CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do...

35
Problemata: R. Intern. Fil. Vol. 03. No. 01. (2012), pp. 255-289 ISSN 1516-9219. DOI: http://dx.doi.org/10.7443/problemata.v3i1.12925 CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT Massimo Mori * Já se admite definitivamente que a filosofia da história de Kant não é um episodio marginal em seu pensamento. O temor de não reincidir neste preconceito historiográfico tem freqüentemente levado, todavia, os interpretes a caírem no erro oposto de procurarem, a todo custo, a absoluta coerência interna e a completa concordância com ao “sistema” transcendental, pensado por sua vez como um corpo doutrinário monoliticamente condensado. Na filosofia da história de Kant, ao invés, talvez mais do que em outras partes do seu pensamento, restam tensões discursivas e opacidades conceituais por vezes causadas por questões de coerência interna, pela exigência de que sejam acolhidas no sistema transcendental influências provenientes de diversas tradições culturais. Uma daquelas zonas de sombra é constituída pela definição do status gnosiológico do saber histórico, pensado não como reconstrução historiográfica de acontecimentos específicos (“história redigida de um ponto de vista empírico”), mas como determinação geral do significado e da Título original: CONOSCENZA E MONDO STORICO IN KANT Traduzido por Edmilson A. de Azevêdo * Professor efetivo (DE) de História da Filosofia. Universidade de Turim (Itália). m@il: [email protected].

Transcript of CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do...

Page 1: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Problemata: R. Intern. Fil. Vol. 03. No. 01. (2012), pp. 255­289

ISSN 1516­9219. DOI: http://dx.doi.org/10.7443/problemata.v3i1.12925

CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EMKANT

Massimo Mori *

Já se admite definitivamente que a filosofia da

história de Kant não é um episodio marginal em seu

pensamento. O temor de não reincidir neste

preconceito historiográfico tem freqüentemente

levado, todavia, os interpretes a caírem no erro oposto

de procurarem, a todo custo, a absoluta coerência

interna e a completa concordância com ao “sistema”

transcendental, pensado por sua vez como um corpo

doutrinário monoliticamente condensado. Na filosofia

da história de Kant, ao invés, talvez mais do que em

outras partes do seu pensamento, restam tensões

discursivas e opacidades conceituais por vezes

causadas por questões de coerência interna, pela

exigência de que sejam acolhidas no sistema

transcendental influências provenientes de diversas

tradições culturais. Uma daquelas zonas de sombra é

constituída pela definição do status gnosiológico do

saber histórico, pensado não como reconstrução

historiográfica de acontecimentos específicos

(“história redigida de um ponto de vista empírico”),

mas como determinação geral do significado e da

Título original: CONOSCENZA E MONDO STORICO IN KANTTraduzido por Edmilson A. de Azevêdo

* Professor efetivo (DE) de História da Filosofia. Universidade de Turim (Itália).m@il: [email protected].

Page 2: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 256

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

1.É odaUrKanonopritercrefcomdupdeso mnousobquainventpreumregconesceinqudefcheteleIdeent

direção do processo histórico (do ponto de vista deuma “cabeça filosófica”).1 Trata­se de um problemade grande relevância, na medida em que é compele (oué compelido por) questões fundamentais da reflexãokantiana sobre a história, como a relação entrefinalidade e causalidade, entre liberdade e necessidadeou, mais genericamente, entre ética e mundo.Considero que ao esboçar o seu pensamento sobre esteproblema Kant recorre, pelas razões que serãoexpostas, a três diferentes formas de conhecimento:regulativo, constitutivo, e ético­normativo. O termo“conhecimento” deve ser tomado aqui no sentido maisamplo e nem sempre estritamente kantiano, comoforma genérica do saber, que compreende, quer o juízodeterminante (no qual o “conhecer”, em sentidoestrito, se contrapõe claramente ao “pensar”); quer ojuízo reflexionante, que significa sempre uma dimensãoteórica do saber, embora desprovido de valor constitutivo;quer o juízo moral, que se funda todavia sobre umprocedimento sintético a priori da razão pura no seu usoprático. Considerando a fundação da filosofia da história ede sua posição no contexto geral do pensamento kantiano,estas três formas de conhecimento – que são, as lembramosopotunamente, expressões diferentes de uma única razão –aparecem de forma complementar, e de algum modoconcorrem reciprocamente à própria realização. Isto nãosignifica, todavia, que não restem algumas dissonânciasque, sem impedirem a integração fundamental dos diversosníveis, não eliminem dela as linhas de diferenciação e dejustaposições. Somente em um ponto, na interpretação queproponho, se pode reconhecer uma total convergência.

Page 3: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori257

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

1. Conhecimento constitutivo e conhecimento regulativo ­É opinião já universalmente compartilhada que a filosofiada história kantiana deva ser lida à luz da Kritik derUrteilskraft2. Isto em primeiro lugar porque o próprioKant, como é sabido, dela dá uma rápida e eficaz sínteseno § 83, fornecendo coordenadas claras para sua posiçãono quadro de um sistema transcendental já acabado. Masprincipalmente – e, por conseqência – o ponto de vista daterceira Crítica mostra­se indispensável porque sem areferência à teoria do juízo reflexivo não é possívelcompreender a relação que, no processo histórico, mantémduplas conceituais como o mecanismo causal e adestinação final, a necessidade natural e a liberdade moral,o mundo fenomênico dos eventos históricos e a realidadenoumênica a que ele se refere. Para dar apenas um exemplosobre o qual não vale a pena deter­se por sua notoriedade,qualquer compreensão da filosofia kantiana da história éinviável sem a referência aos §§ 80­81, relativos à relaçãoentre princípio do mecanismo e princípio teleológico, queprevê a subordinação do primeiro ao segundo no quadro deum conhecimento que passa do plano constitutivo aoregulativo. Mas é óbvio que o recurso a uma forma deconhecimento regulativo já está presente desde o primeiroescrito kantiano sobre a filosofia da história, a Idee zueiner allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht,que remonta ao ano de 1784 e está ainda distante dadefinição da função reflexionante do juízo, à qual Kantchegará, sobretudo no que diz respeito à sua aplicaçãoteleológica, somente nos últimos anos oitenta3. O termoIdee que aparece desde o título da obra deve ser certamenteentendido não no sentido tradicional, mas no seu sentido

vista deproblemapele (oureflexãoão entrecessidademundo.obre estee serãocimento:O termotido maiso, comor o juízosentido; quer odimensãostitutivo;obre umseu usohistória ekantiano,mbramosa razão –m modoIsto nãoonânciasdiversosção e deação quecia.

Page 4: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 258

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

preTra“toconconconAnhisquaobjassDiaregaspconunimepriiso

teóidétexconexp

transcendental de conceito de uma totalidadeincondicionada não acessível à experiência possível, nestecaso “a totalidade da espécie”: ela aponta, portanto, paraum objeto não efetivamente cognoscível, mas, de maneirapuramente regulativa, “a idéia de como deveria mover­se ocurso do mundo se devesse adequar­se a certos finsracionais”. (VIII, 29, 7­8)4. No texto é freqüente aocorrência da expressão “fio condutor” (Leitfaden), e àsvezes também “fio condutor a priori”, para mostrar que afunção da história filosófica é reconduzir osacontecimentos singulares a uma ordem geral, de maneiratal a representar como “sistema racional” aquilo queempiricamente é somente um “agregado” de fatos. “Oprojeto da natureza” (VIIl, 18, 8) ou “o plano oculto danatureza” (VIII, 27, 3), ao qual Kant se referefreqüentemente, nada tem a ver com a astúcia da razãohegeliana5, e tampouco é o resultado de um processocausal necessário reconstruível cientificamente, comogostavam de sustentar alguns interpretes do início doséculo XX6.

Entre a Idee e a expressão mais madura da filosofiakantiana da história, a segunda parte do Streit derFakultäten de 1798, portanto, há uma continuidade emnome do saber regulativo. Isto todavia não quer dizer queem quase quinze anos nada houvesse mudado. No lugar daKritik der Urteilskraft, que inspiraraá os escritos histórico­filosóficos dos anos Noventa, na obra de 84 o modelo doconhecimento regulativo é oferecido pela Dialética daKritik der reinen Vernunft, cuja primeira edição antecedede três nos a Idee. A idéia pode desempenhar uma funçãoprática, como lembra a referência às idéias platônicas

Page 5: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori259

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

presente na Secção I do Capítulo I da DialéticaTranscendental. As próprias idéias especulativas, aliás,“tornam possível a transição dos conceitos da natureza aosconceitos práticos e podem dessa maneira proporcionarconsistência às idéias morais e um vínculo com osconhecimentos especulativos da razão” (A 329 = B 386).Analogamente, o telos que a Idéias atribue ao processohistórico permite falar de um “quialismo” da história, oqual, embora não garantindo certezas teóricas, promove oobjetivo prático para o qual o homem deve tender numaassintótica “aproximação” (VIII, 23, 24)7. Todavia naDialética transcendental da Crítica da razão pura a funçãoregulativa das idéias é considerada, muito mais no seuaspecto prático, do que naquele teórico de conceito­guia doconhecimento constitutivo. O problema é remontar àunidade do sistema um conjunto de conhecimentos que,mesmo sendo determinado singularmente segundoprincípios a priori do entendimento, não apresentamisoladamente relações sistemáticas.

Uma unidade da razão deste gênero pressupõe sempreuma idéia, a da forma de um todo do conhecimento queprecede o conhecimento determinado das partes econtém as condições para determinar a priori o lugar dacada parte e sua relação com as outras (A 645/B 673 =III, 428, 23­26.

Não há motivo, portanto para negar que esta funçãoteórico­sistemática junto àquela prática, seja relevante naidéia importante também na Idee. Não po acaso este é otexto no qual é inegável que Kant atribua ao conhecimentoconstitutivo, ou seja, fundado a partir da síntese causal daexperiência, um papel primordial não somente na

otalidadeel, nestento, paramaneiraover­se ortos finsqüente a), e às

rar que auzir osmaneirauilo queatos. “Oculto dae refereda razãoprocessoe, comonício do

filosofiader

dade emdizer quelugar dahistórico­odelo dolética daantecedea funçãolatônicas

Page 6: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 260

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

reconstrução da história empírica, o qual indicaprontamente uma conclusão, mas também na própriahistória da filosofia. Esta forma de conhecimento não podeser excluída do muno histórico, uma vez que as açõeshumanas, que constituem o seu objeto,são “determinadaspor leis naturais universais como qualquer outro fato danatureza” (VIII, 17, 3­4). O problema então não écontrapor o conhecimento constitutivo da natureza aoconhecimento regulativo da história, mas efetuar umasinergia entre saber constitutivo e saber regulativo, pelaqual a idéia de um sentido de totalidade sirva para fazeravançar o conhecimento histórico causal. A proposta de umfio condutor regulativo não se mostra pois incompatívelcom a esperança de que um dia nasça um Kepler ou umNewton da história que, fundamentados em tais princípios,dela nos forneça igualmente uma explicação totalmentecausal, segundo “leis determinadas”, como Kepler eNewton (ou o próprio Kant da Allgemeine Naturgeschichteund Theorie dês Himmlems de 1755) fizeram com aastronomia. A nascente ciência estatística à qual fazreferência também nos escritos sobre a raça e naAnthropologie, sugeria aliás a possibilidade de reconheceranalogia metódica entre o conhecimento histórico e aciência natural. Alguma uniformidade ou regularidade dosfenômenos sociais (o ritmo dos matrimônios ou das mortesconsiderado a longo prazo)9 pareciam ter afinidade com asleis empíricas particulares). Em ambos os casos se poderiapensar numa generalizações cada vez mais amplas e numahierarquia taxonômica sempre mais vasta, que mesmopermanecendo no interior da experiência possível, eportanto condicionada, pudesse pressupor leis capazes de

expaco

fincontrecdateleaprTesdeshomtamblucaumucaucondoumeobsIdedifsom

cauestderpronatdo

Page 7: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori261

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

l indicaprópria

não podeas açõesrminadasfato danão é

ureza aouar umaivo, pelaara fazerta de ummpatívelr ou umrincípios,talmenteepler eichte

com aqual faza e naconhecerrico e adade doss mortese com ase poderias e numamesmo

ssível, epazes de

explicar em geral toda uma classe de fenômenos (comoacontece por exemplo com a lei da gravidade de Newton).

Nas Idee, todavia a relação entre causalidade efinalidade, e, portanto entre conhecimento constitutivo econhecimento regulativo, não é de todo clara. Em algunstrechos a exigência de reconhecer uma dimensão cognitivada filosofia da história faz com que a perspectivateleológica assuma uma caráter quase determinante, que aaproxima muito da causalidade natural. Por exemplo, naTese I a “doutrina teleológica da natureza” é remetida aodesenvolvimento de “germes” (Keime) já presentes nohomem, cujo conceito oscila ambiguamente – como ocorretambém nas teorias epigenéticas de ascendênciablumenbachiana nas quais Kant se inspira – entre acausalidade final e a eficiente. Analogamente, amultiplicação finalística da série de gerações – que porcause desagradava a Herder tinha – mais que a umconceito transcedental de fim parece fazer referência àdoutrina iluminista do progresso como acumulaçãomecânica (causal) de saber e civilização. Mas a relativaobscuridade da relação entre causalidade e finalismo emIdee tem uma razão mais estrutural, que reflete umdificuldade já presente na Kritk der reinen Vernunft esomente superada na Kritik der Urteilskraft.

Mas a relativa obscuridade da relação entrecausalidade e finalismo na Idee tem uma razão maisestrutural, que reflete uma dificuldade já presente na Kritikder reinen Vernunft. Ambas as Críticas se propõem oproblema da unidade sistemática do conhecimento danatureza, entendida como disposição orgânica no interiordo edifício da ciência da multiplicidade dos fenômenos

Page 8: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 262

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

naturais, bem como das leis particulares descobertasmediante a experiência, a despeito de serem fixadassegundo as leis universais da natureza (as únicas aconcordarem com os princípios a periori do conhecimentoconstitutivo). Em ambos os casos se apresentam pois aposibilidade de uma interpretação teleológica da natureza:através da doutrina das idéias na Dialética da primeiraCrítica, segundo a Crítica do juízo teleológico na terceira.Mas a finalidade natural é entendida em dois sentidosmetodologicamente bastante divergentes.11 Na Dialética darazão mas predominantemente também na denominadaErste Einleitung da terceira Critica) ela é concebida, emsentido fraco, como finalidade lógico­sistemática: cadatotalidade conceitual, que são as idéias, constitue umasistema formalmente teleológico, enquanto a posição decada um dos componente é definida em função de susrelações como todas as outras partes e como o conjunto.Esta função totalizante desenbvolvida pela razão dialéticacom um valor meramente regulativo, enquanto o materialque assim passa a ser organizado sistematicamente é objetode um conhecimento constitutivo. Permanece todaviaproblemático o modo pelo qual o conhecimentoconstitutivo, em si mesmo privado de relações sistemáticas(que vão além da síntese da experiência), possam se unircom a idéia da totalidade unitária. O ponto de junçãodeveria ser representado por princípios racionais dehomogeineidade, de especificação e de continuidade danatureza. Mas este princípios, em si puramente lógicos, sede um lado, para serem aplicados à realidade, pressupõemigulamente princípios transcendentais da razão queprefiguram a estrutura objetiva da natureza, por outro não

podnãopri178autlá(coestconrecmajuíznãoassqueobjse(“papl“siEx(renãoaspsepAinrem12­finfinme

Page 9: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori263

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

scobertasfixadas

únicas aecimentopois a

natureza:primeiraterceira.sentidoslética daominadabida, emca: cadaitue umasição deo de susconjunto.dialéticamaterialé objetotodaviaecimentotemáticasse unir

e junçãonais deidade dagicos, sessupõemzão queutro não

podem todavia determinar qualquer objeto natural, porquenão se de natureza intelectual e somente valem “comoprincípios heurísiticos” (A 663 / B691). Mais uma vez em1788, aliás, Kant admitirá não ter sido claro sobre o queautoriza a passagem a princípios teleológicos (regulativos)lá onde parecem sinsuficientes as leis causais(constitutivas)13. Na Kritik der Urteilskraft, ao contrário,estas tensões conceituais desaparecem, onde surge umaconcepção mais forte da finalidade, à qual doravante éreconhecida a dignidade de “princípio transcendental”, oumais precisamente “eautônomo” da faculdade dejuízo/julgar14. Na Crítica do juízo telelológico a finalidadenão tem somente um caráter lógico­sistemático, masassume um específico caráter orgânico e torna­se – aindaque nos limites do juízo reflexionante – uma finalidadeobjetiva, intrinseca à realidade natural, que no caso em quese refira, em sentido próprio, aos organismos singualres(“produtos organizados da natureza” V, 376, 12), quer sejaaplicada, no sentido analógico, à natureza inteira como“sistema segundo a regra dos fins” (V, 378­79).Excplicação causal (determinante) e interpretação finalista(reflectinte), mesmo que não sendo mais intercâmbiável,não ocorra mais em dois planos paralelos, mas são doisaspectos da mesma realidade. Deste modo elimina­se aseparação entre causalidade eficiente e causalidade final.Ainda que a unidade entre mecanismo e finalismo sejaremetida ao “substrato suprasensível da natureza” (V, 422,12­13), a causalidade mecânica opera em função dafinalidade natural global e, vice­versa, a interpretaçãofinalista não impede mais o caminho para a explicaçãomecânica, de modo que as duas perspectivas (e que as duas

Page 10: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 264

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

fiormas de conhecimento) se integram alternadamente.Somente na Crítica da Faculdade do Juízo( e nos escritosde filosofia da história posteriores a ela) se realiza portantouma convergência completa entre as duas dimensõescongnoscitivas da síntese determinante (causal) e da funçãoregulativa (final) que na Dialética da razão pura (e na Idee)permanecem de algum modo justapostas.

2. Conhecimento teórico e juízo moral – O problema daconvergência entre conhecimento causal (constitutivo) econhecimento teleológico (regulativo) desaparece portantonos escritos da primeira metade dos anos Noventa quelastream a concepção kantiana da história, Über denGemeinspruch, das mag in der Theorie richtig sein, taugtaber nicht für die Praxis (1793) e Zum ewigen Frieden(1795). Em ambas as obras é retomado o discurso sobre aação histórica da natureza, agora identificada com aprópria Porvidência (VIII, 310, 23; VIII, 361, 4). Anatureza­providência guia a história para a sua finalidadeglobal se servindo de um mecanismo inteiramente redutívelà ação causal de fenômenos: além do antagonismo járeferido na Idee (a “insociável sociabilidade”) sãoconsiderados instrumentos de progesso a guerra, adiversidade das línguas e das religiões, assim como oespírito comercial e a força do dinheiro. Mas em virtudedos resultados teóricos da Kritik der Urteilskraft (narealidade só tacitament retomada) esta perspectivadeterminista, que em cada uma das conexões da sériecausal remete a um conhecimento de tipo determinante,combina­se sem dificuldade com uma concepçãoteleológica da totalidade histórica plenamente consciente

deregosforumjuízmaind311umnunumlíciqueconestdetda2).asplimreasencom

connaqconjuízprihom

Page 11: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori265

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

damente.s escritosportantoimensõesa funçãona Idee)

blema datutivo) eportantoenta que

dentaugteden

o sobre acom a

1, 4). Ainalidaderedutívelnismo jáe”) sãouerra, acomo ovirtude

(narspectivada sérierminante,oncepçãoonsciente

de seus limites cognitivos e de seu caráter exclusivamenreregulativo. A confiança na função positiva da guerra paraos fins do progresso – mas a observação vale para todas asformas de “mecanismo” histórico – “é todavia somenteuma opinião e uma mera hipótese, incerta como todos osjuízos que, tendo em vista um efeito ao qual se propendemas que não está inteiramente em nosso poder, queremindicar somente as causas naturais adequadas a ele” (VIII,311, 35 – 312, 1). Que a espécie humana seja suscetível deum progresso que pode ser “as vezes interrompido, porémnunca detido”– se lê em Gemeinspruch (VIII, 309, 1­2) – éum “princípio” não demonstrável teoricamente, mas que élícito “assumir” como fundamento prático da ação, atéquem o recusa não desmonstra o contrário. Oconhecimento humano – mostra Zum ewigen Frieden – nãoestando em condição de abranger toda a série das causasdeterminantes, não pode “conhecer” a Providência na obrada natureza ném “demonstrá­la” com base nela. (VIII, 362,2). Mas esta perspectiva “excessiva” se considerada sob oaspecto teórico, onde a razão humana “deve manter­se noslimites da experiência possível” (VIII, 362, 14­15), adquirerealidade prática como critério para constranger a própriasensibiliadde do homem aos fins da moral, aqui entendidacomo “cumprimento da paz perpétua” (VIII, 362, 8­9).

Nos dois escritos de 93 e de 95, ao lado doconhecimento teórico (articulado no saber constitutivo enaquele regulativo plenamente consciliados), surgeconseqüentemente um outro nível cognitivo: aquele dojuízo moral. Este saber, enquanto prático, se refere inprimis não mais à descrição da história, mas à ação dohomem na história.

Page 12: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 266

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

Na realidade eu me baseio no meu dever inato de agirsobre a posteridade, em cada membro da série dasgerações […] de modo tal que ela se torne melhor (algoque se deve ser capaz de admitir também apossibilidade) de tal modo que este dever possatransmitir­se regularmente de um a outro membro dasgerações (VIII, 309, 4­10)

O problema da história filosófica ultrapassacontinuamente o plano teórico, desdobrando­se sobreaquele prático, em sentido não somente antropológico­pragmático, mas também expressamente moral. Pode­seaqui deixar em aberto a questão a respeito do supostocaráter moral do progresso histórico (como parece sugerirGemeinspruch) ou somente legal, limitando­se a favoreceras condições exteriores – o direito e a cultura – para a açãomoral individual (como sugere largamente grande parte ostextos kantianos). Em todos caso, a realização do direito,que, na forma da constituição perfeita internamente(constituição republicana) e externamente (federação pelapaz) está entre os principais componenetes do teloshistórico, ingressa nos imperativos da esfera prática pura.Mesmo se nunca teoriza explicitamente sobre este assunto(criando relevantes problemas para os estudiosos do seupensamento jurídico), Kant pensa num duplo uso de umaúnica razão pura prática: um uso especificamente ético eum uso jurídico.15 Na própria Paz Perpétua a “doutrina dodireito” é considerada como expressão da moral (VIII, 383,21; 384, 32). Ora, o fato que a história tenha umafinalidade moral (ou jurídico­moral) não indica umasimples exigência. Mas remete a uma forma deconhecimento racional específico, a qual é aquela expressapelo imperativo categórico. Dizer que a paz perpétua é um

devunigueseiest(VIreafunimeforrag

legindfoiumTodhistelereahis“abquaconregequrazdefconbemseg

Page 13: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori267

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

to de agirsérie daslhor (algombém aer possambro das

ltrapassase sobrepológico­Pode­sesupostoe sugerirfavorecerra a açãoparte oso direito,rnamenteção pelado telosica pura.e assuntos do seude umae ético eutrina doIII, 383,nha umaica umarma deexpressatua é um

dever (VIII, 362, 9; VI, 355, 2), ou que a razãouniversalmente legisladora impõe o seu veto absoluto àguerra entre indivíduos e entre estados (“Es soll kein Kriegsein”, VI, 354, 21), ou que o homem deve deve sair doestado de natureza e instituir uma condição de direito(VIII, 289, 23­28; VIII, 348, 3 – 349, 6), é resultado de umreal conhecimento – além disso constitutivo, enquanto sefunda numa síntese a priori, ainda que expressaimediatamente pelo “fato” da razão e não articulado emformas a priori. espressa immediatamente dal “fatto” dellaragione e non articolata em formas a priori.

Enquanto prescrição da razão universalmentelegisladora, o imperativo da razão vale a priori,independentemente de qualquer condição empírica. Comofoi dito, é um saber prático que prescreve uma ação, nãoum conhecimento teórico que descreve uma situação.Todavia a moral não pode não ter um interesse pelahistória e pelo mundo, uma vez que sem uma perspectivateleológica que preveja ao menos a possibilidade da suarealização, a prescrição perderia o sentido. A concepção dahistória exposta por Mendelssohn (que será definida como“abderitismo” em in Der Streit der Fakultäten) segunda aqual na história não há progresso da espécie, mas umacontínua, estacionária oscilação entre o progresso e oregresso, frustraria todo empenho moral do homem e seriaequivalente a uma impossibilidade essencial da ética. Porrazões análogas na Razão prática, depois de Kant terdefinido na Analítica o imperativo categórico na suacondição absoluta, defende na Dialética que se o sumobem, que liga a felicidade com a moralidade, “é impossívelsegundo regra prática, então também a lei moral, que

Page 14: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 268

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

ordena perseguí­lo, é obra de ficção e esta fundamentadaem vazios propósitos einventados: sendo portanto falsa emsi” (V, 144, 6­9). A reflexão kantiana sobre a história estápermanenetemente atravessada pela preocupação que aprescição da moral não esteja em desacordo com oconhecimento filosófico­teórico da história. Sem umaépoca final que preveja o desenvolvimento completo dafinalidade do homem, dizia já a obra Idéias, seriamdestruídos “todos os princípios práticos” (VIII, 19, 13). Aquestão fundamental da Paz perpétua è “o que a naturezaproduza quanto a esta finalidade [da paz perpétua], emreferência ao fim da razão eleva a dever do homem, eassim para favorece ao seu objetivo moral (moralischeAbsicht)” (VIII, 365, 21­23): a “garantia” da paz perpétua,que no primeiro Apêndice do escrito está totalmenteentregue ao mecanismo da natureza­providência, forneceuma “segurança que certamente não é suficiente para fazerpredição (teóricamente) da futura realização, mas queporém basta ao fim prático e impõe o dever de lutar poreste objetivo (que não é puramente quimérico) (VIII, 368,17­20).

Em Gemeinspruch e em Zum ewigen Frieden oproblema da relação entre os diferentes saberes históricosnão diz mais respeito relação entre conhecimentoconstitutivoe regulativo (concliados na Crítica daFaculdade do Julgar), mas àquela entre conhecimentotéorico e juízo moral. De um lado, o fato que nestas duasobras a filosofia da história formule uma perspectivacausal­teleológica na qual o mesmo mecanismo da naturezafavorece à realização do direito apenas pode estabelecer aconvergência harmônica entre o conhecimento teórico (nas

duae ooteleteórerfavencimpimp

divoutpreclatamrec(oudese aIlunoinsumvezhom

Page 15: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori269

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

amentadafalsa emtória estáo que acom o

em umapleto daseriam

9, 13). Anaturezatua], emomem, e

ischeperpétua,talmente, forneceara fazermas que

porIII, 368,

n oistóricosecimentoítica daecimentostas duasrspectivanaturezabelecer arico (nas

duas formas do juízo determinante e refletinte) de um ladoe o juízo moral do outro. Ao invés disso, a projeção sobreo plano ético é aquela que dá sentido à prespectivateleológica que, se limitada ao plano da ineterpretaçãoteórica, não seria de todo motivada. A natura daedalarerum demonstra a real possibilidade do direito,favorecendo “objetivo moral” dos homens, que seriamencorajados a empenharem­se neste dever, ainda queimposto pela razão, a menos que seja efettivamenteimpossível (ultra posse nemo obligatur).

Mas, por outro lado, o problema da integração dosdivferentes saberes histórico­filosóficos permanece deoutra maneira. Ênfase no momento causal objetivo,presente em Idee mas admitido, se bem que maisclaramente subordinado a uma concepção teleológica,também nos escritos de 93 e 95, tem como conseqüência oreconhecimento do caráter não intencional do agir humano(ou pelo menos de grande parte dele) para os fins dodestino final. O progresso histórico se configura portante –e ainda aqui manifesta­se a adesão de Kant à cultura doIluminismo, neste caso sobretudo anglo­saxão– un processono qual as forças e os objetivos individuais tornam­seinstrumentos de uma meta coletiva não almejada, segundouma ‘heterogênese dos fins que perpassa a historia, àsvezes opondo­se expressamente às intenções humanas (ohomem quer a “concórdia”, a natureza a “discórdia”).

Os homens, enquanto indivíduos mesmo povos inteirosmal se dão conta de que, enquanto perseguempropósitos particulares, cada qual buscando seu próprioproveito e freqüentemente uns contra os outros, segueminadvertidamente, como a um fio condutor,, o propósitoda natureza, que lhes é desconhecido, e trabalham parasua realização, e, mesmo que conhecessem tal prpósito,

Page 16: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 270

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

pouco lhes importaria. (Idee, VIII, 17, 21­26).

É de fato somente pela natureza ou melhor (porque seexige uma sabedoria superior para a realização destefim) pela Providência que podemos esperar umresultado que abrange o todo e a partir dele recaia sobreas partes. Na verdade, os homens com seus projetos têmseu ponto de partida e somente a elas se limitam: esomente podem estender ao todo somente suas idéias já

que ele é por demais grande para eles, mas não asua influência; especialmente porque eles, contrariando­se reciprocamente em seus projetos, dificilmentepoderia se associar em favor de um todo, partindo deuma intenção livre que deles viria. (Gemeinspruch,VIII, 310, 21­29).

Quando digo que a natureza quer que aconteça esta ouaquela coisa, não signfica que ela não nos imponha odever de fazê­la (pois isto somente somente o pode arazão prática livre de qulquer coação), mas que o fazpor si mesma, quer queiramos quer não (fata volentemducunt, nolentem trahunt) (Zum ewigen Frieden, VIII,365, 28­32).

No interior da história da filosofia, entre onhecimentotéorico e juízo moral existe todavia uma inelimináveltensão, apesar do êxito final do mecanismo histórico queconcorda exteriormente com a ordem moral (ou jurídico­moral). A prescrição ética não pode prescindir da liberdadee da bondade da intenção (Gesinnung) com a qual o sujeitoindividual pôe em prática. O mecanismo da natureza segueporém o seu curso totalmente independente da liberdadeindividual, embora Kant afirme ­ mas isto pode ser feitocom precisão apenas através de uma justaposição de planos­ não a exclui.16. Saber moral em saber causal­teleologicoagem em harmonia, mas em vias paralelas. Se nas Idee alinha de justaposição corria ao longo da fronteira entre

conconinte‘teóharconduaorga pnprpazconclaexpétictrabpovconnatde(VIfiloconpenresrecestquaide

Page 17: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori271

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

porque seção desteerar umcaia sobrejetos têmimitam: es idéias jáas não atrariando­ficilmentertindo deinspruch,

a esta ouponha oo pode aque o fazvolentemden, VIII,

ecimentoliminávelrico quejurídico­liberdadeo sujeitoza segueliberdadeser feitode planosleologicoas ee aira entre

conhecimento causal e conhecimento teleológico, agora, aocontrário, a dificuldade de encontrar um ponto deinterseção conserva a relação entre o conhecimento‘teórico’ no sentido lato no seu conjunto (que prevê aharmônica sinergia entre causalidade e finalidade) e oconhecimento ético­normativo. Em Zum ewigen Frieden asduas exigências são tratadas separadamente também naorganização material da obra: a exposição dos artigos sobrea paz, preliminares e definitivos, contêm a dimensão ético­nprmativa; o primeiro Suplemento, relativo à “garantia dapaz perpétua”, se refere à perspectiva teleológica e oconjunto causal do mecanismo da natureza. Mas ainda maisclaramente, na conclusão de Gemeinspruch, depois de terexpresso a esperança na eficácia do proncípio jurídico (ouético­jurídico) que comanda os “deuses da terra” atrabalharem para tornar possível a paz e a federação dopovo, Kant acrescenta, no entanto, para estender suaconfiança “no próprio tempo” (in subsidium) também ànatureza das coisas, que obriga ir para onde não se quer irde bom grado (fata volentem ducunt, nolentem trahunt)”(VIII, 313, 12­14, a cursiva e minha). O resultado é umafilosofia da história na qual Kant esforça para fazerconvergir, não sem dificuldade, as exigências do seupensamento ético­jurídico (ao qual, a despeito de todas asreservas postas por vários interpretes, ao qual não pode serrecusado o status de pensamento crítico­transcendental) e oestabelecimento de uma filosofia de cunho iluminista, noqual a idéia do progresso está fundada na (dogmática)identidade de razão e natureza.17

3. Um ponto de intersecção – Estes elementos de

Page 18: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 272

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

dissonância, ou pelo menos de justaposição não resolvida,se atenuam no útimo escrito de Kant dedicado à filosofiada história, Ob das menschliche Geschlecht im beständigenFortschreiten zum Besseren sei, que coupa a segunda partede Der Streit der Fakultäten (1798). Antes de mais nada épreciso notar que nesta obra permanecem ambos oscomponentes ‘teóricos’ do conhecimento histórico. Éverdade que o peso do conhecimento constitutivo pareceentão reduzir­se consideravelmente, a ponto de ter levadoalguns intepretes, ainda que recente, a contrapo­lo toutcourt a Idee18. Seguramente aparece completamenteexcluída a esperança, ainda almejada em 84, de umconhecimento do processo total dos acontecimentos que seespelham naquele do curso dos astros. Prever odesenvolvimento completo da história significa se coclocardo ponto de vista da Providência, como para conhecercorretamente os movimentos dos astros há que se colocardo ponto de vista do sol. Mas se esta última coisa éacessível igualmente ao homem com o recurso à razão, aprimeira lhe é interditada, uma vez que ele não podeaplicar às ações livres dos agentes históricos aquela“conexão segundo as leis naturais das quais se faznecessário para fazer previsões (à diferença de Deus, parao qual prever e ver são idênticos). Todavia o conhecimentoconstitutivo, se não pode ser estendido à determinação detodo o curso histórico, não perde a sua utilidade no caso deser apalicado a setores circunscritos, já disponíveis comodados da experiência. Isto é mostrado com uma certaclareza pelo fato de que no escrito há um duplo recurso –em chave negativa em um caso, positiva no outro – aoconceito de experiência. De um lado Kant diz que o

pro“imconposà he e“tahisverda(exdasmeargexpRedesexptanestsomconconOexpnecconquaexpproobj

Page 19: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori273

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

esolvida,filosofia

igennda parteis nada émbos osórico. Éo pareceer levadoo­lo toutetamentede ums que serever ococlocarconhecere colocarcoisa érazão, aão podes aquelase faz

eus, paraecimentonação deo caso deeis comoma certarecurso –tro – aoz que o

problema do progresso não pode ser resolvido“imediatamente” através da experiência, pois ela não podeconfirmar ném refutar nenhuma das três alternativaspossíveis (progresso, regresso e estagnação) que se referemà história como totalidade. E ainda no parágrafo seguinte –e este será o o argumento central do escrito ­ defende que“também é necessário voltar a ligar a alguma experiência àhistória profética do gênero humano” (VII, 84, 11­12). Naverdade, para fundar as nossas previsões sobre o progressoda humanidade “temos apenas dados empíricos(experiência), isto é, devemos nos referir à “causa físicadas nossas ações, enquanto elas se acontecem, ou seja, elasmesmas são fenômenos” (VII, 91, 29­31). Na suaargumentação Kant privilegia notoriamente umaexperiência particular – o entusiasmo produzido pelaRevolução Francesa sobre expectadoresdesinteressados.Mas na sua gnoselologia não existemexperiência experiência particulares. Cada experiência étanto causa quanto efeito de outras experiências,estreitamente tecida em uma ou mais séries causais, (quesomente no conjunto de um totalidade (uma vez que estacondição, como expresso por uma categoria intelectual)constituem efetivamente a experiência em sentido próprio.O concentrar toda a argumentação no ensaio sobre aexperiência, mesmo que seja uma experiência, implicanecesariamente a recuperação do conhecimentoconstitutivo, mesmo que seja funcional num mais amploquadro de natureza regulativa. Somente através daexperiência se chega portanto à solução do problema doprogresso histórico, certamente não “imediatamente”, comoobjeto dado na intuição sensível, mas “mediatamente”,

Page 20: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 274

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

como a revelação de conexões causais e constitutivas que,projetadas para além dos limites da expeiência possível,possam ser indicativo de orientação global.

Chega­se assim ao núcleo central discursivo doescrito, que consiste no elaborar uma argumentação a favordo progresso completamente distinta da “garantia” expostaem Zum ewigen Frieden. E precisamente através desteargumento – além de sua finalidade explícita – emerge umanova modalidade nas relações recíprocas entre as trêsformas de conhecimento histórico de que se falou. Comefeito, nenhuma delas, considerada em si, pode forneceruma garantia do progresso: o conhecimento constitutivo éindubitável, mas não ultrapassa a experiência possível; aocontrário, aquela forma regulativa explora a totalidade, masnão tem valor determinante; aquela forma ética exprimeuma dimensão exclusivamente normativa, embora absoluta.O esclarescimento sobre sobre o rumo da história podeporém ser obtido pela sinergia das três formas de saber,que encontram portanto o seu real ponto de coesão.

O texto no qual esta hipótese interpretativa pode sermelhor verificada é o curto § 5, completado contudo pelossubsequentes §§ 6 e 7. Apesar de bem conhecido, convémtodavia citar por inteiro o parágrafo, já que o seu conteúdoé simples apenas na aparência.

Não espécie humana é necessário que aconteça algumaexperiência que, como acontecimento (Begebenheit)indique uma propriedade (Beschaffenheit) e umafaculdade (Vermögen) desta espécie a ser causa de seuprogresso em direção ao melhor e (visto que isto deverresultar da ação de um ser dotado de liberdade) autor(Urheber) de tal progresso, mas de uma causa dada, umacontecimento se possa prever um um acontecimentocomo afeito, se si verificam as circunstâncias que paratal colaboram (welche dazu mitwirkend sind). Pois que

hisnocaumuagemoconesptítuacoentfrahumdes

Page 21: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori275

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

ivas que,possível,

rsivo doo a favor” expostaés desteerge umaas trêsou. Comfornecertitutivo ésível; aoade, masexprimeabsoluta.ria podede saber,.pode serdo pelos, convémconteúdo

a algumaebenheit)e uma

sa de seuisto deverde) autordada, umtecimentoque para. Pois que

estas últimas devam se produzir vez por outra, pode­seprevê­lo em geral como no cálculo de probabilidade emgeral no jogo, mas não se pode determinar se aquilo queacontecerá durante minha vida e disso não tereiexperiência, de modo que aquela previsão venha a seconfirmar. – Logo se deve procurar uma experiênciaque remeta (hinweise) à existência de uma tal causa e àde sua causalidade, de uma maneira indeterminadaquanto ao tempo, na espécuie humana e que levasse aconcluir ao pogresso em direção ao melhor comoconsequência inevitável, conclusão esta que possa serestendida à história do tempo passado (conduzindo àidéia de que sempre houve progresso), todavia de demodo tal que este acontecimento deva ser consideradoele mesmo causa deste progresso, mas somente umaindício, como um signo histórico (signumrememorativum, demonstrativum, prognotikon)e assimpossa desmonstrar a tendência da espécie humanaconsiderado em sua totalidade, ou seja não consideradocom respeito aos indivíduos (pois isso resultaria numaenumeração e num c´lauclo infinito), mas como ela seencontre sobre a terra, repartido em povos e Estados.(VII, 84, 13­35).

A primeira forma de conhecimento que entra nahistória profética é o juízo moral. A causa da qual se falano primeiro período do parágrafo se refere a umacausalidade moral: não se trata da causalidade mecânica domundo fenomênico, mas daquela noumenica de seres queagem livremente, enquanto “autores” (Urheber). A naturezamoral desta causa aparece de resto muitas vezesconfirmada nos parágrafos subsequentes. A tendência daespécie humana para o melhor, como é especificado notítulo do § 6, é uma tendência moral. De fato oacontecimento que remete a ela – quer dizer a participaçãoentusiasta demonstrada pelos espectadores da Revoluçãofrancesa – de um lado, enquanto é universal, se refere àhumanidade como um todo, de outro, enquanto édesinteressada “demonstra um caráter noral (moralische

Page 22: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 276

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

Charakter) e uma “disposição morala (moralische Anlage)(VII, 85, 15 e 28). Provavelmente Kant se refere aqui,como já em Zum ewigen Frieden, à moralidade comodoutrina do direito, e não especificamente à ética.Efetivamente afirma que esta “influente causa moral” temdois aspectos, que remetem de um lado ao “direito” (naespécie de direito de cada povo a dar­se a constituição queprefira) e do outro um “objetivo” que é também um“dever” (mas de tipo jurídico), relativo à realização daconstituição republicana, a única “em si juridica emoralmente boa” (VII, 85, 34). Vai na mesma direção aobservação pela qual “o verdadeiro entusiasmo somente esempre àquilo que é ideal, àquilo que que é puramentemoral (e desta natureza é o conceito de direito)19. Mas,como já se observou, o pressuposto é que a doutrina purado direito deriva­se do uso jurídico da razão pura prática,que tem um valor transcendental análogo ao uso maisespecificamente ético.

Em segundo lugar, o parágrafo contem umareferência ao conhecimento de tipo regulativo. A“constitução” (Beschaffenheit) e a “faculdade” (Vermögen)do gênero humano que quel lhes permite ser “causa de seuprogresso” apontam para uma causalidade final que dirigir­se para um objetivo teleológico, ainda que nãoespecificamente definido ( a completa realização das“disposições naturais da razão” das quais fala a Idee ouentão as suas condições – a constituição internamente eexternamente perfeita – segundo as indicações de Zumewigen Frieden retomadas também no Streit). Estacausalidade é completamente desvinculada das condiçõesdo juízo determinante, já que de um lado tem como sujeito

nãomoefeougênteletemnentranumumacoentcauinte

refagocaurepcaudetserintedefencom“ciweind“ev

Page 23: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori277

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

lage)ere aqui,de comoà ética.ral” temeito” (naição quebém umzação daridica eireção aomente euramente19. Mas,rina puraa prática,so mais

m uma. Agen)

sa de seue dirigir­ue nãoção das

e ouamente ede Zum). Estaondiçõeso sujeito

não um um fenômeno empírico, mas uma determinaçãomoral, do outro não se refere à uma sucessão de causas eefeitos fenomênicos, mas à definição de uma idéia moral,ou seja à perfeição (mesmo que seja apenas jurídica) dogênero humano. Daí se segue que essa causalidadeteleológico­moral opera “sem determinação com relação aotempo”. Ela não pode ser colocada em conexão comnenhuma das modalidades temporais, a saber dos esquemastranscendentais que orientam as da modalidade20: não comum tempo qualquer (ela não é somente possível); não comum tempo determinado (não se traduz, em geral, em umacontecimento real); mesmo com todo o tempo (a conexãoentre causa e efeito que ela prevê não tem a necessidade dacausalidade determinante, mas é apenas “inevitável” nointerior do sistema do juízo reflexionante).

Em terceiro lugar, § 5 não pode prescindir de umareferência implicita ao conhecimento determinante. Atéagora a causalidade moral tinha sido considerada comocausa de um progresso em direção do melhor que pode serrepresentada somente na forma regulativa: esse tipo decausalidade não se apresenta conseqüentemente comodeterminação dos fenômenos empíricos. Para que ela possaser traduzida em fatos da esperiência necessério queintervenham igualmente outras causas de natureza sensível,de maneira tal que a causalidade moral tenha um efeitofenomênico cognoscível, no plano do juízo determinante,como elo de uma cadeia causal necessária21. As“circunstância que aqui cooperam (die Umstände […],welche dazu mitwirkend sind), cuja verificação éindispensável para que a causalidade moral se traduza num“evento”, são portanto necessariamente – segundo a

Page 24: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 278

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

interpretação que propomos – causa concomitante empírica(a causalidade moral do sujeito noumênico, de resto, ésempre somente uma). O que se passou aos olhoes de Kanté que determinados fatos de experiência (os aconteimentosda revolução francesa, ou alvez ainda mais o processo derepublicanização obtido pela revolução) tenham causado,como causas empíricas concomitantes à causalidade moral,aquele entusiasmo universal e desinteressado que pode serconsiderado – precisamente como um “acontecimento” –um sinal da presença de uma disposição do espécie humanapara o melhor. Noutros termos teriam ocorrido aquelesfatores de “facilitação” (ou não teriam ocorrido aqueles“obstáculos”) “entre a natureza equanto fenomeno e osefeitos da liberdade enquanto fenômenos do mundosensível” (V, 195, 33 / 196, 32) que constituem a condiçãoda efetividade causal da moralidade na esfera fenomênica.Além disso, a participação popular, enquanto fato deexperiência, não é somente o efeito de uma série causalempírica que a precede e condiciona mas é também a causada série de efeitos dela resultantes. O estusiamo, emborasomente diga respeito aos espectadores e não aos atoresdos fatos revolucinários, não é um simples elementointerior (que de qualquer maneira, como fenômeno interno,entraria em cada caso numa cadeia causal) mas a causa dedeterminados comportamentos externos: de tal modo queKant observa que a manifestação desta simpatiarevolucionária “estava ligada ao perigo” (VII, 85, 27).Analogamente, a afirmação que este acontecimento “jamaisse esquece”, independentemente do êxito da revolução, nãopode referir­se somente ao valor revelador, ou melhorexemplar, que ele ocupa com relação a tenedência moral da

humque“tehisacoposalgreanovMarelaparcaudoger“acseuexeligaparoutoacdorelaindnaqemconmoinerem

Page 25: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori279

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

empíricaresto, éde Kanteimentoscesso decausado,e moral,pode serento” –humanaaquelesaquelesno e osmundo

condiçãoomênica.fato deie causala causa, emboraos atoreselementointerno,causa deodo quesimpatia85, 27).“ maisção, nãomelhor

moral da

humanidade. Inevitavelmente, refere­se também ao fatoque continuará a agir como modelo para outras“tentativas”, ou seja para ações no plano fenomênico dahistória: é agora causa de uma série indefinita deacontecimentos. E é óbvio que Kant tem confiança napossibilidade de que “acontecimento” possa influenciaralgum désposta, de modo que o processo na dieração darealização da constituição republicana possa acontecer semnovas revoluções22.Mas é preciso fazer, ainda, um esclarecimento relativo àrelação que há entre o “acontecimento” empírico daparticipação emotiva na revolução (e a inevitável redecausal fenomênica na qual está implícada) e a causa moraldo progresso da espécie humano. Referido à história emgeral, àquela passada como àquela futura, o“acontecimento” não é “causa” do progresso, mas apenasseu “signo histórico”: ela só pode ter um valor deexemplar, porque, em geral, não há obviamente nenhumaligação, em termos de causa e efeito, entre fato empíricoparticular e a direção geral da história que preveja, entre osoutros acontecimentos anteriores, aquele fato23. Mas seoacontecimento se refere ao momento histórico particulartdo qual Kant tem experiência, intervem na realidade umarelação causal específica. O entusiasmo neste caso não é sóindício, mas o verdadeiro efeito da causa moral, quenaquela conjectura se entrelaçou com com outras “causas”empíricas. Obviamente não há qulquer certeza de que estaconexão causal, uma vez que a realidade da causalidademoral no mundo sensível, embora certa, permanece sempreinexplicável na sua modalidade.24. Mas a faculdade deremeter à (hinweisen) disposição moral permite supor que

Page 26: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 280

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

o “evento” seja dela efeito, uma vez que se aí nãoreverberasse alguma consequência da moralidade, ela seriaprivado de signficado para os fins do progresso em direçãoao melhor da espécie humana. Neste modo, oacontecimento do entusiasmo se coloca no ponto ponto deconvergência entre a série das causas fenomênicas e acausalidade moral, que irrompe nela sem interrompê­la. No§ 5 Kant todavia, refere­se a três tipos de causalidade: 1)uma causalidade noumenica pela qual a disposição,moralproduz o acontecimento do enrusiasmo; 2) uma causalidadefinal, pela qual então essa disposição é causa do progressoda espécie humana em direção o melhor; 3) umacausalidade eficiente e fenomênica, à base da qual o“acontecimento” é, por um lado, efeito dos fatosrevolucionários (as causas concomitantes) e de outro, causade ulteriores comportamentos filorevolucionários. A estastrês causas correspondem três tipos de conhecimeto: 1) ojuízo moral que exprime o imperativo categórico 2) oconhecimento regulativo, sobretudo na forma do juízoreflexionante; 3) o conhecimento constitutivo, na forma dasíntese a priori da experiência e do juízo detrminante.A garantia do progresso resulta portanto da sinergia detodas as três formas de conhecimento. É o juízo moral queme assegura que o homem tem a faculdade de ‘agir’moralmente, ou seja, por um lado de ter uma vontade boa epor outro de traduzir esta vontade num efeito moralfenomênico25. Somente o juízo reflexionante (o saberregulativo) pode todavia projetar esta faculdade doindivíduo a todo o gênero humano, traduzindo aquela que éuma certeza moral individual, uma idéia prática(regulativa) da história como progresso. Por fim, somente o

conreahisMaparemfuninda edaqcauoutpreacoumond18)

4.comfilorefexpdoeleBeproanapronos332

Page 27: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori281

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

aí nãoela seriadireçãoodo, oponto deicas e apê­la. Noidade: 1)ão,moralusalidaderogresso3) umaqual o

os fatosro, causa. A estaseto: 1) oico 2) odo juízoforma date.ergia deoral quede ‘agir’de boa eto moral(o saberdade doela que éprática

omente o

conhecimento determinanate pode verificar a efetivarealização da perspectiva ético­teleológica na realidade dahistória, embora limitada a fragmentos de series causais.Mas é esta confirmação do saber normativo­regulativo porparte do constitutivo, da idéia por parte da esperiência,embora fragmentária, que vem a constituir o verdadeirofundamento da prova. E tal prova por um lado tem valorindicativo (como “signo histórico”) para o futuro, pelo quala experiência não pode ainda fornecer o conhecimentodaquelas causas conconmitantes físicas que permitem acausa moral traduzir­se em realidade histórica; mas poroutro lado tem valor definitivo no que se refere aopresente, porque a disposição moral demonstrada peloacontecimento do entusiasmo “não deixa somente esperarum progresso para o futuro, mas é já um progresso, atéonde chega por enquanto a sua capacidade” (VII, 85, 17­18).

4. História e experiência – O reportar­se à experiênciacomo prova do progresso é um aspecto não irrelevante dafilosofia kantianan da história. Já em Idee Kant tinha feitoreferência a esta função, especificando todavia que naexperiência se manifesta “algo pequeno” (etwas Weniges)do curso da natureza (VIII, 27, 11­12). Em Gemeinspruchele afirma que se registram “algumas provas” (mancheBeweise) de que a especie humana no seu conjuntoprogrediu com relação ao passado (VIII, 310, 4­6); eanalogamente em Das Ende aller Dinge lê­se que “háprovas empíricas” (Erfahrungsbeweise) da superioridade danossa época em comparação a todas as precedentes” (VIII,332, 18­20). Em todos este casos, todavia, Kant não

Page 28: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 282

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

esclarece no que consistem estas “provas” – a mesmaexpressão Beweise, de resto, é usada provavelmente numsentido muito fraco e genèrico. Somente no Streit derFakultäten a experiência que confirma o caráterprogressivo da história se dtermina em um fato específico.Mas entre o escrito de 1789 e os anteriores mantem­se umaoutra diferença muito mais importante. Até 1798 aexperiência tinha como função constatar aquelas conexõescausais empíricas – regularidade de certos fenômenossociais, efeitos dos antagonismos, consequências da guerra,etc. – que projetadas sobre o quadro totalizante doconhecimento teleológico forneciam a estrutura domecanismo da natureza­providência e, por isso, da história.Às vezes, como em Idee (segundo a confiança que Kantainda alimenta em 1784 na possibilidade de descobrir leis“naturais” da história), a experiência é posta em relaçãocom a possibilidade de remontar de um conhecimentoconstitutivo parcial à determinação do sistema como umtodo, embora com a mesma incerteza com que a partir dealgumas observações astronômicas se pode procurar“determinar o curso do sol com todo o exército de seussatélites no grande sistema das estrelas fixas” (VIII, 27,17­19). Em outras ocasiões, como em Gemeinspruch (ouDas Ende aller Dinge o Zum ewigen Frieden), as provasempíricas se relacionam mais à garantia de um progressomoral da espécie humana. Mas em ambos os casos oprogresso depende da existência de um “mecanismo” danatureza, pensado quer em função cognitiva quer moral,permite por em ordem a multiplicidade dos acontecimentosnum todo sistemático. Em Der Streit der Fakultäten, aocontrário, a referência ao mecanismo da natureza­

propasinteconnaoshisrecestdesdemhumseIstodesPerKamosuadetgloDetorseufencomatraemfenentnão

Page 29: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori283

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

a mesmante num

dercaráter

ecífico.­se uma1798 aconexõesnômenosa guerra,ante dotura dohistória.que Kantobrir leisrelação

ecimentoomo umpartir deprocurarde seusVIII, 27,

(ous provasrogressocasos oismo” dar moral,cimentos

, aonatureza­

providência – ao qual é destinado um aceno no § 10 –passa para o segundo plano, e diminui esse mesmointeresse pelo caráter sistemático da história. A experiênciaconsiderada, nomeadamente a participação desinteressadana Revolução francesa, destina­se não a tentar de encontraros segmentos de séries causais que confirmama uma ordemhistórico­ natural moral, mas sim a possibilidade dereconhecer um efeito empírico da causalidade moral queestá na base do progresso. Por meio dos efeitosdesenvolvidos na arealidade o conhecimento empíricodemonstra que existe uma causalidade moral dadahumanidade como espécie e que sob certas condições elase realiza no mundo histórico.Isto não quer dizer que em Streit der Fakultätendesapareça o elemento da causalidade mecânica.Perguntando­se no que consiste o progresso para o melhorKant responde: “não uma quantidade sempre crescente damoralidade da intenção, mas um aumento dos efeitos desua legalidade nas ações, seja qual for o motivo que osdetermina” (VII, 91, 22­25). Não obstante a posição deglobal Kant sobre ponto se mostre oscilante, a solução deDer Streit der Fakultäten é clara. A humanidade não podetornar­se moralmente melhor, porque não pode ampliar oseu pontencial de moralidade. Em vez disso, os efeitosfenomênicos de sua causalidade moral, ou seja, ocomportamento legal, tornando­se sempre maiores porque,através do mecanismo causal, entram num círculo virtuosoem que cada um deles tem como efeito uma série defenômenos de legalidade cada vez maior. Como oentusiamos pela revolução, que não pode ser esquecido,não deixara de haver efeitos empíricos positivos

Page 30: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 284

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

influenciando os comportamentos futuros, assim toda açãoaparentemente moral, será causa empírica (e mecânica) decomportamentos legais cada vez mais numerosos. Secomportará cada vez melhor não por razões morais, mas“mas em parte pelo amor à honra, em parte por interessepessoal bem compreendido nas coisas comuns”, quer emvirtude de um bem e interesse pessoal nas coisas comuns”(VII, 92, 1­2). O benefíco será consequência daqueleZwang que não exige absolutamente “que todos os homenssejam virtuosos: é apenas necessário apenas que assuma ohábito mostrar um respeito público pela moralidade” (R1394, XV, 607). A conduta aparente dos homens serásempre melhor “a partir do momento em que nenhumobterá mais qualaquer distinção, qualquer relação social,qualquer cargo e até mesmo uma mulher sem retidão e semsinal exterior de uma boa intenção” (R 1393,XV, 606). Demaneira nenhuma é possível prever quando a causalidademoral da humanidade inetervirá na história (comoaconteceu na cisrcunstância da revolução), porque isso sedá fora das determinações temporais. Mas quando vier aacontecer, ou seja quando novamente se apresentrem a as“circunstâncias” que não são causas empíricasconcomitantes, se introduzirá na história uma nova sériecausal de fenômenos legais que mulplicarão os seusefeitos. Cada emergência da moralidade na história tementão como efeito um incremento da legalidadefenomênica, embora, obviamente, não valha o contrário: amaior difusão da legalidade poderá talvez favorecer oscomportamentos morais, mas não as ser a causa deles,porque a escolha ética pode nascer somente dasprofundezas da autonomia noumênica.

ÀsmosistregumsistfiloconpurrepquamanegPor“gaindilumsurtessuse uReprópágconcommomumasistpre

Page 31: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori285

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

oda açãoânica) deosos. Serais, masinteressequer emcomuns”daqueles homensassuma odade” (Rens seránenhumo social,ão e sem606). Deusalidade(como

e isso seo vier arem a asmpíricasova sérieos seusória temegalidadentrário: arecer ossa deles,nte das

Às vezes se pensa que o menor interesse que Kantmostra na der Streit Fakultäten pelos os aspectossistemáticos da história envolve o risco de umaregressão ao dogmatismo, na suposição de que apenasuma perspectiva completamente teleológic­sistemáticoa, responda totalmente ao sistema dafilosofia crítica. A mim me parcece mais verdadeiro ocontrário. A natureza regulativala das idéias da razãopura ou do juízo reflexionante permite umarepresentação da hitória (com alguns problemasquando o modelo são as idéias da razão pura, commaior consistência teórica na Crítica do Juízo), masnega esta concepção qualquer valor cognitivo.Portanto, na medida em que Kant se servir dela como“garantia” do progresso ( e não de uma simplesindicação de não impossibilidade), como a sua culturailuminista e como sugere grande parte de seus escritos,surge necessariamente o risco de um uso dogmático. Atese da natureza­providência permanece sempresuspensa entre perspectiva regulativa que não garantee uma garantia que não pode ter fundamento crítico.Reciprocamente, em Der Streit der Fakultäten ­próxima cronologicamente à normatividade de muitaspáginas da Rechtslehre – o progreso histórico éconfiado in primis à tese, em perfeita concordânciacom o criticismo, que na história age a causalidademoral. Esta causalidade se desenvolverá certamente nomundo, dando um sentido geral ao curso histórico:mas como e quando não se pode prever. O planosistemático não é dexado de lado, mas, ao invés de umpressuposto que dá um sentido à história, é a

Page 32: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 286

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

consequência do fato que a história, na qual opera umacausalidade moral, tem um sentido; e que tal sentidonão seja ilusão di­lo ­ está é a peculiaridade do escritode 1798 – a experiência. Noutras palavras, a garantiado progresso histórico não é mais buscada fora domundo, numa dimensão teleológica do plano danatureza que é ou dogmática ou nada garante. Somentena dimensão do mundo, que é o lugar de realização dahistória, pode­se encontrar, mesmo em fragmentos deexperiência, aquela garantia do progresso que a éticaordena e a razão teleológica prefigura. Embora, porsua vez, o conhecimento empírico, sempre limitado aum pequeno pedaço da realidade, não possa capturar adireção globalizante do processo histórico sem oauxílio do juízo moral, que diz como a história deveser. Parafraseando o próprio Kant, levando­se emconsideração separadamente a função quedesempenham na história da filosofia, o saber moral eo teleológico são vazios, o conhecimento empírico écego.

Notas

1 Cfr. Idee zu einer allgemeinen Geschichte der Menschheit, VIII, 30, 30­32.As obras de Kant são sempre citadas tendo como referência a Akademie­Ausgabe. Como de costume, o número romano indica o volume, osnúmeros arábicos a/as págin/as/ e a/as linha/s.

2 Na realidade esta posição está presente desde as primeiras interpretaçõesda filosofia kantiana da história: cfr. F. Medicus, Kants Philosophie derGeschichte, “Kant­Studien”, VII, 1902, pp. 1­22, 171­299; mas elatornou­se o inevitável ponto de partida de toda investigação a respeito doassunto a partir de G. Lehmann, System und Geschichte in KantsPhilosophie, “Il pensiero”, III, 1958, 14­34; di F. Kaulbach, Der

3 C

4 S

5 O

6 T

7 C8 C9 C

10

11

Page 33: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori287

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

pera umal sentidoo escritogarantiafora dolano daSomenteização daentos dee a éticaora, pormitado aapturar asem o

ória deveo­se emo quer moral epírico é

0, 30­32.kademie­lume, os

pretaçõese der

mas elaspeito do

antsach, Der

Zusammenhang zwischen Naturphilosophie und Geschichtsphilosophiebei Kant, “Kant­Studien”, LVI, 1966, pp. 430­51 e sobretudo depois do jáclásico estudo de K. Düsing, Die Teleologie in Kants Weltbegriff, Bonn,Bouvier, 1968, pp. 217­28.

3 Cfr. J. H. Zammito, The Genesis of Kant’s Critique of Judgement, Chicago,University of Chicago Press, 1992, pp. 7­8.

4 Sobre o significado transcendental do termo “idéia” no escrito de 84chamou a atenção, entre os primeiros, P. Chiodi, La filosofia kantianadella storia, “Rivista di Filosofia”, LVIII, 1967, pp. 263­287, emparticular a p. 278.

5 O confronto foi proposto entre outros por L. Langreb, Die Geschichte imDenken Kants, “Studium Generale”, VII, 1954, p. 536; K. Weyand, KantsGeschichtesphilosophie: Ihre Entwicklung und ihr Verhältnis zurAufklärung, Köln, Kölner Universitätsverlag, 1963, pp. 43­44; M.Despland, Kant on History and Religion, Montreal, McGill­Queen’sUniversity Press, 1973, pp. 57 e 70; F. Kaulbach, Welchen Nutzen gibtKant der Geschischtesphilosophie?, “Kant­Studien”, LXVI, 1975, p 6.

6 Trata­se todavia de interpretações fortemente condicinadas por premissasteóricas, de tipo positivista no caso de K. Lamprecht, Herder und Kantals Theoretiker der Geschichteswissenschaft,”Jahrbücher fürNationalökonomie und Statistik”, LXIX, 1897, pp. 161­203, ouimputáveis ao “socialismo neokatiano” no caso de K. Vorländer,Introdução a I. Kant, Kleinere Schriften zur Geschichtesphilosophie,Ethik und Politik, Meiner, 1913, ou de M Adler, Kant und derSozialismus (1904), in Kant und der Marxismus. Gesammelte Aufsätzezur Erkenntniskritik und Theorie des Soziales, Berlin, Laub, 1925, pp. 83­132.

7 Cfr. VIII, 27, 1­13.8 Cfr. VIII, 18, 9­17.9 Cfr. VIII, 17, 12­21. Kant se vale desta uniformidade causal presente nosfenômenos de ampla escala também nos escritos sobre raça e naAntropolgie in pragmatischer Hinsicht.

10 Cfr. a manifesta menção, implicitamente polêmica nos confrontos comKant, na segunda parte da Ideen zur Philosophie der Geshsichte derMenscheit, 1, VIII, cap. V: “o que por ventura é necessário dizer [...] quetodas as gerações foram produzidas somente pela última geração, quedomina sobre a ramificação destruida pela felicidade de todas as asgerações precedentes?” (J. G. Herder, Werke in zehn Bänden, vol. VI,editado por M. Bollacher, Frankfurt am Main, Deutscher KlassikerVerlag, 1989, p. 332. Cfr. ainda os tons bastante acimoniosos da carta aHamann de 14 de fevreiro de 1875 na qual Herder, referindo­se a Kant,diz ironicamente não ter necessidade “de seu plano infantil, segundo oqual o homem é feito para a espécie e para mais perfeita máquina estalaté os fins do tempo” (J. G. Hamann, Briefwechsel, editada por W.Ziesemer e A. Henkel, 7. Vol., Wiesbaden, Insel Verlag, 1955­79, vol. V,p. 363).

11 A este respeito cfr. J. D. Mc Farland, Kant’s Concept of Teleology,

Page 34: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Conhecimento e mundo histórico em Kant 288

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

Edinburgh University Press, 1980, pp. 18­24 e 32­42. A respeito dasconsequências que as diferentes concepções sistemáticas da primeira e daterceira Critica tiveram sobre a filosofia kantiana da história cfr. P.Kleingeld, Fortschritt und Vernunft: Zur Geschichtsphilosophie Kants.Würzburg, Königshausen & Neumann, 1995, cap. VII. Kleinfeld temainda o mérito de ter insistido sobre o valor teórico da filosofia kantianada história, em oposição às interpretações que somente aceitam o aspectoprático (uma posição extrema a respeito será aquela de W. J. Booth,Interpreating the World: Kant’s philosphy of history and religion,Toronto­Buffalo­London, University of Toronto Press, 1986, que devolvea filosofia da históeia kantiana a “the ‘modest language’ of rational faith”.P. 110).

12 A mesma dificuldade surge da analogia que Kant estabelece entre as idéiae os esquemas da sensibilidade com a diferença que as idéias não têemnatureza sensível e não correspondem ao conhecimento de um objeto (A665 / B603): também aqui a dificuldade está no pensar uma função deesquematização que é desprovida de material sensível que a caracterizaintrinsecamente.

13 Über den Gebrauch teleologischer Prinzipien in der Philosophie, VIII,160, 20­22.

14 Cfr. J. Peter, Das transzendentale Prinzip der Urteilskraft. EineUntersuchung zur Funktion und Struktur der Reflektierenden Urteilskraftbei Kant, Berlin­New York, de Gruyter, 1992, pp. 62 ss.

15 Esta é pelo menos a interpretação mais reputada como verdadeira Cfr. W. Kersting,Wohlgeordnete Freiheit. Immanuel Kants Rechts­ und Staatsphilosophie, Frankfurt amMain, Suhrkamp, 1993, pp. 112­133. A tese da única raiz prática pura do direito e da ética étodavia contestada pelos partidários da Unabhängigkeitstheorie: cfr. J. Ebbinghaus, Kantund das 20. Jahrhundert, in Gesammelte Aufsätze, Vorträge und Reden, Darmstadt,Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1968, pp. 111­115 e Die Strafen für Tötung einesMenschen nach Prinzipien einer Rechtsphilosophie, Bonn, Bouvier, 1968, pp. 20­22; G.Geismann, Ethik und Herrschaftsordnung, Tübingen, Mohr, 1974, pp. 56­61 eWorld Peace:rational Idea and Reality. On the Principles of Kant’s Political Philosophy, in Kant.Analysen – Probleme – Kritik, a cura di H. Oberer, Würzburg, Königshausen & Neumann,1996, pp.266­274.

16 Cfr.Idee, VIII, 17, 7­8: a história procura individuar um “curso regular” também no “jogo dalibertdade do querer humano consiserado “in grande”; em Zum ewigen Frieden, VIII, 365,23­26, se coloca o problema de como a natureza obriga o homem a fazer aquilo que deveriafazer mas não faz, “sem comprometer a sua liberdade”.

17 Sobre esta dificuldade cfr. M. Mori Illuminismo e criticismo nella filosofia della storia diKant, “Studi settecenteschi”, VI, nn. 11­12, 1988­89, pp. 367­90 e Aufklärung undKritizismus in Kants Geschichtsphilosophie, in Die deutsche Aufklärung im Spiegel derneueren italienischen Forschung, a cura di S. Carboncini, Hamburg, Meiner, 1991,(“Aufklärung”, V, 1991), pp. 81­102. In questo senso confronta anche il saggio di R.Brandt, Quem fata non ducunt, trahunt. Der Staat, die Staaten und der friedliche Handel, inDer Vernunftfrieden. Kants Entwurf im Widerstreit, a cura di K.­M. Kodalle, Würzburg,Königshausen & Neumann, 1996, pp. 71­86, no qual, sem chegar a registrar uma umaincongrunência entre pensamento crítico e tradição iluminista, se destaca a adesão de Kant a

18

19

20212223

2425

26

Page 35: CONHECIMENTO E MUNDO HISTÓRICO EM KANT - Dialnet · kantiana da história, a segunda parte do Streit der ... dela nos forneça igualmente uma explicação totalmente ... problema

Massimo Mori289

Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 03. No. 01. (2012). pp. 255­289

ISSN 1516­9219

peito daseira e daia cfr. P.

ants.nfeld temkantianao aspectoJ. Booth,

gion,e devolvenal faith”.

e as idéianão têemobjeto (Afunção dearacteriza

, VIII,

Einekraft

Kersting,kfurt amda ética éaus, Kantarmstadt,

eines20­22; G.

eace:in Kant.eumann,

“jogo daVIII, 365,e deveria

ia diundl der

er, 1991,gio di R.

el, inürzburg,uma umade Kant a

uma filosofia da história na qual convergem moral e utlidade (honestum e utile), razão enatureza, segundo um esquema já clássico, revivido pelo iluminismo, sobretudo escocês.

18 Cfr. L. Krasnoff, The Fact of Politics. History and Teleology in Kant, “European Journal ofPhilosophy”, II (1994), pp. 22­40.

19 VII, 86, 9­10. Sobre a relação entre moralidade e entisiasmo cfr. tambémGemeinspruch, VIII, 287, 30­34.

20 Cfr. Kritik der reinen Vernunft, A 144­145 / B 184.21 Cfr. Grundlegung der Metaphysik der Sitten, IV, 456, 3­6.22 Cfr. VII, 87, 11­14 / 88, 1­7.23 Me parece não ser sustentável, à base da evidência textual, a tese de R.Brandt Brandt, (Zum Streit der Fakultäten, in Neue Autographen undDokumente zu Kants Leben, Schriften und Vorlesungen, a cura di R.Brandt e W. Stark, Hamburg, Meiner, 1987, p. 39) segundo a qual nahistória há progresso a partir da Revolução francesa.

24 Cfr. Religion, VI, 170, 30­38.25 Cfr. por exemplo V, 195, 22­24, onde se esclarece que a possibilidade deuma ação do suprasensível sobre o sensível já está presente “no conceitode uma causalidade livre, cujo efeito, segundo leis formais da liberdade,deve realizar­se no mundo”.

26 É uma hipótese proposta por exemplo por P. Kleingeld, Fortschritt undVernunft, cit., p. 80.