CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS DIDÁTICOS COM...

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CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS DIDÁTICOS COM IMPRESSORAS 3D Leonardo De Conti Dias Aguiar [email protected] Unesp, Faculdade de Ciências, Pós Graduação em Educação para a Ciência Bauru - SP Wilson Massashiro Yonezawa [email protected] Unesp, Faculdade de Ciências, Departamento de Computação Av. Eng. Luiz Edmundo C. Coube 14-01. Geisel Bauru - SP Resumo: Este trabalho mostra como instrumentos didáticos para o ensino de ciências podem ser desenvolvidos com a utilização da tecnologia de impressão 3D. A utilização deste tipo de tecnologia requer cuidados e planejamento. Um modelo de processo descreve passo a passo como um professor pode trabalhar com ela. A construção dos objetos físicos necessários para uma demonstração investigativa no ensino de física é utilizado como exemplo para ilustrar e discutir cada etapa do modelo de processo. Ao final o texto mostra como o conhecimento gerado pode ser divulgado, compartilhado e reutilizado pelos educadores. Palavras-chave: Ensino de ciências, Instrumentação para o ensino de ciências, Impressão 3D, Ciência e tecnologia. 1 INTRODUÇÃO A técnica chamada hoje de impressão 3D teve sua primeira patente publicada em março de 1986 e registrada por Charles W. Hull em 1984 (Figura 1). Formado em engenharia física, registrou um método de construir objetos tridimensionais denominado estereolitografia (stereolitography). A técnica consiste em solidificar camadas de um fotopolímero (similar a uma resina), utilizando a luz. As impressoras mais atuais desse tipo utilizam um aparato simples: um projetor de alta resolução, igual aos utilizados em apresentações de slides, projetando imagens sobre um recipiente repleto de resina e com uma plataforma que se movimenta verticalmente. O processo inicia-se com essa plataforma quase no topo do balde; uma imagem é projetada por alguns segundos sobre a fina camada de resina causando uma solidificação com o formato da imagem projetada. Em seguida essa plataforma desce alguns micrômetros e novamente uma imagem levemente diferente da anterior é projetada para solidificar mais uma camada; assim, de camada em camada, uma solidificada sobre a outra, forma-se o objeto tridimensional. Em uma entrevista para uma rede de televisão americana,

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CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS DIDÁTICOS COM

IMPRESSORAS 3D

Leonardo De Conti Dias Aguiar – [email protected]

Unesp, Faculdade de Ciências, Pós Graduação em Educação para a Ciência

Bauru - SP

Wilson Massashiro Yonezawa – [email protected]

Unesp, Faculdade de Ciências, Departamento de Computação

Av. Eng. Luiz Edmundo C. Coube 14-01. Geisel

Bauru - SP

Resumo: Este trabalho mostra como instrumentos didáticos para o ensino de ciências podem

ser desenvolvidos com a utilização da tecnologia de impressão 3D. A utilização deste tipo de

tecnologia requer cuidados e planejamento. Um modelo de processo descreve passo a passo

como um professor pode trabalhar com ela. A construção dos objetos físicos necessários para

uma demonstração investigativa no ensino de física é utilizado como exemplo para ilustrar e

discutir cada etapa do modelo de processo. Ao final o texto mostra como o conhecimento

gerado pode ser divulgado, compartilhado e reutilizado pelos educadores.

Palavras-chave: Ensino de ciências, Instrumentação para o ensino de ciências, Impressão

3D, Ciência e tecnologia.

1 INTRODUÇÃO

A técnica chamada hoje de impressão 3D teve sua primeira patente publicada em março

de 1986 e registrada por Charles W. Hull em 1984 (Figura 1). Formado em engenharia física,

registrou um método de construir objetos tridimensionais denominado estereolitografia

(stereolitography). A técnica consiste em solidificar camadas de um fotopolímero (similar a

uma resina), utilizando a luz. As impressoras mais atuais desse tipo utilizam um aparato

simples: um projetor de alta resolução, igual aos utilizados em apresentações de slides,

projetando imagens sobre um recipiente repleto de resina e com uma plataforma que se

movimenta verticalmente. O processo inicia-se com essa plataforma quase no topo do balde;

uma imagem é projetada por alguns segundos sobre a fina camada de resina causando uma

solidificação com o formato da imagem projetada. Em seguida essa plataforma desce alguns

micrômetros e novamente uma imagem levemente diferente da anterior é projetada para

solidificar mais uma camada; assim, de camada em camada, uma solidificada sobre a outra,

forma-se o objeto tridimensional. Em uma entrevista para uma rede de televisão americana,

Charles Hull disse que teve essa ideia pela primeira vez em 1983, quando trabalhava em uma

pequena empresa fazendo o endurecimento de revestimentos de mesas utilizando ultravioleta.

Alguns anos depois, Scott Crump contribuiu com o desenvolvimento das impressoras

3D. Sua patente foi registrada em 1989 e descrevia um aparato para criar objetos

tridimensionais (Figura 2). O equipamento utilizava o método de modelagem por fusão e

deposição (Fused Deposition Modelin - FDM). O principal objetivo da sua invenção era

facilitar a prototipagem na engenharia. O método de uma impressora 3D FDM é similar a uma

impressora jato de tinta, mas com um tipo de pistola de cola quente no lugar do cartucho de

tinta. Além do movimento em duas direções que há nas impressoras normais, adiciona-se

terceiro eixo para permitir que essa pistola de cola quente vá para cima e para baixo. Com o

movimento nas três direções, o bico da impressora 3D deposita fios de material derretido,

normalmente plástico, uns sobre os outros, até formar o objeto tridimensional. Por ter um

funcionamento mais simples que a esterolitografia, o FDM é hoje o método dominante nas

impressoras 3D de uso pessoal; a estereolitografia ficou mais restrita a aplicações

profissionais, como o design de produtos, engenharia e manufatura.

Figura 1 – Imagem-esquema registrada na

patente de Charles Hull.

Fonte: USPTO (1986) 1

Figura 2 – Imagem-esquema registrada na

patente de Scott Crump.

Fonte: USPTO (1992) 2

Em 2003, Sparks et al. (2004) realizaram um workshop sobre prototipagem rápida através

do uso de impressoras 3D para alunos e professores de ensino médio do St. Louis Community

College no Florissant Valley, Missouri, EUA. O objetivo foi expor essa técnica e analisar o

seu impacto dela na escolha das profissões dos alunos. Os participantes relataram que

conseguiam ver conexões entre os tópicos do workshop com o que estavam ensinando, no

caso dos professores, ou aprendendo, no caso dos estudantes. Dentre os relatos obtidos, um

aluno disse: “Há uma conexão entre este curso e a disciplina Álgebra II”; um professor

também deu sinais positivos: “Definitivamente, como professor de matemática, eu vejo

conexões matemáticas e geométricas no desenho, elaboração e na produção do protótipo”.

1 Hull, Charles W., "Apparatus for production of three-dimensional objects by stereolithography." U.S. Patent 4.575.330,

publicada em 11 de março de 1986. 2 Crump, S. Scott, "Apparatus and method for creating three-dimensional objects." U.S. Patent 5.121.329, publicada em 9 de

Junho de 1992.

Em Outubro de 2013, o Departamento para a Educação do Governo do Reino Unido

divulgou um relatório sobre um projeto de utilização de impressoras 3D em 21 escolas com a

finalidade de enriquecer o currículo do ensino de ciências, tecnologia engenharia e

matemática. As escolas receberam recursos pra adquirir a impressora 3D, suprimentos e

suporte. O principal objetivo era investigar o potencial da impressão 3D como forma de

estímulo e inovação na maneira de ensinar. O relatório afirma que várias escolas reportaram

que houve altos níveis de motivação nos alunos quando eles se engajavam nesse projeto. O

diretor da escola de ensino médio Settlebeck na cidade de Sedberg do Condado de Cúmbria,

norte da Inglaterra, afirmou: Todos os alunos que estiveram envolvidos com as impressoras 3D até agora

ficaram inspirados com as possibilidades. A oportunidade para compreender

rapidamente um conceito ou ideia num objeto 3D é uma poderosa e incrível

ferramenta de ensino (DEPARTMENT FOR EDUCATION, 2013).

O objetivo deste artigo é apresentar um processo de uso da tecnologia de impressão 3D

na construção de instrumentos didáticos. O processo é divido em fases, começando com

seleção de conteúdo ou conceito científico, passando pela elaboração do plano de trabalho e

caminhando até a impressão física em 3D dos objetos.

2 ESCOLHENDO UMA IMPRESSORA 3D

A escolha de uma impressora 3D deve atender as necessidades da escola e dos usuários.

Pela experiência obtida com o uso delas e por sugestões encontradas no relatório do

Departamento para a Educação do governo inglês sobre o projeto piloto de impressoras 3D

em escolas, há alguns pontos devem ser considerados:

Quem irá usá-la (apenas professores? alunos também? a comunidade?);

Velocidade de impressão necessária;

Interface de comunicação entre a impressora 3D e o arquivo a ser impresso (porta

USB? cartão SD? os arquivos serão enviados pela rede?);

Custo dos suprimentos;

Facilidade de uso;

Compatibilidade da impressora com os sistemas operacionais em uso na escola;

Garantia e assistência técnica após a compra.

Este trabalho analisou três impressoras disponíveis no Brasil (figuras 3a, 3b e 3c) que

utilizam impressão FDM. A Tabela 1 apresenta as principais características das impressoras

estudadas.

(a)

(b)

(c)

Figura 3 – Impressoras 3D: (a) RepRap versão Prusa Mendel. Fonte: RepRap. (b) Cliever.

Fonte: Cliever Tecnologia; (c) Cube de 2ª Geração. Fonte: 3D Systems.

Tabela 1 - Características de três modelos de impressoras 3D segundo critérios que devem ser

levados em conta na hora da escolha de uma delas

RepRap3 Cliever4 Cube 25

Facilidade de uso Média Alta Alta

Custo da impressora Baixo

(R$ 2360, 00)

Baixo/médio

(R$ 4659,00)

Baixo/médio

(R$ 3998,00)

Custo dos suprimentos Baixo

(R$ 180/kg)

Baixo

(R$ 180/kg)

Médio/Alto

(R$ 590,63/kg)

Assistência técnica no

Brasil

Não, mas há uma grande e ativa

comunidade virtual para ajudar.

Sim Sim

Compatibilidade com

sistemas operacionais

Windows e Linux Apenas

Windows

Apenas

Windows

Interface de comunicação Normalmente USB, mas pode

ser customizada

USB USB, wifi e

Pendrive

3 PROCESSO DE UTILIZAÇÂO

Dentre inúmeras aplicações no contexto escolar, a impressão 3D pode ser utilizada na

recriação de atividades experimentais e modelos, como moléculas para o ensino de química e

cadeias de DNA para ilustrar aulas de biologia. A Figura 4 apresenta um processo de uso da

impressão 3D definido por etapas/atividades. Os retângulos representam etapas ou atividades

e as elipses informações necessárias.

A primeira etapa envolve a seleção de conteúdos e conceitos. A construção de um

instrumento didático inicia-se pela identificação do que se deseja alcançar com a utilização

dele: demonstrar e facilitar a compreensão de algum conceito; causar um conflito nas

concepções dos estudantes devido a um comportamento inesperado; gerar curiosidade nos

estudantes; etc. Uma vez definido o objetivo, é preciso elaborar um plano de construção.

Nesta etapa analisam-se as características materiais do objeto, sua geometria, medidas e como

elas influem no funcionamento, afinal, se o objetivo é construir uma hélice para auxiliar no

ensino de empuxo, não se pode desenhar cada pá com qualquer tamanho e ângulos, pois o

resultado não deverá ser exatamente o desejado. O plano de construção também deve

observar as restrições e facilidades da tecnologia de impressão 3D disponível para o

professor. Algumas vezes o objeto pode parecer isento de requisitos nas relações entre as

suas medidas, por exemplo, um professor deseja apenas um modelo atômico de uma molécula

de água (H2O) para usar como ilustração durante as aulas, mas se as esferas que representam

os átomos forem desenhadas com qualquer diâmetro, um aluno poderá questionar o professor:

“Por que as bolinhas são todas de tamanhos diferentes sendo que há apenas dois tipos de

átomos nas moléculas de água?”. Apesar de que desenhar uma imagem 3D no computador é

uma tarefa relativamente simples, ela não deve ser realizada sem critério.

Após a elaboração do plano de construção faz-se necessário à elaboração de esboços.

Esboços são rascunhos a respeito dos objetos que serão construídos, eles também auxiliam na

identificação de requisitos que devem ser atendidos quando os objetos forem construídos.

3 RepRap: http://reprap.org/

4 Cliever impressoras 3D: <http://www.cliever.com.br/impressoras> 5 Cube 2: < http://www.3dsystems.com/3d-printers/personal/cube>

A etapa seguinte é a modelagem 3D, isto é, a representação virtual dos objetos. Esta etapa

requer a escolha e uso de ferramentas de software 3D. Está é uma etapa crítica visto que é

necessário conhecimento técnico específico. Nem sempre professores conhecem ou dominam

técnicas de modelagem 3D.

Figura 4 – Processo de utilização da tecnologia de impressão 3D no ensino

Para facilitar a modelagem 3D, é possível reutilizar modelos virtuais prontos ou similares

disponíveis em banco de dados de conteúdo aberto. Outra opção é digitalizar objetos reais,

que com a redução dos custos dos scanners 3D, esta opção passa a ser viável para as escolas.

Após a elaboração do modelo 3D ocorre a impressão 3D; etapa que depende de informações

do plano de construção onde foram observadas e consideradas as características e restrições

da impressora 3D alvo. Existem formatos comuns aceitos por diferentes fabricantes de

impressoras 3D. É importante considerar o tempo da impressão 3D, pois pode demandar

várias horas. O professor precisa considerar tal restrição dentro do seu plano pedagógico.

Como exemplo, o professor poderia trabalhar cada etapa em uma ou mais aulas.

A etapa final envolve a avaliação do objeto impresso bem como de todo o processo de

construção. A avaliação é um processo iterativo, isto é, deve ser refinado continuamente pelo

professor. Os próprios objetos produzidos, bem como os modelos virtuais desenvolvidos

podem ser compartilhados e reutilizados.

4 EXEMPLO DE USO

4.1 Entendendo o instrumento

No planejamento é necessário estudar o instrumento, os conceitos científicos, quais

características deve haver para que ele funcione de maneira adequada e o registro dessas

informações. Munido dos requisitos de funcionamento do instrumento, é possível definir as

medidas que o modelo 3D deverá ter para poder funcionar depois de impresso em 3D.

Um exemplo é a construção do experimento do Duplo Cone no Plano Inclinado. Neste

experimento o duplo cone produz uma aparente subida na rampa, contrariando a expectativa

de que ele deveria na verdade descê-la ao invés de subi-la. Inicialmente procurou-se algum

texto (Figura 5) que explicasse essa aparente subida e as condições a serem atendidas: ângulo

de inclinação e de abertura da rampa, ângulo de geração dos cones, etc. A informações

encontradas foram registradas em papel com todos os pontos que deveriam ser atendidos e a

partir daí foi possível projetá-lo considerando as características da impressora 3D alvo.

(a)

(b)

Figura 5 – (a) Duplo cone original fabricado por George Adams em 1759; (b) Vista lateral do

instrumento. Fonte: Medeiros & Medeiros (2003)

4.2 Observando as restrições da impressão 3D

As impressoras 3D são limitadas quanto ao volume de impressão. As medidas limites

podem ser diferentes em cada uma das três dimensões (X, Y e Z). Portanto é preciso atenção

no projeto do desenho dos instrumentos.

No exemplo do Duplo Cone no Plano Inclinado a impressora 3D escolhida limitava em

14 cm em todas as direções. Foi definido então que a maior medida do instrumento, o

comprimento da rampa, seria de 12 cm. A partir dela, utilizando as relações matemáticas entre

as medidas que obtidas no estudo do objeto, foram calculadas as demais medidas. Desta

forma o objeto foi desenhado dentro dos limites de impressão e ao mesmo tempo obedecendo

aos requisitos necessários para seu funcionamento. Se as dimensões do objeto excederem as

medidas permitidas pela impressora 3D, a impressão pode ocorrer em partes, isto é,

desenhando e imprimindo cada parte do separadamente e colando-as após impressas em 3D.

Outros pontos que devem ser levados em conta são a resolução de impressão e o material

utilizado na impressão, como o filamento plástico ABS6 ou PLA7, principalmente para

projetar objetos ocos, pois dependendo da espessura da casca desses objetos e sua finalidade,

por exemplo, o estudo da conservação do momento linear em colisões, a vida útil dele pode

acabar sendo inferior a desejada. Neste caso a sugestão seria de pelo menos 1 mm de

espessura nas paredes dos objetos ocos.

4.3 Elaborando esboços

Uma das etapas mais importantes é a elaboração de esboços. Esses esboços ou rascunhos

podem ser construídos usando o lápis e papel. É recomendável a elaboração de alguns

rascunhos do que se pretende desenhar e escolher um deles, visto que isso auxilia a próxima

etapa do processo que envolve a modelagem 3D dos objetos, isto é, a transformação de um

desenho em papel para um desenho virtual.

6 PLA: Poliácido lático. Termoplástico biodegradável derivado de recursos naturais como a mandioca e o milho 7 ABS: Acrilonitrila butadieno estireno. Termoplástico rígido e leve que apresenta alguma flexibilidade e resistência a

absorção de impactos

A Figura 6 mostra dois rascunhos feitos no planejamento da rampa do duplo cone e a

modelagem 3D da rampa concluída. Foi escolhido o segundo rascunho por parecer mais

simples de desenhar. Arcos e hastes foram desenhados na rampa simplesmente com a

finalidade de economizar material.

(a)

(b)

(c)

Figura 6 – (a) e (b) rascunhos da rampa; (c) Modelagem 3D da rampa concluída.

4.4 Modelando o objeto em 3D

Modelagem 3D é a criação de uma representação virtual tridimensional de um objeto

através de softwares especializados para essa tarefa. Análogo a um documento de texto que

uma impressora jato de tinta imprime, o modelo 3D de um objeto é o arquivo em que a

impressora 3D se baseará pra construir o objeto. É importante não confundir modelo 3D de

um objeto com uma simples imagem 3D. O modelo 3D é um objeto virtual. Ele pode ser feito

do zero, ou a partir de um modelo 3D de algum outro objeto que se queira editá-lo para

transformá-lo em outro, ou com a utilização de técnicas de digitalização 3D de objetos reais,

que podem ser feitas desde a utilização de uma câmera fotográfica digital comum, sensores de

movimento de videogames e scanners 3D dedicados a esta operação.

Utilizando objetos reais

Objetos reais podem ser digitalizados utilizando uma simples máquina fotográfica digital

ao tirar várias fotos contornando ele em 360º. Uma alternativa é a digitalização 3D feita com

scanners 3D8, (Figura 7). Esses equipamentos realizam um trabalho similar a de uma câmera

fotográfica, contudo neles há softwares controlando pra onde deve mover o scanner e

mostrando o resultado da união das fotografias em tempo real, isso permite posicioná-los nos

locais adequados durante a digitalização, gerando um modelo 3D razoavelmente fiel ao objeto

real. O modelo 3D gerado pelo scanner 3D necessita de poucas correções manuais.

Os scanners 3D podem ser aparelhos exclusivos para a digitalização 3D ou os sensores

de movimento como o Kinect para Windows da Microsoft9. Para utilizá-lo com essa

finalidade é necessário que ele esteja conectado a um computador que tenha instalado um

software, como o SCENET10, que faça o tratamento das imagens capturadas pelo sensor e em

tempo real mostre o resultado para que se faça a movimentação correta do sensor em torno do

objeto. A digitalização 3D de objetos reais reduz a complexidade e acelera o tempo de criação

de um modelo 3D. Contudo é preciso ficar atento a esta prática, apesar de ainda não haver

8 Scanner 3D de mão “Sense” da 3D Systems: <http://cubify.com/en/Products/Sense> 9 Kinect for Windows: < http://www.microsoft.com/en-us/kinectforwindows/> 10 SCENECT, software gratuito para digitalizar objetos com os sensores de movimento como o Kinect:

<http://www.faro.com/scenect/scenect>

uma regulamentação específica em leis, copiar objetos dessa maneira pode constituir violação

de direitos autorais.

Figura 7 – Digitalização 3D de objetos reais: (a) usando o scanner 3D de mão Sense. Fonte:

3D Systems. Fonte: SCENET.

Começando do zero

Tanto para começar um modelo 3D desde o início como para apenas a adaptação de um

existente, é necessário utilizar algum software de modelagem 3D. A escolha dele deve levar

em conta critérios técnicos, pessoais e econômicos.

Do ponto de vista técnico é preciso escolher um software compatível com os sistemas

operacionais dos computadores da escola e com a impressora 3D alvo.

Considerando que a modelagem 3D é uma atividade que requer certo conhecimento

técnico, e nem sempre os professores estão familiarizados com isso, deve-se, sempre que

possível, optar por um software de fácil aprendizagem e utilização. Aspectos econômicos

também precisarem ser considerados. Vários softwares desta natureza requerem licença de

uso. Entretanto é possível optar pelos gratuitos.

Embora existam inúmeros softwares disponíveis no mercado, três nomes são

reconhecidamente comuns nesta área: o Sketchup11, Blender12 e o Autodesk 3DS Max13. A

Tabela 2 comprara alguns dos critérios discutidos para a escolha do software de modelagem.

Tabela 2 - comparação entre três softwares de modelagem 3D

Sktechup Blender Autodesk 3DS Max

Compatibilidade com

sistemas operacionais

Windows e Mac OS Windows, Linux e Mac

OS

Apenas Windows

Facilidade de uso Fácil Médio Médio

Custo Versões gratuita e paga Gratuito Apenas pago

O software escolhido para a modelagem 3D do Duplo Cone foi a versão gratuita do

Sketchup. O software é adequado para usuários com pouca experiência com a modelagem 3D.

No projeto piloto de impressoras 3D nas escolas do governo inglês, a maioria das escolas

também utilizou o Sketchup.

Um importante auxílio para a modelagem 3D é a utilização de modelos 3D prontos. É

possível encontrar inúmeros deles à disposição em sites dedicados ao compartilhamento de

modelos 3D como o Grabcad14. Outra ferramenta são os vídeos instrutivos disponíveis em

11 SketchUp: <http://www.sketchup.com> 12 Blender: <http://www.blender.org/> 13 3DS Max: <http://www.autodesk.com/products/3ds-max/> 14

Free 3D Cad Library: <http://grabcad.com/>

sites de compartilhamento de vídeos como o Youtube, eles mostram como construir os objetos

que fazem parte do instrumento. A Figura 8 mostra alguns vídeos de modelagem de cones.

Figura 8 – Videos instrutivos encontrados no site Youtube após busca pelas palavras chaves

“Sketchup” e “cone”.

Concluído o modelo 3D do objeto, é preciso exportá-lo para o formato STL, sigla para

STereoLitography. Esse formato é padrão entre as impressoras 3D.

4.5 Imprimindo em 3D

Preparação e início da impressão

O processo de impressão inicia-se com o tratamento do arquivo STL gerado após a

conclusão da modelagem 3D do instrumento que é feito por um software geralmente

fornecido junto da impressora (Figura 9a); ele visa corrigir pequenas imperfeições que podem

comprometer a impressão, redimensionar ou reposicionar o objeto na área de impressão e

fatiar a imagem 3D do objeto em camadas, uma vez que a impressão acontece em camada a

camada. Para finalizar é gerado um arquivo num formato adequado à impressora contendo o

modelo 3D fatiado. Antes da impressão propriamente dita, é necessário uma preparação da

superfície de impressão, onde espalha uma camada de cola sobre a superfície em que o

filamento de impressão será depositado (Figura 9b). Inicialmente cabeçote de impressão é

aquecido para alcançar a temperatura de fusão do filamento plástico. Em seguida a impressora

constrói uma base que funciona como suporte do objeto a ser impresso (Figura 9c).

(a) (b) (c)

Figura 9 – (a) Tratamento do modelo 3D ante à impressão; (b) aplicação da cola na

superfícies de impressão (Fonte: Cliever Tecnologia); (c) base de impressão.

Acabamento manual no objeto impresso

Concluída a impressão dos objetos, é preciso realizar um acabamento manual. O

acabamento consiste na remoção da base de impressão e polimento do excesso de material.

No caso do Duplo Cone foi preciso cortar a base de impressão do duplo cone (Figura 10a) e

lixar as superfícies (Figura 10b e 10c).

,

(a)

(b)

(c)

Figura 10 – (a) corte do suporte de impressão; lixamento do duplo cone (b) e da rampa (c)

Estimando os custos de impressão

Estimativas são úteis para ajudar a analisar em que situações o uso da impressora 3D é

realmente útil neste momento em que a tecnologia de impressão 3D emerge no ambiente

educacional. Na impressão dos objetos para o experimento do Duplo Cone foram analisados o

custo e o tempo de impressão. A Tabela 3 mostra os tempos dispendidos. Ressaltamos que o

tempo de modelagem 3D pode ser reduzido quanto se opta pelo uso de modelos 3D prontos,

bastando apenas imprimir e realizar o acabamento. O tempo de impressão pode ser reduzido

dependendo do tipo de impressora. Quanto ao custo de impressão optou-se por considerar

todo o material impresso, a base de impressão e os objetos. Para obter a quantidade de

material gasto foi utilizada uma balança. No Duplo cone foi utilizado um cartucho de plástico

PLA, encontrado a um custo médio de R$ 223,20 no varejo brasileiro15. Nesta referência, o

Duplo Cone que pesou 30g, custou R$ 20,95. É importante frisar que o custo poderia ser

reduzido, visto que existem vários outros modelos de impressora 3D que utilizam o filamento

plástico fora de um cartucho proprietário.

Figura 11 – Peso do material

impresso.

Tabela 3 - Tempo dispendido com o Duplo Cone

Rascunho e modelagem 3D: 3h

Preparação para a impressão: 0h15

Impressão (nesta etapa apenas a impressora 3D trabalha)

4h24

Acabamento manual: 0h30

Total: 8h09

15 Cartucho PLA Verde Para Impressora 3D Cube. Livraria Saraiva. Por R$ 223,20 em 1x no cartão de crédito:

<http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/5057686/cartucho-pla-verde-para-impressora-3d-cube/> Acessado em

14/08/2014

Avaliando os resultados

Para que a construção do instrumento didático através da impressão 3D seja considerada

adequada é preciso de ele funcione de acordo com o planejado, isto é, recrie o experimento.

Resultados inesperados não constituem necessariamente um problema. Um exemplo

disso aconteceu com o duplo cone. A base de impressão interferiu na densidade numa das

superfícies (Figura 12), fato que gerou um deslocamento do centro de massa. Essa diferença

de densidade condicionou a colocação do duplo cone na rampa: caso ele seja colocado com a

superfície mais densa voltada para baixo, não ocorre torque suficiente para iniciar o

movimento e ele permanece estático na rampa (Figura 13). Contudo, quando o duplo cone é

colocado fora desse ponto de equilíbrio, ele produz a aparente subida proporcionando

curiosidade aos alunos que o observam.

Falhas desse tipo podem ser resolvidas escolhendo outra posição de impressão,

realocando o suporte de impressão a fim de evitar diferenças na densidade de material em

locais que influenciam na posição do centro de massa. Outra solução seria modelar o duplo

cone com um pequeno furo em alguma de suas extremidades para colocar areia dentro dele

depois de impresso e fechar o furo com uma gota de cola. Com o aumento da massa

proporcionado pela inclusão da areia no seu interior, a leve diferença de densidade na

superfície seria desprezível.

Figura 12 - Diferença de densidade de material

entre a superfice onde foi impresso o suporte e o

lado oposto

Figura 13 – Duplo cone colocado na

rampa com a superfície mais densa para

baixo: permanece estático.

Compartilhando o conhecimento

Um dos aspectos que torna a impressão 3D ainda atraente no ambiente escolar é a

possibilidade de compartilhar os instrumentos didáticos. Depois que o professor ou o

estudante modelou o instrumento em 3D, imprimiu-o e comprovou seu funcionamento, O

conhecimento gerado pode compartilhado através da internet. Há comunidades virtuais

dedicadas ao compartilhamento desses arquivos como o Grabcad16

. Essa característica oferece

a possibilidade para pesquisadores da área de educação criar instrumentos didáticos e

experimentos com a impressora 3D, e junto a um artigo num periódico científico, pode

publicar o modelo 3D passando um link para outros interessados no uso deste experimento.

16 O modelo 3D do duplo cone está disponível em: <http://grabcad.com/library/duplo-cone-no-plano-inclinado-double-cone-

on-ramp-1>

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como a maioria das TICs, a tecnologia de impressão 3D deverá ganhar espaço no dia a

dia das residências e das escolas. O custo cairá com a aumento da disponibilidade de

equipamentos. Mais uma vez será necessário que o professor que saiba com fazer uso desta

tecnologia. Este artigo contribui com um modelo de processo separado por atividades que

mostra por onde o professor deve começar e como deve seguir para incorporar esta nova

tecnologia nas suas atividades de ensino. Outro aspecto importante deste trabalho está no

alerta aos professores em dois pontos: a) na necessidade constante de formação relacionada

com o uso das TICs; b) no reuso, divulgação e compartilhamento do conhecimento gerado. O

conhecimento do conteúdo é apenas parte dos saberes necessários para os professores.

Também é preciso conhecimento tecnológico, isto é, a compreensão e domínio da linguagem

digital. Utilizar adequadamente a tecnologia de impressão 3D requer do professor o domínio

de novas técnicas. No que diz respeito a geração de conhecimento, é importante que o

professor compreenda que agora ele também é produtor de conhecimento e que pode e deve

colocar este conhecimento disponível para os demais.

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Moacir Pereira de Souza Filho da Faculdade de Ciências e Tecnologia da

Unesp de Presidente Prudente, pelas suas aulas e sugestões que muito contribuíram para os

nossos estudos da utilização da tecnologia de impressão 3D no ensino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SPARKS, T. E. et al. Educating high school students and teachers in rapid prototyping and

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Conference & Exposition, 2004, Missouri. Proceedings... University of Missouri. 2004.

BUILDING OF DIDACT INSTRUMENTS WITH 3D PRINTERS

Abstract: This work shows how didactic materials for sciences teaching can be developed with the use

of 3D printing technology. This type of technology requires care and planning. A process

model describes step by step how a teacher can work with 3D printing technology. The

construction of physical objects needed for an experiment research in physics teaching is

used as an example to demonstrate and discuss each step of the process model. At the end of

the text shows how the knowledge can be disclosed, shared and reused by educators.

Key-words: Science teaching, Instrumentation for science teaching, 3D printing, Science and

Technology.