Constituinte Exclusiva Reforma Polit - Manuela Nono

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ESTUDO Câmara dos Deputados Praça dos Três Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF (IM)POSSIBILIDADE JURÍDICA DE UMA CONSTITUINTE EXCLUSIVA PARA TRATAR DA REFORMA POLÍTICA Manuella da Silva Nonô Consultora Legislativa Direito Constitucional, Eleitoral, Municipal, Direito Administrativo, Processo Legislativo e Poder Judiciário ESTUDO NOVEMBRO/2014

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Constituinte Exclusiva de Reforma Política

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  • ESTUDO

    Cmara dos Deputados Praa dos Trs Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Trreo Braslia - DF

    (IM)POSSIBILIDADE JURDICA DE UMA

    CONSTITUINTE EXCLUSIVA PARA

    TRATAR DA REFORMA POLTICA

    Manuella da Silva Non

    Consultora Legislativa Direito Constitucional, Eleitoral, Municipal, Direito

    Administrativo, Processo Legislativo e Poder Judicirio

    ESTUDO

    NOVEMBRO/2014

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    SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................................................................ 3

    PODER CONSTITUINTE ORIGINRIO E PODER CONSTITUINTE DERIVADO .......................................... 4

    LIMITAES AO PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL ....................................................................... 6

    CONDIES PARA ELABORAO DE UMA NOVA CONSTITUIO ........................................................ 7

    LEGITIMIDADE PARA CONVOCAO DE ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE ......................... 9

    REVISES CONSTITUCIONAIS POR CONSTITUINTES EXCLUSIVAS NO DIREITO COMPARADO .... 10

    A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DE UMA CONSTITUINTE EXCLUSIVA REVISIONAL EM FACE DA CONSTITUIO DE 1988 ................................................................................................................................... 13

    O PROBLEMA DA DELIMITAO DA AMPLITUDE DA REFORMA .......................................................... 20

    CONCLUSO ........................................................................................................................................................ 21

    2014 Cmara dos Deputados. Todos os direitos reservados. Este trabalho poder ser reproduzido ou transmitido na ntegra, desde que citados(as) o(a) autor(a) e a Consultoria Legislativa da Cmara dos Deputados. So vedadas a venda, a reproduo parcial e a traduo, sem autorizao prvia por escrito da Cmara dos Deputados.

    Este trabalho de inteira responsabilidade de seu(sua) autor(a), no representando necessariamente a opinio da Cmara dos Deputados.

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    (IM)POSSIBILIDADE JURDICA DE UMA

    CONSTITUINTE EXCLUSIVA PARA TRATAR DA

    REFORMA POLTICA

    Manuella da Silva Non

    INTRODUO

    J faz algum tempo vem sendo cogitada a realizao de uma constituinte exclusiva para efetivar o que se convencionou chamar reforma poltica. Ainda h pouco, durante a campanha eleitoral para as eleies gerais de 2014, foi amplamente discutida a matria, que vem sendo cobrada por movimentos populares, como no ltimo dia 4 de novembro, na Avenida Paulista, em So Paulo.

    A grande motivao para tal discusso , na realidade, a dificuldade de aprovar mudanas quando as pessoas que devem aprov-las com uma maioria qualificada de 3/5 em dois turnos nas duas Casas do Congresso Nacional foram escolhidas com base no sistema ora vigente.

    O presente texto procura abordar alguns aspectos da questo, transitando desde uma breve noo de o que vem a ser o Poder Constituinte Original e Derivado, as limitaes do Poder de Reforma Constitucional, a experincia das constituintes exclusivas revisionais (ou seja, para revisar Constituio preexistente) no direito comparado e a prpria constitucionalidade de uma tal assembleia perante a Constituio Federal de 1988.

    Antes de mais nada, conceituaremos constituinte exclusiva como a assembleia formada por pessoas eleitas com a incumbncia nica (exclusiva) de elaborar um texto constitucional (parcial ou total) e que, uma vez alcanado o seu objetivo (ou transcorrido predeterminado perodo de tempo), declarada dissolvida, com a extino dos mandatos dos seus membros.

    Cabe tambm consignar que, em tese, uma constituinte exclusiva pode exercer suas atividades paralelamente ao Parlamento ou no (v.g. no caso de no haver casa legislativa em funcionamento).

    No caso da discusso ora existente no Pas, cogita-se da realizao de uma constituinte exclusiva para efetuar reforma no sistema poltico do Pas, ou seja, para realizar uma reviso parcial do texto constitucional. Em 2006, tal proposta adquiriu relevo com o pronunciamento do ento Presidente da Repblica aps reunir-se com o Conselho Federal da

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    Ordem dos Advogados do Brasil no sentido de que, se a sociedade assim desejasse, poderia encaminhar uma proposta de Emenda Constitucional com tal intento. Posteriormente foi apresentada Cmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constituio n 384, de 20091, com esse objetivo, no pelo Presidente da Repblica, mas por parlamentares daquela Casa. Ela est apensada Proposta de Emenda Constituio n 193, de 2007, que fixava a data das eleies municipais de 2008 para a realizao de plebiscito sobre reviso constitucional que, em caso de aprovao, deveria ter incio a partir de 1 de fevereiro de 2011. Ainda mais recentemente, o Deputado LEONARDO GADELHA apresentou a PEC n 276, de 2013, que estabelece os termos e as condies para convocao de uma Assembleia Nacional Constituinte Revisional dedicada, exclusivamente, reviso dos dispositivos constitucionais que tratam das regras de representao poltica.

    Mas a matria no era nova. Parciais ou no, propostas de Assembleias Constituintes Revisionais tm aparecido no Congresso desde 1997 e recebido, por vezes, pareceres favorveis das Comisses, apenas no tendo chegado a serem votadas em Plenrio. Nesse sentido, as Propostas de Emenda Constituio n 554, de 19972, 157, de 20033, e 447, de 20054.

    A matria ressurgiu em 2013 aps uma srie de manifestaes populares contra a corrupo e outros problemas governamentais. A Presidente DILMA ROUSSEF logo sugeriu a realizao de um plebiscito sobre o assunto, depois retrocedeu, tendo em vista as duras crticas que ouviu.

    Outrossim, lideranas do Congresso Nacional e da sociedade civil tem-se manifestado favoravelmente realizao de uma constituinte exclusiva para a reforma poltica, ao passo que outros tantos lderes e doutrinadores se posicionam contrariamente proposta.

    PODER CONSTITUINTE ORIGINRIO E PODER CONSTITUINTE DERIVADO

    A formulao de Poder Constituinte Originrio e de Poder Constituinte Constitudo ou Derivado coube primeiramente ao padre JOSEPH EMMANUEL SIEYS, um dos inspiradores da Revoluo Francesa e autor do clebre Quest-ce que le tiers tat? .

    1 A PEC n 384, de 2009 prev a realizao das eleies para a constituinte exclusiva juntamente com as eleies

    ordinrias de outubro de 2010 e instalao no dia 15 de janeiro de 2011. 2 A PEC n 554, de 1997 convoca Assembleia Nacional Constituinte a partir de 1 de fevereiro de 1999, estabelecendo que os membros da Cmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-o unicameralmente, e os trabalhos constituintes ficaro restritos aos artigos 14, 16, 17, 21 a 24, 30, 145 a 162 e as matrias conexas. 3 A PEC n 157, de 2003 convoca Assembleia de Reviso Constitucional, em 1 de fevereiro de 2007. 4 A PEC n 447, de 2005 convoca Assembleia Nacional para Reviso da Constituio, a ser instalada no dia 15 de fevereiro de 2007.

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    Remonta a essa obra a idia de ausncia de limitao jurdica do Poder Constituinte, no sentido de que ele no sofre nenhuma restrio do direito positivo anterior, existindo acima dele apenas o Direito Natural.

    Isso porque as assembleias constituintes nascem de foras polticas paralelas mais fortes que as foras polticas constituidas, foras que emergem de revolues vitoriosas, que prenunciam novos propsitos de organizao poltica ou de dissenses institucionais, que refletem reinclinaes parlamentares que se constroem dentro do prprio poder constitudo contra as fraes dominantes hegemnicas.

    Nesse sentido, afirma RICARDO ARNALDO MALHEIROS FIUZA que o Poder Constituinte inicial, porque sempre cria uma nova ordem jurdica; autnomo, porque no depende dos rgos do Poder (ou poderes constitudos) porventura j existentes; e incondicionado ou ilimitado, porque no sofre restries do Direito Positivo, s podendo ser influenciado pelo Direito Natural5.

    Com o significado de soberania, o Poder Constituinte tem como titular o povo, princpio consagrado na Constituio Federal: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio (par. nico do art. 1o).

    A Constituio obra do Poder Constituinte Originrio e guarda em si a idia de perenidade, de permanncia, de estabilidade.

    Na obra citada, salienta EMMANUEL JOSEPH SIEYS que o Poder Constituinte no desaparece com sua obra realizada. Ele permanece depois dela. isso o que se chama de permanncia do Poder Constituinte. A nao no fica submetida Constituio que ela estabeleceu, pelo seu Poder Constituinte. S os poderes constitudos por ela que ficam submetidos Constituio. Decorre disso que a nao pode mudar a Constituio sempre que bem lhe parecer. O estabelecimento de uma Constituio no esgota o Poder Constituinte da nao. Ele pode sempre refazer a Constituio, estabelecer uma nova Constituio6.

    A Assembleia Constituinte constitui-se, pois, como um poder originrio com fora normativa suificiente para reorganiozar o Estado, estabelecer sua forma de governo, as relaes entre os cidados e os seus representantes na administrao da coisa pblica, consagrando, tambm, novos campos (geraes) de direitos, recursos jurdicos para efetiv-los, etc.

    5 FIZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Poder Constituinte Originrio e Poder Constituinte Derivado. In: Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlndia, 22 (1,2) 239-254, 1993. 6 SIEYS, Emmanuel Joseph (1748-1836), in Quest-ce que le tiers tat?, apud FILHO, Manoel Gonalves Ferreira, O Poder Constituinte. So Paulo: Saraiva, 1999, p.13.

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    A Constituio Federal de 1988 disciplina a emenda constitucional e confere ao Congresso Nacional competncia para elabor-la. A emenda o instrumento normal e permanente para a introduo de modificaes Carta Fundamental, a fim de coadun-la com a dinmica da vida social. o art. 60 da Carta da Repblica que estabelece o procedimento para sua apresentao, apreciao, turnos de votao, entre outros aspectos formais.

    Para RAUL MACHADO HORTA, Reforma, emenda e reviso so manifestaes do Poder Constituinte institudo, que podem receber tratamento diferenciado, atribuindo a cada uma dessas formas objeto prprio de atividade, bem como tratamento indiferenciado, sem distinguir uma da outra manifestao pela forma ou matria de sua atividade. 7

    que, subjacente estrutura jurdica do Estado, encontra-se a soma de fatores reais do poder, como assim denominou FERDINAND LASSALLE, em 1862, ou seja, a realidade do Estado, sob os seus mais diversos aspectos: econmico, poltico, histrico e religioso, entre outros.

    Adotar a tese da imutabilidade absoluta da Constituio significaria afastar a possibilidade de resoluo das crises por meios pacficos, abrindo-se, inexoravelmente, o caminho para a revoluo e o golpe de Estado.

    LIMITAES AO PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL

    A doutrina costuma classificar as limitaes de reforma constitucional em trs grupos: as temporais, as circunstanciais e as materiais, que podem ser explcitas ou implcitas.

    As limitaes temporais no so comuns no direito constitucional brasileiro. Constaram da Constituio do Imprio, a qual previu pudesse ser ela reformada to somente aps quatro anos de sua vigncia (art. 174).

    De sua parte, a reviso constitucional prevista no art. 3 das Disposies Constitucionais Transitrias da Carta Magna de 1988 esgotou-se com a elaborao de apenas seis modificaes ao texto constitucional as chamadas emendas de reviso.

    A limitao circunstancial ao poder de reforma estabelece que nossa Constituio no ser emendada na vigncia de interveno federal, de estado de defesa ou de estado de stio (CF, art. 60, 1).

    Por fim, a doutrina distingue entre limitaes materiais explcitas e limitaes materiais implcitas. H certos dispositivos constitucionais que no podem ser objeto de emenda ou reviso.

    7 Apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, ob. cit. p.49.

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    A Constituio brasileira contm um ncleo imodificvel explicitamente definido no art. 60, 4, segundo o qual no ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e peridico; a separao de Poderes; e os direitos e garantias individuais. So as chamadas clusulas ptreas.

    NELSON DE SOUZA SAMPAIO, citado por JOS AFONSO DA SILVA, enumera as seguintes limitaes materias implcitas: as concernentes ao titular do poder constituinte, pois uma reforma Constituio no pode mudar o titular do poder que cria o prprio poder reformador; as concernentes ao titular do poder reformador, pois seria inconcebvel mudar o titular de um poder derivado resultante da vontade do poder constituinte originrio; e as concernentes ao processo da prpria emenda, admitindo-se quando se tratar de tornar mais difcil o processo e no quando se pretenda atenu-lo.8

    Em Comentrio Contextual Constituio, JOS AFONSO DA SILVA diz:

    PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. A Constituio, como se v, conferiu ao Congresso Nacional a competncia para emend-la. Deu-se, assim, esse poder a um rgo constitudo. Por isso se lhe d a denominao de poder constituinte institudo ou constitudo. Por outro lado, como esse seu poder no lhe pertence por natureza, primariamente, mas, ao contrrio, deriva de outro (isto , do poder constituinte originrio), que tambm se lhe reserva o nome de poder constituinte derivado, embora parea mais acertado falar em competncia constituinte derivada ou constituinte de segundo grau. Trata-se de um problema de tcnica constitucional, j que seria muito complicado ter que convocar o constituinte originrio todas as vezes em que fosse necessrio emendar a Constituio. Por isso, o prprio poder constituinte originrio, ao estabelecer a Constituio, instituiu um poder constituinte reformador, ou poder de reforma constitucional, ou poder de emenda constitucional.

    No fundo, contudo, o agente ou sujeito da reforma o poder constituinte originrio, que, por esse mtodo, atua em segundo grau, de modo indireto, pela outorga de competncia a um rgo constitudo para, em seu lugar, inserir na Constituio as modificaes requeridas 9.

    CONDIES PARA ELABORAO DE UMA NOVA CONSTITUIO

    A Constituio concebida em seu sentido sociolgico, poltico e jurdico. Ela a lei fundamental, que organiza os elementos constitutivos do Estado. Contm

    8 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed., Malheiros Editores, 2006, p.68 9 SILVA, Jos Afonso da. Comentrio Contextual Constituio. Malheiros Editores Ltda., 04-2005, p. 439

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    normas constitucionais de organizao, normas constitucionais definidoras de direitos e normas programticas.

    Subjacente estrutura jurdica do Estado, porm, encontra-se a soma de fatores reais do poder, como assim denominou FERDINAND LASSALLE, em 1862, e que podem ser entendidos como a realidade do Estado sob os seus mais diversos aspectos: econmico, poltico, histrico e religioso, entre outros.

    O constitucionalista e hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal LUS ROBERTO BARROSO afirma que

    (...) o Direito Constitucional, mesmo em sua disposio positiva, expressa a sntese da tenso entre a norma e a realidade com a qual se defronta. A conjugao da face social face jurdica da Constituio gera um produto final, conceptualmente unitrio, que a Constituio poltica.10

    O desajustamento entre a Lei Maior e a realidade social compromete a ordem jurdica. A soluo do conflito entre a ordem jurdica e a realidade social pode efetivar-se mediante a reviso constitucional ou por mtodos violentos, mais freqentes nos Estados que adotam as chamadas Constituies rgidas.11

    Sob o ponto de vista sociolgico, a revoluo fato puro, ato de fora, ato ajurdico, capaz de modificar ou substituir, por meios violentos, a ordem jurdica preexiste.12

    Se as condies poltico-sociais estiverem em conflito com a ordem jurdica, acabaro por provocar o enfraquecimento e consequente modificao desta, seja parcial, seja total. Se o desacordo for total, ser necessria uma nova ordem jurdica, um novo Estado, o qual tem incio com uma nova Constituio.

    As Constituintes devem, pois, ser convocadas em situaes de emergncia absoluta, nos casos de insurreio ou movimentao poltica vitoriosa nos seus mais diferentes tipos de manifestao, ou por convocao dos prprios poderes nos casos de desagregao institucional ou de contradio legislativa que evite a funcionalidade do Estado ou dos prprios poderes, com efeitos sociais graves.

    Na histria brasileira, se por vezes no houve um rompimento institucional, houve outras rupturas. A Constituio de 1988, elaborada logo aps a superao do regime de exceo que vigorou no Pas, adviu da previso estabelecida pela Emenda Constitucional n. 26/85 ao texto ento em vigor, a Constituio de 24 de janeiro de 1967, com a

    10 BARROSO, Lus Roberto. ob. citada, p. 69. 11 VILELA, Maria Diogenilda de Almeida. Instaurao de Fato de um Ordenamento Jurdico. In: Revista do Superior Tribunal Militar n 5, 1979, p.99. 12 VILELA, Maria Diogenilda de Almeida. ob.cit., p. 100.

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    redao dada pela Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, e as alteraes feitas pelas Emendas Constitucionais n.os 2, de 1972 a 27, de 1985.

    LEGITIMIDADE PARA CONVOCAO DE ASSEMBLEIA NACIONAL

    CONSTITUINTE

    Diante do inexorvel e contnuo desenvolvimento da sociedade, a prpria ordem jurdica deve prever a possibilidade de sua alterao, a fim de adaptar-se s exigncias das transformaes sociais.

    A Constituio conceituada como base de todo o ordenamento jurdico positivo. Sua eficcia est na razo direta de sua adequao realidade social em que se insere.

    A Constituio de 1988 reflete uma reao ao autoritarismo militar que dominou o Brasil at meados da dcada de 80, estando ela condicionada s circunstncias concretas daquela poca.

    Alm da reviso realizada nos termos do art. 3 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, a Carta Fundamental prev somente a possibilidade de reforma mediante proposta de emendas ao seu texto (art. 60, da C.F.).

    Todavia, convm lembrar que sua elaborao decorreu da Emenda Constitucional n 26, de 27 de novembro de 1985, de iniciativa do ento Presidente da Repblica, que convocou uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 15 de novembro do ano seguinte, para elaborar uma nova Constituio para o Brasil.

    Delegou-se ento poderes constituintes temporrios ao Congresso Nacional, que contava inclusive com a participao dos chamados Senadores binicos.

    O precedente poder servir de exemplo na hiptese de conflito entre a ordem jurdica e a realidade social e de existirem condies scio-polticas que exijam a elaborao de uma nova Constituio, ou mesmo de uma reforma parcial (se essa for considerada possvel e legtima), como forma de salvaguardar sua positividade e eficcia da norma fundamental ou primria.

    com base na histria do constitucionalismo brasileiro, no reativo a modelos conciliadores de convocao de constituintes nascidos do prprio poder, geralmente na forma de emendas constitucionais mais ou menos amplas, que alguns autores, como por exemplo AURLIO WANDER BASTOS, aceitam a possibilidade aqui cogitada de reformas constitucionais amplas. Confira-se a opinio do autor citado13:

    13 BASTOS, Aurlio Wander. Assembleia Constituinte Exclusiva o dilema entre a prxis histrica e o ideal racional. In: Direito e Democracia. Debates sobre Reforma Poltica. Organizao: Marcio A. Mendes Costa. Rio de Janeiro. Escola Judiciria Eleitoral, 2008, p. 21.

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    na forma da Constituio vigente, tanto o Presidente quanto o Congresso podem convocar emendas de fora constituinte derivada, propondo, inclusive, alteraes no quorum constitucional, sendo, todavia, que a emenda constitucional s pode ser aprovada na forma do prprio texto constitucional. Mas, para tanto, mesmo nesta percepo restritiva, este projeto deve ser debatido e eleitoralmente vitorioso como proposta de candidatos presidenciais majoritrios ou de partidos ou de coligaes partidrias, sendo, todavia, que esta proposio constitucional dependeria sempre da aprovao da emenda por 3/5 da Cmara e do Senado, que poderiam fixar novo quorum para a reforma constituinte. Esta emenda, muito embora possa alterar o quorum constituinte para efeitos de votao dos (novos) dispositivos constitucionais, no poder alterar as clusulas ptreas (vigentes na atual constituio), porque (neste caso) o poder constituinte originrio nasce do poder constituinte derivado, o que no teria qualquer relevncia se o movimento constituinte avanasse independentemente do poder institudo.

    O citado autor, ento, v a possibilidade de uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana, desde que convocadas eleies ordinrias e retornando aps os trabalhos os constituintes vida privada ou a outras campanhas. Mas reconhece que tal no foi a prtica histrica das eleies brasileiras, que o modelo tem uma natureza ruptiva e a ideia de constituinte exclusivista est vinculada noo de que ideias existem independentemente de interesses, ou seja, ao pressuposto de que o interesse nacional prevalea sobre os interesses pessoais das fraes de classe ou poder dentro do Estado, o que reconhece o autor no seria fcil.

    REVISES CONSTITUCIONAIS POR CONSTITUINTES EXCLUSIVAS NO

    DIREITO COMPARADO

    A respeito da experincia internacional sobre constituintes exclusivas para rever a Constituio, cabe citar, com referncia em estudo realizado pelo Centro de Estudos da Consultoria do Senado14, o caso da Frana em 1958. Aps grave crise poltica e institucional provocada pela guerra colonial na Arglia (ento colnia francesa que lutava pela sua independncia) e como condio imposta pelo General De Gaulle para aceitar assumir a Chefia do Governo francs , foi aprovada uma reviso da Constituio francesa de 1946, mediante procedimento que no estava nela previsto.

    Conforme relata o Professor MANOEL GONALVES FERREIRA FILHO15, inicialmente uma lei constitucional aprovada de acordo com as regras constitucionais presentes na Constituio de 1946 derrogou as disposies do seu art. 90, que tratava do processo de emenda constitucional e estabeleceu procedimento distinto do original, em que a proposta de

    14 TRINDADE, Fernando A. G. Constituinte Exclusiva para a Reforma Poltica?. www12.senado.gov.br/.../td-80-constituinte-exclusiva-para-a-reforma-politica 15 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. O Poder Constituinte. So Paulo: Saraiva, 5 edio, 2007, pp. 37 e 38.

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    novo texto seria apresentada pelo Governo, sendo que esse texto constitucional no seria submetido ao pleno das Casas do Parlamento, mas a um Conselho do qual participariam membros do Parlamento, sendo ao final do processo submetido a referendo popular.

    Cumpre ressaltar que a reviso da Constituio francesa de 1946 efetuada naquela ocasio implicou, na verdade, no fim da vigncia daquela Constituio e mesmo no fim do perodo poltico-institucional iniciado no ps-Segunda Guerra e intitulado Quarta Repblica, com o incio da Constituio de 1958 e da chamada Quinta Repblica, a qual permanece at os dias atuais.

    Desse modo, embora naquele momento no tenha havido na Frana propriamente uma constituinte exclusiva no sentido de que hoje se cogita em nosso Pas, ocorreu um processo de reviso constitucional que foi efetuado por outro sujeito poltico que no o Parlamento, e que terminou por dar origem a uma nova Constituio.

    Por outro lado, o ilustre constitucionalista portugus JORGE MIRANDA registra uma espcie de tipologia das formas de reviso constitucional e, entre as oito que arrola, consigna a Reviso por assembleia ad hoc, por assembleia eleita especificamente e s para fazer reviso (a que se pode chamar conveno).16

    Conforme o reconhecido autor, tal sistema de reviso convocado por prvia deliberao do Parlamento, esgotando-se a sua funo revisional com o trmino dos seus trabalhos17:

    Tal o sistema, imperativamente, das Constituies francesas de 1793 (arts. 115 a 117) e 1848 (art. 111), argentina de 1860 (art. 30), srvia de 1889 (art. 201), bem como a Constituio grega de 1864 (art. 107, com a particularidade de serem necessrias duas, e no apenas uma deliberao, para que se convoque a assembleia de reviso) e ainda da nicaraguense de 1986 (quanto reviso total). Tal o sistema facultativamente, da Constituio americana (art. 5, que concede ao Congresso o poder de convocar uma conveno, se dois teros das assembleias legislativas dos Estados assim o requererem); e, em parte, das Constituies filipinas de 1935 (art. 15) e de 1982 (art. 16).

    O registro do constitucionalista portugus, em especial quanto Constituio norte-americana18, que serviu de modelo para a nossa primeira Lei Maior

    16 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra Editora, 3 edio, 1996, Tomo II, pp. 153/154 17 Idem, Ibidem, p. 156. 18 Constituio norte-americana:

    Artigo V

    Sempre que dois teros dos membros de ambas as Cmaras julgarem necessrio, o Congresso propor emendas a esta Constituio, ou, se as legislaturas de dois teros dos Estados o pedirem, convocar uma conveno para propor emendas, que, em um e outro caso, sero vlidas para todos os efeitos como parte desta Constituio, se forem ratificadas pelas legislaturas de trs quartos dos Estados ou por convenes

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    republicana, parece pertinente. Leve-se em conta, ademais, toda a influncia suplementar que tem tido o constitucionalismo norte-americano em nosso Pas.

    Devemos, tambm, fazer referncia outra modalidade de reviso registrada por JORGE MIRANDA.19 Trata-se da reviso pela assembleia ordinria, renovada aps eleies gerais e que consiste em vincular a votao da reviso pelo Parlamento a uma imediata eleio anterior, que, assim, condiciona e conforma o seu sentido. um sistema de democracia representativa, mas que avulta mais patentemente o ingrediente democrtico.

    Nesse sistema, distinguem-se dois momentos: o momento em que se reconhece a necessidade de proceder reviso e o momento em que se faz a reviso. Comea-se por elaborar uma proposta de alterao ou por definir os pontos ou os preceitos a alterar e cabe depois assembleia resultante das eleies gerais seguintes (quer pelo termo da legislatura, quer em consequncia de sua dissoluo) aprovar definitivamente as modificaes, por maioria qualificada ou no.

    A propsito, devemos recordar que a nossa Constituio imperial, bem como a republicana de 1934, continham espcies desse gnero de reviso20.

    reunidas para este fim em trs quartos deles, propondo o Congresso uma ou outra dessas maneiras de ratificao. Nenhuma emenda poder, antes do ano de 1808, afetar de qualquer forma as clusulas primeira e quarta da Seo 9, do Artigo I, e nenhum Estado poder ser privado, sem seu consentimento, de sua igualdade de sufrgio no Senado. 19 Idem, ibidem. 20 Constituio imperial de 1824

    Art. 174. Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituio do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se far a proposio por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela tera parte delles.

    Art. 175. A proposio ser lida por tres vezes com intervallos de seis dias de uma outra leitura; e depois da terceira, deliberar a Camara dos Deputados, se poder ser admittida discusso, seguindo-se tudo o mais, que preciso para formao de uma Lei.

    Art. 176. Admittida a discusso, e vencida a necessidade da reforma do Artigo Constitucional, se expedir Lei, que ser sanccionada, e promulgada pelo Imperador em frma ordinaria; e na qual se ordenar aos Eleitores dos Deputados para a seguinte Legislatura, que nas Procuraes lhes confiram especial faculdade para a pretendida alterao, ou reforma.

    Art. 177. Na seguinte Legislatura, e na primeira Sesso ser a materia proposta, e discutida, e o que se vencer, prevalecer para a mudana, ou addio Lei fundamental; e juntando-se Constituio ser solemnemente promulgada.

    Constituio republicana de 1934

    Art. 178. A Constituio poder ser emendada, quando as alteraes propostas no modificarem a estrutura poltica do Estado (arts. 1 a 14, 17 a 21); a organizao ou a competncia dos poderes da soberania (Captulos II III e IV, do Ttulo I; o Captulo V, do Titulo I; o Ttulo II; o Ttulo III; e os arts. 175, 177, 181, este mesmo art. 178); e revista, no caso contrrio.

    1 Na primeira hiptese, a proposta dever ser formulada de modo preciso, com indicao dos dispositivos a emendar e ser de iniciativa:

    a) de uma quarta parte, pelo menos, dos membros da Cmara dos Deputados ou do Senado Federal;

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    Todavia, a propsito dos casos acima relatados, diversamente do ora cogitado em nosso Pas, em todos os demais (com exceo do ocorrido na Frana em 1958) a reviso constitucional efetuada por outro rgo que no o Parlamento ordinrio est (ou estava quanto s Constituies citadas j no mais em vigor) prevista no prprio texto constitucional. E, no caso da Frana, cumpre reiterar que a reviso que acabou por dar origem a uma nova Constituio, com a consequente revogao da ordem constitucional at ento vigente, ocorreu no bojo de uma grave crise poltica, inclusive com a ameaa de ruptura institucional.

    A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DE UMA CONSTITUINTE EXCLUSIVA

    REVISIONAL EM FACE DA CONSTITUIO DE 1988

    Sem dvida que uma das questes discutidas quando se trata do tema da constituinte exclusiva sobre a reforma poltica diz respeito sua prpria constitucionalidade.

    E, quanto a essa questo primordial, parece-nos que a Lei Maior no acolhe a possibilidade de realizao de uma constituinte exclusiva para rev-la.

    Na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, h pelo menos uma deciso que trata da matria, embora de forma colateral, pois no encontramos jurisprudncia que examine especificamente a constitucionalidade de eventual constituinte exclusiva para reformar a Constituio.

    Trata-se de deciso de 1997 que estabeleceu que o Poder Legislativo seja o estadual ou o federal no pode introduzir o instituto da reviso constitucional, entendida

    b) de mais de metade dos Estados, nos decurso de dois anos, manifestando-se cada uma das unidades federativas pela maioria da Assembleia respectiva.

    Dar-se- por aprovada a emenda que for aceita, em duas discusses, pela maioria absoluta da Cmara dos Deputados e do Senado Federal, em dois anos consecutivos.

    Se a emenda obtiver o voto de dois teros dos membros componentes de um desses rgos, dever ser imediatamente submetida ao voto do outro, se estiver reunido, ou, em caso contrrio na primeira sesso legislativa, entendendo-se aprovada, se lograr a mesma maioria.

    2 Na segunda hiptese a proposta de reviso ser apresentada na Cmara dos Deputados ou no Senado Federal, e apoiada, pelo menos, por dois quintos dos seus membros, ou submetida a qualquer desses rgos por dois teros das Assembleias Legislativas, em virtude de deliberao da maioria absoluta de cada uma destas. Se ambos por maioria de votos aceitarem a reviso, proceder-se- pela forma que determinarem, elaborao do anteprojeto. Este ser submetido, na Legislatura seguinte, a trs discusses e votaes em duas sesses legislativas, numa e noutra casa.

    3 A reviso ou emenda ser promulgada pelas Mesas da Cmara dos Deputados e do Senado Federal. A primeira ser incorporada e a segunda anexada com o respectivo nmero de ordem, ao texto constitucional que, nesta conformidade, dever ser publicado com as assinaturas dos membros das duas Mesas.

    4 No se proceder reforma da Constituio na vigncia do estado de stio.

    5 No sero admitidos como objeto de deliberao, projetos tendentes a abolir a forma republicana federativa.

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    essa como uma reforma efetuada por outro meio que no o expressamente previsto no art. 60 da Lei Maior21.

    E, se vedado ao Poder Legislativo instituir processo de reviso constitucional, a ser efetuada pelo prprio Parlamento, por decorrncia lgica, parece-nos certo que com mais razo (a fortiori) tambm estaria vedada a instituio de constituinte exclusiva, sobreposta ou paralela ao Congresso Nacional, para reformar a Constituio, ainda que topicamente.

    Cabe tambm consignar que diversos constitucionalistas tm-se pronunciado pela inconstitucionalidade de reviso constitucional efetuada por outros procedimentos que no o previsto no art. 60 da Constituio Federal, como caso dos ilustres juristas Paulo Bonavides22, CELSO ANTNIO BANDEIRA DE MELLO, FLVIO PANSIENRI23, PAULO LOPO SARAIVA24, DALMO DE ABREU DALLARI25, FBIO KONDER COMPARATO26, LUIS ROBERTO BARROSO27, MARCELO CERQUEIRA28,

    21 Ao primeiro exame concorrem o sinal do bom direito, o risco de manter-se com plena eficcia o ato normativo estadual e a convenincia de suspenso no que, mediante emenda constitucional aprovada por assembleia legislativa, previu-se a reviso da Carta local, estipulando-se mecanismo suficiente a torn-la flexvel, ou seja, jungindo-se a aprovao de emendas votao em turno nico e por maioria absoluta. Ao Poder Legislativo, federal ou estadual, no est aberta a via da introduo, no cenrio jurdico, do instituto da reviso constitucional (ADI 1.722-MC, Rel. Min. Marco Aurlio, julgamento em 10-12-97, DJ de 19-9-03) - grifou-se -

    22 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, Ed. Malheiros, 23 edio, p. 209. Para ele, a convocao seria um golpe de Estado congressual. 23 Para quem o poder constituinte se manifesta apenas em momentos de ruptura, de forma ilimitada e insubordinada, no sendo o caso atual. 24 Plenamente contrrio convocao de qualquer convocao constituinte, porquanto tal prejudicaria a concretizao do texto em vigor. 25 Segundo o qual o Pas no precisa de uma constituinte, e sim de mobilizao popular em torno de emendas constitucionais. 26 Para quem qualquer deciso para mudar a Constituio sem considerar-se o processo de emenda constituiria um golpe de Estado. 27. No possvel. A teoria constitucional no conseguiria explicar uma constituinte parcial. A ideia de poder constituinte a de um poder soberano, um poder que no deve seu fundamento de legitimidade a nenhuma outra fora que no a si prprio e soberania popular que o impulsionou. De modo que ningum pode convocar um poder constituinte e estabelecer previamente qual a agenda desse poder constituinte. Poder constituinte no tem agenda pr-fixada. (...) Mas s vezes a realidade derrota a teoria constitucional. Isso no seria propriamente um problema. Mas a verdade que no h necessidade, porque voc precisaria de um Poder Constituinte Originrio se houvesse na Constituio alguma coisa que impedisse a reforma poltica de que o Pas precisa. No h absolutamente nada. A Constituio tem como clusulas ptreas a separao de poderes e a Federao. Eu acho que ningum quer derrotar isso.(...) No h nenhuma clusula ptrea que impea de fazer a reforma poltica que se queira. Voto distrital misto, no h impedimento na Constituio. Se quiser fazer s voto distrital, portanto majoritrio puro, no h impedimento na Constituio. Se quiser instituir um modelo de fidelidade partidria, no h impedimento na constituio. Se quiser impedir as coligaes nas eleies proporcionais, no h impedimento. Eu no vi nenhuma ideia posta no debate sobre reforma poltica que no possa ser feita, concretizada com a Constituio que ns temos ou no mximo com uma Emenda Constituio. Ento portanto eu acho que a ideia de colocar um Poder Constituinte Originrio mais um fenmeno retrico do que uma necessidade jurdica.

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    MIGUEL REALE Jr.29, BERNARDO CABRAL30, EDER WILSON GOMES31, RONALDO REBELLO DE BRITTO POLETTI32, CARLOS MRIO DA SILVA VELLOSO33, MAURCIO GENTIL34 35, RAFAEL BALIARDO E RODRIGO HAIDAR36, GUSTAVO

    http://www.osconstitucionalistas.com.br/nao-e-possivel-diz-barroso-sobre-constituinte-exclusiva-para-reforma-politica 28 Segundo o qual no necessitamos de uma constituinte para promover a reforma poltica, porquanto a constituinte s tem lugar quando h ruptura, no sendo o caso no momento. 29 REALE JNIOR, Miguel. Uma Constituinte a sada para a reforma poltica? In: O Estado de So Paulo, So Paulo, 04/08/ 2006. 30 CABRAL, Bernardo J. Constituinte exclusiva?! Em: Justia & cidadania, n. 155, p. 8, jul. 2013. De logo, se insurge contra a convocao de um plebiscito para fazer uma reforma poltica ampla e profunda via constituinte exclusiva, eis que no vive o pas sob o signo de uma ruptura poltico institucional. 31 GOMES, Eder Wilson. Uma constituinte parcial, o joio e o trigo. In: Consulex : revista jurdica, v. 17, n. 396, p. 38-39, jul. 2013:

    A direo maior do Pas, reunida ento, veio com a soluo para os males, mais ou menos um novo conceito de roda: a convocao de plebiscito para uma constituinte especfica, supostamente, to somente direcionada para a Reforma Poltica. O problema que o Poder Constituinte, de verve originria iklimitado. A cada Constituio, cria-se um novo Estado, com todas as suas feies. Uma vez convocado, sabe-se l o que pode ser criado. No existe Constituinte especfica, porque sequer h compromisso de tal poder com a populao, porque ele cria uma nova estrutura de Estado! ... H emendas constitucionais e projetos de lei que podem ser imoplementados para se instalar reformas necessrias dinamicidade do Estado.

    32 POLETTI, Ronaldo. As lies da rua. In: Consulex : revista jurdica, v. 17, n. 399, p. 10, set. 2013. Para o autor, a reao do Gioverno s ruas foi a pior possvel. O plebiscito pode ser realizado para importantes questes infraconstitucionais. Para questes fundamentais, disciplinadas na Constituio, relacionadas a uma eventual reforma, exigiria duas emendas constitucionais: uma para permiti-lo para matria da Lei Maior, outra para aplicar o seu resultado. Ademais, a proposta de uma Constituinte exclusiva para a reforma pretendida representaria um absurdo indito na histria do constitucionalismo, afinal, o Poder Constituinte originrio supremo, uno e indivisvel, e incondicionado. Por outro lado, o Congresso Nacional j possui o Poder Constituinte Derivado Reformador. 33 VELLOSO, Carlos Mrio da Silva, 'O plebiscito uma forma de enganar o povo' [entrevistado por:] Helena Mader e Tereza Rodrigues. Em: Pastas dos Ministros, n. CV. Ministro Carlos Velloso. Em: Encontro, v. 1, n. 10, jul. 2013. O Ministro aposentado do STF chamou de absurda a iniciativa da presidente Dilma Roussef de defender a realizao de um plebiscito para a realizao da reforma poltica, uma forma de distrair, de enganar o povo, uma vez que no tem apoio na ordem jurdica. Ressaltou que a reforma poltica deve ser debatida pelos representantes e o povo deve ir para a porta do Congresso. 34 www.infonet.com/mauriciomonteiro/ler.asp?id=161841. Reforma Poltica sim, Constituinte no! - Parte I

    Todavia, o sistema proposto para chegar a esse resultado, reivindicar a convocao de uma assembleia constituinte exclusiva e soberana do sistema poltico, , em nosso entendimento, alm de juridicamente invivel, politicamente inconsistente, isso para no mencionar o flanco que abre para enormes retrocessos na nossa evoluo democrtica.

    35 http://www.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=162115&titulo=mauriciomonteiro Reforma Poltica sim, Constituinte no! - Final 36 http://www.conjur.com.br/2013-jun-24/constituinte-reforma-politica-desnecessaria-perigosa: A ideia lanada nesta segunda-feira (24/6/13) pela presidente da Repblica Dilma Rousseff de convocar um plebiscito que decidir sobre a instalao de uma Assembleia Constituinte para tratar exclusivamente de reforma poltica desnecessria, juridicamente duvidosa e perigosa. Essa a opinio da maioria dos advogados e ministros, aposentados e em atividade, do Supremo Tribunal Federal ouvidos pela revista Consultor Jurdico.

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    BINENBOJM37, MARCUS VINCIUS FURTADO COELHO38 e MANUEL GONALVES FERREIRA FILHO39, para quem:

    Assim, somente resta hoje, no direito positivo, um caminho para a alterao da Constituio: a aprovao de emendas constitucionais, de acordo com o procedimento estabelecido no art. 60 e respeitadas as clusulas ptreas inscritas no seu 4. Por exigir 3/5 dos votos dos deputados e outro tanto dos senadores, em dois turnos, considera-se muito difcil, at invivel, levar a cabo as mudanas mais polmicas. ( verdade que a emenda da reeleio desmente a dificuldade nos casos em que h real empenho do Governo...).

    Em sentido contrrio, em uma perspectiva de defesa da adequao Lei Maior de uma constituinte exclusiva para a reforma poltica, devemos fazer referncia ao posicionamento do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), WLTER MAIEROVITCH40 e do no menos ilustre constitucionalista IVES GANDRA DA SILVA MARTINS.

    O IAB entende a iniciativa como indispensvel para suprir a apatia e a omisso do Congresso em fecundar leis aptas a conceder maior legitimidade ao poder, bloquear as fontes de corrupo pblica e punir agentes da representao poltica alcanados em prticas criminosas, o que no seria alcanado pelo prprio Parlamento, uma vez que os parlamentares

    Desnecessria porque perfeitamente possvel fazer a to esperada reforma poltica dentro dos marcos legtimos fixados pela Constituio Federal de 1988. Ou seja, por meio de projetos de lei e propostas de emenda Constituio. Juridicamente duvidosa porque no possvel se convocar uma Assembleia Constituinte para tratar de um assunto especfico. O poder constituinte originrio ilimitado. Logo, poderia avanar para muito alm da reforma poltica. E perigosa porque constituinte no tm compromissos com a ordem jurdica vigente. Logo, possvel romper com a ordem vigente hoje no pas e que garantiu, at hoje, 25 anos de estabilidade institucional. Sob a roupagem da reforma poltica, pode-se reestruturar o pas. Pode-se diminuir o tempo de mandato do presidente da Repblica, por exemplo. Alterar a forma de escolha dos ministros do Supremo ou fixar mandatos. Na prtica, a criao de um quarto poder que poder mais do que os outros trs poderes, afirmou ConJur um ministro do Supremo Tribunal Federal que criticou a ideia. Para ele, reforma poltica se faz por meio de leis e emendas Constituio. 37 Questionou a necessidade poltica da convocao de uma Assembleia Constituinte diante da histria recente do pas, com 73 emendas em 25 anos provando possvel o trabalho do constituinte derivado; lembrou os riscou da ilimitao de um poder constituinte originrio; ressaltou a ausncia de ruptura institucional a justificar a necessidade de convocao de uma assembleia constituinte; e pediu a canalizao da energia popular para o Congresso Nacional, nos seguintes termos: Sopesando bem os prs e contras, acho que essa energia popular presente nas manifestaes nas ruas poderia ser canalizada para um processo de reforma construdo dentro dos marcos da Constituio Federal de 1988, com a salvaguarda de que os direitos das minorias e os direitos e garantias fundamentais sero preservados. 38 Afirmou que, do ponto de vista tcnico, a proposta da presidente Dilma Rousseff invivel no apenas pelos riscos inerentes dessa iniciativa, como tambm em face do poder ilimitado que lhe permite reformar ou fazer o que bem entender. Em resumo, no

    possvel convocar uma Constituinte para discutir matria a ou b, pois ela prpria quem define. 39 FERREIRA FILHO, Manuel Gonalves. O Poder Constituinte. So Paulo: Saraiva, 1999. p. 185 40 MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. Dilma e o plebiscito. In: Carta Capital, v. 18, n. 755, p. 39, jul. 2013. Para ele, o indefinido e vago plebiscito, bem como tudo o que fique para o Congresso definir, uma falcia. A nica soluo seria partir de um projeto concreto e escrito de convocao de Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva, clausulada com a impossibilidade de o constituinte eleito poder concorrer, por dez anos, a cargos eletivos, e sujeita a referendo popular.

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    no abririam mo de seu privilgio de foro, sua imunidade processual, seu troca-troca de partidos, suas legendas de aluguel etc. Para a entidade, tal Assembleia deveria ser constituda sem a participao de portadores de mandatos e margem da interferncia de partidos. Mas mesmo os que admitem a possibilidade, como JOSEMAR DANTAS, pensam que talvez no valha pena o custo-benefcio, tendo em vista que poderia ser convocado plebiscito prvio para impor condies e vontades algo fcil de alcanar mediante o aliciamento das massas menos politizadas, hoje manipuladas pelas polticas clientelistas do governo41.

    Comentando o tema, diz IVES GANDRA MARTINS que no enxerga inconstitucionalidade na realizao de uma assembleia especfica para reformar topicamente a Lei Maior,

    desde que alicerada em dois pr-requisitos, a saber: 1) a aprovao por emenda constitucional da convocao com previso de um plebiscito (no caso de tratar-se apenas da autorizao para convocao) ou de um referendo (se os termos da convocao j constarem da prpria Emenda Constitucional); 2) que a Constituinte seja exclusiva, podendo concorrer para comp-la, em eleies livres, qualquer cidado brasileiro, sem necessidade de filiar-se a partido poltico, exceo feita queles que pretendam disputar as eleies seguintes ou estejam no exerccio de mandato eletivo.42

    No entender do Professor IVES GANDRA, a realizao de um plebiscito ou referendo equacionaria o problema do vcio de legitimidade ou de inconstitucionalidade.

    Neste ponto, devemos registrar a nossa convico pessoal: com a devida vnia dos que tm entendimento diverso, entendemos, com o nosso colega do Senado Federal FERNANDO TRINDADE e tantos outros constitucionalistas, que no se conforma com a Constituio de 1988 a convocao e a realizao de uma constituinte exclusiva para rever o texto constitucional, ainda que limitada a tema especfico e mesmo que tal assembleia seja aprovada por emenda Constituio aps plebiscito favorvel ou receba a chancela popular em referendo aprovado aps a sua concluso.

    Conforme pensamos, o nico rgo competente para reformar a Constituio de 1988 o Congresso Nacional, com a tramitao da proposta ocorrendo separadamente em cada uma das suas Casas e com a necessidade de sua aprovao em dois turnos, por trs quintos dos Deputados e dos Senadores, de acordo com o procedimento previsto no art. 60 da Lei Maior.

    A nosso ver, uma reviso unicameral por maioria absoluta dos votos s teria legitimidade se prevista pelo constituinte originrio, como foi o caso do processo de reviso estabelecido no art. 3 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias (ou se tivesse sido

    41 DANTAS, Josemar. Riscos da constituinte. In: Correio braziliense, n. 16367, 10/03/ 2008. Direito & justia, p. 2 42 Revista Jus Vigilantibus (eletrnica), 10 de agosto de 2006 http://jusvi.com/artigos/22198

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    aprovada pelo prprio congresso revisional que se realizou em 1993/1994). Mas todos sabemos que no foi isso o que aconteceu.

    De outra parte, h que refletir se uma nova reviso unicameral no iria de encontro clusula ptrea da federao constante do 4 do art. 60 do Estatuto Magno. A unicameralidade dilui os votos dos Senadores, em prejuzo da representao dos Estados. Recordemos que o texto do dispositivo logo acima citado veda a deliberao de proposta de emenda tendente a abolir tal clusula ptrea (art. 60, 4, I). A propsito desse dispositivo constitucional escreve o douto constitucionalista Jos Afonso da Silva43:

    claro que o texto no probe apenas emendas que expressamente declarem: fica abolida a Federao ou a forma federativa de Estado, fica abolido o voto direto... (...) A vedao atinge a pretenso de modificar qualquer elemento conceitual da Federao, ou do voto direto (...); basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, tenda (emendas tendentes, diz o texto), para a sua abolio.

    Cumpre tambm recordar a deciso do Supremo Tribunal Federal j acima referida.

    Ademais, sempre com a devida vnia ao Professor IVES GANDRA, dissentimos do seu entendimento no sentido de que a realizao de plebiscito ou referendo equacionaria o problema do vcio de legitimidade ou de inconstitucionalidade de uma constituinte revisora.

    A maioria dos eleitores, mesmo mediante plebiscito ou referendo, no pode sanar o vcio de inconstitucionalidade de uma constituinte revisora, no pode fazer letra morta dos limites sua reforma, que a prpria Constituio impe no art. 60, 4. Recordamos que uma das razes ontolgicas para a prpria existncia das Constituies est na necessidade de se impor limites ao exerccio do poder, ainda que respaldado pela maioria do eleitorado.

    Nesse sentido, WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS44 considera que plebiscitos e referendos proporcionam o indispensvel esclarecimento quanto inclinao majoritria da populao vigente, mas convm considerar que substituir permanentemente as instituies representativas por consultas plebiscitrias populao uma tese atraente, mas equivocada. De fato, o parlamento vem a ser precisamente o lugar em que so expostos argumentos contraditrios, em que se processa a persuaso de uns, a reconsiderao de outros e a deliberao que, afinal, raramente corresponde imaculadamente a alguma das opinies originrias. E, quanto s grandes expectativas a propsito dos mecanismos complementares de democracia direta, conclui que so, essencialmente, omnifuncionais, tanto servem democracia como podem beneficiar tiranias.

    43 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed. Revista dos Tribunais, 5 edio, p. 59. 44 SANTOS, Wanderley Guilherme. O paradoxo de Rousseau: uma interpretao democrtica da vontade geral. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. pp. 7, 8 e 10.

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    Obviamente isso no afasta por si s a possibilidade de o fenmeno do poder enquanto tal (apoiado na maioria popular ou no) desconsiderar as regras constitucionais, como ocorreu no Pas em 1964 e caracterizou o golpe de Estado ento efetuado. Mas nessa hiptese no teramos mais a Constituio de 5 de outubro de 1988, entendida como um pacto de convivncia poltica firmado e legitimado naquele momento histrico pela assembleia constituinte.

    Ainda, sobre tais mecanismos de participao popular, adverte o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal AYRES BRITTO que a Constituio Federal no d ao Congresso o poder de convocar um plebiscito para tratar da matria especfica: O Congresso Nacional pode, por motivos de convenincia e oportunidade, repassar para o povo, convocado plebiscitariamente, seu poder normativo. Ou seja, s pode convocar o povo a decidir sobre os temas que ele prprio, Congresso, tem legitimidade para decidir. No o caso de convocao de plebiscito para decidir a instalao de uma Assembleia Constituinte, mas sim o desarmamento. O Congresso no poderia, por exemplo, convocar um plebiscito para decidir sobre a fixao da pena de morte no Brasil, pois no tem o poder de legislar em relao ao tema. Logo, se no cabe ao Congresso decidir sobre a instalao de uma Assembleia Constituinte, no tem o poder de convocar um plebiscito para decidir sobre a matria.

    Nenhuma Constituio tem vocao para o suicdio. Por isso, no prev a possibilidade de se convocar uma Assembleia Constituinte. Toda Constituinte a sentena de morte da Constituio anterior e, neste caso, o Congresso Nacional no pode convocar o povo para agir como o coveiro da Constituio de 1988, que agora que comea a dar seus belos frutos, afirmou o Ministro.

    De toda sorte, no vivemos em um perodo de instabilidade, nem mesmo sob os auspcios de uma inarredvel circunstncia poltica a impor uma mudana substancial no texto constitucional nem estaramos diante de uma iminente quebra da ordem constitucional ou jurdica, em uma fase intermediria entre uma ordem jurdica jacente e dbil e uma ruptura poltica iminente. No h sequer aquele indutor moral, como foi o fim do regime militar. Na verdade, a motivao dos defensores da Constituinte (exclusiva), quando no desviar a ateno popular de assuntos polmicos que esto chamando muita ateno, reside, j se disse, nas dificuldades para se aprovar matrias que exigem maioria slida, dificuldades de superar conflitos e divergncias, prprias de qualquer ambiente democrtico.

    Por outro lado, sem embargo do precedente acima lembrado, no nos arriscamos a predizer o que o Supremo Tribunal Federal decidiria a respeito da matria, pois a composio do Tribunal hoje bem diversa daquela de 1997, quando ocorreu a deciso j referida. De qualquer forma, parece-nos certo que uma deciso do Congresso Nacional aprovando a realizao de uma constituinte exclusiva acabaria questionada na Suprema Corte.

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    O PROBLEMA DA DELIMITAO DA AMPLITUDE DA REFORMA

    Ademais, uma vez instalada tal assembleia, no seria fcil estabelecer entendimento consensual sobre que matrias seriam objeto de sua apreciao e quais no seriam. A expresso reforma poltica pode ter vrias interpretaes, mais amplas ou mais restritas, e as alteraes eventualmente promovidas podem levar a incongruncias e contradies em outros tpicos da Constituio.

    No por acaso, dispositivos das PECs citadas preceituam que os artigos da Constituio Federal que no estejam ali especificados no podero ser alterados, exceto com o fim de eliminar incongruncias eventualmente criadas pelas alteraes neles introduzidas. E ocorre que localizar essas incongruncias e, uma vez localizadas, san-las, no seria tarefa de fcil deslinde tcnico e muito menos de fcil entendimento poltico.

    A respeito da inoportunidade da realizao da constituinte exclusiva cogitada, e mesmo das dificuldades de sua realizao, trazemos algumas das ponderaes do Vice-Presidente da Repblica e constitucionalista MICHEL TEMER45:

    (...) uma constituinte s pode ser convocada para abrigar situaes excepcionais. Somente a excepcionalidade poltico-constitucional a autoriza. Foi assim com a Constituinte de 87/88. (...)

    Sob essa configurao, inaceitvel a instalao de uma constituinte exclusiva para propor a reforma poltica. No vivemos um clima de exceo e no podemos banalizar a ideia da constituinte, seja exclusiva ou no.

    Seu pressuposto ancora-se em certo elitismo, porquanto somente pessoas supostamente mais preparadas e com maior vocao pblica poderiam dela participar. O que, na verdade, constitui a negao do sistema representativo. Numa sociedade multifacetada como a nossa, multiforme h de ser a representao popular.

    Com todos os defeitos, o Congresso representa as vrias classes sociais e os mais diversos segmentos produtivos do pas. Para realizar a reforma poltica, no preciso invocar uma representao exclusiva. Basta mexer com os brios dos atuais representantes, que se animaro a realiz-la.

    .......................................................................................................................

    (...) h questes complexas a serem equacionadas: como realizar uma constituinte exclusiva? Os atuais parlamentares poderiam dela participar? Se participassem, teriam dois mandatos, um constituinte e um ordinrio? Quem participa da constituinte exclusiva pode ver cerceado seu direito de cidado para participar de uma legislatura ordinria? No seria uma restrio cidadania? Como funcionariam

    45 TEMER, Michel. No constituinte exclusiva. In: Folha de S. Paulo, n. 28643, p. A3, 04/09/2007.

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    a constituinte exclusiva e a legislatura ordinria? Haveria concomitncia de atividades? grifou-se

    Mais recentemente, tambm reiterou seu posicionamento contrrio constituinte exclusiva, o j aqui citado JOS AFONSO DA SILVA46, um dos decanos do constitucionalismo ptrio e dos que mais contriburam para o texto da Constituio de 1988, que alertou nos termos abaixo:

    Sem uma ruptura da ordenao constitucional existente, no h o pressuposto essencial para a convocao de Constituinte alguma, exclusiva ou no. Quando existe uma Constituio legtima, como a Constituio de 1988, a ideia de convocar Constituinte no passa de jogo dos interesses contrariados por ela e do desejo de destru-la.

    O poder constituinte originrio inseriu na Constituio os modos pelos quais ela poderia ser modificada: o processo de reviso (no art. 3 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias), realizado e esgotado, e o processo de emendas (art. 60 da Constituio).

    Este, hoje, o nico meio legtimo para reformar a Constituio. Fora dele fraude, porque a se prev simples competncia para modificar a Constituio existente, competncia delegada exclusivamente ao Congresso Nacional pelo poder constituinte originrio, que no o autorizou a transferi-la a outra entidade. Se o fizer, comete inconstitucionalidade insanvel. grifou-se

    CONCLUSO

    Uma vez que uma Assembleia Constituinte , por definio, constituidora de um novo Estado, uma Assembleia Constituinte Exclusiva para tratar exclusivamente da reforma poltica (ou qualquer outro tema) nos parece juridicamente invivel.

    Qualquer alterao na Constituio de 1988 deve ser necessariamente efetuada com a formao de uma ampla maioria poltica no Congresso Nacional, qualificada no prprio Texto Magno em trs quintos de votos favorveis dos componentes de cada uma das duas Casas requeridos para que seja aprovada proposta de emenda Constituio (art. 60, 2).

    Tais regras resultaram de um pacto democrtico, firmado em 5 de outubro de 1988 e resultado de um longo processo de luta contra um regime arbitrrio que se alongou por mais de vinte anos e surgiu exatamente da usurpao de uma outra Constituio. a legitimidade da Carta Magna que demarca o campo legal de disputa pelo poder institucional que travam as diversas e mesmo contraditrias foras polticas e sociais que existem no Pas, para alm de suas divergncias e diferenas.

    46 Folha de So Paulo, 4/9/2010.

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    Desse modo, qualquer alterao do texto constitucional deve ser efetuada por meio dos procedimentos nele previstos, os quais garantem e avalizam o consenso majoritrio necessrio manuteno da legitimidade que limita os marcos institucionais da disputa poltica. Pois, uma vez ferida tal legitimidade, corre-se o risco de a disputa poltica ultrapassar tais marcos, e no saber-se aonde vai chegar (eis que, em regra, o poder constituinte autnomo e ilimitado).

    As presses populares podem e devem existir, mas um plebiscito ou referendo jamais legitimar uma inconstitucionalidade. A Constituio em vigor no deu aos mecanismos de participao popular este poder e a nossa democracia no (nem poderia ser) direta, tendo em vista nossas dimenses continentais. As presses s podero ser de fato efetivas se efetivamente exercidas, com cobranas aos representantes.

    De toda sorte, caso se impusesse uma reforma Constituio por meio de uma dita Constituinte exclusiva, ela s poderia ser convocada por meio de uma Emenda especfica Constituio, com esse fim explcito, estabelecendo exatamente quais matrias seriam examinadas, como se dariam as deliberaes e, em qualquer caso, o que viesse a ser aprovado no poderia, em nenhuma hiptese, desrespeitar as reservas que a Constituio em vigor prev para a sua modificao.

    O que diria o Supremo Tribunal Federal de uma tal Emenda, quem viver ver.

    2014_15761