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CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL Mauricio Moreira Mendonça de Menezes Mestre e Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor de Direito Comercial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO. 2. AS BASES DO PENSAMENTO OITOCENTISTA E A CODIFICAÇÃO. 3. A SOCIALIZAÇÃO DO DIREITO E O ADVENTO DAS CONSTITUIÇÕES PROGRAMÁTICAS .4. DO DECLÍNIO DO CONCEITUALISMO À JURISPRUDÊNCIA DE VALORES: NOVO PAPEL PARA AS CONSTITUIÇÕES. 5. METODOLOGIA JURÍDICA E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL 5.1. PENSAMENTO SISTEMÁTICO E A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS. 5.2. SUPREMACIA E FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. 6. CONCLUSÃO. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 1. INTRODUÇÃO. Sem receio de abordar tema já bastante comentado em sede doutrinária, tem o presente trabalho por escopo analisar, em linhas gerais, os reflexos do fenômeno denominado constitucionalização do Direito Civil. Como ponto de partida, é necessária breve exposição acerca da razão de ser do fenômeno, o qual tem sua origem relacionada à percepção da insuficiência dos instrumentos de Direito Privado na tutela plena do indivíduo, que passou a ser almejada por uma sociedade amadurecida pela experiência de duas grandes guerras. A realidade social exigiu, portanto, a revisão dos antigos institutos de Direito Privado que, embora concebidos com a justificativa na promoção do indivíduo e, posteriormente, do bem-estar social, mostraram-se incapazes de proteger a dignidade da pessoa humana. Neste raciocínio, é importante notar que o próprio conceito do que é Direito Público e o que é Direito Privado passou por reavaliações. A distinção entre os ramos da ciência jurídica encontra-se

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CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

Mauricio Moreira Mendonça de Menezes

Mestre e Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor de Direito Comercial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.

SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO. 2. AS BASES DO PENSAMENTO OITOCENTISTA E A CODIFICAÇÃO. 3. A

SOCIALIZAÇÃO DO DIREITO E O ADVENTO DAS CONSTITUIÇÕES PROGRAMÁTICAS.4. DO DECLÍNIO

DO CONCEITUALISMO À JURISPRUDÊNCIA DE VALORES: NOVO PAPEL PARA AS CONSTITUIÇÕES. 5. METODOLOGIA JURÍDICA E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL 5.1. PENSAMENTO SISTEMÁTICO

E A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS. 5.2. SUPREMACIA E FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. 6. CONCLUSÃO. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. INTRODUÇÃO.

Sem receio de abordar tema já bastante comentado em sede doutrinária, tem o presente trabalho

por escopo analisar, em linhas gerais, os reflexos do fenômeno denominado constitucionalização do

Direito Civil.

Como ponto de partida, é necessária breve exposição acerca da razão de ser do fenômeno, o qual

tem sua origem relacionada à percepção da insuficiência dos instrumentos de Direito Privado na tutela

plena do indivíduo, que passou a ser almejada por uma sociedade amadurecida pela experiência de duas

grandes guerras. A realidade social exigiu, portanto, a revisão dos antigos institutos de Direito Privado

que, embora concebidos com a justificativa na promoção do indivíduo e, posteriormente, do bem-estar

social, mostraram-se incapazes de proteger a dignidade da pessoa humana.

Neste raciocínio, é importante notar que o próprio conceito do que é Direito Público e o que é

Direito Privado passou por reavaliações. A distinção entre os ramos da ciência jurídica encontra-se

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atualmente em fase de reexame, mas a aproximação entre eles e sua interpenetração não são fenômenos

recentes1.

Logo, as presentes notas transitarão sobre aspectos da codificação oitocentista, das transformações

sócio-político-econômicas da sociedade moderna, da formação do Estado Democrático de Direito e de

seus reflexos na metodologia da ciência jurídica, hoje pautada em base axiológica e principiológica, cujos

contornos correspondem ao cerne do problema relativo à constitucionalização do Direito Civil.

Passemos, sem mais demora, à cativante reflexão sobre o tema de que se trata, em conformidade

com o programa acima estabelecido.

2. AS BASES DO PENSAMENTO OITOCENTISTA E A CODIFICAÇÃO.

A História das civilizações ocidentais modernas realça a importância dos valores da liberdade, da

igualdade e da fraternidade, símbolos da vitória da burguesia francesa contra o sistema de privilégios e

intensa segregação social, vigente sob a ordem do Antigo Regime.

Em poucos anos, os ideais libertários da Revolução Francesa vieram a se propagar pela Europa,

refletindo nos sistemas jurídicos adotados pelos Estados Nacionais que, naquela época, já se encontravam

organizados ou que estavam em vias de constituição.

Segundo relatam historiadores e juristas, os escopos maiores da Revolução seriam a humanização

dos direitos2 e a libertação das instituições, dentre as quais sobressaía o direito de propriedade, e,

1 A aproximação entre o Direito Público e o Direito Privado veio a ser tratada por MICHELE GIORGIANNI, particularmente no bojo do artigo intitulado O Direito Privado e as suas fronteiras atuais, publicado em 1961, na Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, p. 400-420 (Disponível on line em: www2.uerj.br. Acesso em: 21.12.2003). 2 Um dos registros da defesa dos direitos do homem e, portanto, da humanização dos direitos, é a Declaração de Direitos do Homem de 1789, comentada por PAULO BONAVIDES, nos seguintes termos: A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana. A universalidade se manifestou pela vez primeira, qual descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célebre Declaração de Direitos do Homem de 1789 (...) Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade. (Curso de Direito Constitucional, p. 516).

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substancialmente, a propriedade do solo, que se deveria exercer de modo absoluto e incondicional,

justamente por ter representado, no sistema feudal, sinônimo de poder do senhor da terra e subjugação do

detentor do domínio útil diante daquele.

Logo, o pensamento liberal, fundado na razão, vinha pautado na supremacia do indivíduo e,

sobretudo, na legitimação da vontade individual como caminho cabal para a plena realização de seus

interesses, principalmente os de natureza patrimonial, cujo acesso era antes reservado a classes

privilegiadas, nomeadamente a nobreza e o clero.

Como resultado das colocações acima articuladas, pode-se visualizar o conjunto das principais

características do movimento sócio-político-econômico que influenciara o pensamento jurídico do início

do Século XIX: liberalismo, racionalismo, voluntarismo3, individualismo e patrimonialismo.

Evidentemente, a ab-rogação do regime absolutista só seria possível mediante a edificação de um

conjunto completo de normas jurídicas, tendentes a viger por longo tempo, suficiente para a sedimentação

do novo paradigma revolucionário, conduzindo à estabilidade da nova ordem social.

Em resposta a esse anseio histórico, ressurgia o movimento codificador, posto em prática por

várias vezes na História do Direito europeu, normalmente para renovar, de modo global e sistemático, o

conjunto de regras aplicáveis à determinada sociedade, em determinada época.

Pode-se afirmar que os Códigos modernos, em vigor na Europa a partir do final do século XVIII,

tinham em comum as seguintes características: (i) sob o ponto de vista formal, eram sistemáticos, ou seja,

ordenados de modo irrepreensivelmente organizado; (ii) partiram da existência de uma ordem jurídica que

deveria ser cientificamente reformada, representando um sistema fechado, logicamente concatenado e

completo, cujas normas pretendiam viger eternamente; (iii) universalidade, de sorte que os Códigos não

mais deveriam conhecer fronteiras, podendo ser aplicados livremente como Direito subsidiário de um ou

vários países, daí se explicando a exportação dos Códigos franceses e, mais tarde, do Código Civil

alemão.

3 A doutrina nomeada voluntarismo tem suas origens vinculadas à corrente filosófica de SANTO AGOSTINHO (354-430 d. C.), que via na vontade de DEUS a única fonte de direito. Pelo voluntarismo, o direito é produto de uma vontade, seja esta de natureza divina ou humana, tenha ou não origem em um ato do legislador ou do príncipe, razão pela qual seu conteúdo é prima facie arbitrário. Nos termos empregados por ANTÔNIO MANUEL HESPANHA, a atitude do voluntarismo não é, de modo algum, pensar o direito mas, em vez disso, obedecer o direito (Panorama Histórico da Cultura Jurídica Européia, p. 111).

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Pelas razões históricas anteriormente registradas, o melhor exemplo do legalismo se verificou na

França, cuja reforma legislativa representou não apenas a ruptura com os valores vigentes no período

anterior à Revolução, mas inclusive a unificação do Direito, antes fragmentado pelas diversas regiões do

território francês.

Nesse sentido, os Códigos Napoleônicos4 tendiam à completa consolidação do Direito vigente,

compilando exaustivamente cada uma de suas principais disciplinas em torno de um único monumento

legislativo, valendo destacar o Código Civil de 1804, o Código Comercial de 18085 e o Código Penal de

1810. À doutrina, cabia proceder à interpretação submissa da lei, atendo-se o mais possível à vontade do

legislador histórico (daí a Escola da Exegese, formada por grandes comentadores do Code Civil). Aos

juízes competia o papel de meros aplicadores da lei, consistindo, segundo MONTESQUIEU, a boca que

pronuncia as palavras da lei, explicando-se essa reação pelo poder que a magistratura ganhara durante o

Antigo Regime, em virtude da estrutura casuística da ordem jurídica do ius commune. Os magistrados, em

virtude do princípio rígido da separação de poderes, estavam impedidos de exercer qualquer função

criadora nos julgamentos (cuja prerrogativa era do legislador). Historiadores relatam o episódio em que

Napoleão, indignado com a interpretação divergente que os Tribunais franceses deram a mesmos artigos

do Código Civil, levou as mãos à cabeça, vociferando: On a détruit mon Code!.

O sistema das codificações era, então, excessivamente centrado no indivíduo, sendo o Direito

Privado o regime que garantia o poder da vontade do sujeito. O indivíduo era tido como centro do sistema,

podendo, se assim fosse de sua vontade, restringir sua própria liberdade por meio do contrato.

4 Segundo FRANZ WIEACKER A ligação do jusnaturalismo com o iluminismo produziu, primeiro nos estados absolutos do centro e do sul da Europa, depois na Europa ocidental após o processo revolucionário francês, uma primeira grande onda das codificações modernas. Apesar do caráter muito facetado das circunstâncias do seu aparecimento, estes códigos apresentam um idêntico perfil espiritual. Distinguem-se de todas as anteriores redacções de direitos desde logo pelo facto de que eles não fixam, ordenam ou melhoram direito já existente, nem pretendem completá-lo (como, por exemplo, as Ordonnances francesas e as Reformationen alemãs do séc. XVI); eles dirigem-se antes a uma planificação global da sociedade através de uma reordenação sistemática e inovadora da matéria jurídica. (História do Direito Privado Moderno, p. 365/366). 5 Conforme J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito Comercial, Vol. I, p. 75), o Código fora aprovado pelo Parlamento Francês em setembro de 1807, passando a viger a partir de 1808. Daí a razão pela qual o Código Comercial Francês é também indicado como Código de 1807.

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A codificação do Direito Privado representava, portanto, a constituição da vida privada, e o Direito

Civil, identificado com o Código6, regulava todas as questões afetas aos indivíduos, desde seu nascimento

até sua morte. A esse respeito, relata a doutrina a importância do trabalho de sistematização realizado por

JEAN DOMAT, primeiro a separar as leis civis das públicas e cuja obra contribuiu para a delimitação do

conteúdo do Código de Napoleão7.

A intenção do Código era preservar o poder da vontade do indivíduo como mola mestra do Direito

Privado e assim, mantê-lo a salvo de interferências estatais indevidas. O contrato e a propriedade eram os

sustentáculos desse sistema individualista, e nessa seara a autonomia da vontade era exercida em sua

plenitude. Acreditava-se que, uma vez asseguradas a propriedade, a liberdade de contratar, a força dos

contratos e a efetividade dos diversos negócios jurídicos, protegido estaria o indivíduo em sua plenitude

contra o poder público.

Era possível, pois, facilmente delimitar os campos de atuação do Direito Público e do Direito

Privado. O primeiro representava as normas editadas pelo Estado para a tutela de interesses gerais,

enquanto o segundo cuidava dos direitos naturais e inatos dos indivíduos, com o escopo de regular todos

os aspectos da vida do homem em sociedade. Ao Estado, só era reconhecido o poder de impor limites aos

indivíduos quando em prol deles próprios, cabendo ao Código Civil assegurar a plena liberdade para o

exercício ilimitado dos direitos subjetivos.

Por conseguinte, o Código vigia ao lado da Constituição dos Estados, à qual cabia disciplinar as

relações das quais participasse o Poder Público, e, relativamente ao indivíduo, protegê-lo frente ao poder

6 O Direito Civil era então o que estivesse previsto no Código Civil. Essas codificações tinham a pretensão de exaurir toda a matéria civilista e proteger o indivíduo e seus interesses em sua totalidade. Nesse sentido, MARIA CELINA BODIN DE MORAES: O direito civil foi identificado, a partir daí, com o próprio Código Civil, que regulava as relações entre as pessoas privadas, seu estado, sua capacidade, sua família e, principalmente, sua propriedade, consagrando-se como o reino da liberdade individual. Concedia-se a tutela jurídica para que o indivíduo, isoladamente, pudesse desenvolver com plena liberdade a sua atividade econômica. As limitações eram as estritamente necessárias a permitir a convivência social. Emblemática, em propósito, é a concepção que no Code se tem da propriedade, seu instituto central, ali definida como o “direito de gozar e dispor dos bens na maneira mais absoluta". (A caminho de um direito civil constitucional. Disponível on line em: www2.uerj.br. Acesso em: 21.12.2003). 7 JULIO CESAR FINGER (em seu artigo Constituição e direito privado: algumas notas sobre a chamada constitucionalização do direito civil) sustenta, com base no magistério de CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA e MARIA CELINA BODIN, a existência de um certo equívoco ao se atribuir a divisão entre Direito Público e Privado ao Direito Romano. O Jus Civile era então um direito dos cidadãos, que mais se aproxima hoje do que classificamos como Direito Público.

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de império do Estado. Sob esse ponto de vista, a doutrina clássica não admitia a aplicação das normas

constitucionais às relações entre os particulares, cuja disciplina, como já observado, se encerrava nos

Códigos de Direito Privado.

Por tudo que se disse, conclui-se que o Direito Civil ostentava, nessa etapa histórica, a função de

assegurar e promover os direitos reconhecidos na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão,

concebida após a Revolução Francesa. Surgia o Estado Liberal apoiado na igualdade (formal) dos

indivíduos perante a lei.

Esse modelo, inicialmente elogiável por refletir o primeiro passo evolucionista da sociedade

feudal, provocou iniqüidades produzidas pelos titulares do poder econômico, cuja liberdade ilimitada,

aliada à busca incessante de bens e riqueza, agravou a situação existencial de milhares de famílias, que, já

na segunda metade do Século XIX, se viram compelidas a se organizar em defesa de interesses comuns.

Logo, simultaneamente ao substancial desenvolvimento da economia capitalista, houve a

intensificação da luta social a partir do último quarto do Século XIX e início do Século XX. Uma época de

intensa transformação sócio-político-econômica se desenhava, trazendo efetiva mudança de paradigma no

pensamento jurídico, como se passará a expor, nas linhas que seguem.

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3. A SOCIALIZAÇÃO DO DIREITO E O ADVENTO DAS CONSTITUIÇÕES PROGRAMÁTICAS.

Os movimentos sociais, ao lado do advento da sociedade de massa e das graves conseqüências

resultantes da Primeira Guerra Mundial, levaram os Estados Nacionais a tomar providências tendentes ao

apaziguamento de conflitos sociais, em busca de uma justiça social.

No campo legislativo, pouco a pouco foram sendo incorporados às Cartas de direitos os chamados

direitos de segunda geração, que buscavam assegurar maior proteção aos particulares, abrangendo outras

searas até então inimagináveis, como os direitos sociais (como saúde, educação e trabalho).

Ao contrário dos direitos designados como de primeira geração, nomeadamente aqueles

mencionados em documentos históricos, sobretudo nas Declarações de Direitos (Magna Carta, de 1215,

Habeas Corpus Act, de 1679; Bill of Rights, de 1688, Declarações de Direitos americanas do Séc. XVIII,

Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 e sua Primeira Emenda, ratificada em 1791;

Declaração Francesa, de 1789), os direitos sociais, tidos como de segunda geração, não se propunham a

dirigir ao Estado certos deveres de abstenção, mas sim criavam para o último verdadeiras obrigações de

fazer.

O exemplo mais significativo dessa positivação de direitos sociais foi a Constituição de WEIMAR,

de 19198, tida como a primeira Constituição dirigente, dotada de normas com conteúdo programático e

que, além das funções organizadora dos poderes do Estado e garantidora de direitos individuais, dispôs

sobre a ordem econômica e social, sinalizando a intervenção estatal nas relações privadas9.

8 Conforme registrado por GISELDA HIRONAKA, a Constituição alemã de 1919 foi a primeira a reconhecer a funcionalização do direito de propriedade, impondo deveres ao titular do domínio. O art. 153 dessa Carta dispunha que: A propriedade obriga. Seu uso deve ser igualmente feito no interesse geral (A função social do contrato, Revista de Direito Civil, nº 45, p. 141 e ss.). 9 Segundo renomados constitucionalistas, a Constituição de WEIMAR não chega a ser um modelo de constituição social, que efetivamente surgiu após os estragos causados pela Segunda Guerra Mundial. A esse respeito, confiram-se os comentários de PAULO BONAVIDES: Desaparelhado de ferramentas teóricas com que interpretar e caracterizar os novos institutos e princípios introduzidos nas Constituições por efeito de comoções ideológicas, cuja intensidade se fez sentir acima de tudo durante o período subseqüente à Primeira Guerra Mundial, o velho Direito Constitucional entrou em crise. A Constituição de Weimar foi fruto dessa agonia: o Estado liberal estava morto, mas o Estado social ainda não havia nascido. As dores da crise se fizeram mais agudas na Alemanha, entre os seus juristas, cuja obra de compreensão das realidades emergentes se condensou num texto rude e imperfeito, embora assombrosamente precursor, de que resultariam diretrizes básicas e indeclináveis para o moderno constitucionalismo social. (Curso de Direito Constitucional, p. 207).

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O fenômeno da socialização do Direito e o surgimento do Estado Social é marcante a partir dos

anos 30, notadamente pela política assistencialista e intervencionista, conhecida, nos Estados Unidos,

como New Deal. Surgia assim o Welfare State, contraposto ao Estado Liberal mínimo, outorgando à

sociedade uma legislação social garantidora de direitos voltados para assegurar a estabilidade da ordem

social10.

O declínio do direito individual corresponde, assim, ao resgate da Doutrina Social, já presente no

Direito Canônico, com SANTO TOMÁS DE AQUINO, cuja filosofia foi retomada pela chamada Doutrina

Social da Igreja. Pela influência sócio-política do Governo Pontifício nas civilizações ocidentais, a

orientação vaticana bem reflete os caminhos pelos quais transitava a sociedade moderna11.

Essa tendência foi fortalecida pelos valiosos esforços de correntes doutrinárias e filosóficas do

final do Séc. XIX, trazidas pelos avanços dos métodos empregados pelas ciências em geral, sobretudo no

campo das ciências naturais, em que o empirismo havia concorrido para a ampliação do conhecimento

humano. Nasce nesse contexto o naturalismo jurídico12, que procura analisar o Direito a partir da realidade

social da qual decorre, ou, melhor, com a qual se identifica, vez que o Direito passa a ser visto como o

próprio fato social13.

10 Relativamente ao Estado Social e suas reflexões no direito privado confira-se o excelente artigo de GUSTAVO TEPEDINO, As Relações de Consumo e a Nova Teoria Contratual (Temas de Direito Civil, p. 199-215). 11 Da concepção filosófico-tomista surgiram várias encíclicas papais, valendo citar a Rerum Novarum, de Leão XII (1891), reconhecendo à propriedade privada uma função social, por sua utilidade comum a todos, ressalvando, no entanto, a iniciativa privada, como garantia da liberdade e da dignidade humana. Há ainda a Encíclica Quadragésimo Anno, de Pio XI (1931), na qual se defende a necessidade de intervenção estatal para fins sociais. Na mensagem papal conhecida como Oggi (1944), publicada às vésperas do término da Segunda Guerra Mundial, o Papa Pio XII fez alertas para as injustiças do capitalismo moderno, onde alguns poucos detêm a maior parte, em detrimento dos menos favorecidos e mais injustiçados, fazendo pedidos no sentido de que fosse regulamentado o uso da propriedade e sua expropriação, como sanção àqueles que não dessem à propriedade um uso harmonioso com o interesse comum. Para maiores informações sobre a Doutrina Social da Igreja, vide os comentários de GISELDA HIRONAKA (Revista de Direito Civil, nº 45, p. 141 e ss). 12 HESPANHA, op. cit., p. 197. 13 FRANZ WIEACKER anota sobre o naturalismo jurídico as linhas a seguir reproduzidas: (...) No entanto, as novas respostas patenteiam agora a face de um século em que as ciências naturais e do espírito tentaram explicar causalmente a realidade. A partir daqui, o direito positivo não se legitima já por uma idéia de justiça situada acima do direito e que se basta a si mesma como objectivo, mas como produto de meios e fins da realidade imanente, os quais já não se relacionam com uma justiça supra-real. Na medida em que ‹‹causas››, ‹‹fins›› e ‹‹motivos›› pertencem a uma realidade interpretada mecanicista ou vitalisticamente mas, necessariamente, à ‹‹natureza›› externa ou à ‹‹vida››, todas essas tentativas de legitimação podem ser descritas conjuntamente como naturalismo jurídico. A este naturalismo foram buscar refúgio, após a crise do positivismo, pensadores da maior autenticidade moral como também, mais tarde, o mais descarado desprezo do direito. O seu impulso

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Com origem nesse movimento, várias escolas ganharam notoriedade, dentre as quais merecem ser

citadas a jurisprudência teleológica (RUDOLF V. JHERING), a jurisprudência dos interesses (PH. HECK e a

Escola de Tübingen, cujos principais representantes foram MAX RÜMELIN, OERTAMNN e MÜLLER-

ERZBACH), e, enfim, o positivismo sociológico e o institucionalismo (AUGUSTO COMTE e, no meio

jurídico, ÉMILE DURKHEIM, que é apontado, dentre os seguidores do positivismo sociológico, como um

dos mais importantes críticos da pandectística, defendendo, em resumo, a objetivação da ordem social,

que se deveria basear nas solidariedades sociais objectivas geradas pela especialização e pela divisão das

funções sociais14).

4. DO DECLÍNIO DO CONCEITUALISMO À JURISPRUDÊNCIA DE VALORES: NOVO PAPEL PARA AS

CONSTITUIÇÕES.

Não obstante o fenômeno da socialização e o advento das correntes filosóficas acima referidas,

ainda prevalecia, no estudo científico do Direito das primeiras décadas do Séc. XX, a dogmática da escola

conceitualista clássica, que teve na pandectística alemã sua mais sofisticada expressão.

Desenganadamente, o artificialismo dos dogmas jurídicos colaborou para a ampliação da distância

que se formara entre o discurso científico e as exigências do cotidiano. Essa distância conheceu seu ápice

com a publicação da Teoria Pura do Direito, de HANS KELSEN (1934). O Direito reduziu-se a um conjunto

de normas em vigor, permitindo a ascensão de movimentos políticos que promoveram verdadeiras

atrocidades humanas sob o manto da legalidade. De fato, os ordenamentos jurídicos alemão e italiano,

vigentes durante o nazismo e o fascismo, vinham pautados em belíssimos monumentos legislativos,

caracterizados por sua elogiável sistematicidade e elevada sofisticação técnica.

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a idéia de ordenamento, formalmente coerente e insensível a

valores, deixou de ostentar legitimidade perante a comunidade científica.

original foi constituído pela paixão pela verdade na concepção da realidade social e pela consideração das tarefas da moral social prática, então negada pelo formalismo da ciência jurídica e pelo positivismo legal. (História do Direito Privado Moderno, p. 651). 14 HESPANHA, op. cit., p. 202.

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Por conseqüência, o declínio do positivismo jurídico corresponde à intensa reaproximação entre

ética e direito, ocorrida a partir da segunda metade do Séc. XX.

Logo, diante dos resultados daquela Segunda Grande Guerra, surge com forte intensidade o

movimento de solidariedade social, que posteriormente foi recepcionado pela Filosofia e pelo Direito,

positivando-se nas Constituições e dando origem a outros princípios de alto conteúdo axiológico, como os

princípios da justiça social, da igualdade material e do primado da pessoa humana.

Nos termos salientados por PERLINGIERI, a ciência jurídica mostrou-se suscetível a esse

movimento, evoluindo naturalmente de uma jurisprudência de interesses para uma jurisprudência de

valores. Reproduza-se adiante a lição do acadêmico15:

A jurisprudência de valores constitui, sim, a natural continuação da jurisprudência dos interesses, mas com maiores aberturas para com as exigências de reconstrução de um sistema de “Direito Civil-Constitucional”, enquanto idônea a realizar, melhor do que qualquer outra, a funcionalização das situações patrimoniais àquelas existenciais, reconhecendo a estas últimas, em atuação dos princípios constitucionais, uma indiscutida preeminência. Mesmo interesses materiais e suscetíveis de avaliação patrimonial, como instrumentos de concretização de uma vida digna, do pleno desenvolvimento da pessoa e da possibilidade de libertar-se das necessidades (libertà dal bisogno), assumem papel de valores.

Concomitantemente, emergem os direitos fundamentais de terceira geração, fundados na premissa

de que o indivíduo, enquanto pessoa humana, é um ser social e pertencente a grupos sociais, os quais,

como extensão da pessoa, devem ser protegidos e devem, igualmente, ter acesso aos remédios cabais que

tornem efetiva tal proteção.

Caracterizam-se, portanto, os direitos de terceira geração, pelo redimensionamento da titularidade

dos direitos fundamentais, reconhecendo-se a existência de direitos que transcendem os individuais. Como

exemplos, podem ser arrolados, sem pretensão de exaustão, o direito à paz, ao meio ambiente e à proteção

do patrimônio histórico e cultural.

Os reflexos da maior intervenção estatal em prol da igualdade material puderam ser sentidos no

Direito Civil. O espaço que se produziu entre realidade normativa e a social tornou necessária uma intensa

15 Perfis do Direito Civil, p. 32.

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produção legislativa, para disciplinar uma série de situações que não encontravam tutela no Direito

codificado.

Face, portanto, à insuficiência dos códigos, foram sendo criados microssistemas jurídicos,

informados por princípios diferenciados, disciplinando os novos fatos sociais não regulados pelas

codificações oitocentistas. Com referência a essa legislação extravagante, podem ser citados, no

ordenamento jurídico brasileiro, as leis de direitos autorais, de condomínios e incorporações, de registros

públicos, os antigos Estatuto da Mulher Casada e Lei do Divórcio, a Lei do Inquilinato, o Estatuto da

Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, entre muitos outros diplomas

especializados.

Esses universos legislativos passaram a ser mais aplicados que o próprio Código Civil, que, assim,

deixou sua posição central no ordenamento jurídico: aqui se reconhece o movimento designado como

descodificador, diametralmente oposto àquele verificado nas sociedades pós-revolucionárias do Séc. XIX.

A esse respeito, o professor GUSTAVO TEPEDINO, em aula inaugural proferida na Faculdade de

Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro16, em 1992, já alertava para a gravidade da doutrina,

pontificada principalmente por NATALINO IRTI, que identificava na descodificação a substituição do

monossistema (outrora presidido pelo Código Civil) pela noção de polissistema, constituído pela

sobreposição de diversos microssistemas legislativos, correspondentes a universos isolados e

independentes, que dispensariam qualquer método de integração de suas normas.

Ensina o civilista que a doutrina do polissistema, analisada sem maiores reflexões, conduz à

indesejável fragmentação do sistema jurídico, permitindo a convivência de universos legislativos isolados,

responsáveis pela disciplina completa dos diversos setores da economia, em claro detrimento dos

requisitos de unidade e ordenação, bem conceituados pelo pensamento sistemático de CANARIS.

Com efeito, sustenta o jurista que a busca pela integração dos estatutos jurídicos setorizados – cuja

existência não se pode negar – remete o intérprete à Constituição, à vista de seus princípios, de elevado

conteúdo axiológico.

16 Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil, p. 8.

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Nessa ordem de idéias, a Constituição passa a figurar como elemento centralizador do sistema

jurídico, unificando-o, ordenando-o e, em suma, harmonizando, com seus princípios, os mais diversos

universos legislativos.

Ao lado dessa construção, cumpre trazer à baila uma outra constatação, que atuou diretamente na

ascendência do Estado Democrático de Direito: o Estado do Bem-Estar Social foi gradativamente

perdendo seu charme de redentor17, gerando descrença em seu potencial como instrumento do progresso e

do desenvolvimento econômico. O Estado inflado começa a ser relacionado à ineficiência, à morosidade, à

burocracia e à corrupção, a ponto de se reconhecer sua incapacidade para o cumprimento de suas funções,

tornando imperiosa a reformulação de suas estruturas.

Desponta, então, o modelo do Estado Democrático de Direito, que vem acentuar a influência das

Cartas Constitucionais nos diversos ramos do Direito, especialmente no que se refere aos direitos

fundamentais. Trata-se de um Estado comprometido com a realização máxima dos direitos da pessoa.

Na história das civilizações modernas, a construção do Estado Democrático de Direito está

relacionada à Lei Fundamental de Bonn, de 1949, e à sua forte influência na grande maioria das

Constituições européias do pós-segunda guerra mundial. No ordenamento pátrio, embora com um certo (e

costumeiro18) atraso, as contribuições da Lei Fundamental de Bonn e de seus intérpretes progressistas

tiveram forte ascendência sobre o sistema constitucional de 1988.

17 A expressão é de Luís Roberto Barroso, empregada no artigo Agências Reguladoras. Constituição, Transformações do Estado e Legitimidade Democrática. Nesse texto, o autor procede a uma breve e bem humorada análise das mutações no papel do Estado, em especial do Estado Brasileiro. 18 Interessante colocação faz LUÍS ROBERTO BARROSO (op. cit.) com relação à maneira como foi sentida a evolução entre pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade, no ordenamento brasileiro, afirmando que: Não se deve encobrir, artificialmente, a circunstância de que o Brasil chega à pós-modernidade sem ter conseguido nem ser liberal nem ser moderno. De fato, no período liberal, jamais nos livramos da onipresença do Estado. A sociedade brasileira, historicamente, sempre gravitou em torno do oficialismo. As bênçãos do poder estatal sempre foram – ressalvadas as exceções que confirmam a regra – a razão do êxito ou do fracasso de qualquer projeto político, social ou empresarial que se pretendesse implantar. Este é um traço marcante do caráter nacional, com raízes na colônia, e que atravessou o Império, exacerbou-se na República Velha e ainda foi além.

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Por tudo que se disse, a nova ordem de valores pós Segunda Guerra e a ascensão do Estado

Democrático projetaram-se no Direito e, particularmente, no pensamento sistemático, em termos que serão

especificamente comentados adiante.

5. METODOLOGIA JURÍDICA E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL.

5.1. Pensamento sistemático e a função dos princípios.

A análise científica do fenômeno da constitucionalização do Direito Civil passa pelo estudo dos

métodos empregados pela Academia para a construção e a obtenção do Direito.

Nem sempre o Direito foi entendido como uma ciência e tampouco como um sistema. Antes, na

Idade Média, conviviam, na mesma época e em determinado local, diversos ordenamentos. Era o

particularismo. O Direito não era uma estrutura ordenada, aplicável de forma idêntica a todos. A lei não

era considerada manifestação da vontade geral e os juízes não necessitavam, portanto, tratar de forma

igual, situações iguais.

Com o jus-racionalismo, a doutrina impôs-se a necessidade de sistematização das normas

jurídicas, o que foi feito mediante o emprego do mesmo modelo utilizado para as ciências matemáticas, de

modo que os fenômenos jurídicos eram decompostos em partes mais simples, examinados quanto à sua

regularidade e, após, agrupados em sistemas mais amplos. Outro método que teve inspiração na

matemática é o indutivo, no qual, ao invés da decomposição dos fenômenos, esses eram observados por

ocasião de sua concretização e, então, extraídos os princípios. Nota-se então que, no primeiro método, os

conceitos jurídicos eram tidos como grandezas matemáticas, ou seja, não importando sua ocorrência ou

não na realidade social. Já no processo indutivo, os princípios gerais eram determinados pela observação

dessa realidade.

Em pouco tempo, a concepção sistemática do Direito provocou interessantes desdobramentos e

profundas discussões em torno do método jurídico, dentre as quais merece ser destacada a controvérsia em

torno das noções de sistema fechado e sistema aberto.

A idéia de sistema fechado proveio da crença pela qual a sociedade deveria se proteger contra as

arbitrariedades do Estado. Para a burguesia ascendente, que ansiava por liberdade, bastava a não

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intervenção Estatal. A segurança jurídica impedia que o juiz fosse mais do que a boca que fala a lei.

Nesse cenário, a melhor opção era o modelo fechado de sistema: aquilo que nele não estivesse contido

estaria automaticamente dele excluído. Diante de todo e qualquer conflito, o intérprete encontrava a

solução no próprio sistema, que se bastava e se esgotava em si mesmo.

Em contraposição à idéia de sistema fechado e auto-suficiente, erigiu-se a concepção de sistema

aberto, não havendo, porém, uniformidade na sua definição e podendo ser apontado o emprego da

expressão em pelo menos duas diferentes acepções. Uma primeira considerava aberto o sistema no qual a

ordem jurídica fosse construída por obra da jurisprudência, aliada ao emprego de noções da tópica. Ou

seja, uma ordem permeável, diferentemente da dominada pelas codificações.

No outro sentido, a abertura é entendida como uma incompletude proposital do sistema, necessária

para tornar possível a evolução e a mutação da ordem jurídica. Porém, como bem adverte CANARIS, a

abertura não deve ser confundida com a mobilidade do sistema, ainda que ambas se refiram à

mutabilidade do sistema. A concepção da mobilidade, conforme os ensinamentos do estudioso, é relevante

porque torna possível a existência de sistemas fechados, porém, móveis, ou, ao menos, com aspectos

mutáveis. Caracteriza-se a mobilidade pela falta de escolhas por parte do legislador, pela ausência de

valorações, as quais poderão ser determinadas mediante as particularidades do caso concreto.

Segundo a lição de CANARIS19, as características de ordenação e unidade sobressaem dentre as

várias definições de sistema jurídico. Sustenta o jurista alemão que o postulado de justiça (tratar o igual de

modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença) conduz à exigência de ordem e

unidade, a primeira vinculando tanto o juiz quanto o legislador a agirem com adequação valorativa (ou

seja, estão eles adstritos a retomar e repensar os valores encontrados, procedendo com adequação) e a

segunda tendente a garantir a ausência de contradições na ordem jurídica (o que poderia ser admitido, na

hipótese de o sistema ser fracionado por diferentes ordens desconexas, cada qual com soluções próprias

para o enfrentamento dos mesmos problemas concretos).

O sistema deve ser axiológico, vez que o ordenamento ao qual corresponde é de natureza

valorativa (porquanto derivado a partir da regra de justiça). Mas essa afirmativa não representa que se

19 Para o autor, a discussão metodológica mais importante do direito privado no Século XX, travada entre a jurisprudência dos conceitos e a jurisprudência de valores, nada mais foi que a controvérsia sobre o sentido, a forma e os limites do sistema jurídico (Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, p. 6).

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devam perquirir todos os valores existentes em uma sociedade, num dado momento, pois que esse método

acabaria por comprometer o requisito de unidade do sistema, cingido-o a um aglomerado de valores.

Portanto, o jurista, ao deparar-se com um conflito, não deve levar em consideração valores singulares. Ao

contrário, deve aprofundar sua pesquisa, seguindo uma orientação teleológica, para encontrar os valores

fundamentais do ordenamento, consolidados em seus princípios gerais. Só assim os valores singulares

libertam-se do seu isolamento aparente e reconduzem-se à conexão, produzindo o grau de generalização

que se impõe para a percepção de unidade do sistema jurídico.

A unidade do ordenamento, brevemente comentada nas linhas acima articuladas, permite a

continuidade do estudo do Direito mesmo em épocas de superação dos conceitos outrora arraigados aos

institutos jurídicos. A idéia de sistema satisfaz as exigências de unidade, que é conferida pelos princípios

que exprimem os valores essenciais que informam a ordem jurídica e lhe conferem individualidade e

identidade. Além disso, a unidade do ordenamento é essencial para que o sistema jurídico possa cumprir o

seu papel. Ela deixa de existir, entretanto, se não houver uma norma fundamental, apta a conferir validade

às demais normas e a informar todo o tecido normativo. Nesse sentido, ensinou o brilhante filósofo

NORBERTO BOBBIO20

que cada ordenamento tem uma norma fundamental e essa norma fundamental que

dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um

conjunto unitário que pode ser chamado 'ordenamento'.

Como decorrência da noção de unidade do sistema, e da hierarquia das normas, tem-se que os

valores propugnados por essa norma fundamental influem em todos os recantos do ordenamento jurídico,

não podendo ser o Direito Privado considerado como imune a esta influência. Deixando o Código Civil de

ocupar a posição central da ordem privada, o requisito da unidade é satisfeito pelas normas

constitucionais, à luz do reconhecimento da força normativa e da supremacia da Constituição, fundamento

de validade do ordenamento.

Essa abordagem necessariamente enfrenta a discussão sobre o arrefecimento da dicotomia entre o

Direito Público e o Direito Privado. Isso porque o processo de aproximação entre o regime jurídico das

relações privadas e os princípios e valores constitucionais impede que sejam tais relações examinadas de

modo estritamente autônomo de seu contexto sócio-político-econômico. Nesse raciocínio, as normas de

direito privado, já interpretadas sob a orientação de valores constitucionais, assumem significativa

20 Teoria do Ordenamento Juridico, p. 49.

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relevância política para determinado ordenamento, daí surgindo a necessidade de se tutelar interesses que,

se antes eram tidos como privatísticos, hoje são recebidos como categoria jurídica diversa, chamadas por

vezes como interesses coletivos ou difusos ou, ainda, individuais homogêneos21.

Nota-se, assim, a importância do estudo da sistemática na análise da crise de fontes normativas22.

Atualmente, constata-se a dificuldade da atividade legiferante acompanhar, por exemplo, a evolução

tecnológica, devendo o intérprete e o aplicador do Direito, diante de determinadas lacunas, procurar

respostas no próprio sistema (como, por exemplo, vem sendo feito pelos juristas em questões geradas pela

evolução tecnológica no campo da biogenética)23.

Muito embora as normas jurídicas não consigam acompanhar as transformações da realidade

social, não se pode admitir o descompasso entre o ordenamento jurídico e o universo que ele pretende

regular. Nesse sentido é o ensinamento de PERLINGIERI24:

21 A esse respeito, confira-se a clássica passagem elaborada por MICHELE GIORGIANNI: A nova face é perfeitamente adequada à função assumida pelo Direito Privado na sociedade atual, função que se revela prepotentemente nas relações com o Direito Público, ainda que nas incertezas que acompanham a "crise" da summa divisio do direito. Assiste-se, assim, ao lento declínio da concepção, própria da publicística do final do século XIX, da supremacia do Direito Público sobre o Direito Privado, a qual cede a formulações menos acentuadas ou mais agnósticas, enquanto se faz cada vez mais insistente e menos tímidas as tentativas de reavaliação da autonomia privada. No que, seja dito por inciso, se deveria perceber uma ulterior contradição com o afirmado clima de "publicização" do Direito Privado, se não se tratasse de dois fenômenos que se movem sobre dois planos diversos, come vimos acima. Em particular, aquela reavaliação da autonomia privata constitui simplesmente uma manifestação de alinhamento à comum reação contra o positivismo normativista (O Direito Privado e as suas fronteiras atuais. On line. Disponível em: www2.uerj.br. Acesso em: 21.12.2003). 22 Sobre o tema, vale conferir o artigo do professor GUSTAVO TEPEDINO, Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002, cujos dados estão indicados nas referências bibliográficas desta monografia. 23 A professora HELOISA HELENA BARBOZA traduz brilhantemente a perplexidade que tais fenômenos provocam e principalmente o papel do Direito nessas searas, afirmando que: A humanidade vem presenciando nas últimas décadas o desenrolar de uma verdadeira “revolução” provocada pela biotecnologia e pela biomedicina que afeta, diretamente e a um só tempo, diferentes ramos do conhecimento humano, trazendo uma série de questionamentos jamais pensados. O homem passou a interferir em uma série de processos até então monopolizados pela natureza, inaugurando uma nova era que poderá se caracterizar pelo controle de determinados fenômenos que escapavam ao seu domínio. As técnicas de reprodução humana assistida, o mapeamento do genoma, o prolongamento da vida mediante transplantes, as técnicas para alteração do sexo, a clonagem e a engenharia genética descortinam de forma acelerada um cenário desconhecido e imprevisível, no qual o ser humano é simultaneamente autor e espectador. Os constantes progressos nesses campos deixam os laboratórios e freqüentam diariamente os noticiários, provocando curiosidade, espanto e medo ao leitor. Não se deve cercear o progresso científico, mas de todo indispensável que ele se faça com observância de valores maiores, como a dignidade humana. O ponto de harmonização entre essas duas necessidades, aparentemente conflitantes, há de ser encontrado pela Ética e pelo Direito (Bioética x Biodireito: Insuficiência dos conceitos jurídicos.” In “Temas de Biodireito e Bioética”). 24 Perfis do Direito Civil, p.1/2.

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O Direito é ciência social que precisa de cada vez maiores aberturas; necessariamente sensível a qualquer modificação da realidade, entendida na sua mais ampla acepção. (...) O conjunto de princípios e de regras destinado a ordenar a coexistência constitui o aspecto normativo do fenômeno social: regras e princípios interdependentes e essenciais, elementos de um conjunto unitário e hierarquicamente predisposto, que pode ser definido, pela sua função, como “ordenamento” (jurídico), e, pela sua natureza de componente da estrutura social, como “realidade normativa”. A transformação da realidade social em qualquer dos seus aspectos (diversos daquele aspecto normativo em sentido estrito) significa a transformação da “realidade normativa” e vice-versa.

Mas qual seria a solução para a incompatibilidade entre as velocidades com que ocorrem as

mudanças na realidade social e na realidade normativa? Deveriam os legisladores realizar sessões e mais

sessões extraordinárias, e trabalharem mais horas por dia para acompanhar tais mutações em tempo real?

Além de ser impossível, tal tarefa seria insuficiente. Não há como exaurir, satisfatoriamente, todas as

matérias nos diplomas legislativos.

À vista dessa constatação, cabe ao ordenamento jurídico fornecer a solução para os possíveis

confrontos que venham a aparecer na sociedade que pretende regrar. Daí surge a utilidade da noção de

Direito como ciência e da sua concepção sistemática, na medida que se reconhece que há uma ligação

entre as normas jurídicas, como já examinado no curso deste trabalho25. Esse entendimento facilita a

aplicação dos princípios, conceitos e regras gerais, possibilitando a previsibilidade dos seus efeitos

jurídicos, a percepção dos seus elementos de conexão e a identificação dos valores que o informam.

A concepção sistemática do Direito, ao reconhecer um liame entre as diversas normas jurídicas,

considerando-as agrupadas de forma consistente e coerente, permite que, mesmo quando não haja previsão

expressa no ordenamento, se busque a solução para um determinado conflito no corpo do sistema.

Postas essas considerações, CANARIS define sistema como uma ordem axiológica ou teleológica

de princípios gerais de direito, na qual a adequação valorativa vincula-se à característica teleológica e a

unidade interna aos princípios gerais.

Ao encontro do pensamento de CANARIS, leciona PERLINGIERI que o sistema jurídico nada mais é

que o conjunto de fontes dentro de um esquema conceptual, a representar o sentido de cada norma através

25 KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, p. 531.

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de suas conexões com outras normas e com princípios, demonstrando a unidade entre a construção

jurídica e sua aplicabilidade social.

Defende o jurista italiano que a função do sistema é necessária para transformar a lei em Direito.

Nesse sentido, sustenta PERLINGIERI que a norma nunca está sozinha, mas existe e exerce sua função

vinculada ao ordenamento, de forma que seu significado muda com o dinamismo do ordenamento ao qual

pertence. Em conseqüência, a interpretação da norma deve necessariamente seguir os métodos lógico-

sistemático e teleológico-axiológico, sendo enfim funcionalizada à atuação de valores e princípios

constitucionais, que seriam, dentro do método proposto por CANARIS, os princípios fundamentais em torno

dos quais gravita o sistema e que colaboram para assegurar sua unidade e a aplicação adequada

(valorativamente) de suas normas.

No contexto atual - de aparente fragmentação do Direito Privado, constatável facilmente no Brasil,

mesmo após a recente edição de um novo Código Civil - o atributo da unidade, acima referido, apenas

estará plenamente assegurado pela vigência de uma Constituição rígida, que seja capaz de assumir a

centralidade do sistema, de modo que os valores e interesses nela consagrados, sob a forma de princípios,

possam funcionar tanto como fonte de legitimação da atividade legislativa, quanto como paradigma

interpretativo das normas jurídicas (legais e contratuais) infra-constitucionais26.

Por conseguinte, tendo em conta que os princípios constitucionais ocupam a posição de

supremacia no ordenamento jurídico, devem ser prioritariamente levadas em consideração pelos juristas,

sempre que se procure resolver um problema concreto27.

Analisando o tema sob o ponto de vista do sistema alemão, LARENZ reconhece tanto a alta

relevância dos princípios constitucionais na interpretação da legislação ordinária e na concreção das

26 Em tese de doutorado, defendida perante a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, TERESA NEGREIROS comenta que: Nutrindo-se desta força normativa reconhecida nos princípios constitucionais, a adoção da perspectiva civil-constitucional impõe ao intérprete a tarefa de reordenar valorativamente o direito civil, preenchendo as formas conceituais e as categorias lógicas desta área do Direito com o conteúdo axiológico estampado na Constituição. A leitura do direito civil segundo o modo de ver constitucional concebe o intérprete e aplicador do Direito como protagonista da reconstrução do sistema jurídico, não mais centrado no Código, mas na Constituição. Neste contexto, tem-se bem a medida da importância que é atribuída ao intérprete, a quem compete, nas palavras convidativas de Pietro Perlingieri, a “elaboração de um sistema fundado nos valores presentes no ordenamento jurídico vigente. (Princípios e paradigmas do contrato à luz da ordem constitucional, Cap. I, § 1º).

27 Perfis do Direito Civil, p. 5.

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cláusulas gerais, quanto à supremacia do princípio da dignidade humana. Nesse aspecto, o autor formula

que28:

Entre os princípios ético-jurídicos, aos quais a interpretação deve orientar-se, cabe uma importância acrescida aos princípios elevados a nível constitucional. Estes são, sobretudo, os princípios e decisões valorativas que encontram expressão na parte dos direitos fundamentais da Constituição, quer dizer, a prevalência da dignidade da pessoa humana (art. 1° da Lei Fundamental), a tutela geral do espaço de liberdade pessoal, com as suas concretizações nos art. 2°, 4°, 5°, 8°, 9°, 11°, 12°, da Lei Fundamental; o princípio da igualdade, com as suas concretizações no art. 3°, parágrafos 2° e 3°, da Lei Fundamental e, para além disso, a idéia de Estado de Direito, com as suas concretizações nos artigos 19°, parágrafo 4° e 20°, parágrafo 3°, da Lei Fundamental e na secção relativa ao poder judicial, à democracia parlamentar e à idéia de Estado Social. É reconhecido que esses princípios hão de ter-se em conta também na interpretação da legislação ordinária e na concretização de cláusulas gerais. Como as normas constitucionais precedem em hierarquia todas as demais normas jurídicas, uma disposição da legislação ordinária que esteja em contradição com um princípio constitucional é inválida.

O papel ordenador dos princípios é também reconhecido por EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA29,

para quem não só na consciência jurídica se constata a postulação de uma justiça extralegal (e inclusive

freqüentemente contra legem), como o trabalho técnico de integração de leis elaboradas dentro do sistema

geral do ordenamento exige rigorosa apelação aos princípios gerais de Direito. É também em nome desses

princípios, concebidos pela Suprema Corte Americana - continua o jurista - como um higher law ou na

expressão alemã como um Wertordnung, como uma ordem material de valores, que se tem possibilitado

exercer o controle judicial das leis, tema que expressa a inversão da relação tradicional entre o juiz e a lei,

numa subversão do primado absoluto da lei. Afirma ENTERRÍA que esse entendimento conduz a uma

concepção substancialista e não formal do Direito, cujo ponto de penetração, mais que uma metafísica da

justiça, tem se encontrado nos princípios gerais do Direito. A ciência jurídica não tem outra missão que a

de revelar e descobrir, através de conexões de sentido cada vez mais profundas e mais ricas, mediante a

construção de instituições e a integração respectiva de todas elas em um conjunto, os princípios gerais

sobre os quais se articula e deve, por conseguinte, expressar-se a ordem jurídica, que está impregnada de

princípios até suas últimas ramificações30.

Ao lado do exposto, cabe ressaltar que a função assumida pelas normas constitucionais no sistema

jurídico é significativamente potencializada a partir da construção que vê na ponderação de princípios ou

de interesses técnica para compor valorativamente os conflitos que se apresentam na vida moderna.

28 Op. cit., p. 479. 29 Reflexiones sobre la ley y los principios generales del derecho, p. 28 e ss. 30 Op. cit., p. 34.

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Nesse sentido, a doutrina mais recente projeta a norma em duas distintas categorias: princípios e

regras. RONALD DWORKIN merece ser citado como um dos maiores difusores dessa construção, vez que

obteve, por meio de seu excelente trabalho, Taking Rights Seriously31, a adesão dos mais bem preparados

pensadores da atualidade. Conforme ensina DWORKIN, regras são proposições normativas que representam

comandos objetivos e, portanto, são empregadas sob a forma do tudo ou nada. Ocorrendo os fatos a que

elas se referem, devem ser aplicadas direta e imediatamente (por subsunção), sem maiores divagações

acerca da produção de efeitos no caso concreto. Por outro lado, os princípios contêm maior carga

valorativa e fundamento ético e, assim, indicam uma orientação que deve ser seguida pelo intérprete.

Como numa ordem pluralista existem diversos princípios que correspondem a distintos valores e têm

diferentes fundamentos, a colisão dos princípios, ao invés de ser uma exceção, faz parte da lógica do

sistema, que ostenta natureza substancialmente dialética.

Logo, tendo em conta as circunstâncias da hipótese concreta, o intérprete, quando diante de

antagonismos inevitáveis, deverá conferir aos princípios determinado peso ou importância, de modo

ponderado.

A ponderação de valores ou ponderação de interesses é a técnica pela qual se procura estabelecer o

peso referente a cada um dos princípios contrapostos, com a finalidade de resolver eticamente os conflitos

da complexa vida moderna, aplicando o direito com maior grau de justeza. Como não há um critério

absoluto para a prevalência de um ou outro princípio, devem ser feitas concessões recíprocas, de modo a

obter um resultado socialmente desejável, com o mínimo de sacrifício dos princípios em confrontação32.

A técnica da ponderação de interesses, aliada ao fenômeno da constitucionalização do Direito,

assume papel relevantíssimo, tanto na obtenção do Direito, quanto na solução de problemas concretos, por

meio da aplicação direta dos princípios constitucionais, ponderados segundo as circunstâncias e os

interesses que se apresentam. À vista dessas ferramentas, facilita-se a superação de dogmas de

31 Original publicado pela Harvard University Press em 1977. Publicada no Brasil pela Editora Martins-Fontes, em 2002, sob o título Levando Direitos a Sério (tradução de Nelson Boeira). 32 Segundo LUÍS ROBERTO BARROSO, esse movimento metodológico é hoje nomeado pós-positivismo, que vai além do positivismo legalista e, sem recurso aos ideais abstratos e metafísicos do jusnaturalismo, promove a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. Com efeito, o pluralismo político e jurídico, a nova Hermenêutica e a ponderação de interesses são componentes dessa reelaboração teórica, filosófica e prática que fez a travessia de um milênio para o outro (Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro, p.58).

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subsistência injustificável e abre-se novo caminho para a conquista de soluções mais justas, igualitárias e

éticas nas relações humanas.

5.2. Supremacia e força normativa da Constituição.

O estudo do fenômeno da constitucionalização do Direito Civil impõe o exame do papel assumido

pelas Cartas constitucionais, que cresceram de importância ao mesmo tempo em que se verificava o

declínio das codificações oitocentistas.

Nessa linha, a supremacia constitucional foi se consolidando a partir das Constituições rígidas,

elaboradas nos moldes da Constituição Americana de 1787. A admissão do controle da

constitucionalidade das normas infraconstitucionais teve importante função no fortalecimento do papel das

Constituições e em sua estabilização como centro do sistema.

Esse mecanismo de controle contribuiu para a manutenção dos institutos de Direito Privado - como

a propriedade, o contrato e os institutos próprios do Direito de Família - que passaram a ser interpretados

em conformidade com a Constituição.

A Constituição, alçada à condição de norma superior do ordenamento jurídico33, dotada de

supremacia, passou a ser reconhecida, portanto, como fundamento de validade de todo o sistema. Daí

decorre a necessidade de conformação, com o Texto constitucional, dos atos praticados sob sua vigência.

Essa posição, hierarquicamente superior, impõe restrições à legislação infraconstitucional e fornece o

substrato interpretativo a essas normas.

Logo, reitere-se que os princípios constitucionais, refletindo as aspirações da sociedade pós-guerra,

buscam a recolocação do indivíduo no plano jurídico e a efetivação plena dos valores da pessoa humana.

Ao erigir como valor fundamental a proteção da dignidade da pessoa humana, a Constituição coloca a

pessoa no lugar do indivíduo. Nas palavras de PERLINGIERI, evidencia-se que, tanto no ordenamento

italiano, quanto no brasileiro, se vem concretizando a superação do individualismo pelo personalismo

(fundado no solidarismo) e o abandono do patrimonialismo como um fim em si mesmo.

33 Esse status de norma superior é baseado em dois fundamentos principais, conforme ensina JULIO CESAR FINGER (op. cit.): (i) por se constituir em fonte primária das normas jurídicas, fonte das fontes; e (ii) por expressar uma intenção fundacional, com pretensão de permanência (revelada pela rigidez). Ainda segundo o autor, essa rigidez assegura uma superlegalidade material.

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Por outras palavras, as Cartas Constitucionais cumprem o relevante papel de apresentar a nova

ordem de valores que refletem as aspirações sociais e que, portanto, devem nortear a interpretação dos

institutos jurídicos, mesmo os mais tradicionais. O Direito Civil passa a ser entendido como sistema

regulador dos interesses do homem enquanto ser social e não mais do indivíduo egocêntrico tutelado nas

codificações liberais. O foco deixa de ser o patrimônio, que passa a ser visto como meio do

desenvolvimento da pessoa humana e não mais como fim a ser tutelado.

Nessa linha, a constitucionalização do Direito Civil traz à baila outra discussão, nomeadamente

aquela referente à despatrimonialização do Direito Civil, a respeito da qual vale transcrever a excelente

lição da professora HELOÍSA HELENA GOMES BARBOZA34:

De início, necessário é que se enfatize o ponto central dessa nova ordem jurídica, especialmente no que respeita às relações privadas: substitui-se a ótica liberal, individualista, patrimonialista do século passado, por uma visão que se pode denominar humanista. O homem continua como centro de estruturação do sistema jurídico, porém, não mais como produtor e motor da circulação de riquezas, e sim como ser humano, que deve ser respeitado e assegurado em todas as suas potencialidades como tal. O patrimônio deixa de ser o eixo da estrutura social, para se tornar instrumento da realização das pessoas humanas. Em outras palavras, o homem não mais deve ser ator no cenário econômico, mas regente das atividades econômicas. Insista-se: o homem deve se servir do patrimônio e não ao patrimônio.

A consolidação da supremacia constitucional veio acompanhada de outra importantíssima

evolução, consistente no reconhecimento da já mencionada força normativa da Constituição.

A respeito da força normativa da Constituição, foi especialmente relevante a contribuição da

doutrina alemã, devendo ser citada a célebre obra de KONRAD HESSE, intitulada Die normative Kraft der

Verfassung35, na qual sustenta que36:

34 Perspectivas do Direito Civil Brasileiro para o Próximo Século, p. 33. 35 A obra foi vertida para o português por GILMAR FERREIRA MENDES, sob o título Força Normativa da Constituição, publicada em 1991. HESSE procura demonstrar os equívocos incorridos por FERDINAND LASSALE, que, anos antes, defendera a existência de duas constituições, sendo a primeira uma constituição real e efetiva, integralizada pelos fatores reais de poder, que regem a sociedade, e a segunda uma constituição escrita, denominada por LASSALE como folha de papel, concluindo que a capacidade regulatória da constituição escrita restringe-se à sua compatibilidade com a constituição real e, portanto, com os fatores reais de poder (A Essência da Constituição, p. 25). 36 Força Normativa da Constituição, p. 19/20. Não se pode, entretanto, dizer que HESSE seja um defensor do método civil-constitucional, adotado por PERLINGIERI. Em outro trabalho (Derecho constitucional y derecho privado, tradução e introdução de Ignacio Gutièrrez Gutièrrez), HESSE manifesta sua discordância a respeito da aplicação direta da norma constitucional nas relações privadas, por entender que a constitucionalização, quando realizada sem a mediação da legislação infraconstitucional,

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Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral — particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional —, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). (...) A força que constitui a essência e a eficácia da Constituição reside na natureza das coisas, impulsionando-a, conduzindo-a e transformando-se, assim, em força ativa. Como demonstrado, daí decorrem os seus limites. Daí resultam também os pressupostos que permitem à Constituição desenvolver de forma ótima a sua força normativa. Esses pressupostos referem-se tanto ao conteúdo da Constituição quanto à práxis constitucional.

Dessa forma, paulatinamente, vem a doutrina promovendo o abandono das teorias que sustentavam

ter o texto constitucional a natureza de mero protocolo de intenções, de caráter meramente descritivo ou

programático, cristalizando-se um certo sentimento constitucional37.

Pode-se dizer que a consciência em torno da efetividade das normas constitucionais é um caminho

sem volta. Cite-se, dentre a mais autorizada doutrina constitucionalista, a posição de JORGE MIRANDA, a

sustentar que a ascendência constitucional sobre os diversos ramos do Direito representa uma evolução da

hermenêutica constitucional em geral, devendo servir a sistemática constitucional como método

interpretativo informando não só a atuação do legislador, mas também do intérprete e do aplicador do

Direito. Afirma o autor38 que, cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das

disposições da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto

da ordem constitucional.

esvazia os processos democráticos inerentes ao exercício da função legislativa, substituindo-os pela função jurisdicional, que se torna responsável pela fixação do conteúdo dos princípios constitucionais, em prejuízo do postulado de segurança jurídica (op. cit., p. 63 e ss.). 37 A feliz colocação é de LUÍS ROBERTO BARROSO, que reconhece uma vontade de acertar e um certo carinho por parte dos estudiosos e aplicadores do direito para com a efetividade das normas constitucionais. In.: Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas – Limites e possibilidades da Constituição Brasileira, p.322. 38 Manual de Direito Constitucional, tomo II, p. 263.

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É essa também a opinião de BOBBIO39, defendendo o filósofo que positivação das liberdades e dos

direitos fundamentais é um processo histórico de progressiva materialização. A ampliação dos direitos

humanos e das conquistas sociais, passando o homem abstrato ao concreto, através da especificação das

carências e dos interesses é notória nas Constituições contemporâneas40:

Essa especificação ocorreu com relação seja ao gênero, seja às várias fases da vida, seja à diferença entre estado normal e estados excepcionais na existência humana. Com relação ao gênero, foram cada vez mais reconhecidas as diferenças específicas entre a mulher e o homem. Com relação às várias fases da vida, foram-se progressivamente diferenciando os direitos da infância e da velhice, por um lado, e os do homem adulto, por outro. Com relação aos estados normais e excepcionais, fez-se valer a exigência de reconhecer direitos especiais aos doentes, aos deficientes, aos doentes mentais, etc

Esse aumento quantitativo, como muito bem alertou GUSTAVO TEPEDINO, não é o bastante. O

papel dos princípios e dos intérpretes na sua efetivação é imprescindível, sob pena de esvaziamento dessas

conquistas. Leia-se, adiante, a posição do civilista41:

Se o Século XX foi identificado pelos historiadores como era dos direitos, à ciência jurídica resta uma sensação incômoda, ao constatar sua incapacidade de conferir plena eficácia ao numeroso rol de direitos conquistados. Volta-se a ciência jurídica à busca de técnicas legislativas que possam assegurar maior efetividade aos critérios de hermenêutica. Nessa direção, parece indispensável, embora não suficiente, a definição de princípios de tutela da pessoa humana, como tem ocorrido de maneira superabundante nas diretivas européias e em textos constitucionais, bem como na sua transposição na legislação infraconstitucional. O legislador percebe a necessidade de definir modelos de conduta (standards) delineados à luz dos princípios que vinculam o intérprete, seja nas situações típicas, seja nas situações não previstas pelo ordenamento.

Também nessa linha leciona MARIA CELINA BODIN DE MORAES, que, ao tratar especificamente do

princípio da solidariedade, sustenta o seguinte42:

A expressa referência à solidariedade, feita pelo legislador constituinte, longe de representar um vago programa político ou algum tipo de retoricismo, estabelece um princípio jurídico inovador em nosso ordenamento, a ser levado em conta não só no momento da elaboração da legislação

39 A Era dos Direitos, p. 62-63. 40 Op.cit. 41 Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002, p. XXI. 42 O Princípio da Solidariedade, p. 529

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ordinária e na execução de políticas públicas, mas também nos momentos de interpretação-aplicação do Direito, por seus operadores e demais destinatários, isto é, pelos membros todos da Sociedade

Por conseqüência, não se pode mais afirmar que a positivação de direitos existenciais e

patrimoniais da pessoa gere apenas deveres de abstenção. Reconhece-se, por meio de certas escolhas

constitucionais, a imposição de uma atuação positiva do Estado e da sociedade visando a efetivação desses

direitos, gerando obrigações de fazer, inclusive entre particulares, no bojo das relações jurídicas privadas.

Esse processo de materialização do destinatário das normas jurídicas e de seus direitos, como não

poderia deixar de ser, gera subsistemas paralelos que são unidos pelo valor máximo tutelado pelo

ordenamento, nomeadamente a dignidade da pessoa humana.

Materializado o ser humano e especificadas as suas necessidades, do modo mais abrangente

possível, pelas Cartas constitucionais, e reconhecida a juridicidade dessas, não há como conceber que

qualquer ramo do Direito deixe de ser informado por esses valores. Nessa ordem de idéias, merece apoio a

doutrina civil-constitucional que, fundada na força normativa dos princípios constitucionais, busca a

renovação do sistema de Direito Privado, alardeando o nascimento de novos paradigmas que não podem

ser ignorados. Nesse sentido, pode-se afirmar que a análise do Direito sob o enfoque civil-constitucional,

por seu conteúdo substancialmente axiológico, apresenta-se como meio para a concreção, no campo

jurídico, das transformações sócio-político-econômicas a que se sujeitaram as relações privadas

principalmente a partir da segunda metade do Século XX, cujo histórico foi acima detidamente descrito e

comentado.

Colocadas tais ponderações, há que se defender não apenas a orientação constitucional na

atividade hermenêutica de normas infraconstitucionais, como também a aplicação direta dos dispositivos

constitucionais de tutela interesses existenciais e patrimoniais da pessoa humana, os quais, no sistema

brasileiro, tiveram sua força normativa expressamente reconhecida no Texto Fundamental, nos termos de

seu art. 5º, § 1º, pelo qual têm aplicação imediata normas definidora de direitos e de garantias

fundamentais.

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Aliás, juntamente com o sentimento constitucional, anteriormente apontado, pode-se vislumbrar o

surgimento de um modo de pensar principiológico, conforme ensina EROS ROBERTO GRAU43:

Examinando mais uma vez a Constituição de 1988, verifico que ela se distingue de todas as nossas Constituições anteriores na medida em que reclama, para que possa ser compreendida [= interpretada], a instalação de um ‘modo de pensar principiológico’.

Nesse universo, o Direito Privado sofre a influência direta e imediata das normas constitucionais.

Aliás, não há como sustentar, hodiernamente, com base na fluidez de seus preceitos, que qualquer ramo do

Direito possa permanecer imune à ascendência dos valores consagrados na Lei Maior. Entender o

contrário seria negar o Estado Democrático de Direito. Sendo assim, a adoção da perspectiva civil-

constitucional demanda a tarefa de rever conceitos e reordenar o Direito Civil, de acordo com o conteúdo

axiológico estampado na Constituição.

6. CONCLUSÃO.

De todo o exposto, pode ser inferido o seguinte:

(i) os Códigos modernos, em vigor na Europa a partir do final do século XVIII, tinham em comum

as seguintes características: (a) sob o ponto de vista formal, eram sistemáticos, ou seja, ordenados de

modo irrepreensivelmente organizado; (b) partiram da existência de uma ordem jurídica que deveria ser

cientificamente reformada, representando um sistema fechado, logicamente concatenado e completo, cujas

normas pretendiam viger eternamente; (c) universalidade, de sorte que os Códigos não mais deveriam

conhecer fronteiras, podendo ser aplicados livremente como Direito subsidiário de um ou vários países;

(ii) o sistema das codificações era, então, excessivamente centrado no indivíduo, sendo o Direito

Privado o regime que garantia o poder da vontade do sujeito. A codificação do Direito Privado

representava a constituição da vida privada, e o Direito Civil, por sua vez, encerrava-se no Código;

(iii) os movimentos sociais, ao lado do advento da sociedade de massa e das graves conseqüências

resultantes da Primeira Guerra Mundial, levaram os Estados Nacionais a tomar providências tendentes ao

apaziguamento de conflitos sociais, em busca de uma justiça social;

43 EROS ROBERTO GRAU, apresentação à obra de JUDITH MARTINS-COSTA, A Boa-Fé no Direito Privado, p. 16.

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(iv) no campo legislativo, pouco a pouco foram sendo incorporados às Cartas de direitos os

chamados direitos de segunda geração, que buscavam assegurar maior proteção aos particulares; o

exemplo mais significativo dessa positivação de direitos sociais foi a Constituição de WEIMAR, de 1919,

tida como a primeira Constituição dirigente, dotada de normas com conteúdo programático e que, além

das funções organizadora dos poderes do Estado e garantidora de direitos individuais, dispôs sobre a

ordem econômica e social, sinalizando a intervenção estatal nas relações privadas;

(v) ao fim da Segunda Guerra Mundial, surge com forte intensidade o movimento de solidariedade

social, que posteriormente foi recepcionado pela Filosofia e pelo Direito, positivando-se nas Constituições

e dando origem a outros princípios de alto conteúdo axiológico, como os princípios da justiça social, da

igualdade material e do primado da pessoa humana; a ciência jurídica mostrou-se suscetível a esse

movimento, evoluindo naturalmente de uma jurisprudência de interesses para uma jurisprudência de

valores;

(vi) os reflexos da maior intervenção estatal em prol da igualdade material puderam ser sentidos no

Direito Civil, pela intensa produção legislativa, para disciplinar uma série de situações que não

encontravam tutela no Direito codificado;

(vii) surgem os microssistemas jurídicos, informados por princípios diferenciados, disciplinando os

novos fatos sociais não regulados pelas codificações oitocentistas. Esses universos legislativos passaram a

ser mais aplicados que o próprio Código Civil, que, assim, deixou sua posição central no ordenamento

jurídico. A integração desses estatutos jurídicos setorizados remete o intérprete à Constituição, à vista de

seus princípios, de elevado conteúdo axiológico;

(viii) em decorrência da noção de unidade do sistema, e da hierarquia das normas, tem-se que os

valores propugnados pelos princípios constitucionais influem em todos os recantos do ordenamento

jurídico, não podendo ser o Direito Privado considerado como imune a esta influência;

(ix) essa abordagem necessariamente enfrenta a discussão sobre o arrefecimento da dicotomia

entre o Direito Público e o Direito Privado. Isso porque o processo de aproximação entre o regime

jurídico das relações privadas e os princípios e valores constitucionais impede que sejam tais relações

examinadas de modo estritamente autônomo de seu contexto sócio-político-econômico;

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(x) à vista da dificuldade da atividade legiferante acompanhar a evolução da realidade social, deve

o aplicador do Direito, diante de determinadas lacunas, procurar respostas no próprio sistema;

(xi) a interpretação da norma deve necessariamente seguir os métodos lógico-sistemático e

teleológico-axiológico, sendo enfim funcionalizada à atuação de valores e princípios constitucionais, que

seriam, dentro do método proposto por CANARIS, os princípios fundamentais em torno dos quais gravita o

sistema e que colaboram para assegurar sua unidade e a aplicação adequada (valorativamente) de suas

normas.

(xii) no contexto atual - de aparente fragmentação do Direito Privado, constatável facilmente no

Brasil, mesmo após a recente edição de um novo Código Civil - o atributo da unidade, acima referido,

apenas estará plenamente assegurado pela vigência de uma Constituição rígida, que seja capaz de assumir

a centralidade do sistema, de modo que os valores e interesses nela consagrados, sob a forma de

princípios;

(xiv) a função assumida pelas normas constitucionais no sistema jurídico é significativamente

potencializada a partir da construção que vê na ponderação de princípios ou de interesses técnica para

compor valorativamente os conflitos que se apresentam na vida moderna;

(xiii) a ponderação de valores ou ponderação de interesses é a técnica pela qual se procura

estabelecer o peso referente a cada um dos princípios contrapostos, com a finalidade de resolver

eticamente os conflitos da complexa vida moderna, aplicando o direito com maior grau de justeza. Como

não há um critério absoluto para a prevalência de um ou outro princípio, devem ser feitas concessões

recíprocas, de modo a obter um resultado socialmente desejável, com o mínimo de sacrifício dos

princípios em confrontação;

(xiv) a Constituição, dotada de supremacia, deixou de ostentar caráter meramente programático,

acolhendo-se, assim, a força normativa de seus princípios;

(xv) reconhecida a juridicidade da Carta constitucional, não há como admitir que qualquer ramo do

Direito deixe de ser informado pelos valores naquela consagrados. Nessa ordem de idéias, merece apoio a

doutrina civil-constitucional, por seu conteúdo substancialmente axiológico, apresentando-se como meio

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para a concreção, no campo jurídico, das transformações sócio-político-econômicas a que se sujeitaram as

relações privadas, principalmente a partir da segunda metade do Século XX;

(xvi) em suma, deve-se concluir que o Direito Privado, atualmente, sofre a influência direta e

imediata das normas constitucionais. Entender o contrário seria negar o Estado Democrático de Direito.

Sendo assim, a adoção da perspectiva civil-constitucional demanda a tarefa de rever conceitos e reordenar

o Direito Civil, de acordo com o conteúdo axiológico estampado na Constituição.

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