Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense
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Faculdade de Teologia Batista Betel Curso de Bacharelado em Teologia
Ruy Cavalcante de Oliveira Sobrinho
Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense.
Rio Branco
xxxx
Faculdade de Teologia Batista Betel
Ruy Cavalcante de Oliveira Sobrinho
Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense.
Monografia apresentada à Faculdade de Teologia Batista Betel, como exigência final para obtenção do título de Bacharel em Teologia. Orientador: Francisco Albino de Souza.
Rio Branco
xxxx
Ruy Cavalcante de Oliveira Sobrinho
Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na sociedade rio-branquense.
Trabalho de Monografia apresentado à Faculdade de Teologia Batista Betel - FTBB, em
cumprimento às exigências para obtenção do grau de Bacharel em Teologia.
Data de aprovação: ____/____/________
Nota: ____________
BANCA EXAMINADORA
...................................................................
Francisco Albino de Souza Doutor (Orientador)
................................................................... Elizeu da Costa Melo
Doutor
................................................................... Joália Pereira da Costa
Doutora
RESUMO
A monografia versa sobre a chegada do movimento neopentecostal à capital
acriana, com suas consequências diretas e indiretas no âmbito litúrgico e nos
sistemas doutrinários das igrejas adeptas, além do impacto ocasionado dentro da
sociedade rio-branquense. Tem como objetivo principal mostrar que este movimento
é um dos principais responsáveis pelo crescimento da igreja evangélica em Rio
Branco, o que poderia ser proveitoso para a sociedade, não fossem as negativas
transformações que ocasionou no senso comum social e no caráter cristão daqueles
que atendem ao seu apelo doutrinário. Busca-se através de pesquisas sociais e
entrevistas, demonstrar o impacto que esse crescimento eclesiástico tem causado
na sociedade, sejam eles proveitosos ou destrutivos. Além disso, este trabalho
realiza uma revisão bibliográfica, a fim de identificar as raízes do movimento
neopentecostal, suas bases doutrinárias, realizando uma apologética cristã prática,
tendo a bíblia como principal, embora não única, coluna de sustentação.
Palavras-chave: Neopentecostalismo; Rio Branco; crescimento da igreja; impacto
social; consequências; sistema doutrinário; e cristianismo.
RESUMEN
La monografía trata de la llegada del movimiento neo-pentecostal en la capital de
Acre, con sus consecuencias directas e indirectas sobre la liturgia y los sistemas
doctrinales de las iglesias adeptos, y el impacto causado en la sociedad rio-
branquense. Su objetivo principal es mostrar que este movimiento es un importante
contribuyente al crecimiento de la iglesia evangélica en Rio Branco, que podría ser
útil a la sociedad, si no fuera por los cambios negativos que resultaron en el sentido
social y común en el carácter cristiano de los que sirven su recurso de casación
doctrinal. Buscar en sí mismo através de encuestas sociales y entrevistas para
demostrar el impacto que este crecimiento ha hecho en la iglesia y en la sociedad,
ya sea beneficioso o destructivo. Por otra parte, este trabajo se revisa la literatura
con el fin de identificar las raíces del movimiento pentecostal, su base doctrinal,
realizando una práctica cristiana apologética, tomando la Biblia como la principal,
aunque no único, columna de soporte.
Palavras-chave: El neo-pentecostalismo; Rio Branco; crecimiento de la iglesia; el
impacto social; las consecuencias; sistema doctrinal; y el cristianismo.
LISTA DE SIGLAS
JFA-RC Tradução de João Ferreira de Almeida - Revista e Corrigida
JFA-RA Tradução de João Ferreira de Almeida - Revista e Atualizada
NVI Nova Versão Internacional
IURD Igreja Universal do Reino de Deus
NP Neopentecostal, neopentecostais, neopentecostalismo
MIR Ministério Internacional da Restauração
IMPD Igreja Mundial do Poder de Deus
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8
2 – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS ........................................................ 11
2.1 - VISÃO GERAL SOBRE AVIVAMENTO ............................................................................... 12
2.2 – O PENTECOSTALISMO................................................................................................. 16
2.2.1 – Origem do pentecostalismo ............................................................................... 16
2.2.2 – Chegada do pentecostalismo ao Brasil e seu estabelecimento ......................... 18
2.3 – CONFISSÃO POSITIVA E A CIÊNCIA CRISTÃ .................................................................... 20
2.3.1 – Kenneth Erwin Hagin e a Confissão Positiva ..................................................... 22
2.4 – A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE ................................................................................. 24
2.5 – A CHEGADA DO NEOPENTECOSTALISMO AO BRASIL ...................................................... 26
2.5.1 – Rio Branco seguindo a onda nacional ............................................................... 27
3 – AS CONSEQUÊNCIAS DO NEOPENTECOSTALISMO ............................................... 30
3.1 – MUDANÇA DE PARADIGMAS ......................................................................................... 31
3.1.1 – O abandono progressivo da ortodoxia ............................................................... 32
3.1.2 – O pragmatismo .................................................................................................. 35
3.1.3 – O sincretismo..................................................................................................... 36
3.1.4 – Governos monárquicos ...................................................................................... 39
3.1.5 – O Triunfalismo ................................................................................................... 41
3.1.6 – Ênfase nas experiências .................................................................................... 43
4 – O CRESCIMENTO DA IGREJA E SEU IMPACTO SOCIAL EM RIO BRANCO ........... 46
4.1 – A PROSPERIDADE TEM ALCANÇADO A COMUNIDADE EVANGÉLICA? ................................ 49
4.2 – O CRESCIMENTO DA IGREJA EVANGÉLICA TEM GERADO IMPACTO POSITIVO E SÓLIDO NA
SOCIEDADE RIO-BRANQUENSE? ........................................................................................... 51
5 – CONCLUSÃO ................................................................................................................ 57
6 – REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 59
1 – INTRODUÇÃO
Tenho consciência que tratar do assunto “Neopentecostalismo” constitui-se
hoje numa espécie de tabu cristão, algo que, quando feito, dá-se de forma velada, o
que em si mesmo já deveria ser motivo para amplos debates sobre o assunto, dada
a necessidade de transparência no que tange a fé cristã.
Infelizmente a realidade se apresenta de outra forma. Há pouco ou quase
nenhum debate referente a este fenômeno chamado neopentecostalismo, mas sabe-
se que ele tem sido responsável, juntamente com suas ramificações, por um
crescimento explosivo da população evangélica brasileira (e porque não mundial),
em proporções jamais vistas.
Da mesma maneira que, no início do século passado, a primeira onda
pentecostal1 causou mudanças impressionantes e definitivas na estrutura evangélica
brasileira, o neopentecostalismo, também conhecido como a “terceira onda
pentecostal”, tem introduzido, especialmente na última década, alterações
constantes no movimento evangélico nacional, o que pode ser visto claramente em
nossa sociedade rio-branquense2.
Estas mudanças partem desde os sistemas de governo eclesiásticos,
passando pelas estratégias proselitistas e até mesmo pelas bases de fé e conduta, o
que notoriamente tem afastado algumas igrejas da ortodoxia3 cristã e modificado o
padrão comportamental até mesmo dentro de denominações históricas.
1 A primeira onda pentecostal, também chamada Pentecostalismo Clássico, abrangeu o período de 1910
a 1950 e iniciou-se com sua implantação no país, decorrente da fundação da Congregação Cristã no Brasil e da Assembléias de Deus até sua difusão pelo território nacional (FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro: Nem anjos nem demônios, Petrópolis: Vozes, 1996).
2 Natural de Rio Branco, Acre.
3 Entende-se por Ortodoxia cristã a fidelidade e exatidão doutrinária quanto ao texto bíblico, ou ainda os padrões
doutrinários oficiais, ou vigentes, da teologia cristã.
Fruto histórico da confissão positiva4, a corrente neopentecostal encontra
terreno amplo de atuação no Brasil, uma vez que somos uma nação historicamente
colonizada por povos místicos, cujas crenças sempre se apegaram ferozmente as
coisas sobrenaturais.
O presente trabalho possui um objetivo modesto: identificar a influência dessa
vertente evangélica no âmbito da fé e praticas cristã, especificamente na
comunidade rio-branquense, uma vez que é inegável seu crescimento e
consequente transformação dos tradicionais sistemas religiosos outrora intocáveis.
Penso que esta pesquisa seja relevante para o auxílio que prestará aos
inúmeros estudantes de teologia, que se deparam diariamente com pensamentos
oriundos do neopentecostalismo, bem como para o esclarecimento das
comunidades cristãs, além de leigos em geral.
Esta pesquisa, de conteúdo essencialmente apologético5, procura responder
a seguinte questão controversa: Quais os benefícios e malefícios do pensamento
neopentecostal dentro do movimento evangélico e da sociedade rio branquense?
A partir desta questão central, decorrem: A comunhão cristã e o
assistencialismo evangélico aumentaram com o advento do neopentecostalismo?
Houve melhoria social como consequência direta do crescimento de denominações
neopentecostais?
Para isso serão primeiramente conceituadas as principais nomenclaturas
históricas, teológicas e doutrinárias relacionadas ao tema, seguidas de análises
bíblicas das fundamentais vertentes doutrinárias presentes no movimento
neopentecostal que, de forma direta ou velada, divergem da ortodoxia cristã,
combinadas com testemunhos de experiências de pessoas comuns, líderes e
crentes que de alguma forma se relacionam com o tema proposto.
O presente trabalho tentará ainda de forma ousada, dada a dificuldade de se
obter dados estatísticos polidos, estabelecer uma relação, mesmo que indireta, entre
o crescimento evangélico massivo, consequência indelével do neopentecostalismo,
com a situação social da cidade, uma vez que considera, dentro de uma
cosmovisão6 cristã, ser papel essencial da igreja aquilo que designa ‘missão
4 Ver mais no capítulo 2.3.
5 Apologética: Prática da explanação, demonstração (de ordem moral, científica, histórica, etc.) e defesa
sistematizada da fé cristã.
6 Tradução da palavra alemã weltanschauung, que significa ‘modo de olhar o mundo’ (welt - mundo, schauen -
olhar).
integral’7, de forma que sejam geradas mudanças sociais significativas no ambiente
onde a mesma encontra-se estabelecida.
Em outras palavras, o cristianismo, quando estabelecido dentro das normas
bíblicas, deve necessariamente causar um impacto positivo na sociedade onde ele
ocorre. Como bem disse Oscar Cullman8, o Reino de Deus “já e ainda não”9 foi
estabelecido completamente. Já, porque Cristo o inaugurou (Mateus 4:17) e enviou
o Seu Espírito Santo para, a partir da Igreja, atuar tanto nos corações quanto na
sociedade como um todo. Por outro lado, ainda não, pois só estará completo a partir
da segunda vinda de Jesus (Apocalipse 11:15).
Desta forma, estabeleceremos uma relação entre as influencias
neopentecostais no âmbito eclesiástico, considerando o aumento exponencial da
igreja, verificando se elas de fato estão causando uma transformação positiva na
sociedade rio branquense, uma vez que o Evangelho de Jesus Cristo é, como crê a
Igreja, transformador.
7 Missão integral é a nomenclatura que denota um entendimento mais amplo para a missão evangelística da
Igreja, compreendendo o homem desde a sua Criação e cuja mensagem de salvação parte do pressuposto de que o plano de Deus é salvar sua Criação inteira, uma vez que o ser humano não é constituído apenas de um espírito, antes é uma “alma vivente” (Gn 2:7). Considera ainda que “a redenção não é somente ser salvo do pecado, mas também ser salvo para algo – retomar a tarefa para a qual fomos originalmente criados” (PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo de Seu Cativeiro Cultural. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora CPAD, 2006, p. 51)
8 Oscar Cullmann (1902-1999), teólogo nascido em Estrasburgo, viveu na Basileia e foi hóspede em Roma,
durante os anos do Concílio Vaticano II.
9 CULLMANN, Oscar. Cristo e o Tempo: Tempo e História no Cristianismo Primitivo. Trad. Daniel Costa. São
Paulo: Custom, 2003. 296p.
2 – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS
Todos os grandes movimentos cristãos da história, sejam eles fruto de uma
semente genuinamente bíblica, cujos objetivos possuem bases no evangelho e
buscam um resgate de princípios divinos, como foi o caso da Reforma Protestante,
ou aqueles cujos valores humanos sobrepujam os bíblicos, culminando em divisões
e, em boa parte das vezes, heresias destruidoras, como aconteceu por exemplo com
as Cruzadas Cristãs ocorridas entre os séculos XI e XIII, todos eles, possuem algo
em comum: Não são frutos do acaso, não surgem instantaneamente após uma
reunião nem tampouco através de decretos, antes são movimentos que se
desenvolvem no decorrer de anos, sob diversas influencias políticas, religiosas,
científicas e/ou provenientes de outras necessidades humanas.
O movimento Neopentecostal também seguiu o mesmo roteiro, não podendo
ser, portanto, analisado isoladamente de outros acontecimentos históricos, de outras
influencias teológicas ou mesmo de questões científicas.
É consenso entre os estudiosos do movimento em pauta, mesmo entre
aqueles que o avaliam como um prejuízo ao cristianismo, que sua principal raiz
remonta ao movimento pentecostal. Entretanto, as modificações em relação a este
originam-se em diversas outras vertentes teológicas, em sua maioria oriundas do
evangelicalismo10 americano, bem como em outros elementos que recheiam suas
práticas e, de certa forma, modificam suas crenças.
Outra importante característica do movimento neopentecostal é a sua ênfase
na busca por avivamento. Este tema é presença constante nas pregações e nos
escritos de cristãos neopentecostais, o que torna necessário uma breve explanação
a respeito dos conceitos mais aceitos sobre o que seria, de fato, um avivamento.
10
Evangelicalismo, de evangélico, é um movimento teológico e missionário às margens protestantismo, não se
limitando a ele, que crê na necessidade de o indivíduo passar por uma experiência de conversão ("nascer de novo", "aceitar Jesus") e que adota a Bíblia como única base de fé e prática.
Posto isso, utilizaremos este capítulo para identificar os elementos essenciais
que juntos compõem a estrutura básica do neopentecostalismo brasileiro, refletido
em sua totalidade nas práticas neopentecostais da capital acriana.
2.1 - Visão geral sobre avivamento
A palavra “avivamento11” vem do verbo “avivar” e significa “dar vivacidade a,
tornar mais vivo, fazer reviver, renovar, ornar com vivos, excitar”. Apesar de,
algumas vezes, esta palavra tomar um sentido pejorativo, dada a quantidade de
falsos avivamentos proclamados nos últimos anos no âmbito das igrejas
evangélicas, é inegável a sua reincidência histórica, desde os tempos mais remotos
da religião judaica, até os anos posteriores ao anno domini12.
Algumas características essenciais qualificam os verdadeiros avivamentos,
dentre eles pode-se destacar o retorno aos princípios e leis cristãs, o
arrependimento coletivo (de uma nação, tribo, vila, etc.), e uma busca perseverante
pela santidade e pela prática do amor fraternal, respectivamente.
Infelizmente a visão sobre avivamento tem sido constantemente deturpada,
especialmente nos círculos mais carismáticos do cristianismo evangélico. Por vezes
atribuem ao crescimento da quantidade de evangélicos, às manifestações de dons
espirituais, ou mesmo aos ventos de doutrinas, os chamados modismos, o título de
avivamento. O Rev. Hernandes Dias Lopes, em seu livro Avivamento Urgente,
afirma que “uma igreja pode ter todos os dons sem ser uma igreja avivada. O que
caracteriza o avivamento não são os dons do Espírito e sim os frutos do Espírito”13.
Já o escritor cristão David A. Womack, afirma que:
11
"Avivamento", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2010, http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx?pal=avivamento [consultado em 16-06-2012].
12 Anno Domini (em Latim: "ano do Senhor"), também apresentado na sua forma abreviada como A.D. é uma
expressão utilizada para marcar os anos seguintes ao ano 1 do calendário mais comumente utilizado no Ocidente, designado como "Era Cristã" ou, ainda, como "Era Comum" (esta última designação é a preferida por quem tenta evitar referências religiosas). Em português, é usual utilizar a abreviatura "d.C." - ou seja, "depois de Cristo" para o mesmo efeito. (in Wikipédia, a Enciclopédia livre, 2012,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anno_Domini [consultado em 14-06-2012].
13 LOPES, Hernandes Dias. Avivamento Urgente: como buscar um avivamento autêntico e preparar o caminho
para a sua chegada. 4 ed. Venda Nova, Editora Betânia, 1994. p.32.
(...) avivamento é um estado espiritual no qual os crentes se chegam mais
perto de Deus, arrependem-se e purificam-se de acordo com os padrões
bíblicos de santidade, são cheios com o Espírito Santo, esperam e
experimentam manifestações sobrenaturais e cooperam juntos para
glorificar a Deus, identificar-se uns aos outros e evangelizar perdidos para
Cristo (TRASK, 1999, p. 243).
Nos capítulos 8, 9 e 10 de Neemias, lemos a descrição de um grande
avivamento ocorrido em Jerusalém, por volta do ano 445 (a.C), durante o período do
exílio persa. Na oportunidade, Neemias, que havia desistido de uma posição de
grande responsabilidade e de ótima remuneração, diante do rei persa Artaxerxes14,
retornou a Jerusalém a fim de reedificar o seus muros para novamente reunir os
judeus como uma nação.
Após a reconstrução e o retorno dos exilados, Neemias lê, diante do povo, a
Lei mosaica, o que gera um grande despertamento espiritual, seguido de um
arrependimento tal, que levou todo o povo a firmar uma aliança para que a nação
observasse continuamente a Lei.
(...) O restante do povo: sacerdotes, levitas, porteiros, cantores, servidores
do templo e todos os que se separaram dos povos vizinhos por amor à Lei
de Deus, juntamente com suas mulheres e com todos os seus filhos e filhas
que eram capazes de entender, agora se unem aos seus irmãos, os nobres,
e se obrigam sob maldição e sob juramento a seguir a Lei de Deus dada por
meio do servo de Deus Moisés e a obedecer fielmente a todos os
mandamentos, ordenanças e decretos do Senhor, o nosso Senhor
(Neemias 10:28-29, NVI).
Outra característica deste grande avivamento pelo qual passou o povo de
Israel é a forma como eles, além de desejarem o conhecimento da Lei do Senhor,
para pratica-la, também buscaram continuamente a santidade através da oração
perseverante e de arrependimento, conforme relatado no capitulo 9:
14
“Artaxerxes I” (? — 424 a.C.) foi um rei da Pérsia. Historiadores não chegam a acordo no que diz respeito ao ano em que Artaxerxes começou o seu reinado. Assim sendo, muitos têm apontado 465 a.C. como o ano da ascensão ao trono deste rei persa, uma vez que seu pai, Xerxes, que havia começado a reinar em 486 a.C., morreu no 21º ano do seu reinado.
Os que eram de ascendência israelita tinham se separado de todos os
estrangeiros. Levantaram-se nos seus lugares, confessaram seus pecados
e a maldade dos seus antepassados. Ficaram onde estavam e leram o Livro
da Lei do Senhor, do seu Deus, durante três horas, e passaram outras três
horas confessando e adorando o Senhor, o seu Deus. De pé, na plataforma,
estavam os levitas Jesua, Bani, Cadmiel, Sebanias, Buni, Serebias, Bani e
Quenani, que em alta voz clamavam ao Senhor, ao seu Deus (Neemias 9:2-
4, NVI).
Diversos outros15 avivamentos são citados na bíblia, especialmente no Antigo
Testamento, mas gostaríamos de destacar apenas mais um, ocorrido no reinado de
Josias16, rei de Judá.
Ao assumir o reino, Josias encontrou uma nação completamente envolvida
com a idolatria e iniciou, aos 20 anos de idade, uma reforma teológica entre a nação
(II Crônicas 34:3). Durante esta investida religiosa, ao reparar o Templo, um dos
sacerdotes encontra o livro da Lei (II Crônicas 34:14), que há muito estava perdido,
desde que o povo decidiu servir a outros deuses.
Ao tomar conhecimento, e tendo o escrivão Safã lido o livro em sua presença,
o rei Josias rasgou suas vestes17, e neste momento se inicia uma grande
restauração em Judá, a ponto de serem adiados os juízos que Deus já havia
determinado contra a nação idolatra.
Assim que o rei ouviu as palavras da Lei, rasgou suas vestes e deu estas
ordens a Hilquias, a Aicam, filho de Safã, a Abdom, filho de Mica, ao
secretário Safã e ao auxiliar real Asaías: "Vão consultar o Senhor por mim e
pelo remanescente de Israel e de Judá acerca do que está escrito neste
livro que foi encontrado. A ira do Senhor contra nós deve ser grande, pois
os nossos antepassados não obedeceram à palavra do Senhor e não
agiram de acordo com tudo o que está escrito neste livro" (II Crônicas
34:19-21, NVI).
(...) ‘Assim diz o Senhor, o Deus de Israel, acerca das palavras que você
ouviu: Já que o seu coração se abriu e você se humilhou diante de Deus
15
Outro exemplo clássico de avivamento bíblico ocorreu sob o reinado de Josafá (2Cr 17).
16 Josias (c. 639-609 a.C.), rei de Judá que assumiu o trono aos 8 anos de idade e morreu, em batalha, aos 39
anos. Aos 16 anos começou sua vida espiritual e aos 20 fez uma purificação geral em todo o reino de Judá.
17 A prática de rasgar as vestes, nas culturas orientais, mostrava emoções fortes, geralmente angústia, tristeza
ou remorso.
quando ouviu o que ele falou contra este lugar e contra os seus habitantes,
e você se humilhou diante de mim, rasgou as suas vestes e chorou na
minha presença, eu o ouvi, declara o Senhor. Portanto, eu o reunirei aos
seus antepassados, e você será sepultado em paz. Seus olhos não verão a
desgraça que trarei sobre este lugar e sobre seus habitantes’. Então eles
levaram a resposta ao rei (II Crônicas 34:26-28, NVI).
Outra vez, o avivamento se deu mediante arrependimento genuíno e um
retorno à Lei do Senhor. Desta forma é possível afirmar que os movimentos de
renovação espiritual sempre estão intimamente ligados tanto à oração, quanto ao
arrependimento e, de forma especial, ao estudo e prática das Escrituras. Portanto
não é autêntico um avivamento que esteja em desacordo com a Palavra de Deus, no
que tange seus aspectos teológicos e doutrinários, ou que não tenha nascido como
resultado da autoridade e diretriz bíblica.
O salmista nos traz um forte indício desta verdade ao indagar: “Como
purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a tua palavra” (Salmos
119:9, JFA-RC). E mais ainda quando afirma: “A minha alma está pegada ao pó;
vivifica-me segundo a tua palavra” (Salmos 119:25, JFA-RC, grifo nosso).
Foi justamente isso o que aconteceu com o maior avivamento espiritual da
era moderna de que se tem notícia, a Reforma Protestante. Como bem sabemos, o
movimento protestante do início do século XVI teve como ponto crucial18 as
reformulações doutrinárias realizadas por Martinho Lutero, onde este refutava as
heresias católicas e restabelecia os princípios bíblicos de fé e práticas cristãs. A
estas refutações deu-se o nome de “as 95 teses de Lutero”, e trouxe como evento
mais sintomático a afixação das mesmas na porta da igreja do castelo em
Winttenberg19, em 31 de outubro de 1517.
Embora haja divergências quanto a considerar a reforma protestante um
verdadeiro avivamento, é inegável a sua contribuição para o desenvolvimento do
cristianismo, e para a reafirmação da fé em Cristo como a única via de acesso a
Deus, contrariamente ao que ocorria com o cristianismo católico que, através de um
18
Patrick Collinson (1929-2011), historiador inglês, cita em seu livro “A Reforma” que reformadores como João Calvino e Tyndale tiveram papeis decisivos para que a reforma tomasse uma proporção mundial, além de reconhecer o que alguns historiadores chamam de “pré-reforma”, levada a cabo por vários teólogos e sacerdotes do fim do século XVI e inicio do XVI, que posteriormente foram acusados de heresia (COLLINSON, 2006, p 109).
19 “Wittenberg” é uma cidade da Alemanha, localizada no estado de Saxônia-Anhalt. Com uma população de 50
mil habitantes, a cidade guarda uma importância histórica religiosa como um dos cenários da Reforma Protestante. Foi na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg que Martinho Lutero pregou suas 95 teses.
domínio que extrapolava todas as diretrizes bíblicas para uma liderança cristã,
dominava nações inteiras e impedia o livro acesso dos crentes ao texto bíblico,
aferindo a si mesmo o poder e o caminho para se alcançar salvação.
2.2 – O pentecostalismo
Algumas pessoas consideram o neopentecostalismo apenas como uma
adaptação do pentecostalismo ou uma ramificação deste. Porém ao contrastar as
suas práticas e doutrinas, vemos um abismo de diferenças, o que não torna justo
considerar aquela apenas uma adequação desta.
Talvez a grande diferença entre ambas esteja em suas respectivas
cosmovisões referentes ao estabelecimento do Reino de Deus entre a Igreja.
Enquanto os pentecostais dão ênfase aos dons espirituais através do batismo no
Espírito Santo20, à santidade, aos usos e costumes e à palavra revelada nas
escrituras, os neopentecostais valorizam sobremaneira a experiência pessoal,
sensitiva e sobrenatural, buscando revelações diretas de Deus aos seus líderes,
curas milagrosas e intensa batalha espiritual entre forças do bem e do mal,
defendendo uma espécie de guerra entre as forças de Deus (céu) e as forças de
satanás (inferno). Além disso, enfatizam a prosperidade financeira como sinal de
fidelidade a Deus e são em geral mais flexíveis quanto à questão dos usos e
costumes.
Por outro lado, é inegável que a raiz neopentecostal é, de fato, o
pentecostalismo, pois é dele que surgem todos os grandes líderes que, em
determinado momento da história, lançaram as bases para o advento do
neopentecostalismo, ou como muitos preferem chamar, do “Movimento da fé21”.
2.2.1 – Origem do pentecostalismo
20
De acordo com a teologia pentecostal, Batismo no Espírito Santo é uma experiência cristã distinta, fundamentada na descrição do Pentecostes em Jerusalém, em (Atos 2:1-4). Os pentecostais enfatizam que ser "batizado no Espírito Santo" é ser imerso no Espírito Santo, fato esse posterior à experiência de conversão. Ou seja, ele é ao mesmo tempo distinto e posterior a salvação, que é em si uma obra definitiva do Espírito Santo.
21 Mais informações no capitulo 2.3.
Uma das primeiras experiências pentecostais ocorreu nos Estados Unidos e
foi reportado pelo jornal “Los Angeles Times” do dia 18 de abril de 1906
(MORIARTY, 1992, p. 21).
Este evento é conhecido como o “Avivamento da rua Azuza”, por ter ocorrido
numa reunião liderada por William Joseph Seymour22, num prédio que havia
pertencido à Igreja Metodista Episcopal Africana, localizado na rua azuza, em Los
Angeles, Califórnia, no dia 14 de abril de 1906.
O avivamento da rua Azuza se caracterizou por experiências de êxtase
espiritual, tendo o fenômeno da glossolália23 como o centro da manifestação,
acompanhado de uma adoração mais apegada ao aspecto emocional da vida, o que
atraia muitos para o altar, a fim de receberem o batismo no Espírito Santo,
caracterizado pelo falar em línguas.
Embora os acontecimentos da rua Azuza tenham marcado historicamente o
surgimento do pentecostalismo, manifestações de glossolalia já haviam acontecido
em outros momentos da história americana, e o primeiro a considera-la evidência
inicial do batismo no Espírito Santo foi um pregador metodista chamado Charles Fox
Parham24, que havia sido professor de William J. Seymor, um ano antes25.
A teologia pentecostal, defendida por William J. Seymour e por outros
avivalistas, estava firmada em cinco pontos fundamentais: Salvação pela fé;
santificação constante do crente; línguas como evidência do batismo do Espírito
Santo; curas físicas como parte da redenção; e o eminente retorno de Cristo. O
terceiro ponto dessa lista, particularmente, gerou muitas controvérsias entre as
igrejas tradicionais, pois modificou sobremaneira o estilo litúrgico tradicional, além de
tornar as práticas evangelísticas mais ostensivas, o que, por outro lado, contribuiu
para seu crescimento e fortalecimento. Isso tudo tornou o pentecostalismo, segundo
muitos estudiosos, o mais revolucionário fenômeno do cristianismo no século XX, e
um dos principais de toda a história26.
22
William Joseph Seymour (1870-1922) foi um pastor estadunidense, iniciador do movimento religioso
denominado de Pentecostalismo.
23 A glossolalia religiosa é o nome pelo qual algumas denominações pentecostais e correntes religiosas como
a Renovação Carismática Católica denominam a capacidade de reproduzir o fenômeno conhecido por dom de línguas, descrito no segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos.
24 Charles Fox Parham (1873-1929) foi um pregador estadunidense, considerado um instrumento fundamental
na formação do pentecostalismo.
25 MATOS, Alderi Souza de. O movimento pentecostal: reflexões a propósito do seu primeiro centenário.
Disponível em: <http://www.mackenzie.br/6982.html> Acesso em: 22 jun. 2012.
26 Ibidem.
É importante esclarecer que o pentecostalismo não se trata de uma nova
denominação evangélica. Na verdade trata-se de um movimento dentro e fora das
denominações existentes. Stephenson Soares, mestre em Missiologia pelo Centro
Evangélico de Missões - CEM, afirma que:
(...) é preciso prestar atenção a um fato muito sério: o pentecostalismo
começou como um movimento e não como uma nova igreja ou
denominação; e muitos líderes atuais, principalmente aqueles mais
comprometidos com todas as doutrinas da Bíblia, assim pensam e o veem.
Muitos deles aconselham aos crentes das diversas denominações a buscar
uma vida santificada e renovada pelo Espírito Santo, mas a não sair de
suas denominações para fundar outras (ARAÚJO, 1997, p. 47).
Apesar disso, não se pode negar o fato de que muitas denominações
surgiram em consequência do movimento pentecostal, sejam elas fundadas por
dissidentes de igrejas tradicionais27, sejam formadas por novos crentes que surgiram
aos milhares no decorrer da história do desenvolvimento pentecostal no século XX.
Dentre estas novas denominações, a que alcançou maior destaque no Brasil foi,
sem dúvidas, a Assembleia de Deus.
2.2.2 – Chegada do pentecostalismo ao Brasil e seu estabelecimento
Embora a maioria dos escritores afirme que o pentecostalismo chegou ao
Brasil através de missionários enviados pelo movimento da rua Azuza, essa
informação não está totalmente correta. Isso por que três homens, dois suecos de
origem batista, Gunnar Vingren28 e Daniel Berg, que se conheceram nos Estados
Unidos e tiveram suas primeiras experiências pentecostais no movimento da Rua
Azuza, e um terceiro, italiano que se converteu na igreja presbiteriana dos Estados
Unidos, chamado Luigi Francescon29, entenderam que Deus os estava enviando
27
O próprio mentor do movimento pentecostal, William Joseph Seymour, era da igreja metodista episcopal, embora tenha se convertido, ainda na adolescência, na igreja batista.
28 Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Hogberg (1884-1963) foi missionários evangelistas pentecostais
suecos. Atuaram no início do século XX na Amazônia e Nordeste brasileiro. De seus trabalhos surgiram as Assembleia de Deus no Brasil.
29 Luigi Francescon (1866-1964) foi um religioso italiano, fundador da denominação evangélica Congregação
Cristã no Brasil e da Assembleia Cristã na Argentina.
para o campo missionário brasileiro. Ambos vieram ao Brasil, se terem sido enviados
por qualquer junta missionária e sem sustento garantido, apenas por, segundo eles,
obedecerem ao chamado de Deus30.
Gunnar Vingren e Daniel Berg chegaram ao Brasil em 19 de Novembro de
1910 e dirigiram-se para a cidade de Belém do Pará. Ao chegar naquela localidade,
foram pregar numa Igreja Batista e permitiram-se manifestar as suas experiências
pentecostais, as quais não foram aceitas e acabaram expulsos. A partir de então
resolveram realizar suas próprias reuniões, trabalho este reconhecido como o início
das Assembleias de Deus do Brasil31.
Há controvérsias quanto à data da chegada de Luigi Francescon ao Brasil.
Segundo Émile G. Leonárd, ele teria chegado em 1908, dando início aos seus
trabalhos missionários na cidade de São Paulo. Carl Hahn, entretanto, diz que o
mesmo veio uma primeira vez ao Brasil entre 1909 e 1910. Outros historiadores
como Abraão de Almeida afirmam que Luigi chegou ao Brasil em 10 de março de
1910 e que no dia 20 de abril do mesmo ano deu inicio às atividades da
Congregação Cristã no Brasil, na cidade de Santo Antônio da Platina, no Paraná32.
Voltando um pouco na história do Brasil, no dia 25 de novembro de 1808 foi
assinado um decreto, por Dom João VI, que garantia a livre entrada de imigrantes,
independente de nacionalidade e religião, além de direitos que eram, até então,
exclusivos de cidadãos portugueses. Dois anos depois, em 1810, dois tratados entre
Portugal e Inglaterra, um de cunho comercial e o outro de amizade, tornaram
possível certa liberdade religiosa no Brasil. Esse cenário tornou possível a chegada
dos primeiros imigrantes evangélicos com autorização para estabelecer, em terras
brasileiras, suas igrejas.
Dessa forma, pelo menos 55 anos antes da chegada do pentecostalismo ao
Brasil, já haviam se estabelecido aqui pelo menos sete denominações evangélicas,
dentre elas a Igreja Metodista, Igreja Luterana, Igreja Batista, Igreja Congregacional,
Igreja Presbiteriana e Igreja Episcopal, porém elas se encontravam numa situação,
de certa forma, mórbida, devido a forte estrutura de poder social vigente, que
dominava a população e influenciava sua cultura e religião.
30
ARAÚJO, Stephenson Soares. A Manipulação no Processo de Evangelização. 2ª ed. Belo Horizonte: LERBAN, 2006, p. 44.
31 Idem.
32 Idem.
Portanto, o pentecostalismo chegou ao Brasil pouco tempo depois de haver
surgido no mundo, como um movimento. Entretanto sua chegada não foi tão bem
aceita assim, pois houve certa mágoa com as igrejas evangélicas tradicionais, uma
vez que estas acusavam o pentecostalismo de não buscar ganhar novas almas para
Jesus, mas do contrário, buscar nas igrejas já existentes seus adeptos. Ora, por se
tratar de um movimento, era natural que sua primeira área de influência fosse
justamente nas entranhas das igrejas tradicionais, com seus novos métodos, mais
populares e ostensivos, e assim se desenvolvessem até chegar a dominar o cenário
brasileiro, no que tange o círculo das igrejas evangélicas, no decorrer do século XX,
o que, se considerarmos a letargia em que estas se encontravam em consequência
das estruturas de poder sociais, como citado anteriormente, tratou-se mais de um
resgate, um benefício, uma restauração, do que de uma invasão e uma perturbação
à tranquilidade das igrejas evangélicas pioneiras aqui no Brasil33.
2.3 – Confissão positiva e a ciência cristã
Vários fatores foram responsáveis pelo surgimento do neopentecostalismo,
sejam eles de caráter histórico ou filosófico. Porém, nada teve mais influência do
que outro movimento surgido nos Estados Unidos, o movimento da “Confissão
positiva”, ou como muitos preferem chamar, “Movimento da fé”.
Resumidamente, a confissão positiva trata-se, como dito, de um movimento
no seio das igrejas evangélicas, especialmente as pentecostais, embora tenha
alcançado também diversas igrejas consideradas tradicionais (à exemplo do que
aconteceu quando do surgimento do pentecostalismo), que enfatiza o poder do
crente em adquirir tudo o que deseja, através do poder da palavra positiva. Essa
corrente doutrinária ensina ainda que qualquer sofrimento na vida do cristão indica
falta de fé.
A origem desse movimento deve-se inicialmente a Essek William Kenyon34,
após conhecer o pensamento do hipnotizador e curandeiro Finéias Parkhust Quimby
33
Ibidem p. 45-46.
34 Essek William Kenyon (1867-1948) foi um pastor norte americano da Igreja Batista Nova Aliança, evangelista
e escritor. Seus livros tiveram grande influência sobre Kenneth E. Hagin, fundador do Movimento Palavra de Fé, sendo uma inspiração ideológica para o referido Movimento que culminou nas evoluções filosóficas dos neopentecostais.
(1806-1866), conhecido como guru da Ciência da Mente35 e fundador do Novo
Pensamento36. Finéias Quimby foi ainda tutor de Mary Baker Eddy, que em 1879
fundou a Igreja da Ciência Cristã.
Ciência Cristã é a religião que prega a cura divina como sendo o cumprimento
natural das promessas de Jesus e possui, como fonte teológica, além da bíblia, o
livro “Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras”, de Mary Baker Eddy. Não
obstante tudo isso, quem de fato difundiu e estabeleceu a Confissão Positiva como
um novo fenômeno evangélico foi o conhecido pastor Kenneth Erwin Hagin,
notoriamente influenciado pela teologia de Mary Baker Eddy.
Sobre este assunto, o Pastor e coordenador das Assembleias de Deus do
Espírito Santo, Ezequias Soares afirma:
Kenyon disse que muito se poderia aproveitar do ensino de Mary Baker
Eddy37
e se empenhou nas campanhas pregando salvação e cura em Jesus
Cristo dando ênfase aos textos bíblicos que falam de saúde e prosperidade.
Aplicava a técnica do poder do pensamento positivo. Orava pelos enfermos
e muitos foram salvos e curados, mas outros não. Não era pentecostal,
pastoreou várias igrejas e fundou outras. Kenyon foi influenciado pelas
seitas Ciência da Mente, Ciência Cristã e a metafísica do Novo
Pensamento. Kenyon é reconhecido hoje como o pai do Movimento
Confissão Positiva, também conhecido como Teologia da Prosperidade,
Palavra da Fé ou Movimento da fé, pois influenciou Kenneth Hagin. Hagin
nasceu em 1917 com problema de coração e ficou inválido durante 15 anos.
Ele se converteu ao Evangelho em 1933 e no ano seguinte o Senhor Jesus
o curou. Logo começou a pregar e recebeu o batismo no Espírito Santo
numa pequena congregação interdenominacional no Texas em 1937. Hagin
estudava os escritos de Kenyon e divulgava esses ensinos kenyanos em
livros, cassetes e seminários, dando ênfase a confissão positiva. Em 1974
fundou o Centro Rhena de Adestramento Bíblico, em Oklahoma. Muitos
pastores e movimentos foram influenciados por Hagin. Em 1979, Hagin,
Kenneth Copeland, Frederick Price, Charles Capps e alguns outros
35
Ciência da Mente é uma corrente filosófica, desenvolvida por Christian D. Larson (1874-1962), que dentre
outras coisas defende que somos co-criadores da realidade que nos cerca, através do poder de nossa mente.
36 O Novo Pensamento ou Movimento Novo Pensamento é um movimento espiritual que eclodiu nos Estados
Unidos no final do século XIX e que enfatiza crenças metafísicas. Ele consiste de um grupo livremente formado por denominações religiosas, organizações seculares, autores, filósofos, e indivíduos que compartilham um conjunto de crenças metafísicas referentes aos efeitos do pensamento positivo, Lei da atração, cura, força vital, visualização criativa e poder pessoal.
[
37 Mary Baker Eddy (1821-1910) foi a criadora da Ciência Cristã em 1866.
fundaram a Convenção Internacional de Igrejas da Fé, em Tulsa,
Oklahoma.38
Muitos outros ensinos pouco ortodoxos caracterizam a Confissão Positiva,
dentre eles podemos destacar as afirmações de que o ser humano possui a
natureza divina, que tomar remédio e ir ao médico são atitudes pouco
recomendadas a cristãos, uma vez que é possível simplesmente “trazer a cura à
existência”, através da autoridade da palavra positiva. Existe ainda o argumento de
que Jesus foi milionário e que a Soberania de Deus é limitada pela vontade humana.
É comum ouvir entre cristãos da Confissão Positiva, palavras de efeito que carregam
estes pensamentos, como é o exemplo da seguinte frase: “Deus quer agir, mas você
tem que dar lugar a Ele. Deus não age se você não deixar”.
O Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements [Dicionário dos
movimentos pentecostal e carismático] define a confissão positiva da seguinte
maneira:
Confissão positiva é um título alternativo para a teologia da fórmula da fé,
tambem conhecido como fé ou doutrina da prosperidade promulgada por
televangelistas contemporâneos, sob a liderança e a inspiração de Essek
William Kenyon. A expressão "confissão positiva" pode ser legitimamente
interpretada de várias maneiras. O mais significativo de tudo é que a
expressão "confissão positiva" se refere literalmente a trazer à existência o
que declaramos com nossa boca, uma vez que a fé é uma confissão.39
Não obstante tudo isso, o maior difusor e responsável pelo atual formato do
movimento da Confissão Positiva foi o pastor americano Kenneth Erwin Hagin,
motivo pelo qual abriremos um subtópico exclusivamente para tratar de seu papel
nesse que é o mais controvertido movimento evangélico da atualidade.
2.3.1 – Kenneth Erwin Hagin e a Confissão Positiva
38
SOARES, Ezequias. O que é confissão positiva. Disponível em: <http://www.palavradaverdade.com/print2.php?codigo=1792> Acesso em: 22 jun. 2012.
39 BURGESS, Stanley apud ROMEIRO, Paulo. Super Crentes, o Evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice
Milhomens e os profetas da prosperidade. 2ª Ed. rev. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
Considerado o porta-voz da Confissão Positiva, o pastor Kenneth Hagin
nasceu em 20 de agosto de 1917, em McKinney, Texas, Estados Unidos, acometido
de um gravíssimo problema cardíaco, doença essa que o confinou numa cama a
partir dos seus 16 anos de idade. Em seu livro “Eu creio em visões”, Kenneth Hagin
revela duas experiências que modificariam sobremaneira sua vida e ministério.
A primeira dela trata-se de uma experiência, segundo ele, de morte. Mais do
que isso, entretanto, ele narra como seu espírito visitou o inferno durante o período
em que permaneceu morto na cama de seu quarto, diante de seus familiares. Ele
teria visitado outras duas vezes o inferno até finalmente aceitar Cristo como seu
Salvador40.
A segunda delas aconteceu com a revelação, em duas etapas, do texto
bíblico encontrado no livro de Marcos, capítulo 11, versos 23 e 24, que diz:
Eu lhes asseguro que se alguém disser a este monte: ‘Levante-se e atire-se
no mar’, e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz,
assim lhe será feito. Portanto, eu lhes digo: tudo o que vocês pedirem em
oração, creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá (NVI).
Num primeiro momento, durante uma mudança de endereço, Hagin, que já
não se levantava da cama a mais de dezesseis meses, foi levado para sua nova
casa por uma ambulância. No caminho o motorista perguntou se antes ele não
gostaria de passear um pouco pela cidade, o que muito lhe agradou. Durante o
passeio, ao passar em frente ao fórum, Hagin relata que ouviu uma voz que lhe dizia
ser impossível ver novamente aquelas cenas se não fosse pela bondade do
motorista da ambulância. Então lembrou-se do verso 23 do referido texto bíblico, e
entendeu que bastava expressar com sua boca para que qualquer coisa lhe fosse
feita, inclusive ser curado, fato que o levou a copiosas lágrimas.
Apesar disso, passaram-se muitos meses e, embora cheio de esperança de
que seria curado, nada ainda havia acontecido, não obstante declarar
insistentemente que estava curado. Foi então que, durante uma oração matinal, foi-
lhe revelada, segundo ele, a segunda parte do texto, no verso 24, e entendeu que
40
HAGIN, Kenneth E. Eu creio em visões. Traduzido por: Rogério Lima Clavello e Célia Regina Chazanas Clavello. Graça Editorial, 1996, p. 13.
estaria fazendo algo errado, pois esperava primeiro ser curado para em seguida
crer, quando na verdade deveria acontecer o inverso, primeiro crer, e em seguida
receber a cura tão esperada.
Após adorar a Deus e agradecer pela cura, mesmo sem evidências disso,
Hagin ouve o Espírito Santo falar-lhe: “Você crê que está curado. Se você está
curado, então deveria se levantar e sair da cama”.41 Foi o que ele fez, se levantou e
com algum esforço conseguiu ficar de pé. Pouco tempo depois, em 1934, Kenneth
Hagin iniciou seu ministério como pregador batista, tendo como carro chefe de suas
pregações, a confissão positiva, atestada pelo seu testemunho pessoal. Devido sua
crença em curas milagrosas, associou-se com os pentecostais e em 1937 foi
batizado no Espírito Santo e licenciado ministro da Assembleia de Deus. Após isso
começou a se envolver com alguns pregadores de curas divinas independentes,
como Oral Roberts42 e T. L. Osborn43.
Uma característica intrínseca a todos os pregadores da Confissão positiva é a
sua ênfase na prosperidade financeira, como marca de fidelidade a Deus. Alguns
chegam a considerar sinônimos os termos “Confissão positiva” e “Teologia da
Prosperidade”. Sobre esta não menos discutível teologia, abordaremos mais a
seguir.
2.4 – A Teologia da Prosperidade
Com o advento do neopentecostalismo, uma nova e extremamente atrativa
interpretação do evangelho surgiu. Esta nova interpretação tem recebido vários
nomes, porém nenhum esclarece tão bem sua perspectiva quanto “Teologia da
Prosperidade”. Em suma, esta teologia desenvolve uma nova visão das Boas Novas
do Evangelho, não mais que temos o perdão dos pecados e a reconciliação com
Deus através de Jesus, mas que, através dele, podemos ter a solução de todos os
nossos problemas além de viver com saúde e prosperidade. Sobre isso, Alan
41
Ibidem, p. 29-30.
42 Granville Oral Roberts (1918-2009), foi um televangelista pentecostal norte-americano.
43 Thomas Lee Osborn, (1923-), é um evangelista mundial, missionário conhecido primordialmente por seu
ministério de cura em massa a milhões de pessoas.
Pieratt44 afirma em seu livro ‘O evangelho da Prosperidade’ que “esta mudança no
conteúdo da esperança cristã, passando do porvir para o aqui e agora, tem
consequências de tão grande alcance que o nome evangelho da prosperidade
parece apropriado” (PIERATT, 1993, p. 9).
No Brasil essa nova perspectiva do evangelho encontrou grande aceitação,
haja vista em terras tupiniquins a ausência de prosperidade ser um problema
enfrentado pela maioria do povo, especialmente entre os evangélicos.
É importante salientar novamente que, como dito anteriormente, a teologia da
prosperidade trata-se de uma nova visão do Evangelho, o que por si só já carrega a
necessidade de ostensiva observação já que, em matéria de fé, poucas novidades
são de fato melhorias para a cosmovisão cristã. Dessa maneira, a teologia da
prosperidade têm recebido críticas constantes de teólogos e pastores renomados
por todo o mundo, pois observam que, embora seus adeptos não neguem nenhuma
das doutrinas básicas do cristianismo nem busquem novos fundamentos para fé que
não seja Jesus Cristo, eles abandonam completamente, em suas interpretações, os
padrões de interpretação bíblicos, históricos e reformados, trazendo à tona
‘verdades’ não permitidas pela própria bíblia, contraditórias ao seu contexto e que
muitas vezes só se sustentam através de experiências pessoais isoladas.
Dessa forma, a base para a maioria das críticas à teologia da prosperidade se
apoia no fato de esta não possuir sustentação e aprovação bíblicas para tal,
condenando-a ao status de anátema45.
Não se pode negar que o Evangelho dispõe de inúmeras promessas, donde a
maior delas é a salvação em Cristo, e que Deus pode nos abençoar de várias
maneiras, porém uma interpretação que defenda a ideia de que o crente em Jesus
terá garantida prosperidade financeira, cura de todas as doenças, solução de todos
os problemas de âmbito pessoal e profissional se insurge contra as verdades
históricas contidas na bíblia a respeito dos discípulos de Cristo, como no exemplo de
Estevão, discípulo fiel cujo único crime foi anunciar Cristo e por isso fora apedrejado
(Atos 5:57-60) ou naquilo que o Paulo descreve de si mesmo:
44
Alan Pieratt, teólogo, Ph.D. em Ciências da Religião, professor na Faculdade Teológica Batista de São Paulo,
onde leciona as disciplinas de Hermenêutica e Teologia Contemporânea.
45 Anátema era, na Grécia Antiga, uma oferenda posta no templo de uma deidade, constituída inicialmente por
frutas ou animais e, posteriormente, por armas, estátuas, etc. No contexto bíblico toma para si o significado de maldito.
São eles servos de Cristo? — estou fora de mim para falar desta forma —
eu ainda mais: trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui
açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. Cinco vezes
recebi dos judeus trinta e nove açoites. Três vezes fui golpeado com varas,
uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia
exposto à fúria do mar. Estive continuamente viajando de uma parte a outra,
enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus
compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto,
perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos. Trabalhei arduamente; muitas
vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em
jejum; suportei frio e nudez. Além disso, enfrento diariamente uma pressão
interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas.. (2 Coríntios
11:23-28, NVI)
Não fossem suficientes os testemunhos bíblicos, temos ainda os testemunhos
históricos de milhares de cristãos mundo afora que, não obstante viverem
dignamente, foram presos, torturados, queimados nas fogueiras da inquisição,
perseguidos por nações inteiras, fato este que de acordo com o Ministério Missão
Portas Abertas46, continua acontecendo em diversos países do mundo.
Como podemos perceber, mesmo numa abordagem superficial, a teologia da
prosperidade apresenta inúmeros pontos discutíveis e obscuros, não sustentados
pelo Evangelho de Jesus Cristo, tampouco pelos relatos históricos da Igreja cristã.
Trataremos mais sobre esse assunto em momento oportuno.
2.5 – A chegada do neopentecostalismo ao Brasil
No Brasil, o neopentecostalismo surge no final da década de 7047, quando
membros de igrejas pentecostais, influenciados pelo sucesso das práticas
46
Missão Portas Abertas, "Open Doors" é uma organização cristã interdenominacional dedicada a apoiar
cristãos perseguidos em países onde o cristianismo é legalmente desencorajado ou reprimido. Portas Abertas abriu seu escritório local no Brasil em 1978.
47 A Igreja do Evangelho Quadrangular e a Igreja Cristã de Nova Vida foram os celeiros de onde o atual
movimento neopentecostal surgiu e se estruturou. Harold William e Raymond Boatrigtht, atores e missionários enviados ao Brasil pela Igreja Internacional do Evangelho Quadrangular, romperam com o tradicionalismo pentecostal brasileiro ao introduzir no país o pentecostalismo de costumes liberais. Começando por São João da Boa Vista (SP), em 1951, a IIEQ alcançou a capital do Estado em 1954, daí se espalhando por todo o país. À IIEQ se aliaram diversos lideres e membros das igrejas pentecostais e das igrejas históricas, atraídos pela mensagem de cura divina, propagadas a partir de São Paulo e tendo como ponto de apoio os programas radiofônicos. Isso criou o cenário ideal para, no final da década de 70, o neopentecostalismo ser definitivamente estabelecido no Brasil.
neopentecostais estadunidenses, se desvinculam de suas denominações de origem
para desenvolverem seus próprios trabalhos, fundando assim novas denominações.
Dentre os inúmeros casos, o que alcançou maior destaque foi o desligamento do
Bispo Edir Macedo e do Missionário R. R. Soares da Igreja Cristã Nova Vida, do
Bispo Walter Robert MacAlister, para fundar, em 09 de julho de 1977, a Igreja
Universal do Reino de Deus - IURD. Pouco tempo depois uma divergência de
métodos entre os dois culminou com a saída de R. R. Soares da IURD, para fundar,
em 1980, a Igreja Internacional da Graça de Deus.
Sobre Edir Macedo, o sociólogo Paul Freston escreve:
Único no poder, Edir Macedo coloca em prática parte de sua experiência e
aprendizagem na Igreja Cristã de Nova Vida e associa a está o liberalismo
da Quadrangular, criando em pouco tempo um império que, três anos
depois, alcança os EUA, ao fundar a primeira IURD em Monte Vermont,
Nova York. Nove anos depois chega a Portugal, e em 1996 funda a primeira
IURD no Japão. Segundo Campos, o sucesso da Igreja Universal pode ser
medido ainda pelo número de templos abertos até 1995: 2.014 no Brasil e
236 em 65 países, nos quais são atendidos cerca de quatro milhões de
pessoas, que participam dos “cultos”, “correntes de fé” e “campanhas de fé”.
(Lusotopie, 1999, p. 355)
Por esta razão Edir Macedo é considerado o pai do neopentecostalismo
brasileiro e maior responsável pela difusão da teologia da prosperidade e reuniões
de curas divinas, através de métodos até então pouco aproveitados pela liderança
cristã, com programas massivos em radio, televisão e jornal escrito.
Hoje em dia existem diversas outras denominações neopentecostais, em
parte formadas por dissidentes de igrejas pentecostais e históricas, e outras
compostas pelas próprias igrejas históricas e/ou pentecostais, influenciadas pelo
pensamento pouco ortodoxo no neopentecostalismo. No Brasil destacam-se, além
das duas citadas, a Igreja Mundial do Poder de Deus - IMPD, A igreja Renascer, a
Igreja Batista Lagoinha e o Ministério Internacional da Restauração.
2.5.1 – Rio Branco seguindo a onda nacional
Tão logo surgido no Brasil, a onda neopentecostal se estabelece no Estado
do Acre, especialmente em sua capital Rio Branco. A primeira denominação
neopentecostal a aportar em terras acrianas, como não poderia ser diferente dada a
ostensividade de sua expansão, foi a IURD, ainda na década de 80, segundo relatos
não documentados.
Desde então houve uma explosão no crescimento tanto na quantidade de
igrejas evangélicas, quanto no número48 de adeptos do evangelicalismo49.
No final da década de 90, surge uma nova modalidade de
neopentecostalismo, que causou um segundo impacto de crescimento evangélico na
capital acriana, nascida a partir das visões e experiências do Pastor colombiano
César Castellanos ainda no início da mesma década, onde afirma ter recebido uma
revelação profética de Deus, a respeito do qual a igreja deveria ser subdividida em
grupos, chamados células50, que se reuniriam em casas, com objetivos
evangelísticos de crescimento e multiplicação, e onde as pessoas estariam inseridas
num processo de discipulado através de grupos de doze pessoas, à exemplo do
modelo de discipulado com os doze apóstolos de Jesus, seguindo uma árvore lógica
de múltiplos de 12, ou seja, os primeiros 12 discipulariam, cada um deles, outros 12,
formando 144, e assim por diante. A respeito desta visão, César Castellanos afirma:
"Em 1991, sentimos que se aproximava um maior crescimento, mas algo
impedia que o mesmo ocorresse em todas as dimensões. Estando em um
dos meus prolongados períodos de oração, pedindo a direção de Deus para
algumas decisões, clamando por uma estratégia que ajudasse na
frutificação das setenta células que tínhamos até então, recebi a
extraordinária revelação do modelo dos doze. Deus me tirou o véu. Foi
então que tive a clareza do modelo que agora revoluciona o mundo quanto
ao conceito mais eficaz para a multiplicação da igreja: os doze. Nesta
ocasião, ouvi o Senhor dizendo-me: vais reproduzir a visão que tenho te
dado em doze homens, e estes devem fazê-lo em outros doze, e este, por
sua vez, em outros doze”. (CASTELLANOS, 1999, p. 99)
48
Ver mais no tópico “Impacto Social”.
49 Evangelicalismo, de evangélico, é um movimento teológico e missionário às margens protestantismo, não se
limitando a ele, que crê na necessidade de o indivíduo passar por uma experiência de conversão ("nascer de novo", "aceitar Jesus") e que adota a Bíblia como única base de fé e prática e enfatiza a experiência de conversão como ponto de partida da vida cristã
50 O modelo de evangelismo e crescimento com células é, na verdade, inspirado no modelo de igrejas do pastor
sul coreano David Paul Yonggi Cho, cuja igreja chama-se Igreja do Evangelho Pleno e é considerada a maior igreja evangélica, em número de membros, do mundo.
A partir desta segunda fase, acelerou-se o processo de crescimento
evangélico na capital acriana de forma jamais vista, acima de todas as estatísticas e
projeções até mesmo dos censos demográficos realizados até então, a ponto de, em
2012, o número de evangélicos superar a quantidade de católicos. Rio Branco é a
única capital do Brasil onde este fenômeno51 acontece.
Este modelo de igrejas é hoje conhecido por “Modelo de Igrejas no governo
dos 12”, ou ainda “Visão celular”, ou simplesmente “G12”.
Não nos aprofundaremos nas origens deste movimento, entretanto é
importante citar que, no Brasil, o maior expoente do G12 é o autodenominado
Patriarca da visão, o Apóstolo Renê Terra Nova, líder do Ministério Internacional da
Restauração, MIR. Em 2005, Renê Terra Nova, que havia importado o G12 da
Colômbia, rompeu com o pastor César Castellanos, passando a utilizar a sigla M12,
no lugar de G12, para denominar o Movimento celular do qual é o líder máximo no
Brasil.
Este modelo de igreja é não menos controverso que os movimentos da
confissão positiva e teologia da prosperidade por vários fatores. Tal animosidade
quanto ao G12 se dá não pelo seu modelo estratégico de evangelismo e discipulado,
mas pelas doutrinas que ele carrega consigo, uma vez que, além de possuir tanto a
confissão positiva, quanto a teologia da prosperidade inseridas completamente em
seu sistema doutrinário, o G12 (ou M12) foi responsável pelo surgimento de diversos
outros sistemas de crença relacionados aos princípios de liderança, além do resgate
de conceitos velho testamentários, cobertura espiritual, dentre outros. A propósito,
estes foram fatores determinantes ao rompimento entre as lideranças brasileiras e
colombianas do G12.
51
Segundo o Censo 2010, Rio Branco é a única capital do Brasil onde o número de evangélico é tecnicamente igual ao número de católicos, numa relação de 41,2% de católicos para 41,1% de evangélicos, isto em 2010. A projeção é que, em 2012, os evangélicos já tenham superado o número de católicos em alguns portos percentuais.
3 – AS CONSEQUÊNCIAS DO NEOPENTECOSTALISMO
A atratividade dos novos conceitos trazidos pelo movimento neopentecostal
encontrou um Brasil de braços abertos. Nossa população pobre e humilde tem sido
rapidamente influenciada pelas promessas de prosperidade, tranqüilidade e honra
que este movimento prega e defende, afinal de contas, quem não gostaria de ter a
solução imediata de seus problemas, a cura de suas doenças e a “engorda” de suas
contas bancárias? Além disso, a ideia de que podemos conquistar o que desejarmos
com o poder de nossas próprias palavras é um encanto difícil de ser ignorado.
Anúncios como “explosões de curas”, “proteção contra a crise mundial” e
“prosperidade sem medidas”, típicas de igrejas neopentecostais, são capazes de
agregar centenas de pessoas em qualquer tipo de ambiente, e está fórmula foi
rapidamente assimilada por muitas igrejas outrora tradicionais, vislumbrando um
crescimento que nunca alcançaram em décadas de existência.
A revista Ultimato publicou, durante reportagem, o anúncio de uma
comunidade neopentecostal brasileira, radicada nos Estados Unidos, com os
seguintes dizeres:
Desemprego, caminhos fechados, dificuldades financeiras,
depressão, vontade de suicidar, solidão, casamento destruído, desunião na
família, vícios (cocaína, crack, álcool, etc), doenças incuráveis (câncer, aids,
etc), dores constantes (de cabeça, coluna, pernas), insônia, desejos
homossexuais, perturbações espirituais (você vê vultos, ouve vozes, tem
pesadelos, foi vítima de bruxaria, macumba, inveja ou olho grande), má
sorte no amor, desânimo total, obesidade, etc. ... Nós! Sim, nós temos a
solução para você! (Ultimato, janeiro de 93, p. 14).
É difícil imaginar alguém que não se identifique com pelo menos um destes
problemas, especialmente se pensarmos na situação da sociedade brasileira,
sempre envolta a pensamentos místicos, a pobreza, seitas e instabilidade
econômica, frutos de anos de exploração internacional e colonização desorganizada
e heterogênea.
Em Rio branco não foi diferente, pois como dissemos anteriormente, o
movimento neopentecostal foi rapidamente aceito nesta capital, acelerando
sobremaneira o crescimento da igreja evangélica o que, analisado isoladamente,
significaria um verdadeiro avivamento cristão, acontecendo em pleno século XXI, na
capital acriana e no Brasil inteiro, por assim dizer.
Passaremos a partir de agora a analisar, ainda que de maneira geral, as
consequências, sejam elas positivas ou negativas, do movimento pentecostal na
capital acriana, diretamente ligadas ao contexto eclesiástico e ao dia a dia das
igrejas evangélicas em Rio Branco.
3.1 – Mudança de paradigmas
O neopentecostalismo, enquanto movimento dentro das igrejas, e não uma
denominação evangélica, gera uma transformação intensa tanto nos sistemas de
governo, quanto nos sistemas doutrinários das igrejas alcançadas por ele, de forma
que mesmo igrejas tradicionais, deixam de ser reconhecidas como tal, perdendo
suas características históricas, apresentando assim os atributos do
neopentecostalismo já apresentados outrora.
De certa forma, há muito que se elogiar a maneira como o
neopentecostalismo tem quebrado padrões litúrgicos fechados, que minam as forças
da juventude, e engessam o crescimento de muitas igrejas no decorrer dos anos.
Igrejas adeptas deste movimento tendem a abertura litúrgica, permitindo o
desenvolvimento de elementos importantes como a música cristã, a utilização das
artes para fins evangelísticos, a aceitação de pessoas das mais diferentes tribos
sociais dentro de seu rol de membros, etc.
Tudo isso favorece a identificação do jovem com a igreja cristã, aumenta a
participação deles nos afazeres do dia a dia, permite o surgimento de novos
ministérios estratégicos, etc. Não se pode negar que nas igrejas neopentecostais, os
jovens são mais alegres e atuantes e que o antigo estereótipo já não se constitui
num empecilho, em estigmas das quais muitos jovens preferiam fugir.
Porém, nem todas as mudanças são positivas, pois concomitante à abertura
litúrgica, está também a abertura teológica, de forma que princípios elementares do
protestantismo histórico e do cristianismo bíblico são deixado de lado, e muitas
vezes rejeitados, em nome do bem estar, do amor e do crescimento.
Este assunto merece destaque e é determinante para identificarmos as reais
consequências do movimento neopentecostal na capital acriana. Faremos então
uma breve explanação dos principais efeitos desta abertura teológica, dividas em
subtópicos para facilitar a compreensão.
3.1.1 – O abandono progressivo da ortodoxia
Não é difícil entender o motivo pelo qual a maioria esmagadora das igrejas
neopentecostais vem abandonando, progressivamente, os estudos bíblicos,
encerrando as tradicionais escolas bíblicas dominicais, e desencorajando seus
membros de cursarem faculdades e seminários teológicos. Dadas as inovações
doutrinárias controversas, sem bases genuinamente bíblicas, os líderes do
movimento sabem que um estudo aprofundado da bíblia geraria inúmeros conflitos
internos, o que não seria saudável para o crescimento que se busca com tais
novidades teológicas.
Em lugar das escolas bíblicas, como uma forma de compensação, algumas
destas igrejas introduzem grupos de estudos e escolas teológicas que nada mais
são que reprodutoras dos conceitos neopentecostais que se desejam fortalecer no
âmbito eclesiástico. Dessa forma surgem as chamadas “escolas de líderes52”,
“escolas do sobrenatural”, “seminários proféticos”, dentre outras nomenclaturas que
de nada lembram os tradicionais estudos transmitidos nas EBD’s. Nestes novos
ambientes, o fiel aprende noções e conceitos de liderança, não mais conforme a
tradição bíblica, de servir para ser grande, mas em acordo com os pensamentos de
conquista e honra, que servem para criar no senso comum dos crentes, a ideia de
infabilidade e governança absoluta dos lideres que, dessa maneira, não podem
jamais ser questionados, sob pena de seus críticos incorrerem em pecado de
rebeldia. Dessa forma o que gera a obediência é o medo, e não o amor.
52
A Escola de Líderes é uma escola de treinamento para todos os cristãos que irão passar por todo processo
da visão celular.
Entretanto, Jesus nos dá a formula de liderança que deveríamos seguir,
quando diz:
Jesus os chamou e disse: "Vocês sabem que os governantes das nações as
dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será
assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se importante entre
vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo;
como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e
dar a sua vida em resgate por muitos" (NVI, grifo nosso).
Contrariamente a isso, o apóstolo René Terra Nova afirma que “para você ter
êxito na sua liderança, organize-se, sabendo que tem autoridade sobre as causas
físicas e espirituais. Você tem poder para organizar as coisas. Foi Deus quem
mandou você dominar a Terra53”. Ele afirma ainda que:
Quando Deus criou o homem, na sua imagem e semelhança, soprou o
fôlego de vida, olhou nos olhos, e disse: GOVERNA! Esta é a ordem de
Deus. Quero advertir que quem não governa é governado, e quem não
lidera é liderado. Quem não domina, será dominado, por isso tome posse de
seus territórios54
.
Não obstante os ensinos de Cristo, o movimento neopentecostal atribui aos
líderes poderes extremos, a ponto de exigir que os fiéis paguem primícias de seus
bens, à exemplo do que era entregue aos sacerdotes durante a vigência da Lei
Mosaica (ex. Ezequiel 44:30-31), para uso exclusivo deles, como forma de obedecer
ao princípio da honra, e dessa forma adquirir o direito de ser abençoado por Deus,
conforme dito pelo mesmo apóstolo, em mais um de seus estudos:
Muitos ganham por entregar em fidelidade o dízimo, outros prosperam em
entregar a oferta, mas outros tantos que dizimam e ofertam perdem tudo por
não terem a sabedoria de não guardar o princípio da primícia. É a primícia
que traz a honra e libera o favor do eterno. Deus nunca travou uma guerra
53
TERRANOVA, Rene. Líderes por herança e aliança. Disponível em: < http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=4> Acesso em 05 mai. 2011.
54 TERRANOVA, Rene. Nasceu o governo do Justo. Disponível em: <
http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=14> Acesso em 14 jul. 2012.
com ninguém sobre nada a não ser mover-se na terra por causa das
primícias55
.
(...) não tem como dizermos que amamos a Deus se desprezamos os
homens que Deus selecionou para cuidarem dos Seus filhos na Terra.
Então, a primícia tem a força do respeito e da honra na direção do líder 56
.
Todos estes ensinos criam o cenário ideal para que o movimento
neopentecostal perpetue seu sistema doutrinário, uma vez que o medo impede que
se questionem lideranças, mesmo as corruptas, ou que se submeta suas instruções
ao crivo da palavra de Deus, pois passam a ser considerados autênticos
representantes da verdade divina. Bem diferente do povo de Beréia, os quais o
apóstolo Paulo chama de nobres, por consultarem a bíblia a fim de confirmar se o
que estava sendo ensinado por ele era de fato bíblico ou não (Atos 17:11). É certo
que um povo sem conhecimento é conduzido “para onde o vento soprar” e esta
parece ser a estratégia escolhida pelos líderes neopentecostais, sejam de igrejas do
G12, sejam de outras vertentes do movimento, como é o caso da IURD, onde
sequer existem reuniões de estudo, ainda que deturpados, deixando seus membros
sujeitos a tudo que se diz nos púlpitos, sem a menor condição de análise bíblica
aprofundada.
Essa realidade é perfeitamente observada na capital acriana, a todo instante
somos bombardeados com aberrações doutrinárias, chavões evangélicos que
deturpam a palavra de Deus sendo proferidos em toda parte, crentes sem a menor
condição de debater conceitos teológicos, que se utilizam de ameaças para manter
suas doutrinas isentas de análise, festas gospels que de nada refletem a missão da
igreja e outros desvios consequentes da falta de conhecimento e submissão à
tradição bíblica.
Embora a gama teológica introduzida pelo neopentecostalismo não se resuma
ao que foi apresentado até aqui, já é possível perceber como a ortodoxia, aos
poucos e continuamente, vem sendo retirado das igrejas adeptas ao movimento,
abandonando assim a tradição apostólica e a teologia reformada, para dar lugar ao
novo, ao que funciona e que possibilita um crescimento massivo da igreja. 55
TERRANOVA, Rene. O Princípio da Semeadura, o Poder da Semente. Disponível em < http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=45> Acesso em 05 mai. 2011.
56 TERRANOVA, Rene. Pensamento do Eterno sobre as Primícias. Disponível em <
http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=44> Acesso em 14 jul. 2012.
3.1.2 – O pragmatismo
Com todos os problemas que surgem pela falta de uma base doutrinária
sólida, bíblica e ortodoxa, não é motivo de espanto que a concepção do que seria a
‘verdade’ fique comprometida dentro das igrejas neopentecostais. Tende-se então a
considerar como verdade aquilo que funciona, ficando assim o conhecimento
fundamentado na experiência pessoal, naquilo em que a ação do indivíduo leva a
resultados positivos.
A isso a filosofia chama de pragmatismo. Dessa forma a igreja adepta do
movimento NP, à medida que abandona sistemas doutrinários rígidos, ajunta para si
conceitos filosóficos e atribui a eles a responsabilidade de condução dos rebanhos.
Os pragmáticos geralmente defendem que a importância de uma idéia deve ser
medida pela sua utilidade ou eficácia para lidar com um dado problema e isso é bem
característico dentro do NP. Ora Todos sabemos que há preocupações práticas que
devemos considerar, mas o pragmatismo é uma filosofia que empurra para a
periferia uma série de princípios fundamentais e elege, como único fator relevante, a
questão: “Isso funciona?”57.
Em Rio Branco este pragmatismo exacerbado encontra-se bastante evidente.
É bem claro no dia a dia da cidade a forma como os sistemas religiosos evangélicos
tem sido, no decorrer dos anos, orientados a resultados. Desde as pregações, em
sua maioria constituindo-se apenas num emaralhado de frases de efeitos,
motivadoras, anunciando promessas de vitórias e prosperidades, até as canções
entoadas nos cultos, congressos e seminários, todas elas são direcionadas ao
crescimento, ao que o povo deseja ouvir, àquilo que os manterá firmes em suas
decisões de participar de um congregação.
Dessa forma vemos diariamente o anúncio de festas gospels, com objetivo
único de promover entretenimento ao jovem cristão, numa clara substituição dos
prazeres mundanos por prazer “santificados”, por assim dizer, bem diferente da
ordem de auto negação imposta por Cristo aos seus seguidores (Mateus 16:24).
Também é possível observar claramente nas rádios locais, que grande parte da
57
HORTON, Michael. Pragmatismo religioso. Publicado na Revista O Presbiteriano Conservador, na edição de
Maio/Junho de 1997.
programação serve apenas para massagear o ego dos ouvintes, uma vez que é
exatamente isso que o povo gosta de ouvir, independentemente se o que se diz é
uma verdade bíblica ou não. O importante é que “isso funciona”, e a prova é o
crescimento das igrejas e da audiência das rádios evangélicas locais.
Além disso são promovidos constantes seminários e congressos em Rio
Branco, em sua grande maioria para tratar de assuntos periféricos ao Evangelho,
como prosperidade financeira, curas espirituais, experiencias sobrenaturais,
adorações proféticas e tudo o mais que for identificado como agradável à população,
para que esta decida fazer parte da “classe dos evangélicos”, tornando-as pessoas
com grande identificação com as igrejas, mas com pouca ou nenhuma identificação
com Cristo, como poderemos observar de forma um pouco mais profunda no
capítulo sobre o impacto social do NP em Rio Branco.
Enfim, hoje em Rio Branco vivesse um momento crítico, do ponto de vista da
igreja protestante, uma vez que a maior parte da comunidade cristã evangélica é
adepta do movimento NP, e tem conduzido suas estratégias de evangelismo de
maneira que sejam atraentes não pelo Evangelho puro e simples, mas pela ilusão
que promessas vazias e antibíblicas causam na população, e a menor crítica a esse
pragmatismo é considerada uma tentativa satânica de impedir o progresso da igreja.
Não importa mais o que é certo, mas sim o que dá certo, e estas estratégias têm
sido canonizadas pela população evangélica rio-branquense.
3.1.3 – O sincretismo
A falta de uma teologia bem estabelecida sobre princípios coesos e em
harmonia com a bíblia, associada ao pragmatismo predominante no movimento NP
tornam as igrejas influenciadas por ele desprotegidas quanto aos perigos do
sincretismo religioso58.
Hoje, em Rio Branco, a forma mais comum pelo qual esse sincretismo
acontece é, sem dúvidas, entre as igrejas da visão G12 (ou M12), com sua visível
mistura de doutrinas judaicas com o universo cristão descrito tão claramente no
Novo Testamento, em relação à doutrina dos apóstolos, que nada mais é que uma
58 Na história das religiões, o sincretismo é uma fusão de concepções religiosas diferentes, ou, a influência
exercida por uma religião nas práticas de uma outra.
releitura das práticas judaicas já envelhecidas (Hb 8:13). Consideremos o que o
autor de Hebreus narra a respeito do Novo Pacto em Cristo:
Se ele estivesse na terra, nem seria sumo sacerdote, visto que já existem
aqueles que apresentam as ofertas prescritas pela lei. Eles servem num
santuário que é cópia e sombra daquele que está nos céus, já que
Moisés foi avisado quando estava para construir o tabernáculo: "Tenha o
cuidado de fazer tudo segundo o modelo que lhe foi mostrado no monte".
Agora, porém, o ministério que Jesus recebeu é superior ao deles, assim
como também a aliança da qual ele é mediador é superior à antiga,
sendo baseada em promessas superiores. (Hebreus 8:4-6, NVI, grifo
nosso).
E ainda:
A Lei traz apenas uma sombra dos benefícios que hão de vir, e não a
realidade dos mesmos. Por isso ela nunca consegue, mediante os
mesmos sacrifícios repetidos ano após ano, aperfeiçoar os que se
aproximam para adorar. Se pudesse fazê-lo, não deixariam de ser
oferecidos? Pois os adoradores, tendo sido purificados uma vez por todas,
não mais se sentiriam culpados de seus pecados. Contudo, esses
sacrifícios são uma recordação anual dos pecados, pois é impossível que o
sangue de touros e bodes tire pecados (Hebreus 10:1-4, NVI, grifo nosso).
Dessa forma, a lei mosaica, base primordial da religião judaica, trata-se de
algo limitado, que simplesmente reflete uma aliança superior, a aliança com Cristo,
que por sua vez é a base de sustentação de todo o cristianismo. A esta afirmação
corroboram não apenas os aludidos textos, quanto toda a doutrina neotestamentária,
confirmada pela teologia reformada e pelos pais da fé cristã.
Entretanto é comum vermos em Rio Branco o povo de Deus confeccionando
arcas59, às quais atribuem poderes místicos capazes de “encher de glória” quem as
toca. Vemos também a comemoração de festas judaicas que, na tradição israelense,
apenas apontavam para o Cristo, até que ele viesse, fato este já ocorrido dois mil
anos atrás. Além disso, há um resgate de vestes sacerdotais judaicas e referencias
59
A Arca da Aliança é descrita na Bíblia como o objeto em que as tábuas dos Dez mandamentos e outros
objetos sagrados teriam sido guardadas, como também veículo de comunicação entre Deus e seu povo escolhido.
a inúmeros símbolos da nação de Israel que, como toda a Lei, sempre eram tipos60
de Cristo ou das verdadeiras promessas conquistadas na cruz. Outro exemplo
clássico, observado em boa parte das igrejas neopentecostais de Rio Branco é o
uso do shofar61, que até o advento do NP era totalmente alheio ao cristianismo,
sendo absolutamente ignorado no novo testamento cristão, salvo quando se refere
ao toque das trombetas no tempo do fim (Mateus 24:31; I Coríntios 15:52; dentre
outros). De certa forma, o povo honra a Deus com os lábios, mas nega-o com suas
obras, pois ensinam e praticam doutrinas que invalidam a obra de Jesus (Mateus
15:8-9), por puro pragmatismo.
Infelizmente, o “privilégio” de assimilar doutrinas e rituais de outras religiões
não está limitado às igrejas da visão, pois assim como no restante do Brasil, em Rio
Branco somos bombardeados diuturnamente com rituais outrora restritos às seitas
de origem africana, e isso dentro dos templos.
Como não lembrar-se das entrevistas com demônios e dos objetos
consagrados, que adquirem poderes espirituais para realizar curas e exorcismos,
realizados diariamente nos diversos templos da IURD e/ou Mundial, práticas típicas
dos terreiros da Umbanda e Candomblé62? Ou ainda das figuras papais (líderes
infalíveis e inquestionáveis) presentes na grande maioria das igrejas NP, típicas do
catolicismo romano?
A verdade é que o movimento NP gerou na comunidade evangélica rio-
branquense uma cultura cristã que se adapta à diversidade da população acriana,
formada pela miscigenação de diversas etnias indígenas e povos imigrantes que
aqui chegaram a partir do século XIX63, de maneira que a comunidade local sinta-se
atraída a tornar-se evangélica, sem a necessidade de negar antigas práticas
religiosas tradicionais às suas culturas de origem, práticas estas que passam a ser
camufladas com uma espécie de “capa cristã”, mas que na verdade continuam
sendo doutrinas espúrias, porém travestidas de santidade.
60
Tipologia é o estudo das figuras e símbolos da Bíblia, com os quais Deus procura mostrar, por meio de coisas terrestres as coisas espirituais. Dessa forma encontramos no Antigo Testamento Deus falando das glórias celestiais através de coisas terrestres, ou seja, TIPOS que revelam o ANTI-TIPO.
61 Shofar é um antigo instrumento se sopro israelita, a qual os judeus atribuem poderes espirituais e proféticos.
62 BIANCHETTI, 2008.
63 PIMENTA, José. A “invenção” do Acre como exemplo de brasilidade. Artigo publicado na Revista Linguagens
Amazônicas, n°2, pp. 27-44, 2003.
3.1.4 – Governos monárquicos
Foram citadas no subtópico anterior as figuras papais presentes dentro do
movimento NP, herança do catolicismo romano, nascido a partir da fusão entre a
igreja cristã do século IV com a monarquia romana, na figura do Imperador
Constantino, conforme relatos históricos encontrados à exaustão nas obras
especializadas64.
Em Rio Branco essa identidade monarquista, reivindicada pelos sacerdotes
do NP, tomam proporções extremas. Vejamos mais uma vez o que ensina o
apóstolo René Terranova, a respeito da autoridade sacerdotal, uma vez que o
mesmo exerce grande influência entre a liderança cristã acriana:
(...) o líder deve preservar a identidade do seu líder. Ele nunca deve
questionar a identidade de seu mentor, a identidade de sua liderança. No
dia em que João Batista fez isso, perdeu a cabeça. Ele que havia preparado
o caminho de Jesus, que era primo de Jesus, mas que perdeu o legado da
identidade de Jesus, quando entrou na rota da suspeita da identidade de
seu líder. “Herodes questionou a identidade de Jesus e foi comido por
bichos. João Batista questionou a identidade de seu líder Jesus e por isso
perdeu a cabeça. Todo aquele que duvida da identidade do líder perde a
legitimidade e o legado da liderança de Jesus” (...)65
Considerando novamente a falta de estudo e capacitação bíblica dentro de
igrejas NP, fato bem característico em Rio Branco, encontramos aqui uma
comunidade evangélica (dentro das referidas igrejas) absolutamente subjugada por
seus líderes. Um povo temeroso, incapaz de avaliar o que seus pastores ensinam,
conforme o exemplo bereano (Atos 17:10-11), por medo de incorrerem em pecado
de rebeldia e, conforme ensinamento anteriormente citado, e ratificado pelos
sacerdotes locais, sofrerem consequências graves dessa atitude.
As palavras de René Terranova chegam a soar ridículas diante de uma
análise, ainda que superficial, da real história da morte de João Batista. Diz o texto
bíblico que: 64
Um exemplo é a obra de Alcides Conejeiro Peres chamada “O catolicismo Romano através dos tempos”.
65 TERRANOVA, Rene. Preservando a identidade do EU SOU. Disponível em: <
http://www.reneterranova.com.br/blog/?p=1500> Acesso em 08 abr. 2011.
Pois o próprio Herodes tinha dado ordens para que prendessem João, o
amarrassem e o colocassem na prisão, por causa de Herodias, mulher de
Filipe, seu irmão, com a qual se casara. Porquanto João dizia a Herodes:
"Não te é permitido viver com a mulher do teu irmão". Assim, Herodias o
odiava e queria matá-lo. Mas não podia fazê-lo, porque Herodes temia a
João e o protegia, sabendo que ele era um homem justo e santo; e quando
o ouvia, ficava perplexo. Mesmo assim gostava de ouvi-lo. Finalmente
chegou uma ocasião oportuna. No seu aniversário, Herodes ofereceu um
banquete aos seus líderes mais importantes, aos comandantes militares e
às principais personalidades da Galiléia. Quando a filha de Herodias entrou
e dançou, agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: "Peça-
me qualquer coisa que você quiser, e eu lhe darei". E prometeu-lhe sob
juramento: "Seja o que for que me pedir, eu lhe darei, até a metade do meu
reino". Ela saiu e disse à sua mãe: "Que pedirei? " "A cabeça de João
Batista", respondeu ela. Imediatamente a jovem apressou-se em
apresentar-se ao rei com o pedido: "Desejo que me dês agora mesmo a
cabeça de João Batista num prato". O rei ficou muito aflito, mas por causa
do seu juramento e dos convidados, não quis negar o pedido à jovem.
(Marcos 6:17-26, NVI).
Ora, o motivo da decapitação de João Batista foi sua denúncia contra os
pecados do rei e não há o menor indício bíblico que dê margens para outro tipo de
interpretação. A única explicação lógica para tais deturpações das verdades bíblicas
dão conta da imaginação de líderes dispostos a tudo para governar o rebanho de
Cristo através do medo, e uma ovelha que desconhece a voz do verdadeiro Pastor,
acaba sempre enganada pelos sussurros dos lobos.
Com uma única afirmação, os líderes neopentecostais, além de deturpar
absurdamente as sagradas escrituras, a fim de criar uma doutrina que atribua a eles
o direito de não serem questionados, retiram de João Batista um dos maiores
créditos de seu ministério, que seria o de denunciar o pecado, mesmo que isso lhe
custasse a morte, como de fato custou.
Com tudo isso, além do medo, essa repressão tem causado a perda da
identidade da comunidade cristã presente nas igrejas neopentecostais rio-
branquenses, uma vez que ficam totalmente entregues aos desmandos de líderes,
que determinam tudo em suas vidas, desde escolhas profissionais e
relacionamentos, até mesmo decisões cotidianas como a roupa que poderão usar ou
os locais onde poderão frequentar, numa clara apoderação das atribuições de Jesus
na vida do Cristão, conforme Ele mesmo ensina:
Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e
vós todos sois irmãos. A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque
só um é vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem sereis chamados guias,
porque um só é vosso Guia, o Cristo (Mateus 23:8-10, RA).
Posto isso, é mister considerar que Jesus é o único com autoridade sobre a
vida integral do ser humano, o que nem sempre se permite ser experimentado hoje
em dia, em especial nas comunidades neopentecostais, tornando o povo vulnerável
a qualquer vento de doutrina que sopra contra a igreja.
3.1.5 – O Triunfalismo
Toda essa gama de informações doutrinárias, nem sempre verdadeiras,
oriundas da confissão positiva e da teologia da prosperidade, desenvolve um novo
sistema filosófico dentro das igrejas NP, a saber, o triunfalismo. Quando envoltos a
esta filosofia, a igreja tende a apresentar excessiva e absoluta confiança no sucesso
terreno, e é exatamente assim que estas igrejas em Rio Branco agem e tentam
influenciar aquelas que ainda não se convenceram do valor atribuído ao movimento.
Os grupos locais formados dentro das redes sociais são um bom termômetro
para observarmos isso. Frases de efeito, bradando sobre vitórias, são repetidas
como mantras, insistentemente, entre seus adeptos. As mais comuns66 são do tipo
“crente não conhece derrota!”, “crente nasceu para vencer!”, “você é cabeça e não
cauda!” e outras afins que, ignorando os ensinamentos bíblicos, fazem sempre
referência a conquistas terrenas.
Dessa forma, tem sido criada outra cosmovisão deturpada entre boa parte da
comunidade evangélica rio-branquense sobre o tema “vitória cristã”, de forma que
até mesmo as estratégias de evangelismo se apegam a promessas vazias,
66
Conforme pode-se observar no Facebook, a rede social mais popular entre os cristãos evangélicos de Rio Branco, e em sites e blogs evangélicos da capital como o “Acre Gospel”.
proselitismos67 e chavões de vitória, tentando convencer a população de que, uma
vez convertido, todos os problemas do indivíduo serão resolvidos.
Maurício Zágari, jornalista, teólogo e escritor premiado, em seu recente livro
“A verdadeira vitória do cristão” desconstrói esse pensamento triunfalista de maneira
extremamente coesa, extraindo aquilo que a bíblia realmente afirma sobre o triunfo
que Deus promete a cada um de seus filhos. Ele diz:
(...) nós nos tornamos vitoriosos como herdeiros da vitória de Deus
sobre o mundo, o diabo e a morte. E, ao se tornar vitorioso sobre a morte,
Jesus nos torna vitoriosos sobre a morte. Com isso, ao triunfarmos sobre a
morte, pelo sangue de Cristo, recebemos como vitória a vida eterna.
Ao compreendermos essa realidade, podemos dizer sem medo a
frase “a vitória é nossa, pelo sangue de Jesus”, desde que entendamos que
o que estamos dizendo é: “O sangue de Jesus, derramado na cruz do
Calvário, nos deu a vitória, que é a vida eterna” (ZÁGARI, 2012, p. 98).
Nessa mesma perspectiva, Jesus afirma: "Eu lhes disse essas coisas para
que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham
ânimo! Eu venci o mundo" (João 13:33, NVI). Jesus deixa claro que o nosso triunfo
não é terreno, afirmando que enquanto estivermos neste mundo, as aflições serão
inevitáveis, porém temos uma grande esperança, a grande mensagem do
Evangelho, a de que um dia todo sofrimento cessará, e habitaremos livres e
triunfantes com Cristo em seu Reino.
É verdade que Deus nos abençoa ainda nesta vida e de várias maneiras, Ele
nos dá vitória e triunfos em diversas áreas, porém essa não é a ênfase do
Evangelho e nem uma garantia, pois estamos completamente sujeitos à vontade de
Deus e Ele, de fato, abençoa a quem quer:
Como está escrito: "Amei Jacó, mas rejeitei Esaú". E então, que diremos?
Acaso Deus é injusto? De maneira nenhuma! Pois ele diz a Moisés: "Terei
misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem
eu quiser ter compaixão". Portanto, isso não depende do desejo ou do
esforço humano, mas da misericórdia de Deus. (Romanos 9:13-16, NVI).
67
Proselitismo religioso é o intento, zelo, diligência, empenho ativista de converter uma ou várias pessoas a
uma determinada religião através da argumentação.
Dessa forma, fica claro perceber que todo realce dado a conquistas terrenas,
em detrimento da verdadeira vitória do cristão, que é a salvação através do sacrifício
de Jesus, é falsa e gera graves consequências como poderemos observar no
próximo capítulo, sobre o impacto social das igrejas evangélicas na sociedade rio-
branquense.
3.1.6 – Ênfase nas experiências
Por fim, a ultima consequência do movimento neopentecostal sobre a
comunidade evangélica acriana (e brasileira) que trataremos neste trabalho, é a
importância exagerada, quase canônica68, que as igrejas adeptas do movimento
atribuem às experiências pessoais, em especial aquelas supostamente
sobrenaturais.
Esse empirismo69 é a principal base de sustentação para todas as falsas
doutrinas que acompanham o movimento NP. Por exemplo, quando se anuncia a
prosperidade financeira como uma promessa de Deus à igreja, estas afirmações são
perpetuadas pela experiência pessoal de pessoas que de fato prosperaram após
suas conversões. Dessa forma ignoram-se completamente as incontáveis pessoas
que não alcançaram tal “benção”, para enfatizar a veracidade de tais doutrinas
através da vida de minorias.
Entretanto, a bíblia é clara quando afirma que “Deus não faz acepção de
pessoas”. Ora, se de fato a prosperidade financeira fosse uma promessa de Deus à
igreja, não haveria exceções, não alcançariam esta promessa apenas uma parcela
mínima da população evangélica, especialmente quando esse grupo, na prática,
nem sempre possui um testemunho de fidelidade cristã.
Infelizmente a comunidade evangélica rio-branquense tem se deixado
conduzir muitas vezes apenas por experiências pessoais, deixando a Palavra
68
Canônico é um adjetivo que caracteriza aquilo que está de acordo com os cânones, com as normas
estabelecidas ou convencionadas e é por isso considerado aprovado, verdadeiro. A bíblia cristã é formada pelo Canon bíblico, ou seja, os livros considerados verdadeiramente inspirados por Deus.
69 Empirismo é um movimento que acredita nas experiências como únicas (ou principais) formadoras das idéias,
discordando, portanto, da noção de idéias inatas. No empirismo, a sabedoria é adquirida por percepções.
imutável de Deus em segundo plano, e não aceita as verdade ali contidas, exceto
aquelas que são interessantes aos seus desejos pessoais.
Porém a ênfase nas experiências vai muito além da questão da prosperidade.
Manifestações alheias ao evangelho são comuns, nos cultos neopentecostais, o que
em Rio Branco não poderia ser diferente. Entretanto, a bíblia diz que:
Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo
em todos. A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito, visando ao
bem comum” (I Corintios 12:6-7, NVI).
Em outras traduções temos:
E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo
em todos. A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um
fim proveitoso (JFA-RA).
E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em
todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil
(JFA-RC).
Dessa forma, a Palavra de Deus não nega que existam manifestações
espirituais, porém limita aquelas que são de fato realizadas pelo Espírito Santo ao
campo da utilidade e do bem comum a todos, ou seja, não se trata de manifestações
pessoais, mas operações do Espírito que beneficiam a todos da congregação, de
forma que haja alguma utilidade prática para a vida cristã, o que nem sempre tem
acontecido nas manifestações carismáticas em igrejas neopentecostais da capital
acriana.
É possível ver constantemente pessoas “caindo no poder”, falando em línguas
desordenadamente, trazendo a todo instante novas revelações e profecias,
afirmando terem sido arrebatadas no culto, ou tomadas por unções extravagantes, e
diversas outras experiências que quase nunca trazem consigo proveito algum para a
igreja, apenas criam uma atmosfera supostamente espiritual, sobrenatural, e tornam
“especiais” as pessoas que alegam ter experimentado tais manifestações, o que
gera uma corrida em busca deste “sobrenatural”, para que, aquelas que não
experimentaram, não sejam consideradas carnais, o que geralmente acontece.
Assim, de experiência em experiência, a igreja vai sendo conduzida por
caminhos nem sempre aprovados pelo Evangelho de Jesus Cristo, de forma que
aquelas passam a ser consideradas tão ou mais importantes para a igreja do que a
revelação escrita, erro esse cometido pela maior parte das seitas existentes em que,
em determinado momento da história, seus pioneiros viveram experiências
sobrenaturais, inexplicáveis e, deixando de lado os conselhos bíblicos, se
entregaram àquelas manifestações e delas desenvolveram novos sistemas
religiosos.
4 – O CRESCIMENTO DA IGREJA E SEU IMPACTO SOCIAL EM RIO
BRANCO
“As igrejas Neopentecostais realizaram as mais profundas acomodações à
sociedade (se pensarmos em termos de mutações do protestantismo
através dos tempos), abandonando vários traços sectários, hábitos
ascéticos e o velho estereótipo pelo qual os “crentes” eram reconhecidos e,
implacavelmente, estigmatizados, abolindo certas marcas distintivas e
tradicionais de sua religião, propondo novos ritos, crenças e práticas, dando
ares mais brandos aos costumes e comportamentos como em relação às
vestimentas. O prefixo “neo” é utilizado para marcar sua recente formação,
bem como seu caráter de “novidade” dentro do protestantismo, mais
especificamente do pentecostalismo”70
.
A citação acima foi escrita pelo Doutor em Sociologia Paulo Silvino Ribeiro, ao
analisar o surgimento do neopentecostalismo no Brasil. Durante sua análise ele
explicita grandes mudanças comportamentais entre os crentes neopentecostais, em
relação aos antigos estereótipos pelos quais a população evangélica era
reconhecida. O velho deu lugar ao novo. Os velhos costumes e a ortodoxia deram
lugar a novas práticas e a uma abertura teológica poucas vezes vistas na história do
cristianismo. Infelizmente a consequência dessa transformação já vimos no capitulo
anterior, e não é nada agradável.
Em Rio Branco, esta transformação encontra-se bastante evidente, mais
ainda do que noutras cidades brasileiras, por uma razão simples: Rio Branco é a
única capital do Brasil onde a quantidade de evangélicos é praticamente igual ao
numero de católicos, isso de acordo com o Censo 2010, do IBGE. Ainda de acordo
com a referida pesquisa, a projeção é que no ano de 2012, o número de evangélicos
tenha ultrapassado 50% da população.
70
RIBEIRO, Paulo Silvino. O advento do Neopentecostalismo no Brasil. Disponível em: < http://www.brasilescola.com/sociologia/o-advento-neopentecostalismo-no-brasil.htm> Acesso em: 10 jul. 2012.
Vamos analisar alguns dados importantes do Censo 2010, sobre a quantidade
de evangélicos na capital acriana, em comparação aos católicos, na figura que
segue:
Figura 1 – Porcentagem de católicos e evangélicos em relação à população total residente em Rio Branco.
Note que em 2010 a quantidade de evangélicos era de apenas 294 pessoas a
menos que a quantidade total de católicos, algo inconcebível apenas uma década
atrás. Em comparação com os dados do Censo 2000, houve um crescimento
extremamente acelerado da igreja evangélica em apenas 10 anos, conforme as
figuras 1, 2 e 3:
Figura 2 – População total de Rio Branco no ano 2000.
Figura 3 – Porcentagem de evangélicos por capital, em relação à população total.
De acordo com a figura 3, no ano 2000, a população evangélica em Rio
Branco somava 23,27% da população total. Considerando que (conforme a figura 2)
a população total de Rio Branco era de 253.059 habitantes, o número absoluto de
evangélicos era de aproximadamente 58886 pessoas. Dessa forma, em apenas 10
anos, entre o ano 2000 e 2010, houve um crescimento de mais de 220% da
população evangélica em Rio Branco. A maior parte desse crescimento deve-se,
sem dúvidas, ao advento do neopentecostalismo, em especial às igrejas adeptas do
G12, além das congregações da IURD e IMPD.
Dessa forma fica evidenciado o que já afirmamos outrora: desde a década de
90, com a chegada do neopentecostalismo em Rio Branco, houve um crescimento
exponencial do número de evangélicos como jamais visto em nenhuma outra era do
cristianismo, nem no âmbito local, tampouco nacional.
Este crescimento gerou mudanças significativas na cultura local. De minoria
estereotipada a maioria formadora de opiniões e movimentadora de mercado, é
como se encontra a população evangélica de Rio Branco. Hoje não se caminha mais
pelas ruas da capital acriana sem se deparar com propagandas especificas para
esta fatia populacional. Existem rádios evangélicas locais, programas de televisão
evangélicos, exposições de produtos e shows gospels patrocinados pelo poder
público. Aliás, o poder público tem sido compelido a desenvolver políticas e
melhorias que beneficiem especificamente a população evangélica, como é o caso
de um recente projeto estadual que prevê a construção de um “Parque Gospel71”,
que visa a realização de ações eclesiásticas e trabalhos sociais desenvolvidos pelas
igrejas evangélicas.
Outro fenômeno interessante, especialmente em tempos de eleição, é a
recente “valorização” da comunidade evangélica pelos políticos e candidatos locais,
de forma que a grande maioria deles incluem, em seus projetos de campanha,
promessas especificas à Igreja Evangélica, além de citar continuamente o nome de
Jesus em seus discursos, numa clara tentativa de agrada-la.
Dessa forma, dado o número elevado de cristãos evangélicos, a comunidade
evangélica deixou de ser coadjuvante social para ditar muitas regras. Ela agora tem
uma voz e isso notadamente é um grande avanço, se bem utilizado, para o Reino de
Deus. Mas na prática, essa vantagem parece não estar gerando claros benefícios
para a sociedade rio-branquense, é o que trataremos a seguir.
4.1 – A prosperidade tem alcançado a comunidade evangélica?
Esta pergunta se torna pertinente em face de tudo o que já discutimos
anteriormente. Hoje em Rio Branco, o evangelho triunfalista e da prosperidade tem
sido anunciado nos quatro cantos da cidade, mas será que esta relação entre fé e
renda tem sido realidade? A população de Rio Branco tem prosperado à medida que
se converte ao cristianismo protestante?
Para responder esta pergunta lançaremos mão de mais alguns dados
incontestáveis, revelados pelo Censo 2010. Observe a figura 4.
71
Conforme notícia veiculada no portal “Agencia de Notícias do Acre”, mantida pelo governo estadual, disponível em < http://www.agencia.ac.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=17119&Itemid=26>.
Figura 4 – A renda da população rio-branquense, separada por religião.
Analisando atentamente o gráfico referente à renda da população de Rio
Branco, podemos identificar dados extremamente relevantes. Note que apenas na
fatia populacional com renda inferior ou igual a um salário mínimo, a quantidade de
evangélicos é superior a de católicos, ou seja, a classe mais pobre da população é
formada em sua maioria por evangélicos, numa taxa de 7% a mais.
Nas outras duas fatias, a classe média e classe média alta e rica, o número
de evangélicos cai geometricamente. A classe média (cor verde escura) é formada
majoritariamente por católicos, sendo que a quantidade de católicos presentes nela,
em Rio Branco, é 38% maior que a quantidade de evangélicos. Já na classe média
alta (cor verde clara), os católicos são maioria absoluta. São 2124 católicos contra
853 evangélicos, ou seja, o número de católicos com alta renda é 149% maior que o
número de evangélicos!
Se considerarmos a maneira como os protestantes historicamente qualificam
os católicos, considerando-os, dentre outros adjetivos, de idólatras, estes números
beiram o absurdo, pois como poderia um povo idolatra prosperar mais do que o povo
fiel? A resposta para essa questão é simples, pois independentemente da situação
teológico/doutrinária onde se encontram católicos, a teologia da prosperidade
alardeada pelas igrejas neopentecostais é falsa, por isso não se sustenta fora do
âmbito da imaginação.
Infelizmente, conforme vimos anteriormente, as experiências pessoais têm
surtido efeito doutrinário na comunidade evangélica de Rio Branco. Dessa forma,
mesmo com números tão claros, os testemunhos de minorias geram uma falsa
impressão de que isso de fato “funciona” (pragmatismo). Assim, quando um adepto
prospera (por motivos diversos), ignoram-se as centenas de outras pessoas que não
experimentaram tais benefícios financeiros em suas vidas para, em detrimento da
maioria, sustentar uma doutrina inteiramente falsa, baseada apenas numa
experiência pessoal.
Enfim, as pessoas que têm acreditado nas promessas neopentecostais de
prosperidade financeira, não tem experimentado isso de forma prática em suas
vidas. Assim a prosperidade financeira continua sendo, conforme já indica a palavra
de Deus, fruto de trabalho, ou quando muito, de atividades duvidosas.
4.2 – O crescimento da igreja evangélica tem gerado impacto positivo e sólido
na sociedade rio-branquense?
Quando falamos de impacto social positivo, nos referimos a uma
transformação genuína dentro da sociedade, gerando diminuição gradativa da
violência urbana assim como de todos os outros fatores negativos que assolam a
sociedade. Esse questionamento é importante, uma vez que é notório o crescimento
evangélico na cidade, considerando ainda que, para cada cidadão convertido ao
evangelho de Jesus temos, teoricamente, um cidadão a menos para cometer crimes,
para fazer uso de entorpecentes, para praticar violência doméstica, dentre outros, o
que geraria obrigatoriamente uma melhoria desse tipo de estatística.
A partir desta perspectiva, observe a figura 5:
Figura 5: Dados relativos ao aumento dos principais tipos de violência. Números brutos comparativos entre o 1º
semestre de 2010 e 1º semestre 2012.
Infelizmente não há no Estado do Acre dados estatísticos confiáveis
anteriores a 2010, uma vez que as informações referentes aos dados tratados na
figura 5 estarem dispostas em diversos sistemas de dados, o que impossibilita sua
análise com fidelidade, dificuldade totalmente sanada somente a partir do segundo
semestre de 2009. Por esta razão faremos uma análise comparativa apenas entre o
primeiro semestre de 2010 e o primeiro semestre de 2012, a fim de ilustrar as
informações aqui defendidas.
Conforme já vimos, em 2010, 41,1% da população de Rio Branco era de
profissão de fé evangélica. O crescimento continua acelerado, conforme comprova
pesquisa realizada em 2011 pela “Data Control”, encomendada pelo jornal acriano
“A Tribuna”. Segundo a mesma, em 2011, 53,3% da população acriana já se dizia
evangélica, o que nos leva a considerar indubitavelmente que este número continua
crescendo, especialmente na capital acriana.
Dessa forma, com tal crescimento evangélico, era de se esperar que a
violência urbana diminuísse de forma inversamente proporcional, ou pelo menos que
ficasse estagnada, uma vez que a conversão do indivíduo gera um novo cidadão,
não mais conforme o anterior, em outras palavras, um cristão a mais significa um
bandido (ou um bandido em potencial) a menos, pelo menos é assim que nos ensina
o Evangelho de Jesus.
Porém não é o que vemos acontecer em Rio Branco. Não obstante o aumento
do número de evangélicos, a violência continua aumentando paralelamente. Note na
figura 5 que a quantidade de estupros e assaltos aumentou, respectivamente, 6% e
29,8% no primeiro semestre de 2012, em comparação ao primeiro semestre de
2010.
Nas famílias, a violência doméstica72 também não recuou, antes continua
aumentando. Entre os casos mais comuns, de ameaça e lesão corporal, somente
em Rio Branco houve um salto de 1619 casos registrados, nos primeiros seis meses
de 2010, para 1992, no mesmo período de 2012, um aumento de 23% nas
ocorrências. Se considerarmos que, estatisticamente, uma grande porcentagem dos
casos não são registrados, esse número torna-se ainda mais sintomático.
Contudo, quando observamos o dia-a-dia da cidade, estes números tomam
características ainda mais absurdas, do ponto de vista do crescimento da
comunidade evangélica.
Diariamente é possível observar nos jornais locais, casos de violência e
corrupção onde evangélicos aparecem como acusados, seja com envolvimento de
congregações, seja de forma isolada. Além disso, grande parte dos escândalos
políticos, ocorridos na capital, envolve a bancada evangélica, fato esse notório nos
mais diversos canais de notícias locais.
O policial civil Luciano Henrique de Souza, coordenador da seção de logística
do principal departamento operacional da Secretaria de Estado da Polícia Civil -
SEPC, afirma que em praticamente todas as grandes operações realizadas pela
polícia civil em Rio Branco, há evangélicos figurando entre os investigados,
especialmente entre aqueles que acabam presos pelas mais variadas ilicitudes. Ele
chega a dizer que, para cada 10 prisões que executa, a proporção de evangélicos
varia entre 50 e 60 por cento.
Em recente operação realizada pela polícia civil em Rio Branco, que ficou
conhecida como a “Máfia do Detran”, amplamente divulgada pela imprensa local,
dos 27 presos, acusados de crimes de corrupção passiva, ativa, formação de
quadrilha dentre outros, 19 eram evangélicos, em sua maioria oriundos de igrejas
adeptas da visão G12 e M12, conforme relatos de participantes da operação, fato
esse bastante debatido nos grupos locais das redes sociais.
72
Casos de violência na esfera familiar.
Embora os gritos de avivamento sejam constantes em Rio Branco,
fundamentados especialmente neste acelerado crescimento da comunidade
evangélica, definitivamente não é isso que os dados sociais e o próprio cotidiano da
cidade revelam.
A verdade é que não houve nenhum benefício prático para a população local
com o aumento do numero de evangélicos. Não há um bairro sequer transformado
pelo poder do Evangelho, não há redução da violência, não se vê diminuição da
pobreza, tampouco da gravidez na adolescência, dos números do tráfico, os
casamentos continuam se dissolvendo, inclusive dentro das igrejas, enfim, nada
mudou, ou se mudou, foi para pior, conforme vimos na figura 5. Em outras palavras,
o avivamento anunciado é falso, assim como é falso o evangelho mediante o qual
boa parte destas pessoas tem aderido ao cristianismo evangélico.
Alias, é justamente isso o que muitos são, adeptos. Adeptos e não servos,
pois é isso o que a confissão positiva e a teologia da prosperidade tem gerado:
pessoas que aderem a uma visão, a uma promessa de prosperidade, honra e vitória,
mas que muitas vezes não estão dispostas a simplesmente servir ao próximo, sem
que isso signifique alcançar algum tipo de benefício terreno, apenas por amor. A
mensagem é clara, sem Evangelho genuíno não há cristão verdadeiro.
Existe ainda outra informação sintomática. A igreja evangélica rio-branquense
não tem mais “caído na graça do povo73”, conforme era característica da igreja
primitiva, embora esse fenômeno não seja apenas local. Entretanto, o que motiva
esta certa repulsa promovida pela população não evangélica contra a igreja
protestante, não é uma variação da perseguição religiosa pela qual, historicamente,
o cristão evangélico sempre foi vítima, mas sim as atitudes dúbias e discutíveis
tomadas por estes. Na prática, os evangélicos são acusados de não viverem o que
pregam, ou de usar a religião em benefício próprio através de doutrinas espúrias, na
maioria das vezes relacionando as bênçãos de Deus com contribuições financeiras.
Nesta perspectiva, foi realizada uma pequena pesquisa entre pessoas não
evangélicas, Moradoras de Rio Branco. Elas responderam a seguinte questão: Qual
a sua visão em relação à população evangélica de Rio Branco, do ponto de vista de
sua relevância social e de sua postura enquanto representantes de Deus?
Vejamos algumas das respostas mais contundentes:
73
Termo que expressa a empatia com que o povo observava a igreja da época dos apóstolos, descrito em Atos 2:47.
“Hodiernamente, ser evangélico “está na moda”. A grande maioria das
pessoas frequentam igrejas evangélicas por mero oportunismo e
conveniências pessoais. Os que se autointitulam “evangélicos” formam tão
somente mais uma das milhares de religiões, ou seja, um conglomerado de
pessoas que buscam, nada mais nada menos que seguir confortáveis
doutrinas elaboradas por grupos de “estrategistas”, de maneira a difundir
uma nova devoção religiosa, a partir da qual se vive passivamente uma
suposta vida “cristã”. Em geral, “ser evangélico” está muito mais relacionado
a questões puramente estratégicas” (Antônio Silvestre, morador do Bairro
Tucumã, via Facebook).
“Acredito que o amor a Deus e ao próximo seja o que menos têm importado
para muitos pastores e igrejas. O que se quer mostrar são quantos líderes
aquela igreja possui, quantos discípulos aquele líder já tem, o número de
fieis que têm contribuído com o dízimo, e coisas assim. É quase como um
plano de metas do governo, onde pesa as estatísticas e não a real
importância de Deus na vida das pessoas. Tanto que, o que mais temos
visto nos últimos dias, são "evangélicos" cometendo crimes (...) E vou um
pouco mais a fundo, algumas igrejas estão formando hipócritas, pessoas
que pregam a fé no entanto, na prática, por debaixo dos panos, agem de
forma completamente contrária àquilo que vivem dentro da igreja. Do que
adianta? É muito fácil ser "crente" desse jeito. É muito fácil criticar pessoas,
julgar-se superior por não beber, não fumar, não ir a festas, e estar todos os
domingos na igreja, dizendo a todos que pagou os R$300,00 e foi para o
pré encontro, o encontro, o pós encontro e tudo mais; mas na vida mesmo,
não coloca em prática nada que deveria aprender na bíblia” (Vanessa
Cordeiro, moradora do Bairro Bosque, via email).
“Tenho vários amigos e colegas evangélicos e em geral gosto muito deles.
Alguns têm uma postura exemplar. Entretanto, verifico que existe um
segmento (grande) de protestantes que estão passando pelo
mesmo processo que acometeu os católicos, qual seja: estão misturando fé
com as “coisas do mundo”. Não consigo diferenciar um católico de uma
“pessoa do mundo”, por exemplo. Da mesma forma, hoje em dia tenho
dificuldades para diferenciar um evangélico de um não-evangélico.
Qualquer um se autodenomina protestante. Tenho encontrado pessoas que
possuem postura, comportamento e valores que não condizem com os
valores cristãos. O discurso não está em sintonia com as praticas.
Particularmente nunca conheci alguém que conseguisse seguir em 100%
tudo o que está na Bíblia, mas conheço algumas (pouquíssimas) que estão
bem próximas disso, mas a maioria dos protestantes está muito distante
desta realidade. Não vivem o que pregam e, pior, parecem não se dar conta
disso. A comunidade protestante cresce de forma astronômica em nossa
cidade, em nosso estado e em nosso país, entretanto, não conseguimos
enxergar mudanças positivas dentro de nossa sociedade. A corrupção, a
individualidade, o materialismo, a falta de solidariedade e a degradação
familiar continuam prevalecendo nas relações entre as pessoas. Se o
número de evangélicos está aumentando o correto seria que todas estas
coisas citadas anteriormente diminuíssem e que a vida em sociedade
melhorasse, mas não é o que se observa. Nós ainda somos um país de
políticos e de cidadãos corruptos” (Francisco Progênio, morador do Bairro
06 de Agosto, via email).
A imagem da igreja evangélica está tão arranhada diante da sociedade, que
não houve sequer um entrevistado que a tenha elogiado. Podemos observar nas
respostas supracitadas que, ainda que reconheçam existir cristãos genuínos, a
população não considera que a igreja esteja cumprindo seu papel de agente
transformador da sociedade, através do amor, da justiça e do testemunho cristão, ou
seja, a igreja não tem sido vitoriosa em seu papel de representar Cristo, e esse
testemunho é dado pela própria comunidade da cidade.
5 – CONCLUSÃO
Não se passaram muitos anos desde o tempo em que o jovem evangélico se
deparava com preconceitos sociais, fruto de sua firme postura negativista diante da
sociedade. Por não beber ou fumar, não namorar irreverentemente nem se
comportar de forma imoral, ele era em geral tratado pelos outros jovens como
alguém alienado, bobo, careta e sem personalidade.
Na prática o preconceito continua, porém os motivos são bem diferentes, pois
se existe algo que o jovem cristão da atual geração, em especial a neopentecostal,
não é, é careta. Ser evangélico não é mais sinônimo de ser antiquado, inocente. O
jovem evangélico agora promove festas raves74, namora indiscriminadamente, bebe
e não se diferencia mais dos outros pela roupa ou pelo vocabulário. Este “embaraço”
não faz mais parte do cotidiano cristão.
Entretanto, infelizmente agora, ser evangélico tem aos poucos se tornado
sinônimo de ser apaixonado por dinheiro, ser aproveitador, soberbo e amante
excessivo de si mesmo, tudo exatamente inverso ao que nos anuncia o Evangelho
de Jesus. Mas desta vez a culpa não é da perseguição religiosa ou da ignorância
popular quanto aos verdadeiros valores do Reino de Deus, mas do mau testemunho
da igreja, de sua inoperância social, e de sua cada vez mais constante participação
em escândalos políticos e policiais.
É verdade que os tempos mudam e que, talvez, no aproximemos do tempo do
fim, conforme anunciado nas escrituras, a qual alerta sobre a falta de amor que
imperaria na vida de muitos, porém também não restam dúvidas de que o
neopentecostalismo tem contribuído sobremaneira a esse quadro, sendo grande
responsável pelo relativismo teológico e seu consequente esfriamento espiritual.
74
Rave é um tipo de festa que acontece em sítios (longe dos centros urbanos) ou galpões, com música
eletrônica. É um evento de longa duração, normalmente acima de 12 horas, onde DJs e artistas plásticos, visuais e performáticos apresentam seus trabalhos, interagindo, dessa forma, com o público.
Ora, o Evangelho de Jesus Cristo é salvação para aquele que crê (Rm 1:16),
não dinheiro no bolso, porém essa verdade tem sido revertida em muitos púlpitos
mundo afora, assim como em Rio Branco, adquirindo uma nova roupagem: a de que
Cristo morreu para que ainda nesta vida, alcançássemos a tão sonhada vida
abundante, numa perspectiva totalmente material e terrena.
Em vista disso, a igreja tem se tornado cada vez mais parecida com o mundo,
e sobre isso John Stott75 afirma:
Urge que não somente vejamos, mas também sintamos, a grandeza dessa
tragédia, pois, na medida em que uma igreja se conforme com o mundo, e
as duas comunidades pareçam ser meramente duas versões da mesma
coisa, essa igreja está contradizendo a sua verdadeira identidade. Nenhum
comentário poderia ser mais prejudicial para o cristão do que as palavras:
"Mas você não é diferente das outras pessoas! (STOTT, 1981, p. 8)
Portanto urge que a igreja abandone o excesso de tolerância e que haja um
posicionamento claro e incisivo contra essa abertura teológica que, embora
acompanhe o discurso de aprimoramento e renovação da igreja e da pregação
bíblica, a fim de dar respostas contemporâneas aos problemas da humanidade, está
na verdade causando um enfraquecimento da Igreja, modificando seu caráter e
substituindo seu alvo que sempre foi, é e continuará sendo, o Reino ainda invisível
de Deus.
75
John Robert Walmsley Stott, (1921–2011) foi um líder anglicano britânico, conhecido como uma das
grandes lideranças mundiais evangélicas. Foi um dos principais autores do pacto de Lausana, em 1974. Em 2005, a revista Time classificou Stott entre as 100 pessoas mais influentes do mundo.
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TRASK, Thomas E. O Pastor Pentecostal. Rio de Janeiro, Casa Publicadora das
Assembléias de Deus. 1999.
É PROIBIDO PENSAR
Procuro alguém pra resolver meu problema
Pois não consigo me encaixar neste esquema
São sempre variações do mesmo tema
Meras repetições
A extravagâncias vem de todos os lados
E faz chover profetas apaixonados
Morrendo em pé rompendo a fé dos cansados
Com suas canções
Estar de bem com vida é muito mais que renascer
Deus já me deu sua palavra
E é por ela que ainda guio o meu viver
Reconstruindo o que Jesus derrubou
Re-costurando o véu que a cruz já rasgou
Ressuscitando a lei pisando na graça
Negociando com Deus
No show da fé milagre é tão natural
Que até pregar com a mesma voz é normal
Nesse evangeliquês universal
Se apossando do céus
Estão distantes do trono, caçadores de deus
Ao som de um shofar
E mais um ídolo importado dita as regras
Pra nos escravizar.
(Música “É proibido pensar”, de João Alexandre)