Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

62
Faculdade de Teologia Batista Betel Curso de Bacharelado em Teologia Ruy Cavalcante de Oliveira Sobrinho Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense. Rio Branco xxxx

description

Monografia apresentada à Faculdade de Teologia Batista Betel, como exigência final para obtenção do título de Bacharel em Teologia.

Transcript of Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Page 1: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Faculdade de Teologia Batista Betel Curso de Bacharelado em Teologia

Ruy Cavalcante de Oliveira Sobrinho

Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense.

Rio Branco

xxxx

Page 2: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Faculdade de Teologia Batista Betel

Ruy Cavalcante de Oliveira Sobrinho

Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense.

Monografia apresentada à Faculdade de Teologia Batista Betel, como exigência final para obtenção do título de Bacharel em Teologia. Orientador: Francisco Albino de Souza.

Rio Branco

xxxx

Page 3: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Ruy Cavalcante de Oliveira Sobrinho

Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na sociedade rio-branquense.

Trabalho de Monografia apresentado à Faculdade de Teologia Batista Betel - FTBB, em

cumprimento às exigências para obtenção do grau de Bacharel em Teologia.

Data de aprovação: ____/____/________

Nota: ____________

BANCA EXAMINADORA

...................................................................

Francisco Albino de Souza Doutor (Orientador)

................................................................... Elizeu da Costa Melo

Doutor

................................................................... Joália Pereira da Costa

Doutora

Page 4: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

RESUMO

A monografia versa sobre a chegada do movimento neopentecostal à capital

acriana, com suas consequências diretas e indiretas no âmbito litúrgico e nos

sistemas doutrinários das igrejas adeptas, além do impacto ocasionado dentro da

sociedade rio-branquense. Tem como objetivo principal mostrar que este movimento

é um dos principais responsáveis pelo crescimento da igreja evangélica em Rio

Branco, o que poderia ser proveitoso para a sociedade, não fossem as negativas

transformações que ocasionou no senso comum social e no caráter cristão daqueles

que atendem ao seu apelo doutrinário. Busca-se através de pesquisas sociais e

entrevistas, demonstrar o impacto que esse crescimento eclesiástico tem causado

na sociedade, sejam eles proveitosos ou destrutivos. Além disso, este trabalho

realiza uma revisão bibliográfica, a fim de identificar as raízes do movimento

neopentecostal, suas bases doutrinárias, realizando uma apologética cristã prática,

tendo a bíblia como principal, embora não única, coluna de sustentação.

Palavras-chave: Neopentecostalismo; Rio Branco; crescimento da igreja; impacto

social; consequências; sistema doutrinário; e cristianismo.

Page 5: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

RESUMEN

La monografía trata de la llegada del movimiento neo-pentecostal en la capital de

Acre, con sus consecuencias directas e indirectas sobre la liturgia y los sistemas

doctrinales de las iglesias adeptos, y el impacto causado en la sociedad rio-

branquense. Su objetivo principal es mostrar que este movimiento es un importante

contribuyente al crecimiento de la iglesia evangélica en Rio Branco, que podría ser

útil a la sociedad, si no fuera por los cambios negativos que resultaron en el sentido

social y común en el carácter cristiano de los que sirven su recurso de casación

doctrinal. Buscar en sí mismo através de encuestas sociales y entrevistas para

demostrar el impacto que este crecimiento ha hecho en la iglesia y en la sociedad,

ya sea beneficioso o destructivo. Por otra parte, este trabajo se revisa la literatura

con el fin de identificar las raíces del movimiento pentecostal, su base doctrinal,

realizando una práctica cristiana apologética, tomando la Biblia como la principal,

aunque no único, columna de soporte.

Palavras-chave: El neo-pentecostalismo; Rio Branco; crecimiento de la iglesia; el

impacto social; las consecuencias; sistema doctrinal; y el cristianismo.

Page 6: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

LISTA DE SIGLAS

JFA-RC Tradução de João Ferreira de Almeida - Revista e Corrigida

JFA-RA Tradução de João Ferreira de Almeida - Revista e Atualizada

NVI Nova Versão Internacional

IURD Igreja Universal do Reino de Deus

NP Neopentecostal, neopentecostais, neopentecostalismo

MIR Ministério Internacional da Restauração

IMPD Igreja Mundial do Poder de Deus

Page 7: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8

2 – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS ........................................................ 11

2.1 - VISÃO GERAL SOBRE AVIVAMENTO ............................................................................... 12

2.2 – O PENTECOSTALISMO................................................................................................. 16

2.2.1 – Origem do pentecostalismo ............................................................................... 16

2.2.2 – Chegada do pentecostalismo ao Brasil e seu estabelecimento ......................... 18

2.3 – CONFISSÃO POSITIVA E A CIÊNCIA CRISTÃ .................................................................... 20

2.3.1 – Kenneth Erwin Hagin e a Confissão Positiva ..................................................... 22

2.4 – A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE ................................................................................. 24

2.5 – A CHEGADA DO NEOPENTECOSTALISMO AO BRASIL ...................................................... 26

2.5.1 – Rio Branco seguindo a onda nacional ............................................................... 27

3 – AS CONSEQUÊNCIAS DO NEOPENTECOSTALISMO ............................................... 30

3.1 – MUDANÇA DE PARADIGMAS ......................................................................................... 31

3.1.1 – O abandono progressivo da ortodoxia ............................................................... 32

3.1.2 – O pragmatismo .................................................................................................. 35

3.1.3 – O sincretismo..................................................................................................... 36

3.1.4 – Governos monárquicos ...................................................................................... 39

3.1.5 – O Triunfalismo ................................................................................................... 41

3.1.6 – Ênfase nas experiências .................................................................................... 43

4 – O CRESCIMENTO DA IGREJA E SEU IMPACTO SOCIAL EM RIO BRANCO ........... 46

4.1 – A PROSPERIDADE TEM ALCANÇADO A COMUNIDADE EVANGÉLICA? ................................ 49

4.2 – O CRESCIMENTO DA IGREJA EVANGÉLICA TEM GERADO IMPACTO POSITIVO E SÓLIDO NA

SOCIEDADE RIO-BRANQUENSE? ........................................................................................... 51

5 – CONCLUSÃO ................................................................................................................ 57

6 – REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 59

Page 8: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

1 – INTRODUÇÃO

Tenho consciência que tratar do assunto “Neopentecostalismo” constitui-se

hoje numa espécie de tabu cristão, algo que, quando feito, dá-se de forma velada, o

que em si mesmo já deveria ser motivo para amplos debates sobre o assunto, dada

a necessidade de transparência no que tange a fé cristã.

Infelizmente a realidade se apresenta de outra forma. Há pouco ou quase

nenhum debate referente a este fenômeno chamado neopentecostalismo, mas sabe-

se que ele tem sido responsável, juntamente com suas ramificações, por um

crescimento explosivo da população evangélica brasileira (e porque não mundial),

em proporções jamais vistas.

Da mesma maneira que, no início do século passado, a primeira onda

pentecostal1 causou mudanças impressionantes e definitivas na estrutura evangélica

brasileira, o neopentecostalismo, também conhecido como a “terceira onda

pentecostal”, tem introduzido, especialmente na última década, alterações

constantes no movimento evangélico nacional, o que pode ser visto claramente em

nossa sociedade rio-branquense2.

Estas mudanças partem desde os sistemas de governo eclesiásticos,

passando pelas estratégias proselitistas e até mesmo pelas bases de fé e conduta, o

que notoriamente tem afastado algumas igrejas da ortodoxia3 cristã e modificado o

padrão comportamental até mesmo dentro de denominações históricas.

1 A primeira onda pentecostal, também chamada Pentecostalismo Clássico, abrangeu o período de 1910

a 1950 e iniciou-se com sua implantação no país, decorrente da fundação da Congregação Cristã no Brasil e da Assembléias de Deus até sua difusão pelo território nacional (FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro: Nem anjos nem demônios, Petrópolis: Vozes, 1996).

2 Natural de Rio Branco, Acre.

3 Entende-se por Ortodoxia cristã a fidelidade e exatidão doutrinária quanto ao texto bíblico, ou ainda os padrões

doutrinários oficiais, ou vigentes, da teologia cristã.

Page 9: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Fruto histórico da confissão positiva4, a corrente neopentecostal encontra

terreno amplo de atuação no Brasil, uma vez que somos uma nação historicamente

colonizada por povos místicos, cujas crenças sempre se apegaram ferozmente as

coisas sobrenaturais.

O presente trabalho possui um objetivo modesto: identificar a influência dessa

vertente evangélica no âmbito da fé e praticas cristã, especificamente na

comunidade rio-branquense, uma vez que é inegável seu crescimento e

consequente transformação dos tradicionais sistemas religiosos outrora intocáveis.

Penso que esta pesquisa seja relevante para o auxílio que prestará aos

inúmeros estudantes de teologia, que se deparam diariamente com pensamentos

oriundos do neopentecostalismo, bem como para o esclarecimento das

comunidades cristãs, além de leigos em geral.

Esta pesquisa, de conteúdo essencialmente apologético5, procura responder

a seguinte questão controversa: Quais os benefícios e malefícios do pensamento

neopentecostal dentro do movimento evangélico e da sociedade rio branquense?

A partir desta questão central, decorrem: A comunhão cristã e o

assistencialismo evangélico aumentaram com o advento do neopentecostalismo?

Houve melhoria social como consequência direta do crescimento de denominações

neopentecostais?

Para isso serão primeiramente conceituadas as principais nomenclaturas

históricas, teológicas e doutrinárias relacionadas ao tema, seguidas de análises

bíblicas das fundamentais vertentes doutrinárias presentes no movimento

neopentecostal que, de forma direta ou velada, divergem da ortodoxia cristã,

combinadas com testemunhos de experiências de pessoas comuns, líderes e

crentes que de alguma forma se relacionam com o tema proposto.

O presente trabalho tentará ainda de forma ousada, dada a dificuldade de se

obter dados estatísticos polidos, estabelecer uma relação, mesmo que indireta, entre

o crescimento evangélico massivo, consequência indelével do neopentecostalismo,

com a situação social da cidade, uma vez que considera, dentro de uma

cosmovisão6 cristã, ser papel essencial da igreja aquilo que designa ‘missão

4 Ver mais no capítulo 2.3.

5 Apologética: Prática da explanação, demonstração (de ordem moral, científica, histórica, etc.) e defesa

sistematizada da fé cristã.

6 Tradução da palavra alemã weltanschauung, que significa ‘modo de olhar o mundo’ (welt - mundo, schauen -

olhar).

Page 10: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

integral’7, de forma que sejam geradas mudanças sociais significativas no ambiente

onde a mesma encontra-se estabelecida.

Em outras palavras, o cristianismo, quando estabelecido dentro das normas

bíblicas, deve necessariamente causar um impacto positivo na sociedade onde ele

ocorre. Como bem disse Oscar Cullman8, o Reino de Deus “já e ainda não”9 foi

estabelecido completamente. Já, porque Cristo o inaugurou (Mateus 4:17) e enviou

o Seu Espírito Santo para, a partir da Igreja, atuar tanto nos corações quanto na

sociedade como um todo. Por outro lado, ainda não, pois só estará completo a partir

da segunda vinda de Jesus (Apocalipse 11:15).

Desta forma, estabeleceremos uma relação entre as influencias

neopentecostais no âmbito eclesiástico, considerando o aumento exponencial da

igreja, verificando se elas de fato estão causando uma transformação positiva na

sociedade rio branquense, uma vez que o Evangelho de Jesus Cristo é, como crê a

Igreja, transformador.

7 Missão integral é a nomenclatura que denota um entendimento mais amplo para a missão evangelística da

Igreja, compreendendo o homem desde a sua Criação e cuja mensagem de salvação parte do pressuposto de que o plano de Deus é salvar sua Criação inteira, uma vez que o ser humano não é constituído apenas de um espírito, antes é uma “alma vivente” (Gn 2:7). Considera ainda que “a redenção não é somente ser salvo do pecado, mas também ser salvo para algo – retomar a tarefa para a qual fomos originalmente criados” (PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo de Seu Cativeiro Cultural. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora CPAD, 2006, p. 51)

8 Oscar Cullmann (1902-1999), teólogo nascido em Estrasburgo, viveu na Basileia e foi hóspede em Roma,

durante os anos do Concílio Vaticano II.

9 CULLMANN, Oscar. Cristo e o Tempo: Tempo e História no Cristianismo Primitivo. Trad. Daniel Costa. São

Paulo: Custom, 2003. 296p.

Page 11: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

2 – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS

Todos os grandes movimentos cristãos da história, sejam eles fruto de uma

semente genuinamente bíblica, cujos objetivos possuem bases no evangelho e

buscam um resgate de princípios divinos, como foi o caso da Reforma Protestante,

ou aqueles cujos valores humanos sobrepujam os bíblicos, culminando em divisões

e, em boa parte das vezes, heresias destruidoras, como aconteceu por exemplo com

as Cruzadas Cristãs ocorridas entre os séculos XI e XIII, todos eles, possuem algo

em comum: Não são frutos do acaso, não surgem instantaneamente após uma

reunião nem tampouco através de decretos, antes são movimentos que se

desenvolvem no decorrer de anos, sob diversas influencias políticas, religiosas,

científicas e/ou provenientes de outras necessidades humanas.

O movimento Neopentecostal também seguiu o mesmo roteiro, não podendo

ser, portanto, analisado isoladamente de outros acontecimentos históricos, de outras

influencias teológicas ou mesmo de questões científicas.

É consenso entre os estudiosos do movimento em pauta, mesmo entre

aqueles que o avaliam como um prejuízo ao cristianismo, que sua principal raiz

remonta ao movimento pentecostal. Entretanto, as modificações em relação a este

originam-se em diversas outras vertentes teológicas, em sua maioria oriundas do

evangelicalismo10 americano, bem como em outros elementos que recheiam suas

práticas e, de certa forma, modificam suas crenças.

Outra importante característica do movimento neopentecostal é a sua ênfase

na busca por avivamento. Este tema é presença constante nas pregações e nos

escritos de cristãos neopentecostais, o que torna necessário uma breve explanação

a respeito dos conceitos mais aceitos sobre o que seria, de fato, um avivamento.

10

Evangelicalismo, de evangélico, é um movimento teológico e missionário às margens protestantismo, não se

limitando a ele, que crê na necessidade de o indivíduo passar por uma experiência de conversão ("nascer de novo", "aceitar Jesus") e que adota a Bíblia como única base de fé e prática.

Page 12: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Posto isso, utilizaremos este capítulo para identificar os elementos essenciais

que juntos compõem a estrutura básica do neopentecostalismo brasileiro, refletido

em sua totalidade nas práticas neopentecostais da capital acriana.

2.1 - Visão geral sobre avivamento

A palavra “avivamento11” vem do verbo “avivar” e significa “dar vivacidade a,

tornar mais vivo, fazer reviver, renovar, ornar com vivos, excitar”. Apesar de,

algumas vezes, esta palavra tomar um sentido pejorativo, dada a quantidade de

falsos avivamentos proclamados nos últimos anos no âmbito das igrejas

evangélicas, é inegável a sua reincidência histórica, desde os tempos mais remotos

da religião judaica, até os anos posteriores ao anno domini12.

Algumas características essenciais qualificam os verdadeiros avivamentos,

dentre eles pode-se destacar o retorno aos princípios e leis cristãs, o

arrependimento coletivo (de uma nação, tribo, vila, etc.), e uma busca perseverante

pela santidade e pela prática do amor fraternal, respectivamente.

Infelizmente a visão sobre avivamento tem sido constantemente deturpada,

especialmente nos círculos mais carismáticos do cristianismo evangélico. Por vezes

atribuem ao crescimento da quantidade de evangélicos, às manifestações de dons

espirituais, ou mesmo aos ventos de doutrinas, os chamados modismos, o título de

avivamento. O Rev. Hernandes Dias Lopes, em seu livro Avivamento Urgente,

afirma que “uma igreja pode ter todos os dons sem ser uma igreja avivada. O que

caracteriza o avivamento não são os dons do Espírito e sim os frutos do Espírito”13.

Já o escritor cristão David A. Womack, afirma que:

11

"Avivamento", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2010, http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx?pal=avivamento [consultado em 16-06-2012].

12 Anno Domini (em Latim: "ano do Senhor"), também apresentado na sua forma abreviada como A.D. é uma

expressão utilizada para marcar os anos seguintes ao ano 1 do calendário mais comumente utilizado no Ocidente, designado como "Era Cristã" ou, ainda, como "Era Comum" (esta última designação é a preferida por quem tenta evitar referências religiosas). Em português, é usual utilizar a abreviatura "d.C." - ou seja, "depois de Cristo" para o mesmo efeito. (in Wikipédia, a Enciclopédia livre, 2012,

http://pt.wikipedia.org/wiki/Anno_Domini [consultado em 14-06-2012].

13 LOPES, Hernandes Dias. Avivamento Urgente: como buscar um avivamento autêntico e preparar o caminho

para a sua chegada. 4 ed. Venda Nova, Editora Betânia, 1994. p.32.

Page 13: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

(...) avivamento é um estado espiritual no qual os crentes se chegam mais

perto de Deus, arrependem-se e purificam-se de acordo com os padrões

bíblicos de santidade, são cheios com o Espírito Santo, esperam e

experimentam manifestações sobrenaturais e cooperam juntos para

glorificar a Deus, identificar-se uns aos outros e evangelizar perdidos para

Cristo (TRASK, 1999, p. 243).

Nos capítulos 8, 9 e 10 de Neemias, lemos a descrição de um grande

avivamento ocorrido em Jerusalém, por volta do ano 445 (a.C), durante o período do

exílio persa. Na oportunidade, Neemias, que havia desistido de uma posição de

grande responsabilidade e de ótima remuneração, diante do rei persa Artaxerxes14,

retornou a Jerusalém a fim de reedificar o seus muros para novamente reunir os

judeus como uma nação.

Após a reconstrução e o retorno dos exilados, Neemias lê, diante do povo, a

Lei mosaica, o que gera um grande despertamento espiritual, seguido de um

arrependimento tal, que levou todo o povo a firmar uma aliança para que a nação

observasse continuamente a Lei.

(...) O restante do povo: sacerdotes, levitas, porteiros, cantores, servidores

do templo e todos os que se separaram dos povos vizinhos por amor à Lei

de Deus, juntamente com suas mulheres e com todos os seus filhos e filhas

que eram capazes de entender, agora se unem aos seus irmãos, os nobres,

e se obrigam sob maldição e sob juramento a seguir a Lei de Deus dada por

meio do servo de Deus Moisés e a obedecer fielmente a todos os

mandamentos, ordenanças e decretos do Senhor, o nosso Senhor

(Neemias 10:28-29, NVI).

Outra característica deste grande avivamento pelo qual passou o povo de

Israel é a forma como eles, além de desejarem o conhecimento da Lei do Senhor,

para pratica-la, também buscaram continuamente a santidade através da oração

perseverante e de arrependimento, conforme relatado no capitulo 9:

14

“Artaxerxes I” (? — 424 a.C.) foi um rei da Pérsia. Historiadores não chegam a acordo no que diz respeito ao ano em que Artaxerxes começou o seu reinado. Assim sendo, muitos têm apontado 465 a.C. como o ano da ascensão ao trono deste rei persa, uma vez que seu pai, Xerxes, que havia começado a reinar em 486 a.C., morreu no 21º ano do seu reinado.

Page 14: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Os que eram de ascendência israelita tinham se separado de todos os

estrangeiros. Levantaram-se nos seus lugares, confessaram seus pecados

e a maldade dos seus antepassados. Ficaram onde estavam e leram o Livro

da Lei do Senhor, do seu Deus, durante três horas, e passaram outras três

horas confessando e adorando o Senhor, o seu Deus. De pé, na plataforma,

estavam os levitas Jesua, Bani, Cadmiel, Sebanias, Buni, Serebias, Bani e

Quenani, que em alta voz clamavam ao Senhor, ao seu Deus (Neemias 9:2-

4, NVI).

Diversos outros15 avivamentos são citados na bíblia, especialmente no Antigo

Testamento, mas gostaríamos de destacar apenas mais um, ocorrido no reinado de

Josias16, rei de Judá.

Ao assumir o reino, Josias encontrou uma nação completamente envolvida

com a idolatria e iniciou, aos 20 anos de idade, uma reforma teológica entre a nação

(II Crônicas 34:3). Durante esta investida religiosa, ao reparar o Templo, um dos

sacerdotes encontra o livro da Lei (II Crônicas 34:14), que há muito estava perdido,

desde que o povo decidiu servir a outros deuses.

Ao tomar conhecimento, e tendo o escrivão Safã lido o livro em sua presença,

o rei Josias rasgou suas vestes17, e neste momento se inicia uma grande

restauração em Judá, a ponto de serem adiados os juízos que Deus já havia

determinado contra a nação idolatra.

Assim que o rei ouviu as palavras da Lei, rasgou suas vestes e deu estas

ordens a Hilquias, a Aicam, filho de Safã, a Abdom, filho de Mica, ao

secretário Safã e ao auxiliar real Asaías: "Vão consultar o Senhor por mim e

pelo remanescente de Israel e de Judá acerca do que está escrito neste

livro que foi encontrado. A ira do Senhor contra nós deve ser grande, pois

os nossos antepassados não obedeceram à palavra do Senhor e não

agiram de acordo com tudo o que está escrito neste livro" (II Crônicas

34:19-21, NVI).

(...) ‘Assim diz o Senhor, o Deus de Israel, acerca das palavras que você

ouviu: Já que o seu coração se abriu e você se humilhou diante de Deus

15

Outro exemplo clássico de avivamento bíblico ocorreu sob o reinado de Josafá (2Cr 17).

16 Josias (c. 639-609 a.C.), rei de Judá que assumiu o trono aos 8 anos de idade e morreu, em batalha, aos 39

anos. Aos 16 anos começou sua vida espiritual e aos 20 fez uma purificação geral em todo o reino de Judá.

17 A prática de rasgar as vestes, nas culturas orientais, mostrava emoções fortes, geralmente angústia, tristeza

ou remorso.

Page 15: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

quando ouviu o que ele falou contra este lugar e contra os seus habitantes,

e você se humilhou diante de mim, rasgou as suas vestes e chorou na

minha presença, eu o ouvi, declara o Senhor. Portanto, eu o reunirei aos

seus antepassados, e você será sepultado em paz. Seus olhos não verão a

desgraça que trarei sobre este lugar e sobre seus habitantes’. Então eles

levaram a resposta ao rei (II Crônicas 34:26-28, NVI).

Outra vez, o avivamento se deu mediante arrependimento genuíno e um

retorno à Lei do Senhor. Desta forma é possível afirmar que os movimentos de

renovação espiritual sempre estão intimamente ligados tanto à oração, quanto ao

arrependimento e, de forma especial, ao estudo e prática das Escrituras. Portanto

não é autêntico um avivamento que esteja em desacordo com a Palavra de Deus, no

que tange seus aspectos teológicos e doutrinários, ou que não tenha nascido como

resultado da autoridade e diretriz bíblica.

O salmista nos traz um forte indício desta verdade ao indagar: “Como

purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a tua palavra” (Salmos

119:9, JFA-RC). E mais ainda quando afirma: “A minha alma está pegada ao pó;

vivifica-me segundo a tua palavra” (Salmos 119:25, JFA-RC, grifo nosso).

Foi justamente isso o que aconteceu com o maior avivamento espiritual da

era moderna de que se tem notícia, a Reforma Protestante. Como bem sabemos, o

movimento protestante do início do século XVI teve como ponto crucial18 as

reformulações doutrinárias realizadas por Martinho Lutero, onde este refutava as

heresias católicas e restabelecia os princípios bíblicos de fé e práticas cristãs. A

estas refutações deu-se o nome de “as 95 teses de Lutero”, e trouxe como evento

mais sintomático a afixação das mesmas na porta da igreja do castelo em

Winttenberg19, em 31 de outubro de 1517.

Embora haja divergências quanto a considerar a reforma protestante um

verdadeiro avivamento, é inegável a sua contribuição para o desenvolvimento do

cristianismo, e para a reafirmação da fé em Cristo como a única via de acesso a

Deus, contrariamente ao que ocorria com o cristianismo católico que, através de um

18

Patrick Collinson (1929-2011), historiador inglês, cita em seu livro “A Reforma” que reformadores como João Calvino e Tyndale tiveram papeis decisivos para que a reforma tomasse uma proporção mundial, além de reconhecer o que alguns historiadores chamam de “pré-reforma”, levada a cabo por vários teólogos e sacerdotes do fim do século XVI e inicio do XVI, que posteriormente foram acusados de heresia (COLLINSON, 2006, p 109).

19 “Wittenberg” é uma cidade da Alemanha, localizada no estado de Saxônia-Anhalt. Com uma população de 50

mil habitantes, a cidade guarda uma importância histórica religiosa como um dos cenários da Reforma Protestante. Foi na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg que Martinho Lutero pregou suas 95 teses.

Page 16: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

domínio que extrapolava todas as diretrizes bíblicas para uma liderança cristã,

dominava nações inteiras e impedia o livro acesso dos crentes ao texto bíblico,

aferindo a si mesmo o poder e o caminho para se alcançar salvação.

2.2 – O pentecostalismo

Algumas pessoas consideram o neopentecostalismo apenas como uma

adaptação do pentecostalismo ou uma ramificação deste. Porém ao contrastar as

suas práticas e doutrinas, vemos um abismo de diferenças, o que não torna justo

considerar aquela apenas uma adequação desta.

Talvez a grande diferença entre ambas esteja em suas respectivas

cosmovisões referentes ao estabelecimento do Reino de Deus entre a Igreja.

Enquanto os pentecostais dão ênfase aos dons espirituais através do batismo no

Espírito Santo20, à santidade, aos usos e costumes e à palavra revelada nas

escrituras, os neopentecostais valorizam sobremaneira a experiência pessoal,

sensitiva e sobrenatural, buscando revelações diretas de Deus aos seus líderes,

curas milagrosas e intensa batalha espiritual entre forças do bem e do mal,

defendendo uma espécie de guerra entre as forças de Deus (céu) e as forças de

satanás (inferno). Além disso, enfatizam a prosperidade financeira como sinal de

fidelidade a Deus e são em geral mais flexíveis quanto à questão dos usos e

costumes.

Por outro lado, é inegável que a raiz neopentecostal é, de fato, o

pentecostalismo, pois é dele que surgem todos os grandes líderes que, em

determinado momento da história, lançaram as bases para o advento do

neopentecostalismo, ou como muitos preferem chamar, do “Movimento da fé21”.

2.2.1 – Origem do pentecostalismo

20

De acordo com a teologia pentecostal, Batismo no Espírito Santo é uma experiência cristã distinta, fundamentada na descrição do Pentecostes em Jerusalém, em (Atos 2:1-4). Os pentecostais enfatizam que ser "batizado no Espírito Santo" é ser imerso no Espírito Santo, fato esse posterior à experiência de conversão. Ou seja, ele é ao mesmo tempo distinto e posterior a salvação, que é em si uma obra definitiva do Espírito Santo.

21 Mais informações no capitulo 2.3.

Page 17: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Uma das primeiras experiências pentecostais ocorreu nos Estados Unidos e

foi reportado pelo jornal “Los Angeles Times” do dia 18 de abril de 1906

(MORIARTY, 1992, p. 21).

Este evento é conhecido como o “Avivamento da rua Azuza”, por ter ocorrido

numa reunião liderada por William Joseph Seymour22, num prédio que havia

pertencido à Igreja Metodista Episcopal Africana, localizado na rua azuza, em Los

Angeles, Califórnia, no dia 14 de abril de 1906.

O avivamento da rua Azuza se caracterizou por experiências de êxtase

espiritual, tendo o fenômeno da glossolália23 como o centro da manifestação,

acompanhado de uma adoração mais apegada ao aspecto emocional da vida, o que

atraia muitos para o altar, a fim de receberem o batismo no Espírito Santo,

caracterizado pelo falar em línguas.

Embora os acontecimentos da rua Azuza tenham marcado historicamente o

surgimento do pentecostalismo, manifestações de glossolalia já haviam acontecido

em outros momentos da história americana, e o primeiro a considera-la evidência

inicial do batismo no Espírito Santo foi um pregador metodista chamado Charles Fox

Parham24, que havia sido professor de William J. Seymor, um ano antes25.

A teologia pentecostal, defendida por William J. Seymour e por outros

avivalistas, estava firmada em cinco pontos fundamentais: Salvação pela fé;

santificação constante do crente; línguas como evidência do batismo do Espírito

Santo; curas físicas como parte da redenção; e o eminente retorno de Cristo. O

terceiro ponto dessa lista, particularmente, gerou muitas controvérsias entre as

igrejas tradicionais, pois modificou sobremaneira o estilo litúrgico tradicional, além de

tornar as práticas evangelísticas mais ostensivas, o que, por outro lado, contribuiu

para seu crescimento e fortalecimento. Isso tudo tornou o pentecostalismo, segundo

muitos estudiosos, o mais revolucionário fenômeno do cristianismo no século XX, e

um dos principais de toda a história26.

22

William Joseph Seymour (1870-1922) foi um pastor estadunidense, iniciador do movimento religioso

denominado de Pentecostalismo.

23 A glossolalia religiosa é o nome pelo qual algumas denominações pentecostais e correntes religiosas como

a Renovação Carismática Católica denominam a capacidade de reproduzir o fenômeno conhecido por dom de línguas, descrito no segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos.

24 Charles Fox Parham (1873-1929) foi um pregador estadunidense, considerado um instrumento fundamental

na formação do pentecostalismo.

25 MATOS, Alderi Souza de. O movimento pentecostal: reflexões a propósito do seu primeiro centenário.

Disponível em: <http://www.mackenzie.br/6982.html> Acesso em: 22 jun. 2012.

26 Ibidem.

Page 18: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

É importante esclarecer que o pentecostalismo não se trata de uma nova

denominação evangélica. Na verdade trata-se de um movimento dentro e fora das

denominações existentes. Stephenson Soares, mestre em Missiologia pelo Centro

Evangélico de Missões - CEM, afirma que:

(...) é preciso prestar atenção a um fato muito sério: o pentecostalismo

começou como um movimento e não como uma nova igreja ou

denominação; e muitos líderes atuais, principalmente aqueles mais

comprometidos com todas as doutrinas da Bíblia, assim pensam e o veem.

Muitos deles aconselham aos crentes das diversas denominações a buscar

uma vida santificada e renovada pelo Espírito Santo, mas a não sair de

suas denominações para fundar outras (ARAÚJO, 1997, p. 47).

Apesar disso, não se pode negar o fato de que muitas denominações

surgiram em consequência do movimento pentecostal, sejam elas fundadas por

dissidentes de igrejas tradicionais27, sejam formadas por novos crentes que surgiram

aos milhares no decorrer da história do desenvolvimento pentecostal no século XX.

Dentre estas novas denominações, a que alcançou maior destaque no Brasil foi,

sem dúvidas, a Assembleia de Deus.

2.2.2 – Chegada do pentecostalismo ao Brasil e seu estabelecimento

Embora a maioria dos escritores afirme que o pentecostalismo chegou ao

Brasil através de missionários enviados pelo movimento da rua Azuza, essa

informação não está totalmente correta. Isso por que três homens, dois suecos de

origem batista, Gunnar Vingren28 e Daniel Berg, que se conheceram nos Estados

Unidos e tiveram suas primeiras experiências pentecostais no movimento da Rua

Azuza, e um terceiro, italiano que se converteu na igreja presbiteriana dos Estados

Unidos, chamado Luigi Francescon29, entenderam que Deus os estava enviando

27

O próprio mentor do movimento pentecostal, William Joseph Seymour, era da igreja metodista episcopal, embora tenha se convertido, ainda na adolescência, na igreja batista.

28 Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Hogberg (1884-1963) foi missionários evangelistas pentecostais

suecos. Atuaram no início do século XX na Amazônia e Nordeste brasileiro. De seus trabalhos surgiram as Assembleia de Deus no Brasil.

29 Luigi Francescon (1866-1964) foi um religioso italiano, fundador da denominação evangélica Congregação

Cristã no Brasil e da Assembleia Cristã na Argentina.

Page 19: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

para o campo missionário brasileiro. Ambos vieram ao Brasil, se terem sido enviados

por qualquer junta missionária e sem sustento garantido, apenas por, segundo eles,

obedecerem ao chamado de Deus30.

Gunnar Vingren e Daniel Berg chegaram ao Brasil em 19 de Novembro de

1910 e dirigiram-se para a cidade de Belém do Pará. Ao chegar naquela localidade,

foram pregar numa Igreja Batista e permitiram-se manifestar as suas experiências

pentecostais, as quais não foram aceitas e acabaram expulsos. A partir de então

resolveram realizar suas próprias reuniões, trabalho este reconhecido como o início

das Assembleias de Deus do Brasil31.

Há controvérsias quanto à data da chegada de Luigi Francescon ao Brasil.

Segundo Émile G. Leonárd, ele teria chegado em 1908, dando início aos seus

trabalhos missionários na cidade de São Paulo. Carl Hahn, entretanto, diz que o

mesmo veio uma primeira vez ao Brasil entre 1909 e 1910. Outros historiadores

como Abraão de Almeida afirmam que Luigi chegou ao Brasil em 10 de março de

1910 e que no dia 20 de abril do mesmo ano deu inicio às atividades da

Congregação Cristã no Brasil, na cidade de Santo Antônio da Platina, no Paraná32.

Voltando um pouco na história do Brasil, no dia 25 de novembro de 1808 foi

assinado um decreto, por Dom João VI, que garantia a livre entrada de imigrantes,

independente de nacionalidade e religião, além de direitos que eram, até então,

exclusivos de cidadãos portugueses. Dois anos depois, em 1810, dois tratados entre

Portugal e Inglaterra, um de cunho comercial e o outro de amizade, tornaram

possível certa liberdade religiosa no Brasil. Esse cenário tornou possível a chegada

dos primeiros imigrantes evangélicos com autorização para estabelecer, em terras

brasileiras, suas igrejas.

Dessa forma, pelo menos 55 anos antes da chegada do pentecostalismo ao

Brasil, já haviam se estabelecido aqui pelo menos sete denominações evangélicas,

dentre elas a Igreja Metodista, Igreja Luterana, Igreja Batista, Igreja Congregacional,

Igreja Presbiteriana e Igreja Episcopal, porém elas se encontravam numa situação,

de certa forma, mórbida, devido a forte estrutura de poder social vigente, que

dominava a população e influenciava sua cultura e religião.

30

ARAÚJO, Stephenson Soares. A Manipulação no Processo de Evangelização. 2ª ed. Belo Horizonte: LERBAN, 2006, p. 44.

31 Idem.

32 Idem.

Page 20: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Portanto, o pentecostalismo chegou ao Brasil pouco tempo depois de haver

surgido no mundo, como um movimento. Entretanto sua chegada não foi tão bem

aceita assim, pois houve certa mágoa com as igrejas evangélicas tradicionais, uma

vez que estas acusavam o pentecostalismo de não buscar ganhar novas almas para

Jesus, mas do contrário, buscar nas igrejas já existentes seus adeptos. Ora, por se

tratar de um movimento, era natural que sua primeira área de influência fosse

justamente nas entranhas das igrejas tradicionais, com seus novos métodos, mais

populares e ostensivos, e assim se desenvolvessem até chegar a dominar o cenário

brasileiro, no que tange o círculo das igrejas evangélicas, no decorrer do século XX,

o que, se considerarmos a letargia em que estas se encontravam em consequência

das estruturas de poder sociais, como citado anteriormente, tratou-se mais de um

resgate, um benefício, uma restauração, do que de uma invasão e uma perturbação

à tranquilidade das igrejas evangélicas pioneiras aqui no Brasil33.

2.3 – Confissão positiva e a ciência cristã

Vários fatores foram responsáveis pelo surgimento do neopentecostalismo,

sejam eles de caráter histórico ou filosófico. Porém, nada teve mais influência do

que outro movimento surgido nos Estados Unidos, o movimento da “Confissão

positiva”, ou como muitos preferem chamar, “Movimento da fé”.

Resumidamente, a confissão positiva trata-se, como dito, de um movimento

no seio das igrejas evangélicas, especialmente as pentecostais, embora tenha

alcançado também diversas igrejas consideradas tradicionais (à exemplo do que

aconteceu quando do surgimento do pentecostalismo), que enfatiza o poder do

crente em adquirir tudo o que deseja, através do poder da palavra positiva. Essa

corrente doutrinária ensina ainda que qualquer sofrimento na vida do cristão indica

falta de fé.

A origem desse movimento deve-se inicialmente a Essek William Kenyon34,

após conhecer o pensamento do hipnotizador e curandeiro Finéias Parkhust Quimby

33

Ibidem p. 45-46.

34 Essek William Kenyon (1867-1948) foi um pastor norte americano da Igreja Batista Nova Aliança, evangelista

e escritor. Seus livros tiveram grande influência sobre Kenneth E. Hagin, fundador do Movimento Palavra de Fé, sendo uma inspiração ideológica para o referido Movimento que culminou nas evoluções filosóficas dos neopentecostais.

Page 21: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

(1806-1866), conhecido como guru da Ciência da Mente35 e fundador do Novo

Pensamento36. Finéias Quimby foi ainda tutor de Mary Baker Eddy, que em 1879

fundou a Igreja da Ciência Cristã.

Ciência Cristã é a religião que prega a cura divina como sendo o cumprimento

natural das promessas de Jesus e possui, como fonte teológica, além da bíblia, o

livro “Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras”, de Mary Baker Eddy. Não

obstante tudo isso, quem de fato difundiu e estabeleceu a Confissão Positiva como

um novo fenômeno evangélico foi o conhecido pastor Kenneth Erwin Hagin,

notoriamente influenciado pela teologia de Mary Baker Eddy.

Sobre este assunto, o Pastor e coordenador das Assembleias de Deus do

Espírito Santo, Ezequias Soares afirma:

Kenyon disse que muito se poderia aproveitar do ensino de Mary Baker

Eddy37

e se empenhou nas campanhas pregando salvação e cura em Jesus

Cristo dando ênfase aos textos bíblicos que falam de saúde e prosperidade.

Aplicava a técnica do poder do pensamento positivo. Orava pelos enfermos

e muitos foram salvos e curados, mas outros não. Não era pentecostal,

pastoreou várias igrejas e fundou outras. Kenyon foi influenciado pelas

seitas Ciência da Mente, Ciência Cristã e a metafísica do Novo

Pensamento. Kenyon é reconhecido hoje como o pai do Movimento

Confissão Positiva, também conhecido como Teologia da Prosperidade,

Palavra da Fé ou Movimento da fé, pois influenciou Kenneth Hagin. Hagin

nasceu em 1917 com problema de coração e ficou inválido durante 15 anos.

Ele se converteu ao Evangelho em 1933 e no ano seguinte o Senhor Jesus

o curou. Logo começou a pregar e recebeu o batismo no Espírito Santo

numa pequena congregação interdenominacional no Texas em 1937. Hagin

estudava os escritos de Kenyon e divulgava esses ensinos kenyanos em

livros, cassetes e seminários, dando ênfase a confissão positiva. Em 1974

fundou o Centro Rhena de Adestramento Bíblico, em Oklahoma. Muitos

pastores e movimentos foram influenciados por Hagin. Em 1979, Hagin,

Kenneth Copeland, Frederick Price, Charles Capps e alguns outros

35

Ciência da Mente é uma corrente filosófica, desenvolvida por Christian D. Larson (1874-1962), que dentre

outras coisas defende que somos co-criadores da realidade que nos cerca, através do poder de nossa mente.

36 O Novo Pensamento ou Movimento Novo Pensamento é um movimento espiritual que eclodiu nos Estados

Unidos no final do século XIX e que enfatiza crenças metafísicas. Ele consiste de um grupo livremente formado por denominações religiosas, organizações seculares, autores, filósofos, e indivíduos que compartilham um conjunto de crenças metafísicas referentes aos efeitos do pensamento positivo, Lei da atração, cura, força vital, visualização criativa e poder pessoal.

[

37 Mary Baker Eddy (1821-1910) foi a criadora da Ciência Cristã em 1866.

Page 22: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

fundaram a Convenção Internacional de Igrejas da Fé, em Tulsa,

Oklahoma.38

Muitos outros ensinos pouco ortodoxos caracterizam a Confissão Positiva,

dentre eles podemos destacar as afirmações de que o ser humano possui a

natureza divina, que tomar remédio e ir ao médico são atitudes pouco

recomendadas a cristãos, uma vez que é possível simplesmente “trazer a cura à

existência”, através da autoridade da palavra positiva. Existe ainda o argumento de

que Jesus foi milionário e que a Soberania de Deus é limitada pela vontade humana.

É comum ouvir entre cristãos da Confissão Positiva, palavras de efeito que carregam

estes pensamentos, como é o exemplo da seguinte frase: “Deus quer agir, mas você

tem que dar lugar a Ele. Deus não age se você não deixar”.

O Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements [Dicionário dos

movimentos pentecostal e carismático] define a confissão positiva da seguinte

maneira:

Confissão positiva é um título alternativo para a teologia da fórmula da fé,

tambem conhecido como fé ou doutrina da prosperidade promulgada por

televangelistas contemporâneos, sob a liderança e a inspiração de Essek

William Kenyon. A expressão "confissão positiva" pode ser legitimamente

interpretada de várias maneiras. O mais significativo de tudo é que a

expressão "confissão positiva" se refere literalmente a trazer à existência o

que declaramos com nossa boca, uma vez que a fé é uma confissão.39

Não obstante tudo isso, o maior difusor e responsável pelo atual formato do

movimento da Confissão Positiva foi o pastor americano Kenneth Erwin Hagin,

motivo pelo qual abriremos um subtópico exclusivamente para tratar de seu papel

nesse que é o mais controvertido movimento evangélico da atualidade.

2.3.1 – Kenneth Erwin Hagin e a Confissão Positiva

38

SOARES, Ezequias. O que é confissão positiva. Disponível em: <http://www.palavradaverdade.com/print2.php?codigo=1792> Acesso em: 22 jun. 2012.

39 BURGESS, Stanley apud ROMEIRO, Paulo. Super Crentes, o Evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice

Milhomens e os profetas da prosperidade. 2ª Ed. rev. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.

Page 23: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Considerado o porta-voz da Confissão Positiva, o pastor Kenneth Hagin

nasceu em 20 de agosto de 1917, em McKinney, Texas, Estados Unidos, acometido

de um gravíssimo problema cardíaco, doença essa que o confinou numa cama a

partir dos seus 16 anos de idade. Em seu livro “Eu creio em visões”, Kenneth Hagin

revela duas experiências que modificariam sobremaneira sua vida e ministério.

A primeira dela trata-se de uma experiência, segundo ele, de morte. Mais do

que isso, entretanto, ele narra como seu espírito visitou o inferno durante o período

em que permaneceu morto na cama de seu quarto, diante de seus familiares. Ele

teria visitado outras duas vezes o inferno até finalmente aceitar Cristo como seu

Salvador40.

A segunda delas aconteceu com a revelação, em duas etapas, do texto

bíblico encontrado no livro de Marcos, capítulo 11, versos 23 e 24, que diz:

Eu lhes asseguro que se alguém disser a este monte: ‘Levante-se e atire-se

no mar’, e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz,

assim lhe será feito. Portanto, eu lhes digo: tudo o que vocês pedirem em

oração, creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá (NVI).

Num primeiro momento, durante uma mudança de endereço, Hagin, que já

não se levantava da cama a mais de dezesseis meses, foi levado para sua nova

casa por uma ambulância. No caminho o motorista perguntou se antes ele não

gostaria de passear um pouco pela cidade, o que muito lhe agradou. Durante o

passeio, ao passar em frente ao fórum, Hagin relata que ouviu uma voz que lhe dizia

ser impossível ver novamente aquelas cenas se não fosse pela bondade do

motorista da ambulância. Então lembrou-se do verso 23 do referido texto bíblico, e

entendeu que bastava expressar com sua boca para que qualquer coisa lhe fosse

feita, inclusive ser curado, fato que o levou a copiosas lágrimas.

Apesar disso, passaram-se muitos meses e, embora cheio de esperança de

que seria curado, nada ainda havia acontecido, não obstante declarar

insistentemente que estava curado. Foi então que, durante uma oração matinal, foi-

lhe revelada, segundo ele, a segunda parte do texto, no verso 24, e entendeu que

40

HAGIN, Kenneth E. Eu creio em visões. Traduzido por: Rogério Lima Clavello e Célia Regina Chazanas Clavello. Graça Editorial, 1996, p. 13.

Page 24: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

estaria fazendo algo errado, pois esperava primeiro ser curado para em seguida

crer, quando na verdade deveria acontecer o inverso, primeiro crer, e em seguida

receber a cura tão esperada.

Após adorar a Deus e agradecer pela cura, mesmo sem evidências disso,

Hagin ouve o Espírito Santo falar-lhe: “Você crê que está curado. Se você está

curado, então deveria se levantar e sair da cama”.41 Foi o que ele fez, se levantou e

com algum esforço conseguiu ficar de pé. Pouco tempo depois, em 1934, Kenneth

Hagin iniciou seu ministério como pregador batista, tendo como carro chefe de suas

pregações, a confissão positiva, atestada pelo seu testemunho pessoal. Devido sua

crença em curas milagrosas, associou-se com os pentecostais e em 1937 foi

batizado no Espírito Santo e licenciado ministro da Assembleia de Deus. Após isso

começou a se envolver com alguns pregadores de curas divinas independentes,

como Oral Roberts42 e T. L. Osborn43.

Uma característica intrínseca a todos os pregadores da Confissão positiva é a

sua ênfase na prosperidade financeira, como marca de fidelidade a Deus. Alguns

chegam a considerar sinônimos os termos “Confissão positiva” e “Teologia da

Prosperidade”. Sobre esta não menos discutível teologia, abordaremos mais a

seguir.

2.4 – A Teologia da Prosperidade

Com o advento do neopentecostalismo, uma nova e extremamente atrativa

interpretação do evangelho surgiu. Esta nova interpretação tem recebido vários

nomes, porém nenhum esclarece tão bem sua perspectiva quanto “Teologia da

Prosperidade”. Em suma, esta teologia desenvolve uma nova visão das Boas Novas

do Evangelho, não mais que temos o perdão dos pecados e a reconciliação com

Deus através de Jesus, mas que, através dele, podemos ter a solução de todos os

nossos problemas além de viver com saúde e prosperidade. Sobre isso, Alan

41

Ibidem, p. 29-30.

42 Granville Oral Roberts (1918-2009), foi um televangelista pentecostal norte-americano.

43 Thomas Lee Osborn, (1923-), é um evangelista mundial, missionário conhecido primordialmente por seu

ministério de cura em massa a milhões de pessoas.

Page 25: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Pieratt44 afirma em seu livro ‘O evangelho da Prosperidade’ que “esta mudança no

conteúdo da esperança cristã, passando do porvir para o aqui e agora, tem

consequências de tão grande alcance que o nome evangelho da prosperidade

parece apropriado” (PIERATT, 1993, p. 9).

No Brasil essa nova perspectiva do evangelho encontrou grande aceitação,

haja vista em terras tupiniquins a ausência de prosperidade ser um problema

enfrentado pela maioria do povo, especialmente entre os evangélicos.

É importante salientar novamente que, como dito anteriormente, a teologia da

prosperidade trata-se de uma nova visão do Evangelho, o que por si só já carrega a

necessidade de ostensiva observação já que, em matéria de fé, poucas novidades

são de fato melhorias para a cosmovisão cristã. Dessa maneira, a teologia da

prosperidade têm recebido críticas constantes de teólogos e pastores renomados

por todo o mundo, pois observam que, embora seus adeptos não neguem nenhuma

das doutrinas básicas do cristianismo nem busquem novos fundamentos para fé que

não seja Jesus Cristo, eles abandonam completamente, em suas interpretações, os

padrões de interpretação bíblicos, históricos e reformados, trazendo à tona

‘verdades’ não permitidas pela própria bíblia, contraditórias ao seu contexto e que

muitas vezes só se sustentam através de experiências pessoais isoladas.

Dessa forma, a base para a maioria das críticas à teologia da prosperidade se

apoia no fato de esta não possuir sustentação e aprovação bíblicas para tal,

condenando-a ao status de anátema45.

Não se pode negar que o Evangelho dispõe de inúmeras promessas, donde a

maior delas é a salvação em Cristo, e que Deus pode nos abençoar de várias

maneiras, porém uma interpretação que defenda a ideia de que o crente em Jesus

terá garantida prosperidade financeira, cura de todas as doenças, solução de todos

os problemas de âmbito pessoal e profissional se insurge contra as verdades

históricas contidas na bíblia a respeito dos discípulos de Cristo, como no exemplo de

Estevão, discípulo fiel cujo único crime foi anunciar Cristo e por isso fora apedrejado

(Atos 5:57-60) ou naquilo que o Paulo descreve de si mesmo:

44

Alan Pieratt, teólogo, Ph.D. em Ciências da Religião, professor na Faculdade Teológica Batista de São Paulo,

onde leciona as disciplinas de Hermenêutica e Teologia Contemporânea.

45 Anátema era, na Grécia Antiga, uma oferenda posta no templo de uma deidade, constituída inicialmente por

frutas ou animais e, posteriormente, por armas, estátuas, etc. No contexto bíblico toma para si o significado de maldito.

Page 26: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

São eles servos de Cristo? — estou fora de mim para falar desta forma —

eu ainda mais: trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui

açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. Cinco vezes

recebi dos judeus trinta e nove açoites. Três vezes fui golpeado com varas,

uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia

exposto à fúria do mar. Estive continuamente viajando de uma parte a outra,

enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus

compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto,

perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos. Trabalhei arduamente; muitas

vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em

jejum; suportei frio e nudez. Além disso, enfrento diariamente uma pressão

interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas.. (2 Coríntios

11:23-28, NVI)

Não fossem suficientes os testemunhos bíblicos, temos ainda os testemunhos

históricos de milhares de cristãos mundo afora que, não obstante viverem

dignamente, foram presos, torturados, queimados nas fogueiras da inquisição,

perseguidos por nações inteiras, fato este que de acordo com o Ministério Missão

Portas Abertas46, continua acontecendo em diversos países do mundo.

Como podemos perceber, mesmo numa abordagem superficial, a teologia da

prosperidade apresenta inúmeros pontos discutíveis e obscuros, não sustentados

pelo Evangelho de Jesus Cristo, tampouco pelos relatos históricos da Igreja cristã.

Trataremos mais sobre esse assunto em momento oportuno.

2.5 – A chegada do neopentecostalismo ao Brasil

No Brasil, o neopentecostalismo surge no final da década de 7047, quando

membros de igrejas pentecostais, influenciados pelo sucesso das práticas

46

Missão Portas Abertas, "Open Doors" é uma organização cristã interdenominacional dedicada a apoiar

cristãos perseguidos em países onde o cristianismo é legalmente desencorajado ou reprimido. Portas Abertas abriu seu escritório local no Brasil em 1978.

47 A Igreja do Evangelho Quadrangular e a Igreja Cristã de Nova Vida foram os celeiros de onde o atual

movimento neopentecostal surgiu e se estruturou. Harold William e Raymond Boatrigtht, atores e missionários enviados ao Brasil pela Igreja Internacional do Evangelho Quadrangular, romperam com o tradicionalismo pentecostal brasileiro ao introduzir no país o pentecostalismo de costumes liberais. Começando por São João da Boa Vista (SP), em 1951, a IIEQ alcançou a capital do Estado em 1954, daí se espalhando por todo o país. À IIEQ se aliaram diversos lideres e membros das igrejas pentecostais e das igrejas históricas, atraídos pela mensagem de cura divina, propagadas a partir de São Paulo e tendo como ponto de apoio os programas radiofônicos. Isso criou o cenário ideal para, no final da década de 70, o neopentecostalismo ser definitivamente estabelecido no Brasil.

Page 27: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

neopentecostais estadunidenses, se desvinculam de suas denominações de origem

para desenvolverem seus próprios trabalhos, fundando assim novas denominações.

Dentre os inúmeros casos, o que alcançou maior destaque foi o desligamento do

Bispo Edir Macedo e do Missionário R. R. Soares da Igreja Cristã Nova Vida, do

Bispo Walter Robert MacAlister, para fundar, em 09 de julho de 1977, a Igreja

Universal do Reino de Deus - IURD. Pouco tempo depois uma divergência de

métodos entre os dois culminou com a saída de R. R. Soares da IURD, para fundar,

em 1980, a Igreja Internacional da Graça de Deus.

Sobre Edir Macedo, o sociólogo Paul Freston escreve:

Único no poder, Edir Macedo coloca em prática parte de sua experiência e

aprendizagem na Igreja Cristã de Nova Vida e associa a está o liberalismo

da Quadrangular, criando em pouco tempo um império que, três anos

depois, alcança os EUA, ao fundar a primeira IURD em Monte Vermont,

Nova York. Nove anos depois chega a Portugal, e em 1996 funda a primeira

IURD no Japão. Segundo Campos, o sucesso da Igreja Universal pode ser

medido ainda pelo número de templos abertos até 1995: 2.014 no Brasil e

236 em 65 países, nos quais são atendidos cerca de quatro milhões de

pessoas, que participam dos “cultos”, “correntes de fé” e “campanhas de fé”.

(Lusotopie, 1999, p. 355)

Por esta razão Edir Macedo é considerado o pai do neopentecostalismo

brasileiro e maior responsável pela difusão da teologia da prosperidade e reuniões

de curas divinas, através de métodos até então pouco aproveitados pela liderança

cristã, com programas massivos em radio, televisão e jornal escrito.

Hoje em dia existem diversas outras denominações neopentecostais, em

parte formadas por dissidentes de igrejas pentecostais e históricas, e outras

compostas pelas próprias igrejas históricas e/ou pentecostais, influenciadas pelo

pensamento pouco ortodoxo no neopentecostalismo. No Brasil destacam-se, além

das duas citadas, a Igreja Mundial do Poder de Deus - IMPD, A igreja Renascer, a

Igreja Batista Lagoinha e o Ministério Internacional da Restauração.

2.5.1 – Rio Branco seguindo a onda nacional

Page 28: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Tão logo surgido no Brasil, a onda neopentecostal se estabelece no Estado

do Acre, especialmente em sua capital Rio Branco. A primeira denominação

neopentecostal a aportar em terras acrianas, como não poderia ser diferente dada a

ostensividade de sua expansão, foi a IURD, ainda na década de 80, segundo relatos

não documentados.

Desde então houve uma explosão no crescimento tanto na quantidade de

igrejas evangélicas, quanto no número48 de adeptos do evangelicalismo49.

No final da década de 90, surge uma nova modalidade de

neopentecostalismo, que causou um segundo impacto de crescimento evangélico na

capital acriana, nascida a partir das visões e experiências do Pastor colombiano

César Castellanos ainda no início da mesma década, onde afirma ter recebido uma

revelação profética de Deus, a respeito do qual a igreja deveria ser subdividida em

grupos, chamados células50, que se reuniriam em casas, com objetivos

evangelísticos de crescimento e multiplicação, e onde as pessoas estariam inseridas

num processo de discipulado através de grupos de doze pessoas, à exemplo do

modelo de discipulado com os doze apóstolos de Jesus, seguindo uma árvore lógica

de múltiplos de 12, ou seja, os primeiros 12 discipulariam, cada um deles, outros 12,

formando 144, e assim por diante. A respeito desta visão, César Castellanos afirma:

"Em 1991, sentimos que se aproximava um maior crescimento, mas algo

impedia que o mesmo ocorresse em todas as dimensões. Estando em um

dos meus prolongados períodos de oração, pedindo a direção de Deus para

algumas decisões, clamando por uma estratégia que ajudasse na

frutificação das setenta células que tínhamos até então, recebi a

extraordinária revelação do modelo dos doze. Deus me tirou o véu. Foi

então que tive a clareza do modelo que agora revoluciona o mundo quanto

ao conceito mais eficaz para a multiplicação da igreja: os doze. Nesta

ocasião, ouvi o Senhor dizendo-me: vais reproduzir a visão que tenho te

dado em doze homens, e estes devem fazê-lo em outros doze, e este, por

sua vez, em outros doze”. (CASTELLANOS, 1999, p. 99)

48

Ver mais no tópico “Impacto Social”.

49 Evangelicalismo, de evangélico, é um movimento teológico e missionário às margens protestantismo, não se

limitando a ele, que crê na necessidade de o indivíduo passar por uma experiência de conversão ("nascer de novo", "aceitar Jesus") e que adota a Bíblia como única base de fé e prática e enfatiza a experiência de conversão como ponto de partida da vida cristã

50 O modelo de evangelismo e crescimento com células é, na verdade, inspirado no modelo de igrejas do pastor

sul coreano David Paul Yonggi Cho, cuja igreja chama-se Igreja do Evangelho Pleno e é considerada a maior igreja evangélica, em número de membros, do mundo.

Page 29: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

A partir desta segunda fase, acelerou-se o processo de crescimento

evangélico na capital acriana de forma jamais vista, acima de todas as estatísticas e

projeções até mesmo dos censos demográficos realizados até então, a ponto de, em

2012, o número de evangélicos superar a quantidade de católicos. Rio Branco é a

única capital do Brasil onde este fenômeno51 acontece.

Este modelo de igrejas é hoje conhecido por “Modelo de Igrejas no governo

dos 12”, ou ainda “Visão celular”, ou simplesmente “G12”.

Não nos aprofundaremos nas origens deste movimento, entretanto é

importante citar que, no Brasil, o maior expoente do G12 é o autodenominado

Patriarca da visão, o Apóstolo Renê Terra Nova, líder do Ministério Internacional da

Restauração, MIR. Em 2005, Renê Terra Nova, que havia importado o G12 da

Colômbia, rompeu com o pastor César Castellanos, passando a utilizar a sigla M12,

no lugar de G12, para denominar o Movimento celular do qual é o líder máximo no

Brasil.

Este modelo de igreja é não menos controverso que os movimentos da

confissão positiva e teologia da prosperidade por vários fatores. Tal animosidade

quanto ao G12 se dá não pelo seu modelo estratégico de evangelismo e discipulado,

mas pelas doutrinas que ele carrega consigo, uma vez que, além de possuir tanto a

confissão positiva, quanto a teologia da prosperidade inseridas completamente em

seu sistema doutrinário, o G12 (ou M12) foi responsável pelo surgimento de diversos

outros sistemas de crença relacionados aos princípios de liderança, além do resgate

de conceitos velho testamentários, cobertura espiritual, dentre outros. A propósito,

estes foram fatores determinantes ao rompimento entre as lideranças brasileiras e

colombianas do G12.

51

Segundo o Censo 2010, Rio Branco é a única capital do Brasil onde o número de evangélico é tecnicamente igual ao número de católicos, numa relação de 41,2% de católicos para 41,1% de evangélicos, isto em 2010. A projeção é que, em 2012, os evangélicos já tenham superado o número de católicos em alguns portos percentuais.

Page 30: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

3 – AS CONSEQUÊNCIAS DO NEOPENTECOSTALISMO

A atratividade dos novos conceitos trazidos pelo movimento neopentecostal

encontrou um Brasil de braços abertos. Nossa população pobre e humilde tem sido

rapidamente influenciada pelas promessas de prosperidade, tranqüilidade e honra

que este movimento prega e defende, afinal de contas, quem não gostaria de ter a

solução imediata de seus problemas, a cura de suas doenças e a “engorda” de suas

contas bancárias? Além disso, a ideia de que podemos conquistar o que desejarmos

com o poder de nossas próprias palavras é um encanto difícil de ser ignorado.

Anúncios como “explosões de curas”, “proteção contra a crise mundial” e

“prosperidade sem medidas”, típicas de igrejas neopentecostais, são capazes de

agregar centenas de pessoas em qualquer tipo de ambiente, e está fórmula foi

rapidamente assimilada por muitas igrejas outrora tradicionais, vislumbrando um

crescimento que nunca alcançaram em décadas de existência.

A revista Ultimato publicou, durante reportagem, o anúncio de uma

comunidade neopentecostal brasileira, radicada nos Estados Unidos, com os

seguintes dizeres:

Desemprego, caminhos fechados, dificuldades financeiras,

depressão, vontade de suicidar, solidão, casamento destruído, desunião na

família, vícios (cocaína, crack, álcool, etc), doenças incuráveis (câncer, aids,

etc), dores constantes (de cabeça, coluna, pernas), insônia, desejos

homossexuais, perturbações espirituais (você vê vultos, ouve vozes, tem

pesadelos, foi vítima de bruxaria, macumba, inveja ou olho grande), má

sorte no amor, desânimo total, obesidade, etc. ... Nós! Sim, nós temos a

solução para você! (Ultimato, janeiro de 93, p. 14).

É difícil imaginar alguém que não se identifique com pelo menos um destes

problemas, especialmente se pensarmos na situação da sociedade brasileira,

Page 31: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

sempre envolta a pensamentos místicos, a pobreza, seitas e instabilidade

econômica, frutos de anos de exploração internacional e colonização desorganizada

e heterogênea.

Em Rio branco não foi diferente, pois como dissemos anteriormente, o

movimento neopentecostal foi rapidamente aceito nesta capital, acelerando

sobremaneira o crescimento da igreja evangélica o que, analisado isoladamente,

significaria um verdadeiro avivamento cristão, acontecendo em pleno século XXI, na

capital acriana e no Brasil inteiro, por assim dizer.

Passaremos a partir de agora a analisar, ainda que de maneira geral, as

consequências, sejam elas positivas ou negativas, do movimento pentecostal na

capital acriana, diretamente ligadas ao contexto eclesiástico e ao dia a dia das

igrejas evangélicas em Rio Branco.

3.1 – Mudança de paradigmas

O neopentecostalismo, enquanto movimento dentro das igrejas, e não uma

denominação evangélica, gera uma transformação intensa tanto nos sistemas de

governo, quanto nos sistemas doutrinários das igrejas alcançadas por ele, de forma

que mesmo igrejas tradicionais, deixam de ser reconhecidas como tal, perdendo

suas características históricas, apresentando assim os atributos do

neopentecostalismo já apresentados outrora.

De certa forma, há muito que se elogiar a maneira como o

neopentecostalismo tem quebrado padrões litúrgicos fechados, que minam as forças

da juventude, e engessam o crescimento de muitas igrejas no decorrer dos anos.

Igrejas adeptas deste movimento tendem a abertura litúrgica, permitindo o

desenvolvimento de elementos importantes como a música cristã, a utilização das

artes para fins evangelísticos, a aceitação de pessoas das mais diferentes tribos

sociais dentro de seu rol de membros, etc.

Tudo isso favorece a identificação do jovem com a igreja cristã, aumenta a

participação deles nos afazeres do dia a dia, permite o surgimento de novos

ministérios estratégicos, etc. Não se pode negar que nas igrejas neopentecostais, os

jovens são mais alegres e atuantes e que o antigo estereótipo já não se constitui

num empecilho, em estigmas das quais muitos jovens preferiam fugir.

Page 32: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Porém, nem todas as mudanças são positivas, pois concomitante à abertura

litúrgica, está também a abertura teológica, de forma que princípios elementares do

protestantismo histórico e do cristianismo bíblico são deixado de lado, e muitas

vezes rejeitados, em nome do bem estar, do amor e do crescimento.

Este assunto merece destaque e é determinante para identificarmos as reais

consequências do movimento neopentecostal na capital acriana. Faremos então

uma breve explanação dos principais efeitos desta abertura teológica, dividas em

subtópicos para facilitar a compreensão.

3.1.1 – O abandono progressivo da ortodoxia

Não é difícil entender o motivo pelo qual a maioria esmagadora das igrejas

neopentecostais vem abandonando, progressivamente, os estudos bíblicos,

encerrando as tradicionais escolas bíblicas dominicais, e desencorajando seus

membros de cursarem faculdades e seminários teológicos. Dadas as inovações

doutrinárias controversas, sem bases genuinamente bíblicas, os líderes do

movimento sabem que um estudo aprofundado da bíblia geraria inúmeros conflitos

internos, o que não seria saudável para o crescimento que se busca com tais

novidades teológicas.

Em lugar das escolas bíblicas, como uma forma de compensação, algumas

destas igrejas introduzem grupos de estudos e escolas teológicas que nada mais

são que reprodutoras dos conceitos neopentecostais que se desejam fortalecer no

âmbito eclesiástico. Dessa forma surgem as chamadas “escolas de líderes52”,

“escolas do sobrenatural”, “seminários proféticos”, dentre outras nomenclaturas que

de nada lembram os tradicionais estudos transmitidos nas EBD’s. Nestes novos

ambientes, o fiel aprende noções e conceitos de liderança, não mais conforme a

tradição bíblica, de servir para ser grande, mas em acordo com os pensamentos de

conquista e honra, que servem para criar no senso comum dos crentes, a ideia de

infabilidade e governança absoluta dos lideres que, dessa maneira, não podem

jamais ser questionados, sob pena de seus críticos incorrerem em pecado de

rebeldia. Dessa forma o que gera a obediência é o medo, e não o amor.

52

A Escola de Líderes é uma escola de treinamento para todos os cristãos que irão passar por todo processo

da visão celular.

Page 33: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Entretanto, Jesus nos dá a formula de liderança que deveríamos seguir,

quando diz:

Jesus os chamou e disse: "Vocês sabem que os governantes das nações as

dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será

assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se importante entre

vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo;

como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e

dar a sua vida em resgate por muitos" (NVI, grifo nosso).

Contrariamente a isso, o apóstolo René Terra Nova afirma que “para você ter

êxito na sua liderança, organize-se, sabendo que tem autoridade sobre as causas

físicas e espirituais. Você tem poder para organizar as coisas. Foi Deus quem

mandou você dominar a Terra53”. Ele afirma ainda que:

Quando Deus criou o homem, na sua imagem e semelhança, soprou o

fôlego de vida, olhou nos olhos, e disse: GOVERNA! Esta é a ordem de

Deus. Quero advertir que quem não governa é governado, e quem não

lidera é liderado. Quem não domina, será dominado, por isso tome posse de

seus territórios54

.

Não obstante os ensinos de Cristo, o movimento neopentecostal atribui aos

líderes poderes extremos, a ponto de exigir que os fiéis paguem primícias de seus

bens, à exemplo do que era entregue aos sacerdotes durante a vigência da Lei

Mosaica (ex. Ezequiel 44:30-31), para uso exclusivo deles, como forma de obedecer

ao princípio da honra, e dessa forma adquirir o direito de ser abençoado por Deus,

conforme dito pelo mesmo apóstolo, em mais um de seus estudos:

Muitos ganham por entregar em fidelidade o dízimo, outros prosperam em

entregar a oferta, mas outros tantos que dizimam e ofertam perdem tudo por

não terem a sabedoria de não guardar o princípio da primícia. É a primícia

que traz a honra e libera o favor do eterno. Deus nunca travou uma guerra

53

TERRANOVA, Rene. Líderes por herança e aliança. Disponível em: < http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=4> Acesso em 05 mai. 2011.

54 TERRANOVA, Rene. Nasceu o governo do Justo. Disponível em: <

http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=14> Acesso em 14 jul. 2012.

Page 34: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

com ninguém sobre nada a não ser mover-se na terra por causa das

primícias55

.

(...) não tem como dizermos que amamos a Deus se desprezamos os

homens que Deus selecionou para cuidarem dos Seus filhos na Terra.

Então, a primícia tem a força do respeito e da honra na direção do líder 56

.

Todos estes ensinos criam o cenário ideal para que o movimento

neopentecostal perpetue seu sistema doutrinário, uma vez que o medo impede que

se questionem lideranças, mesmo as corruptas, ou que se submeta suas instruções

ao crivo da palavra de Deus, pois passam a ser considerados autênticos

representantes da verdade divina. Bem diferente do povo de Beréia, os quais o

apóstolo Paulo chama de nobres, por consultarem a bíblia a fim de confirmar se o

que estava sendo ensinado por ele era de fato bíblico ou não (Atos 17:11). É certo

que um povo sem conhecimento é conduzido “para onde o vento soprar” e esta

parece ser a estratégia escolhida pelos líderes neopentecostais, sejam de igrejas do

G12, sejam de outras vertentes do movimento, como é o caso da IURD, onde

sequer existem reuniões de estudo, ainda que deturpados, deixando seus membros

sujeitos a tudo que se diz nos púlpitos, sem a menor condição de análise bíblica

aprofundada.

Essa realidade é perfeitamente observada na capital acriana, a todo instante

somos bombardeados com aberrações doutrinárias, chavões evangélicos que

deturpam a palavra de Deus sendo proferidos em toda parte, crentes sem a menor

condição de debater conceitos teológicos, que se utilizam de ameaças para manter

suas doutrinas isentas de análise, festas gospels que de nada refletem a missão da

igreja e outros desvios consequentes da falta de conhecimento e submissão à

tradição bíblica.

Embora a gama teológica introduzida pelo neopentecostalismo não se resuma

ao que foi apresentado até aqui, já é possível perceber como a ortodoxia, aos

poucos e continuamente, vem sendo retirado das igrejas adeptas ao movimento,

abandonando assim a tradição apostólica e a teologia reformada, para dar lugar ao

novo, ao que funciona e que possibilita um crescimento massivo da igreja. 55

TERRANOVA, Rene. O Princípio da Semeadura, o Poder da Semente. Disponível em < http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=45> Acesso em 05 mai. 2011.

56 TERRANOVA, Rene. Pensamento do Eterno sobre as Primícias. Disponível em <

http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=44> Acesso em 14 jul. 2012.

Page 35: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

3.1.2 – O pragmatismo

Com todos os problemas que surgem pela falta de uma base doutrinária

sólida, bíblica e ortodoxa, não é motivo de espanto que a concepção do que seria a

‘verdade’ fique comprometida dentro das igrejas neopentecostais. Tende-se então a

considerar como verdade aquilo que funciona, ficando assim o conhecimento

fundamentado na experiência pessoal, naquilo em que a ação do indivíduo leva a

resultados positivos.

A isso a filosofia chama de pragmatismo. Dessa forma a igreja adepta do

movimento NP, à medida que abandona sistemas doutrinários rígidos, ajunta para si

conceitos filosóficos e atribui a eles a responsabilidade de condução dos rebanhos.

Os pragmáticos geralmente defendem que a importância de uma idéia deve ser

medida pela sua utilidade ou eficácia para lidar com um dado problema e isso é bem

característico dentro do NP. Ora Todos sabemos que há preocupações práticas que

devemos considerar, mas o pragmatismo é uma filosofia que empurra para a

periferia uma série de princípios fundamentais e elege, como único fator relevante, a

questão: “Isso funciona?”57.

Em Rio Branco este pragmatismo exacerbado encontra-se bastante evidente.

É bem claro no dia a dia da cidade a forma como os sistemas religiosos evangélicos

tem sido, no decorrer dos anos, orientados a resultados. Desde as pregações, em

sua maioria constituindo-se apenas num emaralhado de frases de efeitos,

motivadoras, anunciando promessas de vitórias e prosperidades, até as canções

entoadas nos cultos, congressos e seminários, todas elas são direcionadas ao

crescimento, ao que o povo deseja ouvir, àquilo que os manterá firmes em suas

decisões de participar de um congregação.

Dessa forma vemos diariamente o anúncio de festas gospels, com objetivo

único de promover entretenimento ao jovem cristão, numa clara substituição dos

prazeres mundanos por prazer “santificados”, por assim dizer, bem diferente da

ordem de auto negação imposta por Cristo aos seus seguidores (Mateus 16:24).

Também é possível observar claramente nas rádios locais, que grande parte da

57

HORTON, Michael. Pragmatismo religioso. Publicado na Revista O Presbiteriano Conservador, na edição de

Maio/Junho de 1997.

Page 36: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

programação serve apenas para massagear o ego dos ouvintes, uma vez que é

exatamente isso que o povo gosta de ouvir, independentemente se o que se diz é

uma verdade bíblica ou não. O importante é que “isso funciona”, e a prova é o

crescimento das igrejas e da audiência das rádios evangélicas locais.

Além disso são promovidos constantes seminários e congressos em Rio

Branco, em sua grande maioria para tratar de assuntos periféricos ao Evangelho,

como prosperidade financeira, curas espirituais, experiencias sobrenaturais,

adorações proféticas e tudo o mais que for identificado como agradável à população,

para que esta decida fazer parte da “classe dos evangélicos”, tornando-as pessoas

com grande identificação com as igrejas, mas com pouca ou nenhuma identificação

com Cristo, como poderemos observar de forma um pouco mais profunda no

capítulo sobre o impacto social do NP em Rio Branco.

Enfim, hoje em Rio Branco vivesse um momento crítico, do ponto de vista da

igreja protestante, uma vez que a maior parte da comunidade cristã evangélica é

adepta do movimento NP, e tem conduzido suas estratégias de evangelismo de

maneira que sejam atraentes não pelo Evangelho puro e simples, mas pela ilusão

que promessas vazias e antibíblicas causam na população, e a menor crítica a esse

pragmatismo é considerada uma tentativa satânica de impedir o progresso da igreja.

Não importa mais o que é certo, mas sim o que dá certo, e estas estratégias têm

sido canonizadas pela população evangélica rio-branquense.

3.1.3 – O sincretismo

A falta de uma teologia bem estabelecida sobre princípios coesos e em

harmonia com a bíblia, associada ao pragmatismo predominante no movimento NP

tornam as igrejas influenciadas por ele desprotegidas quanto aos perigos do

sincretismo religioso58.

Hoje, em Rio Branco, a forma mais comum pelo qual esse sincretismo

acontece é, sem dúvidas, entre as igrejas da visão G12 (ou M12), com sua visível

mistura de doutrinas judaicas com o universo cristão descrito tão claramente no

Novo Testamento, em relação à doutrina dos apóstolos, que nada mais é que uma

58 Na história das religiões, o sincretismo é uma fusão de concepções religiosas diferentes, ou, a influência

exercida por uma religião nas práticas de uma outra.

Page 37: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

releitura das práticas judaicas já envelhecidas (Hb 8:13). Consideremos o que o

autor de Hebreus narra a respeito do Novo Pacto em Cristo:

Se ele estivesse na terra, nem seria sumo sacerdote, visto que já existem

aqueles que apresentam as ofertas prescritas pela lei. Eles servem num

santuário que é cópia e sombra daquele que está nos céus, já que

Moisés foi avisado quando estava para construir o tabernáculo: "Tenha o

cuidado de fazer tudo segundo o modelo que lhe foi mostrado no monte".

Agora, porém, o ministério que Jesus recebeu é superior ao deles, assim

como também a aliança da qual ele é mediador é superior à antiga,

sendo baseada em promessas superiores. (Hebreus 8:4-6, NVI, grifo

nosso).

E ainda:

A Lei traz apenas uma sombra dos benefícios que hão de vir, e não a

realidade dos mesmos. Por isso ela nunca consegue, mediante os

mesmos sacrifícios repetidos ano após ano, aperfeiçoar os que se

aproximam para adorar. Se pudesse fazê-lo, não deixariam de ser

oferecidos? Pois os adoradores, tendo sido purificados uma vez por todas,

não mais se sentiriam culpados de seus pecados. Contudo, esses

sacrifícios são uma recordação anual dos pecados, pois é impossível que o

sangue de touros e bodes tire pecados (Hebreus 10:1-4, NVI, grifo nosso).

Dessa forma, a lei mosaica, base primordial da religião judaica, trata-se de

algo limitado, que simplesmente reflete uma aliança superior, a aliança com Cristo,

que por sua vez é a base de sustentação de todo o cristianismo. A esta afirmação

corroboram não apenas os aludidos textos, quanto toda a doutrina neotestamentária,

confirmada pela teologia reformada e pelos pais da fé cristã.

Entretanto é comum vermos em Rio Branco o povo de Deus confeccionando

arcas59, às quais atribuem poderes místicos capazes de “encher de glória” quem as

toca. Vemos também a comemoração de festas judaicas que, na tradição israelense,

apenas apontavam para o Cristo, até que ele viesse, fato este já ocorrido dois mil

anos atrás. Além disso, há um resgate de vestes sacerdotais judaicas e referencias

59

A Arca da Aliança é descrita na Bíblia como o objeto em que as tábuas dos Dez mandamentos e outros

objetos sagrados teriam sido guardadas, como também veículo de comunicação entre Deus e seu povo escolhido.

Page 38: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

a inúmeros símbolos da nação de Israel que, como toda a Lei, sempre eram tipos60

de Cristo ou das verdadeiras promessas conquistadas na cruz. Outro exemplo

clássico, observado em boa parte das igrejas neopentecostais de Rio Branco é o

uso do shofar61, que até o advento do NP era totalmente alheio ao cristianismo,

sendo absolutamente ignorado no novo testamento cristão, salvo quando se refere

ao toque das trombetas no tempo do fim (Mateus 24:31; I Coríntios 15:52; dentre

outros). De certa forma, o povo honra a Deus com os lábios, mas nega-o com suas

obras, pois ensinam e praticam doutrinas que invalidam a obra de Jesus (Mateus

15:8-9), por puro pragmatismo.

Infelizmente, o “privilégio” de assimilar doutrinas e rituais de outras religiões

não está limitado às igrejas da visão, pois assim como no restante do Brasil, em Rio

Branco somos bombardeados diuturnamente com rituais outrora restritos às seitas

de origem africana, e isso dentro dos templos.

Como não lembrar-se das entrevistas com demônios e dos objetos

consagrados, que adquirem poderes espirituais para realizar curas e exorcismos,

realizados diariamente nos diversos templos da IURD e/ou Mundial, práticas típicas

dos terreiros da Umbanda e Candomblé62? Ou ainda das figuras papais (líderes

infalíveis e inquestionáveis) presentes na grande maioria das igrejas NP, típicas do

catolicismo romano?

A verdade é que o movimento NP gerou na comunidade evangélica rio-

branquense uma cultura cristã que se adapta à diversidade da população acriana,

formada pela miscigenação de diversas etnias indígenas e povos imigrantes que

aqui chegaram a partir do século XIX63, de maneira que a comunidade local sinta-se

atraída a tornar-se evangélica, sem a necessidade de negar antigas práticas

religiosas tradicionais às suas culturas de origem, práticas estas que passam a ser

camufladas com uma espécie de “capa cristã”, mas que na verdade continuam

sendo doutrinas espúrias, porém travestidas de santidade.

60

Tipologia é o estudo das figuras e símbolos da Bíblia, com os quais Deus procura mostrar, por meio de coisas terrestres as coisas espirituais. Dessa forma encontramos no Antigo Testamento Deus falando das glórias celestiais através de coisas terrestres, ou seja, TIPOS que revelam o ANTI-TIPO.

61 Shofar é um antigo instrumento se sopro israelita, a qual os judeus atribuem poderes espirituais e proféticos.

62 BIANCHETTI, 2008.

63 PIMENTA, José. A “invenção” do Acre como exemplo de brasilidade. Artigo publicado na Revista Linguagens

Amazônicas, n°2, pp. 27-44, 2003.

Page 39: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

3.1.4 – Governos monárquicos

Foram citadas no subtópico anterior as figuras papais presentes dentro do

movimento NP, herança do catolicismo romano, nascido a partir da fusão entre a

igreja cristã do século IV com a monarquia romana, na figura do Imperador

Constantino, conforme relatos históricos encontrados à exaustão nas obras

especializadas64.

Em Rio Branco essa identidade monarquista, reivindicada pelos sacerdotes

do NP, tomam proporções extremas. Vejamos mais uma vez o que ensina o

apóstolo René Terranova, a respeito da autoridade sacerdotal, uma vez que o

mesmo exerce grande influência entre a liderança cristã acriana:

(...) o líder deve preservar a identidade do seu líder. Ele nunca deve

questionar a identidade de seu mentor, a identidade de sua liderança. No

dia em que João Batista fez isso, perdeu a cabeça. Ele que havia preparado

o caminho de Jesus, que era primo de Jesus, mas que perdeu o legado da

identidade de Jesus, quando entrou na rota da suspeita da identidade de

seu líder. “Herodes questionou a identidade de Jesus e foi comido por

bichos. João Batista questionou a identidade de seu líder Jesus e por isso

perdeu a cabeça. Todo aquele que duvida da identidade do líder perde a

legitimidade e o legado da liderança de Jesus” (...)65

Considerando novamente a falta de estudo e capacitação bíblica dentro de

igrejas NP, fato bem característico em Rio Branco, encontramos aqui uma

comunidade evangélica (dentro das referidas igrejas) absolutamente subjugada por

seus líderes. Um povo temeroso, incapaz de avaliar o que seus pastores ensinam,

conforme o exemplo bereano (Atos 17:10-11), por medo de incorrerem em pecado

de rebeldia e, conforme ensinamento anteriormente citado, e ratificado pelos

sacerdotes locais, sofrerem consequências graves dessa atitude.

As palavras de René Terranova chegam a soar ridículas diante de uma

análise, ainda que superficial, da real história da morte de João Batista. Diz o texto

bíblico que: 64

Um exemplo é a obra de Alcides Conejeiro Peres chamada “O catolicismo Romano através dos tempos”.

65 TERRANOVA, Rene. Preservando a identidade do EU SOU. Disponível em: <

http://www.reneterranova.com.br/blog/?p=1500> Acesso em 08 abr. 2011.

Page 40: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Pois o próprio Herodes tinha dado ordens para que prendessem João, o

amarrassem e o colocassem na prisão, por causa de Herodias, mulher de

Filipe, seu irmão, com a qual se casara. Porquanto João dizia a Herodes:

"Não te é permitido viver com a mulher do teu irmão". Assim, Herodias o

odiava e queria matá-lo. Mas não podia fazê-lo, porque Herodes temia a

João e o protegia, sabendo que ele era um homem justo e santo; e quando

o ouvia, ficava perplexo. Mesmo assim gostava de ouvi-lo. Finalmente

chegou uma ocasião oportuna. No seu aniversário, Herodes ofereceu um

banquete aos seus líderes mais importantes, aos comandantes militares e

às principais personalidades da Galiléia. Quando a filha de Herodias entrou

e dançou, agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: "Peça-

me qualquer coisa que você quiser, e eu lhe darei". E prometeu-lhe sob

juramento: "Seja o que for que me pedir, eu lhe darei, até a metade do meu

reino". Ela saiu e disse à sua mãe: "Que pedirei? " "A cabeça de João

Batista", respondeu ela. Imediatamente a jovem apressou-se em

apresentar-se ao rei com o pedido: "Desejo que me dês agora mesmo a

cabeça de João Batista num prato". O rei ficou muito aflito, mas por causa

do seu juramento e dos convidados, não quis negar o pedido à jovem.

(Marcos 6:17-26, NVI).

Ora, o motivo da decapitação de João Batista foi sua denúncia contra os

pecados do rei e não há o menor indício bíblico que dê margens para outro tipo de

interpretação. A única explicação lógica para tais deturpações das verdades bíblicas

dão conta da imaginação de líderes dispostos a tudo para governar o rebanho de

Cristo através do medo, e uma ovelha que desconhece a voz do verdadeiro Pastor,

acaba sempre enganada pelos sussurros dos lobos.

Com uma única afirmação, os líderes neopentecostais, além de deturpar

absurdamente as sagradas escrituras, a fim de criar uma doutrina que atribua a eles

o direito de não serem questionados, retiram de João Batista um dos maiores

créditos de seu ministério, que seria o de denunciar o pecado, mesmo que isso lhe

custasse a morte, como de fato custou.

Com tudo isso, além do medo, essa repressão tem causado a perda da

identidade da comunidade cristã presente nas igrejas neopentecostais rio-

branquenses, uma vez que ficam totalmente entregues aos desmandos de líderes,

que determinam tudo em suas vidas, desde escolhas profissionais e

relacionamentos, até mesmo decisões cotidianas como a roupa que poderão usar ou

Page 41: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

os locais onde poderão frequentar, numa clara apoderação das atribuições de Jesus

na vida do Cristão, conforme Ele mesmo ensina:

Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e

vós todos sois irmãos. A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque

só um é vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem sereis chamados guias,

porque um só é vosso Guia, o Cristo (Mateus 23:8-10, RA).

Posto isso, é mister considerar que Jesus é o único com autoridade sobre a

vida integral do ser humano, o que nem sempre se permite ser experimentado hoje

em dia, em especial nas comunidades neopentecostais, tornando o povo vulnerável

a qualquer vento de doutrina que sopra contra a igreja.

3.1.5 – O Triunfalismo

Toda essa gama de informações doutrinárias, nem sempre verdadeiras,

oriundas da confissão positiva e da teologia da prosperidade, desenvolve um novo

sistema filosófico dentro das igrejas NP, a saber, o triunfalismo. Quando envoltos a

esta filosofia, a igreja tende a apresentar excessiva e absoluta confiança no sucesso

terreno, e é exatamente assim que estas igrejas em Rio Branco agem e tentam

influenciar aquelas que ainda não se convenceram do valor atribuído ao movimento.

Os grupos locais formados dentro das redes sociais são um bom termômetro

para observarmos isso. Frases de efeito, bradando sobre vitórias, são repetidas

como mantras, insistentemente, entre seus adeptos. As mais comuns66 são do tipo

“crente não conhece derrota!”, “crente nasceu para vencer!”, “você é cabeça e não

cauda!” e outras afins que, ignorando os ensinamentos bíblicos, fazem sempre

referência a conquistas terrenas.

Dessa forma, tem sido criada outra cosmovisão deturpada entre boa parte da

comunidade evangélica rio-branquense sobre o tema “vitória cristã”, de forma que

até mesmo as estratégias de evangelismo se apegam a promessas vazias,

66

Conforme pode-se observar no Facebook, a rede social mais popular entre os cristãos evangélicos de Rio Branco, e em sites e blogs evangélicos da capital como o “Acre Gospel”.

Page 42: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

proselitismos67 e chavões de vitória, tentando convencer a população de que, uma

vez convertido, todos os problemas do indivíduo serão resolvidos.

Maurício Zágari, jornalista, teólogo e escritor premiado, em seu recente livro

“A verdadeira vitória do cristão” desconstrói esse pensamento triunfalista de maneira

extremamente coesa, extraindo aquilo que a bíblia realmente afirma sobre o triunfo

que Deus promete a cada um de seus filhos. Ele diz:

(...) nós nos tornamos vitoriosos como herdeiros da vitória de Deus

sobre o mundo, o diabo e a morte. E, ao se tornar vitorioso sobre a morte,

Jesus nos torna vitoriosos sobre a morte. Com isso, ao triunfarmos sobre a

morte, pelo sangue de Cristo, recebemos como vitória a vida eterna.

Ao compreendermos essa realidade, podemos dizer sem medo a

frase “a vitória é nossa, pelo sangue de Jesus”, desde que entendamos que

o que estamos dizendo é: “O sangue de Jesus, derramado na cruz do

Calvário, nos deu a vitória, que é a vida eterna” (ZÁGARI, 2012, p. 98).

Nessa mesma perspectiva, Jesus afirma: "Eu lhes disse essas coisas para

que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham

ânimo! Eu venci o mundo" (João 13:33, NVI). Jesus deixa claro que o nosso triunfo

não é terreno, afirmando que enquanto estivermos neste mundo, as aflições serão

inevitáveis, porém temos uma grande esperança, a grande mensagem do

Evangelho, a de que um dia todo sofrimento cessará, e habitaremos livres e

triunfantes com Cristo em seu Reino.

É verdade que Deus nos abençoa ainda nesta vida e de várias maneiras, Ele

nos dá vitória e triunfos em diversas áreas, porém essa não é a ênfase do

Evangelho e nem uma garantia, pois estamos completamente sujeitos à vontade de

Deus e Ele, de fato, abençoa a quem quer:

Como está escrito: "Amei Jacó, mas rejeitei Esaú". E então, que diremos?

Acaso Deus é injusto? De maneira nenhuma! Pois ele diz a Moisés: "Terei

misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem

eu quiser ter compaixão". Portanto, isso não depende do desejo ou do

esforço humano, mas da misericórdia de Deus. (Romanos 9:13-16, NVI).

67

Proselitismo religioso é o intento, zelo, diligência, empenho ativista de converter uma ou várias pessoas a

uma determinada religião através da argumentação.

Page 43: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Dessa forma, fica claro perceber que todo realce dado a conquistas terrenas,

em detrimento da verdadeira vitória do cristão, que é a salvação através do sacrifício

de Jesus, é falsa e gera graves consequências como poderemos observar no

próximo capítulo, sobre o impacto social das igrejas evangélicas na sociedade rio-

branquense.

3.1.6 – Ênfase nas experiências

Por fim, a ultima consequência do movimento neopentecostal sobre a

comunidade evangélica acriana (e brasileira) que trataremos neste trabalho, é a

importância exagerada, quase canônica68, que as igrejas adeptas do movimento

atribuem às experiências pessoais, em especial aquelas supostamente

sobrenaturais.

Esse empirismo69 é a principal base de sustentação para todas as falsas

doutrinas que acompanham o movimento NP. Por exemplo, quando se anuncia a

prosperidade financeira como uma promessa de Deus à igreja, estas afirmações são

perpetuadas pela experiência pessoal de pessoas que de fato prosperaram após

suas conversões. Dessa forma ignoram-se completamente as incontáveis pessoas

que não alcançaram tal “benção”, para enfatizar a veracidade de tais doutrinas

através da vida de minorias.

Entretanto, a bíblia é clara quando afirma que “Deus não faz acepção de

pessoas”. Ora, se de fato a prosperidade financeira fosse uma promessa de Deus à

igreja, não haveria exceções, não alcançariam esta promessa apenas uma parcela

mínima da população evangélica, especialmente quando esse grupo, na prática,

nem sempre possui um testemunho de fidelidade cristã.

Infelizmente a comunidade evangélica rio-branquense tem se deixado

conduzir muitas vezes apenas por experiências pessoais, deixando a Palavra

68

Canônico é um adjetivo que caracteriza aquilo que está de acordo com os cânones, com as normas

estabelecidas ou convencionadas e é por isso considerado aprovado, verdadeiro. A bíblia cristã é formada pelo Canon bíblico, ou seja, os livros considerados verdadeiramente inspirados por Deus.

69 Empirismo é um movimento que acredita nas experiências como únicas (ou principais) formadoras das idéias,

discordando, portanto, da noção de idéias inatas. No empirismo, a sabedoria é adquirida por percepções.

Page 44: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

imutável de Deus em segundo plano, e não aceita as verdade ali contidas, exceto

aquelas que são interessantes aos seus desejos pessoais.

Porém a ênfase nas experiências vai muito além da questão da prosperidade.

Manifestações alheias ao evangelho são comuns, nos cultos neopentecostais, o que

em Rio Branco não poderia ser diferente. Entretanto, a bíblia diz que:

Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo

em todos. A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito, visando ao

bem comum” (I Corintios 12:6-7, NVI).

Em outras traduções temos:

E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo

em todos. A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um

fim proveitoso (JFA-RA).

E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em

todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil

(JFA-RC).

Dessa forma, a Palavra de Deus não nega que existam manifestações

espirituais, porém limita aquelas que são de fato realizadas pelo Espírito Santo ao

campo da utilidade e do bem comum a todos, ou seja, não se trata de manifestações

pessoais, mas operações do Espírito que beneficiam a todos da congregação, de

forma que haja alguma utilidade prática para a vida cristã, o que nem sempre tem

acontecido nas manifestações carismáticas em igrejas neopentecostais da capital

acriana.

É possível ver constantemente pessoas “caindo no poder”, falando em línguas

desordenadamente, trazendo a todo instante novas revelações e profecias,

afirmando terem sido arrebatadas no culto, ou tomadas por unções extravagantes, e

diversas outras experiências que quase nunca trazem consigo proveito algum para a

igreja, apenas criam uma atmosfera supostamente espiritual, sobrenatural, e tornam

“especiais” as pessoas que alegam ter experimentado tais manifestações, o que

gera uma corrida em busca deste “sobrenatural”, para que, aquelas que não

experimentaram, não sejam consideradas carnais, o que geralmente acontece.

Page 45: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Assim, de experiência em experiência, a igreja vai sendo conduzida por

caminhos nem sempre aprovados pelo Evangelho de Jesus Cristo, de forma que

aquelas passam a ser consideradas tão ou mais importantes para a igreja do que a

revelação escrita, erro esse cometido pela maior parte das seitas existentes em que,

em determinado momento da história, seus pioneiros viveram experiências

sobrenaturais, inexplicáveis e, deixando de lado os conselhos bíblicos, se

entregaram àquelas manifestações e delas desenvolveram novos sistemas

religiosos.

Page 46: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

4 – O CRESCIMENTO DA IGREJA E SEU IMPACTO SOCIAL EM RIO

BRANCO

“As igrejas Neopentecostais realizaram as mais profundas acomodações à

sociedade (se pensarmos em termos de mutações do protestantismo

através dos tempos), abandonando vários traços sectários, hábitos

ascéticos e o velho estereótipo pelo qual os “crentes” eram reconhecidos e,

implacavelmente, estigmatizados, abolindo certas marcas distintivas e

tradicionais de sua religião, propondo novos ritos, crenças e práticas, dando

ares mais brandos aos costumes e comportamentos como em relação às

vestimentas. O prefixo “neo” é utilizado para marcar sua recente formação,

bem como seu caráter de “novidade” dentro do protestantismo, mais

especificamente do pentecostalismo”70

.

A citação acima foi escrita pelo Doutor em Sociologia Paulo Silvino Ribeiro, ao

analisar o surgimento do neopentecostalismo no Brasil. Durante sua análise ele

explicita grandes mudanças comportamentais entre os crentes neopentecostais, em

relação aos antigos estereótipos pelos quais a população evangélica era

reconhecida. O velho deu lugar ao novo. Os velhos costumes e a ortodoxia deram

lugar a novas práticas e a uma abertura teológica poucas vezes vistas na história do

cristianismo. Infelizmente a consequência dessa transformação já vimos no capitulo

anterior, e não é nada agradável.

Em Rio Branco, esta transformação encontra-se bastante evidente, mais

ainda do que noutras cidades brasileiras, por uma razão simples: Rio Branco é a

única capital do Brasil onde a quantidade de evangélicos é praticamente igual ao

numero de católicos, isso de acordo com o Censo 2010, do IBGE. Ainda de acordo

com a referida pesquisa, a projeção é que no ano de 2012, o número de evangélicos

tenha ultrapassado 50% da população.

70

RIBEIRO, Paulo Silvino. O advento do Neopentecostalismo no Brasil. Disponível em: < http://www.brasilescola.com/sociologia/o-advento-neopentecostalismo-no-brasil.htm> Acesso em: 10 jul. 2012.

Page 47: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Vamos analisar alguns dados importantes do Censo 2010, sobre a quantidade

de evangélicos na capital acriana, em comparação aos católicos, na figura que

segue:

Figura 1 – Porcentagem de católicos e evangélicos em relação à população total residente em Rio Branco.

Note que em 2010 a quantidade de evangélicos era de apenas 294 pessoas a

menos que a quantidade total de católicos, algo inconcebível apenas uma década

atrás. Em comparação com os dados do Censo 2000, houve um crescimento

extremamente acelerado da igreja evangélica em apenas 10 anos, conforme as

figuras 1, 2 e 3:

Figura 2 – População total de Rio Branco no ano 2000.

Page 48: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Figura 3 – Porcentagem de evangélicos por capital, em relação à população total.

De acordo com a figura 3, no ano 2000, a população evangélica em Rio

Branco somava 23,27% da população total. Considerando que (conforme a figura 2)

a população total de Rio Branco era de 253.059 habitantes, o número absoluto de

evangélicos era de aproximadamente 58886 pessoas. Dessa forma, em apenas 10

anos, entre o ano 2000 e 2010, houve um crescimento de mais de 220% da

população evangélica em Rio Branco. A maior parte desse crescimento deve-se,

sem dúvidas, ao advento do neopentecostalismo, em especial às igrejas adeptas do

G12, além das congregações da IURD e IMPD.

Dessa forma fica evidenciado o que já afirmamos outrora: desde a década de

90, com a chegada do neopentecostalismo em Rio Branco, houve um crescimento

exponencial do número de evangélicos como jamais visto em nenhuma outra era do

cristianismo, nem no âmbito local, tampouco nacional.

Este crescimento gerou mudanças significativas na cultura local. De minoria

estereotipada a maioria formadora de opiniões e movimentadora de mercado, é

como se encontra a população evangélica de Rio Branco. Hoje não se caminha mais

pelas ruas da capital acriana sem se deparar com propagandas especificas para

esta fatia populacional. Existem rádios evangélicas locais, programas de televisão

Page 49: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

evangélicos, exposições de produtos e shows gospels patrocinados pelo poder

público. Aliás, o poder público tem sido compelido a desenvolver políticas e

melhorias que beneficiem especificamente a população evangélica, como é o caso

de um recente projeto estadual que prevê a construção de um “Parque Gospel71”,

que visa a realização de ações eclesiásticas e trabalhos sociais desenvolvidos pelas

igrejas evangélicas.

Outro fenômeno interessante, especialmente em tempos de eleição, é a

recente “valorização” da comunidade evangélica pelos políticos e candidatos locais,

de forma que a grande maioria deles incluem, em seus projetos de campanha,

promessas especificas à Igreja Evangélica, além de citar continuamente o nome de

Jesus em seus discursos, numa clara tentativa de agrada-la.

Dessa forma, dado o número elevado de cristãos evangélicos, a comunidade

evangélica deixou de ser coadjuvante social para ditar muitas regras. Ela agora tem

uma voz e isso notadamente é um grande avanço, se bem utilizado, para o Reino de

Deus. Mas na prática, essa vantagem parece não estar gerando claros benefícios

para a sociedade rio-branquense, é o que trataremos a seguir.

4.1 – A prosperidade tem alcançado a comunidade evangélica?

Esta pergunta se torna pertinente em face de tudo o que já discutimos

anteriormente. Hoje em Rio Branco, o evangelho triunfalista e da prosperidade tem

sido anunciado nos quatro cantos da cidade, mas será que esta relação entre fé e

renda tem sido realidade? A população de Rio Branco tem prosperado à medida que

se converte ao cristianismo protestante?

Para responder esta pergunta lançaremos mão de mais alguns dados

incontestáveis, revelados pelo Censo 2010. Observe a figura 4.

71

Conforme notícia veiculada no portal “Agencia de Notícias do Acre”, mantida pelo governo estadual, disponível em < http://www.agencia.ac.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=17119&Itemid=26>.

Page 50: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Figura 4 – A renda da população rio-branquense, separada por religião.

Analisando atentamente o gráfico referente à renda da população de Rio

Branco, podemos identificar dados extremamente relevantes. Note que apenas na

fatia populacional com renda inferior ou igual a um salário mínimo, a quantidade de

evangélicos é superior a de católicos, ou seja, a classe mais pobre da população é

formada em sua maioria por evangélicos, numa taxa de 7% a mais.

Nas outras duas fatias, a classe média e classe média alta e rica, o número

de evangélicos cai geometricamente. A classe média (cor verde escura) é formada

majoritariamente por católicos, sendo que a quantidade de católicos presentes nela,

em Rio Branco, é 38% maior que a quantidade de evangélicos. Já na classe média

alta (cor verde clara), os católicos são maioria absoluta. São 2124 católicos contra

853 evangélicos, ou seja, o número de católicos com alta renda é 149% maior que o

número de evangélicos!

Se considerarmos a maneira como os protestantes historicamente qualificam

os católicos, considerando-os, dentre outros adjetivos, de idólatras, estes números

beiram o absurdo, pois como poderia um povo idolatra prosperar mais do que o povo

fiel? A resposta para essa questão é simples, pois independentemente da situação

teológico/doutrinária onde se encontram católicos, a teologia da prosperidade

alardeada pelas igrejas neopentecostais é falsa, por isso não se sustenta fora do

âmbito da imaginação.

Page 51: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Infelizmente, conforme vimos anteriormente, as experiências pessoais têm

surtido efeito doutrinário na comunidade evangélica de Rio Branco. Dessa forma,

mesmo com números tão claros, os testemunhos de minorias geram uma falsa

impressão de que isso de fato “funciona” (pragmatismo). Assim, quando um adepto

prospera (por motivos diversos), ignoram-se as centenas de outras pessoas que não

experimentaram tais benefícios financeiros em suas vidas para, em detrimento da

maioria, sustentar uma doutrina inteiramente falsa, baseada apenas numa

experiência pessoal.

Enfim, as pessoas que têm acreditado nas promessas neopentecostais de

prosperidade financeira, não tem experimentado isso de forma prática em suas

vidas. Assim a prosperidade financeira continua sendo, conforme já indica a palavra

de Deus, fruto de trabalho, ou quando muito, de atividades duvidosas.

4.2 – O crescimento da igreja evangélica tem gerado impacto positivo e sólido

na sociedade rio-branquense?

Quando falamos de impacto social positivo, nos referimos a uma

transformação genuína dentro da sociedade, gerando diminuição gradativa da

violência urbana assim como de todos os outros fatores negativos que assolam a

sociedade. Esse questionamento é importante, uma vez que é notório o crescimento

evangélico na cidade, considerando ainda que, para cada cidadão convertido ao

evangelho de Jesus temos, teoricamente, um cidadão a menos para cometer crimes,

para fazer uso de entorpecentes, para praticar violência doméstica, dentre outros, o

que geraria obrigatoriamente uma melhoria desse tipo de estatística.

A partir desta perspectiva, observe a figura 5:

Page 52: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Figura 5: Dados relativos ao aumento dos principais tipos de violência. Números brutos comparativos entre o 1º

semestre de 2010 e 1º semestre 2012.

Infelizmente não há no Estado do Acre dados estatísticos confiáveis

anteriores a 2010, uma vez que as informações referentes aos dados tratados na

figura 5 estarem dispostas em diversos sistemas de dados, o que impossibilita sua

análise com fidelidade, dificuldade totalmente sanada somente a partir do segundo

semestre de 2009. Por esta razão faremos uma análise comparativa apenas entre o

primeiro semestre de 2010 e o primeiro semestre de 2012, a fim de ilustrar as

informações aqui defendidas.

Conforme já vimos, em 2010, 41,1% da população de Rio Branco era de

profissão de fé evangélica. O crescimento continua acelerado, conforme comprova

pesquisa realizada em 2011 pela “Data Control”, encomendada pelo jornal acriano

“A Tribuna”. Segundo a mesma, em 2011, 53,3% da população acriana já se dizia

evangélica, o que nos leva a considerar indubitavelmente que este número continua

crescendo, especialmente na capital acriana.

Dessa forma, com tal crescimento evangélico, era de se esperar que a

violência urbana diminuísse de forma inversamente proporcional, ou pelo menos que

ficasse estagnada, uma vez que a conversão do indivíduo gera um novo cidadão,

não mais conforme o anterior, em outras palavras, um cristão a mais significa um

bandido (ou um bandido em potencial) a menos, pelo menos é assim que nos ensina

o Evangelho de Jesus.

Page 53: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Porém não é o que vemos acontecer em Rio Branco. Não obstante o aumento

do número de evangélicos, a violência continua aumentando paralelamente. Note na

figura 5 que a quantidade de estupros e assaltos aumentou, respectivamente, 6% e

29,8% no primeiro semestre de 2012, em comparação ao primeiro semestre de

2010.

Nas famílias, a violência doméstica72 também não recuou, antes continua

aumentando. Entre os casos mais comuns, de ameaça e lesão corporal, somente

em Rio Branco houve um salto de 1619 casos registrados, nos primeiros seis meses

de 2010, para 1992, no mesmo período de 2012, um aumento de 23% nas

ocorrências. Se considerarmos que, estatisticamente, uma grande porcentagem dos

casos não são registrados, esse número torna-se ainda mais sintomático.

Contudo, quando observamos o dia-a-dia da cidade, estes números tomam

características ainda mais absurdas, do ponto de vista do crescimento da

comunidade evangélica.

Diariamente é possível observar nos jornais locais, casos de violência e

corrupção onde evangélicos aparecem como acusados, seja com envolvimento de

congregações, seja de forma isolada. Além disso, grande parte dos escândalos

políticos, ocorridos na capital, envolve a bancada evangélica, fato esse notório nos

mais diversos canais de notícias locais.

O policial civil Luciano Henrique de Souza, coordenador da seção de logística

do principal departamento operacional da Secretaria de Estado da Polícia Civil -

SEPC, afirma que em praticamente todas as grandes operações realizadas pela

polícia civil em Rio Branco, há evangélicos figurando entre os investigados,

especialmente entre aqueles que acabam presos pelas mais variadas ilicitudes. Ele

chega a dizer que, para cada 10 prisões que executa, a proporção de evangélicos

varia entre 50 e 60 por cento.

Em recente operação realizada pela polícia civil em Rio Branco, que ficou

conhecida como a “Máfia do Detran”, amplamente divulgada pela imprensa local,

dos 27 presos, acusados de crimes de corrupção passiva, ativa, formação de

quadrilha dentre outros, 19 eram evangélicos, em sua maioria oriundos de igrejas

adeptas da visão G12 e M12, conforme relatos de participantes da operação, fato

esse bastante debatido nos grupos locais das redes sociais.

72

Casos de violência na esfera familiar.

Page 54: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Embora os gritos de avivamento sejam constantes em Rio Branco,

fundamentados especialmente neste acelerado crescimento da comunidade

evangélica, definitivamente não é isso que os dados sociais e o próprio cotidiano da

cidade revelam.

A verdade é que não houve nenhum benefício prático para a população local

com o aumento do numero de evangélicos. Não há um bairro sequer transformado

pelo poder do Evangelho, não há redução da violência, não se vê diminuição da

pobreza, tampouco da gravidez na adolescência, dos números do tráfico, os

casamentos continuam se dissolvendo, inclusive dentro das igrejas, enfim, nada

mudou, ou se mudou, foi para pior, conforme vimos na figura 5. Em outras palavras,

o avivamento anunciado é falso, assim como é falso o evangelho mediante o qual

boa parte destas pessoas tem aderido ao cristianismo evangélico.

Alias, é justamente isso o que muitos são, adeptos. Adeptos e não servos,

pois é isso o que a confissão positiva e a teologia da prosperidade tem gerado:

pessoas que aderem a uma visão, a uma promessa de prosperidade, honra e vitória,

mas que muitas vezes não estão dispostas a simplesmente servir ao próximo, sem

que isso signifique alcançar algum tipo de benefício terreno, apenas por amor. A

mensagem é clara, sem Evangelho genuíno não há cristão verdadeiro.

Existe ainda outra informação sintomática. A igreja evangélica rio-branquense

não tem mais “caído na graça do povo73”, conforme era característica da igreja

primitiva, embora esse fenômeno não seja apenas local. Entretanto, o que motiva

esta certa repulsa promovida pela população não evangélica contra a igreja

protestante, não é uma variação da perseguição religiosa pela qual, historicamente,

o cristão evangélico sempre foi vítima, mas sim as atitudes dúbias e discutíveis

tomadas por estes. Na prática, os evangélicos são acusados de não viverem o que

pregam, ou de usar a religião em benefício próprio através de doutrinas espúrias, na

maioria das vezes relacionando as bênçãos de Deus com contribuições financeiras.

Nesta perspectiva, foi realizada uma pequena pesquisa entre pessoas não

evangélicas, Moradoras de Rio Branco. Elas responderam a seguinte questão: Qual

a sua visão em relação à população evangélica de Rio Branco, do ponto de vista de

sua relevância social e de sua postura enquanto representantes de Deus?

Vejamos algumas das respostas mais contundentes:

73

Termo que expressa a empatia com que o povo observava a igreja da época dos apóstolos, descrito em Atos 2:47.

Page 55: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

“Hodiernamente, ser evangélico “está na moda”. A grande maioria das

pessoas frequentam igrejas evangélicas por mero oportunismo e

conveniências pessoais. Os que se autointitulam “evangélicos” formam tão

somente mais uma das milhares de religiões, ou seja, um conglomerado de

pessoas que buscam, nada mais nada menos que seguir confortáveis

doutrinas elaboradas por grupos de “estrategistas”, de maneira a difundir

uma nova devoção religiosa, a partir da qual se vive passivamente uma

suposta vida “cristã”. Em geral, “ser evangélico” está muito mais relacionado

a questões puramente estratégicas” (Antônio Silvestre, morador do Bairro

Tucumã, via Facebook).

“Acredito que o amor a Deus e ao próximo seja o que menos têm importado

para muitos pastores e igrejas. O que se quer mostrar são quantos líderes

aquela igreja possui, quantos discípulos aquele líder já tem, o número de

fieis que têm contribuído com o dízimo, e coisas assim. É quase como um

plano de metas do governo, onde pesa as estatísticas e não a real

importância de Deus na vida das pessoas. Tanto que, o que mais temos

visto nos últimos dias, são "evangélicos" cometendo crimes (...) E vou um

pouco mais a fundo, algumas igrejas estão formando hipócritas, pessoas

que pregam a fé no entanto, na prática, por debaixo dos panos, agem de

forma completamente contrária àquilo que vivem dentro da igreja. Do que

adianta? É muito fácil ser "crente" desse jeito. É muito fácil criticar pessoas,

julgar-se superior por não beber, não fumar, não ir a festas, e estar todos os

domingos na igreja, dizendo a todos que pagou os R$300,00 e foi para o

pré encontro, o encontro, o pós encontro e tudo mais; mas na vida mesmo,

não coloca em prática nada que deveria aprender na bíblia” (Vanessa

Cordeiro, moradora do Bairro Bosque, via email).

“Tenho vários amigos e colegas evangélicos e em geral gosto muito deles.

Alguns têm uma postura exemplar. Entretanto, verifico que existe um

segmento (grande) de protestantes que estão passando pelo

mesmo processo que acometeu os católicos, qual seja: estão misturando fé

com as “coisas do mundo”. Não consigo diferenciar um católico de uma

“pessoa do mundo”, por exemplo. Da mesma forma, hoje em dia tenho

dificuldades para diferenciar um evangélico de um não-evangélico.

Qualquer um se autodenomina protestante. Tenho encontrado pessoas que

possuem postura, comportamento e valores que não condizem com os

valores cristãos. O discurso não está em sintonia com as praticas.

Particularmente nunca conheci alguém que conseguisse seguir em 100%

Page 56: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

tudo o que está na Bíblia, mas conheço algumas (pouquíssimas) que estão

bem próximas disso, mas a maioria dos protestantes está muito distante

desta realidade. Não vivem o que pregam e, pior, parecem não se dar conta

disso. A comunidade protestante cresce de forma astronômica em nossa

cidade, em nosso estado e em nosso país, entretanto, não conseguimos

enxergar mudanças positivas dentro de nossa sociedade. A corrupção, a

individualidade, o materialismo, a falta de solidariedade e a degradação

familiar continuam prevalecendo nas relações entre as pessoas. Se o

número de evangélicos está aumentando o correto seria que todas estas

coisas citadas anteriormente diminuíssem e que a vida em sociedade

melhorasse, mas não é o que se observa. Nós ainda somos um país de

políticos e de cidadãos corruptos” (Francisco Progênio, morador do Bairro

06 de Agosto, via email).

A imagem da igreja evangélica está tão arranhada diante da sociedade, que

não houve sequer um entrevistado que a tenha elogiado. Podemos observar nas

respostas supracitadas que, ainda que reconheçam existir cristãos genuínos, a

população não considera que a igreja esteja cumprindo seu papel de agente

transformador da sociedade, através do amor, da justiça e do testemunho cristão, ou

seja, a igreja não tem sido vitoriosa em seu papel de representar Cristo, e esse

testemunho é dado pela própria comunidade da cidade.

Page 57: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

5 – CONCLUSÃO

Não se passaram muitos anos desde o tempo em que o jovem evangélico se

deparava com preconceitos sociais, fruto de sua firme postura negativista diante da

sociedade. Por não beber ou fumar, não namorar irreverentemente nem se

comportar de forma imoral, ele era em geral tratado pelos outros jovens como

alguém alienado, bobo, careta e sem personalidade.

Na prática o preconceito continua, porém os motivos são bem diferentes, pois

se existe algo que o jovem cristão da atual geração, em especial a neopentecostal,

não é, é careta. Ser evangélico não é mais sinônimo de ser antiquado, inocente. O

jovem evangélico agora promove festas raves74, namora indiscriminadamente, bebe

e não se diferencia mais dos outros pela roupa ou pelo vocabulário. Este “embaraço”

não faz mais parte do cotidiano cristão.

Entretanto, infelizmente agora, ser evangélico tem aos poucos se tornado

sinônimo de ser apaixonado por dinheiro, ser aproveitador, soberbo e amante

excessivo de si mesmo, tudo exatamente inverso ao que nos anuncia o Evangelho

de Jesus. Mas desta vez a culpa não é da perseguição religiosa ou da ignorância

popular quanto aos verdadeiros valores do Reino de Deus, mas do mau testemunho

da igreja, de sua inoperância social, e de sua cada vez mais constante participação

em escândalos políticos e policiais.

É verdade que os tempos mudam e que, talvez, no aproximemos do tempo do

fim, conforme anunciado nas escrituras, a qual alerta sobre a falta de amor que

imperaria na vida de muitos, porém também não restam dúvidas de que o

neopentecostalismo tem contribuído sobremaneira a esse quadro, sendo grande

responsável pelo relativismo teológico e seu consequente esfriamento espiritual.

74

Rave é um tipo de festa que acontece em sítios (longe dos centros urbanos) ou galpões, com música

eletrônica. É um evento de longa duração, normalmente acima de 12 horas, onde DJs e artistas plásticos, visuais e performáticos apresentam seus trabalhos, interagindo, dessa forma, com o público.

Page 58: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

Ora, o Evangelho de Jesus Cristo é salvação para aquele que crê (Rm 1:16),

não dinheiro no bolso, porém essa verdade tem sido revertida em muitos púlpitos

mundo afora, assim como em Rio Branco, adquirindo uma nova roupagem: a de que

Cristo morreu para que ainda nesta vida, alcançássemos a tão sonhada vida

abundante, numa perspectiva totalmente material e terrena.

Em vista disso, a igreja tem se tornado cada vez mais parecida com o mundo,

e sobre isso John Stott75 afirma:

Urge que não somente vejamos, mas também sintamos, a grandeza dessa

tragédia, pois, na medida em que uma igreja se conforme com o mundo, e

as duas comunidades pareçam ser meramente duas versões da mesma

coisa, essa igreja está contradizendo a sua verdadeira identidade. Nenhum

comentário poderia ser mais prejudicial para o cristão do que as palavras:

"Mas você não é diferente das outras pessoas! (STOTT, 1981, p. 8)

Portanto urge que a igreja abandone o excesso de tolerância e que haja um

posicionamento claro e incisivo contra essa abertura teológica que, embora

acompanhe o discurso de aprimoramento e renovação da igreja e da pregação

bíblica, a fim de dar respostas contemporâneas aos problemas da humanidade, está

na verdade causando um enfraquecimento da Igreja, modificando seu caráter e

substituindo seu alvo que sempre foi, é e continuará sendo, o Reino ainda invisível

de Deus.

75

John Robert Walmsley Stott, (1921–2011) foi um líder anglicano britânico, conhecido como uma das

grandes lideranças mundiais evangélicas. Foi um dos principais autores do pacto de Lausana, em 1974. Em 2005, a revista Time classificou Stott entre as 100 pessoas mais influentes do mundo.

Page 59: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

6 – REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Stephenson Soares. A Manipulação no Processo de Evangelização. 2ª ed.

Belo Horizonte: LERBAN, 2006.

BIANCHETTI, Thiago Angelin Lemos. Elementos de Rituais Afro-brasileiros sob a

Ótica de Resignificação Iurdiana: uma Etnografia dos Exus na Umbanda e na Igreja

Universal do Reino de Deus. Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal

de Alagoas, Maceió-AL, 2008.

BÍBLIA, Português. Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional: Editora Vida, 2001

BÍBLIA, Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e

Corrigida: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.

CASTELLANOS, César Domínguez. Sonha e Ganharás o Mundo. São Paulo, SP:

Palavra da Fé Produções LTDA, 1999.

Cullmann, Oscar. Cristo e o Tempo: Tempo e História no Cristianismo Primitivo. São

Paulo: Custom, 2003.

FRESTON, Paul. Protestantismo e Democracia No Brasil. Lusotopie 1999.

HAGIN, Kenneth E. Eu creio em visões. Graça Editorial, 1996.

HORTON, Michael. Pragmatismo religioso. Publicado na Revista O Presbiteriano

Conservador, na edição de Maio/Junho de 1997.

LOPES, Hernandes Dias. Avivamento Urgente: como buscar um avivamento

autêntico e preparar o caminho para a sua chegada. 4 ed. Venda Nova, Editora

Betânia, 1994.

Page 60: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no

Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

MATOS, Alderi Souza de. O movimento pentecostal: reflexões a propósito do seu

primeiro centenário. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/6982.html> Acesso

em: 22 jun. 2012.

MORIARTY, Michael G. The New Charismatics. Grand Rapids: Zondervan, 1992.

PERES, Alcides Conejeiro. O catolicismo romano através dos tempos: uma análise

de sua história e doutrinas.Rio de Janeiro: JUERP, 1995.

PIERATT, Alan B. O evangelho da prosperidade: análise e resposta. São Paulo:

Edições Vida Nova, 1993.

PIMENTA, José. A “invenção” do Acre como exemplo de brasilidade. Artigo

publicado na Revista Linguagens Amazônicas, n°2, pp. 27-44, 2003

RIBEIRO, Paulo Silvino. O advento do Neopentecostalismo no Brasil. Disponível em:

< http://www.brasilescola.com/sociologia/o-advento-neopentecostalismo-no-

brasil.htm> Acesso em: 10 jul. 2012.

ROMEIRO, Paulo. Super Crentes, o Evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice

Milhomens e os profetas da prosperidade. 2ª Ed. rev. São Paulo: Mundo Cristão,

2007.

SOARES, Ezequias. O que é confissão positiva. Disponível em:

<http://www.palavradaverdade.com/print2.php?codigo=1792> Acesso em: 22 jun.

2012.

STOTT, John. Contracultura cristã. ABU Editora, 1981.

TERRANOVA, Rene. Líderes por herança e aliança. Disponível em: <

http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=4> Acesso em 05

mai. 2011.

Page 61: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

_______________. Nasceu o governo do Justo. Disponível em: <

http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=14> Acesso em

14 jul. 2012.

_______________. O Princípio da Semeadura, o Poder da Semente. Disponível em

< http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=45> Acesso em

05 mai. 2011.

_______________. Pensamento do Eterno sobre as Primícias. Disponível em <

http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=44> Acesso em

14 jul. 2012.

_______________. Preservando a identidade do EU SOU. Disponível em: <

http://www.reneterranova.com.br/blog/?p=1500> Acesso em 08 abr. 2011.

TRASK, Thomas E. O Pastor Pentecostal. Rio de Janeiro, Casa Publicadora das

Assembléias de Deus. 1999.

Page 62: Consequências do Neopentecostalismo no Movimento Evangélico e na Sociedade Rio-Branquense

É PROIBIDO PENSAR

Procuro alguém pra resolver meu problema

Pois não consigo me encaixar neste esquema

São sempre variações do mesmo tema

Meras repetições

A extravagâncias vem de todos os lados

E faz chover profetas apaixonados

Morrendo em pé rompendo a fé dos cansados

Com suas canções

Estar de bem com vida é muito mais que renascer

Deus já me deu sua palavra

E é por ela que ainda guio o meu viver

Reconstruindo o que Jesus derrubou

Re-costurando o véu que a cruz já rasgou

Ressuscitando a lei pisando na graça

Negociando com Deus

No show da fé milagre é tão natural

Que até pregar com a mesma voz é normal

Nesse evangeliquês universal

Se apossando do céus

Estão distantes do trono, caçadores de deus

Ao som de um shofar

E mais um ídolo importado dita as regras

Pra nos escravizar.

(Música “É proibido pensar”, de João Alexandre)