Conhecimento Monetário Nuna 3ª Série

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Artigo sobre matemática e sistema monetário

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  • UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

    O conhecimento numrico e o sistema

    monetrio: estudos de casos em uma 3. Srie.

    NANCI LEITE BRANQUINHO

    So Paulo, 2006

  • UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

    O conhecimento numrico e o sistema

    monetrio: estudos de casos em uma 3. Srie.

    NANCI LEITE BRANQUINHO

    Dissertao apresentada como exigncia

    parcial para obteno do Ttulo de

    MESTRE EM ENSINO DE

    MATEMTICA, Comisso Julgadora do

    Programa de PsGraduao em Ensino de

    Cincias e Matemtica da Universidade

    Cruzeiro do Sul, sob a orientao da Profa.

    Dra. Celi Espasandin Lopes.

    SO PAULO

    FEVEREIRO

    2006

  • Comisso Julgadora:

    Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes

    Profa. Dra. Anna Regina Lanner de Moura

    Profa. Dra. Laura Marisa Carnielo Calejn

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho aos meus pais, Jos e Odete, que tanto lutaram para me propiciar uma boa educao. Ao meu marido, Ivo, pela pacincia, fora, companheirismo, cumplicidade e incentivo para tornar-me uma pesquisadora. Aos meus filhos, Victor e Juliana, pela pacincia e compreenso nos momentos em que estive ausente e tambm pelo incentivo para concluir este trabalho. minha irm, Rosely, que, atravs de seus exemplos e de seu profissionalismo , pde contribuir para a minha formao como educadora. Aos meus alunos da 3 srie A do ano de 2004, que foram essenciais para a realizao deste estudo.

  • AGRADECIMENTOS:

    Primeiramente, a Deus pela minha existncia e pela fora que me concedeu nos

    momentos difceis.

    minha orientadora, Prof Dra. Celi Espasandin Lopes, pela dedicao, empenho,

    incentivo, competncia e respeito, motivos pelos quais esse trabalho se concretizou.

    prof Dra. Laura Marisa Carnielo Calejn e a prof Dra. Anna Regina Lanner Moura,

    que me orientaram e auxiliaram na reestruturao e no rumo desta pesquisa, por ocasio

    do exame de qualificao.

    prof Dra. Laura Marisa Carnielo Calejn e ao prof. Dr. Guilhermo Arias Beatn, por

    engrandecerem o referencial terico com suas contribuies relacionadas ao ensino e

    aprendizagem das crianas.

    prof Dra. Marlene Alves Dias, pela ateno.

    A todos os professores, colegas e funcionrios do programa de Mestrado em Ensino de

    Cincias e Matemtica da Unicsul, que contriburam direta ou indiretamente com esta

    pesquisa.

    Ao meu marido, Ivo, que acompanhou cada detalhe dessa pesquisa, contribuindo para

    sua finalizao.

    minha irm Suely, pelo apoio.

    Ana Paula, pelo emprstimo de materiais.

    Aos pais dos alunos da 3 srie A de 2004, pela participao e empenho.

    Ao programa Bolsa Mestrado da Secretaria da Educao do Governo do Estado de So

    Paulo, pela bolsa de estudo que me concedeu.

  • RESUMO Esta pesquisa teve por objetivo diagnosticar, as dificuldades das crianas de uma 3 srie do Ensino Fundamental em lidar com o dinheiro ou entender seu significado numrico nas situaes que envolvam o sistema monetrio. Construiu-se sete estudos de caso analisando-se como as crianas tm necessidade de desenvolver habilidades monetrias, decidir sobre uma determinada compra, comparar valores e, acima de tudo, estar aptas ao exerccio pleno da cidadania. As informaes foram construdas a partir de dois questionrios: um endereado s crianas e outro aos pais; uma entrevista realizada com as crianas; e a aplicao das provas piagetianas, a fim de investigarmos as questes relativas conservao de nmero. Elegemos a teoria vygotskyana como referencial terico deste estudo por acreditarmos que a criana, com a ajuda do outro pessoas portadoras do contedo da cultura e com sua interao com o meio em que vive, influenciada e motivada a pensar, agir e desenvolver-se. O diagnstico evidenciou a necessidade da famlia realizar junto com a criana, atividades significativas envolvendo o sistema monetrio, e tambm ressaltou a importncia do papel da escola em oferecer o nvel de ajuda necessrio para a criana se desenvolver, ser autnoma e independente.

    Palavras-Chave: Matemtica, Ensino Fundamental, Aprendizagem, Numerao e Sistema Monetrio.

  • ABSTRACT This research had as purpose to diagnose the difficulties of 3rd grade children to cope with money or understand its numerical meaning in situations which involve the monetary system. Seven case studies were built, examining how children have a need to develop monetary skills, decide about a particular purchase, compare values, and most of all, be ready to the full exercise of citizenship. The information was taken from two questionnaires: one addressed to the children, another to their parents; an interview with the children; and the application of Piagetian tests, in order to investigate only questions related to the number conservation. We elected the Vygotskyan theory as theoretical reference to this study, because we believe that children with the help of another person people having a cultural content and with their interaction with the environment in which they live, are influenced and motivated to think, act and to develop themselves. The diagnosis showed the need for the family to carry out with their chilcren relevant activities involving the monetary system, and also stressed the importance of the school role in offering the level of help necessary for the child to develop, be autonomous and independent. Key-words: Mathematics, Elementary School, Learning, Numbers and Monetary System.

  • SUMRIO LISTA DE ILUSTRAES .......................................................................................... 10

    LISTA DE TABELAS ................................................................................................... 11

    INTRODUO.............................................................................................................. 12

    Do professor ao investigador.......................................................................................... 12

    O Objeto e sua descrio ............................................................................................ 14

    O objetivo da pesquisa................................................................................................ 17

    CAPTULO 1 ................................................................................................................. 19

    Escola e famlia: interaes sociais ................................................................................ 19

    1.1. A famlia como contexto de aprendizagem e desenvolvimento .......................... 19

    1.2. A escola e seu papel social .................................................................................. 24

    1.3. A aprendizagem................................................................................................... 26

    CAPTULO 2 ................................................................................................................. 31

    Formao dos conceitos pela criana ............................................................................. 31

    2.1. Formao de conceitos: o caminho percorrido pela criana................................ 31

    2.2. Como os conceitos cientficos se formam na mente da criana .......................... 37

    CAPTULO 3 ................................................................................................................. 42

    A criana e os smbolos num processo de contagem...................................................... 42

    3.1. Signos e Smbolos ............................................................................................... 42

    3.2. Smbolos e significados ....................................................................................... 44

    3.3. Notaes: desenhos, leitura e contagem.............................................................. 46

    3.4. O nmero ............................................................................................................. 48

    3.5. Contagem: os primeiros contatos ........................................................................ 50

    3.6. Smbolos: mera reproduo, na Educao Infantil, ou construo de significado?.................................................................................................................................... 52

    3.7.Como o nmero ensinado na escola .................................................................. 54

    CAPTULO 4 ................................................................................................................. 58

    O sistema monetrio e a educao matemtica .............................................................. 58

    4.1. O que o dinheiro: origem.................................................................................. 58

    4.2. A criana e o dinheiro.......................................................................................... 61

    4.2. A educao matemtica e a educao financeira: ensinando a criana a lidar com o dinheiro.................................................................................................................... 68

    CAPTULO 5 ................................................................................................................. 72

    Metodologia: A construo dos dados ........................................................................... 72

    5.1. Os caminhos da pesquisa..................................................................................... 72

    5.2. Entrevistas ........................................................................................................... 76

  • 5.3. Seleo dos sujeitos ............................................................................................. 78

    5.4. Provas Piagetianas ............................................................................................... 80

    CAPTULO 6 ................................................................................................................. 83

    Processo de anlise dos dados construdos..................................................................... 83

    6.1. Estudo de caso: Cas ............................................................................................. 83

    6.1.2. Quadro-sntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 84

    6.2. Estudo de caso: Db ............................................................................................ 88

    6.2.1. Quadro-sntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 88

    6.3. Estudo de caso: Dou ............................................................................................ 91

    6.3.1. Quadro-sntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 91

    6.4. Estudo de caso: Kel ............................................................................................. 94

    6.4.1. Quadro-sntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 94

    6.5. Estudo de caso: Let.............................................................................................. 97

    6.5.1. Quadro-sntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista . 97

    6.6. Estudo de caso: Reb........................................................................................... 100

    6.6.1. Quadro-sntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista 100

    6.7. Estudo de caso: Van .......................................................................................... 102

    6.7.1. Quadro-sntese referente aos aspectos relevantes e emergentes da entrevista 103

    6.8. Conservao de nmero..................................................................................... 106

    6.9. Conservao de Matria .................................................................................... 109

    6.10. Conservao de rea ....................................................................................... 112

    6.11. Conservao de lquidos.................................................................................. 114

    6.12. Seriao de palitos ........................................................................................... 115

    6.13. Incluso de Classe ........................................................................................... 116

    CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 125

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................... 130

    ANEXOS...................................................................................................................... 133

    Anexo 1. Questionrio com os alunos ...................................................................... 133

    Anexo 2. Roteiro da entrevista com os pais ............................................................. 134

    Anexo 3. Encartes utilizados na entrevista com as crianas..................................... 135

    Anexo 4. Entrevista com os alunos .......................................................................... 136

    Anexo 5. Tabulao das Entrevistas com os alunos da 3 srie set/2004................. 137

    Anexo 6. Ficha De Registro: Aplicao Das Provas Piagetianas............................. 138

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Ilustrao 1 Grfico das respostas sobre compra de produtos........................................ 74

    Ilustrao 2 Grfico das respostas sobre troco na compra.............................................. 74

    Ilustrao 3 Encarte utilizado na entrevista.................................................................. 135

    Ilustrao 4 Encarte utilizado na entrevista.................................................................. 135

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Tarefas ou questes e conhecimentos exigidos ............................................... 76

    Tabela 2 Produtos e valores............................................................................................ 77

    Tabela 3 Resumo da entrevista....................................................................................... 78

    Tabela 4 Estudo de caso: Cas ......................................................................................... 85

    Tabela 5 Estudo de caso: Db ........................................................................................ 89

    Tabela 6 Estudo de caso: Dou ........................................................................................ 92

    Tabela 7 Estudo de caso: Kel ......................................................................................... 95

    Tabela 8 Estudo de caso: Let.......................................................................................... 98

    Tabela 9 Estudo de caso: Reb....................................................................................... 101

    Tabela 10 Estudo de caso: Van .................................................................................... 104

    Tabela 11 Diagnstico das caractersticas cognitivas................................................... 123

    Tabela 12 Tabulao das 32 entrevistas com os alunos ............................................... 137

  • 12

    INTRODUO

    Do professor ao investigador

    O professor recebe influncia do meio em que vive em seu modo de pensar,

    sentir, agir; da cultura a que pertence; enfim, ele no se torna professor da noite para o

    dia, h toda uma trajetria de vida que influencia seu lado profissional.

    Desde minha formao no extinto Magistrio, em 1987, envolvi-me com esse

    contagiante ato de ensinar, aprender e trocar experincias. Amo muito o que fao e meu

    maior defeito ou qualidade, depende do ponto de vista de quem observa, mergulhar de

    cabea naquilo que me proponho a fazer.

    A identidade pessoal e profissional, como dimenses constituintes da minha

    personalidade, tinha uma simbiose acentuada: o eu (pessoa) e o outro ser, um

    profissional que deseja fazer o melhor para contribuir com a formao da sua turma; o

    professor, esse profissional, em qualquer lugar em que se encontra, desde a praia a

    grandes congressos, sempre faz ligaes com a aprendizagem de seus alunos. Muitas

    vezes, em passeios de frias, j me vi falando: Vou ensinar isso aos meus alunos, achei

    muito interessante. Nesse elo entre o eu-pessoa e o eu-professor, digo que quase

    impossvel haver separao.

    A maneira como cada professor exerce sua profisso depende daquilo que ele

    como pessoa, do que construiu durante seu processo de formao inicial e das

    influncias e modelos que tomou como exemplos na poca em que era aluno.

    Lembro-me das minhas professoras primrias como se fosse hoje e da influncia

    de seus modelos didticos que segui no incio da minha prtica docente.

    Quando iniciei a profisso docente no Ensino Fundamental, encontrei vrios

    conflitos nos modos de pensar e agir: a escola transmitia-me uma teoria bem distante da

  • 13

    prtica que observava nos estgios, j que cada unidade escolar possui suas

    particularidades.

    Na busca de aprimoramento nas questes pedaggicas, graduei-me em

    Pedagogia em 1994. Preocupada com o aprendizado das crianas e, de uma forma mais

    abrangente, com a escola na qual atuo, candidatei-me funo de coordenador

    pedaggico em 2001, pois, desse modo, poderia trazer aos meus colegas momentos de

    reflexo sobre a nossa prtica e contribuir de alguma forma para sua formao, pois

    havia abertura para a discusso de temas pedaggicos e estudo de casos que deveriam

    ser solucionados em grupo.

    Em meados de 2003, deixei a coordenao da escola com o objetivo de

    capacitar-me, pois iniciava-se na rede estadual de ensino o programa do governo

    intitulado Teia do Saber, oferecido somente a professores.

    Como educadora, sempre procurei criar situaes contextualizadas que fossem

    mais prximas vida cotidiana de meus alunos, reproduzindo em sala de aula situaes

    vivenciadas por eles para, a partir da, introduzir os contedos que deveriam ser

    trabalhados, ampliando seus conhecimentos.

    No momento da escolha de livro didtico de matemtica para o perodo letivo de

    2004, tive a preocupao de selecionar os que apresentavam atividades mais

    diretamente voltadas ao cotidiano de meus alunos. O livro de Bordeaux1 (2001)

    despertou-me interesse e, analisando-o mais criticamente, decidi adot-lo por conter

    atividades voltadas ao uso do dinheiro, compra de produtos, trocas de notas, clculo de

    troco e demais propostas de trabalho que pressupus que estivessem diretamente voltadas

    ao dia-a-dia de meus alunos.

    1 Matemtica na vida e na escola.

  • 14

    Decidi iniciar as aulas de matemtica no ano de 2004 com uma turma de 32

    alunos de uma terceira srie, baseando-me nas atividades diretamente relacionadas ao

    uso do dinheiro, criando situaes de trocas de notas, simulao de venda de materiais

    escolares e clculo de troco.

    A partir de minhas observaes em sala de aula, constatei que, durante a

    realizao dessas atividades, alguns alunos no entendiam o que estava ocorrendo,

    ficavam bloqueados e no queriam participar das brincadeiras de comprar e vender.

    Senti-me impotente diante dessa situao e reconheci a necessidade de investigar

    o que ocorria com os meus alunos. Esta necessidade foi ao encontro do programa de

    capacitao que o governo do Estado de So Paulo estava lanando a Bolsa Mestrado.

    Candidatei-me ao programa de mestrado da UNICSUL e fui selecionada para

    iniciar o mestrado em Ensino de Cincias e Matemtica; comearia uma nova

    caminhada, dando-me a oportunidade de unir as observaes naturais, corriqueiras de

    uma sala de aula com a pesquisa acadmica. Dessa forma construiria uma alavanca

    capaz de ampliar meu olhar de professora, para tornar-me pesquisadora.

    O Objeto e sua descrio

    Observaes e comentrios em sala de aula levaram-me a considerar a percepo

    que os alunos tm a respeito de si prprios. Quando os ouvimos falar No sou bom

    em matemtica, No entendo nada, eles trazem consigo a idia dominante arraigada

    no senso comum de seus pais e at de alguns professores de que a matemtica

    muito difcil de ser aprendida. Crem que estudar a disciplina apenas realizar uma lista

    de exerccios, fazer contas, decorar tabuadas e no compreendem que precisam exercitar

    o movimento do pensamento lgico e descobrir que a matemtica faz parte de sua vida,

    dentro e fora da escola.

  • 15

    Durante minha trajetria na Educao, pude observar a facilidade de alguns

    alunos em lidar com a matemtica e os impasses de outros, diante de situaes simples

    de somar, subtrair, dividir e multiplicar: muitos no compreendem o que realmente

    esto fazendo, apenas deduzem, copiam de outros colegas a operao matemtica a ser

    executada para atender a situao-problema.

    Acredito que a tarefa da educao ajudar aquele que aprende a desenvolver

    reflexivamente um conjunto de modos de pensamento ou modos de aprendizagem de

    contedos que so cada vez mais exigidos dentro de uma sociedade em evoluo;

    descobrir o que se sabe, quem aprende e como adquiriu tais saberes.

    O ensino no consiste na transmisso de informao, e sim no incentivo

    curiosidade, pois quem aprende necessita explicar, argumentar, perguntar, defender suas

    idias e aprender a avaliar. Nesse sentido, concordo com Freire (1996), quando ressalta

    que saber ensinar no transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua

    prpria produo ou a sua construo (FREIRE, 1996, p. 47).

    Os professores devem enfrentar novos desafios na arte de ensinar, provocando

    um novo modo de aprender que seja significativo para o educando, de modo que o que

    foi aprendido possa ser utilizado em toda a sua vida, dentro e fora da escola.

    Acredito que a educao na infncia deva priorizar o desenvolvimento da

    identidade e da autonomia pessoal; dessa forma, o ensino da

    Matemtica tem-se justificado pela necessidade das prprias crianas de construrem e recriarem conhecimentos, desenvolverem a imaginao e a criatividade, bem como, por uma exigncia social de instrumentaliz-las para a vida no mundo (LOPES, 2003, p.16).

    A matemtica est presente no universo infantil, independentemente da classe

    social da qual a criana faa parte; ela precisa desenvolver habilidades matemticas para

    compreender e posteriormente transformar a realidade na qual vive.

  • 16

    Algumas aes sociais, como ir ao supermercado e efetuar o pagamento de uma

    conta, administrar sua mesada nos gastos com lanches ou doces na cantina da escola,

    calcular o troco na conduo so alguns exemplos de oportunidades de acesso cultura

    necessrias para que as crianas possam conviver e entender o mundo financeiro e,

    assim, construir alicerces para o exerccio de uma cidadania pautada na criticidade.

    A relao comercial na vida infantil tem sido cada vez mais precoce na

    sociedade contempornea e capitalista; dessa forma, julgamos relevante trabalhar com

    atividades de ensino que envolvessem o sistema monetrio brasileiro, a fim de tornar

    mais significativa a aprendizagem e educar as crianas para as atividades que envolvam

    finanas.

    O espao social escolhido para realizao da pesquisa foi uma escola estadual

    que atende somente alunos de 1 a 4 sries na qual leciono desde 1987, inserida em

    um bairro perifrico da zona leste do municpio de So Paulo.

    No ano de 2004, tnhamos 500 alunos na faixa etria entre 6 e 11 anos,

    distribudos em dois perodos, com sete salas por turno. Contvamos com trs turmas de

    1 srie, quatro turmas de 2 srie, quatro turmas de 3 srie e trs turmas de 4 srie.

    O grupo focalizado para o objeto de estudo foi formado por meus prprios

    alunos seis meninas e um menino com idades variando entre 9 e 10 anos,

    selecionados a partir de questionrio, entrevistas e aplicao de provas piagetianas da

    3 srie A do Ensino Fundamental, que apresentaram dificuldades em lidar com o

    sistema monetrio.

    Nossa clientela, em sua maioria, constituda por crianas de famlias de baixa

    renda e pouca instruo escolar: os pais, em sua maioria, provm do processo de

    invases de terra de bairros prximos, so migrantes do nordeste e possuem o Ensino

    Fundamental incompleto.

  • 17

    As famlias dessas crianas no so, na maioria das vezes, nucleares (pai, me e

    filhos); existem diferentes formas de constituies familiares. Os pais trabalham como

    operrios, camels, feirantes, pedreiros, pintores, catadores de material reciclvel e as

    mes, como domsticas e artess; poucas famlias tm um emprego durvel com

    registro em carteira.

    Temos muitos alunos com pais separados; nesse caso, a me assume toda a

    responsabilidade familiar e os irmos mais velhos cuidam dos menores, ou estes so

    criados pelos avs.

    O embasamento argumentativo de nossa pesquisa est norteado pela perspectiva

    histrico-cultural do desenvolvimento humano; portanto, elegemos a teoria vygotskyana

    com referencial terico para respaldar nossa percepo de que a criana, com a ajuda do

    outro (famlia, colegas, professores, funcionrios) e sua interao com o meio em que

    vive, influenciada e motivada a pensar, agir e desenvolver-se.

    O objetivo da pesquisa

    O objetivo de nossa investigao diagnosticar como a criana utiliza seu

    conhecimento numrico para analisar situaes que envolvam o Sistema Monetrio.

    Nosso estudo foi organizado em seis captulos; apresentaremos a sntese de cada

    um, a fim de que o leitor possa acompanhar o desenvolvimento da pesquisa:

    No captulo 1 discutiremos acerca do papel da famlia e da escola como

    contextos em que o desenvolvimento da criana ocorre, baseando-nos na perspectiva

    histrico-cultural do desenvolvimento humano, que traz em seu bojo a idia de que todo

    homem se constitui como ser humano pelas relaes que estabelece com os outros.

    No captulo 2 apresentaremos a trajetria da criana para o desenvolvimento de

    conceitos espontneos e cientficos, baseando-nos na abordagem histrico-cultural, a

    fim de entendermos melhor esse processo.

  • 18

    No captulo 3 discutiremos os primeiros contatos da criana com os nmeros, o

    uso destes no mbito familiar, na Educao infantil e no Ensino Fundamental.

    Abordaremos o nmero mais ligado s relaes cotidianas das crianas, o que deve

    permitir uma aprendizagem significativa, preocupando-nos em compreender como se

    estabelece esse conceito.

    No captulo 4 faremos uma breve apresentao a respeito da origem do dinheiro,

    procuraremos discutir no apenas como a criana lida com o dinheiro, mas tambm a

    importncia da educao matemtica, a fim de educ-la para o mercado financeiro.

    No captulo 5 apresentaremos a metodologia empregada na construo de nossa

    pesquisa.

    No captulo 6 faremos a anlise dos dados construdos atravs de estudo de caso

    dos sete alunos selecionados.

    No captulo 7 apresentaremos as consideraes finais desta pesquisa e sugestes,

    a ttulo de contribuio para trabalhos futuros.

    A organizao do nosso trabalho em seis captulos procurou responder as

    seguintes questes norteadoras desta investigao:

    1. Qual o papel da famlia e da escola como contextos em que o

    desenvolvimento da criana ocorre?

    2. Como a criana utiliza o seu conhecimento numrico para lidar com o

    dinheiro?

  • 19

    CAPTULO 1

    Escola e famlia: interaes sociais

    Nesse captulo discutiremos acerca do papel da famlia e da escola como

    contextos em que o desenvolvimento da criana ocorre, baseando-nos na perspectiva

    histrico-cultural do desenvolvimento humano, que traz em seu bojo a idia de que todo

    homem se constitui como ser humano pelas relaes que estabelece com os outros.

    1.1. A famlia como contexto de aprendizagem e desenvolvimento

    A constituio familiar vem mudando ao longo da histria: tivemos a famlia

    patriarcal, na qual o pai detinha o poder, o controle e a autoridade sobre todos os

    membros da famlia. Depois, na famlia constituda como modelo religioso, pai, me e

    filhos j dialogavam entre si, mas nesse caso o pai era o centralizador. Na sociedade

    contempornea, temos as famlias formadas apenas pela mulher, que se v provocada e

    desafiada pelas exigncias do papel de me e de pai ao mesmo tempo. Alm dessas, h

    tambm as famlias constitudas apenas pelos avs, tias, ou parentes mais prximos, que

    acabam criando as crianas frutos de uma aventura amorosa; as famlias formadas pelas

    madrastas e padrastos; aquelas resultantes da unio de homossexuais. A organizao

    familiar no to uniforme como se poderia pensar, a partir de um modelo de famlia

    nuclear.

    Seja qual for a constituio familiar, porm, sabemos ao certo que, desde o

    momento da concepo at o nascimento do beb, normalmente h um preparo do grupo

    social e cultural no qual este ser inserido de modo mais ou menos favorvel; h

    famlias que esperam o nascimento do beb com grandes preparativos e esse dia torna-

    se uma alegria; no entanto,em outras, a chegada do beb fator de desconforto devido a

    questes financeiras, pessoais e culturais.

  • 20

    A partir do nascimento, o beb passa a ser cercado por um saber cultural que

    ser construdo gradativamente, e no convvio social a partir da necessidade de

    comunicar-se com seus semelhantes que ele aprender os sistemas de linguagem;

    primeiramente ele se manifestar atravs de sons, choro, gestos e expresses;

    posteriormente ter que utilizar signos que tero significados comuns dentro do grupo

    em que vive; e futuramente desenvolver a fala.

    Rego (1995), embasada na teoria histricocultural, afirma que

    o indivduo se constitui enquanto tal no somente pelo processo de maturao orgnica, mas principalmente, atravs de suas interaes sociais, a partir das trocas estabelecidas com seus semelhantes. As funes psquicas humanas esto intimamente vinculadas ao aprendizado, apropriao (por intermdio da linguagem) do legado cultural de seu grupo. (REGO, 1995, p.109).

    O comportamento da criana, assim como outras dimenses do funcionamento

    psquico, constitui-se a partir dos costumes e da cultura de sua famlia. A famlia, por

    ser o primeiro grupo social do qual ela participa, ir proporcionar o aprendizado de

    habilidades necessrias para o seu desenvolvimento como um todo.

    O desenvolvimento psicolgico se produz a partir da experincia individual de

    cada sujeito, pela maneira em que ele vivencia as situaes sociais e culturais e pelas

    influncias que recebe durante sua formao e seu desenvolvimento ao longo de sua

    histria pessoal, incluindo as relaes interpessoais nos primeiros anos de vida, o jogo, a

    construo de significados e a linguagem. Depende, portanto, das condies sociais e

    culturais que o sujeito vivencia. Suas caractersticas individuais, como o modo de agir,

    falar, pensar, sentir, seus valores e conhecimentos so construdos a partir das interaes

    com o meio fsico e social.

    Consideramos importante o estudo realizado por Beatn (2001), afirmando que o

    desenvolvimento, nas crianas, tem um aspecto mais satisfatrio nas famlias que

    compreendem o processo de desenvolvimento infantil, proporcionam um ambiente

  • 21

    emocional e afetivo positivo, que garanta independncia e autonomia e estimula a

    criatividade e o dilogo.

    Na medida em que existem determinadas condies e dinmicas no

    funcionamento do grupo familiar, a capacidade da criana para participar, opinar, criar e

    interagir tende a aumentar consideravelmente, a ponto de identificarmos os resultados

    desse contexto no seu desempenho escolar, pois percebemos que a criana possui um rol

    de conhecimentos que ela construiu nas vivncias e experincias que estabeleceu e

    compartilhou.

    Portanto, papel dos adultos da famlia guiar as crianas, utilizando para isso

    sua cultura acumulada e experincias anteriormente vividas, proporcionando e

    estimulando o seu convvio social em variados grupos. Dessa maneira, o adulto passa a

    ser o fio condutor, o formador, o influenciador das crianas no processo de

    viver/aprender/viver. Sem essas vivncias, as crianas, ao adentrarem o convvio

    escolar, podem ter defasagem de contedos bsicos como, por exemplo, calcular o troco

    de uma compra, escolher entre alguns produtos o mais barato ou mais caro situaes

    que o professor pressupe que faam parte do contexto social das crianas, mas que

    nem sempre so concretizadas.

    Concordamos com as afirmaes de Moura (1995), quando explana que

    Em qualquer organizao humana o caminho de aprender aquele que passa dos indivduos mais velhos para os mais jovens, do adulto para a criana. (MOURA,1995, p.8).

    Dessa forma, para que a criana possa dominar os conhecimentos, os valores

    culturais, as formas de pensar e de se comportar que a humanidade construiu atravs da

    histria, fundamental a mediao de um indivduo experiente e possuidor de cultura

    neste caso, o adulto o portador dos contedos da cultura.

    Assim, uma criana envolvida em atividades significativas realizadas com a

    ajuda das outras pessoas vai internalizando esses conhecimentos, concretizando-os e

  • 22

    apropriando-se deles. Suas caractersticas individuais vo sendo formadas a partir de

    suas inmeras e constantes interaes com o meio (compreendido como contexto fsico

    e social), que inclui as dimenses interpessoal e cultural. Nesse processo dinmico,

    ativo e singular, a criana estabelece, desde o seu nascimento e durante toda a sua vida,

    trocas recprocas com o meio, j que, ao mesmo tempo em que internaliza as formas

    culturais, transforma-as e intervm no universo que a cerca e, assim, gera o seu prprio

    desenvolvimento individual, vindo a ser capaz de realizar sozinha atividades que outrora

    exigiam a ajuda dos outros.

    A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD) postula a existncia de um

    desenvolvimento real ou atual do sujeito, ou seja, o que a criana capaz de fazer

    sozinha; no entanto, existem situaes em que a criana, num primeiro momento,

    necessita de ajuda e, posteriormente, consegue realizar a atividade sozinha.

    A teoria vygotskiana insiste em que o educador organize sua ao educativa de

    modo que a criana possa realizar sozinha aquilo que antes fazia com ajuda; a ZPD,

    portanto, estabelece a existncia de outros e de nveis de ajuda.

    O que Vygotsky categorizou como os outros num sistema de ajuda inclui: os

    adultos que possuem desenvolvimento mais avanado, os professores, os pais e todas as

    pessoas portadoras do contedo da cultura.

    Para Beatn (2005), os outros, num sistema de ajuda, tambm podem ser os

    grupos potenciadores do desenvolvimento, a TV, o vdeo, o computador e o prprio

    sujeito que, em um momento posterior de sua formao, constitui-se em um promotor

    do seu prprio conhecimento.

    A ZPD um conceito abstrato que pretende explicar um processo ideal,

    subjetivo, cujos nicos indicadores objetivos so os resultados que se obtm daquilo que

    o sujeito no podia fazer anteriormente e que, mais tarde, com a ajuda dos outros,

  • 23

    consegue realizar de forma independente. Esse conceito, segundo Beatn (2005), inclui

    situaes diversas: em algumas delas, o sujeito pode resolver problemas de forma

    independente; em outras, porm, em funo da complexidade do problema, no

    consegue realiz-lo sozinho e, ento, com determinados nveis de ajuda, poder faz-

    lo. Por sua vez, esse no ser um novo aprendizado ou um novo desenvolvimento, a no

    ser que ele passe a realizar o problema independentemente e tenha produzido uma

    interiorizao definitiva que se transforme em apropriao.

    A ZPD acontece num processo dinmico, pois o que hoje a criana sabe fazer

    sozinha, ou seja, o seu desenvolvimento real j foi em uma situao anterior, na qual

    precisou de ajuda dos outros o seu desenvolvimento proximal; aps a apropriao

    do conhecimento, dos instrumentos da cultura, e o desenvolvimento de recursos

    psicolgicos pelo sujeito, todo desenvolvimento proximal se transforma no

    desenvolvimento real ou atual.

    Uma vez compreendido que o conhecimento se processa num contexto de

    interaes que partem dos mais experientes aos mais jovens dentro de um processo

    culturalmente desenvolvido, acreditamos que a famlia desempenha papel fundamental

    na construo de conhecimentos que so constitudos nessas interaes sociais.

    Podemos observar, em alguns alunos da 3 srie A, influncias culturais

    marcantes que esto arraigados em seu modo de falar e vestir, em seus valores...

    Surpreendemo-nos ao saber que, mesmo a criana participando de outro grupo social

    no caso, a escola , influenciada pelo meio e corrigida pelo professor em algumas

    formas de expresso, no h mudana.Observemos algumas falas:

    Professora, para pegar o caiderno? (caderno)

    Hoje na merenda vai dar arroz, feijo e caine. (carne)

    Professora, a minha carteira est toda chuja. (suja)

  • 24

    A maneira como essas crianas falam fator de preocupao para todos que

    esto acostumados aos padres formais de linguagem. parte das atribuies dos

    educadores apontar-lhes a forma culta de comunicao; entretanto, ocorre o conflito

    entre o grupo familiar e esses ensinamentos, pois dessa forma que a criana se

    comunica com seus pares, desse grupo social e cultural que recebe os princpios

    bsicos de educao. Muitas vezes podemos considerar que h uma inverso de papis,

    pois em muitas famlias a criana passa a ser a nica mediadora de um conhecimento

    mais elaborado aos seus pais que no possuem nenhum letramento.

    Como essas famlias podem contribuir para o desenvolvimento das crianas que

    no sabem lidar com dinheiro, se no propiciam situaes de compra e venda, no

    oferecem oportunidades para as crianas experimentarem, refletirem, vivenciarem e

    criarem?

    As relaes ou o dilogo entre famlia e escola podero ser alcanados quando a

    escola puder conhecer de fato a famlia e quando famlia e escola assumirem seus papis

    e atribuies na formao de novas geraes.

    1.2. A escola e seu papel social

    Desde o nascimento, a criana, inserida em seu prprio meio cultural, imita o

    adulto. Orientada por ele, vai tendo contato com a bagagem histrica acumulada e

    comea a construir conhecimentos espontneos adquiridos no convvio social antes do

    seu ingresso na escola.

    Dessa forma, segundo as afirmaes de Oliveira (1997), a criana inserida em

    um grupo cultural constri o seu desenvolvimento de fora para dentro. Isto , ela

    realiza aes externas que sero interpretadas pelas pessoas que constituem seu grupo

    social de acordo com os significados construdos culturalmente por esse grupo. A partir

    da interpretao desses significados, a criana internaliza a sua ao e interpreta-a a

  • 25

    partir dos mecanismos estabelecidos pelos cdigos compartilhados pelos membros

    desse grupo.

    atravs das interaes com o meio em que vive que a criana amplia sua

    capacidade para lidar com o mundo e se apropria de significados construdos num

    processo de convivncia social.

    Partindo da premissa de que as crianas em estudo no compartilham no

    ambiente familiar situaes necessrias para o seu desenvolvimento, indispensvel

    entendermos como o cotidiano desse aluno. Que atividades so realizadas

    conjuntamente com seus familiares? Como a criana participa da casa? Os pais

    promovem atividades para que a criana vivencie situaes de compra e venda de

    mercadorias?

    Nesse sentido, o papel da escola propiciar atividades em que a criana possa, a

    partir de seus conhecimentos espontneos, ter contato com conhecimentos mais

    elaborados e assim, com o auxlio do professor, absorv-los e utiliz-los.

    Para Vygotsky, medida que a criana se apropria da cultura elaborada pela

    humanidade, orientada e guiada por um adulto, ela vai aprendendo e se desenvolvendo;

    dessa forma, a aprendizagem precede o desenvolvimento, pois a aprendizagem s

    possvel atravs das interaes mediadas com os outros. Portanto, a criana demonstra

    que est num processo de desenvolvimento quando consegue, atravs das atividades

    colaborativas e significantes que realiza juntamente com seus pares, interagir com o seu

    meio cultural.

    Dentro desse quadro, a escola o espao social que d acesso criana no

    apenas ampliao e ao enriquecimento dos seus conhecimentos cotidianos, mas

    tambm proximidade com os conhecimentos cientficos mais detalhados e elaborados

    pelo professor. Nesse espao socialmente constitudo, ela interage com seus pares:

  • 26

    colegas, professores e funcionrios e com livros, brinquedos, jogos, computadores, TV

    e, a partir desse contato, instigada a desenvolver-se.

    Quando nos reportamos escola como um ambiente interativo, identificamo-nos

    com Martins (1997), que a destaca como um espao que d oportunidade e

    possibilidade a todos de falar, levantar suas hipteses, negociar, chegar a concluses

    que ajudem o aluno a perceber-se parte de um processo dinmico de construo, tendo o

    professor que mobiliza os alunos para pensar e apresentar sadas e estratgias

    conjuntas como um grande articulador dos conhecimentos da classe.

    1.3. A aprendizagem

    As teorias referentes relao entre desenvolvimento e aprendizagem na criana

    agrupam-se em trs categorias fundamentais:

    1. Parte da independncia entre o processo de desenvolvimento e o

    processo de aprendizagem.

    2. Afirma que a aprendizagem desenvolvimento.

    3. Concilia os extremos dos dois primeiros pontos de vista.

    A primeira categoria de teorias considera a independncia entre o processo de

    desenvolvimento e o de aprendizagem, sendo o ltimo um processo exterior e paralelo

    ao desenvolvimento da criana. O desenvolvimento deve atingir etapas de maturao de

    determinadas funes antes de a escola fazer a criana adquirir determinados

    conhecimentos; ele independente do desenvolvimento do pensamento escolar: a

    criana possui suas idias sobre o que a rodeia, faz suas interpretaes das causas

    fsicas, tem sua capacidade de raciocnio e inteligncia independentemente da

    aprendizagem escolar. Segundo essa teoria, o curso do desenvolvimento precede a

    aprendizagem. Um tpico exemplo a concepo de Piaget, que estuda o

  • 27

    desenvolvimento do pensamento da criana de forma completamente independente do

    processo de aprendizagem. (VIGOTSKY, 2003, p.1).

    O segundo ponto de vista afirma que a aprendizagem desenvolvimento, que

    existe um movimento paralelo entre os dois processos, uma simultaneidade, uma

    sincronizao e no possvel distinguir qual o processo que precede e qual o segue.

    Aprendizagem e desenvolvimento se misturam. Para entender essa teoria, preciso

    levar em conta que ela considera as leis do desenvolvimento como leis naturais.

    A terceira categoria tenta conciliar os extremos das duas teorias anteriormente

    citadas: por um lado, temos o processo de desenvolvimento concebido

    independentemente da aprendizagem; por outro lado, a aprendizagem considera-se

    coincidente com o desenvolvimento, implicando uma teoria dualista do

    desenvolvimento.Um claro exemplo, segundo Vygotsky (2003), a teoria de Koffka,

    segundo a qual

    O desenvolvimento mental da criana se caracteriza por dois processos que, ainda que conexos, so de natureza diferente e condicionam-se reciprocamente. Por um lado est a maturao, que depende diretamente do desenvolvimento do sistema nervoso, e por outro a aprendizagem que, segundo Koffka, em si mesma o processo de desenvolvimento. (VYGOTSKY, 2003, p.4).

    As trs teorias que discutimos interpretam de maneiras diferentes as relaes

    entre aprendizagem e desenvolvimento: tomemos como ponto de partida o fato de que

    a aprendizagem da criana comea muito antes da aprendizagem

    escolar.(VYGOTSKY, 2003, p.8).

    Sabemos que a aprendizagem da criana inicia-se bem antes que esta freqente

    uma instituio escolar; ela tem contato com quantidades muito antes de aprender

    aritmtica na escola; a aprendizagem escolar nunca parte do zero sempre h uma pr-

    histria, uma etapa de desenvolvimento alcanado pela criana antes de entrar na escola,

    construda a partir das interaes com seu grupo familiar, o que demonstra que a criana

  • 28

    fez uma pr-escola aritmtica antes de aprender os conceitos sistemticos na escola. De

    acordo com Vygotsky (2003), a aprendizagem e o desenvolvimento no entram em

    contato somente na idade escolar, mas esto interligados desde os primeiros dias da vida

    da criana, que imita um grande nmero de aes do adulto e, guiada por ele, pode fazer

    muito mais que sua capacidade de compreenso permitiria, se estivesse realizando as

    tarefas sozinha.

    A diferena entre o nvel de atividades que a criana consegue realizar com o

    auxlio do adulto e o nvel de tarefas que pode desenvolver sozinha define a rea de

    desenvolvimento potencial da criana.

    A rea de desenvolvimento potencial permite-nos determinar os futuros passos

    da criana, o processo de desenvolvimento adquirido at o momento e os processos de

    maturao que j ocorreram e que esto amadurecendo e se desenvolvendo. Assim, o

    que a criana consegue realizar hoje com a ajuda de um adulto, futuramente poder

    realizar sozinha; portanto, de acordo com Vygotsky,

    o estado do desenvolvimento mental da criana s pode ser determinado referindo-se pelo menos a dois nveis: o nvel de desenvolvimento efetivo e a rea de desenvolvimento potencial. (VYGOTSKY, 2003, p.12).

    O nvel de desenvolvimento efetivo consiste nas tarefas que a criana consegue

    realizar sozinha e o nvel de desenvolvimento potencial revelado pelas tarefas que

    realiza com a ajuda de outras pessoas.

    Em uma sala de aula temos alunos em diferentes nveis de desenvolvimento

    proximal; essas diferenas podem ser explicadas porque h diferentes nveis de

    desenvolvimento real ou atual influenciados pela ajuda que receberam, pela cultura,

    pela intensidade das relaes sociais. Portanto, o professor deve trabalhar de forma

    diversificada com grupos de alunos, de modo a propiciar o nvel de ajuda necessrio

    para o seu desenvolvimento, independncia e autonomia.

  • 29

    Vygotsky define quatro nveis de ajuda para promover o processo de

    desenvolvimento da ZPD.

    O primeiro deles quando o professor faz a leitura da tarefa que o aluno tem que

    executar, explica o seu objetivo, elabora um problema, buscando fazer com que a

    criana apresente a soluo da tarefa de maneira mais independente possvel.

    O segundo nvel de ajuda se d quando a criana, perante a tarefa que lhe foi

    proposta, no consegue chegar soluo de forma independente e pede ajuda aos

    outros, que fazem recordaes e referncias a tarefas semelhantes, anteriormente

    realizadas, para que a criana possa estabelecer comparaes e tentar resolver a

    proposta mais complicada.

    O terceiro nvel de ajuda chamado de elaborao conjunta, em que o professor

    inicia a tarefa com o aluno e, durante o desenvolvimento da mesma, incentiva-o para

    termin-la.

    O quarto nvel de ajuda a ltima alternativa para a abordagem histrico-

    cultural que se apresenta criana. Inicialmente, o professor solicita-lhe faz-la

    independentemente; depois, com a ajuda dos outros; posteriormente, o professor

    inicia a tarefa e pede ao aluno que a termine; e, se nem assim o aluno conseguir, ento

    se demonstram e explicam criana os procedimentos para realiz-la.

    Nesse processo, o papel do professor fundamental para elaborar os nveis de

    ajuda e dirigir o processo com intencionalidade capaz de propiciar a participao ativa

    da criana, sua autonomia na construo do prprio conhecimento. Dessa maneira, de

    acordo com Beatn (2005), os pais, os educadores e a escola, que tm conhecimento

    desse processo, devem instigar as crianas desde a mais tenra idade a alcanar melhores

    nveis de desenvolvimento. No entanto, muitos pais, por no terem conhecimento do

  • 30

    processo de desenvolvimento, crem que o desenvolvimento da criana se d de forma

    natural e espontnea.

    Vygotsky (2003) afirma que a caracterstica essencial da aprendizagem que ela

    ativa na criana um grupo de processos internos de desenvolvimento, adquiridos nas

    inter-relaes com os outros, depois absorvidos e convertidos em aquisies internas

    das crianas.

    Uma correta organizao da aprendizagem da criana conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um processo de desenvolvimento, e esta ativao no poderia produzir-se sem a aprendizagem.(VYGOTSKY, 2003, p.15).

    Segundo o mesmo autor, toda ao educacional se d em trs vertentes: na

    famlia, na escola e na sociedade. Em todos eles a criana sempre est num processo de

    aprendizagem; a nica diferena que a escola a instituio social oficial para

    sistematizar o conhecimento.

    No prximo captulo, discutiremos sobre o caminho que a criana percorre na

    construo de seus conhecimentos. Baseando-nos na teoria histrico-cultural,

    procuraremos entender como realizada a elaborao de conceitos.

  • 31

    CAPTULO 2

    Formao dos conceitos pela criana

    Apresentamos neste captulo a trajetria da criana no desenvolvimento de

    conceitos espontneos e cientficos, baseando-nos na abordagem histrico-cultural, a

    fim de entendermos melhor esse processo.

    2.1. Formao de conceitos: o caminho percorrido pela criana

    A criana que chega escola um ser que possui saberes e curiosidades, opera

    intelectualmente, faz parte de um grupo sociocultural que lhe fornece o material cultural

    construdo historicamente para utiliz-lo em sua vida cotidiana, um indivduo nico

    que vive uma histria pessoal cheia de experincias particulares.

    A escola qual essa criana chega elemento de fundamental importncia no

    seu ambiente sociocultural, pois tem o objetivo de ensinar um corpo de conhecimentos

    considerados importantes, dentro do contexto social, que sero sistematizados em

    conhecimentos cientficos.

    O que devemos fazer para trazer cada indivduo, do ponto de partida em que se

    encontra ao entrar na escola, para o ponto de chegada estabelecido pelos objetivos dessa

    escola?

    Para responder a essa pergunta, recorremos elaborao conceitual baseada na

    perspectiva histrico-cultural do desenvolvimento humano, a fim de compreendermos

    como se d o desenvolvimento dos conceitos cientficos na mente da criana.

    A elaborao conceitual, de acordo com a perspectiva histrico-cultural, ocorre

    em um movimento constante de interaes entre os sujeitos e os objetos do

    conhecimento, pela mediao da palavra.

  • 32

    A utilizao da palavra como meio de direcionamento e organizao dos

    processos mentais parte integrante da formao de conceitos que plenamente

    desenvolvida na adolescncia, mas tem seu incio na infncia.

    A criana, quando beb, utiliza o choro como forma de expresso; em outra

    fase, aponta os objetos de que necessita e, posteriormente, inicia o uso da palavra como

    forma de comunicao. Procuraremos exemplificar o processo de elaborao conceitual

    atravs do exemplo a seguir:

    Juliana, com 1 ano de vida, quando estava com sede, apontava para o filtro de

    gua e prontamente um adulto que entendia a sua mensagem se encaminhava at o filtro

    dizendo: Voc quer gua?

    Juliana, por volta dos 18 meses comeou a utilizar as palavras como forma de

    comunicao, pronunciava a palavra gua como aga, aua, de modo que seus

    familiares conseguissem identificar a sua necessidade.

    Com o passar do tempo, ela comeou a expressar sua necessidade de saciar sua

    sede atravs da fala: Eu quero gua, mas a palavra gua s era utilizada como forma

    de matar a sua sede. Outros lquidos com que ela tinha contato: leite, suco e refrigerante

    tambm eram classificados como gua, porm, para os adultos de sua famlia, a palavra

    gua j possua outros significados desconhecidos por ela at aquele momento.

    Quando Juliana foi praia pela primeira vez, seus pais levaram-na at o mar e

    ela ficou encantada com a enorme quantidade de gua que estava observando, percebeu

    o seu sabor e diferenciou-a do sabor da gua que matava sua sede. Seus pais explicaram

    o perigo que a gua do mar poderia lhe representar.

    Retornando da praia, sua me, durante o banho de Juliana, explicava a

    necessidade de economizar gua, que os banhos deveriam ser rpidos e sem

  • 33

    brincadeiras, pois seno a gua doce utilizada para beber, fazer comida, lavar roupa e

    tomar banho... poderia faltar.

    Quando Juliana iniciou sua trajetria escolar, nas sries iniciais, a escola em que

    estudava estava desenvolvendo um projeto sobre a gua: os alunos pesquisaram e

    discutiram com os colegas da turma e com a professora sobre as utilidades da gua, as

    formas corretas de economizar, a poluio, os locais em que se encontra gua doce, a

    quantidade de gua doce e salgada existente em nosso planeta.

    J mais tarde, Juliana ampliava o seu conceito de gua, atravs de livros,

    revistas, professores, recursos audiovisuais; estudava os estados (slido, lquido e

    gasoso) em que a gua se apresentava, as transformaes desses estados e at a sua

    composio expressa pela frmula H2O. Podemos convir que houve um avano

    significativo sobre o tema abordado.

    Segundo Padilha (2003), o conceito de gua foi sendo construdo, ampliado,

    transformado.Mas os conceitos de gua anteriormente estabelecidos por Juliana no

    desapareceram. Hoje Juliana j adulta, pesquisadora ambientalista, e investiga as

    causas que esto provocando a escassez da gua em nosso planeta. Os conceitos de gua

    que hoje ela possui esto muito bem definidos, mas, segundo Padilha (2003) para que

    ela chegasse ao processo de conceitualizao a que chegou, foi necessrio que todos os

    outros conceitos de gua fossem bem elaborados.

    Com certeza Juliana ainda no conhece todos os conceitos de gua, outros

    estudos ainda viro e outras pessoas, filhos, netos e bisnetos podero obter novos

    conhecimentos que ela no pde adquirir.

    Tentamos exemplificar, atravs da histria de Juliana, como se forma a

    elaborao conceitual, o que passaremos a discutir a seguir.

  • 34

    Padilha (2003) apresenta alguns fundamentos sobre a elaborao conceitual,

    num esforo de compreend-la como processo:

    O primeiro fundamento ressalta que A elaborao conceitual no um processo

    natural, nem fruto da memorizao de definies. Se o ensino fosse baseado neste

    ltimo processo, tudo aquilo que fosse ensinado seria imediatamente aprendido. A

    elaborao conceitual um processo cultural relativo histria da humanidade e

    histria pessoal, produzido nas relaes concretas de vida social.

    O segundo fundamento afirma que A elaborao conceitual no se refere s

    coincidncias entre as falas dos adultos e das crianas, mas deve referir-se elaborao

    dos significados mais estveis no grupo social em que a palavra do outro ajude na

    formao de novos conceitos.

    O terceiro fundamento destaca que A elaborao conceitual no um processo

    individual, mas acontece nas interaes das pessoas mais experientes que elaboram

    ou esto em processo de elaborao de conceitos com as crianas, jovens e adultos

    aprendizes.

    Vygotsky (1998) apresenta trs fases bsicas, divididas em vrios estgios, que

    demonstram a trajetria da formao de conceitos estudada pelo mtodo da dupla

    estimulao: a primeira fase o sincretismo, a segunda, a do pensamento por

    complexos e a terceira a da formao de conceitos.

    Na fase do sincretismo, a criana agrupa objetos de forma desorganizada,

    amontoando-os sem qualquer fundamento; no h uma relao dos objetos entre si nem

    entre eles e seu signo (palavra), mas na percepo da criana existe uma relao. Esta

    fase se subdivide em trs estgios:

    O primeiro estgio na formao de amontoados sincrticos representa os

    significados de palavras artificiais; nesse estgio de tentativa e erro do desenvolvimento

  • 35

    do pensamento, a criana cria grupos de objetos ao acaso e, quando percebe que sua

    suposio estava errada, ela a substitui por outra.

    No segundo estgio, a formao do grupo baseada na posio espacial dos

    objetos e realizada pela organizao visual sincrtica da criana.

    Durante o terceiro estgio, a criana compe seu grupo de elementos retirando

    os objetos de outros grupos que ela j havia formado. Esses objetos, porm, ainda no

    apresentam relaes entre si, continuam sem significado; apesar de ter havido maior

    elaborao, continua um amontoado de objetos.

    A segunda fase de formao de conceitos a do pensamento por complexos: os

    objetos associam-se na mente da criana de acordo com as relaes que existem entre

    eles. As ligaes entre os componentes dos grupos so concretas e factuais e carecem do

    pensamento lgico abstrato; a generalizao de qualquer fato presente, na composio

    dos grupos por complexo, pode levar incluso de um objeto, sendo que, na formao

    do conceito, os elementos so agrupados seguindo um atributo essa a principal

    diferena entre um complexo e um conceito.

    Vygotsky (1998) elencou cinco tipos bsicos de complexos:

    O primeiro complexo o de tipo associativo; nesse estgio a criana agrupa os

    objetos em famlias: de acordo com sua percepo, estabelece um ncleo que pode ser

    apoiado em semelhanas de cor, forma, tamanho, contraste ou organizao da

    proximidade espacial.

    O segundo complexo consiste na organizao dos grupos por colees: a criana

    estabelece um atributo, como cor, forma, tamanho...; durante o processo passa a

    desconsiderar o primeiro atributo escolhido e estabelece uma nova caracterstica que

    torne os grupos mistos.

  • 36

    O terceiro o complexo em cadeia, em que h uma juno de elos isolados

    formando uma corrente, com transmisso de significado de um elo para o outro; mas,

    uma vez includo na cadeia, cada elo tem sua importncia, no h hierarquia, os

    atributos podem variar de elo para elo.

    O quarto complexo chamado de complexo difuso; nele, os grupos de objetos

    so formados em conexes indeterminadas, vagas, irreais, instveis e sem limites so

    generalizaes realizadas pelas crianas.

    O quinto e ltimo complexo o chamado de pseudoconceito. A criana produz

    pseudoconceitos todas as vezes que precisa agrupar elementos com base em um

    conceito abstrato; ela se orienta pela semelhana concreta e perceptvel.

    O pseudoconceito predomina sobre todos os outros complexos no pensamento:

    ele o elo entre o pensamento por complexos e o pensamento por conceitos. A criana

    aprende muitas palavras com os adultos, o significado que ela atribui aos objetos o

    mesmo que o adulto tem em mente, mas a forma de compreenso diferente entre as

    crianas e os adultos, devido s operaes mentais que realizam.

    A criana inclui objetos, por fora de seus atributos concretos, em dois ou mais

    complexos; para ela uma determinada coisa pode ter vrios nomes e ela definir qual

    atributo ou nome ser utilizado, dependendo do complexo que ela ativar. De acordo

    com Vygostky (1998), as crianas pensam por pseudoconceitos e para elas

    as palavras designam complexos de objetos concretos, seu pensamento ter como resultado a participao, isto , conexes que so inaceitveis pela lgica dos adultos.(VYGOTSKY, 1998, p.89).

    O pensamento por complexos d incio unificao de objetos desordenados,

    mas, tratando-se de formao de conceitos, preciso ir alm da unificao: preciso

    abstrair, isolar os elementos e analis-los; na verdade, preciso uni-los e separ-los.

    Na terceira fase de formao de conceito, o primeiro passo em busca da

    abstrao d-se quando a criana agrupa elementos com base na mxima semelhana

  • 37

    possvel. Essa primeira tentativa de abstrao no bvia, pois a criana abstrai todo o

    conjunto de caractersticas dos elementos que compem o grupo sem distingui-las

    claramente; baseia-se apenas numa impresso vaga e geral da semelhana.

    O segundo passo em busca da abstrao d-se com base num nico atributo, a

    criana agrupa os elementos de um grupo escolhendo, por exemplo, uma forma, ou uma

    cor... Essas formaes so chamadas de conceitos potenciais.

    As crianas muito novas esperam que situaes semelhantes levem a resultados

    idnticos; por exemplo: a criana associa uma palavra para classificar um objeto; em

    uma nova situao, ela utilizar a mesma palavra para indicar o novo objeto que a

    impressionou. Assim,

    um conceito se forma no pela interao das associaes, mas mediante uma operao intelectual em que todas as funes mentais elementares participam de uma combinao especfica. Essa operao dirigida pelo uso das palavras como o meio para centrar ativamente a ateno, abstrair determinados traos, sintetiz-los e simboliz-los por meio de um signo.(VYGOTSKY, 1998, p.101).

    Na elaborao conceitual as crianas necessitam relacionar-se com os adultos e

    pessoas mais experientes, ter acesso a livros, revistas, TV, recursos multimdia, etc.

    Nessas interaes, a criana deve integrar-se comunicao verbal do adulto e dos

    meios com que se relaciona, adquirindo novas palavras e ampliando suas possibilidades

    de significao daquelas que j conhece, sedimentando seu significado de acordo com

    os conceitos predominantes no grupo cultural e lingstico de que faz parte.

    2.2. Como os conceitos cientficos se formam na mente da criana

    A psicologia infantil contempornea apresenta duas concepes da evoluo dos

    conceitos cientficos. A primeira defende que os conhecimentos cientficos no passam

    por um processo de desenvolvimento, pois so absorvidos prontos, mediante um

    processo de compreenso e assimilao.

  • 38

    Um conceito um ato real e complexo do pensamento, no pode ser ensinado

    atravs do treinamento; a criana s poder formar conceitos quando o seu

    desenvolvimento mental tiver atingido o nvel necessrio. Segundo Vygotsky (1998),

    o desenvolvimento dos conceitos ou dos significados das palavras, pressupe o desenvolvimento de muitas funes intelectuais: ateno deliberada, memria lgica, abstrao, capacidade para comparar e diferenciar. Esses processos psicolgicos complexos no podem ser dominados apenas atravs da aprendizagem inicial. (VYGOTSKY, 1998, p. 104).

    O professor deve atentar ao desenvolvimento das funes intelectuais: ateno,

    memria lgica, abstrao, comparao e diferenciao, para que os conceitos

    cientficos possam ser elaborados; caso contrrio, o ensino direto de conceitos ser mera

    reproduo de palavras sem significado, que apenas simulam um conhecimento de

    conceitos, de forma oculta e vazia.

    A segunda concepo da evoluo dos conceitos cientficos admite a existncia

    de um processo de desenvolvimento, na mente da criana, que no difere dos conceitos

    cotidianos por ela formados. Os conceitos cientficos que se originam do aprendizado

    sistematizado em sala de aula formam-se e desenvolvem-se sob condies internas e

    externas totalmente diferentes dos conceitos espontneos que se desenvolvem nas

    experincias pessoais das crianas. A mente se defronta com problemas diferentes

    quando assimila os conceitos na escola e quando entregue aos seus prprios recursos.

    (Vygotsky, 1998, p.108).

    Quando sistematizamos o conhecimento na escola, ensinamos s crianas muitas

    coisas que no podem ser vivenciadas diretamente diferentemente do que ocorre com

    os conceitos espontneos que dependem da vivncia da criana.

    Ao lidar com conceitos espontneos, a criana no est consciente deles e a

    capacidade de defini-los por meio de palavras e oper-los ocorre tardiamente, pois sua

    mente est sempre focada no objeto que ele representa e no no ato do pensamento; por

  • 39

    outro lado, o desenvolvimento dos conceitos cientficos comea pela sua definio

    verbal e com sua aplicao em operaes no-espontneas. Dessa forma,

    os conceitos cientficos desenvolvem-se para baixo por meio dos conceitos espontneos; os conceitos espontneos desenvolvem-se para cima por meio dos conceitos cientficos.(VYGOTSKY, 1998, p. 136.).

    Os conceitos espontneos e os conceitos cientficos desenvolvem-se na criana

    de maneiras diversas. Os conceitos espontneos desenvolvem-se de acordo com a ajuda

    que as crianas recebem do adulto, pois, antes de entrar na escola, ela questiona, ouve

    histrias, constri conceitos; no entanto, os conceitos cientficos no surgem de campos

    completamente desconhecidos, ou seja, quando a criana ouve falar sobre a gua na

    escola, j havia aprendido, em casa, algo sobre esse lquido.

    A diferena entre os conceitos espontneos e os conceitos cientficos, segundo

    Vygostky (2001), est na abstrao, na verbalizao, pois, quando a criana j conhece

    determinada coisa, j possui um conceito e consegue formular sua verbalizao,

    estabelecer operaes vinculadas a essa definio, surge o conhecimento cientfico.

    Os conceitos cientfico e espontneo parecem encontrar-se em um nvel no sentido de que no se pode separar nos pensamentos da criana os conceitos adquiridos na escola dos conceitos adquiridos em casa. (VYGOTSKY, 2001, p. 528).

    O desenvolvimento dos conceitos espontneos deve atingir um certo nvel, para

    que as crianas possam entender os conceitos cientficos, que devem estar estreitamente

    ligados aos seus conhecimentos espontneos.

    Vygotsky cita a obra de J.L. Chif, Estudo dos conceitos cientficos das crianas

    em face da investigao dos conceitos espontneos, a fim de analisar trabalhos

    concretos sobre o desenvolvimento de conceitos. Pediu-se s crianas que

    completassem frases interrompidas na palavra porque. O navio afundou porque...

    As crianas tinham a sua disposio o material sociolgico trabalhado na escola e o

    material do dia-a-dia. Tiveram mais facilidade de achar a soluo com os materiais

    utilizados na escola do que com os materiais utilizados no dia-a-dia. Isso demonstra a

  • 40

    divergncia entre os testes com conceitos cientficos e os testes com conceitos

    espontneos. O que distingue uma tarefa de completar uma frase a partir da palavra

    porque de outra, em que ela deve informar algum fato da vida social, como uma

    revoluo? Pode-se dizer que a diferena est nos conhecimentos: na escola ela estudou

    o porqu da revoluo, mas no estudou o motivo de os navios naufragarem. A criana

    desconhece as relaes casuais entre os conceitos, ainda no tem conscincia da relao

    entre os porqus. O fato que a criana no sabe fazer voluntariamente o que em

    situao anloga faz uma infinidade de vezes (VYGOTSKY, 2001, p. 531).

    As crianas tiveram dificuldades em terminar os testes com o uso dos materiais

    do dia-a-dia, porque

    tanto em relao ao aluno quanto ao material tomado do campo dos conceitos espontneos exigem da criana um uso voluntrio das estruturas que ela domina involuntariamente, automaticamente. (VYGOTSKY, 2001, p. 534).

    Os testes realizados com o uso do material sociolgico, cujo objetivo o

    desenvolvimento dos conceitos cientficos, tiveram mais sucesso devido ao fato de a

    criana estud-lo na escola, de o professor ter trabalhado o tema, verificado

    dificuldades, corrigido todo o trabalho do aluno foi realizado com o auxlio do

    professor e posteriormente poder ser realizado de forma independente.

    Para Vygotsky (2001), os testes com conceitos espontneos e os testes com

    conceitos cientficos exigem da criana diferentes operaes, pois, nos primeiros, a

    criana deve fazer voluntariamente alguma coisa que faz automaticamente e, nos testes

    dos conceitos cientficos, sob orientao do professor, ela deve saber fazer algo que

    ainda no fez espontaneamente. O desenvolvimento mental da criana no se

    caracteriza s por aquilo que ela conhece, mas tambm pelo que ela pode

    aprender.(VIGOTSKY, 2001, p. 537).

  • 41

    Toda criana tem seu potencial e este deve ser incitado pelos contatos sociais

    que estabelece com os professores, familiares, colegas..., no sentido de promover seu

    desenvolvimento.

    No prximo captulo procuraremos esboar como a criana estabelece relaes

    com os nmeros no contexto familiar e escolar sua representao simblica e

    significado.

  • 42

    CAPTULO 3

    A criana e os smbolos num processo de contagem

    O que vamos discutir nesse captulo so os primeiros contatos da criana com os

    nmeros, o uso destes no mbito familiar, na Educao Infantil e no Ensino

    Fundamental. Abordaremos o nmero mais ligado s relaes cotidianas das crianas, o

    que deve permitir uma aprendizagem mais significativa, preocupando-nos em

    compreender como se estabelece esse conceito.

    3.1. Signos e Smbolos

    Um signo ou representamen, para Peirce, aquilo que representa alguma coisa

    para algum,

    Signo uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele s pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. (SANTAELLA, 1983, p.58).

    Peirce citado por Netto (1996) prope uma diviso dos signos em cone, ndice e

    smbolo, referente s relaes semnticas entre signo e objeto.

    "cone um signo que tem alguma semelhana com o objeto representado.

    (NETTO, 1996, p.58). Um bom exemplo de signo icnico uma fotografia de um carro,

    que no o representa materialmente, mas o representa de forma semelhante ao objeto;

    assim, podemos fazer idia do carro sem v-lo materialmente.

    ndice um signo que se refere ao objeto denotado em virtude de ser

    diretamente afetado por esse objeto. (NETTO, 1996, p.58). O signo inicial tem alguma

    qualidade em comum com o objeto e pode ser modificado por ele. Exemplo: fumaa

    signo indicial de fogo, uma rua molhada signo indicial que choveu.... (NETTO, 1996,

    p.58).

  • 43

    Smbolo um signo que se refere ao objeto denotado em virtude de uma

    associao de idias produzidas por uma conveno [...] Exemplo qualquer das palavras

    da lngua portuguesa, a cor verde como smbolo de esperana. (NETTO, 1996, p.58).

    Um signo pode exercer simultaneamente as trs funes semiticas: a icnica, a

    indicial e a simblica, no sendo possvel, muitas vezes, determinar qual das funes

    predomina.

    necessrio destacar que na tica de Pierce a noo de smbolo sob formas

    mutveis, primeiramente o smbolo constitua um signo por conveno; nos textos

    atuais deste autor o smbolo considerado como um representamen cujo significado

    reside no fato de existir um hbito, disposio ou qualquer outra norma a fazer com que esse signo seja sempre interpretado como smbolo.(NETTO, 1996, p.60).

    O homem, desde os tempos mais remotos, vem utilizando signos para tentar

    expressar suas idias, armazenar informaes que no tem condies de guardar na

    memria; desenhos, varetas ou pedras para registrar e controlar a quantidade de seu

    gado. Dessa forma o signo utilizado por ele passou a ser uma representao da realidade

    atravs de elementos ausentes no espao e tempo.

    Oliveira (1997) relata que, a partir da evoluo da humanidade e do

    desenvolvimento de atividades coletivas, do trabalho e das relaes sociais, as

    representaes da realidade passaram a ser articuladas por meio de sistemas simblicos.

    Isso significa que os indivduos j no utilizavam mais signos isolados ou particulares

    referentes a objetos avulsos, mas signos compartilhados pelo conjunto dos membros do

    seu grupo social.

    De acordo com Oliveira (1998), a humanidade criou ao longo da histria os

    cdigos culturais

    como sistemas semiticos, pois so estruturas de grande complexidade que reconhecem, armazenam e processam informaes com um duplo objetivo: regular e controlar as manifestaes da vida social, do comportamento individual ou coletivo. Segundo tal concepo os seres humanos no somente

  • 44

    se comunicam com signos como so em larga medida controlados por eles. Desde a mais tenra idade os homens so instrudos segundo cdigos culturais da sociedade. (OLIVEIRA, 1998, p.1)

    Segundo a teoria vygotskyana, as sociedades criaram ao longo da sua histria

    instrumentos e signos que modificaram e influenciaram o seu desenvolvimento social e

    cultural.

    Os instrumentos so objetos socialmente usados como mediadores entre o

    indivduo e o mundo. Algumas invenes, como o microscpio, o computador, a

    calculadora foram criados de modo a facilitar a interao homem-meio.

    De acordo com a teoria sociocultural da inteligncia, atravs da educao que

    aprendemos a utilizar os instrumentos culturalmente desenvolvidos que amplificam as

    nossas capacidades. Neste sentido, esses instrumentos podem ser objetos simblicos,

    um sistema de sinais com significados culturalmente determinados, como a linguagem e

    os sistemas de numerao. (NUNES, 2001, p.16).

    Os sistemas de numerao foram criados nas diferentes civilizaes com a

    finalidade de ampliar as possibilidades de registrar, manipular e lembrar posteriormente

    as quantidades.

    3.2. Smbolos e significados

    Saber matemtica uma exigncia da sociedade contempornea mediante

    avanos tecnolgicos que esto presentes em nossa vida diria, porm o paradoxo

    estabelecido demonstra-nos que a matemtica, um dos conhecimentos mais valorizados

    em nossa sociedade, ao mesmo tempo inacessvel para grande parte da populao que

    no consegue lidar com seus dados, sua linguagem prpria; nesse sentido o domnio

    dela passa a ser um processo seletivo no sistema educacional.

    A criana, quando chega escola, traz os conhecimentos matemticos

    espontneos adquiridos no convvio com seu grupo social, expressa-se atravs de uma

  • 45

    linguagem natural, pouco precisa, como diria Granell (2002), utiliza termos tais, como

    comprido, estreito, largo, pequeno, grande, muito, etc. (GRANELL, 2002, p.260.). A

    linguagem matemtica, porm, abstrata e pouco compreendida, pois utiliza termos

    prprios, formais e universais.

    Os smbolos matemticos possuem dois significados: um formal, que obedece s

    regras do sistema e outro referencial, que permite associar os smbolos s situaes teis

    e reais. O uso formal dos smbolos matemticos baseia-se muito mais na manipulao

    de regras do que na compreenso do seu significado; ainda presenciamos alunos

    executando listas e listas de exerccios sem saber o motivo pelo qual os resolvem... Ser

    que o prprio professor sabe para que deve ensinar determinado contedo?

    O ensino da matemtica deve valorizar os procedimentos e estratgias pessoais

    dos alunos, mesmo que sejam informais, a fim de que as crianas progressivamente

    entendam ou construam o significado dos conceitos matemticos. Muitas vezes, o que

    ocorre na sala de aula o oposto desse procedimento: apresentam-se os contedos e

    pede-se aos alunos que resolvam os exerccios ou os problemas. Se o aluno responde

    corretamente, quer dizer que ele aprendeu; se errar, no entendeu. Na verdade, de

    acordo com Granell (2002), as crianas devem primeiramente construir os significados

    das operaes matemticas atravs da manipulao e da ao e, posteriormente, traduzir

    esse conhecimento em linguagem simblica.

    Devido interao com o meio social e cultural, as crianas mantm contato

    direto com os desenhos, as letras e os algarismos e reconhecem diferenas entre eles,

    mas isso no quer dizer que dominem seu significado ou que tenham um conhecimento

    mais profundo de cada sistema em particular. Granell (2002) afirma que

    Saber matemtica implica dominar os smbolos formais independentemente das situaes especficas e, ao mesmo tempo, poder devolver a tais smbolos o seu significado referencial e ento us-los nas situaes problemas que assim o requeiram... O domnio da linguagem matemtica implica tambm

  • 46

    um conhecimento de aspectos sintticos e semnticos. (GRANELL, 2002, p.274).

    Dessa forma, aprender uma linguagem no apenas aprender uma seqncia de

    regras (aspectos sintticos) que tambm so necessrias , mas tambm adquirir

    certo grau de competncia, de significao (aspectos semnticos) que permita o uso

    dessa linguagem adequadamente.

    Os trabalhos de Carraher e Schielman (1982) propagam a idia de que os

    conhecimentos se constroem a partir da sua utilizao nos contextos sociais e culturais

    de forma contextualizada; no entanto, percebemos, atravs dos estudos realizados por

    Branquinho e Lopes (2005), que crianas na faixa etria entre 8 a 10 anos, provindas da

    periferia de So Paulo,

    tm dificuldade em operar com o sistema monetrio, no adquiriram conhecimentos que lhes permitam entender o seu significado, apresentam dificuldade em relacionar o preo do produto com a quantia em cdulas ou moedas, no fazem a correspondncia da quantia em dinheiro composta de cdulas e moedas com a quantidade de produtos que podem ser comprados e no calculam o troco de uma compra. (BRANQUINHO e LOPES, 2005).

    Portanto, as afirmaes de Granell (2002) ressaltam que, se queremos ensinar

    matemtica de uma forma significativa, primeiro devemos conhecer

    os usos e as funes que o conhecimento matemtico cumpre em nossa sociedade e situar a aprendizagem dos conceitos e procedimentos matemticos no contexto de tais usos e funes. (GRANELL, 2002, p.275).

    Granell (2002) assinala que as crianas recorrem ao desenho, aos procedimentos

    figurativos, linguagem natural como forma concreta de explicitar a semntica da

    operao do sistema e assim construir uma representao mental interna da mesma.

    3.3. Notaes: desenhos, leitura e contagem

    A idia veiculada na histria da escrita de que o desenho antecede a escrita: as

    crianas expressavam suas idias primeiramente a partir do desenho, depois percebiam a

    necessidade de apropriar-se de notaes que pudessem ser bem compreendidas e no

  • 47

    causar mal-entendidos como os desenhos causavam, por conceber diversas

    interpretaes.

    Em uma comunidade alfabetizada, as crianas esto imersas em uma crescente

    diversificao grfica, as notaes aparecem em objetos, embalagens, jogos, placas,

    outdoors... Nesse sentido, os meios notacionais so instrumentos de comunicao.

    O estudo realizado com crianas com idades entre trs anos e meio e seis anos e

    meio por Tolchinsky (2002) teve como objetivo averiguar se uma notao, para ser

    considerada adequada no universo da escrita, deveria cumprir com as mesmas

    regularidades na notao numrica, ou seja, comparar se a escrita e a notao numrica

    estavam regidas pelas mesmas leis.

    Foram apresentados as crianas vrios cartes que continham, em um grupo,

    combinaes de letras, algumas com significados outras no, pequenos desenhos e

    figuras geomtricas; noutro grupo, combinaes de algarismos, pequenos desenhos e

    figuras geomtricas.

    Ao incio da entrevista, as crianas receberam instrues para dividir os cartes

    em dois grupos: No grupo das letras, os cartes que no servem para escrever e, no dos

    nmeros, os cartes que no servem para contar.

    Os resultados apontaram que todos os cartes que continham desenhos, mistura

    de letras e nmeros e figuras geomtricas, foram rejeitados pelas crianas. Um dado

    interessante foi que os cartes que apresentavam repeties de letras foram rejeitados

    pelas crianas no domnio da escrita, no entanto os que apresentavam repeties

    numricas foram aceitos no domnio dos nmeros. Percebemos que as crianas

    identificam os elementos que compem cada sistema e suas respectivas regularidades.

    Outro estudo realizado com crianas entre trs e cinco anos tinha o objetivo de

    verificar o que ocorria quando as crianas deveriam utilizar os meios notacionais para

  • 48

    transmitir informaes quantitativas ou lingsticas. Foram apresentados pares de

    cartes, em alguns dos quais havia o desenho de um ou vrios objetos; em outros, o

    mesmo objeto representando quantidades diferentes (duas rodas e cinco rodas); em

    outros pares de cartes, ainda, apareciam objetos diferentes, mas com a mesma

    quantidade de elementos (trs caminhes e trs policiais). As crianas deveriam guardar

    cada par de cartes em envelopes diferentes e escrever as etiquetas para saber o que

    haviam desenhado em cada carto e quantos objetos eram.

    Os dados apontaram que algumas crianas utilizaram os algarismos para anotar a

    quantidade, mas no usaram as convenes do sistema notacional, pois repetiram os

    algarismos tantas vezes quanto o nmero de elementos que o carto continha; outras

    escreveram os nomes dos nmeros e tambm utilizaram algarismos.

    Na nossa cultura os nmeros podem ser simbolizados de diversas formas sem

    perder seu significado: por desenhos; oralmente; por meio da escrita; com algarismos

    atravs de notao numrica; atravs de objetos; concretizados nos cdigos e sinais de

    surdos e em braile... Em cada forma de simbolizao que apresentamos temos regras

    distintas para serem seguidas.

    Podemos destacar entre as regras existentes que no h correspondncia entre a

    notao numrica e a expresso lingstica, os nmeros compostos por mais de dois

    algarismos no necessariamente so compostos em sua escrita; por exemplo, o nmero

    cem, representado por uma nica palavra lingisticamente, , no entanto, representado

    por trs algarismos numericamente.

    3.4. O nmero

    O maior ou menor conhecimento dos nmeros est diretamente relacionado s

    condies econmicas dos povos, nas relaes sociais que so estabelecidas. H povos

    primitivos com vida social pouco desenvolvida, em que apenas os nmeros naturais so

  • 49

    necessrios para resolver seus problemas. A partir da evoluo das civilizaes,

    aparecem novos problemas que os nmeros naturais j no do conta de resolver,

    havendo, ento, necessidade de introduzir novos nmeros.

    Se procurarmos uma definio para nmero, a primeira que nos vem mente

    que o mesmo serve para quantificar, contar, mas, se formos fazer uma reflexo sobre

    essa definio, teremos inmeras espcies de nmeros: algbricos, aritmticos,

    atmicos, cardinais, combinatrios, compostos, de chamada, decimais, de massa,

    ordinais, fracionrios, primos, entre outros (FERREIRA, 1986, p. 1204). De acordo com

    as idias do autor citado, percebemos que os nmeros cumprem outras funes, alm de

    contar ou quantificar.

    Quando utilizamos os nmeros para contar e descrever os elementos de um

    grupo, eles so encarados como cardinais: em uma corrida de frmula 1 de que

    participam 20 carros, o nmero 20 cardinal. Mas, quando precisamos classificar as

    posies dos pilotos, passamos a us-los na forma ordinal: O piloto brasileiro chegou

    em vigsimo lugar, temos a idia de uma seqncia.

    Por outro lado, como afirma Cebola (2001), se atentarmos para os nmeros do

    telefone, do carto de crdito, do R.G., das filas de supermercados e muitos outros

    ligados vida cotidiana, nenhuma das duas definies anteriores servir para classific-

    los, pois a idia que transparece do nmero como nome, identificao, sem qualquer

    preocupao com a seqncia ou quantidade. Surge, ento, segundo a autora, o conceito

    nominal do nmero que no tem qualquer significado matemtico, como os cardinais ou

    ordinais; assim, faz pouco sentido dizer que o nmero do meu carto de crdito maior

    ou menor que outro.

    Os nmeros de carter nominal esto diretamente ligados vida do cidado

    comum, que est em contato direto com um mundo de nmeros por todos os lados: no

  • 50

    controle remoto da tv; no celular; nos relgios; na previso do tempo; nas propagandas,

    outdoors, anncios de jornais; nas embalagens e preos de produtos... Enfim, podemos

    dizer que estamos mergulhados em uma imensido numrica; portanto, nada mais

    adequado do que partirmos desse contexto de utilizao desde o incio da escolarizao

    das crianas.

    No podemos nos referir ao nmero apenas baseando-nos em seu carter

    elementar e cotidiano, que demasiadamente limitado, mas precisamos evidenciar seu

    carter utilitrio e global no mundo do cidado atual, o qual traz exigncias de novas

    habilidades frente ao avano tecnolgico.

    3.5. Contagem: os primeiros contatos

    Vivemos em um mundo coletivo e, de acordo com nossas necessidades,

    utilizamos a contagem em vrias circunstncias de nossas vidas: o pastor conta seu

    rebanho; o chefe da famlia, os dias que faltam para chegar o prximo salrio; a dona de

    casa, o dinheiro que possui para o oramento das despesas da casa; o aluno, as notas que

    precisa obter para ser aprovado; o assalariado, o dinheiro da conduo; a gestante, as

    semanas de gestao; os pilotos, os milsimos de minutos que perdem em uma pista... A

    contagem realizada por todos, em diversos contextos.

    Os homens primitivos, segundo Caraa (1998), no criaram a idia completa de

    nmero para depois aplic-lo prtica, mas resolveram o problema da contagem pela

    criao dos nmeros naturais devido necessidade e utilizao na prtica diria.

    Os pais comeam a ensinar a contagem para as crianas atravs de msicas

    folclricas2, parlendas3, incentivam-na a reproduzir uma seqncia numrica com

    2 A galinha do vizinho, bota ovo amarelinho, bota um, bota dois, bota trs...

    3 Um, dois, feijo com arroz, trs, quatro, feijo no prato...

  • 51

    aplausos, beijos e abraos. Exibem-na para seus familiares dizendo: Olha, fulano j

    sabe contar, conte para ele, filhinho...

    Os pais tm conhecimento de que saber contar importante para a criana e, de

    uma forma instintiva ou at quem sabe por fatores de cobrana e incluso social,

    querem que seus filhos contem at dez, pois, na sua viso leiga, acreditam que a criana,

    reproduzindo uma seqncia de palavras em ce