Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ação penal em lesão corporal praticada com violência...

download Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ação penal em lesão corporal praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher

of 10

Transcript of Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ação penal em lesão corporal praticada com violência...

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    1/10

    -

    Revista mbito JurdicoRevista mbito JurdicoN 102 - Ano XV - JULHO/2012 - ISSN - 1518-0360

    S E P A R A T A

    Constitucionalidade da Lei Maria da Penha

    e ao penal em leso corporal praticada comviolncia domstica e familiar contra a

    mulher

    Henrique Hoffmann Monteiro de Castro

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    2/10

    Revista mbito Jurdico

    Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao

    penal em leso corporal praticada com violncia

    domstica e familiar contra a mulher

    Henrique Hoffmann Monteiro de Castro

    Resumo: A violncia domstica contra a mulher traduz male histrico que decorre dedeplorvel situao de domnio. Sabe-se da desigualdade histrica que a mulher vemsofrendo em relao ao homem. Nesse sentido, o desiderato deste ensaio consiste noenfrentamento das discusses mais palpitantes acerca da Lei de Violncia Domstica eFamiliar contra a Mulher. Para tanto, procede-se anlise de deciso emanada do SupremoTribunal Federal nos autos da Ao Direta de Inconstitucionalidade 4.424/DF, alm dodecisumproferido pela Corte Constitucional nos autos da Ao Declaratria deConstitucionalidade 19/DF, investiga-se os argumentos pr e contra a constitucionalidade daLei Maria da Penha, e avaliam-se os posicionamentos concernentes natureza da ao penalno crime de leso corporal praticado com violncia domstica e familiar contra a mulher, paraao final serem atingidos alguns acabamentos no que tange ao assunto.

    Palavras-chave: Direito Processual Penal. Direito Penal. Violncia Domstica e Familiar.

    Abstract: Domestic violence against women reflects historical problem that runs from

    appalling domain. We know the historical inequality that the woman has suffered in relation toman. In this sense, the wish of this article is to face the most stimulating discussions about theDomestic Violence against Women Law. To do so, it proceeds to the analysis of decisionissued by the Supreme Court in the case of the Direct Action of Unconstitutionality 4.424/DF,beyond decisumdelivered by the Constitutional Court the record of the Declaratory Action ofConstitutionality 19/DF, investigates the pros and against the constitutionality of the Maria daPenha Law, and evaluates the positions concerning the nature of the crime of criminal injurycommitted with domestic violence against women, and achieves some finishes with respect tothe subject.

    Keywords: Criminal Procedural Law. Criminal Law. Familiar and Domestic Violence.

    Resumen: La violencia domstica contra las mujeres refleja la historia de hombres que seejecuta desde el dominio atroz. Sabemos que la desigualdad histrica que la mujer ha sufridoen relacin con el hombre. En este sentido, el deseo de este artculo es hacer frente a losdebates ms interesantes sobre la Ley de la violencia domstica contra la mujer. Para ello,procede al anlisis de la decisin emitida por la Corte Suprema en el caso de la accin directade inconstitucionalidad 4.424/DF, ms all de decisumdictada por el Tribunal Constitucionalel expediente de la accin declarativa de Constitucionalidad 19/DF, investiga los pros y encontra de la constitucionalidad de la Ley Maria da Penha, y evala las posiciones sobre lanaturaleza del delito de lesiones cometido con violencia domstica contra las mujeres, hasta

    el final algunos acabados se logran con respecto al tema.

    Palabras clave: Derecho Procesal Penal. Derecho Penal. Violencia Domstica y Familiar.

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11741

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    3/10

    Revista mbito Jurdico

    Sumrio: 1. Linhas iniciais - 2. Julgados paradigmticos - 3. Constitucionalidade da LeiMaria da Penha - 4. Ao penal da leso corporal praticada com violncia domstica e familiarcontra a mulher - 5. Escoro final

    1. Linhas iniciais

    O desiderato deste ensaio consiste no enfrentamento da discusso acerca daconstitucionalidade da Lei de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher, conhecidapopularmente como Lei Maria da Penha, bem como analisar a natureza da ao penal deleso corporal praticada nesse contexto.

    Para tanto, proceder-se- anlise de deciso emanada do Supremo Tribunal Federal em09/02/2012, nos autos da Ao Direta de Inconstitucionalidade 4.424/DF, relatada peloMinisto Marco Aurlio, alm do decisumproferido pela Corte Constitucional na mesma data erelatado pelo mesmo julgador, nos autos da Ao Declaratria de Constitucionalidade 19/DF.

    A fim de cumprir esse mister, ser realizada anlise dos acrdos paradigmticos, (a)investigando os argumentos pr e contra em torno da constitucionalidade da Lei Maria daPenha, (b) avaliando os posicionamentos concernentes natureza da ao penal no crime deleso corporal praticado com violncia domstica e familiar contra a mulher, para ao final (c)atingir alguns acabamentos no que tange ao assunto.

    2. Julgados paradigmticos

    Os julgados a serem dissecados nesse trabalho consistem na deciso emanada doSupremo Tribunal Federal em 09/02/2012, nos autos da Ao Direta de Inconstitucionalidade

    4424/DF, relatada pelo Ministro Marco Aurlio, e no julgamento proferido pela CorteConstitucional na mesma data, nos autos da Ao Declaratria de Constitucionalidade 19/DF,relatado pelo mesmo julgador.

    3. Constitucionalidade da Lei Maria da Penha

    Estabelece o artigo 1 da Lei de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher:

    Art. 1. Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violncia domstica e familiarcontra a mulher, nos termos do 8 do art. 226 da Constituio Federal, da Conveno sobre

    a Eliminao de Todas as Formas de Violncia contra a Mulher, da ConvenoInteramericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher e de outrostratados internacionais ratificados pela Repblica Federativa do Brasil; dispe sobre a criaodos Juizados de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas deassistncia e proteo s mulheres em situao de violncia domstica e familiar.

    A Lei Maria da Penha inaugurou uma fase de aes afirmativas em favor da mulher nasociedade brasileira. A Lei de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher traduzmecanismo especial de proteo conferida pela Constituio pessoa do sexo feminino.

    No se trata de blindagem desarrazoada. A referida norma est em consonncia com a

    proteo que cabe ao Estado dar a cada membro da famlia, segundo dico da ConstituioFederal:

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11741

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    4/10

    Revista mbito Jurdico

    Art. 226.

    5.. Os direitos e deveres referentes sociedade conjugal so exercidos igualmente pelo

    homem e pela mulher.

    8.. O Estado assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que a

    integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes.

    Ademais, na seara internacional, a Lei se encontra em perfeita harmonia com a ConvenoInteramericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher (Conveno deBelm do Par (Decreto 1.973/96), e com a Conveno sobre a Eliminao de todas asformas de Discriminao contra a Mulher (Decreto 4.377/02).

    Em que pese essas bvias consideraes, h quem considere a Lei Maria da Penhainconstitucional. Segundo parcela dos juristas, a Lei promove a discriminao entre homem e

    mulher ao proteger apenas as mulheres em detrimento dos homens.

    Contudo, a norma deve ser interpretada generosamente para robustecer os comandosconstitucionais - a lei possui feio simblica, e por essa razo no admite amesquinhamento.

    Nessa esteira, no h dvidas que a referida lei protege somente a mulher. O homem atpode ser vtima de violncia domstica e familiar, contudo apenas a mulher recebe umaproteo diferenciada a pessoa do sexo masculino tutelada penas normas gerais doCdigo Penal.

    Isso porque, em que pese o homem tambm poder ser vtima da violncia domstica, essaagresso no decorre de razes de ordem social e cultural. Por tal motivo, no se fazemnecessrias discriminaes positivas ao gnero masculino, pois a razo de ser das medidascompensatrias consiste em remediar desvantagens histricas de um passadodiscriminatrio, o que no ocorre no caso da pessoa do sexo masculino.

    As aes afirmativas so medidas especiais que tm por objetivo assegurar progressoadequado de certos grupos raciais, sociais ou tnicos ou de indivduos que necessitem deproteo e que possam ser necessrias e teis para proporcionar a tais grupos ou indivduosigual gozo ou exerccio de direitos humanos e liberdades fundamentais. Logo, percebe-se que

    a edio da lei protetiva consubstancia-se em verdadeira ao afirmativa (discriminaopositiva) em favor da mulher.

    No h dvidas sobre o histrico de discriminao enfrentado pela mulher na seara afetiva.As agresses sofridas so significativamente maiores do que as que acontecem contrahomens em situao similar. A violncia perpetrada no lar raramente atinge o marido e,quando isso acontece, de diminuta consequncia. Seus destinatrios preferenciais somulher, filhos e idosos.

    Nessa esteira, o prprio princpio da igualdade contm uma proibio de discriminar eimpe ao legislador a proteo da pessoa mais frgil no quadro social. Outrossim, no h

    inconstitucionalidade em legislao que fornece especial proteo mulher, assim como noh qualquer problema constitucional na tutela especial do menor e do idoso. Em relao aessas duas ltimas categorias, os diplomas legais protetivos j existem no ordenamento

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11741

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    5/10

    Revista mbito Jurdico

    jurdico h algum tempo, e sobre eles no se criou toda essa celeuma (Estatuto da Criana edo Adolescente - Lei 8.069/90 - e Estatuto do Idoso Lei 10.741/03, respectivamente).

    A condio hipossuficiente da mulher no contexto familiar fruto da cultura patriarcal, quefacilita sua vitimizao em situaes de violncia domstica. Nesse panorama, torna-se

    necessria a interveno do Estado em seu favor, de maneira a proporcionar os meios para oreequilbrio das relaes imanentes ao mbito familiar.

    Ao criar tais mecanismos especiais de proteo, tomando como base o gnero da vtima, olegislador utilizou o meio adequado e necessrio para coibir e prevenir a violncia domsticacontra a mulher. No se afigura desproporcional ou ilegtimo a utilizao do sexo como critriode diferenciao, visto que a mulher se encontra em posio eminentemente vulnervel notocante a constrangimentos fsicos e morais.

    Ademais, a norma em exame nada mais do que o corolrio da incidncia do princpio da

    proibio de proteo insuficiente dos direitos fundamentais.

    A norma protetiva coaduna-se com o princpio da isonomia e atende ordem jurdica,especialmente ao se levar em conta o necessrio combate ao desprezo s famlias,considerada a mulher como sua clula bsica.

    O postulado constitucional da igualdade material (substancial ou real) preconiza que asdesigualdades fticas existentes entre as pessoas devem ser reduzidas por meio dapromoo de polticas pblicas e privadas. Destarte, ao se tratar desigualmente os desiguais,promove-se a igualdade material, em detrimento da igualdade formal.

    Nessa esteira, a Lei Maria da Penha promove a igualdade em seu sentido material, semrestringir de maneira desarrazoada o direito das pessoas pertencentes ao gnero masculino.

    No desnecessrio sublinhar que reconhecer a condio hipossuficiente da mulher noimplica invalidar sua capacidade de reger a prpria vida. Trata-se, em verdade, de forma degarantir a interveno estatal positiva, voltada sua proteo e no sua tutela.

    4. Ao penal na leso corporal praticada com violncia domstica e familiar contra a

    mulher

    Questo igualmente polmica no meio jurdico consiste na natureza jurdica da ao penalnos crimes de leso corporal (art. 129 do Cdigo Penal), delito que provavelmente representao maior nmero de casos relacionados violncia domstica e familiar contra a mulher.

    Quanto leso corporal leve ou culposa, a regra geral que se procede medianterepresentao, ou seja, a ao penal pblica condicionada, por fora do artigo 88 da Lei9.099/95:

    Art. 88. Alm das hipteses do Cdigo Penal e da legislao especial, depender derepresentao a ao penal relativa aos crimes de leses corporais leves e leses culposas.

    Se no existisse esse dispositivo, a ao penal no crime de leso corporal leve ou culposaseria pblica incondicionada, considerando que o Cdigo Penal no exige representao para

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11741

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    6/10

    Revista mbito Jurdico

    este crime (art. 129 c/c art. 100, 1 do Cdigo Penal).

    Todavia, o artigo 41 da Lei 11.340/06 vedou expressamente a aplicao da Lei dosJuizados Especiais (Lei 9.099/95) aos crimes praticados com violncia domstica e familiarcontra a mulher, o que impede a incidncia do artigo 88, que atribui ao penal no crime de

    leso corporal leve ou culposa a natureza pblica condicionada. Isso significa que lesocorporal leve ou culposa aplica-se a regra geral que incide na leso corporal grave ougravssima, qual seja, de ao penal pblica incondicionada.

    H quem diga que a ao penal nesse delito permanece sendo pblica condicionada,concluso a que se chega pela interpretao do artigo 12 da Lei de Violncia Domstica eFamiliar contra a Mulher, que reza:

    Art. 12. Em todos os casos de violncia domstica e familiar contra a mulher, feito oregistro da ocorrncia, dever a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes

    procedimentos, sem prejuzo daqueles previstos no Cdigo de Processo Penal:

    I ouvir a ofendida, lavrar o boletim ocorrncia e tomar a representao a termo, se

    apresentada.

    Tambm auxilia esse entendimento a exegese do artigo 16 da Lei Maria da Penha, quepreceitua:

    Art. 16. Nas aes penais pblicas condicionadas representao da ofendida de que trataesta Lei, s ser admitida a renncia representao perante o juiz, em audinciaespecialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denncia e ouvido o

    Ministrio Pblico.

    Interessante notar a impropriedade tcnica do termo renncia, porque se o direito derepresentao j foi exercido (tanto que foi oferecida a denncia), no h falar-se emrenncia. Parece que o legislador quis referir-se retratao da representao, que possvel mesmo aps o oferecimento daquela condio especfica de procedibilidade da aopenal.

    Assim, se a Lei Maria da Penha estabelece uma audincia especial para a retratao darepresentao, demonstra que a ao penal na leso corporal leve praticada com violncia

    domstica e familiar contra a mulher pblica condicionada, pois no faria sentido prever apossibilidade de retratao da representao se essa condio no fosse exigida.

    Para essa corrente, o artigo 41 da Lei s veda medidas despenalizadoras que no integrema vontade da mulher (como transao penal e suspenso condicional do processo). Dessaforma, verificada a agresso com leso corporal leve ou culposa, pode a vtima, depois deacionada a autoridade pblica, recuar e retratar-se em audincia especificamente designadacom essa finalidade, desde que em momento anterior ao recebimento da denncia. Ajustificativa para esse raciocnio que se mostra importante que a mulher tenha poder dedecidir se deseja instaurar ou no a persecuo penal, por razes de poltica criminal e deproteo da famlia.

    Destaque-se tambm o fato de que eventual existncia de vcio de vontade da mulherofendida, ao proceder retratao, no pode ser tida como regra. Ou seja, os casos em que a

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11741

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    7/10

    Revista mbito Jurdico

    mulher se retrata da representao por presso do marido ou companheiro configuramexceo, que no se mostra aptos a justificar a adoo de determinado posicionamentojurdico.

    Ademais, persistir com um processo penal que a vtima no deseja levar adiante gera o

    risco de gerar movimentao intil da mquina estatal, medida que a mulher conciliada comseu agressor dificilmente ir colaborar com a instruo probatria em prejuzo do cnjuge oucompanheiro, culminando em absolvio por insuficincia de provas.

    Alm do mais, posicionamento diverso contraria a tendncia brasileira da admisso de umDireito Penal de Interveno Mnima, subtraindo meios de restaurar a paz no lar. Pblico eincondicionado o procedimento policial e o processo criminal, seu prosseguimento, no caso dea ofendida desejar extinguir os males de certas situaes familiares, s viria piorar o ambientedomstico, impedindo reconciliaes.

    No entanto, segundo a viso da doutrina majoritria e do Supremo Tribunal Federal, essaviso no deve prosperar.

    A violncia domstica contra a mulher decorre de deplorvel situao de domnio,provocada, geralmente, pela dependncia econmica da mulher. Sabe-se da desigualdadehistrica que a mulher vem sofrendo em relao ao homem. Tanto que, at 1830, o DireitoPenal Brasileiro chegava ao ponto de permitir ao marido matar a mulher quando aencontrasse em flagrante adultrio. Entretanto, o sistema jurdico ptrio vem evoluindo eencontrou seu pice na Constituio de 1988, ao assegurar em seu texto a igualdade entrehomem e mulher.

    Deve-se atribuir interpretao conforme a Constituio aos artigos. 12, I, 16 e 41 da Lei11.340/06, com a finalidade de consagrar a natureza incondicionada da ao penal em casode crime de leso corporal praticado mediante violncia domstica e familiar contra a mulher.

    Isso porque, se a ao penal fosse considerada condicionada, esta circunstncia acabariapor esvaziar a proteo constitucional assegurada s mulheres.

    Como se no bastasse, o projeto de lei que originou a norma previa representao, pormfoi alterado, razo pela qual se entende que a vontade do legislador que a ao penal

    permanea pblica incondicionada.

    Alm disso, a pena mnima do crime do artigo 129, 9 superior a dois anos, no seencaixando no limite material da Lei 9.099/95, no havendo que se falar em ao penalpblica condicionada.

    Demais disso, comum que mulheres, quando o crime dependa de representao,registrem ocorrncia na delegacia, mas, posteriormente, reconciliadas com seuscompanheiros ou maridos, retratem da representao e impeam a ao penal (Souza Nucci,2008, p. 1138).

    Assim, toda leso corporal praticada contra mulher no mbito das relaes domsticas crime de ao penal incondicionada, isto , o Ministrio Pblico pode dar incio ao penalsem necessidade de representao da vtima.

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11741

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    8/10

    Revista mbito Jurdico

    Na prtica, isso significa que, se uma mulher sofrer leses corporais no mbito das relaesdomsticas e procurar a delegacia relatando o ocorrido, o delegado no deve fazer com queela assine uma representao, uma vez que no existe mais essa condio deprocedibilidade para tais casos. Bastar que a autoridade policial colha o depoimento damulher e, com base nisso, havendo elementos indicirios, instaure o inqurito policial.

    Como j exposto, em caso de leso corporal leve ou culposa que a mulher for vtima, emviolncia domstica, o procedimento de apurao na fase pr-processual o inqurito policial,e no o termo circunstanciado.

    dizer, se a mulher que sofreu leso corporal leve de seu cnjuge ou companheiro,arrependida e reconciliada, procura o delegado, o promotor ou o juiz afirmando o desejo deque o inqurito ou o processo no tenha prosseguimento, esta manifestao no ter efeitojurdico algum, devendo a tramitao continuar normalmente.

    Se chegar a conhecimento da autoridade pblica que qualquer mulher teve sua integridadefsica violada no mbito domstico e familiar, o Estado obrigado a iniciar a persecuo penalpara apurar o fato, ainda que contra a vontade da mulher (manifestao de vontade que,nesse particular, passa a ser absolutamente irrelevante).

    Da aplicao desse entendimento no se conclui que todos os crimes praticados contra amulher, em sede de violncia domstica, so de ao penal incondicionada. Continuamexistindo crimes que so de ao penal condicionada, como a ameaa.

    Permitir mulher decidir sobre o incio da persecuo penal significa desconsiderar aassimetria de poder decorrente de relaes histrico-culturais, contribuindo para a diminuio

    de sua proteo e a prorrogando o quadro de violncia e discriminao contra a pessoa dosexo feminino. Bem assim, implica relevar os graves impactos emocionais impostos vtima,impedindo-a de romper com o estado de submisso.

    5. Escoro final

    Do exame dos juzos demonstrados, conclui-se que a Lei Maria da Penha est de acordocom a Constituio, tendo inaugurado uma fase de aes afirmativas em favor da mulher nasociedade brasileira. A Lei de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher traduzmecanismo especial de proteo conferida pela Constituio pessoa do sexo feminino.

    De outra banda, chega-se concluso que o delito de leso corporal praticado comviolncia domstica e familiar deve ser de ao penal pblica incondicionada.

    A Lei Maria da Penha possui fundamentao expressa de prevenir, punir e erradicar aviolncia contra a mulher, nos termos do artigo 3, 2 da norma.

    Nesse nterim, no constitui exagero inferir que no cabe mulher violentada definir se oagressor deve ou no ser punido, porquanto quase sempre h hierarquia entre vtima e autordo delito de violncia domstica. O problema de conduta no reside na mulher que apanha,seno no homem que bate.

    Na esteira do raciocnio delineado, fica evidente que a deciso sobre a persecuo penal doagente que espalha a violncia no prprio lar consiste em tarefa do Estado, e no da

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11741

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    9/10

    Revista mbito Jurdico

    fragilizada ofendida. Por esse motivo, Somente pela adoo desse entendimento que sepode concretizar a efetiva punio do agressor domstico pelo Estado, fazendo cessar o ciclode dominao do homem sobre a mulher hipossuficiente.

    Referncias

    Antonni, Rosmar, Tvora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPodivm,2009.Pinto, Ronaldo Batista, Cunha, Rogrio Sanches. Violncia domstica. So Paulo: Revistados Tribunais, 2007.Dias, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justia. So Paulo: Revista dos Tribunais,2007.Mirabete, Jlio Fabbrini. Processo penal. So Paulo: Atlas, 2001.Pacheco, Denilson Feitoza. Direito processual penal. Niteri: Impetus, 2006.

    Roxin, Claus. Poltica criminal y sistema del derecho penal. Barcelona: Bosch, 1972.Nucci, Guilherme Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. So Paulo: Revistados Tribunais, 2008.

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11741

  • 7/26/2019 Constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia domstica e fa

    10/10

    Revista mbito Jurdico

    C E R T I D O

    Certificamos para os devidos fins de direito e a quem interessar possa que

    Henrique Hoffmann Monteiro de Castro teve o trabalho intitulado: Constitucionalidade

    da Lei Maria da Penha e ao penal em leso corporal praticada com violncia

    domstica e familiar contra a mulher, publicado na Revista mbito Jurdico, Revista

    Jurdica Eletrnica N 102 - Ano XV - JULHO/2012 - ISSN - 1518-0360 , de

    01/07/2012, editada por mbito Jurdico - O seu portal na Internet, em:

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11

    741.

    Rio Grande, RS, 21 de Maro de 2013

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11741