CONSCIÊNCIA E BIODANZA, EPISTEMOLOGIA E VIVÊNCIA PARA O SER UNIVERSAL - FILIPE FREITAS

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    CURSO DE FORMAO DOCENTE EM BIODANZA

    ESCOLA DE BIODANZA SISTEMA ROLANDO TORO DE BELO HORIZONTE

    CONSCINCIA E BIODANZA

    Epistemologia e Vivncia para o Ser Universal

    FILIPE FREITAS

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    Epistemologia e Vivncia para o Ser Universal

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    FILIPE FREITAS

    CONSCINCIA E BIODANZA

    Epistemologia e Vivncia para o Ser Universal

    Monografia apresentada ao Curso de Formao Docente em

    Biodanza da Escola de Biodanza Sistema Rolando Toro de

    Belo Horizonte/MG, como requisito parcial obteno do

    ttulo de Professor de Biodanza.

    Orientadora:Marie-Thrse Pfyffer

    Belo Horizonte

    ESCOLA DE BIODANZA SISTEMA ROLANDO TORO DE BELO HORIZONTE

    2009

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    Este trabalho dedicado ao aspecto feminino da vida.

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    AGRADECIMENTOS

    Gostaria de expressar minha profunda gratido:

    Liliana Viotti, minha professora de Biodanza, referncia essencial em meu processo de aprendizado;

    Marie-Thrse Pfyffer, minha orientadora, pelo grande apoio, pela dedicao com que se debruou em

    meu texto e pela graciosa disponibilidade de trilhar comigo os complexos caminhos das idias aqui

    apresentadas;

    equipe da Escola de Biodanza Sistema Rolando Toro de Belo Horizonte que, com muita competncia,

    propiciaram um ambiente feliz e criativo para que eu pudesse compreender a vasta teoria da Biodanza;

    Aos meus colegas da primeira e da segunda turma de formao da escola que, com muita cumplicidade,

    tornaram-se meu continente de afeto no qual pude me expressar com legitimidade durante todas as etapas

    do curso;

    Aos colegas do grupo regular de tera que partilharam comigo esses cinco anos de evoluo pessoal e

    coletiva no ambiente da Biodanza;

    minha me, Cristina, que sempre uma presena referencial, nutrindo-me de amor e disciplina;

    Ao meu pai, Antnio Cndido, que, desde as estrelas, me ilumina com sua inteligncia e senso de justia;

    minha irm, meus tios e primos, companheiros no cotidiano, pelo grande incentivo aos meus potenciais;

    Aos meus avs e avs, em especial sempre presente Vov Ignez, seres que me alimentaram com paz de

    esprito e um amor transcendente;

    Aurora, minha filha, pequena flor singela que brilha a cada dia em minha vida, iluminando meu

    caminho com sua sabedoria de criana;

    Izadora, me da Aurora, por sua capacidade de ser me e pela parceria nessa misso de educar uma

    criana da melhor forma possvel;

    comunidade de Terra Una, da qual fao parte, pelo afeto e considerao por mim, bem como por

    receber com tanta abertura a prtica de Biodanza em nosso crculo;

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    Aos amigos e amigas que contriburam com meus esboos de argumento, oferecendo valiosas

    consideraes;

    Aos grupos de educadores, agentes sociais e jovens de Itabirito, com os quais pude atestar, efetivamente,

    as implicaes da nova conscincia em um processo pedaggico;

    Ao grupo da Capote Valente, como chamo os amigos que participaram das primeiras sesses de Biodanza

    que realizei em So Paulo;

    Ao Rafael RubenS, professor de Biodanza que tambm meu colega no grupo regular, por ser a mais

    antiga referncia e um exemplo dentro do universo da Biodanza;

    amiga Mnica Neves, que me convidou para a aula experimental da Liliana, em Maro de 2004, quando

    tive meu primeiro e definitivo contato com a Biodanza;

    Luciane Lima, companheira, amiga profunda, por seu apoio, serenidade e capacidade de reflexo que

    muito me enriquecem e me motivam a seguir rumo ao adiante;

    A Roberto Crema, por ter escrito o livro Introduo Viagem Holstica, portal pelo qual adentrei o novo

    paradigma, e Fritjof Capra, cuja obra me abriu ao ser universal.

    Aos cientistas e pensadores que, com o trabalho de suas vidas, levam-nos a sentir a vida com maior

    reverncia e gratido;

    E, por fim, Rolando Toro, pelo fruto de sua genialidade.

    F. F.

    Agosto de 2009

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    No h mais separao nos caminhos,

    Todos eles se tornaram um.

    Eu no passo de uma parte do todo,

    pois sozinho no sou nada.

    Junto com o uno, sou todas as coisas.Permaneo impassvel no lugar a mim destinado

    Sou parte da grande conexo

    e simetria do universo.

    Sou to responsvel pelo todo

    quanto ele o por mim.

    Somos irmos, somos irms, somos um.

    Se acaso eu cair, eles me levantaro,

    Se algo se lanar contra eles,

    eu serei o seu escudo.

    Viajarei em direo Luz e no temerei.

    Na escurido, serei confortadoE descansarei no santurio da Luz,

    Dormirei nos braos do amor.

    Sou eterno, sou a Vida.

    Hanumm Ram.

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    A vida sente a si mesma.

    infinitamente mais que as suas ou as minhas obtusas teorias a respeito dela.

    Sentir o universo um trabalho interior.

    Mindwalk

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    RESUMO

    Este trabalho visa apresentar pontes conceituais entre o novo estgio epistemolgico oriundo das Cincias

    da Vida do Sculo 20, especialmente da Fsica e da Biologia, com o Sistema Biodanza, visando ampliar o

    alcance deste ltimo como uma ferramenta de ao scio-ambiental atravs da difuso da conscincia

    ecolgica biocntrica, e concluindo que ele uma sntese visionria que abarca a revoluo

    epistemolgica e se configura em um espao potencializador de novas cosmovises integradoras. Para

    tanto, apresento o conceito de ser universal como um padro de comportamento e vivncia humana que

    possibilite a constituio de uma nova cultura planetria de paz e prosperidade em equilbrio com a

    dinmica cclica do Planeta Terra. Atravs das cinco qualidades do ser universal auto-regulao

    orgnica, lgica da diversidade, holoviso, percepo de Gaia e fazer artstico , o texto discorre sobre a

    mudana de paradigma em curso na cincia e na sociedade, proporcionando acesso a idias que desafiam

    as noes tradicionais de espao, tempo, matria, energia, organismo, vida, natureza e conscincia. Traz-

    se, por conseguinte, a reflexo em torno das implicaes espirituais do pensamento ecolgico biocntrico,

    reforando a Biodanza em sua condio de atividade revolucionria de transformao social na direo de

    modelos que valorizem, reverenciem e nutram a vida em todas as suas dimenses.

    Palavras-chaves: Biodanza, epistemologia, cosmoviso, paradigma social, pensamento ecolgico-

    biocntrico, ser universal, vivncia, auto-regulao, holoviso, lgica da diversidade, Gaia, arte.

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    SUMRIO

    INTRODUO...................................................................................................... 19

    1. DEFINIO DE BIODANZA1.1 Origem e Modelo Terico................................................................... 311.2 Princpios Norteadores........................................................................ 39

    2. LGICA E SUBJETIVIDADE2.1 Paradigma da Vivncia....................................................................... 49

    2.2 Princpio da Diversidade................................................................... 51

    3. FRAGMENTAO E TOTALIDADE3.1 Hbitos e Comportamentos................................................................ 59

    3.2 Uma Nova Cosmoviso...................................................................... 61

    3.3 Mecanicismo...................................................................................... 62

    3.4 Superao Cognitiva............................................................................ 68

    4. DANA CSMICA4.1 Revoluo do Pensamento................................................................. 70

    4.2 Totalidade Indivisa............................................................................ 72

    4.3 Abordagem Bootstrap........................................................................ 77

    4.4 Holograma como Metfora................................................................ 78

    4.5 Movimento Essencial......................................................................... 80

    4.6 Fsica e Filosofia................................................................................ 81

    4.7 Despertar da Humanidade.................................................................. 86

    4.8 Biodanza e Cosmos............................................................................ 87

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    5. TEIA DA VIDA5.1 A Holarquia....................................................................................... 93

    5.2 Interdependncia e Gaia.................................................................... 99

    5.3 Autopoiese......................................................................................... 104

    5.4 Co-Evoluo..................................................................................... 107

    5.5 Inteligncia e Intencionalidade......................................................... 109

    5.6 Origens da Vida................................................................................. 113

    5.7 Microcosmo....................................................................................... 122

    5.8 Simbiose............................................................................................. 131

    5.9 Os Seres Construtores......................................................................... 133

    5.10 Os Seres Sensibilizadores.................................................................. 136

    5.11 Os Seres Recicladores....................................................................... 139

    5.12 Os Seres Produtores.......................................................................... 142

    5.13 Unicidade........................................................................................... 143

    5.14 O Crebro Global............................................................................... 148

    5.15 Biodanza e Vida................................................................................. 152

    6. CONSIDERAES FINAIS........................................................................... 159

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    INTRODUO

    Este um texto monogrfico de concluso do Curso de Formao Docente em Biodanza.

    Aps vivenciar seus 30 mdulos, entre maratonas tericas, seminrios e vivncias do Projeto

    Minotauro, agora o momento de sistematizar o conhecimento adquirido e organiz-lo para a prtica.

    momento de assumir a condio de facilitador de Biodanza e aplicar este sistema de desenvolvimento

    humano criado pelo chileno Rolando Toro Araeda e aperfeioado por um grande nmero de professores

    titulares e didatas formados por ele em vrios pases, no qual se destacam suas ex-esposas Ceclia

    Luzzi e Eliane Matuk, que muito o ajudaram na sistematizao do vasto arcabouo terico-operacional

    que d consistncia Biodanza como tcnica para o desenvolvimento humano.

    Conheci Biodanza h cinco anos em uma aula experimental da professora didata e diretora da

    Escola de Biodanza Sistema Rolando Toro de Belo Horizonte, Liliana Viotti, e desde este primeiro

    contato senti grande familiaridade com a proposta.

    Antes desse encontro eu j me aventurara na proposio de vivncias com dana e intua sobre o

    poder transformador da msica e do movimento no comportamento das pessoas. A partir da leitura dos

    livros do pioneiro da abordagem corporal Wilhelm Reich e do somaterapeuta Roberto Freire, eu j

    havia proposto vivncias experimentais com dana de ritmos nordestinos, as quais intitulei Forr e

    Em portugus Biodana. O termo Biodanza ser grafado em sua forma original em espanhol por ter se constitudo uma marca

    referencial do mtodo, sendo aplicada em todas as lnguas. Projeto Minotauro uma extenso do Sistema Biodanza caracterizado por uma radicalizao da vivncia em danas e cerimnias naforma de rituais que visam promover o enfrentamento dos medos dos participantes em desafios especficos.

    Professor titular a condio da pessoa que se forma no Curso de Formao Docente em Biodanza. Ao fazer o Curso deFormao de Didatas, posterior ao Curso de Formao Docente, o professor de Biodanza se capacita a atuar como instrutor nosCursos de Formao Docente das Escolas de Biodanza espalhadas pelo mundo.

    O primeiro, uma das principais referncias tambm de Rolando Toro, foi um cientista alemo que props uma psicologia da auto-regulao a partir de abordagens corporais que trazia consigo uma antropologia de carter revolucionrio, propondo a libertaosexual-instintiva dos seres humanos como forma de emancipao em todos os nveis. O segundo, tambm discpulo de Reich, foi umpensador brasileiro contemporneo de Rolando Toro. Ambos criaram processos vivenciais teraputicos com muitas afinidades nadcada de 1970: enquanto Toro criou a Biodanza, Freire criou a Somaterapia, tcnica que faz uma sntese entre a abordagem corporalde Reich, a Gestalt Terapia, a Antipsiquiatria, o Anarquismo e a Capoeira Angola.

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    Bioenergia, que visava utilizar xote, xaxado, coco e maracatu para vitalizar as pessoas, desbloqueando

    couraas musculares.

    Ao conhecer a Biodanza, tive um sentimento de alegria entusiasmada. Algum j havia

    formulado um sistema vivencial que englobava minhas experincias, e ia muito alm, no sentido de

    capacitar pessoas a se integrarem na expresso de seus potenciais instintivos. Empolgado, percebi que eu

    no precisaria reinventar a roda para realizar meus intuitos de vivenciar situaes teraputicas com

    msica e dana. Bastava eu fazer e estudar Biodanza.

    Dei, portanto, seqncia s vivncias no grupo de iniciao da professora Liliana Viotti e, em

    pouco tempo, j freqentava o grupo de aprofundamento.

    Um ano depois conheci o professor Rolando Toro em uma homenagem a ele prestada pela

    Escola de Biodanza de Belo Horizonte. Ao encontr-lo, aos 82 anos, com movimentos leves e cheios de

    graa e com muitas histrias de amor e prazer para contar, tomei a deciso de ingressar na turma em

    andamento da formao docente da escola, e me dedicar a estudar a teoria da Biodanza e me tornar um

    facilitador de grupos.

    Os acontecimentos deste pequeno histrico biogrfico se deram entre 2004 e 2005 e de l para c

    meu envolvimento com a Biodanza se fez crescente. A cada dia me surpreendo com a amplitude do

    modelo terico e, conseqentemente, com a abrangncia pedaggica e teraputica deste sistema de

    desenvolvimento humano.

    Iniciei a escrita deste texto a partir de uma tica pessoal para contextualiz-lo em um

    pressuposto de subjetividade. Isso significa que no trago comigo a crena em uma verso nica do

    conhecimento e nem pretendo mostrar o mundo tal como ele , mas apresento uma verso do

    Este conceito reichiano refere-se a padres neuromusculares enrijecidos gerados por resistncias caracteriaispsicossomticas. Cf. Dadoun (1991), pg 129-141.

    A Biodanza possui um modelo conceitual formal, concebido por Rolando Toro, que permite a sistematizao eorganizao do conjunto de vivncias, de forma a orientar a pesquisa e estruturar suas relaes de coerncia prtica. Estemodelo ser apresentado com mais detalhes posteriormente.

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    conhecimento sobre aquilo que eu reconheo como universal e considero relevante como contribuio

    teoria da Biodanza.

    No se trata, notadamente, de um texto acadmico ortodoxo, muito embora eu me esforce por

    manter a linguagem no mbito cientfico, buscando referenciar todos os conceitos e idias, apresentando

    as fontes do meu raciocnio e me esmerando na solidez explicativa dos conceitos que aqui apresento. H,

    todavia, uma formulao potica dos tpicos de reflexo, utilizando-me de paradoxos, metforas e

    incertezas, para lidar com a complexidade da vida descortinada ao longo dos captulos.

    Trata-se de um texto que pretende colaborar com a base terica da Biodanza atravs de pontes

    conceituais que possam interligar aspectos tericos e metodolgicos e assim ampliar a coerncia e

    abrangncia do seu sistema operacional.

    Minha abordagem se aproxima do prprio padro de linguagem de Rolando Toro, cujos textos

    no podem ser enquadrados em nenhuma linha de pensamento ou disciplina especficas, mas so

    essencialmente uma sntese paradigmtica que abarca dimenses cientficas, artsticas e filosficas.

    Proponho, pois, uma convergncia de conceitos, um olhar epistemolgico sobre idias

    advindas principalmente da Fsica e da Biologia que do forma a uma nova conscincia coletiva capaz de

    efetivar mudanas estruturais no nvel ontolgico da sociedade, promovendo a necessria transformao

    cultural que interrompa os padres destrutivos e fortalea os fluxos criativos da espcie humana.

    Este texto , por assim dizer, uma sntese transdisciplinar de conceitos-chaves epistemolgicos

    cujas implicaes filosficas e espirituais so, a meu ver, o prprio sentido do texto em relao ao

    Sistema Biodanza, visando dar mais consistncia e expandir o carter universal da linguagem proposta por

    Rolando Toro, bem como ampliar seu alcance como instrumento de ao pedaggica e teraputica, atravs

    Ontologia e Epistemologia so dois conceitos importantes no raciocnio deste texto. Ontologia se refere dimenso doser em seu plano de existncia real, o estudo de suas propriedades e de sua constituio geral no mbito da matria e da

    vida. Epistemologia se refere dimenso do saber, o estudo do pensamento humano em seu processo histrico, ospressupostos, postulados, premissas, mtodos e concluses que constituem o conhecimento em sua organizaoconceitual.

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    da difuso da nova conscincia ecolgica biocntrica incorporada na linguagem dos facilitadores, bem

    como em processos educativos subjacentes.

    Apresento a Biodanza como um sistema visionrio cuja base conceitual e metodologia vivencial

    visam catalisar processos de desenvolvimento pessoal e coletivo atravs da criao de contextos

    favorveis sadia expresso dos potenciais humanos em uma perspectiva de integrao. Argumento,

    como conseqncia, que Biodanza um espao propcio para que o processo de mudana cultural se

    efetive no mbito individual e coletivo.

    Para organizar esta proposio, formularei arranjos conceituais que consigam delinear o que eu

    chamo de ser universal, um conjunto de qualidades desejveis aos indivduos e grupos humanos na

    constituio de uma cultura ecolgica biocntrica. Apresento o ser universal atravs de cinco qualidades:

    i. Auto-Regulao Orgnica capacidade de equilbrio fisiolgico e expresso sadiados potenciais instintivos;

    ii. Lgica da Diversidade padro de pensamento conjuntivo, integrador, sinrgico,capaz de superar os antagonismos e julgamentos morais oriundos de concepes

    culturais diferentes;

    difcil definir a nomenclatura mais apropriada para denotar a nova conscincia integrativa sobre a qual vamos versar.Proponho aqui a expresso viso ecolgica biocntrica de modo a especificar uma abordagem ecolgica em um sentidomais amplo e mais profundo que o usual, sugerindo uma concepo do mundo como um todo integrado, reconhecendoa interdependncia fundamental de todos os fenmenos e o fato de que, enquanto indivduos e sociedades, estamos

    todos encaixados nos processos cclicos da natureza, no sendo os humanos seres especiais ou mais importantes, masfios da teia da vida. Ao incluir o termo biocntrico, busco diferenciar esta abordagem ecolgica mais profunda(organicista) da viso ecolgica rasa e antropocntrica (mecanicista) preponderante na sociedade. Princpio Biocntrico a formulao filosfica fundamental do Sistema Biodanza, sugerindo a valorizao, reverncia, enaltecimento e nutriodo fenmeno da vida em todas as suas instncias e dimenses, conforme veremos adiante. Poderamos utilizar tambmos termos holstico e sistmico, para denotar esse estgio epistemolgico, essa nova conscincia sobre o qual sebasear este texto. O termo holstico sugere o olhar para a realidade atravs de um princpio organizador da totalidade,que enxerga as partes em relao ao todo mais amplo. O sistmico sugere o olhar para a realidade em termos deconexidade, de relaes, de contexto, de redes. Todos estes conceitos ecolgico, biocntrico, holstico, sistmico, entreoutros so utilizados para definir a nova conscincia integrativa e, afinal, expressam idias muito semelhantes.Considero funcional que eles sejam apresentados reunidos de forma a sugerir uma unidade semntica que seja umadistino conceitual mais eficiente. Portanto, ao longo do texto utilizarei o termo ecolgico biocntrico no sentidoholstico-sistmico, apreendendo-se da sua perspectiva mais profunda.

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    iii. Holoviso percepo de si mesmo como parte integrada de um todo mais amplo,transcendendo o ego encapsulado cuja maneira de pensar sustenta o eu estou aqui

    dentro e o mundo est l fora como duas coisas distintas e separadas;

    iv. Percepo de Gaia sentimento intrnseco de interconexo entre todos os seres vivosno pertencimento biosfera, comunidade da vida, como um corpo csmico, um

    superorganismo planetrio;

    v. Fazer artstico compreenso da vida como um processo de fazer de cada dia umpoema, a capacidade cotidiana de expressar os contedos intrnsecos da essncia do

    que se .

    Os captulos que compem esta monografia pretendem abarcar a reflexo em torno dessas cinco

    qualidades, atravs de ensaios temticos que no se limitam a elas, constituindo-se em uma reflexo mais

    ampla em torno da Biodanza e dos processos de mudana de conscincia que definem a dinmica da

    sociedade humana.

    O primeiro captulo uma sntese definidora de Biodanza e pretende descrever o sistema a partir

    de sua origem, seu modelo terico e seus princpios norteadores. Ao descrev-lo, considero o Sistema

    Biodanza uma proposta pedaggica e teraputica que se dirige s cinco qualidades do ser universal, e esta

    reflexo constitui-se um eixo norteador do trabalho. Assim, a Biodanza estar presente tambm nos

    captulos subseqentes e todo o raciocnio busca ampliar o seu alcance, catalisando sua condio de

    instrumento de difuso da nova conscincia.

    O segundo captulo tem como objetivo apresentar a lgica da diversidade como padro

    relacional baseado no princpio de coexistncia de mltiplas verdades para mediar as diferenas, suavizar

    os conflitos e facilitar as relaes inter-pessoais no mbito da sociedade.

    Utilizarei, ao longo do texto, o conceito de ego encapsulado, termo cunhado pelo escritor Alan Watts e difundido pelofilsofo Peter Russell, para denotar este padro de percepo de si mesmo que parte de um princpio existencial separadoe distinto do resto do mundo, enxergando-o apenas em termos de eu e no-eu e sendo incapaz de desenvolver apercepo holstica de ser o todo. Ver Russell (1991), pgs. 139 e ss.

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    Visa, pois, ser um antdoto para a autoridade repressiva da cultura que determinou, ao longo dos

    tempos, o que certo e o que errado, o que bom e o que mau, a partir de premissas de dominao que

    sustentam o encapsulamento dos egos e a desconexo do ser humano com sua prpria natureza.

    O pensamento ecolgico biocntrico pressupe a existncia de paradoxos, incertezas e

    dualidades na ontologia da realidade e essa premissa faz demolir as certezas arraigadas que foram

    adquiridas ao longo dos sculos pela cultura atravs da moral judaico-crist, da lgica aristotlica clssica

    e do mecanicismo cartesiano.

    Herdeiros que somos dessas linhas de pensamento, faz-se um acentuado desafio nos abrirmos

    para estes paradoxos, incertezas e dualidades essenciais da realidade que tiram de ns o poder de controlar

    com preciso os rumos de nossa vida e nos exige uma outra rvore de valores, ou seja, uma nova cultura.

    Refletindo sobre a lgica que subjaz de nossas relaes e considerando novos aspectos na

    linguagem, o segundo captulo pretende apontar para novas abordagens fundamentadas em valores

    universais de integrao, visando capacitar as comunidades a desenvolverem ambientes de tolerncia e

    respeito mtuo, evitando julgamentos moralizadores de pessoas e comportamentos.

    Biodanza, por se configurar um paradigma da vivncia no qual no existem modelos de

    comportamento a serem seguidos e que reconhece a singularidade do processo pessoal de cada vivncia,

    faz-se um espao apropriado para a efetivao dessa nova lgica da diversidade.

    Os grupos de Biodanza so constitudos de forma a se tornarem espaos nos quais a construo

    da realidade se d por aceitao, partilha, cumplicidade e consenso entre os participantes. O consenso

    fundamental que cada pessoa est ali no grupo com objetivos semelhantes: buscar o desenvolvimento

    existencial no sentido de poder aceitar e expressar sua natureza e, conseqentemente, aceitar o outro em

    sua natureza e, juntos, reconhecerem-se como legtimos seres que partilham o processo de viver.

    O grupo de Biodanza, tal como uma clula, faz-se um espao fechado de troca de influncias e

    aberto no sentido que sua configurao dinmica e est sempre em transformao. Como componentes

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    da clula, cada integrante age de maneira a buscar seu prprio aprimoramento e, conseqentemente, eleva

    o grau de desenvolvimento do grupo.

    Este espao de troca, constitudo em acordos que facilitam s pessoas a possibilidade de refletir e

    agir de acordo com sua prpria natureza fisiolgica, sem exigir subordinao s afirmaes impostas

    culturalmente, faz-se de extrema importncia para que a mudana de lgica opere em cada indivduo.

    Contudo, para que essa mudana ocorra, uma transformao no nvel da percepo da realidade

    sob a forma de seus conceitos bsicos tambm precisa ocorrer, afinal, a viso de mundo que cada

    indivduo traz consigo influencia de maneira determinante o seu comportamento.

    O Captulo 3 disserta, por conseguinte, sobre os nveis estruturais da percepo o

    entendimento de espao e tempo e a mudana de paradigma em curso na sociedade. Refletindo sobre

    hbitos e atitudes, argumento que a sociedade se constitui hoje a partir de uma dinmica fragmentada,

    sustentada por valores dissociativos, que se incompatibilizam com a nova lgica da diversidade e,

    conseqentemente, impedem transformaes mais consistentes no comportamento das pessoas.

    Nesse ponto pretendo iniciar a exposio da nova viso integrativa surgida no mago da cincia

    para deflagrar um estado de conexo existencial que transcende o domnio intelectual e implica em

    mudanas ontolgicas capazes de promover a holoviso dos indivduos humanos atravs da ampliao da

    conscincia em relao ao estado fundamental de entrelaamento da realidade.

    Essa nova viso vem superar a ordem mecanicista impulsionada pela filosofia de Ren

    Descartes, por isso tambm chamada cartesianismo, que consolidou um paradigma social creditando ao

    A configurao da clula ser abordada com detalhes no Captulo 5. Temos aqui uma precisa metfora para a prpriavida.Entende-se por paradigma social a constelao de conceitos, de valores, de percepes e de prticas compartilhadaspor uma comunidade, formando uma viso particular de realidade que constitui a base da maneira segundo a qual acomunidade organiza a si mesma. (CAPRA e STENDL-RAST, 1991). O aspecto mais interessante da viso de mundode uma sociedade que os indivduos que aderem a ela, na maior parte, so inconscientes de como ela afeta o seu modode fazerem as coisas, de perceberem a realidade em torno deles. Uma viso de mundo funciona, na medida em que tointernalizada, desde a infncia, que permanece no questionada. (...) Somos to presos no nosso paradigma que todos osoutros modos de organizar nossos pensamentos parecem totalmente inaceitveis. (RIFKIN, Jeremy apud ESTEVESDE VASCONCELLOS, 2002, pg. 35).

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    universo uma condio de mquina constituda de peas separadamente existentes, indivisveis e

    imutveis.

    Chamo a ateno para o fato de que no necessrio saber quem foi Descartes e o que

    mecanicismo para reproduzir este paradigma na vida cotidiana. Entranhada nos livros, nos filmes, nas

    brincadeiras infantis, nas notcias, nas salas de aula, nas decises polticas, nas metforas para descrever o

    mundo e a vida, a ordem mecanicista subjaz no comportamento da sociedade como um todo e perpetua o

    encapsulamento dos egos cuja gnese mais antiga e no ser abordada neste trabalho.

    Saliento tambm que, apesar de acentuar a ciso cognitiva, a ordem mecanicista trouxe, por

    outro lado, o desenvolvimento tecnolgico que instrumentalizou a humanidade e potencializou sua

    capacidade de desenvolvimento. Em grande medida, essa ordem fez sentido e cumpriu seu imperativo

    evolutivo em seu determinado contexto histrico, mas na atualidade se tornou nociva em seus excessos,

    em sua desregulao funcional e na resistncia de seus atores em se deixar transcender em direo a novos

    paradigmas de integrao que tragam sentido para nossa poca e que se constituam em um novo degrau de

    compreenso, um desdobramento natural do aumento de complexidade cognitiva da espcie humana.

    Alm da resistncia conservadora dos atores sociais, o maior desafio incorporao da nova

    conscincia ecolgica biocntrica por parte das pessoas talvez seja a prpria complexidade do mundo que

    ela descortina. Lidar com a imperfeio, a instabilidade e a subjetividade que esta nova forma de pensar

    exige no simples e demanda esforo e disciplina. Requer uma deciso interna da pessoa de se entregar

    incerteza, o que pode ser bastante desafiador, principalmente queles que no dispem de auto-regulao

    orgnica, estando doentes ou enfraquecidos.

    Obriga-nos a sair da inrcia cultural e da zona de conforto em um treinamento dirio, um

    exerccio cotidiano, uma dana criativa de abertura a novas idias e prticas; leva a nos movimentar rumo

    ao desconhecido; a propor mudanas; a aceitar que todos os nossos modelos so provisrios e que no

    temos explicaes completas; que somos um fio da teia e no sua trama principal.

    Essa atitude implica em mudanas de hbitos, mas tais mudanas de hbitos tendem a ocorrer

    somente quando se estabelece um vnculo cognitivo do indivduo com o todo do qual ele faz parte, em um

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    estado de conexo que abarca a intelectualidade, embora no se limite a ela, ao ponto de o amor por ela

    impulsionar o desejo de cura, de reao, de recusa em aceitar o errado como coisa normal.

    Por isso considero a compreenso dos conceitos-chaves que permitiram cincia subir o degrau

    do mecanicismo e adentrar um estgio de percepo holstico-sistmica um processo de grande

    importncia para a sociedade na atualidade, no que aqui chamo de formao do ser universal, e,

    conseqentemente, no advento de uma nova cultura de paz e prosperidade.

    Os Captulos 4 e 5 se destinam a esta apresentao dos conceitos-chaves, respectivamente, dos

    arcabouos contemporneos da Fsica e da Biologia, em especial aqueles conceitos que tem implicaes

    filosficas e espirituais. So compndios que, atravs de pontes conceituais, visam instigar o

    aprofundamento do conhecimento em torno das novas teorias acerca do fenmeno da matria e da vida.

    Espero proporcionar acesso a idias revolucionrias que desafiam nossas noes tradicionais de

    espao, tempo, matria, energia, organismo, vida, natureza e conscincia, conceitos fundamentais para o

    nosso modo de vivenciar o mundo.

    Em ambos os captulos, proponho realizar ligaes entre as teorias cientficas apresentadas e os

    conceitos norteadores da Biodanza, visando concluir que esta ltima uma sntese visionria que abarca

    essa revoluo epistemolgica e configura-se em um espao potencializador da nova conscincia.

    Espero que o leitor esteja aberto a considerar a gama muito ampla de idias e fenmenos que me

    propus a convergir, de forma que possa relevar certa generalizao em minha abordagem. Assim como o

    fsico Fritjof Capra, importante referncia do texto, e quem considero um apurado sistematizador e grande

    divulgador do novo paradigma, proponho este trabalho acreditando que a maneira como as vrias partes

    esto integradas no todo seja mais importante do que as prprias partes, sendo as interconexes e as

    interdependncias entre os numerosos conceitos a essncia desta contribuio. 1

    Por fim, as consideraes finais do texto so um convite ao leitor para refletir sobre as

    implicaes do pensamento ecolgico biocntrico, em associao ao Sistema Biodanza, na ascenso do ser

    universal como um salutar processo de transformao da vida humana, o advento de um novo paradigma

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    social. Sugiro assim a essncia espiritual desse advento, no que deflagra o sentimento intrnseco da

    interconexo entre todos os seres e de pertencimento comunidade da vida.

    Este percurso visa abrir caminhos para que o novo arcabouo epistemolgico coloque em xeque

    concepes culturais repressivas muito cristalizadas e induza a percepo consciente a mudanas

    estruturais nos padres civilizatrios de forma que as expresses autnticas do potencial humano possam

    se manifestar.

    A Biodanza, nesse contexto, apresenta-se em sua condio de atividade subversiva e

    revolucionria, sntese transcultural de valorizao e celebrao da vida, sendo uma ampla transgresso

    dos valores culturais contemporneos, das imposies de alienao da sociedade de consumo e das

    ideologias totalitrias, conforme salienta Rolando Toro, seu criador. 2

    Parto do pressuposto que, na medida em que os participantes incorporam novas vises da

    natureza e do fenmeno da vida, eles tendem a se tornar mais conscientes, facilitando, assim, seu prprio

    processo de conexo existencial.

    Apesar de a Biodanza ser um mtodo vivencial, no sendo interpretativa nem analtica, 3

    argumento que a viso de mundo do participante influi decisivamente na forma como ele recebe os

    estmulos e vivencia uma sesso. Por conseguinte, infiro que a maior integrao cognitiva induz a uma

    maior capacidade de sensibilizao aos estmulos positivos em uma vivncia.

    Ressalto assim a importncia de um processo educativo subjacente Biodanza o qual Rolando

    Toro chamou de Educao Biocntrica , fomentando a reflexo em torno do acesso, de maneira efetiva e

    sistematizada, a um conjunto de idias, valores e prticas que nos permita transcender a fragmentao e

    acessar estados de conexo existencial com a totalidade atravs de pensamentos integradores em uma

    lgica de diversidade.

    Fazem-se recomendveis, portanto, aes com o intuito explcito de suscitar novas cosmovises

    integradoras, para que possamos nos dedicar ao processo de transformao de atitudes e comportamentos

    no nvel pessoal, bem como influenciar as pessoas dos nossos crculos de convvio, amplificando, dessa

    maneira, a ao transcultural da Biodanza.

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    Confio que este texto seja uma contribuio para subirmos um degrau de percepo que nos

    traga o sentimento de universalidade e assim possamos reconhecer, como diz Fritjof Capra, as

    similaridades nas formas de vida que conectam diferentes facetas da natureza e (...) salientem os padres

    que interligam as estruturas bsicas e os processos dos sistemas vitais. 4

    Ao percebermos os padres interligados em todos os nveis de organizao da natureza,

    transcendemos a iluso da separatividade, abrindo caminho para nossa constituio como seres

    universais.

    Concluo, por conseguinte, que Biodanza se faz um espao propcio para, efetivamente,

    alcanarmos maior regulao orgnica, vivenciar a lgica da diversidade, desenvolvermos a holoviso,

    ampliarmos o sentido de pertencimento a um organismo maior, a Terra, Gaia, e viver a arte do advento

    dessa nova conscincia.

    E, como seres universais, sermos efetivamente capazes de modificar a cultura e criar ambientes

    de vida que nos facilitem experimentar sem medo, sem culpa, sem ansiedade, as emoes deflagradas por

    nossa prpria constituio natural.

    Em sntese, sobre isso que este trabalho pretende versar.

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    Ao verificar que certos tipos de exerccios aumentavam a conscincia corporal, enquanto outros

    tipos conduziam dissoluo do limite corporal e ao estado de regresso, Rolando Toro pde conceber

    exerccios que se constituram em uma escala de passos progressivos desde a Identidade at a Regresso, e

    vice-versa, concluindo que, para cada distrbio, deveria haver uma adequao dos estmulos musicais e

    dos exerccios, seja reforando a identidade e a conscincia de realidade, seja induzindo estados de

    regresso que pudessem facilitar a reparentalizao e diminuir a ansiedade. 6

    Fig.1. Eixo horizontal do Modelo Terico de Biodanza. Extrado de Toro (Apostila Definio e Modelo Terico de Biodanza),

    pg. 16

    Com o avano da pesquisa em outros grupos sociais, Rolando Toro percebeu que a combinao

    apropriada de tais exerccios se mostrava eficiente para modificar comportamentos e intuiu que tinha

    efeitos teraputicos sobre a condio generalizada de pessoas aprisionadas em egos encapsulados,

    incapazes de transcender a prpria pele e que sofrem continuamente ali dentro, sentindo excesso de nsia,

    culpa e medo, em identidades fragmentadas, enfraquecidas e confusas. Constatou tambm que o enfoque

    no potencial saudvel da pessoa, ao invs da nfase nos distrbios, parecia produzir efeitos reparadores

    mais consistentes.

    Os dois hemisfrios que formam o continuum Identidade Regresso passaram a ser percebidos

    como diferentes manifestaes de um mesmo processo orgnico global e o estmulo de ambos os plos

    complementares, em um padro de sinergia, tornou-se o fio condutor da tcnica.

    Nas palavras de Rolando Toro,

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    Cheguei, com o tempo, convico de que os estados de Identidade e

    Regresso so absolutamente complementares e abarcam a totalidade da

    experincia humana. Durante a Regresso, o indivduo tende a dissolver-se na

    Totalidade do Universo, a perder os limites corporais, enquanto no estado de

    Conscincia de Identidade experimenta-se a si mesmo como centro de percepo

    do mundo. Estes dois estados foram posteriormente modulados com exerccios

    de contato e comunicao. O Modelo Terico foi aperfeioado com novas

    experincias para ser aplicado em outras reas: crianas, adolescentes, ancios,

    grupos familiares, etc. 7

    Este foi, provavelmente, o passo fundamental para a estruturao de uma sesso de Biodanza.

    Constituindo-se como uma seqncia musical associada a exerccios de reforo identidade e exerccios

    de induo a estados regressivos, que se alternam visando estimular ordenadamente respostas

    neurovegetativas, a Biodanza parecia favorecer o bem-estar orgnico, provendo maior autonomia s

    pessoas para realizar modificaes comportamentais e mudanas no estilo de vida em direo a padres

    mais sadios e integrados.

    Rolando Toro dedicou-se extensivamente ao estudo dos efeitos fisiolgicos das vivncias e, a

    partir de suas concluses experimentais, props uma curva de sesso que proporcionasse a otimizao

    dos estmulos.

    Ele percebeu que a mobilizao do sistema neurovegetativo, primeiro com a ativao do sistema

    simptico atravs de descargas do neurotransmissor Noradrenalina induzidas por msica euforizante ,

    O termo Biodanza surgiu posteriormente, em 1976. Inicialmente Rolando Toro chamou o mtodo de Psicodana,termo que foi preterido por ser considerado dissociativo, comportando a ciso platnica entre corpo e alma. Era precisorestabelecer o conceito original de dana em sua mais ampla acepo. (...) A partir dessa reflexo, em 1976 decidi chamarde Biodanza o mtodo que eu havia idealizado. (...) O sentido primordial da palavra dana movimento natural, ligados emoes e pleno de significado. A metfora estava formulada: Biodanza, a dana da vida Cf. TORO (2005), pg. 37.

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    seguida da ativao do sistema parassimptico atravs de descargas do neurotransmissor Acetilcolina

    induzidas por msica regressiva, mediadas por msicas e exerccios que estimulam uma pulsao suave

    entre as duas polaridades, funciona como um padro sinrgico capaz de promover integrao, renovao e

    reaprendizagem instintiva.

    Esta curva de sesso de Biodanza (Fig. 2) talvez o insight mais brilhante de Rolando Toro,

    por alicerar o mtodo em seu aspecto operacional.

    A aplicao da tcnica em diferentes grupos permitiu a Rolando Toro concluir que uma sesso

    de Biodanza tem efeito harmonizador neurovegetativo, estimulando e equilibrando o Sistema Lmbico-

    Hipotalmico, sendo este intimamente associado aos aspectos instintivos, emocionais e afetivos,

    contribuindo para a consolidao dos padres de comportamento.

    Fig 2. A curva de sesso de Biodanza

    O Sistema Lmbico-Hipotalmico um grupo de estruturas cerebrais entre as quais se incluem o tlamo, ohipotlamo, a amgdala e o hipocampo que funcionam como um centro regulador das emoes.

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    Rolando concluiu tambm que a Biodanza estimula, atravs de vivncias que influem sobre a

    hipfise, o funcionamento do Sistema Endcrino, agindo sobre a produo hormonal de diversas

    glndulas, fortalecendo as respostas ao stress e influenciando positivamente o Sistema Imunolgico.8

    Rolando Toro fez, portanto, um arranjo de numerosos conhecimentos sobre as relaes entre o

    sistema nervoso e os modos de agir do organismo humano para conceber um sistema integrador na

    origem de novos modelos de comportamento que respondam s necessidades vitais bsicas. 9

    Com base nos efeitos fisiolgicos de uma sesso de Biodanza, Rolando Toro e seus

    colaboradores chegaram a uma sntese conceitual que pode ser considerada uma definio acadmica do

    sistema:

    Biodanza um sistema de integrao afetiva, renovao orgnica e reaprendizagem das

    funes originrias da vida, cuja metodologia consiste em induzir vivncias integradoras

    por meio da msica, do canto, do movimento e de situaes de encontro em grupo.

    Integrao um dos conceitos centrais do modelo terico do Sistema Biodanza, sendo a

    qualidade que representa o seu objetivo existencial mais desejado.

    Uma definio potica para integrao, no mbito do ser humano, a capacidade de se

    vincular integralmente em suas dimenses pessoal, social e espiritual, no sentido de ser inteiro consigo

    mesmo, com o outro semelhante e com o mundo, sentindo-se pertencente ao devir inexorvel da

    totalidade csmica.

    Biodanza prope-se a integrar e promover a auto-regulao dos diversos nveis de organizao

    presentes em uma vivncia: clulas, tecidos, rgos, aparelhos, organismos, o grupo. Por conseqncia,

    busca facilitar a organizao da conscincia da pessoa para trazer, assim, o sentimento vivencial de ser o

    que se ao pertencer a uma totalidade mais ampla que est viva e somos ns.

    Entende-se o devir como o fluxo permanente, movimento ininterrupto, atuante como uma lei geral do universo, quedissolve, cria e transforma todas as realidades existentes.

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    Nas palavras de Rolando Toro,

    Na Biodanza o processo de integrao atua mediante a estimulao da funo

    primordial de conexo com a vida, que permite a cada indivduo integrar-se si

    mesmo, espcie, ao universo. (...) O homem atravessou um longo processo de

    degradao dos instintos [e assim] perdeu a funo de conexo com a vida que

    , nele, completamente atrofiada. 10

    Renovao orgnica, em Biodanza, advm como efeito da homeostase, e na reduo dos fatores

    de estresse. estimulada mediante exerccios que induzem estados de transe e regresso capazes de

    reproduzir parcialmente as condies fisiolgicas inerentes primeira infncia, estabelecendo-se relaes

    com o metabolismo celular da criana (mais acelerado que o do adulto), aumentando assim os processos

    de reparao dos tecidos e rgos. 11

    O reaprendizado das funes originrias da vida consiste na sensibilizao dos instintos

    bsicos visando resgatar a sabedoria biolgica e sua auto-regulao inerente que foram reprimidas ao

    longo de dezenas de sculos pelo motor adaptativo da cultura. Biodanza assume a condio de processo de

    reeducao instintiva a partir de uma perspectiva de exaltao da vida e da graa natural dela derivada.

    Para lograr estes objetivos, expressos na definio do mtodo, Rolando Toro estruturou os

    exerccios de Biodanza atravs de cinco linhas de vivncia, cinco conjuntos do potencial humano,

    definidas por ele a partir de sensaes instintivas experimentadas pelo ser humano em seus primeiros anos

    de vida (protovivncias) e sistematizadas no quadro a seguir (Fig. 3):

    Homeostase o equilbrio funcional e dinmico obtido atravs de auto-regulao ou autocontrole. Como num pndulo, a capacidade que os sistemas tm de retornar ao centro normal do seu equilbrio atravs da manuteno das variveisdentro de certos limites. Rolando Toro atribui especial ateno aos aspectos instintivos humanos em sua proposta teraputico-pedaggica.Entende-se por instinto os aspectos inatos, no aprendidos, de comportamento, que se manifestam como impulsosinteriores que fazem um animal executar inconscientemente atos adequados s necessidades de sobrevivncia prpria, dasua prole ou da sua espcie.

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    LINHA DE VIVNCIA PROTOVIVNCIAS

    VITALIDADE Movimento, funes de atividade e repouso.

    SEXUALIDADEContato, sensao de prazer produzida por

    carcias e durante o ato de amamentar.

    CRIATIVIDADE

    Funes expressivas de bem-estar e mal-estar,

    curiosidade, mudanas de posio frente ao

    ambiente, linguagem.

    AFETIVIDADENutrio, fome, necessidade de continente e

    calor amoroso, sorriso, comunicao.

    TRANSCENDNCIA Plenitude e harmonia com o ambiente.

    Fig. 3. Quadro de referncia das Linhas de Vivncia em Biodanza associadas s respectivas protovivncias.

    Adaptado de Toro (Apostila Definio e Modelo Terico de Biodanza), pg. 17 e 18

    Estas linhas de vivncia foram incorporadas no eixo vertical do Modelo Terico como o

    caminho para a expresso e a integrao do potencial gentico humano. Este Modelo Terico constitui-se

    no marco referencial que relaciona todos os aspectos de coerncia do Sistema Biodanza (Fig. 4).

    Apesar de conservar sua estrutura original, o Modelo Terico vem experimentando modificaes

    ao longo de 40 anos de confrontao com a realidade, caracterizando-se por sua constituio aberta que

    possibilita um intenso processo de remodelao conceitual. Assim, ao longo do tempo, este modelo vem

    servindo de parmetro para que a Biodanza possa questionar os fatores culturais de maneira consistente e

    permanecer ajustando-se s autnticas necessidades da vida em um processo prprio de renovao.

    A constituio do Sistema Biodanza , portanto, um processo estruturalmente aberto, em

    evoluo, mas que, apesar da constante transformao, conserva seus princpios fundamentais, sendo um

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    padro fechado em termos de coerncia organizacional. Como poderemos aferir adiante, este tambm o

    padro de organizao da prpria vida.

    Fig. 4. Modelo Terico de Biodanza

    Extrado de Toro (2005), pg. 75.

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    1.2 Princpios Norteadores

    Biodanza no tem ideologia nem teologia e busca ser uma sntese universal, uma linguagem que

    possa ser compartilhada pelos mais variados povos e etnias, eliminando padres de comunicao

    culturalmente hermticos que demandam especializao do conhecimento.

    Apesar disso, sua base terica possui princpios norteadores que estruturam e sistematizam o

    mtodo, dando a ele coerncia metodolgica. So eles:

    Inconsciente Vital

    Termo cunhado por Rolando Toro para descrever a atividade cognitiva autnoma das clulas,

    enfatizando a sabedoria bioqumica que regula seu comportamento e que no acessada por nossa

    conscincia.

    Manifesta-se cotidianamente atravs do humor, bem estar cenestsico e o estado geral de sade

    da pessoa, gerando as afinidades, as sensaes corporais e tudo aquilo que surge sem a participao do

    pensamento. Segundo Rolando Toro, a via de acesso ao Inconsciente Vital a vivncia e a Biodanza a

    via rgia para induzir vivncias capazes de influenci-lo positivamente. Abordaremos este conceito com

    mais detalhes no Captulo 5.

    Princpio Biocntrico

    Proposio filosfica fundamental do Sistema Biodanza, o Princpio Biocntrico formulado a

    partir de uma sensao endgena de se estar vivo em um centro de percepo do mundo que se integra ao

    cosmos na compreenso da unidade transcendente da vida.

    Cenestesia a designao genrica para as impresses sensoriais internas do organismo, que formam a base dassensaes, por exemplo, de estar com sade, estar relaxado, etc, em oposio s impresses do mundo externopercebidas por meio dos rgos dos sentidos.

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    parte de qualquer linha de pensamento geradora de ciso cultural, Biodanza constitui-se como

    mtodo que se referencia no fenmeno da vida em sua totalidade e visa nutrir tudo aquilo que preserva,

    favorece e conduz a vida ao seu valor mais alto.

    Segundo Rolando Toro,

    o Princpio Biocntrico prope a potencializao da vida e a expresso de seus

    poderes evolutivos. Biodanza , desde este ponto de vista, uma potica do vivo,

    baseada nas leis universais que conservam e permitem a evoluo da vida. 12

    O Princpio Biocntrico voltar a ser tema de nossa reflexo no Captulo 5.

    Vivncia

    o elemento operativo essencial do Sistema Biodanza.

    Tudo o que se fala, se conceitua e se teoriza sobre Biodanza deve ser considerado um elemento

    auxiliar das vivncias. Quando consideramos o mtodo, nenhum esforo intelectual para se entender o

    processo to importante como participar de uma sesso e experimentar a ao integradora dos exerccios

    sobre os sistemas fisiolgicos. Biodanza visa estimular o Inconsciente Vital e a expresso dos potenciais

    humanos atravs da deflagrao de vivncias que, induzidas com freqncia e periodicidade, reorganizam

    as respostas frente vida. O conceito de vivncia ser enfocado novamente no Captulo 2.

    Grupo

    Biodanza um processo realizado em grupo e no pode ser vivenciada sem a presena do outro

    como um elemento modificador em todos os nveis orgnicos e existenciais. Segundo Rolando Toro, o

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    grupo essencial no processo de mudana porque induz novas formas de comunicao e vnculo afetivo,

    sendo uma matriz de renascimento na qual cada participante encontra continente e permisso para a

    mudana. 13

    Em grupo, as pessoas ativam e desenvolvem a expresso da identidade e estabelecem padres de

    comunicao nos quais se refletem e se projetam emoes, desejos e sensaes fsicas de grande

    amplitude, produzindo-se uma percepo mais acurada das outras pessoas e do ambiente, engendrando-se,

    assim, novos modos de identificao. Como diz Rolando Toro,

    A atmosfera que se cria quando o grupo alcana o nvel bsico de integrao

    de um mundo sem barreiras, no qual as pessoas no representam um limite real

    expresso interior. Esta atmosfera permite que os corpos se tornem

    permeveis presena e potncia do outro, que se manifestem emoes

    integradoras de grande intensidade. 14

    O grupo se organiza de forma a ser um continente de afeto e compreenso onde o participante

    tende a se sentir fortalecido e confiante para o desafio de olhar para dentro e aceitar com ternura o

    caminho de buscar ser o que se na expresso saudvel da prpria identidade.

    Msica

    Junto com o movimento e a emoo, a msica forma o trip elementar do Sistema Biodanza e

    a sua linguagem universal. Sua utilizao se prope a estimular a potencialidade latente de sade e bem

    estar.

    Em suma, a parte vivencial da sesso de Biodanza uma seqncia musical criada para levar o

    grupo a uma experincia cenestsica de ativao e restaurao do sistema neurovegetativo simptico e

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    msica e movimento proposto e o desajuste entre um e outro pode desencadear uma experincia

    dissociativa, na qual percepo, motricidade e emoo funcionam independentemente. 16

    O programa de exerccios e msicas para Biodanza produto de um cuidadoso e paciente

    trabalho de pesquisa e seleo que levou mais de vinte anos para ser consolidado. Este programa no

    fechado e continua sendo ampliado e desenvolvido. Entretanto, muito importante que o facilitador de

    Biodanza tenha a compreenso deste processo de escolha e se dedique a criar sesses utilizando-se do

    acervo de msicas j pertencentes ao programa, sem se aventurar a partir de seu gosto pessoal.

    Movimento

    Cada pessoa singular em sua organizao do movimento. Partindo desta premissa, Biodanza

    estimula e induz o participante apropriao de seu prprio movimento fisiolgico, orgnico e integrado,

    cuja expresso se diferencia e se modifica ao longo do seu desenvolvimento, mediante a aprendizagem, os

    impulsos da conscincia e a interao com os estmulos do ambiente.

    Evita, assim, todo tipo de teatralizao ou coreografia, atendo-se a movimentos simples e

    cotidianos caminhar, saltar, dar a mo, abraar, embalar, acariciar, etc bem como a danas livres e

    tambm a gestos arquetpicos universais realizados pela humanidade desde os primrdios at nossos dias.

    Denominados posies geratrizes por Rolando Toro, esses gestos arquetpicos foram

    eternizados nas esculturas e pinturas de todas as pocas e expressam, por exemplo, adorao, sentimento

    de maternidade, intimidade, ou se referem a atividades arcaicas ligadas natureza, como a agricultura. 17

    Outra categoria de exerccios utilizados em Biodanza so os chamados movimentos

    segmentares de pescoo, ombros, braos, peito, plvis, que visam, atravs de movimentos conscientes, de

    natureza suave e dinmica giratria, promover trabalho muscular de dissoluo de couraas e integrao

    dos centros motores.

    O Sistema Biodanza visa fortalecer os sistemas de auto-regulao corporal, trabalhando os

    aspectos do movimento em suas relaes de unidade e complexidade, utilizando-se de um modelo

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    Um vasto arcabouo experimental sustenta o uso do contato e da carcia como fundamento

    teraputico na Biodanza. Nas palavras de Rolando Toro,

    Vivncias de contato afetivo durante um leve estado de transe permitem que os

    participantes reaprendam o Eros primordial e se sensibilizem para a prpria

    capacidade de acariciar e ser acariciado. (...) A pele, assim, no serve s para nos

    separar e nos proteger, mas tambm para nos unir aos outros, para nos fundir

    queles que esto em torno de ns.23

    E complementa: Esta a nica revoluo que tem sentido. 24

    Para mediar os processos de contato e acariciamento, Biodanza conta, em sua proposio

    metodolgica, com um princpio de progressividade que norteia seus mecanismos de ao. Consiste no

    respeito incondicional ao processo de maturao dos participantes, e do grupo como uma unidade, de

    forma que a graduao, a intensidade e a durao das vivncias sejam compatveis com os nveis deestresse, angstia, ansiedade e culpa de cada um.

    O princpio da progressividade visa atribuir, portanto, um ritmo adequado para que o trnsito

    evolutivo e a reciclagem dos processos vitais aconteam de forma integrada e harmnica.

    Assim, cabe ao facilitador de Biodanza desenvolver sua sensibilidade em relao ao grupo para

    que exerccios de contato e carcia sejam introduzidos cuidadosamente, criando-se um contexto favorvel

    no qual os participantes podem dissolver as defesas que produzem a represso da identidade e possam,como conseqncia, sentir prazer e bem-estar, entregando-se e aprofundando-se nas vivncias.

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    Dana

    A proposta da Biodanza, nas palavras de Rolando Toro, consiste na realizao de exerccios

    especficos, inspirados no significado primordial da dana, estruturados a partir de gestos naturais do ser

    humano e destinados a ativar a potencialidade afetiva que nos conecta a ns mesmos, ao semelhante e ao

    universo. 25

    Diferentemente da concepo de dana associada a altos nveis de otimizao na destreza e na

    beleza dos movimentos, tais como no ballet clssico e em outras propostas estruturadas seguindo passos

    pr-estabelecidos, a dana aqui vista em sua acepo mais ampla, significando movimento integrado

    pleno de sentido. Evoco aqui as palavras de Rolando Toro, que traduzem seu insight primordial ao criar a

    Biodanza como um convite a participar da dana csmica em um universo percebido como uma sinfonia,

    regido por leis rtmicas:

    Desde a origem dos tempos, a dana teve um significado sagrado, como se o

    movimento corporal, criando formas que em si mesmas tm um sentido,

    despertasse no danarino uma ressonncia com o cosmo. Como se os

    movimentos corporais, fluindo de um manancial desconhecido, ativassem a

    conscincia da totalidade. 26

    E completa:

    Pessoalmente creio em uma dana orgnica, que responda aos modelos

    naturais de movimento do ser humano: movimentos capazes de incorporar

    harmonia musical, gestos arquetpicos, feitos em profunda ressonncia com o

    cosmo. Procurei esta coerncia e a encontrei. 27

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    Esse sentido primordial da dana, a dana que surge do interior do ser humano, universaliza o

    Sistema Biodanza, pois prope um mtodo que desvincula seu propsito da destreza e da performance, e

    permite que qualquer pessoa, danarina ou no, possa vivenciar seus exerccios e desfrutar do processo de

    desenvolvimento e seus efeitos teraputicos.

    Mais do que aprender a danar, o participante da Biodanza se prope a aprender a viver em

    harmonia com suas caractersticas intrnsecas e seus potenciais. A dana to somente a manifestao da

    experincia da vida por meio do movimento.

    Este primeiro captulo teve como objetivo definir Biodanza, visando contextualiz-la como eixo

    norteador deste trabalho dissertativo. A inteno contribuir para a base terica desse mtodo,

    fomentando o processo educativo subjacente, a Educao Biocntrica, com apontamentos pertinentes que

    possam influenciar a viso de mundo dos participantes e interessados.

    Meus esforos se direcionaro criao de pontes, ligaes coerentes, entre conceitos-chaves,

    visando dar consistncia trama epistemolgica que faz da Biodanza uma tcnica replicvel, de

    linguagem universal, que pode se tornar uma ferramenta scio-ambiental de grande alcance.

    No prximo captulo elaborarei um arranjo conceitual que possa apresentar o arcabouo

    vivencial da Biodanza como expresso abrangente de uma nova lgica norteadora cujo princpio a

    diversidade.

    Essa lgica, acredito, faz-se adequada para mediar diferenas, suavizar conflitos e facilitar as

    relaes intra inter trans pessoais, no mbito da sociedade, em seu necessrio processo de

    transformao cultural rumo a um novo paradigma de integrao que traga tona a presena do ser

    universal como um padro de vivncia humana para o novo tempo que se descortina.

    Intra: em si mesmo, consigo mesmo, dentro de si; Inter: entre si, com os outros, eu e o outro; Trans: para alm de si, euno todo, ser o todo.

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    2. LGICA E SUBJETIVIDADE

    2.1 Paradigma da Vivncia

    Biodanza se expressa como um paradigma da vivncia. Qualquer aspecto, ou mesmo toda a base

    terica que sustenta o mtodo, tem apenas uma funo auxiliar ao ato de vivenciar uma sesso. A vivncia

    de Biodanza busca realizar seu propsito pedaggico e teraputico ao provocar vivncias integradoras

    capazes de expressar a identidade, modificar o estilo de vida e restabelecer a ordem biolgica. 28

    Paradoxalmente, a Biodanza se baseia em uma vasta sntese epistemolgica, fruto do gnio

    criador e sistematizador de Rolando Toro que confluiu campos tericos diversos ao abarcar Biologia,

    Psicologia, Etologia, Antropologia, Paleontologia, Arqueologia, Mitologia, Ecologia, Cincia do

    Movimento, Dana e Msica, em uma estrutura operacional coerente.

    Focada na vivncia, Biodanza visa ser um mtodo de linguagem universal que transcenda os

    conflitos do pensamento racional-analtico para evocar sade e realizao pessoal atravs de vivncias

    com efeitos harmonizadores em si mesmas, sem a necessidade de elaborao interpretativa ao nvel da

    conscincia.

    Sem ideologias ou teologias a serem seguidas, Biodanza silencia a balbrdia conceitual que

    divide a sociedade em numerosas faces mentais antagnicas, ao propor sesses nas quais as pessoas no

    falam, apenas vivem o aqui - agora induzidas por vivncias de alegria, paz, ternura, erotismo,

    transcendncia, mpeto vital, entusiasmo, ou seja, com contedos nutridores da existncia. 29

    Com esta prioridade na vivncia, Biodanza direciona seus esforos de transformao cultural

    rumo a uma cultura de paz e prosperidade no nvel do Inconsciente Vital das pessoas, desviando o foco da

    dimenso racional.

    Buscando arrefecer a atividade cortical do crebro que hiperestimulada no contexto cultural

    contemporneo e estimular o funcionamento do Sistema Lmbico-Hipotalmico, o centro regulador das

    emoes e dos instintos cuja atividade reprimida no atual contexto cultural Biodanza visa favorecer o

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    funcionamento equilibrado dos sistemas fisiolgicos, gerando uma restauradora sensao global de se

    sentir vivo.

    Ao enfatizar a expresso da identidade e estimular estados de regresso transcendente, a

    proposta teraputico-pedaggica consiste em intensificar as percepes de ser si mesmo (uma pessoa) e ao

    mesmo tempo estar no mundo, fazer parte e integrar uma totalidade mais ampla, reforando o vnculo

    emocional consigo mesmo, com os outros seres vivos e com o universo como um todo.

    Reforando-se estes vnculos, novos padres de comportamento podem emergir e se consolidar

    de maneira natural nas pessoas, tornando-as seres humanos com maior conscincia sobre suas relaes

    pessoais, seu trabalho, seus hbitos de consumo, sua prpria sade, e tambm em relao sociedade e ao

    Planeta Terra.

    Ao promover bem-estar endgeno, Biodanza escapa da encruzilhada analtica de vasculhar o

    presente para buscar o que est errado; e o passado para mapear as causas dos desarranjos atuais, tal como

    faz um terapeuta convencional em sua busca pelos sintomas e suas causas referentes.

    Ao contrrio, com o foco na sade, visa auxiliar as pessoas a descobrirem seus potenciais, sua

    maneira natural de ser, de se relacionar, de criar. Mobiliza-as a buscar um tipo de vida que as torna felizes

    ao se levantar pela manh e contentes ao ir para a cama noite, proporcionando-lhes prazer e entusiasmo

    na vida.

    Penso que a anlise da complexidade dos conflitos que proliferam nos mbitos pessoal e social

    tende a criar um labirinto emocional e reforar uma viso desesperanada da vida. Esta, por sua vez,

    permite o entorpecimento de coraes e mentes, induzindo as pessoas a colocarem distncia entre si

    mesmas e a realidade social. Realimenta-se, assim, o quadro de dissociao e enfraquecimento global

    gerado pela apatia, medo e ansiedade generalizados.

    A estratgia da Biodanza , portanto, descondicionar a estrutura emocional da pessoa, dando

    argumentos e ferramentas para que ela possa descontinuar esse crculo vicioso de rigidez e passividade,

    colocando-a em contato com contextos que do sentido existncia, atravs de vivncias.

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    vivncias harmonizadoras capazes de mediar um amplo espectro de crenas e nveis de desenvolvimento

    pessoal em um contexto favorvel expresso instintiva dos participantes.

    Assim, sem um padro objetivo de comportamento a ser alcanado, faz-se inadequada qualquer

    interpretao analtica das atitudes e movimentos dos participantes.

    Tal pressuposto da subjetividade, postura norteadora da Biodanza, atua, por si mesmo, como

    elemento de facilitao do processo de expresso dos participantes ao considerar a diversidade um

    fenmeno intrnseco realidade.

    Essa postura encontra ressonncia nos novos pressupostos cientficos que transformam o

    caminho explicativo da objetividade absoluta no qual, se houver teorias alternativas sobre um mesmo

    fenmeno, ser preciso tratar de verificar qual delas verdadeira em um caminho explicativo de

    objetividade multiversa no qual, se h teorias diferentes, cada uma est em um espao de coerncias

    diferente e respondem a diferentes perguntas dos observadores. As diferenas tornam-se um convite

    conversao entre observadores e no refutao de uns pelos outros. 31

    A epistemloga Maria Jos Esteves de Vasconcellos faz uma brilhante anlise dessa mudana de

    paradigma na cincia, enfatizando a substituio da preocupao com a verdade nica pelo

    reconhecimento de mltiplas verdades, em diferentes narrativas, no mais sobre a realidade tal como ela

    existe, mas sobre a experincia de cada pessoa e conclui:

    Assim, o mapa do outro no est errado, mas simplesmente diferente do meu e,

    apesar de nossas diferenas, poderei, como prope Maturana, aceit-lo como

    Embora a subjetividade seja um facilitador do processo de expresso, devo considerar tambm, principalmente noincio da experincia em Biodanza, o incmodo existencial que a falta de parmetros ocasionada por este pressupostopode acarretar no participante.

    Estes novos pressupostos cientficos se devem em grande parte ao trabalho de pesquisa do bilogo HumbertoMaturana, conterrneo e contemporneo de Rolando Toro, cuja afinidade terica evidente e explcita. Para secompreender os argumentos de Maturana que influenciaram decisivamente a postura da cincia no caminho daobjetividade multiversa, recomendo a leitura do livro A rvore do Conhecimento, escrito em parceria com otambm bilogo chileno Francisco Varela.

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    legtimo outro na convivncia, no me colocando acima nem melhor do que ele.

    Essa ser uma nova crena fundamental, uma convico indispensvel aos

    participantes de qualquer comunidade humana, para que se estabeleam

    espaos de intersubjetividade criativos ou produtivos, onde se d, por consenso,

    a construo da realidade. 32

    Herdeiros que somos do da moral judaico-crist, da lgica aristotlica clssica e do mecanicismo

    cartesiano, que sustentaram por sculos os valores que davam autoridade cultura dominante para afirmar

    o certo e o errado, adentrar este novo paradigma de mltiplas verdades e de co-construo da realidade

    nos liberta de um encouraamento fsico, mental e emocional que reprimiu os instintos humanos atravs

    de domnios de linguagem restritivos e imperativos.

    Tais domnios de linguagem negam s pessoas a possibilidade de refletir e agir de acordo com

    sua prpria natureza fisiolgica e exigem subordinao s suas afirmaes sob a ameaa de acusao de

    loucura ou contraveno.Na medida em que nos descondicionamos dessa abordagem cultural aprisionadora, vamos

    restituindo nossa capacidade natural de auto-regulao que, por sua vez, fortalece e equilibra os sistemas

    fisiolgicos no exerccio das atividades cotidianas.

    um crculo virtuoso que se refora na sade e no bem-estar e aponta para um novo estgio

    civilizatrio caracterizado por um comportamento flexvel e, conseqentemente, pela capacidade de

    aceitao da diversidade como princpio de organizao do sistema social. Tal flexibilidade, na esfera dasociedade, faz-se uma condio essencial na resoluo de conflitos, permitindo novos arranjos de parceria

    que potencializem o processo de transformao cultural. Nas palavras de Fritjof Capra,

    Em toda comunidade haver, invariavelmente, contradies e conflitos, que

    no podem ser resolvidos em favor de um ou do outro lado. Por exemplo, a

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    Transcende-se o que nos divide e constitui-se a unidade humana em nossa diversidade intrnseca.

    No h o primeiro nem o ltimo; no h o mais ou o menos importante. Somos todos seres vivos com um

    valor imanente.

    Cria-se um pacto sobre o qual os participantes so convidados a no terem medo de ser o que se

    . E na msica e no movimento sentimos a vida pulsando para alm dos antagonismos. Afloram-se

    comovedoras sensaes que permitem a expresso da singularidade em vnculos de comunicao afetivos

    e sadios.

    O depoimento emocionado de um gerente de mineradora, depois de uma sesso de Biodanza,

    citado por Liliana Viotti e Grson Barros de Carvalho, ilustra a profunda compreenso da diversidade em

    uma roda de Biodanza e, por conseguinte, na vida:

    Na roda, lado a lado, dissolvo meu ego

    que me faz sentir sempre maior ou menor que o outro;

    Na roda sou igual.

    Estar junto me faz forte.

    Com fora, no para vencer o outro,

    mas para construir minha prpria vida.

    Paro sua frente e olho em seus olhos.

    Meu corao bate forte e minhas mos tremem.

    Olho em seus olhos e vejo coisas dos meus:

    medo, insegurana, ansiedade.

    Agora, sim, posso perdoar voc do jeito que ,

    pois me perdo por ser do jeito que eu sou.37

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    3. FRAGMENTAO E TOTALIDADE

    Ao longo deste captulo formularei uma reflexo em torno de nossa viso de mundo bsica, a

    maneira pela qual tomamos conscincia do ambiente de nossas vidas, bem como da nossa prpria

    constituio como seres vivos participantes da intrincada teia que d vida ao Planeta Terra, em uma

    perspectiva csmica.

    Este mbito de reflexo a percepo de espao e tempo , a meu ver, elemento fundamental

    da forma como uma pessoa age no mundo. Constitui uma camada bastante profunda da percepo, atravs

    da qual se estabelecem os parmetros bsicos para se fazerem as escolhas existenciais.

    3.1 Hbitos e Comportamentos

    comum presenciarmos, no contexto da sociedade de uma maneira geral, e em grupos de

    Biodanza de uma maneira especfica, pessoas que h anos se propem a uma transformao pessoal, mas

    no apresentam respostas cognitivas suficientes para empreender mudanas de atitude e comportamento

    em relao ao ambiente de suas vidas, continuando a consumir em excesso, se alimentar em excesso, usar

    energia em excesso, sem uma viso crtica que os capacite a evitar o desperdcio de recursos,

    permanecendo merc dos modismos e desejos suprfluos inculcados pela mdia e pelas corporaes.

    Por mais que se reforcem intelectualmente os vnculos com os outros seres e com o meio

    ambiente, suas atitudes mantm a mesma lgica fragmentada, a mesma atitude ou ou, e, assim,

    revestem-se de uma separao existencial que se traduz em atos e escolhas danosas para si mesmo

    enquanto parte do planeta, reproduzindo padres culturais que fazem a humanidade causadora de um

    agudo desequilbrio ecolgico de dimenses globais. 38

    Em minha opinio, isso acontece porque subjaz em suas personalidades uma cosmoviso

    restritiva que os impede de alcanar uma compreenso satisfatria de suas relaes inerentes com o meio

    e, por conseguinte, mantm seus egos encapsulados, impedindo a incorporao da lgica da diversidade.

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    A ordem mecanicista fragmentadora atingiu seu apogeu no Sculo 19, sustentada pelo raciocnio

    reducionista (a compreenso dos fenmenos atravs de sua reduo s partes constituintes) e determinista

    (a absoluta certeza da cincia no entendimento de um mecanismo csmico causal e determinado), bem

    como pela formulao matemtica dos fenmenos naturais de Isaac Newton que, juntos, sintetizavam uma

    consistente viso de mundo que servia de alicerce para a cincia e sua metfora do universo como uma

    mquina composta por inumerveis peas separadas e independentes, montada por um grande engenheiro,

    Deus.

    Para Ren Descartes, o mentor filosfico dessa viso de mundo, o universo material no passava

    de uma mquina sem propsito, vida ou espiritualidade, funcionando de acordo com leis mecnicas, sendo

    explicado em funo da organizao e do movimento de suas partes. Capra disserta sobre a profunda

    influncia dessa viso de mundo cartesiana:

    Esse quadro mecnico da natureza tornou-se o paradigma dominante da

    cincia no perodo que se seguiu a Descartes. Passou a orientar a observao

    cientfica e a formulao de todas as teorias dos fenmenos naturais (...). Toda a

    elaborao da cincia mecanicista nos sculos XVII, XVIII e XIX, incluindo a

    grande sntese de Newton, nada mais foi do que o desenvolvimento da idia

    cartesiana. Descartes deu ao pensamento cientfico sua estrutura geral a

    concepo da natureza como uma mquina perfeita, governada por leis

    matemticas exatas. 51

    Tal concepo forneceu uma sano cientfica para a manipulao e a explorao do planeta

    que se tornaram tpicas da cultura ocidental. Compartilhando do ponto de vista de seu contemporneo, o

    influente filsofo Francis Bacon, de que o objetivo da cincia o domnio e o controle da natureza,

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    contudo, apresent-las em linhas gerais no sentido de instigar o aprofundamento do conhecimento em

    torno de suas idias e, por conseguinte, na familiarizao dos alicerces que podem encadear a efetivao

    da cultura ecolgica biocntrica para a integrao planetria.

    Constitui-se um dos meus objetivos, com este texto, fomentar transformaes da viso de mundo

    das pessoas em geral e especialmente dos participantes e interessados em Biodanza, de maneira que

    possam otimizar os estmulos das vivncias com percepes que facilitem estados de conscincia da

    identidade e transes integrativos que os levem a um estado de conexo com a totalidade indivisa.

    Abordarei, portanto, a nova ordem paradigmtica atravs de dois ensaios temticos, cujos

    domnios de linguagem abarcam conceitos de espao, tempo, matria, mente, vida, clula, organismo e

    conscincia, conceitos fundamentais para o nosso modo de vivenciar o mundo. Nesse caminho buscarei

    realizar pontes entre teorias cientficas e conceitos norteadores da Biodanza, visando concluir que esta

    ltima uma sntese visionria que abarca essa revoluo epistemolgica e, efetivada como uma

    ferramenta de ao scio-ambiental, capaz de promover a ascenso do ser universal no contexto da

    sociedade humana.

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    com um aspecto dual: dependendo do modo como eram observadas, apresentavam-se ora como partculas,

    ora como ondas.

    Essa estranha natureza dual da matria e da luz provocou um choque conceitual nos fsicos, que

    resistiam a aceitar alguma coisa que pudesse ser, ao mesmo tempo, uma partcula confinada em um

    pequeno volume e uma onda espalhada sobre uma vasta regio do espao.

    Esta primeira grande concluso experimental sugere que nenhum objeto atmico possui

    propriedades intrnsecas, independentes de seu meio ambiente. Afinal, as suas propriedades dependem do

    contexto experimental, da situao com a qual este objeto forado a interagir. 58

    A evoluo do raciocnio em torno da dualidade partcula-onda levou o fsico Werner

    Heisenberg a formular matematicamente as relaes que determinam o alcance de nossos mtodos de

    explicao, fazendo emergir o princpio da incerteza que postula a existncia de pares de conceitos, ou

    aspectos, da realidade atmica que no podem ser definidos simultaneamente de um modo preciso.

    Quanto mais enfatizamos um aspecto em nossa descrio, mais o outro se torna incerto, e a

    relao precisa entre os dois dada pelo princpio da incerteza, explica Fritjof Capra. 59

    Niels Bohr avanou no entendimento das relaes entre os pares de conceitos introduzindo a

    noo de complementaridade, sugerindo que a imagem da partcula e a imagem da onda so descries

    complementares do mesmo fenmeno, ambas necessrias para a descrio total da realidade atmica.

    E, nesse sentido, a elaborao da Teoria Quntica fez com que a concepo clssica de objetos

    slidos com existncia independente fosse veementemente contestada a partir da constatao que as

    entidades constituintes do tomo e conseqentemente constituintes de todo o mundo material no

    Tal natureza dual tambm foi constatada na luz, que pode adotar a forma de partculas ou de ondas eletromagnticas, deacordo com o experimento realizado.Esse paradoxo essencial da natureza , efetivamente, a transposio da atitude e-e, discutida no Captulo 2, para arealidade fsica. Enquanto os fsicos permaneceram presos atitude ou-ou, tpica da ordem mecanicista, nodesenvolvimento de suas pesquisas qunticas, os paradoxos se agudizaram. Foram necessrias trs dcadas de trabalhopara que fosse desenvolvido um novo padro de linguagem capaz de abarcar e transcender os paradoxos essenciais dacomposio fsica da matria e da luz.A noo de complementaridade na teoria quntica pode ser remetida filosofia chinesa dos opostos complementares

    Yin e Yang visto que ambas pressupem a existncia de elementos opostos que se complementam e, juntos,representam a complexidade do mundo, sendo que cada qual carrega em si o germe de sua prpria anttese.

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    Uma abordagem filosfica que parece se adequar nova viso do universo como um organismo

    indivisvel que s pode ser entendido atravs da autocoerncia entre suas partes foi apresentada por

    Geoffrey Chew na dcada de 1960.

    Chamada de Abordagem Bootstrap, sugere que, para compreendermos o universo, devemos

    abandonar a busca pelos componentes fundamentais da matria e submeter seus elementos a um exame de

    mtua coerncia. As explicaes acerca do mundo material so alcanadas na perspectiva de uma teia

    interligada de relaes, na qual nenhuma das propriedades de qualquer parte dessa teia fundamental;

    todas elas decorrem das propriedades das outras partes do todo, e a coerncia total de suas inter-relaes

    define a estrutura da teia. 63

    Dessa forma, as propriedades das partes so derivadas da observao da totalidade, o que

    significa que as estruturas bsicas do mundo material so determinadas, em ltima instncia, pelo modo

    como observamos este mundo. Esta perspectiva atribui conscincia humana e, conseqentemente, aos

    valores subjacentes a ela, um fator imperioso para a determinao das propriedades dos fenmenos

    observados, concluindo-se da que os modelos da matria so reflexos dos modelos de mente.

    Sustentada por essa filosofia da autocoerncia, a pesquisa cientfica tende a avanar na direo

    da realidade no-mecnica para produzir modelos de explicao do universo como um grande organismo,

    ou como um grande pensamento, abrindo fascinantes fronteiras do conhecimento na medida em que

    concepes de matria e de mente passam a ser reconhecidas como reflexos recprocos.

    4.4 Holograma como Metfora

    Uma abordagem que envolve concepes autocoerentes para entendermos a realidade a que

    explora as ordens inerentes, manifestas e no-manifestas, da teia csmica como um holograma, no

    qual cada parte, num certo sentido, contm o todo.

    A expresso Bootstrap, consagrada no ambiente da Fsica de partculas, significa literalmente: presilha da bota. uma metfora para sugerir que o conjunto de todos os aspectos universais gera a si mesmo, tal como se uma pessoapudesse se erguer pelas presilhas de suas prprias botas. Cf. CAPRA (1983), pgs. 213 e ss.

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