Congresso “Escutismo, educar para a vida no século XXI...

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Congresso “Escutismo, educar para a vida no século XXI” Corpo Nacional de Escutas | Escutismo Católico Português

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Baden-Powell calou-se para escutar os Rapazes,

para deixar os Rapazes serem Rapazes.

Alexandre Leite

[email protected]

Não me encontrando já no ativo no CNE, mas por nele ter permanecido mais de quarenta anos, permitam-me uma reflexão

sobre o papel do erro e do risco no processo educativo Escutista, apoiada na experiência pessoal e no pensamento de Baden-

Powell, Karl Popper, Agostinho da Silva e Jorge Bergoglio, o Papa Francisco.

Palavras-chave: “Erro” – “Ask the Boy” – “Aprender fazendo”

Baden-Powell - um contador de histórias

BP ofereceu-nos muitos dos seus ensinamentos através de histórias.

O Escutismo para Rapazes (4) é quase todo ele um livro de histórias. Por isso BP intitulou as

partes deste de “Camp Fire Yarn´s”, que numa tradução livre pode significar “Histórias de cordel,

contadas à volta da Fogueira”.

Uma das histórias é a que relata a tarefa arriscada do jovem Rowan, de entregar uma carta a

Garcia, chefe de um grupo rebelde em Cuba. Apesar do risco, sem questionar, Rowan avança e cumpre a

missão. BP termina esta história com a seguinte frase: “Não tenhais medo de errar… «Quem nunca

errou, nada fez»” (Powell, 1999).

Dimensão Temática Educação Corpo Nacional de Escutas | Escutismo Católico Português

“É importante que seja o sonho de

voar que leve a que se voe”

Karl Popper

“Sem risco, não se pode avançar e,

só com riscos, também não”

Jorge Bergoglio – Papa Francisco

Figura 1 – Imagem do Escutismo para Rapazes (Powell, 1999).

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Figura 2 – Imagem do Escutismo para Rapazes (Powell, 1999).

Impossível sem “Im” e “Ask the Boy” !

É natural que, em educação, possam surgir circunstâncias em que haja tendência para se

percecionar que muitas das ideias dos jovens podem conduzir ao erro e que, por isso, devem ser

impedidos de as levar à prática.

Ora, na singularidade que carateriza a educação no Escutismo, talvez seja prudente que o Chefe

Escuta pare para refletir antes de ser protagonista de “nãos” aos projetos dos jovens. É na referida

história, que BP incita os rapazes a retirarem o “Im” da palavra Impossível. Não caia o Chefe Escuta no

erro, esse sim grave, de ser agente da impossibilidade!

Escutar as ideias dos jovens – “Ask the Boy” –, até as mais “estapafúrdias”, ser capaz de

embarcar nas suas aventuras mesmo que estas pareçam irrealistas, acreditando nelas, serão dos atos mais

ousados do Chefe Escuta. BP desafia: “Confiemos nos jovens! Vê-los-emos «institucionalizar» a sua

Patrulha, o seu Grupo, o seu Escutismo… e mais tarde o seu Mundo” (Philipps, 1996).

BP cria condições para que as crianças e jovens aprendam com erro: “Todo o Escuteiro tem de

começar como Pata-Tenra e cometer alguns erros no princípio… A criança quer estar a fazer coisas…

Deixai-a cometer os seus erros; é por meio destes que ela ganha experiência” (Sica, 1986).

O erro no ato de aprendizagem

Tenho gratas recordações da relevância que as Fases de Avaliação dos Projetos Escutistas

realizados tiveram na deteção de erros cometidos. Sem eles e sem a possibilidade de os refletir, o

“aprender fazendo” teria ficado aquém das suas potencialidades.

Há quem afirme que só pelo erro se consegue aprender. Ele está na base da aprendizagem da

criança de tenra idade. É essa aprendizagem, no mundo da tentativa erro, que firmará habilidades

intelectuais e motoras que a acompanharão para sempre. Como afirma o filósofo da ciência Karl Popper:

“O novo princípio básico é o de que para aprendermos a evitar tanto quanto possível os erros, temos de

aprender precisamente com eles. Encobrir os erros constitui… o mais grave pecado intelectual” (Popper,

1992).

Educar-se a si próprio

Deixar que o Escuteiro amadureça pela própria experiência, mesmo que ela possa ser

“desastrosa”, surge como um dos desafiantes atos de confiança do Chefe Escuta na missão do Escutismo.

Uma das novidades educativas do Método Escutista, centra-se no conceito de que cada Rapaz

possui capacidade de se educar a si mesmo, desde de que devidamente estimulado para tal. Esta

novidade terá nascido na mente do Fundador ao ler educadores como Johann Pestalozzi, Friedrich Fröbel

e Maria Montessori. Diz BP: “O princípio segundo o qual o Escutismo funciona é o de que se estudam as

ideias do jovem, que é instigado a educar-se a si próprio, em vez de ser instruído” (Powell, 2003).

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Estudar as ideias do jovem, é conhecer e entender esse jovem, o seu contexto existencial complexamente

variado, olhá-lo sob o seu ponto de vista e não sob o nosso.

Baden-Powell “calou-se”

O filósofo portuense Agostinho da Silva, escreveu sobre Baden-Powell. Agostinho da Silva

concluiu brilhantemente: “Baden-Powell calou-se para escutar os Rapazes… Ele que não tinha recuado

diante do inimigo no cerco (Mafeking), recuou diante desses Rapazes. Ele pôs-se inteiramente em

segundo plano… calou-se para escutar os Rapazes” (Silva, 2002). A capacidade de BP de se colocar nos

bastidores, sem deixar de olhar a “cena”, é reconhecida e apontada como o exemplo para todo o Chefe

Escuta. A fantástica vida de BP fê-lo aprender que, saber estar em segundo plano, confiar e acreditar no

outro, é regra de ouro para se ser bom líder. BP era assim e desafia cada Chefe Escuta a sê-lo também:

O Chefe precisa de confiar absolutamente no Escuteiro… Encarrega-o de uma função e espera que ele

desempenhe fielmente essa função. Não estejais sempre em cima dele para ver como o faz; deixai que o

faça à sua maneira, deixai que faça disparates se necessário, mas em qualquer caso deixai-o só, confiai

nele para que ele faça o melhor que lhe for possível... Dar responsabilidade é a chave do sucesso com os

jovens, sobretudo com os mais turbulentos e difíceis. (Powell, 2003).

Efeito Pigmalião

Esta maneira de se SER Chefe Escuta, espelha o princípio da psicologia da educação conhecido

como Efeito de Pigmalião, que afirma: “professores com uma visão positiva dos alunos tendem a

estimular o lado bom desses alunos e estes devem obter melhores resultados; inversamente, professores

que não têm apreço por seus alunos adotam posturas que acabam por comprometer negativamente o

desempenho dos educandos” (Efeito de Pigmalião, 2013).

O quadro de segurança e a zona de risco

O livro “Papa Francisco - Conversas com Jorge Bergoglio” (6), apresenta-nos uma visão do

Santo Padre sobre educação que poderá ajudar a compreender melhor o Escutismo. Diz-nos Jorge

Bergoglio:

Para educar é preciso ter em conta duas realidades: o quadro de segurança e a zona de risco. Não se pode

educar apenas com base em quadros de segurança, nem apenas com base em zonas de risco… Uma

pessoa começa a caminhar quando nota o que lhe falta, porque se não lhe faltar qualquer coisa não

caminha. (Rubin & Ambrogetti, 2013).

Escutismo é um caminho para este tipo de processo, sendo talvez o Raid e o Acampamento,

com tudo o que envolvem, experienciados em Sistema de Patrulhas, das melhores práticas educativas

para um real crescimento, mantendo um pé no quadro de segurança e o outro na zona de risco. Agostinho

da Silva realça que:

BP pega nos rapazes e lança-os em tarefas duras, difíceis e onde correm risco. Reparem bem: esse

homem, que tinha passado uma vida inteira com amor na Humanidade, esse homem, na altura em que

apresenta uma teoria educativa, não se importa de fazer que os outros enfrentem riscos. E essa é a atitude

de um verdadeiro educador. (Silva, 2002).

É assim que BP pensa:

É necessário que haja na vida certa porção de risco e certa prática em o enfrentar para prolongar a

própria vida. Os Escuteiros precisam de estar preparados para enfrentar as dificuldades e perigos na vida.

Não queremos por isso educá-los com demasiada moleza. (Sica, 1986).

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As dificuldades nas atividades Escutistas, são a grande escola. Concluí Jorge Bergoglio: “…

sem risco, não se pode avançar e, só com riscos, também não” (Rubin & Ambrogetti, 2013).

Cultura do naufrágio

Podemos inserir o valor das atividades Escutistas na “cultura do naufrágio” explicada pelo Papa

Francisco: Porque o náufrago enfrenta o desafio de sobreviver com criatividade. Ou espera que o venham resgatar

ou ele dá início ao seu próprio resgate. Na ilha onde chega, tem de começar a construir uma palhota, para

a qual pode utilizar as tábuas do barco afundado e, também elementos novos que encontra no lugar. O

desafio de assumir o passado, ainda que já não flutue, e de utilizar as ferramentas que o presente oferece,

tendo em vista o futuro. (Rubin & Ambrogetti, 2013).

Ajudar a aprender a sobreviver com criatividade para aprender a viver com felicidade, eis o

propósito do Escutismo.

Mas então, qual o papel do Chefe Escuta? Talvez deva ser como o de um Pai, na perspetiva do

Papa Francisco: “Um bom pai, tal como uma boa mãe, é aquele que vai intervindo na vida do filho o

suficiente para lhe marcar as pautas do crescimento, para o ajudar, mas que depois sabe ser espetador dos

fracassos”. (Rubin & Ambrogetti, 2013).

Jorge Bergoglio reforça esta ideia com o ensinamento da parábola do Filho Pródigo, que muito

o impressiona:

O filho pede a herança ao pai, o pai dá-lha; depois, vai-se embora… e volta. Diz o Evangelho que o pai o

vê vir, ao longe. De modo que deve ter estado a olhar, pela janela, para ver se o via chegar, a qualquer

momento. Ou seja, esperou pacientemente por ele… muitas vezes temos que fazer como o pai da

parábola, que deixa que o filho se vá embora… para que faça a sua própria experiência. (Rubin &

Ambrogetti, 2013).

O Pai não desistiu deste seu Filho. Deixou o seu Filho SER. Deixou-o partir numa total

liberdade consentida, mesmo que este ato se tornasse na mais negra nuvem no céu. Diz BP: “Procura

sempre ver o foco luminoso que fica por detrás da nuvem mais negra, e conseguirás enfrentar a pior das

perspetivas com toda a confiança” (Sica, 1986).

A lição do papagaio de papel

O Pai da parábola nunca se desligou do seu Filho, mantendo a esperança e a confiança. Conclui

Jorge Bergoglio com uma analogia inspiradora:

Isto faz-me lembrar quando eramos pequenos e fazíamos subir um papagaio na praceta. Há um momento

em que o papagaio entra num movimento de oitos e começa a cair; para evitar isso, não se deve puxar o

fio. «Solta um pouco o fio, que ele está a rabiar», gritava-nos os que sabiam. Segurar o papagaio

assemelha-se à atitude que é preciso ter perante o crescimento de uma pessoa: em dado momento, é

preciso dar-lhe corda, porque «rabeia» (Rubin & Ambrogetti, 2013).

Dar fio, sem o largar, é o segredo!

“Dito de outra maneira: é preciso dar-lhe tempo” (Rubin & Ambrogetti, 2013).

Conclusão

E esse tempo é o tempo de nos calarmos para escutar o Rapaz, de deixar o Rapaz ser Rapaz. Eis

o que é o Escutismo!

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Bibliografia:

(1) Efeito de Pigmalião. (2013). Recolhido em setembro de 2013 em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_Pigmaleão

(2) Philipps, R. E. (1996). O Sistema de Patrulhas. Lisboa: Edição CNE.

(3) Popper, K. (1992). Em busca de um Mundo melhor. Lisboa: Editorial Fragmentos.

(4) Powell, B. (1999). Escutismo para Rapazes. Lisboa: Edição CNE.

(5) Powell, B. (2003). Auxiliar do Chefe Escuta. Lisboa: Edição CNE.

(6) Rubin, S., Ambrogetti, F. (2013). Papa Francisco - Conversas com Jorge Bergoglio. Prior Velho: Paulinas

Editora.

(7) Sica, M. (1986). O rasto do fundador Baden-Powell. Lisboa: Edição CNE.

(8) Silva, A. (2002). Textos Pedagógicos – Volume II. Camarate: Circulo dos Leitores.