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CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DE INCLUSÃO E A LUTA PELA ACESSIBILIDADE AO CONHECIMENTO. JOSEFA FÁTIMA DE SENA FREITAS Com este texto, objetivamos expor aspectos legais e de outra natureza para mais bem compreendermos a proposta de educação inclusiva. Esta tem como ponto marcante a defesa do direito ao atendimento educacional em escolas regulares, assentado sobre um dado entendimento que envolve a própria história da Educação Especial ou do reconhecimento da educabilidade da pessoa com deficiência. Sendo professores que participam do Programa de Desenvolvimento da Educação no Paraná – PDE, não podemos nos esquivar do debate e da busca dessas proposições. Em primeiro lugar, consideramos que há uma estreita relação entre o modo de vida instituído em uma dada época, a sociedade e a educação que nela se processa. Por educação, entendemos o processo histórico e social que leva à formação dos homens sob determinados parâmetros, como escreve Barroco (2007), processo de formação de homens do seu tempo. A educação pode se apresentar sob diferentes modos, sendo um deles o escolar. Não dá para compreendermos a educação escolar, por sua vez, sem estender nosso olhar para a sociedade na qual vivemos, sem deixar de considerarmos que todos que atuam em uma escola são produtos e reflexos dessa realidade, portanto, são alvos das mesmas crenças e atitudes do seu grupo social, mas, também, são seus reprodutores. Nas últimas décadas do século XX, vimos a emergência da proposta de sociedade e de educação inclusivas, em meio à exacerbação das contradições do capitalismo, com a vigorosa acumulação de todos os tipos de bens por pequena parcela da sociedade, e a submissão da maior parte da população mundial a um padrão de vida bastante modesto, senão miserável. Isto nos permite pensar não só na relação íntima entre sociedade e educação, mas na educação como meio de se perpetuar um dado modelo hegemônico de sociedade, de prática social.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DE INCLUSÃO E A

LUTA PELA ACESSIBILIDADE AO CONHECIMENTO.

JOSEFA FÁTIMA DE SENA FREITAS

Com este texto, objetivamos expor aspectos legais e de outra natureza para mais

bem compreendermos a proposta de educação inclusiva. Esta tem como ponto marcante

a defesa do direito ao atendimento educacional em escolas regulares, assentado sobre

um dado entendimento que envolve a própria história da Educação Especial ou do

reconhecimento da educabilidade da pessoa com deficiência.

Sendo professores que participam do Programa de Desenvolvimento da

Educação no Paraná – PDE, não podemos nos esquivar do debate e da busca dessas

proposições.

Em primeiro lugar, consideramos que há uma estreita relação entre o modo de

vida instituído em uma dada época, a sociedade e a educação que nela se processa. Por

educação, entendemos o processo histórico e social que leva à formação dos homens

sob determinados parâmetros, como escreve Barroco (2007), processo de formação de

homens do seu tempo. A educação pode se apresentar sob diferentes modos, sendo um

deles o escolar.

Não dá para compreendermos a educação escolar, por sua vez, sem estender

nosso olhar para a sociedade na qual vivemos, sem deixar de considerarmos que todos

que atuam em uma escola são produtos e reflexos dessa realidade, portanto, são alvos

das mesmas crenças e atitudes do seu grupo social, mas, também, são seus reprodutores.

Nas últimas décadas do século XX, vimos a emergência da proposta de

sociedade e de educação inclusivas, em meio à exacerbação das contradições do

capitalismo, com a vigorosa acumulação de todos os tipos de bens por pequena parcela

da sociedade, e a submissão da maior parte da população mundial a um padrão de vida

bastante modesto, senão miserável. Isto nos permite pensar não só na relação íntima

entre sociedade e educação, mas na educação como meio de se perpetuar um dado

modelo hegemônico de sociedade, de prática social.

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Ainda sob neste aspecto, reconhecemos a relação intrínseca entre ambos.

Podemos identificar as influências dessa sociedade na formação da consciência do

homem. O homem do final do século XX e começo do século XXI vê-se às voltas com

o amplo crescimento da ciência por um lado e, por outro, com a desvalorização do

conhecimento que se apresenta de modo mais denso e articulado. Como escreve Duarte

(2001), vivemos a sociedade da informação e não do conhecimento – este é pra poucos.

Aqui, estamos na defesa de que a inclusão escolar deva permitir o acesso ao

conhecimento e não às meras informações. Essa defesa se estende àqueles que possuem

ou não deficiências, visto que todos seguem caminhos semelhantes, o que é

fundamental no que se refere ao desenvolvimento.

FOTO: CEEBJA Maringá – Acervo próprio

Vigotski1 (1997, apud BARROCO, 2007, p. 258), em outra época e sociedade,

pontuou: “é necessário dizer que as leis do desenvolvimento da criança anormal e da

normal mostram-se ante nós como uma lei única no essencial”, ou seja, as mediações

sociais experienciadas pela criança com e sem deficiência interferirão no curso do seu

desenvolvimento.

1 Apesar de se encontrar Vigotski grafado de diversas formas, tais como: Vygotski, Vygotsky, Vigostskii, Vigotskji, Vigostky, adotaremos, neste trabalho, a grafia VIGOTSKI, manteremos apenas, nas indicações bibliográficas, a grafia adotada em cada uma delas.

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Sob o modo de compreensão de que a educação ocorre por meio da mediação

sócio-histórica, apresenta-se a discussão da inclusão como um novo paradigma. Não

entraremos nesse debate, porém, destacamos que, ante o nível alcançado pela ciência e

pela tecnologia, é preciso pensar em se melhorar as condições de vida de todas as

pessoas, deficientes ou não, por meio da facilitação do acesso de todos aos recursos

disponíveis, tendo como princípio o dado da diversidade como característica maior da

existência humana.

Segundo autores que têm pesquisado e defendido a educação inclusiva, como

Mantoan (2003), Pacheco (2007), Edler (2004), com ela, muda-se a forma de pensar a

pessoa com deficiência, que deixa de ser compreendida como o oposto da pessoa

considerada sem deficiência, para apenas "ser diferente". Ante esse novo modo de

concebê-la, deverá ser tratada de forma igual aos que são diferentes de si. Vencendo a

simplicidade com que se explica a complexidade das relações sociais estabelecidas entre

deficientes e não-deficientes, apresenta-se uma questão de grande importância: será que

esse tratamento igualitário já não é uma forma de exclusão, uma vez que nega a

diferença que a deficiência suscita?

Os estudos de Mittler (2003) têm uma outra forma de compreender o movimento

de inclusão escolar da pessoa com deficiência. O autor destaca que a inclusão não

consiste apenas em colocar o jovem e o adulto para estudar em junto com os outros

estudantes, mas implica em mudanças que de nós mesmos, de nossas atitudes, de nosso

medo frente ao novo desafio. A inclusão diz respeito à liberdade de cada pessoa em ter

escolhas e autodeterminação, fato que, em uma sociedade capitalista, está a cada passo

mais distante.

O que se compreende desse movimento próprio da atualidade, que se vê às

voltas com a defesa de sociedade e educação inclusivas, é a idéia de que o mais

importante na vida de qualquer pessoa é a capacidade de acesso e de apropriação das

informações, dos produtos e processos que são criados nas mais diferentes áreas da vida

e do conhecimento, bem, como de poder transitar por diferentes espaços, não

importando a condição biológica. Antes dos limites biológicos, é preciso estar atentos

aos limites de acesso aos recursos, por exemplo, tecnológicos que favoreçam sua

inserção nas diversas situações da vida em sociedade.

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Isso implica em afirmar que a ciência é mais do que um instrumento de leitura e

descoberta do mundo; ela é, juntamente com a tecnologia, responsável direta pela

redefinição do mundo no qual vivemos; ou seja, ela é um elemento fundador e, por isto,

estratégico em todo o contexto sociopolítico, econômico e cultural dos nossos dias, e em

todo contexto capitalista.

Nas palavras de Nicolescu (1995, p. 11):

Em particular, nós não temos mais hoje o direito de afirmar que o único fim digno da ciência é a descoberta do mundo a partir do ponto de vista exterior ao qual só poderia ter acesso um desses demônios que povoam as exposições da ciência clássica. Veremos que nossas teorias mais fundamentais se definem doravante como obra de seres inscritos no mundo que eles exploram. Nesse sentido, a ciência abandonou, portanto, toda a ilusão de extraterritorialidade teórica, e as pretensões desta ordem não podem mais se autorizar a não ser de tradições e esperanças. [...] É urgente que a ciência se reconheça como parte integrante da cultura no seio da qual se desenvolve.

A ciência ou o conhecimento científico se apresenta como fundante não só ao

capitalismo, mas à própria formação do homem.

FOTO: Alunos do CEEBJA – Maringá – Acervo próprio

Sabemos que a vida está mudando e que os homens precisam de subsídios

sólidos para a constituição dos seus psiquismos, de tal modo que sejam

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instrumentalizados a enfrentar situações de barbárie, que destituem de valor propostas

que visem a coletividade.

A inclusão escolar dos alunos com deficiência se apresenta, neste contexto, se

erigindo, apoiada em diferente marcos: 1970 Projeto Principal de Educação para a

América Latina e Caribe; 1990 Conferência Mundial de Educação para Todos em

Taylândia; 1993 Declaração de Manágua; 1994 Conferência Mundial de Salamanca;

1996 - Leis de Diretrizes e Bases; 1999 Convenção Interamericana - Guatemala e,

aprovada no Brasil em 2008 Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva. Esta define a educação inclusiva como “[...] um paradigma

educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade

como valores indissociáveis” (BRASIL, p. 3, 2008).

Todavia, quaisquer que sejam os documentos norteadores, fica explicitada a

nossa defesa de que a escola para as classes populares carece de qualidade, e que ela

assumirá algum caráter inclusivo se puser os alunos e professores em condições de se

humanizarem, de se desenvolverem com aquilo que ela ensina.

No Paraná, a proposta de educação inclusiva ganha corpo com as Diretrizes

Curriculares da Educação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos, na qual

se encontra a seguinte afirmação:

A compreensão da Educação Especial como modalidade que dialoga e compartilha os mesmos princípios e práticas da educação geral é recente e exige das famílias, alunos, profissionais da educação e gestores das políticas públicas um novo olhar sobre o aluno com necessidades educacionais especiais. (PARANÁ, 2006, p. 9).

Podemos dizer que a inclusão escolar tem como princípio assegurar aos alunos

deficientes e não-deficientes a oportunidade de aprenderem uns sobre os outros, sobre

as leis da natureza, sobre as bases da prática social, sobre suas próprias situações de

aprendizagem.

Mas também é preciso que indaguemos: - De qual inclusão estamos falando?

Como obter sucesso se o desafio consiste em garantir uma educação de qualidade para

todos? A finalidade é que os alunos aprendam a conviver com a diferença e se tornem

cidadãos solidários, mas qual é o papel da educação e da escola nesse contexto?

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Diante dessas indagações, apontamos como desafios da Educação Inclusiva:

1. É necessária uma reflexão conceitual sobre o que seja INCLUSÃO, a

quem se destina e onde ela deve ocorrer. As orientações da Secretaria

Estadual de Educação – SEED sobre este tema determinam as formas de

organização do sistema educacional, definem prioridade no programa de

formação continuada de professores e estabelecem os critérios para a

constituição de redes de apoio educacional aos alunos, aos professores e

às famílias.

2. As políticas e práticas de INCLUSÃO não têm um significado único e

consensual, mas são determinadas por múltiplos fatores. Ela inclui uma

ampla rede de significações no entrecruzamento de diferentes olhares e

formas de se efetivar esse processo; é na inter-relação de como eu, os

outros e as instituições sociais definem e praticam a inclusão que ela

pode ou não tornar-se realidade.

Assim, a SEED (PARANÁ, 2006) considera a existência de três tendências

sobre o modo de se pensar e praticar o processo de inclusão; elas diferem em natureza,

princípios e formas de concretização em sala de aula.

Inclusão Condicional: compreende-se como o processo no qual são impostas

algumas condições para que se concretize o ensino inclusivo. As Diretrizes Curriculares

da Educação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos apontam algumas

falas nesse sentido como: “se todos os professores forem capacitados antes”, “quando

todas as escolas estiverem adaptadas”, “apenas se diminuírem o número de alunos por

turma”, “se eu tiver um especialista como auxiliar...” (PARANÁ, 2006, p. 38).

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FOTO: Alunos em atividade na área de Língua Portuguesa – Acervo próprio

São afirmações que remetem a uma reflexão sobre o que Barroco (2007, p. 15)

escreveu a respeito do ensino inclusivo da pessoa com deficiência:

[...] o processo de inclusão não está limitado à visão da deficiência, mas estende-se a todos os membros dos grupos a que o indivíduo pertence, promovendo práticas pedagógicas e sociais para atender à diversidade humana. Nessa proposta, a comunicação dialógica entre professor e aluno é o ponto fundamental para que este se constitua como sujeito no seu processo de conhecimento, sentindo-se incluído nas relações sociais e humanas. Com um futuro incerto que, pela impossibilidade de concretização em curto prazo.

Desta forma, a educação inclusiva tem uma abrangência mais profunda, visto

que atinge um processo de geração de mudanças culturais que envolvem não apenas a

escola, mas uma sociedade no todo e seu sistema governamental.

Inclusão Total Ou Radical: posição tomada pela professora Maria Teresa Egler

Mantoan (2003), que afirma que todas as pessoas com deficiência devem ser

encaminhas para as classes e escolas da educação básica comum. Justifica o seu

radicalismo ao alegar que a inclusão exige um novo paradigma educacional, atribuindo

apenas à escola a responsabilidade pela qualidade de ensino e propõe o fim da educação

especial.

Na perspectiva inclusiva, suprime-se a subdivisão dos sistemas escolares em modalidades de ensino especial e de ensino regular. As escolas atendem às diferenças sem discriminar, sem trabalhar à parte com alguns alunos, sem estabelecer regras

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específicas para se planejar, para aprender, para avaliar (currículos, atividades, avaliação da aprendizagem para alunos com deficiência e com necessidades educativas especiais) (MONTOAN, 2003, p.25)

Analisar a educação acadêmica apenas entre os muros da escola e deixar de

compreender as influências sociais na formação da consciência humana.

Barroco (2007, p. 16) discute sobre a forma de se compreender a educação: “[...]

o processo de inclusão não está limitado à visão da deficiência, mas estende-se a todos

os membros dos grupos a que o indivíduo pertence, promovendo práticas pedagógicas e

sociais para atender à diversidade humana”.

A autora ressalta que as mudanças não são apenas técnicas, mas sociais, a

afirmação decorre de que a tarefa não é apenas política, envolvendo a relação poder,

combate aos privilégios e à desigualdade econômica e social. Depende, antes de tudo,

da convicção, do compromisso e do desejo de todos os indivíduos se comprometerem

com as desigualdades.

FOTO: Aula de artes - Acervo próprio

Inclusão Responsável: proposta da SEED do Estado do Paraná, fundamentada

nos seguintes princípios:

1. O desafio da inclusão escolar é enfrentado como uma nova forma de

repensar e reestruturar políticas e estratégias educativas, de maneira a

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não apenas criar oportunidades efetivas de acesso para crianças e

adolescentes com necessidades educacionais especiais, mas, sobretudo,

garantir condições indispensáveis para que possam manter-se na escola e

aprender.

2. Nesse momento de transição de paradigmas, as conquistas já

consolidadas pelas pessoas com necessidades educacionais especiais e

seus familiares, historicamente, não podem ser descartadas e as estruturas

desmanteladas, como se não tivessem um valor histórico indiscutível na

complexa rede de relações que constituem o sujeito social.

3. É um movimento que não pode abrir mão de uma rede de ajuda e apoio

aos educadores, alunos e familiares.

FOTO: Aula de geografia – Acervo próprio

Assim, a SEED afirma que:

A reaproximação dos contextos regular e especial de ensino impõe articulação de práticas de cunho pedagógico que oportunizem aprendizagem e participação. Assim, a Educação Especial, no âmbito da escola regular, oferecerá recursos e serviços de apoio pedagógicos especializados que complementam e/ou suplementam a escolarização formal dos alunos com necessidades especiais. Em lócus específico, a exemplo das instituições especializadas, serão oferecidos em interface com a Saúde, Trabalho, Assistência Social, entre outras áreas de políticas de base, serviços especializados de natureza

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clínico-terapêutica, profissionalizante e/ou assistencial, essenciais à educação integral que se defende (PARANÁ, 2007, p. 48).

Questionamos que, mesmo com todas as garantias legais que asseguram o direito

de acesso à escola na prática, não se garante o ensino de qualidade, ou seja, a “escola de

todos” não é a “escola para todos” como é almejada nos princípios das políticas

educacionais, uma vez que seu sucesso não depende apenas de vontade, mas de recursos

financeiros e humanos.

Inclusão escolar implica em complexo conjunto de fatores que envolve desde a

ineficaz gestão de órgãos governamentais, considerado barreiras político-

administrativas, até as formas que são consideradas as mais perversas de exclusão,

aquelas com baixa visibilidade, que se manifestam simbolicamente por meio de

(pré)conceitos e discriminação que constroem estereótipos e mitos sobre as pessoas,

consideradas barreiras atitudinais, presentes na sociedade como um todo.

FOTO: Alunos em atividade – Acervo próprio

Expostas estas considerações históricas e legais sobre a inclusão escolar,

reiteramos a nossa defesa pela acessibilidade ao saber. Nossa defesa se ancora nos

postulados de L. S. Vigotski, que demonstrou em sua obra quanto o conhecimento

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sistematizado, complexo provoca transformações ou revoluções naqueles que o

dominam.

Barroco (2007) é entende que é possível fazer aproximações entre o

desenvolvimento da pessoa com e sem deficiência ao defender as premissas que

seguem:

a) O homem com e sem deficiência se humaniza pelo trabalho e pela

cooperação com seus pares.

b) O processo do que é propriamente humano segue sempre a mesma

direção no desenvolvimento de pessoas com e sem deficiências: do meio

exterior, do plano interpsíquico, ao extrapsíquico e deste para o interior,

o intrapsíquico.

c) As leis do desenvolvimento humano, no plano filogenético, não se

reeditam.

d) As mediações com outros homens permitem a uma criança muito

comprometida pela deficiência apropriar-se daquilo que é humano, tanto

com o ser imediatamente próximo como com o distante também.

e) A escola auxiliar deve ser forte (até 1950, as escolas especiais

soviéticas apresentavam-se sob a forma de internatos e de externatos).

f) O processo educativo deve provocar revoluções nas pessoas com e sem

deficiências.

g) Os saberes sistematizados devem ser instrumentos para a pessoa com

deficiência apreender o mundo e intervir sobre ele. A pessoa pode

desenvolver formas psicológicas sofisticados de interagir com o mundo;

mais livre pode se tornar da realidade objetiva imediata, permitindo-lhe

realizar análises, sínteses e generalizações, organizar o sincrético,

governar conscientemente sua conduta.

h) O comprometimento físico e/ou mental gera alguma forma de

compensação – lei da dialética.

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i) A deficiência, o déficit ou defeito biológico só terá o estatuto de

impedimento se assim a sociedade o reconhecer.

j) A “educação social” é que pode levar pessoas com deficiência ao pleno

desenvolvimento das faculdades humanas, à formação do homem cultural

comprometido com o coletivo.

k) A alienação não é vencida somente com a ciência.

l) A questão fundamental é uma menor distância entre o nível de

desenvolvimento do gênero humano e do homem particular.

Com base em tais pressupostos, entendemos que a educação contribui para a

transformação do homem em indivíduo cultural, levando-o em direção aos desafios e

aos prazeres de extrair de uma convivência humana novas experiências no

enfrentamento da realidade da vida.

A educação acontece, como Vigotski (2001) já apresentou em seus estudos, na

relação com o outro, nas mediações por meio da linguagem a qual estrutura e organiza o

pensamento.

Compreender que a educação e em particular a educação inclusiva não

relacionada apenas à visão da deficiência, mas à educação para todos, independente de

sua cor, crença, condições sociais, preferências sexuais e, em especial, ser jovem ou

adulto com deficiências, promovendo práticas pedagógicas e sociais para atender à

diversidade humana, é a finalidade a ser perseguida.

A inclusão se concilia com uma educação para todos e com um ensino

especializado ao aluno, mas não se consegue implementar uma opção de inserção

inclusiva sem enfrentar um desafio ainda maior: o que recai sobre o fator humano. Os

recursos físicos e os meios materiais para a efetivação de um processo inclusivo escolar

de qualidade cedem um espaço de prioridade para o desenvolvimento de novas atitudes

e formas de interação na escola, exigindo uma nova postura diante da aceitação das

diferenças individuais, da valorização de cada pessoa, da convivência na diversidade

humana e da aprendizagem por meio da mediação educacional.

Barroco (2007, p. 372) ressalta sobre a importância da sociedade na formação do

homem social ao escrever: “A riqueza de uma sociedade posta em circulação leva à

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riqueza de seus homens. É preciso conhecer a sociedade e o caminho que ela emprega

para se apresentar de uma dada forma, para se apreender os pensadores que ela produz”.

A educação inclusiva tem como objetivo promover o acesso de todos ao ensino

regular, mas com propostas educacionais voltadas às reais necessidades educacionais

desse alunado, compreendê-lo em suas potencialidades de aprendizagem, que se

desenvolve por vias diferentes da pessoa sem deficiência. Barroco (2007, p. 373), com

base nos estudos de Vigotski ressalta que “o homem com deficiência se humaniza pelo

trabalho e pela cooperação de seus pares”. A educação deve propiciar ao aluno

deficiente aprendizado de qualidade, promovendo sua autonomia frente ao

conhecimento construído socialmente, o que permite condições para exercer plenamente

sua cidadania.

FOTO: Aula de História – Acervo próprio

É preciso incluir esse alunado em um ensino que leve em conta a aprendizagem,

tendo como princípio de que todos os alunos podem aprender e alguns podem necessitar

dos serviços de apoio especializados para atingir os objetivos educacionais. Além disso,

o processo de aprendizagem deve ser entendido como sendo muito mais amplo,

envolvendo questões afetivas, orgânicas, cognitivas, motoras, sociais, econômicas,

políticas e outras. Este processo envolve o aluno, o docente, a escola, a família, a

sociedade e os mentores da educação como parceiros.

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Assim, podemos concluir, com base nos estudos de Vigotski (apud BARROCO,

2007), que não se defende um ensino que respeita as diferenças, porque elas podem ser

motivadas pela exclusão e rejeição. Sua luta é por uma sociedade que não produza

diferenças que afasta o homem de sua condição humana.

REFERÊNCIAS BARROCO, Sonia Mari Shima. A educação especial do novo homem soviético e a psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a psicologia e a educação atual. (Tese Doutorado em Educação) UNESP, ARARAQUARA, SP, 2007. BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2008. DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: Críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2 ed. rev e amp. Campinas S.P: Autores Associados, 2001. EDLER, C. R. Educação inclusiva: com os pingos nos is. Porto Alegre: Mediação, 2004. MITTLER, Peter. Educação Inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003. MONTOAN, M. T. E. Inclusão escolar. O que é? Por quê? Como se faz? São Paulo: Editora Moderna, 2003. NICOLESCU, B.. Ciência, sentido e evolução: A cosmologia de Jacob Boehme, acompanhado do tratado Seis pontos teosóficos de Jacob Boehme. São Paulo: Attar, 1995. PACHECO, J. (et al) Caminhos para a inclusão: Um guia para aprimoramento da equipe escolar. Porto Alegre: Artmed, 2007. PARANÁ. Deliberação n. 02/03. Curitiba: CEE, 2003. _________. Diretrizes curriculares da educação especial para construção de currículos inclusivos. Curitiba: SEED, 2006. VYGOTSKY, L. S. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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