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Conselho Editorial InternacionalPresidente: Professor Doutor Rodrigo Horochovski (UFPR – Brasil) Professora Doutora Anita Leocadia Prestes (ILCP – Brasil) Professora Doutora Claudia Maria Elisa Romero Vivas (UN – Colômbia) Professora Doutora Fabiana Queiroz (Ufla – Brasil) Professora Doutora Hsin-Ying Li (NTU – China) Professor Doutor Ingo Wolfgang Sarlet (PUC/RS – Brasil) Professor Doutor José Antonio González Lavaut (UH – Cuba) Professor Doutor José Eduardo Souza de Miranda (UniMB – Brasil) Professora Doutora Marilia Murata (UFPR – Brasil) Professor Doutor Milton Luiz Horn Vieira (Ufsc – Brasil) Professor Doutor Ruben Sílvio Varela Santos Martins (UÉ – Portugal)

Comitê Científico da área Ciências HumanasPresidente: Professor Doutor Fabrício R. L. Tomio (UFPR – Sociologia)Professor Doutor Nilo Ribeiro Júnior (Faje – Filosofia)Professor Doutor Renee Volpato Viaro (PUC/PR – Psicologia)Professor Doutor Daniel Delgado Queissada (Ages – Serviço Social)Professor Doutor Jorge Luiz Bezerra Nóvoa (Ufba – Sociologia)Professora Doutora Marlene Tamanini (UFPR – Sociologia)Professora Doutora Luciana Ferreira (UFPR – Geografia)Professora Doutora Marlucy Alves Paraíso (UFMG – Educação)Professor Doutor Cezar Honorato (UFF – História)Professor Doutor Clóvis Ecco (PUC/GO – Ciências da Religião)Professor Doutor Fauston Negreiros (UFPI – Psicologia)Professor Doutor Luiz Antônio Bogo Chies (UCPel – Sociologia)Professor Doutor Mario Jorge da Motta Bastos (UFF – História)Professor Doutor Israel Kujawa (Imed – Psicologia)Professor Doutor Luiz Fernando Saraiva (UFF – História)Professora Doutora Maristela Walker (UTFPR – Educação)Professora Doutora Maria Paula Prates Machado (Ufcspa – Antropologia Social)Professor Doutor Francisco José Figueiredo Coelho (UFRJ – Ensino de Biociências e Saúde)Professora Doutora Maria de Lourdes Silva (UERJ – História)Professora Ivonete Barreto de Amorim (Uneb – Educação, Formação de Professor e Família)Professor César Costa Vitorino (Uneb – Educação/Linguística)Professor Marcelo Máximo Purificação (Uneb – Educação, Religião, Matemática e Tecnologia)Professora Elisângela Maura Catarino (Unifimes – Educação/Religião)Professora Sandra Célia Coelho G. da Silva (Uneb – Sociologia, Gênero, Religião, Saúde,

Família e Internacionalização)

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Ivoni Freitas-ReisKarine Gabrielle Fernandes

Ingrid Nunes Derossi(Orgs.)

Discutindo o Ensino de Ciências da Natureza a partir da Formação de

Professores, Inclusão e História da Ciência

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© Brazil Publishing Autores e Editores AssociadosRua Padre Germano Mayer, 407Cristo Rei - Curitiba, PR - 80050-270+55 (41) 3022-6005

Associação Brasileira de Editores CientíficosRua Azaleia, 399 - Edifício 3 Office, 7º Andar, Sala 75Botucatu, SP - 18603-550 +55 (14) 3815-5095

Comitê EditorialEditora-Chefe: Sandra HeckEditor Superintendente: Valdemir PaivaEditor Coordenador: Everson CiriacoDiagramação e Projeto Gráfico: Rafael ChiarelliArte da Capa: Paula ZettelRevisão de Texto: Os autores

DOI: 10.31012/978-65-5861-128-8

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9 / 626

Discutindo o ensino de ciências da natureza a partirD611 da formação de professores, inclusão e história da ciência / organização de Ivoni Freitas-Reis, Karine Gabrielle Fernandes, Ingrid Nunes Derossi 1.ed. - Curitiba: Brazil Publishing, 2020. [recurso eletrônico] Vários colaboradores ISBN 978-65-5861-128-8

1. Ciência – História. 2. Ciências – Estudo e ensino. 3. Professores Formação. I. Freitas-Reis, Ivoni (org.). II. Fernandes, Karine Gabrielle (org.). III. Derossi, Ingrid Nunes (org.). CDD 574.507 (22.ed) CDU 5:37.02

[1ª edição – Ano 2020]www.aeditora.com.br

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Agradecimentos

À professora Ivoni Freitas-Reis, em nome dos demais autores que são ou foram seus orientandos, nosso agradecimento especial por todo o amparo profissional e pessoal dedicado, contribuindo grande-mente em nossas formações;

As escolas parceiras, alunos participantes e Instituições de En-sino Superior por acolherem nossas pesquisas e colaborarem na diver-sificação de tantos temas;

A Capes pelos fomentos que tornaram menos árduas cada uma das pesquisas apresentadas aqui;

A todos os que contribuíram em suas singularidades e de uma forma ou de outra para a materialização desta obra.

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ApresentaçãoO livro Discutindo o Ensino de Ciências da Natureza a partir da

Formação de Professores, da Inclusão e da História da Ciência foi construído alicerçado nas diferentes temáticas de trabalhos de pesquisadores no Ensino de Química e de Física contemplando os eixos de Formação de Professores, Inclusão de Surdos e História da Ciência. Esses eixos são relevantes para o desenvolvimento do ensino de Ciências da Nature-za e esta obra oferece referenciais de qualidade para serem utilizados como base teórica e geradores de ideias para novas pesquisas.

Para a montagem da obra tivemos a grata satisfação de contarmos com a participação de pesquisadores de diferentes Instituições de Ensino Superior, os quais nos auxiliaram na difícil tarefa de uma composição har-mônica, porém variada em sua proposta. Estiveram conosco nessa tarefa professores da UFV, UFSC, UFF, UNEC, UFBA, UFTM e UFJF comparti-lhando suas experiências e empenho com a Educação Brasileira.

Buscando uma leitura fluida, a qual mescla três grandes temáti-cas entretecidas na diagramatura do Ensino de Ciências da Natureza e ofertando tanto sugestões de aplicação quanto um embasamento teóri-co e responsável, optamos pela seguinte arquitetura contextual:

Do primeiro ao sétimo capítulo ousamos sugerir formas de abor-dar a Educação Inclusiva a Surdos, a História da Ciência e Abordagens Educacionais Diversificadas apresentando algumas das inúmeras estra-tégias e reflexões que esse grupo de pesquisadores tem lançado mão durante a sua jornada, tanto na Educação Básica quanto em Licenciatu-ras Químicas. Do oitavo ao décimo terceiro capítulo buscamos fornecer embasamento teórico em uma linguagem direta, sem nos distanciarmos do aprofundamento e comprometimento dos trabalhos acadêmicos para que os futuros e já atuantes professores possam se envolver com os te-mas e aplicá-los da forma que mais lhes aprouver e melhor condizer com o seu público.

Em todos os capítulos trazemos a Ciência como um fazer cole-tivo, dinâmico e contextualizado. Construímos essa obra com o desejo que ela possa ser útil e que desperte ideias e debates.

Ivoni Freitas-ReisIngrid Nunes Derossi

Karine Gabrielle Fernandes

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AbstractThe book Discussing the Teaching of Natural Sciences from the

Perspective of Teacher Training, Inclusion and the History of Science was shaped based on the different themes of work from researchers in the area of Chemistry and Physics Teaching, covering the categories of Teacher Training, Inclusive Education for Deaf Students and History of Science. These categories are relevant to the development of Natural Sciences Teaching and this work offers high-quality references to be used as a theoretical basis and inspiration for new research ideas.

For the assembly of the work we had the grateful satisfaction of the contribution of researchers from different Higher Education Institutions, who helped us in the difficult task of a harmonious composition, although varied in its proposal. Professors from UFV, UFSC, UFF, UNEC, UFBA, UFTM e UFJF were with us in this task, sharing their experiences and commitment to Brazilian Education.

Seeking a fluid reading, which mixes three great themes interwoven in the diagram of the Teaching of Natural Sciences and offering both application suggestions and a theoretical and responsible basis, we chose the following contextual architecture:

From the first to the seventh chapter, we dare to suggest ways to approach Inclusive Education for Deaf Students, the History of Science and Diversified Educational Approaches presenting some of the numerous strategies and reflections that this group of researchers have used during their journey, both in Basic Education and in Chemistry degrees. From the eighth to the thirteenth chapter, we seek to provide theoretical support in a direct language, without distancing ourselves from the depth and commitment of the academic work so that future as well as already active professors can get involved with the themes and apply them in the way they prefer so as to better match their audience.

In all chapters we bring Science as a collective, dynamic and contextualized effort. We built this work with the desire that it can be useful and that it will spark ideas and debates.

Ivoni Freitas-ReisIngrid Nunes Derossi

Karine Gabrielle Fernandes

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Palavras-chave

“Anomalias de polaridade”, novas linguagens, a “físico-química”, luz e o “efeito coloidal” em Michael FaradayPalavras-chave: Diamagnetismo; Comportamento Magnético; Filmes Magnéticos; História da Ciência e Ensino; Propriedades da Matéria.

O estudo da conservação das massas e balanceamento de reações químicas: relato de uma experiência de elaboração de estratégias de ensino com surdosPalavras-chave: Surdez; Pedagogia Visual; Educação Inclusiva; Estratégias de Ensino; Química.

Educação de surdos, semiótica peirciana e língua de sinais: tecendo possíveis aproximaçõesPalavras-chave: Libras; Semiótica; Surdez; Química; Educação.

Visões de alunos de uma escola Montessori sobre a química e suas relações com as ciências e a sociedadePalavras-chave: Escola Montessori; Pedagogia Diferenciada; Ensino de Química; Ensino Fundamental; Visões de Estudantes.

Os cartões de divulgação dos extratos de carne do químico alemão Justus Von LiebigPalavras-chave: Liebig; Século XIX; Divulgação Científica; Química; Cartões.

O jogo da vida de Marie Curie sob o olhar da história da ciênciaPalavras-chave: Marie Curie; Mulheres na Ciência; Ensino de Química; Jogos Didáticos; História da Ciência.

Química dos super-heróis: a utilização de uma unidade de ensino potencialmente significativa com séries de TV no ensino de radioatividadePalavras-chave: UEPS; Aprendizagem Significativa; Séries de TV; Ensino de Química; Radioatividade.

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A construção de uma teoria - reflexões nas cartas de Michael Faraday em 1812 e suas leis eletroquímicasPalavras-chave: História da Ciência; Michael Faraday; Leis Eletroquímicas; Royal Institution; Decomposição Eletroquímica.

A mulher na história da ciênciaPalavras-chave: História da Ciência; Gênero e Carreira Científica; Mudança Social; Ensino.

A questão animal na educação básica: alguns apontamentosPalavras-chave: Veganismo; Ideologia; Educação Básica; Ensino de Ciências; Escola.

Questionários e experiência piloto: uma investigação em ensino de ciênciasPalavras-chave: Ensino de Ciências; Questionários; Experiência Piloto; Metodologia; Veganismo.

Rosalind Franklin e seus estudos determinantes para a estruturação do DNA: a pesquisadora para além do sexismoPalavras-chave: História da Ciência; História da Química; DNA; Mulher na Ciência; Rosalind Franklin.

Reflexões sobre o “novo educador” frente a uma educação intercultural: em foco o professor de química e os desafios postos pela inclusão educacional dos surdosPalavras-chave: Educação Intercultural; Inclusão de Surdos; Ensino de Ciências/Química; Cultura Surda; Formação Docente.

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SUMÁRIO

Reflexões sobre o “novo educador” frente a uma educação intercultural: em foco o professor de química e os desafios postos pela inclusão educacional dos surdos . . . . . . . . . . . . . . . . . 12Kevin Pereira; Vinícius Catão

A questão animal na educação básica: alguns apontamentos . . . 26Karine Gabrielle Fernandes

Questionários e experiência piloto: uma investigação em ensino de ciências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37Karine Gabrielle Fernandes

Visões de alunos de uma escola Montessori sobre a química e suas relações com as ciências e a sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50Fernanda Luiza de Faria

Química dos super-heróis: a utilização de uma unidade de ensino potencialmente significativa com séries de TV no ensino de radioatividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59Beatriz Gatti de Castro; Lúcia Maria de Assis; Raiane Dandara Pereira Pimentel

O jogo da vida de Marie Curie sob o olhar da história da ciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73Fernanda Luiza de Faria; Ingrid Nunes Derossi; Gabriele Smanhotto Malves-si; Ana Caroline Ferrari

O estudo da conservação das massas e balanceamento de reações químicas: relato de uma experiência de elaboração de estratégias de ensino com surdos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86Jomara Mendes Fernandes; Ivoni Freitas-Reis

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Educação de surdos, semiótica peirciana e língua de sinais: tecendo possíveis aproximações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98Jomara Mendes Fernandes

Os cartões de divulgação dos extratos de carne do químico Alemão Justus Von Liebig (1803-1873) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111Ingrid Nunes Derossi

A mulher na história da ciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125Giovana Mendonça de Medeiros; Ivoni de Freitas Reis

Rosalind Franklin e seus estudos determinantes para a estruturação do DNA: a pesquisadora para além do sexismo . . . . . . . . . . . 136Leonardo Lessa Pacheco

“Anomalias de polaridade”, novas linguagens, a “físico-química”, luz e o “efeito coloidal” em Michael Faraday . . . . . . . . . . . . 149João B. Alves dos Reis; Marcelo Fonseca Pinto

A construção de uma teoria:.reflexões nas cartas de Michael Faraday em 1812 e suas leis eletroquímicas . . . . . . . . . . . . 162Marcelo Fonseca Pinto; João B. Alves dos Reis

Índice remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177Sobre os organizadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179

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Reflexões sobre o “novo educador” frente a uma educação intercultural: em foco o

professor de química e os desafios postos pela inclusão educacional dos surdos

Kevin Pereira1

Vinícius Catão2

Quando se analisa a Educação Básica e Superior é preciso re-conhecer a necessidade de formarmos indivíduos com base na cultura própria de certos grupos sociais. Isso se realiza por meio da articulação de saberes historicamente acumulados que dialogam com as especi-ficidades dos diferentes sujeitos que povoam os espaços educativos. Assim, é possível inferir que todo processo formativo tem a finalidade de compartilhar saberes, princípios e valores que deveriam contem-plar os aspectos sócio, históricos e culturais dos diferentes grupos, destacando-se os conhecimentos científicos que permeiam a sociedade. Acreditamos, com base em Krasilchik e Marandino (2007) e Santos e Schnetzler (2010), que todo o processo educativo precisa favorecer a formação de cidadãos críticos e reflexivos em espaços que deveriam primar pelo acolhimento e respeito à diversidade. Isso perpassa a formação educacional dos diferentes sujeitos, contemplando também os aspectos avaliativos como forma de respeitar as especificidades de cada um. Nesse sentido, Hoffmann (2018) nos adverte que a:

Inclusão pode representar exclusão sempre que a avalia-ção for para classificar e não para promover, sempre que as decisões levarem em conta parâmetros comparativos e não as condições próprias de cada aluno, o princípio de favorecer-lhe oportunidade máxima de aprendizagem, de inserção na sociedade, em igualdade de condições

1 Instituto de Ciências Exatas, Departamento de Química, Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected] Instituto de Ciências Exatas e Tecnológicas, Departamento de Química, Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]

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educativas. Essa igualdade nada tem a ver com a visão padronizada da avaliação, como uma exigência de igualar-se aos colegas, de corresponder às exigências de um currículo fixo ou às expectativas de um professor. (HOFFMANN, 2018, p. 39-40).

Na forma dessa discussão, cabe lembrar que o movimento pela ampliação do acesso à Educação pode ser considerado algo relativamen-te recente, tendo o seu principal marco na Constituição Federal de 1988, onde no Art. 205 a Educação é definida como um direito de todos, e no Art. 206, inciso I, é apresentado o princípio da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1988). Considerando o disposto na Constituição de 1988 até os dias atuais (o ano “pandêmico” de 2020) ainda há muito para avançarmos no sentido da tão almejada igualdade de condições para acesso e permanência nas Escolas e Universidades. Vivemos em uma sociedade ainda estruturada para os iguais e, conse-quentemente, reproduzimos essa igualdade hegemônica nas instituições de ensino.

Para que os referidos dispostos constitucionais se efetivem, se faz necessária uma reorganização dos processos educativos e dos espaços de modo a não aceitarmos, enquanto educadores, a hipocrisia do “eu finjo que incluo e você finge que é incluído”. Não se faz inclu-são sem pensar no outro, nas suas necessidades e na importância de acolher, respeitar e manejar as diferenças inerentes a qualquer espaço educativo. Com base nisso, presenciamos uma realidade em que mui-tas instituições recebem estudantes com necessidades diferenciadas, como os Surdos1, grupo ao qual focaremos nossa discussão neste capítulo. Eles apresentam necessidades educacionais diferenciadas, considerando a sua condição linguístico-cultural, o que exige uma formação de professores que dialogue efetivamente com as demandas postas pela Escola Inclusiva (VILELA-RIBEIRO; BENITE, 2010). Nesse sentido, Retondo e Silva (2008) apontam para a necessidade urgente

1 Concordamos com Moura (2000) e Bizol (2010) quando elas discutem que o termo “Surdo (a)”, usado com inicial maiúscula, refere-se ao indivíduo que, tendo perda auditiva, não é caracterizado pela sua deficiência, mas pela sua condição de pertencer a um grupo minoritário e possuir a Língua de Sinais como língua materna (L1). Assim, optamos por usar a notação com o “S” em maiúscula neste texto, afirmando esta marca de reconhecimento a um grupo com expressiva luta histórica por seus direitos e reconhecimento linguístico-cultural.

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de buscarmos formar um “novo educador” que assuma os desafios postos pela inclusão educacional. Em especial aqui, a dos Surdos.

Entender alguns aspectos desse profissional que dialoga com a Educação Intercultural é o que nos motivou a escrever este texto. Avaliamos que é importante a formação docente buscar estabelecer um efetivo diálogo com questões sobre as diferenças, destacando-se a pluralidade linguístico-cultural dos Surdos. Isso teria o objetivo de fomentar práticas pedagógicas e metodologias que são culturalmente sensíveis a diversidade, acolhendo e respeitando o outro e suas es-pecificidades por meio de uma Educação Intercultural que pode ser compreendida, segundo Candau (2011), como:

[...] uma educação para negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que ar-ticule políticas de igualdade com políticas de identidade. (CANDAU, 2011, p. 27).

Segundo esta autora é necessário desnaturalizar estereótipos e preconceitos culturalmente impregnados em nossas ações, com re-flexos nos currículos praticados. Como o ser humano é marcado por contradições e incompletudes, isso muitas vezes repercute nas ações educativas que nos faz indiferentes às diferenças, o que nos leva a invisibilizar o outro e sua condição identitária (FLEURI, 2003). Assim, diante da complexidade que perpassa o ser humano e toda a sua incompletude, conscientizar-se seria o passo inicial para um questio-namento crítico e reflexivo sobre a condição do outro.

Nessa continuidade, concordamos que o professor seria o agente principal na formação dos educandos, independentemente do nível de ensino em que estes se encontram. Dessa forma, considerando a nossa formação (Licenciatura em Química) e as experiências em pesquisas relacionadas à Educação dos Surdos e formação de professores traremos uma discussão que dialogará com essas duas áreas de conhecimento. Os professores, por muito tempo, foram formados para assumirem alguns

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padrões2 em sala, sendo o processo de ensino estruturado no modelo 3+1 que reproduzia de forma determinante a relação de transmissão-recepção de informações em que os alunos seriam sujeitos passivos nesse processo. Porém, estes alunos padronizados existem? Podemos levantar tal questio-namento ao refletir sobre as diferenças socioculturais3 presentes em uma sala de aula, sendo esta um lócus de diálogo e negociação, por natureza. Posto isto, ainda que em um espaço educacional não haja a presença de estudantes Surdos, o mesmo poderia possuir um viés inclusivo?

Em uma sala de aula regular, onde há professor e estudantes ouvintes apenas, existem grupos provenientes de realidades sociais e culturas diferentes e isto, por si só, já é o suficiente para se ter neste espaço cosmovisões4 muito distintas. Deste modo, seria importante o educador buscar acolher e respeitar a pluralidade, ainda mais em um espaço educacional com a presença de estudantes surdos. Em salas de aula regulares, quando nos limitamos a pensar apenas no aspecto linguístico, constatamos que a interação do professor com os estu-dantes ouvintes ocorre por meio da língua oral-auditiva5. Por ser algo compartilhado entre as partes, elas ordinariamente não se questionam acerca do quão fundamentais são tais aspectos para o ensino e como a língua e sua modalidade configuram como parte essencial de uma cultura (PEREIRA; BENITE; BENITE, 2011). O Surdo, por sua vez, ao entrar em contato com esse universo ouvinte, não se reconhece nele, pois não é nesta modalidade que o mesmo se comunica e interage (ANGELUCCI; LUZ, 2010). A diferença pode ser notada facilmente e a língua visuoespacial, Língua Brasileira de Sinais (Libras), torna-se necessária em sua vivência escolar.

2 Nos referimos aos padrões comportamentais e cognitivos, onde espera-se do estudante um certo tipo de atitude e resposta mediante uma forma específica de ensinar do professor. 3 Geerz (1989) caracteriza a cultura como um conjunto de hábitos e significados que compõem o homem em uma comunidade e que foram tecidos por ele mesmo.4 A cosmovisão de um indivíduo pode ser considerada como um conjunto de valores, crenças, impressões, sentimentos e concepções a respeito do mundo em que se vive, ou seja, é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo que, inserido em uma cultura, possui uma percepção acerca de tudo o que existe. (FERREIRA, 1986).5 A modalidade de uma língua é caracterizada pelas suas estruturas de produção e recepção. O Português falado é uma língua produzida por uma via oral e recebida por uma estrutura auditiva, o que a caracteriza como oral-auditiva. A Língua Brasileira de Sinais, por sua vez, é considerada como uma produção gestual recebida pela estrutura visual de outro indivíduo, ou seja, sua modalidade é denominada como gestual-visual. (RODRIGUES, 2018).

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Assim, a presença do Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais (TILS) faz-se indispensável em sala de aula, sendo este o profissional que converte a modalidade oral-auditiva para a gestual-visual. Po-rém, entendemos que o professor pode cooperar para que os aspectos da cultura Surda sejam explorados em sala de aula, fazendo com que o mesmo se sinta instigado a aprender e respeitado (FERNANDES; FREITAS-REIS, 2017). Tal profissional é o que consideraremos nesse capítulo como o “novo educador”, pois é aquele que assume uma nova percepção sobre a Educação Inclusiva e se posiciona frente a essa necessidade de diálogo com a “Educação Intercultural”, que pressupõe acolher e respeitar as diferenças.

Em algumas pesquisas realizadas por nós (ainda no prelo) lida-mos com professores do Ensino Superior Federal e da Educação Básica que enfrentavam esse grande desafio. Sendo assim, nos propomos aqui a discutir acerca das demandas existentes para o um professor que atua em uma sala com Surdos. Não tencionamos produzir ne-nhum tipo determinante de ações a serem seguidas como diretrizes. Pelo contrário, entendemos ser necessário discutirmos sobre alguns dos aspectos recorrentes no discurso de professores que vivenciaram experiências com Surdos. Assim, teremos como base da nossa discus-são a entrevista realizada com uma professora de Química6 do Ensino Superior atuante em uma Universidade Federal no estado de Minas Gerais. Esta docente foi entrevistada no período em que trabalhou pela primeira vez com um estudante Surdo na disciplina de Química Geral. A professora compartilhou conosco alguns de seus desafios e inquietudes ao vivenciar tal experiência. Ela é graduada em Química e concluiu sua formação em um período anterior ao que a Libras foi reconhecida como língua oficial do surdo pela Lei nº 10.436 (BRASIL, 2002), tornando-se, em seguida, uma das disciplinas obrigatórias para os cursos de Licenciatura e o curso de Fonoaudiologia por meio do Decreto nº 5.626 (BRASIL, 2005).

6 Usaremos majoritariamente o discurso desta docente, pois entendemos ser uma possível representante da opinião expressa pelos demais professores com os quais tivemos contato na pesquisa desenvolvida durante o mestrado de um dos autores.

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O Professor e a sua formação

Visto que o professor possui um papel importante na inclusão dos estudantes Surdos, concordamos que sua formação pode ou não contribuir para a sua prática em contextos de diversidade. Segundo Pletsch (2009), para haver um ensino de qualidade que atenda às reais necessidades dos discentes, investir na formação inicial dos profis-sionais da educação é imprescindível. Sendo assim, a professora foi questionada se na sua formação inicial (graduação) algum tema rela-cionado à Educação Inclusiva havia sido abordado. A resposta segue transcrita a seguir:

Uhm. ((risos)) nunca! Nada, nada. E olha que eu sou Li-cenciada, eu não fiz o Bacharelado [em Química]. Estudei para ser professora, para vir para sala de aula, e não, não tive aula de Libras e nem sequer conheci esse termo na época da minha graduação. Frequentei praticamente du-rante toda minha graduação a Faculdade de Educação sem nunca ter uma formação direcionada com o tema inclusão.

O que foi vivenciado por esta docente é compartilhado por diversos outros professores que não tiveram discussões acerca desta temática na sua formação inicial. Assim, acreditamos que esse “novo educador” terá o desafio de lidar com esta lacuna em sua formação e assumir os desafios postos pela inclusão educacional dos Surdos. É necessário, assim, assumir a responsabilidade de educar em meio a di-versidade e buscar uma formação que caminhará junto com a prática. Isso muitas vezes não tem acontecido como apontado por Almeida e Teixeira Junior (2011).

Há não somente a necessidade de se formar um novo perfil de educador, assim como advoga Rentondo e Silva (2011), mas de entendemos a premência de que os professores em serviço tenham oportunidades de uma formação continuada que vislumbre a questão da inclusão. Atualmente, alguns espaços físicos e virtuais7 se configu-ram como locais de formação8 e são potenciais para promoverem uma

7 Existem Projetos de Extensão em Universidades Federais, cursos de Libras oferecidos por pastorais de Surdos, instituições religiosas ou por comunidades surdas em algumas cidades. Além disso, existem sites que oferecem cursos gratuitos relacionados à aprendizagem da Libras e sobre bases que compõem a Educação Inclusiva. 8 A formação continuada é aquela que, segundo Alvarado-Prada, Freitas e Freitas (2010, p. 370), “contribua com a manutenção, criação e alteração das relações estruturantes e estruturadoras do

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mudança na visão de professores acerca da Educação Inclusiva com foco na Surdez.

O Professor e a Cultura Surda

Em um segundo momento a professora foi questionada se de alguma maneira sentia-se capacitada para lidar com os desafios postos pela Educação Inclusiva voltada aos Surdos. A mesma respondeu negativamente, porém avaliou que naquele momento se considerava mais madura e com a “cabeça aberta” para lidar com as demandas postas pela diversidade e a inclusão. A docente apontou que o seu objetivo profissional era “passar de professora a educadora”, pois a mesma ainda não se considerava como tal. Para que isso acontecesse, segundo ela, seria necessário se preparar para a realidade que estava vivendo: o primeiro contato com um estudante Surdo. Conforme afir-mou, a inclusão estava “batendo à sua porta” e, mesmo não tendo uma formação, era necessário buscar qualificações para articular um ensino que contemplasse a todos.

Como citado pela professora, a presença do estudante Surdo em sala de aula configurou como sendo a sua primeira experiência com o ensino de Química voltado à inclusão. Quando questionada acerca dessa experiência, das possíveis dificuldades enfrentadas e suas pretensões de crescimento a professora pontuou que considerava suas aulas “tradicionais”9, sobretudo ao fazer uso de quadro, giz e de muitas explicações orais. Segundo ela, seria necessária uma renovação didática para atender as demandas postas por uma nova geração, incluindo os estudantes Surdos. A professora ainda expressou que pretendia investir nos aspectos visuais com destaque para slides, de-senhos no quadro, modelos, dentre outros. Isso demonstra um certo entendimento sobre a relevância dos modos de representações e dos aspectos visuais no Ensino de Química, sobretudo para os Surdos terem maior acesso ao conhecimento científico discutido em sala de

desenvolvimento profissional do coletivo docente na instituição escolar”.9 A docente trata em seu discurso uma “aula tradicional” como sendo aquela que replica algumas ações instituídas no ensino desde muito tempo como, por exemplo, o uso do quadro e giz como recursos educacionais. Não identificamos um tratamento relacionado à pedagogia tradicional, que toca na forma de perceber o processo de ensino e aprendizagem, bem como o seu estudante.

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aula. A reposta da professora dialoga com os aspectos fundantes da Pedagogia Visual votada aos Surdos.

Seguindo esta discussão, concordamos com Pereira, Benite e Benite (2011) sobre a ideia de que para favorecer a inclusão dos Surdos é necessário entender um pouco a cultura deles. Devido os caminhos trilhados pela Comunidade Surda ao longo da história, marcados por lutas pelos direitos sociais, linguísticos e políticos, os aspectos que compõem essa Cultura10 precisam repercutir na Educação. Além disto, existem marcas culturais e linguísticas que devem ser consideradas e respeitadas no processo formativo. Dentre elas, a mais importante e também citada pela professora, seria o uso de uma língua gestual-vi-sual, a Libras, com ações imagéticas.

Assim, concordamos que o uso de uma língua baseada em modalidade diferente implica em uma organização cognitiva distinta para estruturar o pensamento e a linguagem (SAKS, 2010). Dessa forma, ao compreendermos que a linguagem utilizada abarca o modo como o pensamento se processa, é necessário usar recursos visuais e ações representacionais que busquem favorecer um adequado acesso ao conhecimento de modo a se ter uma equiparação de oportunidades em sala de aula. Pereira, Benite e Benite (2011) conectam isto com a possibilidade de utilizar artifícios, além da fala, que estimulam outros sentidos, assim como os aspectos visuais.

Existem hoje diversos meios para se conhecer a Cultura Surda e suas práticas. Podemos mencionar as redes sociais, como o YouTube e o Instagram, além dos diversos documentos11 e pesquisas que discutem questões estruturantes dessa Comunidade. Também há plataformas midiáticas, como a TVInes12 que disponibiliza diversos Programas com acessibilidade total (em Libras e Português vocalizado, por meio de legendas e áudio-descrição), apresentando relevantes temá-ticas relacionadas à Cultura Surda. Por fim, o contato direto com os próprios Surdos nas Associações, Sociedades, espaços educativos e eclesiásticos. Hoje esse grupo já assume protagonismo e tem o devido reconhecimento em diferentes espaços da sociedade.

10 Segundo Thoma (2012, p. 173), a Cultura Surda “[...] é constituída de códigos, hábitos, humor e histórias que são compartilhados entre seus integrantes em espaços como as escolas, as associações e em famílias surdas.”11 Podemos citar os trabalhos de Strobel (2008), Karnop (2010), Lopes e Neto (2006) e Santana e Bérgamo (2005).12 < http://tvines.org.br/ >. Acesso em maio de 2020.

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O Professor e a Libras

Seguindo em diálogo com outras pesquisas, como a de Sousa e Silveira (2011), a professora de Química reconhece a barreira linguística existente entre ela e o estudante Surdo, considerando que ela não tem o domínio da Libras. Isso, como citado anteriormente, caracteriza-se como uma dificuldade para a educação desses indivíduos. Assim, exis-te certa preocupação em explorar outras formas de comunicação que são comuns entre eles, principalmente se tratando dos aspectos visuais. A professora ainda comentou que a fluência em Libras transformaria suas aulas, pois poderia auxiliar no processo de significação dos con-ceitos para a sua tradução e interpretação pelo Intérprete Educacional. Nesse sentido, Oliveira e Benite (2015) defendem que:

É preciso que o professor de ciências tenha a mínima noção de Libras, para que possa estabelecer contato com o aluno surdo e possa, pelo menos, compreender suas dúvidas. Isso não pressupõe que o professor deve ser intérprete, ou que o intérprete deva ser substituído. Sabemos que o trabalho simultâneo Libras/português é inviável, e que o professor é responsável pelo ensino e aprendizado, e o intérprete pela interpretação/tradução. (OLIVEIRA; BENITE, 2015, p. 470).

Entendemos que a maioria dos docentes no Brasil possuem uma elevada sobrecarga de trabalho, somada as suas demais atribui-ções cotidianas. Assim, muitos não conseguem se dedicar ao estudo da Libras de modo a se ter fluência para compreender a dúvida do estudante Surdo. Porém, entendemos ser necessário um conhecimento primário que permitirá ao docente uma socialização inicial com o estudante, tal como os cumprimentos como forma de reconhecimento e respeito, além das interações básicas que podem ocorrer na sala de aula, dando feedbacks sobre o conteúdo ensinado.

Ademais, o conhecimento básico da Libras permite que o professor tenha maior liberdade ao interagir com o surdo sem se sen-tir desconfortável, assim como discutido por Souza e Silveira (2011) quando relataram que um dos professores pesquisados, por não saber a Libras, afirmou evitar olhar para o estudante Surdo por medo de

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uma possível interação inócua. Já outro professor pesquisado, por con-seguir se comunicar minimamente em sinais, se revelou menos tenso ao atuar em uma sala de aula com Surdo.

Considerando o entendimento de que a Libras figura como uma das características centrais e identitárias da Cultura Surda, sobre a qual o professor pode se inteirar para favorecer a mediação pedagógica em sala de aula, é possível entendermos essa ação como um tipo de for-mação para o ato de ensinar, ou seja, uma formação continuada. Isto corrobora com Vilela-Ribeiro e Benite (2010, p. 591) quando afirmam que “a formação profissional docente é um processo contínuo com data marcada para o início, mas nunca para o final”. Visualizamos isso como um motivador para que o professor se envolva com o aprendizado da Libras e consiga interagir, dentro dos seus limites e potencialidades, com o estudante Surdo.

O Professor e o Intérprete Educacional

Além das questões culturais e linguísticas aqui abordadas de forma geral, as relações estabelecidas na sala de aula também são im-portantes. Relações entre o professor e o estudante Surdo, o professor e o TILS, além do TILS com o estudante Surdo. Nos três casos preza-se por uma interação respeitosa e construtiva. Quando se refere ao docen-te e o TILS, Catão e Pereira (2018) apontam para a necessidade de uma parceria e intencionalidade no trabalho desses dois profissionais em sala de aula. Nesse sentido, a professora de Química, ao tratar sobre sua relação com os TILS, considerou que a interação foi pequena. Seria necessário um contato maior para a discussão das aulas e orientações sobre os conteúdos e metodologias possíveis de serem usadas para favorecer o Surdo. Em suas palavras:

[..] a gente tem só aquele contato ali: finzinho de aula e inicinho de aula. Eu acho esse contato pequeno. Eu acho que ele podia ser um pouquinho maior, não é?! Então... Para planejar; as dúvidas, por exemplo. A gente podia manter um contato, mesmo que fosse por e-mail, dar uma passadinha aqui de vez em quando, sei lá, uma vez por mês, né, na sala e trocar uma ideia [...]

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Neste sentido, Pereira, Benite e Benite (2011, p. 53) afirmam que “o intérprete, na maioria das vezes, não tem o domínio do conheci-mento químico e a não existência de sinais específicos dificulta ainda mais a intermediação do conhecimento feita por este sujeito”. Dito isto, estabelecer uma relação entre o professor e o TILS se mostra essencial para minimizar dificuldades relacionadas a essa (inter)mediação do conhecimento em sala de aula. Assim, concordamos com Oliveira e Benite (2015) quando afirmam que:

O ensino de ciências só será possível por meio da atuação conjunta entre professor e intérprete de Libras, no plane-jamento das atividades a serem desenvolvidas em sala de aula, e não somente no desenvolvimento de métodos e técnicas. (OLIVEIRA; BENITE, 2015, p. 470).

A fala da professora também vai ao encontro dessa ideia. A mesma concorda que uma maior interação entre as duas partes con-figura um aspecto positivo e pode auxiliar no processo de ensino e aprendizagem do estudante surdo. O trabalho conjunto também implica que ambas as partes teriam o entendimento das suas funções naquele espaço. Assim, é importante que o professor compreenda o papel do TILS em uma sala de aula inclusiva. Muitos docentes se incomodam com a presença desses profissionais, como verificado em Souza e Silveira (2011), tratando-os como “intrusos” naquele espaço. Entendemos que isto não favorece o movimento necessário para se criar um ambiente inclusivo e favorável à aprendizagem.

Caminhos para favorecer o “Novo Educador” articular uma nova “Educação Intercultural” voltada aos Surdos

Como discutimos aqui, a formação seria algo de demanda contínua e os professores precisam estar a todo o momento atentos ao ambiente social e cultural que os cercam dentro e fora da sala de aula. Ao pensarmos acerca da Educação dos Surdos existem atitudes que podem ser tomadas, com base no que foi abordado anteriormente, e que cooperam para a formação desses alunos e a sua efetiva inclusão no processo educativo. Dentre elas, temos a necessidade de lidar com

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as lacunas deixadas pela formação pedagógica e buscar pelo aprimo-ramento constante, além de se inteirar da Cultura Surda (conhecer seu aluno e compreender a importância dos recursos visuais para favorecer o acesso ao conhecimento científico), ter conhecimentos básicos sobre a Língua Brasileira de Sinais (relações cordiais para que o Surdo se sinta respeitado e acolhido em sala de aula) e compreender o trabalho e a função dos TILS em sala de aula (buscar estabelecer parcerias e favo-recer o trabalho desse profissional, que muitas vezes e caracterizado como coformador).

De modo geral, é importante que o professor busque ser aberto e flexível para desenvolver novas posturas e formas de ensinar, visto que lidará com estudantes que não são como algoritmos decifráveis, mas sim estruturas complexas com as quais se aprende ensinando. Na Educação Inclusiva voltada aos Surdos há uma demanda por ambientes educativos e professores que valorizem a figura desses indivíduos e os faça sentir parte deste ambiente. Para isso, não cabe mais um ensino focado em práticas que deram certo em um período da história, mas que não atendem aos estudantes no presente. Precisamos de “novos edu-cadores” para articularem uma nova Educação Intercultural. Avante, rumo a este objetivo!

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BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências.

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A questão animal na educação básica: alguns apontamentos

Karine Gabrielle Fernandes13

A questão animal tem se tornado tema cada vez mais presente na vida do brasileiro, seja através da mídia, da preocupação nutricional e ambiental, de relações sociais e mesmo de ambientes de aprendiza-gem. Mais recentemente o debate toma lugar em meio à pandemia causada pelo novo integrante da família Coronavírus, perpassando sua origem até os impactos ambientais e emocionais advindos da reclusão humana.14

Neste capítulo realizarei uma discussão acerca do que chamo de questão animal, ou seja, o reconhecimento dos animais não-hu-manos como seres de uma vida e as compreensões advindas de sua inserção nas escolas, culturas e ideologias ocidentais. Para tanto, me embaso em uma pesquisa de mestrado escrita por mim, cuja proposta foi analisar documentos oficiais para a Educação Infantil em busca de compreender as possibilidades de diálogo com a temática animal (FERNANDES, 2019).

O princípio que revela os animais como semoventes de direitos próprios tem como base a senciência, fator este que os distingue do restante dos reinos eucariontes15. Por definição, seres sencientes são aqueles capazes de sentir e, de acordo com a complementação feita por Coelho (2016, p. 9), “têm sentimentos como raiva, afeição, medo, alegria, felicidade, prazer, vergonha, ciúmes, irritação, desconcerto, desespero e compaixão.” É dessa forma que Naconecy afirma que “de um modo geral, os animais são capazes de demonstrar compaixão, pa-

13 Universidade Federal de Juiz de Fora. Departamento de Química. [email protected] A título de exemplo, um relatório da Organização das Nações Unidas acerca da relação entre novas doenças e o consumo de animais tem ganhado maior visibilidade. Para mais informações: <https://nacoesunidas.org/cerca-de-70-de-novas-doencas-que-infectam-seres-humanos-tem-origem-animal-alerta-onu/>. Acesso em: 18/05/2020.15 Segundo o dicionário Michaellis, eucariontes são os organismos compostos de uma ou mais células, possuindo uma membrana que envolve o material genético. Os reinos Protista, Fungi, Animalia e Plantae são formados por seres vivos eucariontes.

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ciência, responsabilidade, lealdade, simpatia, devoção, autossacrifício e cuidado com seus pares, seus filhotes e conosco” (2006, p. 195).

Segundo pesquisa conduzida em abril de 2018 pelo IBOPE Inteligência (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), 14% da população brasileira, ou seja, 30 milhões de brasileiros declaravam--se vegetarianos, representando um crescimento de 75% em relação a 2012.1 Relacionado a isso, diversas campanhas têm gerado impactos sem precedentes, como é o caso da implementação de um cardápio, nas segundas-feiras, livre de produtos cárneos pelas escolas da rede municipal de São Paulo. Dessa forma, noto que a problematização acerca da visão que os seres humanos lançam para a questão animal se torna cada vez mais frequente em nossa sociedade atual, o que inclui, ou deveria incluir, a sala de aula.

Atendo-me predominante à cultura ocidental, as instituições escolar e familiar como primeiros ambientes de socialização da criança, constituem fator crucial no desenvolvimento da trajetória das pessoas, uma vez que influenciam e promovem a construção do conhecimento cultural. Dessen e Polonia (2007) partem primeiramente da ideia de que a família, ao transmitir valores, significados, regras, sonhos, pers-pectivas e padrões presentes na sociedade, impacta no comportamento das crianças e influencia sua forma de existir e ver o mundo.

Parto da premissa de que, como um microssistema da sociedade, a escola tende a desenvolver aspectos sociais, intelectuais, culturais e

[...] é neste sentido que se pode falar, globalmente, de uma cultura, que se cria e preserva através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade e, especifi-camente, numa cultura escolar, isto é, num conjunto de aspectos, transversais, que caracterizam a escola como instituição. (CARVALHO, 2006, p. 1)

Pela perspectiva marxista, a escola é tida como organização idiossincrática devido a seu caráter reinterpretativo e adaptativo frente aos elementos da cultura macro. Sua importância ao marcar todo o desenvolvimento dos sujeitos se traduz em sua magnitude

1 Pesquisa disponível em: <https://www.svb.org.br/2469-pesquisa-do-ibope-aponta-cresci-mento-historico-no-numero-de-vegetarianos-no-brasil>. Acesso em: 18/05/2020.

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como veículo aliado ao fato de que não há educação que não esteja imersa na cultura e no momento histórico em que se situa. As expe-riências pedagógicas, então, estão repletas de elementos que refletem a sociedade e o contexto socioeconômico, cultural e histórico em que se inserem (CARVALHO, 2006).

O social está carregado de informações e costumes antropocên-tricos aliados ao especismo, ou seja, à subjugação do outro baseada em sua espécie. Essa realidade reforça o viés em que animais são vistos unicamente como seres não-humanos, porém benéficos ou maléficos ao homem, o que consente sua total exploração baseada em argumen-tos controversos.

Ora, o que se aprende na Escola? Vai-se mais ou menos longe nos estudos, mas de qualquer maneira, aprende-se a ler, a escrever, a contar, - portanto algumas técnicas, e ainda muito mais coisas, inclusive elementos (que podem ser rudimentares ou pelo contrário aprofundados) de «cultura científica» ou «literária» directamente utilizáveis nos diferentes lugares da produção [...]

Mas, por outro lado, e ao mesmo tempo que ensina estas técnicas e estes conhecimentos, a Escola ensina também as «regras» dos bons costumes, isto é, o comportamento que todo o agente da divisão do trabalho deve observar, segundo o lugar que está destinado a ocupar: regras da moral, da consciência cívica e profissional, o que significa exactamente regras de respeito pela divisão social-técnica do trabalho, pelas regras da ordem estabelecida pela dominação de classe. Ensina também a «bem falar», a «redigir bem», o que significa exactamente (para os futuros capitalistas e para os seus servidores) a «mandar bem», isto é, (solução ideal) a «falar bem» aos operários, etc. (ALTHUSSER, 1970, p. 10-11, grifos do autor)

Conjecturo que para além de qualificar, a escola é capaz de reproduzir submissão e aceitação da ordem estabelecida pela ideo-logia dominante2. Para Gramsci3, de acordo com Gallo (2010, p. 232),

2 Para o prosseguimento do texto, considero aqui a ideologia como os interesses e ideias de determinada classe dominante, os quais se traduzem como ideais da sociedade.3 GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.

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a “ideologia aparece sempre como [...] ‘visão de mundo’, que tanto pode ser um processo dinâmico e articulado, que reflita a realidade, como pode ser um conjunto de ideias fossilizadas, anacrônicas, sem nenhuma vinculação com o real.” Nessa observação, a representação que o homem adota é aquela que se forma a partir de sua relação com o mundo e não sua representação direta.

A criança, em sua formação, recebe toda uma carga cul-tural já pronta, estruturada, na qual ela deve se inserir. A criança não é levada a construir o mundo, a perceber-se como sujeito do processo, mas sim a se adaptar a um mundo já construído, a se aprofundar em um ideário estruturado que a tudo explica, não deixando margem à dúvida e à curiosidade. Para uma criança que não tem contato com outras ideias, tal ideário aparece como a ideia, como a verdade sobre o mundo e sobre a sociedade, não dando margem a críticas nem a recusas. (GALLO, 2010, p. 233)

As relações de poder entre as estruturas sociais são tais que contribuem, inclusive, para a formação de hábitos alimentares das crianças, por exemplo, durante a merenda oferecida nas escolas e as conversas entre os docentes e os discentes. Professores e merendeiras estimulam o desenvolvimento de hábitos, seja a partir do seu exemplo, da proximidade entre as partes e de exposições repetidas do alimento inicialmente indesejado pelo aluno (CERVATO-MANCUSO et al, 2013). Como em um trabalho em conjunto, a alimentação escolar tem grande papel na formação desses hábitos.

Por meio de outro viés, Joan Swann (SWANN, 19924 apud SOU-ZA, 2006), cujo livro trata de questões relacionadas a gêneros, afirma que estereótipos são essencialmente mantidos pela escola a partir da sua organização institucional, dos conteúdos ensinados e lições; das conversas informais entre alunos e professores; das estratégias de motivação dos docentes; de atividades estereotipadas, dentre outros. A autora, no entanto, pondera que, ainda que atribua grande participa-ção dessa instituição na interiorização de ideias e valores pelas crian-ças, ao chegar na escola, elas já têm noções sobre a temática através

4 SWANN, Joan. Girls, boys and language. Oxford: Backwell, 1992.

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dos aprendizados advindos de relações externas como a familiar, das mídias e propagandas.

A defesa pela inclusão do veganismo no contexto escolar pos-sui raízes comuns e se põe próxima aos movimentos que buscam lutar contra injustiças “invisíveis”, como é o caso do racismo, do bullying e outros. Abundantes discussões sobre como a escola pode abarcar essas temáticas já estão ocorrendo. Vimos conquistando seus espaços cientes de que trazer tantos assuntos para o debate, cada um tão necessário em suas singularidades, não é tarefa simples. Desse modo, a instituição se torna reprodutora do estabelecido e plural ao mesmo tempo.

Embora seja importante não ignorar tais questões, não me proponho explorar e aprofundar esses assuntos. É necessário, também, esclarecer que este texto não menospreza a educação pautada em prin-cípios culturais hegemônicos, mas problematiza as concepções através das quais reconhece e reforça o modus operandi do carnismo, ciente de que a cultura em si é conflitiva, mobilizada por processos históricos, relações de poder e demais fatores.

Uma vez que a escola também é responsável por propagar a ideologia dominante, posso então relacionar esse tema à questão animal. Para Joy (2014) a razão de, dentre milhares de espécies animais, sentir-mos repugnância ante a ideia de nos alimentarmos da maioria, deve-se em grande parte ao que apreendemos a partir dos ideais dominantes compartilhados e presentes na cultura em que estamos inseridos.

Denominados de carnismo, os sistemas de crenças altamente estruturados aos quais estamos expostos ditam que animais são co-mestíveis e nos capacitam a consumi-los sem que haja desconforto emocional ou psicológico. De fato, grande parte do nosso gosto é construído, ou seja, gostamos dos alimentos que aprendemos a gostar: “a comida, particularmente a de origem animal, é extremamente sim-bólica e é esse simbolismo, unido à tradição e reforçado por ela, que é em grande parte responsável por nossas preferências alimentares” (JOY, 2014, p. 20).

Ao que tudo indica, o padrão pelo qual você tem se re-lacionado com a carne começou antes de você ter idade suficiente para falar e continuou ininterruptamente du-

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rante toda a sua vida. E é nesse fluxo de comportamento ininterrupto que podemos ver como o carnismo elimina o livre-arbítrio. Padrões de pensamento e comportamento, estabelecidos muito antes de sermos capazes de agir como agentes livres, se entrelaçaram à textura de nossa psique, guiando nossas escolhas como uma mão invisível. (JOY, 2014, p. 110)

A utilização dos animais se tornou um tabu criado por conven-ções sociais em busca de preservar os ditos bons costumes. A sociedade delimita determinados atos, relacionando o costume de comer carne, assim como de outros sistemas exploradores, à normalidade, natura-lidade e necessidade, sendo inclusive atribuído caráter patológico ou distorcido aos que não o seguem e apoiam.

Observo que os produtos consumidos aparentam aparecer de forma mágica nas prateleiras dos supermercados, nas vitrines das lojas, nos expositores de açougues e no nosso prato de comida. Eles passam a existir desconexos de um passado no qual animais e seres humanos foram explorados para a obtenção de um produto barato e de qualidade inferior, o que me remete ao que Marx chamou de feti-chismo da mercadoria. O trabalhador explorado acaba por tornar-se alienado pelo fruto do seu trabalho.

Em acordo com essas falas, Schmitz et al (2008) discursam sobre o papel do professor como facilitador, o qual deve utilizar de diversas ferramentas de ensino a favor da contestação. Para tanto, é necessário incorporá-la ao seu fazer pedagógico e construir transversalmente as ações dos alunos tanto dentro quanto fora da sala de aula.

Para Trindade (2014), certo número de docentes busca, de alguma forma, enfrentar o tabu que representa a ideologia carnista, como é o exemplo de Leon Denis, pioneiro no ensino e educação para o veganismo em escolas públicas, que considera ser o trabalho político-pedagógico crítico-ideológico formal em torno do veganis-mo a única forma de combate ao especismo na escola. Para tanto, é possível a utilização de obras cinematográficas, como sugestão os filmes Matrix (1999) e A Ilha (2005) que desestabilizam o paradigma antropocêntrico vigente através de reformulações como da Alegoria da Caverna de Platão.

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Em contrapartida, a maior parte dos professores esquiva-se de tratar da questão animal, em parte porque se encontra no amplo grupo que promove a exploração, o que abarcaria uma autocrítica no ambiente público escolar. Uma problematização recorrente, ao expor os alunos a esse viés, é dada por discentes e docentes a respeito da educação vegana ser uma questão ética ou de gosto pessoal. Para Leon Denis, a decisão do professor em examinar questões éticas na relação entre espécies é nada mais que o pleno exercício e cumprimento de seus deveres cívicos e profissionais, não o inserindo no contexto de neutralidade pedagógica, já que reconhece o paradigma especista (TRINDADE, 2014).

Alguns estudos, tanto teóricos quanto empíricos, já se ocupam de entender como pode se dar ou tem se dado a articulação entre a questão animal e processos educacionais. Para Castellano e Sorrentino (2014), por exemplo, esse tema pode ser relacionado transversalmente com a ética e o meio ambiente, dependentes do exercício criativo dos educadores para que se rompa em parte com a discriminação e o ideal de justiça restrito e excludente, construídos e legitimados pelas ciências e filosofia hegemônicas. Esse processo depende da reflexão da sociedade como um todo, o que envolve processos educativos nas escolas e para além de seus muros, logo em associação a demais movimentos sociais e nas agendas políticas em todos os níveis, questionando o status quo e reivindicando o direito à vida digna para todos os seres.

Por sua vez, Rodrigues e Laburu (2014) falam da importância de tratar as relações entre humanos e animais pela Educação Ambien-tal, em aulas de Biologia e por meio da interdisciplinaridade. Dessa forma, é possível romper com o pensamento utilitarista e instrumen-tal na busca de ampliar as noções de democracia, cidadania, justiça social e ambiental através de relações de respeito a todas as formas de vida: “a provocação para um novo pensar, antes não considerado, desestabiliza e favorece a mudança já que interfere nas subjetividades humanas.” (RODRIGUES; LABURU, 2014, p. 172).

Ainda pelo o viés da Educação Ambiental, prossigo com a po-sição de Correia (2013) que sugere que a desinformação da população resulta em ganhos que se concentram apenas na indústria. Isso porque se trata de um duplo massacre, uma vez que envolve aqueles que

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sofrem e morrem para alimentar os que adoecem pelo seu consumo. A premissa considerada pela autora é a de inserir o conceito de dig-nidade não como um bem definido pelo preço-custo-lucro do animal não-humano em relação ao animal humano, mas como um direito inerente a ele. Sua manifestação se materializa nas seguintes palavras:

Este ensinamento se caracteriza como uma reeducação am-biental, que se faz necessária em face das características do animal humano, entre as quais a da grande capacidade em ter, em dominar, em manipular, em construir e destruir ou até mesmo em extinguir a si próprio, a sua espécie, outras espécies ou todo o planeta, motivado pelo consumismo, individualismo e egoísmo redundando até em uma falta de sentido existencial ao animal humano. (CORREIA, 2013, p. 3)

Em uma tentativa de reforçar valores universais, o ser humano precisa rever conceitos que reforçam a indiscriminação ao relacionar tudo e todos. Falhando em seu encargo de transformar valores, a Edu-cação Ambiental, calcada em temas clássicos, não vem construindo um ideário contra-hegemônico. Essa cultura não-ambiental e, consequen-temente tradicional é marcadamente caracterizada pelo antropocen-trismo (BRUGGER, 2009).

Um exemplo prático é o estudo realizado por Menezes et al (2017) que articularam as ciências naturais às humanidades. Em sua pesquisa empírica os autores utilizaram em aulas na educação básica diferentes temáticas relacionadas à cultura e à ciência em geral, sendo seu objetivo associá-las à sociedade, à arte e aos contextos históri-co-culturais, como é o caso do uso de recursos naturais, exploração da natureza, vegetarianismo e veganismo. Para isso, privilegiando o lúdico e as interações sociais, utilizaram canções e videoclipes de rock ricos em discussões e contestações sobre assuntos diversos.

Em minhas experiências como professora licenciada em Quí-mica também foi vivenciada a possibilidade de incluir o veganismo interdisciplinarmente em sala de aula, por exemplo, através do viés da indústria de laticínios que se constitui um tema farto e amplo nesse sentido. Algumas possibilidades são o estudo de substâncias químicas adicionadas ilicitamente ao produto final como forma de adulteração

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e sua detecção; o pH de alimentos de origem animal, vegetal e as mo-dificações que a ingestão resulta no pH do organismo humano, como a absorção prejudicada de cálcio no caso de acidez elevada; os processos de Ultra High Temperature (UHT), pasteurização e as modificações quí-micas do produto; impactos ambientais diretamente envolvidos com a indústria leiteira, dentre outros.

Por meio de uma ótica semelhante foi analisada a apresentação dos animais não-humanos em 16 cadernos de professores e alunos da educação básica da rede estadual paulista referentes à disciplina de Ciências da Natureza e suas Tecnologias no período 2014-2017. Nessa pesquisa, Oliveira (2015) encontrou conteúdos influenciados pela cultu-ra antropocêntrica tanto de forma explícita quanto implícita, reforçando as visões utilitaristas, estereotipadas e depreciativas dos animais. No material escolar, nos contextos em que são apresentados alimentos cár-neos, não há espaço para que o aluno faça a associação produto-animal ou para que se discuta acerca do utilitarismo e seus desdobramentos.

Além disso, fora a temática alimentar, o material analisado se absteve de discutir proposições relevantes aos animais, como seria o caso da menção ao bem-estar animal ou bioética passíveis de contextu-alização em meio à disciplina. O material ainda os rotula como “bené-ficos” ou “maléficos” ao ser humano, silenciando seu valor intrínseco em detrimento à sua utilidade para a humanidade. O homem se torna um ser à parte da natureza, um não-animal (OLIVEIRA, 2015).

A partir das reflexões e estudos apresentados, considero que o papel da escola no contexto das articulações entre processos educacio-nais deve ser reconhecer, valorizar, respeitar e complementar as diver-sas culturas familiares e comunitárias, garantindo às crianças o direito de conhecer-se e reconhecer-se nos debates escolares. É interessante notar que neste tópico complementam-se o reforço às práticas culturais dos grupos e a descentralização da cultura dominante, incentivando-a ao exercício de sua liberdade.

Por último, cabe dizer que existem linhas tênues entre os ideais veganos, os bem-estaristas e os relacionados ao status quo carnista. Considerando que a informação, na era em que vivemos, encontra-se disponível para grande parte da população brasileira, deveria, então, ser improrrogável a atitude de facilitar a interação da sociedade com

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esse conhecimento para que, uma vez ciente, tenha plena condição de decidir quais serão suas atitudes futuras.

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Questionários e experiência piloto: uma investigação em ensino de ciências

Karine Gabrielle Fernandes5

O presente capítulo trata de trazer alguns dos procedimentos adotados durante a criação, aperfeiçoamento e distribuição de um questionário como ferramenta para a coleta de dados. Para tanto, me baseio em parte dos caminhos metodológicos de uma pesquisa de doutorado em andamento na área de Educação Química pela Univer-sidade Federal de Juiz de Fora, cujo objetivo específico foi realizar um levantamento em busca de compreender como professores enxergam a contextualização e a interdisciplinaridade, o que inclui vertentes da questão animal6 em suas disciplinas. Em suma, este texto apresentará os caminhos percorridos durante esse momento de pesquisa.

A natureza desta investigação se caracteriza, majoritariamente, como qualitativa. Segundo Oliveira (2016), tal vertente envolve um processo de análise e reflexão de dada realidade através da utilização de métodos e técnicas para a compreensão detalhada do que é estudado segundo sua estruturação. Nesse sentido, é necessário realizar o estu-do a partir da literatura do tema, podendo incorrer em observações, utilização de questionários e entrevistas, cujas análises dos dados são apresentadas de forma descritiva.

Já Leite (2008, p. 94) afirma que

Para muitos autores a divisão entre pesquisa qualitativa e quantitativa é apenas teórica, porque na prática toda a pesquisa usa os dois tipos de métodos sempre, em toda e qualquer pesquisa. Os métodos qualitativos são auxilia-res dos quantitativos e vice-versa.

5 Universidade Federal de Juiz de Fora. Departamento de Química. [email protected] Considerar questão animal como a discussão e reconhecimento de animais não-humanos como seres de uma vida e semoventes de direitos, princípio seguido por filosofias de vida como o veganismo (FERNANDES, 2019).

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O autor se refere ao que chama de fenômeno da alternância dos processos, sendo a tendência a utilizar os dois estilos de proce-dimentos cíclica. A forma de definir sua característica predominante, então, se baseia na análise de “se a pesquisa volta-se mais para o uso de métodos quantitativos, ela é quantitativa, e se ela volta-se para os qualitativos, é qualitativa.” (LEITE, 2008, p. 95).

O nível de estudo feito aqui é definido como exploratório. Segundo Gil (2019), a principal finalidade das pesquisas exploratórias é desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias. Costumeira-mente, é um tipo de pesquisa que envolve técnicas qualitativas, cujo desenvolvimento objetiva proporcionar uma visão ampla de determi-nado fato, provavelmente pouco explorado.

Caminhos Percorridos

Com o tema central da pesquisa - aspectos alimentares e am-bientais em cursos superiores de Química pelo viés da questão animal - delimitado e após a definição do objetivo específico deste momento foi necessário estabelecer as etapas a percorrer e o público-alvo. Para tanto, os critérios de inclusão abarcaram professores dos cursos de Li-cenciatura em Química presenciais em Instituições de Ensino Superior públicas de Minas Gerais.

Realizada a busca, o número de Instituições encontrado foi de 16, sendo 23 cursos divididos entre os campi e os turnos integral e noturno. Estas foram: Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) campus Salinas; Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (IFSudesteMG) campus Barbacena; Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) campus Pouso Alegre; Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) campus Uberaba; Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) campi Divinópolis, Ituiutaba e Ubá; Univer-sidade Federal de Alfenas (UNIFAL) campus Alfenas; Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) campus Itajubá; Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) campus Juiz de Fora; Universidade Federal de Lavras (UFLA) campus Lavras; Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) campus Belo Horizonte; Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) campus Ouro Preto; Universidade Federal de São João del-Rei

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(UFSJ) campus São João del-Rei; Universidade Federal de Uberlândia (UFU) campi Uberlândia e Ituiutaba; Universidade Federal de Viçosa (UFV) campi Viçosa e Florestal; Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) campi Iturama e Uberaba; e Universidade Federal dos Vales de Jequitinhona e Mucuri (UFVJM) campus Diamantina.

A partir dessa informação reuni as matrizes curriculares de cada curso, buscando disciplinas de caráter obrigatório que, em seus nomes, tivessem palavras que remetessem à saúde, alimentos, meio ambiente e bioquímica. Os termos escolhidos se deveram, principal-mente, à relação com as questões ligadas aos animais e contempladas na presente pesquisa. Os resultados variaram pouco entre si, sendo as disciplinas mais comuns entre os cursos Bioquímica (12) e Química Ambiental (12), podendo haver variações como Educação Ambiental e Introdução à Bioquímica.

Após esta seleção realizei uma breve análise da ementa de cada disciplina sucintamente composta pelos tópicos que, obrigatoriamen-te, compõem a carga horária daquela cadeira. A partir de suas leituras, todas as 54 disciplinas inicialmente encontradas foram selecionadas para a realização da próxima etapa.

Questionário Piloto

Com as características do público delimitadas, pude também definir e criar os instrumentos de coleta de dados. Resultado da minha escolha por ser mais compatível com as características desta fase da pesquisa, a investigação por meio de questionários é composta por

[...] um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito de obter informações sobre conhecimentos, crenças, sentimentos, valores, interesses, expectativas, aspirações, temores, comportamento pre-sente ou passado etc. (GIL, 2019, p. 121)

São, majoritariamente, propostos por escrito, sendo designados como autoaplicados. Comparado à entrevista, o questionário possibi-lita alcançar um número maior de pessoas e de localidades diferentes, estando menos expostas à influência das opiniões pessoais do entre-

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vistador. Ademais, os participantes podem respondê-lo no momento que julgarem conveniente. Dentre suas limitações, impede o auxílio do informante no caso de não compreender as instruções, não garante o devido preenchimento e proporciona resultados subjetivos, uma vez que os itens podem ter significados diferentes para cada leitor (GIL, 2019). Sua elaboração, assim, requer uma série de cuidados, como será visto adiante.

É importante lembrar que todos os métodos, questionários e Termos de Compromisso Livres e Esclarecidos foram aprovados, previamente à ocorrência de todo o trabalho de campo pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Além disso, visando o anonimato dos participantes em todas as fases, foi-lhes dada a opção de escolher um pseudônimo pelo qual foram e serão dirigidos em publicações referentes à pesquisa. Dessa forma, nos momentos em que foi necessário transcrever trechos das respostas, fiz o uso desta via.

Durante a formulação dos questionários, utilizei como base as sugestões de Gil (2019) e Bell (2008), cujo processo de criação ocorreu à luz do objetivo proposto, fazendo emergir possíveis perguntas que possibilitassem atingir essa meta. Segundo Bell (2008, p. 119), “Você precisará de várias tentativas para chegar a uma redação sem ambi-guidades, que alcance o grau de precisão necessário para garantir que os informantes entendam exatamente o que você está perguntando”.

Demandas de forma envolveram me certificar de que a lin-guagem estava isenta de jargão, a decisão de quais tipos de pergunta seriam utilizados, ficar atenta à suposições, buscar apenas informações essenciais ao estudo ao evitar perguntas desnecessárias e procurar an-tecipar o que esses questionamentos podem significar para diferentes informantes. Por exemplo, por diversas vezes me deparei com questio-nários acerca do consumo de derivados animais que não previram a possibilidade da participação de um vegano.

Questionamentos que mencionassem o veganismo de forma direta, por se tratar de uma questão delicada, mereceram cuidado extra no que trata da formulação e posicionamento. Isso, porque os participantes podem nunca ter refletido sobre esse aspecto, bem como é um assunto que frequentemente divide opiniões (GIL, 2019). A esse

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respeito, preferi deixar as perguntas que envolvessem a temática mais ao final do questionário, começando com aquelas diretas e fáceis de se responder, pouco a pouco passando para tópicos mais complexos (BELL, 2008, p. 126).

Nesse mesmo sentido, foi preciso cuidado ao solicitar informa-ções possivelmente desconhecidas pelos participantes, pois por mais que me pareça razoável, se acabar sendo necessário ao sujeito realizar uma pesquisa para obter uma resposta, o questionário pode ser colo-cado de lado e até esquecido. Outro fator comum e que merece cautela é a presença de perguntas em duplicidade, ou seja, duas perguntas em apenas uma questão podem acarretar perguntas incompletas e incertas, devendo ser divididas.

Dada a minha proximidade com a temática estudada precisei dar maior atenção a esses fatores, já que a presunção do pesquisador, além de levar à indução, pode não ser verdadeira para o participante da pesquisa, invalidando a pergunta. Um exemplo trazido por Bell (2008) e adaptado por mim para melhor ilustrar uma pergunta presuntiva poderia ser A universidade oferece um serviço adequado de aconselhamento? Primeiramente, seria necessário especificar quais sujeitos compreendem o universo dessa pergunta, ou seja, adequado para quem? Alunos? Pro-fessores? Técnicos? Em seguida, se o tipo de serviço não for especificado, o adjetivo não fará sentido, uma vez que seu significado é demasiado abrangente. Como terceiro e último aspecto, a autora ainda traz que há presunção de que o serviço é necessário, o que acaba por invalidá-la.

Após formulação levando em consideração os aspectos citados acima, o questionário destinado aos professores foi submetido como piloto, proporcionando investigar a presença de fidedignidade, va-lidade, operabilidade e precisão dos dados a fim de evitar questões descontextualizadas, ambíguas e que pudessem levar à fuga do tema. Segundo Bell (2008) é necessário que todos os instrumentos de coleta de dados sejam pilotos para que seja possível estimar previamente quanto tempo é necessário para completá-lo, para verificar a clareza das perguntas e se sua apresentação oferecerá dificuldades. Em outras palavras, aparam-se as arestas dos instrumentos para que os informan-tes do estudo principal tenham uma experiência livre de entraves.

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Em condições ideais, esse tipo de experiência deve ser sub-metido a um grupo similar àquele que irá constituir a população de estudo. Pensando nisso, contei com a participação de 3 professores do Departamento de Química da UFJF, sendo um responsável pela disci-plina optativa de Química e Tecnologia de Alimentos, outro responsável pela disciplina de Química do Meio Ambiente ofertada na modalidade à distância e o terceiro, professor substituto, responsável pela disciplina Química e Saúde no período destinado a esta fase da pesquisa.

Dessa forma, tomei o cuidado de selecionar docentes que esti-vessem ativamente relacionados às disciplinas naquele momento, bem como para que nenhum dos sujeitos do piloto chegasse a participar também de uma etapa posterior. É interessante informar que, embora não seja de interesse deste texto, outro questionário que compõe a tese não foi submetido à experiência piloto, uma vez que o quesito da simi-laridade dos sujeitos não seria cumprido devido às perguntas estarem ligadas a intervenções.

O questionário piloto foi disponibilizado online através da ferramenta Google Forms e enviado por e-mail, sendo incluídas 7 per-guntas destinadas a compreender a experiência dos participantes ao responder as questões formuladas (APÊNDICE A). Para sua elabora-ção também tomei como base as sugestões feitas por Bell (2008) para esse tipo de ocasião e que após alterações pontuais foram capazes de permitir um novo exame antes da distribuição principal.

Após tratamento das respostas, observando primeiramente as perguntas destinadas a compreender a experiência piloto, os períodos de tempo dedicados por cada um dos participantes variaram signifi-cativamente. Assim, não foi possível fornecer uma estimativa para os candidatos do próximo questionário. Para investigações futuras e caso seja interessante aos objetivos, vejo como uma possível solução a esse impasse o aumento da amostra, ou seja, realizar o convite para mais sujeitos para que o número de respostas seja grande o suficiente para extrair uma média mais representativa.

O Participante, pseudônimo pelo qual um dos professores indicou preferência, sugeriu ampliar as discussões sobre os direitos animais, a nutrição e o manejo envolvendo tanto animais quanto hu-manos. Já o Professor 1 informou ter tido dificuldades no entendimento

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de um dos enunciados. Ademais, afirmou crer que, pela complexidade do tema, o número de questões apresentadas não foi contemplativo.

Dentre as observações dos participantes se destacou também a do professor Rodrigo. Segundo ele, a opinião dos professores quanto à possibilidade ou não da inserção dos direitos animais contextualmente a suas disciplinas pode estar atrelada tanto ao lado pessoal quanto profissional. Por exemplo, uma pessoa vegana seria mais propensa a trazer o conteúdo para a sala de aula devido à sua filosofia, não unica-mente ao possível benefício no quesito da aprendizagem. Assim, uma forma de buscar compreender essa relação, caso exista, seria incluir uma pergunta a respeito do estilo de vida e da alimentação do docente.

A respeito das respostas comuns a ambos os questionários foi possível notar detalhes que resultaram em pequenas alterações. Ainda assim, de forma geral, as respostas foram satisfatórias no sentido de sugerir o entendimento, por parte dos professores, da minha intenção por trás do que foi perguntado. Como resultado e após novo aceite pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana, para fins de conhecimento e como uma forma de agradecer pelas contribuições, enviei a eles as modificações feitas.

O questionário final contou com 14 questões estruturadas, 2 a mais que o inicial, relacionadas à 4 blocos temáticos: (i) dados pessoais, (ii) formação, (iii) exercício profissional e (iv) prática docente. Os três primeiros blocos formados por 8 questões discursivas e de múltipla--escolha intencionaram definir brevemente o perfil dos profissionais. Já as demais questões buscaram se aprofundar nas concepções dos professores a respeito de suas efetivas posturas quanto à interdisci-plinaridade aplicada a suas práticas, bem como suas opiniões quanto a inserção da temática animal como forma de tornar a abordagem de conteúdos químicos mais abrangente e contextualizada.

Coleta de Dados

A próxima etapa consistiu na busca dos endereços de e-mail de cada professor a fim de realizar o envio de uma breve apresentação da pesquisa e o convite de participação. Para tanto, entrei em contato também via e-mail com as coordenações ou secretarias dos cursos de

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Licenciatura em Química e, em certos casos, Ciências Biológicas. Uma vez que pode haver rotatividade de docentes nas disciplinas, precisei verificar quem iria ministrar a disciplina selecionada naquele semestre - ou foi o responsável pelo semestre anterior, visto que tais cadeiras podem ser ofertadas anualmente, bem como se é o mesmo professor para cursos integrais e noturnos.

A falta de respostas, entretanto, foi alta, sendo preciso utilizar de outros meios, como por ligações telefônicas e através das redes sociais de alunos, ex-alunos e professores que pudessem me auxiliar. Ao final obtive o contato de 39 docentes, estes responsáveis por 34 dis-ciplinas - uma vez que uma única cadeira poderia ter até 3 professores responsáveis - e atuantes em 16 dos 21 campi procurados. A mensagem enviada também fornecia o link do Google Forms para o questionário final (APÊNDICE B) e o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido.

É conveniente colocar que considerei importante trazer no corpo do e-mail a data de devolução das respostas. As experiências de Bell (2008) demonstram que a ausência ou um prazo demasiadamente longo facilitam que não se dê prioridade à pesquisa, muitas vezes significando que ela não será respondida. Portanto, minha opção cor-respondeu a 2 semanas. Outro fator relacionado ao envio diz respeito à devolução. Em geral, a quantidade de respostas diminui com o passar dos dias, sendo que nem todas serão enviadas. Portanto, elaborei outro e-mail enviado uma semana após a data original como um esforço para encorajar mais retornos.

À medida que os participantes foram enviando suas respostas, retornei a cada um deles com uma mensagem de agradecimento pelo tempo e ajuda. No que diz respeito aos e-mails, o mesmo procedimento foi tomado com os professores da experiência-piloto, sendo apenas o primeiro contato parcialmente diferente. Ao total, o questionário es-teve disponível para receber respostas por cerca de dois meses, sendo que apenas um professor respondeu com um dia de atraso.

Ainda que o locus da pesquisa como um todo seja a Uni-versidade Federal de Juiz de Fora, a realização deste levantamento é interessante para a construção de um panorama, mesmo que não haja maiores aprofundamentos, em busca de verificar como esses

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professores enxergam o ensino de Química de acordo com os en-tendimentos propostos na tese. Dos 39 questionários enviados, 23 foram respondidos, sendo os dados colhidos submetidos à Análise de Conteúdo descrita por Bardin (2016), procedimento cuja discussão cabe a um momento futuro.

Algumas Considerações

Este capítulo trouxe, de maneira sucinta, os caminhos percor-ridos durante a criação, aperfeiçoamento e distribuição de um ques-tionário que se encontra como parte de uma dentre as metodologias utilizadas em uma tese de doutorado. Assim e de forma prática, foco no que considero os aspectos mais importantes trazidos pela literatura para perfazer esta pesquisa, o que deve auxiliar, em especial, o pesqui-sador iniciante.

Como apontado por Bell (2008), utilizar o instrumento de coleta de dados como piloto foi imprescindível para seu aperfeiçoa-mento, uma vez que apontou para a incompreensão de determinados enunciados e para a necessidade de melhor explorar a questão ani-mal. Todas as sugestões, bem como detalhes sutis observados foram levados em consideração.

Aspectos como questionamentos que trouxessem suposições, perguntas desnecessárias e presuntivas não foram apontados pelos professores participantes da experiência piloto, o que traz bons indí-cios quanto aos cuidados tomados durante a criação do instrumento. Ademais, em uma experiência futura, caso seja viável, acredito ser interessante convidar mais informantes para este momento.

Uma vez que esta é uma pesquisa majoritariamente qualitativa, bem como a análise propriamente dita se baseia nestes tipos de dados, o número de respostas foi satisfatório, trazendo consigo informações significativas e que atendessem aos objetivos propostos.

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Referências Bibliográficas

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Apêndice A – questionário piloto

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Apêndice B – modificações feitas ao questionário

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Visões de alunos de uma escola Montessori sobre a química e suas relações

com as ciências e a sociedade

Fernanda Luiza de Faria1

A Pedagogia Montessori foi criada por Maria Montessori (1870-1952) em 1907 quando essa educadora começou a dar aulas para crianças em uma moradia instituída em um bairro pobre no centro da cidade de Roma. No Brasil, segundo o site da Organização Montessori do Brasil (OMB), estão registradas 40 escolas Montessori: 2 na região Norte, 11 no Nordeste, 15 no Sudeste, 3 no Centro-oeste e 9 na região Sul. O movimento Montessori tem cada vez mais se difundido ao longo de todo o Brasil e se tornado mais sólido, sendo conhecido e admirado por um grande público em geral e nas mídias sociais.

A Pedagogia Montessori busca um equilíbrio entre corpo, inteligência e vontade, tendo como um de seus preceitos, a educação da vontade e da atenção, proporcionando aos alunos liberdade para escolher seus materiais e o local onde desejam estudar com eles no espaço escolar (FERRARI, 2008).

Montessori (1996) ressalta para a importância de os conheci-mentos estarem relacionadas entre si e pondera que “ensinar detalhes é trazer confusão, estabelecer relações entre as coisas é trazer conheci-mento” (p. 58, tradução nossa). Mais especificamente sobre a aborda-gem dos saberes químicos, Montessori discorre sobre a importância de discutir a química com as crianças. Como pondera a autora, não se trata de apresentar grandes teorias nem a ciência exata da Química, isso virá posteriormente. Montessori ressalva para a importância de a criança ter uma impressão, uma ideia que desperte o interesse de forma que quando continuar os estudos e se deparar com essa ciência ela seja capaz de estudá-la e compreendê-la mais rapidamente, pois, se esse interesse não for despertado, pode se tornar uma ciência obscura

1 Universidade Federal de Santa Catarina.

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para o aluno. Montessori (1996) sugere que, ao discutir a Química com a criança, seja abordada essa ciência como a que estuda novas substâncias que se criam.

Ao longo da obra From Childhood to adolescence (MONTES-SORI, 1996) é possível notar a importância que Montessori dá em relacionar os conhecimentos químicos com a natureza e a sociedade. Para ela, um ensino de química que favoreça o visual, o sensorial e a imaginação, motiva o aluno e desperta o seu interesse para essa ciência.

No contexto brasileiro, normalmente a Química é lecionada no ensino fundamental apenas no nono ano juntamente com a Física, sendo que um semestre é destinado para cada uma dessas áreas de conhecimento e estas trabalhadas de forma separada sem estabelecer relações entre si. Temos uma antecipação dos conteúdos do ensino médio sendo lecionados no nono ano (LIMA; SILVA, 2007).

Assim como outros pesquisadores (MARTINS et al., 2003; LIMA; SILVA, 2007) defendemos que a Química deveria ser abordada no ensino fundamental a partir de uma visão integradora das ciências da natureza, sendo a disciplina de Ciências trabalhada ao longo de todo o ensino fundamental, trazendo em anos anteriores e não só no último ano o viés da química para sua abordagem. Nesta perspecti-va, a Química poderia ter mais sentido para quem a estuda, além da aprendizagem de seus conhecimentos possibilitarem uma visão mais crítica e ampla das ciências da natureza.

A escola Montessori é uma instituição que propaga uma peda-gogia de ensino diferenciada e que tem em seus preceitos a busca por um ensino mais contextualizado e integrador defendido pela precursora Maria Montessori. Diante disso, o objetivo desta pesquisa foi investigar como os alunos do ensino fundamental de uma escola Montessori perce-bem a Química e suas relações com as Ciências e a sociedade.

Caminho metodológico

O ambiente da pesquisa foi a Escola Meimei, uma instituição privada que atende do Ensino Infantil ao Ensino Médio e está loca-lizada em Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro. Esta instituição se baseia na Pedagogia Montessori. A escola está filiada à Organização Montessori do Brasil (OMB).

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Para atender aos objetivos da pesquisa optou-se por entrevistar alunos do nono ano do Ensino Fundamental, período em que os con-teúdos da Química são lecionados no Ensino Fundamental na Escola Meimei. Porém, devido a necessidade de autorização dos responsáveis para a participação dos alunos na pesquisa, apenas sete se envolveram. Assim, optou-se por entrevistar também alunos do primeiro ano do Ensino Médio, visto que esses ainda estavam no começo do ano letivo e a maior parte das suas percepções de Química se referia ao contexto vivenciado no nono ano do Ensino Fundamental.

A seleção dos alunos foi feita de forma voluntaria. Os alunos participantes possuem entre 13 e 15 anos e são em sua maioria de classe média alta. Dos oito alunos entrevistados, seis são do nono ano e esta-vam iniciando os saberes da Química há cerca de dois meses, visto que a investigação na Escola Meimei ocorreu em março. Dando continuidade aos sujeitos, dois alunos eram do primeiro ano na Escola Meimei.

Dos alunos entrevistados, apenas um vivenciou todo o Ensino Fundamental na Escola Meimei. Ele está há 11 anos na instituição e cursa o nono ano. O restante dos alunos entrevistados estão aproxima-damente há três anos na escola Meimei.

Como instrumento de pesquisa foi utilizado a entrevista semies-truturada. As entrevistas foram gravadas em áudio e depois transcritas e analisadas. A análise dos dados foi realizada através da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). Para discussão dos dados foram construídas categorias a posteriori a partir das respostas dos alunos. Nas análises dos resultados, em diferentes momentos, identificamos os alunos utilizando nomes fictícios: Miguel, que está há 11 anos na instituição, Samuel, Caio, Paula, Joana, Mariana, todos cursavam o nono ano, e Flávia e Poliana, que estavam cursando o primeiro ano do Ensino Médio.

Achados da Pesquisa

A discussão dos resultados está organizada a partir das ca-tegorias formadas. São elas: (1) Visão sobre ciências; (2) Visão sobre química; (3) Relação da química com outras ciências; (4) Relação da química com a vivência do aluno e a sociedade. Em algumas delas foram construídas subcategorias para melhor discussão.

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(1) Visão sobre ciênciasNo roteiro da entrevista apresentamos duas questões que per-

mitiram compreender um pouco sobre a visão que os alunos possuem acerca das ciências. Cabe ressaltar que não tivemos a intenção de apro-fundar essa visão em termos dos estudos sobre natureza da ciência, mas, sim, uma percepção mais geral sobre as concepções prévias dos alunos acerca desses conhecimentos. Diante disso, questionamos ao aluno: “Você gosta de Ciências? Quando você pensa em Ciências o que lhe vem à cabeça?”.

Dos oito alunos que participaram da entrevista, apenas dois não deram respostas semelhantes para as duas questões sobre a visão de ciências. Um deles não soube responder à segunda questão. Das respostas emergiram as categorias mostradas na Tabela 1. Como conhecimentos citados na categoria ‘Ciências associada a conteúdo e disciplinas’ temos: estudo do corpo humano, dos seres vivos, dos sis-temas solares, referentes à disciplina foi citado, a Química, a Biologia, a Física e a Matemática. Dentro desta categoria ainda chama a atenção a fala de Miguel, que destaca que:

Desde a agrupada IV, terceiro e quarto ano, a gente sem-pre viu conceitos de química, de biologia, de física, só que lá, naquele momento, a gente não sabe disso. Eu lembro de uma coisa que aconteceu na minha aula, quando fala-ram disso para a gente, só depois que eu me toquei que tudo que eu tinha visto era conceitos disso.

Tabela 1 - Categorias emergentes nas falas dos alunos Montessori a respeito da sua visão sobre química

Categoria Frequência

Ciências associada à prática experimental 1

Ciências associada ao conteúdo e disciplinas 5

Ciências associada à natureza 4

Fonte: Dados do autor

Miguel destaca que os saberes da Química, Física e Biologia são trabalhados numa perspectiva mais integrada em anos anteriores, só que sem saberem disso. Quando questionamos uma funcionária

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da escola, responsável pela organização da mesma, ela nos informou que a Química eles viam no nono ano e que alguns aspectos muito pontuais eram trabalhados nas agrupadas, o que não caracterizava um ensino de Química propriamente dito.

(2) Visão sobre químicaNa questão três do roteiro questionamos aos alunos sobre o

que vinha à cabeça quando pensavam em Química. As respostas se assemelharam às subcategorias estabelecidas na categoria anterior Visão sobre Ciências, essas subcategorias estão detalhadas na tabela 2.

Tabela 2 - Categorias emergentes nas falas dos alunos Montessori a respeito da sua visão sobre química

Categoria Frequência

Química associada à prática experimental 1

Química associada ao conteúdo 5

Química associada à mídia 2

Fonte: Dados do autor.

Como conteúdo químico foram citados: moléculas, substân-cias químicas, estados físicos da matéria, tabela periódica, misturas homogêneas e heterogêneas e métodos de separação de misturas. A respeito da última categoria da tabela, os dois alunos deram respostas semelhantes se referindo à substância química metanfetamina utiliza-da numa série de televisão.

Ao longo da entrevista foi possível notar nas falas dos alunos visões errôneas das ciências e, mais especificamente ainda, da química, próximas ao senso comum. Esse é um aspecto evidenciado entre os alunos do Ensino Fundamental e Médio de forma geral nas escolas. Muitas dessas percepções vêm de situações que ocorrem em desenhos animados, séries de televisão ou da própria forma em que o conheci-mento científico é abordado em sala de aula (KOSMINSKY; GIORDAN, 2002). Sabendo que esse processo de mudança da visão sobre ciência e cientista é algo complexo que não se pode constituir em algumas aulas é preciso que desde a abordagem inicial do conhecimento científico

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seja feito, junto aos alunos, discussões que auxiliem na compreensão da Ciência como uma construção humana. Assim, torna-se necessário que discussões acerca das relações entre Ciência, Tecnologia e Socieda-de (CTS) com envolvimento de questões éticas, culturais, econômicas, políticas e a abordagem da Filosofia e História da Ciência se façam presentes no espaço escolar.

(3) Relação da Química com outros saberesNo roteiro de entrevista questionamos os alunos: “Os conhe-

cimentos de química estão relacionados com outros saberes que você aprendeu?” E ainda pedimos que o aluno desse pelo menos um exem-plo dessa relação. Dos oito alunos, apenas um disse não ver relação da química com outras disciplinas. As respostas dos alunos tiveram mais de uma disciplina citada e pode ser conferida na tabela a seguir.

Tabela 3 - Lista de disciplinas que possuem relação com os conhecimentos químicos na percepção dos alunos Montessori.

Disciplina Ciências Física Matemática Biologia Português

N° de alunos 5 3 2 2 1

Fonte: Dados do autor.

Dos sete alunos que veem relação da Química com outras disciplinas, quatro conseguiram exemplificar. Paula vê relação entre Ciências e Química e dá como exemplo a água:

Então eu acho que está tudo ligado sabe. Química princi-palmente com ciências. Porque a substância, por exemplo a água, está presente no ecossistema.

Caio vê relação entre Física e Química e dá como exemplo a centrifugação. Já Mariana aponta como exemplo da relação entre Ciências e Química, os estados físicos da matéria. Por último, temos a fala de Flávia que citou mais de uma disciplina, trazendo exemplos oportunos para essa relação:

A parte de matemática, que tem que usar para fazer algumas contas, até um pouco de ciências, porque tipo a base das ciências é o átomo e tal, a gente até aprende isso

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quando vai ver o corpo humano, quando vai ver do que nós somos formados e acho que só. E português, claro, para tudo né, para entender. Ah tipo respirar. Quando a gente respira é tipo uma coisa da ciência, relacionado a biologia, e também os gases né, da química. Ai a gente vê essas duas coisas. Também na água né que a gente bebe né, a fórmula da água, bastante coisa.

A fala de Flávia é bem interessante e mostra que esta aluna con-segue estabelecer relações da Química com outras disciplinas. De uma maneira geral, a maioria dos alunos da Escola Meimei não conseguiu ver relação da química com outras Ciências ao ponto de dar exemplos mais completos. Somente a Flávia e a Paula demonstraram ver a quí-mica numa abordagem mais ampla, relacionada a diferentes saberes.

(4) Relação da química com a vivência do aluno e a sociedadeNesta categoria duas questões do roteiro de entrevista foram

consideradas para a análise dos resultados: No nosso mundo (socie-dade) onde você percebe a presença da química?; Em sua opinião, em que aspectos os conhecimentos químicos são úteis para a sua vida?

Dos oito alunos entrevistados, todos afirmaram que veem a presença da Química na sociedade. Como contextos em que pode se perceber a presença dessa ciência, os alunos destacaram: na culinária, no petróleo, na fabricação de materiais para produzir matérias-primas, no aquário, nas árvores, na fotossíntese, no laboratório, nos alimentos, nos produtos de limpeza. Houve ainda algumas falas que remetiam à presença da Química em tudo e que merecem destaque. Segue o trecho das alunas:

Em tudo. Se você for parar para pensar, tem a água, tem o ferro, tem todos os materiais que a gente vê no nosso dia a dia, pode sim, tem tudo a ver com química, a maioria. En-tão, é isso. Se você for parar para pensar, o vidro também vai ter uma reação química, que vai ter as substâncias químicas. Então tudo tem a ver com química. Pode ter até alguma coisa que não tenha a ver com a química, mas vai ser muito pouco. (Paula)

Ah na água, todo mundo bebe água, todo mundo respira. Para limpar a sua casa você usa a química como produtos

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de limpeza, cloro e tal. Em muitos lugares. Tipo tudo tem química, química é a vida, a origem da vida. Tipo célula, molécula, tem em qualquer lugar. É tudo entendeu? (Flávia)

Estas duas alunas foram as mesmas que conseguiram estabe-lecer relações da química com outras disciplinas trazendo exemplos ricos dessa relação. Paula e Flávia conseguem mostrar em sua fala que de fato reconhecem a química em tudo ao seu redor. Essas são respos-tas muito significativas e bem detalhadas, principalmente pelo fato de Paula estar no início do nono ano e Flávia ter terminado recentemente o Ensino Fundamental, iniciando o primeiro ano.

Ainda dentro desta categoria questionamos os alunos sobre a utilidade da Química para a vida deles. Todos os entrevistados reco-nhecem que a Química é útil, e dos oito entrevistados, sete se justifica-ram. Todavia, três dos alunos veem essa utilidade associada apenas às carreiras acadêmicas relacionadas diretamente com essa ciência. Outro aluno tem uma visão semelhante atribuindo a utilidade da Química para a formação escolar desse sujeito. Tivemos, ainda, três alunos que reconhecem que a Química se torna útil para entendermos situações do nosso cotidiano.

Algumas considerações

A partir dos resultados notamos que os alunos da escola Mon-tessori investigada apresentam uma percepção de Química e de Ciência ainda próxima do senso comum, atrelando essa visão, principalmente, ao conteúdo científico. O ensino da Química, quando abordado de forma mais contextualizada, estabelecendo relações CTS e trabalhando a natureza do conhecimento científico a partir da História e Filosofia da Ciência poderia contribuir mais significativamente para a visão dos alunos acerca das ciências.

Os alunos da escola Montessori reconhecem a presença da Química na sociedade e sua utilidade, bem como apontaram que essa ciência estabelece relações com outras áreas do conhecimento, todavia a maioria dos alunos não conseguiram apontar exemplos que justificassem suas respostas. As respostas de duas alunas, entretanto, chamaram a atenção por estarem bem fundamentadas.

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Este trabalho é uma parte de uma tese que buscou investigar o ensino de química estabelecido no ensino fundamental de diferentes pedagogias de ensino, sendo a Montessori uma delas. Assim, em outros trabalhos retratamos de maneira mais sistemática e criteriosa o funcio-namento e organização dessa escola e, principalmente, o contexto da sala de aula. Destacamos, por fim, a importância de mais trabalhos que busquem investigar propostas de escolas que trazem uma pedagogia de ensino diferente das escolas tradicionais.

Referências Bibliográficas

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

FERRARI, M. Maria Montessori: a médica que valorizou o aluno. In: Revista Nova Escola. 2008. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/ medica-valori-zou-aluno-423141.shtml>. Acessado em: junho de 2020.

KOSMINSKY, L.; GIORDAN, M. Visões de Ciências e sobre o Cientista entre estudantes do Ensino Médio. Química Nova na Escola, v. 15, 2002.

LIMA, M.C.; SILVA, N.S. A Química no Ensino Fundamental: uma proposta em ação. In: ZA-NON, L.B.; MALDANER, O.A. (Org.). Fundamentos e Propostas de Química para a Educação Básica no Brasil. Ijuí: UNIJUÍ, 2007, p. 89-107.

MARTINS, C. C. et al. Por um currículo de Ciências para as necessidades de nosso tempo. Pre-sença Pedagógica, n. 51, v.9, 2003.

MONTESSORI, M. From childhood to adolescence. New York: Schoken Books, 1996.

MONTESSORI, M. Para educar o potencial humano. Tradução: Miriam Santini. São Paulo: Editora Papirus, 2003.

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Química dos super-heróis: a utilização de uma unidade de ensino

potencialmente significativa com séries de TV no ensino de radioatividade

Beatriz Gatti de Castro1

Lúcia Maria de Assis2

Raiane Dandara Pereira Pimentel3

A Química, mesmo sendo considerada uma disciplina impor-tante para a formação profissional e pessoal do aluno, demorou a ser devidamente reconhecida nos currículos brasileiros e, ainda hoje, é tratada como uma disciplina difícil e desinteressante. Isso, porque o ensino ainda é feito de maneira tradicional, descontextualizada e não interdisciplinar, favorecendo a memorização de conteúdos (ROCHA; VASCONCELOS, 2016). Para modificar essa ideia entende-se que a motivação para a disciplina de Química pode ser estimulada por uma metodologia ativa e um material didático que sejam potencialmente significativos, possibilitando a interação entre o conhecimento prévio do aluno e a nova informação dada pelo professor.

Com base nessa ideia defende-se, aqui, uma metodologia que leve ao alcance da aprendizagem significativa, (AUSUBEL, 1978) a qual ocorre quando um novo conhecimento se fixa de forma substan-tiva (não literal) e não arbitrária à estrutura cognitiva do aluno que lhe atribui um novo significado. A substantividade diz que o que é incor-porado à estrutura cognitiva não são as palavras usadas para definição do conteúdo, mostrando que não há exclusividade de determinados signos para a definição dos assuntos (MOREIRA, 2011a). Já a não arbitrariedade diz que o conhecimento novo não irá se relacionar com qualquer aspecto na estrutura cognitiva, mas com um conhecimento

1 Universidade Federal de Juiz de Fora, departamento de Química, [email protected] Universidade Federal Fluminense, departamento Multidisciplinar, [email protected] Mestre em Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected].

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específico - o subsunçor - que servirá como âncora entre os conheci-mentos prévios e os novos. Caso não existam subsunçores, devem ser utilizados organizadores prévios, ou seja, materiais introdutórios que servirão como ponte entre o que o aluno já sabe e o conteúdo que irá aprender (AUSUBEL,1968 apud MOREIRA, 2016).

Para que este tipo de aprendizagem ocorra são necessárias duas condições: a utilização de um material potencialmente significativo e a predisposição do aluno para aprender. A condição para que o material seja potencialmente significativo envolve a natureza do material em si, o qual deve ser logicamente significativo, não arbitrário e não aleató-rio, e a natureza da estrutura cognitiva do aluno, na qual devem estar contidos os subsunçores que irão se relacionar com o novo material (MOREIRA, 2016). Já a segunda condição é um pouco mais complexa, uma vez que envolve a vontade do aluno: não basta ter um material potencialmente significativo se não houver a vontade de aprender do aluno – e vice-versa. Para que a aprendizagem significativa ocorra, ambas as condições devem caminhar juntas.

Ao reconhecer a importância do ensino de Ciências na for-mação pessoal e profissional do aluno, evidencia-se a necessidade de melhorar e adaptar as sequências didáticas utilizadas em sala de aula. Seguindo essa ideia, propõem-se as Unidades de Ensino Potencialmen-te Significativas (UEPS) como sequências didáticas baseadas na teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (MOREIRA, 2011b). Para sua aplicação, utilizam-se 08 passos, cabendo ao professor segui-los e/ou adaptá-los, de acordo com o contexto escolar. Esses passos são:

1. Definir o tópico a ser estudado; 2. Criar situações para que os alunos possam “acessar” os

conhecimentos prévios; 3. Propor situações problemas como organizadores prévios; 4. Apresentar o conhecimento, partindo de conceitos gerais

até os específicos; 5. Retomar os aspectos gerais de forma mais complexa; 6. Retomar os conteúdos relevantes propondo novas situações

problemas;7. Realizar uma avaliação somativa individual; 8. Procurar evidências de aprendizagem significativa.

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É importante também pensar sobre a avaliação, parte funda-mental da aprendizagem e voltada para a captação de significados, predominantemente, de maneira formativa e/ou recursiva (MOREI-RA; TOIGO, 2012). Um método de verificação que siga essas ideias foi proposto por Gowin e denominado de diagrama Vê Gowin. Esse instrumento de avaliação tem como objetivo auxiliar no entendimento do processo de ensino-aprendizagem, reconhecendo a relação entre os conhecimentos prévios dos alunos e os novos (MOREIRA; TOIGO, 2012). Como o próprio nome sugere, sua construção é feita no formato da letra vê.

No lado esquerdo do diagrama, está o lado de pensar (ou o domínio teórico-conceitual) onde se encontram conceitos, princípios e leis que englobam o processo de construção do conhecimento. Em seu vértice, localizam-se os eventos que aconteceram (espontaneamente ou não) com o intuito de registrar e, posteriormente, estudar os fenômenos envolvidos. No lado direito do Vê, encontra-se o lado do fazer, no qual são registrados os eventos e como a questão-foco foi desenvolvida e resolvida (MOREIRA, 2007). No centro, encontram-se as questões-foco que identificam o fenômeno de interesse e organizam o pensamento, mostrando o que foi estudado (MOREIRA, 2007).

Ao analisar o cenário educacional, percebe-se que nas escolas as aulas são centradas no professor - quem controla todo processo de ensino-aprendizagem - que, na maioria das vezes, não se preocupa em saber se o aluno está aprendendo de forma efetiva ou não. Sendo assim, a utilização de ferramentas didáticas que possam auxiliar no alcance da aprendizagem significativa torna-se de suma importância.

Diante disso, este trabalho investiga como o uso de séries de televisão como recursos audiovisuais em UEPS contribui para uma aprendizagem significativa no ensino de Química. Para isso, foram utilizadas as séries DC’s Legends of Tomorrow e Flash como recursos didáticos, contando com avaliações formativas e somativas, de forma individual, utilizando perguntas como exercícios em sala de aula e a elaboração de um diagrama Vê Gowin.

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Percursos Metodológicos

A unidade de ensino descrita é pertinente ao conteúdo de Radioa-tividade e foi aplicada em uma turma de primeiro ano do Ensino Médio, composta por 22 alunos. Sua duração foi de dois encontros de 2h/aula cada, totalizando 4h/aula (cada hora/aula equivalente a 50 minutos).

Primeiro encontro

A primeira etapa da aula teve início com a reprodução do trailer da primeira temporada da série DC’s Legends of Tomorrow, sendo os alunos questionados em seguida a respeito do que viram e como pode-riam relacionar com o conteúdo de Química. O foco era o personagem Nuclear e, para apresentar sua história, foi reproduzido um pequeno recorte do quarto episódio da segunda temporada da série Flash (A fúria da tempestade de fogo). Ao fazer uma breve relação do persona-gem com o tema Radioatividade algumas questões foram levantadas:

1. O que é Radioatividade?;2. Por que somente o professor Stein não era suficiente para a

formação do Nuclear?;3. O que poderia ter ocorrido se não houvesse a nova forma-

ção do personagem?;4. Como você pode relacionar o conteúdo de Química com o

que acabou de assistir?.

Em seguida o conteúdo foi abordado em slides trazendo a histó-ria da Radioatividade, todas as modificações que os modelos atômicos sofreram até chegar ao modelo mais atual, as experiências de Wilhen Conrad Roentgen (1845-1923), a descoberta do raio x, a emissão de radiação pelo sal de minério de urânio descoberta por Antoine Henri Becquerel (1852-1908) e a história de Marie Skłodowska Curie (1867-1934) e Pierre Curie (1859-1906). Logo após apresentar a linha histórica do tema, o fenômeno Radioatividade foi definido, sendo também ex-plicados os tipos de emissão (alfa, beta e gama) e suas principais ca-racterísticas, dando atenção especial para a variação de massa, número

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atômico e nêutrons de cada tipo, abordando por último os elementos radioativos e séries (ou famílias) radioativas.

Para finalizar este encontro, um novo recorte do episódio 4 da 2ª temporada da série Flash (A fúria da tempestade de fogo) foi repro-duzido e, a partir disso, as questões abordadas no início da primeira aula foram retomadas.

Segundo encontro

Para dar início à aula foi realizada uma breve revisão do conte-údo seguida de uma discussão a respeito da radioatividade, onde ela está presente no dia a dia e se o fenômeno pode ser considerado bom ou ruim. A partir de então, outros dois temas foram abordados com um nível maior de complexidade: fissão e fusão nuclear; seguido do tempo de meia vida (ou período de semidesintegração) e dois exercícios para aplicação do tema.

Posteriormente, as características mais importantes do conte-údo foram retomadas através da reprodução de quatro recortes da série DC’s Legends of Tomorrow. Dois recortes retirados do episódio 4 da primeira temporada (Do Pentágono à URSS) e os outros dois do episódio 5 da mesma temporada (Era para ser infalível). Como forma de avaliar a presença de aprendizagem significativa, os alunos responderam, de forma escrita, algumas questões sobre os recortes dos episódios que assistiram:

1. Por que o professor Stein precisava encontrar o núcleo e desligá-lo?;

2. Quando encontrou o núcleo, o que o professor fez?;3. Quais processos nucleares são representados nos últimos

vídeos?;4. O que houve com Valentina quando se separou de Stein?;5. Agora quando se fala em Radioatividade o que vem em sua

mente?.

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Em seguida, para finalizar a atividade, cada aluno construiu um diagrama em Vê Gowin com ajuda da pesquisadora adaptando-o de acordo com a necessidade da turma, como mostrado abaixo. O oitavo e último passo da UEPS procura evidências de aprendizagem significativa para considerar a UEPS exitosa e, para isso, as questões respondidas pelos alunos e o diagrama foram corrigidos e avaliados.

Resultados

Primeiro encontro

No dia referente ao primeiro encontro compareceram, ao todo, 20 alunos (90,90% da turma). No gráfico 1 abaixo encontram-se as definições mais utilizadas pelos alunos como resposta para a primeira questão da atividade. É possível observar que a maioria dos alunos definiu a radioatividade como um fenômeno envolvendo emissão de energia e/ou partículas.

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Gráfico 1. Análise das respostas dos alunos referentes à primeira questão.Fonte: Das autoras.

Ao analisar as respostas para a questão 1, 45% dos alunos defi-niram radioatividade como emissão de partículas e/ou energia, sendo justamente essa explicação abordada em sala de aula. Outros termos que também apareceram foram “espalhamento e divisão de partícu-las” (15%), podendo essa ideia ter sido formada devido às emissões alfa, beta e gama, o que leva a crer que tal assunto foi relacionado de maneira não literal e não arbitrária à estrutura cognitiva. Outros alunos (15%) relacionaram a radioatividade com a instabilidade de partículas, núcleo ou energia, sendo esses três termos citados durante a exibição dos recortes da série de televisão, podendo afirmar que o material utilizado é potencialmente significativo. Alguns discentes (10%) de-finiram o fenômeno de acordo com o último conteúdo abordado em aula - série/família radioativa. Por fim, outros (15%) utilizaram o ter-mo “núcleo negativo” para definir o fenômeno e, por isso, acredita-se que atribuíram o personagem a um núcleo e sua instabilidade a algo negativo, como os elétrons.

No gráfico 2 abaixo encontram-se as palavras mais utilizadas pelos alunos como resposta para a segunda questão da atividade. É

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possível observar que a justificativa mais utilizada pelos participantes da pesquisa dizia que o professor Stein não aguentaria toda energia sozinho para compor o Nuclear.

Gráfico 2. Análise das respostas dos alunos referentes à segunda questão.Fonte: Das autoras.

Percebe-se que as respostas dadas foram complementares, uma vez que os alunos conseguiram associar a instabilidade do professor Stein com o fato de não aguentar toda sua energia e não ser radioativo o bastante para isso. Este resultado demonstra que os alunos conse-guiram associar o conteúdo de maneira não literal, utilizando suas próprias concepções e ideias.

A questão 3 abordava o que poderia ter acontecido com o pro-fessor Martin Stein caso não houvesse a nova formação do Nuclear e, como esperado, todos os alunos utilizaram na resposta termos como: explosão, morte, liberação de radiação e instabilidade. Vale ressaltar que um aluno específico respondeu que o professor não aguentaria toda radiação e morreria gerando uma emissão gama. Durante a expli-cação desse tipo de emissão foi citado que ela poderia ser exemplificada pelo Stein, uma vez que, caso não conseguisse outro parceiro, teria que emitir radiação gama para se tornar estável - assim como um núcleo.

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A figura 1 mostra uma nuvem de palavras contendo os termos que mais se repetiram na questão 4, a qual se referia aos conteúdos de Química que os alunos conseguiram relacionar com os dois recortes dos episódios apresentados.

Figura 1 - Palavras referentes aos conteúdos de Química citadas pelos alunosFonte: Elaborado pelas autoras a partir da plataforma WordClounds1.

Como se pode observar, o termo ‘radioatividade’ foi o que apareceu com mais frequência. Acredita-se que os termos ‘transfor-mações’ e ‘ligação’ foram relacionados com a cena em que Jackson e Stein se fundem ocasionando a formação do Nuclear. O termo ‘fusão’ foi citado durante o episódio, mas como não era de conhecimento dos alunos, os mesmos voltaram a associar o termo compartilhamento de elétrons ao processo.

Com isso, pode-se concluir que as duas condições para ocorrên-cia da aprendizagem significativa foram alcançadas e esta, se associou de forma não literal e não arbitrária à estrutura cognitiva dos alunos, uma vez que não ficaram presos somente a um termo e a uma ideia para definir a radioatividade. Através da utilização da série de TV como organizador prévio foi possível entender os conceitos subsunço-

1 Disponível em: <https://www.wordclouds.com/>. Acesso em 01/11/2019.

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res trazidos pelos alunos. Posteriormente, o uso desse mesmo recurso como um material potencialmente significativo possibilitou a relação entre os conhecimentos prévios e os novos. Sendo assim, pode-se dizer que houve indícios de aprendizagem significativa, uma vez que os dis-centes conseguiram relacionar o conteúdo químico com o que haviam acabado de assistir nos recortes da série de televisão, utilizando suas próprias concepções e ideias.

Segundo encontro

No dia referente ao segundo encontro compareceram, ao todo, 10 alunos, sendo que dentre esses, todos estiveram presentes no pri-meiro encontro. Ao analisar as respostas para a pergunta de número 1 que questionava por que o professor Stein precisava encontrar o núcleo e desligá-lo, 100% dos alunos afirmaram que o personagem queria impedir que outros nucleares fossem criados pela cientista. Já na segunda questão - que abordava o que o Stein fez quando encontrou o núcleo - a resposta também foi unânime: o professor absorveu toda a energia quando o encontrou. Quando questionados sobre os processos nucleares que foram representados nos vídeos, todos os alunos afirmaram se tratarem dos processos de fusão e fissão nuclear. Na questão número quatro 60% dos alunos disseram que ocorreu uma explosão. No entanto, 40% dos alunos disseram que a cientista Valentina explodiu quando se separou de Stein porque ficou altamente instável - termo este abordado no encontro anterior. Com isso, enxergam-se indícios de aprendizagem significativa, uma vez que “o novo conceito se agregou ao conhecimento já existente, ampliando-o e modificando-o tanto em termos qualitativos quanto em quantitativos” (BRAATHEN, 2012, p. 66).

Na última questão os alunos tiveram que escrever conceitos, ideias e/ou teorias que conseguiram relacionar ao conteúdo de Radio-atividade após os dois encontros. A figura 2 apresenta uma nuvem de palavras com os termos mais citados pelos alunos.

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Figura 2 - Palavras referentes ao conteúdo de Radioatividade mais citadas pelos alunosFonte: Elaborado pelas autoras a partir da plataforma WordClounds2.

Como se pode observar, as palavras ‘partículas’, ‘energia’ e ‘emissão’ foram as que apareceram com maior frequência. Isso eviden-cia mudanças nas concepções dos alunos quanto ao tema, visto que remetem agora o assunto radioatividade não somente a coisas boas e/ou ruins, mas a conteúdos científicos. O tema, ao ser tratado de forma crítica, social e contextualizada, possibilitou que a turma se posicionas-se também sobre a aplicação da radioatividade no dia a dia, mas sem deixar de relacioná-la a conteúdos científicos da disciplina de Química. (VIANA, 2008).

Por fim, a última atividade envolveu a elaboração de um dia-grama Vê Gowin adaptado, como já mostrado anteriormente. Quando foram questionados a respeito do problema abordado ao longo das aulas, os discentes afirmaram se tratar da radioatividade. A respeito das hipóteses, disseram envolver o estudo do personagem Nuclear. Acerca dos conceitos, os discentes foram instruídos a definir todos os conceitos abordados durante a aula, então disseram: história da radioatividade, tempo de meia vida, tipos de radiação (alfa, beta e gama), fissão e fusão nuclear. Com isso, o domínio teórico-conceitual foi preenchido.

2 Disponível em: <https://www.wordclouds.com/>. Acesso em novembro de 2019.

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Nos materiais e procedimentos utilizados a turma citou séries de televisão Flash e Lendas do Amanhã (título traduzido), vídeos, ex-plicação da professora e slides. No tópico dos resultados alguns alunos foram sucintos na resposta dizendo somente “entendimento sobre o tema”. No entanto, outra parcela dos estudantes conseguiu relacionar o problema com as hipóteses, os conceitos, os materiais e procedimen-tos, o que evidencia a eficácia da atividade, uma vez que “mostra os elementos epistemológicos envolvidos na construção e descrição de novos conhecimentos” (MOREIRA, 2006, p.88). No último tópico os discentes deveriam apresentar conclusões sobre o problema e suas opiniões a respeito das aulas e da aplicação da UEPS. Através da aná-lise das respostas apresentadas pode-se dizer que os alunos formaram suas próprias concepções a respeito do tema, afirmando que a radio-atividade possui pontos negativos e positivos. Além disso, todos os participantes da pesquisa citaram o personagem Nuclear como parte fundamental para compreensão do tema.

Os alunos conseguiram não somente assimilar o conteúdo científico com o que foi exibido nos episódios, mas desenvolveram uma visão crítica a respeito do tema, formando opiniões e concepções pessoais. Pode-se dizer também que houve indícios de aprendizagem significativa, visto que os alunos conseguiram criar uma rede de conhecimentos na qual os conceitos encontram-se interligados, carac-terizando esse tipo de aprendizagem (BRAATHEN, 2012). Além disso, através do material potencialmente significativo (séries de TV), foi possível motivar os estudantes, alcançando assim as duas condições para a aprendizagem significativa.

Conclusão

Para que a aprendizagem significativa ocorra duas condições são necessárias: utilização de um material potencialmente significativo e a vontade de aprender do aluno. A última condição requer que os alunos sejam ativos no processo de aprendizagem, mas por não esta-rem familiarizados com metodologias que possibilitem isso, acabam resistindo à nova proposta. Sendo assim, a motivação é fator crucial para adequação da abordagem pedagógica. Essa motivação não deve

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estar relacionada somente aos alunos, mas também aos professores para que pesquisem e repensem suas práticas pedagógicas. Logo, o professor deve motivar os alunos a avançarem, pensarem, aprenderem e participarem da própria aprendizagem. Para isso, metodologias com tendência ao ensino baseado na memorização devem ser evitadas.

Ao empregar uma metodologia ativa neste trabalho foi possível reconhecer conhecimentos prévios específicos trazidos pelos alunos, o que intensificou os resultados positivos do projeto, uma vez que conseguiram atribuir novo significado ao conteúdo, estabelecendo também uma visão crítica. Além disso, os estudantes mostraram-se contentes com a experiência de aprender por meio de uma atividade antes considerada apenas entretenimento. A utilização de séries de TV como recursos didáticos audiovisuais teve o intuito de despertar o interesse dos alunos para o tema, mas acima de tudo sua vontade de aprender. Sendo assim, além de servir como um material potencial-mente significativo, este recurso audiovisual contribuiu também para a predisposição do aluno em aprender alcançando as duas condições para a ocorrência da aprendizagem significativa.

Em suma, a utilização de séries de TV como recursos didáti-cos em unidades de ensino potencialmente significativas possui um potencial muito grande em relação à ocorrência da aprendizagem significativa. Embora esses recursos sejam materiais poucos abordados no ensino são de extrema relevância, principalmente porque podem ajudar o professor a elaborar materiais potencialmente significativos e organizadores prévios para que os alunos alcancem os subsunçores necessários para a aplicação da UEPS. Sendo assim, estes dois recursos contribuem de forma eficiente para a aprendizagem significativa.

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MOREIRA, M. A. Aprendizagem Significativa - da visão clássica à visão crítica. In: I ENCON-TRO NACIONAL DE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA, I, 2005, Campo Grande. Anais, Campo Grande, 2005.

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__________. Mapas conceituais e diagramas V. 1 ed, Porto Alegre: Instituto de Física da UFRGS, 2006.

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ROCHA, J. S.; VASCONCELOS, T. C. Dificuldades de aprendizagem no ensino de Química: algumas reflexões. In: XVIII Encontro Nacional de Ensino de Química, Florianópolis, Anais, 2016.

VIANA, E. S. Breve estudo sobre o ensino da Radioatividade nas escolas públicas estaduais na cidade de Campos dos Goytacazes/RJ. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Química) - Curso de Licenciatura em Química, Instituto Federal Fluminense, Campos dos Goy-tacazes, 2008.

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O jogo da vida de Marie Curie sob o olhar da história da ciência

Fernanda Luiza de Faria3

Ingrid Nunes Derossi4

Gabriele Smanhotto Malvessi1

Ana Caroline Ferrari1

Contextualizando as Mulheres na Ciência

As questões que envolvem a mulher têm sido tema de debates em diferentes áreas, assuntos como a legalização do aborto, estupros, feminicídio, salários desiguais e principalmente a discriminação da mulher na sociedade de um modo geral. Neste capítulo iremos abordar a relação que envolve a mulher e a ciência com foco na química.

Nas poucas vezes que os nomes de cientistas do sexo feminino são mencionados estão acompanhados apenas das suas realizações na ciência. Não são abordadas as dificuldades ultrapassadas, isso quando não estão acompanhados de especulações e maledicências sobre a vida pessoal da mesma sem apresentar as verdadeiras causas e consequên-cias de tais fatos.

Em uma pesquisa realizada por Teixeira e Costa (2008), na qual os autores investigam as impressões de estudantes universitários sobre a presença de mulheres na ciência, foi solicitado que citassem o nome de duas mulheres cientistas. Os nomes mais citados foram de Marie Curie e sua filha Irène Curie. Os nomes Lise Meitner, Leona Woods e Mileva Einstein foram citados uma vez. De acordo com o site oficial do prêmio Nobel, desde 1901 até 2019 são 53 mulheres detentoras de tal prêmio (distribuídos em Física, Química, Medicina ou Psicologia, Literatura, Paz, Ciências Econômicas), porém, destas, apenas 8 na área de Física e Química (se contarmos que Marie Curie recebeu duas vezes). A maior

3 Universidade Federal de Santa Catarina.4 Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

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concentração está no prêmio Nobel da Paz com 17 mulheres, seguido da área de Literatura com 14 e Psicologia ou Medicina com 12 e nas Ciências Econômicas temos apenas uma mulher laureada em 20095.

A questão da ausência da mulher na história da ciência é abor-dada por Lopes (2005) que atribui ao fator da “existência de poucas mulheres - e menos ainda feministas - com treinamento necessário para escrever com autoridade sobre ciência e com disposição para escrever sobre gênero e ciência”. Quantos professores e/ou professoras univer-sitários discutem em suas aulas a discrepância entre os ganhadores de um prêmio Nobel em ciências? (COSTA, 2006)

Outro aspecto que destacamos é que a apresentação da história de mulheres cientistas contribui para a aproximação dos estudantes da pessoa por trás da descoberta, além de desmistificar o caráter mascu-lino predominante do campo científico que em inúmeros casos é algo construído socialmente. (FERREIRA, 2003; GILBERT; CALVERT, 2003; TINDALL; HAMIL, 2004; OSTERMANN; SANTOS, 2007).

Breve biografia de Marie Curie

Marya Salomee Sklodowska (1867-1934) nasceu na Polônia, mas passou a maior parte de sua vida na França onde se tornou uma importante cientista e, embora menos divulgada, uma proeminente educadora. Sua família era tradicionalmente envolvida com a educa-ção, sua mãe estudou em uma das escolas particulares para mulheres e seu pai, o Sr. Wladyslaw Sklodowski, foi uma das pessoas mais influentes em sua trajetória acadêmica contribuindo para a construção de alguns de seus ideais. (CURIE, 1957)

O senhor Skolodowski se apropriou dos ideais do realismo político e acreditava que a melhor forma de libertar a Polônia do do-mínio russo seria através da educação do povo. Nessa época havia uma aclamação para convencer os poloneses a não trabalharem para o governo, entretanto, como professor, Wladyslaw tinha consciência de seu compromisso com a educação e se sujeitou às regras impostas a fim de não ter que abandonar os jovens e de alguma forma influenciá-los

5 https://www.nobelprize.org/prizes/lists/nobel-prize-awarded-women

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para que futuramente pudessem contribuir para a construção de uma nova Polônia. (QUINN, 1997)

Diante desse panorama familiar, Marya concluiu o ginásio em 1883 e em seguida começou a frequentar uma escola de ensino superior local clandestina, já que a Universidade de Varsóvia ainda não aceitava mulheres. Nesse ambiente teve contato com as ideias de Auguste Comte (1798-1857) e o positivismo que, segundo as biografias de Robert Reid e Susan Quinn em sua versão polonesa, trazia implícito a igualdade entre os sexos perante a educação e a importância da ra-zão e da ciência para a sociedade, sem envolver questões religiosas. A jovem identificou-se com alguns ideais positivistas, como a maneira de pensar e apropriou-se deles. (REID, 1974; QUINN, 1997)

A caçula dos Sklodowski que já vinha trabalhando com aulas de reforço para auxiliar o pai com o sustento da família assume agora o trabalho de governanta em Varsóvia, mas principalmente devido a uma oferta de melhor remuneração transfere-se para a cidade de Szczuki, no interior da Polônia, onde trabalha como preceptora6. En-quanto vivia na casa de seus patrões o Sr. Sklodowski, que era conhe-cedor de sua enorme capacidade e visava manter viva a “chama” do incomum interesse da filha em ciências exatas, enviava-lhe problemas de matemática avançada por correspondência com receio, talvez, de que a filha por estar muito ocupada, não tivesse tempo para estudar. (REID, 1974)

Nesta época, além de trabalhar, Marya tinha que continuar sozinha os seus estudos preparatórios para a Universidade Sorbonne e em uma carta ao seu irmão Joseph ela lamenta: “Estou aprendendo química em um livro. Você pode imaginar quão pouco tiro disso, mas que posso fazer se não tenho lugar para fazer experiências nem trabalho prático?” Para aprofundar os conhecimentos utilizava alguns livros como: Física de Daniel – primeiro volume, a Sociologia de Herbert Spencer (1820-1903) - livro lido em francês -, Lições de anatomia e fisiologia de Paul Bers - lido em russo. (QUINN, 1997, p. 72 e p. 78)

6 Termo que corresponderia, nos dias atuais, a professora particular, ou mais apropriadamente educadora, visto que à preceptora caberia ensinar ciências, artes, literatura, línguas estrangeiras, tanto quanto boas maneiras, valores morais, comportamentos diante das visitas, entre outras habilidades.

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Durante o seu período como preceptora, no interior de uma Polônia ainda sob o domínio russo, além de ensinar aos filhos da famí-lia que a contratou, a jovem Sklodowska, assumia, conscientemente, o risco de ser presa ou deportada por ensinar a língua e a cultura de seu país aos filhos de camponeses da região que eram, na maioria, analfabetos, pois as escolas só tinham permissão para ensinar a língua e a cultura russa; e os camponeses, logicamente, resistiam em aprender a língua de um povo que estava lhes fazendo passar por tanto sofri-mento7. (QUINN, 1997)

Passado esse período e com Bronia, sua irmã, já formada em medicina8, Marya chega a Paris em 1891. A partir deste momento o seu nome passa a ser Marie, como convinha em solo francês e, finalmente, a jovem polaca pôde tornar-se parte de um seleto grupo de vinte e três mulheres, dentre quase dois mil estudantes matriculados na Escola de Ciências. Mesmo assim, Marie não se sente diferenciada por ser mu-lher, debate normalmente com seus colegas e considera-se integrada àquele meio extremamente masculino9. Em julho de 1893 regozija-se com o anúncio de que ela havia alcançado o primeiro lugar em ciências físicas. (CURIE, 1957)

A importância da abordagem da História da Ciência no ensino

É comum entre alunos da educação básica uma visão errônea da ciência e do ser cientista. Neste sentido, torna-se importante a abor-dagem da História da Ciência (HC) no ensino, uma vez que o estudan-te pode compreender que a ciência não está distanciada da influência da sociedade, bem como pode também influenciá-la, contribuindo de forma significativa para a compreensão da natureza do conhecimento científico (BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2014).

Como destaca Matthews (1995), a HC não possui todas as soluções para a crise que se estabelece em torno do Ensino de Ciências,

7 “Após a derrota de Napoleão em Waterloo, em 1815, e o Congresso de Viena, o Czar Alexandre II da Rússia, foi nomeado “rei da Polônia” e esse país passou para o controle conjunto de Rússia, Prússia e Áustria. A língua polonesa foi proibida bem como a literatura e a historia.” (GOLDSMITH, 2006, p.16).8 Bronia era uma entre somente três mulheres que concluíram o curso. (QUINN, 1997, p.89)9 Muito provavelmente influenciada pelos ardentes debates ocorridos à luz dos ensinamentos de Comte, na Universidade Volante de Varsóvia.

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contudo, pode contribuir para uma mudança significativa nesse qua-dro, já que pode humanizar a ciência e aproximá-la dos interesses pes-soais, éticos, culturais e políticos da comunidade; pode tornar as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo, deste modo, o desenvolvimento do pensamento crítico; pode contribuir para a supe-ração do “mar” de falta de significação que se diz ter inundado as salas de aula de ciências, onde fórmulas e equações são recitadas sem que muitos cheguem a saber o que significam; pode melhorar a formação do professor auxiliando no desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, ou seja, de uma maior compreensão da estrutura das ciências, bem como do espaço que ocupa no sistema intelectual das coisas.

Nota-se que as discussões que valorizam a necessidade de inserir a HC no Ensino de Ciências para a formação cidadã almejada pela educação tem crescido (BRASIL, 2002; SANTOS; SCHNETZLER, 2010; SAITO, 2010; BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2014). Porém, mesmo com o avanço dessas discussões, no Brasil ainda são escassos os trabalhos que investigam a realização e o efetivo papel da HC no Ensino das Ciências. O que está associado ao fato de muitas das abordagens historiográficas da ciência feitas em sala de aula serem discorridas de forma a privilegiar os resultados ao invés do processo como um todo em que o conhecimento científico foi produzido, o que propicia uma visão de ciência pronta, acabada e como uma verdade absoluta. Ademais, muitas abordagens da HC se reduzem a escrever biografias de cientistas ou conhecimentos científicos estabelecidos de forma linear, enfatizando o caráter heurístico dos objetos da ciência (BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2010; CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2004, KOSMINSKY; GIORDAN, 2002).

Apesar de ser uma área que está crescendo é preciso ainda muitas discussões em torno da interface entre a História da Ciência e o Ensino de Ciências. Para trazer esse debate para a realidade das escolas e universidades é preciso muitas mudanças, como novas orientações para a prática e a avaliação, novos materiais didáticos e a inclusão de cursos adequados sobre HC na formação inicial e continuada de professores (MATTHEWS, 1995; REIS, 2015).

O presente capítulo traz uma proposta de ensino que visa abordar a vida de uma cientista que trouxe importantes contribui-

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ções para a ciência vinculando esse recurso didático à abordagem da História da Ciência.

Os Jogos no âmbito educacional: algumas definições

O jogo é um tipo de material didático com grande potencial para o Ensino de Ciências e de Química. Para isso, todavia, é necessário um equilíbrio entre a função lúdica e a função educativa presente nesse recurso didático. A função lúdica refere-se à diversão, prazer que este jogo pode proporcionar ao aluno. Já a função educativa, refere-se à ca-pacidade desse recurso didático contribuir para o aprendizado de um conhecimento e sua apreensão de mundo (SOARES, 2016; CUNHA, 2012; KISHIMOTO, 2017).

Deve haver ainda em um jogo, como recurso didático, uma li-berdade do aluno frente ao jogo, de forma que ele queira jogar e não ser uma ação obrigatória. Atualmente há uma variedade de tipos de jogos propostos para o ensino de Química, como jogo de cartas, de tabuleiro online, dentre outras opções e, ainda, abarcando diferentes temáticas e saberes da Química. O professor tem o papel de escolher a melhor opção para a abordagem do conhecimento em estudo e ainda a que pode agra-dar mais os seus alunos, pois um jogo pode ser mais atraente para uma certa idade, por exemplo. Ademais, mais de um jogo pode ser adotado na sala de aula, isso tudo deve ser pensado e refletido pelo professor, visto que o jogo deve ser um recurso para o ensino e não o objeto de ensino em si.

Concorda-se com Soares (2016) quando afirma que é importan-te que o professor, ao optar por um jogo, domine os conhecimentos que serão abordados durante a atividade, domine os conceitos que caracterizam o jogo em si, e ainda que se preocupe com referenciais teórico-metodológico acerca de como aquele jogo contribuiu para o ensino e a aprendizagem do conhecimento químico almejado.

Há diferentes definições na literatura para o jogo como um recur-so educacional, como, por exemplo, jogo educativo, jogo didático, jogo pedagógico, sendo muitas vezes, adotados como sinônimos. Porém, Cleophas, Cavalcanti e Soares (2018) manifestam que essas definições possuem suas distinções, ainda que pequenas. O jogo educativo é um jogo que não tem necessariamente um objetivo educacional, mas que

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pode proporcionar um aprendizado. Esse jogo educativo normalmente é informal, mas pode ser formal e direcionado ao ambiente escolar. Nesse caminho, trazemos duas outras definições: o jogo pedagógico e o jogo didático.

Amparados no referencial Cleophas, Cavalcanti e Soares (2018), trazemos a definição de jogo didático e pedagógico. O jogo didático é um jogo educativo formalizado e que foi adaptado a partir de um outro jogo já existente na literatura, introduzindo agora a abordagem de ou-tros conhecimentos específicos com a finalidade de alinhar o objetivo lúdico com os objetivos educacionais já pensados na elaboração do jogo. O jogo pedagógico, por sua vez, é um jogo educativo formalizado e que não foi adaptado de nenhum outro jogo, tendo, portanto, uma parcela significativa de ineditismo. O jogo pedagógico visa desenvolver habilidades cognitivas sobre conteúdos específicos, atuando como uma estratégia de ensino.

No contexto dos jogos, o presente capítulo retrata um recorte de um projeto de pesquisa que almejou construir jogos que abarcas-se a vida de cientistas que foram importantes para a construção do conhecimento científico ao longo dos séculos, destacando os aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, dentre outros que marcaram sua vivência a fim de descaracterizar a visão errônea em que é atribuí-da aos cientistas: gênios, loucos, solitários, sem vida social. Além disso, almejava-se, nestes jogos, trazer discussões acerca dos conhecimentos que foram estudados por esses cientistas e sua contribuição para o desenvolvimento dos mesmos.

Diante disso, apresentamos o jogo desenvolvido neste projeto que retrata a vida da cientista Marie Curie. O jogo pode ser definido como um jogo didático, visto que se trata de um jogo educativo forma-lizado com objetivos educacionais bem definidos e se baseia em um jogo já existente chamado de Jogo da Vida.

Apresentando o “Jogo da Vida de Marie”

Diante da potencialidade do jogo como recurso didático, da relevância de se discorrer sobre a presença das mulheres na ciência e da necessária abordagem da História da Ciência no ensino, o presente trabalho apresenta o Jogo da Vida de Marie, que retrata a vida da notá-

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vel cientista Marie Curie através de um jogo de tabuleiro, inspirado no Jogo da Vida® (da companhia de brinquedos Estrela).

O jogo desenvolvido conta com 44 casas por meio das quais os jogadores, no papel de Marie Curie, são convidados a percorrer os principais aspectos de sua vida, desde seu nascimento até sua morte, perpassando pela sua fuga para Paris, casamento, entrada na Universi-dade de Sorbonne, o nascimento das filhas e os prêmios Nobel. No en-tanto, não se trata de apenas um percurso linear abordando a biografia da cientista. Durante o caminho é possível ao professor mediar debates sobre assuntos importantes para a formação de sujeitos críticos através das cartas do “Para saber mais”, “Mulheres na Ciência” e Radioatividade. Na Figura 1 é possível ver o tabuleiro do jogo.

Figura 1 - Tabuleiro do “Jogo da Vida de Marie Curie”.Fonte: Dados dos autores.

Os jogadores iniciam com 1000 francos (moeda do jogo - vide Figura 2), um livro e uma vidraria. Ao longo do jogo se deparam com ordens de receber ou pagar ao banco e/ou aos demais jogadores. Além disso, há casas representadas por cartas de Biografia que contém peque-nos textos acerca da vida de Madame Curie; cartas de Para Saber Mais em que são apresentadas mais informações sobre temas relevantes,

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a carta Radioatividade que traz discussões sobre esse tema; as cartas Mulheres na Ciência que propõe um debate acerca da presença da mulher na ciência; e a casa Pare acrescentada para evidenciar o caráter lúdico do jogo. Na Figura 3 é possível ver algumas das cartas do jogo.

Figura 2 - Moedas em franco do “Jogo da Vida de Marie Curie”.Fonte: Dados dos autores.

Figura 3- Cartas do “Jogo da Vida de Marie Curie”Fonte: Dados dos autores.

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Os jogadores ainda podem adquirir livros, conhecimento e vidrarias, este último com seus nomes e finalidades. As fichas que representam as vidrarias, conhecimentos e livros podem ser vistos na figura 4.

Figura 4 - Fichas de conhecimento, dinheiro, livro e vidrarias.Fonte: Dados dos autores.

Além disso, algumas ações são estabelecidas aos jogadores como a discussão acerca da radioatividade e de mulheres na ciência através das cartas mencionadas anteriormente, o que implica que este recurso não prima apenas pela divulgação de conhecimentos sobre HC, mas também estimula a formulação de argumentos e sua explanação sobre conhecimentos específicos da química e questões sobre gênero, bem como estimula a interação entre os envolvidos no jogo.

O jogo oferece ainda os peões que apresentam a imagem da Marie Curie representada em formato de desenho em diferentes cores e ainda um Manual de Instruções que auxilia os jogadores a compreenderem o funcionamento desse recurso didático, trazendo principalmente as regras do jogo. Como pode ser visto na Figura 5 e 6, respectivamente.

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Figura 5 - Peões do “Jogo da Vida de Marie Curie”.Fonte: Dados dos autores.

Figura 6 - Manual de Instruções.Fonte: Dados dos autores.

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O jogo chega ao fim quando o primeiro jogador cruza a linha de chegada, sendo então realizada a conversão de dinheiro, livros, vidrarias e fichas de conhecimento em pontuação. Vale destacar que as fichas de conhecimento possuem a maior pontuação possível e as únicas que não são passíveis de perda durante o jogo, objetivando destacar seu valor frente aos outros elementos.

Referências Bibliográficas

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O estudo da conservação das massas e balanceamento de reações químicas:

relato de uma experiência de elaboração de estratégias de ensino com surdos

Jomara Mendes Fernandes1

Ivoni Freitas-Reis2

Introdução

Não somente no que tange à educação do aluno com deficiência, mas também na área de Ensino de Ciências em geral é constante a bus-ca por soluções que viabilizem uma aprendizagem eficaz e duradoura. Na química é muito comum a necessidade de uma maior abstração para a compreensão de conceitos. Por isso mesmo, frequentemente sugere-se a utilização de recursos de ensino que explorem de maneiras variadas determinado fenômeno a fim de auxiliar na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo do aluno. Defendemos que toda prática pedagógica voltada para o trabalho com alunos surdos precisa basear-se no uso de variados recursos visuais e de materiais concretos e acessíveis. Neste capítulo retratamos a experiência do uso de bo-linhas de isopor na representação das combinações entre os átomos em reações químicas que se mostraram uma eficiente alternativa para trabalhar a concepção da conservação da massa. Assim, fomentamos a viabilidade e a potencialidade do uso de modelos de bolinhas de iso-por e a produção de desenhos como estratégias auxiliadoras no estudo de reações químicas por discentes surdos. Os resultados provenientes da elaboração de desenhos por surdos se revelaram um instrumento avaliativo adequado e acessível a esses. Os surdos que participaram da validação das aulas desenvolveram um raciocínio correto e satisfatório

1 Instituto de Química, Campus Ondina, Universidade Federal da Bahia. [email protected] Departamento de Química, Universidade Federal de Juiz de Fora. [email protected]

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na elaboração de desenhos sobre o balanceamento de reações químicas, atuando como agentes diretos na construção do próprio saber.

Ensino e aprendizagem de Química para surdos

Poucas pesquisas em inclusão são encontradas diretamente re-lacionadas ao Ensino de Química. Dentro do ensino desta ciência que faz uso de símbolos, modelos, fórmulas e equações para explicar fenô-menos a partir de conceitos abstratos existe uma urgente necessidade de propostas diferenciadas com foco na aprendizagem de alunos com deficiência. Em especial, do aluno surdo (SOUZA; SILVEIRA, 2011).

Tomando como base trabalhos sobre o Estado da Arte que apon-tam para a lacuna existente em estudos voltados para a educação de alunos surdos, sobretudo no que tange ao ensino de química (FERREI-RA; NASCIMENTO; PITANGA, 2014), neste capítulo nos debruçamos em tecer relações e fomentar discussões sobre essas duas vertentes: a educação de alunos surdos e o ensino de química. Afinal, existe uma maneira eficiente para trabalhar química com o aluno surdo?

No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, a educação passa a ser um direito de todos e dever do Estado. Em 1989, por meio da Lei nº 7.853/89, ficou garantido o apoio às pessoas com deficiência, bem como sua integração social. Além disso, os pesquisadores Gomes, Souza e Soares (2015) apontam que a Constituição também institui a igualdade de condições de acesso e permanência na Escola (art. 206, inciso I), acrescentando que é dever do Estado a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (art. 208, inciso V).

Várias são as políticas públicas que desempenham uma im-portante função para a ampliação das práticas inclusivas na educação brasileira. Percebemos que, desde a Declaração de Salamanca3, há um crescente comprometimento das nações para que a educação das pes-soas com necessidades especiais se desenvolva, o que já constitui uma mudança de paradigma (FERNANDES, 2016). Entretanto, apesar da

3 Documento elaborado na Conferência Mundial sobre Educação Especial, em Salamanca, na Espanha, em 1994, com o objetivo de fornecer diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas e sistemas educacionais de acordo com o movimento de inclusão social.

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Declaração ter desencadeado várias preocupações diante de questões pertinentes à inclusão, esse desenvolvimento tem ocorrido a passos lentos e muito ainda precisa ser feito para que as determinações sejam efetivamente cumpridas.

Analisando a realidade que qualquer pessoa com deficiência ainda precisa enfrentar hoje, podemos concluir que a acessibilidade é uma condição necessária, mas não suficiente para que a inclusão se concretize. Fica evidente, dentro da área de educação para surdos, a necessidade da formação de um novo educador que saiba trabalhar conceitos e habilidades por meio da língua natural da comunidade surda – a língua de sinais. Concordamos com Skliar (1998) que incluir não significa apenas ocupar o mesmo espaço físico. É importante a presença de professores que conheçam a cultura e as particularidades de seus alunos que atuem com o deficiente de maneira responsável e coerente com as potencialidades e necessidades desses.

Sabemos que a educação consiste em propiciar ao indivíduo, pela diversidade de oportunidades e conhecimento de si e do mundo, a chance de se tornar um cidadão em todos os níveis que se possa atribuir ao termo. Concomitante, a educação deve buscar suas fontes de apoio nos recursos da pessoa, por mais escassos que eles sejam mediante a consideração de suas necessidades. Para Candau (2012) a escolha do recurso educacional mais apropriado a cada aluno constitui um dos aspectos mais relevantes da educação especial.

Para a pesquisadora supracitada é conveniente esclarecer que uma educação é definida como especial em decorrência da utilização de recursos físicos e materiais especiais de profissionais com um pre-paro específico e de alguns aspectos propriamente curriculares que geralmente não são encontrados em situações comuns. Muitas vezes o aluno que necessita de auxílio especial é prejudicado por barreiras estruturais e conjunturais do próprio sistema escolar.

Concordamos com Góes (1996) que a surdez não torna o in-divíduo um ser que tem possibilidades a menos e sim possibilidades diferentes, uma vez que “a linguagem não depende da natureza do meio material que utiliza, mas o que é importante é o uso efetivo de signos, seja qual for a forma de realização, desde que possa assumir o papel correspondente ao da fala” (p.35).

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Sendo assim, precisamos enxergar no aluno surdo um alguém não menos desenvolvido, mas, sim, que se desenvolve de maneira diferente dos demais. Para Perlin e Strobel (2006) a educação para surdos deve basear-se na pedagogia surda onde precisa ser destacada a diferença linguística, cultural e política em que esses sujeitos estão imersos. Nessa pedagogia o surdo é reconhecido como um sujeito completo e não como um alguém a quem falta algo. Mesmo que seja considerada a ausência do sentido da audição, a pedagogia surda valoriza a cultura visual dos surdos em suas práticas em detrimento daquilo que lhes falta.

É, sobretudo, por meio da experiência visual que ocorre a intera-ção entre o indivíduo surdo e o meio que o cerca. Por isso, é fundamental que os processos de ensino e aprendizagem de alunos surdos envolvam atividades visuais e materiais concretos. Essa linguagem visual vai ao encontro das necessidades educacionais dos alunos surdos e, embora estudos nesse campo de pesquisa ainda sejam escassos, já é fato ser essa pedagogia um eficiente caminho para um bom trabalho com esses alunos.

Buzar (2009) evidencia essa questão quando identifica a singu-laridade visuoespacial do sujeito surdo. A autora destaca que aqueles que não ouvem percorrem outro caminho para se expressar, se comu-nicar e entender o mundo. Desse modo, as práticas que privilegiam a visualidade se mostram elementos importantes.

Os autores Ferreira, Nascimento e Pitanga (2014) e os autores Schwahn e Andrade Neto (2011) desenvolveram revisões indepen-dentes de literatura da última década por meio da consulta a artigos publicados em periódicos e em anais de eventos como das Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira de Química (RASBQ) e dos Encontros Nacionais de Pesquisadores em Ensino de Ciências (ENPEC). Quanto ao conteúdo dos trabalhos publicados nos periódicos e eventos os autores das duas obras chegam a conclusões que se assemelham entre si: os resultados denunciam a precariedade do ensino oferecido aos surdos e a dicotomia existente entre o modelo de ensino idealizado e o praticado nas escolas.

Dada a complexidade do tema não é trivial apontar uma solução, mas, apesar disso, é importante que ações sejam propostas de forma a contribuir para a construção de uma escola efetivamente inclusiva.

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Ferreira, Nascimento e Pitanga (2014) aludem que as dificuldades de en-sinar e aprender química na educação do surdo se deve a vários fatores:

A inexistência de sinais específicos, em Libras, para os termos químicos; o conhecimento limitado da Libras por muitos professores de química; a carência de intérpretes com formação ou conhecimentos de química; e a frágil interação entre professores e intérpretes no planejamento pedagógico da disciplina (p. 192).

É preciso considerar que as limitações não estão nos estudan-tes, mas nos recursos precários, nos profissionais pouco preparados, no sistema escolar, dentre outros. Por isso mesmo, mostra-se vital construir estratégias didáticas adequadas e dedicar ao aluno surdo uma metodologia de ensino onde o conhecimento esteja visualmente acessível a fim de possibilitar uma verdadeira aprendizagem.

Aspectos da elaboração das estratégias de ensino

A escolha do tema sobre balanceamento de equações quí-micas emergiu de questionários que foram aplicados em diferentes turmas de Ensino Médio de sete escolas públicas da rede estadual da cidade de Juiz de Fora (MG), no final de 2014. Neste levantamento, aproximadamente 48% dos 222 alunos entrevistados, entre ouvintes e surdos, elegeram os conteúdos de balanceamento de reações quí-micas e estequiometria como conceitos difíceis e que apresentam alto grau de abstração.

Após a definição do tema um conjunto de aulas foi previamente validado com três estudantes surdos do curso de magistério oferecido por uma escola estadual da mesma cidade (os quais nos referenciaremos por meio dos nomes fictícios Maria, Ana e João) e contou também com a par-ticipação de uma professora também surda do curso de Letras - Libras da Universidade Federal de Juiz de Fora. As imagens que adiante serão apre-sentadas são produções que tinham por finalidade a tentativa, por parte dos participantes surdos, de transmitir o que ficou na memória de cada um com respeito a temática balanceamento de reações químicas e como estes procedem/pensam ao realizar um determinado balanceamento.

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Anterior à produção dos desenhos foram realizadas quatro au-las/encontros de aproximadamente duas horas cada, alicerçadas em recursos visuais, experimentação e, principalmente, usando diferentes representações de diversas reações empregando modelos de bolinhas de isopor. O uso desses materiais permitiu trabalhar adequadamente a ideia dos rearranjos dos átomos dos reagentes para formar os produ-tos, concepção fundamental que rege a conservação da massa durante uma reação.

Essas aulas pedagógicas de validação prévia foram gravadas em áudio e vídeo para posterior transcrição e análise. Vale salientar que esse procedimento - ter o surdo presente na construção de uma estratégia de ensino - é essencial, visto que é desejável que toda produ-ção destinada para surdos seja realizada com a presença e participação intensa dos próprios surdos que sejam pertencentes e conhecedores dos mais variados aspectos culturais relacionados à comunidade surda.

As estratégias de ensino: a validação e as produções dos participantes surdos

No primeiro encontro discutimos o fato de as equações quími-cas serem representações simbólicas dos fenômenos que observamos na natureza e no dia a dia. Com uma foto de pregos enferrujados e da combustão de uma folha de papel (Figura 01) desenvolvemos a equação química desses fenômenos enfatizando os rearranjos entre os compostos envolvidos.

Figura 01. Ilustrações da queima do papel e da oxidação do ferro utilizadas na aula.Fonte: acervo da pesquisa.

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No segundo encontro o tema foi a Lei da Conservação das Massas. Trabalhamos o fundamento da sentença, muito repetida pelo senso comum e atribuída a Lavoisier (1743-1794) “na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Falamos um pouco sobre esse estudioso e exemplificamos com a reação que ocorre entre nitrato de prata e cloreto de sódio. Para tanto, levamos os reagentes nitrato de prata e cloreto de sódio e, em tubos de ensaio, realizamos o experimen-to observando qualitativamente a formação do sólido cloreto de prata.

Por meio da reação reproduzida no experimento trabalhamos com bolinhas de isopor para representar os átomos e resgatamos a concepção de que ocorre um rearranjo entre os reagentes para formar os produtos. Foi enfatizado que o motivo de haver um rearranjo entre os átomos dos reagentes para formar os produtos é que regia a ideia de ter a mesma quantidade de átomos nos dois lados da reação. Cada cor da bolinha representava um átomo diferente das moléculas. Trabalhamos também outras reações químicas, como a de sulfato de cobre e ferro que, mais uma vez, foi representada utilizando bolinhas de isopor (Figura 02).

Figura 02. Representação da reação entre sulfato de cobre e ferro utilizando os mo-delos de bolina de isopor.Fonte: acervo da pesquisa

No terceiro encontro resgatamos as ideias que envolvem o balanceamento de equações químicas, enfatizando que é preciso verificar sempre se a quantidade de átomos é a mesmo em ambos os lados da equação. Desenhamos (conforme Figura 03) em uma folha de papel a reação de combustão do metano onde a principal problemática trabalhada nessa ocasião foi a necessidade de colocarmos mais uma molécula de O2 nos reagentes e mais uma molécula de H2O nos produ-tos para obter um balanceamento correto.

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Figura 03. Dinâmica do balanceamento da reação de combustão do metano.Fonte: acervo da pesquisa.

No quarto e último encontro o objetivo principal foi avaliar o que os participantes surdos interiorizaram de tudo o que foi trabalha-do até então e, principalmente, qual a memória/impressão imagética (BENITE; BENITE, 2013) que o conceito de balanceamento de reações produziu em cada um. Distribuímos papéis e lápis de cor para e solicitamos que escolhessem e desenhassem/representassem como quisessem o balanceamento das seguintes reações:

I) CuSO4(aq) + Fe(s) –> FeSO4(aq) + Cu(s)

II) N2(g) + H2(g) –> NH3(g) III) CH4(g) + O2(g) –> CO2(g) + H2O(l)

A produção dos desenhos no contexto dessa etapa atuou como um mecanismo que permitiu que fossem representadas situações que foram recentemente estudadas. Nesse sentido, o desenho assumiu a função de uma ponte que possibilitou ao surdo demonstrar como cons-truiu aquele conhecimento. Como podemos observar nas figuras 04, 05 e 06, os integrantes conseguiram desenvolver um raciocínio satisfatório na tentativa de balancear algumas das reações químicas propostas.

Destaca-se nesses desenhos o uso das distintas cores que repre-sentam os diferentes átomos e o rearranjo entre eles também represen-tado nos produtos. Outro aspecto que é possível notar é a associação

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do balanceamento das equações com números e quantidades, demons-trando uma correta relação em quantidades de reagentes e produtos.

Figura 04. Desenho feito pela integrante Maria para executar o balanceamento da reação de produção de água.Fonte: acervo da pesquisa.

Figura 05. Desenho produzido pela integrante Ana para simular o balanceamento da reação de obtenção do gás amônia.Fonte: acervo da pesquisa.

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Figura 06. Desenho elaborado pelo integrante João para balancear a reação de ob-tenção do gás amônia.Fonte: acervo da pesquisa.

O trabalho anteriormente realizado com os modelos de bolinha de isopor auxiliou na construção de um raciocínio submicroscópico do que ocorre durante uma reação química, colocando em evidência as espécies químicas que não são observáveis e, por isso, auxiliando no processo de compreensão do fenômeno da conservação da massa durante uma reação química. Pode ser claramente observado ainda que todos os três surdos levaram em conta em suas representações o rearranjo/interação que ocorre entre os reagentes.

Os desenhos elaborados permitiram nos aproximarmos do quanto Ana, Maria e João interiorizaram de tudo o que foi ensinado sobre a conservação da massa e balanceamento de equações químicas e quais as impressões visuais por eles adquiridas depois de todo o estudo.

Sem forçá-los a mostrar suas aprendizagens de maneira inapro-priada à sua condição de ser surdo, o desenho tornou possível que eles expressassem o que aprenderam e como executam um balanceamento de uma reação. Além disso, o desenho se mostrou também um meca-nismo interessante na medida em que pode denunciar dificuldades e erros conceituais, atuando como uma ferramenta avaliativa.

Percebemos, assim, que esses surdos construíram uma memória a partir dos recursos de ensino anteriormente utilizados. Johnson-Laird (1983) já considera que na psicologia as imagens são visualizações in-ternas de um modelo, ou seja, são visualizações mentais de um sistema que o sujeito utiliza para compreender o mundo.

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Explorar o visual, além de ser fundamental na educação de surdos, se mostra muito eficaz na retenção da aprendizagem também do ouvinte. Em um estudo que é referência no assunto sobre retenção de aprendizagem, Ferreira e Silva Júnior (1975) apontam que quanto maior o número de sentidos explorados nos alunos, melhor será a retenção da aprendizagem por parte do discente. Nesse mesmo estu-do, os autores ainda afirmam ser a visão a maior responsável de tudo aquilo que aprendemos.

Também na mesma direção apontam os estudos de Lucena, Benite e Benite (2008), no qual os autores apresentam um quadro sobre os cinco sentidos mais importantes que influenciam no processo de en-sino e aprendizagem e destaca-se a visão como o de maior percentual na influência da aprendizagem.

Ao compreendermos e considerarmos que o indivíduo surdo utiliza uma forma diferente de se comunicar e aprender acreditamos que devemos respeitar sua identidade cultural e seu direito de ser dife-rente. Assim, a aprendizagem e a avaliação de conceitos são facilitadas pelo uso de imagens e materiais concretos. Contudo, cabe ressaltar que as imagens e os recursos utilizados não são autoexplicativos, sendo vi-tal a mediação do professor na construção dos sentidos e dos saberes, explicitando seus aspectos mais relevantes.

Considerações acerca desta experiência com surdos

Os desenhos produzidos pelos surdos possuem muitas simi-laridades. Em todos os modelos são observadas cores distintas nas representações submicroscópicas como uma forma de demonstrar e evidenciar a ocorrência do rearranjo dos átomos durante uma reação. Além disso, todos os desenhos também apresentaram relações corretas entre quantidades de reagentes e produtos.

As bolinhas de isopor, atuando como recurso imagético, se destacaram como estratégia eficiente na mediação do processo de en-sino e aprendizagem, destacadamente no caso de estudantes surdos. Os surdos participantes desenvolveram um raciocínio correto e satis-fatório na elaboração de desenhos sobre o balanceamento de reações químicas e concepções acerca da conservação das massas.

Sabemos que o professor precisa aproveitar o que de melhor cada aluno pode oferecer, respeitando as necessidades destes. Existe

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muito ainda a ser desenvolvido em prol do ensino de química para surdos. Ressaltamos que os surdos, por se comunicarem por meio do canal visuoespacial, têm o acesso ao conhecimento, sobretudo pela vi-são (CAMPELLO, 2008). Levando em conta sua marcante visualidade, o surdo requer especial atenção na elaboração e no emprego de uma pedagogia que se pauta no visual.

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Educação de surdos, semiótica peirciana e língua de sinais:

tecendo possíveis aproximações

Jomara Mendes Fernandes1

Introdução

São poucos os estudos que relacionam o processo de educação de surdos com as contribuições da semiótica de Peirce. Pelo que se tem registrado historicamente é, sobretudo, a partir do século XVI que surgem os primeiros educadores de surdos. A atual educação Bilíngue, muito defendida atualmente pela comunidade surda, emerge embasada por muitos pesquisadores que demonstram ser a língua de sinais uma língua com todos os níveis gramaticais linguísticos. Assim, utilizando da análise textual discursiva de artigos, dissertações, teses e sites, neste presente capítulo será exposta uma análise histórica de como surgiram os primeiros métodos educacionais de alfabetização das pessoas surdas, as principais abordagens teóricas que nortearam as ações pedagógicas ao longo dos últimos séculos e quais são algumas das possíveis relações que podem ser estabelecidas entre os estudos da semiótica e da Língua de Sinais.

Breve olhar para a história da educação de surdos

O conhecimento da história do povo surdo é importante, visto que pode contribuir com educadores e especialistas que trabalham ou trabalharão com surdos, bem como para a sociedade no sentido de melhor compreender suas identidades, cultura e direitos.

A questão da educação de pessoas surdas passou por diversas etapas historicamente construídas e para melhor compreender e co-

1 Universidade Federal da Bahia, Instituto de Química, Campus Ondina. [email protected]

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nhecer o processo linguístico do surdo se faz necessário conhecer sua história. Infelizmente muito do que ainda presenciamos em determi-nadas situações atuais, no cenário escolar, é reflexo de uma época em que as pessoas consideradas fora dos padrões de normalidade tinham poucas oportunidades de instrução educacional ou profissional.

Temos que a história da educação de surdos, segundo Skliar (1998), foi construída com poucas exceções por meio de grandes “ver-dades” ancoradas em projetos como o oralismo, a comunicação total e o próprio bilinguismo2 que propagam modelos de ensino que, pelas relações de poder estabelecidas, disputaram a hegemonia na educação dessas pessoas ao longo da história.

Strobel (2008) aponta que a história do povo surdo foi, por muitos séculos, caracterizada por uma forte influência das determina-ções dos ouvintes em detrimento dos próprios surdos. Os surdos eram ignorados e desvalorizados enquanto indivíduos.

A Igreja Católica representou um marco considerável na produção histórica da surdez. É importante ressaltar que a influência da igreja alcançou para além do âmbito da surdez. Historicamente a igreja esteve voltada ao cuidado, educação e catequese de leprosos, pa-ralíticos, cegos, entre outros. Por isso, muitos dos primeiros registros históricos que existem sobre a educação de pessoas com deficiência surgiu no contexto das igrejas (REILY, 2007).

A partir do século XVI começaram a surgir os primeiros edu-cadores de surdos. Reily (2007) destaca que um dos mais importantes pioneiros foi um monge espanhol, Pedro Ponce de Leon (1520-1584), que ensinava alguns filhos surdos da aristocracia. Emerge também Juan Pablo Bonet (1579-1633) como um grande colaborador na educação dos surdos por publicar uma obra em 1620 referente às metodologias educacionais para os Surdos, “Reducción de las Letras y Arte de Enseñar a Hablar los Mudos” que continha o primeiro registro desenhado do alfabeto datilológico (Figura 01).

2 Veremos brevemente essas diferentes vertentes, cada uma a seu tempo, no decorrer do presente texto.

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Figura 01. Imagem da capa do livro de Juan Pablo Bonet.Fonte: http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?pid=d-180918

Também outro religioso e educador, mas agora francês, o abade Charles Michel De L’Epée (1712-1789) se destacou por usar e defender a língua de sinais como meio de comunicação e que, por meio dela, os surdos poderiam aprender os ensinamentos cristãos. Por defender e trabalhar tanto pela causa, L’Epée ficou conhecido na comunidade surda como o “Pai dos surdos” e disso decorreu a forte influência da língua de sinais francesa por todo o mundo.

Conforme Câmara (2012), L’Épée tentou não apenas criar um método de ensino para surdos, mas encontrar meios de promover publicamente suas técnicas, buscando o estabelecimento de um projeto pedagógico capaz de garantir a institucionalização da educação dos surdos. Devido aos resultados relevantes obtidos com sua metodologia, em 1755 L‘Epée transformou sua própria residência na primeira escola para surdos o “Instituto de Surdos e Mudos de Paris”, recebendo auxílio do poder público e utilizando no trabalho pedagógico uma abordagem gestualista (LIMA, 2004). A partir de L’Epée adveio um momento de grande desenvolvimento na história da educação das pessoas surdas que mais tarde sofreria uma significativa ruptura com o advento das práticas oralistas.

Contudo, se por um lado na França, devido à forte influência de L’Epée, difundia-se o método gesto-espacial para a educação de surdos, por outro, em alguns países da Europa ganhava força o método oral

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(sobretudo na Alemanha e Inglaterra). Para Marchesi (1987) os debates realizados entre L’Epée (defensor do uso de sinais) e Samuel Heinicke (1727-1790) (alemão defensor do método Oralista) no final do século XVIII iniciaram a polêmica sobre os métodos educacionais para ensinar o surdo.

O uso da comunicação gestual e a presença de professores sur-dos na educação ainda eram permitidos, até que o Oralismo ganhou definitiva força modificando esse cenário. Para tanto, temos que o VII Congresso da Sociedade Pedagógica Italiana (1872, em Veneza) e o I Congresso de Professores Italianos de Surdos (1873, em Siena) atuaram como marco importante para o início da força que o Oralismo começou a ganhar (FERREIRA, 2006).

Como aponta Lima (2004), nos anos que se seguiram aos congressos realizados em Veneza e em Siena a abordagem Oralista ganhou mais adeptos. Assim, os ideais que culminaram no Congresso de Milão, que aconteceria em 1880, estavam plantados e já em estágio de desenvolvimento avançado.

Tratando agora especificamente do ocorrido em 1880, o II Congresso Internacional de Educação de Surdos em Milão teve como objetivo reunir profissionais ligados à educação de surdos e é impor-tante destacar que dentre os participantes apenas um era surdo (LIMA, 2004). Esperava-se estabelecer critérios internacionais e científicos para a educação dos surdos ficando decidido o método Oralista sobre a “inferioridade” da língua de sinais.

Com o tempo surgiram insatisfações e, apesar das proibições dos adeptos ao Oralismo, os surdos em momentos informais continua-ram usando sinais para se comunicarem (SKLIAR, 1998). Esse quadro de desconforto durou até que em 1960 o pesquisador Dr. William C. Stokoe Jr. (1919-2000) publicaria a obra Linguage Structure: an Outline of the Visual Communication System of the American Deaf, onde retrata e sistematiza um profundo estudo comprovando que a Língua de Sinais Americana é uma língua com características gramaticais semelhantes à língua oral.

As insatisfações, insucessos com a abordagem Oralista e os argumentos que surgiram dos estudos sobre a língua de sinais a partir dos anos de 1960 resultaram em desordem e opacidade nos métodos

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educacionais referentes ao sujeito surdo (CICCONE, 1996). Como consequência, diferentes propostas pedagógicas surgiram e a que se destacou a partir dos anos de 1970 foi a denominada Comunicação Total, a qual:

Não exclui técnicas e recursos [...]. Dessa maneira, seja pela linguagem oral, seja pela língua de sinais, seja pela datilologia, seja pela combinação desses modos, ou mesmo por outros que possam permitir a comunicação total, seus programas de ação estarão interessados em aproximar pessoas. (CICCONE, 1996, p.7).

A Comunicação Total começou a ser desenvolvida nos Estados Unidos e utilizava todas as estratégias possíveis para o ensino e comu-nicação de surdos. Essa filosofia tinha como princípio norteador a via-bilização da interação entre surdos e surdos e entre surdos e ouvintes.

Os pressupostos dessa abordagem foram divulgados por todo o mundo e assim, já na década de 1980, estavam disseminadas as ideias dessa filosofia, inclusive no Brasil. Nesse contexto histórico e social toda a educação dos surdos começou a ser repensada ao mesmo tempo em que começavam as reivindicações para o reconhecimento da língua de sinais (PIMENTA, 2008).

Na mesma direção, conforme Quadros (1997) aponta, o nível de alfabetização das crianças surdas não melhorava com o Oralismo, que no fundo significava a imposição social de uma maioria linguística (os falantes das línguas orais) sobre os surdos. Esse nível também não melhorava nem com a Comunicação Total, porque não era um método sistematizado e unânime entre todos os grupos de surdos, ficando confinado a cada grupo de surdo o seu tipo de comunicação e suas regras. Isso impossibilitava o desenvolvimento do surdo para além do grupo social ao qual pertencia.

Neste contexto, entra em cena a terceira e atual fase constituída pela chamada Educação Bilíngue. Segundo Stumpf (2005), em 1979 Suzanne Boral-Maisong (1900-1995) promoveu a primeira experiência pedagógica baseada no Bilinguismo na França, numa classe com duas professoras, uma ouvinte e uma surda, retomando o ensino para sur-dos a partir da língua de sinais.

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A Suécia também apresenta grande importância nesse cenário educacional. As pesquisas ali desenvolvidas objetivavam a imersão do enfoque bilíngue na educação do indivíduo surdo e colaboraram para o primeiro currículo bilíngue das escolas de surdos introduzido na Suécia em 1983 (KOZLOWSKI, 1995).

Em 1980 o Bilinguismo no Brasil começa a despontar princi-palmente por meio das pesquisas de Brito (1986; 1989; 1993) tendo como norteador básico o fato de que o surdo precisa ser bilíngue e é desejável que esse adquira como língua materna a língua de sinais, sendo considerada a língua natural dos surdos.

No final dos anos de 1980 no Brasil os surdos começaram a mi-litar a garantia de oficialização da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Nos anos de 1990 um projeto de Lei da então senadora, Benedita da Silva, deu início a uma longa batalha de legalização e regulamentação da Libras que culminou na oficialização da língua como meio legal de comunicação e expressão das pessoas surdas por meio da lei nº. 10.436 em 2002, a Lei-Libras (STROBEL, 2008).

Entende-se que a Educação Bilíngue valoriza a língua de sinais como primeira língua do surdo, sendo utilizada como sua lín-gua natural de ensino e língua majoritária, usualmente representada como L1. A língua oficial do país (a falada) se encaixa como uma segunda língua (L2), com ênfase na modalidade escrita. Assim, tor-na-se necessário no Bilinguismo duas línguas bem fundamentadas a serem ofertadas na educação da criança surda, sendo primordial que a criança tenha contato primeiro com pessoas fluentes na língua de sinais e posteriormente conheça a escrita da língua majoritária de seu país (LACERDA, 1998).

Contudo, sabemos que implantação de projetos educacionais bilíngues requer modificações internas das escolas, pois não significa apenas colocar a Libras em circulação, nem somente utilizá-la nas salas e espaços da escola, mas sim demanda novos processos didáticos e pedagógicos, além de fomentar uma mudança na perspectiva social de compreensão da surdez.

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Uma relação da educação de surdos com os estudos da semiótica de Peirce

Mediante o que fora observado por L’Epée por meio dos estu-dos com gêmeas surdas, chamamos a atenção para o fato de que faz parte da natureza humana a habilidade de criar diversos modos para se comunicar e, assim, a linguagem passa a ser estabelecida por meio da associação entre as coisas que são percebidas e as ideias despertadas por essa percepção.

A pesquisadora surda, Campello (2008, p.7), afirma que “o ato de ‘ver’ ou de ‘olhar’ o mundo exige uma mediação semiótica, uma interação entre a propriedade suprida pelo signo e a natureza do su-jeito que olha ou observa”. Ou seja, tanto a língua portuguesa como a língua de sinais é compreendida por meio de signos apresentados em forma de sons, grafemas, imagens, gestos, expressões faciais e corpo-rais. Assim, os signos (que possuem a propriedade de representar algo a alguém) são objetos de estudo do campo da semiótica.

Considerada a ciência que estuda todas as formas de lingua-gens, a semiótica traz contribuições extremamente importantes para que se possa compreender como tais linguagens são desempenhadas nas ações humanas (SANTAELLA, 1983) e traz consigo a construção de um longo histórico envolvendo grande quantidade de pensadores e, por isso, essa ciência possui um caráter fortemente interdisciplinar, atuando conjuntamente em diversos campos do saber.

Entre os precursores da semiótica no início do século XX emer-gem significativamente Charles Sanders Peirce (1839-1914) e Ferdinand de Saussure (1857-1913). Ambos os estudiosos desenvolveram paralela-mente suas pesquisas e tornaram-se célebres influentes no campo.

Para Marques (2006), Peirce, ao desenvolver sua teoria levando em conta os estudos de Locke, objetivava reunir conceitos que dessem conta de explicar a multiplicidade de eventos da natureza e da cultura, construindo uma teoria de caráter geral. Procurou explicar que o signo não é o objeto, sua função é de apenas representar o objeto, produzindo alguma coisa na mente de quem interpreta e o que foi produzido na mente também seria outro signo, que também se relaciona com o objeto, mas com a diferença de ser mediada pelo signo (SANTAELLA, 1983).

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Em Marques (2006) também podemos encontrar que a con-cepção de signo desenvolvida por Peirce envolve três elementos articulados: signo ou representamen, objeto e interpretante. O signo1 ou representamen é aquilo que está no lugar do objeto o representando (para a mente que o está interpretando). Quanto ao que se denomina objeto, este não se restringe apenas à noção de um objeto existente ma-terialmente. Ou seja, uma ideia, um conjunto de coisas, um evento ou ocorrência pode ser o objeto de uma dada relação sígnica. Em relação ao interpretante, considera-se que é o efeito que o signo produz numa mente interpretativa. Peirce não se refere ao intérprete do signo, mas a um processo relacional que se cria na mente do intérprete. Essa relação triádica ficou conhecida como tríade signo, objeto e interpretante.

Peirce (1893) aponta que a multiplicidade de fenômenos da experiência e conhecimento humano poderia ser reduzida a três cate-gorias fundamentais: a Primeiridade, a Secundidade e a Terceiridade. Procurando fazer uma síntese das três categorias usando expressões menos complexas, baseando-se nas obras de Peirce, Machado (2015, p. 28) explica que a “Primeiridade remete ao que é imediato, original, ini-cial, espontâneo, livre, evanescente; aquilo anterior a qualquer síntese, sem unidade e sem partes”. Pode-se dizer ser a primeira impressão, precedido ainda de julgamentos e qualquer pensamento articulado.

A Secundidade seria a relação que é decorrente do primeiro. Nöht (2008) explica que a Secundidade começa quando um fenômeno primeiro é relacionado a um segundo fenômeno qualquer. Aparece em fatos tais como a relação, a compulsão, o efeito, o resultado, a realidade.

Nöth (2008), ao tratar sobre a Terceiridade, explica ser essa a categoria que relaciona um fenômeno segundo a um terceiro. Corres-ponde à consciência que é resultado da mediação que caracteriza o entendimento da relação por meio do pensamento, da cognição.

Do ponto de vista das três categorias fundamentais, quando relacionadas com os próprios elementos da tríade peirceana (signo-obje-to-interpretante) os signos podem ser classificados em três grupos distin-tos: (a) signo em si mesmo ou Primeiridade: em que qualquer coisa pode

1 Ressalta-se, contudo, que o signo não se limita a representar somente entidades existentes: entidades ficcionais, imaginárias, e até mesmo as sonhadas são capazes de serem signos (SANTAELLA, 1983).

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ser um signo desde que tenha a qualidade de estar no lugar do objeto representando-o; (b) a relação do signo com seu objeto corresponde à Secundidade: descreve de que forma o signo promove seu significado, a relação que estabelecem entre si é como de um algo apontado; (c) relação entre signo e interpretante remete à Terceiridade: a cognição, reflexão e apontamentos que o signo gera na mente do interpretador.

Ainda sobre as partes triádicas que interagem na constituição do signo, Peirce (2005) estabelece as seguintes tricotomias: na relação do signo consigo mesmo tem-se o quali-signo, o sin-signo e o legi--signo; na relação do signo com seu objeto existe o ícone, o índice e o símbolo; por fim, na relação do signo com seu interpretante consistem as classificações de rema, dicente e argumento.

Tendo por base tais conceitos, uma das possibilidades é clas-sificar os sinais da Libras quanto à ícone, índice ou símbolo. O ícone, enquanto signo que representa o objeto por similarida de possui as mesmas características que o objeto e mantém o signi ficado mesmo que esse desapareça (iconicidade). Assim, muitos sinais em Libras são icônicos por sua ca pacidade de reproduzir visualmente os objetos no ar, como por exem plo, os sinais de “ovo” (movimento de quebrar o ovo), “leite” (movi mento de tirar leite da vaca), “casa” (que remete ao telhado de uma casa) dentre muitos outros, conforme pode ser visto na Figura 02:

Figura 02. Ovo – exemplo de sinal icônico.Fonte: https://trabalhandocomsurdos.blogspot.com

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Gesser (2011) ressalta que a iconicidade é utilizada na língua de sinais de forma convencional e sistemática. A iconicidade dos sinais pode ser também verificada ao se executar o sinal, isoladamente, e um indivíduo leigo em Libras entender com facilidade ao conseguir associar o sinal ao objeto. A partir de uma visão mais ampla observa--se que em relação às línguas orais-auditivas, as línguas gestovisuais apresentam um número infinitamente maior de signos icônicos, por sua capacidade em reproduzir visualmente o objeto representado.

Os sinais classificados como símbolos, por sua vez, não são facil-mente entendidos por pessoas que desconhecem a Libras, porque não guardam relação alguma de similaridade com o objeto referenciado. Assim sendo, os sinais convencionados como símbolos são compreen-didos apenas pelos usuários da língua gestovisual. São exemplos de sinais arbitrários os signos que remetem a “professor”, a cor “verde”, a “estudar”, dentre outros.

Quanto ao que se entende por índice, de acordo com Peirce (2005), pode ser considerado índice tudo o que estabeleça uma conexão entre os signos ou partes da experiência, assim como pegadas no chão supõem que alguém passou por ali. De acordo com Meira et al. (2017) o método utilizado por muitos estudantes na aprendizagem formal ou informal de Libras para memorizar os sinais pode ser qualificado como índices, uma vez que, ao apreenderem determinado si nal con-vencionado, realizam o movimento de associar o sinal ao conceito representado por guardar alguma semelhança com algum outro signo, fato ou objeto relacio nado.

Como exemplo de sinal indicial temos o signo “rosa”, cujo sinal em Libras é descrito com a configuração de mão em R realizando curtos movimentos circulatórios sobre a bochecha o que, por associação, in-dica ser a região que fica rosada quando algumas pessoas apresentam fortes emoções como vergonha, raiva etc.

Assim, a existência de inúmeros signos que estão associados a um objeto ou fenômeno – e seus conceitos – nos remete a especial importância do campo de estudos semióticos nos processos de ensino e aprendizagem para surdos. A cognição ocorre por intermédio dos signos e pode ser considerada como um processo de interpretação, de compreensão por meio da construção de modelos mentais.

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Assim, defendemos que a semiótica é muito útil no estudo de qualquer fenômeno relacionado à aprendizagem, visto que estabelece ligações entre uma linguagem e outra linguagem, construindo signifi-cados e concepções acerca de qualquer conhecimento.

O semioticista e historiador cultural Yuri Lótman (1922-1993) escreve que a totalidade da cultura está imersa em um espaço semiótico (LOTMAN, 1996). Especialmente quanto à comunidade surda, trata-se de indivíduos que pertencem a uma cultura característica, princi-palmente porque o surdo utiliza uma língua constituída de códigos visuais, culturalmente constituídos com capacidade de desenvolver significantes e significados que lhe propicie acesso ao conhecimento. É possível, de fato, conhecer as características de uma determinada cultura por meio da interação com o espaço semiótico dessa cultura.

Segundo a pesquisadora Perlin (1998), a identidade surda se cons-trói dentro de uma cultura visual e essa precisa ser entendida não como uma construção isolada, mas como construção multicultural. Conforme os surdos ganham espaço e têm sua língua legitimada, decorre a emergência dos diferentes traços de uma cultura própria, como a arte, o humor, o teatro, as figuras públicas, os famosos, os políticos e tantos outros.

Perlin (1998) destaca a língua de sinais para os surdos como ponto de referência forte para a categorização de uma identidade sur-da. A língua e as experiências visuais do mundo em que vivem são marcas importantes do ser surdo.

Para Finalizar

A história dos primeiros registros sistemáticos da língua de sinais como mecanismo eficiente usado para comunicação e aprendi-zagem do surdo tem início, sobretudo, a partir de L’Epée. A existência de inúmeros signos que estão associados aos conteúdos científicos nos remete a especial importância do campo de estudos semióticos nos processos de ensino e aprendizagem das ciências. E se tratando especialmente do aluno surdo, verifica-se que a visualização ocupa um papel de destaque nesse processo, uma vez que é por meio da experiência visual que ocorre a interação entre o indivíduo surdo e o meio que o cerca.

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Como aponta Meira et al. (2017), o estudo da semiótica a partir de Peirce objetiva, em síntese, compreender a produção de significados por meio do processo de semiose que se dá pela di nâmica entre os três componentes de um signo: o representamen, o objeto e o interpretante. No caso da Libras, esses signos são os sinais que a compõem. Ao classificar os signos quanto ao seu caráter icônico, indicial ou simbólico, consta-ta-se que embora a ocorrência de iconicidade seja maior se comparada às línguas orais, predomina ainda seu caráter arbitrário e, por isso, a Libras apenas é efetiva mente compreendida pelos fluentes.

A relação dos estudos semióticos e a aprendizagem do surdo é um campo pouco explorado, apesar de mostrar-se fundamental. A mediação semiótica permite ao surdo ir além de sua limitação sensorial para desenvolver os processos superiores, baseados nas suas experi-ências visuais, e assim, tornar-se capaz de veicular seu pensamento interior por meio de estratégias sígnicas visuais.

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Os cartões de divulgação dos extratos de carne do químico Alemão Justus Von Liebig (1803-1873)

Ingrid Nunes Derossi2

Breve Biografia

No início do século XIX a Alemanha enquanto país ainda não estava consolidada, constituía-se de um conjunto de pequenos estados no qual o que mais se destacava era a Áustria (atualmente um país). A sua reforma e reorganização aconteceu após a invasão napoleônica, sendo um marco para a sua história. É neste cenário histórico que nasceu Justus von Liebig (figura 1) na cidade de Darmstadt.

Figura 1: Justus von LiebigFonte: Liebig em Janeiro de 1872 - Fotografia Retirada Pela Autora no Liebig Museum - Chemiemuseum in Gießen, 2016

2 Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

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O reconhecimento de sua importância para a química inicia-se com os seus conterrâneos que o consideram um dos três maiores quí-micos do século XIX, acompanhado de Friedrich Wöhler (1800-1882) e Robert Wilhelm Bunsen (1811-1899), e de acordo com o depoimento de seu ex-aluno e assistente, August Wilhelm von Hofmann (1818-1892), em um tributo a Michael Faraday (1791-1867), em 1875, “uma das mentes cientificas contemporâneas mais brilhantes desse período” (HOFMANN, 1876). No trecho abaixo é possível perceber o destaque que era garantido a Liebig pela comunidade científica, aqui nas pala-vras de Hofmann:

Deixe-me, no entanto, começar, por declarar francamente a vós, a minha profunda convicção de que Liebig é o nome e personagem a ficar ao lado de Faraday na re-presentação do nosso século para as gerações futuras da humanidade. Na verdade, mesmo enquanto eu digo isso, eu estou ciente de que é difícil para nós, seus contemporâ-neos, compreender, em toda a sua plenitude, a majestade imponente destes dois grandes homens. (HOFMANN, 1876, p. 6)

Em suas biografias grande destaque é atribuído a seu pai, Johann Georg Liebig (1775-1850), que era filho de um sapateiro que lhe ensinou química suficiente para a fabricação de produtos químicos em pequena escala e adquiriu fama local durante os anos de 1820 com a iluminação da sua loja utilizando gás acetileno preparado a partir da queima de ossos. Tornou-se comerciante de diversos produtos químicos como cola, vernizes, corantes e também vendia ferramentas na cidade de Darmstadt (MUNDAY, 1990). Por causa de sua profissão montou um laboratório-oficina perto da sua casa, local onde Justus von Liebig teve o seu primeiro contato com a química (STRUBE, 2005).

Johann matriculou Liebig na Ludwig-Georgs-Gymnasium, con-siderada uma boa escola primária, baseada em estritas linhas clássicas e coordenada pelo estudioso Johann Zimmermann (1754-1829). Ele e seu irmão mais velho3 ingressaram na escola em 1811, quando Justus

3 Ele foi o segundo filho homem de Johann, tinha nove irmãos sendo que um foi embora de casa antes de Justus nascer, um veio a falecer antes dos 5 anos de idade e quatro irmãs faleceram na infância. Justus ficou apenas com seus irmãos Johann Ludwig Louis (1801-1830), Johann

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estava com oito anos de idade. A idade média de seus colegas de tur-ma era de dez anos. Já neste período, o estudioso não se adequava as metodologias tradicionais e por isso, possuía péssimo desempenho em sala de aula, chegou a ser chamado de cabeça de ovelha pelo assistente do diretor do ginásio e caçoado pelo reitor ao dizer que gostaria de tor-nar-se químico, como pode ser verificado pela sua nota autobiográfica:

Com essa inclinação da mente [observacional e experi-mental] é fácil entender que a minha posição na escola era muito deplorável. Eu não tinha memória auditiva e retinha pouco ou quase nada do que era ensinado através desse sentido. Eu me encontrei na mais desconfortável posição que um menino poderia estar; linguagens e tudo que é adquirido por esses meios, que ganha louvor e honra na escola estavam fora do meu alcance; e quando o venerável reitor do ginásio, em uma ocasião de ave-riguação da minha sala, veio até mim e fez um incisivo protesto pela minha falta de diligência, como eu estava sendo a praga dos meus professores e a tristeza dos meus pais e [questionou] o que eu pensava que iria me tornar, quando eu respondi que eu gostaria de ser químico, toda a turma e o bom e velho homem começaram a rir incontrolavelmente, ninguém naquele tempo tinha ideia de que química poderia ser estudada. (LIEBIG, 1892, p. 658, tradução da autora)

De acordo com suas notas autobiográficas, Liebig abandonou o ginásio em 1817, porque a grade curricular e a abordagem pedagógica adotada pela escola não combinavam com ele, o foco de ensino recaía sobre a linguística, embora o cientista se interessasse mais pelo campo das ciências e da experimentação que ele compreendia melhor. Um outro possível motivo apresentado por alguns de seus biógrafos seria a baixa renda familiar. Sem a obtenção do Abitur4, Liebig teria poucas chances de ingressar em uma universidade. Esse fato, contudo, será mais tarde contornado com o auxílio do professor Wilhelm G. Kastner (1783-1857), da Universidade de Bonn (BROCK, 1997).

Georg (1811-1843), Karl (1818-1870) e uma irmã, Elizabeth (1820-1890). (LIEBIG MUSEUM - CHEMIEMUSEUM IN GIEßEN, 2016)4 Exame de conclusão do ensino médio na Alemanha, que equivaleria ao vestibular brasileiro. (www.brasil.diplo.de) Acessado em junho de 2015.

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Exemplificando suas predileções, certa vez, Liebig testemu-nhou um vendedor ambulante em um mercado de Darmstadt preparar fulminato de mercúrio para ser usado como torpedos de “brinquedo” ou “bombinhas” que ele, o próprio ambulante, estava vendendo. Reconhecendo o ingrediente como mercúrio, ácido nítrico e álcool, tornou-se simples para o jovem - que tinha grande afinidade com as experimentações - preparar o seu próprio foguete para vender na loja de seus pais (SHENSTONE, 1901).

Diante desse cenário e do interesse de Liebig na preparação dos produtos químicos de seu pai, em 30 de julho de 1817 Johann decide enviar uma carta ao jovem boticário Gottfried Pirsch (1792-1870), perguntando se seu filho poderia aprender a “arte dos farmacêuticos” com ele. Em 10 de novembro Liebig chegava na cidade de Heppenheim para seus estudos. Entretanto, não queria ser um boticário, e sim um químico e enquanto estava com Pirsch começou a fazer experimentos considerados de caráter não farmacêuticos (SHENSTONE, 1901).

Após dez meses com o boticário na cidade de Heppenheim, Liebig acabou retornando para a casa dos pais. De acordo com as suas notas autobiográficas, ele foi enviado de volta para casa devido aos seus experimentos com os fulminatos que estavam causando prejuízos ao boticário, porém de acordo com a biografia escrita por William H. Brock e pelas cartas enviadas pelo boticário, o seu pai não possuía uma condição financeira boa o suficiente para mantê-lo e, devido ao seu orgulho, Liebig inventou a história de que era indisciplinado e por isso fora devolvido. Sendo assim, não há fontes que concordem em relação ao real motivo do seu retorno nem registros na cidade sobre o período que permaneceu lá. (BROCK, 1997; MUNDAY, 1990; SCHWEDT, 2002)

No período de 1818 a 1819 Liebig permaneceu em casa, ajudan-do seu pai e lendo livros de química que ele pegava emprestado na biblioteca da corte do duque Ludwig. Essa biblioteca, de acordo com o historiador William H. Brock, parece ter funcionado como uma bibliote-ca pública, havendo relatos de empréstimo de obras para a população. Ele leu os trabalhos de Henry Cavendish (1731-1810), Pierre-Joseph Macquer (1718-1784), a teoria do flogistico de Georg Ernst Stahl (1660-1734), entre outros.

No semestre de inverno de 1820 Liebig é levado pelo professor Wilhelm Gottlob Kastner (1783-1857) para a Universidade de Bonn. As

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duas biografias mais utilizadas não deixam claro como Liebig conheceu o professor. Na biografia escrita por Brock diz que o professor ficou encantado com a inteligência do jovem ao passar pelo estabelecimento de seu pai, e na obra de Shenstone, Liebig teria insistido em ir para a nova universidade, onde conhecera o professor que lhe ofereceu o cargo de seu assistente pessoal para treina-lo na química, e de acordo com as informações do museu o professor era um conhecido de seu pai para quem fornecia os insumos de sua loja. Tendo em vista que os dados da biografia de Brock e as informações do museu se aproximam, consideramos que Liebig conheceu o professor na loja de seu pai.

O professor tentou matriculá-lo na Universidade de Gießen, onde a química, do seu ponto de vista, estava “incoerentemente” sendo ensinada por estudantes de medicina. Porém, a instituição não o aceitou por não ter o Abitur, no entanto, a situação na recente Uni-versidade de Bonn era mais tranquila ou Kastner, como o seu primeiro professor de química, tinha status suficiente para conseguir a matrícula de Liebig. O maior problema era financeiro, mas seu pai superou isso através de sua amizade com o grã-duque chanceler, Ernst Schleierma-cher (1755-1844) que conseguiu uma bolsa para Liebig. (BROCK, 1997; SHENSTONE, 1901)

O químico segue para Paris em 1822, que era considerada um dos centros do conhecimento científico da época com o destaque dos trabalhos de Claude Louis Berthollet (1748-1822), Joseph Louis Gay--Lussac (1778-1850), Michel Eugéne Chevreul (1786-1889), de fato, na Alemanha predominava as ideias de Georg Stahl, o que não permitia grandes destaques para as ideias de Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794) (ALFONSO-GOLDFARB; FERRAZ, 1993), porém as ideias de Liebig sobre como fazer química possuía muitas semelhanças com as ideias apresentadas por Lavoisier, como por exemplo a repetição dos experimentos de modo a obter uma conclusão convincente para si mesmo, como já foi apresentado anteriormente, uma hipótese que podemos presumir, que essa concepção também estava presente nos escritos de Berthollet e de Gay-Lussac que possuíam textos traduzidos para o alemão e cujos trabalhos circulavam por toda a Europa através dos novos periódicos, como Annales de Chimie (1789), Annali di qimica (1790, Anales de química (1791), Annalen de Crell (1798) e o periódico

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criado pelo próprio Liebig, Annalen der Pharmacie (1832). (BENSAUDE--VINCENT; STENDERS, 1996)

Em 23 de junho de 1823 Liebig consegue o título de doutor em filosofia5 em Erlangen com a contribuição de seu professor Kastner “in absentia”6 não há cópias de sua tese. (SCHWEDT, 2002)

Liebig desejava criar uma instituição com um curso de química experimental em Darmstadt, porém a disciplina de química permane-cia marginal e subordinada ou pelo menos acoplada a outras preocu-pações acadêmicas e práticas concernentes a medicina, a mineração e a economia. De acordo com o que foi descrito na biografia de Brock pelo pesquisador Bernard Gustin, a necessidade da química como uma disciplina autônoma no final do século XVIII, mesmo que inserida na faculdade de filosofia, veio através da demanda de treinamento espe-cífico nessa ciência. (BROCK, 1997)

Em maio de 1824 Liebig foi apresentado como professor extraordinário7 de química na universidade de Gießen. Diante desta trajetória o seu reconhecimento na comunidade química deve-se, principalmente, ao número de colaborações para o desenvolvimento da química, sobretudo na química orgânica e na agroquímica.

Os cartões de Liebig nos extratos de carne

Justus von Liebig ganhou reconhecimento na comunidade quí-mica, principalmente pelo número de colaborações para o desenvolvi-mento dessa ciência, sobretudo na química orgânica e na agroquímica. Suas publicações somam em torno de 100 livros, mais de 200 artigos e aproximadamente 1.000 estudantes tiveram contato com os seus ensinamentos. Pretendemos aqui abordar alguns de seus trabalhos científicos, mas não iremos nos aprofundar debatendo-os, visto que não é o foco deste capítulo. (BOLTON, 1893; MUNDAY, 1990)

Suas produções englobam diferentes temáticas, como o aper-feiçoamento do método para análise de compostos orgânicos e o esta-

5 Neste período, o título de doutor em filosofia, englobava o que hoje conhecemos por Ciências (FRUTON, 1988)6 Liebig estava em Paris e recebeu o título a distância7 O que corresponderia a um professor sem cadeira. (https://www.academics.de/wissenschaft/ordinarius_36033.html). Dois anos depois, Liebig passou a ser professor Ordinário, ou seja, passou a ter uma cadeira no corpo docente da Universidade. (SHENSTONE, 1901)

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belecimento da fórmula empírica de muitos compostos, a descoberta de outros tantos em parceria com Wöhler, o estabelecimento da teoria de radicais através de experimentos (radicais benzoila e etil), a teoria do hidrogênio dos ácidos, a teoria da fermentação e a química agrícola e fisiológica. No entanto, será abordado neste capítulo a elaboração de extratos de carne e os cartões que acompanhavam esse produto, contribuindo para a divulgação da ciência.

Em 1843 Liebig e seus alunos extraíram da carne um caldo que continha uma variedade de compostos que lhe fez pensar que poderia produzi-los e complementar a alimentação da população que não po-dia ingerir a quantidade suficiente de carne para uma dieta saudável. Este extrato podia ser utilizado como um substituto da carne, na opi-nião de Liebig. O médico pessoal do Rei Bávaro, Professor von Breslau (s/d), que conhecia o trabalho de Liebig, ordenou que o extrato fosse produzido pelo boticário real, Franz Xaver Pettenkofer (1783-1850) e passou a recomendar a seus pacientes o extrato nos casos apropriados. (LAQUA, 2003)

Pettenkofer passou a produzir e vender os extratos sob a super-visão de Liebig em sua loja. O extrato era recomendado pelos médicos cada vez mais, inclusive os de Munique, como um bom tônico, mas o preço alto restringia o uso a pessoas da classe alta, visto que eles pre-cisavam de 32 kg de carne fresca, sem gordura, a fim de obter 1 kg do extrato de carne.

Em 1861 o engenheiro alemão George Christian Giebert (s/d) que construía estradas no Brasil e vivia no Uruguai observava a abundância e preços baixos da carne bovina na América do Sul. Vale recordar que não havia modos de refrigeração na conservação dos alimentos. Portanto, nesta época do gado abatido, eram aproveitados para o consumo apenas a língua, o couro, o sebo e, algumas vezes, parte da carne que era salgada para a fabricação de charque. Giebert encaminhou para Liebig um projeto de criar uma fábrica naquele local e Liebig concordou desde que levasse o seu nome no produto final, “Extractum Carnis Liebig”, visto que era produzido através de seu mé-todo. Assim, a fábrica foi fundada no povoado de Fray Bentos em 1862 e em cada caixa do produto vinham cartões com a assinatura de Liebig para comprovar a sua autenticidade. (PERREN, 2006)

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A procura era tamanha que a pequena fábrica no Uruguai não comportava os pedidos, então Liebig solicitou um financiamento para a ampliação da fábrica, além de investir em Fray Bentos e fundou outra fábrica em Londres8 com o nome de “Liebig´s Extract of Meat Company Limited” (LEMCO). As vendas continuaram altas até a Primeira Guer-ra. Em 1924 a empresa em Fray Bentos fechou e a LEMCO funcionou até 1968. (PERREN, 2006)

Através desses extratos Liebig encontrou um meio de divulgar a ciência e a si mesmo, utilizando cartões que acompanhavam os extra-tos que circulavam no continente desde a década de 1850, a princípio como uma maneira de atestar a autenticidade do produto com a assi-natura de Liebig, porém a empresa percebeu que os cartões coloridos eram uma excelente forma de propaganda. Em 1872, pouco tempo antes da morte do cientista, as primeiras cartas ou “cromos” foram publicadas para mostrar a produção do extrato de Liebig (LONDON CIGARETTE CARD COMPANY, 1999). Durante os 100 anos seguintes estima-se que não menos do que 1138 séries diferentes foram emitidas, totalizando aproximadamente 7000 cartões O último cartão apareceu na Alemanha em 1940. (JUSSEN, 2002)

Quase todos os conjuntos compreendem seis cartões, embora algumas emissões posteriores a 1883 fossem de 12 ou 18. Em um formato grande, aproximadamente 100 x 70 mm, os cartões foram distribuídos em muitos países e foram impressos em diferentes lín-guas como italiano, francês, russo, espanhol e alguns, raros, em inglês. Muitas imitações surgiram trazendo a assinatura de Liebig nos cartões, fazendo com que em alguns cartões de edições de língua inglesa, como apresentado na imagem abaixo, aparecessem as palavras “Peça pelo extrato de carne de Liebig Co. Não é original sem a cópia da assinatura do Barão Liebig9 (figura 3), o inventor [do extrato], em cor azul. Evite todas as imitações de extratos”. (LONDON CIGARETTE CARD COM-PANY, 1999)

8 Não foram encontrados dados que nos possibilitem dizer que Liebig era o responsável por essa fábrica ou se possuía algum “sócio” que a administrava. 9 Liebig era membro da Royal Society of London desde 1840 onde recebeu a medalha Copley Medal (medalha de maior prestigio da Royal Society, por realizações notáveis em ciencias) e da Academia de Ciências de Berlim, e recebeu o título honorário de Barão em 1845. (www.royalsociety.org) acessado em julho de 2015.

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Figura 2: Um dos cartões que acompanhavam os produtos de LiebigFonte: London Cigarette Card Company (acervo digital)

Além de sugerir o cuidado com as falsificações, esse mesmo cartão aborda como o extrato poderia ser utilizado, recomendando (tradução da autora):

Chá de carne – Tônico eficiente em todos os casos de fraqueza e de desordem digestiva. Dissolva um quarto de uma colher de chá do extrato numa xícara de água fervida no café da manhã, adicione muito sal, isso fará um forte e autentico chá de carne. Você pode adicionar, de acordo com o seu gosto, uma colher de chá de vinho [Madeira, Sherry, Porto], uma gema de ovo frecso, um pouco de manteiga, pão ou batata cozida. Muitos [consumidores] gostam de adicionar um pouco de molho Worces-tershire1. Este chá de carne age como um tônico agradável, especialmente quando tomado de manhã, e pode ser tomado várias vezes ao dia.

Sopa – Uma variedade de excelentes sopas de carne e vegetais pode ser feita com o auxilio do extrato de carne e qualquer uma irá adquirir um forte e gostoso sabor pela adição do mesmo.

Sopa de vegetais – Batata, ervilha, arroz, etc. Cozinhe os vege-tais suficientemente com uma pouco de gordura, um pouco de ossos ou algumas fatias de carne ou um pouco de manteiga fresca, adicione o extrato e sal a gosto.

1 Ou molho inglês

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Molhos – Forte e saboroso devido ao extrato.Bebida noturna – Este chá de carne acalma e normaliza o esto-

mago, acalma o cérebro agitado e induz ao sono.Os temas abrangem diversos campos do conhecimento e da ativi-

dade humana como artes, lugares e as cenas de muitos países, acontecimen-tos históricos, culturas de diferentes povos, armas de guerra e uniformes militares, história natural em suas muitas formas, animais, ciência, vida social e industrial, várias formas de transportes antigos e novos, esportes entre outros. Não se tem conhecimento sobre o responsável pelas imagens nem sobre a autoria do conteúdo descrito em alguns cartões. (LONDON CIGARETTE CARD COMPANY, 1999; JUSSEN, 2002)

Os primeiros cartões retratavam episódios da vida do cientista, como a sua época na escola, sob o título de “O gênio atrás da mesa da escola” (figura 3). Conforme mencionamos no início deste capítulo, ele não se adequava as metodologias tradicionais e, por isso, possuía péssimo desempenho em sala de aula; chegou a ser chamado de cabeça de ovelha pelo assistente do diretor do ginásio e caçoado pelo reitor ao dizer que gostaria de se tornar químico. É possível que este cartão retrate esse momento, tanto pelo título quanto pela reação dos outros alunos que a imagem sugere que estavam rindo do aluno que está sendo interrogado por um professor.

Figura 3: Cartão da série sobre a vida de LiebigFonte: London Cigarette Card Company (acervo digital)

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Outro cartão desta mesma série sugere Liebig na feira em Dar-mstadt (figura 4) com o título de “o grande pesquisador alemão”. Esta imagem nos chama atenção devido à presença de muitos elementos que caracterizam a ciência ainda associada com a alquimia e vista como voltada para o mal (a presença da imagem associada ao diabo), perigosa para a saúde (a caveira), a magia (a roupa do expositor), com uma linguagem complexa (placa laranja ao lado da “imagem diabóli-ca”) e a visão de ciências com cunho de entretenimento que era muito comum na época.

Figura 4: Cartão da série sobre a vida de LiebigFonte: London Cigarette Card Company (acervo digital)

Este cartão não é uma exceção. Em outros cartões ainda apare-cem fatores que demonstram relação entre ciência e alquimia, como por exemplo a atribuição de sexualidade a fenômenos da natureza; como por exemplo a lua é retratada como sendo do sexo feminino, assim como um cometa, o amanhecer, bem como o alquimista recluso fazendo suas “magias”. Outros cartões demonstram a ciência presen-te desde o momento de extração da matéria prima até os produtos para venda, reproduções do cotidiano dentro de seu laboratório para que outras pessoas pudessem saber como era a vivência de um

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laboratório (figura 5) e em outro uma reprodução das suas aulas experimentais (figura 6).

Figura 5: Laboratório de LiebigFonte: London Cigarette Card Company acervo digital

Figura 6: Aula de LiebigFonte: London Cigarette Card Company acervo digital

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Considerações Finais

As contribuições do químico Justus von Liebig para a química foram significativas que até hoje seus estudos são explorados por químicos e historiadores. No entanto, o significado atribuído aos seus cartões ainda não foi explorado, apesar de receber a assinatura de Liebig e estar em seus produtos, os pintores dos cartões e quem ditava a temática é desconhecida, portanto, não se pode afirmar que essas concepções expressas nos cartões retratavam a opinião do cientista.

Apesar disso, percebe-se o intuito de divulgar a ciência, atrair a atenção e a vontade de estudar do maior número de pessoas, bem como destacar a importância e, por que não, o encantamento da ciência ao público no século XIX, dando a esse conhecimento um realce.

Referências Bibliográficas

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BENSAUDE-VINCENT, B.; STENGERS, I. História da Química. Lisboa: Piaget, 1996. 404p.

BOLTON, H. C. A Select Bibliography of Chemistry 1492-1892. Washington: Smithsonian Institution, 1893. 1240p.

BROCK, W. Justus von Liebig – The Chemical Gatekeeper. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. 396p.

BROCK, W. Liebigiana: Old and New Perspectives. History of Science, v.19, n. 3, p. 201-218, 1981.

FRUTON, J. S. The Liebig Research Group – a Reappraisal. Proceedings of the American Philo-sophical Society, v.132, n. 1, p. 1-66, 1988.

HOFMANN, A. W. The Life-Work of Liebig in Experimental and Philosophic Chemistry. The Faraday Lecture for 1875. Londres: Macmillan and Co. 1876. 238p.

JUSSEN, B. Die Liebigs Sammelbilder und der Atlas des Historischen Wissens, nº 1, Max-Plan-ck-Institut für Geschichte, Berlim, 2002. 15p.

LAQUA, W. Justus von Liebig. Historische Stätten der Chemie, Gießen: GDCh, 2003. 12p.

LIEBIG, J. von. Chemistry in its application to agriculture and physiology. 2ª edição, Londres: Taylor & Walton, 1842. 418p.

LIEBIG, J. von. Familiar Letters on Chemistry, in its relations to Physology, Dietetics, Agricul-ture, Commerce, and Political Economy, Londres, 1859. 568p.

LIEBIG, J. von. Ueber das Studium der Naturwissenschaften, 1852. In: LIEBIG, Justus von. Reden und Abhandlungen. Neudruck der Ausgabe von 1874 mit freundlicher Genehmigung der C. F. 1992. p. 156-171.

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LIEBIG, J. von. Ueber Laurent’s Theorie der organischen Verbindungen. Annalen der Pharmacie, 25, p. 1-31, 1838.

LIEBIG, J. von. Der Zustand der Chemie in Preussen, 1840. 58p.

LIEBIG, J. von. Justus von Liebig: An Autobiographical Sketch. Popular Science Monthly, v. 40, p. 655-666, 1892.

LIEBIG MUSEUM - Chemiemuseum in Gießen, Gießen, Alemanha, 2016.

LONDON CIGARETTE CARD Co. Ltd. Catalogue of Liebig Cards, 1999.

MUNDAY, E. P. Sturm und Dung: Justus von Liebig and the chemistry of agriculture. Disserta-ção, Cornell University, 1990

PERREN, R. Taste, Trade and Technology: The Development of the International Meat Industry since 1840. Vermont: ASHGATE, 2006, 302p.

SCHWEDT, G. Liebig und seine Schüler. Berlim: Springer, 2002. 287p.

SHENSTONE, W. A. Justus von Liebig: His life and work. Londres: Cassell and Company, 1901. Disponível em https://archive.org/details/justusvonliebig02shengoog Acesso em 07 maio 2020.

STRUBE, W. Justus Liebig: Eine Biographie. Leipzig: Sax-Verlag Beucha, 2005.

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A mulher na história da ciência

Giovana Mendonça de Medeiros2

Ivoni de Freitas Reis3

“Eles bem o sabem, elas mal duvidam”, assim diz Simone de Beauvoir (1908-1986) em O Segundo Sexo (1949), uma das obras mais importantes e reconhecidas do movimento feminista. Nesse mesmo livro enfatiza que o estado atual está diretamente envolvido com o passado, e no passado toda a história foi escrita pelos homens.

É característica geral das teorias feministas argumentar a respeito da natureza da desigualdade de gênero e propor mudanças nos processos organizacionais da sociedade com o objetivo de conter o sexismo enraizado nas relações sociais e políticas (ICHIKAWA; YAMAMOTO; BONILHA, 2008).

Os estudos de gênero entram em concordância com as teorias feministas ao apontar, entre outras coisas, que os campos de estudo de Ciências e Tecnologia (C&T) não são neutros e “estão inseridos em uma estrutura de poder e em relações de gênero, nas quais interesses e disputas influenciam nas opções de pesquisadores/as da área.” (FREI-TAS; LUZ, 2017, p. 2).

Nos estudos de gênero que trabalham a temática da C&T, as principais perguntas a serem respondidas são: “Por que a ciência é coisa de homem?”; “Quais as razões que justificam essa afirmação?”. Dessa forma, o principal objetivo dessas pesquisas é, segundo García e Sedeño (2002, p. 2)

Documentar a ausência e a presença de mulheres na his-tória do desenvolvimento científico-tecnológico, explicar essa situação e propor estratégias institucionais e educa-cionais para uma incorporação completa das mulheres nesses campos.

2 Universidade Federal de Juiz de Fora. [email protected] Universidade Federal de Juiz de Fora. [email protected].

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Gênero e Ciência: Breve Histórico

A representação simbólica do cientista que persiste na compre-ensão de mundo da sociedade é de “um homem, não jovem, que utili-za óculos e um avental branco e que, embora heterossexual e casado, não se mostra preocupado com atividades familiares e domésticas.” (FREITAS; LUZ, 2017, p. 3).

A sustentação de tal símbolo é resultante da herança acumu-lada historicamente por grupos sociais cujo interesse patriarcal é pre-servar a imagem masculina no fazer científico. Entretanto, é de suma importância salientar que as mulheres sempre estiveram envolvidas na produção científica, mas não tiveram seus trabalhos e resultados reconhecidos tanto quanto os homens.

Uma das menções mais antigas que fazem referência ao conhe-cimento feminino é uma receita para produção de pomada de flores e óleo de cálamo, associada a Tapputti Belatekallim, perfumista do século XII a.C. A receita aparece, junto de seu nome, em um tablete de argila datado do século XIII a.C. Esse padrão se repete na maior parte dos saberes atribuídos às mulheres no período em questão em que se faz referência à obtenção de medicamentos e/ou cosméticos (TRINDADE; BELTRAN; TONETTO, 2016).

O processo de destilação de ervas e do vinho também fazia par-te das tarefas domésticas, podendo ser associado às práticas femininas. Muitos dos conhecimentos, hoje ditos científicos, de grande relevância foram desenvolvidos por mulheres, tais como o processo de fabricação do pão, que envolve a fermentação, a elaboração de corantes usados principalmente para o tingimento de tecidos e, até mesmo, o cultivo de grãos (GARCÍA; SEDEÑO, 2002; TRINDADE; BELTRAN; TONET-TO, 2016).

Outra forma de participação feminina de extrema relevân-cia está na medicina que era praticada de maneira informal - quiçá empírica e meticulosamente “estudada”- e cuidadosamente repetida experimentalmente por curandeiras, parteiras ou até mesmo pelas mulheres consideradas bruxas, até que a prática medicinal passou a ser institucionalizada a partir do século XIII. (EHRENREICH; ENGLISH, 1976; GARCÍA; SEDEÑO, 2002).

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No decorrer da história constata-se que o acesso ao estudo e ao conhecimento foi cerceado às mulheres. Somente a escola platônica e a pitagórica aceitavam a presença de mulheres na Grécia, já na Idade Média elas só tinham acesso à educação em alguns poucos conventos (HAYASHI et al., 2007).

A oportunidade de alcance à educação diminui o surgimento das universidades europeias, entre os séculos XII e XV, visto que o ingresso das mulheres era proibido. Ainda que algumas tenham sido aceitas como exceção em poucas universidades, foi um processo de séculos para que o acesso fosse liberado para as mulheres como grupo (GARCÍA; SEDEÑO, 2002).

A primeira universidade a permitir o ingresso de mulheres foi a de Oberlin4, em 1837, nos Estados Unidos da América (EUA). Essa universidade foi a mesma que admitiu pela primeira vez a entrada de afro-americanos na universidade, em 1835. Entretanto, o acesso era permitido somente em um departamento separado do restante e não recebiam diploma de conclusão do curso (HAYASHI et al., 2007). Isso mostra, entretanto, o caráter de vanguarda que nos é devido a essa Instituição.

As universidades suíças passaram a aceitar mulheres em seu corpo discente apenas na década de 1860, as universidades inglesas em 1870, as francesas em 1880 e as alemãs somente em 1900, na Espanha o livre acesso aconteceu somente em 1910 (HAYASHI et al., 2007; GAR-CÍA; SEDEÑO, 2002).

A primeira mulher a ser aceita no ensino superior, em Portu-gal, foi Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho (1871-1966), em outubro de 1891, na Universidade de Coimbra. Se formou, em 1894, em Matemática e concluiu Filosofia e Medicina em 1895 e 1904, respec-tivamente. Segundo orientação explícita do Reitor, Domitila tinha que se vestir sempre de preto, com um discreto chapéu para que não se destacasse entre os colegas homens (MARTINS, 2015).

4 A Oberlin College foi fundada em 1833 em Ohio, EUA. O ingresso de afro-americanos na instituição aconteceu apenas dois anos após sua fundação, um acontecimento histórico e de extrema relevância. Sendo assim foi uma instituição com sua história firmada na equidade social, tanto para afro-americanos quanto para as mulheres. Obelin History. Disponível em: <https://www.oberlin.edu/about-oberlin/oberlin-history> Acesso em: 22 de mar. de 2020.

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No Brasil, o início do acesso ao ensino superior feminino acon-teceu apenas no fim do século XIX. “Em 19 de abril de 1879, D. Pedro II faz aprovar uma lei autorizando a presença feminina nos cursos superiores.” (QUEIROZ, 2000, p. 1). A primeira faculdade que registra a presença feminina no Brasil é a Faculdade de Medicina da Bahia, em 1887. O registro indica que Rita Lobato Velho Lopes (1866-1954) foi a primeira mulher a cursar o ensino superior no Brasil (BELTRÃO; ALVES, 2009; SILVA, 2010).

Entretanto, existem relatos de que a primeira mulher a ingres-sar no curso superior no Brasil, foi Ambrosina de Magalhães5 em 1881, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, mas ela não chegou a se graduar (ARANHA, 2006). Mesmo em meio à essas controvérsias fica claro que o direito ao ensino superior só foi alcançado pelas mulheres, no Brasil, a partir de 1879 com a autorização de D. Pedro II.

No que se refere às academias científicas não foi diferente. A Royal Society, fundada em 1660, teve duas mulheres admitidas somente em 1945, quase 300 anos depois. Essas mulheres foram Mar-jory Stephenson (1885-1948), uma bioquímica, e Kathleen Londsdale (1903-1971), cristalografista e a primeira a usar métodos espectrais para o estudo da estrutura do hexaclorobenzeno em 1931 (MASON, 1995). Apesar de, desde então, outras mulheres terem sido aceitas na sociedade, até o presente ano nenhuma mulher chegou à presidência.

A Academia Brasileira de Ciências não apresenta uma situação diferente, também nunca teve uma mulher como presidente. Fundada em 1916 a primeira mulher a ser aceita foi Aída Hassón-Voloch (1922-2007), química, e entrou apenas em 1962. Até dezembro de 2019, 467 homens eram titulares na Academia diante de apenas 86 mulheres. Ou seja, mais de 80% dos membros titulares da Academia Brasileira de Ciências são homens (BIANCONI, 2019).

É possível constatar que, assim que a ciência se consolida como profissão e passa a adquirir prestígio perante a sociedade, o papel da mulher diminui e passa a ser tratado como secundário, fazendo com que a mulher ocupe apenas o lugar de consumidora da ciência e não produtora dela.

5 Não encontramos as datas de nascimento e de morte de Ambrosina de Magalhães.

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É na chamada segunda onda do feminismo, entre as décadas de 1960 e 1970, que se nota um momento histórico no questionamento do porquê tão poucas mulheres estarem nas carreiras científicas e porque esse campo é tradicionalmente masculino (SCHIEBINGER, 2001).

A partir de então os estudos de gênero na C&T passam a ser mais frequentes, com o intuito de levantar dados estatísticos que per-mitam a mudança do status quo.

Presença Feminina na Ciência Atual: Dados Estatísticos

No Brasil o Censo da Educação Superior realizado pelo Minis-tério da Educação em 2017 revela que, no Ensino Superior, 55,2% das matrículas e 61,1% das conclusões dos cursos foram femininas. Entre-tanto, uma análise mais precisa mostra que o ingresso de mulheres na graduação não é homogeneamente distribuído entre todos os cursos (BRASIL, 2017).

Segundo Almeida (2020, p. 7)

A média bastante positiva esconde grandes desigual-dades de gênero nas diferentes áreas de conhecimento: enquanto a enfermagem é majoritariamente feminina, na ciência da computação a proporção não chega a 0,25.

Ainda de acordo com o Censo da Educação Superior de 2017, entre os 20 cursos, em maior número de matrículas femininas, está em primeiro lugar o curso de Pedagogia, seguido por Direito, Adminis-tração e Enfermagem respectivamente (BRASIL, 2017). Os cursos de Engenharias aparecem somente na décima segunda com a Engenharia Civil e décima nona posição com a Engenharia de Produção. Em con-trapartida, a escolha masculina dos cursos ocorre de maneira oposta, tendo as Engenharias e as Ciências Exatas/Tecnológicas ocupando dezesseis posições ao todo.

Por meio de pesquisas como essa é possível inferir que elas são desestimuladas a ingressar em certas profissões que foram conside-radas, ao longo da história, como redutos masculinos, estando mais distribuídas entre cursos da área de Humanas (BRITO; PAVANI; JUNIOR, 2016).

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Essa separação reflete no mercado de trabalho e nas relações de distribuição de renda. De acordo com as Estatísticas Sociais do IBGE6, em 2018, as mulheres recebiam, em média, apenas 76,5% do salário recebido por homens que desempenham a mesma função e que estão na mesma faixa etária.

Uma pesquisa recente da FAPESP indicou que vem ocorrendo uma redução na diferença salarial entre homens e mulheres nas enge-nharias. “Em 2006 o valor do salário médio das mulheres correspondia a 74% do valor do salário médio dos homens. Em 2018 essa porcenta-gem havia subido para 82%.” (PESQUISA FAPESP 289, 2020, p. 11)7. Todavia, ainda é significativa a diferença.

A desigualdade se torna ainda mais evidente quando se obser-va a divisão de bolsas por gênero na Pós-Graduação (PQ). De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi-co (CNPq)8, em 2014, 64% das bolsas PQ estavam distribuídas entre o sexo masculino.

A distribuição por grande área corrobora os dados apresenta-dos pelo Censo da Educação Superior de 2017, onde 60% das bolsas de pesquisa na área de Ciências Humanas são concedidas para mulheres enquanto na área de Ciências Exatas esse número é de apenas 35%.

Uma pesquisa realizada, em 2018, na Academia Brasileira de Ciências, concluiu que a proporção de mulheres nas áreas de pesquisa da Academia é muito pequena, sendo 25% a maior, na área de Ciências Biológicas e apenas 1% na Engenharia (FERRARI et al., 2018).

O Gabinete de Estatísticas da União Europeia divulgou em 2017 que em alguns países europeus as mulheres representam menos de um terço dos cientistas como a Alemanha (33%), Finlândia (29%), na Hungria e no Luxemburgo (25% em ambos) (BARBARO, 2019).

Na América Latina e no Caribe essa proporção é, curiosamente, um pouco maior, onde 36% dos pesquisadores nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática, são mulheres. O autor chama

6 Disponível em < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem> Acesso em 01 de nov. de 2019.7 Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/03/05/folheie-ou-baixe-a-edicao-289/ Acesso em: 31 de mar. de 2020.8 Dados disponíveis em: < http://memoria.cnpq.br/estatisticas1> Acesso em 01 de nov. de 2019.

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atenção para o fato de que, mesmo sendo baixa a participação feminina, ainda é maior que alguns países da Europa, dado esse que é incoerente ao considerarmos que a América Latina apresenta uns dos níveis mais altos de violência baseada em gênero no mundo (BARBARO, 2019).

A partir desse panorama se pode constatar que apesar de algu-mas barreiras de acesso aos mais variados cursos de Ensino Superior terem sido derrubadas, ainda persiste a barreira de sexo e de gênero, com consequências diretas na renda e no mercado de trabalho.

A visão sexista da ciência enraizada na sociedade contemporâ-nea, demonstra um padrão nos países da América Latina. Apesar da população feminina economicamente ativa ter aumentado nas últimas décadas, a taxa de desemprego entre as mulheres chega a ser até 10% maior que a dos homens na América Latina e no Caribe (SANTOS; AULER, 2011).

Para que seja possível superar tal limitação é de suma impor-tância “equilibrarmos a participação de homens e mulheres em todos os cursos erradicando as representações masculinas ou femininas do conhecimento e do trabalho e proporcionando igual acesso à renda.” (BRITO; PAVANI; JUNIOR, 2016).

Desigualdade na Carreira Científica

Mesmo que não ocorra, atualmente, uma exclusão ou uma proibição explícita das mulheres nas universidades e no meio cientí-fico, ainda permanecem, implicitamente, mecanismos organizacionais e sociais que contribuem para a manutenção da segregação feminina. Fato esse que passa a ser cada vez mais claro conforme a carreira cien-tífica avança, efeito denominado de “teto de vidro”.9

Existem duas formas de discriminação por gênero: territorial e hierárquica. Na primeira, determina-se que as mulheres tenham fun-ções dentro da pesquisa científica que sejam mais “femininas”, como computar e catalogar dados. Na segunda é quando as mulheres não são promovidas à cargos superiores mesmo tendo resultados iguais ou superiores aos dos homens que são (GARCÍA; SEDEÑO, 2002).

9 Expressão surgida na década de 1980 nos Estados Unidos, para indicar as barreiras discriminatórias enfrentadas pelas mulheres. São barreiras transparentes e sutis com intuito de impedir que elas ultrapassem certos níveis na carreira, mesmo tendo competência para tal. (ICHIKAWA; YAMAMOTO; BONILHA, 2008)

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Essas discriminações se encontram pautadas nos estereótipos sexuais de que os homens são mais racionais e objetivos, enquanto as mulheres são mais subjetivas, passivas e emocionais, características que representam um obstáculo para o fazer científico.

Entretanto, existem variados fatores sociais que motivam a desigualdade presente na carreira científica.

O primeiro deles se encontra no modelo patriarcal que dita as relações sociais e profissionais. Não existe incentivo por parte da sociedade para que a mulher persiga uma carreira científica por ser considerada uma área masculina, além disso elas não tem acesso, du-rante seus estudos, sobre a área das ciências sendo desestimuladas a se enxergarem como cientistas (TABAK, 2002).

Outra dificuldade que as mulheres encontram ao seguir a carrei-ra científica é conciliar a vida familiar com o trabalho. Ainda persiste na sociedade o pensamento de que a obrigatoriedade dos serviços domés-ticos é da mulher, com isso elas precisam “dar conta” da dupla jornada quando decidem seguir a carreira científica (HAYASHI et al., 2007).

Ainda nessa mesma linha de pensamento, elas encontram dificuldade em ampliar seus conhecimentos científicos participando de encontros e congressos, já que essa participação, na maior parte das vezes, exige que façam viagens e isso causa uma desestruturação em sua rotina familiar, especialmente se essas mulheres também forem mães (HAYASHI et al., 2007).

A maternidade é um dos fatores mais citados entre as cien-tistas para explicar o baixo índice de mulheres na Ciência. Para ser mãe é preciso que a mulher abdique de alguns anos na sua carreira, supondo-se que algumas são obrigadas a cuidar das crianças enquanto pequenas. Além disso há falta de creches e escolas com ensino infantil públicas ou com preço acessível para as pesquisadoras (TABAK, 2006)

Outra questão tratada pelas cientistas é a tensão conjugal gera-da quando a mulher escolhe seguir na área das Ciências. A carreira é longa e difícil antes de ser possível alcançar a estabilidade no trabalho, o que gera uma falta de perspectiva para a família. Essa tensão conjugal se agrava se marido e mulher exercem a mesma função. Além disso, o assédio moral e sexual “também é relatado por profissionais como fator de perturbação e discriminação.” (TABAK, 2006, p. 35).

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Na América Latina foi constatado que um dos fatores que limi-tam a participação feminina na investigação científica e tecnológica está relacionado com a economia dos países. As mulheres precisam trabalhar no mínimo 15 horas diárias: 4 a 5 horas de atividade docente, 3 a 5 horas de investigação e 8 horas de trabalho doméstico (TABAK, 2002).

Baseado nos estudos e pesquisas de gênero voltados para a C&T, entre outras coisas, é que se fundamenta o terceiro grande obje-tivo do milênio estabelecido pelas Nações Unidas que é “promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres”.

A História da Ciência como Instrumento de Mudança Social

Ter mais mulheres na ciência é garantir igualdade de oportuni-dades, além de fomentar o desenvolvimento tecnológico e econômico de um país. Nesse sentido, se faz cada vez mais necessário a imple-mentação de políticas públicas que fomentem o ingresso de mulheres nas áreas de ciências, bem como o uso da história da ciência como instrumento de incentivo e divulgação científica.

Relembrar a história tem papel fundamental na mudança da sociedade e da realidade atual, resgatar a história dessas mulheres é dar uma nova visão à ciência.

De acordo com Melo (2018, p. 3)

A discussão feminista da ciência e da tecnologia tem desenvolvido uma crescente consciência da diferença que existe entre os sexos nestes espaços e esta ausência se expressa de forma contundente na escassez de figuras femininas na história da ciência. Resgatar estes nomes esquecidos é uma tarefa, como também empreender esforços pedagógicos, para motivar e integrar meninas e mulheres no processo de aprendizagem da ciência e da tecnologia.

A reescrita da história é parte fundamental na recuperação de mulheres do esquecimento e, também, das tradições femininas que foram silenciadas pela história patriarcal marcada pela discriminação de gênero (GARCÍA; SEDEÑO, 2002).

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Resgatar essas pioneiras que foram esquecidas é um instru-mento valioso para contestar os discursos “biológico-deterministas que postularam as mulheres como naturalmente incapazes de fazer ciência e tecnologia” (FREITAS; LUZ, 2017, p.4).

Entretanto é relevante a clareza de que a recuperação da história não tem como único objetivo listar as mulheres cientistas. O intuito é trazer à tona as variadas contribuições significativas que essas mulheres tiveram cada uma em sua época, para que a história não seja mais contada sem que seus nomes sejam citados e honrados.

Sem entender os conflitos presentes na produção de C&T e sem fazer uma relação entre esses conflitos e suas dimensões históricas, permaneceremos numa organização social em que as mulheres não usufruem da equidade na produção científica.

Referências Bibliográficas

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Rosalind Franklin e seus estudos determinantes para a estruturação do DNA:

a pesquisadora para além do sexismo

Leonardo Lessa Pacheco1

Ao analisarmos os avanços na química estrutural devemos es-tar atentos as importantes consequências do entendimento da ligação química para pesquisas relacionadas a identificação de substâncias e destacamos as contribuições propostas por James Dewey Watson, nascido em 1928 realizadas em conjunto com Francis Harry Compton Crick (1916-2004) em meados do século passado.

Figura 01. Imagem do artigo de Watson e CrickFonte: Nature, 1953

1 Universidade Federal de Juiz de Fora.

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Nesse livro Watson confirma o fato de ter pegado os dados de cristalografia de Franklin sem seu conhecimento: “àquela altura, já havíamos verificado as medições precisas de Rosy. Ela, é claro, não nos fornecera seus dados diretamente. Por falar nisso, ninguém no King’s sabia que já o tínhamos em mãos” (WATSON, 2012, p.169).

Nesse contexto, a partir de uma metodologia criteriosa a luz da História da Ciência com um olhar atento ao contexto de meados do século XX para a ciência (NYE, 2018), foi feita uma seleção das fontes primárias (FRANKLIN; GOSLING, 1953; PAULING, 1953; KLUG; FRANKLIN, 1958) e secundárias (KRAGH, 2001; MARTINS, 2005; BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2014) responsáveis por sustentar nosso estudo que tem como objetivo investigar as contribuições de Franklin para a química estrutural na pretensão de apresentarmos alguns tópicos relativos à sua fundamental participação na construção do modelo estrutural do DNA.

Recorte Biográfico

Rosalind Franklin nasceu em Londres no ano de 1920 e desde cedo se demonstrou apta a questões relativas a lógica. Teve cinco irmãos e sua irmã mais nova, Jenifer Glynn, nascida em 1929, relatou o seguinte fato: “Minha mãe registrou que Rosalind, ainda criança se recusava a acreditar no que lhe disseram sobre a existência de Deus, havia perguntado: “Bem, de qualquer forma, como você sabe que Ele não é Ela?” (GLYNN, 2012, p. 12).

Tal citação sustenta uma grande questão proveniente de uma criança e pode nos dizer muito sobre sua provável capacidade de dis-cutir ideias e sua inteligência, chegando a alarmar sua família a ponto de sua tia sugerir que “aos seis anos de idade, que era preocupante que ela pudesse ser mais esperta que seus irmãos, visto que ela era mulher” (GLYNN, 2012, p. 12).

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Figura 02. Rosalind Franklin e seus irmãos, ela aos 17 anos, segunda da direita para a esquerda.Fonte: GLYNN, 2012, p. 22.

Segundo a Biblioteca Nacional de Medicina Americana, aos 11 anos de idade Rosalind foi transferida para St. Paul’s School, institui-ção para garotas, responsável por preparar as estudantes para o casa-mento e para suas carreiras profissionais e demonstrou uma grande aptidão por matemática e ciências e um grande talento para aprender outros idiomas.

Influenciada pelos cursos de física e química da escola feminina, única de Londres que possuía esse currículo, decidiu tornar-se cientis-ta. Sonhando estudar físico-química, foi aprovada na Universidade de Cambridge em Newnham, faculdade para mulheres, onde se formou quatro anos depois (SCHEID, 2006).

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Figura 03. Franklin em 1940 na Noruega.Fonte: Disponível em http://www.quotabelle.com.

Seu primeiro emprego foi na Associação Britânica de Pesquisa sobre a Utilização de Carvão, ao qual aplicou o método de difração de raios-X para compreender a característica estrutural dos carvões. Em seguida, mudou-se para Paris, em 1947, onde combinou suas técnicas aprendidas de análise com a química, desvendando muitos processos de sínteses orgânicas por meio do aquecimento. (BERNAL, 1958).

Para Meneguini (2003) depois de se formar em Cambridge ingressou no King’s College de Londres por meio de uma bolsa de estudos da Turner-Newal (BERNAL, 1958), onde se consagrou como química e cristalógrafa talentosa, porém pode ter sofrido com o preconceito de gênero em suas atividades ao descobrir que por ser “mulher não podia almoçar na mesma sala que os homens” (FAUS-TO-STERLING, 2002, p. 1177).

Em 1953 a estudiosa assumira a direção da pesquisa sobre vírus no Birkbeck College, também em Londres. Abaixo se encontra uma ci-tação que evidencia o interesse, se não a paixão de Franklin pela ciência:

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Rosalind Franklin associou-se às atividades de J. D. Bernal no Birkbeck College em Londres, onde ela rece-beu a incumbência do seu próprio grupo de pesquisa. Ela foi uma líder de grupo competente e se tornou uma especialista de reputação mundial na cristalografia de vírus2 [...] e durante seus meses finais, efetuou estudos sobre um vírus incrivelmente perigoso da poliomielite (GREENBERG, 2017, p. 346).

Como consequência da pesquisa citada anteriormente foi publicado um artigo após sua morte (DAVIS; STROM, 2018), ao qual evidenciou como pedaços de fita simples de DNA se ligavam a fitas duplas de DNA com estudos detalhados das ranhuras ao longo da ca-deia molecular, discutindo os sulcos espalhados na fita de dupla hélice e o bloqueio estérico para a transcrição molecular. A imagem do artigo publicado se encontra na figura abaixo:

Figura 04. Último artigo de Rosalind publicado após sua morteFonte: Discussions of the Faraday Society

2 O vírus responsável por causar a poliomielite em humanos é conhecido como Poliovírus, do gênero enterovírus da família Picornaviridae. São pequenos podendo variar de 27 a 30nm e são formados por uma única cadeia de RNA com 750 nuncleotídeos encapsulados em uma concha de proteína simétrica. No seu genoma está incluso quatro proteínas, duas enzimas que cortam o RNA em comprimentos adequados, uma polimerase para criar novas cadeias de RNA viral e outras proteínas pequenas que auxiliam todo o processo (Goodsell, 2009).

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Na perspectiva de Fausto-Sterling (2002), Franklin fortaleceu sua posição frente ao interesse pela ciência, o qual foi notado desde sua infância. Vale perceber que pelo momento em que viveu, e sua grande quantidade de contribuições, passou por várias críticas associadas ao gênero sexual. O autor a definiu como sendo: “animada, vivaz, defensiva, enérgica, entusiasta ao ar livre, privada e com medo de inti-midade, determinada, feroz e apaixonada pela ciência” (p. 1177), o que se contrapõe, por exemplo, a visão preconceituosa de Watson (2014) ao descrever o encerramento de uma palestra de Franklin sobre o DNA:

Ouvir de uma mulher que era melhor conter a ousadia e não opinar sobre um assunto do qual ela não tinha conhecimento era certamente um modo desagradável de sair para uma pesada e enevoada noite de novembro. Era a certeza de reviver memórias desagradáveis da escola primária (WATSON, 2014, p. 83).

Sendo assim, seguiremos com nosso estudo apresentando os principais trabalhos de Franklin a respeito do que mais tarde permitiu a evidência estrutural do DNA. Vale ressaltar que embora estejamos em consonância ao trabalho publicado em 1948 por Linus Carl Pau-ling (1901-1994), ao qual aplicou a base cristalográfica de raios X para resolver a estrutura da α-hélice de proteínas, seus estudos não serão analisados no trabalho em questão.

Das contribuições de Rosalind Franklin para a formulação da estrutura do DNA

Aldridge (2003) afirmou que para a obtenção da estrutura do DNA muitos foram os avanços na área de análises químicas e do entendimento das ligações químicas desenvolvidas a partir do início do século XIX. Seguindo essa visão, de modo a sustentar a narrativa que se segue, analisaremos alguns trabalhos e seus respectivos autores para nos permitir a construção da base historiográfica do DNA e o papel da pesquisa de Franklin na sua descoberta.

Partindo dessa premissa investigaremos o trabalho publicado por Rosalind Franklin em 1953 intitulado: “The Structure of Sodium

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Thymonucleate Fibres”. Na introdução desse trabalho Franklin afirmou sobre a importância da investigação da “substância fundamental dos núcleos celulares” (FRANKLIN e GOSLING, p. 673) e descreveu a necessidade do trabalho com o sal do DNA afirmando que a “nucleo-proteína consiste em uma conjugação bastante solta de ácido desoxir-ribonucleico (DNA) e proteínas simples”.

“O componente de ácido pode ser separado do da proteína e precipitado na forma de seu sal de sódio [...]”. (FRANKLIN e GOS-LING, p. 673) esclarecendo que o nome Timonucleado é derivado do local de onde o DNA foi extraído da glândula Timo do bezerro. Se-gundo Fausto et al. (2004): “Pequena glândula cuja função é produzir linfócitos T, de importância na resposta imunitária do organismo, e que involui a partir da puberdade, quando as suas funções passam a ser desenvolvidas por outras estruturas” (p. 207).

Em seguida afirmou que de acordo com estudos recentes já era conhecido que o DNA consistia de uma cadeia longa e, portanto, com um peso molecular elevado. E afirmou que nesse trabalho a difração de raio X não poderia afirmar sobre a posição dos átomos na molécula, mas afirmou que o estudo contribuía para predizer sobre o “modo como as moléculas de cadeia longa estão ligadas umas às outras na estrutura” (FRANKLIN, 1953, p. 673).

Segundo Thiemman (2003, p.16): “os experimentos conduzidos por Rosalind Elsie Franklin [...] produziu fitas muito finas de DNA [...]. Em pouco tempo descobriu que o DNA se apresentava em duas formas diferentes, as quais denominou de A e B”. Seguindo o artigo de Franklin, ela evidenciou a preparação das fibras e a calibração do aparelho e em seguida apresentou seus resultados, diferenciando as formas A e B pelos graus de hidratações.

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Figura 05. Imagens da cristalografia de raio-X produzidas por FranklinFonte: Artigo de Franklin e Gosling 1953

Ampliando a figura anterior para as estruturas fundamentais à nossa discussão temos na figura 06 abaixo a representação ampliada das formas A e B do DNA:

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Figura 06. Formas A e B do DNAFonte: Artigo de Franklin e Gosling, 1953

Segundo Franklin e Gosling (1953) as formas eram reversíveis podendo passar de uma para outro variando a humidade do sistema analisado e o estado A desidratado, era “altamente ordenado” (p. 675), indicando que a parte mais polar da molécula era o grupo fosfato e se encontrava associada as moléculas de água.

Suas medidas experimentais permitiram que concluíssem “que os grupos fosfatos fiquem perto do lado de fora” (p. 675), porque foi verificada uma rápida conversão entre as formas A e B à medida que se variou a humidade, e isso só seria possível se os grupos fosfatos estivessem externamente à longa cadeia molecular.

Tal ideia jogou por terra a associação teórica de Pauling e Corey (1953), os quais propuseram uma estrutura helicoidal com três hélices: “A estrutura envolve três entrelaçados de cadeias helicoidais polinucleotídicas” (p. 346), porém sugeriram que o grupo fosfato esti-vesse “sobre o eixo da molécula” (p. 346), ou seja, no lado interno da molécula, o que possivelmente frearia a velocidade de conversão entre as formas A e B.

Franklin e Gosling também chegaram a conclusão baseados na imagem simétrica da forma B que surgia “como resultado de uma estrutura helicoidal” (FRANKLIN e GOSLING, p. 676), afirmando, em seguida, que a estrutura B, pela análise dos dados da difração associa-da as suas respectivas interpretações matemáticas, “aparece como um dupleto bem resolvido” (p. 676).

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Nesse ponto podemos nos arriscar a garantir que foram os ex-perimentos conduzidos por Franklin os responsáveis pela descoberta da fita de dupla hélice do DNA, conforme artigo analisado, porém não nos arriscaremos a questionar o crédito fornecido a Watson e Crick por associar o modelo estrutural a manutenção da informação genética entre os seres vivos.

Conforme percebemos no artigo estudado, nos estudos de Franklin e Gosling não foi manifestado o interesse para a importância da dupla hélice que, segundo o trabalho, demonstrou ser uma forma de se encontrar o ácido desoxirribonucleico, o que nos aproxima da questão proposta por Silva (2010): “qual o significado científico da dupla hélice até abril de 1953?” (p. 70).

Desse modo, podemos perceber uma diferença de objetivos entre Watson e Crick e Franklin. Para os primeiros nos parece que sua relevância na investigação se encontra em destaque ao final do artigo: “Não escapou a nossa observação que o emparelhamento específico que postulamos sugere imediatamente um possível mecanismo de replicação para o material genético” (WATSON; CRICK, 1953, p. 737).

Tal análise se encontra em conformidade com a interpretação de Silva (2010), visto que para o autor há uma “distinção entre uma investigação a respeito da estrutura do DNA e uma investigação a respeito de sua função genética” (p. 71). Tais questões, embora se tor-nem extremamente relevantes, não se encontram no universo de nossa análise, uma vez que o objetivo do nosso estudo é verificar o quão fundamental foi a participação de Franklin na determinação estrutural do DNA.

Em abril do ano de 1953, Franklin e Gosling publicam seu se-gundo artigo no mesmo número de Watson e Crick também na Nature dando uma maior atenção as discussões relativas a forma B encontrada na difração de raioX:

Assim embora não tentemos oferecer uma completa interpretação do diagrama de filamentos da estrutura B, podemos afirmar as seguintes conclusões. A estru-tura é provavelmente helicoidal. Os grupos fosfatos se encontram fora da unidade estrutural [...]. A unidade estrutural provavelmente consiste de duas moléculas [em plano] co-axial que não são igualmente espaçadas

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ao longo do eixo da fibra (FRANKLIN e GOS-LING, 1953, p. 741).

Com a citação acima, o segundo trabalho vem a confirmar que fundamentalmente foram suas pesquisas que determinaram a dupla hélice do DNA.

Considerações Finais

Conforme percebemos, desde a infância Rosalind Franklin ocupava lugar de destaque pela sua tendência de se dedicar aos estu-dos da lógica e ao entendimento matemático. Junto a essa perspectiva temos um grande aliado no decorrer de sua caminhada que foi o seu interesse pela ciência.

Pelo seu contexto familiar, Rosalind Franklin teve grandes incentivos no estudo passando por escolas importantes até hoje no contexto de produção de conhecimento, como a Universidade de Cam-bridge. Tal base, lamentavelmente, não foi suficiente para impedi-la de ser vítima de uma ciência masculina, principalmente ao que remete a categorias superiores de ensino. Não a livrou, tampouco, das ironias e menosprezos dos seus colegas de pesquisa, conforme apontamos em algumas passagens. Foi, entretanto, forte o suficiente para que tais estudiosos se apropriassem das suas pesquisas e as amalgamassem aos seus estudos, até mesmo sem lhe dedicar o devido mérito.

Essas questões de gênero que envolvem a participação da mu-lher frente a produção do conhecimento remetem a temas importantes de estudos, oferecendo uma grande gama de investigações na História da Ciência e ao papel da mulher para a construção da ciência.

Por último, esse estudo historiográfico torna evidente a de-terminação estrutural do ácido desoxirribonucleico por Franklin e Gosling, corrigindo, inclusive, um modelo equivocado de estrutura proposta por Pauling um pouco antes. Embora não tenham dado a respectiva atenção para a importância da macromolécula no contexto de transmissão de informações genéticas, verificamos, com base em estudos recorrentes, possibilidades para pontos diferentes para a in-vestigação do DNA proposta por Watson e Crick.

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“Anomalias de polaridade”, novas linguagens, a “físico-química”, luz e o “efeito coloidal” em Michael Faraday

João B. Alves dos Reis1

Marcelo Fonseca Pinto2

Introdução

Michael Faraday (1791-1867)3, eminente estudioso britânico do século XIX, havia continuado seus estudos entre 1834 e 1836 sobre os efeitos do magnetismo no artigo intitulado: On the General Magnetic Relations and Characters of the Metals, publicado no Quartely Journal of Science, XIX, 338, 1836. (FARADAY, [1849] 1952, p. 813-816). Quan-do indagava sobre as “ligas naturais” de irídio e ósmio e dos cristais de titânio serem ligeiramente magnéticos em temperaturas comuns, ele acreditava que isso fosse devido à presença de ferro contido nessas ligas, pois, sabe-se que resfriadas com um grau mais baixo não apre-sentavam qualquer força magnética adicional e, portanto, podia-se concluir que o irídio, o ósmio e titânio poderiam ser adicionados aos metais não magnéticos.

Entre 1844 a 1852 o estudioso britânico retornaria aos estudos iniciados em 1836 e concluiria conceitos de extraordinária relevân-cia fundamentada em uma ferramenta metodológica que teorizava a estrutura da matéria magnética nas interfaces conceituais entre a física e a química oitocentista em relação ao bismuto4. Naturalmente

1 Centro Universitário de Caratinga – UNEC. [email protected] Professor da Educação Básica. [email protected] Pioneiro na experimentação dos campos da eletricidade e magnetismo. Ele é mais conhecido por sua descoberta do princípio da indução eletromagnética e das leis da eletrólise. O Experimental Researches in Electricity (ERE), de onde tiramos basicamente este estudo, foi publicado pela primeira vez em três volumes entre 1839 e 1855.4 Faraday ([1849]1952, pp. 631-632), em 2 de fevereiro de 1846, adiciona nota e referências relacionadas às “anomalias de polaridade”, na Série XXI do ERE de 22 de dezembro de 1845, corroborando os parágrafos 2447 e 2448, sobre as substâncias que compunham a crosta terrestre serem diamagnéticas, a influência delas na água e sais de ferro, relatos e observações da ação de

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isto foi possível devido ao estudo de uma larga classe de substâncias avaliadas experimentalmente.

O indicador conceitual teórico fora uma pequena taxa de suscep-tibilidade magnética inerente as “anomalias de polaridade” (diamag-netismo) conferindo que em cada uma dessas substâncias a direção da magnetização era oposta à direção do campo induzido.

Em Geoffrey Cantor, David Gooding, and Frank A. J. L. James (1997, p.79) referindo-nos às denominações primevas das substâncias diamagnéticas (“anomalias de polaridades”), citam que: A princípio, Faraday denominou as substâncias diamagnéticas nomeadamente de diamagnetos, mas após consultar William Whewell (1794-1866), definiu-as como substâncias diamagnéticas, por analogia com os dielé-tricos. Esse termo também as distinguia dos ímãs comuns. O principal critério de identidade magnética de uma substância era se definir ‘equatorialmente’ ou cruzar as linhas de força que as identificava como substância diamagnética ou “axialmente” ao longo das linhas de força, assim como eram nos ímãs comuns. Faraday, em seguida, analisaria o comportamento dos diamagnetos mais de perto.

As novas propriedades magnéticas existiam apenas enquan-to o campo (de eletroímãs) estivesse ligado: ao contrário dos ímãs comuns, os diamagnetos deixavam de afetar uns aos outros quando estavam presentes a fortes campos magnéticos. Comportamento de materiais que são repelidos na presença de campos magnéticos, ao contrário dos materiais paramagnéticos e ferromagnéticos que são atraídos por campos magnéticos.

Ainda nesse contexto, faz-se importante citar sobre as refle-xões, naturalmente, da polarização da luz, quando das manipulações e preparações de soluções de ouro coloidal elaboradas por Faraday nos períodos entre 1856 até 1859 na Royal Institution of Great Britain (RI).

magnetos sobre metais e seus compostos. O efeito já era conhecido nos relatos publicados em 1778, na obra Antonii Brugmans Magnetismus seu de affinitatibus magneticis observationes magneticae, Lugd. Batav, parágrafo 41. Nessa mesma nota; cita M. de Le Baillif nas publicações do Bulletin Universel de 1827, nos vols. VII p. 371; e vol. VIII pp. 87, 91 e p. 94, sobre a Repulsion of a Magnet by Bismuth and Antimony. Referência em Saigey na continuidade em 1828, o mesmo tema, no Magnetism of certain natural combination of Iron, and on the mutual repulsions of Bodies in General, vol. IX, pp. 89,167, 239. Finalmente, Thomas Seebeck, também em 1828, no Magnetic Polarity of Different Metals, Alloys and Oxides.

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Os experimentos divulgados no Faraday’s Diary sobre a fusão de sais por eletrólise, fundamentos teóricos e experimentais (eletroquí-mica), em relação à ação catalítica do chumbo e da inibição de catálises heterogêneas e outros trabalhos sobre a preparação e manipulação de soluções metálicas (BOND et al., 2006). Esse conjunto de processos de-linearam a estrutura da matéria e os estudos sobre a estrutura do ouro coloidal. No século XIX tiveram em Faraday uma preciosa e valorosa versão de alguns aspectos peculiares em relação à incidência da luz sobre o ouro observada pela técnica de microscopia acromática.

Apesar de que no início de 1857 Faraday buscava incansa-velmente em tempo “quase integral” desvendar e compreender as estruturas fundamentais dos efeitos magnéticos, elaborou planos para executar essa tarefa, todavia foi na última Bakerian Lecture desse mes-mo ano, além dos estudos sobre o magnetismo, que divulgou vários resultados de experimentos sobre as relações das soluções coloidais com a luz derivadas de metais finamente pulverizados e manipulados, em especial, do ouro. Tudo isso mudaria os planos do eminente pes-quisador britânico da RI.

A identidade e uso do ouro particulado, ou melhor, do “gold divided”, ouro em partículas pulverizadas, nomenclatura utilizada pelo estudioso britânico, fora um momento peculiar de seus estudos envolvendo formalismos teórico-experimentais de um novo design aplicado aos pressupostos conceptuais no final de sua grande obra como químico e físico da Royal Institution (RI).

Tratava-as de uma análise sobre as relações entre as soluções metálicas e a luz e seus aspectos “físico-químicos”, nomenclatura inexistente no século XIX, muito embora se tenha dado ênfase espe-cificamente às questões do ouro coloidal e da luz como “novas rotas”.

A teoria e a prática dessas metodologias, conjuntamente, geraram formalismos, processos e nomenclaturas, estruturas e novas linguagens que nortearam em uma perspectiva natural, na essência, emergentes especulações e diferenciações de características com rela-ção à matéria magnética em meados do século XIX. Por outro lado, o aperfeiçoamento e os procedimentos de monitoramento de experimen-tos com as substâncias examinadoras ou “sensores” constituiu-se em

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uma poderosa estrutura experimental para expressar resultados pela prática do artifício visual afiançados pelas configurações explicitadas nas linhas de força física5.

Atualmente o monitoramento e uso de sensores expandiram-se por todos os setores e ramos do conhecimento humano para usos semelhantes e diferenciados daqueles usados pelo estudioso britânico. John Meurig Thomas (1997, p. 212-219)66 cita que a denominação “li-nhas de força física” originou-se do termo criado por Michael Faraday para expressar certas linhas que se formavam descrevendo as ações de forças delineadas em limalhas de ferro espalhadas nas vizinhanças dos magnetos (ímãs). Como se fosse, a princípio, reflexos, ou melhor, confi-gurações que reportavam as interações da matéria magnética referente à condição da condução e direção tomadas pelas forças, referindo-se ao tema no Phil. Trans. de 1852 e nos ensaios publicados no Phil. Mag., 4th. Series, 1852, Vol. III, p. 401, principalmente em Michael Faraday (1850), no ensaio On the Physical Lines of Magnetic Force publicado no Experimental Researches in Electricity, p. 616.

Conforme Faraday ([1849] 1952, p. 523-538 § 2310), o modo da ação do efeito da torção do momento se dava a partir de uma força que causava várias rotações. Elas ocorriam diferentemente para cada substân-cia em experimento em razão de sua estrutura molecular – nos intervalos de instabilidade no início – e de estabilidade no decorrer do experimento. As avaliações das especificidades citadas sobre os efeitos de torção foram observadas no antimônio, no estanho, no bismuto em diversas espécies de metais e vidros metálicos, tendo em vista uma mesma intensidade padrão de força magnética ordinária para cada experimento.

Identificava, assim, que uma nova condição de magnetização da matéria: o deslocamento de lugares mais fracos para as regiões de

5 Empiricamente ordenados, intensificaram-se na ruptura epistemológica oriunda das investigações experimentais monitoradas nas linhas de força física – unidade de força – linhas imaginárias, não necessariamente retas, podendo ser curvas dispostas de tal forma que as ações das forças fossem observadas em limalhas de ferro, licopódios, prismas de Nicol etc. 6 A metodologia de Michael Faraday entre 1845 a 1850, conferia ao monitoramento de substâncias ditas diamagnéticas envolvendo cristais de bismuto, vidros de borossilicato de chumbo (alto índice de refração), elementos e vários compostos usados como substâncias “sensores”, ou substâncias examinadoras. Identificadas por uma seta no entorno, ou um “X”. Suspedeu em pêndulos bifilares, os quais, informavam devido a torção, a posição sofrida entre polos de poderosos eletroímãs.

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mais forte ação magnética. Delineavam-se em limalhas de ferro, em pós de licopódio, nas linhas de força física (medium), diametralmente ou “equatorialmente” – matéria diamagnética (curva diamagnética) – “axialmente” ao longo delas – matéria paramagnética e magnética (curva de indução magnética). Concluía Faraday que os campos magnéticos sofriam “anomalias de polaridade”, repulsão aos polos de magnetos, devido à influência dos arranjos moleculares ocorrendo de forma menos eficiente na matéria diamagnética.

A relevância dos estudos em Michael Faraday sobre os es-tudos aqui abordados confere a eles uma ordenação experimental e conceitual relacionada à influência da condição molecular inerente aos estudos dessas substâncias. Incluem as reflexões referentes aos estudos da torção do momento magnético, a convertibilidade da característica magnética em diamagnética através da exposição a temperaturas excessivas ou quando resfriados a temperaturas baixíssimas, ainda através do grau de susceptibilidade magnética e aspectos e direções tomadas pelas substâncias para e diamagnéticas, em especial ao con-ceito do diamagnetismo, em meados do século XIX.

Referimo-nos aos eventos oriundos da formação de um campo magnético externo não uniforme quando substâncias reconhecida-mente diamagnéticas sofriam repulsão de uma região em que o campo magnético era mais intenso para a região onde o campo magnético era menos intenso. A respeito dos efeitos dos campos magnéticos, especificamente a ênfase atualmente conhecida é o “Efeito Zeeman” (modificação do espectro atômico provocado pela aplicação de um campo magnético externo). Nas ligações químicas se relacionam o caso dos elétrons emparelhados (moléculas diamagnéticas) quando a molécula não apresenta momento magnético de rotação (spin) e na “Teoria do Orbital Molecular” com relação às moléculas diatômicas homonucleares, na espectroscopia de massa nos processos de interação da radiação eletromagnética e a matéria, além das reflexões resumidas sobre a supercondutividade de materiais magnéticos, etc.

O Mapeamento da matéria em meados do século XIX

As generalizações dos aspectos vinculados às questões estru-turais do experimento levaram Faraday necessariamente ao desenvol-

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vimento de protótipos experimentais cada vez mais elaborados, muita das vezes miniaturas, não só apenas para reforçar suas argumentações ou a gestão de experimentos. (REIS, 2006, p.11)

Mas, principalmente, para agenciar imagens e generalizações pictóricas referentes à direção, sentido e localização das formas resul-tantes, provenientes das interações nas linhas de força. A adoção dessa forma de ver o experimento manifestou-se por toda a vida do estudioso britânico como um processo para reforçar o pensamento teórico. (REIS, 2006, p.12)

Das reflexões sobre os experimentos sobre a matéria magnética, argumentava o estudioso britânico, conjugando indução, conversi-bilidade, ação progressiva e unicidade. A ideia de um método que reportasse às forças da Natureza foi um dos pilares do pensamento de Faraday, o qual se manifestou desde a sua juventude. Em carta confidenciada ao amigo Benjamin Abbott, datada de 31 de dezembro de 1816, Faraday declarou que:

Assim como na vida, as ações são sempre progressivas, assim também todas as ações das forças da Natureza ten-diam à estabilidade permanente, tendo como resultado um ‘estado de repouso’, isto é uma condição estática dos poderes. (FARADAY, [1849], 1952, p. 836 § 3318 e 3319).

Esses procedimentos e métodos conferiram, corroborando a amalgama eletricidade e magnetismo, um estado de repouso. Con-forme Day (1999, p. 17), Michael Faraday idealizou como caminho metodológico, ainda jovem, “caso possível, imitar uma árvore na sua progressão, partindo das raízes ao tronco, depois dos galhos aos brotos e folha, onde cada alteração fosse feita com naturalidade, mesmo que esse efeito fosse constantemente variado”.

Os processos, modelos e ilustrações gráficas e argumentos que o estudioso britânico utilizava-se de artefatos epistêmicos para formalizar o instrumental relativo aos procedimentos experimentais das “anomalias de polaridade”77, principalmente quando da ordena-ção dos vários experimentos cujos aspectos cognitivos ratificariam

7 Com relação à abrangência teórica, cita-se as tessituras necessárias em relação às “anomalias de polaridade” deram origem à percepção conceptual inicial de Faraday.

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característica de precisão, quanto ao movimento e a direção tomadas pelas substâncias diamagnéticas com relação à polaridade incontes-tavelmente, pois se comportavam de forma anômala nas linhas de força física, comparativamente, aos magnetos de um modo geral. O diálogo entre o fato e o experimento, uma síntese orientada pela construção de imagens e reflexões sobre as configurações eram expli-citadas nas linhas de força física, trata-se de generalizações através de modelos conceituais sobre a condição da condução dos cristais de bismuto, os quais se corroboraram, grosso modo, através das deflexões e configurações reportadas nelas [linhas de força]. Citando Faraday (1952, p. 634 § 2461):

Em todos esses casos, [referindo-se aos experimentos], o bismuto, era diamagnético e fortemente repelido por um polo magnético ou por uma linha axial. Ele era afetado somente enquanto a força magnética estava presente. Fixava-se em uma dada posição constante, perfeitamente determinada, então, movia-se sempre retornando; exceto, em um movimento extenso, no qual, [o bismuto] esten-dia-se além de 90º; a parte [do bismuto] movia-se mais distante ao redor de uma nova posição diametralmente oposta à anterior, que então retinha com força igual, e da mesma maneira. Esse fenômeno foi geral em todos os re-sultados. Tenho que referir-me sobre ele e expressá-lo-ei pela palavra diametral; disposição diametral ou posição.

Ainda, conforme Faraday ([1849],1952, p.634 § 2464) de que: Um corpo magnético tendia dos lugares de ação magnética mais fraca para os de forte ação e um corpo diamagnético sob as mesmas condi-ções dos lugares de ação magnética forte para lugares de fraca ação.

Na prática as pesquisas que foram efetuadas no laboratório da Royal Institution of Great Britain (RI) foram exercícios peculiares, pois, deles Faraday desenvolveu uma linguagem técnica uniforme, a qual expressava naturalmente os novos conceitos da matéria diamagnética. Como argumenta Fisher (p. 166-169, 1992) ele sugeria, ainda, que não se criassem expressões rebuscadas que pudessem dificultar a compre-ensão do significado imaginário.

Embora Faraday tenha tentado, a princípio, interpretar o fenô-meno do diamagnetismo apenas através da linguagem familiar das li-

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nhas de força denominando-as de “curvas diamagnéticas”, reconhecia que o novo fenômeno tinha realmente uma certa anomalia no contexto de suas pressuposições gerais. Tal fenômeno seria melhor definido em termos de linhas de indução magnética, um pressuposto de Heinrich Emil Lenz (1804-1865) de 1834. Porém, com a realização de diversos outros experimentos do gênero, Faraday pôde justificar com clareza certas disparidades conceituais oriundas dessas afirmativas.

Percebe-se, no entanto, que o conceito de linhas de indução, nesse caso, não poderia ser usado apenas para descrever o alinhamen-to dos corpos diamagnéticos nas linhas de força, uma vez que deveria também poder caracterizar a direção da polaridade e os movimentos inerentes e provenientes dos efeitos diamagnéticos quanto à polari-dade e posição no espaço magnético ou “médium”. Sobre as configu-rações da condição da condução nas linhas de indução magnética, da ação dos ímãs e eletroímãs no espaço circundante (medium), Faraday (1952, p. 627 § 2423) não só as percebeu pela orientação de agulhas magnéticas através do uso de limalhas de ferro, bem como mediante os efeitos da indução “magneto-elétrica” e “magneto-ótica”, usando a luz como examinadora, monitorando a identidade das ações e efeitos dos materiais diamagnéticos quando sujeitos aos campos de indução.

Confirma-se aí o desenvolvimento do conceito do “estado diamagnético” a partir de experimentos planejados com o intuito de mapear os aspectos incidentes no espaço preenchido pelas interações de aspectos físicos e químicos, reportam-nos aos matizes inerentes à concepção filosófica de unicidade da matéria interligadas às orde-nações da natureza conversível da matéria. (FARADAY [1849], 1952, p.620, § 2348)

Faraday sugere, então, que a teoria fundamental do magne-tismo estava edificada em quatro pilares cujos argumentos básicos referendavam-se à condição da condução e do comportamento das substâncias diamagnéticas nas linhas de força de indução magnética. Tornava-se um conceito inerente às ideias de campo: a convertibilidade pela indução, nesse caso, o magnetismo se convertia em eletricidade. Assim, como pela convertibilidade, a matéria magnética em diamag-nética quando sujeita às altas temperaturas indica, teoricamente, que todos os materiais magnéticos, nessas condições, convertiam-se em

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um “estado diamagnético”. Nesse caso, a convertibilidade citada sobre a variância de polaridade dos materiais magnéticos, nas linhas de força foram observadas nos cristais de bismuto.

O Mapeamento da estrutura coloidal e a luz

Exemplificando apenas alguns tópicos cita-se a criação de artifícios técnicos para a preparação de suspensões temporariamente estáveis, o caso do ouro coloidal, uma miríade, embriões conceituais da físico-química, a confecção de películas metálicas magnéticas, os efeitos da luz usados para conceber propriedades, etc.

Cita-se, ainda, no mesmo contexto que os trabalhos de Faraday sobre o efeito magneto-óptico em óxidos e cristais, bem como o conhe-cimento sobre as forças magneto-cristalinas proporcionaram clareza conceitual sobre as conclusões teórico-experimentais desses novos caminhos trilhados.

As publicações sobre a formulação e propriedades inerentes do “ouro coloidal”, as relações e as aplicações práticas com a luz, desper-tariam novos experimentos publicados no Philosophical Transactions, principalmente, os trabalhos experimentais acerca do fenômeno da dispersão da luz em meio coloidal de John Tyndall (1820- 1893), conhe-cido por “Efeito Tyndall”.

Sabe-se, que essas pequeníssimas partículas têm dimensões nanométricas, (FREESTONE et al., p 270, 2007) obtidas no estudo de dispersões através de microscopia de alta resolução – pontos pretos – átomos individuais na dispersão do ouro “pulverizado”.

Conforme John Meurig (p. 81, 1997) a elaboração desses traba-lhos nas interfaces dos aspectos químicos e físicos intentava explicar as especificidades de diferentes materiais metálicos não magnéticos, sendo este o principal objetivo para o estudioso da Royal Institution que afirmava serem derivadas de características peculiares pertinentes à estrutura da matéria.

A organização de um programa experimental sobre matéria e luz

A proposta de organizar um programa de pesquisa no tema luz e substâncias metálicas aconteceu nos idos de 1822 pela primeira

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vez. Faraday, então, questionava naquele ano sobre o fato das folhas de ouro comercial ter uma coloração naturalmente amarela, porém refletidas pela incidência direta da luz uma coloração verde.

Pela segunda vez, em 1852, quando George Gabriel Stoke (1818-1903), matemático lucasiano da Universidade Pembroke, de Cambrid-ge, definiu uma propriedade material denominada de fluorescência88, argumentou que por ressonância certas substâncias pela incidência da luz ultravioleta emitiam luz azul, do espectro visível.

Conforme Ryan Tweney (1990), esse relato envolvia as con-jecturas de vibrações transversais através das linhas de propagação de campos, bem como as vibrações longitudinais caracterizavam o comprimento e a frequência.

Por outro lado, Faraday estava bastante encorajado com as respostas afirmativa das sociedades científicas do mundo sobre seus trabalhos. Essas confirmações sobre as linhas de força física nos domínios da eletricidade e magnetismo seriam fundamentos para ar-gumentar sua suspeita de que a luz possuía características similares nas interações de campo99.

O início do programa de Michael Faraday, em fevereiro de 1856, durou quase um ano, começava utilizando os mesmos procedimentos desenvolvidos por Warren De la Rue (1815-1889) - astrônomo, físico e químico - introdutor da fotografia nos estudos de astronomia - a astro-fotografia e a fotoheliografia sendo necessário desenvolver emulsões adequadas á pesquisa na física solar.

Os processos de confecção de finíssimas películas de ouro, inicialmente, por processos mecânicos apenas confirmaram cavidades pequenas que poderiam difratar os raios de luz tornando verde a luz refletida nas folhas do ouro comercial.

Durante alguns meses executou vários procedimentos físicos e químicos, no manuseio e confecção de filmes, sem sucesso. Entretanto, em abril, Faraday conferiu ser inadequado continuar por essa trilha, assim o desenvolvimento de seu intento maior, que, na verdade, foi a observação das propriedades inseridas no microcosmo da matéria.

8 David Gooding & Frank A. J. L. James, Faraday Rediscovered: Essays on the Life and work of Michael Faraday, 1791-1867, London/Hong Kong: Macmillan, 1989. pp. 151-154.9 Michael Faraday, Faraday’Diary, 1856, in Martin, p. 108, 1936.

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Assim, devido a observação de que os aspectos físicos su-perficiais contavam com um fator limitante, ou seja, a inadequada resolução obtida mesmo com os mais potentes microscópios da época, do laboratório de De la Rue. Porém, o estudioso da Royal Institution desenvolveria, a partir desse impasse, diversos artefatos para executar os experimentos usando a luz como referência e padrão.

Em situações anteriores, Faraday utilizou sua vasta experiência em química para solucionar impasses físicos. Nesse momento, utilizaria ambas as habilidades pelos processos químicos, eletroquímicos, “gal-vano-eletricidade” etc. Michael Faraday observa que os vidros onde estavam incrustados filmes (delgadas películas) de ouro que conduziam eletricidade. Esse fato implicaria em outra hipótese formulada sobre a matéria, ou seja, a necessidade de rever as propriedades materiais.

Considerações Finais

A teoria e a prática dessa metodologia, conjuntamente, geraram formas, nomenclaturas, estruturas e novas linguagens que nortearam em uma perspectiva natural na essência, emergentes especulações e diferenciações de características com relação à matéria magnética em meados do século XIX.

Situando o contexto sobre as relações entre a luz e a matéria deve-se salientar que Michael Faraday desenvolveu diversos experi-mentos sobre os efeitos da luz. O interesse que fora despertado nesse tema referia-se aos resultados experimentais obtidos por Faraday de 1846 até 1850.

Nesse particular, as diversas partículas na forma coloidal baseiam-se em critérios teórico-experimentais ópticos relacionados às configurações das linhas de força.

Estas confirmações experimentais derivaram, principalmente, dos estudos do para e diamagnetismo, as quais se solidificaram através dos experimentos de interações com a luz e as linhas de força como reprodutoras desses efeitos. Tudo isso, legou a Faraday, a partir daí, a possibilidade da unificação, da luz, eletricidade, magnetismo e matéria (REIS, p. 158-59, 2006).

Então, os estudos sobre o “Faraday’s Gold”, um coloide, ou seja, uma mistura de dois ou mais sólidos, líquidos ou gases em conjunto,

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referimos-nos aos estudos de Mogerman (p. 22-26, 1974) Faraday’s Lecture on Gold: The Optical Effects of Fine Particules.

Ainda conforme Reis, Freitas-Reis & Santos (p. 137, 2010) Fa-raday usaria um tipo especial de coloide que ele havia desenvolvido e manipulado, uma dispersão de finíssimas partículas de ouro suspensas em um líquido. Esse tipo de preparação é conhecido como suspensão coloidal ou, como era chamado por Faraday, de ouro “sol”.

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A construção de uma teoria: reflexões nas cartas de Michael Faraday

em 1812 e suas leis eletroquímicas

Marcelo Fonseca Pinto1

João B. Alves dos Reis2

Contexto Biográfico

O inglês Michael Faraday (1791-1867) nasceu em Newington Butts, condado de Surrey, em 22 de Setembro, mas logo se mudou para a parte central de Londres com a família. Como grande parcela da população da época, sua família não possuía grandes recursos finan-ceiros. Seu pai, James Faraday (1761-1810), era ferreiro e proporcionou apenas uma educação muito básica e rudimentar a seus filhos. Michael casou-se com Sarah Bernard (1800-1879) em 12 de Junho de 1821, união esta que durou até o fim de sua vida. (CANTOR, 1991)

Em 1804 ele iniciou os trabalhos na livraria de um imigrante judeu francês chamado George Riebau (s/d), que havia escapado da Revolução Francesa. Sua livraria, a Riebau’s Shop, localizava-se na Blan-dford Street, em Londres. Faraday aí começou como garoto de recados e entregador de jornais, função que assumiu por cerca de um ano como forma de treinamento. Passado esse período inicial, em sete de outubro de 1805, Faraday assumiu formalmente a função de encadernador na livraria do Sr. Riebau. (THOMPSON, p. 5, 1901)

Em meados de 1812, com a ajuda de um cliente da livraria, Sr. William Dance (1755- 1840), Faraday assistiu uma série de quatro confe-rências proferidas por Humphry Davy na Royal Institution of Great Britain (RI). Essas conferências fazem parte da obra Elements of Chemical Philosophy e Faraday chegou a relatar esse importante acontecimento o descrevendo em um trecho de uma das suas poucas cartas autobiográficas.

1 Professor de Educação Básica. [email protected] Centro Universitário de Caratinga. UNEC. [email protected].

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Durante meu aprendizado, tive a sorte, devido à bondade de Sr. Dance que era um cliente do meu mestre e também membro da Royal Institution, de assistir quatro palestras do Sir Humphry Davy que foram feitas em 29 de Feve-reiro, 14 de Março, 8 e 10 de Abril de 1812. Fiz anotações e escrevi sobre a conferência de forma mais completa, intercalando-os com [alguns] desenhos que pude fazer. O desejo de estar envolvido em uma ocupação científica, mesmo com a função mais baixa possível, me induziu enquanto aprendiz, a escrever, em minha ignorância de mundo e simplicidade de minha mente, a Sir Joseph Banks, então presidente da Royal Institution, naturalmen-te sem resposta, foi devolvida pelo porteiro. (Faraday In JONES, 1870, p.14)

Michael Faraday escreveu ao longo de sua trajetória como cien-tista inúmeras cartas durante os anos de 1811 e 1867, mas, infelizmente, muitas se perderam no tempo. Elas foram escritas a diversos destina-tários, dentre eles, seu amigo, Benjamin Abbott (1793-1870), Humphry Davy (1778-1829), a John Ayrton Paris (1875-1856), a sua esposa, Sarah Bernard, a sua irmã mais nova, Margaret Faraday (1802-1862), além de diversos cientistas da época, tais como Justus von Liebig (1803-1873), Amedeo Avogadro (1776-1856), John Frederic Daniell (1790-1845), entre outros, também as cartas direcionadas a publicação científica no Philosophical Transactions of the Royal Society.

Análise de algumas cartas

Analisaremos algumas cartas escritas em 1812, visto que os diários que Faraday escrevia relatando seus trabalhos de laboratório começaram a ser confeccionados somente a partir de 1820. Dessa forma, as cartas redigidas durante esse período são uma boa fonte de registros de seus experimentos envolvendo utilização da pilha voltai-ca, decomposição de substâncias, reações químicas, além de reflexões e questionamentos sobre as mais diversas situações enfrentadas.

Logo após assistir o ciclo de palestras de Humphry Davy na RI, Faraday começou a escrever cartas destinadas a Benjamin Abbott. Em um trecho da primeira carta, datada de 12 de Julho de 1812, ele retratou alguns experimentos sobre decomposição que começara a realizar.

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Tenho feito recentemente algumas experiências galvânicas simples, apenas para ilustrar os primeiros princípios da ciência. Fui comprar níquel e pensei se eles poderiam ter zinco maleável. A primeira porção que obtive estava em peças muito finas, em um estado achatado. As comprei com a finalidade de formar discos, com os quais iria fazer uma pequena bateria juntamente com discos de cobre. Cortei sete discos do tamanho de metade de moedas cada um, cobrindo-os com outras sete metades e interpus entre eles seis pedaços de papel embebidos em solução de muriato de soda. Isto foi suficiente para produzir a decomposição de sulfato de magnésio. Eu não podia ter ideia que a bate-ria era capaz desse efeito. Fiz a ligação entre a solução e as partes superior e inferior da pilha, assumindo que o cobre decompunha o sulfato terroso. Os fios ficaram cobertos em um curto espaço de tempo com bolhas de algum gás, e um fluxo de bolhas muito pequenas, apareceram como pequenas partículas, correndo através da solução do fio negativo. Minha prova que o sulfato estava decomposto foi que após duas horas, a solução clara ficou turva e o magnésio ficou suspenso. Vendo esse grande efeito, procurei alguma placa ou folha de zinco e a partir delas cortei discos, além de obter algumas chapas de cobre e discos de uma polegada desse metal. Empilhei estes acima como uma bateria, interpondo uma solução de muriato de soda por meio de discos de flanela do mesmo tamanho. Eu tinha, acredite, cerca de dezoito ou vinte pares de placas e com elas pude decompor o sulfato de magnésio, o sulfato de cobre, o acetato de chumbo e em primeiro lugar pensa-va ter decomposto também a água, mas minhas conclusões a esse respeito talvez sejam apressadas. (Michael Faraday In JONES, 1870 p.20)

Neste trecho da primeira carta podemos observar que Faraday construiu uma pilha utilizando placas de zinco e cobre e se surpre-ende ao perceber que foi capaz de decompor o sulfato de magnésio, o sulfato de cobre, o acetato de chumbo, além de pensar ter decom-posto a molécula de água3. Ele prosseguiu a carta relatando que não estava satisfeito com os resultados e que não poderia se contentar em apenas supor que tinha ocorrido uma decomposição da água, esse fenômeno teria que ser comprovado.

3 Vale ressaltar que desde o início dos experimentos de indução, Faraday passou a trabalhar com equipamentos cada vez menores, visando uma diminuição na perda de carga nas baterias e uma praticidade no transporte desses equipamentos para ministrar suas palestras.

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Inseri os fios em uma porção de água e em pouco tempo, uma ação se iniciou. Uma densa nuvem branca desceu do fio positivo e bolhas subiram em rápida sucessão no fio negativo, mas depois de um tempo percebi que a ação diminuiu: a nuvem branca estava dificilmente perceptí-vel no fio, apesar da parte inferior da solução ser perfei-tamente opaca e as bolhas quase cessarem. Pensei que a ação da bateria estava esgotada, mas na filosofia natural não admitimos suposições e, portanto, para provar se a bateria estava inerte, ou se algum princípio na água foi esgotado, substituí uma nova porção de água pela que havia sido galvanizada. A ação iniciou novamente, e continuou como no início. O branco apareceu novamen-te, e as bolhas subiram como antes, mas depois de um tempo cessou, como no primeiro caso. (Michael Faraday In JONES, 1870 p.20)

Analisando essa sequência da carta, observa-se que Faraday re-petiu o experimento de decomposição da água observando a formação de bolhas no polo negativo de sua pilha. Não se satisfez com apenas um procedimento e o repetiu, observando o mesmo fenômeno nas duas amostras de água.

Na segunda carta que Faraday escreveu a seu amigo, Abbott, datada de 20 de Julho de 1812, destaca-se o seguinte trecho no qual Faraday expõe sua ideia de ciência que deve ser observadora, independendo de se tratar de fatos aparentemente comuns e sem im-portância. Ele ainda tinha consciência que muitos desses fatos talvez viessem a ser negligenciados por serem, em um primeiro momento, comuns e desinteressantes.

Estava esta manhã atraído por uma circunstância insigni-ficante por notar os movimentos peculiares de cânfora na água. Eu não deveria ter mencionado essa circunstância simples, mas pensei que o efeito era devido à eletricidade, e considerei que se você estivesse familiarizado com o fenômeno, você notaria. Eu também concebo que uma ciência pode ser ilustrada por ações minuciosas e efeitos, quase tanto quanto por mais evidentes e óbvios. Os fatos são abundantes, mas não sabemos como classificá-los; muitos são negligenciados, pois parecem desinteressan-tes, mas lembre-se que o que levou Newton a perseguir e descobrir a lei da Gravidade e, finalmente, as leis pelas

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quais os mundos giram, foi a queda de uma maçã. (Mi-chael Faraday In JONES, 1870 p.25)

Na terceira carta que Faraday escreve a Abbott, datada de 11 de Agosto de 1812, ele retrata sua concordância com alguns pensamentos de Thomas Thomson (1773-1852) em relação à Química quando o mes-mo afirmou que esta é “a ciência que trata dos eventos ou alterações dos corpos naturais que consistem em movimentos insensíveis”. (THOM-SON, 1818, p.2) No entanto, Faraday se mostra relutante e acredita que uma investigação sobre essas ideias seria importante para a Química e a eletricidade, relatando o fato dos metais ao serem atritados, exalarem odores específicos, principalmente o estanho.

Esqueci-me de consultar no local apropriado, mas acho que uma investigação sobre isso seria importante para a ciência química, e talvez para a eletricidade. Vários metais, quando esfregados, emitem cheiro peculiar, mais particularmente o estanho. Os odores geralmente são causados por partículas do corpo que são exalados e se isso for um fato verdadeiro, introduz ao nosso questiona-mento uma propriedade muito volátil desses metais. Mas eu suspeito que seus estados elétricos estejam envolvidos. Temos então uma ação desse fluido que raramente é no-tada, e deve exigir uma análise antes da conclusão desses fonômenos. (Michael Faraday In JONES, 1870 p.29)

Na quinta carta de Faraday destinada a Abbott, escrita em 9 de Setembro de 1812, foram discutidas algumas teorias de decomposição de ácidos que haviam sido estudadas por Antoine Laurent-Lavoisier (1743-1794) e seus seguidores. No entanto, Humphry Davy estava contradizendo algumas dessas teorias e Faraday faz um relato de parte dessas ideias defendidas pelo seu mentor.

Entre outras experiências, Sr. H. Davy aqueceu ácido muriático gasoso seco em contato com o peróxido de manganês, também muito seco. A água foi rapidamente formada e o gás de cloro foi liberado. Como você explica esta? Conheço bem a sua teoria, mas você não pode con-siderá-la para a produção da água. Na verdade, o ácido muriático foi decomposto, o hidrogênio uniu-se ao oxigê-

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nio do óxido formando água, o cloreto permaneceu livre. Eu deveria ter observado que o óxido preto foi reduzido ao óxido marrom de manganês. (Michael Faraday, In JONES, 1870, p.38)

A sexta carta foi escrita em 20 de Setembro de 1812 e a sétima, em 28 de Setembro do mesmo ano na qual Faraday descreve ter ficado contente por Abbott ter sido capaz de dividir o fluido elétrico entre meios condutores e não condutores através de um disjuntor.

Fiquei muito satisfeito em observar que arquitetou cla-ramente o curso do fluido elétrico. Você conseguiu um meio de ilustrar as diferenças entre um condutor e um não condutor. Se o meio interposto fosse um condutor, a eletricidade teria passado por ele e não seria dividida. Através deste condutor variável e disjuntado, foi dividida com eficiência a resistência da eletricidade, seja pela afini-dade com o condutor ou a própria repulsão, ou pela ação conjunta dessas forças, seria bom verificar a influência de cada um deles nesse efeito. (Michael Faraday In JONES, 1870, p. 43)

A oitava carta que Faraday escreveu a seu amigo é datada de 1 de Outubro de 1812 e foi a última carta antes dele encerrar seu trabalho como encadernador na livraria do Sr. Riebau. Nessa correspondência ele relata a capacidade de Abbott entender seus questionamentos e acrescentar outros, além de lhe parabenizar por seguir o ramo da eletricidade reconhecendo que ainda teria certas dificuldades sobre o assunto. Faraday também diz ao amigo que seu tempo ficará escasso, devido ao fato de iniciar algumas viagens.

Felicito-o pela rapidez com o qual você observa novas aparências. Congratulo–o pela sua determinação em de-dicar-se ao assunto da eletricidade, e não tenho dúvidas de que eu vou ter algumas cartas muito interessantes sobre o assunto. Certamente, desejo (e farei se possível) estar presente no desempenho das experiências, mas você sabe que eu devo entrar em breve no horário de um viajante e acredito que o tempo será mais escasso. (Michael Faraday In JONES, 1870, p.45)

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Em 8 de Outubro de 1812 Michael Faraday realizou uma via-gem com Henri De La Roche (s/d) que também possuía uma livraria em Londres buscando ampliar sua prática como encadernador. Con-tinuou no ofício até início de 1813 quando iniciou seus trabalhos com Davy na Royal Institution.

A partir deste momento Faraday enxerga a grande capacidade científica que Davy possuía, iniciando os trabalhos de elaboração e aperfeiçoamento da “Lâmpada de Davy4” que adquiriu grande re-percussão em toda a Europa. Faraday organizava os equipamentos e reagentes de Davy, transcrevia cuidadosa e caprichosamente suas ano-tações, além de auxiliá-lo nos experimentos. Faraday, que ao contrário de Davy, era muito organizado, ficou conhecido futuramente por sua metodologia de trabalho extremamente meticulosa pela organização de seus laboratórios e por suas palestras muito bem estruturadas. (JONES, 1870)

A Elucidação das Leis Eletroquímicas

Durante o período em que Faraday investigava as relações da decomposição eletroquímica, ele observou alguns efeitos e os atribuiu a uma lei geral de condução elétrica que era desconhecida até então. Ele trabalhou com soluções congeladas que são mais adequadas para se observar a falta de condutividade, pois quando eram interpostas com soluções líquidas, impediam a transmissão da eletricidade e, assim, a decomposição nessas soluções cessava. Inicialmente, Faraday utilizou gelo comum durante o rigoroso inverno do final de Janeiro de 1833, mas não obteve bons resultados devido a algumas imperfeições desses arranjos de células voltaicas.

O estudioso adotou, então, uma forma mais elaborada do expe-rimento quando utilizou vasos de estanho interligados com fios de cobre

4 A chamada “Lâmpada de Davy” foi concebida com o objetivo de ser utilizada em ambientes nos quais a atmosfera era inflamável, como em minas, onde se podem encontrar altas concentrações do chamado gás grisu, que era uma mistura de metano com oxigênio. O equipamento consistia em uma lâmpada de pavio curto que era envolta em uma malha metálica com furos tão pequenos capazes de permitir somente a passagem de oxigênio para a combustão. Pelo fato de ser metálica, esta malha dissipava o calor, impossibilitando que os gases presentes na atmosfera atingissem a temperatura de ignição. Funcionava também como um detector da presença dessa mistura explosiva, pois nesta situação, a chama mudava de aspecto. (PARIS, 1831)

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que eram conectados a uma pilha voltaica. Nesses recipientes Faraday introduziu eletrodos de platina devidamente isolados para que não entrassem em contato com as paredes metálicas dos vasos. A utilização de água destilada que era congelada e que ocupava os espaços entre as paredes de estanho e os eletrodos de platina completavam o experimento. Além de todo esse aparato, Faraday incluiu no circuito um galvanômetro, o qual não detectou nenhuma alteração de corrente no sistema, mesmo se utilizando uma bateria altamente carregada. (FARADAY, 1849)

Ao efetuar o processo de descongelamento da água através de aquecimento dos vasos de estanho, Faraday não observou inicialmente nenhuma alteração de suas medidas, mas quando o eletrodo de platina tocou a parte liquefeita do gelo foi observada uma deflexão de 70° no galvanômetro. Esses experimentos ilustravam de forma clara a não condutividade do gelo mesmo quando ele testava as partes de gelo com pequenas espessuras. Quando eram descongeladas, essas pelícu-las, como Faraday as intitulou, permitiam a condução da eletricidade. Esses experimentos foram repetidos por diversas vezes e ele chegou a utilizar cento e cinquenta pares carregados e nenhuma eletricidade passou pela barreira de gelo. (FARADAY, 1849)

Prosseguindo com seus questionamentos, Faraday estendeu suas pesquisas a outras substâncias que eram sólidas em temperatura ambiente, mas passíveis de serem facilmente fundidas, constatando que o efeito de perda de condutividade no estado sólido não era restri-to à água. Trabalhou, primeiramente, com cloreto de chumbo líquido conectado com os polos de uma bateria e observou a decomposição dessa substância, assim como uma medida feita pelo galvanômetro. Após deixar o cloreto de chumbo retornar ao estado sólido, Faraday observou uma interrupção nos efeitos observados e ao fundi-lo nova-mente, a eletricidade tornou a passar pelo circuito. Esses experimentos foram replicados com cloreto de prata, com cloreto de sódio e potás-sio, com sulfato de sódio e com carbonatos de sódio e potássio, e ele captou os mesmos resultados: que esses compostos em estado líquido permitiam a passagem da eletricidade e quando sólidos, se tornavam isolantes. Além desse fenômeno de condução elétrica, ele observou que sempre ocorria a decomposição das substâncias testadas, relatando a deposição de metais nos polos negativos. (FARADAY, 1849)

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Figura 1. Ilustração de um aparato experimental utilizado por Faraday para se veri-ficar a condução de eletricidade em substâncias fundidas.Fonte: FARADAY, 1849

Michael Faraday enumera diversas substâncias, em sua maio-ria, consideradas de diferentes classes químicas que estariam passí-veis de sofrer ação da corrente elétrica. Ele confirmou que inúmeros compostos conduzem correntes elétricas, tais como a água, os óxidos de potassa, os cloretos de potássio, de sódio, de bário, de estrôncio, de cálcio e outros. Os iodetos de potássio, de zinco e de chumbo, o fluoreto de potássio, o cianeto e sulfocianeto de potássio.

Verificou também a ação eletroquímica no clorato e nitrato de potassa. Nos fosfatos de potassa, de soda, de chumbo, de cobre, no vidro fosfórico ou fosfato de cal ácido, nos carbonatos de potassa e soda, juntamente e separadamente no bórax, no borato de chumbo, no sulfeto de antimônio e de potássio além de silicatos e um composto chamado “Camaleão mineral”5. (FARADAY, 1849, p.115)

Esse fenômeno de condução elétrica, através de substâncias, ainda não havia sido pesquisado, no entanto, conseguiu ressaltar que todos os compostos que conduziam eletricidade tinham elementos

5 A substância denominada “camaleão mineral” consiste no permanganato de potássio KMnO4. Tinha essa nomenclatura devido aos diversos números de oxidação possíveis para o manganês que conferiam as soluções diferentes cores. Tais como o violeta do KMnO4, o verde do K2MnO4 além do marrom claro do MnO2.

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que se direcionavam contrariamente para os polos e sofriam decom-posição. Faraday observou que à medida que um sólido se fundia, perdia a capacidade de conduzir calor, mas ganhava a habilidade de conduzir eletricidade, além de confirmar a influência da quantidade de eletricidade fornecida a um sistema e sua consequente decomposição proporcional. (FARADAY, 1849)

Com o uso da eletricidade gerada por uma máquina elétrica foi observada uma capacidade de decomposição muito mais rápida do que quando se utilizava uma bateria voltaica. Ele observou que a utilização de apenas um fio condutor ligado à máquina elétrica era capaz de promover a decomposição, desde que um dos polos estivesse aterrado, independentemente de ser o polo negativo ou o positivo que estivesse ligado à máquina, isso ocasionava uma alteração no sentido da corrente elétrica. (FARADAY, 1849)

Dessa forma, a água era apenas uma das mais variadas subs-tâncias, se mostrando uma das piores em relação à capacidade de con-dução e decomposição. Na verdade, sua vasta utilização era devido à facilidade de obtenção e por apresentar-se em um estado líquido à temperatura ambiente. Foram testadas diversas substâncias com o objetivo de se verificar a capacidade de decomposição e transmissão de eletricidade. Pode-se citar o cloreto de potássio, o carbonato de potássio, o cloreto de chumbo, o sulfato de sódio dentre outras.

De acordo com Faraday, o que pode ser considerado a parte central da eletroquímica é a decomposição, sendo a separação da substância passível de ser decomposta, assim, o ponto final da sua pesquisa. Quando o composto entrava em contato com os polos de uma pilha ocorria essa decomposição, sendo os elementos metálicos, depositados nesses polos. Dessa forma, Faraday determinava os ele-mentos constituintes de suas amostras. Para verificar a ação química da eletricidade, ele imergia fios nas soluções e observava a medição da agulha de um galvanômetro que se mantinha estática, caracterizando uma corrente constante. (FARADAY, 1849, p. 135)

Em 1806, Freiherr Christian Johann Dietrich Theodor von Grotthuss (1785-1822), físico e químico alemão nascido em Leipzig, já havia proposto a primeira teoria da eletrólise6, além de outros

6 Estes estudos consistiam na passagem de corrente elétrica através de soluções. Grotthuss

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estudos sobre decomposição de líquidos por eletricidade voltaica. Faraday reconhecia os estudos de Grotthuss e chegou a relatar parte dos estudos desse cientista no primeiro volume de seu Experimental Researches in Electricity.

Grotthuss, no ano de 1805, escreveu expressamente a respeito da decomposição de líquidos pela eletricidade voltaica. Ele considerava a pilha uma espécie de imã elétrico, que tinha a capacidade de atrair e repelir. Con-sequentemente os polos de uma pilha poderiam atrair os elementos de uma partícula de água, por exemplo, estando sujeita a essa força de atração e repulsão, agindo em direções contrárias. Nos polos, quando separados, os elementos constituintes da água se tornavam gases. (FARADAY, 1849, p 136)

Figura 2. Experimento de Faraday utilizando soluções diferentes na mesma célula eletroquímicaFonte: FARADAY, 1849

Um recipiente de vidro com medidas aproximadas de 4 po-legadas (10,16cm) de altura e 4 polegadas de diâmetro dividido por

defendeu a ideia da migração de íons de cargas opostas em direção aos polos opostos.

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um anteparo de mica “a”, impermeável, com uma polegada e meia de altura (3,81cm). No lado direito era inserida uma placa de platina “b” (ligada ao polo positivo de uma bateria) até o fundo desse recipiente, o qual era preenchido cuidadosamente com solução de sulfato de magnésio. Uma placa de vidro impedia que essa solução preenchesse a porção esquerda do recipiente que havia sido dividido com o ante-paro de mica. Nesta parte do recipiente foi adicionada água destilada, ocupando o espaço das marcações “c” e “d” e posteriormente inserida uma segunda placa de platina “e” (ligada ao polo negativo da bateria), quase que horizontalmente, estando em contato somente com a água destilada. (FARADAY, 1849)

Faraday observou a ocorrência de decomposição, em ambas as placas de platina, mas do lado da água a intensidade da decomposição foi menor quando comparada a utilização de uma solução uniforme. Passado alguns instantes do experimento houve a formação de mag-nésio, mas não no polo de platina e, sim, sob o plano “c” no qual as duas soluções se encontravam. Devido à formação de bolhas de hidro-gênio no polo negativo e a consequente agitação da água destilada, as partículas de magnésio foram atraídas para a parte inferior do polo negativo. Ao finalizar o experimento, Faraday retirou os eletrodos de platina do meio e medindo a acidez e alcalinidade dos líquidos de am-bos, encontrou um meio ácido no polo positivo que estava em contato direto com a solução de sulfato de magnésio. (FARADAY, 1849)

Acreditamos que Faraday buscou compreender, através desse experimento, a força atrativa que os polos exerciam nas espécies me-tálicas envolvidas em um processo de decomposição, mas limitando a distância de atuação do polo negativo sobre a solução de sulfato. Em sua obra ele cita Grotthuss quando este descreve os polos exercendo forças atrativas e repulsivas, sendo que essas forças variavam inversa-mente aos quadrados das distâncias. (FARADAY, 1849, p. 142)

Faraday amplia seu campo de pesquisa quando começa a rela-cionar a quantidade de eletricidade fornecida ao sistema e a quantida-de de matéria decomposta independente da sua constituição, podendo ser água, soluções salinas, ácidos ou substâncias fundidas. A ideia da atração dos polos ser a causa da decomposição eletroquímica não era totalmente sustentada por Faraday, o qual defendia que a decomposi-

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ção era causada por essa atração, mas devia ser considerada a quan-tidade de eletricidade fornecida, além da força de atração dos polos serem maior do que a atração mútua entre as espécies formadoras das substâncias. (FARADAY, 1849, p. 145)

A decomposição eletroquímica era dependente da corrente aplicada ao sistema qualquer que fosse a fonte dessa eletricidade, e Fa-raday prossegue nos experimentos mostrando que a decomposição era proporcional a quantidade de eletricidade fornecida. (FARADAY, 1849)

A compreensão da ação eletroquímica por Faraday o levou a conclusões sólidas que culminaram nas chamadas “Leis da Eletroquí-mica de Faraday”. Podemos enumerar alguns postulados assimilados por ele no final de suas pesquisas. (FARADAY, 1849, p. 156-159)

I. Os compostos químicos podem ser distribuídos em duas gran-des classes: os passíveis de sofrer decomposição e aqueles não dissociáveis (os que sofriam decomposição foram chamados de eletrólitos);

II. As espécies decompostas foram chamadas de íons. Cátions e Ânions7, em menção a cátodo e ânodo;

III. A valência desses íons se encontra diretamente relacionada com a proporção em que sofrem decomposição;

IV. Uma decomposição nem sempre levará aos elementos consti-tuintes da substância;

V. A constituição dos eletrodos utilizados na decomposição não in-terfere diretamente na capacidade de separação das substâncias, desde que sejam condutores. No entanto, podem interferir no tipo de íons formados no meio;

VI. Dependendo da constituição química do eletrodo, este poderá se combinar com o íon direcionado a ele;

VII. O equivalente eletroquímico de um elemento é constante, inde-pendendo de qual substância está sendo separada.

Os elementos podiam ser determinados diretamente pelos seus íons, tais como o oxigênio, o hidrogênio, o chumbo e o estanho ou atra-

7 Essa nomenclatura foi cunhada juntamente com o auxílio de William Whewell (1794-1866), em 1834.

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vés de deduções, conhecendo-se outros íons envolvidos no processo e seus equivalentes. (FARADAY, 1849)

Outra conclusão importante que Faraday obteve foi que, inde-pendente das espécies ligadas entre si, um determinado elemento pos-sui sempre o mesmo equivalente eletroquímico1. (FARADAY, 1849)

A primeira lei de Faraday elucida que a massa depositada em um eletrodo é diretamente proporcional a quantidade de eletricidade que passa pelo eletrólito. Já a segunda lei esclarece que uma mesma quantidade de eletricidade, ao passar por diferentes eletrólitos, causa a decomposição e eletrodeposição de espécies químicas nos eletrodos e as massas dessas espécies, são diretamente proporcionais a seus equivalentes eletroquímicos.

A ideia central deste capítulo foi ilustrar como ocorre a constru-ção de uma teoria, destoando do senso comum em que cientistas são taxados como pessoas dotadas de um conhecimento grandioso, o que não é verdadeiro, pois as teorias são construídas ao longo de anos, com muita dedicação e empenho dessas pessoas.

Referências Bibliográficas

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GROTTHUSS, T. Sur la décomposition de l’eau et des corps qu’elle tient en dissolution à l’aide de l’électricité galvanique. Annales de Chimie, v. 58, p. 54-73, 1806.

HAMILTON, J. A Life of Discovery: Michael Faraday, giant of the scientific revolution. Nova York: Randon House, 2002. 496p.

1 O equivalente eletroquímico de uma substância pode ser definido como a massa depositada quando uma corrente de um ampere atravessa a solução pelo tempo de um segundo. (1 A.s ou 1 Coulomb). Agora se sabe que ao passar aproximadamente 96.500 Coulombs através de uma solução, um equivalente-grama de qualquer íon é liberado. O termo equivalente-grama tornou-se obsoleto entre 1959-60 quando a IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry) unificou a unidade de massa atômica e a CIPM (Comité international des poids et mesures) definiu o mol em 1967-69. Retomando aos experimentos de Faraday, essa quantidade de carga, depositaria no eletrodo negativo, por exemplo, um mol de um íon de um metal monovalente, ou meio mol de um íon divalente, ou 1/3 de mol de um íon trivalente.

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PINTO, M. F. Da Eletricidade nos Séculos XVII e XVIII às Leis Eletroquímicas de Michael Faraday. Dissertação. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2018. 84p.

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THOMSON. T. A System of Chemistry in Four Volumes. v. 1, Londres: Baldwin, Cradock and Joy, 1818. 470p.

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Índice remissivo

AAprendizagem Significativa 8, 71, 72, 181

Bbalanceamento de reações 8, 86, 87, 90, 93, 96

Ccarta 75, 81, 114, 154, 163, 164, 165, 166, 167Cartões 8coloidal 8, 149, 150, 151, 157, 159, 160conhecimento científico 18, 23, 54, 57, 76, 77, 79, 115

DDNA 9, 136, 137, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148

EEducação Inclusiva 6, 16, 17, 18, 23, 97Educação Intercultural 9, 14, 16, 22, 23eletroquímica 151, 168, 170, 171, 172, 173, 174Ensino de Química 6, 8, 18, 72, 84, 87, 110, 181escola Montessori 8, 51, 57estudos de gênero 125, 129experiência piloto 37, 42, 45

Jjogo didático 78, 79

Lliebig 8

MMarie Curie 8, 73, 74, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85matéria magnética 149, 151, 152, 154, 156, 159

Qquestão animal 26, 27, 30, 32, 35, 37, 38, 45, 46Questionário 39

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RRosalind Franklin 136, 137, 138, 140, 141, 146, 147

Ssegregação feminina 131semiótica 98, 104, 108, 109, 110

UUnidades de Ensino Potencialmente Significativas 60

VVeganismo 9, 35, 46

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Sobre os organizadores

Ivoni Freitas-Reis

Docente do Departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora. Possui Graduação em Química - Licenciatura e Bacha-relado pela UFV, Mestrado e Doutorado em História da Ciência pela PUC- SP. Linhas principais de Pesquisa: História da Ciência, Química e Inclusão de Surdos e Metodologias de Ensino.

Karine Gabrielle Fernandes

Licenciada em Química e mestra em Educação, é doutoranda em Quí-mica na área de concentração Educação em Química pela Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF.

Ingrid Nunes Derossi

Doutorado em Educação Química com ênfase em História da Ciência e Ensino, professora na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, atua nas áreas de História da Ciência, Gênero e Teatro e Educação.

Sobre os autores

Ana Caroline Ferrari

Licencianda em Química na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC- Blumenau).

Beatriz Gatti de Castro

Graduada em Licenciatura em Química pela Universidade Federal Fluminense. Mestranda em Educação em Química pela Universidade Federal de Juiz de Fora na linha de pesquisa História da Química.

Fernanda Luiza de Faria

Docente do quadro permanente da Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Blumenau. Possui graduação em Química (Licen-

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ciatura e Bacharelado) pela Universidade Federal de Viçosa Mestrado e Doutorado em Química, área de concentração em Educação Química pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Gabriele Smanhotto Malvessi

Mestranda do Programa de Pós-graduação em Nanociência, Processos e Materiais Avançados (PPGNPMat) da Universidade Federal de Santa Catarina, campus Blumenau. Possui graduação em Química Licencia-tura pela Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Blumenau.

Giovana Mendonça De Medeiros

Mestranda em Química, na área de Educação em Química pela Uni-versidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Licenciada em Química pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente faz parte do Núcleo de Estudos em História da Ciência e do Grupo de Estudos em Educação Química, ambos da UFJF.

João Batista Alves do Reis

Graduado em Licenciatura em Ciências e Física pela FUNEC. Doutor e Mestre em História da Ciências pela PUC-SP. Professor do Centro Universitário de Caratinga. Principais Linhas de Pesquisa: Saneamento Ambiental e História da Ciência e Ensino. E-mail: jreisfí[email protected].

Jomara Mendes Fernandes

Docente do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia. Ob-teve os títulos de Doutora, Mestra e Graduada em Química-Licenciatura e de Bacharel Interdisciplinar em Ciências Exatas e da Natureza pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Libras e Educação de Surdos pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR).

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Leonardo Lessa Pacheco

Licenciado em Química pela Universidade Federal de Viçosa. Mestre em Química pela Universidade Federal de Juiz de Fora e doutorando em Química na área de concentração em Educação Química e subárea História da Ciência pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Lúcia Maria de Assis

Doutora em Linguística (USP), Mestra em Linguística Aplicada (UNITAU), graduada em Pedagogia e Letras (UGB/FERP). Professora Associada na UFF onde ministra disciplinas pedagógicas no curso de Licenciatura em Química e desenvolve pesquisas com ênfase em Aprendizagem Significativa no Ensino de Química.

Marcelo Fonseca Pinto

Graduado em Licenciatura em Química pela UFJF. Mestre em Educa-ção Química na linha de História da Ciência e Ensino pelo Programa de Pós-graduação em Química da Universidade Federal de Juiz de Fora. Professor da Educação Básica. E-mail: [email protected].

Raiane Dandara Pereira Pimentel

Graduada em Licenciatura em Química pela Universidade Federal Fluminense. Mestra em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro na linha de pesquisa de História da Química. Professora de Química e Ciências na educação básica. Foi professora substituta no Instituto de Ciências Exatas, UFF campus Volta Redonda.

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