforma de luta na inclusão
de identidades em seus territórios, e na consideração dos seus enfrentamentos, das
vulnerabilidades, e dos processos de injustiças ambientais existentes nos territórios (JABER-
SILVA, 2012, p. 52). Para dar continuidade a proposta de mapear os grupos sociais e os
conflitos vivenciados nos territórios, foram realizados mapeamentos participativos em São
Pedro de Joselândia, localizada no município de Barão de Melgaço (2008), na comunidade
quilombola de Mata Cavalo (2015), e em 2016 e 2017 com as comunidades do Cerrado do
Pantanal, localizadas em Poconé-MT.
No capítulo III serão apresentados os caminhos percorridos para a realização dos
mapeamentos participativos. É de fundamental importância ressaltar que o grupo pesquisador
assumiu o compromisso de investigar relatos e denúncias feitas por esses grupos sociais que
participaram do mapeamento em 2008 e 2010, assim, se possui como lócus de pesquisa a
comunidade tradicional Zé Alves e a comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal.
2.2 - Primeira parada: Comunidade Tradicional Zé Alves
“Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas
pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se
remexerem dos lugares”
(Guimarães Rosa, 1994, p. 253).
Com esse pequeno trecho retirado do livro “Grande sertão: veredas” escrito por
Guimarães Rosa, buscamos dizer o quanto contar a história de Zé Alves e Laranjal foi
dificultoso, não pelos anos que se passaram, mas por compreender que as narrativas desses/as
13 O termo “causa propulsoras” foi utilizado por Jaber-Silva (2012) para exemplificar quais as principais causas
que provocam os conflitos socioambientais no estado de Mato Grosso.
39
moradores/as são permeadas por sonhos, medos e frustações. O silenciamento ao perguntar
sobre a história também revela que esse período foi marcado por inúmeros conflitos. Para Freire
(1981, p. 50) ainda vivemos em uma “[...] cultura do silêncio, existir é apenas viver. O corpo
segue ordens de cima. Pensar é difícil; dizer a palavra, proibido”. Ao tentar registrar a história14
ouvindo as juventudes muitos afirmaram que:
[...] não sabem nada da história não, e não procuram conversar com os mais
velhos para saber sobre isso, só vai levando do presente para frente, e esquece
desse detalhe importante (Valdir Rocha – Laranjal).
Apesar de ter as juventudes como sujeito desta pesquisa, também foi necessário ouvir
os moradores/as antigos, pois acreditamos que a história esconde elementos essenciais para
entender os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas existentes nesse território. Em
relação à Zé Alves não foram encontrados nenhum registro em livros, artigos, dissertações ou
teses que oferecesse elementos para compreender como se deu a chegada dos primeiros
moradores/as.
Assim, os dados que constituem esses inscritos se deram a partir dos diálogos e
entrevistas realizadas com moradores/as que ainda residem neste território. Também foi preciso
viver o tempo comunidade, nesses momentos, as longas conversas à beira do fogão a lenha,
ajudando no preparo do almoço e do jantar, observando o preparo da rapadura na fornalha a
lenha, foi de fundamental relevância para ir aos poucos compreendendo os vestígios dessa
história que já foi contada, mas não escrita. Ressaltamos que não se tem a intenção de realizar
um trabalho historiográfico utilizando-se de uma investigação minuciosa, mas revelar como se
deu a chegada desse grupo neste território. Nesse processo de revisitar e reconstituir a história
foram observadas duas versões distintas. Para Ferreira (2002, p. 324) “[...] as possíveis
distorções dos depoimentos e a falta de veracidade a eles imputada podem ser encaradas de uma
nova maneira, não como uma desqualificação, mas como uma fonte adicional para a pesquisa”.
Entendemos que ao ir revelando os saberes locais, ou seja, a história desse povo, as mais
variadas contribuições culturais são dadas, como: comidas, danças, lendas, religiosidade,
sotaques e tantas outras expressões que estão sendo invisibilizadas e silenciadas por esse
modelo econômico fortemente presente neste estado (SILVA, 2011). Nessa tentativa, como
14 Para contar a história de Zé Alves foi necessário apresentar as narrativas dos/as moradores/as antigos que ainda
habitam esse território, escolheu-se por adotar nomes fictícios resguardando a identidade física dos/as
entrevistados/as. Já os dados que compõem a história de Laranjal foram retirados do Relatório Antropológico de
Caracterização Histórica, Econômica, Ambiental e Sócio‐Cultural da CRQ Laranjal. Poconé ‐ Mato Grosso
(JAKUBASZKO, 2014). O relatório encontra-se no prelo, porém, foi autorizado pelo Instituto Nacional e
Colonização e Reforma Agrária INCRA a sua utilização nesta pesquisa.
40
bem escreveu Dom Pedro Casaldáliga no poema “Des-velar os 500” almeja-se: “[...] des-velar
a história e revelar a vida”. Para esse desvelamento histórico, o Velho Manoel relata que quando
chegou:
[...] era estradinha dessa largurinha feita com tratorzinho, depois que
começou a passar carro, desmatar mais e a fazer a estrada mais larga. Eu fui
um desbravador daqui, quando começaram a fazer essa estrada em 1958-
1959 eu vim com papai, nós morávamos perto dessa serra ali, um lugar de
Retiro – comunidade - eu tinha onze anos e vim para cá, nós fizemos um
mutirão de derrubada e começamos a plantar. Aqui era só mato, tinha um
pessoal trabalhando nesta estrada ai. Como nós já estava aqui começou
chegar mais gente. Tinha moradores/as lá do outro lado do corgo, aqui não.
Um chegava de pé, outra vinha com o carro de boi, nois mesmo quando nós
mudamos do Retiro [comunidade] para cá foi um carro de boi que trouxe
nossa mudança [...] (Velho Manoel – Zé Alves).
A Comunidade Retiro15 de onde veio a família do senhor Manoel de Moraes é de origem
quilombola e compõe o Mapa das Comunidades Quilombolas do Estado de Mato realizado por
Silva (2011). Conforme a autora, foram identificadas e mapeadas 69 comunidades reconhecidas
pela Fundação Cultural Palmares distribuídas entre os municípios de Acorizal, Barra do Bugres,
Cáceres, Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Santo
Antônio do Leverger, Várzea Grande e Vila Bela da Santina Trindade, entre outras que podem
existir e que ainda não foram registradas.
Dessas 69 comunidades, 27 estão situadas no município de Poconé. Silva (2011) ao
realizar o mapeamento identificou que ainda continuam sendo marginalizadas e invisibilizadas
em virtude da morosidade da justiça brasileira em não conceder o direito de regularização
fundiária. Em relação a essa situação, Rossi (2015) afirma que passando mais de 25 anos da
promulgação da Constituição de 1988, que assegurou o direito à propriedade definitiva para os
remanescentes de quilombos, nenhuma das comunidades deste estado teve suas terras
regularizadas. O autor enfatiza que dos 68 processos em trâmite no Instituto Nacional e
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para a regularização que foram certificados pela
Fundação dos Palmares, 50 deles não têm previsão para o início dos trabalhos de identificação
e delimitação, os demais estão sendo encaminhados lentamente.
15 A comunidade Quilombola Retiro localizada no município de Poconé-MT identificada pelo número 57 encontra-
se no Mapa das Comunidades Quilombolas do estado de Mato Grosso, na tese defendida por Regina Aparecida da
Silva (2011), intitulada: “Do invisível ao visível: o mapeamento dos grupos sociais do estado de Mato Grosso”. O
quilombo Retiro encaminhou desde 05 de outubro de 2005 junto a Coordenadora do Programa de Regularização
dos Quilombos em Mato Grosso 13º Superintendência Regional do INCRA em Mato Grosso o processo de
Certidão de Auto-Reconhecimento das Comunidades Remanescentes do Estado de Mato Grosso e respectivas
Portarias da Fundação Cultural Palmares publicadas no Diário Oficial da União em 12 de setembro de 2005,
através da Portaria n° 37 de 09/09/2005. Até o presente momento o processo de regulamentação encontra-se
parado. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/quilombola>. Acesso em: 13 jun. 2017;
<http://www.consultaesic.cgu.gov.br>. Acesso em: 13 jun. 2017.
41
Fizemos a opção de apresentar esses dados, pois conforme o Velho Manoel muitas das
comunidades em Poconé possuem origem quilombola, em Zé Alves relata que o INCRA
também realizou visitas para fazer a documentação de Auto-Reconhecimento, porém a maioria
dos moradores/as não aceitaram, uma vez que se autodenominam como povos tradicionais.
Dando sequência na história, após a chegada de Manoel de Moraes em 1960 juntamente com
sua família não se preocuparam em escolher um nome para o lugar, mas em iniciar a derrubada
das matas nativas para o plantio das primeiras roças, sendo esta a principal fonte de subsistência
das famílias, pois o acesso até o município de Poconé ou a capital Cuiabá, era muito difícil.
Quando chegaram já existia a comunidade Zé Alves do outro lado do Córrego Formiga (Figura
01).
[...] tinha morador lá do outro lado o corgo [Córrego Formiga], inclusive o
Zé Alves que era o mais velho, o fundador daqui era do outro lado, não era
para cá. Aqui era uma Sesmaria da Formiga, do corgo da formiga para lá
era Sesmaria do Capum [...]. Essa fazenda Formiga era a comunidade do Zé
Alves antigamente, aqui não era Zé Alves, era outra coisa, Zé Alves era do
outro lado da ponte para lá. Esse pessoal da comunidade foi incomodado pelo
fazendeiro José Gonçalves de Barros, o fazendeiro chegou pegando gente
inocente e levando para a cadeia. Eles ficaram com medo e vieram para cá
com nós. Em um pedacinho de terra onde é a casa do Pedro fizeram seis
barraquinhos de palha [...] (Velho Manoel – Zé Alves).
A comunidade iniciada pelo senhor Manoel de Moraes também passou a se chamar Zé
Alves, durante este período expropriados do território por fazendeiros os/as moradores/as de Zé
Alves tiveram que se organizar na comunidade vizinha.
Figura 01: Córrego Formiga na Comunidade Zé Alves.
Fonte: ACERVO GPEA (2017).
42
Em relação a expropriação vivenciada neste período pelos moradores/as de Zé Alves
pode-se dizer que se perpetua até os dias atuais em todo o território mato-grossense. A história
deste estado se caracteriza pela conquista, ocupação e disputa por terra, utilizando-se das mais
diversas formas de violências, os povos do campo foram e ainda continuam sendo expulsos e
submetidos a persistentes violações dos seus direitos constitucionais de acesso à terra (Artigo
5º, incisos XXI e XXIII) (MORENO, 1999; ROSSI, 2015; MOREIRA, 2017).
Para Silva (2015, p.41), “desde o início da formação do Brasil a terra tornou-se sinônimo
de riqueza e poder. Em consequência, as disputas pelo controle da terra sempre foram acirradas
e violentas, no intuito de garantirem o domínio da propriedade privada da terra”. Vimos que a
situação narrada onde o “[...] o fazendeiro chegou pegando gente inocente e levando para a
cadeia [...]” (Velho Manoel – Zé Alves)” é um pequeno retrato das atrocidades que continuam
acontecendo. A autora acrescenta que “a luta pela terra e pelo território sempre foi marcada
pela violência dos proprietários e pela violência do Estado e, de outro lado, pela luta, resistência
e organização dos camponeses, dos povos tradicionais, das comunidades indígenas, etc.”
(ibidem p. 45).
Em Poconé, com a chegada do Frei Joaquim Tébar Fernandez ou Padre Xim como ficou
conhecido, vindo da Espanha na década de 1970, iniciou um movimento de fortalecimento das
comunidades localizadas no campo e a construção das primeiras igrejas católicas por meio do
movimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Essas iniciativas potencializaram
ações de resistência e permanência nos territórios. Moradores/as relatam que antes da chegada
do Padre Joaquim, “[...] era um arraial aqui, outro ali, mas nunca tinha nome de comunidade,
a comunidades começou quando o Padre Joaquim chegou aqui, ele começou a fazer reunião
com os jovens, era muito criativo, isso fortaleceu as comunidades (Velho Manoel – Zé Alves)”.
Na concepção daqueles que o conheceram, como Maria Lúcia do Nascimento, o “[...] Padre
Joaquim trabalhava pela igreja, pelo campo para que se desenvolvesse, pela associação e pelo
cooperativismo [...]”.
Em Zé Alves antes da construção da igreja na década de 1980, as missas eram rezadas
em espaços improvisados, após algumas reuniões e com a ajuda de Padre Joaquim ficou
decidido que seria realizado uma festa tendo como objeto angariar fundos para a sua construção.
A religiosidade é extremamente forte nesta região, em julho são realizadas as comemorações
em honra a São Pedro com levantamento do mastro e em setembro, a de Nossa Senhora de
Lurdes, ambas comemorações regadas de muitas danças, músicas e comidas. Além das
festividades em todas as comunidades do campo, na sede do município de Poconé existe a
presença de outras expressões culturais e religiosas, entre elas a festa da Padroeira da cidade,
43
Nossa Senhora do Rosário. A festa é realizada na praça da cidade com comidas e bebidas típicas
e apresentações das danças siriri, cururu e mascarado. Essas expressões religiosas fortemente
presentes representam um momento de sociabilidade e de reafirmação da própria identidade.
Com ardor missionário, Padre Joaquim realizou em Poconé inúmeras obras materiais
para atender à população tanto da cidade como do campo. Conforme a Revista 4º Poder (2010)
com a ajuda da comunidade; prefeitura municipal; amigos; católicos da Alemanha, Holanda,
Espanha e irmãos franciscanos, criou quatro Centros Comunitários; dezesseis Capelas; reforma
e construção de dois Centros de Treinamento de Líderes; reconstrução da igreja Matriz;
construção do Centro de Atendimento ao Menor “Colégio Nazaré”; Núcleo Industrial
Polivalente Nazaré II, tudo para atender ao apelo das mães, sobretudo da Zona Rural, trabalhou
com afinco para a implantação do Internato Rural “Ascensión Dorado Tebar” na comunidade
de Cangas e para a construção de casas populares no município.
Com o incentivo do Padre Joaquim, em 1988 foi criada Associação de Pequenos
Produtores Rurais da Comunidade Nossa Senhora de Lurdes, atualmente trabalha por
intermédio da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), do Programa de Aquisição
Alimentar (PAA) e da Compra Antecipada da Agricultura Familiar (CAEAF) comprando
produtos da Agricultura Familiar, sendo esta uma forma encontrada para incentivar a produção
pela Agricultura Familiar no campo. Além da associação, a comunidade está ligada a
Cooperativa Mista dos Produtores Rurais de Poconé (COMPRUP) com sede no município de
Poconé, e conta com um barracão para o armazenamento e comercialização da produção.
A COMPRUP surgiu em 1992 como uma necessidade de fornecer opções de renda para
as populações que vivem nas áreas de reforma agrária e em comunidades tradicionais de
Poconé, fortalecendo a produção e comercialização dos produtos. A versatilidade do baru ou
Cumbaru (Dipterys Alata) árvore nativa do Cerrado, chamou a atenção da cooperativa, que
passou a estimular seus associados a se dedicarem à coleta e ao beneficiamento dessa planta,
garantindo renda extra para mais de 200 famílias de pequenos agricultores16da região. A
cooperativa possui equipamentos (forno, mesa, torradeiras, embaladora, prensa e embalagens)
para o beneficiamento do Cumbaru.
Se esse nosso município aqui que é 75 comunidades, se não é essa benção
dessa cooperativa o que seria desse campo...estaria todo mundo à mingua,
sem comida, sem roupa, sem tudo. Porque eles [poder municipal] não vão no
campo para procura saber nem se tá precisando de estrada (Maria Lúcia do
Nascimento – Zé Alves).
16 Disponível em: <http://www.centraldocerrado.org.br/comunidades/comprup/>. Acesso em: 17. Jun. 2017.
44
Compreendemos que a organização das comunidades do campo por meio das
associações ou cooperativas é um mecanismo de resistência e enfretamento ao capital. Apesar
dessas articulações, observamos nas vivências em campo que nem todas as famílias da própria
comunidade sobrevivem dos produtos comercializados. Enquanto os homens deixam a família
e se deslocam para as fazendas próximas onde vendem sua força de trabalho como empreiteiro,
mensalista ou diarista para os grandes fazendeiros da região, as mulheres ficam em casa
cuidando dos filhos, trabalhando no preparo da rapadura ou nas roças plantadas nos quintais.
Os jovens que permanecem na comunidade encontram-se estudando ou ajudando a
família no plantio, na colheita e na comercialização dos produtos como hortaliças, verduras,
frutas, doces, cana-de-açúcar e seus derivados – melado, rapadura e açúcar mascavo. A grande
maioria encontra-se organizado por meio do associativismo e cooperativismo para que assim
possam plantar e colher, e consequentemente permanecer na comunidade e sobreviver da terra.
Para tanto, essas organizações coletivas colaboram com as lutas pelo acesso à terra e “[...]
constroem possibilidades de acesso aos programas e projetos, ao mesmo tempo em que lutam
por um espaço que possa se constituir como território para a afirmação de sua identidade
camponesa” (LEÃO; ANTUNES-ROCHA, 2015, p. 25).
A escola construída para atender a demanda de estudantes da própria comunidade e das
proximidades encontra-se em ruinas. Com o fechamento na década de 1990 passaram a ser
levados de transporte escolar para o distrito do Chumbo e Cangas, essa situação fez com que
muitas famílias deixassem o campo com o sonho de encontrar na cidade melhores condições
tanto de trabalho como de estudo para seus filhos.
[...] às escolas é, via de regra, uma aventura perigosa. Com raras exceções, são
longas horas (três, quatro, ou mais) todos os dias a serem percorridas até a
escola. As condições das estradas são ruins e difíceis de serem conservadas,
principalmente no período das chuvas. No período da seca, a poeira, o
sol/calor escaldante. O estado precário dos ônibus (em muitos casos,
verdadeiras “sucatas”) completa o cenário nada convidativo para os estudantes
(crianças, jovens e até adultos) irem à escola. Para muitos pais e alunos, o
sonho de uma “via melhor” acaba bastante cedo, ainda nos anos iniciais da
escolarização. São estes trabalhadores (meninos e meninas, filhos e
trabalhadores do campo que engrossam as repetias estatísticas sobre
analfabetismo no campo). Portanto, sabem-se as causas: desigualdades
sociais, sempre reforçadas e reproduzidas dentro da própria escola
(PERIPOLLI; ZOIA, 2014, p. 102).
Diante desta afirmação, um dos moradores relata que quando as crianças vão para a
escola a comunidade fica sem vida “[...] as crianças são a alegria da comunidade e do
assentamento é a escola né, no lugar, ai as crianças vão no clarear do dia de ônibus, só chega
45
de tardezinha, ou meio dia, só fica fora, na estrada” (Josias Paulino de Castro- Zé Alves).
Arroyo e Fernandes (1999, p. 10) defendem a necessidade de um projeto especifico de escola
para o campo, “não uma escola no campo ou para o campo, nem uma escola da cidade no
campo, mas uma escola do campo, com a cultura, os valores, a luta do campo”. A realidade
vivenciada pelas escolas do campo trata-se de uma questão ampla e complexa, acredita-se que
as políticas públicas “[...] estão voltadas a atender os interesses de um projeto de campo que
interessa ao projeto do capital: agronegócio, e não os interesses de quem tem a terra como um
bem voltado à produção do sustento da família (terra de trabalho)” (PERIPOLLI; ZOIA, 2011,
p. 195).
As poucas famílias que ainda resistem nas comunidades assistem ao fechamento ou ao
processo de nucleação das escolas, sem gente no campo, a escola não tem mais sentido, pois
não há estudantes, e o campo do camponês se transforma no campo do agronegócio. Essas
famílias estão organizadas em 300 hectares divididas entre terras de uso comum e particulares
como mostra o mapa (Figura 02), ademais a comunidade não possui posto de saúde, telefone
público, transporte coletivo, coleta de lixo, rede de esgoto e o abastecimento d’água é feito por
um poço artesiano comunitário.
Figura 02: Localização da Comunidade Zé Alves – Poconé/MT.
Fonte: MAPA ELABORADO POR DUARTE E VALLES (2017).
46
Nesta região encontra-se também a Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal,
que a mais de trinta anos sofre com a expropriação de suas terras por fazendeiros, como será
abordado no item subsequente.
2.3 - Próxima parada: Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal
Para entender como se deu a formação do quilombo Laranjal primeiro buscamos ouvir
os/as moradores/as antigos que permanecem na comunidade, mas que se negaram a contar a
história, por isso revisitamos a história tendo como base o Relatório Antropológico17,
disponibilizado pelo INCRA. O quilombo está localizado no município de Poconé-MT,
ocupando historicamente as microbacias da várzea do córrego Cocunda ao nordeste, o córrego
Tarumã ao sudoeste/sul, e córrego Arbino ao centro, fazendo divisas ao noroeste com as
morrarias. Todos, por meio do córrego Cocunda são integrantes da bacia hidrográfica do rio
Bento Gomes.
Atualmente sua população encontra-se confinada na porção central do território com
habitação permanente às margens da estrada vicinal Buriti, a 15 km da MT 451 - Rodovia
Adauto Leite18, com entrada para a comunidade no km 13, conhecida como “Coenge”
(JAKUBASCZKO et al, 2014). Como é possível observar (Figura 03) as partes em verde claro
são áreas com maior concentração de moradias dos descendentes quilombolas que ainda
ocupam esta região, as partes destacadas não representa toda a porção de terras ocupadas, essas
estão concentradas nas mãos de fazendeiros da região. Essa situação tem contribuído para a
perda das expressões culturais passadas de gerações, que os antecederam como as festas
religiosas de Santos e rezas, práticas de cura, formas de preparo e cultivo da terra, já que muitos
têm deixado a comunidade em busca de melhores condições e oportunidades de vida.
17 As informações históricas que compõem esse sub-capítulo foram retiradas do Relatório Antropológico
Caracterização Histórica, Econômica, Ambiental e Sócio- Cultural da CRQ Laranjal (Poconé /Mato Grosso). O
relatório antropológico define-se como produto final da realização dos procedimentos técnicos necessários ao
Estudo e Identificação de Limites da Terra Quilombola Laranjal (município de Poconé/MT), por determinação do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –INCRA – que institui a constituição do Grupo de trabalho
para execução de tal tarefa, por meio de convenio firmado entre a Superintendência Regional do INCRA/MT e a
Empresa Capital Informática através do Pregão Eletrônico Nacional nª 015/2011, lote 8, que engloba, além da
CRQ Laranjal, também a de Tanque do Padre Pinhal, Morrinho e Jejum, todas no referido município. 18 A rodovia que antes era chamada de Coenge recebeu o nome de Adauto Leite em homenagem a um dos
encarregados da obra que se tornou fazendeiro e político influente no Munícipio de Poconé (ALMEIDA, 2012, p.
84).
47
Figura 03: Localização do Quilombo Laranjal – Poconé/MT.
Fonte: MAPA ELABORADO POR DUARTE E VALLES, (2017).
A ocupação deste quilombo remete a uma memória de aproximadamente 200 anos de
habitação nesta região. Para Ferreira (2013), a formação de comunidades renascentes de
quilombos no Brasil e em Mato Grosso nasce como uma forma de resistência à escravidão
imposta durante o período da colonização, onde homens e mulheres africanos/as e afrodescentes
se rebelaram contra a situação de escravizados, muitos fugiram das fazendas e de outras áreas
de produção refugiando-se em florestas de difícil acesso, nesses locais, constituíam seus novos
territórios, ou seja, os quilombos.
[...] os termos quilombo e quilombolas foram utilizados para caracterizar os
sujeitos e grupos sociais organizados em torno da contestação ao sistema
hegemônico escravista. Seguindo a tradição banto, o termo quilombo foi
trazido e utilizado por africanos e afrodescendentes para caracterizarem seus
territórios de resistência ante o sistema colonial escravista. Quilombolas
tornaram- se os seus habitantes, aqueles que se rebelavam com a situação de
escravização e marginalização em que se encontravam, nela forçosamente
inseridos, como trabalhadores explorados à exaustão, capturados e arrancados
de seus territórios originários, comprados e vendidos como mercadoria
(FERREIRA, 2013, p. 647).
48
Na concepção da Fundação Cultural Palmares, os remanescentes de quilombos são
descendentes de africanos escravizados que fugiram em busca de melhores condições de vida
e mantiveram suas tradições culturais de subsistência e religiosas ao longo dos séculos19. Nessas
fugas, ocuparam terras livres, isoladas, dificultando que fossem capturados ou ainda por
processos de heranças, doações e recebimento de terras por serviços prestados ou como
aconteceu no quilombo Laranjal, que a formação se deu pela compra de lotes com recursos
adquiridos pelo Sr. Antônio Dias (JAKUBASZKO et. al., 2014).
Para a antropóloga, as evidências e narrativas sobre a história da comunidade remetem
a uma rede parental composta por oito gerações, o casal fundador Sr. Antônio Dias e dona
Salomé da Silva, após se casarem tiveram vários filhos, viveram como camarada ou agregado
de Luís da Silva na mata do Cocunda e após anos de serviço prestado obtiveram terras próprias
em Várzea Funda20 (microbacia do córrego Arbino). O nascimento do Sr. Antônio Dias se deu
na Lagoa do Pirizal nas proximidades de Paratudo. Paratudo é a atual comunidade Aranha e as
matas de várzea do córrego Cocunda, local onde foram construídas as primeiras casas,
estendendo-se à microbacia do córrego Arbino e Tarumã ocupada por eles desde então. Essas
terras foram compradas no século XIX sem escrituras e sinalizados por marcos.
Como as terras compradas no século XIX pelo Sr. Antônio Dias não possuía escrituras,
o dono do cartório de Poconé/MT acompanhado de agrimensores, autoridades locais, jagunços
e funcionários públicos do município chegou na comunidade dizendo que as terras ocupadas
pelos descendentes dos antigos moradores/as do quilombo eram terra de herança, e expulsaram
todos do território. A falta de documentos que comprovassem o direito sobre a terra é um dos
fatores que contribuíram para provocar conflitos entre grupos desiguais neste estado, na
concepção de Welch (2013, p.143), “parece claro que o período colonial produziu uma
tendência a permitir que o poderoso controlasse gigantescas porções de terras e sustentasse suas
vantagens através dos tempos”. Estabelecendo uma relação cruel entre opressor e o oprimido.
Com a promulgação da Lei de Terras, em 18 de setembro de 1850, a busca por títulos
originais tornou-se especialmente importante, além disso, estabeleceu-se a compra como a
única forma de aquisição de terras, assim, as terras tornaram-se mercadorias, sendo esta uma
19 Uma das funções da Fundação Cultural Palmares é formalizar a existência destas comunidades, assessorá-las
juridicamente e desenvolver projetos, programas e políticas públicas de acesso à cidadania. Mais de 2.600
comunidades espalhadas pelo território nacional já foram certificadas pela Palmares. Disponível em:
< Http://www.palmares.gov.br/?page_id=37551/>. Acesso em: 19. Jun. 2017. 20 ‘Várzea Funda’ corresponde à denominação histórica do local por seus habitantes, enquanto que Laranjal
corresponde ao nome de registro oficial que constava nas certidões dos nascidos desta localidade, provavelmente
referenciada pela nominação de uma antiga sesmaria – Sesmaria Laranjal (vizinha das Sesmarias Guanandi e
Salobim) (JAKUBASZKO et. al., (2014, p.37).
49
tática utilizada pela classe dominante para que posseiros, imigrantes, escravos e outros grupos
presentes neste território, fosse impossibilitado de obter recursos suficientes para adquiri-las.
Essas situações acirram os conflitos em torno da questão agrária, sendo esta a herança deixada
pela história do direito agrário no Brasil, caracterizado por expropriações, êxodo rural e a
concentração fundiária durante todo o processo da formação do Brasil (SILVA, 2011; WELCH,
2013; JAKUBASZKO et al., 2014).
Os quilombolas sentiram e sentem todas as consequências dessa Lei que assegurou mais
uma vez, os direitos para uma pequena parcela da população. Eles/as foram “[...] vítimas
permanentes de um percurso fundiário flagrantemente marcado pelo dolo, pelo vício e pela
intimidação e esbulho renitente” [...] (JAKUBASZKO et al., 2014, p. 65). Para Moreira (2017)
as comunidades quilombolas continuam sendo marginalizadas e invisibilizadas em virtude da
morosidade da justiça brasileira em conceder o direito de regularização fundiárias, essas
situações podem ser consideradas como racismo institucionalizado.
Diante de tantas injustiças vivenciadas no passado que se perpetua no presente, na
primeira década do século XXI, o quilombo recebeu a visita de pesquisadores/as da UNEMAT
e do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso (CEPIR-MT), que
realizavam um estudo para identificar, registrar e promover encontros formativos para
esclarecer e orientar quanto aos direitos e procedimentos para a solicitação de reconhecimento.
Após este estudo, os quilombolas optaram pela solicitação de reconhecimento junto à Fundação
Cultural Palmares, tendo obtido a Certidão Legal de Auto-Reconhecimento em 03 de agosto de
2005, pela Diretoria de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro (FCP), processo n°
01420.001.798/2005-41 (JAKUBASZKO et al., 2014).
Durante o processo de reconhecimento, os/as quilombolas de Laranjal do fundo optaram
pela não inclusão das áreas na proposta de delimitação da Terra Quilombola, uma vez que são
associados aos fazendeiros locais. Já aqueles espremidos à beira da estrada têm lutado para que
ocorra a demarcação territorial das terras que foram por direito de seus ancestrais. Nas vivências
em comunidade observamos claramente essa divisão entre Laranjal da beira da estrada e
Laranjal do fundo, tal divisão não cria duas comunidades vizinhas, mas uma separação
provocada pela existência de uma fazenda no meio do quilombo, provocando conflitos internos
entre quilombolas que não compreendem essa relação de cordialidade com os fazendeiros.
Atualmente, aqueles que permanecem esmagados e encurralados entre as cercas dos
latifúndios tentam manter viva sua cultura. O poema de “Terra nossa, Liberdade” de Dom Pedro
Casadáliga, dá voz ao grito para os que clama por uma sociedade mais justa “Malditas sejam
todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar!
50
Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois
e fazer a Terra, escrava e escravos os humanos!”.
Como estão sufocados pelas cercas dos latifúndios, as casas (Figura 04) feitas de adobe
e cobertas por palha se distribui às margens da estrada Buriti, onde cada família conta com
aproximadamente 1,0 hectare de terra para residir e produzir. Geralmente, as residências estão
organizadas em núcleos familiares, ou seja, os filhos constroem suas casas no mesmo terreno
dos pais. Existem poucas casas construídas com tijolo e cimento. Os quilombolas foram
contemplados pelo programa Minha Casa Minha Vida, as casas iniciadas pela empreiteira que
ganhou a licitação junto à prefeitura do município de Poconé-MT encontram-se no alicerce sem
previsão de término da obra.
Com a ausência de espaço para produzirem o necessário para a subsistência familiar, já
que as plantações espalhadas pelos quintais são insuficientes para manter a própria família,
vivem à espera de cestas básicas distribuídos pela Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB). Alguns moradores/as relatam que estão há aproximadamente oitos meses sem
receber as cestas básicas, que era para receber mensalmente, quando chega, geralmente precisa
ser dividida entre duas ou mais famílias, pois a quantidade destinada não é suficiente para
atender aproximadamente sessenta famílias do quilombo.
Figura 04: Casas na Comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal.
Fonte: ACERVO GPEA (2016).
51
Restando apenas a possibilidade de renda vender a força de trabalho como empreiteiro,
mensalista ou diarista para os latifundiários da região. Essa situação também é vivenciada pelos
jovens que deixam a escola muito cedo para vender a força de trabalho e ajudar no sustento da
família, aqueles que permanecem no quilombo não possuem perspectivas de melhores
condições de vida, pois sabem que para continuar os estudos, precisam se mudar para a cidade,
e esse não é o desejo de muitos deles.
A maioria das mulheres são donas de casa e dedicam-se às atividades domésticas ou no
trabalho das roças nos próprios quintais, realizando pequenas plantações de mandioca, abóbora,
cana, banana e batata para a própria subsistência ou na produção de doces das frutas nativas
que são vendidas para complementar a renda familiar. Outra prática bastante comum entre as
mulheres era o extrativismo (cumbaru, pequi, babaçu, jatobá, bocaiuva, acuri, entre outras
espécies nativas), com a introdução da monocultura essa atividade deixou de ser realizada.
Possuem uma associação desde 2005, mas somente em 04 de junho de 2010, que
conseguiram o reconhecimento no cartório mediante a elaboração do estatuto da Associação
Quilombola da Comunidade Negra Rural Laranjal. É por meio da associação que a comunidade
tem se articulado trazendo cursos de formação complementar oferecido pelo Serviço Nacional
de Aprendizagem Rural (SENAR) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
Atualmente, as mulheres têm organizado a associação de plantas medicinais com o intuito de
buscar novas fontes de renda.
O quilombo conta com uma escola municipal que atende aos estudantes das séries
iniciais até 5º ano do ensino fundamental, com uma única sala multisseriada (Figura 05). Para
dar continuidade aos estudos é preciso deslocar-se para Chumbo (cerca de 17 Km), Cangas
(cerca de 30 Km), os adultos são matriculados no EJA e estudam no Chumbo. Esses são levados
em ônibus escolares em precárias condições. Segundo relatos, o principal problema enfrentado
pela escola é a falta de estrutura (não possui sala de informática, refeitório, ginásio coberto para
práticas esportivas, banheiros e salas de aula) e alimentação adequada. A escola dá vida para as
comunidades, para Amorin (2017, p. 55) “[...] é o centro de poder, de tomada de decisões e de
interação entre a comunidade [...]”.
52
Figura 05: Espaço escolar na comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal.
Fonte: ACERVO GPEA (2016).
A comunidade tem acesso à energia elétrica desde 2007, sendo atendida pelo programa
do Governo Federal “Luz para Todos” (Decreto 4.873/2003), que busca atender à população do
meio rural que ainda não possui acesso a esse serviço. Porém, inexiste serviços de extrema
importância, como acesso à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer
e à segurança, entre outros. Apesar de serem direitos assegurados pela Constituição Federal de
1988, observamos no quilombo as precárias condições em que vivem seus/suas moradores/as.
Também é abastecida por um poço artesiano construído pela prefeitura, sendo cobrado
uma taxa para o funcionamento, como a água não chega na mesma quantidade para atender
todas as famílias, tem provocado conflitos entre os quilombolas que se nega pagar o valor
cobrado. Não há posto de saúde, somente uma agente de saúde, quando se encontram com
algum problema de saúde a ida ao médico é sempre a última opção, devido à distância e as
dificuldades com os meios de transporte, muitos acabam recorrendo a chás de ervas e raízes
encontradas na vegetação local. Os desmatamentos realizados têm contribuído para a perda de
espécies medicinais importantes do bioma cerrado, consequentemente já não se encontram com
grande facilidade para o preparo dos remédios caseiros.
Os quilombolas sofrem com a ausência de coleta de lixo, telefone público, serviço postal,
veículo comunitário, saneamento básico entre outros serviços essências no território
quilombola. Essas situações de descaso são vivenciadas em muitos quilombos nas várias
regiões do País. Para Moreira (2017) o descaso do estado somado ao abandono do poder
municipal se traduzem em precarização das condições de vida no quilombo, somando-se a isso
às ações dos fazendeiros contribuíram para agravar ainda mais a situação de insegurança e
53
instabilidade, agravando os conflitos internos e fragilizando laços de solidariedade tão
importantes para resistirem as injustiças socioambientais presentes neste território.
2.4 - As raízes dos Conflitos Socioambientais da atualidade
No lugar que havia matas, hoje é a perseguição,
grileiro mata posseiro só para roubar seu chão
castanheiro, seringueiro já viraram até pião
Zé de Nana está de prova naquele lugar tem cova,
Gente enterrada no chão.
Saga Amazônica
(Vital Farias)
Os cenários conflituosos da modernidade não são ações pontuais e momentâneas que
nasceram hoje, advindas das relações entre sujeitos desiguais ou decorrentes dos modelos de
desenvolvimento adotados, compreendemos que são reações desse processo histórico de
ocupação antropocêntrico, realizadas pelos colonizadores europeus que escravizaram negros
africanos, utilizando-se da violência física e simbólica para dominar e explorar os povos
indígenas que habitavam esse território. Além de iniciar a devastação da natureza por meio da
retirada do pau-brasil para sua comercialização. Evidentemente, as raízes dos conflitos e das
injustiças socioambientais nascem desse período histórico e se perpetuam há mais de 500 anos
afetando diferentes grupos sociais e seus territórios.
É evidente que as relações estabelecidas entre colonizador, negros africanos e povos
indígenas revelam a primeira cena de um Brasil que se constitui historicamente marcado pela
opressão, exclusão e submissão dos grupos sociais com menos poder econômico. Darcy Ribeiro
(1995, p. 3) afirma que foi um “[...] encontro fatal que ali se dera”, ou seja, um desencontro de
gente índia marcado por ciclos de violências e destruição da natureza, decorrentes desse projeto
de sociedade que se desenhava neste período, pautado no desenvolvimento economicista sob a
lógica capitalista de produção.
Os colonizadores trouxeram também forçadamente negros africanos em condições
desumanas e miseráveis para servirem de mão de obra escrava barata ou serem vendidos como
mercadorias como se fosse um povo sem identidade, os negros eram obrigados a esquecer as
culturas e as origens e se converterem à fé de seus senhores (FREYRE, 1998). Esses grupos
foram submetidos a todos os tipos de atrocidades, consequentemente a sociedade moderna de
hoje continua pagando preços altos dessa crueldade iniciada na sociedade de ontem. Situações
de conflitos, violências e opressão tem se perpetuado na atualidade por meio das relações entre
54
os donos dos grandes latifúndios e grupos sociais como quilombolas, indígenas, camponeses,
assentados, posseiros, povos tradicionais e tantos outros que se encontram espalhados por esse
território.
Isso fica claro ao observar os dados do último caderno de “Conflitos no Campo” lançado
pela Comissão Pastoral da Terra – CPT (2016). Conforme a CPT, o ano de 2016 foi um dos
mais violentos desde o início em 1985, foram 61 assassinatos; 1.079 ocorrências de conflitos
por terra; 1.295 no total do conjunto dos conflitos por terra – soma de ocorrências,
ocupações/retomadas, acampamentos; 172 conflitos pela água; 1.536 conflitos no campo –
soma de conflitos por terra, pela água e trabalhista. Conflitos se concretizam nos territórios que
possuem maior concentração econômica e de poder. Para compreender esses cenários de
violência, violação de direitos e injustiças socioambientais que originaram e originam os
conflitos, recorro aos inscritos de Boff (2016, p. 10) que afirma que as pessoas são herdeiras de
quatro sombras históricas que refletem na sociedade moderna:
[...] o nosso passado colonial violento, o genocídio indígena, a escravidão, “a
mais nefasta de todas”, e a Lei de Terras que excluiu os pobres e afrodescentes
do acesso à terra, e os entregou “ao arbítrio do grande latifúndio, submetidos
a trabalho sem garantias sociais.
Em relação à primeira sombra, afirma que todos os processos colonizatórios foram
violentos, nesses projetos foram necessários invadirem as terras, desconsideraram os diferentes
grupos presentes nos territórios e submetê-los a assumir a cultura do invasor/colonizador; a
segunda sombra representada pelo genocídio e a expulsão de milhões de índios das suas terras
que eram por direito, dando início à economia de exploração, revertendo a relação de adaptação
para o domínio da natureza. Jaber-Silva (2012, p. 27) destaca que “os povos indígenas foram
os primeiros a conhecerem a fúria por terra e riquezas dos colonizadores que aqui chegaram”.
A terceira sombra, considerada a mais nefasta e violentas de todas, foi a escravidão dos
negros trazidos da colônia africana para o Brasil, como peças de carvão a serem consumidos
pelo processo de produção, durante a escravidão a eles foram negados o direito à humanidade,
desrespeitando e discriminando a cultura e as religiões afro. Neste contexto, Lima (2011)
destaca que o Brasil é o resultado de uma grande empresa transnacional que veio a serviço dos
colonizadores europeus. Compreendemos que para deixá-la funcionando não mediram
esforços, utilizando-se de uma lógica antropocêntrica desconsideraram as relações entre
sociedade-natureza, considerando apenas os interesses da sociedade capitalista exploratória.
Para Lima (2011) a formação atual não mudou muito, mas manteve o Brasil dependente
do grande negócio mundial, transformado em mero exportador de commodities. Países como o
55
Brasil que são exportadores de commodities estão mais suscetíveis aos conflitos
socioambientais, podendo ocorrer durante a extração dos elementos da natureza, da geração de
energia utilizada ou na produção de mercadorias, além de serem associados a ocupação de
terras; a poluição causada por fábricas, veículos e depósitos de resíduos; as minas de ferro;
fundições, siderúrgicas e fábricas de alumínio; extração e refino de petróleo ou de gás; ou ainda
a extração de material de construção (PORTO; MILANEZ, 2009).
Para o autor novos conflitos são cada vez mais frequentes, principalmente porque a
lógica capitalista está pautada no desenvolvimento economicista, restrito no produtivismo,
consumismo que desrespeitam a vida humana, as culturas, os valores dos povos nos territórios,
os ecossistemas por meio de ações extremamente exploratória e concentradora de poder e
riqueza que transformam bens naturais em recursos. Nesse sentido, novos conflitos são gerados
nesse rearranjo de processos econômicos que estão interligados entre acesso aos bens naturais
para ser transformado em “[...] recurso para a acumulação capitalista e é reproduzida em bens
de consumo, duráveis ou não” (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 09) e a diversidade de grupos
sociais que são invisibilizados e expropriados dos seus territórios pela exploração constante e
de forma predatória dos bens naturais.
Todas as artimanhas orquestradas pelos grandes latifundiários para expropriarem as
populações do campo são causas propulsoras de conflitos. A CPT (2016, p. 15) define que os
conflitos são “[...] ações de resistência e enfrentamento que acontecem em diferentes contextos
sociais no âmbito rural, envolvendo a luta pela terra, água, direitos e pelos meios de trabalho
ou produção”, entre grupos sociais que possuem diferentes modos de se relacionar com o
ambiente. Para Silva (2015, p. 41), “desde o início da formação do Brasil a terra tornou-se
sinônimo de riqueza e poder” para obtê-las manobras ilegais sempre foram cometidas.
Essas manobras têm suas raízes em 1530 quando a Coroa Portuguesa instituiu as
capitanias hereditárias e escolheu um nobre donatário para desempenhar funções
administrativas. As capitanias estabelecem o sistema de sesmarias, os sesmeiros arrendavam os
lotes de terras para pequenos agricultores sem medi-las ou demarca-las, os grandes
arrendatários pressionavam os camponeses para desmatarem outras áreas para realizarem a
extração da madeira. As sesmarias tornaram-se então áreas particulares, adquiridas de maneira
irregular formando os grandes latifúndios improdutivos da atualidade (WELCH, 2013). Os
latifúndios nascem da irregularidade e permanecem na irregularidade.
Diante desse quadro de violação de direitos, Boff (2016) apresenta a Lei de Terras como
a última sombra de um processo colonizatório que excluiu os pobres e afrodescentes, além de
os entregarem ao arbítrio do grande latifúndio, submetendo-os a trabalhos sem garantias
56
econômicas e sociais, para o autor a Lei de nº 601 explica grande parte dos conflitos no campo
da atualidade. Ficando estabelecido que a aquisição se daria mediante a compra, posseiros e
escravos libertos não tiveram recursos suficientes para adquiri-las, a exclusão também ocorreu
durante a elaboração podendo participar somente a classe dominante, sendo projetada para
impedir que o modelo agrário caracterizado pelo pequeno agricultor não se desenvolvesse.
As terras passaram a ser tratadas como mercadorias objetivando atrair investidores e
imigrantes para o Brasil (BOFF, 2016; WELCH, 2013). Com a ausência de terras, os posseiros
e escravos libertos foram obrigados a vender a força de trabalho para os donos dos grandes
latifúndios em troca de salários bem abaixo do valor. Os opressores iniciaram sua hegemonia
em 1500 e permanecem até hoje, sustentando suas vantagens sobre as desvantagens dos grupos
sociais desfavorecidos economicamente. Na compreensão de Cosme (2016), todos os grupos
que constroem relações sociais e uma relação sociedade-natureza oposta/antagônica a essa
lógica dominadora que busca transformar a natureza em recurso para o desenvolvimento e
acumulação do capital, são violentamente reprimidos.
Além disso, elementos naturais que deveriam ser comuns a todos foram e continuam
sendo privatizados pelo poder do capital. Nessa lógica dominadora, sociedade e natureza são
vistas de lados opostos, prevalecendo as ações de degradações dos ecossistemas por meio dos
desmatamentos, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos, mineração, entre outros, afetando
diretamente a vida dos povos do campo, das florestas e das águas, os quais não conseguem
competir com esse modelo econômico. Desta forma, Martínez Alier (2007, p. 9) reafirma que
“a produção, crescente, necessita de uma base material também em expansão [...]” portanto,
“não resta dúvida de que a produção de mercadorias em larga escala estimula a confrontação
pelo uso da natureza”.
Para sustentar sua hegemonia, os latifundiários sempre conseguiram o apoio dos
governos durante a transição política de um período para outro, impedindo que ocorresse a
votação da reforma agrária, com o apoio do estado, conseguiram que a questão agrária ficasse
sob responsabilidade da oligarquia agrícola que governaria o país durante a maior parte do
século XX (WELCH, 2013; STEDILE, 2013). Foram mais de cem anos adiando essa votação
e garantindo os privilégios da elite agrária, pois com a reforma ocorreria a democratização do
acesso justo a terra, através da desapropriação dos latifúndios pelo Estado e redistribuição para
todos que se quer tinham onde morar e produzir, buscando reparar os danos da distribuição
fundiária injusta ocorrida por séculos.
Somente em novembro de 1964, o Congresso Nacional conseguiu aprovação da
Reforma Agrária, o documento foi elaborado tendo como objetivo eliminar os latifúndios e
57
promover a Agricultura Familiar, os representantes dos ruralistas no Congresso com medo do
estatuto ser utilizado pelos camponeses, mudaram seus objetivos, ficando “[...] restrito à
modernização da agricultura de larga escala, consolidando a agroindústria nacional” (WELCH,
2013, p. 146), novamente os grupos sociais foram injustiçados pelo poder dominante.
Esse desrespeito aos grupos sociais e aos ecossistemas, que se dá por meio da
apropriação dos elementos da natureza para fins específicos de produção de capital gera
exclusão, expropriação e produzem reações por parte de movimentos sociais, grupos e
populações que se sentem atingidos em seus direitos fundamentais (PORTO; PACHECO;
LEROY, 2013; PORTO; MILANEZ, 2009) como acesso à terra, à moradia, à educação e à
saúde que são amparados pela Constituição de 1988.
Reflexões dessa natureza permitem compreender que o desenvolvimento econômico
baseado nos princípios capitalista, é ambientalmente insustentável e socialmente injusto,
ademais, contribuíram para que os conflitos socioambientais se intensificassem. Conflitos
“podem ser definidos pelo embate entre grupos sociais a partir de seus interesses e valores
envolvendo de forma central questões ecológicas, como o meio biofísico, o uso dos territórios
e seus recursos naturais (bens naturais)” (PORTO; MILANEZ, 2009, p. 1984). Intensificando-
se quando a lógica economicista e consumista desconsidera valores culturais, grupos sociais
presentes nos territórios e transforma os componentes naturais em mercadorias, aumentando a
concentração de renda e poder, ocasionando assim situações de injustiças ambientais. Portanto,
entendemos por injustiças ambientais,
[...] mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico
e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às
populações de baixa renda, aos grupos sociais discriminados, aos povos
étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e
vulneráveis (PORTO; PACHECO, 2009, p.05).
O Brasil destaca-se tanto pela sua diversidade cultural como pela sua acentuada
desigualdade, provocadas pela disparidade de distribuição de renda. Nas considerações de
Porto, Pacheco e Leroy (2013, p. 17), as injustiças são decorrentes das disputas políticas e
simbólicas envolvendo diferentes formas de projetos e aplicações dos recursos nos territórios,
e transformam-se “[...] em conflitos à medida que resistência e mobilizações vão se instaurando,
e, por isso, muitas injustiças permanecem invisíveis para a sociedade diante do déficit
democrático e das assimetrias de poder”.
Os grupos tentam resistir às injustiças socioambientais, aos processos de expropriações
e expansão das atividades econômicas realizadas pelos donos dos grandes latifúndios de
58
monoculturas para que também possam permanecer nos territórios. Porém, essa expansão
somada a utilização de agrotóxicos influencia a migração do campo para a cidade, temos a
formação de outra estrutura de campo, um campo sem vida, sem história, sem cultura, sem
grupos sociais, sem biodiversidade, um campo que morre para atender às demandas da
produção de commodities, essa busca incessante por desenvolvimento tem alimentado ainda
mais as situações de injustiça ambiental.
Os grupos com menor renda são os que recebem as maiores cargas dos danos ambientais
do desenvolvimento, ou seja, são os que menos têm acesso ao ar puro, água potável, saneamento
básico, segurança fundiária e emprego (ACSERALD; HERCULANO; PÁDUA, 2004). Nas
comunidades pesquisadas, as injustiças são decorrentes da introdução das monoculturas que
altera a paisagem natural, a utilização de agrotóxicos que contaminam o solo e rios
impossibilitando o acesso à água potável, das disputas por terra, do desemprego, da insegurança
alimentar, das áreas para cultivos para a subsistência e comercialização, saneamento básico,
entre outros. Como diz Che Guevara “se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que
se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”. É com esse olhar de
indignação que esta pesquisa se constitui.
2.5 - Mudanças Climáticas e seus efeitos na vida dos grupos sociais vulneráveis
“A maioria da população brasileira não está
preparada para enfrentar as mudanças
climáticas (IPCC, 2013)”.
O modelo de desenvolvimento econômico e o estilo de vida adotado pelo ser humano
provocaram significativas mudanças no clima. Entendemos que essas mudanças são advindas
das ações antrópicas de degradação da natureza, da produção e consumo desenfreado, além das
práticas insustentáveis realizadas para atender aos interesses economicistas de uma pequena
parcela da população (JACOBI et al., 2011). Mesmo que a Terra tenha passado por ciclos
naturais de aquecimento e resfriamento ao longo da história, da mesma forma que períodos de
intensa atividade geológica lançaram na superfície quantidades elevadas de gases que formaram
de tempos em tempos uma espécie de bolha gasosa sobre o planeta criando um efeito estufa
natural, as atividades humanas são determinantes para o aquecimento do planeta (MARENGO,
2006; TAMAIO, 2013). Porém, ainda existem cientistas que discordam dessa afirmação.
Na tentativa de entender esse fenômeno climático que tendem a se intensificar e afetar
principalmente, as populações vulneráveis economicamente, na década de 1980 pesquisas
59
começaram a ser realizadas, foi identificado por meio destes estudos um incremento
significativo na concentração de gás carbônico na atmosfera, associado ao aumento da
temperatura terrestre (JURAS, 2008). Ao reconhecer a gravidade desse incremento, em 1988
foi instituída pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e a Organização das Nações
Unidas (ONU), o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) que tem como
objetivo “[...] avaliar, de forma abrangente, objetiva, aberta e transparente, as informações
científicas, técnicas e socioeconômicas relevantes para compreender os riscos das mudanças
climáticas [...]” (ibidem, p. 35).
Posteriormente, na década de 1990 o IPCC lançou o primeiro relatório, evidenciando
que o clima estava passando por processos de transformações provenientes das atividades
humanas, aumentando os gases de efeito estufa e tendo como resultado o aquecimento da
superfície terrestre. Em 1995 foi apresentado o segundo, nele foi indicado um crescimento
significativo dos gases do efeito estufa desde a era pré-industrial, resultado das causas naturais
e atividades humanas. Em 2001 foi divulgado o terceiro, os cientistas chegaram à conclusão
que o aquecimento nos últimos cinquenta anos, provavelmente estava ocorrendo em virtude do
aumento nas concentrações de gases de efeito estufa. Em 2008 foi divulgado o quarto relatório
colocando fim a todas essas dúvidas (MARENGO, 2007; JURAS, 2008; PINTO; MOUTINHO;
RODRIGUES, 2008).
Embora o efeito estufa seja um fenômeno natural que acontece há milhões de anos na
atmosfera e é necessário para a existência da vida humana, desde 1750, nos primórdios da
Revolução Industrial com a substituição da produção manufaturada pela industrializada,
observamos nos últimos 50 anos um aumento de 31% da concentração do dióxido de Carbono
(gás que impede que o calor do Sol se dissipe nas camadas mais altas da atmosfera e se perca
no espaço) na atmosfera. Após a Revolução Industrial, de 1760 até 1960, os níveis de
concentração de CO2 aumentaram de 277 partes por milhão (ppm) para 317ppm, um aumento
de 40ppm. Durante 1960 a 2001, teve um acréscimo de 54 ppm, atingindo o patamar de 371
ppm (MARENGO, 2007).
Os gases do efeito estufa absorvem parte da energia do Sol, refletida pela
superfície do planeta, e a redistribuem em forma de calor através das
circulações atmosféricas e oceânicas. Parte da energia é irradiada novamente
ao espaço. Qualquer fator que altere esse processo afeta o clima global. Com
o aumento das emissões dos gases de efeito estufa, observado principalmente
nos últimos 150 anos, mais calor passou a ficar retido (MARENGO, 2007,
p.25).
60
Esse novo modelo econômico iniciado com a Revolução Industrial sustentado no uso
excessivo de combustíveis não renováveis, na transformação dos bens naturais em recursos,
contribuindo para elevar os níveis de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases do efeito
estufa que provocam as Mudanças Climáticas. Além do aumento da concentração desses gases,
existem outros impactos previstos como consequências das mudanças climáticas, tais como:
aumento na incidência da ocorrência de eventos climáticos extremos; elevação do nível do mar;
perda de cobertura de gelo; alterações na disponibilidade de recursos hídricos; mudanças nos
ecossistemas; desertificação; interferências na agricultura e impactos na saúde e bem-estar da
população (PINTO; MOUTINHO; RODRIGUES, 2008).
A influência da atividade humana sobre o clima é complexa: diz respeito ao
que consumimos, ao tipo de energia que produzimos e utilizamos, se vivemos
na cidade ou em uma fazenda, em um país rico ou pobre, se somos jovens ou
velhos, o que comemos e, até mesmo, tem relação com a igualdade de direitos
e oportunidades desfrutada por mulheres e homens (JACOBI et al.,2011, p.
136).
Para sustentar o crescimento econômico altamente concentrador que coloca os grupos
sociais em vulnerabilidade intensificaram-se os desmatamentos, as queimadas, a utilização de
combustíveis fósseis como carvão mineral, petróleo e gás natural, a agricultura e a pecuária.
Essas atividades são as principais responsáveis pela elevação do nível do mar, desertificação,
tempestades, furacões, ciclones, enchentes ocasionadas pelas chuvas volumosas e concentradas,
deslizamento de terras que provocam desalojamentos e a morte, queimadas, fortes ondas de
calor e frio, secas prolongadas e outros impactos que atingem diretamente grupos sociais
vulneráveis espalhados pelo território.
Notícias dessa natureza transmitidas constantemente pelos meios de comunicação têm
sido quase que sempre muito concisas e por vezes imprecisas, além do mais, não estabelece
proximidade com as mudanças climáticas, parece abstrata e até mesmo longe da realidade,
tornando-se de difícil compreensão para a maioria da população que não sabe como deve atuar
para mitigar ou evitar as emissões dos gases de efeito estufa (MARENGO, 2007; TAMAIO,
2013). Face ao exposto, a natureza está dizendo que o atual modelo econômico, de produção e
consumo excessivos, é perigoso e pode ser suicida (TAMAIO, 2013, p. 43).
Ao observar o “Mapa das Mudanças Climáticas do Brasil” (Figura 06)21 apresentado
pelo “Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social22”, todas as regiões brasileiras são afetadas
por esse fenômeno em menor ou maior magnitude. Na região Centro-Oeste onde encontra-se
21 Disponível em: <http://fmclimaticas.org.br>. Acesso em: 11 set. 2017. 22 Disponível em: <http://fmclimaticas.org.br>. Acesso em: 11 set. 2017.
61
localizado o estado de Mato Grosso, observa-se a elevação dos níveis de secas com
temperaturas alcançando os níveis insuportáveis, rios intermitentes desaparecendo no tempo
das secas, nascentes mortas, cidades ameaçadas por falta de abastecimento de água, atividades
de mineração destruindo nascentes, córregos e afetando a fertilidade das terras, territórios de
povos indígenas e comunidades de quilombolas e de camponeses sendo invadidos e roubados
por grandes empresas do agronegócio e ameaças nas bacias hidrográficas pelo bombeamento
irresponsável de água para irrigação.
Figura 06: Mapa das mudanças climáticas do Brasil.
Fonte: REDESENHADO POR ELIZABETH SÁ (2017).
Portanto, as mudanças climáticas existem, são provocadas pelas ações antrópicas, e
ameaçam de maneira desigual e injusta diferentes grupos sociais espalhados pelos territórios.
Apesar de afetarem as camadas mais ricas da população, a intensidade dos impactos somada à
capacidade de lidar com as consequências e promover alternativas de adaptação e de resistência
são diferenciadas (MILANEZ; FONSECA, 2011). Na concepção desses autores, a diferença
pode estar diretamente relacionada ao território que habitam. Enquanto as populações ricas
habitam áreas com maior acesso à saúde, à educação, à tecnologia, podem promover obras de
infraestrutura, maior renda para enfrentar a provável escassez e o consequente aumento de
preços dos recursos naturais e dos alimentos, esses são fatores que tornam os grupos com maior
62
renda menos vulneráveis às mudanças climáticas do que os grupos com menor índice
socioeconômico.
Existem outros grupos vulneráveis a esse fenômeno “[...] como é o caso das mulheres,
responsabilizadas pelo uso e acesso das águas, a exemplo das cozinheiras, pescadoras
artesanais, marisqueiras (mariscadoras galegas), ou simplesmente das mães que cuidam dos
banhos das crianças, da comida e da limpeza das casas (SATO, 2016, p. 09)”. Além das
juventudes quilombolas, indígenas, camponesas, das cidades e tantas outras espalhadas pelo
território que encontram-se totalmente vulneráveis as injustiças climáticas.
Observamos que “[...] aqueles que são menos responsáveis pelas emissões de gases do
efeito estufa serão aqueles que mais sofrerão com as mudanças climáticas” (MILANEZ,
FONSECA, 2011, p.87), caracterizado um quadro de injustiça climática. Porém, existem outras
correntes que afirmam todos são igualmente responsáveis pelas ações devastadoras do ambiente
e sujeitos aos mesmos efeitos nocivos das mudanças climáticas, independente da origem, credo,
cor ou classe social, já que todas as pessoas vivem no mesmo macro ecossistema global
chamado planeta Terra (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). Em contraposição a esse
cenário surge o movimento intitulado de Justiça Climática, para Sato (2016, p.14) entende-se é
um “[...] movimento ético que busca promover a inclusão social, com proteção ecológica e
economia responsável”.
Percebendo a disparidade dos impactos existentes entre os atingidos pelas mudanças do
clima, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)23 incorpora em suas lutas a justiça
climática. Nessa luta por justiça ambiental, dentre os princípios assumidos pela RBJA, nesta
pesquisa, merece destaque o princípio 4, a respeito dos “[...] direitos dos atingidos por
mudanças climáticas, exigindo que as políticas de mitigação e adaptação priorizem a assistência
aos grupos diretamente afetados” (PORTO; PACHECO; LEROY, 2013, p. 19).
O conceito referendado pela RBJA entende que todos os grupos tenham “[...] direito ao
acesso justo e equitativo aos ambientes naturais, [...] assim como a garantia de que nenhum
grupo social suporte uma parcela desproporcional da degradação ambiental” (ALEIXES, 2015,
p. 42 apud SATO, 2013, p. 41). Há que se considerar que os efeitos drásticos dessas mudanças
podem também aumentar os conflitos entre diferentes grupos, principalmente quando as
23 A Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) foi lançada oficialmente em 2002 no II Fórum Social Mundial
em Porto Alegre, sendo resultado do Colóquio Internacional sobre Justiça ambiental, Trabalho e Cidadania,
realizado em Niterói (2001) pela Universidade Federal Fluminense. A Rede constitui-se como “[...] fórum de
discussões, denúncias, mobilizações estratégicas e articulações políticas que tem como objetivo formular
alternativas e potencializar ações de resistência desenvolvidas por seus membros” (PORTO; PACHECO; LEROY,
2013, p.19). Atualmente 98 entidades partilham de seus princípios e assinam seu manifesto, dentre elas está o
GPEA.
63
populações vulneráveis deslocarem-se das regiões que habitam para outras regiões, na tentativa
de se protegerem dos desastres climáticos.
Encontrar soluções para os impactos das mudanças climáticas é um grande desafio. Na
concepção de Artaxo (2008), o ser humano adquiriu a capacidade de alterar a composição da
atmosfera como nenhuma outra espécie, talvez na história da humanidade não havia ocorrido
até o presente momento, uma questão tão crítica que atingisse a todos os seres vivos, não vivos
e os ecossistemas quanto as mudanças climáticas. Para Tamaio (2013), se a ação humana
responde por grande parte das alterações climáticas, será também pela ação, participação e,
portanto, pela educação formal, educação não formal e pela própria educação ambiental, que
esta geração poderá fazer a diferença no presente e no futuro. Por esta pesquisa estar alicerçada
nos princípios da educação ambiental política, não neutra e transformadora compreendemos
que pode desenvolver ações para o enfrentamento dos impactos advindos das mudanças
climáticas.
Embora existam inúmeros projetos de educação ambiental voltados para as mudanças
climáticas, Tamaio (2013) menciona que geralmente essas iniciativas nem sempre estabelecem
uma relação entre as ações cotidianas e o aumento da emissão dos gases de efeito estufa, diante
desse cenário, fazem-se necessárias a formulação e a implementação de políticas públicas de
educação ambiental que possam contribuir para abordar esse tema de forma crítica e
transformadora. Na tentativa de reverter esse cenário, o GPEA propõe por meio da REAJA
diálogos permanentes com as diferentes instâncias locais, nacionais e internacionais na tentativa
de compreender os desastres advindos das mudanças climáticas, identificando quais os grupos
sociais são mais acometidos por estes agravos, estudando suas táticas de lutas, seus mecanismos
de resistência e contribuindo para a elaboração de políticas públicas em justiça climática que
transcende o debate da mudança climática.
2.6 - Juventudes: algumas concepções e abordagens
[...] ninguém tem a palavra oficial sobre quem são os jovens
ou como eles deveriam ser.
(Valmir Stropassolas, 2002)
A partir das pesquisas e leituras realizadas tanto em livros, artigos, dissertações, teses,
leis e políticas públicas foi possível observar a complexidade de se apresentar uma conceituação
universal sobre juventudes na sociedade contemporânea. Optamos por expor diferentes
definições, e posteriormente, discorrer sobre as juventudes ou jovens camponesas enquanto um
64
ser plural, uma vez que os jovens das comunidades Zé Alves e Laranjal vivem realidades sociais
distintas. Os jovens possuem características muito particulares, seja no modo de pensar, agir e
falar. Para Sato (2006, p. 02) os jovens “tornam-se poetas do mundo, interpretando sonhos de
uma época num mundo em ruínas, e entre desvios e caminhos labirínticos, talvez jamais
cheguem a uma saída, nem salvem o futuro da Terra que parece ter um destino pré-
determinado”.
Pelos caminhos investigativos percorridos, notamos que no contexto brasileiro a
temática juventude perpassa por estudos realizados tanto no campo da sociologia, psicologia,
pedagogia e antropologia (SPOSITO, 1997), talvez seja essa a explicação para tantas
definições, visões e propostas diferentes sobre um único conceito que devem ser consideradas.
A autora citada entende que historicamente e socialmente, a juventude tem sido encarada como
uma fase da vida marcada por uma certa instabilidade. Bourdieu (1983) afirma que é comum
essa construção onde a juventude é associada a rebeldia e a imaturidade, e à velhice, associa-se
a sabedoria e a maturidade. Mas o que é ser jovem?
Para Santos (2016), ser jovem diferencia-se de um indivíduo para o outro de acordo com
recortes sociais, tais recortes são significativos na forma como cada um se inscreve como sujeito
e na constituição de suas identidades, por isso, os sentidos e significados atribuídos à juventude
são múltiplos. Até parece uma tarefa fácil definir juventude.
Juventude é desses termos que parecem óbvios, dessas palavras que se
explicam por elas mesmas e assunto a respeito do qual todo mundo tem algo
a dizer, normalmente reclamações indignadas ou esperanças entusiasmadas.
Afinal, todos nós somos ou fomos jovens (há mais ou menos tempo),
convivemos com jovens em relações mais ou menos próximas, e nas últimas
décadas eles têm sido tema de alta exposição nos diferentes tipos de mídia que
atravessam nosso cotidiano (ABRAMO, 2005, p. 37).
Até 1930 em Chicago, os estudos realizados acerca das gangs enfatizam a delinquência.
Nesse momento histórico se consolida a noção predominante de juventude no século XX, ou
seja, a concepção de juventude passa a ser pensada como um momento de transição no ciclo da
vida, da infância para a maturidade, marcada pela incorporação de normas e valores sociais,
necessárias para a integração como membro da sociedade (ABRAMO, 1997).
Posteriormente, nos anos de 1950 a autora reapresenta importantes considerações sobre
a juventude no contexto brasileiro. As interpretações que vinham sendo construídas desde o
final do século XIX relacionadas à juventude eram inerentes a uma vida turbulenta marcada por
atos de rebeldia sem causa, de delinquência e marginalidade, em outras palavras, como um
65
problema social demanda cuidados e atenção por parte dos adultos para integrar os jovens em
uma sociedade normal e sadia.
Ocorreu nesta década inúmeras mudanças sociais principalmente, relacionadas ao
conceito de juventude que até então não eram debatidos no campo social. As pessoas eram
divididas apenas em crianças e adultas, considerando ainda que antigamente se tornavam
adultas muito cedo, foi nessa época que a ideia de adolescente passou a ser aplicada. Neste
período se consolida a noção predominante de juventude, onde passa a ser pensada como um
processo de desenvolvimento social e pessoal de capacidades e ajustes aos seus papéis de adulto
ou como um período de transição da infância a fase adulta, marcado pela incorporação das
normas e valores sociais necessários à integração como membro da sociedade (ABRAMO,
1997; WEISHEIMER, 2009).
Nesta década a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) realizou investigações no sentido de caracterizar a juventude, o pesquisador francês
Jean Stoetzel ficou encarregado de realizar esta tarefa para o caso do Japão. O primeiro desafio
foi definir a população do estudo, o que foi feito estabelecendo-se de modo arbitrário os limites
de 15 a 25 anos, em seu relatório de pesquisa, publicado pela UNESCO em Paris no ano de
1953, identificou que os jovens se encontravam em relação de extrema dependência de seus
pais, chegando à conclusão de que a “condição de jovem é uma condição muito inferior” a dos
adultos (WEISHEIMER, 2009, apud STOETZEL, 1968).
Para Weisheimer (2009), nas décadas de 1960 e 1970 uma nova geração de jovens se
constituiu. Foram anos de grandes questionamentos em diversos países liderados pelos
movimentos juvenis apesar de serem vistos como uma ameaça à ordem social nos planos
político, cultural e moral, foi compreendida posteriormente como uma categoria portadora de
transformações profundas, configurando-se como uma geração idealista, generosa, criativa, que
ousou sonhar e se comprometer com as mudanças sociais. Neste período por meio do Rock’n
Roll, da liberação sexual, da contracultura, do movimento estudantil, da luta por direitos civis,
a juventude produzia uma crítica à ordem social estabelecida na sociedade neste período.
No contexto brasileiro é particularmente nesse momento histórico que o tema juventude
ganha destaque nos estudos científicos, sobretudo nos engajamentos políticos contra o regime
autoritário, por meio de mobilizações de entidades estudantis e do engajamento nos partidos de
esquerda, movimentos culturais que questionavam os padrões de comportamento, tais como:
sexuais, morais, a relação com a propriedade e o consumo. Por adotar esse comportamento, os
jovens também foram perseguidos pelos aparelhos repressivos, tanto pelo comportamento, uso
de drogas, o modo de se vestir e como por suas ideias e ações políticas (ABRAMO, 1997).
66
Em contraste, a imagem da juventude dos anos 80 provocou inúmeras insatisfações, são
vistos como individualistas, consumistas, conservadores e indiferentes aos assuntos públicos,
sendo uma geração que se renega a assumir seu papel social para buscar mudanças na sociedade
naquele período. Já nos anos 90 ocorre uma retomada do comportamento e características de
delinquência dos jovens dos anos 50, não são mais a apatia e desmobilização que chamam a
atenção, mas “[...] a presença de inúmeras figuras juvenis nas ruas envolvidas em diversos tipos
de ações individuais e coletivas” (ABRAMO, 1997, p. 31).
A partir dessa construção histórica sobre a juventude foi possível observar que “O jovem
no Brasil nunca é levado a sério. Sempre quis falar, nunca tive chance (...)” como diz a canção
de Charlie Brown Jr. Apesar do envolvimento nos principais movimentos de luta no contexto
brasileiro, a mídia sempre apresenta uma imagem negativa da juventude. Entre esses
movimentos ressaltamos o Golpe Militar de 1964 que deu início ao regime ditatorial no Brasil
(1964-1985) onde jovens estudantes e intelectuais começaram a se organizar e manifestar contra
o presidente João Goulart, a Diretas Já (1983-1984), reconhecida como uma das maiores
manifestações populares ocorridas no país, o movimento conhecido como os Caras-pintadas
(1992) organizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) com a participação dos jovens
em manifestações de rua pedindo o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello
(SILVA, 2013). Os jovens estão presentes em praticamente todos os movimentos de lutas e
transformações sociais de nosso país.
A partir dessa breve construção histórica nossos olhares agora voltam-se para a tentativa
de apresentar definições que são adotadas para a juventude. Castro (2013) aduz que a palavra
jovem é um termo utilizado pelo senso comum, pelo campo acadêmico e mesmo nos espaços
políticos desde o século XIX, inicialmente como uma concepção geracional que opunha uma
relação entre jovens e velhos ou jovens e adultos. A autora ressalta que no final do século XX
e início do século XXI, muitos debates sobre a tematização da juventude tomaram conta do
contexto brasileiro, entretanto, muitos desses trabalhos tratam a juventude como uma categoria
autoevidente ou autoexplicativa, como se a concepção de juventude fosse consensual ao utilizar
a idade e/ou comportamento como únicos critérios para definir o início e o fim da juventude na
sociedade contemporânea. Assim, abordar teoricamente a juventude representa um desafio, já
que este conceito é fruto de uma construção social realizada em contínuas batalhas simbólicas
ao longo do tempo (STROPASSOLAS, 2002; SILVA, 2013).
Desde o século XIX, a idade é utilizada como principal critério para identificar quem
pode ser considerado como jovem. Weisheimer (2005) na tentativa de desconstruir esse
conceito impregnado na sociedade apresenta em seus estudos cinco diferentes aspectos: a
67
juventude como faixa etária; a juventude como transição ou ciclo de vida; a juventude como
enfoque geracional, a juventude como cultura ou modo de vida e a juventude como
representação social e auto-representação. Em termos universais, observamos que a concepção
de juventudes como faixa etária sobressai sobre os demais conceitos, consideramos que definir
a faixa de idade não é suficiente para definir jovem.
Vários exemplos podem ser citados, entre eles as definições apresentadas por
organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Comissão Nacional de
População e Desenvolvimento (CNPD) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT)
utilizam o recorte etário de 15 a 24 anos, essa é uma forma de homogeneizar o conceito de
juventude utilizando os limites de entrada no mundo do trabalho e no término da escolarização
formal básico (TRINDADE, 2015).
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não deixa claro a faixa etária
do jovem, no artigo 2º considera criança entre 0 a 12 anos, adolescente dos 12 aos 18, e, em
alguns casos até os 21 anos; a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de
Juventude (CONJUVE) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entende como
jovens as pessoas entre 15 e 29 anos, dividas com os seguintes subgrupos: 15 a 17 (jovem
adolescente), 18 a 24 anos (jovem-jovem) e de 25 a 29 anos (jovem-adulto) (AQUINO, 2009).
Essas organizações e Leis demonstram vários critérios que podem ser empregados para definir
a faixa etária que se compreende como juventude e ainda não existe uma definição
universalizante no contexto brasileiro. Na tentativa de demonstrar as várias definições,
Weisheimer (2004) em sua dissertação de Mestrado apresenta o que poderia ser entendido como
“início da juventude e término da juventude”, posteriormente na tese de Doutorado reescreve
este conceito como sendo:
[...] do ponto de vista das práticas sociais o início da juventude é representado
pelo surgimento da puberdade. Esta é marcada pelo desenvolvimento de um
novo porte físico e por novas exigências e disciplinamento os corpos. Estas
mudanças biológicas são acompanhadas pela incorporação de novos papéis
sociais que acentuam, entre outras coisas, as distinções entre os sexos. De
modo geral, podemos dizer que a entrada da fase juvenil da vida é marcada
por múltiplos critérios que expressam as transformações vividas pelos
indivíduos no plano biológico, psicológico, cognitivo, cultural e social. Por
sua vez, o término da juventude é definido por critérios eminentemente
sociológicos. O fim da juventude aparece relacionada à progressiva autonomia
nos planos cívico (maioridade civil) e ligado à conjugação de
responsabilidades produtivas (um status profissional estável); conjugais (um
parceiro sexual estável assumido como cônjuge); domésticas (sustento de um
domicílio autônomo); e paternal (designação de uma prole dependente)
(WEISHEIMER, 2009, p. 53-54).
68
Após estudos realizados compreendemos que definir o início e o final da juventude a
partir dessas abordagens não são suficientes, devemos descontruir essa ideia de que a
responsabilidade está apenas relacionada aos adultos, porque possuem trabalho fixo, casa e
família/filhos. É possível observar que na sociedade contemporânea muitos adultos se encaixam
nesses critérios, mas não são responsáveis, por outro lado existem jovens que não possuem
trabalho/casa/família/filhos e são responsáveis. Alinhando-se a essas proposições ao propor
essa abordagem sobre o que define ser jovem ou não, buscamos fugir das amarras conceituais
que adotam a faixa etária como única definição.
Weisheimer (2009) profere que as fronteiras que demarcam essas divisões perpassam
por um conjunto de fenômenos objetivos e subjetivos, sociais e individuais que tendem a variar
de sociedade para sociedade, assim “a definição de faixas etárias é, obviamente, arbitrária e não
dá conta das diferenças entre idade biológica e idade social” (ibidem, p. 72). Para o sociólogo
Pierre Bourdieu (1983), isso é banal, mostra que a idade é um dado biológico socialmente
manipulado e manipulável. Lembra ainda que as divisões por idades são arbitrárias, por
intermédio da idade ainda não é possível definir quando começa a juventude e quando começa
a velhice, consequentemente, essas fronteiras entre juventude e velhice se tornaram objetos de
disputas em todas as sociedades. Acrescenta que pode-se encontrar na sociedade duas
juventudes com a mesma idade, aquelas formadas por pessoas que trabalham e aqueles que só
estudam, apesar de possuírem a mesma idade enfrentam situações sociais, econômicas e
familiares totalmente distintas.
Bourdieu (1983, p.152) acrescenta que “as classificações por idade (mas também por
sexo, ou, é claro, por classe...) acabam sempre por impor limites e produzir uma ordem onde
cada um deve se manter em relação à qual cada um deve se manter em seu lugar”. Portanto,
estabelecer a idade como único critério entre juventude e velhice torna-se complexo, já que os
seres humanos se desenvolvem em diferentes meios sociais e culturais. A idade acaba sempre
por impor certos limites à juventude, por isso não há concordância da definição de juventude
por idade, pois são encontrados nos mais diferentes grupos sociais da sociedade jovens que já
assumiram desde cedo suas responsabilidades e são atuantes em diferentes movimentos,
lidando com seus dilemas, pensando e agindo conforme o meio em que estão inseridos
independentemente da idade cronológica.
Nesse processo de desconstrução da idade como único critério para definir juventudes,
os estudos de Silva (2013) os quais foram desenvolvidos com diferentes movimentos juvenis
mato-grossense, podem ser consultados, estes estudos realizam ações de educação ambiental,
ao questionar o que é ser jovem, a pesquisadora revela que ocorreu entre os entrevistados uma
69
predominante compreensão da juventude enquanto um estado de espírito. “De fato, é comum
as pessoas relacionarem juventude a um estado de espírito, o que denota uma idealização
positiva dessa fase da vida [...]” (ibidem, p. 106). Para a pesquisadora, as “imagens plasmadas
sobre juventude, especialmente das que a associam à militância, foi mais importante para a
identificação dessas pessoas, do que a sua delimitação a uma faixa etária, pois as suas
identidades são construídas essencialmente na militância” (ibidem, p. 09).
Apesar de entender a importância de definir a idade para a implementação de políticas
públicas, nessa pesquisa optamos por não definir uma faixa etária para os jovens, a definição
de juventude adveio dos moradores/as de Zé Alves e Laranjal. Adotamos também o critério da
autoidentificação defendida por Silva (2011) como um dos princípios da metodologia Mapa
Social. A autoidentificação também foi defendida por Trindade (2015) em sua tese intitulada
“Constituição social do ser jovem camponês no contexto de assentamentos da Reforma Agrária
na microrregião Guanambi, Bahia”. Para o autor, a autoidentificação dos jovens se deu nos
primeiros contatos com o campo de pesquisa, assim como o autor, foi durante as visitas em
lócus que ao questionar se existia “jovens” nas comunidades em nenhum momento foi
apresentado aqueles que possuem idade cronológica defendida por lei e aqueles que não
possuem, mas são reconhecidos como lideranças jovens.
Diante das transformações sociais, políticas, econômicas e culturais que a sociedade
contemporânea se insere, das manipulações e complexidades conceitual para se definir as
juventudes, nessa pesquisa o conceito de juventudes é defendido a partir das “representações
sociais e autorrepresentações”. Essa abordagem permite entender as juventudes como uma
realidade múltipla, no caso dessa pesquisa a realidade carrega as marcas das injustiças
socioambientais. Esse conceito nomeia uma variedade de relações sociais vividas pelos
indivíduos, permitindo olhar “[...] como sujeitos singulares, com marcas e adjetivos que lhes
são atribuídos nos percursos de vida instituídos na base das contradições que movimentam os
diversos processos que envolvem a vida dos/das jovens” (TRINDADE, 2015, p.107).
70
CAPÍTULO III - O GERMINAR DA ÁRVORE E AS RAMIFICAÇÕES DAS RAÍZES
Mundo Pequeno
(Manoel de Barros)
O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.
Foto: REGINA SILVA (2016).
71
3.1 – Os caminhos e descaminhos metodológicos
Somos seres “a caminho”,
“em busca”.
(Schnorr, 2010)
Para desvelar os caminhos e descaminhos metodológicos percorridos nesta pesquisa
buscamos inspiração na reflexão Freire (1990, p.35), que afirma que “não posso reduzir os
grupos populares a meros objetos de minha pesquisa. Simplesmente não posso conhecer a
realidade de que participam a não ser com eles, como sujeitos também deste conhecimento
[...]”, é com essa concepção de que as juventudes camponesas fazem parte desse processo,
sendo sujeitos ativos de um contexto investigado que esta pesquisa foi realizada. Nesse sentido,
serão evidenciados os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas de Zé Alves e
Laranjal a partir das percepções das juventudes. Serão considerados também os dados dos
mapeamentos que foram fundamentais para a obtenção de olhar macro sobre a realidade
vivenciada pelas comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal.
A metodologia é entendida como o fio condutor da pesquisa, é a explicação detalhada
de todas as ações a serem desenvolvidas, ou seja, os instrumentos, as técnicas, o tempo previsto,
a equipe de pesquisadores/as, o tratamento dos dados que compõem os resultados, enfim é o
momento de apresentar detalhadamente todo caminho percorrido. Em relação ao fazer pesquisa,
Brandão (2003, p. 10) afirma que existem algumas diferenças sobre “[...] como se pensa o fazer
pesquisa científica e como se faz a pesquisa científica que se pensa”. Deve haver outra bastante
próxima entre “como se faz uma pesquisa e como nós vivemos a pesquisa que fazemos”.
Compreendemos que não existe um manual a seguir acerca do processo investigativo durante a
pesquisa, mas a escolha do método e da metodologia são fatores determinantes para se chegar
ao que foi proposto. Brandão (2003, p. 23) acrescenta que nesse fazer e pensar a pesquisa “em
uma sociedade marinada pela desigualdade, nenhuma pesquisa é isenta de neutralidade”.
Na concepção de Minayo (2009), a metodologia é o caminho do pensamento, ou seja, a
prática exercida sobre uma determinada realidade, a ela é incluída a teoria da abordagem (o
método), os instrumentos da pesquisa (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua
experiência, sua capacidade e sua sensibilidade). Portanto, a metodologia “[...] é muito mais
que técnicas. Ela inclui as concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com
a realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade” (ibidem, p.15). A realidade deste
contexto pesquisado carrega as marcas da violência, da violação de direitos, de injustiças sociais
e ambientais e de inúmeros conflitos socioambientais silenciados. Para ouvir os grupos sociais
72
invisibilizados nos territórios utilizamos o método qualitativo acompanhada da metodologia
denominada Mapa Social (SILVA, 2011).
O método qualitativo trabalha com um universo muito particular de aspirações, crenças,
valores e atitudes, aprofunda-se no mundo das significações, das ações humanas, respondendo
a questões muito particulares das relações sociais estabelecidas em sociedade que não pode ser
quantificada (MINAYO, 2009). Esse conjunto de fenômenos é entendido “[...] como parte da
realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz
e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus
semelhantes” (ibidem, p.21).
Na abordagem qualitativa têm-se cinco características básicas que a fundamenta: o
ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal
instrumento; os dados coletados são predominantemente descritivos; a preocupação com o
processo é muito maior do que com o produto; o significado que as pessoas dão às coisas e à
sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador e a análise dos dados tende a seguir um
processo indutivo (TRIVIÑOS, 1987). Assim, os caminhos percorridos, as vivências, as
experiências partilhadas, e as aprendizagens adquiridas com as comunidades pesquisadas e com
o grupo pesquisador me fizeram compreender que o processo é tão importante quanto o produto.
Esse método faz com que o/a pesquisador/a tenha uma melhor compreensão do sujeito
estudado, permitindo a participação em todo o processo, ou seja, é ao mesmo tempo o sujeito e
o objeto da pesquisa. Possibilitando ainda uma relação de proximidade entre pesquisador e
pesquisados, os pesquisados estão livres para dialogar com o pesquisador sobre os assuntos
relacionados com o objeto de estudo, além disso, as respostas são subjetivas já que o propósito
não é a representatividade numérica, mas compreender um determinado grupo social. Ao
contrário do que muitos pensam, o envolvimento entre o/a pesquisador/a e pesquisados/as é de
fundamental importância. Para Moreira (2017, p. 65-66), os participantes da pesquisa “[...] são
parceiros/as com quem estabelecemos uma relação de horizontalidade, quebrando a lógica
hierárquica da ciência moderna de sujeito (pesquisador/a) e objeto (pesquisado)”.
Nesse processo o pesquisador deve se desprender da sua neutralidade e mergulhar no
campo da pesquisa à procura de significados, interpretações, pois se busca desenvolver uma
pesquisa que possibilita “[...] fazer da ciência um caminho de libertação dos marginalizados,
do ser humano oprimido” (TRIVIÑOS, 1987, p.14). Para Schnorr (2010), o ser humano é fruto
de uma cultura ocidental excludente, individualista, que nega o direito do outro e impõe o uso
da força e da domesticação da consciência por meio da opressão, é preciso romper com as
73
palavras e atos hegemônicos do opressor sobre o oprimido que contribuiu para a cultura do
silenciamento.
Nesse movimento de conhecer o desconhecido, dar visibilidade aos oprimidos e
responder um dos objetivos, que consiste em mapear os conflitos socioambientais existentes
nas comunidades do Cerrado do Pantanal, foi escolhida a metodologia criada e desenvolvida
do âmbito do GPEA, fortemente ancorada na fenomenologia, denominada Mapa Social
(SILVA, 2011). Ao adotar a metodologia Mapa Social é necessário compreender que os mapas
nem sempre foram utilizados para esta função. Os mapas criados na perspectiva dos
movimentos sociais, das populações tradicionais, das comunidades impactadas pelos projetos
desenvolvimentistas torna-se um mecanismo de luta e resistência, também servem para tonar
visível os conflitos e injustiças socioambientais provenientes desses projetos econômicos e
políticos governamentais que discrimina, impacta e coloca em situações de vulnerabilidade as
populações que vivem nos territórios (PORTO, PACHECO, LEROY, 2013).
A metodologia adotada tem como objetivo registrar por meio das autodenominações e
autonarrativas as identidades, territórios e conflitos socioambientais vivenciados pelos grupos
sociais, oferecendo diversos olhares, especialmente aqueles que foram sempre negados pelo
processo colonizatório, pelo poder dos ruralistas, do capitalismo e invisibilizados em meio aos
grandes latifúndios presentes neste estado (SILVA, 2011). Essas situações de negar o outro
remetem a pensar que a sociedade de hoje que exclui, que separa, que segrega os considerados
e vistos como diferentes, ou seja, os indígenas, os quilombolas, os pequenos/as agricultores/as,
os ribeirinhos, os povos tradicionais, os assentados, entre tantos outros grupos, é resultado da
sociedade do ontem que ocupou os ditos espaços vazios, desconsiderando todas as formas de
vida presente nos territórios. Para dar visibilidade aos diferentes, as propostas de mapeamentos
emergem como
[...] um elemento importante para a ação política das comunidades, pois
contribui de diversas maneiras: serve para dar visibilidade aos grupos sociais,
seus territórios, territorialidades, representações, identidades, conflitos e lutas
por reconhecimento de direitos; auxilia na ampliação do conhecimento dos
grupos sociais sobre seus territórios, sobre suas histórias e sobre os usos que
fazem de seus recursos naturais; contribui para os processos de reivindicação,
de defesa e de proteção dos territórios e de seus recursos [...] (ACSELRAD;
VIÉGAS, 2013, p.17-18).
Compreendemos que “[...] narrar-se é também um processo de construção identitária
que revisita o pretérito ajustando a existência presente [...]” (SILVA, 2011, p. 46). No
mapeamento com as comunidades do Cerrado do Pantanal, os grupos participantes quebraram
74
o silêncio e aos poucos foram revelando os conflitos, as injustiças, as lutas, os modos de vida e
as formas de organização do ambiente onde estão inseridos.
Os mapas elaborados por povos e comunidades tradicionais despontam como
um elemento de afirmação social e servem de substrato para novas formas de
se classificar, reforçar e desenvolver conflitos que trazem em seu bojo lutas
sociais que extrapolam qualquer tipo de limite espacial. A capacidade dos
grupos “cartografastes” de classificar ou reclassificar seus conflitos, de
estabelecer novas relações entre si e com outros grupos subaltenizados, bem
como de estabelecer novos padrões de relações com o Estado serve como um
estimulador para esse processo de afirmação, pois tornam esses grupos
visíveis e contribuem para que suas representações emerjam (ACSELRAD;
VIÉGAS, 2013, p. 38-39).
O Mapa Social ao dar visibilidade aos grupos sociais negados pelo “Outro” tornou se
uma forte ferramenta de luta e inclusão das identidades que foram sempre silenciadas, excluídas
dos processos de tomada de decisões. Portanto, reconhecer as identidades, os saberes locais e
espacializá-los são importantes para a sociedade e para a própria comunidade.
Silva (2011) no processo de elaboração da metodologia afirma que não foi uma opção
por acaso, mas fruto de uma escolha identitária construída nos espaços de militâncias e lutas
com as comunidades esquecidas pelas políticas públicas, este estado segregador, por isso é
isenta neutralidade. Ressaltamos que mapear os conflitos na perspectiva das juventudes não é
uma questão aleatória, é uma escolha identitária constituída com o campo, com as escolhas
pessoais, com a identidade e vivências enquanto jovem do campo, e principalmente pelo
compromisso ético de evidenciar os conflitos a partir das percepções das juventudes.
Nesse sentido, no mapeamento com as comunidades do Cerrado do Pantanal buscamos
em um primeiro momento, por meio do mapeamento participativo, evidenciar os principais
conflitos socioambientais em uma área de transição entre o bioma Cerrado e o bioma Pantanal.
Posteriormente, com um olhar mais aproximado da realidade das comunidades, levando em
consideração os conflitos mapeados, almejamos compreender a percepção das juventudes
acerca desses conflitos socioambientais mapeados e das mudanças climáticas. Para a realização
do mapeamento, “partimos do pressuposto que os processos de mapeamentos participativos
devem ser elaborados COM e, principalmente, PELAS comunidades e grupos envolvidos”
(SILVA; JABER-SILVA; SATO, 2012, p.12), mapear com e pelos/as grupos envolvidos além
de possibilitar a participação em todo o processo é uma fonte inquestionável de dados.
Na metodologia Mapa Social, Silva (2011) utilizou o termo “olhar de passarinho” e o
“sentir de passarinho” descrito por Sato (2011) em seu texto “Cartografia do imaginário no
mundo da pesquisa”. O olhar do passarinho para Silva (2011, p. 52) ofereceu “[...] uma
75
paisagem global possibilitando o mapeamento dos grupos sociais de todo o Estado”. Durante a
realização desta pesquisa, o olhar do passarinho, esse olhar macro ofereceu a paisagem global
do mapeamento social do estado de Mato Grosso considerando as identidades, territórios e
conflitos socioambientais vivenciados pelos grupos sociais.
Para dar continuidade a esse projeto, alguns pesquisadores/as do GPEA têm utilizado
dessa metodologia e oferecido um olhar mais aproximado dessa realidade, no caso desta
pesquisa em específico, o olhar do passarinho serviu como um recorte dessas comunidades
localizadas no município de Poconé/MT. Buscando esse olhar geral, panorâmico das
comunidades, para entender as juventudes, primeiramente, foi preciso realizar o I Mapeamento
Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal com todas as comunidades nos dias 26 e 27
de novembro de 2016 e o II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal nos
dias 03 e 04 de junho de 2017, estando presentes crianças, jovens e adultos. Nessas viagens
pelas estradas estreitas, cheias de curvas e poeira entre o Cerrado do Pantanal, tentamos
entender a dinâmica dos grupos sociais por meio da realização dos mapeamentos, para isso foi
necessário o apoio, o comprometimento, o compromisso ético de um grupo pesquisador.
Já o sentir de passarinho na compreensão de Silva (2011, p.52), possibilita “[...] uma
dimensão da paisagem local, no chão empírico da pesquisa” [...]. Nesta pesquisa, com os
conflitos socioambientais já mapeados, com um olhar mais aproximando da realidade podemos
viver o tempo comunidade, tanto em Zé Alves como em Laranjal, possibilitando assim, realizar
as observações em lócus e as entrevistas semiestruturadas com 12 jovens das duas comunidades
que foram gravadas e registradas no caderno de campo. Consideramos que alguns sujeitos são
importantes para apresentar o olhar sobre os conflitos e as mudanças do clima, neste estudo,
escolhemos evidenciá-los a partir das percepções das juventudes.
Para responder os objetivos propostos nesta pesquisa três momentos distintos que se
complementam foram avaliados. Primeiro, foi realizado o I Mapeamento Social do Cerrado do
Pantanal, os relatos dos Grupos de Trabalhos – GT também compõem os dados dessa pesquisa;
o segundo momento mais introspectivo, foi efetuado as entrevistas com um roteiro de perguntas
semiestruturadas com as juventudes da comunidade Zé Alves e Laranjal, além das entrevistas
com moradores/as antigos/as para compreender o contexto histórico das comunidades.
Posteriormente, realizou-se o II Mapeamento Social do Cerrado do Pantanal, tendo como
objetivo validar e complementar as causas propulsoras de conflitos socioambientais envolvendo
outras comunidades localizadas no município de Poconé/MT. Para melhor compreender como
aconteceram as etapas (Figura 07) desta pesquisa apresentamos o esquema da metodologia.
76
Figura 07: Esquema da metodologia utilizada.
Fonte: ELABORADO PELA AUTORA, (2017).
3.2 - Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.
O I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal foi realizado nos dias
26 e 27 de novembro de 2016 na comunidade Remanescente de Quilombo Laranjal (Figura 08).
O encontro organizado pelo GPEA em parceria com a COMPRUP, o Instituto Caracol (IC),
uma Organização Não Governamental sem fins lucrativos de caráter socioambientalista, a
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), o Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU), Instituto Federal de Educação de Mato Grosso (IFMT)
e a Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT).
O I Mapeamento contou com a participação de aproximadamente 40 participantes
divididos entre 10 comunidades, sendo: Laranjal, Zé Alves, Barrerinho, Rodeio, Maravilha,
Água Vermelha, Forquilha, Cavalo Branco, Agroana Giral e Campo Limpo II. Participaram
também o presidente da Central das Associações, um Engenheiro de Alimentos e um vereador
do município de Poconé.
77
Figura 08: I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.
Fonte: ACERVO GPEA (2016).
Os convites foram feitos por meio das visitas por nós pesquisadores/as e o presidente da
COMPRUP. Esses momentos de visitação foram de fundamental importância, pois além de
apresentar o objetivo do seminário, foram realizadas conversas informais com lideranças das
comunidades a fim de conhecer a realidade que estão inseridas. Para Minayo (2009, p.61), o
trabalho de campo “[...] permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual
formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os “atores” que
conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico [...]”. Percebemos que
apesar de apresentarem características culturalmente diferentes, sendo quilombolas,
tradicionais e assentados, todos estão sofrendo com a introdução das monoculturas na região.
Iniciamos o seminário apresentando os resultados do Mapa Social (SILVA, 2011) e do
Mapa dos Conflitos (JABER-SILVA, 2012) de Mato Grosso, para que pudessem se familiarizar
com a metodologia e compreendessem as etapas do mapeamento. Possibilitando também uma
visão panorâmica dos grupos sociais e dos conflitos em todo o Estado de Mato Grosso. Em
seguida as lideranças por meio das narrativas apresentaram reflexões sobre como é o território
onde vivem, quais as principais dificuldades, quais os principais problemas e como as
juventudes têm-se envolvido na comunidade. No segundo momento realizamos as oficinas de
mapeamentos, as comunidades foram divididas em quatro Grupos de Trabalho (GT), tendo
como critério de divisão a proximidade territorial, ficando assim dividias: Grupo I: Laranjal e
Forquilha; Grupo II: Água Vermelha, Campo Limpo e Cavalo Branco; Grupo III: Rodeio,
Barrerinho e Zé Alves; Grupo IV: Agroana Giral e Maravilha. Somente com o Grupo IV não
foi possível utilizar desse critério, uma vez que compareceu apenas um representante de
78
Maravilha. Cada grupo contou com o auxílio de um facilitador e um relator, que conduziu as
discussões com um roteiro24 de perguntas semiestruturadas, estimulando os diálogos entre os
participantes, conforme apresentado abaixo.
Disponibilizamos para todos os grupos de trabalho (Figura 09) um Kit contendo: 1 Mapa
dos Conflitos Socioambientais do estado de Mato Grosso; 1 Mapa dos Grupos Sociais do Estado
de Mato Grosso; folhas de sulfite; canetas; lápis; lápis de cor; canetinhas; giz de cera; borracha;
gravador de voz; mapas da região em uma escala de 1: 250000 com informações da hidrografia
e estradas conforme a localização geográfica das comunidades e imagens de satélites na escala
de 1:250000 referente aos anos de 2006, 2011 e 2015 para que pudessem perceber as alterações
ocasionadas principalmente pelo desmatamento na região.
24 Roteiro adaptado de Jaber-Silva (2016).
1.Sinalize no mapa da região de Poconé-MT as comunidades/associações/grupos sociais
existentes.
2.Quais os locais de referência das comunidades (exemplo: escola, associações, igreja,
campo de futebol...).
3.Nas comunidades pantaneiras de Poconé-MT existem impactos/conflitos
socioambientais? Sinalize no mapa.
4. Tem sido feito alguma ação para combater a entrada da monocultura no Pantanal mato-
grossense? É uma atividade legal no Pantanal?
5.Quais conflitos? Quais grupos estão envolvidos nos conflitos?
6.Há violência declarada? Quais tipos de violência?
7.Qual a principal força para enfrentar esses conflitos? E qual a maior dificuldade?
8.O clima na região tem mudado? Água, vegetação, solo, produção...
9.O que vocês produzem e extraem para alimentação? E para a venda? O que deixaram de
produzir?
79
Figura 09: Grupo de Trabalho do I Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.
Fonte: ACERVO (2016).
Os grupos localizaram no mapa suas comunidades e apontaram/identificaram os
principais pontos de conflitos socioambientais e os grupos sociais envolvidos. Relataram
também as características culturais, econômicas, sociais e ambientais; locais de referência
(escola, associação, igreja, campo de futebol); número de famílias; tipo de moradias;
religiosidade; o que plantam para a venda e para a subsistência; clima; vegetação; solo; bens
hídricos disponíveis, entre outros. Refletiram sobre os impactos socioambientais e as mudanças
climáticas ocasionadas pelo avanço do agronegócio. Posteriormente, um representante (Figura
10) de cada comunidade socializou os resultados demarcados no mapa e dos diálogos durante
os grupos de trabalho.
80
Figura 10: Socialização dos grupos de trabalho
Fonte: ACERVO (2016).
No segundo dia, as lideranças das comunidades junto com a COMPRUP conversaram
sobre os desflorestamentos das árvores nativas do Cerrado como: Cumbaru, Jatobá, Mangava,
Bocaiuva, entre outros, que contribuem com a alimentação e a renda de inúmeras comunidades
tradicionais, quilombolas e assentamentos existentes nesta região. Na tentativa de barrar essas
ações foi proposto a elaboração da Lei do Cumbaru Livre semelhante a Lei do Babaçu Livre
vigente no estado do Maranhão, assegurando que o Cumbaru e outras espécies nativas utilizadas
para o extrativismo não sejam derrubadas para a introdução das monoculturas. Compreendemos
que essas práticas altera o ambiente, afeta a cultura e a economia local das comunidades.
Na tentativa de unir forças para enfrentar as injustiças socioambientais vivenciadas por
estes grupos e fortalecer os diálogos entre comunidades que não participaram do I Mapeamento
foi proposto a realização do II Mapeamento. A realização ficou condicionado ao levantamento
de recursos para custear gastos com transporte dos participantes e oficineiros; alimentação;
banner, folder, faixas para divulgação; e materiais gráficos para a impressão de mapas.
81
O GPEA em parceria com o Instituto Caracol na tentativa de viabilizar a realização do
seminário apresentou junto a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)25 o projeto
intitulado Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. Com a aprovação em
março de 2017, realizamos o II Mapeamento nos dias 03 e 04 de junho de 2017 na comunidade
tradicional Bandeira (Figura 11). Escolhemos a comunidade Bandeira por estar reativando um
grupo de mulheres extrativistas, além da localização privilegiada próxima as comunidades que
não participaram do I Mapeamento.
Figura 11: II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.
Fonte: ACERVO (2017).
Além do apoio financeiro da CESE, convidamos algumas instituições que possuem um
trabalho consolidado nas comunidades do Cerrado do Pantanal, entre elas: a Federação de
Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE); Fórum Mato-grossense de Meio
Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD); a Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras,
que faz parte da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
25 A CESE atua na promoção, defesa e garantia de direitos no Brasil. E faz isso porque entende que a desigualdade
e a injustiça ainda persistem. Criada por Igrejas Cristãs, tem a missão de fortalecer organizações da sociedade
civil, especialmente as populares, empenhadas nas lutas por transformações políticas, econômicas e sociais que
conduzam a estruturas em que prevaleça democracia com justiça. Disponível em: https://www.cese.org.br/quem-
e-a-cese/a-cese/. Acesso em: 28 dez. 2017.
82
Comunidades Tradicionais (CNPCT); Comissão Pastoral da Terra (CPT) que realizou o
lançando do Caderno de Conflitos Agrários no Brasil - 2016; entre de outros parceiros que
participaram do I Mapeamento. Essa união entre representantes das comunidades quilombolas,
tradicionais e assentamentos; instituições governamentais; instituições não governamentais e a
sociedade civil possibilitou diálogos para fortalecer a luta e enfrentar as situações de injustiças
neste território.
O mapeamento contou com a participação de aproximadamente 80 participantes vindos
das comunidades: Laranjal, Zé Alves, Bandeira, Cavalo Branco, Barreirinho, Agroana Giral,
além das comunidades Sucupira e Serragem localizadas no Município de Nossa Senhora do
Livramento que ficaram sabendo do mapeamento e foram denunciar os conflitos e injustiças
ambientais, porém, os dados não serão considerados nesta pesquisa porque essas comunidades
não fazerem parte do Cerrado do Pantanal.
No primeiro dia, inicialmente o GPEA apresentou como surgiu o Mapa dos Conflitos
Socioambientais do estado de Mato Grosso elaborado por Silva (2011) e o Mapa dos Grupos
Sociais do Estado de Mato Grosso elaborado por Jaber-Silva (2012), para que assim pudessem
apresentar a proposta do Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal iniciado
em 2016 no quilombo Laranjal. Foi enfatizado a importância de dar visibilidades as causas
geradoras dos conflitos socioambientais, os grupos envolvidos nos conflitos e os grupos sociais
invisibilizados nos territórios.
Aproveitamos para validar as causas propulsoras de conflitos socioambientais e realizar
o lançamento do caderno de Conflitos no Campo -2016. O representante da CPT com base no
caderno Conflitos no Campo destacou que somente no ano de 2016 foram registrados 1.536
conflitos no campo (soma de conflitos por terra, água e trabalhista), número mais elevado desde
2008. Em seguida as comunidades foram organizadas em grupo (Figura 12), ficando assim
dividias: Grupo I: Laranjal e Cavalo Branco; Grupo II: Zé Alves, Sucupira e Serragem;
Grupo III e IV: Bandeira I e Bandeira II. As comunidades Barreirinho e Agroana Giral
participaram apenas no segundo dia do seminário.
Tendo como objetivo realizar o mapeamento cultural e dos conflitos socioambientais a
metodologia utilizada contou com duas Estações, a primeira sobre ONTEM puderam relatar o
contexto histórico das comunidades, se existia conflitos, quais as mudanças ambientais e
climáticas que ocorreram; na segunda estação sobre o HOJE, relataram questões referentes à
natureza e os sistemas de produções, a cultura, a presença de grupos sociais e os conflitos
socioambientais, as táticas de lutas e a organização das comunidades.
83
Figura 12: Grupo de Trabalho do II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal.
Fonte: ACERVO GPEA (2017).
No segundo dia, as comunidades participantes pensaram juntas acerca dos caminhos de
curto e longo prazo para o fortalecimento da cadeia de agroextrativismo vegetal na região, tendo
o Cumbaru como o principal produto. As informações dos mapeamentos foram sistematizadas
e elaborado o Mapa dos Conflitos Socioambientais das Comunidades do Cerrado do Pantanal
que será apresentado no Capítulo IV.
3.3 - Entrevistas com as juventudes camponesas
Para responder aos objetivos propostos nesta pesquisa foi preciso primeiro realizar o
mapeamento com as comunidades do Cerrado do Pantanal, a fim de evidenciar os grupos sociais
e as causas geradoras dos conflitos socioambientais. Foram considerados fatores como:
desmatamento, queimadas, disputa por água, disputa por terra, uso de agrotóxicos e garimpo; e
fatores relacionados as mudanças climáticas, entre eles: mudanças nas estações do ano; no ciclo
da chuva; ventanias, temporais e aumento da temperatura que geram impactos significativos a
essas comunidades.
Posteriormente, com uma abordagem mais introspectiva as entrevistas com 12 jovens,
sendo 6 de Zé Alves e 6 de Laranjal. Apesar de ser uma comunidade tradicional e outro
quilombola ambas sofrem o mesmo processo de injustiça ambiental. Os critérios de escolhas
84
dos sujeitos jovens ocorreram de duas formas distintas: em Zé Alves se deu durante as primeiras
visitas, ao questionar para uma das lideranças a existência de jovens apresentaram aqueles que
possuem idade cronológica defendida por lei e aqueles que não possuem; esse questionamento
também foi utilizado no quilombo Laranjal, as lideranças apresentaram somente aqueles que
possuem idade cronológica. Além disso, utilizamos como critério a participação dos jovens
durante o I Mapeamento.
Diante dessa situação, “ser jovem corresponde também a uma auto-representação que
tende a uma grande elasticidade em termos etários, proporcional às dificuldades crescentes de
ingresso no mercado de trabalho e a sua informalização excessiva no Brasil” (CARNEIRO,
1998, p. 98). Contudo, exige-se um olhar crítico sobre a passagem do indivíduo jovem para a
fase adulta, uma vez que os critérios de entrada no mundo adulto hoje estão cada vez mais
flexíveis, as trajetórias dos (as) jovens e as relações familiares são muito mais dinâmicas em
relação às gerações passadas (NOVAES, 2006; PAIS, 2006). Para Trindade (2015, p.144), essa
“[...] compreensão ou definição de quem é ou não jovem não contempla as singularidades que
constituem o modo de ser jovem [...]”. Nesse sentido, optamos por não definir um recorte etário
para os sujeitos jovens entrevistados nesta pesquisa.
Minayo (2009, p.64) entende que “a entrevista é acima de tudo uma conversa a dois, ou
entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador”. A autora acrescenta ainda
que as entrevistas permitem aos pesquisadores buscarem informações nas falas dos atores
sociais em estudo, é também uma forma de interação humana entre o/a pesquisador/a e os
sujeitos da pesquisa, podendo variar desde uma conversa descontraída com um roteiro
facilitando a comunicação até um conjunto de perguntas estruturadas dispostas em um roteiro
de entrevista. Para compreender os conflitos socioambientais, os resultados das mudanças
climáticas, os fatores que têm contribuído para a saída das juventudes do campo e como se dá
o envolvimento das juventudes na luta enfrentada pelas comunidades pesquisadas utilizou-se o
roteiro26 abaixo de perguntas. O roteiro das perguntas não foi seguido rigorosamente, mas
utilizado para conduzir os diálogos.
26 Roteiro adaptado de Jaber-Silva (2016).
85
Além das entrevistas com os sujeitos jovens, também foi preciso realizar entrevistas
com os/as moradores/as antigos/as das duas comunidades utilizando o roteiro abaixo, tendo
como objetivo compreender a história, a cultura e a religiosidade. Essas entrevistas foram
utilizadas enriquecendo ainda mais esta pesquisa, permitindo compreender as mudanças
ambientais, mudanças climáticas e as transformações ocorridas nas comunidades.
O envolvimento nesta pesquisa foi inevitável, pelo fato de ter nascido e crescido em
uma comunidade do campo. A cada relato feito pelos jovens foi possível recordar as vivências,
sonhos e angústias em permanecer na comunidade ou sair em busca de novas oportunidades na
cidade. Assim, durante as entrevistas podemos compreender que a realidade dos sujeitos jovens
desta pesquisa não era muito diferente da história vivenciada por mim, de fato, os gestos, as
expressões, as entonações, os sorrisos, os silêncios e olhares durante a entrevista ficaram na
memória. Em relação às expressões não-verbais, o/a entrevistador/a deve ter o cuidado de
observar, já que podem oferecer elementos fundamentais para a compreensão do objeto
estudado.
Sendo assim, na perspectiva qualitativa optamos pela entrevista semiestruturada. As
entrevistas foram gravadas com o consentimento dos sujeitos jovens, a priori pensamos que a
1. Como é a vida dos/as jovens nesse território? Há quanto tempo mora na comunidade?
2. Você participa das atividades da comunidade?
3. Na comunidade que você mora tem problemas/impactos ambientais?
4. Esses impactos geram conflitos entre os grupos envolvidos?
5. Tem percebido mudanças ambientais na comunidade. Quais? E climáticas?
6. Essas mudanças têm causado problemas/conflitos socioambientais? Quais conflitos?
7. Como tem dado o seu envolvimento nas lutas enfrentadas pela comunidade?
8. Quais fatores tem contribuído para saída da juventude do campo?
9. O processo educativo contribui com a permanência da juventude do campo?
1. Como se deu a formação da comunidade? De onde e como veio? Há quanto tempo mora
aqui? Como era a vida quando chegou? Era melhor antes ou hoje? Existia escola? E hoje,
como é a vida na comunidade?
2. Em sua opinião o que mudou? Percebe mudanças ambientais e no clima? Essas
mudanças têm atrapalhado?
3. Como é a relação entre os/as moradores/as da comunidade e os fazendeiros da região?
4. Porque os jovens têm deixado a comunidade? A Educação pode colaborar para a
permanência dos jovens na comunidade?
86
presença do gravador causaria inibição ou constrangimento aos entrevistados, mas em nenhum
momento percebemos que os sujeitos não estavam à vontade durante a entrevista. Como afirma
Triviños (1987), as entrevistas devem partir de questionamentos básicos que interessam a
pesquisa, valorizando tanto a presença do/a pesquisador/a como a dos sujeitos, oferecendo todas
as perspectivas possíveis para que os sujeitos alcancem a liberdade e a espontaneidade
necessária, enriquecendo ainda mais o diálogo. Para que isso ocorra, os questionamentos devem
ser bem elaborados, partindo de alguns questionamentos básicos que o/a pesquisador/a possui,
orientando pelas leituras e na relação do/a pesquisador/a com os sujeitos da pesquisa (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986).
Enfatizamos que esta pesquisa foi submetia à Plataforma Brasil sendo avaliada e
aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT),
por se tratar de uma pesquisa que apresenta denúncias feitas durante os dois encontros de
mapeamentos e entrevistas, escolhemos por adotar nomes fictícios resguardando a identidade
física dos/as entrevistados/as. Os nomes usados para os 12 jovens foram: Valdir Rocha
(posseiro), Creuza Cardoso de Oliveira (posseira), Nilce de Souza Magalhães (liderança), Élio
Martins (posseiro), Gonçalo Araujo (assentado), Jaime Santana Filho (posseiro), Edmar Viana
Pereira (dirigente Sindical), Jane de Oliveira (sem-terra), Ireni da Silva Castro (liderança),
Gilmar Sauer (trabalhador rural), Maria do Carmo Moura Ferreira Araújo (assentada) e Abner
José da Costa (sem-terra).
Para os participantes das oficinas de mapeamento e os moradores/as antigos de Zé Alves
e Laranjal foram utilizados os seguintes nomes: Velho Manoel (Posseiro), Maria Lúcia do
Nascimento (liderança), Aldo Aparecido Carlini (posseiro), Izaul Brito dos Santos (posseiro),
Edson Alves Antunes (posseiro), Antônio José Raimundo dos Santos (liderança), Tiago de
Oliveira (sem-Terra), Carlos Gonçalves de Barros (liderança), Aurélio Marcos de Assunção
(assentado), João Maria Chaves (trabalhador rural), Francisca das Chagas Silva (sindicalista) e
Adna Senhora Teixeira (liderança). Todos/as foram assassinados em confronto no campo entre
1985 a 201627. No capítulo 4 serão apresentados os resultados desta pesquisa.
3.4 - Aproximações e vivências com/nas comunidades do Cerrado do Pantanal
Entendemos que o momento de conviver, visitando as casas dos/as moradores/as em
diversas comunidades, parando para ouvir cada relato debaixo da mangueira, estando junto no
27 Os nomes das lideranças mortas em conflitos no campo foram retirados dos Cadernos de Conflitos no Campo
entre os anos de 1985 a 2016.
87
dia a dia foi imprescindível “[...] para compreender não só pela escuta, mas também pelas
vivências/observações as particularidades do universo da pesquisa” (FERREIRA, 2014, p.28).
Assim, iniciamos as primeiras travessias, visitas de aproximações e vivências no mês de abril
de 2016 tendo como objetivo conhecer a realidade das comunidades lócus desta pesquisa.
Contamos com apoio e parceria da COMPRUP; GPEA; Instituto Caracol; INAU que cedeu o
transporte e combustível para realização dos trabalhos de campo, e a FAPEMAT ao qual os
pesquisadores/as estão vinculados ao projeto REAJA.
A primeira visita se deu em Zé Alves, momento este primordial para desenhar os
caminhos desta pesquisa. Foi realizado diálogos entre GPEA, representantes da cooperativa,
sendo Luiz Carlos Ponce (Presidente – cargo ocupado neste período), Pedro Ponce (Tesoureiro)
para conhecer os problemas enfrentados pelas comunidades, e propor a realização do seminário
de mapeamento com as comunidades do Cerrado do Pantanal, tendo como objetivo identificar
os grupos sociais presentes nos territórios e compreender quais os conflitos socioambientais são
vivenciados nessa região. Já que em 2015 no Relatório Estadual de Direitos Humanos e da
Terra, os agricultores familiares vinculados a COMPRUP, representados por Pedro Ponce
denunciaram a derrubada das árvores nativas de Cumbaru.
Posteriormente, a COMPRUP fez a proposta de realizar junto com o mapeamento o
estudo e a elaboração de uma proposta de Lei do Cumbaru Livre semelhante a Lei do Babaçu
Livre28 vigente no Maranhão. Como o grupo pesquisador tem uma vasta experiência em
desenvolver pesquisas em parceria com os povos e comunidades tradicionais como:
quilombolas, indígenas, ciganos, agricultores familiares, beiradeiros, seringueiros, raizeiros,
acampados, assentados, ribeirinhos, extrativistas, pantaneiros e tantos outros grupos (SATO,
2013), acatou a proposta realizada pela COMPRUP.
[...] o GPEA e as comunidades, ao dialogarem, se tornam um único Grupo
Pesquisador e buscam as táticas de aprendizagens coletivas contra os efeitos
nocivos da globalização. Os grupos sociais vulneráveis às injustiças
ambientais projetam seus sonhos em horizontes amplos, encontrando nas
tradições marxistas e humanistas, a força da ecologia de resistência (SATO;
SENRA, 2009, p. 144).
Passou então a pensar juntos, realizar diálogos coletivos, para organizar o I Mapeamento
Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal. De acordo com Sato e Senra (2009, p.142),
nas pesquisas alicerçadas por um grupo pesquisador em Educação Ambiental é preciso somar
28 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=342456>.
Acesso em: 25. jun. 2017.
88
as forças para “[...] combater as secas geradas pelas queimadas e desmates que dão
consequências às cercas que segregam mundos tão desiguais”, nessa aliança soma-se forças
para combater a expansão do agronegócio que impede a realização do extrativismo vegetal.
Lamentavelmente, muitas comunidades ainda vivem a ilusão de que a expansão do
agronegócio pode oferecer oportunidades de emprego e renda. A implementação desses
projetos sempre vem acompanhado com a desqualificação, inferiorização e subordinação dos
modos de vida locais e, consequentemente, da desvalorização e invisibilização das populações
do campo, além disso, vem acompanhada do discurso da melhoria da qualidade de vida dos/as
moradores/as, que na prática quase nunca acontece (PACHECO; FAUSTINO, 2013).
O segundo contato ocorreu no mês de junho de 2016 no barracão Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (SEDRAF/MT), com sede em Várzea
Grande, espaço destinado para que as associações e os agricultores familiares da baixada
cuiabana possam comercializar os produtos produzidos nas comunidades. Esta etapa teve como
objetivo pensar junto com os representantes da cooperativa os objetivos e a metodologia para a
realização do seminário. No primeiro dia ficou decidido que seria voltado apenas para o
mapeamento dos conflitos socioambientais evidenciados pelos agricultores/extrativistas, e no
segundo dia, dialogar com as comunidades do Cerrado do Pantanal uma proposta de Lei do
Cumbaru Livre no município de Poconé, com o objetivo de assegurar o direito de continuarem
a coleta e comercialização do Cumbaru.
A terceira viagem aconteceu em outubro de 2016 na comunidade Zé Alves e Laranjal,
realizamos os últimos encaminhamentos, sendo: o local da realização (ficou decidido pelo
quilombo Laranjal considerando a sua localização); a data (26 e 27 de novembro de 2016); a
programação durante os dois dias; e o orçamento referentes à alimentação, combustível e
materiais gráficos. Nesta ocasião conversamos com o presidente da COMPRUP sobre como a
juventude de Zé Alves tem se envolvido nas atividades políticas, econômicas e sociais.
Nessa viagem visitamos o quilombo Laranjal, uma moradora enquanto apresentava a
comunidade relatou como é a vida nessa comunidade e o que mudou após a introdução da
monocultura, evidenciou que são reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares como
Quilombo e estão aguardando o processo de titulação junto ao INCRA para que possam ocupar
novamente o território que historicamente foi ocupado por eles. Ao circular pelo quilombo
percebemos que estão sendo sufocados pelos latifúndios ao seu entorno, morando em casas de
barrote com pequenos quintais e impossibilitados de exercer qualquer tipo de atividade
produtiva para a subsistência e comercialização. A quarta viagem aconteceu em novembro de
2016 tendo como objetivo mobilizar as lideranças das comunidades inseridas no Cerrado do
89
Pantanal (Figura 13) para participarem do mapeamento. Durante as visitas apresentamos as
motivações e objetivos para a realização do seminário.
Figura 13: Mobilização para o I Mapeamento das Comunidades do Cerrado do Pantanal.
Fonte: ACERVO GPEA (2016).
Ressaltamos que esse momento foi um dos mais difíceis durante as vivências in lócus,
apesar da boa recepção em todas as comunidades, podemos sentir nas palavras, gestos e olhares
certa desconfiança. A princípio causou estranheza, aos poucos compreendemos que estavam
cansados de tantos eventos e reuniões, apesar da exposição do porquê do encontro, algumas
lideranças afirmaram que não iriam participar. Nas narrativas, ficou evidente a falta de apoio e
descaso do poder público com as comunidades quilombolas, tradicionais e assentados da região.
A leitura feita daquele momento foi que o grupo pesquisador era mais um órgão governamental
que estava ali para fazer promessas vazias.
Todos esses momentos foram de fundamental importância para estabelecer uma relação
de proximidade com as comunidades, possibilitando fazer o levantamento histórico de Zé Alves
e Laranjal. Em Laranjal, o levantamento histórico a partir das memórias dos/as moradores/as
antigos não aconteceu como o esperado, um dos moradores afirma que: “A história é muito,
muito triste, não quero contar”. Ferreira (2002, p.321) ressalta que “a memória é também uma
construção do passado, mas pautada em emoções e vivências; ela é flexível, e os eventos são
lembrados à luz da experiência subsequente e das necessidades do presente”. O pouco que foi
contado parecia não ter sentido, mas a partir das visitas e leitura do laudo antropológico foi
possível entender porque era difícil recontar o passado.
90
Em Zé Alves algumas narrativas também apresentaram marcas, não por injustiças
sociais e econômicas sofridas como em Laranjal, mas pelas relações conflituosas que se
estabeleceram internamente entre os/as moradores/as, entretanto, buscamos ouvir todas as
narrativas. Ouvir é um exercício difícil, foi necessário saber ouvir. Zé Alves por ser uma
comunidade com apenas dez famílias foi possível realizar visitas em todas as casas, em cada
relato novos elementos foram surgindo, o que possibilitou compreender quem, como e quando
chegaram na região. Por não ter registro escrito por meio de outras pesquisas, as narrativas
foram fundamentais para contar a história de Zé Alves.
[...] as relações entre memória e história rompe com uma visão determinista
que limita a liberdade dos homens [e das mulheres], coloca em evidência a
construção dos atores de sua própria identidade e reequaciona as relações entre
passado e presente ao reconhecer claramente que o passado é construído
segundo as necessidades do presente. Ainda que baseadas nas fontes escritas,
possibilita uma maior abertura, capaz de neutralizar, em parte e indiretamente,
as tradicionais críticas feitas ao uso das fontes orais, consideradas subjetivas
e distorcidas (FERREIRA, 2002, p. 324).
Além do levantamento histórico observamos que são economicamente diferenciadas,
enquanto em Zé Alves sobrevivem basicamente de pequenas plantações (banana, mandioca,
abóbora, milho, feijão e de outras hortaliças) e da produção de rapadura ou melado para a
comercialização, em Laranjal a atividade econômica antes da derrubada das espécies nativas
(cumbaru, pequi, mangava e jatobá) era o extrativismo. Uma característica em comum das
comunidades é que a grande maioria sobrevive basicamente da agricultura familiar camponesa
e estão associados à COMPRUP, sendo esta a responsável pela comercialização e distribuição
dos produtos.
Em dezembro de 2016 foi realizada a última viagem a campo, momento este que foram
realizadas as entrevistas com os jovens, além das conversas informais, mas tão importantes
quanto conversas como a realizada em Poconé sobre a vida do Frei Joaquim Tebar Fernandez.
Este momento foi um dos mais emocionantes durante esta pesquisa, Frei Joaquim ajudou a
reestruturar a grande maioria das comunidades localizadas no campo em Poconé. Na tessitura
desta dissertação, o contexto histórico foi sendo construído de retalhos da vida e memórias
dos/as moradores/as das comunidades pesquisadas.
Em 2017, nos meses de abril e maio retomamos as idas a campo, tendo como finalidade
apresentar os novos/as pesquisadores/as do GPEA que farão pesquisas com essas comunidades,
e iniciar os diálogos com a COMPRUP e outros parceiros anteriormente citados para organizar
o II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal, compromisso esse firmado
91
durante o I Mapeamento. Nesses meses foram visitadas aproximadamente 21 comunidades
tendo como objetivo mobilizar e articular as lideranças para participarem nos dias 03 e 04 de
junho de 2017, na comunidade Tradicional Bandeira do II Mapeamento Social das
Comunidades do Cerrado do Pantanal. Durante as mobilizações foram utilizados folder e faixas
na tentativa de alcançar o maior número possível de comunidades (Figura 14).
Figura 14: Mobilização para o II Mapeamento das Comunidades do Cerrado do Pantanal.
Fonte: ACERVO GPEA (2017).
As conversas com lideranças foram essenciais para tentar entender, ainda que
superficialmente esse universo de tantas comunidades inseridas no mesmo território que
continuam sendo injustiçadas com o avanço do agronegócio. Realizamos o levantamento acerca
de quantas famílias vivem na comunidade; se são quilombolas, tradicionais ou assentados; qual
a fonte de renda; o que plantar para a subsistência e comercialização; se realizam extrativismo;
se possuem associações e igrejas; se possuem escola municipal ou estadual e se não porque
fechou; onde as crianças estudam; se existem jovens; como é a relação com os fazendeiros; e
se a monocultura está próxima da comunidade.
No mês de abril estava sendo realizado em Poconé um curso de beneficiamento de frutos
do Cerrado (pequi, babaçu, jatobá, cumbaru, bocaiuva e acuri) com aproximadamente 30
camponeses/as de diversas comunidades do Cerrado do Pantanal. Aproveitamos a oportunidade
para convidar (Figura 15) os participantes do curso para que estivessem presentes no seminário.
92
Figura 15: Diálogo com os/as participantes do curso de beneficiamento.
Fonte: ACERVO GPEA (2017).
Esse contato com as comunidades do Cerrado do Pantanal para realizar as mobilizações
dos dois mapeamentos revelou que os “[...] territórios de aprendizagens estão dentro de
comunidades muitas vezes isoladas, com pouca infraestrutura, com baixos índices
educacionais, com degradações ambientais que transcendem o poder de resistência de seus
habitantes (SATO; SENRA, 2009, p.144). Os/as moradores/as de Zé Alves e Laranjal lócus
desta pesquisa e de tantas outras comunidades espalhadas por este território estão existindo em
meio aos grandes latifúndios, a eles são negados o acesso às políticas públicas e aos serviços
sociais básicos de sobrevivência. Assim, essa pesquisa almejou dar audiência as vozes dos
invisibilizados nos territórios.
3.5 - Grupo pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte e a Rede
Internacional de Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática
Compreendemos que o grupo pesquisador idealizado pela educadora, pesquisadora e
artista Michèle Sato, desde sua criação em 1997 se junta a sociedade civil, as comunidades
tradicionais e os grupos sociais em situação de vulnerabilidade espalhados pelo território mato-
grossense na tentativa de construir um outro mundo possível. Por meio da construção coletiva
propõe formação de uma sociedade mais justa e democrática, onde os grupos sociais
invisibilizados e oprimidos nos territórios pelo poder dos ruralistas e latifundiários tenham
93
condição de “[...] reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria
destinação histórica” (FREIRE, 1987, p.05).
Observamos que o grupo pesquisador nos vinte anos de sua existência (Figura 16),
comemorado neste ano (2017) juntamente com o Encontro Internacional da Rede de
Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática (REAJA) realiza projetos de
pesquisa, dissertações e teses, não apenas para cumprir as exigências acadêmicas como se os
povos do campo, das florestas e das águas espalhados pelo bioma Amazônia, Pantanal e Cerrado
onde o grupo possui uma vasta experiência fosse apenas um local para coletar dados a serem
analisados.
Figura 16: GPEA 20 anos.
Fonte: RAFAEL E RAQUEL (2017).
Mas, ao enveredar por esse território que carrega as marcas das violências e violações
de direitos individuais e coletivos desde o período da colonização e se perpetua nos dias de
hoje, o grupo pesquisador busca ouvir esses esfarrapados para junto com eles criar táticas de
resistência e enfrentamento ao capital. Ancorado na educação ambiental e educação popular
propõe projetos e pesquisas no quilombo de Mata Cavalo, em São Pedro de Joselândia, em
Guariba, mapeamentos participativos com os povos indígenas, quilombolas, pantaneiros,
morroquianos, grupos de siri/cururu/dança do congo, agricultores familiares, artesões,
ribeirinhos, ciganos, retireiros do Araguaia, seringueiros, extrativistas, atingidos por barragens
(MAB), assentados, acampados, entre outros. Para Silva (2011), antes de tudo é preciso saber
94
ouvir e dar audiência as múltiplas vozes esquecidas e excluídas, para que assim, esses grupos
possam fortalecer a luta contra a hegemonia do modelo econômico em desenvolvimento.
Outra característica marcante do GPEA baseia-se no fato do grupo ser um grupo
pesquisador. Ao pensar o grupo pesquisador rompe com a individualidade e isolamento que há
nos grupos de pesquisa, valorizando a coletividade de saberes entre os diferentes pesquisadores
e suas áreas do conhecimento, não privilegia “[...] somente a racionalidade, mas que acolha os
sentimentos, a subjetividade e a afetividade na construção e produção do saber”. Tecendo
valores humanos com “[...] CONceitos com aFETOS, os CONFETOS ousam conjugar o
verbo amar entre ciências e arte, sem temer as possíveis críticas que daí possam advir (SATO;
SENRA, 2009, p.140).
Entendemos que os diálogos de saberes sentido nos colóquios, nos seminários, nos
grupos de estudo, além da possibilidade de fazer pesquisa juntos/as, somado a necessidade dos
momentos solitários para a leitura ou escrita de artigo, dissertação ou tese (SATO, 2011),
tornaram minha caminhada durante esses dois anos mais prazerosa, sendo possível diminuir a
velocidade e contemplar as belezas inigualáveis do Cerrado do Pantanal. Nessa caminhada
coletiva foi necessário reconstruir CONceitos, para que a identidade enquanto educadora-
ambiental-camponesa fosse fortalecida.
Esse fortalecer dos CONceitos se deu também com a possibilidade de ser membro do
Instituto Caracol, sendo uma Organização Não Governamental (ONG). O Instituto por meio de
um projeto aprovado junto ao CESE viabilizou a realização do II Mapeamento Social das
Comunidades do Cerrado do Pantanal, lócus dessa pesquisa. Para Sato e Senra (2009), a aliança
entre o prazer acadêmico e a paixão pela militância tem como objetivo combater as injustiças
socioambientais que atingem os grupos sociais em situação de vulnerabilidade.
Essa aliança também se fortalece com o projeto REAJA29 financiada pela FAPEMAT,
sendo esta uma rede composta por um coletivo educador e pesquisador entre sete universidades
brasileiras, três universidades internacionais (Portugal, Espanha e México), duas entidades
governamentais e uma entidade não governamental. A rede busca compreender os fenômenos
climáticos e os desastres naturais que afetam de forma direta comunidades vulneráveis como
indígenas, canoeiros, ribeirinhos, quilombolas, pescadores artesanais, mulheres, crianças e
idosos, entre outros grupos sociais (SATO, 2016), como as juventudes camponesas que também
estão expostas diretamente aos riscos em função da vulnerabilidade socioeconômica nas
29 Todas as informações referentes ao projeto Rede Internacional de Pesquisadores em Educação Ambiental e
Justiça Climática estão no blog do GPEA. Disponível em: https://gpeaufmt.blogspot.com.br/.Acesso em: 20 nov.
2017.
95
comunidades pesquisadas. Assim, tem como objetivo mapear os conflitos socioambientais nos
locais onde as redes estão localizadas, com o intuito de conhecer os locais, seus habitantes,
modos de vida e suas percepções acerca do clima e da educação ambiental, visando construir
táticas de resistência e resiliência, por meio de processos formativos, projetos populares e rede
de informações que possam divulgar as experiências.
É necessário esclarecer que a rede não está propondo a resolução de problemas, mas
tem a pretensão de construir junto com as populações vulneráveis táticas de resistência e
resiliências por meio de processos formativos, projetos populares e rede de informações para
divulgar as experiências, trocar conhecimentos e promover vivências no campo da educação
ambiental e justiça climática (SATO, 2016). Por meio de diálogos permanentes, este coletivo
objetiva fortalecer as políticas públicas em justiça climática, por meio da pesquisa, da formação
e da comunicação. Cinco linhas temáticas compõem as proposições investigativas do projeto
tais como: Justiça Climática, Cultura, Formação, Comunicação e Políticas Públicas (SATO,
2016).
Com o objetivo de fortalecer as políticas públicas em justiça climática e educação
ambiental, em constante processo de discussão, construindo táticas educativas que possam
enfrentar os efeitos drásticos da mudança climática, defendendo os direitos humano e da Terra
à construção de sociedades sustentáveis. Esta pesquisa se insere na linha de Justiça Climática e
busca compreender os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas a partir da percepção
das juventudes das comunidades Zé Alves e Laranjal.
96
CAPÍTULO IV – O FRUTIFICAR DA ÁRVORE
O Adolescente
(Mário Quintana)
A vida é tão bela que chega a dar medo.
Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas
esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.
Medo que ofusca: luz!
Cumplicemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:
Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua
- vestida apenas com o teu desejo!
Foto: Acervo GPEA (2016).
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4.1 - Impactos e conflitos socioambientais mapeados nas comunidades do Cerrado do
Pantanal
“[...] os conflitos no campo continuaram a criar
novos territórios e memórias de resistência”
(WELCH, 2012).
Neste capítulo, apresentamos as narrativas dos/as moradores/as das comunidades que
participaram do I e II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal sobre os
impactos e conflitos socioambientais. Mesmo o foco da pesquisa ser a percepção das juventudes
de Zé Alves e Laranjal, consideramos importante conhecer o contexto local junto com os/as
moradores/as das comunidades para depois perceber a atuação e compreensão específica das
juventudes. Compreendemos que os impactos e conflitos socioambientais existentes nessas
comunidades serão cada vez mais frequentes, pois a humanidade adotou um estilo de vida
baseado no produtivismo e consumismo, que exigem cada vez mais a exploração dos bens
naturais, para isso é necessário aumentar cada vez mais os territórios de exploração.
Assim, é preciso reconhecer que os conflitos ocorrem em escalas, e são gerados nesse
rearranjo de processos econômicos com origem interna e externa, no caso do cultivo e
transgênicos predominam interesses alheios, pois combinam atores nacionais e internacionais,
indicando uma complexa relação entre produção, circulação e consumo (MARTÍNES-ALIER,
2007). “Isso gera impactos que não são solucionados pelas políticas econômicas ou por
inovações tecnológicas e, portanto, atingem desproporcionalmente alguns grupos sociais que
muitas vezes protestam e resistem [...]” (ibidem, p. 34).
As comunidades e povos tradicionais estão na contramão desse
desenvolvimento. Suas relações extrativistas e de usufruto estão estruturadas
e inseridas nas teleconexões continente-oceano-atmosfera-hidrosfera, que
fundamentam ancestralidade e vínculos interdependentes com a conservação
dos biomas e ecossistemas (LEROY; MEIRELES, 2013, p. 115).
Como resultado dessas relações desiguais, populações pantaneiras, camponesas,
quilombolas, indígenas, ribeirinhas, assentadas e tantas outras espalhadas pelo território que
atribuem significados e relações diferenciadas com natureza estão sendo invisibilizados e
ameaçados por conflitos e injustiças socioambientais. Durante os mapeamentos foram
registradas seis causas propulsoras de conflitos socioambientais30, como mostra no Quadro 1.
30 Os ícones que representa os impactos e conflitos socioambientais mapeados foram utilizados por Jaber-Silva
(2011) na tese intitulada “O mapeamento dos conflitos socioambientais de Mato Grosso: denunciando injustiças
ambientais e anunciando táticas de resistência”.
98
Quadro 1: Impactos e conflitos socioambientais mapeados nas comunidades do Cerrado do Pantanal.
Impactos e conflitos
socioambientais mapeados
Comunidades envolvidas
Grupos sociais envolvidos
DISPUTA
POR TERRA
Quilombo Laranjal
Fazendeiros x Quilombolas
DESMATAMENTO
Assentamento Agroana Giral
Quilombo Laranjal
Comunidade Tradicional Maravilha
Comunidade Tradicional Forquilha
Comunidade Tradicional Zé Alves
Comunidade Tradicional Rodeio
Comunidade Tradicional Barreirinho
Comunidade Tradicional Água
Vermelha
Comunidade Tradicional Bandeira
Fazendeiros x Assentados
Fazendeiros x Quilombolas
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
GARIMPO
Comunidade Tradicional Maravilha
Povos Tradicionais x Garimpeiros
DISPUTA
POR ÁGUA
Quilombo Laranjal
Quilombo Laranjal
Comunidade Tradicional Zé Alves
Comunidade Tradicional Zé Alves
Comunidade Tradicional Rodeio
Comunidade Tradicional Barreirinho
Comunidade Tradicional Água
Vermelha
Fazendeiros x Quilombolas;
Quilombo x Quilombo
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Usina x Povos Tradicionais Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
AGROTÓXICOS
Quilombo Laranjal
Comunidade Tradicional Forquilha
Comunidade Tradicional Zé Alves
Comunidade Tradicional Rodeio
Comunidade Tradicional Barreirinho
Comunidade Tradicional Água
Vermelha
Fazendeiros x Quilombolas
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
QUEIMADAS
Comunidade Tradicional Rodeio
Comunidade Tradicional Barreirinho
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fazendeiros x Povos Tradicionais
Fonte: ELABORADO PELA AUTORA, (2017).
Durante o mapeamento foi anunciado que as disputas por terra, desmatamentos, garimpo
de ouro, disputa por água, agrotóxicos e as queimadas representa as principais causas dos
conflitos socioambientais nas comunidades do Cerrado do Pantanal. Também participaram do
mapeamento o assentamento Cavalo Branco e Campo Limpo, porém, afirmaram que não
existem situações dessa natureza no território. Considerando a realidade vivenciada nos
territórios optamos por iniciar falando sobre os conflitos por terra. Para Jaber-Silva (2012),
conflitos pela posse da terra são históricos, representam a dominação e o poder de um grupo
99
sobre outro, assim, sua dominação, invasão e concentração implicam em outras disputas como
pelo acesso à água e outros bens naturais que serão evidenciados por meio das narrativas
registradas dos/as moradores/as durante os mapeamentos. A narrativa de uma moradora de
Laranjal mostra que estão em conflito pela posse da terra a aproximadamente trinta anos.
“[...] está em conflito por terra, não tem como negar, o pessoal do INCRA
sempre está aqui lutando por essa batalha junto com nós, as casinhas tudo na
beira da estrada” (Adna Senhora Teixeira - Relato durante o I Mapeamento).
Os/as moradores/as do quilombo encontram-se confinados entre as cercas dos grandes
latifúndios, impossibilitados de realizarem qualquer atividade produtiva, seja de subsistência
ou comercialização. A expansão dos monocultivos em direção as comunidades escondem as
principais causas geradoras de impactos, conflitos e injustiças sociais e ambientais no campo.
Nesse caso, a introdução das monoculturas fortalece as disputas territoriais, ocasiona a
degradação dos ecossistemas que afeta as populações que dependem do ambiente para
sobreviver, ocasiona a contaminação das populações expostas como trabalhadores/as e
moradores/as próximos as áreas pulverizadas, e provoca impactos ambientais que afetam os
corpos hídricos e a produção de alimentos (PORTO, 2013).
Na contramão dessas atividades, os quilombolas realizavam o extrativismo do Cumbaru
e outras espécies nativas do Cerrado nas fazendas da região, essa era uma forma encontrada
para complementar a renda extremamente baixa. Com os desflorestamentos e a substituição das
pastagens pelas monoculturas, essa atividade deixou de ser realizada, restando-lhes a opção de
vender a força de trabalho para os grandes proprietários de terra da região. Em relação a essa
situação, ainda relata que antigamente a:
“[...] fazenda era do Laércio, Laércio permitia a entrada na fazenda. A partir
que vendeu para o Daniel, chegou e destruiu tudo em 2005, foi nessa época
que apareceu o aumento do desmatamento. Quando desmatou não teve
conflito. A gente é fraca, como você vai bater de frente com os fazendeiros
sozinho, até mata a gente, hoje é a primeira vez que nós falamos disso, que
ninguém nunca nem lembrou. Pelo levantamento que o INCRA está fazendo
nós vamos pegar uma região de pouco Cumbaru” (Adna Senhora Teixeira -
Relato durante o I Mapeamento).
A narrativa mostra situações de opressão e violação de direitos individuais e coletivos
que os/as quilombolas sofrem em virtude da morosidade da justiça brasileira em assegurar a
regularização fundiária dos territórios. Acreditamos que o silenciamento ocorre devido as
situações de violência física e simbólica empregada contra seus antepassados, marcados
100
também por tentativas de assassinatos, ameaças de morte, expulsão das terras praticadas por
jagunços contratados por fazendeiros.
Nesse cenário conflituoso, a morosidade para implementar políticas de regularização
fundiária contribui significativamente para aumentar a precariedade nas condições e qualidade
de vida das populações quilombolas, essa situação contribui para gerar e agravar ainda mais as
situações de inseguranças e instabilidade nesses territórios (MOREIRA, 2017). Na
compreensão de Silva (2015, p.45) o estado é “[...] detentor da forma de violência passiva,
quando por omissão não evita que os povos do campo sejam vítimas da violência física,
psicológica ou até mesmo moral”. A situação da comunidade Água Vermelha não é muito
diferente de Laranjal.
A gente ganhou a casa do programa Nossa Terra Nossa Gente, só que não
ganho terra, ficou impedido de pegar terra em outro lugar para trabalhar,
tem uns que tem 20 equitare, outros tem três equitare, outros tem dois
equitare, outros tem um, outros tem meio. Nós estamos rodeados por
fazendeiros. São 80 famílias pertinho, antigamente não teve divisão, não teve
separação de terra, morava tudo livre. Os fazendeiros foi comprando de
outros donos que tinha a terra maior, foi cercando, as vezes pegou até pedaço
que não era para pegar. Antigamente comprava 10 hectares e cercava 20
hectares, e assim foi espremendo, e foi ficando naquela situação. É até difícil
conseguir um recurso para trabalhar, porque não tem terra para trabalhar.
Até mesmo o corgo, o fazendeiro lá em cima fez tanque de peixe, quando
chegou um tempo esse tanque dele desbarrancou tudo, o corgo que nos tinha
um tanque bonito foi tudo embora, acabou com tudo, estragou tudo. Agora
que estão produzindo soja, antigamente era só pasto (Francisca das Chagas
Silva - Relato durante o I Mapeamento).
Novamente aparecem resquícios de uma história conflituosa, marcada por injustiças,
violação de direitos, opressão, dominação e expropriação envolvendo a ocupação do território
de maneira fraudulenta por parte dos latifundiários. Historicamente, a violência é mais
frequente nas comunidades que questionam o pretenso domínio das terras que elas têm
historicamente como suas ocupadas por fazendeiros (LEROY, MEIRELES, 2013).
A luta pela terra e pelo território sempre foi marcada pela luta e resistência dos povos
do campo, das florestas e das águas. Essa realidade é reflexo da história iniciada durante o
período colonial, caracterizado pela formação da propriedade privada, pela concentração de
grandes extensões de terras por latifundiários, capitalistas individuais ou empresas nacionais e
internacionais (ROSSI, 2015).
Na contramão estão os camponeses, pequenos agricultores, quilombolas, assentados e
tantos outros grupos que são violentados diariamente e impossibilitados de permanecerem em
seus territórios. Infelizmente, essa situação faz com que os povos tradicionais deixem o campo
101
para viver nas zonas de risco dos grandes centros industrializados, e provavelmente o latifúndio,
a pecuária ou as monoculturas estão entre as principais causas desse movimento migratório
(PACHECO; FAUSTINO, 2013).
O relato evidencia também que a ausência de regularização das terras tem provocado
consequências negativas na vida dos moradores tanto da comunidade Água Vermelha como da
comunidade Laranjal, principalmente relacionados à soberania alimentar. Além disso, o fato de
estarem espremidos pelos latifúndios do agronegócio faz com que ocorra a perda da identidade
com o território que habitam, agravando ainda mais a situação de vulnerabilidade social e
econômica desses grupos.
Compreendemos que a história brasileira caracteriza-se pela sobreposição de um grupo
com maior poder econômico sobre os grupos com menor poder econômico. Para Porto (2013,
p.142), essas situações vivenciadas por diferentes grupos sociais expressam que “a
concentração fundiária e a expansão dos monocultivos são responsáveis pelas disputas nos
territórios rurais e se constituem em elemento central para compreendermos a geração de
conflitos no campo”. No assentamento Agroana Giral os desflorestamentos foram e continuam
sendo realizados.
Desmatamento esse existe, a gente quer saber como barra, compra e começa
a desmatar. Tem grandes fazendas, mas ainda não temos o uso de agrotóxicos
perto, está indo daqui para lá agora, tomara que não atravesse o Macaco.
Agora a gente queria ver se conseguia um jeito de poder fazer um documento
para essas pessoas, que a gente possa denunciar e ser cumprido essa ordem,
porque não adianta nada eu denunciar e ficar por isso mesmo. Denunciar e
ter a lei que te protege, você até quer denunciar só que não pode (Edson Alves
Antunes - Relato durante o I Mapeamento).
Os desmatamentos (Figura 17) realizados para a expansão do agronegócio provocam
impactos ambientais extremamente negativos para os/as raizeiros/as e extrativistas muito
presentes nesta região. Em Laranjal, Maravilha, Forquilha, Zé Alves, Rodeio, Barreirinho,
Bandeira e Água Vermelha os/as moradores/as apresentam a mesma preocupação já
evidenciada na narrativa do/a morador/a de Agroana Giral.
Para Jaber-Silva (2012, p. 154), os desmatamentos provocam impactos relacionados
“[...] a perda da biodiversidade, a exposição do solo, o assoreamento dos rios, a redução do
regime de chuvas, comprometem os importantes ciclos naturais e alteram as funções ambientais
e os serviços ecossistêmicos”.
102
Figura 17: Desmatamento para introdução das monoculturas.
Fonte: ACERVO GPEA (2016)
Na compreensão de Alencar et al. (2004, p. 10), os desmatamentos “[...] é um fenômeno
de natureza complexa, que não pode ser atribuído a um único fator”. A autora afirma ainda que
existem quatro causas de desmatamento, sendo a pecuária extensiva, a agricultura familiar, a
produção de grãos e os desmatamentos ocasionados pela exploração madeireira e incêndio
florestal. No entanto, nas comunidades do Cerrado do Pantanal os desmatamentos seguem um
ciclo destrutivo, inicia-se com a conversão das florestas em pastagens e posteriormente em
monocultivos, por trás desse ciclo se esconde elementos para a geração dos conflitos
evidenciados nessa região. Acserald (2004) afirma que os conflitos podem ser entendidos como
expressão de tensões no processo de reprodução dos modelos de desenvolvimento.
Os conflitos relacionados aos monocultivos tem se tornado cada vez mais comuns.
Embora a expansão dos monocultivos no Cerrado do Pantanal gere impactos indesejáveis,
representando uma ameaça na continuidade do modo de vida dos diferentes grupos sociais,
esses grupos sociais em situação de vulnerabilidade ainda insistem em afirmar que não existem
conflitos. Neste espaço, os conflitos expressam a resistência das classes populares a tentativa
das classes dirigentes em exercer o monopólio, com a imposição de seu modo de agir sobre a
organização social, sobre suas práticas sociais e culturais (VIÉGAS, 2009). Para melhor
compreensão apresentamos respectivamente a narrativa do morador do assentamento Cavalo
Branco e da moradora da comunidade tradicional Água Vermelha.
“[..] lá é tranquilo, não tem conflito, lá pertinho não tem soja não” (Antônio
José Raimundo dos Santos - Relato durante o I Mapeamento).
“[...] tem fazendeiros ao redor. Mas não é conflito de briga, as vezes o conflito
é assim, nem todos os fazendeiros aceitam catar o Cumbaru na propriedade,
não sente compaixão das pessoas de colaborar [...]” (Francisca das Chagas
Silva - Relato durante o I Mapeamento).
103
Em relação às narrativas, observamos compreensões diferenciadas, na primeira fica
visível que a ausência de conflitos está relacionada ao distanciamento da monocultura, se esses
estivessem próximos ao assentamento já ocasionariam conflitos. Essas atividades econômicas
também transformam a vida e a cultura, e produz impactos indesejáveis que afetam os
ecossistemas, o solo, a água, o ar e o clima.
Todavia, em relação à narrativa da moradora de Água Vermelha, evidenciou-se uma
situação de invisibilidade ocasionada pelo fato de estarem imprensados entre as cercas, e
impossibilitados de realizarem o extrativismo do Cumbaru, já que os latifundiários não
permitem a entrada nas propriedades. Todas essas situações de injustiça ambiental e social sobre
esses grupos marginalizados e vulnerabilizados “não é de se admirar que, nessas condições,
impere a violência” (LEROY, MEIRELES, 2013, p. 126). Porém, esses grupos não reconhecem
essas situações enquanto conflitos.
Monocultivos representam a negação da agroecologia e da agricultura familiar
justa e sustentável; a biodiversidade é compreendida como “praga” a ser
combatida numa guerra química contra a natureza, marcando o caráter
químico-dependente desse modelo de produção agrícola que pretende
transformar a natureza em um grande empreendimento fabril (PORTO, 2013,
p.133).
De qualquer forma, a expansão dos monocultivos representa nesta região a principal
atividade econômica geradora de conflitos e injustiças socioambientais. Ressaltamos que
conflitos não são necessariamente embates de natureza física como assassinatos, para Leroy e
Meireles (2013, p. 127) “além a violência direta, exercida sobre os corpos e as mentes, pode-se
constar que está presente a violência simbólica”. Observamos nas narrativas dos/as
moradores/as das comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal, que os grandes latifundiários
exercem a violência simbólica sobre os grupos que se encontram invisível entre os latifúndios.
A violência simbólica é compreendida como a imposição da força de uma classe com
maior poder político e econômico sobre as classes menos desfavorecidas da sociedade.
Bourdieu (1972, p. 13) definiu o poder simbólico como “qualquer poder que consiga impor
significados e impô-los como legítimos quando esconde as relações de força que são o
fundamento da sua força” (apud LEROY; MEIRELES, 2013, p. 127).
Para Jaber-Silva (2012, p.34), possuem os conflitos de natureza simbólica “[...] com a
destruição de bens imateriais, discriminações, perda da autonomia, comprometimento da
qualidade de vida, desrespeito aos bens comuns e modos de vida e a violação dos direitos [...]”
e os de natureza material que ocorre por meio da exploração, expropriação e apropriação dos
bens naturais para a produção do agronegócio afetando diretamente a vida dos grupos
104
vulneráveis. Assim, conflitos devem ser compreendidos tanto nos espaços de apropriação
material como simbólico dos territórios.
Ambos são, por certo, espaços onde desenrolam-se as lutas sociais em geral,
onde o modo de distribuição de poder pode ser objeto de contestação. No
primeiro espaço, desenvolvem-se as lutas sociais, econômicas e políticas pela
apropriação dos diferentes tipos de capital, pela mudança ou conservação da
estrutura de distribuição de poder. No segundo, desenvolve-se uma luta
simbólica para impor as categorias que legitimam ou deslegitimam a
distribuição de poder sobre os distintos tipos de capital (ACSERALD, 2004,
p. 23).
Para o autor, no primeiro caso relacionado ao meio ambiente, as disputas são decorrentes
das apropriações dos rios entre populações ribeirinhas e projetos elétricos, entre seringueiros e
latifundiários. Nesta pesquisa, ocorrem por meio dos embates silenciados entre comunidades
tradicionais, assentamentos e donos dos latifúndios que possuem distintas formas de se
relacionar com o ambiente.
Viégas (2009) ressalta que o mundo humano é simbolicamente construído, assim,
existem concepções múltiplas de valores e interesses referentes ao trato da natureza ou do meio
ambiente. Nesse sentido, as relações estabelecidas entre natureza e ser humano tornaram-se
relações condicionadas, isto quer dizer que atores sociais atribuem diferentes significados aos
bens naturais e ao território, ou seja,
[...] o “meio ambiente” pode ser lido como um campo de disputa estabelecido
fundamentalmente no plano simbólico e o “conflito ambiental” como luta
também de significações, como uma espécie particular de conflito social que
envolve diferentes representações sobre meio ambiente na disputa entre outros
modos de uso e apropriação, material e simbólica, de territórios (VIÉGAS,
2009, p. 146).
No contexto de desenvolvimento, o fortalecimento dessas atividades econômicas
provoca conflitos entre os grupos sociais e os donos dos monocultivos, eles eclodem nesta
região quando ainda existem árvores e os latifundiários não permitem a entrada dos extrativistas
nas propriedades para realizarem a coleta do Cumbaru ou de outras espécies nativas. Outra
grave situação são os desflorestamentos propositalmente realizados para desmobilizar a luta das
comunidades que sobrevivem da coleta do Cumbaru, como enarra a moradora da comunidade
Água Vermelha.
[...] lá a turma pegava também, lá derrubou fazer o que. O que a gente tem é
só o quintal da casa [...]. Não tem nem como ir contra, nós não podemos fazer
nada contra eles, eles têm o poder. Tem um fazendeiro lá ao redor que é
amigo, ele não impede de tirar o Cumbaru, ele nasceu e criou ali, crescemos
105
juntos, tem outro fazendeiro que não deixa entrar para tirar o Cumbaru”
(Francisca das Chagas Silva - Relato durante o I Mapeamento).
Como consequência têm-se desenhado um cenário de conflitos materiais e simbólicos
silenciados. O silenciamento por parte dos grupos que estão sendo invisibilizados nos territórios
tem se dado pelo medo das ameaças que sofrem. Identificamos que esse vínculo de amizade
entre latifundiários e moradores/as das comunidades são frequentes. Podemos dizer que essa
familiaridade construída ocorre pelo fato da grande maioria vender a mão de obra para os
latifundiários, e o medo de perder a única opção de emprego faz com que estabeleçam esse elo.
Essa perspectiva se fortalece ao ser observado as narrativas da grande maioria dos/as
moradores/as ao relatar sobre a introdução das monoculturas e aplicação de agrotóxicos nos
monocultivos ou áreas de pastagens, o frequente uso afeta diretamente a vida dos moradores
que nada podem fazer. Entendemos que nessa relação “[...] é a cultura dominante que opera e
legitima as distinções, definindo posições sociais, subculturas e sistemas simbólicos, obrigando
dominados a se definirem sempre em referência à distância que mantêm em relação à cultura
dominante” (VIÉGAS, 2009, p. 149). Essa relação de dominação de uma classe sobre a outra
se materializa nas comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal.
Consideramos que as populações assentadas, quilombolas e tradicionais sofrem todas
as pressões ocasionada pela expansão das atividades economicistas capitalistas vigentes,
pautada por critérios de crescimento econômico de natureza produtivista e consumista.
Consequentemente produzem reações por parte de movimentos sociais, grupos e populações
que se sentem atingidos em seus direitos fundamentais como saúde, trabalho, cultura,
preservação ambiental e uso de espaços, bens e serviços públicos (PORTO; MILANEZ, 2009;
ACSERALD, 2004). No assentamento Agroana Giral a narrativa mostra a revolta existente
neste território.
Diz que no Pantanal não pode plantar soja, quero saber onde está essa lei
para nos poder buscar ela, para nos poder colocar em cima da mesa para
esses produtores saber que não pode plantar soja aqui no Pantanal, fazer
valer a lei. Se eles quer plantar soja, eles que vai para onde pode plantar soja,
apesar que faz mal, mas lá eles optou por morar lá, nós optamos por morar
aqui, não queremos química. Agora quem quiser plantar com veneno, vai
plantar onde pode plantar. A única reclamação é do veneno que tá chegando
na nossa comunidade e nós não tem como barrar isso, porque os grandes têm
uma grande quantidade de terra e a gente é pequeno, um passarinho chega lá
e fala não põe fogo, não arranca a árvore, ele vai brigar comigo, quem sou
eu para brigar? Aqui no Pantanal não era para ter plantação de soja, então
retira a soja daqui, nós é mais do que eles, eles podem ter terra mais do que
nós, mas nós é mais do que eles (Antônio Costa Dias - Relato do I
Mapeamento).
106
Esse sistema produtivo utiliza-se de uma grande quantidade de agrotóxicos que atingem
não só as lavouras, mas as casas, as escolas, causando impactos que afetam diretamente a vida
dos povos do campo, como a destruição dos ecossistemas; o assoreamento e contaminação de
mananciais hídricos como nascentes, córregos e rios; a contaminação do solo, do ar, do lençol
freático e coloca em risco a vida e a saúde das populações que convivem diariamente nos
territórios com as aplicações de agrotóxicos nas monoculturas.
A despeito do constante uso de agrotóxico, o governo do estado de Mato Grosso estabelece
o decreto n. 8.588, de 27 de novembro de 2006, sendo este revogado pelo decreto n. 2.283, de 09 de
dezembro de 2009, que dispõe sobre o uso, aplicação, produção, comércio e transporte de
agrotóxicos. O decreto n. 2.283/09, no Art. 46º, nos parágrafos I, IV e V determina que:
Art. 46 - Para efeito de segurança operacional, a aplicação terrestre de
agrotóxicos e afins fica restrita à área tratada, observando as seguintes regras:
I - não é permitida a aplicação terrestre de agrotóxicos e afins em áreas
situadas a uma distância mínima de: a) 300 (trezentos) metros de povoações,
cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento
de população; b) 150 (cento e cinquenta) metros de mananciais de água,
moradias isoladas e agrupamentos de animais; e c) 200 (duzentos) metros das
nascentes, ainda que intermitentes; IV - é obrigatório ao manipulador e
aplicador a utilização de Equipamento de Proteção Individual – EPI; V - é
obrigatório à equipe de campo que trabalha em contato direto com agrotóxicos
e afins a utilização de EPI necessário, fornecido pelo empregador; (grifo
nosso).
Posteriormente, entra em vigor o decreto n. 1.362, de 13 de setembro de 2012. No Art.
26º, inciso I fica estabelecido que “não é permitida a aplicação terrestre mecanizada de
agrotóxicos e afins em áreas situadas a uma distância mínima de 90 (noventa) metros de
povoações, cidades, vilas bairros, e mananciais de captação de água, moradia isolada
agrupamento de animais e nascentes ainda que intermitentes”. Ao observar o decreto n.
1.362/12 diminuindo a distância do uso de agrotóxicos, entende-se que este estado burguês tem
contribuído drasticamente com as injustiças socioambientais no Cerrado do Pantanal. Na
comunidade Laranjal e na comunidade Forquilha ocorrem os mesmos impactos.
“[...] quando bate esse veneno parece que está dentro da casa, pode ser de
noite, é muito forte ele faz mal para a gente. Até um dia eu sai daqui com
aquele senhor do Jejum para denunciar” (Adna Senhora Teixeira – Relato I
Mapeamento).
“O impacto que tem é a soja que está ai, os agrotóxicos. Aqui não precisa ir
muito longe não, essa fazenda aqui do lado bate veneno mês a mês, aqui é só
área de pastagem, limpa a pastagem com veneno só. Aqui tinha muito
Cumbaru foi tudo desmatado era uma das maiores fazendas, tinha muito
107
Cumbaru, muito pé de Cumbaru, foi todos desmatados” (Tiago de Oliveira -
Relato I Mapeamento).
De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– (IBGE) em 2017, Mato Grosso é o maior produtor de grãos nacional, esses dados demonstram
que as pulverizações nas áreas plantadas para manter a alta produtividade também ocorreram
em grande quantidade. Outro fator relevante apresentado pelo assentamento Agroana Giral é
referente à ausência ou morosidade das leis brasileiras que pouco tem feito para regularizar
situações de envenenamento das populações que vivem no campo, porém, o morador da
comunidade Forquinha ainda acredita que essa situação tem solução.
“[...] força do poder lá em cima, do poder judicial, se você for bater de frente
nois pequeno com os fazendeiros, se sabe que cada um tem uma índole, você
sabe se medir as forças não vai valer a pena. Acho que temos que achar meios
para o poder judiciaria intermediar essa situação, porque só a força entre
nois não vai resolver nada” (Tiago de Oliveira - Relato I Mapeamento).
Observamos que os/as moradores/as de algumas comunidades ainda acreditam no poder
das leis brasileiras, mas elas pouco fizeram até os dias de hoje para assegurar direitos que são
comuns a todos. Notamos que o uso de agrotóxicos tem como objetivo não apenas matar as
“ervas daninhas e os micro-organismos”, mas também provocar a morte da biodiversidade e a
contaminação das populações que sobrevivem no campo. Em setembro deste ano (2017) em
entrevista31, o médico e pesquisador Wanderlei Pignati afirmou que Mato Grosso é o maior
consumidor e importador de agrotóxico do mundo, além de ser o maior produtor de soja, milho,
algodão, boi e todo esse processo pode ser compreendido como químico-dependente, uma vez
que depende de fertilizante, agrotóxico, sementes transgênicas, maquinários agrícolas,
financiamento agrícola, todo o pacote tecnológico do agronegócio.
Esse pacote contamina a saúde da população e do ambiente. Em 2016, pulverizou-se
cerca de 1 bilhão e 400 milhões de litros de agrotóxico e foi consumido 7 litros por habitantes
por meio do consumo de alimentos, no ar e na água. Para Fideles (2006), no Brasil essas ações
se fortaleceram em 1975 quando se instituiu o Plano Nacional de Desenvolvimento Agrícola
(PNDA), que incentivava e exigia o uso de agrotóxicos nas monoculturas, oferecendo ainda
investimentos para financiar a compra desses insumos. Essa manobra tinha como finalidade
ampliar a indústria que passaria de 14 fábricas em 1974 para 73 em 1985. No Cerrado do
Pantanal além da utilização constante de agrotóxicos, moradores relataram outros impactos
31 Disponível em: http://www.cidadaocultura.com.br/tv-de-quintal-entrevista-wanderlei-pignati/. Acesso em: 10
out. 2017.
108
ambientais que são causas propulsoras de conflitos socioambientais nesta região. Os/as
moradores/as de Barreirinho e Rodeio respectivamente, ressaltam que:
“[...] tem queimada ilegal, ano passado ficou branco de peixe, foi procurar
o fazendeiro, jogou veneno no pasto ai veio a chuva, não era ninguém o
culpado. Matou todos os peixes, os rios estão secando em virtude do
assoreamento provocados pelos desmatamentos” (Carlos Gonçalves de
Barro - Relato I Mapeamento).
Queimada ilegal, você não sabe de onde veio, desmatamento dos fazendeiros.
No caso lá do Rodeio, tem o Rio Taquaral, a uns oito anos atrás entrou e
desmatou toda a nascente do Rio Taquaral lado a lado. No Taquaral também
tem a questão dos agrotóxicos. No Rio Figueira tava tendo um conflito por
causa do peixe, fizeram uma barreira para pegar água, o fazendeiro foi lá é
fechou o rio, a SEMA de Poconé foi lá e desobstruiu (Aurélio Marcos de
Assunção - Relato I Mapeamento).
As queimadas ilegais geralmente são realizadas por agricultores ou pecuaristas para
desmatarem grandes áreas a fim de iniciar as monoculturas ou outras atividades agrícolas, essas
ações têm provocado a degradação ambiental, o empobrecimento do solo, afetam também
imensamente a fauna e a flora local, além disso, o fogo causa emissões de gases que agravam
o aquecimento global.
Jaber-Silva (2012) ressalta que os impactos decorrentes das queimadas são constantes
e associados à dinâmica do desmatamento, da degradação, da exploração madeireira e atingem
diretamente a vida dos povos do campo, contribuindo para o aumento dos casos de doenças
respiratórias, perda de suas roças e, algumas vezes, da própria moradia. Neste cenário, conflitos
envolvendo a apropriação da água têm sido cada vez mais comuns. No quilombo Laranjal
ocorre entre quilombolas e quilombolas.
“[...] o projeto quando foi feito, furou o poço aqui na parte mais baixa, lá na
parte mais alta a água não chega. Lá tá sem poço, Rio mais próximo é o
Corcunda, ele seca e fica só os poços” (Adna Senhora Teixeira - Relato I
Mapeamento).
Além disso, observamos a ausência de corpo d’água em grande abundância, os
desmatamentos promovidos principalmente pelos donos dos latifúndios somado aos
assoreamentos das nascentes dos córregos e rios são fatores que tem contribuído para a
diminuição da disponibilidade dos bens hídricos na região. Embora o Pantanal seja a maior
planície inundável do mundo, essas populações sofrem com a ausência de água. Essa situação
fica evidente no depoimento de Zé Alves:
109
Nós tivemos um problema com o nosso rio aqui, foi de acordo com o
desmatamento na cabeceira lá em cima. Esse riozinho não secava. Então
depois que veio “na verdade era da usina”, o fazendeiro doou um pedaço
para a usina na época que plantou a cana, a monocultura da cana e ai ele
rebentou tudo. Ele gradeou a cabeceira e a enxurrada veio para o Corguinho,
e hoje ele seca (Izaul Brito - Relato I Mapeamento).
Refletindo sobre a disponibilidade e escassez da água, Porto-Gonçalves (2016) e
Amorin (2017) afirmam que conflitos que derivam da apropriação do uso e controle da água
tendem a aumentar, isso se justifica pelo fato que antigamente a escassez de água atingia
somente populações com menos poder econômico, atualmente está problemática atinge a todos
independentemente da classe social. Outra causa propulsora de conflitos envolvendo água são
os garimpos realizados na proximidade de Maravilha.
Lá na comunidade Maravilha o conflito que dá lá é garimpo, lá passa o rio
Piranema, próximo a Maravilha, Boi de Carro, Bitencourt, tá assoreando
tudo o rio e contaminando com mercúrio, desce para o Pantanal, a cabeceira
dele está sendo desmatada até próximo a nascente, só não entrou porque se
entrar atolava, porque é brejo. Tem propriedade do outro lado da nascente
que já fizeram dreno na cabeceira do Piranema e plantaram pasto para os
animais e do outro lado soja que está chegando. Esse Piranema passa na
comunidade Maravilha e no PA Modelo. Hoje não existe mais peixe, o rio se
transformou só em Loleia de garimpo e mercúrio. Um estudo feito pela
Universidade os peixes estavam sendo contaminados lá no rio Bento Gomes
onde o Piranema desagua. O rio Bento Gomes desagua no Pantanal, então
acredito que as espécies de peixe estão contaminadas pelo mercúrio e a água
de péssima qualidade, muita ferrugem, não tem como você atravessar porque
lá virou uma areia movediça, então isso é uma reclamação constante dos
moradores/as. Nas baias onde a lama do garimpo vai os animais estão
atolando e morrendo, isso já foi debatido a nível de município, mas até agora
nada foi feito (João Maria Chaves - Relato I Mapeamento).
O desmatamento somado as atividades de garimpagem (Figura 18) com a utilização de
mercúrio tem provocado sérios impactos socioambientais, entre elas a contaminação das águas,
ar, solo, a morte dos peixes afetando diretamente a vida dos/as moradores/as desta comunidade.
Além dos desmatamentos e garimpo, a drenagem dos cursos d’água para a plantação de
pastagens também causa revolta, já que essa ação afeta diretamente a fauna e flora da região.
110
Figura 18: Morro de sedimentos do Garimpo.
Fonte: ACERVO GPEA (2016).
Milanez et al. (2013) afirmam que as intensificações das atividades mineradoras nos
territórios ocasionam inúmeros impactos, afetando diretamente a vida dos grupos sociais que
dependem diretamente do meio ambiente, como a agricultura, a pesca, o turismo, entre outras,
ademais, podem ser fontes geradoras de agravos a saúde da população. Portanto, diante da
expansão dos conflitos e injustiças socioambientais no cenário atual torna-se necessário
repensar a apropriação e utilização dos bens naturais. Para melhor compreender a realidade das
comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal apresentaremos o mapa dos conflitos
socioambientais elaborado (Figura 19) a partir dos dois mapeamentos realizados nessa região.
111
Figura 19: Mapa dos conflitos socioambientais das Comunidades do Cerrado do Pantanal–Poconé/MT.
Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017.
112
112
4.2 - Percepções das juventudes sobre impactos e conflitos socioambientais
Cuidar da Terra e cuidar das juventudes camponesas
significa cuidar de todos nós
(Molina, 2015).
Ao enveredarmos pelos caminhos desta pesquisa e propor compreender as percepções
das juventudes da comunidade Zé Alves e Laranjal em relação aos conflitos socioambientais e
as mudanças climáticas, primeiro foi necessário entender todo o contexto em que estão
inseridos. Para isso foi realizado dois mapeamentos participativos no Cerrado do Pantanal que
abarcam crianças, jovens e adultos. Os depoimentos acima apresentados, os quais englobavam
disputas por terra, desmatamento, uso de agrotóxicos, disputa por água, garimpo e queimadas,
ajudaram a compreender os impactos e conflitos existentes no Cerrado do Pantanal. Neste
território foram mapeados grupos que estão expostos aos impactos e conflitos socioambientais,
dentre eles: povos tradicionais, quilombolas e assentados.
Esses grupos sociais encontram-se em condições de vulnerabilidade socioambiental e
socioeconômica, principalmente pelo fortalecimento do agronegócio. Desse modo, se faz
necessário repensar as relações estabelecidas entre desenvolvimento econômico e ambiente.
Entendemos que são relações totalmente contraditórias e desiguais, pois constitui-se por classes
sociais dominantes, opostas aos grupos economicamente desfavorecidos, e no interior do qual
ocorrem conflitos a partir de antagonismos e tensões criadas pelo próprio sistema (VIÉGAS,
2009).
No contexto atual, as causas propulsoras de conflitos tendem a se intensificar em virtude
dos grandes projetos capitalista de desenvolvimento que transformam os bens naturais em
recursos. Assim, “os conflitos expressam, dessa forma, a resistência das classes populares à
tentativa das classes dirigentes em exercer o monopólio da historicidade, com a imposição de
seu modo de agir sobre a organização social, sobre suas práticas sociais e culturais” (VIÉGAS,
2009, p. 148).
Os conflitos tornaram-se visíveis a partir do momento que os despossuídos passaram a
reclamar os seus direitos, como maior acesso aos bens naturais como água, terra fértil, ar, entre
outros (ACSERALD, 2004). Conflitos podem emergir “[...] como disputas entre grupos sociais
derivadas dos distintos tipos de relação que eles mantêm com seu meio natural” (LITTLE, 2001,
p. 107) e “[...] em função dos impactos socioambientais gerados pela ação humana, tais como
desmatamento, queimadas, contaminação dos rios e do ar ou construção de grandes
empreendimentos” (JABER-SILVA, 2012, p. 40).
113
Nas considerações de Little (2001, p. 109), “[...] conflitos relacionados aos recursos
naturais são sobre as terras que contêm tais recursos e, portanto, entre os grupos humanos que
reivindicam essas terras como seu território de moradia e vivência”. As juventudes imbricadas
nesse contexto, vivem e sentem juntamente com seus familiares as pressões e superexplorações
ocasionadas pela intensificação dos avanços das monoculturas sobre o território quilombola e
tradicional.
Nesses espaços as juventudes enfrentam as transformações trazidas pela lógica de
acumulação do capital no campo, pelo modelo agrícola representado pelo agronegócio que
expulsa populações tradicionais de seus territórios de origem, esse modelo depende de grandes
extensões de terra para a implementação das monoculturas de exportação, transformando os
alimentos em commodities, utilizando estratégias de superexploração dos camponeses, entre
eles os jovens (MOLINA, 2015). Face ao exposto, primeiro serão apresentadas as narrativas
para compreender quais impactos e conflitos são percebidos em Zé Alves e Laranjal.
[...] está acontecendo desmatamento, o fazendeiro que comprou o sítio
acabou desmatando tudo [...] (Creuza Cardoso de Oliveira - Zé Alves).
Aqui tinha bem mais mato, vão desmatando, vão plantando capim, não foi só
o fazendeiro, os sítios que não é fazenda também (Nilce de Souza Magalhães
– Laranjal).
[...] desmatamento só quem quer ampliar alguma lavoura [...] de cinco em
cinco anos. Aqui mesmo uma área onde a gente trabalha foi desmatado em
2005 até hoje produzindo (Elio Martins - Zé Alves).
[...] os fazendeiros desmatam, mas por causa da lei não estão desmatando
muito. Antigamente era tudo mato, o fazendeiro foi desmatando (Valdir Rocha
- Laranjal).
Nesta região os desflorestamentos são realizados tanto pelos donos dos latifúndios de
pecuária e monocultura que transformam bens naturais em recursos para atender aos interesses
economicistas, em uma escala muitíssima menor pelos agricultores camponeses que realizam a
agricultura de subsistência e comercialização. Essas práticas contribuem com perdas
significativas da biodiversidade, esgotamento dos solos, diminuição e alteração dos regimes de
chuvas, processos de erosão e desertificação, degradação dos cursos d’água e desequilíbrios
climáticos em virtude da ausência de florestas que tem a função de gerar umidade do ar e
absorver o calor da atmosfera.
É importante enfatizar que a proporção dos impactos nos latifúndios atinge escala
superior aos realizados pelos agricultores camponeses. Enquanto na agricultura camponesa
estabelecem uma relação de proximidade e respeito com a natureza, não necessitando de
114
grandes extensões de terra, utiliza-se de poucos serviços mecanizados, a produção é orgânica e
orienta-se pelo clima para plantar e colher. Na agricultura capitalista baseia-se na concentração
das terras, no desrespeito ao ambiente, privilegia a produção em larga escala, utiliza-se de
grandes quantidades de agrotóxicos e tecnologias de mecanização de última geração.
Nora e Sato (2015) compreendem que a ação humana no ambiente gera impactos
incalculáveis, basta analisar o número de espécies ameaçada de extinção, as alterações na
superfície terrestre que impactam diretamente os ecossistemas, mas há uma situação mais
complexa ainda, as alterações na superfície terrestre e a perda da biodiversidade contribuem
para a perda de culturas e saberes vinculados aos diferentes grupos sociais que veem seu modo
de vida descaracterizado.
A comunidade Zé Alves, diferente da comunidade Laranjal não teve seu modo de vida
totalmente descaracterizado pelos constantes desflorestamentos. Em Zé Alves possui acesso à
terra e a renda familiar baseia-se entre aqueles que vendem a força de trabalho como
assalariados ou mensalistas para os donos dos grandes latifúndios, e aqueles que organizados
em associações realizam a fabricação de rapadura, melado e açúcar mascavo; e o cultivo de
raízes, legumes e verduras que são entregues para a cooperativa onde se comercializa.
Por outro lado, a comunidade Laranjal não possui acesso à terra, enquanto aguardam a
desapropriação e regularização fundiária são obrigados a vender a força de trabalho para
fazendeiros da região, pois, estão impossibilitados de realizar atividades agrícolas para
consumo e comercialização, além do extrativismo vegetal do Cumbaru que era um
complemento na renda familiar.
[...] só parou porque o fazendeiro mandou desmatar, acabou com todas as
árvores do Cumbaru. As pessoas não poderia fazer nada, ele que é o dono,
não podia brigar com ele (Maria do Carmo Moura Ferreira Araújo -
Laranjal).
[...] catava onde é a plantação de soja, a soja acabou com todos os Cumbaru,
foi derrubado pelo fazendeiro novo que comprou para plantar soja. O outro
fazendeiro deixava a gente catar (Valdir Rocha - Laranjal).
Conforme as narrativas, o extrativismo só deixou de ser realizado a partir do momento
que a fazenda foi vendida, o novo proprietário passou a não permitir a entrada na fazenda.
Enquanto o antigo dono permitia a entrada dos quilombolas para a coleta do Cumbaru, o novo
dono, antes mesmo de realizar os desflorestamentos para a introdução dos monocultivos,
impediu a entrada na fazenda com a justificativa que a presença de pessoas nas pastagens
115
assustava o gado e que os mesmos poderiam ser atacados. Compreendem ainda que a fazenda
é um território privado, e eles nada podem fazer contra o fazendeiro.
Observamos um exemplo de conflito que se instituem por meio de diferentes formas de
apropriação, uso e significação atribuída aos elementos naturais territorializados (OLIVEIRA,
2004). Acrescenta ainda que os conflitos se materializam entre sujeitos desiguais, por um lado,
no plano da distribuição de poder, onde os diferentes tipos de capital social, econômico e
político se constituem como hegemônicos, e por outro, se estabelecem no plano simbólico por
meio das representações, crenças e esquemas classificatórios que estruturam e legitimam as
ditas relações de poder. Em Laranjal apesar de toda essa situação de violação de direitos, as
juventudes evidenciam que não existem conflitos entre quilombolas e fazendeiros.
Não tem conflito não, se for cortar a terra o fazendeiro vai aceitar, porque
ele pegou a terra dos outros. Tinha pessoa que tinha terra, foi morrendo e
deixando a terra e ele foi cercando (Maria do Carmo Moura Ferreira Araújo
- Laranjal).
Antes era tudo do fazendeiro, ele foi dando um pedacinho para cada um
morar, nós ficamos espremidos entre as cercas da fazenda (Gonçalo Araujo
– Laranjal).
As juventudes negaram a existência de conflitos entre fazendeiros e quilombolas, é
notório que existem uma relação desigual entre um grupo com maior poder econômico
exercendo a dominação de um grupo com menor poder econômico. Todas essas situações já
narradas sobre a história de Laranjal e como sobrevivem atualmente, evidenciam que nesta
comunidade os conflitos socioambientais são velados e ocorrem no campo simbólico. As
narrativas demonstram uma situação de conformismo diante da realidade.
Portanto, o poder simbólico “[...] é definido por uma relação determinada entre os que
exercem o poder e os que a ele se submetem, sua força residindo na crença produzida e
reproduzida no próprio campo em que se estruturam essas relações (VIÉGAS, 2009, p. 150).
Para o autor, há uma luta simbólica entre dominante e dominados “[...] cada qual procurando
impor sua própria definição de mundo, assim contribuindo para a reprodução social e para
reforçar (ou enfraquecer) a crença na legitimidade da dominação de classe” (ibidem, p. 149).
No caso desta pesquisa, o fato dos fazendeiros não permitirem a entrada na fazenda, a realização
do desflorestamento é um mecanismo encontrado pelos dominantes para enfraquecer a luta
quilombola e legitimar seu poder sobre os dominados.
É necessário destacar também que as juventudes quilombolas pouco sabem ou procuram
saber sobre a verdadeira história dos seus antepassados. Observamos que mesmo sabendo que
116
estão aguardando o processo de regularização fundiária, nas narrativas expõem que a
expropriação do território não ocorreu por meio da violência física e simbólica imposta por
jagunços contratados por fazendeiros, para as juventudes os fazendeiros foram cercando o
território que é por direito dos quilombolas com a morte de seus donos legítimos. Ressaltamos
que em uma sociedade separada por cercas, pode-se dizer que as cercas físicas neste território
exercem um poder simbólico sobre os quilombolas.
Nesse sentido, historicamente quilombolas e fazendeiros vivem em conflitos por terra
há aproximadamente trinta anos. Consequentemente, os/as moradores/as mais antigos que ainda
permanecem no território carregam as marcas da violência física e simbólica, ocasionadas por
manobras fraudulentas realizadas por latifundiários para expropriar e ocupar o território que
não os pertenciam, obrigando-os a viver espremidos entre as cercas dos latifúndios.
Mesmo que os antepassados tenham sido expropriados do território, as juventudes não
procuram saber a verdadeira história de dominação e silenciamento vivenciada nesse território,
por isso afirmam que as terras onde atualmente é o quilombo foi doado pelo fazendeiro. Para
Moreira (2017, p. 84), a expropriação dos territórios ocasiona “[...] problemas e dificuldades na
vida dos/as quilombolas, um deles é o econômico, a baixa renda das famílias incomoda e aflige
a população que aguarda a titulação do território com esperança de melhoria na qualidade de
vida”.
Acserald (2004) constata que a concentração da posse sobre os bens naturais e de
elementos da base material da sociedade, mediante grandes projetos de apropriação do
ambiente, produz grandes impactos e efeitos de desestruturação nos ecossistemas e na vida das
populações do campo que são deslocadas e concentradas em áreas exíguas como é o caso da
comunidade Laranjal. A intensidade e o ritmo acelerado da introdução da monocultura
provocam danos na biodiversidade, na disponibilidade de água potável, poluição do solo e do
ar, desertificação, erosão e desflorestamentos. Nas comunidades pesquisadas além dos
desmatamentos, as queimadas são enarradas como causas propulsoras de conflitos.
Percebo muitas queimavam, muitas queimadas lá próximo do morro e
acabava atingindo aqui. Isso tem afetado a vida da comunidade, quando a
queimada vinha já estava tudo plantado aí queimava tudo, acabava com a
plantação (Creuza Cardoso de Oliveira - Zé Alves).
Aqui tem queimadas só para fazer roça (Nilce de Souza Magalhães -
Laranjal).
Impactos socioambientais decorrentes das práticas de queimadas e desmatamentos
sempre fizeram parte dos processos de uso e ocupação territorial deste estado (JABER-SILVA,
117
2012). As queimadas são praticadas por latifundiários tendo como objetivo aumentar as áreas
de monocultivos; por agricultores camponeses no preparo da terra com pouca mão de obra,
aumentar a capacidade produtiva, diminuir a presença de pragas; além da queima do lixo
doméstico realizada pelos/as moradores/as, uma vez que não possui coleta seletiva de lixo no
campo.
As queimadas afetam diretamente a vida dos/as moradores/as, pois provocam doenças
e problemas respiratórios nas populações locais, além da perda da biodiversidade, poluição do
ar, desequilíbrio na fauna e na flora, aumento da erosão nas áreas queimadas, aumento de calor,
degradação do solo e da vegetação, e contribui com as mudanças climáticas. Tanto as
queimadas de grandes extensões realizadas pelos donos dos latifúndios, como os de pequenas
extensões realizados pelos agricultores familiares são práticas criminosas que afetam as
diversas formas de vida existentes nos territórios, e contribuem significamente para o
agravamento das mudanças do clima.
Para Tamaio (2013) as queimadas e os desmatamentos são os maiores responsáveis pelo
agravamento das mudanças climáticas. Embora as mudanças climáticas sejam visíveis e seus
efeitos já sejam sentidos pela humanidade, não afetarão a todos igualmente, grupos sociais
como indígenas, pescadores, ribeirinhos, entre outros e grupos sociais em situação de
vulnerabilidade econômica serão os mais atingidos. Além disso, “[...] os atores sociais que são
geralmente mais vulneráveis a esses eventos são aqueles que menos contribuem para a mudança
do clima” (MILANEZ; FONSECA, 2011, p. 01), são os mais atingidos por impactos
provocados pelas ações de destruição realizadas no ambiente.
Nesse contexto, de desigualdades e injustiças, os conflitos se escondem por trás de
inúmeros impactos socioambientais, isso se torna evidente ao observar as narrativas em relação
aos problemas envolvendo a água.
Aqui tinha um rio, só que o fazendeiro cercou com uma barreira, não enche
mais (Jaime Santana Filho - Zé Alves).
O córrego Formiga faz tempo que ele não enche, veio um fazendeiro para cá
e começou a fechar a nascente lá em cima, desmataram a uns seis anos atrás,
entupiram a nascente, difícil dar uma cheia no corgo, faz uns seis ou sete anos
que não enche mais. Hoje não tem mais peixe, o peixe que a comunidade
consome é de tanque mesmo, o desmatamento afetou a nascente. A
comunidade nunca foi em se envolver em conflito com os fazendeiros e deixou
como está (Élio Martins - Zé Alves).
[...] nos últimos anos tinha dois corgos aqui, que nessa época estava cheio,
você até ouvia o barulho da cachoeirinha no meio do mato que trazia água
até na comunidade. Eu acho que através do desmatamento, degradação do
118
meio ambiente. Os fazendeiros acabaram entupindo a nascente, acho que essa
questão da água é o que mais pegou aqui. Antigamente você falava vamos
tomar um banho ali no rio tinha, hoje não tem mais. Lembro que nós
pescávamos e pegávamos muito peixe. As ações do fazendeiro acabaram
afetando, porque quando você perde a água é porque não tem nascente [...].
Na época que não tinha esse poço ai fazia cacimba dentro dos corgos e a água
era boa, não é como essa salobra (Edmar Viana Pereira - Zé Alves).
Na percepção das juventudes, o represamento dos rios e córregos nas proximidades da
comunidade realizadas por fazendeiros ocasiona impactos sociais, ambientais, culturais e
econômicos. O avanço da fronteira agrícola para a área de transição entre o Cerrado e o Pantanal
contribuem para o desiquilíbrio ecológico vivenciado nessas comunidades. Porto-Gonçalves
(2016) diz que no Cerrado onde reina o modelo agrário-agrícola se encontra as maiores reservas
hídricas do país, é nesta região que nascem importantes rios e partem para diferentes bacias
hidrográficas brasileiras. Nesse sentido, o autor considera que conflitos intensos envolvendo a
água se tornaram comuns.
As narrativas evidenciam que o fechamento da nascente do córrego Formiga (Figura 20)
somado aos desmatamentos, degradações e assoreamentos realizados pelas constantes ações
dos fazendeiros e arrendatários das terras para o cultivo da cana de açúcar, afetam diretamente
a vida dos moradores. Podemos dizer que os impactos nos rios e córregos impossibilita o acesso
a água de boa qualidade, afeta ainda a soberania alimentar seja por meio da pesca, plantações
de roças e a criação de animais. Porto-Gonçalves (2016, p. 161) considera que esse modelo
econômico “[...] alimentado por um modo de produção que o estímulo a acumular riqueza
virtual – dinheiro – pondo com isso em risco a riqueza da água, da terra, do solo, da vida, na
sua concretude”.
119
Figura 20: Córrego Formiga na comunidade Zé Alves.
Fonte: ACERVO GPEA (2016).
Na percepção das juventudes, antes das degradações e contaminações dos córregos e
rios em Zé Alves, a água consumida vinha das cacimbas construídas pelos próprios
moradores/as, com o avanço desse modelo agrário agrícola foram obrigados a construir um
poço artesiano para atender a demanda da comunidade. A água do poço artesiano é salobra e
inapropriada para o consumo, afirmam que a utilizam somente para a higiene pessoal, afazeres
domésticos, para molhar as plantas e para dar aos animais, para cozinhar e beber precisam
buscar nas comunidades vizinhas ou comprar galões no município de Poconé.
O córrego Formiga, sendo um dos principais existentes em Zé Alves encontra-se
totalmente degradado e assoreado pelas constantes ações antrópicas realizadas em seu curso
para atender aos interesses do agronegócio. A grande quantidade de água utilizada pelo
agronegócio deve ser repensada, uma vez que produtores de commodities produzem apenas
para a exportação, e o alimento que chega na mesa das famílias brasileiras são produzidos
principalmente pela agricultura camponesa que não necessita de grande quantidade de água
para a sua produção, diferente do agronegócio (AMORIM, 2017). Assim, quando questionado
se essas ações ocasionaram conflitos, respectivamente ressaltam:
A comunidade nunca foi em se envolver em conflito com os fazendeiros e
deixou como está (Élio Martins - Zé Alves).
120
Com o pessoal da usina não teve conflito não, só nós que ficamos prejudicado.
Na época eles chegaram ai e foram fazendo com maquinários, com aquele
trator de esteira, foi descendo e empurrando tudo, veio com os tratores e
agora tá sendo prejudicial para nós. Não teve esse diálogo não, nossos pais
que eram os lideres [...] (Jaime Santana Filho - Zé Alves).
A usina Álcool do Pantanal Ltda. (ALCOPAN) evidenciada pelos jovens (Figura 21)
foi instalada na década de 1970 no distrito de Chumbo (Comunidade Quilombola), e iniciou-se
com a introdução da monocultura de cana-de-açúcar em uma área de 6 mil hectares, esse
empreendimento reforçou a vulnerabilidade que as comunidades vizinhas estão expostas,
reforçando ainda mais as interferências de pessoas com maior poder aquisitivo, a violência e a
exploração da mão de obra (ALMEIDA, 2015). Esse empreendimento foi fechado em 2012
pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) acusado de manter 20 trabalhadores em condições
análogas à escravidão32, ademais foi responsável por impactos sociais, ambientais e econômicos
que alterou e altera o modo de vida das comunidades.
Figura 21: Estruturas da Usina ALCOPAN.
Fonte: ACERVO GPEA (2016).
Em Zé Alves é perceptível os impactos desse empreendimento ainda hoje na vida
desses/as moradores/as, principalmente envolvendo o acesso à água. Nesse cenário, Jaber-Silva
(2012, p. 134) assegura que “o uso das águas gera conflitos em razão da multiplicidade de
32 Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2012/08/justica-decreta-falencia-da-alcopan-apos-mpt-denunciar-
trabalho-escravo/>. Acesso em: 01 out. 2017.
121
valores e finalidades conferidas a este elemento”. Comumente, as juventudes de Zé Alves e
Laranjal diante desse modelo economicista de desenvolvimento, que desrespeitam e alteram as
diferentes formas de vida existentes nos territórios, que ocasionam impactos e injustiças
socioambientais, além de outras ameaças asseguram que não se envolveram e envolvem em
conflitos com os fazendeiros.
Em relação aos conflitos em torno da água, Fernandes (2015) afirma que estão
relacionados principalmente à promiscuidade entre o Estado e a capital, a qual acontece
basicamente, de dois modos. Primeiro o Estado é burguês e capitalista, por isso seu
planejamento está voltado apenas para as demandas capitalistas e estão condicionados a
defender os interesses da classe dominante; segundo é a promiscuidade em que o Estado
capitalista cria mecanismos necessários para a realização de seu interesse. “Desta união
promíscua é que se originam situações de corrupção, omissão, conivência, impunidade,
covardia, degradação da natureza, intimidações, ameaças, assassinatos chegando até à extinção
de povos inteiros” (FERNANDES, 2015, p. 115).
Neste contexto, Amorim (2017) destaca que a água é extremamente importante para a
sobrevivência dos seres vivos, a água é considerada valorosa em diversos aspectos, por isso
vem se tornando um elemento de disputas, podendo ocasionar inúmeros conflitos. Para
Fernandes (2015), 70% da água potável vão para o agronegócio e apenas 4% para o consumo
humano, o agronegócio a esbanja à vontade na produção de mercadorias para acumulação de
capital, em contrapartida diversas pessoas não têm água para beber e muitos camponeses não
têm acesso para regar as hortas caseiras, estima-se ainda que mais de 1 bilhão de pessoas são
privadas do acesso a água apropriada para o consumo. No quilombo, impactos envolvendo as
nascentes, os córregos e os rios têm se intensificado principalmente pelas ações antrópicas
direta ao ambiente.
Sempre teve pouco rio, mas está na terra do fazendeiro. Antes enchia
bastante, alagava mesmo até na estrada, ficava totalmente alagado, hoje em
dia não enche mais como antigamente, acho que hoje isso não ocorre mais
por causa do impacto ambiental que foi acontecendo, o desmatamento, o
veneno, foi destruindo bastante pela ação humana (Valdir Rocha - Laranjal).
Rio pequeno sim, agora rio grande só dentro da fazenda, da propriedade dos
outros. Os córregos aqui secaram quase todos, secou por falta de chuva e
pelo desmatamento. Na comunidade agora tem o poço, antes era cacimba,
trazia água na cabeça. O poço não atende todo mundo, só que um pessoal lá
de cima não queria colaborar com a energia, cortou a água. Agora eles
fizeram um poço lá, queria usar e não queria pagar (Maria do Carmo Moura
Ferreira Araújo - Laranjal).
122
Rio nunca teve não, teve tanque. Tem uns corguinhos pequenos que seca, acho
que é por falta de chuva, pelo clima (Gonçalo Araujo - Laranjal).
Apesar da existência da grande quantidade de nascentes, córregos e rios, as ações
empreendidas pelo agronegócio nesta região contribuem para o aumento da degradação,
assoreamentos, poluição das águas pelo uso de agrotóxicos. Os/as moradores/as de Laranjal,
assim como de Zé Alves já estão sendo atingidos pela ausência de rios e córregos com água de
boa qualidade no território. Aqueles que ainda resistem aos desmatamentos, degradações e
assoreamentos nos cursos d’água promovidos principalmente por atividades econômicas como
a pecuária e monoculturas encontram-se restritos nas propriedades particulares dos fazendeiros.
Porto-Gonçalves (2016) argumenta que a água não pode ser tratada de modo isolado como se
fosse um problema de especialistas, a água necessita ser pensada urgentemente enquanto
território.
A água como um elemento que integra o meio ambiente natural indispensável para a
vida, não pode ser compreendida como um bem privado, mas um “bem de uso comum do
povo”, conforme explícito no Art. 225º da Constituição Federal de 1988. Assim, não pode ser
qualificado como um bem que pertença a uma pessoa física, no caso desta pesquisa, os donos
dos latifúndios, mas um bem pertencente a uma coletividade. Em Laranjal, as juventudes
descrevem que em virtude dos impactos ambientais e da poluição por agrotóxicos nos rios e
córregos, tiveram que deixar de utilizar a água da cacimba que era trazida na cabeça a longas
distâncias e construíram poço artesiano para atender aproximadamente 60 famílias. A
comunidade se divide entre Laranjal da beira da estrada e Laranjal do fundo, porém nem todas
as famílias têm acesso a água do poço, o poço foi construído em uma área baixa da comunidade
e a grande maioria dos/as moradores/as possuem suas residências na parte alta.
O poço acaba gerando conflitos entre quilombolas e quilombolas. Os conflitos ocorrem
porque aqueles que não tem acesso se recusam efetuar o pagamento da energia consumida
mensalmente. Conflitos envolvendo a água têm aumentado nos últimos anos, conforme dados
divulgados pela CPT em 2015 foram registrados: “[...] três pessoas receberam ameaças de
morte, cinco sofreram tentativa de assassinato, duas foram assassinadas, outras 41 sofreram
intimidações, duas foram agredidas, uma foi ferida, outra sofreu danos materiais, três morreram
em consequência de conflitos” (FERNANDES, 2015, p. 115).
Nesse universo investigativo, podemos relacionar ao conflito água o uso abusivo de
agrotóxicos que também é uma causa propulsora de conflitos, as juventudes afirmam que sua
intensa utilização nas pastagens e nas monoculturas colocam em risco a vida dos/as
moradores/as. Segundo o Dossiê ABRASCO, os impactos dos agrotóxicos na saúde são
123
compreendidos como armas mortíferas de uma guerra não declarada, das quais as vítimas
humanas e não humanas “[...] são ocultadas por uma ciência cerceada por interesses econômicos
ou justificadas por esta mesma ciência como efeitos colaterais do emprego de uma tecnologia
apresentada como indispensável” (CARNEIRO et al. 2015, p. 27) para controlar as doenças,
produzir em menor espaço de tempo, aumentar a produtividade voltadas para a exportação de
commodities. Pode ser considerado também como uma tática criminosa utilizada para
pressionar os povos do campo, das florestas e das águas a deixarem as áreas em disputas,
transformando os venenos em arma de guerra química nas mãos de pessoas inescrupulosas
(PORTO; ROCHA; PACHECO, 2015).
[...] veneno, muito veneno. Antigamente não afetava muito, mas já começou.
O veneno que eles batem no pasto com o vento vem para a comunidade e as
pessoas fica passando mal. Muita dor de cabeça. Ninguém nunca foi falar
com o fazendeiro, eu acho que é medo. Os fazendeiros, aqueles que tem
dinheiro não estão nem ai com a vida dos pobres que está ao redor da
comunidade. Agora o que manda é o dinheiro (Maria do Carmo Moura
Ferreira Araújo - Laranjal).
O trecho da narrativa evidencia a situação de injustiça provocada pela intensa utilização
de agrotóxicos. Primeiro será enfatizada a relação entre quilombolas e fazendeiros que a
princípio pode ser considerada como pacífica, já que os fazendeiros sempre ajudaram e ajudam
os/as moradores/as da comunidade, seja por meio das doações feitas para a escola ou
oportunizando que trabalhem na fazenda como diaristas ou mensalistas. No entanto, ao relatar
sobre o uso abusivo de agrotóxicos, fica evidente que o medo do fazendeiro faz com que
prefiram aceitar essa situação.
Compreendemos que essa situação desvela uma relação de amizade mascarada pelo
medo, pois como destaca a jovem quilombola, o poder que se materializa na concentração de
riqueza está centrado nas mãos de uma parcela mínima da sociedade extremamente opressora.
Na concepção de Freire (2014, p. 41), a nossa história foi tecida pela exploração, opressão e
dominação, assim, “os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que a sua
“generosidade” continue tendo oportunidade de realizar-se” [...] ações de injustiças. Diante
desses que oprimem, exploram e violentam, Freire (2014) destaca que os oprimidos ao
buscarem sua humanidade roubada não devem se tornar opressores dos opressores, mas
restauradores da humanidade de ambos.
A violação de direitos individuais e coletivos provocados pela utilização abusiva de
agrotóxicos nas pastagens da fazenda tende a se intensificar, uma vez que pastagens e
gigantescas áreas de matas estão sendo desmatadas e convertidas em latifúndios de
124
monocultivos, afetando diretamente o meio ambiente com sua biodiversidade e a vida dos
moradores existente neste território. Colocam em situação de vulnerabilidade trabalhadores/as
que muitas vezes não utilizam equipamentos de segurança individual para o manuseio de
agrotóxicos, e não possuem conhecimento para desenvolver atividades dessa natureza. Em Zé
Alves a realidade é totalmente diferente de Laranjal, os monocultivos encontram-se distante.
Tem o pessoal da soja, mas está longe de nós, tá lá no Chumbo ainda, dá uns
20 km até lá. Acredito que aqui por ser uma região de pé de Serra, eles não
vão vir plantar aqui. O veneno não vai chegar aqui não, é mais para o lado e
Poconé (Edmar Viana Pereira - Zé Alves).
A introdução da monocultura acho que não chega de afetar, porque as
fazendas mais próximas é moro e tem uma área que alaga, então eles não
plantam. Só se eles fizerem um aterro muito forte (Élio Marins - Zé Alves).
Para as juventudes, a presença de serras na região impossibilita que essas atividades
sejam realizadas nas proximidades da comunidade Zé Alves, aparentemente estão livres da
contaminação por agrotóxicos. No entanto, para que ocorra a contaminação não é necessário
que as monoculturas estejam próximas, uma vez que os venenos são transportados pelo ar e
pelos rios a longas distâncias, tornando-se assim uma das principais causas propulsoras de
conflitos. Segundo Porto (2013, p. 139), “a expansão dos monocultivos e do agronegócio de
exportação tem sido responsável por inúmeros impactos socioambientais e de saúde pública
que se encontram por trás dos numerosos conflitos ambientais no campo”.
Ao verificar os dados divulgados pela CPT podemos observar que conflitos envolvendo
agrotóxicos são registrados desde 1980, a partir de 1985 até 2014. O número de vítimas de
contaminação por agrotóxicos cresceu mais de 300%, passaram de 15 no período de 1985 a
1989, para 63 casos no período de 2000 a 2014, tais dados mostram que o número de famílias
afetadas cresceu 10% no mesmo período, passando de 3.775 famílias na década de 1980 para
4.189 nas primeiras décadas do século XXI. Os dados mostram ainda que mais de 60% das
ocorrências estão relacionadas com as disputas por terra e território envolvendo trabalhadores
rurais, arrendatários, camponeses e povos indígenas. Em 2015, registrou-se 23 casos, sendo 12
no contexto de conflitos por terra, 8 relacionados à água, 3 trabalhistas e 4.267 famílias afetadas
(PORTO; ROCHA; PACHECO, 2015).
Notadamente, as transformações das imensas matas em monocultivos, a conversão dos
bens naturais em recursos, a ganância pela produção em larga escala em conjunto com a
violência física e simbólica dos grupos nos territórios, contribui significamente para que essa
realidade no campo se intensifique constantemente. Pouco a pouco, as paisagens do Cerrado do
125
Pantanal são transformadas em grandes extensões de monoculturas, que são exportadas
principalmente para a China, que é o maior comprador da soja brasileira.
Onde tem a soja o agrotóxico é forte, é um processo de mais de 20 anos para
você conseguir limpar a terra, isso é prejudicial aqui. A soja é um câncer que
chegou aqui, não é legal, porque a lei proibi no Pantanal, só que a SEMA
bate palma, o ICMBio não viu nada e não sabe de nada, os órgãos que é para
nos ajudar a enfrentar e não deixar acontecer são os que permitem,
infelizmente o poder do capitalismo está falando mais alto. A APROSOJA
junto com a FAMATO ponha a SEMA e o ICMBio no bolso, nós vamos fazer
o que? jovens (Jaime Santana Filho - Zé Alves).
Lá no Pantanal não pode plantar soja, acho que o município não fiscaliza e
aqueles que é para fiscalizar é reembolsado, deixa rolar solto (Valdir Rocha
- Laranjal).
Na compreensão das juventudes de Zé Alves e Laranjal, o uso de agrotóxicos representa
um câncer na vida de todos/as os/as moradores/as. Nas narrativas denunciam os órgãos
ambientais fiscalizadores que nada têm feito para controlar a utilização de agrotóxicos nas
proximidades das comunidades pesquisadas, os jovens juntamente com seus familiares sofrem
diariamente com o cheiro do veneno, isso fica evidente quando relatam que já tiveram sintomas
como vômito, dores de cabeça e dores no estômago.
Na percepção das juventudes, muitas vezes esses órgãos acabam recebendo propina
para não fiscalizar essas atividades que colocam em risco a vida dos seres humanos. Embora
pareça estranho, injustiças socioambientais são concebidas por “[...] atividades econômicas
quanto pela forma como o Estado deixa de proteger as populações, sejam as atuais ou as
gerações futuras diante de políticas públicas e práticas institucionais que favoreçam a geração
de injustiças” (PACHECO; PORTO; ROCHA, 2013, p. 55).
Observamos dois grupos geradores de injustiças, o primeiro pertencente às atividades
econômicas predatórias desenvolvidas que desprezam o valor da vida humana e não humana,
responsáveis por impactos e conflitos. O segundo refere-se à omissão, conivência e ausência de
atuação do poder público e entidades governamentais, inclusive o judiciário e/ou ministérios e
defensorias públicas em desenvolver ações efetivas de fiscalização diante de atividades que
colocam em risco a vida da população (PORTO, PACHECO, 2009; PACHECO; PORTO;
ROCHA, 2013). Infelizmente a combinação entre a retirada da cobertura vegetal nativa somada
ao uso de agrotóxicos tem impossibilitado a existência de qualquer forma de vida nesse
território. As narrativas evidenciam essas situações de injustiças sociais e ambientais que
recaem de forma desigual e desumana sobre os quilombolas e outros grupos presentes nesta
região.
126
Os meninos estão na mesma área do meu pai batendo veneno, eu acho muito
ruim o veneno. Onde está batendo o veneno o cheiro vem nas pessoas vizinhas
que está perto do pasto, hoje mesmo veio o cheiro, quando eles estão para o
outro do pasto não chega aqui, mas vai para outra pessoa. Aqui nessa fazenda
não mexe com soja, só na outra para lá. Agora a gente não está sentindo, mas
com certeza a gente vai sentir alguma coisa, porque esse veneno não faz bem.
Hoje eu estava passando mal, porque o cheiro é muito forte. Meu pai trabalha
na fazenda batendo veneno, eu converso com ele e falo que o veneno não é
certo, só que não tem outro meio de trabalho, para sobreviver ele tem que
fazer isso. Hoje na hora que começou bater o veneno eu comecei a passar
mal, mas só na hora mesmo (Ireni da Silva Castro - Laranjal).
O veneno prejudica as pessoas, mas não tem outro serviço, tenho obrigação
de passar (Gonçalo Araujo - Laranjal).
Em um cenário marcado pela pobreza, distribuição de renda desigual e ausência de
emprego, uma jovem enarra como é difícil saber que seu próprio pai juntamente com outros
jovens precisam trabalhar na fazenda aspergindo veneno nas plantas (Figura 22) e insetos das
pastagens para sobreviver, enquanto ela está em casa passando mal com o cheiro.
Figura 22: Morador aspergindo veneno nas pastagens da fazenda.
Fonte: ACERVO GPEA (2016).
Nesta pesquisa constatamos que muitos acabam se sujeitando aos objetivos dos
empreendimentos ligados ao agronegócio que avança sobre as comunidades do campo,
explorando, subjugando e eliminando os grupos sociais dos territórios. Isso ocorre em virtude
da ausência de trabalho e terra para plantar, as juventudes quilombolas por falta de políticas
públicas são obrigados a venderem sua força de trabalho como mensalistas ou diaristas por
míseros salários para os donos dos latifúndios, que utilizaram da violência física e simbólica há
127
aproximadamente trinta anos para ocupar ilegalmente o território que pertenciam aos seus
antepassados, fato histórico pouco conhecido e relatado pelas juventudes.
[...] falta o poder público dar ajuda mais e um pouco de terra para estar
produzindo, lá não tem terra [...]. O INCRA agora está vendo aquelas terras
que era dos antepassados que morava lá, dos parentes para voltar as terras
de novo, para as pessoas trabalhar no seu lugar, no lugar da gente [...]
(Valdir Rocha - Laranjal).
A morosidade na regularização fundiária acrescida a ausência de políticas públicas
específicas para os jovens contribui significamente para a precarização das condições de vida
no quilombo. Para Molina (2015), a impossibilidade do acesso à terra, a ausência de políticas
públicas que lhes garantam condições mínimas de sobrevivência nos territórios de origem,
pressionam a continuarem rotas de migração em busca de espaço para sua reprodução material.
Muitos permanecem na comunidade com seus sonhos de vida, outros ainda vivem o dilema
entre ficar ou sair para estudar e trabalhar, realidade essa vivenciada na grande maioria das
comunidades do campo.
Em relação aos programas voltados para os jovens do campo, Freire e Castro (2010)
afirmam que existem dezenove programas, porém apenas três estão vinculados à realidade da
juventude camponesa, entre eles o Programa Nossa Primeira Terra, o Programa Pronaf Jovem
e o Programa Saberes da Terra. Na comunidade Laranjal o processo de expropriação vivenciada
e a burocracia na regularização fundiária impossibilita que tenham acesso a esses programas
para que possam cultivar a terra e produzir o necessário para a soberania alimentar.
Em relação às políticas educacionais, Faria e Alves (2015) afirmam que a maioria são
fomentadas pelo Governo Federal e estão articuladas ao Programa Nacional de Educação do
Campo (Pronacampo), incluindo formação profissional (Pronatec Campo), Educação de Jovens
e Adultos e Formação de Professores. Porém, apesar da existência desses programas, na
comunidade Laranjal ainda não tiveram acesso, enfrentam grandes barreiras para alcançar
níveis mais elevados de escolarização.
Essa situação torna-se ainda mais cruel quando pesquisas já desenvolvidas afirmam que
não há nenhuma terra de quilombo devidamente titulada no estado de Mato Grosso, em sua
grande maioria enfrentando longos conflitos, principalmente envolvendo as disputas pelos
territórios e na luta pelo reconhecimento de seus direitos (SILVA, 2011; MOREIRA, 2017).
A política do capitalismo quer que nois desocupe o campo, ele quer que o
grande fazendeiro venha arrematando tudo e vira isso aqui em soja, em gado
branco, ele não quer ver ninguém produzindo 10 ou 12 variedades de
produtos na pequena propriedade, até mesmo porque ele tem certeza que é
128
esse produto que vai para mesa dele. Ele vai comer uma mandioca, uma
alface é do agricultor familiar (Jaime Santana - Zé Alves).
Antes a gente vivia da terra, com esses problemas não dá mais, tudo
relacionadas a esses impactos. O veneno afeta as plantações e as pessoas.
Nós comemos alimento contaminado pelo veneno (Abner José da Costa -
Laranjal).
Com o avanço dos monocultivos em direção as comunidades Zé Alves e Laranjal, as
juventudes estão cada vez mais vulneráveis.
4.3 - Percepções das juventudes sobre as mudanças climáticas
Os impactos ambientais indesejáveis como queimadas e desmatamentos percebidos
pelas juventudes de Zé Alves e Laranjal são realizados principalmente por latifundiários na
tentativa de expandir o agronegócio na região, esses são responsáveis por 75% das emissões de
dióxido de carbono (CO2) no Brasil (BRASIL, 2010). Essas constantes ações de destruição
praticadas para atender aos interesses economicistas, somada a utilização de combustíveis
fosseis são consideradas as grandes responsáveis pelas alterações do clima, que afetam e
ameaçam a continuidade da existência de vida no planeta Terra.
Mencionamos que após a Revolução Industrial as mudanças no clima se intensificaram,
uma vez que proporcionou “[...] uma ruptura dos padrões de produção, da economia, das
relações sociais, da noção de tempo, criou uma estrutura para o crescimento do capitalismo,
causando sérios danos ao meio ambiente” (RIBEIRO; ANDRADE, 2011, p. 212). Porto-
Gonçalves (2017) afirma que o fortalecimento do capitalismo em todo o planeta fez com que a
natureza fosse submetida ao capital e transformada em recurso, atendendo aos objetivos do
próprio capital que busca a acumulação de riqueza em curto espaço de tempo.
Essa incessante busca por crescimento econômico de uma pequena parcela da população
fez com que intensificasse cada vez mais as atividades de exploração dos bens naturais para
serem transformadas em recurso, ultrapassando assim os limites suportáveis pelo meio
ambiente. Como resultado, observamos a violência contra as diferentes culturas e povos
espalhados pelos territórios que sobrevivem em harmonia com a natureza e um constante
processo de devastação que contribuem para as mudanças do clima. Assim, essas mudanças
“[...] deixaram de ser previsões futuras e passaram a fazer parte da nossa realidade, passando a
atingir de forma devastadora os elementos naturais e essenciais à sobrevivência [...]”
(AMORIM, 2017, p. 42) dos seres vivos e não vivos. Há que se considerar que essas mudanças
também são responsáveis pelo aumento das temperaturas, inundações, deslizamentos de terras,
escassez de água potável, entre outros impactos socioambientais.
129
Na concepção de Milanez e Fonseca (2011), as mudanças não reconhecem fronteiras ou
divisas fixadas pelo ser humano, independentemente do país ou território onde uma atividade
produtora de gases do efeito estufa ocorre, tanto aquela localidade quanto outras mais ou menos
distantes do ponto focal da atividade, sofrem com os impactos oriundos das mudanças do clima.
Destacamos que os impactos dessas mudanças não são sentidos na mesma proporção entre
populações ricas e pobres, assim a variabilidade climática acentua-se principalmente entre as
populações mais pobres deste país.
Pesquisadores que avaliam os efeitos drásticos desse fenômeno afirmam que os
processos de mitigação são bem mais importantes que a adaptação. Mitigar as mudanças
climáticas significa transformar atitudes em comportamentos, ou seja, reduzir o uso de recursos
e a emissão de gases do efeito estufa (NOBRE, 2008). “Se isso não for alcançado num prazo
de 30 a 40 anos, corremos o risco de assistir o cenário mais pessimista se concretizar, onde o
aumento da temperatura pode passar de 4 graus até o final deste século” (ibidem, p. 241).
Se a população de todos os países não mudar o estilo de vida e a temperatura do planeta
continuar aumentando, perdas maiores ainda acontecerão. Porto-Gonçalves (2017) conclui que
somos seres extratores dos bens naturais, e se realmente tivéssemos consciência dos limites
suportáveis pela natureza, com certeza estaríamos mais próximos de encontrar soluções para o
desafio das mudanças climáticas. Portanto, não restam dúvidas que as “[...] mudanças
climáticas têm um impacto nos ecossistemas naturais e especificamente na distribuição de
biomas, o que por vez têm impactos na biodiversidade, agricultura, nos recursos hídricos, entre
outros” (NOBRE et al., 2007, p. 23).
Na transição do bioma Cerrado para o Pantanal, as juventudes percebem impactos na
biodiversidade, na agricultura e nos bens hídricos da região. Essa sociedade baseada no “[...]
ter, do negociar, do concorrer, do lucro a qualquer custo, do progresso ilimitado, não responde
aos anseios da humanidade e não é sustentável” (STRINGHINI, 2009, p. 05),
consequentemente os grupos sociais e as comunidades vulneráveis já estão sentindo os efeitos
dessas mudanças que tendem a se intensificarem. Para Jacobi et al. (2011), esse fenômeno
dispara as migrações, destrói os sustentos, altera a economia, debilita o desenvolvimento e
aumenta as desigualdades. Em Zé Alves os/as moradores/as praticam a agricultura de
subsistência e comercialização, porém a variabilidade climática afeta drasticamente a produção,
como enarra os jovens.
Aqui antigamente nós tínhamos cinco meses de chuva, hoje nós não temos
mais, no máximo três ou quatro. Para você produzir precisa escolher os meses
certos, se você vai plantar uma cana você deve plantar em novembro, em
130
janeiro e fevereiro você não consegue plantar chove muito aqui. Aqui já teve
ano de chover 28 dias, sendo duas ou três chuvas curtas por dia, então nesses
dois meses você não produz nada, tem que plantar em março, abril, maio, em
julho, agosto e setembro é seca, você não consegue plantar nada (Élio
Martins - Zé Alves).
Eu lembro como hoje, em setembro dava a chuva do plantio do milho quando
nós roçava a roça, roçava em junho, julho e agosto queimava a roça, esperava
a chuva de setembro para plantar o milho e a abóbora. Hoje você não
consegue fazer esse planejamento. Há dois anos atrás os corgos enchia tudo,
você andava onde a gente plantava banana com água nas canelas, hoje você
vai lá o chão está seco, rachado. Em setembro faz frio, maio, junho e julho no
máximo era suficiente, agosto e setembro deu um dois, três dias de frio. Muito
impacto vem acontecendo, hoje você não consegue fazer um planejamento
conforme a natureza (Jaime Santana Filho - Zé Alves).
As narrativas demostram como as práticas agrícolas na comunidade Zé Alves ainda
encontram-se vinculadas aos saberes tradicionais que são passados de geração para geração.
Observamos que as mudanças climáticas além de afetar os saberes tradicionais, ocasionam
efeitos drásticos e imprevisíveis que comprometem o planejamento utilizado pelos agricultores
familiares para o cultivo de verduras, legumes e raízes. Em relação ao planejamento, Porto-
Gonçalves (2016) afirma que o problema de não conseguir fazer as previsões do tempo com
precisão para plantar é uma realidade presente em diferentes regiões do Brasil, assim a cultura,
o modo de se relacionar com a natureza e um acervo de conhecimentos diversos de como lidar
com a natureza também vai sendo extinto.
Esses impactos atingem também as populações que consomem grande parte dos
produtos cultivados pela agricultura familiar. Se essas situações não forem revertidas será
necessário desenvolver e utilizar espécies e sementes mais resistentes as condições climáticas
(TAMAIO, 2013). Com a diminuição na produção de alimentos cresce “[...] o risco da fome
atingir um número muito maior de pessoas no mundo. Isto ocorreria principalmente nos países
pobres, os quais são os mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global e os menos
preparados para enfrentar seus impactos” (PINTO; MOUTINHO; RODRIGUES, 2008, p. 15).
A ameaça das mudanças climáticas na agricultura familiar tem ocasionado grandes
preocupações, na comunidade Zé Alves a variabilidade climática faz com que os agricultores
não consigam plantar e consequentemente, colher no tempo certo, provocando assim perdas
significativas na produção. “Muitos pesquisadores expressam grande preocupação por essas
zonas onde a agricultura de subsistência é a norma, uma vez que a diminuição de apenas uma
tonelada em produtividade pode levar a grandes desequilíbrios na vida rural” (ALTIERI;
NICHOLLS, 2009, p. 34).
131
Diante dessa situação, o quarto relatório do IPCC indica que a agricultura será afetada
cada vez mais pela instabilidade climática com a alteração da temperatura média, precipitação,
ventos e aumento da variabilidade climática associada com maior frequência à gravidade dos
eventos extremos, como secas e inundações. Durante o tempo na comunidade, os jovens
agricultores afirmaram que antigamente muito se ouvia falar em chuva da manga e do caju33,
atualmente não se pode fazer essa afirmação, pois não é possível dizer exatamente quais são os
meses de sol, chuva e frio na região.
Embora as mudanças sobre a produção agrícola tenham alcance irrestrito, a intensidade
que atinge a monocultura em larga escala, intensamente mecanizado e com utilização de
agrotóxicos é extremamente diferente em relação à carga que atinge o modelo agrícola familiar
baseado na produção de policulturas em pequena escala, com baixa mecanização, com base no
respeito a biodiversidade, sem a utilização de agrotóxicos (ALTIERI; NICHOLLS, 2009;
FERNANDES, 2008). Todas essas situações afetam os povos do campo, das florestas e das
águas, nascem da lógica perversa desse sistema de produção, de ocupação do solo e de
destruição dos ecossistemas.
Outro resultado das mudanças climáticas percebida pelas juventudes que tem se
intensificado em Zé Alves nos últimos dois anos, são as pequenas quantidades de água nos
córregos e rios nas proximidades. Em relação ao elemento água, embora seja um bem natural
essencial para a vida, Orsini (2008) afirma que a mudanças tornaram os períodos de chuva
incertos e irregulares, indica ainda que a exploração, a degradação e a poluição dos cursos
d’água já alcançaram proporções alarmantes e podem afetar ainda mais a oferta de água em um
futuro próximo, caso não sejam revertidas.
A natureza reage de alguma forma, e a chuva com esse período da região que
desmatou muito, hoje você já não consegue fazer um planejamento de quando
vai chegar o período das águas (Jaime Santana Filho - Zé Alves).
Mudança mais quanto mais vai desmatamento o calor vai aumentando, vai
diminuindo a chuva, tudo isso foi mudando bastante, hoje chove menos coisa
que chovia mais, mais quantidade, mais direto, ai hoje já chove menos (Valdir
Rocha - Laranjal).
Todo mundo da comunidade fala que no mês de chuva chovia todo dia, todo
mundo fala que esse ano choveu pouco, que antigamente chovia bem mais.
Afeta a gente porque a gente planta alguma coisa, isso acaba prejudicando
as plantações (Gilmar Saur - Zé Alves).
33 Termo utilizado pelos/as moradores/as da comunidade para indicar um período do ano em que as mangueiras e
os cajuzeiros se preparam para a florada.
132
Conforme as narrativas de Laranjal e Zé Alves, as mudanças climáticas são ocasionadas
principalmente pelos desmatamentos realizados para expandir as atividades de pecuária e
agricultura, provocando a degradação e assoreamento dos rios e afetando os ciclos de chuvas
na região, indispensáveis para as plantações de policulturas. Compreendemos que o “[...]
desflorestamento causa uma diminuição da capacidade de retenção de água de chuva e um
aumento proporcional do escoamento superficial dessas águas pelos rios (BARCELLOS et. al,
2009, p. 288).
Para Tamaio (2013), as alterações no regime de chuvas e de calor estão ficando cada
vez mais frequentes, esses impactos catastróficos parecem confirmar as pesquisas sombrias dos
pesquisadores sobre os impactos das mudanças climáticas. Conforme a percepção das
juventudes das duas comunidades a natureza tem reagido às ações antrópicas de destruição.
Para as juventudes, antigamente os meses de chuvas eram bem definidos, a quantidade e a
frequência eram bem maiores. Percebemos que tem diminuído os meses de chuva e aumentando
as ondas de calor, as chuvas quando ocorrem são cada vez mais fortes, ocasionando efeitos
catastróficos.
Para Jacobi et. al (2011), essas tragédias podem ser amenizadas e muitas vidas
preservadas se realmente as legislações ambientais fossem cumpridas, e as questões de
sustentabilidade, vulnerabilidade e os efeitos dessas mudanças realmente trabalhadas nos
espaços escolarizados e não escolarizados. No entanto, ainda não se pode afirmar com certeza
que esses eventos extremos são consequências das mudanças climáticas, porém, segundo as
previsões do IPCC se tornaram cada vez mais frequentes e intensos (MILANEZ; FONSECA,
2011). Outro resultado percebido está relacionado ao aumento das ondas de calor e a
indisponibilidade de água nas comunidades inseridas no Cerrado do Pantanal.
Hoje está muito mais quente que dez anos atrás, dá até para perceber que o
solo subiu um pouco para cima, antigamente a terra era mais funda, hoje tem
a degradação, o veneno, nós sabemos que essa terra é viva, ela é vida, ela
não vai aguentar tanta degradação, tanto veneno, tanto agrotóxico, tanta
grade de pneu em cima (Jaime Santana Filho - Zé Alves).
Questão do clima, muito quente. Meu avô falava que não dá para saber se o
Sol estava descendo ou a Terra subindo porque estava ficando mais quente.
Questão de chuva também, diminuiu bastante, se não está enchendo os corgos
é porque está faltando água, não está chovendo como antes (Edmar Viana
Pereira - Zé Alves).
As juventudes de Zé Alves possuem uma compreensão sobre a utilização da terra
totalmente diferente dos latifundiários, enquanto para as juventudes a terra é um lugar de
existência de vida, de morar, de trabalhar, de produzir e da cultura camponesa, para os
133
latifundiários capitalistas é apenas um espaço a ser explorado para atender interesses
economicistas. Podemos dizer que “desde os princípios do capitalismo em suas diferentes fases,
esse modelo passa por modificações e adaptações, intensificando a exploração da terra [...]”
(FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 40). A exploração do ambiente se materializa por meio dos
desmatamentos, das queimadas, do uso de maquinários agrícolas, do uso de agrotóxicos que
geram efeitos negativos tanto para o ser humano como para o ambiente.
Como fruto dessa incessante exploração antrópica, em Zé Alves percebem que eventos
climáticos extremos como alterações no regime de chuvas, ondas de calor e secas prolongadas
têm-se intensificado nos últimos dez anos, essa situação coloca em risco a vida das juventudes,
dos bens hídricos e do modo de plantar e de colher. Outro resultado das mudanças climáticas
refere-se ao nível de água dos córregos e rios que estão diminuindo drasticamente ou secando.
Marengo (2008) afirma que grande parte da disponibilidade de água no Brasil depende do
clima.
Apesar do planeta Terra ter três de suas quatro partes ocupadas por água, sendo
aproximadamente 360 milhões de km2 de um total de 510 milhões, 97% dessa área são cobertas
pelos oceanos e mares e não está disponível para o consumo humano, dos 3% restantes, cerca
de 2/3 estão em estado sólido nas geleiras e calotas polares e também são indisponíveis para o
consumo, sobrando menos de 1% de água potável para o consumo (ORSINI, 2008; PORTO-
GONÇALVES, 2016). Ao observar as narrativas das juventudes de Zé Alves e Laranjal
afirmando que ocorre falta de água, parece um pouco contraditório, uma vez que estão
localizados nas proximidades do Pantanal, a maior planície alagável do mundo.
Entretanto, “as tendências atuais de exploração, degradação e poluição dos recursos
hídricos já alcançaram proporções alarmantes, e podem afetar a oferta de água num futuro
próximo caso não sejam revertidas” (ORSINI, 2008, p. 02). As narrativas comprovam que a
falta de água não será uma realidade do futuro, mas do presente.
Não, só o calor que esta demais. O clima está bem quente. Tem chovido
menos. Essas mudanças afeta a nossa vida aqui na comunidade, a chuva
ajuda bastante no poço, na seca vai ficando sem água, quando chove aumenta
(Nilce de Souza Magalhães - Laranjal).
Está muito quente, antes chovia mais, muito trovão, vento, raio, chuva forte.
Dava enchente e a água passa por cima da estrada, antigamente quando
chovia nem os ônibus passava na estrada, andava distante 7km tudo a pé,
chegava em casa 8h da noite (Maria do Carmo Moura Ferreira Araújo -
Laranjal).
134
Em Laranjal assim como em Zé Alves, percebem os impactos desse fenômeno climático
como ondas de calor, ausência de chuvas, que afetam a disponibilidade de água nos córregos,
rios e nos poços, além das chuvas seguidas de trovão e raios. Porto-Gonçalves (2016) destaca
que calamidades extremas como chuvas torrenciais, secas, inundações e incêndios florestais
serão cada vez mais frequentes, seus efeitos de maior proporção estão longes de ser distribuídos
igualmente pelos diferentes grupos sociais, assim como os meios para lidar com esses eventos
estão desigualmente distribuídos.
Em relação ao poço que abastece a comunidade, observamos que a jovem quilombola
preocupa-se com o futuro da água para o consumo, pois os rios e os córregos que ainda resistem
aos impactos estão na terra do fazendeiro e são inapropriados para o consumo. Com a ausência
de chuvas na região a água do poço que abastece a grande maioria das casas dos/as moradores/as
de Laranjal tem diminuído. Orsini (2008, p.02) ressalta que países subdesenvolvidos “[...]
enfrenta períodos incertos e irregulares de chuvas, e as previsões para o futuro indicam que as
mudanças climáticas vão tornar a oferta de água cada vez menos previsível e confiável”,
atingindo principalmente as populações pobres.
Nas narrativas é possível observar que períodos irregulares e incertos de chuvas já são
uma realidade nas comunidades pesquisadas, como se observa, antigamente nesta região as
chuvas abundantes faziam com que a água dos rios e riachos transbordassem pela estrada
impossibilitando a passagem dos meios de transporte. O problema da água aprofunda-se “[...]
à medida que a produção de monoculturas para fins de alimentação e de matérias-primas
agrícolas e pecuárias para fins industriais se expandem espacialmente, consumindo mais terras,
mais águas, mais solos” (PORTO-GONÇALVES, 2016, p. 155).
Atualmente, com a retirada das vegetações nativas pelo agronegócio, o solo tem
diminuído a capacidade de acumular água, as poucas chuvas que ainda ocorrem, escorrem
rapidamente, não sendo suficientes para encher os córregos e rios. Como resultado das
transformações do clima, as juventudes percebem que vem ocorrendo mudanças relacionadas
ao frio e as ondas de ventos.
Tá bastante mudado, esse ano deu frio em um mês que nunca tinha dado frio,
mudou bastante o clima nesse sentido (Valdir Rocha - Laranjal).
Aqui antigamente era muito frio, era mais frio do que esta agora, hoje não é
mais, de manhã cedo era bastante nebrina, hoje não é mais, frio já faz bem
pouco (Élio Martins - Zé Alves).
Aqui também passou um vento forte só naquele meio e deitou tudo ali as
árvores, dificilmente cair Piuva, Angica. O vento sempre vem mais forte,
geralmente muito calor, desmatamento, então vem a primeira chuva o vento
135
vem com muita velocidade mesmo, mas isso tudo é causado por nós. Uma
mata é para proteger o vento, você descampa toda ela com que velocidade, o
que segura o vento é as árvores, ajuda um pouco ai você descampa o campo
com a velocidade que ele sai de onde ele nasceu e vai chegar com tudo, vai
destampar casa, vai revirar as árvores que está na frente (Jaime Santana
Filho - Zé Alves).
Muitas das mudanças ambientais e climáticas observadas estão diretamente relacionadas
às ações antrópicas. Em relação às temperaturas baixas, em Laranjal percebem que nos últimos
anos vêm ocorrendo nos meses que antigamente eram calor; já em Zé Alves enfatizam que
outrora era bem mais frio do que atualmente. Outro evento resultado das mudanças climáticas
percebido pelas juventudes de Zé Alves são as chuvas acompanhadas de fortes ventos, esses
eventos são responsáveis por danos sociais, ambientais e econômicos para as populações do
campo e da cidade. Nesta comunidade, chuvas e ventos estão arrancando árvores que
dificilmente cairia (Figura 23), destelhando casas, estragando plantações e provocando medo
nos moradores.
Figura 23: Árvore arrancada por vento fonte em 2016.
Fonte: ACERVO GPEA (2016).
Para as juventudes as matas nativas são responsáveis por proteger o solo dos impactos
das águas das chuvas, erosões, assoreamento dos rios, alterações climáticas, perdas na
biodiversidade, entre outros. Diante desse cenário de injustiças ambientais e climáticas que se
intensifica, afetando direta e indiretamente a vida das juventudes camponesas, ações de
mitigação as mudanças climáticas são necessárias para a construção de sociedades sustentáveis.
136
Esta pesquisa por estar alicerçada nos princípios da educação ambiental entende que pode
contribuir com os enfrentamentos dos cenários atuais e futuros que se projetam nesta região e
altera o modo de vida desse grupo social pesquisado.
4.4 - As causas da saída das juventudes camponesas
“Queremos ficar aqui até o resto da nossa vida,
nascemos e fomos criados aqui, nós queremos viver aqui [...]”
(Jaime Santana Filho, Comunidade Zé Alves).
Nos caminhos percorridos por Zé Alves e Laranjal buscou conjuntamente com as
percepções das juventudes sobre os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas,
compreender quais fatores têm influenciado a permanência ou saída das juventudes. Antes, se
faz necessário afirmar que essas reflexões também perpassam uma realidade vivenciada pela
autora dessa pesquisa, “enquanto jovem tive que deixar a minha comunidade e buscar na cidade
uma formação acadêmica que não encontrava no campo. Considero que a mim, aos jovens das
comunidades pesquisadas e tantos outros espalhados pelo território brasileiro foi e continua
sendo negado o direito de escolher entre ficar ou sair do campo”.
Assim, podemos mencionar que as questões imbricadas entre ficar ou sair são bem mais
complexas do que a simples lógica naturalizada na grande maioria das pesquisas que evidencia
somente o desejo dos jovens em não permanecer no campo.
Eu já saí e voltei, quando tinha dificuldade na casa ou no sitio, eu era o mais
velho então era eu que saía para trabalhar, ver se conseguia alguma coisa
para manter eles aqui, quando conseguia um emprego o que eu ganhava
dividia, ficava com metade e mandava metade pra casa. Daí para cá ficamos
nesse processo migratório, nunca paro. Antigamente jovens da minha idade
tinha quase uns trinta, hoje estão quase todos na cidade, mas é difícil um final
de semana que esses caras não estão aqui. O mais engraçado que o sonho de
todos eles é ganhar dinheiro e vir embora, ninguém fala que quer morar na
cidade, eu vou ganhar um dinheiro e montar um negocinho e voltar para a
comunidade (Edmar Viana Pereira - Zé Alves).
Eu sempre morei aqui, eu fui morei seis meses para lá e voltei, porque não me
acostumei cidade, eu não gostei, não acostumei, eu trabalhava no mercado.
Agora, agora eu não pretendo voltar para terminar os estudos” [...]. Tem
muito jovem indo embora do campo. Os jovens têm ido embora por falta de
serviço, de estudo, tem bastante jovens sem estudar, prefere trabalhar ali na
fazenda do que estudar (Maria do Carmo Moura Ferreira Araujo - Laranjal).
Na tentativa de desconstruir essa imagem desinteressada pelo campo serão apresentadas
as narrativas que expressam o sonho e o desejo das juventudes de Zé Alves e Laranjal em
permanecerem na comunidade, no entanto, com a falta de políticas públicas, acesso à terra, ao
137
lazer, a educação e ao trabalho, muitos acabam sendo obrigados a migrarem em busca de novas
oportunidades. Há uma tendência no contexto brasileiro, marcado por exclusões e
desigualdades com as populações que vive no campo, como se fosse uma parte atrasada e fora
de lugar no almejado projeto de modernidade, assim não haveria necessidade de políticas
públicas específicas, a não ser do tipo compensatório à sua própria condição de inferioridade
(FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 1998).
Para superar essa realidade se faz necessário intensas lutas coletivas que pressionem o
Estado e o façam agir por meio das políticas públicas específicas que lhes garantam condições
mínimas de sobrevivência nos territórios de origem, criando de fato condições para que os
mesmos possam realmente escolher entre viver no campo (MOLINA, 2015) ou não. Em Zé
Alves alguns jovens encontraram no associativismo e no cooperativismo uma forma de obter
renda para permanecerem no campo.
A cooperativa fez com que nós ficássemos na comunidade, a gente acreditou
que dava certo comercializar através da cooperativa (Edmar Viana Pereira -
Zé Alves).
A educação da escola e a formação do movimento, formação de base que a
gente fala na Pastoral da Juventude, pela CPT, incentivavam que era possível
sobreviver aqui sem você ter que ir para a cidade, a gente foi pegando os
conhecimentos também, muitas viagens, muita articulação em rede, a gente
conseguiu buscar esses caminhos da comercializar por meio desses
programas do Governo Federal, antes era 4.500 o PAA, logo em seguida em
2009 entrou o PNAE, só que antes de tudo isso nós já trabalhava com a feira,
em 2000 nós fazia rapadura e entregava para o mercado. Então começamos
a ver que a rapadura era um potencial, sempre plantamos mandioca, horta a
mamãe, produzimos banana e começamos a ir para a feira em Poconé, depois
começamos atender alguns mercados, levava os produtos para a feira para
atender os feirantes e um pouco a mais para atender o mercado, e ai a gente
começou a ter essa renda, nos como jovem não tinha aquela vidona, mas pelo
menos para atender as necessidades básicas. Depois começamos a ir para
outras comunidades incentivando o associativismo e o cooperativismo (Jaime
Santana Filho - Zé Alves).
Para Leão e Antunes- Rocha (2015, p. 21) estar organizado em associativismo e
cooperativismo significa “[...] organizar sua existência na possibilidade de produzir e
reproduzir sua vida no território camponês, entendido aqui como um espaço material/imaterial
de produção da vida [...]” e da cultura. As narrativas das juventudes de Zé Alves demonstram
que é possível permanecer no campo e sobreviver da produção no próprio território, no entanto,
nem todos possuem acesso à terra e aos programas governamentais evidenciados como o PNAE
(Programa Nacional de Alimentação Escolar) e PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).
138
Segundo Souza-Esquerdo e Bergamasco (2014), historicamente a agricultura familiar
sempre foi excluída das políticas públicas, uma vez que os recursos eram centrados apenas na
propriedade privada e na monocultura de exportação. O programa PAA estimula a produção
pela agricultura familiar e incentiva a comercialização para que populações em situação de
insegurança alimentar tenham acesso aos alimentos de qualidade, e o PNAE obriga as escolas
estaduais e municipais a utilizar no mínimo 30% dos recursos financeiros repassados pelo
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para adquirir alimentos da
agricultura familiar. Diferente de Zé Alves, as juventudes de Laranjal expropriados do território
juntamente com seus familiares não têm acesso a esses programas, assim são obrigados a vender
a força de trabalho para os latifundiários ou migrarem para a cidade em busca de melhores
condições de vida.
Eu já fui para cidade, voltei porque estava cansado da cidade, lá eu só
trabalhava. Estudei até a quarta série, eu parei porque não tinha condição,
tinha que trabalhar. Eu comecei a trabalhar na fazendo com 16 anos. Eu até
tenho vontade de estudar, mas não acho mais tempo, oportunidade de ir
estudar (Gonçalo Araujo - Laranjal).
[...] eu já fui para a cidade fiquei três meses, mas não me acostumei. Eu
estudei até o quarto ano, tinha que trabalhar para ajudar no sustento da casa,
comecei com 16 anos na fazenda, na diária e nunca assinou carteira. Chega
no final do ano não tem direito a nada (Almir José da Costa - Laranjal).
As narrativas demonstram as dificuldades das juventudes quilombolas em alcançar os
níveis elevados de escolaridade, as situações de injustiças e a violação de direitos. Para
compreender a realidade das juventudes do campo, suas perspectivas futuras, é preciso levar
em conta que estão inseridos em uma estrutura social baseada pela concentração de terra e por
uma concepção de desenvolvimento voltado para a produção agrícola de exportação. Esse
modelo de desenvolvimento tem contribuído para a saída das juventudes para os centros
urbanos em busca de qualificação profissional, trabalho e renda para ajudar a família. As
narrativas acima demostram a realidade de dois irmãos que tiveram que escolher entre estudar
e trabalhar.
Outro aspecto importante a ser sublinhado refere-se ao fato de trabalharem desde os 16
anos sem carteira assinada, revelando um quadro de injustiça social e econômica que perduram
há aproximadamente dez anos. Diante dessa situação os jovens nada podem fazer, já que vender
a mão de obra para os latifundiários ainda é a única opção de emprego na região. Apesar da
existência de políticas públicas para agricultura familiar, esporte, cultura e educação, essas
ainda não chegaram no quilombo. Esse modelo de sociedade vigente baseado no acúmulo de
capital por uma pequena parcela da população gera “[...] desigualdade na distribuição da riqueza
139
material e simbólica produzida no campo, gerando um quadro de resultados sociais e
educacionais extremamente desfavoráveis [...]” (WOLLZ et al., 2014, p. 106) para quilombolas,
indígenas, camponeses dentre outros que habitam nos territórios.
Entendemos que os jovens quando deixam o campo não estão negando sua identidade,
não saem porque preferem viver na cidade, mas pela desvalorização ou ausência de trabalho,
precariedade ou inexistência de escolas, falta de oportunidade de qualificação profissional,
perspectiva de vida no campo, e ainda pelos preconceitos e estereótipos que multiplicam-se
cotidianamente. Em relação aos preconceitos, os jovens da comunidade Laranjal sofrem por ser
do campo, ser negro e ser quilombola. Moreira (2017) afirma que os quilombolas padecem com
consequências sociais e ambientais deste sistema econômico desigual, as discriminações,
exclusões e preconceitos evidenciam a relação entre classe social/poder econômico e
preconceito/racismo, tornando-se impossível falar de realização integral da cidadania e
plenitude da democracia em um sistema capitalista meritocráta que expropria e expulsa os
jovens do campo.
Eu penso em mudar para a cidade porque aqui não tem como continuar, aqui
não tem como fazer uma faculdade. Meus pais querem que eu faça a distância,
mas vamos ver o que fica mais fácil. Eu tenho vontade de ir para cidade por
causa dos estudos [...] alguns jovens acabam o ensino médio e acaba ficando
por aqui, outros vão embora, a maioria vai embora porque quer trabalhar
(Jane de Oliveira - Zé Alves).
Os jovens vão embora por causa do emprego, eles vão procurar emprego
melhor na cidade, porque aqui não tem, quando termina fica em casa parado,
não tem o que fazer. Minha irmã foi embora porque ela quer estudar, só que
ele ainda não conseguiu, mas tá fazendo um curso para poder trabalhar. Tem
muita gente indo embora, os filhos vão e os pais fica. Antes os pais não
deixava ir, agora deixa para os filhos ter um futuro melhor [...] (Ireni da Silva
Castro - Laranjal).
A migração campo-cidade está relacionada principalmente a ausência de oportunidade
de escolarização e trabalho, a COMPRUP representa para as juventudes uma possibilidade de
melhorar as condições de vida em um tempo futuro. O descaso em efetivar políticas públicas
eleva a situação de miséria das juventudes. Dados divulgados pelo programa Brasil sem Miséria
apontam que de um total de 8,2 milhões de jovens do campo, 2,3 milhões vivem em situação
de miséria, com uma renda mensal de aproximadamente 70 reais ou menos (WOLLZ et. al.,
2014). Para os autores a desvalorização da produção familiar causada pela produção em grande
escala, o avanço do agronegócio, a distribuição desigual da riqueza material e a desvalorização
simbólica dos diferentes grupos sociais nos territórios produzem efeito sociais e educacionais
desfavoráveis para os jovens que tentam viver no e do campo.
140
Conforme as narrativas, as dificuldades para os jovens estudarem iniciam-se desde as
séries iniciais. Em Zé Alves com o fechamento da escola na década de 1990, os estudantes
passaram a ser levados de transporte para o distrito de Chumbo ou Cangas, no caso da
comunidade Laranjal, esta possui uma escola multisseriada que atende até o 5º ano do ensino
fundamental, posteriormente, são levados para as escolas dos distritos. “Historicamente, as
populações que vivem no meio rural foram amplamente excluídas de atenção por parte das
políticas globais e mesmo específicas para o campo (FARIA; ALVES, 2015, p.156),
principalmente quando se trata das políticas educacionais. Desta forma, a educação rural que
se iniciou nos anos de 1930, se intensificou nos anos de 1950-1960, e se estendeu até os anos
de 1970 desconsiderava os saberes do campo e considerava os interesses do mundo capitalista.
Apenas na década de 1980 com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), que nasce com o apoio de Igreja Católica, da Comissão Pastoral da Terra – CPT e os
Sindicatos Rurais, inicia-se o processo de redemocratização do país e as lutas se fortalecem,
esse movimento passou a exigir das autoridades uma Educação do Campo, que se contrapunha
a educação rural vigente (ARROYO, FERNANDES, 1999; PORTO, 2016). Afirmam que esse
movimento convoca a I34 Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, a
conferência aconteceu em Luziânia-GO, de 27 a 30 de julho de 1998 e contou com a
participação dos seguintes movimentos sociais: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Organização das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para a Educação Cultura
(UNESCO) e a Universidade de Brasília (UNB).
Durante a Conferência a principal discussão era como garantir que todas as pessoas que
vivem no meio rural possam ter acesso a uma educação de qualidade, e voltada para os
interesses da vida no campo, além disso, ficou decidido que a expressão campo substituiria o
termo meio rural tendo como objetivo:
[...] incluir no processo da conferência uma reflexão sobre o sentido atual do
trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam
garantir a sobrevivência desse trabalho. Mas, quando se discutir a educação
do campo se estará tratando da educação que se volta ao conjunto dos
trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo
os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os diversos tipos de
assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural. Embora com essa
34 As discussões de preparação da I Conferencia iniciaram-se em agosto de 1997, logo após o I Encontro Nacional
dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Enera), realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) em julho daquele ano, evento em que algumas entidades desafiaram o MST a levantar uma
discussão mais ampla sobre a educação no meio rural no brasileiro (CALDART, 2013, p.258).
141
preocupação mais ampla, há uma preocupação especial com o resgate do
conceito de camponês. Um conceito histórico e político...” (FERNANDES,
CERIOLI & CALDART, 1998, p. 09)
Os movimentos sociais fortaleceram a educação do campo que deixou de ser educação
rural para se tornar educação do campo para os povos do campo, com o campo e não para o
campo, assim, a educação do campo nasce em contraposição à educação rural. Uma educação
que seja: “No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a
uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às
suas necessidades humanas e sociais” (CALDART, 1999, p.25).
Já a II Conferência Nacional por um uma educação do Campo conforme Caldart (2013)
foi realizada em julho de 2014, com mais de mil participantes representados por 39 entidades,
incluindo representantes de órgão de governo, organização sindicais de trabalhadores/as rurais
e de professores/as, além dos movimentos sociais camponeses e escolas de comunidades do
campo. A conferência teve como lema “Educação do Campo: direito nosso, dever do Estado”,
onde expressou a “[...] luta pelo acesso dos trabalhadores do campo à educação é específica,
necessária e justa, deve se dar no âmbito do espaço público, e o Estado deve ser pressionado
para formular políticas que a garantam massivamente, levando à universalização real e não
apenas princípios abstratos” (ibidem, p.260). Apesar da existência desses movimentos de luta,
as comunidades pesquisadas continuam lutando por uma educação do campo.
Hoje a nossa luta é por uma educação do campo, uma educação que respeite
os conhecimentos, a cultura de acordo com a nossa realidade. Só que hoje eu
vejo que a educação que as nossas crianças estão recebendo como uma
educação no campo, uma educação jogada. Para começar, eles saem da
comunidade para ir para um polo, uma educação pensando pelo capitalismo
que busca desarticular o campo [...]. Nós queremos uma educação voltada
para a nossa realidade, nós lutamos para essa educação que é do campo de
acordo com a nossa realidade. A educação contribuiu e é fundamental para
a permanência dos jovens no campo, a educação do jovem tem que caminhar
junto com os demais afazeres, articulada com todos os segmentos do campo,
a educação na associação, na cooperativa, na produção, no conhecimento de
pesquisa, tem que estar junta. A gente vai adquirir conhecimentos, mas a
gente tem que retornar para a base esse conhecimento, tem que desenvolver
aqui na comunidade, na cooperativa, na associação. Eu não vejo outro
caminho se não for pela educação, a única saída nossa e da nação é ter
conhecimento, e a educação ela está em primeiro lugar [...] (Jaime Santana
Filho - Zé Alves).
Diante da narrativa das juventudes pode-se reafirmar que a educação ofertada no campo
na grande maioria encontra-se desvinculada dos interesses do campo. A luta não é para “[...]
uma escola no campo ou para o campo, nem uma escola da cidade no campo, mas uma escola
142
do campo, com a cultura, os valores, a luta do campo” (ARROYO; FERNANDES, 1999, p.
10), uma educação que não ocorra apenas entre quatro paredes, quatro horas por dia e cinco
dias por semana, mas uma educação pensada a partir das vivências cotidianas, vinculada na
associação, na cooperativa, na produção e em todos os segmentos da comunidade.
143
Considerações da pesquisa
O real não está no início nem no final,
mas na travessia.
(Guimarães Rosa).
Nessa travessia coletiva e aprendente (BRANDÃO, 2003) em um Grupo Pesquisador
em Educação Ambiental Comunicação e Arte, foi possível promover diálogos de saberes
(SATO; SENRA, 2009) com diferentes grupos inseridos nas comunidades do Cerrado do
Pantanal. Conjugando Educação Ambiental e Educação Popular, o grupo pesquisador ao propor
e realizar pesquisas com comunidades em situação de vulnerabilidade socioeconômica além de
fortalecer a Educação Ambiental Popular, soma-se as forças para questionar esse modelo de
desenvolvimento insustentável, realizar lutas e enfrentamentos para a formação de uma
sociedade com justiça social e ambiental.
A metodologia Mapa Social adotada nesta pesquisa ofereceu elementos suficientes para
dar visibilidade a essas comunidades que teve e tem seus direitos violados cotidianamente. Há
que se ressaltar que as informações que compõem os resultados desta pesquisa foram suficientes
para compreender o cenário de injustiças ambientais, climáticas e os conflitos socioambientais
sob o olhar das juventudes. Porém, não têm-se como objetivo resolver tais problemas, mas dar
audiências as vozes desses grupos invisibilizado nos territórios que lutam, envolvem-se e se
posicionam frente aos processos dramáticos de destruição do ambiente por meio da introdução
das monoculturas.
Assim, buscamos compreender por meio das percepções das juventudes de Zé Alves e
Laranjal os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas existentes nessa região.
Todavia, para melhor entender a realidade pesquisada, primeiro foi necessário realizar
mapeamentos participativos com as comunidades inseridas no Cerrado Pantanal, participaram
11 comunidades, sendo: 7 tradicionais, 1 quilombola e 3 assentamentos. Foram registradas seis
causas propulsoras de conflitos: disputa por terra, desmatamentos, queimadas, garimpo, disputa
por água e uso de agrotóxicos que ocorrem principalmente entre quilombolas e fazendeiros;
assentados e fazendeiros; povos tradicionais e fazendeiros; e entre quilombolas e quilombolas.
Os grupos presentes neste território se dividem principalmente entre extrativistas e
agricultores familiares camponeses que possuem identidade, cultura, costumes e um modo
muito particular de se relacionar com o ambiente, diferente dos latifundiários que transformam
os bens naturais (água, solo, fauna, flora, entre outros) em recursos para atender aos interesses
capitalistas. Com a exploração contínua dos bens naturais pela pecuária extensiva somado ao
avanço das monoculturas tem ocasionado impactos culturais, sociais, ambientais e climáticos
144
indesejáveis, influenciando diretamente a vida dos grupos presente nos territórios, provocando
injustiças e conflitos socioambientais entre os grupos que possuem modos diferentes de se
relacionar com o ambiente. Destarte, os conflitos mapeados foram considerados tanto no campo
material como no campo simbólico.
Na compreensão de Jaber-Silva (2012, p. 68), o macrocosmo deste estado é composto
por um espaço de descontinuidades e contradições, ou seja, “de um lado, uma natureza de
complexa biodiversidade, composta por um mosaico de ricos biomas, somado a uma
diversidade imensa de comunidades e de povos que vivem em múltiplos espaços”. E do outro
lado, geralmente separados apenas pelas cercas “[...] gigantescas áreas de pecuária, de
monoculturas de soja e de algodão, de usinas hidrelétricas e de outras atividades impactantes,
algumas vezes, desenvolvidas sem amparo legal e, em sua maioria, sem o compromisso ético
socioambiental necessário” (p. 68). Essa realidade pode ser observada nas comunidades
inseridas no Cerrado do Pantanal, de um lado grandes extensões de monoculturas que ocupam
agressivamente os espaços naturais, e do outro, comunidades tradicionais, povos quilombolas
e assentados que permanecem nos territórios tentando coexistir com as monoculturas, mantendo
formas de plantar/colher baseada no cuidado com o ambiente.
Posteriormente, com um olhar mais aproximado de Zé Alves e Laranjal buscou-se
compreender as percepções das juventudes sobre a realidade vivenciada nos territórios. As
juventudes das duas comunidades apesar de enfrentarem e possuírem realidades distintas nos
territórios, compreendem que o avanço das monoculturas provoca impactos que alteram
diretamente o ambiente, a vida, a cultura e a economia dos grupos locais que sobrevivem
basicamente do contato direto com a natureza, além de danos prejudiciais à saúde dos
extrativistas e agricultores familiares camponeses que mesmo não estando diretamente em
contato com os agrotóxicos recebem danos diariamente. Para eles, essas atividades também são
responsáveis pela assoreamento e contaminação dos mananciais hídricos como: nascentes, rios,
riachos e lagoas; contaminação do solo, do ar, do lençol freático; destruição dos ecossistemas
terrestres e aquáticos; erosão e desertificação do solo; perda da biodiversidade local e a
destruição das matas nativas.
As narrativas das juventudes de Zé Alves e Laranjal apesar de evidenciarem cinco
causas geradoras de conflitos, há aqueles que desconsideram a existência de conflitos. Em
Laranjal os conflitos por terra ocorrem há aproximadamente 30 anos, apesar de aguardarem
com seus familiares a desapropriação e regularização fundiária para que possam ter legalmente
o direito de uso sobre o território, insistem em afirmar que não existe conflitos entre
145
quilombolas e fazendeiros. Todavia, entende-se que é nos conflitos por terras que estão as raízes
dos demais conflitos registrados no campo.
Consideramos que esse posicionamento adotado pelas juventudes está relacionado
principalmente ao fato da ausência de trabalho, assim, são obrigados a silenciarem e venderem
sua força de trabalho como mensalistas ou diaristas por míseros salários para os donos dos
latifúndios, esses utilizaram da violência física e simbólica para expropriar dos territórios por
direitos seus ancestrais. A eles, também são negados acesso as necessidades básicas asseguradas
pela Constituição Federal de 1988 como à moradia, água potável, saneamento básico, saúde,
educação, áreas produtivas, regularização fundiária, dentre outros, esse descaso contribui para
a precariedade das condições e qualidade de vida.
Em relação as alterações climáticas, percebem que essas são ocasionadas principalmente
pelos desflorestamentos realizados para expandir as atividades de monoculturas e a pecuária já
consolidada na região, ocasionando problemas ambientais e sociais que influenciam
diretamente nas vivencias cotidiana das comunidades. Diante dessa realidade e tantas outras
espalhadas por este estado, assume-se uma postura totalmente contra a esse modelo econômico
que se fortalece no campo, que expulsa os jovens e suas famílias para as periferias dos grandes
centros industrializados em busca de novas oportunidades.
Alguns sujeitos jovens tentaram e tentam reconstruir suas histórias na cidade, mas a vida
agitada dos grandes centros faz com que voltem para a comunidade, permanecendo em
condições de vulnerabilidade. As cenas dessa história revelam-se sempre em sofrimento de
sujeitos concretos que perdem seus territórios, suas casas e precisam resistir para reconstruir
novas histórias. Desse modo, os caminhos e descaminhos trilhados nessa pesquisa com as
juventudes das comunidades quilombolas e tradicionais não foram suficientes para mudar a
realidade desse grupo que grita por terra para poder plantar/colher e nela permanecer.
Entretanto, com esperança do verbo esperançar como nos fala o educador Paulo Freire
esperamos que o “Mapa dos conflitos socioambientais das Comunidades do Cerrado do
Pantanal” que compõem os resultados desta pesquisa torna-se um instrumento luta e resistência
para os grupos sociais invisibilizados nos territórios. Por fim, buscamos inspiração na poesia
de Dom Pedro Casaldáliga para reafirmar a necessidade de “Outro Mundo é Possível”.
A alternativa é acreditar mesmo que “Outro Mundo é Possível”
E se entregar individualmente e em comunidade ou grupo solidário
E ir fazendo real esse “mundo possível”.
O capitalismo neoliberal é raiz dessa
Crise e somente há um caminho para a justiça
E a paz reinarem no mundo: Socializar as estruturas contestando de fato
A desigualdade socioeconômica, A absolutização da propriedade
146
e a própria existência De um Primeiro Mundo e um Terceiro Mundo,
Para ir construindo um só Mundo, igualitário e plural.
[...] somente a construção de um mundo só (e não dois ou três ou quatro)
Poderá salvar a humanidade. É utopia, uma utopia “necessária como o pão de cada dia”.
Onde não há utopia não há futuro.
147
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158
APÊNDICES
APÊNDICE A: Consentimento Livre e Esclarecido (CLE).
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (CLE)
Você está sendo convidada (o) à participar como voluntário da pesquisa: “A percepção
da juventude camponesa sobre os conflitos socioambientais e as mudanças climáticas”, a
ser desenvolvida por Jucieli Bertoncello, pesquisadora no Grupo Pesquisador em Educação
Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA)do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)
do Instituto de Educação (IE) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), sob a
orientação da Profª. Drª. Michelle Jaber Silva. A pesquisa tem a finalidade de obter informações
para desenvolvimento da dissertação de Mestrado.
Após ser esclarecida (o) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do
estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias, uma delas é sua e a outra é da
pesquisadora responsável. O objetivo deste estudo é compreender a percepção da juventude
camponesa de comunidades pantaneiras do município de Poconé-MT sobre os conflitos
socioambientais e as mudanças ambientais e climáticas da região. Sua participação nesta
pesquisa consistirá em conceder entrevista a pesquisadora, por meio de um roteiro de
semiestruturada, com tópicos a serem abordados pela pesquisadora, estes facilitarão o diálogo
que será gravado.
Os riscos relacionados à sua participação na pesquisa são possíveis desconfortos devido
aos constrangimentos decorrentes das entrevistas, porém caso as perguntas causem algum
constrangimento, asseguro que as mesmas serão interrompidas. Os benefícios dessa pesquisa
para sua comunidade é que ela tem o potencial de valorizar a cultura/identidade e o
território/ambiente da comunidade pantaneira, além de aumentar a visibilidade deste grupo e
de suas lutas cotidianas. O mapeamento dos conflitos poderá auxiliar a comunidade na adoção
e escolha de táticas para enfrentamento dos dilemas, fortalecendo a identidade de luta.
É importante destacar que esta pesquisa não apresentará identificação dos participantes.
Seus direitos enquanto participante da pesquisa serão preservados: garantia de esclarecimentos
a qualquer momento sobre esta pesquisa e sobre sua participação, liberdade para retirar-se sem
159
penalização, ou seja, você pode desistir de participar da pesquisa em qualquer momento, mesmo
que já tenha assinado este termo. Este documento contém o nome, telefone, local de estudo e o
e-mail da pesquisadora responsável e de sua orientadora, para que você possa localizá-las a
qualquer momento.
Meu nome é Jucieli Bertoncello, estudo no Instituto de Educação-UFMT, Cuiabá-MT,
meu telefone de contato é (66) 996766927 e e-mail: [email protected]. Minha
orientadora é a professora Drª. Michelle Jaber Silva, da UFMT/Cuiabá e seu e-mail:
[email protected]. Cel.(65) 99746004. Em caso de dúvida você pode procurar o
CEP/Humanidades/UFMT, que tem a função de apreciar as propostas de pesquisas submetidas
ao comitê de ética e autorizar o seu início. Portanto a pesquisa só pode ser iniciada após ser
apreciada pelo Comitê de ética e aprovada pelo mesmo. Este Comitê tem como Coordenadora:
Profa. Dra. Rosangela Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, localizado no Instituto de Educação,
1º. Andar, sala31, telefone: (65) 3615-8935, e-mail: [email protected]. Ressalto ainda que
não haverá nenhum gasto ou remuneração com sua participação nesta pesquisa.
Considerando as informações acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e
verbalmente do objetivo desta pesquisa e em caso de divulgação AUTORIZA a publicação.
Eu__________________________________________________,Idade:___________,
Sexo:_______________, Natural de:________________________ RG __________________
declaro que sinto-me suficiente e devidamente esclarecida(o) e entendi os objetivos da pesquisa,
bem como os riscos e benefícios de minha participação na mesma, como está escrito neste termo
declaro que consinto em participar da pesquisa por livre vontade, não tendo sofrido nenhuma
forma de pressão ou influência indevida.
___________________________________
Assinatura do participante
____________________________________
Assinatura da pesquisadora responsável
Jucieli Bertoncello
_______________________, _______ de _____________________ de 20_______.
160
ANEXO
ANEXO A: Parecer consubstanciado do CEP.
161
162
163
164
165
ANEXO B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para o II Mapeamento.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) PARA O II
MAPEAMENTO
Você está sendo convidada(o) à participar, como voluntário, do: “ II Mapeamento Social das
Comunidades do Cerrado do Pantanal”, a ser desenvolvido pelo Grupo Pesquisador em
Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT); IFMT - Instituto Federal do Mato Grosso; Instituto Caracol; COMPRUP –
Cooperativa Mista de Produtores Rurais de Poconé-MT; FORMAD – Fórum Mato-Grossense
de Meio Ambiente e Desenvolvimento e a CPT – Comissão Pastoral da Terra; com apoio da
FAPEMAT – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Mato Grosso; CNPQ – Centro
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; INAU – Instituto Nacional de Ciência
e Tecnologia em Áreas Úmidas; CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviços. Este
Mapeamento acontecerá nos dias 03 e 04 de junho de 2017, na Comunidade Bandeira com o
objetivo de discutir caminhos, de curto e longo prazo, para o fortalecimento da cadeia de
agroextrativismo vegetal na região, tendo o Cumbaru como o principal produto. Depois de
conhecer e entender os objetivos especificados neste Termo, AUTORIZO, através do presente
termo, que os grupos que realizam este mapeamento utilizarem as fotos e filmagens que se
façam necessárias para divulgação do Mapeamento. Considerando as informações acima,
CONFIRMO estar sendo informado por escrito e verbalmente do objetivo do Mapeamento e
em caso de divulgação AUTORIZO a publicação.
NOME ASSINATURA
1.
2.
3.
4.
5.
166
ANEXO C: Convite do II Mapeamento Social das Comunidades do Cerrado do Pantanal –
Comunidade Bandeira/Poconé.
167
ANEXO D: Série histórica de desmatamento (2006).
Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017
168
ANEXO E: Série histórica de desmatamento (2011).
Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017
169
ANEXO F: Série histórica de desmatamento (2015).
Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017
170
ANEXO G: Carta imagem utilizada no Mapeamento.
Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017
171
ANEXO H: Base cartográfica da área de estudo
Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017
172
ANEXO I: Mapa das Comunidades do Cerrado do Pantanal – Poconé/MT.
Fonte: ORGANZADO POR VALLES; PRODUZIDO POR DUARTE JUNIOR, 2017