Considerações sobre a Psicossociologia

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 J osé G ara j a u d a S ilva Net o A p a rti r d e u ma d e n i çã o d e P si co ssoci o l o g i a , exp l i q ue co mo o t e u t r a b a l h o / quest ão de est ud o,t r i ca e m et od ol og i camen t e,r e et e essa ár ea de e st u d o s. 1. Resp o st a Nossotr a bal h o / q u e st ã o d eest u d o d i z r e sp ei t o, ir o ni ca men t eoun ã o , à cri se da modernidade. E st a, logi cam ente, traz consigo as m ais diversas m ani f estações em no sso caso , explicáveisem ní vel social –, ob vi am en te r e sso na ndo no s in di d uo s q u e d e l a faze m pa rt e . Acre d it a m o s no f ato d e q u e o siste m a ca pit a lista d e pr o d ução a t i n giu ( o u p e l o m e n osestá e m vi asdeati n gir) seu áp ice n o q u e d i z r e sp ei t o ao s h o ri zo ntes que irrom peu,pr inci pal ment e após os eventos da 2ª G rande G uerra, le g i t i m an d o-se a p ó s op e o d o d a G u e rra F ria. N e ssese n tid o , a o co n t rário d o que pr econi zam os aut or es de li nhagem pós m oder na,m ui t as vezes a n co r a do s so b um vi és in t er / m ul t i/ t rans di sci pl in a r, vem os q ue a t e ori a m arxista( no ssa de clarada op ção m et od ol óg i ca/ t rica) éamaisadeq ua da p a ra a n a li sa r a o ri g e m, o d e se nvo lvim e n t oe a s im p li ca çõ e s d as ar t i cu l a çõ es soci a i s m a is di ve rsa s q u e d i ze m r e sp e i t oàr e la çã o d oin d i d u o co mo a q uil o (e co m o ) p r o d u z, d istri b ui e co n so me. D essem od o, acr ed itamos, aocontrário do qu e pr econizam t ai sli nh as de pe nsam ent o, que o m ar xi sm o não é si mpl esm ent e u ma teoria t o t a l i z a n t e , ou um a met an arrativa  a n a crô n i ca ,n est e úl t im o caso ,p rinci pa l m en t e se a referência f or a f am i ger ada derrocada  do sist em a socialista com o conseq uente t riun f odo capi tali sm ocomo m odode pr od ução heg em ônico. Neste ú l t imo ca so , ve m o s a a sce n o d a m i cr o p olíticae d ar e lativi za çãoda s t eo rias sup ostam en t e t ot al izantes, com oum mascar am en t odas qu est õe s

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 José Garajau da Silva Neto

“A partir de uma definição de Psicossociologia, explique como o teu trabalho /

questão de estudo, teórica e metodologicamente, reflete essa área de

estudos.”

1. Resposta

Nosso trabalho/questão de estudo diz respeito, ironicamente ou não, à crise

da modernidade. Esta, logicamente, traz consigo as mais diversas

manifestações – em nosso caso, explicáveis em nível social –,obviamente

ressonando nos indivíduos que dela fazem parte.

Acreditamos no fato de que o sistema capitalista de produção atingiu (ou pelo

menos está em vias de atingir) seu ápice no que diz respeito aos horizontes

que irrompeu, principalmente após os eventos da 2ª Grande Guerra,

legitimando-se após o período da Guerra Fria. Nesse sentido, ao contrário do

que preconizam os autores de linhagem pós moderna, muitas vezes

ancorados sob um viés inter/multi/transdisciplinar, vemos que a teoria

marxista (nossa declarada opção metodológica/teórica) é a mais adequada

para analisar a origem, o desenvolvimento e as implicações das articulações

sociais mais diversas que dizem respeito à relação do indivíduo com o aquilo

(e como) produz, distribui e consome.

Desse modo, acreditamos, ao contrário do que preconizam tais linhas de

pensamento, que o marxismo não é simplesmente uma teoriatotalizante, ou

uma metanarrativa anacrônica, neste último caso, principalmente se a

referência for a famigerada derrocada do sistema socialista com o

consequente triunfo do capitalismo como modo de produção hegemônico.

Neste último caso, vemos a ascensão da micropolítica e da relativização das

teorias supostamente totalizantes, como um mascaramento das questões

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mais abrangentes que envolvem a crise ontológica pós moderna.

Entendemos que esse questionamento voraz ao marxismo despertou

 justamente no âmago do duelo cabal do (longo) século XX1 (socialismo x

capitalismo) na Revolução Russa de 1917 com o emblemático embate teórico

entre Trotsky e Weber, representantes, respectivamente, da URSS e da

Alemanha.

Nossa posição é a de que, muito embora desde a década de 50 uma larga

bibliografia tenha se estruturado colocando em questão a verdade do

casamento do ideário socialista soviético com o marxismo, as consequências

dademonizaçãode Marx se estendem aos dias atuais, acima de tudo com a

(então) ausência de uma linha teórica contra-hegemônica que conteste as

relações de produção atuais, o que coloca o sistema capitalista como

triunfante absoluto e tradutor inexorável da verdade da natureza humana, em

um retrato pavoroso de uma guerra de todos contra todos, como retratada por

Thomas Hobbes.Assim, os tempos atuais manifestam um indivíduo estranho 2. Com o

encorajamento da visão da sociedade comouma soma de micromundos

1 Somente para lembrarmos Hobsbawm.

2 Aqui propositadamente a palavraestranhotraz um conceito chave para o entendimento denossa questão –o estranhamento –o qual não permite que nos furtemos de uma breve

explicação. Nas palavras de Ranieri, Entäusserung [alienação] tem o significado de remissãopara fora, extrusão, passagem de um estado a outro qualitativamente diferente,

despojamento, realização de uma ação de transferência. Nesse sentido, Entäusserung

carrega o significado de exteriorização, um dos momentos da objetivação do homem que se

realiza através do trabalho num produto de sua criação. Por outro lado, Entfremdung[estranhamento] tem o significado dereal objeção social à realização humana, na medida em

que historicamente veio a determinar o conteúdo das exteriorizações(Entäusserunge) pormeio tanto da apropriação do trabalho quanto da determinação desta apropriação pelo

surgimento da propriedade privada [...]Enfim, a unidade existente entre alienaçãoeestranhamento no interior da teoria de Marx está associada, ao nosso ver, Não exatamente a

uma mesma significação, mas à determinação de um pelo outro[...]” (RANIERI, J., 2002,p.29)

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manifestando preferências conflitantes, as quais se estabelecem ou não de

acordo com as leis de oferta e demanda em um mercado que, por isso, é

fundado na ideia de liberdade e equidade tanto entre indivíduos como entre

nações, achamos lógico que adita autonomia do sujeito tenha passado a ser

considerada central na atualidade. Porém, contestamos essa assertiva.

Acreditamos, ao contrário, que esse resultado nada mais é do que mais uma

das consequências perniciosas (tanto o mais quanto mais abstratamente se

põem) do modo capitalista de produção. As relações estruturalmente

alienadas de interação dos indivíduos com o mundo em geral (em relação à

natureza, à si mesmos, à sociedade e ao produto de seu trabalho) os tornam

incapazes de sequer supor sua emancipação, justamente por que nesse

sistema a própria ideia de emancipação se encontra falsamenteem seu

interior.

Sem embargo, nas próximas páginas mostraremos a que ponto

consideramos que, de fato, é à partir das articulações internas do modo deprodução capitalista que somos capazes de realmente compreender a forma

como as noções deindividualidade,autonomia eliberdade tomam uma

roupagem que está submersa na mais profunda das alienações, logo,

impedindo de forma cada vez mais radical (ao longo de sua história), o

reconhecimentomesmo do indivíduo, o encontro com seu “eu maior” em

direção à verdadeira emancipação.

2. Justificativa – A crítica da crítica da Psicossociologia ao Marxismo.

2.1 A crítica da Psicossociologia

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De acordo com as abordagens modernas, vê-se como pertinente lançar uma

ferrenha crítica ao marxismo no que diz respeito à intersubjetividade. Grosso

modo, tal crítica parte do pressuposto de que há uma lacuna essencial na

visão de Marx, sustentado pelo materialismo histórico, que entende as

determinações fundamentais (porém não únicas) dos rumos da sociedade

como engendradas à partir dos movimentos da própria história. Nessa visão,

nenhuma manifestação presente pode ser entendida sem que seu contexto

histórico seja considerado e, via regra, é justamente esse contexto histórico

que permite a compreensão integral das relações que se dão no presente.

Não obstante, os movimentos históricos possuem, para Marx, as relações de

poder são sustentadas e propagadas pelas e através dasclasses sociais, e

com a ascensão do modo de produção capitalista, tais classes se mostraram

manifestas fundamentalmente como as dos detentores dos meios de

produção e dos destituídos dos mesmos submetidos (pornecessidade)

àqueles a venderem sua força de trabalho.A consequência disso, na visão de Marx, é a de que o capitalismo

inexoravelmente se figurará como um sistema estruturado naluta de classes

e, por isso, as relações de classe são seu foco de análise da sociedade.

Temos aqui, claramente, um viés que é visto por Nasciutti (1996) como o que

é compartilhado pela sociologia clássica que parte do pressuposto do

indivíduo

“[...] como parte de uma unidade maior que é a sociedade e

ignorado em suas particularidades e no que dele próprio constitui

o social [...] visto como um produto do determinismo social e até

mesmo colocado em oposição a esse social.3”

Essa crítica fundamental ao suposto reducionismo da sociologia clássica em

geral é compartilhada por uma série de teóricos da chamadaPsicologia

3 NASCIUTTI, J., 1996. p.51

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Social. O foco principal dessas críticas, à parte de considerar que as

(chamadas)metanarrativas são insuficientes para explicar as complexas

configurações sociais hoje manifestas. Fraser (2006) é uma boa referência na

tentativa de se buscar uma avaliação da insuficiência tanto dos pressupostos

neoliberais pós modernos – deidentidade,diferença,dominação cultural e

reconhecimento4 – como as categoriastotalizantes(nas palavras de Nasciutti,

“capelinhas do saber absoluto”), as quais estão presentes, a interesse de

nosso trabalho, no marxismo. No caso de Prado (2006), o autor sustenta a

ideia de que vivemos em “um mundo mais complexo do que a divisão de

classes sociaistradicional e a exploração sobre as relações de trabalho.5”

Não obstante, essas correntes salvaguardadas pela alcunha da Psicologia

Social entendem haver uma falha sistêmica no marxismo, que não considera

as motivações individuais comoigualmentefundamentais na determinação

dos rumos sociais. O pano de fundo da própria noção de sociologia desses

autores se baseia em uma crítica a um suposto reducionismo no que dizrespeito à consideração da preponderância das determinações sociais em

detrimento do indivíduo por si mesmo. Nesse sentido, o indivíduo aparece

como preponderante em uma ordem social que passa a lhedever um “lugar

de decisão”.

Além disso, essa ciência proclama que tal necessidade de lugar para o

indivíduo nas determinações sociais advém da obviedade da “vontade de

reconhecimento”, advinda das ditas “obras sociológicas de Freud”, que

 justificariam, nas palavras de Nasciutti

os limites entre o social e o psíquico [que] se confundem, sefundem e nos confundem, lembrando-nos da importância

(científica e ética) de desviarmos um pouco nossa mente e nosso

olhar das especificidades teóricas que nos formaram e pelas

4 FRASER, N., 2001. p.2315 PRADO, M.A.M, 2002. p.202. grifos do autor.

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quais optamos, e de ampliarmos nossos horizontes, tanto na

análise das questões sociais, quanto na interpretação da

problemática psíquica do sujeito.6

Sem que precisemos negar a validade da consideração da “problemática

psíquica do sujeito”,devemos atentar ao fato de que ao sepensar, por

exemplo, em um conflito emocional fora da sociedade em que este se define

e tem suas possibilidades de enfrentamento, somos levados a um relativismo

radical. Apesar de serem osagentes, os sujeitos são afetados em um

processo de alienação intrínseco aesse modo de produção específico.

Pensar que seja possível uma ruptura (que levaria à emancipação desse

sujeito) sem que se leve em consideração o papel preponderante dessa

imposição do modo de produção nos soa um tanto ingênuo.

A posição de Prado (2002) é marcante nesse aspecto. O autor considera, por

exemplo, a chamadaPsicologia Comunitária da Norte Americana (PCNA), ao

contrário de sua disposição inicial, “[ampliou] a ideia de clínica,

materializando o indivíduo como supremacia de qualquer entendimento sobre

o mundo social, as relações de poder e as ações grupais7”. Como

consequência, há uma visão liberal do fenômeno político, já que o

cognitivismo associado nega a história e atribui ao indivíduo um poder que

não necessariamente existe. Concordamos com a crítica do autor, que nesse

sentido reconhece a artificialidade dessa tentativa de autonomização, paranós meramente ilustrativa e que, portanto, desencoraja a real politização do

sujeito.

Por outro lado, o mesmo autor desenvolve um contra-argumento

minimamente curioso àquilo que chama dePsicologia Comunitária da Latino-

 Americana(PCLA); primeiramente, entende que a PCLAnega a ideia de um

6 NASCIUTTI, J., op.cit, p.53.7 PRADO, M., op. cit., p.205.

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sujeito individualizante tornando-a, em segundo lugar, um “locus de reflexões

sobre a própria Psicologia enquanto ciência e seus compromissos com uma

sociedade mais democrática8”, de modo que acredita residir aí uma

contradição em oposição aquela apontada à PCNA.

Ao passo que, nas palavras do autor, pela forte influencia do marxismo a

PCLA vê o ideal de coletivo como “um conjunto de atividades, discursos e

práticas capaz de criar autenticidade identitária” e “sem evidenciar então, que

qualquer processo criação de consenso implica necessariamente um

processo de exclusão”, o autor salta ao entendimento de que há por parte da

PCLA uma supervalorização do fenômeno social ao ponto de pensar a

resolução integral dos conflitos e a emancipação humanas simplesmente à

partir da superação da“sociedade capitalista9”.

Justamente por se basear na sobreposição das classes sociais (ou seja, por

fundamentar-se através do marxismo) no atual cenário socioeconômico, a

PCLA, na visão de Prado, possui um limite (que consequentemente há de sercompartilhado pelo marxismo como um todo), que é o de (no caso de Marx)

não ter tido, à sua época, elementos onipotentes que o serviriam para a

compreensão datotalidade social, (hoje) multifacetada e plural.

Aqui achamos um importante ponto de inflexão ao que consideramos ser uma

aliança adequada entre a Psicologia e a Sociologia, leia-se, a

Psicossociologia. Nesse sentido, vemos que há na literatura pertinente o que

se traduz na crítica deVasconcelos (2008), que se apoia na ideia de que

todas as vezes que revolucionários ou reformistas sociais trataram

os processo subjetivos e inconscientes de forma linear e

inteiramente subordinada aos ditames da projeção racional do

modelo de homem e sociedade que consideravam como o

caminho da verdadeira emancipação humana, e impondo esses

 padrões como norma de comportamento e subjetividade a ser

8 Ibidem, p.2089 Ibidem, idem.

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seguido por todos, o resultado foi a mutilação e normatização

cultural e subjetiva, e muitas vezes, até mesmo o totalitarismo e o

 genocídio.10

Pensamos que esse retrato estéril do marxismo é bastante prejudicial para o

verdadeiro entendimento do que representa a dialética como método de

apreensão da realidade. Acima de tudo, pensamos ser necessário

redesenhar, a critério deformação, algo como ummodelo psicossociológico

do marxismo, é claro, deixando claro os verdadeiros interesses do autor e,

acima de tudo, enfatizando os limites da imposição de uma necessidade de

visão amplificada que consideramos ser uma armadilha na análise social e na

tentativa de uma transformação significativa (no nosso caso) de um modo de

produção estruturalmenteopressor das individualidades através de uma

crítica à crítica justamente do que oprime aquilo que essa “nova” ciência visa

libertar.

2.2 O Marxismo na face Pós Moderna

2.2.1 Aderrocadado socialismo

Sabemos que para de fato redesenharmos11 um modelo psicossociológicodo

marxismo necessitaríamos de um espaço que não cabe à esse trabalho. No

entanto, compreendemos ser necessário apontar as razões pelas quais

consideramos ser mais conveniente à metodologia científica como tal,

deslegitimar o marxismo sob o viés triunfalista do modo de produção

(econômica mas também científica) capitalista e, igualmente, lançando a

10 VASCONCELOS, E.M., 2008. p.99. Grifos do autor.11 Dizemos redesenhar pois houve autores da tradição marxista que se dedicaram a taltrabalho. Por exemplo, Lukács e aOntologia do Ser Social, para não dizer outras obras, e

mencionando um autor brasileiro, Ivo Tonet eMétodo Científico: Uma abordagem ontológica.O primeiro será objeto de estudo para nossa tese, enquanto o segundo nos dará

fundamentos neste trabalho.

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crítica de que não há, em Marx, um apontamento certeiro acerca da

intersubjetividade. Vamos no entanto, tentar balizar essas assertivas.

A primeira questão que aparece nesse sentido diz respeito à falibilidade domarxismo em seucampo real, leia-se, sua aplicabilidade em termos práticos

nasditasexperiências socialistas. Estas, fundamentalmente, resumindo-se

aos países do leste europeu, porém fundamentando-se no “stalinizado

marxismo-leninismo12” soviético.

Adentraremos brevemente esse debate acerca do grau de realidade da

aplicação desse marxismo nesses países, porém nos cabe agora

compreender o caráter mais profundo dessa crítica, que veio a resultar no

que hoje nos é apresentado através do desmerecimento do pensamento

marxista, acusado, ao que interessa em nosso trabalho, de ser anacrônico e

falido para explicar onovo mundo do capitalismo triunfante13. Essa recusa se

deu em níveis profundos, amargando o núcleo das categorias desenvolvidaspor Marx, tendo como consequência o louvor a ideias que supostamente o

contraporiam, leiam-se, deliberdade e democracia. Não obstante, Netto diz

que

a mais óbvia grosseira resultante desse consórcio entre

epistemologia e ideologia (ambas em sentido estrito) a serviço daordem é a negação da categoria – ontológica e teórico-

metodológica 0 detotalidade, central no pensamento de Marx, por

via do estabelecimento de uma relação causal entre ela e o que

liberais e conservadores denominam “totalitarismo14”

12 NETTO, J.P, 2014.p.5.13 Muito embora saibamos não ser da monta de nosso trabalho apontar a fundo tais críticas,nos basta indicar uma bibliografia de ressonância admitida no mundo ocidental, nas idéias de

F. Fukuyama e sua obraO fim da história e o último homem, de 1992.

14 Ibidem.p.3. grifos do autor.

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Desse modo, partimos, como Tonet, do pressuposto de que “arazãodo

mundo é a razão domundo15”, o que, explicado em poucos termos, quer dizer

que deveria ser claro para o pesquisador sério que a própria lógica da ciência

de seu tempo reproduz o que émarcante à produção destetempo-histórico.

Queremos dizer com isso que é obviamente adequado que se pose uma

crítica severa ao marxismo nos tempos pós-modernos, e mais ainda, que

essa crítica perpasse de forma profunda o conceito detotalidade.

De forma reducionista, esse erro grosseiro do qual o marxismo foi vítima

resultou em uma incompreensão das aplicaçõesatravessadas do que foi

chamado desocialismo real em países como a URSS e a China. Não nos

custa dizer que tais modelos contém em si lacunas fundamentais àquilo

preconizado por Marx, ao passo que o próprio marxismo lhes serviria

facilmente de instrumento de crítica. A chamadaderrocada dosocialismo real

só se efetivou para fins demagógicos, ao passo que, em simples linhas,

instituir formas de “Capitalismo de Estado16

”, concedendo o mando daindústria e o ordenamento distributivo ao centro governista, de modo algum

favorece o rompimento com o sócio-metabolismo do capital17, ou seja, as

relações de produção quealienam diretamente o trabalhador, no caso, do

produto de seu trabalho.

Acreditamos que tal equívoco, tão comum aos nossos dias e tão caro ao

marxismo, já tenha sido devidamente esclarecido na academia18 desde os

15 TONET, I., 2013. p.23. grifos do autor.

16 Nas palavras de Trotsky: “O termo capitalismo de estado’ surgiu originalmente paradesignar todos os fenômenos que surgiram quando um estado burguês tomou diretamenteos meios de transporte ou as indústrias. A própria necessidade de tais medidas é um dos

sinais de que as forças produtivas superaram o capitalismo e o estão levando, na prática, a

uma autonegação parcial. Porém o sistema desgastado, junto com seus elementos de

autonegação, continua a existir como um sistema capitalista.”

17 Aqui utilizando-nos de um rico conceito de Ístvan Meszáros.18 Podemos mencionar Lenin, Emma Goldman, Murray Bookchin, Kautsky...

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anos 50, porém consideramos justo elucidar tais fatos, dado que nos tempos

atuais vimos exemplos nefastos que não se reduzem à Rússia e China, mas

se estendem a formas mais claras de ditaduras assassinas e totalitárias,

como os exemplos do nazismo de Hitler e do fascismo de Mussolini, que

compartilhavam desse ideal de Estado Capitalista, na realidadecontrapondo-

seaos interesses dos trabalhadores, além de partirem, “igualmente”, de uma

noção de totalidade.

2.2.2 A Ciência do Capitalismo

Para tanto, devemos igualmente de forma breve passar por momentos

importantes do desenvolvimento do processo de conhecimento humano ao

longo da história. Com este fim, nos utilizaremos de tempos históricos

determinados, leia-se aqui – os tempos greco-medievais e a modernidade.

Sabemos que nos tempos medievais os indivíduos se encontravam, no casoda pólis grega, subsumidos à coletividade. Tanto nesse caso, como no

feudalismo posterior, a situação material e as concepções de mundo, ideias e

valores, infundiam o indivíduo à comunidade. A própria noção de

individualidade, aliás, só veio a se instituir posteriormente com o

desenvolvimento da política moderna (paralelamente ao desenvolvimento das

forças produtivas). Sobre esse assunto, diz Tonet, “era, pois, o pertencimento

à comunidade que dava sentido à vida do indivíduo. Basta lembrar, aqui, o

célebre exemplo de Sócrates, que preferiu a morte à separar-se da pólis19”, o

que nos leva a refletir que o estilo gregário de vida fazia com que a

comunidade predominasse sobre a individualidade.

19 TONET, I., op. cit., p.33.

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Contudo, como também sabemos, o capitalismo demanda que os indivíduos

obtenham a realização mais plena possível de suas liberdades e assim

possam atuar nacompra e venda de suas forças de trabalho de forma

verdadeiramente desimpedida. Outrossim, é claro que estamos em uma

sociedade complexa, sociedade esta composta por indivíduos igualmente

complexos.Mesmo assim, não é demais dizer que nessa sociedade os

indivíduos sobrepujam os interesses da comunidade aos seus próprios.

Temos, nas palavras de Tonet, “uma forma particular do processo de

individuação [...] o ser humano singular se torna o eixo da vida social, sendo

o interesse comum subsumido ao interesse individual.trata-se, pois, de um

 processo de individuação individualista.20”

De um ponto de vista cosmológico, universal, o mundo greco-medieval partia

de um pressuposto teleológico de ordenamento transcendente, de modo que

a ordem social (e todo o resto das relações dos sujeitos com a natureza) era

 justificada à partir de princípios universalmente aceitos e tomados comoverdadeiros21. Aindividuação individualista, por outro lado, trouxe consigo a

centralidade cada vez maior de cada indivíduo comoagente de sua própria

história. Isso inequivocamente estilhaça toda e qualquer ideia detotalidade ou

deordem,definição ouimutabilidade da qual o os sujeitos pudessem fazer

parte, invertendo o polo da centralidade da universalidade para a

singularidade na modernidade.

Nesse sentido, cada sujeito comoagente distinto não poderia estar reprimido

a uma ordem que a ele fosse superior. Contudo, a natureza humana, dotada

20 Ibidem, idem.

21 No caso da pólis, aqui podemos inserir a naturalidade da escravidão e a ilegitimidade dasmulheres comoagentes políticos ativos, só a critério de lançarmos um confronto inicial com a

 justiçamoderna.

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apenas de uma certa similaridade em relação ànatureza natural, institui uma

fronteira à ação humana. Sobre isso diz Tonet que

Relativamente ao perímetro posto por esta natureza humana

natural, o homem só poderia ter uma atividade acidental, nãopodendo intervir para modifica-la radicalmente. E, como a

economia era a expressão desta natureza (a luta de cada um para

satisfazer as suas necessidades básicas), suas categoriasfundamentais também teriam um caráter de naturalidade natural.

O resultado disso foi que a ação humana, na medida em que era

constituidora da sociedade, teria sua expressão propriamente dita

apenas no âmbito da subjetividade, ou seja no âmbito da política,do direito, dos valores, da educação, da arte, da filosofia, etc., não

no âmbito da estrutura fundamental, vale dizer, da economia. Asleis da economianão seriam leis históricas, mas naturais, e, por

isso mesmo, tão imodificáveis como aquelas que regem o evolver

da natureza.22

Dadas a imutabilidade do acesso a animalidade humana como tal e, no

homem históricoda atualidade, a sobreposição de sua individualidade sobre

toda e qualquer força social, temos aqui um procedimento que, além de todo

o mais, faz com que se legitimem e acentuem características humanas que

 justificam a origem dobellum omnium contra omnes hobbesiano.

Fica assim fácil de concluir que isso não passa da reafirmação filosófica da

ordem capitalista comotriunfante universal, já que está de acordo com nada

menos que a própria natureza humana.

Tendo explicado como arazão do mundo atual é, apropriadamente,a razão

capitalista, fica patente que toda e qualquer questão detotalidade, aquiincluindo a noção decomunidade, são um anacronismo e, como tal, o

marxismo, que ativa e sistematicamente compartilha dessas noções também

o é.

Devemos dizer que é justamente esse o nosso ponto de inflexão ao que se

chamou vulgarmente, nos dizeres de Lukács, de marxismo. Esse

22 Ibidem, p.35

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reducionismo retira do sistema de Marx aquilo que lhe dá a maior

originalidade: leia-se aqui, o método dialético e o materialismo histórico. Para

tanto, é esse o assunto de nosso próximo tópico.

2.2.3 Marx e a Ciência

A ideia que temos de remontar um procedimento epistemológico

 psicossociológico que possa encampar o marxismo pode parecer não ser

fácil por parte das críticas a ele lançadas, mas na verdade acreditamos poder

mostrar que na realidade estão contidos no próprio núcleo do marxismo como

tal.

Como já foi possível perceber, a modernidade trouxe consigo uma espécie de

centralização da subjetividade que fez com que sistemas como o de Marx,

que notadamente fundamentam suas análises, no caso aqui, nas classes

sociais, se tornassem anacrônicos essencialmente por não lidarem

exclusivamente com os indivíduos que compõem a construção desse da

sociedade. Ademais, já apontamos outras razões pelas quais se tentoudeslegitimar o marxismo como método de análise dado o seusuposto

insucesso nas experiências tidas comosocialistas. 

Para nós, nesse momento, é válido asseverar que vemos em Marx, ao

contrário do que é preconizado pelos teóricos pós-modernos, uma junção

única entre a subjetividade e a objetividade (vista aqui como o fenômeno do

mundo e das coisas que ele compõem) que dá a possibilidade de uma

análise realmente completa das relações produtivas do homem que são, em

última instância, relações sociais mediadas por uma categoria fundante –o

trabalho.

Sobre essa questão, nos ateremos à elucidação fundamental, através do

próprio Marx que disse

Quando ohomemefetivo, corpóreo, com os pés bem firmes sobre

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a terra, as- pirando e expirando suas forças naturais, assenta

suas forças essenciais objetivas e efetivas como objetos

estranhos mediante sua exteriorização (Entäusserung), este (ato

de)assentarnão é o sujeito; é a subjetividade de forçasessenciaisobjetivas, cuja ação, por isso, tem também que ser

objetiva. O ser objetivo atua objetivamente e não atuariaobjetivamente se o objetivo (Gegenständliche) não estivesse

posto em sua determinação essencial. Ele cria, assenta apenasobjetos, porque ele é assentado mediante esses objetos, por que

é, desde a origem,natureza(weil es von Haus aus Natur ist). No

ato de assentar não baixa, pois, de sua “pura atividade” a um

criar do objeto, mas sim seu produto objetivo apenas confirma suaatividadeobjetiva, sua atividade enquanto atividade de um ser

natural objetivo.23 

Só essas palavras já são suficientes para fazer cair por terra toda e qualquertentativa de deslegitimar o marxismo em seu aspecto de consideração à

subjetividade. Outrossim, aqui temos a forma como Marx expõe a união

intransponível entre a objetividade e a subjetividade no que diz respeito à

formação da história e do reconhecimento do sujeito como ser genérico

através do trabalho. Nesse sentido, o ser humanose constrói ao construir a

realidade. Trata-se de uma via de mão dupla. Trata-se de um processo

intrinsecamente dialético24. Mais ainda, se estivermos em busca de um

modelo psicossociológico, poderíamos aqui traduzir a integralidade do que

compreendemos ser essa disciplina.

Até aí não deveria haver nenhuma novidade, porém não podemos nos furtar

de um fato histórico que determina o capitalismo como tal: otrabalho humanoé mediado à partir dasclasses sociais, detentoras de meios de produção e

23MARX, K., 2004. p.126-7.

24 Aqui teríamos margem para adentrar um debate filosófico profundo acerca da questão daatividade e de sua ligação com a relação sujeito-objeto, dado o fato de que,

independentemente do tempo histórico, as objetivação da realidade humana, logo, da

sociedade como tal, se dá através da aproximação do sujeito com as coisas do mundo, se

enraizando justamente à medida que as relações de produção se desenvolvem. Não cabe aopresente trabalho o aprofundamento dessa discussão, mas vale o aviso de reconhecimento

da necessidade de tal empreitada.

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força de trabalho. Isso traz consigo um fato fundamental da modernidade: a

naturalização daalienação. Igualmente, justifica o que chamaremos aqui de

chave para a emancipação: à medida em que oestranhamento do indivíduo

em relação ao produto deseu próprio trabalho é colocado em questão,

coloca-se que é justamente por ser através do trabalho que o indivíduo

apreende ser capaz dereconhecer sua própria “natureza específica” que

Marx pôde de perceber que não há, ao contrário do que se pensa a seu

respeito, separação alguma entre o subjetivo e o objetivo, entre o sujeito e o

mundo. É justamente por que o sujeitoéumaforma de manifestação da

naturezaarticulada com o resto do mundo, e que tanto o sujeito como o

mundo formam-se e conformam-se mutuamente, que nessa relação

intrínseca manifesta-se a mais clara inter-relação entre o mundo do sujeito e

o sujeito do mundo. Nas palavras de Harvey,

Marx [...] buscou transformar o pensamento utópico – a luta para

os seres humanos realizarem sua “natureza específica”, como eledizia em suas primeiras obras – numa ciência materialista aomostrar que aemancipação humana universal poderia emergir dalógica classista e evidentemente repressiva, embora contraditória,

do desenvolvimento capitalista. Ao fazê-lo, concentrou-se na

classe trabalhadora como agente da libertação e da emancipação

humanas precisamente por ser ela a classe dominada damoderna sociedade capitalista.Só quando os produtores diretos

tivessem o controle do seu próprio destino, argumentava ele,

poderíamos alimentar a esperança de substituir o domínio e a

repressão por um reino de liberdade social.25

É claro que aqui, novamente, teríamos a possibilidade de adentrar a

discussão da relação entre aliberdadee anecessidade. No entanto, sem que

nos alonguemos por demais, podemos apenas dizer que toda aquela lógica

do desenvolvimento da própria “ciência do capitalismo”o reproduz como

25 HARVEY, D., 2006. p.24-25.

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necessárioe como umaconsequência indissociávelda natureza humana

como tal.

O fato de entendermos que ao invés deadentrarmos o reino da liberdade, nocapitalismo o pressuposto inicial de nossa manifestação como seres

 produtores,sociais é o de nossasubsunção àcondição alienada de

reproduzirmo-nos e reconhecemo-nos como seres sociais, nos mostra que é

o próprio sistema capitalistaquebloqueia-nos de nossa verdadeira liberdade,

simplesmente por sua condição de existência. Por isso, vemos no marxismo

um modelo que poderia claramente ser considerado psicossociológico, ou

inversamente,sóciopsicológico já que são as forças sociais (objetivas) que

podem de fato engendrar uma verdadeira emancipação humana (subjetiva),

 justamente por que são essas relações de produção as principais (mas não

todas) responsáveis por esse impedimento.

3. Conclusão

Tendo chegado até aqui, podemos dizer que a base de todo o conflito entre a

pós-modernidade e o marxismo se encontra na ideia desujeito. Nesse

sentido, os pós-modernos apelam para o fato de que a teoria de classes

subestima a preponderância do indivíduo nos rumos da sociedade em geral.

Contudo, tentamos em nosso trabalho deixar claro que obviamente Marx em

nenhum momentodeixou de levar em consideração a subjetividade, porém

mostrou claramente que a objetividade ouas forças do mundo são sim

preponderantes em relação à forma como osujeito irá se pôr e reconhecer

(ou não) neste mundo.

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Ao mesmo tempo, em nenhum momento deixamos a entender que a ideia da

teoria de classes dizia respeito à um juízo de valor entre obem e o mal. Na

verdade, só deixamos claro como Marx compreende que na forma como a

produção se organiza na atualidade, as relações de alienação recaem sobre

o trabalhador impedindo-o de forma crassa a empreender um processo de

reconhecimento. Ao mesmo tempo, quisemos enfatizar que esseretrato

falado do marxismo é adaptável à lógica de autolegitimação do capitalismo, e

que a própria ênfase na subjetividade é uma maneira deeliminar a história e

todo o processo de formação da sociedade. Confirmamos assim as palavras

de Eagleton, ao afirmar que

Como o próprio Marx comentou certa vez, o que havia de originalno seu pensamento e no de Hegel não era a descoberta da

classe social, que fora tão óbvia como a Mont Blanc muito antes

de começarem a escrever. Era, sim, a afirmação bem mais

controvertida de que o nascimento, crescimento e morte dasclasses sociais, junto com as lutas entre elas, estão intimamente

ligados ao desenvolvimento de modos históricos de produção

material [...] O marxismo não é apenas uma maneira imponentede achar odioso ou “privilegiado” que algumas pessoaspertençam a uma classe social e algumas a outra, como se poder

considerar objetável que uns frequentem coquetéis enquantooutros têm de se contentar com uma lata de cerveja na geladeira.

O marxismo é uma teoria do papel desempenhado peloconflitoentre as classes sociais num processo muito mais amplo de

mudança histórica, ou não é nada. E, segundo essa teoria, não sepode dizer que a classe social seja indiscutivelmente uma coisa

ruim, e por isso ser confundida com o racismo e o sexismo. Só

um esquecimento pós-modernista do caráter multifacetado dahistória poderia permitir uma manobra dessas.26

Sobre o “caráter multifacetado da história”, mencionado por Eagleton,

dizemos que justamente essaatomização, que é a forma naturalizada dos

tempos pós-modernos de se encarar os sujeitos como micromundos

independentes, pode transfigurar a ideia de classe à uma particularidade

26 EAGLETON, T., 1998. p.63-64. grifos nossos.

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qualquer, como o gênero e a raça. Trata-se justamente de uma manobra que

não visualiza o caráter transgressor que o modo de produção possui como

condiçãosine qua non. Esse mesmo “caráter multifacetado” quetransfigura a

história institui uma sociedade na qual “o valor de troca foi generalizado ao

ponto no qual a própria memória do valor de uso é apagada [...] na qual a

imagem se tornou a forma final da reificação da mercadoria27” assim

reproduzindo um mundo de pedaços sem ligação que produzem fatos sem

relação e que, por fim, obliteram integralmente as possibilidades de auto-

reconhecimento e libertação dos indivíduos que o formam. Nesse sentido,

constatamos que, ao contrário do que parece, é o marxismo que faz a

digressão mais coerente sobre o sujeito no mundo, dado o fato de que esse

sujeitose reconhece em um mundo queele mesmo produz. Ironicamente,

não poderia ser mais centrado no sujeito de forma tão objetiva.

Por fim, consideramos lícito que seja feita uma reflexão acerca da suposta

displicência de Marx em relação à subjetividade. Na realidade, o autor

alemão mais do que ninguém conseguiu inserir o sujeito em sua análise

social, obviamente deixando claro a subordinação do sujeito ao objeto, porém

enfatizando queentender a história não significa ignorar o indivíduo, mas

entender o indivíduo na história. Essa oposição indivíduo-sociedade para o

marxismo é só mais um produto da sociedade do capital, além de ser

incompatível com o marxismo como tal. Entender a determinação social não

significa colocar juízo de valor sobre o que é importante do ponto de vista

pessoal, mas relacionar as questões individuais ao contexto e entender o

contexto no movimento dos agentes sociais. Negar isso é cair em um

relativismo que nega as relações e a possibilidade do debate teórico.

27 JAMESON, F., 1991. p.18

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Além disso, com o pleno desenvolvimento do capitalismo, deu-se que temos

um sistema socioeconômico que efetivamente se expandiu por todos os

cantos do mundo, o que significa que sua compreensão e consequente

superação tornou-se uma tarefa que exige esforços de fato universalizantes.

Apesar de serem relevantes, o micro, o efêmero e o contingencial, não são

categoriascentrais para que se entenda o que de fato se passa na

contemporaneidade.

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