Considerações a respeito da disfonia em profissionais da voz - Ipog

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Considerações periciais acerca da voz enquanto instrumento de trabalho janeiro/2013 Considerações periciais acerca da voz enquanto instrumento de trabalho Maria do Socorro Barros da Silva [email protected] Perícias Médicas Instituto de Pós-graduação - IPOG Resumo A voz profissional tem recebido um enfoque crescente. Para este trabalho usou-se um revisão da literatura com o objetivo de analisar os últimos conceitos que podem ser aplicados na pratica médica pericial. A apresentação clínica da voz enquanto instrumento de trabalho varia de indivíduos assintomáticos até quadros de deficiência vocal. Nos transtornos da voz profissional a fisiopatologia está relacionada ao excesso e ao ineficiente uso do mecanismo vocal, com trauma repetido da mucosa da prega vocal. De acordo com os conceitos de síndrome disfônica ocupacional e laringopatia ocupacional, a perturbação vocal é dividida nas fases pré-patogênica, patogênica precoce, patogênica precoce discernível, patogênica avançada e convalescença. Não há um padrão para se estabelecer nexo causal da disfonia com o trabalho, assim como também não há respaldo legal para afirmar sobre incapacidade laborativa nesses profissionais, portanto, na avaliação pericial pode-se utilizar o conhecimento das fases evolutivas e os conceitos gerais de incapacidade da Lei 8213/1991. Nos períodos pré-patogênico, patogênico precoce e patogênico precoce discernível não há incapacidade laborativa. Na patogênese avançada pode haver incapacidade laboral temporária ou voz adaptada e a manutenção da rotina laboral é importante para adaptação adequada ao trabalho. Na convalescença, pode ser necessária a reabilitação profissional ou até aposentadoria por invalidez. Palavras-chaves: Síndrome Disfônica Ocupacional; Laringopatia Ocupacional; Profissional da Voz; Perícia. 1. Introdução A comunicação oral é fundamental para o desempenho da grande maioria das profissões. Há, entretanto, um vasto grupo de indivíduos em que a voz constitui a ferramenta básica do exercício profissional e sem ela o trabalho não pode ser desenvolvido. Esses são os denominados profissionais da voz. Em Fortes et al. (2007) consta a informação de que cerca de 25% da população economicamente ativa considera a voz como instrumento de trabalho primordial. O Boletim COMVOZ nº1 afirma que aproximadamente um terço das profissões têm a voz como ferramenta básica de trabalho (NUDELMANN, et al., 2010). Devido à grande demanda vocal exigida para esses profissionais, os mesmos precisam de uma adaptação precisa dos seus órgãos da fonação sob pena do surgimento de sintomas disfônicos, mais ou menos precoces, que podem ser prejudiciais para o exercício profissional. Sabe-se, entretanto, que há uma diversidade sintomatológica nos transtornos da voz, além de múltiplos fatores de riscos que podem estar associados ao aumento da demanda vocal (ALMEIDA E PONTES, 2010), o que dificulta a padronização da perda da saúde vocal pelo uso profissional e a fixação do nexo de causalidade. O 3º Consenso Nacional sobre Voz Profissional (CNVP) considerou esse tema como uma questão de saúde e direito do trabalhador (ABORLCCF, 2004). Em 2009 foi constituído o

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Considerações periciais acerca da voz enquanto instrumento de trabalho janeiro/2013

Considerações periciais acerca da voz enquanto instrumento de

trabalho

Maria do Socorro Barros da Silva – [email protected]

Perícias Médicas

Instituto de Pós-graduação - IPOG

Resumo

A voz profissional tem recebido um enfoque crescente. Para este trabalho usou-se um revisão

da literatura com o objetivo de analisar os últimos conceitos que podem ser aplicados na

pratica médica pericial. A apresentação clínica da voz enquanto instrumento de trabalho

varia de indivíduos assintomáticos até quadros de deficiência vocal. Nos transtornos da voz

profissional a fisiopatologia está relacionada ao excesso e ao ineficiente uso do mecanismo

vocal, com trauma repetido da mucosa da prega vocal. De acordo com os conceitos de

síndrome disfônica ocupacional e laringopatia ocupacional, a perturbação vocal é dividida

nas fases pré-patogênica, patogênica precoce, patogênica precoce discernível, patogênica

avançada e convalescença. Não há um padrão para se estabelecer nexo causal da disfonia

com o trabalho, assim como também não há respaldo legal para afirmar sobre incapacidade

laborativa nesses profissionais, portanto, na avaliação pericial pode-se utilizar o

conhecimento das fases evolutivas e os conceitos gerais de incapacidade da Lei 8213/1991.

Nos períodos pré-patogênico, patogênico precoce e patogênico precoce discernível não há

incapacidade laborativa. Na patogênese avançada pode haver incapacidade laboral

temporária ou voz adaptada e a manutenção da rotina laboral é importante para adaptação

adequada ao trabalho. Na convalescença, pode ser necessária a reabilitação profissional ou

até aposentadoria por invalidez.

Palavras-chaves: Síndrome Disfônica Ocupacional; Laringopatia Ocupacional; Profissional

da Voz; Perícia.

1. Introdução

A comunicação oral é fundamental para o desempenho da grande maioria das profissões. Há,

entretanto, um vasto grupo de indivíduos em que a voz constitui a ferramenta básica do

exercício profissional e sem ela o trabalho não pode ser desenvolvido. Esses são os

denominados profissionais da voz. Em Fortes et al. (2007) consta a informação de que cerca

de 25% da população economicamente ativa considera a voz como instrumento de trabalho

primordial. O Boletim COMVOZ nº1 afirma que aproximadamente um terço das profissões

têm a voz como ferramenta básica de trabalho (NUDELMANN, et al., 2010).

Devido à grande demanda vocal exigida para esses profissionais, os mesmos precisam de uma

adaptação precisa dos seus órgãos da fonação sob pena do surgimento de sintomas disfônicos,

mais ou menos precoces, que podem ser prejudiciais para o exercício profissional.

Sabe-se, entretanto, que há uma diversidade sintomatológica nos transtornos da voz, além de

múltiplos fatores de riscos que podem estar associados ao aumento da demanda vocal

(ALMEIDA E PONTES, 2010), o que dificulta a padronização da perda da saúde vocal pelo

uso profissional e a fixação do nexo de causalidade.

O 3º Consenso Nacional sobre Voz Profissional (CNVP) considerou esse tema como uma

questão de saúde e direito do trabalhador (ABORLCCF, 2004). Em 2009 foi constituído o

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Comitê Brasileiro multidisciplinar de voz ocupacional com o objetivo de lutar pela saúde

vocal, por considerar que não há critérios de avaliação para os distúrbios de voz relacionados

ao trabalho.

Novos conceitos têm surgido na tentativa de minimizar essa problemática, como as definições

da síndrome disfônica ocupacional, deficiência vocal e voz adaptada.

Assim, o objetivo deste estudo foi descrever, mediante revisão de literatura, os achados

científicos quanto às alterações vocais e laríngeas que acometem os profissionais da voz, a

evolução das patologias vocais dentro do conceito de síndrome disfônica ocupacional e os

critérios que podem ser utilizados para determinação de incapacidade e de nexo de

causalidade com o trabalho dessas doenças. Dessa forma, esse estudo irá auxiliar na

prevenção de distúrbios vocais e contribuir para uma melhor avaliação pericial da capacidade

laborativa dos profissionais da voz.

Como fontes de informações para levantamento literário foram utilizados os bancos de dados

eletrônicos MEDLINE, LILACS e SCIELO, as lista de referências dos artigos identificados e

a base Periódicos CAPES. Também foram consultados dissertações e teses na Biblioteca

Digital de Teses e Dissertações da USP e na Biblioteca Digital da Unicamp, além de livros,

considerados relevantes para a realização desta revisão. A seleção dos descritores utilizados

no processo de revisão foi efetuada mediante consulta ao DECs (descritores de assunto em

ciências da saúde da BIREME). Nas buscas, os seguintes descritores em língua portuguesa e

inglesa, foram considerados: "voz”, “disfonia", "rouquidão", “distúrbios da voz”, "medicina

preventiva”, "saúde do trabalhador". Recorreu-se aos operadores lógicos "and" e "or" para

combinação dos descritores e termos utilizados para rastreamento das publicações.

Foram utilizados artigos originais e revisões da literatura, publicados no período de 1998 a

2010.

Foi realizada ainda pesquisa documental que incluiu a lista de doenças relacionadas com o

trabalho do Ministério da Saúde, o 3º Consenso Nacional Sobre Voz Profissional e o boletim

COMVOZ nº 1 do Comitê Brasileiro Multidisciplinar de Voz Ocupacional, além da legislação

que regulamenta os benefícios por incapacidade da previdência social.

A distribuição e análise dos resultados foram realizadas conforme a relevância e o valor

informativo dos dados para a finalidade do estudo.

2. Definições

A apresentação de alguns conceitos é necessária para uma melhor compreensão do contexto

das alterações vocais relacionadas com o trabalho.

2.1. Voz

A voz é uma função neurofisiológica inata, pois se desenvolve num paralelismo com o

desenvolvimento orgânico do indivíduo (MOTA et al., 2010), estando presente desde o

nascimento através do choro do bebê. Por ser fundamental nas relações humanas e para a

comunicação interpessoal, deve ser levada em consideração quando se fala na saúde geral do

indivíduo (SILVA, 1999). Sulica (2010) afirma que a vocalização humana é o resultado de

interações complexas de todos os elementos do trato aerodigestivo superior. Os componentes

básicos para a produção sonora são: uma fonte de força, uma fonte de vibração e um

ressonador. O ar é a principal fonte de energia, de força, para a fonação; as pregas vocais, com

suas propriedades biofísicas, compreendem a fonte de vibração e as estruturas supraglóticas,

faringe e laringe, formam a câmara de ressonância (COUREY, 2010). A voz, portanto, resulta

da cíclica interação entre o ar exalado, a elasticidade das pregas vocais somadas ao

fechamento glótico preciso e a vibração pela passagem do ar através da constrição formada

(SULICA, 2010).

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A voz é produzida pela vibração passiva das pregas vocais pelo ar que flui entre elas enquanto

elas estão aduzidas, sendo esse som moldado pelo trato vocal supraglótico e estruturas

articulatórias (COUREY, 2010).

Além do fator orgânico, a voz humana também apresenta um conteúdo emocional e de

expressividade. É um som com características individuais, revelando a personalidade do

indivíduo e identificando-o, na medida em que espelha à sua auto-imagem e sua auto-estima

pessoal (PARK E BEHLAU, 2009).

Portanto, quando há uma harmonia entre os fatores psicológicos e orgânicos, obtemos um

som de boa qualidade para os ouvintes e emitido sem dificuldade ou desconforto para o

falante. Neste sentido:

Voz normal é um conceito que implica enorme variabilidade e subjetividade;

basicamente, as características incluem uma qualidade vocal agradável, freqüência

apropriada para sexo e idade, intensidade e modulação adequadas, e a não

interferência na inteligibilidade da fala nem nas funções sociais e ocupacionais

(BEHLAU, AZEVEDO, PONTES, 2004:54.)

A voz profissional é definida como a forma de comunicação oral utilizada por pessoas que

dela dependem para sua atividade ocupacional.

2.2. Disfonia

A disfonia é uma limitação vocal, “um distúrbio da comunicação oral, no qual a voz não

consegue cumprir seu papel básico de transmissão da mensagem verbal e emocional de um

indivíduo” (MOTA et al., 2010:28). A disfonia pode ser definida como qualquer dificuldade

ou alteração na emissão natural da voz e é o principal sintoma de distúrbio da comunicação

oral, limitando a transmissão da mensagem verbal e podendo trazer repercussões importantes

no uso profissional da voz (ABORLCCF, 2004). Dessa forma, a apresentação da voz

disfônica se dá através de um número ilimitado de alterações, tais como: fadiga vocal, esforço

à emissão, desvios na qualidade vocal, perda de potência da voz, falta de volume e projeção,

variações descontroladas da freqüência fundamental, baixa resistência vocal, perda da

eficiência vocal e sensações desagradáveis à emissão (BEHLAU et al., 2001).

De acordo com Behlau et al. (2001), os problemas de voz têm implicações nas investidas para

a obtenção de um emprego, no exercício da profissão e na almejada ascensão social e

profissional – especialmente naquelas funções que demandam comunicação oral e o uso da

voz. E devido à comunicação oral ser também um instrumento utilizado para os

relacionamentos sociais e afetivos e para as opções de lazer, a disfonia pode causar ainda

dificuldades psicológicas e consideráveis restrições emocionais, sociais e funcionais, afetando

inclusive a qualidade de vida e a auto-imagem do indivíduo (BEHLAU et al., 2001; VIEIRA,

1996; HOGIKYAN E SETHURAMAN, 1999). Portanto, segundo Park e Behlau (2009)

vozes disfônicas podem produzir um impacto negativo no ouvinte ou, até mesmo, influenciar

os relacionamentos interpessoais, prejudicando a vida social e interferindo no trabalho.

A disfonia pode ser considerada funcional, também chamada primária, quando o uso da voz é

a causa do problema; orgânica ou secundária, quando a voz apenas reflete uma alteração cuja

causa independe da produção vocal e organofuncional, quando o uso da voz gera lesões nas

estruturas envolvidas na produção vocal e tais lesões pioram a qualidade vocal. Segundo

Piccolotto (1998), a maioria dos distúrbios da voz parece relacionar-se à disfonia funcional,

ou seja, ao mau uso de mecanismos vocais ou abuso vocal, sendo que o mau uso da voz

ocorre quando há desvios de padrões corretos da emissão e o abuso está presente quando o

uso da voz ultrapassa os limites saudáveis, mesmo com a utilização de uma boa técnica vocal.

De acordo com o CNVP (ABORLCCF, 2004), existem quatro graus de intensidade da

disfonia:

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Grau leve: disfonia eventual ou quase imperceptível;

Grau moderado: disfonia percebida continuamente, a voz é audível, com oscilações;

Grau intenso: disfonia constante, a voz torna-se pouco audível;

Grau extremo ou afonia: “quase ausência” ou “total ausência” de voz, a voz torna-se

inaudível.

2.3.Profissional da voz

De acordo com Ferreira e Souza (1998), o uso da voz nas ocupações profissionais sempre

existiu, podendo-se citar o teatro e o canto em todas as grandes épocas da história da

civilização e os oradores da Grécia Antiga.

Em algumas profissões, a voz é essencial para uma comunicação eficaz e para viabilização do

trabalho, além de ser influente na expressão de significados e enriquecimento do discurso

(UEDA et al.. 2008). Os indivíduos que necessitam primordialmente da utilização da voz para

o desempenho de suas atividades e ao produzir sua voz tem nela seu instrumento básico de

trabalho são chamado de profissional da voz. Há ainda outras profissões que apesar de não

dependerem diretamente da voz para o desempenho de suas funções, estas podem estar

associadas a um aumento de demanda vocal, como ocorre muitas vezes com gerentes,

vendedores, operários de indústrias com ruído elevado, educadores físicos, profissionais da

saúde, advogados, religiosos, entre outros. Para Ortiz et al. (2004) pode-se perceber a

ampliação do conceito de profissional da voz, incluindo nesse conceito profissões

incomumente relacionadas a alterações vocais, como promotor de eventos, lavadeira

industrial, operador de máquinas e secretária, não havendo ainda uma padronização ideal em

relação ao uso da voz durante o trabalho. Costa et al. (2000) sugerem a subcategorização

destes profissionais como necessária para melhor condução e entendimento deste tipo de

profissional, quanto ao uso vocal. Os fatores laborais de demanda, carga horária e intervalos

devem ser incluídos na categorização do profissional, quando se trata de voz ocupacional.

Em geral, esses trabalhadores têm o uso da voz de forma mais contínua e intensa quando se

trabalha em período superior a seis horas ao dia, ou, mesmo em tempo inferior, mas em

ambientes ou situações mais exigentes, seja por exposição a ruído, ar seco, úmido, vento, frio,

calor, poeira, mofo, odores, vapores, substâncias voláteis ou quaisquer agentes de poluição

que possam exigir maior esforço muscular e/ou respiratório na emissão vocal e/ou afetar a

integridade mucoepitelial das vias aerodigestivas superiores.

Putnoki et al. (2010) afirmam que há diferença em relação à quantidade e à forma do uso

vocal de acordo com a profissão.

Há diversas categorias de profissionais da voz, a saber:

1. Profissionais da arte: cantores (erudito, popular, coral, religioso e teatro musical)

e atores (teatro, circo, televisão e dubladores), entre outros;

2. Profissionais da comunicação: locutores e repórteres (televisão e rádio) e

telefonistas, entre outros;

3. Profissionais da educação: professores de diferentes áreas e graus;

4. Profissionais de atendimento (marketing): operadores, vendedores, leiloeiros,

camelôs, entre outros;

5. Profissionais de setores da indústria e comércio: diretores, gerentes, encarregados

de seção, supervisores, entre outros;

6. Profissionais de mercados financeiros (ou bursáteis): operadores de pregão a viva

voz;

7. Outros usuários da voz: profissionais liberais, religiosos, oradores, etc.

(ABORLCCF, 2004:14)

Baseando-se na relação entre o uso da voz e o trabalho e considerando-se a demanda e

importância da voz para o exercício profissional, Koufman e Isaacson (1991) sugeriram uma

classificação em que as profissões se dividem em quatro níveis:

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Nível I – elite vocal (cantores e atores profissionais);

Nível II – usuário profissional da voz (professores, conferencistas, padres);

Nível III – usuário não-profissional vocal (comerciantes, médicos, advogados);

Nível IV – usuário não-profissional não-vocal (programadores de computação, operários).

De acordo com essa classificação, tem-se que:

Alguns destes profissionais têm maior demanda e risco vocal, como os pertencentes

aos níveis I e II, sendo que os profissionais do nível I utilizam a voz artística

(cantores e atores) e os profissionais do nível II a voz falada (professores,

operadores de teleatendimento, conferencistas, padres), embora geralmente em

maior quantidade de uso. (PUTNOKI et al., 2010: 489)

O sintoma de disfonia em profissionais dos níveis I e II pode ser um agente limitante do bom

rendimento profissional, podendo levar a faltas, frustrações, e até mesmo ao desejo de

mudança de profissão, pois se sabe que as alterações vocais podem influenciar na qualidade

de vida e os profissionais que tem na voz o seu instrumento básico de trabalho, tendem a

priorizá-la mais do que os indivíduos que não a utilizam profissionalmente (Park e Behlau,

2009)

O CNVP também sugere uma classificação, buscando uma forma objetiva de categorizar os

profissionais da voz, utilizando-se as seguintes variáveis: demanda, requinte, repercussão e

limitação, que devem ser pontuadas de 0 a 10. A demanda tem relação com o adequado

emprego (tempo e intensidade) da voz e com as condições do ambiente e da organização do

trabalho (salubridade ambiental, meios de apoio disponibilizados à comunicação verbal e grau

de solicitação proveniente da organização dos processos de trabalho); o requinte se refere às

necessidades de habilitação vocal e de controle sobre a voz necessária para desempenhar a

atividade profissional; a repercussão representa o grau de impacto que a voz (ou sua

alteração) poderia trazer ao resultado da atividade profissional e a limitação refere-se à

relação entre a alteração da voz e as exigências do seu uso profissional (ABORLCCF, 2004).

Com essas informações, tem-se a classificação:

Elite - pontuação total entre 75 e 100;

Superior - pontuação total entre 50 e 74;

Médio - pontuação total entre 25 e 49;

Básico - pontuação total entre 0 e 24.

Dentre os profissionais da voz, professores e cantores tem apresentado uma maior frequência

de distúrbios vocais, sendo que está entre os professores a maior incidência de disfonia

(VERDOLINI E RAMIG, 2001). Segundo Freitas, (2006: 145) “estudos mostram que mais

de 50% dos professores acabam por experimentar dificuldades fonatórias no decorrer da sua

vida profissional activa”. Fuess e Lorenz (2003) colocam que, quando na função de

magistério, as mulheres apresentam maior predisposição para a disfonia devido às dimensões

reduzidas da laringe e à pequena diferença entre a freqüência vocal delas e das crianças, o que

faz com que haja necessidade de se aumentar a intensidade da voz para se fazer ouvir.

Segundo Ortiz et al. (2004) a literatura ratifica o fato de haver maior freqüência de alterações

vocais no sexo feminino, relacionando com a ocorrência de mudanças significativas na

configuração glótica das mulheres durante a fonação prolongada e por a área pedagógica ser

tradicionalmente do domínio feminino, mas ressaltam que com o aparecimento de novas

categorias profissionais dentre os profissionais da voz, talvez essa proporção possa se

modificar.

2.4. Voz adaptada

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Segundo Behlau, Azevedo e Pontes (2004) a voz adaptada é quando o trabalhador apresenta

estabilidade e resistência ao uso específico que habitualmente faz da voz. Segundo os mesmos

autores, pode-se empregar esse termo em todas as situações nas quais a voz é aceitável

socialmente e consiga transmitir a mensagem emocional do discurso, com frequência,

intensidade, modulação e projeção apropriados para o sexo e idade do falante.

De acordo com Oliveira (1999), mesmo diante da presença de alterações estruturais nas

pregas vocais, pode-se ter uma laringe adequada e com voz adaptada. Recomenda-se cautela

para não rotular uma alteração adaptativa ao uso mais intensivo da voz como sendo uma

patologia ou lesão incapacitante, pois “significativo percentual de trabalhadores que usam a

voz de modo mais intensivo podem apresentar lesões sem sintomas e com boas chances de se

manter estável e assintomática ao longo de meses ou anos de carreira” (ABORLCCF,

2004:22).

2.5. Deficiência vocal

Dentro da clínica de transtornos vocais há o indivíduo que não consegue produzir voz com

intensidade adequada para nenhuma das necessidades diárias. A sociedade, de forma

consciente ou inconsciente, considera que quem não se expressa verbalmente, não pensa,

portanto o indivíduo que não pode expressar suas idéias deixa de existir para a sociedade

(PARK E BEHLAU, 2009). Nesse contexto, tem-se a definição de deficiente vocal, que seria

a pessoa que apresenta incapacidade de desenvolver a função fonatória na comunicação

verbal, em caráter permanente e irreversível. A incapacidade de desenvolver a função

fonatória, inclui voz, fala e linguagem (ABORLCCF, 2004).

3. Laringopatias relacionadas com o trabalho

As laringopatias relacionadas com o trabalho podem ser definidas como um conjunto de

doenças que acometem o profissional que utiliza a voz como principal meio para a execução

de seu trabalho. De acordo com o CNVP são alterações, disfunções e/ou enfermidades

laríngeas, do aparelho fonador ou de quaisquer outros sistemas orgânicos que podem

repercutir na voz e na fala ou que sejam causadas pelo mau uso ou abuso da voz ocupacional

(ABORLCCF, 2004).

Há diversos sintomas e sinais que podem estar presentes nas laringopatias, como: esforço

fonatório, estridor respiratório, pigarro, tosse, fadiga vocal, oscilação vocal e episódios de

afonia, mas segundo Almeida (2005), as laringopatias desenvolvem-se no decorrer de anos,

sendo a disfonia o sintoma clínico principal. Forte et al. (2007) encontraram que as principais

laringopatias relacionadas com o trabalho são: alterações estruturais mínimas, nódulos vocais,

pólipo vocal, edema de Reinke e cordite, sendo essa última a patologia mais freqüente, se

caracterizando por um processo inflamatório inespecífico das pregas vocais.

3.1. Fisiopatologia

“As mudanças no esforço vocal e na qualidade são secundárias ao excesso e ao ineficiente uso

do mecanismo vocal e de trauma repetido da mucosa da prega vocal. Todo padrão carregado

de excesso de vibração laríngea resulta em trauma vocal” (COUREY, 2010:235). O trauma

prolongado leva a lesão, que induz um processo inflamatório, que é o início do processo de

cura, mas as sobreposições de trauma e de inflamação somadas a possíveis infecções e refluxo

gástrico podem impedir o adequado restabelecimento.

Segundo Leavell e Clark (1976), há dois períodos nos quais ocorrem o desenvolvimento e a

instalação da doença: pré-patogênico e patogênico. No período pré-patogênico tem-se o

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indivíduo suscetível e os fatores de risco ambientais e no período patogênico o

desenvolvimento da doença propriamente dita.

O período patogênico pode ser dividido ainda em: patogenia precoce, patogenia precoce

discernível, patogenia avançada e convalescença, como se pode ver:

O período patogênico precoce se inicia no momento em que o fator desencadeante

atua e o hospedeiro (o profissional da voz) não se adapta e responde com

modificações funcionais ou nos tecidos no sistema fonatório. Estas alterações não

são evidentes pelos métodos atuais diagnósticos e necessitam de critérios de

conhecimento clínico que considerem a história natural da doença desde os seus

primórdios, ou seja, do período pré-patogênico e patogênico precoce. (ALMEIDA e

PONTES, 2010:347)

Caso ocorra evolução, passa-se para o surgimento de sintomas que ainda não impedem o

pleno desenvolvimento das atividades e que seria designado de período patogênico precoce

discernível. Até essa fase, há possibilidade de reversão do quadro. Quando ocorre surgimento

de lesão na laringe e há impedimento parcial das atividades, chama-se de fase da patogênese

avançada e necessita de tratamento. Na convalescença há cronicidade das alterações e suas

consequências extremas podem levar a um grau de incapacidade definitiva para atividades

com demanda vocal aumentada (ALMEIDA E PONTES, 2010).

3.2. Síndrome Disfônica Ocupacional

Almeida e Pontes (2010), considerando a diversidade sintomatológica e multicausalidade nos

transtornos da voz, introduziram o conceito de Síndrome Disfônica Ocupacional (SDO), que

seria o conjunto de fatores relacionados à perda de saúde vocal pelo uso profissional e

passaram a chamar de laringopatia Ocupacional (LO) a fase de evolução da doença em que

surgem lesões na laringe. A Síndrome Disfônica Ocupacional tem sua aplicação conceitual

nas fases precoces de patogenia da doença vocal funcional e orgânica, quando há capacidade

de reversão da doença. É, portanto, um sinal que alerta para medidas preventivas, específicas

para cada necessidade individual, com o objetivo de não permitir a evolução do quadro para a

Laringopatia Ocupacional. Os sinais e sintomas da síndrome disfônica são: dor ou irritação na

garganta, sensação de corpo estranho, dor cervical, necessidade de pigarrear e a rouquidão

(ALMEIDA et al., 2010). Fuess e Lorenz (2003) têm dois conceitos: Síndrome Laríngea de

Tensão-Fadiga que é a presença de qualidade vocal flutuante associada a suporte respiratório

inadequado, se manifestando pela fadiga vocal; Sintoma de Tensão Músculo-Esquelética a

presença de odinofonia. Tais sintomas estariam presentes em 55,6% e 28,6% dos professores

respectivamente (FUESS E LORENZ, 2003) e fazem parte da SDO.

Ao se identificar a SDO, a abordagem inicial multidimensional nos fornece critérios para a

prevenção das consequências patogênicas que poderiam culminar na exclusão do indivíduo de

seu ambiente profissional.

4. Avaliação pericial em transtornos vocais

A atuação da perícia médica em transtornos vocais relacionados com o trabalho se baseia na

determinação da capacidade ou incapacidade laborativa e na fixação do nexo de causalidade

entre a doença e o trabalho.

4.1. Incapacidade laborativa

De acordo com a Resolução do INSS/DC nº10 (1999), de forma generalizada, a incapacidade

laborativa é a impossibilidade de desempenho das funções específicas de uma atividade

devido a alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente, incluindo-se

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no conceito o risco de vida, para si ou para terceiros e o agravamento que a permanência na

atividade possa acarretar.

Segundo Ortiz et al. (2004), não há respaldo legal para afirmar sobre incapacidade laborativa

em profissionais da voz. O CNVP ratifica o fato de que legislação vigente sobre aptidão e

inaptidão vocal para o trabalho é ainda insuficiente e imprecisa, orienta o enquadramento

dentro do conceito geral de incapacidade, observando-se as Leis 8213/1991 e 9032/1995 e

cita o Quadro nº 3 do Anexo III do Decreto 3.048/1999 como um nível de conhecimento atual

sobre o tema (ABORLCCF, 2004).

O Decreto 3048/99 é o Regulamento da Previdência Social em vigor para a Lei 8.213/91. O

anexo III desse decreto dá a relação das situações que dão direito ao auxílio-acidente e coloca

no quadro 3 as situações em que há perturbação da palavra em grau médio ou máximo, desde

que comprovada por métodos clínicos objetivos. Essa é a única referência a doença vocal no

decreto.

Na avaliação da capacidade laborativa em profissionais da voz, há algumas peculiaridades,

como enfatizam Ortiz et al. (2004) ao destacar dois fatos relevantes: a manutenção da rotina

laboral é necessária para adaptação adequada às condições reais de trabalho, visto que o

tratamento do profissional afastado do trabalho torna-se inefetivo; o conceito de voz adaptada,

quando não há risco de comprometimento orgânico e fonatório com o exercício laboral,

mesmo que haja lesões estruturais. Tais autores concluem que a norma legal vigente que

recomenda afastamento do trabalho dos agentes de risco torna-se inadequada nas disfonias de

origem ocupacional. Essas orientações podem ser aplicadas nas situações em que mesmo com

sintomatologia vocal e lesão estrutural, é possível a emissão sonora compatível com as

necessidades profissionais.

Segundo os mesmos autores, deve-se atentar, inclusive, que o fato de se atestar incapacidade

por disfonia pode gerar conflitos para o próprio paciente, o que pode acontecer em exames

admissionais de profissionais com voz adaptada, que podem ser prejudicados por serem

considerados incapazes.

Quando se analisa a relação entre o grau de disfonia e a capacidade laborativa, tem-se a

seguinte orientação através do CNVP (ABORLCCF, 2004):

Grau leve: o trabalhador consegue desempenhar suas atividades vocais habituais com

mínima dificuldade, rara fadiga, e sem interrupções;

Grau moderado: o trabalhador consegue desempenhar suas atividades vocais habituais,

com percepção (por si próprio e/ou por ouvintes) de esforço, falhas, fadiga eventual a

freqüente e necessidade de interrupções;

Grau intenso: o trabalhador não consegue desempenhar suas atividades, ou o faz com

grande esforço, intensa fadiga e com grandes interrupções;

Grau extremo ou afonia: o trabalhador não consegue desempenhar suas atividades.

Portanto, haveria incapacidade para o trabalho apenas nos casos de disfonia em grau intenso

ou extremo. Quanto ao tempo de afastamento, há uma estimativa média de evolução,

tratamento, redução ou afastamento de uso profissional da voz, para restabelecimento de

condições plenas de trabalho:

Laringites virais agudas leves – 1 a 5 dias;

Laringites virais agudas moderadas – 5 a 10 dias;

Laringites bacterianas agudas leves – 5 a 10 dias;

Laringites bacterianas agudas moderadas – 10 a 20 dias;

Hematoma de prega vocal – 10 a 20 dias;

Nódulos, pólipos e cistos vocais pequenos – 30 a 45 dias;

Nódulos, pólipos e cistos vocais moderados – 45 a 90 dias;

Paralisias e lesões maiores ou processos mais intensos – indefinido.

(ABORLCCF, 2004:28)

Page 9: Considerações a respeito da disfonia em profissionais da voz - Ipog

Fazendo um paralelo com o que foi colocado sobre fisiopatologia e as definições de SDO,

pode-se deduzir ainda que nos períodos de pré-patogênese, patogênese precoce e patogênese

precoce discernível não há incapacidade laboral e que na fase de patogênese avançada pode

haver incapacidade laboral temporária, sempre se tendo o cuidado de não prolongamento da

incapacidade, considerando o que já foi discutido sobre a manutenção da rotina para melhor

adaptação. Na fase de convalescença, entretanto, por se tratar de um quadro cronificado e

avançado, podem ser necessárias a reabilitação profissional ou mesmo, em casos extremos, a

aposentadoria por invalidez, conforme os artigos 43 do decreto 3048/1999: “Art. 43. A

aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida a carência exigida, quando for o caso, será

devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz

para o trabalho e insuscetível de reabilitação”

Segundo Simões e Latorre (2006), as faltas ao trabalho devido à presença de alteração vocal

foram da ordem de 30%. Os afastamentos por incapacidade decorrentes de adoecimento

vocal causam um prejuízo estimado em mais de 200 milhões de reais ao ano, valor que ainda

pode estar subestimado pela baixa notificação (MEDEIROS, BARRETO e ASSUNÇÃO,

2006).

4.2. Nexo causal entre a doença e a existência do agente no trabalho

Para a caracterização do acidente de trabalho pela Previdência Social, segundo os arts. 19 a 21

da Lei n. 8.213 (1991), além da lesão e da incapacidade para o trabalho, é requisito essencial a

demonstração do nexo causal.

Nexo causal, ou nexo etiológico é o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a

atividade laborativa e a doença.

O enquadramento como acidente de trabalho das doenças profissional e doenças do trabalho

pode ser considerado quando há:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo

exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva

relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em

função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione

diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. (Art.20 da lei 8213/ 1991)

No Anexo II do Decreto 2.172/1997, que regulamentava a Lei 8.213/1991, consta apenas a

lista de agentes patogênicos, especificando os trabalhos que contem tal risco, sem a

identificação das doenças decorrentes dos efeitos da exposição ocupacional aos referidos

agentes. Havia, portanto, subjetividade das decisões administrativas e técnicas, gerando

controvérsias e conflitos. Em 1998, o Ministério da Saúde tomou a iniciativa de elaborar uma

lista de doenças profissionais ou do trabalho, para orientar o Sistema Único de Saúde (SUS)

no concernente ao diagnóstico destas nosologias, e às medidas decorrentes. Tal lista foi

adotada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social e publicada no Decreto

3.048/1999, que revogou o decreto 2.172/1997. Portanto, no anexo II do decreto 3.048/1999,

além da lista de agentes patogênicos foi acrescentada a lista B de doenças e respectivos

agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional.

Entende-se, portanto que para que seja fixado o nexo causal entre o trabalho e uma

determinada doença, esta deve estar presente no anexo II do decreto 3.048/1999, o que

infelizmente não ocorre com as laringopatias relacionadas com o aumento da demanda vocal

no ambiente de trabalho. A única laringopatia citada é a laringotraqueíte relacionada com

exposição ao iodo e ao bromo, sem nenhuma menção às doenças respiratórias relacionadas

com o uso excessivo da voz no trabalho como fator de risco (MEDEIROS, BARRETO e

ASSUNÇÃO, 2006)

Page 10: Considerações a respeito da disfonia em profissionais da voz - Ipog

Apensar de não estar inclusa na lista de doenças ocupacionais, há riscos ambientais e

condições em postos de trabalho listados para qualquer atividade profissional e reconhecidos

pela legislação vigente que podem ser aplicados para a voz ocupacional segundo o CNVP

(ABORLCCF, 2004) como:

Químicos: inalação de poeiras, fumos, névoas, gases, substâncias voláteis, compostas ou

produtos químicos em geral;

Biológicos: exposição a vírus, bactérias, fungos e bacilos;

Ergonômicos: tempo de uso vocal diário, período de uso (noturno e diurno) e múltiplos

períodos, uso contínuo, uso repetitivo, intensidade de uso, exposição a situações

causadoras de estresse;

Físicos: condições de acústica, temperatura, umidade, movimento do ar (ventilação) e

pressão no posto de trabalho.

Podem-se citar os metalúrgicos, que segundo o estudo de Ubrig-Zancanella e Behlau

(2010:75), “apresentam alta referencia de sintomas vocais indicando a importância de

verificar possíveis relações com exposição a diversos riscos presentes no ambiente de

trabalho”, como ruído intenso, poeira, produtos químicos, fumaça, alteração de temperatura.

Para esses profissionais o uso da voz não é constante, mas em forte intensidade.

Jardim, Barreto e Assunção (2007) falam da necessidade de se investigar melhor o papel do

ambiente e condições de trabalho na qualidade de vida relacionada à voz de forma a contribuir

para políticas de intervenção efetivas que envolvam trabalhadores e gestores. Ignorar esses

riscos causa prejuízo na notificação das patologias vocais relacionadas com o trabalho e

subestima o problema.

A OMS, desde 1985, através de seu informe técnico, considera a disfonia como multifatorial,

ressaltando que pode ser relacionada ao trabalho (ORTIZ et al., 2004), portanto reconhece o

possibilidade de fixação do nexo de causalidade.

Ortiz et al. (2004) fixaram o nexo de causalidade entre a disfonia e a atividade laboral em

40% da amostra constituída por profissionais da voz, levando-se em conta os dados de

anamnese e os antecedentes pessoais, como o abuso vocal extra-trabalho, os sintomas

alérgicos, o refluxo gastresofágico, as alterações psíquicas e os hábitos.

5. Conclusão

Nas doenças vocais relacionadas com o trabalho encontramos um conjunto de doenças e um

polimorfismo de sintomas. A disfonia é o sintoma clínico mais evidente, mas é importante

considerar os períodos precoces da patogenia da doença vocal funcional e orgânica, quando

podem aparecer dor, irritação na garganta, sensação de corpo estranho ou dor cervical.

A fase inicial dos transtornos vocais pode ser enquadrada na síndrome disfonia ocupacional e

normalmente não causa incapacidade laborativa, mas é uma fase importante a ser identificada

para que se possa atuar de forma preventiva, visto se tratar de quadros reversíveis.

As laringopatias ocupacionais ocorrem quando surgem lesões na laringe. Nesses casos a

capacidade laborativa varia desde: a) plena capacidade para o trabalho, quando há a voz

adaptada e a lesão não implica em alteração na estabilidade e na resistência ao uso específico

que o trabalhador faz da voz; b) incapacidade temporária para restabelecimento de condições

plenas para uso profissional da voz; c) incapacidade definitiva para atividades com demanda

vocal aumentada, optando-se pela reabilitação profissional ou, em casos não passíveis de

reabilitação, pela invalidez.

Apesar de não haver legislação pertinente que considere o nexo de causalidade das

laringopatias com o trabalho e mesmo sem respaldo legal para afirmar sobre incapacidade

laborativa em profissionais da voz, a OMS já reconheceu que a disfonia pode estar

relacionada ao trabalho e há diversos fatores de risco reconhecidos pela legislação vigente que

Page 11: Considerações a respeito da disfonia em profissionais da voz - Ipog

podem ser encontrados em diversos postos de trabalho onde se encontram os profissionais da

voz. Muito ainda se precisa evoluir nos estudos desse tema para que, em um futuro próximo,

possam ser incluídos os diagnósticos que contemplem as laringopatias relacionadas com o

trabalho na lista doenças ocupacionais e assim alcançar uma notificação adequada para um

melhor dimensionamento do problema, para redirecionamento das políticas nacionais de

saúde pública e finalmente para um melhor respaldo das decisões periciais.

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